Auto de interdição do presídio de araranguá

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Autos n. 004.13.005331-0 Ação: Outros/Outros Autor: Ministério Público de Santa Catarina e outro Vistos, etc. Trato do processo administrativo em que o representante do Ministério Público que oficia perante este Juízo requer a interdição do Presídio Regional de Araranguá, pelas razões elencadas na inicial e documentos. Recebida a inicial, este Juízo acolheu parcialmente o pedido de interdição, determinando o cumprimento de uma série de exigências, em prazos diversos, como condicionantes para a manutenção do funcionamento do Presídio, reconhecidamente em condições inseguras e insalubres, em desrespeito a todas as normas legais aplicáveis à abertura de um estabelecimento penal no ordenamento pátrio, sem contar uma série de tratados internacionais sobre direitos humanos dos quais esta nação é signatária. Durante a tramitação do feito, algumas medidas foram obedecidas pela administração penitenciária do Estado e outras até a presente data não foram sequer adequadamente respondidas até a presente data. Foram realizadas também, por determinação deste Juízo, vistorias pelo Corpo de Bombeiros e pela Vigilância Sanitária do Estado, em que as irregularidades apontadas pelo requerente deste processo administrativo foram devidamente demonstradas, mostrando as inadequações estruturais do prédio e a situação insalubre e perigosa a que estão submetidos os internos e os servidores daquela unidade prisional. É de se acrescentar que o pedido de interdição foi precipitado por um motim e princípio de incêndio ocorrido no mês de abril de 2013 naquele unidade em que somente se pode imputar a falta de conseqüências mais graves a alguma espécie de intervenção divina e à cooperação entre os agentes prisionais e parte dos internos. Para piorar, neste mês de abril último, uma tentativa de fuga do pátio do presídio, durante o horário de visitação, redundou no disparo de armas de fogo dos seguranças terceirizados armados presentes nas muradas do ergástulo (também por motivo completamente ignorado por este magistrado, há regulamentação legal vedando a presença da força pública do estado na manutenção da segurança em estabelecimentos penais) e que também não resultou em uma tragédia por intervenção pura e simples da fortuna e pela extrema habilidade dos agentes públicos envolvidos no gerenciamento da crise. Quanto à premente questão da superlotação inaceitável da unidade, após quase seis meses de interdição, e muito por esforço dos outros atores envolvidos na questão, houve uma diminuição sensível do número de presos internos no Presídio Regional de Araranguá, situação que fugiu novamente do controle, de modo que se encontra hoje situação semelhante a que havia na unidade quando da tomada da decisão que interditou parcialmente o local há quase um ano hoje. A fundamentação legal sobre a interdição do presídio já foi devida e cumpridamente exposta na decisão de fls. 47/51, não precisando este Magistrado se alongar novamente sobre o assunto, tomando por brevidade os fundamentos jurídicos daquela decisão como razão desta decisão também. Por outro lado, o presídio mostra-se completamente inadequado para a finalidade a que se destina, conforme se denota pela farta documentação juntada aos autos. A situação de lotação, número de servidores por preso, salubridade e segurança do local não atendem o mínimo necessário para um tratamento digno aos que lá se encontram cumprindo pena ou aguardando julgamento e para fornecer um mínimo de segurança para os que lá trabalham e de tranqüilidade para a população ordeira desta comarca e desta região. Não bastassem todos os esforços envidados por esta Corregedoria, inclusive com a decretação da interdição parcial e a fixação de prazos, quase todos desrespeitados pela administração prisional do Estado, notícia recente demonstra a existência de recursos para que se tenha solução para os problemas apontados na unidade, mas a aparente falta de vontade dos agentes

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Autos n. 004.13.005331-0 Ação: Outros/Outros Autor: Ministério Público de Santa Catarina e outro

Vistos, etc.Trato do processo administrativo em que o representante do Ministério Público

que oficia perante este Juízo requer a interdição do Presídio Regional de Araranguá, pelas razões elencadas na inicial e documentos.

Recebida a inicial, este Juízo acolheu parcialmente o pedido de interdição, determinando o cumprimento de uma série de exigências, em prazos diversos, como condicionantes para a manutenção do funcionamento do Presídio, reconhecidamente em condições inseguras e insalubres, em desrespeito a todas as normas legais aplicáveis à abertura de um estabelecimento penal no ordenamento pátrio, sem contar uma série de tratados internacionais sobre direitos humanos dos quais esta nação é signatária.Durante a tramitação do feito, algumas medidas foram obedecidas pela administração penitenciária do Estado e outras até a presente data não foram sequer adequadamente respondidas até a presente data.Foram realizadas também, por determinação deste Juízo, vistorias pelo Corpo de Bombeiros e pela Vigilância Sanitária do Estado, em que as irregularidades apontadas pelo requerente deste processo administrativo foram devidamente demonstradas, mostrando as inadequações estruturais do prédio e a situação insalubre e perigosa a que estão submetidos os internos e os servidores daquela unidade prisional.É de se acrescentar que o pedido de interdição foi precipitado por um motim e princípio de incêndio ocorrido no mês de abril de 2013 naquele unidade em que somente se pode imputar a falta de conseqüências mais graves a alguma espécie de intervenção divina e à cooperação entre os agentes prisionais e parte dos internos.Para piorar, neste mês de abril último, uma tentativa de fuga do pátio do presídio, durante o horário de visitação, redundou no disparo de armas de fogo dos seguranças terceirizados armados presentes nas muradas do ergástulo (também por motivo completamente ignorado por este magistrado, há regulamentação legal vedando a presença da força pública do estado na manutenção da segurança em estabelecimentos penais) e que também não resultou em uma tragédia por intervenção pura e simples da fortuna e pela extrema habilidade dos agentes públicos envolvidos no gerenciamento da crise.Quanto à premente questão da superlotação inaceitável da unidade, após quase seis meses de interdição, e muito por esforço dos outros atores envolvidos na questão, houve uma diminuição sensível do número de presos internos no Presídio Regional de Araranguá, situação que fugiu novamente do controle, de modo que se encontra hoje situação semelhante a que havia na unidade quando da tomada da decisão que interditou parcialmente o local há quase um ano hoje.

A fundamentação legal sobre a interdição do presídio já foi devida e cumpridamente exposta na decisão de fls. 47/51, não precisando este Magistrado se alongar novamente sobre o assunto, tomando por brevidade os fundamentos jurídicos daquela decisão como razão desta decisão também.

Por outro lado, o presídio mostra-se completamente inadequado para a finalidade a que se destina, conforme se denota pela farta documentação juntada aos autos. A situação de lotação, número de servidores por preso, salubridade e segurança do local não atendem o mínimo necessário para um tratamento digno aos que lá se encontram cumprindo pena ou aguardando julgamento e para fornecer um mínimo de segurança para os que lá trabalham e de tranqüilidade para a população ordeira desta comarca e desta região.

Não bastassem todos os esforços envidados por esta Corregedoria, inclusive com a decretação da interdição parcial e a fixação de prazos, quase todos desrespeitados pela administração prisional do Estado, notícia recente demonstra a existência de recursos para que se tenha solução para os problemas apontados na unidade, mas a aparente falta de vontade dos agentes

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públicos responsáveis e deixando a impressão de que não existe interesse da administração em cumprir a decisão acima citada.

Dias atrás no sítio do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, chamou atenção a notícia de que o eminente Desembargador Presidente do Tribunal de Justiça, no exercício temporário do Governo do Estado de Santa Catarina, assinou ordem de serviço para o início das obras de adequação da Penitenciária da comarca de Curitibanos (disponível em: http://portal.tjsc.jus.br/web/sala-de-imprensa/-/des-nelson-entrega-ordem-de-servico-para-con http://portal.tjsc.jus.br/web/sala-de-imprensa/-/des-nelson-entrega-ordem-de-servico-para-con strucao-da-penitenciaria-de-curitibanos, acessada na data de hoje).

Considerando a evidente disponibilidade de recursos para construções e adequações no sistema prisional, não existe a mais mínima desculpa para não ter existido ainda nenhuma resposta à situação caótica enfrentada pela unidade prisional desta comarca. A administração prisional do Estado atuando desta maneira demonstra claramente que não tem nenhum interesse em resolver a situação descrita nestes autos, escarnecendo não apenas da decisão judicial já mencionada, mas também dos mínimos direitos humanos da população carcerária e da situação de insegurança em que está inserida toda a população do extremo sul do Estado pela sua inação.

Esta notícia é ainda mais gravosa porque é de conhecimento da administração prisional do Estado que em meados do ano passado foi criada uma força-tarefa da Defensoria Pública do Estado e da União para efetuar um mutirão carcerário neste Estado. Quando da apresentação do relatório com os resultados do dito mutirão, em reunião ocorrida no Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que contou com a presença inclusive de membros do Governo do Estado, destacou-se que a situação mais tranqüila encontrada no sistema prisional catarinense era exatamente a da comarca de Curitibanos. Em contrapartida, o oposto desta situação era exatamente a do Presídio Regional de Araranguá, considerado como uma das piores estruturas físicas e lotação entre as unidades vistoriadas.Apesar de ter certeza que a Penitenciária de Curitibanos não deve ser isenta de problemas, dar preferência por estruturar tal unidade em detrimento do presídio regional desta comarca torna evidente no mínimo incapacidade eleger prioridades e resolver problemas, o que é extremamente absurdo.

Como juiz criminal, não há como deixar de verificar a situação paradoxal em que se está envolvido ao aplicar justa e inexoravelmente a legislação penal pátria para submeter os desviantes da norma à punição adequada prevista na lei, mas não ter meios para, por outro lado, exigir do Estado as contrapartidas, também limitadas ao que exige minimamente o ordenamento pátrio, como condições para o exercício legítimo do direito de punir.

Também não se pode esquecer que a ocorrência de dois incidentes graves no espaço de um ano, em que a sorte foi o fator determinante para que não tivessem ocorrido tragédias memoráveis na unidade prisional, força-me a tomar a única medida responsável e adequada, a fim de futuramente não ser acusado, na melhor das hipóteses, de conivência com a situação.

Desta forma, determino a interdição total do Presídio Regional de Araranguá, proibindo o ingresso de novos presos no estabelecimento até que a lotação chegue ao máximo em 200 pessoas, dividida esta quantidade em 150 homens e 50 mulheres.Tendo em vista a necessidade de adequação da administração prisional do Estado para o cumprimento desta decisão, fixo como dia para o início do cumprimento desta decisão o dia 01 de julho de 2014.

Comunique-se a Corregedoria-Geral da Justiça sobre esta decisão.Comuniquem-se os juízes das comarcas de Turvo, Sombrio, Meleiro e Santa Rosa do Sul, bem como o juiz da 1.ª Vara Criminal desta comarca.Comuniquem-se o Delegado Regional de Polícia e o comando do 19.º Batalhão de Polícia Militar.Intime-se o Estado de Santa Catarina sobre esta decisão, através do Procurador-Geral do Estado. Oficie-se o Secretário de Justiça e Cidadania e o Diretor do DEAP para cumprimento da ordem.

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Notifique-se o representante do Ministério Público.Araranguá (SC), 06 de junho de 2014.