Atitude Transdisciplinar no contexto da pesquisa-2010

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1 ATITUDE TRANSDISCIPLINAR NO CONTEXTO DA PESQUISA EDUCACIONAL Profa. Dra. Solange Martins Oliveira Magalhães Universidade Federal de Goiás [email protected] Profa. Dra. Ruth Catarina C. R. de Souza Universidade Federal de Goiás [email protected] RESUMO: Com o objetivo de contribuir com as pesquisas voltadas para a compreensão da atitude transdisciplinaridade no contexto da pesquisa educacional, apresentamos um relato de experiência, no qual procuramos evidenciar como promovemos a constituição da postura transdisciplinar no grupo de pesquisa interinstitucional do Centro-Oeste. Destacamos a necessidade da atenção permanente não apenas aos conhecimentos epistemológicos, filosóficos ou pedagógicos, mas, principalmente, àqueles referentes à necessidade de reformulação constante dos processos de pesquisa, e ainda, trabalhar efetivamente o processo relacional, manutenção do diálogo permanente, postura dialógica, motivação dos membros e constante reflexão sobre o trabalho desenvolvido, a fim de que todos possam alcançar o autoconhecimento. Concluímos que somos mestres e aprendizes, valorizando a importância da comunhão, da observação, da autoeducação, do cuidar-se, do olhar-se, do ver-se, do ouvir-se, do cheirar-se, do silenciar-se, do respirar-se, do cooperar, enfim, do conhecer-se, possibilitando a construção de atitudes transdisciplinares. É possível instituir nos espaços educacionais, sobretudo no campo da pesquisa interinstitucional, uma atitude transdisciplinar. Isso poderá promover uma formação mais humana, cooperativa e, sem dúvida, mais feliz. PALAVRAS-CHAVE: Atitude transdisciplinar. A arte de pesquisar juntos. Educação, Pesquisa educacional. A pesquisa Interinstitucional A formação e a atuação do professor estão entre os temas mais recorrentes da literatura educacional nacional e internacional da atualidade. No transcorrer dos últimos vinte anos houve um significativo e gradativo aumento de pesquisas e publicações sobre o professor e sua formação, não só em nosso país. Na expressão de Dias-da-Silva, (2005, p. 382) “nunca se teve disponíveis tantos resultados de pesquisa so bre a realidade brasileira [...] nunca o país investiu tanto na formação continuada de seus professores”.

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ATITUDE TRANSDISCIPLINAR NO CONTEXTO DA PESQUISA

EDUCACIONAL

Profa. Dra. Solange Martins Oliveira Magalhães

Universidade Federal de Goiás

[email protected]

Profa. Dra. Ruth Catarina C. R. de Souza

Universidade Federal de Goiás

[email protected]

RESUMO: Com o objetivo de contribuir com as pesquisas voltadas para a compreensão

da atitude transdisciplinaridade no contexto da pesquisa educacional, apresentamos um

relato de experiência, no qual procuramos evidenciar como promovemos a constituição

da postura transdisciplinar no grupo de pesquisa interinstitucional do Centro-Oeste.

Destacamos a necessidade da atenção permanente não apenas aos conhecimentos

epistemológicos, filosóficos ou pedagógicos, mas, principalmente, àqueles referentes à

necessidade de reformulação constante dos processos de pesquisa, e ainda, trabalhar

efetivamente o processo relacional, manutenção do diálogo permanente, postura

dialógica, motivação dos membros e constante reflexão sobre o trabalho desenvolvido, a

fim de que todos possam alcançar o autoconhecimento. Concluímos que somos mestres

e aprendizes, valorizando a importância da comunhão, da observação, da autoeducação,

do cuidar-se, do olhar-se, do ver-se, do ouvir-se, do cheirar-se, do silenciar-se, do

respirar-se, do cooperar, enfim, do conhecer-se, possibilitando a construção de atitudes

transdisciplinares. É possível instituir nos espaços educacionais, sobretudo no campo da

pesquisa interinstitucional, uma atitude transdisciplinar. Isso poderá promover uma

formação mais humana, cooperativa e, sem dúvida, mais feliz.

PALAVRAS-CHAVE: Atitude transdisciplinar. A arte de pesquisar juntos. Educação,

Pesquisa educacional.

A pesquisa Interinstitucional

A formação e a atuação do professor estão entre os temas mais recorrentes da

literatura educacional nacional e internacional da atualidade. No transcorrer dos últimos

vinte anos houve um significativo e gradativo aumento de pesquisas e publicações sobre

o professor e sua formação, não só em nosso país. Na expressão de Dias-da-Silva,

(2005, p. 382) “nunca se teve disponíveis tantos resultados de pesquisa sobre a realidade

brasileira [...] nunca o país investiu tanto na formação continuada de seus professores”.

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A definição do "professores(as)" como problema é, atualmente, um tema que

está presente tanto entre os que defendem sua reformulação no sentido de modificar a

atuação dos(as) professores(as) para adaptá-la às novas exigências do capital, quanto

entre aqueles que são contra essas adaptações, uma vez que se preocupam não só com a

quantidade, mas também e, sobretudo, com a qualidade dessa atuação. Sacristán (2002,

p. 82) estabelece uma análise crítica desta produção, considerando que embora a

profissão docente esteja em pauta, a maior parte desta investigação “é enviesada,

parcial, desestruturada, descontextualizada e não entra na essência dos problemas”.

Estudos sobre a produção acadêmica que analisam a produção desenvolvida por

docentes e pesquisadores vêm ocorrendo com certa freqüência nas universidades

brasileiras. Esses trabalhos, para Larocca, Rosso e Pietrobelli de Souza (2005), têm sido

desenvolvidos a partir de um processo metaanalítico da produção existente,

contribuindo significativamente para analisar os processos adotados na produção do

conhecimento. São relevantes os estudos avaliativos, sobretudo para os próprios

Programas de Pós-Graduação, por permitirem a crítica do conhecimento produzido,

apontando aspectos positivos e/ou negativos e por investirem na melhoria da produção.

A pesquisa “A produção acadêmica sobre professores – estudo interinstitucional

da Região Centro-Oeste” se insere nesse contexto. Trata-se de um amplo grupo de

pesquisadores que investiga a também ampla produção que os próprios programas da

Região Centro-Oeste desenvolvem sobre o professor, no período de 1999-2009. Esse

grupo de pesquisadores desenvolve trabalho conjunto há seis anos, e concorda que um

dos maiores desafios da universidade do terceiro milênio é encontrar novas formas de

cooperação institucional para a pesquisa no campo educacional. Além disso, considera

ser notória a importância do trabalho associativo frente à amplitude da produção na

medida em que ele é estratégico “pelo poder político que conquista no próprio fazer

científico e, pela legitimação da comunidade acadêmica” (FRANCO E MOROSINI,

2001, p. 20).

Dessa maneira o grupo empenhou-se em constituir e consolidar-se, o que tornou

claro os benefícios da parceria. Ela possibilita o enfrentamento das dificuldades com as

quais o grupo depara-se, viabilizando o caráter cooperativo da pesquisa. Além disso, a

pesquisa permite agregar orientandos, alunos da graduação, bolsistas e pesquisadores de

diferentes formações atuantes em várias disciplinas e contextos da Região Centro-Oeste,

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numa postura claramente integrativa de seus saberes, o que indica o desenvolvimento de

uma consciência que entende que somos um todo, integrado que acolhe os fragmentos

com os quais todos são formados para torná-los interdependentes e interconectados.

Esta pesquisa, a partir de outubro de 2009, passou a ser à base da

REDECENTRO - Rede de Pesquisadores sobre os Professores (as) na Região Centro-

Oeste, e também é referência para uma disciplina desenvolvida no programa de pós-

graduação da UNIUBE. Atualmente, participam da pesquisa: 21 professores

pesquisadores, 23 pesquisadores colaboradores (alunos e ex-alunos de pós-graduação),

15 bolsistas de iniciação científica que procuram manter a base para o exercício da

atitude transdisciplinar na pesquisa educacional ao promover o dialogo, a interligação

dos saberes, bem como o autoconhecimento de seus participantes, o que favorece uma

vivencia mais respeitosa e humanizada (MORIN, 2001; 2002; 2007).

A pesquisa envolve um número significativo de Programas de Pós-Graduação

em Educação: UFG, UnB, UNIUBE, UFMT, UFMS, UFU e UFT. Analisa as

dissertações sobre professores(as), nos respectivos programas de cada universidade

associada, e empenha-se no alcance dos seguintes objetivos: - a identificação,

organização e catalogação da produção sobre o professor no período - o conhecimento

da produção e de seu efetivo significado para melhoria da formação do professor e da

educação escolar brasileira; - a constituição de espaços interativos para promoção do

intercâmbio de dados e informações entre os pesquisadores da área na Região; - a

contribuição para os trabalhos de orientação de estudos, pesquisas e publicações nos

referidos programas. Essa organização permitiu contextualizar historicamente as

produções e possibilitou uma primeira compreensão histórica do que foi predominante

no período, em cada programa, e nas diferentes sub-áreas temáticas.

Diferentemente da maioria dos estudos caracterizados como “estado da arte”,

optamos por ler não só os resumos, mas o texto completo das dissertações, pois

verificamos que, na sua maioria, as informações veiculadas pelos resumos não traduzem

o trabalho desenvolvido pelos discentes e não fornecem elementos consistentes para a

investigação. A partir desta leitura integral, as obras são analisadas, catalogadas e

discutidas em cada grupo que compõe a pesquisa. As categorias de análise utilizadas na

avaliação desses trabalhos estão consolidadas em uma “ficha de análise” comum a todas

as equipes.

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Nossa proposta visa resgatar e analisar o conhecimento sobre o professor em

suas múltiplas dimensões, fazendo uma síntese que enfoque aspectos de seus discursos e

que revelem tendências e relevâncias para o desenvolvimento da educação brasileira, a

partir da produção universitária. Esta análise busca elaborar uma perspectiva histórica,

contextualizada nos processos sociais, em especial nas políticas da educação superior

para os estudos pós-graduados, e na sua respectiva política de avaliação. Para tanto,

consideramos não só influências advindas das reformas neoliberais impostas pelos

organismos financiadores internacionais, traduzidas nas ações dos governos recentes,

mas também as que representam conquistas dos movimentos sociais, que foram capazes

de interferir na agenda das políticas educacionais neste início de século.

Constituição da atitude transdisciplinar: a pesquisa como processo relacional,

dinâmico, dialógico e complexo - tecitura paciente de esforços e energias

Todo trabalho coletivo envolve muitas dificuldades que só a imbricação de razão

e desejo pode propiciar a construção de respostas capazes de auxiliar o grupo na

superação adequada dos seus desafios, e a incorporação gratificante das soluções

conceituais advindas de cada momento de dificuldade. Neste sentido, analisamos que o

grupo consegue instituir a postura transdisciplinar no contexto da pesquisa educacional

ao promover a reformulação constante dos processos da própria pesquisa. Para tanto,

trabalha efetivamente o processo relacional, o diálogo permanente, postura dialógica,

motivação dos membros e constante reflexão do e sobre o grupo a fim de que todos

possam alcançar o desenvolvimento do processo de autoconhecimento.

Essa atitude, aqui reconhecida como transdisciplinar, pode inaugurar uma nova

postura no campo da pesquisa, e, consequentemente, para a educação, pois potencializa

um novo olhar que se expressa na multiplicidade de vários olhares presentes na

interlocução da pesquisa. Lembremos que os pesquisadores são advindos de vários

campos de formação que têm de dialogar entre si, manifestando olhares que não devem

ser excludentes, mas acolhedores, cooperativos e solidários. Essa forma de trabalhar

coletivamente distancia-se de formas autoritárias, o que possibilita, a cada membro da

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pesquisa, ser autoridade de si, por sentir-se autoconfiante e acolhido na expressão do

seu conhecimento.

Para tanto, os posicionamentos assumidos no contexto da pesquisa não podem

ser preconceituosos, se faz necessário saber viver na diferença, com a capacidade de

dialogar para viver efetivamente a dialogia do processo. O conviver dos membros do

grupo tende ser humano, amigo, amoroso, o que torna cada membro capaz de ver e

respeitar o outro, seu espaço, suas funções, um respeito pensado e refletido como aquele

que cada membro do grupo gostaria de receber, em suas dificuldades ou especiais

contribuições.

Isso implica reconhecer a pesquisa como processo relacional, dinâmico,

dialógico e complexo cujo fundamento seja o com-viver. O pensamento complexo,

enquanto aporte teórico norteador, definido por Edgar Morin (2007) como Princípio da

Complexidade, possibilita transcender a análise do “ser” tão somente enquanto ser

material e econômico, considerando suas demais dimensões. O cerne do pensamento

complexo é distinguir, mas não separar; considerar todas as dimensões do “ser”, do

contexto e da relação permanente entre os sujeitos, de cada ser consigo mesmo, e com o

seu contexto social, histórico, cultural, político, econômico, ecológico, espiritual,

místico, e cósmico.

O grupo da pesquisa interinstitucional preocupa-se em estabelecer uma relação

dialógica como uma tentativa de superar a forma como tem sido produzido o

conhecimento científico, pela humanidade, especialmente a partir deste último século.

Essa forma de conhecimento tem se mostrado cada vez mais fragmentada, rígida,

metódica, dirigida para a especialização e,cujo princípio de explicação se traduz por um

“princípio de simplificação” (separação/redução).

A fragmentação, a dualidade e a separatividade, características do paradigma

newtoniano-cartesiano, assumem, para os membros da pesquisa, formas extremamente

sutis e refinadas nas teorias científicas contemporâneas, que passaram a ser

questionadas com o advento da física quântica (CAPRA, 1995). Podemos exemplicar

pontuando a fragmentação das especializações, o desvinculamento dos valores

superiores da humanidade, a abordagem competitiva nas relações humanas e a

exploração da natureza, o esgotamento progressivo dos recursos naturais, o consenso de

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que a natureza existe para o homem, a visão de homem como ente consumidor, e a

confusão entre riqueza material e felicidade.

Chauí (2003) ao analisar a sociedade contemporânea considera que essas

características se concretizam na universidade fazendo com que ela deixe de ser uma

instituição social e passe a ser uma organização. Historicamente a universidade

enquanto ação social estava fundada no reconhecimento público e estruturada por

parâmetros e valores de reconhecimento e legitimidade internos a ela. Sua legitimidade

estava alicerçada na idéia de autonomia do saber, construído a partir de uma lógica que

lhe era imanente. Na atualidade, ao se conceber a universidade como organização

admite-se que sua prática seja regida pela instrumentalidade para atingir a eficácia e,

que seja estruturada a partir das idéias de previsão, controle e êxito.

Aprofundando a análise da universidade organizacional ressalta-se uma

característica marcante desse processo: a idéia de compressão espaço temporal

engendrada a partir da fragmentação e globalização da produção econômica Esta é

aliada à tendência da sociedade atual para a aceleração, a fluidez, a existência de formas

de saber ilimitadas, que estariam interferindo na capacidade de pensar e refletir. Esse

cenário tem ainda como característica um incentivo do conhecimento não cumulativo,

originando como conseqüência formas de individualismo, fragmentação, dispersão, um

descomprometimento que impede até o conhecimento de si mesmo Nessa análise é

salientado como essa universidade alimenta o culto da individualidade, o voltar-se para

si mesmo, o encolhimento de interesses e a estreiteza de espírito. Nela não se aprende

mais a pensar como homens públicos, mas apenas como homens privados (SOUZA,

2008).

Há que se considerar neste contexto que os posicionamentos assumidos pelo

grupo de pesquisa, manifestam, assim como tantos outros, a existência de processos

inovadores que estão relacionados à emancipação, compromissadas com as rupturas

paradigmáticas, que atuam no sentido das mudanças, na contramão de processos

hegemônicas de regulação, instituídos para a universidade organizacional. É neste

contexto que o grupo procura manter no seu interior e através de suas ações, outras

dinâmicas reconhecidamente transdisciplinares, que têm sido vivenciadas na pesquisa

interinstitucional, de forma a contribuir para a formação de seus pesquisadores e

colaboradores, no sentido de torná-los seres autônomos e conscientes.

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Inspirados em Boaventura Santos (2007) ensaiamos construir uma “nova

epistemologia” e incentivamos seu desenvolvimento na pesquisa interinstitucional sobre

professores do centro-oeste. Ao pontuar as ações que julgamos estarem sendo baseadas

na transdisciplinaridade, acreditamos que elas favorecem a superação de nossa “mente

condicionada” e, quem sabe, ultrapassando tais limitações possamos nos tornar

pesquisadores com uma ampla autonomia exercendo nossa capacidade criadora.

De acordo com Soares (2002), a atitude transdisciplinar no campo da educação

deve ocupar-se com a construção de uma reflexão sobre a natureza do saber humano,

sobre o processo de complexidade dos diferentes conteúdos do conhecimento das

disciplinas, tendo como eixo central a tomada de consciência da humanidade do ser

humano. O autor nos promove o entendimento de que diante das transformações que

surgem constantemente no nosso dia-a-dia, sobretudo em nossas instituições públicas,

as propostas transdisciplinares auxiliam-nos na superação do condicionamento do nosso

ver, ouvir, sentir, viver e construir.

Além disso, podem também influir no processo da formação do ser, porque

possibilitam a compreensão da complexidade em que vivemos através da consciência de

nós mesmos via desenvolvimento do autoconhecimento. Ao nos instrumentalizar, as

propostas transdisciplinares facilitam o rompimento com o paradigma da simplicidade,

o que possibilita a construção de novas aprendizagens e compreensões que se

fundamentam nos princípios do pensamento complexo (MORIN, 2007). Nas palavras de

Morin, trata-se de nos preocuparmos com a constituição de uma cabeça bem feita, que

vale muito mais do que uma bem cheia, isso significa que o sujeito tende estar

preparado para organizar os conhecimentos, e não somente acumulá-los.

Os estudos sobre complexidade e transdisciplinaridade têm suscitado essas

inquietações no decorrer do processo da construção da pesquisa. Essas se ligam,

principalmente ao como promover apreendizagens significativas, relações interpessoais

solidárias, produção do conhecimento científico significativo, enfrentamento da tensão

permanente dos elementos epistemológicos, gnosiológicos, lógicos, ontológicos,

metodológicos, éticos e, elementos externos, advindos dos vários campos de formação

dos pesquisadores, determinantes da realidade sócio-histórica que vivemos.

Essa perspectiva gera o conjunto de princípios, de inteligibilidade que ligados

uns aos outros, podem impor as condições de uma concepção complexa do universo.

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Nesta perspectiva o paradigma da complexidade permite questionar as formas de

explicação mecanicistas, fragmentadas e reducionistas, estabelecidas como modelos de

verdade na organização do saber. Fundamentado nesses princípios pode ainda funcionar

como estímulo para os pesquisadores a fim de que, a partir de seus trabalhos, eles

reconheçam a existência de traços singulares, originais, históricos, o caráter

multidimensional das realidades que compreendem o objeto das pesquisas. Além disso,

possibilita um viver participativo, respeitoso, através do diálogo, além de acolher novas

propostas teóricas que se propõem a confrontar o paradigma da simplicidade (MORIN,

2001; 2002; 2007). Apropriar-se desses princípios e praticá-los no processo de pesquisa

é inserir-se num movimento vivo, que dialoga com contradições, divergências,

convergências, quer seja na esfera subjetiva ou objetiva, individual ou coletiva.

Percebemos que praticar esses princípios é impulsionar o fazer de uma ciência

com consciência (MORIN, 2007), de si mesmo, do grupo, do processo de produção do

conhecimento. No desenvolvimento da pesquisa não nos furtamos às discussões,

ouvimos a todos com respeito, tentamos aproveitar as contribuições de cada um, numa

atitude de abertura e de aprendizagem permanente. No processo investigativo que

vivenciamos aprendemos a valorizar a construção de uma identidade individual e

coletiva que nos permite assumir nosso papel social como educadores.

Aprendemos a reconhecer que nós professores/as temos necessidade desta

dimensão coletiva que seja criadora de culturas profissionais incontornáveis aos

docentes. Por isto consideramos o trabalho em equipe como uma face essencial desta

cultura profissional baseada, sobretudo, na cooperação.

A realidade experiencial vivida pelo grupo de trabalho da pesquisa

interinstitucional promove seu estado de com-vivência, e isso possibilita a sua

reconstrução constante, na medida em que convidamos a nós mesmos a uma atenção

afetiva, sensibilizada e consciente para com o grupo e com as formas de trabalho que

instituímos.

Pierre Levy (1993), quando desenvolve o tema da inteligência coletiva mostra-

nos que possuímos uma inteligência que é formada a partir das redes de conhecimento

as quais pertencemos. Esta inteligência coletiva de um grupo permite criar sistemas de

saberes organizados em redes. A partir destas também se cria um sujeito coletivo,

portador de memórias e de representações comuns, cria-se linguagens próprias, rotinas

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compartilhadas de ações, espaços de cooperação e dinâmicas de co-formação

participada. Apropriar-se dessas idéias e concretizá-las tem sido uma mudança decisiva

para todos nós professores/as e alunos envolvidos neste projeto interinstitucional da

Região Centro-Oeste

Para tentar compreender os aspectos teóricos metodológicos da nossa pesquisa,

vivenciamos modos diferentes e variados de fazer e de pensar, nos quais se entrelaçam a

ação, o pensamento, a criatividade, o sentimento, em movimentos a que podemos

denominar práxis. Foi preciso apreender os caminhos do questionamento de saberes

instituídos e indicar possibilidades de construção e reconstrução de novos elos.

Propusemo-nos a procurar enxergar além do que nem sempre é visível, fazer ressaltar as

sutilezas, abrir espaços para as dúvidas, não se deter diante das dificuldades e

indecisões, incentivar inovações. Procuramos reafirmar concepções transdisciplinares

como quem caminha por trilhas belas e desconhecidas, nelas aprendemos a privilegiar

cada passo do percurso, a valorizar processos como objetos do trabalho.

Os desafios foram muitos. O desenvolvimento deste grupo indica que esta foi

sendo construída sem que elegêssemos modelos teóricos fechados, como uma equipe

multidisciplinar, com experiências heterogêneas, a atitude transdisciplinar possibilitou

experiências de múltiplas dimensões e profundidade. Tivemos que criar maneiras de

trabalhar com alunos e orientandos na dinâmica da vida acadêmica em constante

movimento. Inventamos metodologias para integrar docentes que atuam nas redes de

ensino, ou na graduação e que se propõem a participar no grupo.

Outro desafio foi aprender valorizar contribuições de todos, mesmo

considerando que nos diversos participantes o nível de maturação acadêmica é

diferenciado. Em um grupo tão heterogêneo cada qual pôde expressar seus saberes e vê-

los valorizados. Descobrimos nesta caminhada como aproveitar os saberes individuais

sem perder de vista os objetivos comuns. Construímos metodologias de trabalho

inovadoras para levar adiante uma pesquisa executada em diferentes espaços, pensada

por várias cabeças, que aprofundam aspectos diferentes, respeitando as especificidades

temáticas, mas mantendo a unidade do trabalho. Esforçamo-nos para incentivar e

acolher as autorias no processo cooperativo de pesquisa. O grupo tem seus estudos

divulgados pelos pesquisadores, alunos e bolsistas, nos principais eventos nacionais da

área da educação e artigos em livros.

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Tanto nos grupos de cada instituição como no grande grupo em nossos

seminários, realizamos estudos, travamos discussões que vão imprimindo suas marcas

em nossos trabalhos. Em cada equipe e depois no nosso coletivo maior, discutimos o

que produzimos, a maneira como trabalhamos, apresentamos o que criamos. Criticando,

sugerindo, sempre preocupados em contribuir para a melhoria da qualidade de cada um

dos aportes.

Nos seminários, que foram realizados em número de três anuais, a que todos

fazemos questão de estar presentes, aprendemos a respeitar o outro, a ouvir, a falar, a

criticar, a defender, a participar, a organizar, a ajudar e ser ajudado, a compartilhar

dados, a dar e a receber em um processo sempre crescente de solidariedade intelectual.

Nesses encontros da pesquisa a “verdade”, não é a cartesiana, pronta e acabada,

mas mostra-se livre, sem caminho determinado, está em construção. Uma atitude

importante é estarmos atentos para superarmos as prisões reais e simbólicas da mente

condicionada. Lembremos que “o ser humano é um acontecimento aberto ao seu próprio

ser: ele já se encontra-sendo, enquanto vive” (GALEFFI, 2001, p. 459).

Outro aspecto importante é que esse movimento tem promovido a criatividade

do grupo. Percebemos que há o florescimento da transcendência nestes momentos, pois

há uma ação-interação intencional constante que cria e recria instrumentos de pesquisa,

estudos teóricos importantes que estruturam definições epistemológicas, que se ligam ao

método de pesquisa assumido pelo grupo. Por outro lado, o contato permanente que o

grupo procura manter, através de encontros, congressos, internet, reuniões de estudo e

trabalho, tem se mostrado a presença consciente de cada membro do grupo, ao

expressarem sua responsabilidade, respeito e cooperação para com os trabalhos a serem

desenvolvidos.

Experienciar dimensões dialógicas tem exigido do grupo um constante estado

de presença e partilha, haja vista, que o desvelamento proporcionado por essa atitude é

um constante nascer/morrer, conhecer/desconhecer, movimentar-se

internamente/externamente, consciência/inconsciência, como afirma Nicolescu (2000, p.

134), “a abordagem transdisciplinar está baseada no equilíbrio entre o homem exterior e

o homem interior. Sem este equilíbrio, fazer não significa nada mais que sofrer”.

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Percebemos que o grupo passa por constantes “trans-formações”, que

relacionam vivência-trancendência, isolamento-cooperação, diálogo-dialogia,

ordem/desordem, equilíbrio-não equilíbrio, estabilidade-instabilidade, religação de

saberes disciplinares/transdisciplinares, o que desvela a presença de relações complexas

que concretizam o “bom espaço transdisciplinar da pesquisa”. E isso leva o grupo a

vivenciar novas dimensões do humano, numa intensidade capaz de promover em todos

a capacidade de enfrentar algumas experiências de desaprovação, desentendimento,

trabalho em excesso, dor, solidão, separação, a até momentos de angústia. Assim, estar

inseridos neste processo possibilita acolher-nos, apreciando-nos e tentando transcender

nossos problemas.

Indicamos que já estamos caminhando em busca de um fazer/apreender

significativo, cooperativo, solidário e prazeroso, onde a pesquisa acadêmica não se

separe da vida: a mola mestra para a dinâmica e desenvolvimento do autoconhecimento

do ser.

Admitimos que precisamos de coragem e enfrentamento das dificuldades

apresentadas em cada espaço institucional, aos quais pertencem os membros da pesquisa

para que a atitude transdisciplinar seja implementada. Reconhecemos ser preciso que

cada um entenda a sua importância, que sinta a necessidade de que a sua presença no

grupo deve ser “viva”, repleta da intenção de se ser sempre melhor, sempre engajado no

pulsar da vida em si mesmo.

Lidar com o novo, desconhecido é fascinante e desafiador. A atitude

transdisciplinar exige uma postura acadêmica que concilie rigor científico com o fazer

companheiro, preocupado com a constante melhoria das relações e da convivência

coletiva. Estejamos abertos para as possibilidades de sentir e viver transdisciplinares em

nossos espaços de pesquisas.

Ao nos apropriarmos dessas concepções reconhecemos que estamos percorrendo

“bons caminhos”. Neles somos mestres e aprendizes, valorizamos a importância do

diálogo, da comunhão, da observação, da autoeducação, do cuidar-se, do olhar-se, do

ver-se, do ouvir-se, do cheirar-se, do silenciar-se, do respirar-se, do cooperar, enfim, do

conhecer-se, possibilitando a construção de atitudes transdisciplinares.

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Nossa trajetória tem a ver, com as idéias de rizomas, de redes de conhecimentos

compartilhados, de tecitura paciente de esforços e energias para a construção do

conhecimento em redes e, tem a ver com a compreensão que se são grandes as

dificuldades para levar a cabo tal empreendimento, este tem a marca da alegria e da

utopia de vencer os desafios.

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SOUZA, R. C. C. R. de Universidade processo de ensino-aprendizagem e inovação In:

GALVÂO, Afonso Celso T. e SANTOS, Gilberto , Educação: Tendências e Desafios de

um Campo em movimento. 9º Encontro de Pesquisa em Educação da Região Centro-Oeste

/ ANPEd Centro-Oeste Taguatinga, DF, 2008, Volume 2.

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ESQUEMA DO PÔSTER

Eixo: SABER IV – Ensinar a identidade terrena – Item 4. Educação para a

solidariedade, a cooperação e a cidadania: propostas e experiências

Trabalho: Atitude transdisciplinar no contexto da pesquisa educacional

Autoras: Profa. Dra. Solange Martins Oliveira Magalhães/ Universidade Federal de

Goiás e Profa. Dra. Ruth Catarina C. R. de Souza/ Universidade Federal de Goiás

Conteúdo do Poster:

1. Apresentação da pesquisa: A produção acadêmica sobre professores – estudo interinstitucional da Região Centro-Oeste;

2. Apresentação da REDECENTRO - Rede de Pesquisadores sobre os Professores (as)

na Região Centro-Oeste;

3. Descrição da constituição da atitude transdisciplinar: a pesquisa como processo

relacional, dinâmico, dialógico e complexo - tecitura paciente de esforços e energias;

4. A pesquisa como processo relacional, dinâmico, dialógico e complexo cujo

fundamento seja o com-viver;

5. O pensamento complexo, enquanto aporte teórico norteador, definido por trabalho

coletivo de Edgar Morin (2007);

6. A atitude transdisciplinar, uma nova postura no campo da pesquisa;

7. Posicionamentos assumidos no contexto da pesquisa: não preconceituosos, saber

viver na diferença, capacidade de dialogar para viver efetivamente a dialogia do

processo;

8. Transcender no contexto da pesquisa;

9. Posicionamentos assumidos pelo grupo de pesquisa: processos inovadores;

emancipação, compromissadas com as rupturas paradigmáticas, mudanças, na

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contramão de processos hegemônicas de regulação, instituídos para a universidade

organizacional;

10. A atitude transdisciplinar e a uma postura acadêmica que concilie rigor científico

com o fazer companheiro, preocupado com a constante melhoria das relações e da

convivência coletiva;

11. Referências.

OBS: A versão final do pôster deverá ter, no máximo 1,20m de altura e 80cm de largura