AS RELAÇÕES DE PODER ENTRE … latino-americano e brasileiro, ... works the relationship of powers...

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Departamento de Educação AS RELAÇÕES DE PODER ENTRE PROFESSOR/ALUNO NA “ESCOLA DEMOCRÁTICA” NA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE BETIM - MG Jeovani Casagrande Belo Horizonte 2008

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Departamento de Educação

AS RELAÇÕES DE PODER ENTRE PROFESSOR/ALUNO NA

“ESCOLA DEMOCRÁTICA” NA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE

BETIM - MG

Jeovani Casagrande

Belo Horizonte

2008

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JEOVANI CASAGRANDE

AS RELAÇÕES DE PODER ENTRE PROFESSOR / ALUNO NA

“ESCOLA DEMOCRÁTICA” NA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE

BETIM - MG

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação. Área de concentração: Sociologia e História da Profissão Docente e da Educação Escolar. Orientador: Prof. Dr. Carlos Roberto Jamil Cury

Belo Horizonte 2008

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FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Casagrande, Jeovani C334r As relações de poder entre professor / aluno na “escola democrática” na rede municipal de ensino de Betim - MG / Jeovani Casagrande. Belo Horizonte, 2008. 233f. : Il. Orientador: Carlos Roberto Jamil Cury Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Educação 1. Poder. 2. Professores e alunos. 3. Escola pública – Betim (MG). 4. Educação. 5. Cultura. 6. Conscientização. I. Cury, Carlos Roberto Jamil. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa e Pós-Graduação em Educação. III. Título.

CDU: 37.064

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AGRADECIMENTOS

Uma conquista não pode ser solitária, as angústias, dúvidas, alegrias, surpresas e

realizações são sempre fruto de muita partilha. Assim, agradeço a Deus, fonte de

nossa vida, de nossas utopias, nossas indagações e medos...

À Nossa Senhora de Guadalupe e Nossa Senhora Aparecida, mãe e padroeira do

povo latino-americano e brasileiro, povo excluído e marginalizado historicamente que

encontram na devoção uma esperança de um mundo melhor.

À memória de minha mãe, Sebastiana Oliveira Casagrande que me deu vida, amor,

dignidade e coragem para enfrentar as batalhas da vida.

À direção, funcionários, professores e alunos da Escola Municipal Capela Nova de

Betim, objeto dessa pesquisa, que me receberam sem reservas e preconceitos e

sempre prontos a contribuir.

Aos meus familiares e amigos que sempre acompanharam minhas batalhas e

conquistas, pois, do nosso lado permanecem apenas os que nos amam

verdadeiramente.

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AGRADECIMENTO ESPECIAL

Ao professor Carlos Roberto Jamil Cury, pela paciência e sabedoria com que me

orientou nesta pesquisa. Se um aluno só aprende quando quer, por prazer, eu

aprendi muito, e sentindo prazer e encantamento com suas aulas e orientações.

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A evolução da humanidade depende da existência

de seres verdadeiramente preocupados com o

humano. Quando esses passam por nossas vidas,

sentimo-nos fortalecidos para continuar acreditando

em um mundo melhor. Dedico este trabalho à

existência de duas pessoas especiais em minha

vida: Neide Moreira Machado e Carlos Henrique

Soares da Silva.

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RESUMO

Esta pesquisa constitui-se em um estudo de caso que tem como objetivo

analisar as relações de poder entre professores e alunos do último ano do ensino

fundamental de uma escola pública da periferia do município de Betim – MG, dentro

da denominada “Escola Democrática”, estruturada no modelo de ciclos de formação

humana. A pesquisa trabalha à luz do pensamento de Paulo Freire, e ficou

estruturada da seguinte forma: em primeiro lugar, procurei fazer uma breve

contextualização histórica da educação e da legislação educacional. Procurei,

também, em breves e resumidas palavras, contextualizar o município de Betim e sua

história educacional, e, por fim, localizar a escola pesquisada e a realidade social

dos alunos por ela atendidos. Num segundo momento, busquei conceituar os

termos: poder, educação, cultura, e relacioná-los com as práticas curriculares, com o

intuito de direcioná-los para o tema desta pesquisa. Depois, num terceiro momento,

procurei evidenciar as contradições existentes entre os modelos de organização dos

tempos escolares: seriação e ciclo de formação humana. Percebendo que são

maneiras diferentes de estruturar a escola, aponta-se a organização pedagógica em

ciclos, contendo maiores possibilidades de propiciar uma emancipação educacional

junto aos alunos das escolas, especialmente os provindos das classes

trabalhadoras. Num quarto momento, registrei um pouco da trajetória de Paulo

Freire, sua vida, sua experiência educacional, seu método de ensino, as

contradições entre a educação bancária e a educação como prática da liberdade. O

quinto e último momento refere-se à pesquisa realizada na Escola Municipal Capela

Nova de Betim, onde, através de observações e entrevistas, analisei a prática

cotidiana de professores e alunos, procurando compreender como se dão as

relações de poder existentes no interior da escola. Percebi que os conteúdos ainda

são passados de forma mecânica, e que os professores têm dificuldades para

substituir os métodos tradicionais, seriados, pelos métodos novos, do ciclo de

formação humana, ficando o poder ainda hoje condicionado a nota e a ameaça de

reprovação.

Palavras chave: Poder, cultura, educação, seriação, ciclo, emancipação, educação

bancária e educação como prática da liberdade.

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ABSTRACT

That search is a study of a case and has as an objective to analyze the

relationship of power between teachers and students of the last year of elementary

grade of the public school in the poor neighbor in the city of Betim – MG. Inside the

denomination of “Democratic School”, structure in the model of cycles for human

formation. The search work in the light of thinking of Paulo Freire and was based as

follow: in first place, I will look for make a brief history education conceptualization

and its legislations. I will look for, in brief and resume words, conceptualization of the

city of Betim and its education history, too, and finally put the search school and the

reality of their students. In a second moment I was try to concept the terms, power,

education, culture and make the relationship with the practice curriculum with the

purpose to direct them to the theme of this search. After that, in a third moment, I was

try to evidence the problems between the models of organization in the school time,

grades and cycles of formation. When I find out that they are different forms of

structure the school, I point the school cycles as the best possibility the proper a

freedom education its methodology of teaching for the students in the school,

specially those that come from work classes. In a forth moment, I register a little

trajectory of Paulo Freire, his life, his educational experience, and his methodology of

teaching, The contractions between bank education and education practice with

freedom. And in the last and fiftieth moment refer to a search made in the Municipal

School “Capela Nova“ in Betim, where, through the observations and interviews

among the teachers and students try to understand in the day by day living, how

works the relationship of powers inside the school. I find out that the curriculums are

passed in the traditional forms, mechanically, in series, with new methodology for

cycle of human formation, leave the power in our days conditioned to a grade and the

fear of reprobation.

Key words: Power, Culture, Education, Sequence, Cycle, Liberty, Bank Education

and Freedom in The Education.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

APG – Atendimento a Pequenos Grupos

BR 381, BR 262, BR 040 – Rodovias Federais

CETAP – Centro de Treinamento de Professores de Artes Práticas (nome de origem)

CETAP – Centro Educacional Técnico e Artes Profissionais (hoje)

DF – Distrito Federal

FHEMIG – Fundação Hospitalar de Minas Gerais

IBGE – Instituto Brasileiro de Pesquisas e Estatisticas

INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

MCP – Movimento de Cultura Popular

MEC – Ministério da Educação e Cultura

MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização

MOVA-SP – Movimento de Alfabetização da Cidade de São Paulo

MG- Minas Gerais

MG 060, MG 050 – Rodovias Estaduais de Minas Gerais

PAN – Projeto que a escola desenvolveu tendo como referência os jogos PAN

AMERICANOS.

PCCV – Plano de Cargos, Carreira e Vencimentos

PT – Partido dos trabalhadores

PTB – Bairro de Betim, próximo à FIAT-Automóveis

PUC – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerias

RJ – Rio de Janeiro

RN – Rio Grande do Norte

SAFFRAN – Empresa de Cerâmica localizada em Betim, MG desde 1954

SEED – Sigla adotada pela Secretaria Municipal de Educação de Betim em 1998.

SEMED – Secretaria Municipal de Educação – Betim, MG

SESI – Serviço Social da Indústria

Sind-Ute – Sindicato Único dos Trabalhadores Em Educação (subsede Betim)

UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas

UninCor – Universidade Vale do Rio Verde de Três Corações

UNIPAC – Universidade Presidente Antônio Carlos

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LISTA DE TABELAS

TABELA 1 – Números de matrículas, aprovação, reprovação, transferência e

abandono de alunos do ensino fundamental por série, segundo a região geográfica e

unidade da Federação em 1991............................................................................. 84

TABELA 2 – Os mesmos dados da tabela 1, em porcentagem. ............................ 84

TABELA 3 – Números de matrículas, aprovação e reprovação dos alunos do ensino

fundamental, por localização e dependência administrativa, segundo a região

geográfica e unidade da Federação em 1991........................................................ 84

TABELA 4 – Os mesmos dados da tabela 3, em porcentagem ............................. 85

TABELA 5 – Números de matrículas, aprovação, reprovação de alunos do ensino

fundamental por série, segundo a região geográfica e unidade da Federação em

2005 ....................................................................................................................... 85

TABELA 6 – Os mesmos dados da tabela 5, em porcentagem ............................. 85

TABELA 7 – Números de matrículas, aprovação e reprovação dos alunos do ensino

fundamental, por localização e dependência administrativa, segundo a região

geográfica e unidade da Federação em 2005........................................................ 86

TABELA 8 – Os mesmos dados da tabela 7, em porcentagem ............................. 86

TABELA 9 – Números de matrículas, aprovação, reprovação, transferência e

abandono de alunos do ensino fundamental por série, no estado de Minas Gerais

em 1991 ................................................................................................................. 88

TABELA 10 – Os mesmos dados da tabela 9, em porcentagem ........................... 89

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TABELA 11 – Números de matrículas, aprovação e reprovação dos alunos do ensino

fundamental, por localização e dependência administrativa no estado de Minas

Gerais em 1991...................................................................................................... 89

TABELA 12 – Os mesmos dados da tabela 11, em porcentagem ......................... 89

TABELA 13 – Números de matrículas, aprovação, reprovação de alunos do ensino

fundamental por série no estado de Minas Gerais em 2005 .................................. 90

TABELA 14 – Os mesmos dados da tabela 13, em porcentagem ......................... 90

TABELA 15 – Números de matrículas, aprovação e reprovação dos alunos do ensino

fundamental, por localização e dependência administrativa no estado de Minas

Gerais 2005............................................................................................................ 90

TABELA 16 – Os mesmos dados da tabela 15, em porcentagem ......................... 91

TABELA 17 – Conceito dos alunos da turma “08A” no primeiro trimestre de 2007 130

TABELA 18 – Conceito em porcentagem da turma 08A – 29 alunos..................... 131

TABELA 19 – Conceito dos alunos da turma “08B” no primeiro trimestre de 2007 131

TABELA 20 – Conceito em porcentagem da turma 08B – 29 alunos..................... 132

TABELA 21 – Conceito dos alunos da turma 08C no primeiro trimestre de 2007.. 132

TABELA 22 – Conceito em porcentagem da turma 08C – 28 alunos..................... 133

TABELA 23 – Conceito em porcentagem das três turmas no primeiro trimestre de

2007 ....................................................................................................................... 133

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 13 1.1 Focalizando o objeto de pesquisa ............... ................................................. 17 1.2 Metodologia .................................... ................................................................ 23 2 APROXIMAÇÕES HISTÓRICAS DA EDUCAÇÃO ESCOLAR...... .................... 27 2.1 Breve histórico da educação.................... ..................................................... 28 2.2 Breve histórico da educação brasileira......... ............................................... 33 2.3 Breve histórico de Betim – MG .................. ................................................... 41 2.4 Breve histórico da educação de Betim........... .............................................. 46 2.5 Breve histórico da Escola Municipal Capela Nova de Betim...................... 52 3 PODER, CULTURA E PRÁTICAS CURRICULARES ........... ............................. 56 3.1 O poder........................................ .................................................................... 57 3.2 A cultura...................................... .................................................................... 65 3.3 Poder, cultura e currículo escolar ............. ................................................... 70 4. CONTRADIÇÕES ENTRE SERIAÇÃO E CICLO DE FORMAÇÃO HUMANA. 76 5. PAULO FREIRE E A PEDAGOGIA DIALÓGICA............ .................................. 100 5.1 A pedagogia dialógica .......................... ......................................................... 107 5.1.1 Etapas de formação ........................... ......................................................... 109 5.1.2 As fases de aplicação da pedagogia dialógica. ........................................ 110 5.1.3 Educação bancária............................ .......................................................... 111 5.1.4 A concepção problematizadora e libertadora da educação .................... 113 6 AS RELAÇÕES DE PODER ENTRE PROFESSOR/ALUNO NA ESC OLA MUNICIPAL “CAPELA NOVA” DE BETIM................ ........................................ 118 6.1 A avaliação das três turmas na visão dos profes sores.............................. 135 6.2 As práticas educacionais: ciclo e seriação, na visão dos professores..... 141 6.3 As três turmas do último ano do ensino fundamen tal................................ 157 6.3.1 A turma 08A .................................. ............................................................... 162 6.3.2 A turma 08B .................................. ............................................................... 168 6.3.3 A turma 08C .................................. ............................................................... 173 6.4 Uma alternativa possível ....................... ........................................................ 180 CONCLUSÃO .......................................... .............................................................. 186 REFERÊNCIAS...................................................................................................... 202

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ANEXOS ................................................................................................................ 206 Anexo 01 - Mapa do Município de Betim com a identificação de todas as Escolas Municipais e Estaduais........................................................................................... 207 Anexo 02 - Escolas Municipais de Betim, MG........................................................ 208 Anexo 03 - Escolas Estaduais localizadas no Município de Betim, MG. ................ 209 Anexo 04 - Questionário aplicado aos alunos da Escola Municipal Capela Nova de Betim ...................................................................................................................... 210 Anexo 05 - Resultado do Questionário aplicado a 72 dos 86 alunos das três turmas do ultimo ano do ensino fundamental da Escola Municipal Capela Nova de Betim ...................................................................................................................... 212 Anexo 06 – Empréstimos de livros para a turma 08A ............................................ 214 Anexo 07 – Empréstimos de livros para a turma 08B ............................................ 215 Anexo 08 – Empréstimos de livros para a turma 08C ............................................ 216 Anexo 09 – Quadro de horários das aulas das três turmas do ultimo ano do ensino fundamental............................................................................................................ 217 Anexo 10 - Boletim de desempenho escolar aplicado a todos os alunos da Rede Municipal de Ensino de Betim ................................................................................ 218 Anexo 11 – Fotos da Escola Municipal Capela Nova de Betim.............................. 220 11. 1 – Foto da entrada da Escola Municipal Capela Nova de Betim..................... 220 11. 2 – Foto do pátio onde os alunos merendam e ficam durante o recreio e intervalo das aulas................................................................................................................ 220 11. 3 – Foto do pátio onde os alunos merendam, próximo ao barzinho onde compram merenda ................................................................................................. 221 11. 4 – Foto da biblioteca da Escola Municipal Capela Nova de Betim.................. 221 11. 5 – Foto do acesso a quadra poli esportiva onde os alunos fazem as aulas de Educação Física..................................................................................................... 222 11. 6 – Foto da quadra onde professores e alunos desenvolveram o projeto Pan-Americano .............................................................................................................. 222 Anexo 12 – Dados do INEP para o ensino fundamental, matrículas, aprovação, reprovação e abandono no ano de 1991................................................................ 223 Anexo 13 – Dados do INEP para o ensino fundamental, matrículas, aprovação, reprovação e abandono no ano de 2005................................................................ 228

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1 INTRODUÇÃO

Os modelos educacionais aplicados nas escolas brasileiras vêm sendo

motivo de debates e constantes reflexões por parte de educadores. Todos os

que se preocupam com os caminhos da educação das nossas crianças,

adolescentes e jovens por todo o Brasil, principalmente as crianças oriundas

das camadas populares que estudam nas escolas públicas, vêm tomando

ciência e consciência dos fatores externos e internos que coexistem nos

estabelecimentos escolares. A tradição no Brasil, quanto à organização

pedagógica das escolas, vincula-se ao modelo seriado. O modelo seriado,

aplicado pela maioria das redes de ensino público no Brasil vem sendo objeto

de muitos questionamentos, pois não se pode ignorar a quantidade de alunos

excluídos durante todo o processo de aprendizado, seja por abandono, seja por

reprovação. Muitas crianças ficaram e ainda ficam no meio do caminho escolar

como que devendo assumir, sozinhas, a responsabilidade pelo fracasso escolar.

Muitos são os dados estatísticos sobre o assunto (INEP – Instituto Nacional de

Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira). Estudos e pesquisas que

demonstram a ainda baixa taxa de permanência e de escasso desempenho dos

alunos e alunas. Dados, pesquisas e estudos como esses exigem uma resposta

gestionária, que impliquem administradores e docentes comprometidos com a

educação e novas propostas com a finalidade de reverter essa situação

excludente em que nossas crianças estavam e ainda estão submetidas.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e com a Nova Lei

de Diretrizes e Bases da Educação, Lei 9.394/96, outros modelos educacionais

ganham destaque e passam a ser implementados pelas redes estaduais e

municipais de educação. Os ciclos de formação humana, com uma nova

metodologia e uma nova maneira de organizar os tempos e saberes escolares,

surgem como uma esperança de resgatar da exclusão uma grande parte dos

alunos oriundos, principalmente das escolas públicas onde o sistema seriado

mais reprova. Sua implantação e efetivação encontram resistências de todos os

lados, por parte de pais e alunos, de gestores, governos e professores que não

acreditam que uma escola que não reprova possa ensinar alguma coisa. O

desafio de tornar esse modelo parte da cultura educacional brasileira depende

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de muito esforço por parte de seus defensores em pesquisar, escrever, discutir

e convencer os que ainda defendem um modelo fracassado de educação.

Estudei em escolas estaduais de Minas Gerais até o ensino médio na

minha cidade natal, Muzambinho – MG, e tenho poucas recordações de prazer

que tive dentro da sala de aula. Dentre elas, na quinta série, um professor de

ciências levou uma piranha para embalsamar na sala de aula, ou, quando, nas

vésperas do dia das mães, um professor de educação física pediu a cada aluno

que, no caminho de casa, apanhasse uma flor para presentear nossas mães, ou

ainda, quando uma professora de biologia no primeiro ano do ensino médio fez

os testes em que descobri que o meu tipo sangüíneo é “O” positivo. Na grande

maioria dos momentos de que me recordo, estudei forçadamente para tirar nota

e passar de ano. Nunca tive muita facilidade em matemática, e tive uma

experiência traumática no último ano do ensino médio, um ano em que minha

mãe sofreu com câncer, e veio a falecer no final de outubro e eu fui reprovado

em matemática por fórmulas e contas, de cuja importância não duvido, mas que,

até os dias de hoje, não tive a oportunidade de aplicá-las em minha vida

cotidiana.

Após minha formação em ensino superior, comecei a lecionar filosofia

para alunos do ensino médio em 1996 em uma escola estadual em Betim, MG.

Na verdade quando ainda cursava filosofia na PUC – Minas e sempre procurei

conquistar os alunos para o prazer de conhecer, o encantamento do saber, sem

valorizar tanto esse processo mecânico de reproduzir conhecimentos, avaliar e

aprovar ou reprovar. Em agosto de 1997 comecei a dar aulas em uma escola da

rede municipal de Betim que, no ano seguinte, começava a implantar os ciclos

de formação humana, substituindo, gradativamente, o modelo seriado. Em 1999,

fui lecionar história em uma outra escola da rede municipal. No ano seguinte, fui

eleito vice-diretor para o mandato de dois anos. Posteriormente, fui eleito diretor

por duas vezes, de 2002 a 2005. Todas as experiências seja como aluno,

professor ou como gestor escolar provocavam-me indagações a respeito dos

processos educacionais. Certa vez, conversando com um aluno de sete anos,

ouvi dele a seguinte afirmação: “você gosta da escola porque é professor se

fosse aluno não ia gostar não”. Esse aluno não sabe o quanto sua afirmação

incomoda-me até hoje.

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A vida é um processo dinâmico e transformador, as experiências vividas,

as pesquisas realizadas e as relações construídas ao longo de 18 anos de vida

escolar e acadêmica e ainda de 11 anos como professor de ensino fundamental,

médio e universitário, enfim, todos os espaços de socialização experimentados

por mim até então, na sala de aula, muito contribuíram para o surgimento desta

pesquisa.

Profundamente incomodado, comecei a utilizar minhas aulas para

provocar nos alunos o interesse pelas questões políticas, sociais e econômicas

do nosso país. Como tornar possível a emancipação do aluno enquanto

cidadão; como um educador em condições precárias pode se sentir valorizado e

dar um real valor ao seu trabalho; nessas condições a relação ensino-

aprendizado é uma relação libertadora ou uma relação opressora?

Partindo das experiências vividas, nas escolas estaduais e municipais de

Betim, da minha formação filosófica, de um profundo incômodo diante de uma

estrutura educacional em que o aluno pobre não vê na escola uma ponte para

sua realização profissional, econômica e política, surge este projeto, com a

finalidade de aprofundar a discussão sobre o papel da escola nos meios

populares. Refletir sobre as relações de poder entre professores e alunos,

compreender até que ponto essas relações contribuem para emancipar ou para

alienar esses alunos, avaliar se as condições estruturais dos professores são

instrumentos de libertação ou de opressão, e como se posicionam diante dessa

relação.

Minhas experiências ocorreram em escolas do então denominado

segundo grau, hoje ensino médio no estado, com o regime seriado, onde a

transmissão de conteúdos dá-se de forma compacta e cumulativa, visando à

seleção e à progressão em série. Os alunos preocupam-se em acumular

conhecimentos para o vestibular, para passar em concursos e para o mercado

de trabalho.

Atuei, também, em escolas municipais de ensino fundamental, em que a

implantação dos ciclos de formação humana ocorrera de forma gradativa,

visando a uma formação mais completa do aluno, onde o saber organizado é

parte do processo, e não o fim. Portanto, a formação em ciclos é um

instrumento mais justo, e é através dele que as relações de poder são

reconstruídas numa perspectiva democrática, pelo menos deveriam ser.

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Como educador, sempre me incomodou a relação mecânica entre aluno,

ensino, avaliação, chamada, nota, aprovação/reprovação. Algumas vezes, ao

chegar na escola para dar aulas, eu ouvia um aluno perguntar: “o que o senhor

veio fazer aqui hoje, professor, por que não ficou em casa descansando?”. Em

todas as atividades vinha a pergunta, “isso vai valer ponto?” A motivação para a

realização de tarefas era a nota. Adquirir conhecimento por prazer não era uma

prática constante, que se via com freqüência, porque o professor acostumou-se

a orientar-se pela reprodução mecânica do conteúdo e porque o aluno se

acostumou a se orientar pela nota, pois precisa dela para passar de ano.

Como gestor escolar por seis anos (dois como vice-diretor e quatro como

diretor), pude experimentar uma outra face do poder, aquela que fica entre o

poder do professor e o poder da administração pública do Município, sem me

esquecer de que, entre eles, existiam os alunos que careciam de poder, o poder

do conhecimento. Assim, como gestor, não podia me limitar a fazer as

ocorrências dos alunos “problema”, registrar as faltas dos funcionários, ser um

fiscal da Secretaria de Educação dentro da escola, administrar os recursos

financeiros, ouvir reclamações dos pais, enfim cuidar das questões burocráticas

que muitas vezes anulam a função pedagógica da educação. Não sabia o que

era pior, ser aluno, professor ou gestor escolar.

Certa vez, ganhei de uma amiga um livro que, ao ler, levar-me-ia a uma

profunda reflexão sobre minha prática como educador. O livro vinha com o título

de Pedagogia da autonomia, de Paulo Freire. O que é pedagogia, o que vem a

ser autonomia, qual seria, de fato, o meu papel como educador de uma escola

pública de periferia, quem são os meus alunos, quais as suas reais

necessidades de aprendizado, como deve ser uma relação entre professor/

aluno que verdadeiramente contribua para a autonomia desse aluno?

Pretendo, dentro do meu objeto de investigação, fundamentar-me na

concepção educacional do pensamento de Paulo Freire, em cuja pedagogia se

põe a proposta de libertar o ser humano da dominação excludente de uma

educação autoritária, educação essa que sempre privilegiou a formação das

elites do nosso País. Hoje o acesso à escola do ensino fundamental já atingiu

quase 100% das crianças brasileiras de 7 a 14 anos, mas ela não garantiu nem

a permanência adequada e nem a desejada qualidade de ensino, principalmente

para as camadas mais pobres da população. Do sucesso da e na educação

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básica dependerá o acesso à própria universidade, a um emprego digno e,

finalmente, à sua emancipação.

A concepção educacional de Paulo Freire revela situações, aponta

alternativas, mostra caminhos, contribui para que, pelo menos os professores,

pela via de uma pedagogia dialógica e antiautoritária, possam ser construtores

de uma sociedade melhor e mais justa. O aluno carente precisa de uma

educação de qualidade, portanto, a escola oferecida a ele não pode ser uma

escola carente de quase tudo, desde as condições físicas e pedagógicas

necessárias para sua formação até a plenificação de um direito deste e um

dever do poder público.

Como Professor não me é possível ajudar o educando a superar sua ignorância se não supero permanentemente a minha. Não posso ensinar o que não sei. Mas, este, repito, não é saber de que apenas devo falar e falar com palavras que o vento leva. É saber pelo contrário, que devo viver concretamente com os educandos. O melhor discurso sobre ele é o exercício de sua prática. É concretamente respeitando o direito do aluno de indagar, de duvidar, de criticar que “falo” desses direitos. A minha pura fala sobre esses direitos a que não corresponda a sua concretização não tem sentido. (FREIRE, 1996, p. 95)

Comecei, então, a ler mais livros de Paulo Freire e outros autores que

tratavam da educação como prática da liberdade, como um exercício

emancipatório e não reprodutivista. Percebi em mim a necessidade de

aprofundar esse tema tão complexo: a educação como exercício de poder.

Como me sinto, quando me vejo submetido a esse poder, e como me comporto

exercendo esse poder, como educador devo usar meu poder com a finalidade

de formar meus alunos, não só no aspecto cognitivo, mas na construção crítica

de sua cidadania?

1.1 – Focalizando o objeto de pesquisa

Esta pesquisa tem por objetivo o estudo das relações de poder entre

professor/aluno, que permeiam o cotidiano escolar, buscando compreendê-las,

interpretá-las em sua dinâmica em face das perspectivas de autonomia que

emergem na escola. O modelo educacional seriado predomina, ainda hoje, na

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maioria das escolas públicas brasileiras, e mesmo naquelas em que a

organização dos tempos escolares é ciclada, existe resistência por parte dos

educadores que acreditam ter perdido o poder de domínio em sala de aula com

a nova organização escolar. Muitos educadores, preocupados com as relações

entre professores e alunos, têm pesquisado esse tema. A professora Magali de

Castro, em sua tese de doutorado, tratou das relações de poder na escola

pública do ensino fundamental, sob a luz de Pierre Bourdieu e Max Weber, em

um enfoque sociológico. Segundo ela:

Portanto, para compreender as relações de poder, na instituição escolar, é necessário olhar para além dela; é preciso analisar como o poder se manifesta, identificando os elementos que interna e externamente determinam estas relações. (CASTRO, 1994, p. 3)

O professor Paulo Roberto Vidal de Negreiros, em sua dissertação de

mestrado, de 2004, trata da seriação como organização dos tempos escolares

da rede privada de ensino no município de Belo Horizonte. Para ele, as relações

de poder são manifestas através do controle, da disciplina, a avaliação com

caráter classificatória, acumulativa e discriminatória, os alunos são divididos

entre os que aprendem e passam para a série seguinte, e os que não aprendem

e são condenados a permanecer na mesma série por mais um ano. Para ele,

Em uma sociedade que se proclama democrática não podemos perder de vista que a máxima igualdade é aquela que permite o exercício das diferenças. Inversamente a esta situação, o tempo pode adquirir uma dimensão cidadã. Voltado para a formação dos sujeitos, respeitando as diferenças e dando a todos as mesmas oportunidades. O tempo pode ter uma dimensão de historicidade, onde as múltiplas possibilidades de vivências dão aos sujeitos a consciência de sua existência histórica, do seu sentido de viver. O tempo pode ter uma dimensão de morte e de vida. Quando atropelado pelo ritmo do relógio, em decorrência de uma vida que prioriza apenas a produção, o fazer, o ter, o tempo sufoca, provoca doenças, escraviza, mata. Quando vivenciado na perspectiva da qualidade de vida, fortalece as relações, cria espaços de oportunidade para todos, liberta, traz prazer, ressignifica o sentido da vida. (NEGREIROS, 2004, p. 104)

Outra pesquisa que me ajudou foi a dissertação de mestrado de Roberto

Márcio Gomes de Rezende, em 1993, com o tema disciplina na escola. Ele

demonstra que o poder disciplinador da escola e do professor provoca a

passividade e a conformação dos alunos com uma realidade dada. Ele diz:

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O poder disciplinar manifesta-se, sobretudo, pelo controle e manipulação do corpo. A coerção sobre o corpo, de forma a aumentar a produtividade, é uma das formas mais sutis de violência, cuja relação com a docilidade é difícil de ser negada. (REZENDE, 1993, p.123)

Também busquei inspiração nas pesquisas realizadas por Vitor

Henrique Paro, que trabalha as relações existentes no interior da escola,

demonstra que a faculdade que o professor tem de reprovar um aluno é um

instrumento de poder injusto, pois a causa do fracasso fica apenas no aluno e o

restante dos agentes do processo de ensino, tais como o poder público, os

gestores escolares, os professores com seus métodos de ensino, as condições

físicas da escola e os recursos didáticos, as condições históricas, sociais e

econômicas dos alunos, tudo isso fica eximido de avaliação. Para ele, o aluno

se apropria da cultura quando seu desejo pelo saber é trabalhado pelo

professor. Portanto, a mera transmissão de conteúdos remete-me à educação

bancária explicitada por Paulo Freire, que é o modelo de educação autoritária,

onde a relação de poder aparece como dominação “daquele que sabe” sobre

“aquele que não sabe”. Todos os autores que pesquisei reforçam a necessidade

de um modelo educacional dialógico, problematizador, capaz de formar

cidadãos críticos e emancipados, e, para isso, é necessária a universalização

de uma educação pública de qualidade para todos.

Segundo PARO (2008),

a concepção de educação do senso comum que costuma orientar a prática pedagógica em nossas escolas desconhece ou resiste fortemente à idéia do educando como detentor de poder. Para o ensino tradicional, existe uma espécie de estrada de mão única que vai do professor, que ensina, para o aluno, que aprende passivamente o que lhe é ensinado. Ignora-se, assim, o complexo processo pelo qual os componentes da cultura se incorporam na personalidade viva de cada ser humano e o necessário envolvimento do educando como sujeito nesse processo. (PARO, 2008, p. 46-47)

A nova LDB formaliza a universalização da educação, ou seja, para todos

e de qualidade. Todas as crianças devem freqüentar o ensino fundamental, é

dever do Estado, da escola, da família e direito subjetivo da criança. Junto a

isso, constata-se a existência de múltiplos projetos político-pedagógicos que

visam a acolher os educandos, especialmente aqueles que antes “fracassavam”,

agora se definindo não só pela sua inclusão, como para a sua formação de

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maneira mais ampla, visando à sua cidadania. Tudo isso demandam mudanças

nas políticas educacionais e na prática docente.

Dentro dessa universalização de acesso e de formação qualitativa, situa-

se a proposta da “Escola Democrática” no Sistema Municipal de Betim. É nela

que pretendo centrar esta pesquisa e focalizar as relações de poder nela

existentes. Pensar como se dão as relações de poder entre professores e

alunos do ensino fundamental de uma escola pública de periferia é o eixo

central dessa proposta de pesquisa. Para tanto, será necessário refletir sobre:

qual é a proposta da Escola Democrática, como se dá o processo ensino-

aprendizado e as relações de poder dentro desse contexto?

A rede municipal de Betim vem, desde 1998, implantando os ciclos de

formação humana visando a universalizar o acesso e melhorar a qualidade do

ensino no município. Aqui, pretendo focar a pesquisa observando a prática

desse projeto educacional. A escolha de uma escola que atenda alunos das

classes trabalhadoras é parte importante desse processo de observação das

relações de poder entre professor/aluno.

O movimento de universalização da educação escolar na etapa do ensino

fundamental é uma demanda histórica no Brasil, e que ganhou subsídios

jurídicos importantes, com a Constituição Federal de 1988 e com a Lei de

Diretrizes e Bases da Educação – LDB de 1996. Eles dão importância à

formação para cidadania, o que permite pensar e, quiçá, empreender novas

dimensões para a escola pública em nossa sociedade. No sentido dessa

universalização e no desejo de ampliar o conceito de educar, a LDB permite e

até induz a flexibilização do sistema de ensino e da construção curricular, por

meio das diretrizes curriculares nacionais e dos projetos pedagógicos, em

função do atendimento das demandas locais de um país de dimensões

continentais, plural e diversificado, econômica e culturalmente.

Isso vem levando a que a escola, em redes municipais e estaduais,

elabore projetos político-pedagógicos para o ensino fundamental, visando a

oferecer um ensino de qualidade. Em Betim, nesse processo, o que mais tem

sido constatado como uma nova situação para a escola é a presença de alunos

muito diferenciados entre si nas condições de vida e de escolarização.

Esse contexto de diferenciação define uma nova relação entre sociedade-

escola-educação, colocando para a comunidade escolar a necessidade de

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discutir-se a re-significação do espaço, do tempo e dos saberes escolares. Para

tanto, devem-se partir de saberes culturalmente constituídos pelos agentes

sociais e com os quais a escola deverá interagir até para poder cumprir as

funções próprias da escola como a constituição de saberes pelo

ensino/aprendizagem e a socialização para a cidadania. Para tanto, o educador

precisa conhecer a realidade social da escola onde trabalha.

Dentro desse conjunto de urgências e redefinições, encontram-se as

relações entre professor/aluno, que são relações de poder, podendo ser

democráticas ou autoritárias. As relações de poder podem estar ligadas a jogos

de interesses que não acontecem sem conflitos. As decisões resultantes desse

jogo podem favorecer alguns e prejudicar outros.

Construir um currículo considerando essas novas demandas é um desafio

para os educadores do município, que se propuseram, partindo dos debates que

ocorreram nos congressos e conferências educacionais, a construir um modelo

mais democrático de educação. Vale a pena ressaltar que as pessoas e também

as categorias envolvidas no cenário educacional têm paradigmas diferentes

para verem a realidade, seus valores, crenças, metas e níveis de moralidade, o

que interfere na construção do currículo escolar.

Outra mudança importante é a retomada de outra função já tradicional da

escola. Essa função, a de ser o lugar de transmissão do conhecimento

científico, quanto a de ser um lugar de socialização, em que se pode fazer a

discussão de temas como: desemprego; sexualidade; violência; os direitos e

deveres; arte; cultura; drogas; enfim, vários temas relacionados à vivência da

comunidade escolar. Tais temas não permitem à escola manter uma posição de

neutralidade em face das questões relativas às profundas desigualdades sociais

e econômicas e também das diferenças culturais.

A tentativa de construir uma nova postura da/na escola tem colocado para

os professores a necessidade de repensar as relações no interior da mesma,

deixando claro que a democracia consagra os direitos individuais iguais para

todos e sua constante atualização. Numa ordem democrática, fundada no direito

à igualdade e à diferença no debate público e livre a respeito das concepções

que orientam os fatos sociais, prioriza-se, dentro da concepção freireana, a

razão dialógica, e enfatiza-se o entendimento intersubjetivo.

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Esse entendimento, contudo, necessita de uma gestão democrática que

não é ausência de regras, mas, antes, possibilidade de construção interativa de

uma disciplina que se configure, tanto como uma aceitação das “regras do jogo”,

como as condições de possibilidade para o exercício consciente dessas regras.

Assim, a vida democrática inclui rituais democráticos, a busca de uma formação

cultural de personalidades abertas ao diálogo.

Pensar o processo educacional numa escola pública de periferia, e como

nela se dão as relações de poder, e, principalmente, como essas relações

podem contribuir para a formação de um cidadão crítico, contribuir também na

construção de uma sociedade melhor e mais justa, com mais oportunidades de

trabalho, mais distribuição de renda, onde o educando acredite que o processo

educacional vai conduzi-lo à emancipação política e social.

Paulo Freire, em sua concepção educacional, afirma que sempre

acreditou nas relações democráticas entre professor/aluno, e que essa é a

principal via para uma formação emancipadora. Para ele não são os alunos e

nem os professores que produzem essas desigualdades: eles são vítimas de um

sistema alienante. Para ele,

os que inauguram o terror não são os débeis, que a eles são submetidos, mas os violentos que, com seu poder, criam a situação concreta em que se geram os “demitidos da vida”, os esfarrapados do mundo. Quem inaugura a tirania não são os tiranizados, mas os tiranos. (FREIRE, 2005, p. 47)

Como estabelecer uma relação de poder democrática que visa à

emancipação dos alunos, no interior de uma escola pública de periferia, como

essa escola pode abrir caminhos para a construção da cidadania plena de todos

os agentes do processo ensino/aprendizado. Essas são algumas das

indagações que me motivaram a realizar essa pesquisa.

Com o foco central nas relações de poder entre professores e alunos do

último ano do ensino fundamental de uma escola pública da periferia do

município de Betim – MG, à luz de Paulo Freire, esta pesquisa ficou estruturada

da seguinte forma: em primeiro lugar, procurei fazer uma breve contextualização

histórica da educação e da legislação educacional; procurei, também, em

breves e resumidas palavras, contextualizar o município de Betim e sua história

educacional, e por fim, localizar a escola pesquisada e a realidade social dos

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alunos por ela atendidos. Num segundo momento, procurei conceituar os termos

poder, educação, cultura e relacioná-los com as práticas curriculares com o

intuito de direcioná-los para o tema da desta pesquisa. Depois, no terceiro

momento busquei evidenciar as contradições existentes entre os modelos de

organização dos tempos escolares: seriação e ciclo de formação humana.

Percebendo que são maneiras antagônicas de estruturar a escola, posicionei-

me a favor do ciclo, por acreditar que este possibilita a emancipação das

classes trabalhadoras. No quarto momento, registrei um pouco da trajetória de

Paulo Freire, ele que me inspirou nessa pesquisa, sua vida, sua experiência

educacional, seu método de ensino, seu legado que me provoca a fazer da

educação uma prática libertadora de todos os cidadãos. O quinto e último

momento refere-se à pesquisa realizada na Escola Municipal Capela Nova de

Betim, onde a prática cotidiana de professores e alunos expressam como se dão

as relações de poder existentes no interior da escola.

1.2 Metodologia

O objeto de estudo desta pesquisa pretende focar, dentro de uma escola

pública de periferia da rede municipal de Betim, as relações de poder existentes

entre professores e alunos após a implantação dos ciclos de formação humana,

a partir de 1988. Estando presente nessa escola, com a devida vênia dos

gestores e professores, pude observar os docentes e alunos de três turmas do

último ano do ensino fundamental. Estes sujeitos foram o foco principal da

pesquisa, embora todo o cotidiano escolar contribua para o desenvolvimento

dessas relações.

Esta pesquisa, portanto, insere-se no quadro das pesquisas qualitativas.

Segundo BOGDAN (1994),

O objetivo dos investigadores qualitativos é o de melhor compreender o comportamento e experiência humanos. Tentam compreender o processo mediante o qual as pessoas constroem significados e descrever em que consistem estes mesmos significados. Recorrem à observação empírica por considerarem que é em função de instâncias concretas do comportamento humano que se pode reflectir com maior

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clareza e profundidade sobre a condição humana. (BOGDAN, 1994, p. 70)

A intenção foi estabelecer uma relação direta entre o pesquisador e o

objeto pesquisado, e também realizar a coleta de dados por meio de

observações do cotidiano escolar, nas quais se procurou apreender a forma

como ocorrem as relações de poder entre professor/aluno, captando as

situações conflituosas. Nesse sentido, freqüentei uma escola da rede municipal

de Betim por quatro meses, de março a junho de 2007, no turno da manhã,

onde estão inseridas as três turmas do último ano do ensino fundamental e os

oito professores por mim pesquisados. Ao freqüentar a escola, conversei em

vários momentos com o diretor, com a vice diretora, com as duas pedagogas do

turno, com as auxiliares da secretaria, que me forneceram informações sobre os

alunos. Freqüentei a biblioteca estando em contato com as duas bibliotecárias

que forneceram dados das leituras dos alunos, com as auxiliares de serviço,

com os professores em sala de aula e na sala de professores, enfim, com todos

os funcionários e com os alunos em sala de aula e no pátio no horário do

recreio.

Outro instrumento de coleta de dados utilizado foram as entrevistas semi-

estruturadas, com professores e alunos, buscando levantar os problemas e as

dificuldades enfrentadas por esses atores sociais no cotidiano escolar, bem

como verificar se há espaços de explicitação, discussão e propostas de solução

ou encaminhamento. Também foram aplicados questionários para os alunos das

três turmas de alunos em questão.

Assim, tendo em vista que a pesquisa atua num ambiente natural, o

contato entre pesquisador e pesquisado é direto, por meio de observações,

questionários e entrevistas semi-estruturadas, pois se trata de um grupo

específico, localizado dentro da realidade de uma unidade escolar. Posso

afirmar, então, que, dentro dessa metodologia qualitativa, a abordagem indicada

é o estudo de caso.

Portanto, essa pesquisa se dá dentro de uma escola pública de periferia

de Betim, esse projeto de “Escola Democrática”, apresentado pela Lei Orgânica

do Município, no art. 150. Pretende-se, aqui, aprofundar, nas relações de poder

entre professor/aluno, o estudo das características democráticas a que ela se

propõe, e que, necessariamente, deve, como conseqüência da democracia,

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formar os alunos para a cidadania, o que coopera significativamente para a sua

emancipação.

Meu foco são as relações de poder dentro de uma experiência vivida já há

dez anos, na rede municipal de Betim, com a implantação dos ciclos de

formação humana. Aqui, pretendo observar se as relações democráticas

consolidam-se na prática, uma vez que, teoricamente, a dinâmica de ensino

aprendizado já mudou.

Minha proposta fundamenta-se na metodologia de Paulo Freire, que trata

diretamente da construção da emancipação do aluno. Assim, de dentro de uma

realidade teoricamente em ciclos, partindo de observações de experiências

vividas por professores e alunos é que pretendo construir essa pesquisa.

Paulo Freire propõe uma mudança de paradigma, considerando todos os seres humanos como seres pedagógicos, incompletos e inacabados. Os seres humanos se completam, convivendo com os outros e trabalham o seu inacabamento pela educação permanente, ao longo de toda a vida. E porque somos seres “acabando-se”, “completando-se” e conscientes desse inacabamento e incompletude, somos seres esperançosos, precisamos de sonho e da utopia para viver plenamente. (ROMÃO, 2002, p. 14)

A relação dialógica, proposta por Freire em toda a sua obra, é, na

verdade, o referencial desta pesquisa. Verificar como se dão as relações de

poder entre professor/aluno, numa perspectiva democrática, emancipadora, será

meu foco principal. Entender a educação como um processo de busca, de

formação, de construção do conhecimento, um confronto constante com a

realidade, numa reflexão crítica sobre a mesma, provocando uma práxis

transformadora da realidade. O próprio FREIRE (2005) aponta o caminho desta

pesquisa:

Não posso investigar o pensar dos outros referido ao mundo se não penso. Simplesmente não posso pensar pelos outros nem para os outros, nem sem os outros. A investigação do pensar do povo não pode ser feita sem o povo, mas com ele, como sujeito de seu pensar. (FREIRE, 2005, p. 117)

Uma educação verdadeiramente democrática luta, constantemente,

contra a desigualdade das diferenças, tomando cuidado para não homogeneizar

as pessoas, respeitando as diferenças, devolvendo aos alunos das classes

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trabalhadoras a capacidade de aprender, partindo de suas próprias

necessidades.

Paulo Freire foi um crente convicto na capacidade do ser humano de

transformar a realidade. Acreditava que a educação podia ser uma forte aliada

nesse processo: a prática pedagógica deveria ser dialógica, e não alienadora. O

papel do educador dialógico deveria comprometer-se com a práxis libertadora,

partindo da realidade social em que se encontram seus alunos. Sua opção abre

caminhos, alternativas, forma cidadãos conscientes de sua condição de

explorados.

Segundo Gadotti (2005), “o objetivo da educação é ajudar a tornar as

pessoas mais livres, menos dependentes do poder econômico, político e social.

A profissão de ensinar tem essa obrigação intrínseca” (GADOTTI, 2005, p. 28).

Portanto, lancei um olhar investigativo para a experiência de ciclos de

formação humana na rede municipal de ensino de Betim, na proposta da

“Escola Democrática”, dentro da realidade de uma comunidade escolar,

marcada por dificuldades econômicas e sociais, onde a implantação de uma

escola verdadeiramente democrática pode gerar a formação de cidadão críticos,

preparados para o mundo, conscientes de seu papel transformador na história.

Assim, acreditando na proposta dos ciclos, na proposta da “Escola

Democrática”, essa pesquisa pretende observar, à luz do pensamento de Paulo

Freire, a realidade local de uma unidade escolar. Observar as relações de poder

no cotidiano escolar, não como conflito, mas como prática libertadora

revolucionária, tornando o processo ensino-aprendizagem uma âncora para a

construção de uma sociedade melhor para aqueles que se situam à margem do

processo político e econômico do nosso País.

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2 APROXIMAÇÕES HISTÓRICAS DA EDUCAÇÃO ESCOLAR

A história foi sempre ambígua, apesar das aparências, já que deu sempre respostas diversas conforme quem a interrogava e as circunstâncias em que o fazia. (BOBBIO, 2004, p. 141)

Ao escolher realizar uma pesquisa qualitativa, um estudo de caso, mais

especificamente, fez-se necessário contextualizar o objeto pesquisado. Aqui,

coube-nos a tarefa de observar, coletar dados, interagir com os agentes

pesquisados. Fez-se necessário, também, participar da realidade de um

município, de uma comunidade, de uma escola, e, principalmente de alunos e

professores. E é assim que começo a narrar o contexto em que se insere esta

pesquisa.

Aqui, pretendo mostrar um pouco da história das assimetrias existentes

no interior de uma escola pública, tendo como foco a relação de poder entre

professores e alunos. Esse recorte investigativo mostrou que tal relação

revestida de autoritarismo reforça a já restrita igualdade de oportunidades para

os alunos advindos das classes trabalhadoras. Uma ponte entre esse histórico

de exclusão e os dados coletados nessa escola far-se-á dentro de um contexto

situando minha proposta de trabalho.

Pretendo apenas fazer uma breve abordagem histórica para situar meu

objeto de pesquisa, as relações de poder entre professor e aluno, numa

perspectiva do ciclo de formação humana, como se deram os processos de

construção e universalização da educação. Farei uma breve abordagem global

para apresentar alguns elementos importantes do processo histórico da

educação no Brasil, Minas Gerais, chegando a Betim, onde se concretiza esta

pesquisa.

Aqui, também, será possível mostrar a importância da construção de uma

relação assimétrica e não autoritária entre professor e aluno, pois, somente

nessa perspectiva é que se torna possível a construção da emancipação do

aluno, ou seja, a formação de cidadãos críticos capazes de problematizar a

história e contribuir para uma crescente diminuição das desigualdades sociais,

econômicas e culturais existentes no País.

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Segundo Paulo Freire, “quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende

ensina ao aprender” (FREIRE, 1996, p. 23). É nesse processo que se inicia a

relação dialógica entre professor e aluno. Não existe aqui um que sabe tudo e

outro que não sabe nada; um que só manda e outro que só obedece; um ser

ativo e outro passivo no processo ensino/aprendizagem; ao contrário, existe o

respeito pelo ser que aprende e que ensina, ao mesmo tempo. Assim, faz-se

necessária uma compreensão dos processos históricos das desigualdades

educacionais, na tentativa de construir uma relação de poder que seja

emancipatória de ambos os agentes do processo.

2.1 Breve histórico da educação

A educação como um direito do cidadão e um dever do Estado, foi se

construindo ao longo da história, e foi principalmente na Era Moderna que vimos

nascer esse direito como um direito positivo. A escola primária, enquanto forma

de socialização privilegiada e lugar de passagem obrigatória para todas as

crianças, é uma instituição recente, cujas bases administrativas e legislativas

contam com pouco mais do que um século de existência. De fato, a escola

pública, gratuita e obrigatória foi instituída no final do século XIX e início do

século XX, apesar de ter origens mais remotas. Ela converteu os professores

em funcionários do Estado e adotando medidas concretas para tornar efetiva a

aplicação da regulamentação que proibia o trabalho infantil antes dos dez anos.

Para Thomas Marshall, a educação das crianças está diretamente relacionada com a cidadania, e, quando o Estado garante que todas as crianças serão educadas, estes tem em mente, sem sombra de dúvidas, as exigências e a natureza da cidadania. Está tentando estimular o desenvolvimento de cidadãos em formação. O direito à educação é um direito social de cidadania genuíno porque o objetivo da educação durante a infância é moldar o adulto em perspectiva. Basicamente, deveria ser considerado não como o direito da criança freqüentar a escola, mas como o direito do cidadão adulto ter sido educado. E, nesse ponto, não há nenhum conflito com os direitos civis do modo pelo qual são interpretados numa época de individualismos. Pois os direitos civis se destinam a ser utilizados por pessoas inteligentes e de bom senso que aprenderam a ler e escrever. A educação é um pré-requisito necessário da liberdade civil. (MARSHALL, 1967, p. 73)

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Ainda segundo o mesmo autor, as lutas pelos direitos sociais foram muito

mais prolongadas do que pelos direitos civis e políticos, e que a educação é um

pré-requisito para a cidadania. O indivíduo que não tem acesso à educação não

alcança uma série de requisitos significativos para avançar em sua cidadania. A

construção da cidadania é um caminho para a igualdade entre os homens, e

ainda não chegou a todos os indivíduos de todos os povos e em igual medida,

ou melhor, em igualdade de condições, pois os direitos sociais ainda são

desconhecidos por grande parte da população mundial seja pela sua não

efetivação, seja por não constarem de códigos jurídicos nacionais.

No caso da educação escolar em quase todos os países do mundo,

existem leis com garantias de sua oferta para todas as crianças em idade

escolar. Sabemos também que as condições econômicas e culturais de muitos

países são variáveis de acordo com a realidade local. Por isso, enquanto alguns

países garantem na prática uma educação de qualidade para suas crianças, em

muitos outros até mesmo o acesso ainda se faz restrito. Assim, o direito à

educação não garante uma diminuição das desigualdades sociais entre classes

dentro de um mesmo país e mesmo entre nações ricas e nações pobres.

Não posso falar de cidadania, sem uma profunda preocupação em

diminuir as desigualdades sociais, nem mesmo sem mencionar as constantes

lutas pelos direitos humanos como a Revolução Francesa em 1789 e a

Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, e outras que marcaram

nossa história de lutas pela igualdade entre os homens e pelos direitos dos

cidadãos. Não posso falar de cidadania, sem me comprometer com a garantia a

todos os cidadãos do mundo as condições mínimas de sobrevivência, como o

direito à vida, à saúde, à moradia, à segurança, ao trabalho digno e a uma

educação de qualidade. Segundo MARSHALL (1967),

A cidadania exige um elo de natureza diferente, um sentimento direto de participação que é um patrimônio comum. Compreende a lealdade de homens livres, imbuídos de direitos e protegidos por uma lei comum. Seu desenvolvimento é estimulado tanto pela luta para adquirir tais direitos quanto pelo gozo dos mesmos, uma vez adquiridos. (MARSHALL, 1967, p. 84)

O direito à educação é discussão antiga que a humanidade travou ao

longo da sua história, e que vem se consolidando na Era Moderna. Após os

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crimes provocados pela Segunda Guerra Mundial, uma grande preocupação era

a de garantir os direitos dos cidadãos. E foi a partir dessa realidade que as

Nações Unidas, reunidas em 1948, deram voz à Declaração Universal dos

Direitos Humanos. O art. 26 trata do direito que todos os cidadãos, em todas as

nações do mundo, têm a educação:

1. Toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita,

pelo menos a correspondente ao ensino elementar fundamental. O ensino

elementar é obrigatório. O ensino técnico e profissional deve ser

generalizado; o acesso aos estudos superiores deve estar aberto a todos,

em plena igualdade, em função do seu mérito.

2. A educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao

reforço dos direitos do homem e das liberdades fundamentais, e deve

favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações

e todos os grupos raciais ou religiosos, bem como o desenvolvimento das

actividades das Nações Unidas para a manutenção da paz.

3. Aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o género de

educação a dar aos filhos.

Com essa declaração, houve um reconhecimento pelas nações

signatárias de que a educação tornou-se um direito universal de todos os

cidadãos. A grande dificuldade é perceber esse direito efetivamente garantido, é

ver todas as crianças dentro de instituições de ensino que lhes garantam uma

educação de qualidade. Segundo BOBBIO (2004),

Partimos do pressuposto de que os direitos humanos são coisas desejáveis, isto é, fins que merecem ser perseguidos, e de que, apesar de sua desejabilidade, não foram ainda todos eles (por toda a parte e em igual medida) reconhecidos. (BOBBIO, 2004, p. 35-36)

A escola nem sempre existiu; daí a necessidade de determinar suas

condições históricas de existência no interior de minha formação social. Aqui se

pretende fazer uma rápida abordagem histórica para refletir o passado a partir

de uma perspectiva que me ajude a decifrar o presente, tornando possível

minha compreensão da realidade, das causas da construção das diferenças

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educacionais ao longo da sua história, enfim, para tornar possível a

compreensão das nossas condições atuais de existência.

A partir do século XVII, começa a chamada escolarização, as crianças

deixam de aprender entre os adultos e passam a ser formadas nas escolas. As

crianças passam a ser separadas por grupos de idades e a terem aprendizados

diferenciados. De qualquer modo, o adestramento para os ofícios, a moralização

e a fabricação de súditos virtuosos são os pilares sobre os quais se assenta a

política de recolhimento dos pobres. Segundo Adam SMITH (1996),

o Estado pode facilitar, encorajar e até mesmo impor a quase toda a população a necessidade de aprender os pontos mais essenciais da educação. (SMITH, 1996, p. 246)

Parece ser de interesse dos governantes a universalização da educação

primária, talvez até mesmo como elemento de mediação para as trocas no

mercado econômico.

Segundo CURY (2002a),

tanto a Inglaterra, como a França, a Alemanha e outros países europeus, no século XIX, fizeram reformas educacionais nas quais se cruzam as idéias do pensamento liberal como a ação intervencionista do Estado e com o controle inicial do trabalho infantil. Acreditava-se que a instrução primária seria uma vacina contra o despotismo já vivido por muitos países tanto quanto uma forma de questionar a dominância do trabalho manual, entre os adultos, e a presença de crianças no regime fabril. Na verdade, para as classes dirigentes européias, colocar o Estado como provedor de determinados bens próprios da cidadania, como a educação primária e a assistência social, representava a necessidade da passagem progressiva da autoproteção contra calamidades e incertezas para a solução coletiva de problemas sociais. Para contar com as classes populares no sentido da solução de muitos problemas, não era mais possível nem deixar de satisfazer algumas de suas exigências e nem ser um privilégio, o que, a rigor, era direito de todos e não só de uma minoria. (CURY, 2002a, p. 6)

Os interesses de classes, antagônicos entre si, dentro dos contextos

sociais, tornaram a educação um pilar da sociedade, pilar contraditório. De um

lado, os donos dos meios de produção desejavam formar mão-de-obra, seres

passivos e domesticados, desejavam direcionar a educação das classes

operárias para a subserviência, enquanto os trabalhadores viam na educação

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uma ferramenta de emancipação, o caminho para a razão de sua condição, e, a

partir daí, construir uma sociedade mais justa e menos desigual.

Instituir as escolas obrigatórias com a finalidade de controlar as classes

populares era fundamental para uma ordem social pacífica, e assim se controlar

o operário para torná-lo honrado produtor e neutralizar e impedir que a luta

social transborde, pondo em perigo a estabilidade política. A educação, por

outro lado, passa a ser um caminho institucional para tirar as classes populares

da ignorância, uma condição para a construção da cidadania, e, enfim, um

caminho para a emancipação das classes mais desprovidas de cultura, e de

todos os meios para uma subsistência mais digna.

A cidadania caminha nessa contradição e é condição para que todos

tenham no conhecimento um dos mecanismos de luta, a diminuição das

desigualdades sociais, culturais e econômicas.

Cury diz que

a importância do ensino primário tornado um direito imprescindível do cidadão e um dever do Estado impôs a gratuidade como modo de torná-lo acessível a todos. Por isso, o direito à educação escolar primária inscreve-se dentro de uma perspectiva mais ampla dos direitos civis dos cidadãos. (CURY, 2002a, p. 3)

A história da educação escolar mostra a busca pela construção de direitos

ligados à cidadania, o que me permite afirmar que esses processos não se

deram de forma linear e nem com a mesma intensidade em todos os países. O

direito à educação nos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, de

uma forma especial na América Latina, estão ligados à evolução dos processos

políticos, econômicos, sociais, e ficaram comprometidos por regimes autoritários

e pelos interesses particulares das elites.

Cury avalia que

a realidade demonstra que o caminho europeu, no sentido das conquistas de direitos consagrados em lei, nem sempre foi o mesmo dos países que conheceram a dura realidade da colonização. E, mesmo no meio dos países colonizados, ainda resta avaliar o impacto sociocultural da colonização quando acompanhada de escravatura. A conquista do direito à educação, nestes países, além de mais lenta, conviveu e convive ainda com imensas desigualdades sociais. Neles, à desigualdade se soma a herança de preconceitos e de discriminações étnicas e de gênero incompatíveis com os direitos civis. Em muitos destes países, a formalização de conquistas sociais

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em lei e em direito não chega a se efetivar por causa desses constrangimentos herdados do passado e ainda presentes nas sociedades. (CURY, 2002a, p. 9)

2.2 Breve histórico da educação brasileira

A história da educação no Brasil teve seu início com a Coroa Portuguesa,

comandada pela Igreja, mais precisamente pelos jesuítas. Ela tinha um caráter

catequético, seus princípios eram os valores religiosos. Apenas os filhos

homens dos grandes proprietários de terras tinham acesso à cultura. Não havia,

portanto, uma preocupação com a educação escolar, e muito menos uma

política educacional no período colonial brasileiro.

No período imperial, a educação primária aparece pela primeira vez como

responsabilidade do Estado, mas apenas alguns cidadãos tinham acesso a essa

educação, escravos e mulheres eram excluídos. Foi a partir da Constituição de

1824 que os Direitos Civis e Políticos dos brasileiros começaram a ser

construídos. Nesse período, a educação escolar aparece como um direito dos

cidadãos, mas cabe aqui apontar quem era considerado um cidadão, pois os

negros, considerados propriedade de outrem, não podiam ter acesso aos

bancos escolares. As mulheres, devido aos hábitos hierárquicos do

mandonismo, tinham acesso muito limitado ao conhecimento, e, quando esse se

dava, dava-se no âmbito doméstico. Os não católicos, os padres enclausurados

e as mulheres não tinham direito ao voto, portanto, não eram considerados

cidadãos. Apenas os homens brancos e de posses podiam votar e exercer

funções próprias da cidadania. As províncias eram responsáveis pelo ensino

primário, e, a corte, responsável pela educação das elites. Nesse período, era

muito forte a formação dentro de casa. As famílias cuidavam da formação livre

dos seus filhos, a formação católica também se destacava na educação dos

índios e nos colégios.

A Igreja Católica permanece, em todo esse período, como a grande

responsável pela educação. Nessa época, o ensino era ministrado em escolas

isoladas, igrejas, e até mesmo nas casas dos mestres, onde os alunos que

podiam pagar recebiam os ensinamentos.

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O processo histórico do Brasil mostra que o acesso à educação

permaneceu por séculos um privilégio das classes mais ricas, enquanto as

classes mais pobres eram apenas catequizadas, transformadas em seres

obedientes aos mandos dos que estavam no poder, poder que, no seu início,

pertenceu aos colonizadores e que, mais tarde, seriam substituídos pelas elites

da República.

Com o Estado Republicano e a promulgação da Constituição de 1891, um

conjunto de mudanças políticas, econômicas sociais e culturais torna possível a

busca de um modelo educacional mais aberto no Brasil. Com a abolição da

escravatura, a instituição de um Estado Laico tornando leigo o ensino público,

permitindo a continuidade da oferta de uma educação privada no País, haveria

maiores oportunidades de acesso. O ensino primário tornou-se responsabilidade

dos Estados, e o ensino secundário e superior competências compartilhadas

entre Estados e a União.

Surgem as escolas públicas, agora mantidas pelos Estados, que

lentamente vão se espalhando por todo o território nacional. Com elas, intenta-

se o novo modelo educacional republicano de universalização da educação

popular. Surge a escola graduada, ou seja, a escola que chamamos de seriada,

que segmentou os tempos escolares, instituiu as disciplinas, criou a sistemática

de provas e exames como instrumento de avaliação para efeito de promoção ou

exclusão, e, por fim, os alunos são divididos em grupos homogêneos.

Após a Revolução de Trinta, o poder do Estado Nacional fortalece-se, e

ele vai se tornando intervencionista em vários campos da atividade social.

Nesse sentido, aparece pela primeira vez, no art. 5º, inciso XIV, a competência

privativa da União em “traçar as diretrizes da educação nacional”. A educação

torna-se direito de todos e obrigação dos poderes públicos, inclusive com

financiamento obrigatório até para assegurar a gratuidade na obrigatoriedade.

Com o golpe que implanta no Brasil a ditadura do Estado Novo em 1937,

a educação sofre censura política, a educação passa a reforçar dimensões

próprias de um adestramento, inculcando patriotismo, a disciplina moral, e

oferecendo um ensino destinado à formação técnica profissional aos filhos das

classes populares. Mas o Estado Novo também deu continuidade a algumas

garantias institucionais como a obrigatoriedade do ensino primário e certa

autonomia dos Estados na organização dos sistemas de ensino.

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Em 1961, sob a égide da nova Constituição Federal, promulgada em

1946, foram aprovadas as Diretrizes de Bases da Educação Nacional, Lei n.

4.024/61. A primeira LDB estatui avanços importantes na educação, tais como:

dá mais autonomia aos órgãos estaduais, diminuindo a centralização do poder

no MEC; regulamenta a existência dos Conselhos Estaduais de Educação e do

Conselho Federal de Educação; garante então o empenho de 12% do

orçamento da União e 20% dos municípios com a educação; obrigatoriedade de

matrícula nos quatro anos do ensino primário; formação de professores para o

ensino primário no ensino normal de grau ginasial ou colegial, e de nível

superior para o ensino médio, e ano letivo de 180 dias.

Em 1964, as instituições democráticas, mais uma vez, são golpeadas no

Brasil. Dessa vez, os militares tomam diretamente o poder e fazem profundas

mudanças na legislação, o que afeta, diretamente, a educação em que muitas

garantias constitucionais são suspensas. A educação é afetada, principalmente,

com a extinção da vinculação constitucional de recursos para a área a partir dos

impostos.

O Regime Militar estabeleceu, em 1971, a Lei n. 5.692 que tratava das

novas diretrizes e bases da educação nacional. A nova Lei tinha as seguintes

características: manter um núcleo comum obrigatório em âmbito nacional para o

currículo de 1º e 2º graus, e uma parte diversificada das necessidades e

possibilidades concretas, às peculiaridades locais, aos planos dos

estabelecimentos e às diferenças individuais dos alunos; inclusão da educação

moral e cívica, educação física, educação artística e programas de saúde como

matérias obrigatórias do currículo, além do ensino religioso facultativo; ano

letivo de 180 dias; ensino de 1º grau obrigatório dos 7 aos 14 anos, cabendo

aos municípios a fiscalização direta; formação preferencial do professor para o

ensino de 1º grau, da 1ª à 4ª séries, em habilitação específica no 2º grau e de

nível superior de graduação para professor para o ensino de 1º e 2º graus; os

recursos públicos, destinados à educação, seriam aplicados, preferencialmente,

na manutenção e desenvolvimento do ensino oficial; os municípios deviam

gastar 20% de seu orçamento com educação, não previa dotação orçamentária

para a União ou os Estados. Foram muitos os decretos que, ao longo da história

do Brasil, modificaram os caminhos da educação, e, ainda no Regime Militar,

podemos citar a Lei n. 7.044 de 18 de outubro de 1982. Essa Lei altera

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dispositivos da Lei n. 5.692, de 11 de agosto de 1971, referentes à

profissionalização do ensino de 2º grau, de modo a que a profissionalização no

ensino de 2º grau deixasse de ser compulsória.

Com o fim da ditadura militar em 1984, o país começou o processo de

redemocratização das suas instituições. A Constituição de 1988 teve uma

significativa participação de educadores, o que garantiu avanços importantes na

garantias de direitos fundamentais, como a universalização e a melhoria da

qualdiade da educação nacional. A Constituição Federal estabelece garantias

fundamentais para a educação:

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, art. 205)

Os direitos à educação, reconhecidos em lei, vão ganhando força no

Brasil, a partir da década de 80. Segundo CURY (2005), “será, pois, no

reconhecimento da educação como direito que a cidadania como capacidade de

alargar o horizonte da participação de todos nos destinos nacionais ganha

espaço na cena social” (CURY, 2005, p. 21).

Em 1996, sob a égide da Constituição Federal de 1988, foi sancionada a

atual LDB (Lei 9394/96) pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso e

pelo então ministro da educação Paulo Renato de Souza, em 20 de dezembro

de 1996, tendo como fundamentos os seguintes principios e fins:

A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de

liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno

desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua

qualificação para o trabalho (LDB, art. 2º).

O ensino será ministrado com base nos seguintes princípíos:

I. igualdade de condições para o acesso e permanência na

escola;

II. liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a

cultura, o pensamento, a arte e o saber;

III. pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas;

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IV. respeito à liberdade e apreço à tolerância;

V. coexistência de instituições públicas e privadas de

ensino;

VI. gratuidade do ensino público em estabelecimentos

oficiais;

VII. valorização do profissional da educação escolar;

VIII. gestão democrática do ensino público, na forma desta

Lei e da legislação dos sistemas de ensino;

IX. garantia de padrão de qualidade;

X. valorização da experiência extra-escolar;

XI. vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as

práticas sociais.

Além dos princípios mencionados acima, a LDB de 1996 trouxe outras

mudanças em relação às leis anteriores, tais como: a autonomia pedagógica e

administrativa das unidades escolares; ensino fundamental obrigatório e gratuito

para as pessoas de 07 a 14 anos; ampliação da carga horária mínima para 800

horas distribuídas em 200 dias na educação básica; previa um núcleo comum

para o currículo do ensino fundamental e médio e uma parte diversificada em

função das peculiaridades locais; formação de docentes para atuarem na

educação básica em curso de nível superior, sendo aceito para a educação

infantil e as quatro primeiras séries do ensino fundamental, formação em curso

Normal do ensino médio; formação dos especialistas da educação em curso

superior de pedagogia ou pós-graduação. A União deveria gastar, no mínimo,

18%, e os estados e municípios, no mínimo, 25% de seus respectivos impostos

na manutenção e no desenvolvimento do ensino público; dinheiro público pode

financiar escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas; prevê a criação

do Plano Nacional de Educação.

A atual legislação educacional brasileira não ignora os problemas que

sempre provocaram as desigualdades entre classes, e a exclusão da maioria da

população ao acesso à informação. Pode-se afirmar que o país tem uma Lei que

garante igualdade de oportunidades entre os estudantes, uma Lei que propugna

o acesso à qualidade e a valorização profissional do docente. Mas, quando volto

meu olhar para a prática, a realidade das escolas públicas por todas as partes

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do país, vejo, com freqüência, o resultado de séculos de descaso do poder

público com a educação.

As escolas públicas sofrem, em todos os estados do País, com a falta de

investimentos de infra-estrutura, recursos materiais e didáticos, qualificação dos

profissionais da educação e de salários mais justos. Além disso, a história da

educação no Brasil é marcada pelas desigualdades existentes no processo de

formação das crianças das classes ricas e das classes trabalhadoras, essas

últimas sempre ansiando por uma estrutura e uma oferta de qualidade. Um

modelo histórico, seletivo e elitista que ignora a realidade concreta dos grupos

sociais majoritários. Esse modelo reproduz interesses concretos das elites e

aumenta o abismo social entre os grupos sociais.

A reflexão que faço, aqui, é: a quem interessa esse modelo educacional

que forma uns em detrimento de muitos? Por que o fracasso escolar é muito

maior entre as classes populares do que nas classes mais favorecidas da

sociedade? Por que esse fracasso acontece em maior proporção em escolas

públicas de periferia e, justamente, onde carece de um maior investimento e

atenção por parte do poder público e dos professores?

A história da educação no Brasil mostra que o fracasso escolar, nas

camadas mais pobres da população, justamente onde o poder público deveria

intervir com mais recursos, é exatamente onde carece desses recursos. As

escolas, localizadas nas periferias das grandes cidades, carecem não só de

recursos financeiros, mas também de recursos humanos e de infra-estrutura

adequada ao bom aprendizado desses alunos. Demonstra, também, que os

professores procuram as “melhores” escolas para se efetivarem, e que,

finalmente, o resultado final, que é a promoção dos alunos, demonstra um

índice maior nas escolas médias, deixando, portanto, a retenção maior por

conta das escolas periféricas.

A LDB de 1996, em seu art. 23, estabelece que as escolas tenham

autonomia para organizarem seus tempos e processos de aprendizagem. Os

educadores, incomodados com o fracasso do modelo seriado nas escolas

públicas, onde havia grande evasão e repetência, caracterizando a exclusão,

apresentaram alternativas, entre elas o projeto de ciclos de formação humana

que não visa apenas ao acúmulo de conhecimentos. O sistema em ciclos de

formação humana procurava organizar os tempos e espaços, saberes, as

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experiências de socialização, enfim, a escola passava a ser pensada como um

espaço de encontro, do fazer educativo.

Uma proposta de construção de uma educação verdadeiramente

dialógica, capaz de transformar as relações entre professores e alunos em

sujeitos no processo de aprendizado, sem os equívocos da relação autoritária

ou assistencialista que invadiu o sistema seriado de ensino, ganha cada vez

mais espaço na educação brasileira, e Paulo Freire foi um dos grandes

responsáveis por esse processo. Segundo ele, “estudar não é um ato de

consumir idéias, mas de criá-las e recriá-las” (FREIRE, 2006a, p. 13).

E o autor continua mais adiante:

aprender a ler e escrever se faz assim uma oportunidade para que mulheres e homens percebam e que realmente significa dizer a palavra: um comportamento humano que envolve ação e reflexão. Dizer a palavra, em um sentido verdadeiro, é o direito de expressar-se e expressar o mundo, de criar e recriar, de decidir, de optar. Como tal, não é o privilégio de uns poucos com que silenciam as maiorias. É exatamente por isso que, numa sociedade de classes, seja fundamental à classe dominante estimular o que vimos chamando de cultura do silêncio, em que as classes dominadas se acham semimudas ou mudas, proibidas de expressar-se autenticamente, proibidas de ser. (FREIRE, 2006a, p. 59)

Assim, pretendi evidenciar que as relações de poder existentes entre

professor e aluno, ao longo da história da educação nacional, tiveram uma forte

expressão de autoritarismo, pois uma educação assimétrica é uma educação

em que prevalece o comando sobre o diálogo, o autoritarismo sobre uma

relação dialógica. É um grande desafio para uma educação que sempre

legitimou as desigualdades sociais e econômicas, construir um processo de

construção do conhecimento que seja mais justo com os alunos das camadas

populares, estabelecer uma relação dialógica é um desafio num país marcado

pela legitimação constante das desigualdades.

No Estado de Minas Gerais, os direitos fundamentais relacionados à

educação estão previstos na Constituição Estadual promulgada em 1989. Ela

assegura conquistas importantes que merecem aqui um destaque especial

explicitados nos arts. 195 e 196 onde citarei apenas alguns dos XI princípios

estabelecidos:

“Art. 195 - A educação, direito de todos, dever do Estado e da família,

será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, com vistas ao

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pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e

sua qualificação para o trabalho.

Art. 196 - O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

I - igualdade de condições para o acesso e freqüência à escola e permanência

nela;

II - liberdade de aprender, ensinar e pesquisar, e de divulgar o pensamento, a

arte e o saber;

III - pluralismo de idéias e de concepções filosóficas, políticas, estéticas,

religiosas e pedagógicas, que conduza o educando à formação de uma postura

ética e social próprias;

IV - preservação dos valores educacionais regionais e locais;

V - gratuidade do ensino público;

VI - valorização dos profissionais do ensino, com a garantia, na forma da lei, de

plano de carreira para o magistério público, com piso de vencimento profissional

e com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos,

realizado periodicamente, sob o regime jurídico único adotado pelo Estado para

seus servidores;

VII - gestão democrática do ensino público, na forma da lei;

X - garantia do padrão de qualidade, mediante:

a) avaliação cooperativa periódica por órgão próprio do sistema educacional,

pelo corpo docente e pelos responsáveis pelos alunos;

b) condições para reciclagem periódica pelos profissionais de ensino;

Parágrafo único - A gratuidade do ensino a cargo do Estado inclui a de todo o

material escolar e a da alimentação do educando, quando na escola”.

Conhecer e reconhecer o processo histórico da educação no Brasil é um

compromisso que deve ser assumido por todos os agentes envolvidos com ela,

ou seja, alunos, pais, a comunidade e, principalmente, os educadores que não

podem se acomodar com as conquistas já alcançadas e, menos ainda, se

conformar com as coisas como estão. São muitos os desafios, como: a melhoria

na qualidade da educação no processo ensino aprendizado, investimentos no

patrimônio físico das escolas públicas, valorização dos profissionais da

educação, investimentos sociais para diminuir as desigualdades dando

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dignidade as famílias para garantir os filhos na escola. Portanto, o processo de

emancipação da educação brasileira já alcançou muito no que diz respeito à Lei,

mas a efetivação da Lei na vida prática das escolas públicas educacionais ainda

deixa a desejar. Há um longo caminho para a emancipação de todas as crianças

brasileiras na construção de sua cidadania.

Procurei assinalar alguns elementos ligados ao processo histórico do

ponto de vista do direito à educação, pois esse é o meu foco principal: tratar das

relações de poder, e este, quando configurado em Lei, torna-se direito, torna-se

dever, é legítimo. A Lei garante poderes aos professores para ensinar e aos

alunos para aprender; ela imprime poderes específicos a cada um dos agentes

que participam da construção dos saberes necessários à cidadania. Uma vez

garantidos em Lei, o direito e o dever de ensinar, de construir cidadania, resta-

nos saber se esse direito é respeitado e vivido nas inúmeras escolas públicas

de periferia espalhadas pelo território brasileiro.

De acordo com CURY (2005),

se considerarmos que a educação é constituinte da dignidade da pessoa humana e elemento fundante da democratização das sociedades, se considerarmos o quanto educadores e educadoras se emprenharam em prol da educação como direito, se considerarmos a importância da Constituição como pacto fundante da coexistência social, certamente o capítulo da educação na nossa atual Constituição é avançado e contém bases e horizontes pra uma vertente processual de alargamento da cidadania e dos direitos humanos (CURY, 2005, p. 28).

2.3 Breve histórico de Betim - MG

Esta pesquisa foi realizada dentro do município de Betim, cidade

localizada na zona metalúrgica, Região Metropolitana de Belo Horizonte, a 26

km da capital. A história do município começa a ser escrita a partir de 1711,

quando Joseph Rodrigues Betim escreveu à coroa portuguesa, fazendo uma

petição de doação de carta de sesmaria situada na bacia do Ribeirão Betim.

Em 1889, com as reformas do regime republicano, surgiu o Estado de

Minas Gerais, antes Província, com 11 grandes municípios. Um deles era o

município de Santa Quitéria, atual Esmeraldas, formado pelos terrenos de

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Capela Nova de Betim, Contagem e Várzea Pantana. Capela Nova de Betim se

tornaria, em 1801, um distrito do município de Santa Quitéria. E, por fim, em

1938, ocorre uma nova reforma político-administrativa no Estado de Minas

Gerais, onde são criados 71 municípios, através do decreto do governador

Benedito Valladares Ribeiro. Nessa reforma, Betim passa à condição de

município.

Na década de 1930, foi criada no município de Betim, quando ainda era

distrito de Santa Quitéria (Esmeraldas), a Colônia Santa Isabel, destinada ao

tratamento da hanseníase. Sua administração ficou aos cuidados da Fundação

Hospitalar de Minas Gerais – FHEMIG. O local afastado da vida urbana tinha o

propósito de isolar os doentes do convívio social, evitando o contágio da

doença. Na década de 1980, a Colônia foi aberta para a formação de moradia

de funcionários, familiares dos doentes, transformando mesma em um bairro,

embora o preconceito e a discriminação dos doentes e até mesmo com relação

aos moradores do bairro sempre ficou muito evidente. A Colônia Santa Isabel

atende hoje 420 hansenianos e já conta com melhorias na sua infra-estrutura,

como escolas, posto de saúde, comércio local, etc.

Em 1947, foi instalada, no município, a Câmara de Vereadores, com nove

parlamentares. Seu primeiro presidente foi Luiz da Cunha. Logo no ano

seguinte, em 1948, os vereadores deram posse ao primeiro prefeito eleito,

Sylvio Lobo, pois, até então, os prefeitos eram nomeados pelo governador do

estado. A Câmara de Vereadores de Betim encontra-se hoje na 15ª legislatura e

é composta por 16 vereadores.

No início do século XX, o município é cortado pela construção da ferrovia

que ligava Belo Horizonte a Divinópolis. Isso iria contribuir para o crescimento

do comércio e da indústria na região. A economia do município era

principalmente agropecuária, até a década de 1940, data da instalação das

primeiras indústrias.

Com a valorização da Região Metropolitana e com o início da construção

do distrito industrial de Contagem, e, posteriormente, de Betim, o município é

beneficiado, na década de 1950, pela implantação de uma rede de rodovias

federais como a Fernão Dias, BR 381, que liga três regiões importantes do País.

Ela inicia no município de São Mateus no Estado do Espírito Santo, corta o

Estado de Minas Gerais, passando por Belo Horizonte e Betim, terminando na

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cidade de São Paulo. A BR 262, que começa em Vitória, no Espírito Santo,

passa por cidades importantes de Minas Gerais, como Belo Horizonte, Betim,

Uberaba e termina no estado do Mato Grosso do Sul, a BR 040 seu ponto inicial

fica na cidade de Brasília (DF), e o final, no Rio de Janeiro (RJ). Passa pelos

estados de Goiás, Minas Gerais (Sete Lagoas, Belo Horizonte, Betim, Juiz de

Fora, etc.) e Rio de Janeiro, também servem ao município as rodovias MG 060 e

MG 050.

Segundo a professora e pesquisadora Teresinha Assis, a cidade de

Betim, até meados da década de 1960, foi uma cidadezinha do interior com

características próprias de um lugarejo onde todas as pessoas se conheciam;

os pontos de encontro das famílias eram a igreja católica, os campos de futebol

e a praça Tiradentes e a antiga matriz de Nossa Senhora do Carmo, que estava

edificada na praça Milton Campos. Lá era o lugar de grandes festas religiosas: a

semana santa, a festa do Divino, a festa da padroeira, Nossa Senhora do

Carmo, além das missas dominicais que reuniam todas as famílias da cidade.

Os campos de futebol dos clubes: Vera Cruz, onde hoje está construída a

escola Clóvis Salgado, e Industrial, que ficava na margem esquerda do rio

Betim, próximo da ponte da ferrovia, no fundo da Cerâmica Saffran. Os times

dividiam as pessoas em dois grupos ou duas torcidas rivais e apaixonadas. A do

Industrial era considerada mais popular e a do Vera Cruz que era considerada

de elite. A praça Tiradentes era o local onde funcionava o cinema, a sede social

do Clube Industrial e ponto de encontro da juventude, principalmente nos finais

de semana. Depois da missa as pessoas se dirigiam para a praça, alguns iam

ao cinema e outros iam para as tradicionais horas dançantes dos clubes. A vida

na cidade era pacata e tranqüila. As crianças brincavam pelas ruas durante o

dia e ficavam até o anoitecer. Havia poucos carros circulando pelas ruas; a

prioridade do espaço público era para o pedestre.

A partir de meados da mesma década, alguns fatos começaram a mudar

os rumos da pequena cidade. Um planejamento estatal que ocorreu na União e

no Estado de Minas Gerais procurou atrair indústrias para se instalarem no

Estado. Foi neste contexto que veio para Betim a Refinaria Gabriel Passos que

começou a ser construída em meados da década de 1960, e foi inaugurada em

1968. Durante a década de 1970, a cidade consolidou sua vocação industrial

com um novo planejamento do Estado para instalar distritos industriais na

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Região Metropolitana. Em Betim, foi instalado o principal Distrito Industrial, o

“Paulo Camilo Pena”, que fica na região do PTB. A partir de meados dessa

década, a cidade passou a sofrer profundas transformações em seu tecido

urbano. O afluxo de migrantes era constante, a expansão urbana transformava

várias fazendas em bairros populares, muitos terrenos eram invadidos, dando

origem às vilas e favelas. A cidade cresceu, principalmente, no eixo leste,

próximo da área que estavam se instalando as indústrias. A região do

Teresópolis foi a primeira que se transformou rapidamente, devido à invasão

dos terrenos próximos da rodovia. Ali surgiam barracos da noite para o dia,

criando vilas e favelas com alta densidade demográfica. Muitos terrenos que

estavam aprovados como loteamentos, sem nenhuma infra-estrutura, foram

rapidamente vendidos para imigrantes que estavam vindo na esperança de uma

nova terra prometida. A partir da segunda metade da década de 1970, algumas

grandes indústrias multinacionais começaram a se instalar em Betim. Nesse

período, a principal empresa instalada que colocou seu produto no mercado

brasileiro foi à montadora Fiat Automóveis. Nos anos que se seguiram, a cidade

passou por uma verdadeira explosão demográfica e urbana. Betim deixou de ser

uma cidadezinha do interior e passou a integrar, efetivamente, a Região

Metropolitana de Belo Horizonte. Essa mudança trouxe também os grandes

problemas sociais e urbanos.

Com uma localização privilegiada, o município tem uma história marcada

pela crescente instalação de indústrias, a partir da década de 1940, as

indústrias de Cerâmicas e posteriormente de sabão, curtume, móveis, biscoitos,

confecções, asfalto. E hoje, o município de Betim é considerado um dos

principais pólos de concentração industrial do Estado de Minas Gerais, com

destaque para a implantação da Refinaria Gabriel Passos, da Petrobrás, em

1968, e a Fiat Automóveis S/A em 1976. O Salão do Encontro, que foi criado em

1971 por Frei Estanislau e Noemi Gontijo, uma indústria artesanal de tecelagem,

carpintaria, cerâmica e móveis rústicos que oferece educação e trabalho para a

comunidade, uma importante obra de assistência social do município onde

crianças aprendem o cognitivo, a arte e a socialização e os adultos criam a arte

nas peças produzidas.

Betim faz fronteira com os municípios de Contagem, Ibirité, Juatuba,

Mário Campos, Sarzedo, Igarapé, São Joaquim de Bicas e Esmeraldas. Sua

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extensão territorial é de 346,8 km2. Sua população aproxima-se de 412.000

habitantes (IBGE, 2006), e tem hoje uma média anual de crescimento

populacional de 7,78%. Esse crescimento atrai muitos olhares e pessoas em

busca de emprego. O grande crescimento populacional é inferior à oferta de

empregos que vem acompanhado dos problemas e desafios das grandes

cidades. Crescem as periferias, as desigualdades sociais, as favelas, tornando

Betim um dos municípios com maior índice de violência de Minas Gerais.

A história de Betim é marcada pela fé de seu povo, desde as suas

origens. Em 1753, moradores ergueram uma capela nas margens do Rio Betim

e a chamaram de Capela Nova de Betim. A capela pertencia à paróquia do

Curral d’El-Rei. Em 1773, os moradores da região ganham licença para

construir uma nova capela que seria inaugurada em 1735, e receberia o nome

de Santa Quitéria. Em 1754, iniciam a nova construção da nova Capela Nova de

Betim, que esperaria mais de 50 anos para ser inaugurada. A primeira paróquia

é instituída em 1851, e seu primeiro vigário foi o padre Manoel Roberto da Silva

Diniz.

O município faz parte da Arquidiocese de Belo Horizonte, e está dividido

em 17 paróquias, com destaque para os mais antigos centros católicos, como as

igrejas: Nossa Senhora do Carmo, São Francisco e a Igrejinha do Rosário,

construída para atender a religiosidade negra no município. Somente em

meados do século XX é que outras denominações religiosas ganham espaço em

Betim: a Igreja Metodista em 1962, a Igreja Batista em 1966, a Igreja

Presbiteriana em 1967, a Igreja Adventista do 7º dia em 1976, a Igreja do

Evangelho Quadrangular em 1973, e muitas outras que vieram posteriormente.

O seu comércio é muito influente na Região Metropolitana, principalmente

com os pequenos municípios vizinhos. Betim conta com uma rede de comércio

atacadista e varejista que chega a 2000 estabelecimentos comerciais. Destaco

o Mercado Municipal de Betim e o Betim Shopping, que atendem a comunidade

local.

O município também se destaca na cultura e lazer. A barragem Várzea

das Flores que possui um grande espelho d’água e uma bela natureza, que é

freqüentada pela comunidade local; a fazenda Vale Verde que, além de ser uma

importante indústria de aguardente, possui um parque ecológico preocupado

com a preservação de espécies ameaçadas de extinção; a Casa de Cultura

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destaca-se pela construção colonial e principalmente porque é um importante

centro de apoio às manifestações artísticas e culturais de Betim, o Parque de

Exposições David Gonçalves Lara que realiza, entre outros dois grandes

eventos culturais, que são o Betim Rural e a Feira da Paz e o Centro

Poliesportivo Divino Braga, que recebe grandes eventos esportivos nacionais e

internacionais.

2.4 Breve histórico da educação de Betim

O primeiro grupo escolar criado em Betim é datado de 1910, quando

Betim ainda era um distrito de Santa Quitéria, e recebeu o nome de grupo

escolar Conselheiro Afonso Pena. O prédio era uma construção modesta,

composta por apenas quatro salas, um gabinete, dois alpendres e banheiros.

Nos primeiros meses de funcionamento, o grupo escolar recebeu 216 alunos

que cursavam as primeiras séries do ensino fundamental. Com a construção do

novo prédio, a Escola Estadual Conselheiro Afonso Pena funciona em outro

prédio. Em 1963, o prédio torna-se sede do Colégio Comercial Betinense. Hoje

o prédio foi restaurado e deu lugar ao Museu Municipal Paulo Araújo Moreira

Gontijo.

As escolas que atendiam as crianças na área urbana eram de 1ª à 4ª

séries, e se restringiam a poucos estabelecimentos, dentre eles o Grupo Escolar

“Clóvis Salgado”, O Grupo Escolar “Dr. Silvio Lobo”, O Grupo Escolar

“Conselheiro Afonso Pena”. Todos da rede estadual de ensino. Na área rural,

existiam algumas escolas espalhadas por pequenos lugarejos, que eram da

rede municipal. Naquela época, a área rural era muito maior, porque a área

urbana restringia-se ao que hoje é o centro comercial, com alguns bairros no

seu entorno.

As crianças tinham muitas dificuldades em continuar seus estudos, após a

4ª série, porque não havia escola pública além deste nível de ensino. Quem

conseguiu estudar foi no antigo Ginásio Nossa Senhora do Carmo, que

começou a funcionar no início da década de 1960, e era particular. Algumas

poucas pessoas iam para Belo Horizonte ou Ibirité, que tinha uma escola normal

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onde as alunas ficavam em internato. Até aquele momento, os professores que

ensinavam na cidade, estudavam fora de Betim, porque o ensino ali restringia-

se ao curso primário.

Através das pesquisas realizadas pela professora Teresinha Assis, pude

perceber que a cidade de Betim tem uma história curta de ensino de 5ª à 8ª

séries e 2º grau. O primeiro curso ginasial da cidade foi implantado pelo

professor Vicente de Almeida Barbosa e sua esposa Amélia Santana Barbosa.

O primeiro ano de funcionamento foi 1958, de forma itinerante Os primeiros

alunos a se formarem, num curso ginasial em Betim, foram os desse curso do

professor Vicente. O antigo Ginásio Nossa Senhora do Carmo, que funcionou no

prédio do CETAP (Centro de Treinamento de Professores de Artes Práticas), a

partir do ano de 1960, deu continuidade a esse nível de ensino. Os primeiros

jovens que tiveram a oportunidade de estudar, além da 4ª série, na cidade,

foram matriculados no referido curso, e, segundo relatos, muito felizes de serem

os primeiros a terem oportunidade de continuarem seus estudos, mesmo sendo

em cursos pagos e escola particular, o que excluía muita gente dos estudos.

O prédio do CETAP, local onde atualmente funciona uma escola

municipal, uma oficina escola que produz carteiras para toda a rede municipal

de ensino, a biblioteca pública, e vários outros órgãos ligados à Prefeitura

Municipal de Betim. Ele foi construído no final da década de 1950, num terreno

doado pela prefeitura através da lei número 250, de 28 de novembro de 1957,

na gestão do prefeito Raul Saraiva Ribeiro. A beneficiária da doação foi uma

entidade religiosa sediada na cidade de Lagoa Santa, cujo nome era Legião dos

Oblatos de Cristo Sacerdote e Nossa Senhora das Vitórias. O reitor da entidade

era o padre Januário Baleeiro de Jesus e Silva. Um ano depois, 28/11/1958, foi

firmado um convênio entre a entidade e o MEC (Ministério da Educação e

Cultura), na gestão do ministro Clóvis Salgado, para a construção de uma

escola industrial que deveria ser concluída em 24 meses. O convênio

assegurava o repasse de recursos financeiros, do órgão federal, para a entidade

construir o prédio, comprar o maquinário e móveis, equipar e colocar em

funcionamento uma escola avançada voltada para o setor secundário da

economia.

Um suntuoso prédio foi erguido na região do Angola, próximo à praça do

Óleo, local simbólico da cidade onde havia uma imensa árvore, cuja copa

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redonda formava um telhado verde sobre a praça. A área construída do prédio

era de 5.254,70 metros quadrados, distribuídos em seis pavilhões. A construção

foi edificada numa vertente de um morro arredondado de declividade suave. A

topografia do local contribuiu para destacar ainda mais o prédio que, à sua

volta, só tinha casas baixas. A inauguração foi no dia 28 de janeiro de 1960.

Nessa época, deveria iniciar o funcionamento de uma escola destinada à

formação de professores de artes práticas. Foi daí o nome de CETAP. Logo

após a inauguração, o curso que começou a funcionar foi o ginasial, atual 5ª à

8ª séries ou 3º ciclo, que funcionou até o ano de 1964.

Em 1965, foi inaugurado oficialmente o CETAP, com a finalidade de

formar professores em licenciatura em 1º grau. No período de funcionamento, o

CETAP preparou professores para todo o País. Hoje o CETAP é o Centro

Educacional Técnico e Artes Profissionais e atende alunos de todo o ensino

básico (ensinos fundamental e médio). No mesmo prédio, funciona a Biblioteca

Pública Municipal e a Oficina Escola Rosalino Felipe que atende alunos das

Escolas Municipais e Estaduais na faixa etária de 13 a 17 anos para receber

orientações pedagógicas, esportivas e aprenderem um ofício de serralheria e

carpintaria, onde é reformada grande parte do mobiliário das próprias escolas

do município.

No dia 6 de maio de 1965, o novo colégio, hoje denominado de Escola

Estadual Amélia Santana Barbosa, iniciou suas atividades com alunos do antigo

curso ginasial, atualmente 5ª à 8ª séries ou 3º ciclo; curso Normal, destinado a

formar professoras para trabalhar com alunos de 1ª à 4ª séries. E, por fim, foi

criado o curso Científico. Esse, equivalente ao 2º grau ou ensino médio atuais.

Ele se destinava a preparar os alunos para ingressar na universidade.

O Governo do Estado iniciou uma política de municipalização do ensino,

na década de 1990, a proposta, na época, foi de passar para a responsabilidade

dos municípios o ensino de 1ª à 8ª séries. Nesse período, a Secretária

Municipal de Educação discutiu com o governo estadual a ampliação de vagas

para esse nível de ensino, mas, em contrapartida, o Estado ampliaria as vagas

para o ensino médio. Esse acordo garantiria que as escolas do estado não

ficassem ociosas e atendessem a uma grande demanda de vagas que existia na

cidade. Várias escolas estaduais implantaram o ensino médio e mandaram seus

alunos do ensino fundamental para as escolas municipais. Muitos bairros

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distantes passaram a ter escolas com ensino médio. Anteriormente, elas

estavam mais concentradas nos bairros mais próximos do centro da cidade.

Betim, ainda hoje, sofre com o forte crescimento populacional que exige

da Secretaria Municipal de Educação uma constante ampliação de sua rede de

escolas, que hoje conta com 67 unidades de ensino fundamental, sendo que

quatro delas também oferecem ensino médio e profissional. Em 2006 foram

matriculados, somente na Rede Municipal de Ensino, 51.269, a média salarial

dos professores PII que atendem as turmas do último ano do ensino

fundamental é de 20,24 h/a, o que pode ser variável dependendo da progressão

do PCCV (Plano de Cargos, Carreira e Vencimentos) (Fonte: SEMED – Secretaria

Municipal de Educação). A rede estadual de educação, com 30 escolas

estaduais, atendem, principalmente, o ensino médio. O município conta,

também, com um conjunto de escolas particulares e uma grande estrutura de

ensino superior, sendo destaque para a Pontifícia Universidade Católica de

Minas Gerais (PUC-Minas), a Universidade Vale de Rio Verde de Três Corações

(UninCor) e A Universidade Presidente Antônio Carlos (UNIPAC).

A Lei Orgânica do Município de Betim, promulgada em 21 de março de

1990, no seu Capítulo Sobre a Educação, no art. 150, estabelece alguns

princípios para gerir a educação. Entre eles podemos destacar:

- Gestão democrática do ensino público.

- Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola.

- Liberdade de aprender, ensinar e pesquisar, e de divulgar o pensamento,

a arte e o saber.

- Pluralismo de idéias e de concepções filosóficas, políticas, estéticas,

religiosas e pedagógicas, que conduza o educando à formação de uma

postura ética e social próprias.

A rede municipal de educação de Betim tem um único regimento para

todas as escolas do município. Esse regimento tem como finalidade o pleno

desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua

qualificação para o trabalho. Com relação ao ensino fundamental, ele tem os

seguintes objetivos:

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- desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o

pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo;

- a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da

tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade;

- desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição

de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores;

- fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e

de tolerância recíproca em que se assenta a vida social.

Em Betim, os ciclos de formação humana vêm sendo implantados

gradativamente. Em 1993, o município passa a ser administrado pelo PT

(Partido dos Trabalhadores). A prefeita Maria do Carmo Lara Perpétuo procurou

construir uma nova política pedagógica no município. Nesse período,

importantes educadores foram convidados para conferências e palestras, dentre

eles: Paulo Freire, Miguel Arroyo, Ester Grossi e Cipriano Luckesi. O objetivo

era construir, junto aos educadores, uma nova proposta de educação para o

município. Em 1997, toma posse o prefeito Jésus Mário de Almeida Lima

também do PT, dando continuidade ao processo de mudanças na Rede

Municipal de Educação de Betim. No dia 02 de fevereiro de 1998 é assinada a

Resolução SEED (Sigla adotada pela Secretaria Municipal de Educação de Betim

em 1998) n. 01/98, pelo então secretário de educação, convertendo a seriação

em ciclos de ensino/aprendizagem em regime de progressão continuada, com

implantação gradativa. Esse projeto tem como meta assegurar condições para o

desenvolvimento integral da pessoa, em suas múltiplas dimensões, visando ao

pleno exercício da cidadania, com garantia de acesso, permanência e qualidade

escolar e educacional para todos, dever do Estado e da família, em co-

responsabilidade com a sociedade. (Betim, 2007, p. 84-85)

Este salto político pedagógico exprime, em última análise toda uma dinâmica histórica de ruptura/continuidade que, ultrapassando o racionalismo e o empirismo subjacentes aos modelos tradicionais de pedagogia, conduz ao reordenamento dos processos de ensino/aprendizagem, à luz de novos paradigmas ético-científicos, de natureza construtiva, e democrática. (BETIM, 1998a, p. 2) Nesse contexto, são desenvolvidas jornadas pedagógicas de atualização profissional dos trabalhadores em educação. São também reformulados os preceitos jurídicos relativos à estrutura e ao

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funcionamento da educação municipal, e aos cargos, carreiras, vencimentos e valorização dos profissionais da educação. Algumas ações decorrentes foram: implantação de processos de eleições diretas de diretores, vice-diretores e colegiados; reorientação da metodologia de trabalho em sala de aula, “a luz dos princípios da democracia, da teoria construtivista e de suas matrizes”; elaboração de propostas curriculares por disciplina; instauração gradual da avaliação qualitativa processual do ensino e da aprendizagem; construção de formas de atualização teórica e prática, como grupos de estudo, frentes de trabalho e cursos. (BETIM, 1998a, p. 7)

Em 2001, a Prefeitura muda de mãos. É eleito Carlaile Jesus Pedrosa, do

PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira), que é reeleito em 2004.

Contudo, a proposta pedagógica dos ciclos teve continuidade no município, e o

processo de substituição do modelo seriado para os ciclos continua, com o

apoio da maioria dos educadores.

Sendo assim, o processo de mudança para ciclos foi gradativo, iniciando,

em 1998, para alunos de 6, 7 e 8 anos. Em 1999, para os alunos com 9 anos, e

em 2000, para alunos de 10 anos. Em 2001, completou-se a implantação total

do segundo ciclo em todas escolas e deu-se a implantação do terceiro ciclo em

26 escolas. Em 2002, ocorreu a implantação facultativa do terceiro ciclo,

condicionada à disponibilidade dos profissionais para o cumprimento da carga

horária semanal de 24 horas/aula. Em 2003 ainda havia escolas com estrutura

seriada em Betim, com alunos de 12, 13, e 14 anos. Somente no final de 2004,

através do Decreto n. 20.316, de 16 de dezembro de 2004, extinguiu-se o

sistema de seriação anual nas escolas municipais, mesmo naquelas em que se

havia optado pela manutenção do sistema seriado, e depois se estendendo a

todas as turmas do ensino fundamental. Uma das conquistas dos professores foi

o coeficiente de 1,3 professores por turma de alunos, contribuem para uma

formação e planejamento maior por parte dos educadores. (Betim, 2007, p. 90-

91)

Hoje, o ensino fundamental que é de nove anos, no município de Betim

está totalmente estruturado em ciclos de formação humana, que se dividem em

quatro etapas de ciclos, a saber:

a. 1º ciclo – 6, 7 e 8 anos.

b. 2º ciclo – 9 e 10 anos.

c. 3º ciclo – 11 e 12 anos.

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d. 4º ciclo – 13 e 14 anos.

Organizar a Educação Básica Fundamental por ciclos, em sua

fundamentação significa romper com a fragmentação do saber e alargar os

tempos de aprendizagem, possibilitando a convivência com a diversidade e até

mesmo com a singularidade de cada aluno. Hoje, depois de dez anos em que o

ciclo de formação humana foi implantado no município, volto meu olhar para as

relações entre professor/aluno, numa tentativa de observar o quanto esse

processo de formação contribuiu para a democratização dessas relações.

A escola pública de periferia, que abriga os alunos oriundos das camadas

mais pobres da sociedade, precisa ser repensada, a fim de oferecer uma

formação humana que promova a emancipação desse aluno. A lógica perversa

e excludente do sistema escolar precisa ser reestruturada. É preciso entender

que a qualidade de um projeto de educação é definida por um conjunto de

fatores: condições de trabalho, estrutura física, salários, material pedagógico,

formação continuada dos profissionais, investimentos por parte do poder

público, acompanhamento dos pais, motivação por parte dos alunos que

vislumbram da escola seu futuro acadêmico e profissional.

2.5 - Breve histórico da Escola Municipal Capela No va de Betim

Esta pesquisa foi realizada em uma Escola Municipal, localizada no bairro

Taquaril, um bairro de periferia próximo do centro, zona urbana de Betim – MG.

Os moradores, na sua maioria oriunda das classes trabalhadoras, são

funcionários das indústrias, funcionários públicos, construção civil, empregadas

domésticas, trabalhadores autônomos, trabalhadores do comércio e outros

existentes nas redondezas. O bairro possui boa infra-estrutura, grande parte das

ruas é asfaltada, possui energia elétrica, água e esgoto, e várias linhas de

ônibus que levam ao centro de Betim e à estação do metrô, no Eldorado, em

Contagem.

Em uma consulta, autorizada pelo diretor da escola, observei os históricos

escolares dos alunos pesquisados. Ali, pude observar o baixo grau de

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escolaridade dos pais. Apenas um pai entre 168 consultados possui curso

superior, 11 possuem o ensino médio completo e dois incompletos, 28 possuem

o ensino fundamental completo e 36 incompletos, 31 pais estudaram até a 4ª

série do ensino fundamental e 14 deixaram de estudar antes de completarem a

4ª série. Esses pais foram vítimas de uma educação excludente que marcou a

história da educação no Brasil, e motivos não faltaram para justificar a ausência

de escolaridade: falta de oportunidades, falta de condições financeiras, falta de

vagas nas escolas, freqüentes reprovações, necessidade de trabalhar para

ajudar a família, abandono por sucessivas notas baixas e intolerância de

professores. Uma história que certamente esses pais desejam que permaneçam

no passado e não se repitam com seus filhos e filhas.

Para preservar a identidade da escola e de meus entrevistados, criei um

nome fantasia para a escola, homenageando a cidade, pois esse foi o primeiro

nome dado a essas terras e confirmado na sua elevação a Distrito “Capela Nova

de Betim”. A construção da escola foi uma conquista da comunidade através do

“Orçamento Participativo”, e as obras começaram em 1994. A escola foi

instituída pelo Decreto Municipal n. 11.587/95, de 14/03/1995, para atender a

demanda escolar do bairro e adjacências. O prédio, de construção moderna,

conta com uma excelente estrutura composta por 14 salas de aula, laboratório,

biblioteca, área administrativa, quadra poliesportiva coberta, refeitório e demais

dependências. A escola recebeu, em 2007, uma média mensal de 6.300,00 da

Secretaria Municipal de Educação para a manutenção de gastos, como: luz,

água, telefone, material de limpeza e material pedagógico.

A Escola Municipal Capela Nova atende hoje toda a demanda de alunos

dos nove anos do ensino fundamental, e, ainda, o ensino noturno para jovens e

adultos do bairro e de toda a região próxima à sua localização. Em 2007, a

escola contavas com um efetivo de 91 funcionários sendo 35 somente no

primeiro turno, nos três turnos foram matriculados 945 alunos sendo 356 apenas

no primeiro turno. O diretor e as duas vices-diretoras foram eleitos pelo voto

universal de funcionários, alunos acima de 11 anos, e pais, para um mandato de

dois anos, podendo se reeleger por mais um mandato. Eles, a secretária e a

tesoureira cumprem uma carga horária semanal de 40 horas; as agentes de

serviços gerais (cantineiras) cumprem uma carga horária semanal de 30 horas,

as auxiliares de biblioteca e secretária cumprem uma carga horária de 20 horas

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semanais, e os professores cumprem uma carga horária semanal de 24 horas/

aula, distribuídas em sala de aula, momentos de estudo e atendimentos a

pequenos grupos. Esta pesquisa é realizada com oito professores que atendem

seis turmas, dentre elas as três turmas do último ano do ensino fundamental

que também são objetos de desta pesquisa.

A pesquisa foi realizada com três turmas do último ano do ensino

fundamental do primeiro turno da Escola Municipal Capela Nova, e posso

constatar que a grande maioria dos 86 alunos pesquisados não são naturais de

Betim. Trinta e dois alunos são naturais de Contagem, 22 de Belo Horizonte,

oito de Esmeraldas, 12 de outras cidades do Estado de Minas Gerais, dois de

outros Estados do Brasil e apenas sete alunos são naturais de Betim.

Portanto, os alunos pesquisados são oriundos de famílias que vieram de

outras cidades e regiões para Betim, provavelmente em busca de trabalho e

condições melhores de vida. Pessoas que vieram, atraídas pelo grande pólo

industrial que representa o município trazendo na bagagem os sonhos da

grande maioria dos brasileiros, condições dignas de sobrevivência.

O que pretendo, com toda essa contextualização histórica, é participar

das experiências de um grupo de pessoas inserido no processo educacional

público brasileiro. Meu olhar atento volta-se para a prática concreta de

educadores no processo de ensino aprendizado. Será que os direitos garantidos

pela Constituição Federal e pela LDB, em 1996, estão presentes de forma

concreta nas experiências aqui pesquisadas? Nossos professores têm

condições de trabalho, eles ganham um salário justo? As condições gerais da

escola contribuem para uma formação digna desses alunos, os processos

pedagógicos são verdadeiramente democráticos e as relações entre professores

e alunos são realmente emancipadoras?

Esta pesquisa não tem a pretensão de dar respostas prontas; ela tem o

desejo de refletir a educação brasileira a partir de uma experiência concreta,

inserida dentro da realidade da educação pública do país. Pode ser vista como

mais um contributo para que a gestão da educação pública em Betim a

considere em vista de uma maior democratização da escola pública. Meu olhar

volta-se para a garantia de direitos que, segundo BOBBIO (2004),

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A existência de um direito, seja em sentido forte ou fraco, implica sempre a existência de um sistema normativo, onde por “existência” deve entender-se tanto o mero fator exterior de um direito histórico ou vigente quanto o reconhecimento de um conjunto de normas como guia da própria ação. A figura do direito tem como correlato a figura da obrigação. (BOBBIO, 2004, p. 94)

Conforme já citado, a atual legislação educacional brasileira trouxe,

depois de toda uma história marcada pela exclusão, garantias fundamentais

para a formação das classes populares. O desafio é perceber se, na prática do

Município de Betim, nessa escola, tem havido, por parte dos gestores

educacionais e dos educadores, ações emancipatórias capazes de formar

cidadãos críticos tendo também como inerente a essa realidade uma herança de

uma educação seletiva, classista e preconceituosa.

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3 PODER, CULTURA E PRÁTICAS CURRICULARES

Este trabalho tem como tema central as relações de poder entre

professores e alunos no interior da escola. Essas relações estão inseridas em

um contexto social específico, com seus avanços e contradições, seus valores,

a diversidade cultural, a pluralidade de expressões políticas, sociais, religiosas,

de gênero, de orientação sexual, tornando plural também o currículo escolar.

Não trato, aqui, dessas relações de um modo geral, mas situadas,

contextualizadas, localizadas na realidade brasileira, mais especificamente em

uma escola pública de periferia da cidade de Betim - MG. O poder e a cultura

também estão inseridos em uma sociedade específica e em um processo

cultural que caracteriza os grupos sociais próprios dessa sociedade. Assim, a

cultura dominante que vem se mantendo hegemônica, utiliza o currículo escolar

como ferramenta ideológica para a perpetuação de seus valores. Pretendo aqui,

sem generalizações, tratar desses dois temas, poder e cultura, para melhor

compreender as práticas educacionais, e, principalmente, as propostas

curriculares que estão a serviço da dominação e as que se comprometem com a

transformação social.

Poder e cultura são conceitos que, na formação crítica de um cidadão ou

de uma sociedade emancipada, estão sempre em sintonia. Busquei conceituar

poder e cultura com a intenção de melhor compreendê-los no contexto histórico

da educação brasileira. Diversos pensadores trataram desses temas ao longo

da história. Poder e cultura eram privilégios de alguns ao longo da história, e

ainda hoje em países como o Brasil o acesso à cultura como instrumento de

poder ainda está longe de se ver universalizado. Pensadores que se

preocuparam em apontar alguns caminhos nessa relação poderão me auxiliar

na tentativa de conceituar e compreender o poder no interior das relações

sociais. Junta-se ao poder a importância de trabalhar o conceito de cultura, pois

a ela também é atribuída uma grande quantidade de significados e

interpretações. Precisamos considerar esses termos na prática da sociedade e,

principalmente, dentro das escolas públicas brasileiras, tentando compreender

como os processos de ensino aprendizado legitimam o poder e a autoridade.

Perguntamo-nos que poderes são esses. Sendo a educação, de fato, um

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momento da apreensão da cultura pelos sujeitos do seu processo – continuo a

me interrogar – até que ponto nós, educadores, legitimamos um poder

autoritário e conservador? Até que ponto o currículo por mim utilizado, nas

escolas, está a serviço da reprodução social vigente, e não a serviço de um

compromisso crítico com as classes menos favorecidas, com as culturas

minoritárias e desprezadas pelos interesses dominantes. Tratarei, a seguir, de

conceituar o poder, a cultura, e, por fim, suas implicações nos currículos das

escolas brasileiras.

3.1 O poder

Segundo STOPPINO (1999),

poder em seu significado mais geral designa a capacidade ou a possibilidade de agir, de produzir efeitos. Tanto pode ser referida a indivíduos e a grupos humanos como a objetos ou a fenômenos naturais (como na expressão Poder calorífico, Poder de absorção). (STOPPINO, 2007b, p. 933)

O poder é a potência, a capacidade de dar uma ordem que será cumprida

por outros, ou até mesmo a influência exercida por alguns indivíduos sobre

coisas ou pessoas. O poder, portanto, é uma relação não necessariamente

coercitiva, mas também consentida por aqueles que obedecem. Ter poder é

dispor da capacidade de agir, da capacidade de conduzir, de influenciar nas

ações de outros.

Se o entendermos em sentido especificamente social, ou seja, na sua relação com a vida do homem em sociedade, o poder torna-se mais preciso e seu espaço conceptual pode ir desde a capacidade geral de agir, até a capacidade do homem em determinar o comportamento de outrem: poder do homem sobre o homem. Desse modo, os homens em suas relações não são apenas sujeitos, mas também objetos do poder social. É poder social, por exemplo, a capacidade que um pai ou uma mãe tem para dar ordens a seus filhos ou a capacidade de um Governo de dar ordens aos cidadãos. (STOPPINO, 2007b, p. 933)

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No contexto social, podemos entender o poder como a capacidade que

um homem tem de agir sobre os outros, de determinar o comportamento dos

outros, de transformar outros homens, segundo seus interesses, e até mesmo

de terceiros. Na relação entre professor e aluno, o poder que o primeiro tem

sobre o segundo manifesta-se no processo de construção do conhecimento, ou

na transmissão de um determinado conhecimento. O professor tem poder de

ensinar, de transmitir conhecimentos, de contribuir para que o aluno se aproprie

de cultura; tem poder para avaliar, para aprovar ou reprovar, para permitir que o

aluno caminhe ou permaneça no mesmo lugar. Segundo Stoppino (2007), não

existe poder, se não existe, ao lado do indivíduo ou grupo que o exerce, outro

indivíduo ou grupo que é induzido a comportar-se tal como aquele deseja. O

poder social não é uma coisa ou uma posse: é uma relação entre pessoas.

Stoppino (1999) distingue o poder de duas formas: o poder atual e o

poder potencial. O poder em ato é uma relação existente entre comportamentos,

e consiste no exercício efetivo do poder. Já o poder potencial é a possibilidade

desse exercício, a capacidade que um indivíduo tem de exercer o poder sobre

outro. O exercício do poder implica, necessariamente, ter a possibilidade de

exercê-lo, isto é, da passagem do potencial para o em ato.

O poder potencial leva-me ao conceito de poder estabilizado e

institucionalizado.

O poder estabilizado ocorre quando há uma alta probabilidade de que B realize com continuidade os comportamentos desejados por A, ou por outro lado, corresponde a uma alta probabilidade de que A execute ações contínuas com o fim de exercer poder sobre B. O poder institucionalizado se dá quando a relação de poder estabilizado se articula numa pluralidade de funções claramente definidas e estavelmente coordenadas entre si. (STOPPINO, 2007b, p. 937)

O poder estabilizado e institucionalizado pode permitir a inovação

permanente das regras, mas podem também conservar e legitimar um poder

opressor no interior da escola. Se as relações de poder conservadoras estão

estabilizadas, ou seja, se as mesmas práticas pedagógicas permanecem por

muito tempo, se não há uma constante avaliação dos processos de ensino

aprendizado, temos aí um sistema que não se permite renovar, portanto,

estabilizado. Se as mesmas práticas estão articuladas, definidas através dos

regimentos internos que estabelecem os direitos e deveres dos alunos e os

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critérios para avaliação, aprovação e reprovação, então o aluno aparece apenas

como objeto passivo desse processo, vemos aqui um poder conservador

institucionalizado.

Consideremos também os modos do poder ser exercido. Os homens

podem fazer uso do poder por meio da coerção, ou seja, pela força, pela

imposição, sem depender da vontade do que obedece, exercido por meio

repressivo. Nesse caso, os interesses são conflitantes. Sendo o poder exercido

pela força, ela pode ser definida como um alto grau de constrangimento,

ameaça de privações ou por meio da violência. A relação de poder entre

professores e alunos pode ser exercida de maneira coercitiva, ou seja, o

professor pode usar da ameaça de punição para manter a disciplina na sala de

aula.

O poder pode ser exercido por meio da manipulação, ou seja, A provoca

um comportamento em B, sem que o mesmo seja manifestado claramente, o

mesmo pode ser forjado, o homem pode ser levado a agir de uma maneira sem

conhecer as reais intenções de suas ações, A provoca o comportamento de B,

mas suas intenções permanecem camufladas. O conflito é apenas potencial, já

que B não está consciente de suas ações. Manipular é o mesmo que manejar e

somente os objetos são suscetíveis de manejo de coisas que “estão à mão”.

Posso manipular um tecido para minhas finalidades, fazer uma calça, uma

bermuda, uma camisa. Posso fazer isso porque se trata de um objeto. Como

professor, não posso manipular o aluno, pois, ao fazer isso, estou tratando-o

como se fosse objeto, a fim de dominá-lo facilmente. Essa forma de tratamento

significa um rebaixamento do outro como interlocutor.

E outro modo de o poder ser exercido é pela persuasão. Nesse modo não

existe conflito na relação de poder: A exerce poder sobre B por meio do

convencimento, sem que o mesmo sofra constrangimentos. Aqui, B foi induzido

a agir em conformidade com o desejo de A. A persuasão não admite a coação e

nem a manipulação. Nos tempos atuais, tanto na vida pessoal quanto na vida

profissional, a capacidade de transmitir suas idéias e sutilmente dar sugestões,

a fim de convencer pessoas, através de argumentos sólidos e baseados em

fatos concretos, fizeram com que a persuasão ganhasse importância cada vez

maior no cenário político, profissional e social.

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O poder compreende força, força vinda de alguém investido de autoridade

sobre outras pessoas.

Um primeiro modo de entender a autoridade como uma espécie de poder seria o de defini-la como uma relação de poder estabilizado e institucionalizado em que os súditos prestam uma obediência incondicional. Praticamente todas as relações de poder mais duráveis e importantes são, em maior ou menor grau, relações de Autoridade: o poder dos pais sobre os filhos na família, o do mestre sobre os alunos na escola, o poder do chefe de uma igreja sobre os fiéis, o poder de um empresário sobre os trabalhadores, o de um chefe militar sobre os soldados, o poder do Governo sobre os cidadãos de um Estado. (STOPPINO, 2007a, p. 88-89)

Algo similar se dá com o pensamento de Thomas Hobbes. No

pensamento desse filósofo da política, para se promover um Estado forte, justo

e pacifico, é necessário que todos os cidadãos renunciem ao poder em favor do

soberano. A ele são atribuídos todos os direitos, sem que precise

necessariamente se submeter às mesmas leis, ele é a fonte legisladora e

criadora de toda lei. Até mesmo a autoridade religiosa deve ser entregue ao

soberano para que nenhum conflito o impeça de promover a justiça e a paz. Em

Hobbes, a força está toda concentrada na pessoa do soberano, a relação de

poder é compensada com a proteção oferecida aos súditos.

Compreendendo que o poder pode ser exercido de formas diferentes, e

que, ao exercer tal poder, provocamos reações diferentes naqueles que sofrem

esse poder, que o professor tem poder para transmitir conhecimentos ao aluno

e que esse, por sua vez, ao se apropriar do conhecimento, adquire poder.

Vemos, portanto, que a relação entre professor e aluno é uma relação de poder,

e o exercício do poder se dá nas relações. Mas esse poder, para se tornar

legítimo, necessita do consentimento, da participação voluntária e livre daqueles

que obedecem.

O poder se manifesta nas relações entre os homens desde que esses

vivem em sociedade. Aristóteles definia cidadania como apropriação do poder:

“Cidadão, segundo a nossa definição, é o homem investido de um certo poder.

Ora, do momento que ele tenha um poder na mão, passa a ser cidadão, como

dissemos” (A Política, Livro III, cap. 1, § 10). Podemos perceber que poder e

cultura caminham juntos desde a Grécia antiga, eram vias essenciais para se

alcançar a cidadania. Para ele, o poder era justo quando exercido por todos os

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iguais (cidadãos, servos, mulheres, trabalhadores livres). O tirano busca coagir

os homens livres, privando-os da liberdade. Para ele, são três coisas que a

tirania se propõe: primeiro, o aviltamento dos súditos: aquele que possui um

espírito baixo e pusilânime jamais será tentado a conspirar; depois, a

desconfiança que nutrem os cidadãos entre si, porque a tirania só pode ser

derrubada quando os homens tiverem entre si uma confiança recíproca; e a

terceira é a impossibilidade de agir, porque ninguém empreende o impossível;

por conseguinte, não se toma a tarefa de abolir a tirania, quando não se possui

o poder de fazê-lo. Assim, se constitui um poder tirânico, aquele que é

personalizado no indivíduo que não deseja ser destituído do poder.

Para que o professor exerça um poder sobre seus alunos, é necessário

que ele tenha a possibilidade para exercê-lo; antes de agir, ele tem a

possibilidade de agir; antes de dar uma aula, ele tem a possibilidade de dar uma

aula; antes de ensinar, ele tem a possibilidade de ensinar; antes de avaliar, ele

tem a possibilidade de avaliar; antes de aprovar ou reprovar, ele tem a

possibilidade de aprovar ou reprovar.1 Assim, ele pode fazer escolhas, rever

posições e métodos didáticos, construir saberes ou transmitir conceitos, e essas

escolhas estão condicionadas ao seu próprio processo de formação, ao lugar de

sua inserção profissional, ao ordenamento legal, cujo conjunto irá interferir

diretamente no destino escolar do aluno.

O aluno também deve ser considerado um sujeito dotado de poderes,

principalmente do poder potencial, e é nas relações que ele experimenta o

poder, o poder dos pais, o poder econômico, o poder do Estado e o poder da

escola. É através das experiências vividas que o poder potencial se transforma

em poder de fato.

Ao desejar conhecer, o aluno vai ganhar conhecimento, e, para isso, ele

depende do poder persuasivo do professor. É na escola, na relação entre

ambos, que o poder potencial do conhecimento, que o exercício das

potencialidades se torna poder de fato.

Numa segunda definição de autoridade, Stoppino (2007) afirma que nem

todo poder estabilizado é autoridade, mas somente aquele em que a disposição

1 No Brasil, essa capacidade é dada por meio de um docente com diploma de licenciado, cuja entrada no sistema de ensino se dá na área pública pelos concursos, e, no âmbito do ensino privado, por contrato. É claro que se deve respeitar o conjunto do ordenamento legal a esse respeito.

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de obedecer de forma incondicional baseia-se na crença da legitimidade do

poder. Como poder legítimo, a autoridade pressupõe um juízo de valor positivo

em sua relação com o poder. Para tanto, o autor destaca duas características

do mesmo: o poder deve ser considerado legítimo por parte de indivíduos ou

grupos que participam da mesma relação de poder. Em segundo lugar, devem

se considerar os aspectos do próprio poder: conteúdo das ordens, o modo ou

processo como as ordens são transmitidas ou a própria fonte de onde provêm

as ordens. A legitimidade do poder, em uma democracia, sugere a aceitação,

por parte dos governados, da autoridade do governante, e pressupõe a

rotatividade dos indivíduos no poder.

Abbagnano divide a autoridade em três doutrinas fundamentais, a primeira se fundamenta na natureza dos homens de Aristóteles. Segundo essa teoria, a autoridade deve pertencer aos melhores e é a natureza quem se incumbe de apontar quem são os melhores. Platão divide os homens em duas classes: os que são capazes de se tornarem filósofos e os que não o são. Os primeiros são movidos naturalmente por uma tendência irresistível à verdade (os filósofos), os segundos são naturezas vis e iliberais que nada têm em comum com a filosofia. A segunda teoria fundamental é a de que a autoridade se baseia na divindade, todo poder vem de Deus, o soberano é o representante de Deus na Terra. Tal doutrina teve larga vigência durante a Idade Média até mesmo em certas monarquias na Modernidade. E a terceira teoria a autoridade não consiste na posse de uma força, mas no direito de exercê-la; tal direito deriva do consenso daqueles sobre quem ela é exercida. Seu pressuposto fundamental é a negação da desigualdade entre os homens. Todos os homens receberam da natureza razão, isto é, a verdadeira lei que comanda e proíbe retamente; por isso, todos são livres e iguais por natureza. (ABBAGNANO, 2000, p. 98-99)

Um grande defensor da autoridade soberana do povo foi Jean-Jacques

Rousseau, quando afirmou que a liberdade é um direito inalienável e natural de

todos os homens. Para ele, o poder vem da vontade soberana de todos os

cidadãos. O ser humano é o sujeito de todo o direito e a fonte de toda a lei. Para

ele, os objetivos da educação são, basicamente, o desenvolvimento das

potencialidades naturais da criança e seu afastamento dos males sociais,

combatendo o individualismo competitivo e defendendo uma formação com

princípios coletivos e morais.

Para Rousseau, o principio da desigualdade entre os homens nasce com

a propriedade privada, e é legitimado por uma educação que promove o

individualismo, as disputas e a corrupção entre os homens. A escola passa a

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ser reprodutora de uma cultura corrompida e egoísta, que contribui para o

aumento da desigualdade social e a decadência física e moral da humanidade.

Para pôr fim a esse processo, faz-se necessária uma educação que estimule a

colaboração coletiva, democrática e fraterna entre os indivíduos. Assim, todos

colaboram com os valores éticos e buscam o bem comum.

Aqui se fundamenta o poder da autoridade legítima, na vontade livre e

soberana de todos os cidadãos, a autoridade se funda no consentimento

daqueles que o seguem, pois, quando o poder não é legítimo, surge o direito à

resistência. Resistir é um direito daqueles que se vêem oprimidos pelo poder

autoritário de um indivíduo ou grupo dominante, mas, para resistir, é preciso ter

razão, e é aqui que aparece o poder da educação, poder para formar cidadãos

passivos e conformados com os poderes estabelecidos, ou cidadãos

conscientes no seu potencial transformador da realidade.

Michel Foucault no seu livro Vigiar e punir, fala das relações de poder

com a finalidade de compreender os métodos e meios coercitivos e punitivos

adotados pelo poder público na repressão da delinqüência, principalmente nos

séculos XVII e XVIII. Ele explica o uso do suplício como punição aos crimes

cometidos. A aplicação da pena era lenta e pública, de maneira que os cidadãos

acompanhassem a condenação e a tomassem como exemplo. O suplício

segundo ele, é um fenômeno inexplicável; a extensão da imaginação dos

homens para a barbárie e a crueldade é um ritual aplicado para marcar as

vítimas e demonstrar o poder que pune. No antigo sistema, o corpo dos

condenados se tornava coisa do rei, sobre o qual o soberano imprimia sua

marca e deixava cair os efeitos de seu poder. Agora, ele será antes um bem

social, objeto de uma apropriação coletiva e útil.

A disciplina fabrica, assim, corpos submissos e exercitados, corpos

dóceis. A disciplina aumenta as forças do corpo, tornando-os mais

úteis e diminui essas mesmas forças tornando-os mais obedientes. Em

uma palavra: ela dissocia o poder do corpo; faz dele, por um lado, uma

aptidão, uma capacidade que ela procura aumentar; e inverte, por

outro lado, a energia, a potência que poderia resultar disso, e faz dela

uma relação de sujeição estrita. Se a exploração econômica separa a

força e o produto do trabalho, digamos que a coerção disciplinar

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estabelece no corpo o elo coercitivo entre uma aptidão aumentada e

uma dominação acentuada. (FOUCAULT, 2007, p. 119)

A disciplina vai moldando os indivíduos, para torná-los submissos; ela é a

técnica específica de um poder que toma os indivíduos seres dóceis e

obedientes. Não é um poder triunfante que, a partir de seu próprio excesso,

pode-se fiar em seu superpoderio; é um poder modesto, desconfiado, que

funciona a modo de uma economia calculada, mas permanente. A escola deve

ser um aparelho de adestramento, próprio pra vigiar. O exame supõe um

mecanismo que liga um certo tipo de formação de saber a uma certa forma de

exercício do poder. “O indivíduo é sem dúvida o átomo fictício de uma

representação ideológica da sociedade; mas é também uma realidade fabricada

por essa tecnologia específica de poder que se chama disciplina” (FOUCAULT,

2007, p. 161)

O poder moderno não é mais, essencialmente, uma instância repressiva e transcendente (o rei não mais se encontra acima dos seus súditos e o Estado não é superior à lei), mas uma instância de controle, que envolve o indivíduo mais do que o domina abertamente. Podem diminuir as proibições, abole-se a pena de morte, abranda-se o regime das prisões, etc..., porém o sistema disciplinar, a que nos vemos submetidos até em nossa vida privada, cresce, discreta, mas continuamente. O Estado moderno tende a ser menos abertamente dominador, e mais manipulador; preocupa-se menos em reprimir a desobediência do que em preveni-la. É feito menos para punir do que para disciplinar. (LEBRUN, 2007, p. 85)

As manifestações do poder modificam-se, ao longo da história. Sempre

houve aqueles que desejaram e lutaram contra o poder estabelecido, sempre

houve aqueles que desejavam a continuidade do poder estabelecido. Se o

poder é uma relação onde um ou mais indivíduos exercem influência sobre

outros, é bem verdade que este é cobiçado e motivo de disputas desde que os

homens vivem em sociedade. Conhecer os processos onde se desenvolvem

essas relações é fundamental para compreender o poder, suas características e

o lugar de cada indivíduo na escola de poder social onde vive. A escola é um

lugar privilegiado onde as relações de poder se manifestam e se constituem

como reprodução ou transformação da cultura, o professor ensina não somente

através do conhecimento que tem, mas também das experiências herdadas por

ele culturalmente, onde o poder se aprendeu nas relações vividas.

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Nossa sociedade está marcada pela diversidade do exercício do poder;

assistimos o uso do poder pelos meios de comunicação de massa que manipula

a opinião pública, o poder das religiões para submeter seus seguidores a uma

submissão total aos seus interesses, o poder das elites proprietárias dos meios

de produção para coagir os trabalhadores a produzirem sempre mais, ganhando

cada vez menos. Assim, aqueles que detêm o poder tornam-se cada vez mais

fortes, enquanto os que são submetidos a esse poder ficam cada vez mais

desprovidos de poderes mínimos e necessários. As relações de poder

modificam-se através dos tempos e lugares, mas permanecem nas mãos das

elites poderosas de cada nação.

3.2 A cultura

As mais diversas manifestações culturais que os homens produziram na

vida em sociedade são também a própria história dos indivíduos e tudo aquilo

que caracteriza sua existência. A cultura é o resultado das relações sociais

entre os indivíduos no interior do seu grupo social e se relacionando e

convivendo com outros grupos sociais. Para compreender a cultura, é

necessário compreender os contextos em que essas manifestações culturais

são produzidas. A riqueza de formas culturais produzidas por cada grupo social

faz-nos compreender que a cultura é dinâmica, não é estática; ela se manifesta,

ensina e transforma, de tempos em tempos. Importante também é relacionar

essas manifestações com as diferentes classes sociais que a constituem. A

cultura, portanto, reflete as experiências vividas pelos grupos humanos nas

artes, religião, esporte, costumes, alimentação, família, política, e,

principalmente, na transmissão de todo esse conhecimento, através da

educação, para as futuras gerações.

Cultura é palavra de origem latina e em significado original está ligada às atividades agrícolas, donde procede agricultura. Vem do verbo latino coleo, colere, que quer dizer cultivar. Pensadores romanos antigos ampliaram esse significado e a usaram para se referir ao refinamento pessoal, e isso está presente na expressão cultura da alma. Como sinônimo de refinamento, sofisticação pessoal, educação

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elaborada de uma pessoa, cultura foi usada constantemente desde então e o é até hoje quando dizemos tal pessoa é culta. (SANTOS, J. 2007, p. 27)

Cultura segundo Abbagnano tem dois significados básicos. No primeiro e mais antigo, significa a formação do homem, sua melhoria e seu refinamento. No segundo significado, indica o produto dessa formação, ou seja, o conjunto dos modos de viver e de pensar cultivados, civilizados, polidos, que também costumam ser indicados pelo nome de civilização. A cultura designa um ideal de formação humana completa, a realização do homem em sua forma autêntica ou em sua natureza humana. Competências específicas, habilidades particulares, destreza e precisão no uso dos instrumentos, materiais ou conceituais, são coisas úteis, aliás, indispensáveis, à vida do homem em sociedade e da sociedade no seu conjunto, mas não podem, nem de longe, substituir a cultura entendida como formação equilibrada e harmônica do homem como tal. (ABBAGNANO, 2000, p. 225)

Essa noção de cultura é bastante específica de Werner Jaegger, em seu

clássico Paidéia.

De qualquer forma, o problema fundamental da cultura contemporânea é sempre o mesmo: conciliar as exigências da especialização (inseparáveis do desenvolvimento maduro das atividades culturais) com a exigência de formação humana, total ou, pelo menos, suficientemente equilibrada.

O homem culto é, em primeiro lugar, o homem de espírito aberto e livre, que sabe entender as idéias e as crenças alheias ainda que não possa aceitá-las ou reconhecer sua validade. Em segundo lugar uma cultura viva e formativa deve estar aberta para o futuro embora ancorada no passado. Nesse sentido, o homem culto é aquele que não se desarvora diante do novo nem foge dele, mas sabe considerá-lo em seu justo valor, vinculando-o ao passado e elucidando suas semelhanças e disparidades. (ABBAGNANO, 2000, p. 227-228)

Vemos, portanto, que a cultura como refinamento é a formação dos

indivíduos dentro do seu grupo social, é a soma das habilidades cultivadas por

homens e mulheres para que possam conhecer e contribuir para o

desenvolvimento dos costumes do seu povo. Mas a cultura diz respeito a todo o

grupo; ela é parte da história de um povo, e foi a apropriação da cultura por

parte de alguns com fins próprios, nos quais oprimiam a maioria é que a cultura

se tornou ferramenta de dominação, de poder para explorar, e assim não

poderia ser dominada por todos. Podemos dizer que a cultura diz sobre toda a

conjuntura social de um povo, sobre a arte, a religião, sobre a educação, mas

sobre a política e a forma de conduzir os destinos da economia de um País.

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Cultura é uma dimensão do processo social, da vida de uma sociedade. Não diz respeito apenas a um conjunto de práticas e concepções como, por exemplo, se poderia dizer da arte. Não é apenas uma parte da vida social como por exemplo se poderia falar da religião. Não se pode dizer que cultura seja algo independente da vida social, algo que nada tenha a ver com a realidade onde existe. Entendida dessa forma, cultura diz respeito a todos os aspectos da vida social, e não se pode dizer que ela exista em alguns contextos e não em outros. Cultura é uma construção histórica, seja como concepção, seja como dimensão do processo social. Ou seja, a cultura não é algo natural, não é uma decorrência de leis físicas ou biológicas. Ao contrário, a cultura é um produto coletivo da vida humana. Isso se aplica não apenas à percepção da cultura, mas também à sua relevância, à importância que passa ter. Aplica-se ao conteúdo da cada cultura particular, produto da história da cada sociedade. Cultura é um território bem atual das lutas sociais por um destino melhor. É uma realidade e uma concepção que precisam ser apropriadas em favor do progresso social e da liberdade, em favor da luta contra a exploração da uma parte da sociedade pro outra, em favor da superação da opressão e da desigualdade. (SANTOS, J. 2007, p. 44-45)

Unindo a cultura em seu conceito primitivo e em seu conceito moderno,

podemos dizer que a cultura é o cultivo, o afloramento, o aprendizado que o

indivíduo adquire de toda a riqueza das produções sociais que seu grupo

humano fez, ao longo da história. Ele se apropria da cultura, compreende os

processos em que ela se forma, sabe que é parte dinâmica dela. A educação dá

ao indivíduo o poder de contribuir na construção da cultura na qual está

inserido; ele pode adaptá-la às novas necessidades de seu tempo para que

todos vivam de maneira melhor.

Podemos, ainda, dividir a cultura entre as classes sociais. A primeira é a

cultura erudita, apropriada pelas elites: social, econômica, política e cultural, e

seu conhecimento é originário de um pensamento elaborado cientificamente

através dos livros, das pesquisas universitárias ou do estudo sistemático. Em

geral, erudito significa aquele que tem instrução vasta e variada adquirida,

sobretudo, pela leitura de clássicos e por um conhecimento variado, inclusive

nas artes. A segunda é a cultura popular relacionada ao povo, às classes mais

pobres. Muitas elaborações eruditas partiram de conteúdos ou situações

advindas da cultura popular. A cultura popular é uma forma de expressão que,

por não estar diretamente ligada ao conhecimento científico, pode se manifestar

como conhecimento vulgar ou espontâneo, ao senso comum. Isto não quer dizer

que sempre o senso comum seja equivocado. Rigorosamente, o senso comum é

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um conhecimento que se adquire sem se necessitar do esforço e da disciplina

que o conhecimento científico exige pelo seu método. A educação escolar, ao

menos formalmente, pretende, não só transmitir sistematicamente

conhecimentos válidos, como também fazer do acesso ao conhecimento

científico e elaborado um modo de presença de cada indivíduo na cultura em

que ele está inserido.

Entendo educação como esse processo de desenvolvimento que, desde a

tenra idade, os seres humanos são orientados para o desenvolvimento de suas

potencialidades, para a apreensão de conhecimentos e valores para que todos e

cada um possam conhecer e se apropriar criticamente da cultura. Para

ABBAGNANO (2000),

Educação em geral, designa a transmissão e o aprendizado das técnicas culturais, que são as técnicas de uso, produção e comportamento, mediante as quais um grupo de homens é capaz de satisfazer suas necessidades, proteger-se contra a hostilidade do ambiente físico e biológico e trabalhar em conjunto, de modo mais ou menos ordenado e pacífico. Como o conjunto dessas técnicas se chama cultura, uma sociedade humana não pode sobreviver se sua cultura não é transmitida de geração para geração; as modalidades ou formas de realizar ou garantir essa transmissão chamam-se educação. (ABBAGNANO, 2000, p. 305)

Segundo PARO (2007),

Na linguagem comum, educação é normalmente associada a ensino, quer para servir-lhe de sinônimo, quer para dele diferenciar-se. O uso diferenciado se dá, em geral, no senso comum, quando se associa a educação ao campo dos valores e das condutas, aquela por meio da qual se propicia ao educando formação moral e disposição à prática dos bons costumes e associa o ensino à passagem de conhecimentos e informações, contidos nas disciplinas teóricas ou nas ciências de um modo geral e que são úteis para a vida em geral ou para o exercício de uma ocupação. (PARO, 2007, p. 1)

A educação e a cultura são dois processos indispensáveis na formação

do ser humano, na construção da sua identidade cidadã. Quando a cultura se

torna propriedade de uma classe como instrumento de dominação de outras

classes, o que vemos é uma educação passiva, autoritária, antidialógica, que

não permite a emancipação das classes trabalhadoras, pois não existe ali a

apropriação de uma cultura, e sim, a assimilação de técnicas de produção, onde

os indivíduos se preparam para atender as necessidades do mercado.

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A educação como apropriação da cultura é dialógica, é transformadora da

realidade. A relação de poder entre professor e aluno se faz através do dialogo

que, problematizado, produz conhecimento. Para Freire, “o diálogo é o encontro

amoroso dos homens que, mediatizados pelo mundo, o ‘pronunciam’, isto é, o

transformam, e, transformando-o, o humanizam para a humanidade de todos”

(FREIRE, 1977, p. 43).

Uma educação humanizadora não se faz com professores autoritários. É

preciso, antes de tudo, humanizar a educação, os espaços físicos, os gestores,

e, principalmente, os professores que se formaram e reproduzem uma educação

autoritária. Uma práxis educacional verdadeiramente democrática nasce das

relações democráticas praticadas no cotidiano escolar. A história da educação

pública brasileira está marcada pela tradição elitista e reprodutivista de

conteúdos determinados que não interagem com o contexto e a vida cotidiana

dos educandos. Apropriar-se dessa história para transformá-la é um desafio

para o educador do século XXI, que precisa compreender a cultura para torná-la

melhor, principalmente nas escolas freqüentadas pelos alunos mais carentes.

O homem faz história, portanto, ao produzir cultura. E ele o produz como sujeito, ou seja, como detentor de vontade, como autor. A necessidade da educação se coloca precisamente porque, embora autor da história pela produção da cultura, o homem ao nascer encontra-se inteiramente desprovido de qualquer traço cultural. Nascido natureza pura, para fazer-se homem à altura de sua história, ele precisa apropriar-se da cultura historicamente produzida. A educação como apropriação da cultura apresenta-se, pois, como atualização histórico-cultural. Atualização aqui significa a progressiva diminuição da defasagem que existe em termos culturais entre seu estado no momento em que nasce e o desenvolvimento histórico no meio social em que se dá seu nascimento e seu crescimento. Significa que ele vai-se tornando mais humano (histórico) à medida que desenvolve suas potencialidades, que à sua natureza vai acrescentando cultura, pela apropriação de conhecimentos, informações, valores, crenças, habilidades artísticas etc., etc. É pela apropriação dos elementos culturais, que passam a constituir sua personalidade viva, que o homem se faz humano-histórico. (PARO, 2007, p. 4)

Entender a educação como apropriação da cultura é permitir que o aluno

seja dono da própria história, descubra-se como parte de uma sociedade em

construção, que a realidade não é acabada, pronta, estática. A luta contra a

homogeneização cultural, a exclusão social e a ignorância política passa pela

construção de currículos que propõem um diálogo constante entre o professor e

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o aluno, entre o conteúdo e a realidade vivida por seus agentes, como afirma

Moreira (2001), a escola através do currículo precisa mostrar aos alunos que as

coisas não são inevitáveis, que a desigualdade social pode ser modificada e que

cada professor, em cada sala de aula, pode ser um agente dessa

transformação. Trataremos, a seguir, de sintetizar a relação entre poder, cultura

e o currículo escolar, principalmente na atualidade da escola pública brasileira.

3.3 Poder, cultura e currículo escolar

Retomamos, portanto, a idéia de educação como apropriação da cultura,

do aluno como sujeito do processo de ensino aprendizado, um sujeito histórico

que se apropria da cultura como constituinte da sua existência. Pensemos,

também, na importância de um currículo crítico, capaz de promover a dignidade

cultural e social do educando. Quando o aluno é pensado e considerado como

sujeito no processo de ensino aprendizado, o poder não é centralizado no

professor; ele é compartilhado e torna-se propriedade de ninguém, pois o seu

lugar numa educação progressista é o da relação dialógica entre professor e

aluno.

Para Freire, “a educação é comunicação, é diálogo, na medida em que

não é a transferência de saber, mas um encontro de sujeitos interlocutores que

buscam a significação dos significados” (FREIRE, 1977, p. 69).

E quando o aluno apropria-se da cultura, ele aprende de fato, ele se torna

capaz de problematizar o mundo à sua volta, ele se apropria por meio da razão

das ferramentas que o levam a sua emancipação, da sua dignidade. A avaliação

é constante, e o aluno é sujeito do processo avaliativo junto do professor e da

instituição; ele não aparece apenas como um ser passivo, sujeito a aprovação

ou reprovação. Aprender torna-se objeto de desejo do aluno e, dessa forma, ele

se apropria do conhecimento e constrói a base da sua cidadania. Uma cidadania

crítica depende de uma educação igualmente crítica.

Na produção histórica de sua existência, os homens produzem conhecimentos, instrumentos, técnicas, valores, crenças, comportamentos, tudo enfim que se configura na cultura humana. A

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apropriação dessa cultura pelos indivíduos é que constitui a educação. Esta é entendida, assim, como atualização histórico-cultural do homem, por que é pela apropriação da cultura (produção histórica) que o indivíduo se faz homem (no sentido histórico, não meramente biológico), diferenciando-se da natureza (que é o nível no qual ele se encontra no momento do nascimento) e transcendendo-a. Ou seja, a cultura se transmite não por hereditariedade biológica, mas historicamente. Em qualquer época e em qualquer sociedade, os indivíduos nascem igualmente desprovidos de qualquer atributo cultural. É pela educação que cada indivíduo integra-se ao estágio de desenvolvimento histórico do meio sociocultural onde nasce e cresce. (PARO, 2001, p. 35)

Mencionamos, anteriormente, que a apropriação da cultura é um

poderoso instrumento de poder. As classes dominantes utilizam-se das

manifestações culturais para aumentar ainda mais o seu controle sobre as

classes populares. Os meios de comunicação de massa, as religiões, o trabalho

são ferramentas poderosas que têm a finalidade de conduzir uma cultura, seja

para os interesses das elites quanto para os interesses dos trabalhadores. Criar

uma sociedade homogênea, diminuir os conflitos existentes, criar hábitos de

comportamento em conformidade com os interesses dos poderosos é o papel da

cultura em uma sociedade de classes.

Para SANTOS (2007),

hoje em dia os centros de poder da sociedade se preocupam com a cultura, procuram defini-la, entende-la, controla-la, agir sobre seu desenvolvimento. Há instituições públicas encarregadas disso; da mesma forma, a cultura é uma esfera de atuação econômica, com empresas diretamente voltadas para ela. Assim, as preocupações com a cultura são institucionalizadas, fazem parte da própria organização social. Expressam seus conflitos e interesses, e nelas os interesses dominantes da sociedade manifestam sua força. (SANTOS, J. 2007, p. 82)

Na sociedade atual, o poder tem nome. As elites, os donos dos meios de

produção, os poderosos dos países ricos, esses são detentores de uma cultura

que se diz “hegemônica” e “verdadeira”; as demais são culturas periféricas.

Essa ideologia é transmitida aos estudantes freqüentadores das escolas que

atendem as massas populares por meio de vários elementos, dentre eles o

currículo escolar. Segundo MOREIRA (1997),

O currículo constitui significativo instrumento utilizado por diferentes sociedades tanto para desenvolver os processos de conservação, transformação e renovação dos conhecimentos historicamente

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acumulados como para socializar as crianças e os jovens segundo valores tidos como desejáveis. (MOREIRA, 1997, p. 11)

O currículo escolar é a ferramenta que reflete todas as experiências, em

termos de cultura, que são proporcionados aos alunos durante a vida escolar.

Assim, ele precisa ser encarado como um elemento fundamental do processo

educacional. Assistimos, ainda hoje, em muitas escolas públicas do País, o

distanciamento entre o conteúdo presente no currículo e a realidade vivida pelos

alunos. A utilização do currículo como reprodução de uma realidade dada, não

problematizada, formando pessoas obedientes às regras estabelecidas, leva os

alunos à conformação, com condição de exploração de uns poucos sobre a

grande maioria das pessoas. O currículo não pode ser apenas um instrumento

ideológico capaz de reproduzir o status quo. SANTOS (2005) diz que:

Não basta criar um novo conhecimento, é preciso que alguém se reconheça nele. De nada valerá inventar alternativas de realização pessoal e coletiva, se elas não são aprováveis por aqueles a quem se destinam. Se o novo paradigma aspira a um conhecimento complexo, permeável a outros conhecimentos, loca e articulável em rede com outros conhecimentos locais, a subjetividade que lhe faz jus deve ter características similares ou compatíveis. (SANTOS, B., 2005, p. 333)

Entendendo que o currículo escolar pode ser um instrumento de

dominação e de exclusão ainda maior dos já excluídos da política, da economia,

do trabalho, e, portanto, do poder cultural. Ao compreender essa realidade,

precisamos verificar como se dá a aplicação do currículo nas escolas

brasileiras. Segundo Moreira (1999), nas décadas de 70 e 80, a influência norte-

americana nos modelos curriculares brasileiros foi grande. Esse processo,

conhecido como transferência educacional, foi perdendo força na década de 90.

Nesse processo as escolas são vistas como instrumentos de reprodução da

ideologia dominante, a política neoliberal transforma o currículo em uma

ferramenta do mercado, centrada na produtividade e na manutenção do domínio

imperialista dos países centrais sobre os países periféricos.

Moreira (1997) apresenta como alternativa ao reprodutivismo neoliberal

da chamada pós-modernidade uma utopia possível e necessária, capaz de

confrontar o estabelecido com o possível, e criar novas perspectivas para um

mundo social mais justo. Para isso, é preciso que o teórico denuncie o caráter

reprodutor da escola e apresente alternativas de renovação. É preciso, também,

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a promoção de um ambiente favorável ao desenvolvimento de novas

concepções de conhecimento, e, por fim, merece a atenção o planejamento e o

desenvolvimento do currículo voltado para os excluídos; Moreira (1997) parece

concordar com SANTOS (2005) nessa questão:

A utopia é a exploração de novas possibilidades e vontades humanas, por via da oposição da imaginação à necessidade do que existe, só porque existe, em nome de algo radicalmente melhor que a humanidade tem direito de desejar e por que merece a pena lutar. A utopia é uma chamada de atenção para o que não existe como (contra)parte integrante, mas silenciada, do que existe. Pertence à época pelo modo como se aparta dela. Por outro lado, a utopia é sempre desigualmente utópica, na medida em que a imaginação do novo é composta em partes por novas combinações e novas escalas do que existe. Uma compreensão profunda da realidade é assim essencial ao exercício da utopia, condição para que a radicalidade da imaginação não colida com o seu realismo. (SANTOS, B. 2005, p. 323)

Educadores críticos acreditam nessa utopia, sabem que podem contribuir

para a construção de uma sociedade mais justa. Sabem que não podem ignorar

a realidade vivida por seus alunos. O educador é parte de uma comunidade

escolar que, unida, problematiza o real, e luta para transformá-lo. As

desigualdades sociais são refletidas na cultura de um povo, a exploração de

uma minoria sobre a maioria da população, como é o caso do Brasil, geram

conflitos, porque, nem a cultura e nem a sociedade são estáticas, inertes, elas

são dinâmica, sente os resultados dessas desigualdades e luta contra elas. A

sociedade brasileira luta contra a violência, contra o desemprego, a favor de

uma saúde pública de qualidade, a sociedade sabe da importância da

apropriação da cultura, e, por isso, luta por uma educação pública de qualidade

capaz de formar cidadãos críticos, participantes da dinâmica que conhece,

compreende, interage e transforma a cultura. Concordo com MOREIRA (2001),

quando ele diz:

A meu ver, a escola brasileira, neste final de século, também marcada por nossa situação de marginalidade cultural e pela indiferença com que muitas de nossas autoridades têm tratado a educação, precisa procurar, por meio de suas atividades curriculares, mostrar ao aluno que as coisas não são inevitáveis. Deve, prioritariamente, ajudá-lo a perceber que a realidade social que o cerca é resultado de ações sociais cujo poder não é absoluto: “o dado é condição de uma ação futura, não seu limite” (BEATRIZ SARLO, 1999, p. 10). Os questionamentos, nesse enfoque, devem visar a perturbar, a provocar tensões, a esgarçar as justificativas, celebratórias ou cínicas, do

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existente. Podem não mudar o mundo, mas deixam uma porta entreaberta. (MOREIRA, 2001, p. 6)

Na escola, o poder está presente em todas as relações; o poder do

Estado sobre o currículo escolar, o poder econômico sobre o Estado, e,

conseqüentemente, sobre as metas curriculares, e esse poder se manifesta

visivelmente entre professores e alunos. O professor tem o poder de ensinar, o

aluno tem o poder de aprender. Essas relações estão inseridas na realidade

onde o processo de ensino aprendizado se dá. As condições históricas

determinam o tipo de poder que aí se apresentam. Nossas experiências de

democracia, liberdade, autoritarismo, disciplina e medo são condicionantes das

relações de poder entre professor e aluno. Sobre o desafio da desarticulação e

rearticulação do currículo e suas conseqüências na vida da sociedade,

MOREIRA (2001) diz:

Sustento, em outras palavras, o ponto de vista de que na escola tudo pode e deve ser posto em questão, tudo pode e deve ser desconstruído. Ao mesmo tempo, muito pode e deve ser inventado, no desafio e no processo de forjarmos uma realidade social com menos desigualdades, privilégios e injustiças, na qual seja possível viver e conviver condignamente, na qual se avolume a esperança preservada por Bourdieu, na qual sejam possíveis a utopia, a democracia, a solidariedade, indispensáveis tanto ao questionamento do existente como ao anúncio d que Buarque (1999) chama de modernidade ética. (MOREIRA, 2001, p. 6)

A elaboração de propostas curriculares que atendam não somente as

demandas do mercado, mas, principalmente, as necessidades dos estudantes, é

o desafio que se coloca para os educadores na pós-modernidade. O currículo

presente nas escolas não pode ser apenas um instrumento reprodutor da

ideologia dominante a serviço do mercado. O conteúdo explicitado pelos

professores, nas salas de aula, em todas as escolas públicas brasileiras, podem

conter valores implícitos que atendam apenas a cultura dominante, mas o poder

de resistência está presente nesses agentes do processo de ensino

aprendizado (professores e alunos). Confrontar os antagonismos ideológicos

presentes na educação é uma forma de resistir e buscar alternativas mais justas

e que atendam as classes trabalhadoras. Assim, as escolas podem ser

instrumentos ideológicos a serviço da reprodução de uma realidade dada,

conformista e conservadora, mas ela pode ser um espaço de confronto, de

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resistência, de luta pela emancipação de todas as culturas. APPLE (1989)

descreve essa relação:

Entretanto, não devemos nos engajar apenas na ação relativa ao longo e lento processo de possibilitar que os professores e professoras compreendam sua situação. Há também uma grande necessidade de ação curricular. Neste ponto não direi muito mais do que já foi dito por outras pessoas que tiveram que lutar muito e duramente para introduzir materiais honestos, controvertidos e, racial, sexual e economicamente progressistas nas escolas. Se podemos encontrar resistências, se mesmo apenas num nível informal podemos encontrar homens e mulheres em nossas empresas, fábricas e em outros locais lutando para manter seus conhecimentos, humanidade e dignidade, então a ação curricular pode ser mais importante do que imaginamos. Pois os estudantes necessitam ver a história e a legitimidade dessas lutas. O ensino da história séria do trabalho, organizado em torno das normas de oposição produzidas por homens e mulheres que resistiram a cumprir o currículo oculto, pode constituir uma estratégia efetiva para a ação educacional neste caso. Como Raymond Williams nos faz lembrar, a superação do que ele chamou de “a tradição seletiva” é essencial para a prática emancipatória hoje. (APPLE, 1989, p. 102)

O educador progressista deve ser humanista, contribuir para a

humanização racional dos homens em sociedade, deve, antes de tudo,

despertar nos alunos o desejo pelo saber. O aluno dever refletir sobre sua

condição histórica, deve estar inserido e comprometido com a realidade

concreta em que vive. A educação deve ser a problematização do mundo real,

deve estar comprometida com a liberdade e com a dignidade dos seres

humanos. Tanto o currículo formal, o currículo em ação e o currículo oculto são

uma interação a serviço da dignidade de todos os cidadãos.

Conhecer a cultura brasileira através da educação, compreender como se

construíram as relações de poder ao longo da história do País, ter o poder de

transformá-la é um direito previsto em lei no Brasil (art. 205. Constituição

Federal). Preparar os indivíduos para a cidadania é um dever da escola, e isso

se faz com uma práxis emancipadora, onde o aluno tem o poder de participar do

processo educativo durante toda a sua formação, o espaço da sala de aula é

democrático, dialógico onde professor e aluno são sujeitos do aprendizado, co-

responsáveis pela garantia dos direitos subjetivos de cada aluno, em cada

escola pública brasileira.

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4 CONTRADIÇÕES ENTRE SERIAÇÃO E CICLO DE FORMAÇÃO

HUMANA

O exercício do poder por parte do professor vem do seu histórico escolar

em sua formação inicial, não apenas aqueles registrados nos históricos

escolares, mas dos processos pelos quais ele passou durante sua formação,

das experiências vividas por ele no interior da escola, vem do poder que ele

conheceu vindo dos professores que teve. Mas esse professor não é apenas

fruto da sua história escolar. Ele como sujeito, pode intervir no processo, fazer e

refazer a história dos processos escolares, os meios que ele vai utilizar para,

não só transmitir conhecimentos, mas cultura, manter a disciplina na sala de

aula, avaliar seus alunos, vê-los crescer. Essas escolhas vão dizer que tipo de

cidadão ele pretende formar, acomodado e passivo ou consciente e crítico. Esse

é o seu poder potencial, que se transforma em poder de fato na prática

cotidiana escolar.

Por outro lado, essa formação fica condicionada, de modo geral, ao

domínio ideológico de quem se mantinha no poder, seja o Estado, a Igreja ou as

elites de cada sociedade e, de modo específico, ao projeto pedagógico de sua

instituição formadora. De um lado, organizar o sistema educacional sempre foi

um jogo de poder, poder político. Decidir que tipo de educação se pretende

oferecer significa dar uma direção para o perfil social pretendido. De outro lado,

do ponto de vista da organização pedagógica da escola ou mesmo de um

sistema de ensino – participantes do sistema educacional brasileiro – podem-se

confrontar dois modelos básicos, o seriado e o ciclado.

O modelo de organização pedagógica seriado é caracterizado por

períodos bem determinados. Anualmente, possui um caráter seletivo, pela

transmissão de conteúdos distribuídos de forma fragmentada, disciplina rígida,

pela reprovação daqueles que não acumularam os conteúdos, e pela aprovação

para o próximo ano como recompensa. Nesse modelo, o aluno aparece apenas

como objeto do trabalho do professor. O professor Paulo Roberto Vital de

Negreiros conceitua o sistema seriado da seguinte forma:

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Nesta concepção de tempo escolar, a função da escola é de transmitir o saber acumulado pela humanidade de forma sistemática. Para tanto, a lógica de organização estrutura-se num modelo seqüencial que estabelece pré-requisitos para o processo de aprendizagem. Valoriza-se a capacidade do aluno em reter ensinamentos e a figura do professor como transmissor. Os conteúdos se dividem em disciplinas, distribuídas em uma grade curricular e operacionalizada no horário das aulas. A avaliação caracteriza-se por uma lógica classificatória, acumulativa e discriminatória. As provas identificam os melhores, os médios e os fracos. Mecanismo de controle de sucesso, fracasso e disciplina. Aprova e reprova. O tempo escolar está organizado em séries anuais que permite o ajustamento ou a classificação dos alunos. Aqueles que aprendem, mudam de série, os reprovados repetem. (NEGREIROS, 2004, p. 19)

Já a organização pedagógica por ciclos remete-nos às fases da vida

humana: infância, adolescência, juventude e fase adulta. Os tempos escolares

respeitam as fases da vida do aluno. As etapas do processo ensino/aprendizado

são mais flexíveis partindo das experiências da vida do aluno. Esses períodos

acompanham os ciclos do desenvolvimento humano. No ciclo, os processos de

desenvolvimento coletivo não anulam o processo individual de cada um, este é

considerado e tratado de forma específica com a intenção de construir o objetivo

comum que é o desenvolvimento de todos. O ciclo surge como uma alternativa

de se organizarem os tempos escolares, compreendendo as mais variadas

etapas do processo formativo de cada educando.

Os ciclos compreendem os seres humanos, não apenas no que já são ou

que possam produzir, mas, principalmente, no que podem vir a ser. Nesse

processo, os conteúdos abrem espaços para os problemas da vida dos

indivíduos, como: dignidade, trabalho, ética, desigualdade, distribuição de

renda, violência, fome, etc., são questões problematizadas e que devem

conduzir a uma práxis verdadeiramente transformadora do real. Ainda segundo

Negreiros, nos ciclos de formação humana:

Os conhecimentos não se desenvolvem desconectados do desenvolvimento integral dos indivíduos. O tempo de viver é sempre tempo de possibilidades de aprendizado. Infância ou vida adulta são igualmente tempos de formação e de vivência de direitos plenos. (NEGREIROS, 2004, p. 28)

O modelo de escola seriada no Brasil tornou-se um exemplo de poder

estabilizado e institucionalizado. Sua linguagem está muito presente na cultura

do nosso povo, suas regras são aceitas quase como naturais pela maioria da

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população. Se perguntarem a um aluno em que série ele estuda, e ele

responder 5ª série, todos saberiam identificar, mas se perguntarem em que ano

do ciclo ele está, e ele responder no 1º ano do segundo ciclo, teria dificuldades

em entender o período escolar desse aluno. Se a professora de uma turma de

30 alunos da 5ª série reprovou dez alunos no final do ano e questionada pelos

motivos das reprovações, ela responderia: porque não sabem nada e foram

muito mal nas provas, isso também seria aceito com naturalidade pela

sociedade.

Poderia dar vários exemplos para justificar a estabilidade do poder do

modelo seriado na prática escolar em nosso País. “Se meu filho não sabe nada,

não aprendeu, é melhor tomar bomba e fazer tudo de novo; no ano que vem,

quem sabe ele aprende”, parece comum ouvir isso de uma mãe de aluno. “Seu

filho brincou o ano inteiro, não fez os exercícios, chegava todo dia atrasado,

fazia perguntas fora de hora, tirou nota baixa nas provas e por isso deve ficar

mais um ano na 5ª série”, diz a professora.

O modelo educacional seriado tem suas raízes no capitalismo industrial

do século XIX, quando a produção em série exigia uma mão de obra qualificada

para o mercado. O modelo taylorista propunha uma organização dos

trabalhadores nas fábricas de maneira que pudessem dividir melhor as etapas

do processo produtivo, este absorvido pelo fordismo, que organizou os

trabalhadores para diminuir o tempo de produção, com o menor custo de

matéria-prima, aumentando a capacidade de produção. Mas, nos séculos

anteriores, já havia a preocupação em controlar as ações dos indivíduos, de

educá-los para uma prática conforme os interesses do Estado e das elites,

como demonstra FOUCAULT (2007) a respeito do sistema educacional no

século XVIII, em seu livro Vigiar e punir:

Filas de alunos na sala, nos corredores nos pátios; colocação atribuída a cada um em relação a cada tarefa e cada prova; colocação que obtém de semana em semana, de mês em mês, de ano em ano; alinhamento das classes de idade uma depois da outra; sucessão dos assuntos ensinados, das questões tratadas segundo uma ordem de dificuldade crescente. E nesse conjunto de alinhamentos obrigatórios, cada aluno segundo sua idade, seus desempenhos, seu comportamento, ocupa ora uma fila, ora outra; ele se desloca o tempo todo numa série de casas; umas ideais, que marcam uma hierarquia do saber ou das capacidades, outras devendo traduzir materialmente no espaço da classe ou do colégio essa repartição de valores ou dos méritos. Movimento perpétuo onde os indivíduos submetem uns aos

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outros, num espaço escondido por intervalos alinhados. (FOUCAULT, 2007, p. 126)

A sociedade era vigiada pelo Estado. Precisava ser controlada,

domesticada, manipulada e a educação era um meio para esse fim. Ensinar,

desde a tenra idade, as crianças e os jovens para serem obedientes, submissos

aos interesses daqueles que estão no poder. Os modelos educacionais

implantados pelo Estado brasileiro ao longo de sua história acompanharam essa

tendência. Os trabalhadores, os mais pobres quando não excluídos dos

sistemas de ensino, deveriam ser treinados para a obediência e a submissão

aos interesses das elites, ou seja, uma educação fraca para os pobres e uma

educação de qualidade para os ricos.

Para Saviani (2007), com a implantação dos sistemas nacionais de

educação no século XIX, o Brasil adotou o modelo tradicional de educação

focada nos conhecimentos dos professores e na transmissão de conteúdos. A

escola tradicional no Brasil organizou a educação para ser transmissora de

conteúdos prontos, elaborados cientificamente por especialistas, e passados

aos alunos por professores tecnicamente preparados, que, por sua vez, foram

educados por outros professores tradicionais, que aprenderam que educação se

faz na sala de aula, com disciplina rigorosa, assimilação de conteúdos,

preparação de alunos para concursos e para o vestibular, avaliação do

conteúdo, aprovação como mérito e reprovação como punição.

O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932 institui, no País,

um modelo “revolucionário” de educação, por considerar o modelo tradicional

ineficiente e excludente. Esse propõe uma escola mais focada no aluno e

menos nos conteúdos do professor. Para a Escola Nova, o aluno marginalizado

não é o ignorante, mas o rejeitado. “O professor agiria como um estimulador e

orientador da aprendizagem cuja iniciativa principal caberia aos próprios alunos”

(SAVIANI, 2007, p. 9).

O que distingue da escola tradicional a escola nova, não é, de fato, a predominância dos trabalhos de base manual e corporal, mas a presença, em todas as suas atividades, do fator psicobiológico do interesse, que é a primeira condição de uma atividade espontânea e o estímulo constante ao educando (criança, adolescente ou jovem) a buscar todos os recursos ao seu alcance, "graças à força de atração das necessidades profundamente sentidas. (MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAÇÃO NOVA DE 1932, p. 9)

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Mas a Escola Nova, apesar de sua metodologia ativa centrada no aluno,

acabou por contribuir para a exclusão dos já considerados “marginalizados”,

pois sua aplicação privilegiou os meios burgueses. Dentre outros modelos,

destaco também o tecnicista, focado no modelo fabril, entende a educação

como preparação técnica do aluno para o mercado de trabalho.

Em todos esses modelos, o poder da educação de desenvolver

competências e habilidades nos alunos para o exercício da razão reduz-se a um

complexo grupo de conteúdos divididos em disciplinas por área de

conhecimento em que o aluno se vê obrigado a decorar fórmulas e conceitos,

com o simples propósito de tirar boas notas e passar de ano. Não se vê a

preocupação da educação de tornar o aluno um sujeito participativo do processo

ensino aprendizado. Ao contrário, a escola contribui para a formação passiva e

conformista do aluno diante da realidade. Embora a Escola Nova tenha

caminhado nessa direção, ela não chegou às camadas populares, nas escolas

púbicas freqüentadas pelos mais pobres. Na verdade, todos esses modelos

reproduziram uma educação autoritária, antidialógica.

O característico da organização das escolas para finalidades seletivas é o menosprezo às diferenças individuais, ou a utilização das diferenças individuais, apenas para eliminar os reputados incapazes. A escola fixa os seus graus ou séries de ensino, os padrões a que devem atingir os alunos capazes de seguir o curso. Os que não se revelarem capazes são reprovados ou repetentes excluídos. Nessa organização cabe ao aluno adaptar-se ao ensino e não o ensino ao aluno. Nada mais legítimo se a escola visa realmente a selecionar alguns alunos para determinados estudos. E nada mais ilegítimo se a escola se propõe a dar a todos uma habilitação mínima para a vida, a promover a formação possível de todos os alunos de acordo com suas aptidões. (TEIXEIRA, 1999, p. 100)

O modelo educacional brasileiro conduzido pelas elites, na forma como se

deu a seriação, foi implacável com o aluno provindo das classes populares que

tem dificuldades de aprendizado, de assimilação de conteúdos. Sua lógica

seletiva e homogeneizadora exclui aqueles que não conseguem acompanhar

seus métodos de ensino, daí o grande número de alunos evadidos, reprovados,

excluídos das escolas brasileiras. E a culpa do fracasso acaba recaindo sobre o

aluno que não consegue se concentrar na aula, não presta atenção, não estuda

em casa, portanto precisa repetir de ano para aprender melhor.

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Na década de 60, no afã de pôr um fim no analfabetismo no Brasil e, ao

mesmo tempo, tornar o ato pedagógico um momento de conscientização, surge

o modelo de educação popular de Paulo Freire. Esse modelo compreende um

método humanista de alfabetização de adultos, no qual a relação dialógica entre

professores e alunos parte de temas geradores tirados da vida dos alunos e

provocando uma práxis transformadora. A esse respeito dedico o próximo

capítulo, pois trata do meu referencial teórico.

O método Paulo Freire acabou se constituindo num contraponto ao

caráter classista, seletivo e excludente que marcou minha história da educação.

A essa seletividade se junta o caráter punitivo e reprovador que aparecem com

mais força.

Em certa medida, esse método cooperou para trazer à tona o

questionamento ao modelo seriado que, associado à reprovação, se impusera à

educação brasileira. Daí nascem alternativas como, por exemplo, os ciclos de

formação humana e de aprendizagem, os quais prevêem uma formação

diferenciada do modelo seriado, incluindo, além da apropriação de conteúdos, a

valorização de habilidades, atitudes e o respeito aos valores culturais e

artísticos.

A partir da década de 70, a problematização da repetência e evasão escolar ganhou um novo impulso com as teorias da reprodução. A organização do sistema escolar, imbricada da exclusão começou a ser repensada a partir da função social da escola. O centro da polêmica era saber até que ponto a escola ajudava na transformação ou reprodução da sociedade. Nesta perspectiva, o regime seriado começou a ser duramente questionado. Foi acusado de ser um dos principais elementos responsáveis pelos autos índices de fracasso escolar – a reprovação. E neste aspecto era fator de manutenção de um modelo de sociedade elitista, conservadora e injusta. (NEGREIROS, 2004, p. 22)

Educar é um gesto radical de transformar, de permitir que o outro se

aproprie da cultura. A educação está associada a ensinar, a transferir

conhecimentos. Quando se diz que a escola do seu bairro é ruim, quer dizer que

o ensino não é bom, mas, quando se diz que tal escola é boa, a associação ao

ensino de qualidade é imediata. A escola boa é aquela democrática, em que o

aluno deseja o saber, e, por isso, apropria-se dele. A escola ruim é aquela

autoritária, em que o aluno decora um determinado saber, e, por isso, não se

apropria dele. Mas a tradição escolar brasileira mostra o contrário.

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Os ciclos de formação humana são uma nova proposta de fundo para a

organização escolar. Seu horizonte está voltado para a educação em todas as

suas dimensões, não somente no conteúdo, no cognitivo, mas numa

compreensão do mundo, da realidade concreta. Os ciclos buscam o

desenvolvimento cultural dos alunos, o desenvolvimento de habilidades

artísticas e filosóficas, compreende uma maior flexibilidade na organização dos

tempos escolares. A avaliação compreende o aprendizado do aluno, mas

também tudo à sua volta, ou seja, tudo o que contribuiu para o aprendizado ou

que prejudicou o aprendizado, e as propostas de melhorias do processo devem

ser uma constante. Nessa proposta, ficam excluídas: a avaliação punitiva, a

coação, a exclusão, o medo, e a reprovação.

Uma educação que possibilite ao homem a discussão corajosa de sua problemática. De sua inserção nesta problemática. Que o advertisse dos perigos de seu tempo, para que consciente deles ganhasse a força e a coragem de lutar, ao invés de ser levado e arrastado à perdição de seu próprio “eu”, submetido às prescrições alheias. Educação que o colocasse em diálogo constante com o outro. Que o predispusesse a constantes revisões. À análise crítica de seus “achados”. À uma certa rebeldia, no sentido mais humano da expressão. Que o identificasse com métodos e processos científicos. (FREIRE, 2006c, p. 97-98)

O problema é que o modelo seriado, associado à reprovação, está na

base da cultura tradicional da escola e dos professores, e a passagem para um

novo modelo demanda tempo e paciência por parte de seus idealizadores e de

educadores progressistas. Em uma consulta aos dados do INEP, comparei

informações obtidas em dois períodos diferentes: em 1991, portanto cinco anos

antes da nova LDB de 1996, e em 2005 nove anos após a implantação da nova

lei que permite uma nova forma de organização dos espaços e tempos

escolares.

Em uma outra consulta aos dados do INEP, realizada em 2003 pelo

professor Paulo Roberto Vidal de Negreiros, verificou-se que a grande maioria

das escolas brasileira adota o modelo seriado de educação, sendo 81,1%

seriadas, e apenas 11% do total das escolas brasileiras adotam o modelo de

ciclos, e 7,9 adotam mais de um modelo de organização escolar. Nas redes

municipais de ensino brasileiras, 84,9% das escolas são seriadas, 8,3% ciclos, e

6,7% adotam mais de um modelo. Nas redes municipais do estado de Minas

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Gerais, 67,3% adotam o modelo seriado, 28,9% ciclos, e 3,8% mais de um

modelo. Dentre os municípios que adotam o modelo de ciclos de formação

humana está Betim, onde realizei esta pesquisa.

As tabelas abaixo têm o objetivo de mostrar o ensino fundamental

brasileiro, em números. Nelas, encontramos os números de matrículas, índice

de aprovação, reprovação, transferências e abandono de alunos em dois

períodos diferentes, em 1991, e treze anos depois, em 2005. Essas tabelas me

permitem um olhar sobre a educação. Elas são o reflexo das políticas

educacionais e das práticas dos professores nas escolas brasileiras.

Para PERRENOUD (2004),

o fracasso escolar nasce, em larga medida, do que Bourdieu (1966) chamou de “indiferença às diferenças”. A escola trata todos os alunos como iguais em direitos e em deveres, ao passo que eles estão muito desigualmente dispostos e preparados a tirar partido de uma formação padrão. Alguns já sabem ler quando chegam à escola, outros estão bem longe disso. Isso não impede o sistema educacional de fixar para eles os mesmos objetivos, dentro dos mesmos prazos. O mínimo seria, então, diferenciar o atendimento dessas crianças. A reprovação é uma diferenciação rudimentar, que degrada a auto-imagem e se mostra globalmente pouco eficaz. (PERRENOUD, 2004, p. 19)

Os demonstrativos do censo escolar realizado pelo Instituto Nacional de

Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), em 1991,

comparados com os mesmos dados em 2005, tornam possíveis uma avaliação

das desigualdades escolares no Brasil. Esses dados mostram, principalmente,

que o caráter excludente da reprovação continua sendo um elemento marcante

da escola pública em nosso País. Esta pesquisa mostra os números de

matrículas, aprovação e reprovação de alunos em todo o Brasil nas séries de 5ª

à 8ª do ensino fundamental, como mostra a tabela 1, e os mesmos números por

unidade da federação, considerando os alunos matriculados em todas as séries

do ensino fundamental.

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TABELA 1

Números de matrículas, aprovação, reprovação, transferência e abandono de

alunos do ensino fundamental por série, segundo a região geográfica e unidade

da Federação em 1991

Alunos 5ª Série 6ª Série 7ª Série 8ª Série

Matrículas 3.696.099 2.616.660 1.985.609 1.521.635

Aprovados 2.055.669 1.636.356 1.327.162 1.123.283

Reprovados 841.209 490.194 303.671 156.592

Transferência e/ou

abandono

799.221

490.110

354.776

241.760

TABELA 2

Os mesmos dados da tabela 1, em porcentagem

Alunos 5ª Série 6ª Série 7ª Série 8ª Série

Matrículas 100% 100% 100% 100%

Aprovados 55.6% 62.5% 66.8% 73.8%

Reprovados 22.8% 18.8% 15.3% 10.3%

Transferência e/ou

abandono

21.6%

18.7%

17.9%

15.9%

TABELA 3

Números de matrículas, aprovação e reprovação dos alunos do ensino

fundamental, por localização e dependência administrativa, segundo a região

geográfica e unidade da federação em 1991

Alunos Federal Estadual Municipal Privado

Matrículas 95.536 16.716.816 8.773.360 3.618.012

Aprovados 23.481 10.136.665 5.234.329 2.971.640

Reprovados, transferências

ou abandonos

72.055

6.580.151

3.539.031

646.372

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TABELA 4

Os mesmos dados da tabela 3, em porcentagem

Alunos Federal Estadual Municipal Privado

Matrículas 100% 100% 100% 100%

Aprovados 24.6% 60.6% 59.7% 82%

Reprovados, transferências

ou abandonos

75.4%

39.4%

40.3%

18%

TABELA 5

Números de matrículas, aprovação, reprovação de alunos do ensino

fundamental por série, segundo a região geográfica e unidade da Federação em

2005

Alunos 5ª Série 6ª Série 7ª Série 8ª Série

Matrículas 4.520.875 3.891.386 3.476.179 3.180.616

Aprovados 3.244.392 2.962.114 2.706.038 2.520.553

Reprovados 732.447 524.000 386.222 343.108 Transferência

e/ou abandono

544.036

405.272

383.919

316.955

TABELA 6

Os mesmos dados da tabela 5, em porcentagem

Alunos 5ª Série 6ª Série 7ª Série 8ª Série

Matrículas 100% 100% 100% 100%

Aprovados 71.8% 76.1% 77.9% 79.2%

Reprovados 16.2% 13.5% 11.1% 10.8% Transferência

e/ou abandono

12%

10.4%

11%

10%

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TABELA 7

Números de matrículas, aprovação e reprovação dos alunos do ensino

fundamental, por localização e dependência administrativa, segundo a região

geográfica e unidade da Federação em 2005

Alunos Federal Estadual Municipal Privado

Matrículas 25.728 12.145.494 17.986.570 3.376.769

Aprovados 21.936 9.476.729 13.687.978 3.130.328

Reprovados 2.113 1.554.723 2.633.387 110.839 Transferência

e/ou abandono

1.679

1.114.042

1.665.205

135.602

TABELA 8

Os mesmos dados da tabela 7, em porcentagem

Alunos Federal Estadual Municipal Privado

Matrículas 100% 100% 100% 100%

Aprovados 85.2% 78% 76.1% 92.7%

Reprovados 8.2% 12.8% 14.6% 3.3% Transferência

e/ou abandono

6.6%

9.2%

9.3%

4%

Em 1991, dos 3.696.099 alunos matriculados na 5ª série, apenas

2.055.669, ou seja, 55.6% dos alunos matriculados na 5ª série em todo o Brasil

foram aprovados. Em 2005, foram matriculados 4.520.875 alunos na 5ª série, e,

destes, 3.244.392 foram aprovados, perfazendo um total de 71.8% de alunos

aprovados, isto é, um aumento de 16.2% em comparação com 1991. Em 1991,

24.6% dos alunos matriculados em escolas federais foram aprovados. Em 2005,

o índice subiu para 85.2%, ou seja, todas as tabelas mostram que aumentou o

índice de aprovados em todas as séries do ensino fundamental. As escolas

particulares têm os maiores índices de aprovação, e, conseqüentemente, os

índices mais baixos de reprovação, transferência e evasão. As redes de

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educação pública diminuíram os índices de reprovação, evasão e transferências

na comparação entre 1991 e 2005.

A preocupação de educadores e governos com a exclusão escolar tem

provocado mudanças de postura com relação à mesma. As novas formas de

organização dos tempos escolares, a formação permanente de educadores, a

melhoria nas políticas salariais, os investimentos na educação básica, as

políticas orientadas para a diminuição das desigualdades sociais, são

apontados como caminhos a serem percorridos para a melhoria da qualidade da

educação no Brasil. Mas encontrei, com freqüência, professores que defendem

a reprovação como instrumento de avaliação da qualidade dos alunos.

As tabelas não deixam dúvidas que o modelo seriado, reprovador e

excludente é o preferido por nossos professores. Nossas escolas continuam

reprovando, excluindo milhões de alunos. Em 2005, foram 4.301.062 alunos

reprovados no ensino fundamental, em todas as escolas brasileiras, de um total

de 33.534.561 alunos matriculados, ou seja, 12.82% dos nossos alunos tiveram

que repetir a série. Não consideramos, aqui, os alunos que abandonaram a

escola durante o ano letivo, o que aumentaria esse percentual de alunos

excluídos do processo de ensino aprendizado.

O índice de reprovação nas escolas brasileiras vem caindo através dos

anos. Transferências e evasão nas escolas públicas brasileiras evidenciam que

a escola construída para os pobres é uma escola pobre. O que promove o

sucesso escolar dos alunos oriundos das classes média e alta é,

conseqüentemente, o que gera o fracasso dos alunos oriundos das classes

populares. Portanto, a escola não é uma instituição neutra, ela reproduz as

desigualdades, o sucesso ou o fracasso não pode ser entendido apenas como

algo natural, ou como mérito apenas do aluno, mas as condições sociais,

culturais e econômicas contribuem para esse processo.

Assim, podemos argumentar que o sucesso escolar, no Brasil, está ligado

a um recorte de classe social. Os alunos de classe média e alta que freqüentam

as escolas privadas e as escolas públicas de melhores condições passam de

nível escolar com uma maior regularidade do que os alunos das camadas

populares que freqüentam as escolas públicas de periferia, ou mesmo as

escolas privadas que, porventura, aí estejam. O fracasso escolar dos alunos das

escolas públicas é demonstrado pela falta de regularidade dos alunos, pela

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reprovação e abandono que acontecem numa proporção maior do que nas

escolas privadas. Tal fracasso expressa-se nos produtos das avaliações de

rendimento escolar.

Para Vitor Paro, a eliminação da reprovação como recurso didático apresenta-se assim, como exigência de um ensino de qualidade. Para Lauro de Oliveira Lima, “se a escola é séria e os processos didáticos eficientes, a promoção automática é menos um sistema de promoção que a conseqüência lógica da eficiência. Porque, queiramos ou não, a reprovação é sempre sinal de ineficiência do sistema escolar e de incapacidade do magistério, salvo se estivermos nos limites da anormalidade”. (PARO, 2001, p. 51 apud LIMA, 1962, p. 361)

A reprovação utilizada historicamente nas escolas brasileiras como

recurso didático para a classificação de alunos em bons e maus, ainda se vê

muito utilizada e defendida por educadores que parecem não se incomodar em

responsabilizar somente alunos pelo seu fracasso. Entender que o fracasso do

aluno é também o fracasso do Estado, da escola e do professor é fundamental

para uma avaliação dos processos de avaliação e abrir novas possibilidades,

como a proposta dos ciclos de formação humana.

Vejamos agora as mesmas tabelas com dados do estado de Minas

Gerais. Esse olhar pode ajudar-nos a problematizar a educação em nosso

estado, verificando o que os números falam-nos da evolução dos processos

educacionais num estado considerado tradicional dentro Federação.

TABELA 9

Números de matrículas, aprovação, reprovação, transferência e abandono de alunos do ensino fundamental por série, no estado de Minas Gerais em 1991

Alunos 5ª Série 6ª Série 7ª Série 8ª Série

Matrículas 417.934 280.386 207.646 155.521

Aprovados 206.440 158.064 128.495 110.298

Reprovados 118.434 70.238 43.215 22.603 Transferência

e/ou abandono

93.060

52.084

35.936

22.620

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TABELA 10

Os mesmos dados da tabela 9, em porcentagem

Alunos 5ª Série 6ª Série 7ª Série 8ª Série

Matrículas 100% 100% 100% 100%

Aprovados 49.4% 56.4% 61.9% 70.9%

Reprovados 28.3% 25% 20.8% 14.5% Transferência

e/ou abandono

22.3%

18.6%

17.3%

14.6%

TABELA 11

Números de matrículas, aprovação e reprovação dos alunos do ensino

fundamental, por localização e dependência administrativa no estado de Minas

Gerais em 1991

Alunos Federal Estadual Municipal Privado

Matrículas 2.352 2.322.427 621.212 221.854

Aprovados 1.601 910.036 391.394 187.272

Reprovados, transferências

ou abandonos

751

1.412.391

229.818

34.582

TABELA 12

Os mesmos dados da tabela 11, em porcentagem

Alunos Federal Estadual Municipal Privado

Matrículas 100% 100% 100% 100%

Aprovados 68% 39.2% 63% 84.4%

Reprovados, transferências

ou abandonos

32%

60.8%

37%

15.6%

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TABELA 13

Números de matrículas, aprovação, reprovação de alunos do ensino

fundamental por série no estado de Minas Gerais em 2005

Alunos 5ª Série 6ª Série 7ª Série 8ª Série

Matrículas 431.555 407.670 387.158 379.940

Aprovados 325.898 312.518 303.174 278.104

Reprovados 71.573 57.795 46.525 55.431 Transferência

e/ou abandono

34.084

37.357

37.459

46.405

TABELA 14

Os mesmos dados da tabela 13, em porcentagem.

Alunos 5ª Série 6ª Série 7ª Série 8ª Série

Matrículas 100% 100% 100% 100%

Aprovados 75.5% 76.6% 78.3% 73.2%

Reprovados 16.6% 14.2% 12% 14.6% Transferência

e/ou abandono

7.9%

9.2%

9.7%

12.2%

TABELA 15

Números de matrículas, aprovação e reprovação dos alunos do ensino

fundamental, por localização e dependência administrativa no estado de Minas

Gerais em 2005

Alunos Federal Estadual Municipal Privado

Matrículas 2.771 1.695.968 1.470.839 238.405

Aprovados 2.518 1.355.865 1.226.759 227.254

Reprovados 162 203.912 166.931 7.771 Transferência

e/ou abandono

91

136.191

77.149

3.380

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TABELA 16

Os mesmos dados da tabela 15, em porcentagem

Alunos Federal Estadual Municipal Privado

Matrículas 100% 100% 100% 100%

Aprovados 90.9% 80% 83.4% 95.3%

Reprovados 5.8% 12% 11.3% 3.3% Transferência

e/ou abandono

3.3%

8%

5.3%

1.4%

Minas Gerais, de uma forma geral, acompanha as estatísticas nacionais.

Em 1991, as tabelas mostram que o estado aprovou um pouco menos e

reprovou mais do que a média nacional. Usando a 5ª série também como

referência para comparações, vemos que, de um total de 417.934 alunos

matriculados, 206.440 foram aprovados, uma média de 49.9%, enquanto a

média nacional ficou em 55.6%. Comparando somente as redes estaduais de

ensino, enquanto estas como um todo aprovaram 60.6% dos seus alunos, a

rede estadual de Minas Gerais aprovou apenas 39.2%, muito abaixo da média

nacional.

Em 2005, o estado melhorou o seu índice de aprovação acima da média

nacional. Vejamos os índices: 431.555 alunos foram matriculados na 5ª série, e,

destes, 325.898 foram aprovados, perfazendo uma média de 75.51%, enquanto

a média nacional ficou em 71.8%. Enquanto as escolas das redes estaduais

como um todo aprovaram 78% dos seus alunos, a rede estadual de Minas

Gerais aprovou 80%, estando acima da média nacional.

Em Minas Gerais, como em todo o País, as tabelas mostram que o

modelo seriado, reprovador e excludente é o preferido por nossos professores.

Nossas escolas continuam reprovando, excluindo milhões de alunos. Em 2005,

foram 378.776 alunos reprovados em todas as séries do ensino fundamental,

nas escolas de Minas Gerais, de um total de 3.407.983 alunos matriculados, ou

seja, 11.11% dos nossos alunos tiveram que repetir a série.

Enfim, as tabelas mostram que a escola seriada vem perdendo força,

tanto em âmbito nacional quanto no Estado de Minas Gerais. Num intervalo de

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13 anos, o Brasil ganhou uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional, que possibilitou outras formas de organizar os tempos escolares, os

modelos de avaliação, e os métodos didáticos. O Brasil hoje tem 97% de nossas

crianças freqüentando a escola, diminuiu o analfabetismo. O desafio continua

sendo repensar a qualidade, o aluno sair da escola porque aprendeu, adquiriu

conhecimento, apropriou-se da cultura.

Por isso é que se pode dizer que ensino e aprendizado são duas faces de uma mesma moeda. Não pode existir uma, se não existe a outra. Não há ensino, se não se deu o aprendizado. Daí o absurdo em se afirmar que determinada aula (processo de ensino) é boa ou que o ensino de determinada escola é de qualidade, mas os alunos não aprendem. (PARO, 2001, p. 37)

Muitos dos professores, hoje autoritários e conservadores, passaram pela

experiência dessa escola incentivadora da passividade e da obediência, sem

contestação. Reproduzi a educação que tive, uma educação que avalia os

alunos só pelo resultado das provas bimestrais, semestrais ou anuais. O mérito

do aluno é a nota, o boletim azul é o prêmio no final do ano. Aos que não

alcançaram médias, tiveram um boletim todo vermelho, resta esperar o próximo

ano para tentar decorar tudo de novo. A culpa do fracasso escolar é jogada toda

em cima do aluno: ele não prestou atenção, faltou às aulas, não fez o dever, fez

bagunça, não estudou para a prova e, portanto, foi reprovado.2

O modelo de avaliação seriada é apenas um diagnóstico da assimilação,

por parte do aluno, dos conteúdos transmitidos pelo professor durante um

determinado período. Elas são testes que classificam os alunos em bons e

maus, os que estudaram e os que não estudaram durante aquele período. A

avaliação não pode se reduzir a classificar, avaliando apenas o conhecimento

adquirido ou não pelo aluno, para sua promoção ou não para a próxima série. A

avaliação deve ser contínua e compreender todos os aspectos que interferem

diretamente no processo ensino aprendizado.

Segundo PARO (2001),

2 Desde a minha infância, ouvia dizer que tal professor era muito bom porque era bravo, sua matéria era difícil, que muitos alunos eram reprovados com ele. O bom professor era o que dava medo nos alunos, uma espécie de terrorista da educação. A escola era avaliada da mesma forma: uma escola boa era aquela onde seus professores eram bravos, as matérias difíceis de aprender, a disciplina era rigorosa, somente bons alunos eram aprovados, os maus, se não desistissem no meio do caminho, tinham como certa a reprovação.

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a razão de ser da avaliação educativa não é a classificação ou a retenção de alunos, mas a identificação do estágio de compreensão e assimilação do saber pelo educando, junto com as dificuldades que este encontra, bem como os fatores que determinam tais dificuldades, com vistas à adoção de medidas corretivas da ação. (PARO, 2001, p. 39-40)

A avaliação não pode ser apenas uma verificação de resultados para se

decidir se o aluno está ou não apto para prosseguir nos estudos. A avaliação

deve ser permanente e constante do aprendizado do aluno, mas também de

todos os processos que contribuem para esse fim. A avaliação compreende

também a auto-avaliação da instituição, dos meios pedagógicos, das práticas

dos professores, das políticas educacionais. Não podemos esperar o fracasso

do aluno para jogar nele toda a responsabilidade e puni-lo com a reprovação.

PARO (2001) diz

que os problemas da avaliação a posteriori apresentam-se de forma ainda mais séria quando se considera que, em nossa realidade, o período que, a rigor, efetivamente conta para efeito de avaliação acaba sendo anual, pois, com a seriação adotada na imensa maioria de nossos sistemas de ensino, apenas de ano em ano é que se procura verificar o aprendizado, com vistas a decidir sobre o destino do educando. Em qualquer processo produtivo do sistema econômico seria considerado um total absurdo esperar-se um período tão longo para proceder-se à verificação dos resultados e tomar decisões quanto aos êxitos, perdas e correções de rumo. Para piorar a situação, a verificação escolar, geralmente, sequer tem o propósito de corrigir rumos da escola, mas apenas separar os que podem e os que não podem continuar na próxima série. Os que são reprovados devem repetir o mesmo processo no ano seguinte, em geral, com o mesmo professor (ou professores) e com a utilização dos mesmos recursos e métodos do ano anterior. Para os reprovados, o absurdo da situação não é apenas que se espera todo um ano para se verificar que o processo não deu certo (o que já não é pouca gravidade); o absurdo consiste também em que nada se faz para identificar e corrigir o que andou errado. Não se trata propriamente de uma avaliação, mas de uma condenação do aluno, como se só ele fosse o culpado pelo fracasso. Como se do processo não fizessem parte o aluno, o professor (ou professores) e todas as condições em que se dá o ensino na escola. (PARO, 2001, p. 41-42)

O exercício da auto-avaliação é o permanente diálogo reflexivo, ou seja,

consigo mesmo (a escola, os professores e os alunos), a prática dessa auto-

avaliação prepara os alunos para o exercício da liberdade, para o exercício da

democracia tão distante da vida cotidiana dos brasileiros, constantemente

interrompida por grupos autoritários que conquistavam o poder. Avaliar é

problematizar todo o processo de ensino aprendizado, o que de fato é positivo e

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o que precisa ser melhorado no processo, e, acima de tudo, ter a coragem de

tomar decisões, mudar o rumo do que não contribui para uma cidadania plena.

Para FREIRE (2006c e 1977),

A educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem. Não pode temer o debate. A análise da realidade. Não pode fugir à discussão criadora, sob pena de ser uma farsa. (FREIRE, 2006c, p. 104) Esta é a razão pela qual, para nós a “educação como prática da liberdade” não é a transferência ou a transmissão do saber nem da cultura; não é a extensão de conhecimentos técnicos; não é o ato de depositar informes ou fatos no educandos; não é a “perpetuação dos valores de uma cultura dada”; não é o “esforço de adaptação do educando a seu meio”.

Para nós, a “educação como prática da liberdade” é, sobretudo e antes de tudo, uma situação verdadeiramente gnosiológica. Aquela em que o ato cognoscente não termina no objeto cognoscível, visto que se comunica a outros sujeitos, igualmente cognoscentes. (FREIRE, 1977, p. 78)

A educação, como prática da liberdade, compreende, entre professores e

alunos, uma relação de poder dialógica, portanto, livre e comprometida com a

verdade. A educação, como prática da liberdade, não se utiliza da avaliação

para punir os alunos; ela não precisa da ameaça da reprovação para forçar o

aluno à disciplina e ao estudo.

As práticas educacionais não democráticas legitimam o poder de uma

classe sobre a outra, são ferramentas para a perpetuação de uma ideologia que

privilegia uns em detrimento da maioria. Para GADOTTI (2005),

Nesse sentido, podemos chamar de “ideologia” todo pensamento, todo discurso que, interpretando o mundo, o representa de maneira falsa, distorcida, cujos componentes essenciais ocultam suas raízes, suas origens econômicas, políticas, sociais. (GADOTTI, 2005, p. 32)

O ato de educar é um ato político, e pode estar a serviço da dominação,

da perpetuação das desigualdades ou pode estar a serviço de transformação de

uma realidade dada. Assim, uma educação que transmite uma visão distorcida

da realidade é aquela que imobiliza a razão dos seus alunos, não permite uma

visão crítica da realidade. Essa educação ideológica não permite uma ação

transformadora, não dá espaço para uma educação verdadeiramente

emancipadora. Essa é uma educação a serviço das classes dominantes, onde

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os alunos das classes trabalhadoras são transformados em ferramentas do

processo produtivo.

Estou cada vez mais convencido de que os educadores falharam muitas vezes porque “confundiram” educação com obediência. São obedientes e tentam formar gente obediente, submissa. Educar é fazer ato de sujeito, é problematizar o mundo em que vivemos para superar suas contradições, comprometer-se com esse mundo, para recriá-lo constantemente. Não é consumir idéias, nem obedecer. (GADOTTI, 2005, p. 90)

Uma educação democrática, dialógica, reflexiva e problematizadora tem o

poder de recriar a sociedade, de transformar uma realidade dada, conservadora,

a serviço das elites, em uma sociedade mais humana, menos desigual, onde o

educando das classes populares tem a oportunidade de aprender a cultura e

interferir nos rumos da política, da economia, nos preços dos produtos, no valor

do seu trabalho, enfim, ele pode ser sujeito de sua história, e não apenas um

ser manipulado pelas forças dominantes.

Para Gadotti, ao novo educador compete refazer a educação, reinventá-la, criar as condições objetivas para que uma educação democrática seja possível, criar uma alternativa pedagógica que favoreça o aparecimento de um novo tipo de pessoas, solidárias, preocupadas em superar o individualismo criado pela exploração capitalista do trabalho, preocupadas com um novo projeto social e política que construa uma sociedade mais justa, mais igualitária. (GADOTTI, 2005, p. 82)

O conhecimento a serviço da ideologia dominante não deixa de ser uma

violência praticada por professores aos alunos das classes trabalhadoras. É

uma educação assistencialista e conservadora. O aluno agredido por suas

condições sociais, não encontra na escola a esperança de que precisa para

buscar alternativas, para se tornar sujeito de sua história. Pelo contrário, por

não sentir prazer e sentido no que lhe é ensinado, ele não aprende, não se

interessa pela escola, ela representa apenas mais um espaço de opressão e

não de libertação na sua vida.

O conhecimento a serviço da verdadeira humanização é dialógico, o

professor é parceiro do aluno no processo de formação, ele não mascara a

realidade, seu conteúdo está a serviço da cidadania. O aluno sente prazer em

aprender, pois é despertado para isso, o conhecimento parte de uma realidade

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concreta em que ele está inserido, realidade que, uma vez problematizada,

pode ser transformada e estar a serviço de todos e não apenas de uma minoria

opressora. Aqui o assistencialismo dá lugar à razão crítica. Para FREIRE

(2006c):

O grande perigo do assistencialismo está na violência do seu antidiálogo, que, impondo ao homem mutismo e passividade, não lhe oferece condições especiais para o desenvolvimento ou a “abertura” de sua consciência que, nas democracias autênticas, há de ser cada vez mais críticas. (FREIRE, 2006c, p. 65)

Então, o que dizer da reprovação? Reprovar é recusar, rejeitar, censurar

severamente, criticar, condenar, julgar inabilitado. Ser reprovado é uma

demonstração de fracasso, alguém que não atingiu as metas exigidas para

alcançar a aprovação. O que dizer dos 4.301.062 alunos reprovados no ensino

fundamental em 2005? Eles tiveram 200 dias letivos para aprender, e não

aprenderam; tiveram 800 horas para aprender, e não aprenderam; foram

considerados incompetentes e, por isso, foram excluídos. Seu processo foi

interrompido, tiveram que passar mais 200 dias e/ou 800 horas na mesma

escola, nas mesmas salas de aula, vendo tudo de novo quase que imputando a

si o fracasso, como se a mudança tivesse que vir deles.

Se servir de consolo, alguém deve ter dito a eles: “não se preocupe você

vai recuperar o tempo perdido, vai aprender melhor, isso se estudar mais, e se

comportar direitinho. No próximo ano vamos comprar uma mochila nova, um

caderno novo, vamos renovar tudo e até comprar uma camisa de uniforme

nova”. Assim, parece até que o trauma da reprovação pode ser amenizado.

Um número tão grande de alunos reprovados é um sinal do poder da

escola, dos professores, do modelo excludente da escola seriada. Essa escola

insiste em transmitir apenas conhecimentos, em treinar seus alunos para o

vestibular, para concursos, para o mercado de trabalho, para reproduzir uma

cultura dominante a serviço das elites. Não percebem que o fracasso é de

todos, dos alunos, mas também do Estado, das políticas educacionais, da

escola e dos professores.

Para PARO (2007), o poder-fazer da escola que temos, já em termos potenciais, é muito menor do que ela oficialmente declara ter. As causas desse fracasso são muito variadas e, em sua maioria, têm sido denunciadas das mais

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diversas formas quer pela academia quer pelos grupos sociais interessados em sua solução. Mas uma importante causa muito pouco discutida e que parece estar na base de todo o problema do baixo desempenho do ensino é precisamente essa timidez de sua ambição no provimento de cultura. Ao pretender passar apenas conhecimentos e ao se ater aos estreitos limites da comunicação verbalista, deixa de lado os componentes da cultura que, articulados com o conhecimento, dariam razão de ser a este e tornariam mais efetiva sua apreensão pelos educandos. Nossa escola e seus responsáveis parecem não ter percebido ainda que uma das maneiras mais certeiras de dificultar a transmissão às crianças e jovens dos conhecimentos de que necessitam para a vida é precisamente pretender passar só conhecimento. (PARO, 2007, p. 16)

Esse poder autoritário da escola faz os alunos estudarem por medo;

medo de tirar notas baixas nas provas, medo de ser reprovado. Eles devem

obedecer, ficarem calados, prestarem atenção, serem submissos. A esses

alunos, não é dado o poder para pensarem, refletirem, participarem,

perguntarem, duvidarem, conhecerem, e, principalmente, apropriarem-se da

cultura. A reprovação é um instrumento repressivo que em nada contribui para a

formação de cidadão críticos e emancipados.

As relações de poder em uma escola verdadeiramente democrática são

dialógicas, participativas. Aqui, o professor provoca no aluno o desejo pelo

saber. O mecanismo utilizado é a persuasão e não a coação. Na escola

democrática, o professor procura conhecer a realidade concreta de seus alunos,

percebe suas necessidades e ajuda a superá-las. Constrói uma relação de

afeto, amizade, respeito e de troca com os alunos, não uma relação

paternalista, mas consciente e crítica. Paro (2007) diz que o professor só exerce

seu poder, só se faz efetivamente educador, só se faz competente em sua

profissão, isto é, só cumpre sua função social de construir personalidades

humano-históricas, quando, por uma relação de risco, isto é, pela persuasão,

logra construir em seu aluno um valor que permeia todo o seu aprendizado: o

desejo de aprender.

Sobre a implantação dos ciclos de formação humana no Brasil,

PERRENOUD (2004) diz:

propugnava-se, em contraposição, uma outra lógica de organização curricular, centrada no aluno enquanto ser social em formação, atenta ao princípio de desenvolvimento pleno do educando. À dimensão cognitiva se agregaram a social, a afetiva e a atitudinal, permitindo-se que a história de vida e os percursos particulares de cada aluno fossem levados em conta no trato pedagógico. A lógica dos conteúdos

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cedeu lugar a uma lógica de formação do aluno a partir de experiências educativas em que se articulavam conhecimentos já adquiridos por vivências pessoais, conhecimentos provenientes dos diferentes campos do saber e temas de relevância social, em um processo de contextualização e integração que visava ao desenvolvimento de individualidades capazes de pensamento crítico e autonomia intelectual. (PERRENOUD, 2004, p. 206)

A avaliação não pode ser uma ferramenta de ameaça de que o professor

se utiliza para manter a disciplina na sala de aula. As provas bimestrais não

podem ser a única forma de avaliação do processo ensino aprendizado para

dizer se o aluno deve seguir para o ano seguinte. Nem mesmo a progressão

contínua exclui a avaliação desse processo, ela não pode ser a responsável

pelo fracasso escolar porque a avaliação se dá de forma contínua durante o

processo de formação, e inclui todos os agentes do processo ensino/

aprendizado.

Para Perrenoud, os ciclos não eliminam de forma definitiva a necessidade de avaliar regularmente as progressões, mas dispensam o professor de prestar contas sobre elas ao final de cada ano letivo, apenas para provar que fez seu trabalho e para não ser recriminado pelos pais, pela administração ou pelos colegas que vão acolher seus alunos no ano seguinte. (PERRENOUD, 2004, p. 16)

Na escola democrática, o aluno deseja participar do processo de ensino

aprendizado, não sente medo e nem é coagido pela escola e pelo professor. Ele

vê no conhecimento um caminho para a sua emancipação. Na escola

democrática, os alunos são sujeitos de sua própria história, o medo da

reprovação é abolido e a avaliação ocorre durante todo o ano letivo e

compreende todos os agentes do processo de ensino aprendizado. Na escola

democrática, não resta alternativa ao Estado, à escola e ao professor do que

oferecer uma educação de qualidade. Mas é preciso lembrar que a escola

verdadeiramente democrática é um projeto em construção que, lentamente, vai

sendo construído na prática educacional onde os agentes do processo

acreditam em uma educação dialógica e emancipadora. PERRENOUD (2004)

alerta para os desafios da construção desse modelo educacional dentro da

realidade brasileira:

O grande desafio é exatamente o de fazer emergir o novo em meio a um aparato escolar que tem grande poder de regulação e que funciona

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a partir de princípios contraditórios. Tudo indica, pois, que os ciclos demandarão muito tempo ainda para serem consolidados, já que o tempo de mudar no papel é muito diferente do tempo de transformar corações e mentes, e daquele requerido para moldar a nova face da escola. (PERRENOUD, 2004, p. 226)

Com base na historia da educação brasileira, nos números que

demonstram o fracasso escolar dentro do modelo seriado, onde os alunos,

principalmente os oriundos das classes trabalhadoras, não aprendem, são

freqüentemente reprovados, onde a evasão sempre foi muito grande, onde a

relação entre professores e alunos é uma demonstração de força do primeiro

sobre o segundo, onde seu poder é usado para reprovar e excluir aqueles que

mais carecem de uma educação de qualidade. Esses fatos me provocam a

buscar alternativas para a melhoria da educação nacional. Os ciclos de

formação humana aparecem como uma alternativa de inverter esse processo,

de estabelecer uma outra forma de relação entre professores e alunos, através

do diálogo, de conteúdos inseridos na realidade concreta dos educandos, de

avaliações contínuas envolvendo o processo de ensino aprendizado.

Precisamos romper as barreiras de resistência, os equívocos que se

construíram acerca da progressão continuada, dos reagrupamentos, da perda

de poder do professor, da falta de conteúdo nos currículos. Precisamos ensinar

com qualidade e aprender com as diferenças, respeitando os tempos de cada

aluno, e aceitando o desafio de construir um modelo mais justo de educação

para todos.

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5 PAULO FREIRE E A PEDAGOGIA DIALÓGICA

“Uma teoria do conhecimento e/ou uma Filosofia da Educação”

Esta pesquisa tem como referencial teórico o educador Paulo Freire, sua

metodologia de ensino, sua teoria emancipatória e sua práxis revolucionária.

Ambas articuladas à sua experiência política e à sua problematização das

relações sociais, através de uma educação dialógica. Esse pernambucano,

profundamente marcado por suas raízes nordestinas e por uma profunda fé

cristã, encontra na educação uma nova forma de pronunciar o mundo.

Democracia, justiça, liberdade, emancipação, revolução não são apenas

palavras, são instrumentos de transformação de uma realidade dada. Partindo

de uma educação autoritária, conformista que produz uma massa de explorados

e marginalizados, Freire (2005) cria sua teoria dialógica que se realiza na práxis

libertadora de todos os homens.

Alfabetizar conscientizando, ensinar a ler e a escrever, e também a

interpretar o mundo, põem a educação como ferramenta indispensável para a

prática da liberdade. Para Paulo Freire, não basta ensinar alguém a escrever a

palavra tijolo, é preciso que o educando compreenda a importância de um tijolo

para construir sua casa, o importante é problematizar a palavra ensinada dentro

do contexto histórico em que o aluno está inserido. A palavra geradora “tijolo”

torna-se não apenas um objeto de alfabetização, mas uma ferramenta de luta

contra a exclusão social. Educar é um gesto de amor, não de caridade e nem de

paternalismo, mas de respeito pelo aprendizado do aluno. Esta pesquisa

observa a relação de poder entre professores e alunos de uma escola pública

da periferia de Betim, à luz do método desenvolvido por Paulo Freire.

A contradição entre a educação bancária e a educação dialógica é o eixo

central da pesquisa. Sua teoria educacional pretende tornar o educando sujeito

do processo de ensino aprendizado juntamente com o educador como pessoas

emancipadas para uma presença diferenciada no mundo capitalista. A relação

pedagógica não é autoritária; ela permite ao educando apropriar-se da cultura

para poder transformá-la. Para Freire (2006c), a relação dialógica faz da

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educação uma prática libertadora. O aluno não aprende apenas a ler e a

escrever textos, mas a ler e a interpretar a realidade na qual está inserido; ele

se torna capaz de fazer uma leitura do mundo para transformá-lo em vista de

novos padrões nas relações sociais.

Contrapondo uma educação autoritária que impunha aos alunos uma

cultura dominante, não permitindo uma interação entre ele o conteúdo ensinado,

Paulo Freire propõe uma educação como prática da liberdade, unindo

alfabetização e conscientização da realidade vivida pelos educandos. As

palavras geradoras têm vida, pois dizem respeito às experiências vividas por

eles. Essa prática provoca uma ruptura com o conformismo de uma educação

bancária levando os indivíduos a compreenderem a liberdade como um princípio

existencial, uma ferramenta de luta contra a exclusão social. O importante, nos

círculos de cultura, é que os educandos se apropriem da cultura, denunciem seu

caráter elitista e excludente, assumam a responsabilidade de transformá-la em

beneficio de todos.

O ponto de partida para uma análise, tanto quanto possível sistemática, da conscientização, deve ser uma compreensão crítica dos seres humanos como existentes no mundo e com o mundo. Na medida em que a condição básica para a conscientização é que seu agente seja um sujeito, isto é, um ser consciente, a conscientização, como a educação, é um processo específica e exclusivamente humano. É como seres conscientes que mulheres e homens estão não apenas no mundo, mas com o mundo. Somente homens e mulheres, como seres “abertos”, são capazes de realizar a complexa operação de, simultaneamente, transformando o mundo através de sua ação, captar a realidade e expressá-la por meio de sua linguagem criadora. E é enquanto são capazes de tal operação, que implica em “tomar distância” do mundo, objetivando-o, que homens e mulheres se fazem seres com o mundo. Sem esta objetivação, mediante a qual igualmente se objetivam, estariam reduzidos a um puro estar no mundo, sem conhecimento de si mesmos nem do mundo. (FREIRE, 2006a, p. 77)

Paulo Reglus Neves Freire nasceu na cidade de Recife, em Pernambuco,

no dia 19 de setembro de 1921. Vindo de uma família de classe média, seu pai,

Joaquim Temístocles Freire, potiguar, era sargento do Exército; sua mãe,

Edeltrudes Neves Freire, pernambucana, era dona de casa e bordadeira. Freire

foi alfabetizado na sua própria casa com as experiências do cotidiano. Suas

primeiras palavras vinham da vivência da infância, o que, certamente,

influenciou seu trabalho como educador. Ele teve que enfrentar as dificuldades

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da vida pobre durante a depressão de 1929. Com 13 anos perdeu seu pai,

aumentando as dificuldades financeiras da família e as condições de estudo,

entrou no ginásio (5ª série) com 16 anos. Era um aluno que tinha dificuldades

para assimilar os conteúdos formais, as experiências da adolescência

marcariam sua vida e torná-lo-iam mais sensilvel com a causa dos mais pobres.

Queria muito estudar, mas não podia porque nossa condição econômica não o permitia. Tentava ler ou prestar atenção na sala de aula, mas não entendia nada, porque a fome era grande. Não é que eu fosse burro. Não era falta de interesse. Minha condição social não permitia que eu tivesse uma educação. A experiência me ensinou, mais uma vez, a relação entre classe social e conhecimento. Então, devido aos meus problemas, meu irmão mais velho começou a trabalhar e nos ajudar, e eu começei a comer mais. Naquela época, estudava no segundo ou terceiro ano do colegial, sempre com dificuldades. À medida que comia melhor, comecei a compreender melhor o que lia. Foi aí, precisamente, que comecei a estudar gramática, porque adorava os problemas da linguagem. Eu estuava filosofia da linguagem por conta própria, preparndo-me, aos 18 ou 19 anos, para entender o estruturalismo e a linguagem. Comecei, então, a ensinar gramática portuguesa, com amor pela linguagem e pela filisosfia, e com a intuição de que deveria compreender as expectativas dos estudantes e fazê-los participar do diálogo. Em algum momento, entre os 15 e os 23 anos, descobri o ensino como minha paixão. (FREIRE apud GADOTTI, 2004, p. 23-24)

Paulo Freire começou a dar aulas muito cedo, quando ainda cursava o

segundo grau. Entrou para a Universidade do Recife em 1943, para cursar

Direito, mas também se dedicou aos estudos de Filosofia da Linguagem. Apesar

disso, nunca exerceu a profissão; desistiu logo na primeira causa e preferiu

trabalhar como professor numa escola de segundo grau, ensinando a língua

portuguesa. Em 1944, casou com a professora primária Elza Maia Costa de

Oliveira. Paulo Freire tinha 23 anos e dava aulas; eles tiveram cinco filhos. Elza

foi companheira, amiga e namoarda em todos os 42 anos em que viveram

juntos, contribuindo para o pensamento pedagógico de Freire; ela veio a falecer

em 1986. Freire casou-se novamente em 1988 com a ex-aluna e também

professora Ana Maria Araújo Hasche, com quem viveu e partilhou seus projetos

pedagógicos até seus últimos dias.

Em 1946, Freire foi trabalhar no SESI – Serviço Social da Indústria, onde

se tornou diretor do setor de educação; ali permanceu por 8 anos. Nesse

período, Freire aprendeu a dialogar com a classe trabalhadora, a compreender

sua forma de apreender o mundo, através da sua linguagem. Foi aí, aprendendo

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na prática, que se tornou um educador. (Gadotti, 1991) Uma das experiências

que marcaram sua vida foi o MCP – Movimento de Cultura Popular do Recife,

onde surgiram os círculos de cultura e os estudos sobre linguagem popular e

erudita que fez enquanto professor de língua portuguesa. Freire foi fundador e

diretor do Serviço de Extensão Cultural da Universidade do Recife, onde

elaborou um novo método de afabetização de adultos. Em 1959, escreveu a

tese que concorreria à cadeira de História e Filosofia da Educação, na Escola

de Belas-Artes do Recife. O título da tese era: “Educação e atualidade

brasileira”. Com ela, obteve o grau equivalente ao de doutor.

O círculo de cultura é uma unidade de ensino que substitui a escola tradicional. É formado por um grupo de pessoas que se reúne para discutir seu trabalho, a realidade local e nacional, sua vida familiar etc. Nele, não há lugar para o professor tradicional “bancário”, que tudo sabe, nem para o aluno que nada sabe. Assim, ao mesmo tempo que aprende a ler e a escrever, o educando aprende a “ler”, isto é, a analisar sua prática e a atuar sobre ela. (GADOTTI, 2004, p. 147)

Freire teve sua educação influenciada pelo catolicismo. Seu engajamento

com movimentos progressistas da Igreja deu-se desde a mais tenra idade, com

a Ação Católica, Comunidades Eclesiais de Base e a “Teologia da Libertação”,

que é uma

concepção progressista da teologia e do papel social e político da Igreja, desnvolvida sobretudo na América Latina, que defende o engajamento dos cristãos na luta pela libertação. Opõe-se à teologia dogmática, que estabelece um rígido código de conduta para os cristãos, baseado na defesa da tradição, da família e da propriedade privada. A Teologia da Libertação adota o método dialético para a análise da realidade. (GADOTTI, 2004, p.158)

Segundo Gadotti (2004), o método freireano deve ser entendido dentro do

contexto histórico em que nasceu, o nordeste brasileiro, onde, na década de

1960, metade dos seus 30 milhões de habitantes vivia na cultura do silêncio,

isto é, eram analfabetos. Era preciso “dar-lhes a palavra” para que

“transitassem” para a participação na costrução de um Brasil, dono de seu

próprio destino, que superasse o colonialismo. Seu trabalho ganhava destaque

mesmo, em 1962, quando ele aplicou publicamente seu método na cidade de

Angicos (RN), onde, em 45 dias, alfabetizaram-se 300 trabalhadores rurais.

João Goulart, presidente na época, chamou Paulo Freire para organizar uma

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Campanha Nacional de Alfabetização. Essa campanha tinha como objetivo

alfabetizar 2 milhões de pessoas, em 20.000 círculos de cultura. (Gadotti, 2004,

p. 32)

O Brasil vivia uma disputa de poder entre as elites conservadoras (os

militares, industriais e proprietários de terras) e os políticos populistas que

manipulavam as massas. Mas o primeiro grupo foi mais forte e tomou o poder

pela força, com o Golpe de 1964. Nesse momento, todo tipo de mobilização

social foi reprimida, e o projeto educacional de Paulo Freire foi abandonado. Em

seu lugar, surgiu o MOBRAL (Movimento Brasileiro de Alfabetização), uma

iniciativa para a alfabetização, porém, visceralmente distinta dos ideais

freirianos.

Nestes últimos anos, o fantasma do comunismo, que as classes dominantes agitam contra qualquer governo democrático da América Latina, teria alcançado feições reais aos olhos dos reacionários na presença política das classes populares. O movimento de educação popular, solidário à ascenção democrática das massas, não poderia deixar de ser atingido. Desde antes do golpe de Estado seu trabalho se constituía num dos alvos preferidos dos grupos de direita. Todos sabiam da formação católica de seu inspirador e de seu objetivo básico: efetivar uma aspiração nacional apregoada, desde 1920, por todos os grupos políticos, a alfabetização de povo brasileiro e a ampliação democrática da participação popular. Não obstante, os reacionários não podiam compreender que um educador católico se fizesse expressão dos oprimidos e menos ainda podiam compreender que a cultura levada ao povo pudesse conduzir à dúvida sobre a legitimidade de seus privilégios. Preferiram acusar Paulo Freire por idéias que não professa a atacar esse movimento de democrátização cultural pois percebiam nele o gérmem da revolta. (WEFFORT apud FREIRE, 2006c, p. 19)

Paulo Freire foi preso por 70 dias, acusado de subversivo e traidor de

Cristo e do povo brasileiro. Em seguida, passou por um breve exílio na Bolívia,

onde teve dificuldades com a altitude. Esse país também sofreu um Golpe de

Estado, forçando Freire a transferir-se para o Chile, onde permaneceu por

quatro anos e meio. Nesse país, ele trabalhou para o Movimento de Reforma

Agrária da Democracia Cristã, deu aulas na Universidade Católica de Santiago,

e também trabalhou para a Organização de Agricultura e Alimentos da

Organização das Nações Unidas. Ali, dedicou-se, principalmente, à formação de

adultos camponeses. Em 1967, Freire publicou seu primeiro livro, Educação

como prática da liberdade. O livro é a apresentação da pedagogia dialógica, a

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liberdade como um modo de ser do homem, portanto, uma educação

libertadora.

Conscientizar não significa, de nenhum modo, ideologizar ou propor palavras de ordem. Se a conscientização abre caminho à expressão das insatisfações sociais é porque estas são componentes reais de uma situação de opressão; se muitos dos trabalhadores recém-alfabetizados aderiram ao movimento de organização dos sindicatos é porque eles próprios perceberam um caminho ligítimo para a defesa de seus interesses e de seus companheiros de trabalho; finalmente, se a conscientização das classes populares significa radicalização política é simplesmente porque as classes populares são radicais, ainda mesmo quando não o saibam. O saber democrático jamais se incorpora autoritariamente, pois só tem sentido como conquista comum do trabalho do educador e do educando. Não é possivel, diz Paulo Freire, “dar aulas de democracia e, ao mesmo tempo, considerarmos como ‘absurda e imoral’ a participação do povo no poder”. A democracia é, como o saber, uma conquista de todos. Toda a separação entre os que sabem e os que não sabem, do mesmo modo que a separação entre as elites e o povo, é apenas fruto de circunstâncias históricas que podem e devem ser transformadas. (WEFFORT apud FREIRE, 2006c, p. 20)

A alfabetização das massas incomodou as elites brasileiras que se

sentiram ameçadas. As organizações populares, os movimentos sindicais e

religiosos, os círculos de cultura não eram bem vindos e precisavam ser

eliminados, combatidos, mesmo que para isso fosse usada a força. Era preciso

manter a ordem nacional, eliminar a ameaça comunista, manter os privilégios

dos poucos afortunados do País. Mesmo os políticos populistas não tinham

interesse em conscientizar, mas em manipular as massas, multiplicando o

número de eleitores. Seus equívocos levaram-nos ao fracasso e à perda do

poder para os violentos poderosos e armados membros das elites brasileiras. A

emancipação popular foi adiada, seus líderes foram presos ou expulsos do País,

dentre eles o criador do método que apontava a educação como prática da

liberdade. Paulo Freire perdeu a liberdade de ensinar e de viver no Brasil.

Freire ja era conhecido nos quatro cantos do planteta. Seu método de

ensino fazia escola. Foi convidado para ser professor visitante da Universidade

de Harvard, em 1969, onde permaneceu por menos de um ano, transferindo-se

para Genebra, na Suíça. No ano anterior, ele escrevera seu mais famoso livro,

Pedagogia do oprimido, que foi publicado em várias línguas, como o espanhol, o

inglês (em 1970), e até o hebraico (em 1981). Por causa da situação política do

País, ele não foi publicado no Brasil até 1974, quando o general Geisel tomou o

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controle do Brasil e iniciou um processo de liberalização cultural. Em Genebra,

Freire trabalhou como consultor educacional para o Conselho Mundial de

Igrejas. Durante esse tempo, atuou como um consultor em reforma educacional

em colônias portuguesas na África, particularmente em Guiné Bissau e em

Moçambique.

Depois de 15 anos de exílio, Paulo Freire retornou ao Brasil, em março de

1980. Lecionou na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e na

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). À sua maneira, foi

reaprendendo o Brasil, engajando-se sempre mais nos debates educaionais,

participando de palestras, cursos e conferências. Filiou-se ao Partido dos

Trabalhadores na cidade de São Paulo, e atuou como supervisor para o

programa do Partido para alfabetização de adultos, de 1980 até 1986. Em 1987,

foi reintegrado como professor da Universidade Federal de Pernambuco, por um

ato do governo da Nova República, pois havia sido destituído pelo Regime

Militar em 1964. Quando a candidata do PT à prefeitura de São Paulo, Luiza

Erundina, foi eleita, ela convidou Freire para a Secretaria Municipal de

Educação, onde ele ficou de 1989 à 1991. Como Secretário de Educação do

Município de São Paulo, Freire valorizou a formação permanente dos

professores, criou junto com os movimentos populares o projeto chamado

MOVA-SP (Movimento de Alfabetização da Cidade de São Paulo), esse projeto

era um programa de alfabetização de jovens e adultos, voltado para o resgate

da cidadania, com o objetivo de formar multiplicadores de uma ação social

libertadora. Por último, podemos destacar a prática interdisciplinar como um

elemento fundamental na construção de uma escola participativa e decisiva na

formação do sujeito social.

Em 1991, o Instituto Paulo Freire foi fundado em São Paulo para estender

e elaborar suas teorias sobre educação popular. O instituto mantém os arquivos

de Paulo Freire.

Freire foi internado com fortes dores no peito na manhã do dia 1º de maio

de 1997, no Hospital Albert Einstein, em São Paulo. Morreu após o segundo

ataque cardíaco, na manhã do dia 2 de maio de 1997, com 75 anos de idade.

Freire escreveu mais de 40 livros, traduzidos em 28 idiomas. Cidadão honorário

de nove cidades brasileiras. Condecorado diversas vezes com medalhas,

comendas e prêmios de vários países. Doutor honoris causa, em 28

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Universidades. Convidado oficial de mais de 50 países dos cinco continentes.

Homenageado com uma estátua em Estocolmo, capital da Suécia, Paulo Freire

foi o educador brasileiro mais conhecido e respeitado em todo o mundo. Entre

as suas principais obras podemos destacar: Educação como prática da

liberdade (1967), Extensão ou comunicação (1971), Pedagogia do oprimido

(1974), Ação cultural para a liberdade o outros escritos (1976), Cartas à Guiné-

Bissau (1977), A importância do ato de ler (1982), Pedagogia da esperança

(1992), Professora sim, tia não (1993), Essa escola chamada vida (1994) e

Pedagogia da autonomia (1996).

5.1 A pedagogia dialógica

Paulo Freire deixou um legado pedagógico importante para todo educador

que deseja uma educação libertadora, crítica e revolucionária. Seu gosto pela

liberade denuncia o autoritarismo da educação tradicional brasileira que despeja

conceitos e fórmulas sobre os alunos sem nenhuma problematização. A

educação através da conscientização é uma alternativa educacional capaz de

formar a consciência crítica dos alunos, e, assim, possibilitar uma transformação

social. A pedagogia dialógica é uma ferramenta de trabalho de que o educador

humanista se utiliza para emancipar seus alunos, dar a eles a palavra capaz de

interpretar a realidade por eles vivida. Essa relação dialógica entre professor/

aluno se constrói na práxis que une a teoria e a prática, ou seja, o conteúdo e a

vida concreta dos alunos. Portanto, uma prática educacional autoritária impede

a emancipação dos alunos, tornando-os seres dóceis e passivos diante de sua

própria condição social. Nossa educação não tem sido, de modo geral, um

processo que possibilita, a boa parte de nossas crianças, o direito de se

apropriar da cultura e muito menos de transformá-la. A leitura de Paulo Freire,

nesse início do século XXI, leva-me a refletir sobre a minha própria prática em

sala de aula. Seu método de ensino continua provocando governantes, gestores

escolares e educadores para uma prática educacional que desperte em nossas

crianças o desejo pelo saber, que elas não somente freqüentem uma sala de

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aula, mas que se apropriem veradeiramente do conhecimento, tornando-se

sujeitos desse processo.

A pedagogia de Paulo Freire surge das experiências vividas por ele, do

contexto político, econômico e social em que o Brasil se encontrava na década

de 1960. Nesse momento, surgem os círculos de cultura que consistem na

alfabetização pela conscientização. É uma proposta para a alfabetização de

adultos. Eles eram uma alternativa ao sistema tradicional que utilizava a cartilha

como ferramenta central da didática para o ensino da leitura e da escrita. As

cartilhas ensinavam pelo método da repetição de palavras soltas ou de frases

criadas de forma forçosa, que comumente se denomina como linguagem de

cartilha. Por exemplo: Eva viu a uva, o boi baba, a ave voa, dentre outros. Não

existe nesse método uma contextualização, as frases não dizem nada a respeito

da realidade dos alunos. Os círculos de cultura partiam do saber social dos

educandos para alfabetizá-los. Freire é um educador profundamente humanista,

um homem do diálogo e do conflito. Para ele, uma educação verdadeiramente

libertadora une a teoria com a ação transformadora da realidade. É por isso que

seu método de ensino pode ser conhecido, também, como uma teoria do

conhecimento ou uma filosofia da educação.

A visão da liberdade tem nesta pedagogia uma posição de relevo. É a matriz que atribui sentido a uma prática educativa que só pode alcançar efetividade e eficácia na medida da participação livre e crítica dos educandos. É um dos princípios essenciais para a estruturação do círculo de cultura, unidade de ensino que substitui a “escola”, autoritária por estrutura e tradição. Busca-se no círculo de cultura, peça fundamental no movimento de educação popular, reunir um coordenador a algumas dezenas de homens do povo no trabalho comum pela conquista da linguagem. O coordenador, quase sempre um jovem, sabe que não exerce as funções de “professor” e que o diálogo é condição essencial de sua tarefa “a de coordenar, jamais influir ou impor”. (WEFFORT apud FREIRE, 2006c, p. 13)

A riqueza de suas obras ensinam-nos muito mais que uma teoria, um

método de ensino. Elas nos ensinam que uma educação emancipadora se

constrói na prática educativa cotidiana, na relação dialógica entre professores e

alunos. Um processo onde as contradições são evidenciadas para serem

superadas numa perspectiva humanista. Uma verdadeira relação de poder

compartilhada entre os agentes do processo ensino aprendizado. Um

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conhecimento que não é compartilhado, que é apenas transmitido, não pode ser

problematizado, não é uma práxis verdadeiramente cidadã.

5.1.1 Etapas de formação

A investigação: nessa etapa, são levantadas as palavras e os temas mais

significativos e com uma maior riqueza silábica da vida concreta dos alunos,

dentro de seu universo vocabular e da comunidade onde eles vivem.

A tematização: essa é a etapa de tomada de consciência do mundo,

através da análise dos significados sociais dos temas e palavras.

A problematização: nessa etapa, evidencia-se a necessidade de uma

ação concreta sobre o real; o professor desafia e inspira o aluno a superar a

visão mágica e acrítica do mundo, para uma postura conscientizada.

As palavras geradoras: o processo de alfabetização inicia-se pelo

levantamento do universo vocabular dos alunos. Através de conversas

informais, o educador observa os vocábulos mais usados pelos alunos, e,

assim, seleciona as palavras que servirão de base para as lições. Depois de

composto o universo das palavras geradoras, elas se apresentam em cartazes

com imagens. Então, nos círculos de cultura, inicia-se uma discussão onde os

alunos são incentivados a expressar-se para significá-las na realidade daquela

turma.

A silabação: uma vez identificadas, cada palavra geradora passa a ser

estudada, através da divisão silábica, semelhantemente ao método tradicional.

Cada sílaba desdobra-se em sua respectiva família silábica, com a mudança da

vogal. Exemplo: la, le, li, lo, lu.

As palavras novas: o passo seguinte é a formação de palavras novas.

Usando as famílias silábicas agora conhecidas, o grupo forma palavras novas.

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A conscientização: esse é o processo de formação da consiência crítica,

onde se busca uma relação entre a teoria e a prática, entre o conteúdo e a vida

concreta dos alunos. Aqui se faz a discussão sobre os diversos temas surgidos

a partir das palavras geradoras. Para Paulo Freire, alfabetizar não pode se

restringir aos processos de codificação e decodificação. Dessa forma, o objetivo

da alfabetização de adultos é promover a conscientização acerca dos problemas

cotidianos, a compreensão do mundo e o conhecimento da realidade social.

5.1.2 As fases de aplicação da pedagogia dialógica

1ª fase: Levantamento do universo vocabular dos grupos com quem se

trabalhará. Nessa fase, ocorrem as interações de aproximação e conhecimento

mútuo, através de encontros informais, bem como a anotação das palavras da

linguagem dos membros do grupo, respeitando as expressões típicas de cada

povo.

2ª fase: Escolha das palavras selecionadas do universo vocabular

pesquisado, seguindo os critérios de riqueza fonêmica, dificuldades fonéticas –

numa seqüência gradativa das mais simples para as mais complexas, do

comprometimento pragmático da palavra na realidade social, cultural, política do

grupo.

3ª fase: Criação de situações existenciais características do grupo. São

situações-problemas inseridas na realidade local, que devem ser discutidas com

o intuito de abrir perspectivas para a análise crítica consciente de problemas

locais, regionais e nacionais.

4ª fase: Elaboração das fichas-roteiro que funcionam como roteiro para os

debates, as quais deverão servir como subsídios, nunca como uma prescrição

rígida a ser seguida.

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5ª fase: Criação de fichas de palavras para a decomposição das famílias

fonéticas correspondentes às palavras geradoras.

Essa trajetória da pedagogia dialógica continha, ao mesmo tempo, uma

crítica radical ao que ele chamaria de educação bancária e uma proposta de

educação emancipatória como prática de liberdade em vista de maior igualdade

sócio-cultural.

5.1.3 Educação bancária

Paulo Freire não acreditava na educação tradicional. Para ele, ela era

responsável pelo fracasso de tantos alunos nas escolas brasileiras. Para

alfabetizar, principalmente jovens e adultos, era preciso uma metodologia que

partisse da realidade concreta em que o educando se encontrava. O educador

não pode ser aquele que apenas se ocupa em transmitir um conhecimento

pronto, definido por um currículo fechado, era preciso pensar a realidade,

partindo dos problemas vividos pelos educandos. Para Freire, a pedagogia, o

currículo e a vida social e política precisam passar por uma revolução, aquela

capaz de emancipar o educando e torná-lo sujeito de sua história.

A educação bancária é aquela exercida como prática de dominação,

apenas o educador é sujeito, aquele que sabe, o aluno objeto, aquele que não

sabe, são vasilhas a serem enchidas, o educador deposita comunicados que

estes recebem, memorizam e repetem. Não existe ali uma relação dialógica,

mas uma imposição de saberes determinados, a prática educacional é

totalmente verbalista, dirigida para a transmissão e avaliação de conhecimentos

abstratos, numa relação vertical, o saber é dado, fornecido de cima para baixo,

uma relação autoritária, pois, na educação bancária, manda quem sabe. Nesse

processo, o educando é um ser passivo, um objeto que recebe a doação do

saber do educador, sujeito único de todo o processo. Esse tipo de educação

pressupõe um mundo harmonioso, no qual não há contradições, daí a

conservação da ingenuidade do oprimido, que, como tal, se acostuma e

acomoda no mundo conhecido, o mundo da opressão.

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A narração, de que o educador é o sujeito, conduz os educandos à memorização mecânica do conteúdo narrado. Mais ainda, a narração os transforma em “vasilhas”, em recipientes a serem “enchidos” pelo educador. Quanto mais vá “enchendo” os recipientes com seus “depósitos” tanto melhor educador será. Quanto mais se deixem docilmente “encher”, tanto melhores educados serão. Desta maneira, a educação se torna um ato de depositar, em que os educandos são os depositários e o educador o depositante. Em lugar de comunicar-se, o educador faz “comunicados” e depósitos que os educandos, meras incidências, recebem pacientemente, memorizam e repetem. Eis aí a concepção “bancária” da educação, em que a única margem de ação que se oferece aos educandos é a de receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-los. Margem para serem colecionadores ou fichadores das coisas que arquivam. No fundo, porém, os grandes arquivados são os homens, nesta (na melhor das hipóteses) equivocada concepção “bancária” da educação. Arquivados, porque, fora da busca, fora da práxis, os homens não podem ser. Educador e educandos se arquivam na medida em que, nesta distorcida visão da educação, não há criatividade, não há criatividade, não há transformação, não há saber. Só existe saber na invenção, na reinvenção, na busca inquieta, impaciente, permanente, que os homens fazem no mundo, com o mundo e com os outros. Busca esperançosa também. (FREIRE, 2005, p. 66-67)

Na concepção “bancária” que estou criticando, para a qual a educação é

o ato de depositar, de transferir, de transmitir valores e conhecimentos, não se

verifica, nem pode verificar-se, essa superação. Pelo contrário, refletindo a

sociedade opressora, sendo dimensão da “cultura do silêncio”, a “educação”

“bancária” mantém e estimula a contradição.

Daí, então que nela:

a) o educador é o que educa; os educandos, os que são educados;

b) o educador é o que sabe; os educandos, os que não sabem;

c) o educador é o que pensa; os educandos os pensados;

d) o educador é o que diz a palavra; os educandos, os que a escutam

docilmente;

e) o educador é o que disciplina; os educandos, os disciplinados;

f) o educador é o que opta e prescreve sua opção; os educandos, os que

seguem a prescrição;

g) o educador é o que atua; os educandos, os que têm a ilusão de que atuam,

na atuação do educador;

h) o educador escolhe o conteúdo programático; os educandos, jamais ouvidos

nessa escolha, acomodam-se a ele;

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i) o educador identifica a autoridade do saber com sua autoridade funcional, o

que opõe antagonicamente à liberdade dos educandos; estes devem adaptar-se

às determinações daquele;

j) o educador, finalmente, é o sujeito do processo; os educandos, meros objetos.

Se o educador é o que sabe, se os educandos são os que nada sabem, cabe àquele dar, entregar, levar, transmitir o seu saber aos segundos. Saber que deixa de ser de “experiência feito” para ser de experiência narrada ou transmitida. Na verdade, o que pretende os opressores “é transformar a mentalidade dos oprimidos e não a situação que os oprime”, e isto para que, melhor adaptando-os a situação, melhor os dominem. A questão está em que pensar autenticamente é perigoso. O estranho humanismo desta concepção “bancária” se reduz à tentativa de fazer dos homens o seu contrário – o autômato, que é a negação de sua ontológica vocação de ser mais. (FREIRE, 2005, p. 68-70) A educação bancária é a educação em que o professor é quem dá a última palavra, devendo os alunos aceitar passivamente o que ele diz. Dessa forma, o único que pensa é o professor, cabendo aos alunos apenas receber os depósitos que o professor faz dos conhecimentos que possui (como sucede num banco quando se deposita dinheiro). A educação bancária é domesticadora porque busca controlar a vida e a ação dos alunos, proibindo-os de exercer seu poder criativo e transformador. (GADOTTI, 2004, p. 151)

5.1.4 A concepção problematizadora e libertadora da educação

Para Freire, a educação não é neutra, mas sim uma ação cultural que

resultaria numa relação de dominação ou de liberdade entre os seres humanos.

Certo de que o Brasil era dividido em classes com interesses vitais antagônicos,

ele identificava, aqui, a existência de uma educação voltada para a dominação.

Nela, a seu ver, o processo educativo seria rígido, autoritário e avesso ao

diálogo com os educandos. Formava educadores empenhados na formação da

docilidade e passividade dos educandos, uma educação formal e distante da

realidade social da maioria dos jovens brasileiros. A educação bancária era de

interesse das elites brasileiras, mas, do outro lado estavam as classes

trabalhadoras que careciam de uma pedagogia libertadora que poderia dar

conhecimentos e suscitar reflexões que lhes possibilitassem tomar consciência

de serem explorados e de que poderiam mudar tal situação. Necessariamente,

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essa pedagogia teria de ser flexível, participativa e incentivar ao máximo o

diálogo entre educadores e educandos.

Um educador humanista, revolucionário, não há de esperar esta possibilidade. Sua ação, identificando-se, desde logo, com a dos educandos, deve orientar-se no sentido da humanização de ambos. Do pensar autêntico e não no sentido da doação, da entrega do saber. Sua ação deve estar infundida da profunda crença nos homens. Crença no seu poder criador. Isto tudo exige dele que seja um companheiro dos educandos, em suas relações com estes. É que, se os homens são estes seres da busca e se sua vocação ontológica é humanizar-se, podem, cedo ou tarde, perceber a contradição em que a “educação bancária” pretende mantê-los e engajar-se na luta por sua libertação. (FREIRE, 2005, p. 71)

Uma educação como prática da liberdade toma como referência a própria

história dos educandos, problematiza as relações de exploração existentes na

sociedade, conscientiza a todos que a realidade não é algo dado, imutável, mas

dinâmico e capaz de transformar-se. Uma educação libertadora enfrenta as

contradições sociais, posiciona-se diante dela, propõe uma práxis libertadora.

Alfabetizar é conscientizar e não manipular seres dóceis e passivos, ela se

torna expressão da luta dos homens por uma cidadania plena: política, social,

religiosa, econômica e cultural.

A educação “bancária”, em cuja prática se dá a inconciliação educador-educandos, rechaça este companheirismo. E é lógico que seja assim. No momento em que o educador “bancário” vivesse a superação da contradição já não seria “bancário”. Já não faria depósitos. Já não tentaria domesticar. Já não prescreveria. Saber com os educandos, enquanto estes soubessem com ele, seria sua tarefa. Já não estaria a serviço da desumanização. A serviço da opressão, mas a serviço da libertação. (FREIRE, 2005, p. 71)

Uma pedagogia dialógica exige que o educador assuma uma postura de

respeito pelo educando, pela sua história. Ela parte da realidade vivida para

uma realidade transformada. Segundo Freire, para passar da consciência

ingênua à consciência crítica, é necessário um longo percurso, no qual o

educando rejeita a hospedagem do opressor dentro de si, que faz com que ele

se considere ignorante e incapaz. É o caminho de sua auto-afirmação enquanto

sujeito. A educação problematizadora exige um constante diálogo entre o

educador e o educando, uma relação dialética, transformadora e revolucionária.

Esse diálogo permite ultrapassar o imediato vivido, permite uma visão das

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contradições, ambos, educador/educando, buscam a transformação através da

consciência crítica.

”Uma educação problematizadora baseia-se na criatividade e possibilita

uma reflexão e uma ação crítica sobre a realidade, comprometidas com a

transformação social” (GADOTTI, 2004, p. 151).

Na década de 1990, Freire dedicou-se, em seus livros, aos problemas da

sociedade pós-moderna, preocupado com a diversidade cultural, e com o

respeito pelo diferente, com a intolerância que provocava a violência na

sociedade contemporânea, ele propunha uma educação para a diversidade,

uma ética da diversidade e uma cultura da diversidade. Para ele, uma

sociedade multicultural deve educar o ser humano multicultural, capaz de ouvir,

de prestar atenção ao diferente, respeitá-lo. Nesse novo cenário da educação,

será preciso reconstruir o saber da escola e a formação do educador. Não

haverá um papel cristalizado, tanto para a escola quanto para o educador. Em

vez da arrogância de quem se julga dono do saber, o professor deverá ser mais

criativo e aprender com o aluno e com o mundo. Numa época de violência, de

agressividade, o professor deverá promover o entendimento com os diferentes,

e a escola deverá ser um espaço de convivência, onde os conflitos são

trabalhados, não camuflados.

A educação verdadeiramente humana compreende o cidadão na sua

totalidade, não apenas no cognitivo escolar tradicional. O olhar da escola está

sempre voltado para o educando em toda a sua humanidade, em todas as suas

necessidades. Ela conduz o aluno ao conhecimento da sua realidade, do saber

que transforma, que o permite se apropriar da cultura. A relação dialógica entre

educador/educando é o único caminho para derrubar o autoritarismo da

educação tradicional “bancária”. Uma educação libertadora respeita a

diversidade cultural, o pluralismo de idéias, ela é reflexiva e crítica, portanto,

revolucionária. Enquanto em nossas escolas encontrarmos alunos passivos,

dóceis, conformados com as relações de dominação, é porque nessas escolas

encontramos educadores autoritários, que, mesmo sem saber, prestam serviço

para as elites que não desejam mudanças. Paulo Freire foi um porta-voz da

esperança. Ele acreditava na educação como uma ferramenta política a serviço

da transformação social. Em seu livro Pedagogia da autonomia, ele proclama a

verdadeira vocação do educador progressista:

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Sou professor a favor da decência contra o despudor, a favor da liberdade contra o autoritarismo, da autoridade contra a licenciosidade, da democracia contra a ditadura de direita ou de esquerda. Sou professor a favor da luta constante contra qualquer forma de discriminação, contra a dominação econômica dos indivíduos ou das classes sociais. Sou professor contra a ordem capitalista vigente que inventou esta aberração: a miséria na fartura. Sou professor a favor da esperança que me anima apesar de tudo. Sou professor contra o desengano que me consome e imobiliza. Sou professor a favor da boniteza de minha própria prática, boniteza que dela some se não cuido do saber que devo ensinar, se não brigo por este saber, se não luto pelas condições materiais necessárias sem as quais meu corpo, descuidado, corre o risco de se amofinar e de já não ser o testemunho que deve ser de lutador pertinaz, que cansa más não desiste. Boniteza que se esvai de minha prática se, cheio de mim mesmo, arrogante e desdenhoso dos alunos, não canso de me admirar. (FREIRE, 1996, p. 102-103)

Ao escolher Paulo Freire como referência para esta pesquisa, assumi o

desafio de investigar o nível de presença de uma pedagogia na qual uma

educação autoritária que “tudo sabe” em detrimento do aluno que “nada sabe”.

Assumi, com a perspectiva freireana, uma postura político-pedagógica em prol

de uma escola pública e de qualidade que faça do educando um sujeito do

processo ensino/aprendizado. Sabe-se do quanto a pedagogia da repetência

joga sobre o aluno a responsabilidade do fracasso escolar. Sabe-se, por outro

lado, o quanto a educação escolar pode propiciar aos membros das classes

populares uma via para a sua emancipação, pela mudança radical de um

sistema econômico que deixa milhões de cidadãos na miséria, enquanto uns

poucos gozam de todo conforto e privilégios. Tomar esse referencial é insistir na

dinâmica em que a educação escolar, ao emancipar as pessoas, coloca-as em

posição de combater as desigualdades sociais e suas conseqüências. No dia 19

de setembro de 1983, Paulo Freire recebeu uma carta de uma turma de alunos

da primeira série de ensino fundamental, nela, as crianças foram incisivas:

“estamos escrevendo-lhe para pedir-lhe que continue sempre amando as

crianças”. Em sua resposta ele reafirma seu compromisso de querer bem aos

meninos e as meninas, e conclui: “eu amo muito a vida”. Em seus escritos,

sempre afirmou que educar é um gesto de amor, um amor comprometido com

aqueles que aprendem, compromisso que se renova a cada cidadão

alfabetizado, capaz de fazer uma leitura do mundo. Uma educação onde o

professor é o sujeito e o aluno objeto do processo de ensino/aprendizado forma

cidadãos passivos, não permite aos alunos exercer seu poder criativo e

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transformador da realidade por eles vivida. Ensinar a ler e a escrever é

importante, na medida que acompanha uma reflexão crítica sobre o que se lê e

o que se escreve. Um conteúdo contextualizado e problematizado produz um

processo verdadeiro de conhecimento, e um educador dialógico contribui para a

formação de educandos emancipados. Parece ecoar, nos ouvidos de todos os

educadores e educadoras do Brasil: continuem sempre amando as crianças.

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6 AS RELAÇÕES DE PODER ENTRE PROFESSOR/ALUNO NA

ESCOLA MUNICIPAL “CAPELA NOVA” DE BETIM

As relações sociais dão-se dentro de uma realidade vivida por sujeitos

concretos nela inseridos. A divisão da sociedade em classes interessa àqueles

que lucram apropriando-se dos meios de produção. Nessas relações, existe

uma grande maioria de pessoas que são orientadas, ao longo da sua formação,

para se tornarem mão-de-obra. São aqueles que vendem sua capacidade de

trabalho em troca dos bens de que necessita para a sua sobrevivência. Apenas

uns poucos são formados para sustentar a ordem vigente. São os donos dos

meios de produção. A educação não é, e não pode ser neutra nessas relações.

Ou ela reproduz a ordem vigente ou ela busca transformá-la. Uma educação

voltada para os interesses das classes dominantes legitima e contribui para se

perpetuar a situação de dominação de uma classe sobre a outra. Mas, uma

educação dialógica, problematizadora e conscientizadora, tem o poder de

preparar a classe dominada para a transformação da sua realidade.

Paulo Freire acredita que a vocação verdadeira da educação é a de

humanizar os homens para transformar o mundo, ou seja, ao despertar a

curiosidade no educando para a compreensão da realidade, ele se torna capaz

de reiventar o mundo à sua volta, e, portanto, provocar uma reordenação social.

O aprendizado só ocorre quando o aluno se apropria do conhecimento, da

cultura à sua volta, e, a partir disso, compreender sua existência concreta para

provocar mudanças de ordem política, cultural, social, religiosa e econômica.

Uma educação bancária, não problematizadora, transforma os educandos em

objetos passivos nas mãos do mercado, das elites dominantes. Ela não provoca

uma reflexão verdadeira capaz de incomodar uma situação dada, pois ela

interessa à manutenção do poder dominante que não deseja mudanças

estruturais em uma sociedade desigual como a nossa.

O conhecimento, pelo contrário, exige uma presença curiosa do sujeito em face do mundo. Requer sua ação transformadora sobre a realidade. Demanda uma busca constante. Implica em invenção e em reinvenção. Reclama a reflexão crítica de cada um sobre o ato mesmo de conhecer, pelo qual se reconhece conhecendo e, ao reconhecer-se assim, percebe o “como” de seu conhecer e os condicionamentos a que está submetido seu ato. (FREIRE, 1977, p. 27)

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A realidade encontrada nas relações entre os professores e os alunos

aqui pesquisados está inserida num contexto histórico que pode me ajudar a

compreender as dificuldades que os professores têm, até os nossos dias, de

estabelecer uma relação dialógica de dominação quanto da história da evolução

da educação escolar no Brasil submetida às várias formas de poder autoritário,

desde os jesuítas até as formas mais recentes da ideologia neo-liberal. Embora

os professores tenham tido uma formação em escolas que destilaram esse

ethos de dominação, a educação também sofreu contornos próprios de uma

concepção democrática e emancipatória.

Conhecer é tarefa de sujeitos, não de objetos. E é como sujeito e somente enquanto sujeito, que o homem pode realmente conhecer. Por isto mesmo é que, no processo de aprendizagem, só aprende verdadeiramente aquele que se apropria do aprendido, transformando-o em apreendido, com o que pode, por isto mesmo, reinventa-lo; aquele que é capaz de aplicar o aprendido-apreendido a situações existenciais concretas. (FREIRE, 1977, p. 27-28)

Procurei, aqui, explicitar o olhar que tive diante de um grupo de

professores e alunos. Esse olhar vem das observações, dos questionários e

entrevistas que fiz. Procurei compreender as relações entre esses agentes,

buscando perceber se ambos são sujeitos do aprendizado, e se o conhecimento

é capaz de contribuir para a formação de sujeitos emancipados ou se é apenas

reprodutora de conteúdos prontos; se o currículo vindo de um modelo

progressista, como o ciclo de formação humana implantado há 10 anos nessa

instituição, produziu efeitos na vida escolar e cotidiana dos alunos. As

observações, os conceitos obtidos pelos alunos no primeiro trimestre do ano

letivo, os questionários aplicados aos alunos, e, principalmente, as entrevistas,

expressão da realidade vivida por professores e alunos dentro da escola

pesquisada.

Esta pesquisa, que tem como um de seus objetivos verificar o conflito

entre esse ethos e uma outra concepção, foi realizada com três turmas do

último ano do ensino fundamental na rede municipal da cidade de Betim. O

trabalho de campo utilizou-se de métodos qualitativos para analisar as relações

de poder existentes no interior da escola, mais especificamente um estudo de

caso. A pesquisa consistiu de observações do cotidiano da escola: sala de aula,

recreio e merenda, sala de professores, reuniões pedagógicas, pesquisas

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realizadas pelos alunos e professores na biblioteca, realizei também um

questionário que foi aplicado nas três turmas, e, por fim, realizei entrevistas do

tipo semi-estruturadas com sete professores e seis alunos, sendo um casal de

cada turma.

A rede municipal de Betim adotou, a partir de 1998, o ciclo de formação

humana como seu modelo de educação, gradativamente todas as escolas da

rede vão conhecendo e modificando seu currículo para atender às novas

necessidades. O novo modelo recebe o nome de “Escola Democrática”.

Baseado na teoria construtivista, ele surge com o projeto de acabar com o

modelo reprodutivista e excludente da seriação, diminuir a evasão, acabar com

a reprovação, melhorar a qualidade do ensino oferecido à comunidade de Betim.

Nesse modelo o educador crítico é o articulador do processo ensino/

aprendizado, dentre suas funções podemos destacar:

I. O professor (“pedagogo”), neste processo, é guia e orientador da atividade construtiva do aluno, garante que este se aproxime de forma progressiva do conteúdo escolar. O professor atua como o mediador entre a atividade construtiva do aluno e o conhecimento escolar. II. O educador é o agente responsável pela coordenação da dinâmica de ensino / aprendizagem e pela organização e ampliação da produção cultural no espaço escolar. III. O conhecimento e o saber social, em geral, são conteúdos culturais coletivamente construídos e historicamente acumulados, portanto, aluno e professor são sujeitos ativos, inteligentes e autônomos que se relacionam dialogicamente no processo de ensino / aprendizagem. IV. As ações pedagógicas, além de propiciarem a potencialização de competências e habilidades cognitivas, devem promover: o fortalecimento da motivação, a elevação da auto-estima, o prazer de estudar, a formação de atitudes morais, o estímulo à criatividade, a intesificação de atividades lúdicas, o exercício pleno e consciente da cidadania e do trabalho produtivo. (BETIM, 1998a, p 39-41)

Hoje, as escolas municipais de Betim estão integradas, e têm em comum,

além do sistema de ciclo, um único regimento. A rede é dividida em três

Regionais Pedagógicas, que, dentre outras coisas, promovem encontros entre

diretores, pedagogas, professores para aprofundar a reflexão sobre o currículo,

a avaliação, evasão, reprovação, formação continuada, etc.

A escola Capela Nova faz parte desse sistema, e, nela, todos os

profissionais parecem estar conscientes da importância do ciclo na formação

dos seus alunos. Mas o processo de passagem do sistema seriado para o

sistema de ciclo, que vem se concretizando há 10 anos na rede, não se dá da

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noite para o dia, nem de um ano para outro. Uma mudança como essa parece

levar tempo para ser assimilada por todos os agentes envolvidos no processo.

As frases usadas com mais freqüência no cotidiano escolar lembram-me o

sistema seriado. Dentre elas, posso destacar: “em qual série você está? O

exercício vale ponto professora? Quem não estudar vai tomar bomba no final do

ano...”. A prática cotidiana de meus professores remete-nos, com mais

freqüência, a um modelo tradicional, seriado, e, em nossa cultura escolar, bem

marcado por reprovações e punições.

No ciclo de formação humana, a avaliação dos processos é contínua e

não compreendem apenas o conhecimento cognitivo dos alunos, mas todos os

agentes e processos do ensino aprendizado. O sistema de avaliação não se

utiliza de notas, mas de conceitos que classificam os alunos em O (Ótimo), B

(Bom) e AD (A Desejar). Existe um boletim de desempenho escolar que a

Secretaria Municipal de Educação manda para todas as escolas utilizarem para

avaliação dos alunos (ver Anexo). Ele segue com as seguintes orientações: o

ensino fundamental da rede municipal de Betim está organizado em Ciclos de

Formação Humana, de acordo com a seguinte distribuição: 1º ciclo: 6, 7 e 8

anos; 2º ciclo: 9 e 10 anos; 3º ciclo: 11 e 12 anos; 4º ciclo: 13 e 14 anos.

A partir das idéias construtivistas incorporadas pela pedagogia, a avaliação escolar passa a ser considerada componente pedagógico processual, abrangendo toda a experiência escolar: planejamento, desenvolvimento e verificação do ensino e da aprendizagem; ou seja, a avaliação precisaria levar em conta todas as dimensões da formação humana, tendo em vista o acompanhamento, a análise e a interpretação cotidianas das ações individuais e coletivas dos educandos, face às suas características e demandas socioculturais e aos objetivos didáticos da escola. Seria um processo avaliativo formativo e diagnóstico, tributário dos seguintes critérios metodológicos principais: contextualização sócio-temporal e sociocultural dos educandos; elaboração de memoriais ou registros históricos de vida; registro sistemático de pareceres/relatórios descritivos, individuais e coletivos; constituição de conselho pedagógico para debate e deliberação coletiva a respeito da avaliação final de cada aluno/turma/ciclo, pelo menos bimestralmente; reunião, por etapa, dos membros da comunidade escolar para avaliação do processo de ensino/aprendizagem. (BETIM, 1998a, 45-46. In: BETIM, 2007, p. 88)

O boletim orienta as escolas para uma avaliação constante, qualitativa,

visando a apontar os avanços e as novas necessidades dos alunos.

Considerando a avaliação, a escola deverá oferecer sempre novas e diversas

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oportunidades de aprendizagem aos alunos, a fim de atender às necessidades

apontadas. A escola poderá apresentar à família outros critérios de avaliação,

de acordo com as propostas do coletivo. São 26 itens a serem avaliados nos

três trimestres do ano letivo, e os conceitos utilizados por toda a rede são os já

mencionados acima: O (Ótimo), B (Bom), AD (A Desejar). Dentre os aspectos

avaliados, podemos destacar: a freqüência e a pontualidade dos alunos, a

participação nas aulas, o cumprimento de tarefas, a cooperação, o respeito, a

compreensão de textos, o conhecimento de operações matemáticas, a

participação em atividades interdisciplinares e o reconhecimento dos valores

culturais e sociais das instituições de que participa.

A escola municipal Capela Nova valoriza a organização, através da

disciplina dos alunos nas mais diversas características: o uso adequado do

uniforme, o cumprimento de horários de chegada e de intervalos de aulas, o

cumprimento de tarefas, o respeito aos professores e demais funcionários, a fila

de merenda. Não é permitido o uso de boné dentro das salas de aula. Nas

aulas, os alunos são organizados em filas indianas. As pedagogas convocam

reuniões periódicas com os pais dos alunos, entre outras dimensões. Todas as

sextas-feiras, no início da aula, os alunos e professores são convidados pelo

diretor para cantarem juntos, no pátio, o Hino de Betim e o Hino Nacional

Brasileiro. Esse espaço é também utilizado para dar orientações para as turmas

e passar informações sobre eventos e lembrar os alunos das normas da escola.

Os alunos com problemas de disciplina são advertidos pelos professores.

Alguns escrevem bilhetes nos cadernos dos alunos e pedem para rever o

mesmo assinado pelos pais no outro dia. Os alunos são encaminhados para a

direção onde são aconselhados e advertidos. Faz-se um registro da ocorrência,

a direção convida os pais para participar do ocorrido, e, nos casos mais graves,

os alunos sofrem penalidades como a suspensão de aulas por tempo

determinado. Os alunos com dificuldades de aprendizado têm sua situação

avaliada nas reuniões pedagógicas, nelas participam as duas pedagogas e os

professores. Das duas reuniões acompanhadas por nós, o professor de

educação física não participou. Não participaram, também, representantes da

direção nem dos alunos ou pais. Nas reuniões, são avaliadas, turma por turma,

aluno por aluno, os principais problemas apresentados pelos professores são

relacionados com a disciplina e com a dificuldade de aprendizado (falta de

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atenção nas aulas, falta de interesse com a matéria, não fazem as atividades

em casa, tiram notas baixas nas avaliações).

Esta pesquisa teve como foco principal 86 alunos do último ano do ensino

fundamental (8ª série). Eles foram divididos em três turmas que estudam no

período da manhã na escola que chamamos de Capela Nova de Betim. Cada

turma recebe um título simbólico. Para cada ano do ciclo, existe um número e

para cada turma do mesmo ano uma letra do alfabeto (Ex: três turmas da quinta

série, 89J, 89K, 89L). Para a minha identificação, classificarei as três turmas em

08A, 08B, 08C.

As aulas no turno da manhã começam as 7:00 horas e terminam as 11:25

horas. São quatro aulas por dia: de primeira aula, de 7:00 às 8:05; segunda

aula, de 8:05 às 9:10; intervalo (recreio e merenda), de 9:10 às 9:25; terceira

aula, de 9:25 às 10:25; quarta e última aula, de 10:25 às 11:25. São 20 aulas

semanais, divididas em oito disciplinas, ministradas por oito professores (ver

quadro em anexo). Nesta pesquisa, entrevistei sete professores e seis alunos

(um casal de cada uma das três turmas). Todos tiveram seus nomes alterados,

bem como os demais alunos das três turmas. O ano letivo é dividido em três

períodos avaliativos, ou seja, três trimestres (1º trimestre: fevereiro, março e

abril, 2º trimestre: maio, junho e agosto, 3º trimestre: setembro, outubro e

novembro). No final de cada período, o conselho de classe, formado pelos oito

professores e duas pedagogas, reúne-se e avalia o rendimento dos alunos.

Os oito professores formam um coletivo na escola que atendem seis

turmas, todos eles atendem as três turmas do último ano do ensino fundamental

aqui pesquisadas. Eles cumprem uma carga horária de trabalho semanal de 24

h/a semanais. Essa carga horária é distribuída em aulas, planejamento,

estudos, atendimento a pequenos grupos de alunos e reuniões. Durante a

pesquisa, consegui acompanhar a rotina de todos os oito professores em sala

de aula, onde procurei observar como se dá a relação de poder aí existente.

Foram feitas entrevistas com sete dos oito professores; apenas com o professor

de Educação Física não foi possível, pois, nos dias marcados para a entrevista,

não consegui encontrá-lo.

Esses professores estão na rede municipal de Betim, num período médio

de 11 anos, e há 5 anos, também num período médio, na escola pesquisada.

Todos os professores têm um histórico com a educação em Betim. Tem-se uma

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professora que está na rede há 23 anos, e os mais novos há 6 anos. Temos

professores que estão lotados na Escola há 11 anos e até um recém chegado

no ano de 2007. Essa diversidade forma o coletivo de professores que atendem

às turmas do último ano do ensino fundamental por nós pesquisadas.

Ao observar a prática dentro da sala de aula, percebi que ela é focada no

conteúdo, no cognitivo. Os professores parecem acompanhar um programa de

atividades, mas essas atividades dizem respeito apenas ao conteúdo

programático. Para o professor, o aluno não aprende porque não presta a

atenção na aula, não faz o dever de casa, os pais não acompanham, e já vêm

com defasagem anterior. Os professores usam, com freqüência, o quadro que é

de pincel, para exposição do conteúdo. As avaliações têm notas. As notas das

avaliações são a principal referência do professor para classificar o aluno. Os

professores transformam as notas em conceito, e levam para a reunião

pedagógica onde os alunos serão avaliados e classificados como bons ou maus

alunos. Isso significa que a prática cotidiana dentro da sala de aula reflete, em

muito, o modelo seriado.

Durante a pesquisa, observei, com freqüência, a falta de interesse de

grande parte dos alunos das três turmas com as aulas, nas mais diversas

disciplinas. Alunos que não faziam o dever de casa, não levavam material

adequado para a aula, não acompanhavam o raciocínio do professor, em

algumas aulas os professores interromperam o raciocínio várias vezes para

pedir silêncio, “prestem atenção isso vai cair na prova”, dizia o professor, mas

sem muito sucesso. Alunos pareciam não compreender a relação entre o

conteúdo das disciplinas e sua vida cotidiana. Os conteúdos pareciam muito

distantes dos desejos dos alunos, e o resultado disso apareceu nas notas, no

resultado dos alunos no primeiro trimestre de 2007.

Durante a explicação do conteúdo, a professora de inglês Flávia

pergunta: “por que aprender esse ‘saco’ de verbo To Be”? Ela procura usar fatos

do cotidiano dos alunos para explicar a importância do verbo to be, mas, ainda

assim, muitos alunos ficam dispersos. Em uma aula com a turma 08C, a

professora organiza a turma em filas indianas. O tema dessa aula era “simple

present tense”. Flávia procura manter a disciplina, e, no decorrer da aula, até

encaminha dois alunos para a direção por causa da conversa. Depois disso, os

alunos amedrontados ficam em silêncio o resto da aula. No fim da aula, a

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professora passa o resultado das provas para os alunos; diz que a prova vale 20

pontos dos 30 pontos do trimestre, e diz, ainda, que os alunos devem atingir

60% da nota para ficar na média.

Em aulas de inglês com as outras turmas, 08A e 08B, a professora

procura acompanhar os alunos, dando visto nos cadernos daqueles que fazem

as atividades. Explica o conteúdo, pedindo a participação dos alunos, usando

fatos do cotidiano para atrair a atenção de todos na aula. Ela pede a todos que

refaçam a prova no caderno. Orienta os alunos para fazer as questões que

acertaram a caneta, e, as que erraram, fazer a lápis para serem corrigidas em

aula.

Cada professor, a seu modo, com sua metodologia, em sua disciplina

isolada, tenta transmitir conteúdos para os alunos, mas todos reclamam da falta

de compromisso dos mesmos. Marlene, professora de ciências, ao comentar o

resultado das provas com a turma 08B diz: “os alunos estão perdidos por falta

de compromisso, mas Deus existe, há salvação”. Os resultados são

desanimadores, a grande maioria dos alunos não teve notas boas; 68% dos

alunos das três turmas ficaram com o conceito mais baixo AD (A Desejar), 31%

dos alunos tiveram o conceito B (Bom), e apenas um aluno das três turmas teve

o conceito O (Ótimo). O assunto do dia é sobre átomos, e esse parece não

prender a atenção dos alunos que conversam muito, não param quietos em

seus lugares. Em outra aula, com a mesma turma, a professora percorre as

carteiras dando visto nos cadernos. Alguns alunos não fizeram os exercícios, e

vão levar bilhete para os pais assinarem.

Em uma aula de ciências com a turma 08C, Marlene passa de carteira em

carteira, conferindo a prova colada no caderno e assinada pelos pais, prova que

reflete o resultado da turma no primeiro trimestre, em que 82% dos alunos

tiraram o conceito AD, esse foi o resultado mais negativo de uma turma em uma

disciplina no período avaliado; 18% tiraram B e nenhum aluno tirou o conceito O

no primeiro trimestre de 2007. Aqui, comecei a justificar porque classifiquei as

turmas em 08A, 08B e 08C, se é que o resultado do período pode classificar

alguma das três turmas em A. Ciências foi a disciplina em que os alunos das

três turmas mais foram classificados com o conceito AD (A Desejar), 57 dos 86

alunos.

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Mirian, professora de geografia, procura usar de recursos didáticos mais

atrativos em suas aulas. Ela buscou, nos temas atuais, um documentário sobre

o aquecimento global chamado “Uma verdade inconveniente”, que retrata os

problemas conseqüentes do aquecimento global. Após o vídeo, organiza os

alunos em forma de U para um debate que parece que desperta a preocupação

dos alunos com o clima do Planeta. Ela pede aos alunos para responderem

algumas questões no caderno, a respeito do documentário sobre o aquecimento

global, um aluno pergunta: “valendo quantos pontos professora?” Os alunos

brincam e conversam muito, e a professora encaminha um aluno para continuar

suas atividades na biblioteca.

Em uma conversa informal, Mirian afirmou que a turma 08C tem uma

defasagem de aprendizado e dificuldades de disciplina, e que, não fosse o ciclo,

a não retenção, esses alunos já teriam abandonado a escola, a seriação os teria

excluído. Em uma reunião pedagógica, foi proposto deixar a turma

permanentemente no formato de U para facilitar o aprendizado e o contato

direto dos professores com os alunos, proposta essa que não deu certo.

Na observação em uma aula de história do professor Júlio com a turma

08C, o professor passa no quadro um trabalho para os alunos fazerem

extraclasse. Os alunos conversam muito enquanto copiam do quadro as

orientações para o trabalho. O tema do trabalho era “A unificação da Itália e

Alemanha”. O trabalho deveria ser todo manuscrito e teria o valor de 10 pontos.

A turma permanece muito agitada, conversa e brinca muito, e, de certa forma,

até faltando o respeito uns com os outros. Em uma aula com a turma 08A, Júlio

pede aos alunos para produzirem uma redação com base nas informações nos

textos trabalhados em sala de aula, onde os alunos imaginam como seriam suas

vidas no Brasil do século XIX. O texto deveria ser produzido em sala, ter no

mínimo de 20 linhas e teria o valor de 10 pontos. Os alunos permanecem

agitados, conversam muito, alguns não muito interessados em fazer a atividade

proposta. O professor adverte os alunos, informando o valor da atividade e que

iria recolher a redação naquela aula.

Júlio também desenvolve um projeto de jogos de xadrez na escola, onde

é escolhido, a cada período, um grupo de quatro alunos de cada turma em que

o mesmo trabalha para aprender e desenvolver a concentração, o raciocínio

lógico e a disciplina que o jogo exige. Os alunos selecionados são

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principalmente aqueles com dificuldades de aprendizado e problemas com a

disciplina, e que têm o desejo de melhorar o seu desempenho e a sua

capacidade de concentração. Segundo o professor, são 28 alunos envolvidos no

projeto, divididos em quatro horas/aula por semana, período de atendimento dos

mesmos.

Em cada aula, os processos se repetem. Alguns professores conseguem

prender mais a atenção dos alunos, seja pelo conteúdo, pela empatia com a

turma, seja pela autoridade, seja pelo diálogo. Roberta, professora de artes,

parece ser bem próxima dos alunos. Nas aulas observadas, foi possível

perceber um afeto entre a professora e os alunos das três turmas. Essa boa

relação afetiva refletiu nos resultados, e o conceito dos alunos das três turmas

em artes foi melhor do que em outras disciplinas. Quase a metade dos alunos

ficou com o conceito O. Roberta também procura participar e promover projetos

junto aos alunos. Ela organizou, junto com a professora de português, uma

excursão com as turmas para ir ao cinema ver o filme do Homem Aranha. Em

uma aula com a turma 08A, ela passa um texto sobre o expressionismo com

algumas questões para os alunos responderem. Afirma que esse faz parte de

um projeto que culmina com a pintura em tela, que será feita por alunos das três

turmas.

Na maioria das aulas, existe uma distância entre o conteúdo e o desejo

dos alunos em aprender. Os professores até percebem essa distância e

justificam-na com a falta de compromisso dos alunos com os estudos. Nas

reuniões pedagógicas que acompanhei, as discussões eram sempre em torno

da falta de compromisso dos alunos. A todo o momento, os professores pediam

às pedagogas que chamassem os pais de alunos para cobrar mais compromisso

dos filhos com relação aos estudos. Em nenhuma reunião, em nenhum

momento, foi feita uma auto-avaliação, ou seja, avaliaram-se os processos de

ensino aprendizado, o modelo que mais se aproxima da seriação que do ciclo,

em nenhum momento os conteúdos foram avaliados, os métodos de cada

professor foram avaliados.

Nas aulas de matemática com o professor Renato, os alunos fazem

muitos exercícios para aprender o conteúdo. Em uma aula com a turma 08A,

passa 10 questões no quadro de equações do segundo grau, permite que os

alunos respondam em duplas e circula pela sala dando orientações. Renato, em

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uma aula com a turma 08C, passa seis questões e começa a resolver uma no

quadro, na tentativa de os alunos acompanharem seu raciocínio. Ele fala aos

alunos: “quem não trouxer a prova assinada pelos pais na próxima aula vai para

a direção”. O professor circula pela sala dando orientações para a turma que

conversa muito e parece ter dificuldades em responder as questões.

A professora de português Marta é considerada “muito brava” pelos

alunos. Ela tem 23 anos de rede e há seis anos leciona na escola. Em todas as

aulas observadas, a professora mantém a disciplina rigorosa dentro de sala e

envolve os alunos o tempo todo com atividades. Em uma aula com a turma 08C,

diante do desinteresse da turma que, em sua maioria, não fez as atividades,

afirma: “porque não fizeram as atividades, não trazem os livros, porque não

valorizam, é porque é de graça, se tivesse que pagar talvez vocês valorizassem

mais”. Ela divide um texto em cinco partes, e seleciona alunos para lerem em

voz alta, todos os alunos acompanham a leitura em silêncio. Marta mantêm um

controle constante da disciplina na sala. Ao ouvir uma conversa, ela interrompe

a leitura e manda calar a boca. “Não consigo dar aula com barulho”, diz ela. Em

sua aula com a turma 08B, a professora distribui as provas que valeram 20

pontos, esses transformados em conceito ficam da seguinte forma: de 0 a 7

pontos = MC (muito crítico) conceito não muito usado; de 8 a 11 pontos = AD;

de 12 a 15 pontos = B; e de 16 a 20 pontos = O. Numa turma de 29 alunos,

apenas um tirou nota correspondente ao conceito O.

Na Escola Capela Nova de Betim, tem duas quadras poliesportivas, uma

coberta e outra não coberta. O professor Luiz começa as aulas reunindo os

alunos para dar orientações. Ele adverte os alunos a respeito do uso adequado

do uniforme de educação física, depois pede a todos que façam alongamentos,

correm em volta da quadra, e, por fim, são liberados para os jogos. Os meninos

jogam futsal em uma das quadras e as meninas jogam vôlei na outra quadra.

Luiz divide seu tempo entre ambos e até joga uma partida de futsal com os

meninos e outra de vôlei com as meninas. Nessa disciplina, 72% dos alunos

tiveram o conceito O. Essa é uma aula em que o desejo de participar está

sempre presente, e os alunos parecem envolvidos pela aula e reclamam quando

chega a hora de parar, de sair da quadra. Nas aulas de educação física não tem

matéria para a prova, não tem a prova, não tem nota, e os alunos gostam de

participar.

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Acompanhei duas reuniões pedagógicas no período de pesquisa. Em

ambas as reuniões, sete, dos oito professores, participaram; apenas o professor

Luiz, de educação física, não participou de nenhuma das duas. O objetivo das

reuniões era o de avaliar o desempenho dos alunos durante o período letivo,

todos os professores fazem suas avaliações e as pedagogas anotam para

possíveis encaminhamentos: conversar com alunos indisciplinados, resolver

problemas de alunos com dificuldades de aprendizado, chamar os pais para

uma reunião. Os professores escolhem, no final de cada etapa, um aluno de

cada turma como “destaque”, aquele que se comportou melhor em sala, fez as

atividades, cumpriu horário, tirou notas boas nas provas, enfim, o destaque é

aquele aluno que teve um melhor desempenho em todas as disciplinas.

Na segunda reunião pedagógica observada, que se realizou no dia 16 de

maio, os professores e as duas pedagogas analisam a situação dos alunos das

três turmas no primeiro trimestre de 2007. A avaliação é feita turma por turma e

aluno por aluno. A reunião se ocupa em avaliar o desempenho dos alunos.

Entre os bons alunos de cada turma, escolhe-se um “destaque da turma”. Entre

os alunos com resultados ruins, as mais diversas avaliações: conversa muito em

sala e não presta a atenção, falta muito, chega sempre atrasado na sala, não

faz atividades extraclasse, falta de compromisso com os estudos, aluno fraco e

com dificuldades de aprendizado, aluno indisciplinado (mal educado, agressivo,

problemático), aluno que não faz nada em sala e deve ser retido no final do ano,

a turma 08C é homogênea negativa, não tem referência positiva na turma,

comenta uma professora. No final da reunião, o resultado: uma lista de nomes

de alunos com problemas para as pedagogas convocarem os pais para uma

reunião. Os pais devem cobrar dos filhos um maior compromisso com os

estudos.

O fraco desempenho dos alunos parece ser esperado, e é tratado com

naturalidade por todos, ninguém faz qualquer reflexão a respeito do grande

número de alunos que teve um desempenho ruim no período. O fracasso,

segundo os docentes, é todo dos alunos, pois foram eles que não se

comportaram bem, brincaram, não estudaram como deveriam. Em nenhum

momento, a reunião direciona a sua reflexão sobre os métodos de ensino, sobre

os fins do ciclo de formação humana, sobre outras possíveis causas do fracasso

dos alunos no primeiro trimestre desse ano. Para ser aprovado, ele precisa

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saber o mínimo de conteúdo, se ele não sabe ler bem, não sabe interpretar, e

não saber fazer operações lógicas, ele precisa ser retido. O problema é que não

há uma reflexão dos motivos dessa deficiência, não se fazem encaminhamentos

no sentido de sanar essas deficiências. O desinteresse dos alunos pelos

conteúdos é tratado com rigor, pois, se não melhorarem, serão retidos no final

do ano.

Quando se fala no perigo de o aluno “passar de ano sem ter aprendido” em virtude da inovação introduzida (passar de ano), parece que o problema é muito mais, ou exclusivamente, que ele passe de ano e não que ele não aprenda. Isto aparece claramente na argumentação (altamente recorrente entre os contrários à promoção) de que, com a progressão continuada, o aluno tem chegado (ou pode chegar) à oitava série sem nada saber. Até aqui, parece não considerarem, essas pessoas, que o grave de um aluno chegar à oitava série sem aprender seja o fato de ele não ter aprendido, não o fato de ele chegar à oitava série; e que isto é uma questão pedagógica, não mera questão de passar ou não de ano. (PARO, 2001, p. 113)

Nas três tabelas abaixo temos o resultado do primeiro trimestre desse ano

dos alunos das três turmas do último ano do ensino fundamental pesquisadas

por nós. Os nomes de todos os alunos foram alterados, e os alunos em itálico

são alunos que foram entrevistados nesta pesquisa.

TABELA 17

Conceito dos alunos da turma “08A” no primeiro trimestre de 2007

ALUNO (A) 08ª

PORT. INGL. ARTES ED. FÍS.

GEOG. HIST. MAT. CIÊNC

01 – Adalberto B O O O AD AD B B 02 – Bruno AD AD B O AD AD B AD 03 – Luiz B B B O B AD B AD 04 – Fabrício AD B AD B AD- B AD AD 05 – Leandro AD B AD O AD B AD AD 06 – César B AD AD O AD AD AD AD 07 – Fábio O B O O AD B B AD 08 – Marcos ? AD AD B AD- AD AD AD 09 – Julio B B B O B B B AD 10 – Paulo B B O O B B B AD 11 – Ricardo AD AD AD O AD AD AD AD 12 – Henrique B O O O B B O O 13 – Vitor AD AD AD B AD- AD AD AD- 14 – Maria B O O O B B AD B 15 – Raquel B O B O B B B B 16 – Rubia B O O B B B B B 17 – Carolina O O O O O B O B 18 – Juliana O O O O B B B AD

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ALUNO (A)

08ª PORT. INGL. ARTES ED.

FÍS. GEOG. HIST. MAT. CIÊNC

19 – Carina B O O O B B B B 20 – Ludmila O O O O O B O B 21 – Silvana B O O B O B B B 22 – Luciana B B O O B B O B 23 – Alice B B B O B B B B 24 – Heliana B O O O B B B B 25 – Fernanda B O B O O B B B 26 – Paula O O O O O O O B 27 – Marta B O O O B B B B 28 – Luana B O O O O B B B 29 – Carolina B O O O B AD B B

TABELA 18

Conceito em porcentagem da turma “08A” – 29 alunos

DISCIPLINA Conceito O Conceito B Conceito AD

Português 05a – 18% 18ª – 64% 05a – 18% Inglês 16a – 55% 08ª – 28% 05a – 17% Artes 17a – 58% 06ª – 21% 06a – 21% Ed. Física 24a – 83% 05ª – 17% 00a – 00% Geografia 06a – 21% 14ª – 48% 09a – 31% História 01a – 03% 20ª – 69% 08a – 28% Matemática 05a – 17% 17ª – 59% 07a – 24% Ciências 01a – 03% 16ª – 55% 12a – 41%

TABELA 19

Conceito dos alunos da turma “08B” no primeiro trimestre de 2007

ALUNO (A) 08B

PORT. INGL. ARTES ED. FÍS.

GEOG. HIST. MAT. CIÊNC.

01 – Gláucio B O O AD B B O B 02 – Gustavo AD AD AD O B B B AD 03 – Carlos B O O O O O O B 04 – Leonardo B AD B O B AD B AD 05 – Felipe AD AD AD O AD AD AD AD 06 – Henrique B B O O B B O B 07 – Ricardo B AD O O AD AD B AD 08 – Paulo AD - AD O AD AD - - 09 – Milton B AD B B B B B AD 10 – Julio AD AD AD O AD B AD AD 11 – Gilberto AD AD B O AD AD AD AD 12 – Marcos AD AD B O B B AD AD 13 – Sandro AD AD AD AD AD AD AD AD 14 – Fernanda AD AD B B AD B B AD 15 – Camila B AD B O AD- AD AD AD 16 – Alice AD AD B O AD AD B AD 17 – Luciana B B O O B B B AD 18 – Leandra B B O O B B B B 19 – Vanda B B O O AD AD AD AD

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ALUNO (A)

08B PORT. INGL. ARTES ED.

FÍS. GEOG. HIST. MAT. CIÊNC.

20 – Neide AD AD AD O AD B AD AD 21 – Maria B O O O AD B B AD 22 – Bruna B AD B O AD B B AD 23 – Vanessa B B O O B B B AD 24 – Bruna AD - - - - AD - - 25 – Michele B O O B B B B AD 26 – Otávia AD B O O AD AD AD AD 27 – Laura AD AD B B AD- AD AD AD 28 – Silvia AD ? B O AD B AD AD 29 – Kenia B O O B B B O B

TABELA 20

Conceito em porcentagem da turma “08B” – 29 alunos

DISCIPLINA Conceito O Conceito B Conceito AD

Português 00a – 00% 15a – 52% 14a – 48% Inglês 05a – 19% 06a – 23% 15a – 58% Artes 12a – 43% 10a – 36% 06a – 21% Ed. Física 21a – 75% 05a – 18% 02a – 07% Geografia 01a – 04% 11a – 39% 16a – 57% História 01a – 03% 16a – 56% 12a – 41% Matemática 04a – 15% 12a – 44% 11a – 41% Ciências 00a – 00% 05a – 19% 22a – 81%

TABELA 21

Conceito dos alunos da turma “08C” no primeiro trimestre de 2007

ALUNO (A) 08C

PORT. INGL. ARTES ED. FÍS.

GEOG HIST. MAT. CIÊNC

01 - Augusto B AD O O O B O B 02 – Luiz AD AD AD AD AD- AD AD- AD 03 – Gabriel AD B B O AD AD AD- AD 04 – Carlos AD AD AD AD AD- AD ? AD 05 – Sandro B B B O ? - B AD 06 – Walisson B O O O B AD B AD 07 – Gustavo AD AD B O AD B AD AD 08 – Paulo AD B O O AD B B B 09 – Leonardo B O O O AD B B B 10 – Vinícius AD B B AD AD AD B AD 11 – Deivisson AD B B B AD AD AD- AD 12 – César AD B B O B AD B B 13 – Rafael AD B B O B AD O AD 14 – Jairo AD B B O AD AD AD B 15 – João AD AD AD AD AD- AD AD- AD- 16 – Carolina B B O O B B B AD 17 – Maria AD AD AD AD AD AD- AD 18 – Aparecida AD O AD AD AD B AD 19 – Rafaela AD B AD AD AD AD AD 20 – Juliana B O O AD AD AD AD

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ALUNO (A)

08C PORT. INGL. ARTES ED.

FÍS. GEOG HIST. MAT. CIÊNC

21 – Gisele AD AD O AD AD AD AD 22 – Patrícia AD O AD AD AD B AD 23 – Cristina O O B B B AD AD 24 – Laura B B O AD B O AD 25 – Roberta B O O B B O AD 26 – Paula B O B B AD B AD 27 – Cássia B B B AD B AD AD 28 – Marilene AD B O AD AD AD- AD

TABELA 22

Conceito em porcentagem da turma 08C – 28 alunos

DISCIPLINA Conceito O Conceito B Conceito AD

Português 01a – 04% 10a – 36% 17a – 60% Inglês 02a – 12% 09a – 56% 05a – 32% Artes 11a – 39% 12a – 43% 05a – 18% Ed. Física 16a – 57% 04a – 14% 08a – 29% Geografia 01a – 04% 06a – 23% 19a – 73% História 00a – 00% 09a – 33% 18a – 67% Matemática 04a – 15% 10a – 37% 13a – 48% Ciências 00a – 00% 05a – 18% 23a – 82%

TABELA 23

Conceito em porcentagem das três turmas no primeiro trimestre de 2007 – 86

alunos

DISCIPLINA Conceito O Conceito B Conceito

AD Português 06a – 07% 43a – 51% 36a – 42% Inglês 23a – 32% 23a – 32% 25a – 36% Artes 40a – 47% 28a – 33% 17a – 20% Ed. Física 61a – 72% 14a – 16% 10a – 12% Geografia 08a – 10% 31a – 37% 44a – 53% História 02a – 02% 45a – 53% 38a – 45% Matemática 13a – 16% 39a – 47% 31a – 37% Ciências 01a – 01% 26a – 31% 57a – 68%

As tabelas mostram que os resultados dos alunos no primeiro trimestre de

2007 não foram bons. Nas três turmas, houve um grande número de alunos que

não teve bons resultados. As disciplinas em que os alunos mais tiveram

dificuldades e ficaram com o conceito AD foram ciências e geografia, com mais

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de 50% dos alunos A Desejar. O conceito Ótimo não foi alcançado por mais de

10% dos alunos em quatro disciplinas: ciências, história, português e geografia.

Isso revela um alto grau de dificuldade que os alunos tiveram em aprender os

conteúdos de cada disciplina, durante os meses de fevereiro, março e abril de

2007.

Comparando as três turmas, podemos perceber que a turma 08A teve os

melhores resultados ou os resultados menos ruins. A turma teve o maior índice

de O e o menor índice de AD, e, ainda assim, em história e ciências, apenas um

aluno alcançou o conceito O; em português e matemática, 5; e em geografia, 6

dos 29 alunos da turma alcançaram o conceito O. Em todas as disciplinas, essa

foi a turma que teve o menor índice de AD. Mesmo assim, 12 alunos ficaram

com esse conceito em ciências, pouco se comparado com as duas outras

turmas. Em todas as minhas conversas com os professores, nas entrevistas e

reuniões pedagógicas, essa era a turma mais elogiada, ou seja, os alunos

melhor conceituados das três turmas do último ano do ensino fundamental.

A turma 08B, considerada intermediária, boa de aprendizado, mas que

conversa muito, a maioria dos alunos é desinteressada, não faz atividades e

não tem compromisso com os estudos. Eles também não tiveram bons

resultados no período avaliado. Em português e ciências, nenhum aluno

alcançou o conceito O, e, em geografia e história, apenas um aluno alcançou o

conceito O, e em educação física um grande número de alunos alcançou o

conceito O; 21 alunos, e, em artes, 12 alunos. Já o conceito AD atingiu um

grande número de alunos, na maioria das disciplinas. Vinte e três dos 29 alunos,

ficaram com AD em ciências, ou seja, 81% da turma, 58% em inglês e 57% em

geografia.

A turma 08C é considerada a mais fraca das três turmas do último ano do

ensino fundamental, os alunos são os de mais baixo nível econômico, são os

que têm maior dificuldades de aprendizado, carregam um histórico escolar cheio

de problemas, alguns alunos são agressivos e indisciplinados. Os resultados

foram os piores no período avaliado. Conceito O parece ser uma raridade entre

os alunos, dos 28 alunos, 16 em educação física e 11 em artes; em inglês, a

maior parte da turma teve o conceito intermediário B. Nas outras cinco

disciplinas o que prevaleceu mesmo foi o conceito AD: 23 alunos em ciências,

19 alunos em geografia, 18 alunos em história, 17 em português e 13 em

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matemática. Como uma professora comentou em reunião, essa é uma turma

homogênea negativa. Veremos, a seguir, como os professores demonstram as

contradições existentes entre as três turmas.

6.1 A avaliação das três turmas na visão dos profes sores

A professora Flávia, de inglês, numa avaliação das turmas diz: “a turma

08A indiscutivelmente é a melhor, extremamente agitada, fala demais, eu acho

que eles desperdiçam muito esse potencial que eles tem por causa dessa

conversa, de algumas picuinhas, por brigas entre si, o relacionamento entre eles

as vezes é muito agressivo, então as vezes você tem que intervir, mais eles tem

um potencial enorme, muito grande mesmo. A turma 08B é uma turma que eu

chamo de preguiçosa, ‘eu só vou pensar se me apertar’, mas que eles dão

conta, eles dão conta ainda, inclusive é a turma que teve o pior rendimento

apesar de ser melhor do que a 08C, eles relaxaram um pouco e eu chamei a

atenção deles. A turma 08C esse ano tá me surpreendendo porque sempre foi

uma turma com dificuldades, faz três anos que eu trabalho com eles. Como o

inglês são dois professores, a minha proposta de trabalho é a seguinte: ir com

eles até o final, se eu comecei com eles na quinta e eles passam para a sexta

eu também vou dar aulas na sexta, quando eles passarem para a sétima eu vou

para a sétima, isso quer dizer que eu vou ter um trabalho único, um processo de

quatro anos, quinta, sexta, sétima e oitava, ou seja, terceiro e quarto ciclos, tá

vendo a gente nem consegue falar ciclo ainda, a gente só fala seriação mesmo,

então tem alunos que eu conheço há três anos, quando a gente senta para fazer

um conselho de classe algum professor fala, aquele aluno é isso e isso, eu falo

que é porque você não o conheceu há três anos, há três anos ele era muito

diferente e talvez no seu conceito muito pior, ele evoluiu sim, evoluiu como

pessoa, ficou mais maduro. Eu tô achando a 08C muito mais madura, brinca

menos, fala de coisas mais sérias, a 08B ainda não tem essa maturidade, mas

eles estão preocupados com a oitava série que é o último ano, tem retenção,

então eles estão suando a camisa para recuperar esse tempo, essa dificuldade,

eles são alunos que têm dificuldade. A turma 08A não se preocupa com isso,

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eles sabem que vão passar, às vezes o grande problema da turma 08A é esse,

eles sabem que eles podem, eles sabem que eles conseguem, e às vezes o

relacionamento deles com as outras turmas não é um relacionamento bom por

causa disso, eles se acham os melhores, eles são bons, eles são os melhores,

mas não precisa ser uma coisa para humilhar o colega, para subjugar o colega

não, mas eles estão aprendendo”.

Na avaliação feita pela professora Flávia, vemos a distinção entre as três

turmas. A turma A tem um rendimento melhor; a turma 08B, um rendimento

fraco; e a turma 08C teve um rendimento ruim. Com essa opinião parecem

concordar todos os professores. A avaliação da professora Marta, de português,

é: “dos cinco anos que eu estou aqui, essas são as turmas mais fracas que eu

já tive, são as turmas com mais dificuldades cognitivas, dificuldades em

interpretação, leitura, escrita, eles tem preguiça de ler, não gostam de ler, são

apáticos, de todos esses anos eu achei que essas turmas são as mais fracas.

Agora eu tive também um problema de tempo com redução de módulo, projetos,

feriados, eu sinceramente eu fui olhar no meu caderno o que eu dei até agora

nesse primeiro trimestre é exatamente a metade do que eu dei no ano passado,

eu fiquei muito chateada com isso, eu falei não é possível, então tem vários

fatores, eu não falto, eu estou aqui todos os dias, mas eu não consigo, por mais

que a gente tente os meninos são mais lentos, e talvez até a gente também, não

vamos falar que são só eles, não sei o que está acontecendo, mas o

desempenho deles não foi bom, foi bem fraco mesmo, achei terrível. Antes,

quando a gente ia fazer um conselho da turma 08A, a gente pegava só uns três

alunos com B por isso apenas, que era no ano passado a gente tinha uma turma

que a gente chamava de turma 08A, esse ano a gente não tem mais, tem que ir

aluno por aluno e tem alguns conceitos A naquela turma o restante foi tudo B,

então é uma coisa de se estranhar, eu acho que eu poderia ter rendido muito

mais, eu como professora, eu tentei variar nas atividades, tirei vários xerox, fiz

vários debates, sentei em rodinhas, na hora da gramática eu fiz tudo

contextualizado, peguei muita atividade do diagnóstico que eles fizeram da

regional, erraram, apliquei de novo e mesmo assim o rendimento foi muito

baixo, eu vou ter que me reavaliar no segundo semestre e ver como eu vou

conduzir essas aulas porque foi muito fraco, foi terrível”.

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A constatação dos maus resultados dos alunos, de uma maneira geral, na

etapa avaliada, aparece nas entrevistas de todos os professores. A professora

de geografia, Mirian, faz uma reflexão sobre a dificuldade de os alunos

aprenderem na sala de aula: “Essa é uma questão muito grande do

desinteresse do aluno, eu acho que a competição tá muito grande com os meios

de comunicação, os alunos tem acesso a televisão, computador, internet, essa

mídia toda aí que realmente passa as informações de uma maneira muito mais

prazerosa do que o professor. Então, a escola deixou de dar prazer para o

aluno, até é um caso para se pensar de novas estratégias de aula para ver se

há um interesse do aluno, mas há um desinteresse muito grande. Vários

colegas falam que tem que voltar como era antigamente e dar nota, tirar

vermelho o aluno que não pegou média. Eu até acho que não, acho que é

retroceder, a gente tem que estar evoluindo, a gente tem que de alguma forma

tá chamando a atenção desse aluno, tá fazendo ele se interessar, na maioria

das vezes é porque ele não sabe, se ele não sabe ele não vai ter interesse,

como que ele vai fazer uma avaliação de matemática se ele não aprendeu, não

entendeu e não sabe, vai haver um desinteresse realmente, eu acho que tem

que arrumar outras estratégias, eu acho que o grande numero de AD foi isso,

mais a falta de interesse do aluno”.

Para o professor Renato, de matemática, o diagnóstico não é diferente.

Ele aponta características das três turmas: “A turma 08A é uma turma com

muita energia né, a maioria porque tem alguns que não, mas a maioria esforça,

tem energia e transmite essa energia para o conteúdo, alem de transmitir essa

energia para outras coisas, como um pouco de indisciplina, bagunça, também a

relação de um aluno com o outro que é um pouco agressiva, então é uma turma

mais agitada, por eu ter dado aula nas oitavas nos anos passados essa não é

uma turma das melhores, mais é uma turma que investe. Agora a 08B é uma

turma mais apática, você vê que os alunos têm potencial, alguns tem potencial

mais não tem aquela energia, não tem aquele interesse de querer avançar, de

querer saber mais, prefere ficar mais quieto, então é muito apática, né. E a 08C

também é diferente, ela já tem dificuldade mesmo de disciplina e dificuldade de

aprendizagem, considerada apática eu acho que não, mas ela tem muita

dificuldade, então se torna mais difícil né, querem aprender, mas tem muita

dificuldade, eu falo isso de um modo geral da turma, não 100%”.

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A professora Roberta, de artes, traça um pouco do perfil de cada uma das

turmas: com a turma 08A no início do ano, eu tive muitos problemas, eles são

imaturos, mas a gente sentou muito, conversou muito, discutiu. Tinha dia que eu

não dava aula porque eu tirava aquele horário para sentar com eles, olha não

está bom, não é assim, não esta rendendo. Eles são capazes, é uma turma

muito capaz, mas muito imatura e agora eu vejo que no final do semestre eles

amadureceram, melhoraram demais, as minhas aulas melhoraram muito, o

nosso relacionamento melhorou muito, é a turma que eu mais gosto de levar.

Agora a turma 08B, eles caíram muito de produção, é uma turma que conversa

muito, que não leva muito a sério, que não era assim para quem acompanha

desde o ano passado. Essa turma tem perfil de projeto, então às vezes eu

penso que ela não rende porque muitos professores, dois ou três, é o mínimo,

não são a favor de projeto, e eu como gosto de projeto, como o perfil da turma é

de projeto, lá naquela sala eu tenho uma turma, um grupo, né, que a gente fez

um grupo de percussão e de coral, então no tempo que eu trabalhei com eles no

ano passado eles renderam muito. Esse ano, como a gente não trabalhou muito

essa questão de grupo, eles apresentaram duas vezes só e a gente não

conseguiu ensaiar mais músicas, não conseguiu criar por falta de tempo na

escola, eu acho que eles caíram. Agora a 08C é uma turma que tem muitos

problemas, eles não acreditam em si, auto-estima muito baixa, você tem que

estar o tempo todo incentivando, eles precisam de incentivo o tempo todo para

estudar, e eu sou madrinha de turma lá, então tudo o que acontece, eles dizem,

o professora me ajuda, eu estou sempre à disposição deles, mas é muito difícil

lidar, quando o aluno chega ao ponto de achar que a nossa turma é a pior, a

nossa turma não consegue, nós somos fracos, lá o lema deles é esse, nós não

conseguimos, nós não vamos conseguir. No início do ano, o coletivo dos

professores fez um combinado de estar trabalhando mais individual e agora no

finalzinho do semestre eles deram uma melhorada muito boa, que a gente

conseguiu levantar a auto-estima com recadinhos, atividades, com excursões

que nós fizemos com eles, com atividades diferentes que eu fiz em sala,

atividade prática, trabalhei muito a questão da criatividade, da habilidade, que

eles fizeram e viram que são capazes, que eles conseguem, então eles

melhoraram muito. O meu relacionamento com as três turmas é muito bom”.

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As opiniões sobre cada uma das turmas são bem semelhantes entre os

professores. Para o professor Júlio, de história, fazer uma avaliação é difícil

quando os alunos não querem contribuir. Ele diz o seguinte: “Difícil, a turma 08A

é uma turma com maior facilidade de aprendizagem, conversam ao extremo,

mas ultimamente tem ocorrido uma melhora de maneira que eu consiga até dar

aulas. A 08B apresentou uma melhora, mas lá alem da questão da conversa tem

a questão do desinteresse, então os meninos precisariam ter um pouco mais de

interesse. E na 08C, acho muito complicado porque os meninos simplesmente

não entendem, não conseguem acompanhar a matéria e aí ficam

desinteressados mesmo, conversam, você esta explicando e eles estão

conversando, estão trocando ofensas, a questão da higiene pessoal de repente

o menino entra com um mau cheiro danado de CC e aí todo mundo começa a

encher a paciência do menino então é muito complicado”.

A professora de ciências, Marlene, fez, após o diagnostico ruim das

provas, uma auto-avaliação com as três turmas: “Na 08A, o resultado não foi

novidade porque lá tem alunos com um potencial melhor, eles têm uma

capacidade no nível da idade deles né, foi bom, muito bom, quando eu falei com

eles, eu tava blefando, minha aula até o fim do ano vai ser assim, porque é

assim que tem que ser e é assim que vai ser, eu blefei usei o poder de

professora, mas foi assim que eu consegui, no dia que eu vejo que o pessoal tá

assim eu vou e releio pra eles o que eles propuseram, nessa sala foi assim que

resolveu, eu levei a sério como eles também levaram muito a sério essa auto-

avaliação, porque foi uma avaliação que eu pedi para eles justificar o porque do

resultado ruim da prova e se eles estavam pondo a culpa em alguém, na turma,

no colega que eles justificassem também isso, na professora, então tá, porque

que a culpa é da professora, o que a professora tá deixando a desejar, então

eles foram muito francos, falaram mesmo, teve aluno que falou da professora e

eu não levei para caso particular, não convoquei nenhum pai para vir a escola e

vieram cinco pais por espontânea vontade dessa turma, então funcionou eu

acho que foi um ponto muito positivo no meu trabalho. Na 08B, eu fiz a mesma

coisa, só que na 08B já é, não veio nenhum pai para reclamar do resultado da

prova e os resultados foram muito parecidos com a turma 08C. Lendo a

avaliação, eu percebi que eles não levam muito a sério, eles justificam assim, o

ruim sou eu, eu vou melhorar, eu prometo melhorar, aquela coisa vaga sem

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comprometimento mesmo, o que você vai melhorar, o que você vai fazer para

melhorar, a turma 08A fez assim, a 08B deixou a desejar. A turma 08C aí que,

Nossa Senhora, o negócio assim, não adiantou absolutamente nada, porque eu

pedi, eles me entregaram em pedaços de papel rasgado, eu pedi para eles

escrever de próprio punho não precisava ser digitado, numa folha de caderno,

que eu ia grampear na prova cujo resultado foi ruim, o que desencadeou todo

esse processo de auto-avaliação. Aí, na turma 08C, a mesma orientação que eu

dei nas três turmas né, me entregaram papel rasgado, essa turma tem que ser

feito um trabalho diferente, uma linha só, nossa é ruim mesmo, não teve nem

como tabular, aí eu desisti, voltei lá na sala e justifiquei, gente não tem como tá

lendo isso aí, o que alguns fizeram, aquele papel rasgado eles simplesmente

pegaram a mesma frase escreveram numa folha limpinha do caderno e me

entregaram, não era só a estética, da formalidade da entrega, eu queria que

eles melhorassem, enriquecesse aquilo, mas eu não consegui, não foi possível

naquela sala”.

Os depoimentos dos professores são unânimes em afirmar que os alunos

são os grandes responsáveis pelo fracasso que tiveram no primeiro trimestre de

2007. A falta de interesse e de dedicação dos alunos aos estudos são as

grandes causas apontadas pelos professores, e a solução parece simples:

estudar mais, prestar a atenção nas aulas, cumprir todas as tarefas, fazer

silêncio quando o professor estiver explicando a matéria. Apenas a professora

Mirian, de geografia, faz uma reflexão sobre os métodos de ensino. Ela acredita

que é preciso despertar no aluno do desejo pelo saber. Para ela, o uso da nota,

a volta à seriação seria um retrocesso que prejudicaria os alunos.

PARO (2006), ao tratar dos conselhos de classe, diz:

por isso, a preocupação com o provimento de um ensino de qualidade para a população deve priorizar formas eficazes de se proceder à avaliação do processo escolar. Os conselhos de classe, por exemplo não podem continuar sendo instâncias meramente burocráticas, onde se procura apenas justificar o baixo rendimento do aluno, colocando a culpa em fatores externos à escola. É preciso prever instrumentos institucionais que avaliem não apenas o rendimento do aluno, mas o próprio processo escolar como um todo, com a presença de alunos e de pais, pois eles são os usuários da escola e a eles compete apontar problemas e dar sugestões de acordo com seus interesses. (PARO, 2006, p. 80-81)

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Nos conselhos, as avaliações voltavam-se sempre para as dificuldades

dos alunos; eles eram os responsáveis pelos maus resultados que tiveram no

primeiro trimestre. Os professores afirmavam que se os alunos não

melhorassem, muitos seriam retidos no final do ano. Não houve, nas duas

reuniões observadas, uma avaliação dos processos de ensino/aprendizado.

Pais e alunos que não participaram das reuniões deveriam ser chamados

posteriormente para serem informados sobre o resultado das reuniões.

6.2 As práticas educacionais: ciclo e seriação, na visão dos professores

Voltamos, então, aos princípios do ciclo de formação humana, reforçados

no boletim de desempenho escolar que orienta que a avaliação é constante,

qualitativa, e visa a apontar os avanços e as novas necessidades dos alunos.

Considerando a avaliação, a escola deverá oferecer, sempre, novas e diversas

oportunidades de aprendizagem aos alunos, a fim de atender as necessidades

apontadas. Nossos professores encontram dificuldades para concretizarem a

passagem da seriação para o ciclo. Em vários momentos, misturam os dois

modelos educacionais, parecem ter criado uma terceira via adaptando ciclo e

seriação, não perceberam que não existe aprendizado sem prazer; sem o

desejo dos alunos de aprender, essa seria uma batalha sem vencedores. Sem

rever os métodos e sem pensar nas necessidades de cada uma das três turmas,

os objetivos certamente não seriam alcançados. O que fazer com esse

diagnóstico, como melhorar o conceito dos alunos, como despertar o desejo

pelo saber, como diminuir e/ou eliminar as diferenças de aprendizado entre as

três turmas, uma vez que a formação da maioria deles vem da mesma escola,

com os mesmos professores? As respostas vêm dos depoimentos dos

professores entrevistados.

No depoimento da professora de Flávia, ela mostra sua iniciativa isolada

com relação aos resultados dos alunos: “depois da prova, eu não espero o fim

do trimestre, a prova foi um fracasso, então vamos ver tudo de novo, porque

então talvez eu não soube passar, ou explicar de uma forma que eles

conseguissem compreender, então vamos tentar de novo de outra forma, eu não

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espero chegar até o final do trimestre, eu espero ver o resultado, o resultado

não foi bom, agora eu sempre olho pela quantidade, se tem uma turma que tem

30 alunos, 28 foram bem e dois não foram, esses dois alunos, eu tento trabalhar

com eles separadamente mas eu não posso excluir o meu aluno que tá

caminhando, porque é dois tipos de exclusão, a exclusão por saber e por não

saber, então por exemplo eu tenho duas aulas de APG na sexta feira, são

alunos com dificuldades, às vezes eu combino, olha me procura nesse horário,

pede licença ao seu professor para me procurar aí eu ensino algumas táticas,

algumas estratégias para ele estudar. Uma aluna fez um caderno de verbo, por

exemplo, porque ela não sabia os verbos em inglês, o outro me procurou, só

que isso também tá deixando a desejar, infelizmente nós temos um grande

problema de falta aqui, eu também faltei um tempo porque eu tive um problema

de saúde, falta de professores, eu fiquei 9 ou 11 dias de licença médica então

alguém me cobriu, se alguém falta eu cubro também, então nós fazemos 24

horas e 4 horas são de estudo, mas essas 4 horas são pagas para que, se faltar

um professor, o aluno não fique sem aula. Então o que vai prevalecer, o APG ou

é a aula, é a aula, eu tive dois momentos de APG nesse primeiro semestre,

sexta feira é geralmente o dia que mais falta professor. Na semana passada,

faltaram 4. Isso prejudica, são questões pessoais, questão de saúde, mas não é

da minha alçada julgar, mas tá previsto que a minha obrigação é tá em sala.

A professora Marta faz uma avaliação dos processos formativos, como é

a prática da escola com relação ao diagnóstico dos alunos: “Olha, a prática da

escola é assim, no conselho pedagógico a gente faz assim, pega os alunos que

nós mesmos vamos conversar, porque às vezes uma simples conversa com o

menino, uma dica de estudo já resolve, alguns mais críticos a gente anotou para

chamar os pais colocando para eles, talvez tirar do aluno o que ele mais gosta e

dar para ele um horário de estudo. A gente propõe também para que ele faça

amizade com alguém que dê conta dos conteúdos para ele interagir com o

colega, a gente incentiva assim, mas eu dos meninos que falei que ia conversar,

eu conversei só com dois, eu falei que ia conversar com cinco e conversei só

com dois e os dois mudaram muito, eu fiquei muito feliz, foi a Maíra da 08C ela

faltava demais e depois que eu conversei com ela, ela vem todos os dias e

melhorou muito e conversei com outro que não é das turmas 08 não, mas os

outros eu não conversei ainda, os pais a gente liga, eles não podem, eles não

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vêm, eles vão vir no final do ano porque os meninos vão ser retidos, aí eles vêm

e choram, mais a maioria dos pais que a gente anotou não vem. Agora na sala

de aula eu, não é um trabalho coletivo, é um trabalho individual, eu chego perto

do menino, converso com ele, eu chego até a arrancar as folhas do caderno

dele que eu não gostei, arranco e agora vai começar de novo, eu tento assim

dessa forma e sempre no início do ano eu passo algumas regras básicas para

eles, se você pegar o caderno da turma 08A lá do início do ano, aí você vai ver

na primeira folha tá lá, como você deve estudar, que horas você vai fazer o

dever, que você tem que ler, eu chamo assim, 10 dicas para começar o ano 10,

esse ano eu dei esse titulo para esse incentivo, aí há uns 10 dias atrás, eu voltei

na página 1 do meu caderno, falei pra eles vamos voltar na página 1 no primeiro

dia de aula, dia 27 de janeiro, volta aí para ver o que a gente tem que fazer, lá

também tem a relação com o professor, sou eu, o que a gente tem que

melhorar, o que tem que fazer para vocês melhorar, estudar em casa, ‘ah Marta

eu tenho uma preguiça, eu chego lá em casa e quero só dormir, ah eu tenho

que trabalhar, ah eu não gosto de estudar, eu detesto estudar eu vou mexer

com cavalo, para que eu vou estudar se eu vou mexer com cavalo’, são essas

respostas que a gente ouve, mas eu sinto que o incentivo para melhorar é muito

individual, é cada professor defendendo a sua área, não é aquele interesse de

incentivar os alunos, então você tem que estudar história e geografia, a gente

fala isso mais muito superficialmente porque cada um se preocupa com a sua

área, a gente não preocupa com os colegas não, muito triste”.

As propostas parecem vir das reuniões de conselho de classe, onde os

professores apontam as dificuldades, mas não existe um trabalho coletivo de

recuperação dos alunos, é cada professor que decide individualmente os

caminhos a percorrer no sentido de melhorar o desempenho dos alunos, isso

aparece na fala da professora Mirian: ӎ feito um conselho de classe, muitos

professores mudam o conceito lá na hora, não realmente foi só na minha

matéria que ele foi assim eu vou dar uma chance, alguns até mudam, mas

depois disso aí, então a turma tal a gente vai tomar essas atitudes, a 08C, por

exemplo, vamos trabalhar em forma de ‘U’ para eles ficarem mais juntos, mais

próximos, a gente tenta tomar algumas atitudes, mas depois não é feito um

gráfico, um levantamento disso para ver qual disciplina o aluno está melhor,

porque, será que as aulas são mais interessantes, o aluno gosta mais, não é

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feito um levantamento em cima disso não. E aqui a gente faz até um simulado, o

provão, eu não sou a favor porque eu tenho escutado dos alunos, ‘eu vou

estudar muito professora porque eu vou tirar um conceito muito bom no provão’,

então gera aquela expectativa do aluno estudar para a prova, eu acho que não

é assim, mas em cima do provão é feito um gráfico, eles fazem um

levantamento que vê em quais disciplinas o aluno se saiu melhor”.

Pergunto à professora Mirian se existe um processo de recuperação

contínua dos alunos em dificuldades. Segundo ela, não existe. “Às vezes nós

professores fazemos o seguinte, o aluno não foi bem, vamos dar uma chance,

vamos repetir a avaliação, vamos repetir a matéria, eu faço muito isso, quando

eu vejo que a dificuldade não foi sanada eu não passo para a frente, até

atrapalha um pouquinho os alunos que avançam mais rápido, eu falo que é um

mal necessário porque as turmas não são homogêneas, são bem

heterogêneas”.

Todos os professores apresentam o APG (Atendimento a Pequenos

Grupos) como o caminho para diminuir as dificuldades dos alunos em relação

ao aprendizado, porém, todos eles afirmam que os APGs não estão

funcionando, não acontecem regularmente. Nesse período letivo, os professores

apontam as seguintes dificuldades para a realização dos APGs: falta constante

de professores, as paralisações reivindicatórias, o projeto PAN (Projeto que a

escola desenvolveu tendo como referência os jogos Pan-Americanos), que ocupou

muito tempo, enfim, os APGs não aconteceram nos quatro meses de pesquisa,

não consegui acompanhar nenhum professor fazendo atendimento a pequenos

grupos. Todos os professores trabalham 24 h/a por semana, como são oito

professores para atenderem seis turmas, teríamos sempre dois professores

estudando, fazendo reuniões ou trabalhando com pequenos grupos de alunos,

mas isso não ocorre, segundo os próprios professores, também por causa do

grande número de falta dos colegas.

A enturmação dos alunos segue o modelo seriado, os melhores na turma

08A, os intermediários na turma 08B e os alunos mais fracos na turma 08C, isso

tudo com o consentimento e até mesmo defendido por professores como

Renato, de matemática, que, em sua entrevista, diz: “Eu acredito no seguinte,

você tem que ter turma homogênea, talvez não, por exemplo, uma turma só de

alunos bons e outra só de alunos ruins, eu não acredito nisso, mas eu acho que

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a gente não pode ficar no extremo, você tem na turma 08A um aluno que é

excelente e na 08C um aluno que mal sabe ler, se você colocar um aluno desse

com o outro numa sala só, você vai ter uma dificuldade extrema de dar aula,

realmente tem que ter uma separação, não totalmente homogênea, mas você

acaba que dificulta um aluno com o outro. Quando o aluno é ruim de mais, não

porque ele quer, mas porque ele tem dificuldades, a gente vê isso aqui, não

porque ele quer, mas porque ele tem dificuldades mesmo, ele é ruim por

natureza de tantas dificuldades que ele tem, e outro aluno que é bom com

facilidade, então você tem que estar trabalhando a mesma aula com os dois

juntos, você esta atrapalhando um dos dois, ou você esta trabalhando uma aula

mais devagar, uma aula mais lenta pra ajudar aquele aluno que tem

dificuldades, ou você está atrapalhando o aluno que é bom que podia estar

evoluindo muito mais. Se você tá dando uma aula que você pode evoluir, uma

aula mais avançada o aluno que tem dificuldades não vai conseguir fazer, então

eu acho que tem que fazer essa separação sim não totalmente homogênea, tem

muitos professores que falam que o aluno bom ajuda o aluno que tem

dificuldade, ajuda mais só que esse aluno bom não vai avançar, vai avançar em

que, vai ficar só ajudando o outro, isso é nossa função e não desse aluno que é

bom. Eu como pai eu digo que eu não queria meu filho ou minha filha apenas

ajudando o seu colega evoluir na aula”.

O professor Júlio, de história, defende um projeto para a turma mais

fraca, ele é contra a enturmação da maneira como foi feita. Vejamos o que ele

diz: “Bom, nós temos aqui na escola o atendimento a pequenos grupos, eu

trabalho com quatro alunos no xadrez eu pequei alunos com mais dificuldades

de aprendizado e conseguiram aprender, de maneira que até comigo a relação

melhorou bastante, agora no segundo semestre eu vou pegar quatro novos

alunos e farei questão de pegar aqueles que têm dificuldades de aprendizagem

ou disciplinar, então o APG nesse sentido ajuda, no meu caso especifico,

inclusive tem outros atendimentos e outros alunos são retirados da turma, agora

com a quantidade de paralisações, campeonato, etc., eu acho que o trabalho de

uma maneira geral ficou prejudicado, e é um trabalho muito individualizado em

pequenos grupos mesmo, dois, três e no máximo quatro por vez de cada sala.

Eu acho que deveria acontecer um projeto um pouco mais diferenciado com

essa turma, mas não há não. Por exemplo, você pegar realmente a questão de

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produção de texto, de correção ortográfica, cada professor tirar uma aula da sua

matéria, por exemplo e trabalhar com essa questão de produção de texto, com a

interpretação de texto na sala, ajudaria bastante. Isso para a história é fácil né,

trabalhar a interpretação de texto e leitura, só que a gente teve poucas aulas de

flexibilização em função desses questões ditas, paralisações, campeonatos e

tudo mais, as minhas aulas são justamente nas quintas e sextas-feiras depois

do recreio aí complicou, não teve um projeto para a turma e deveria ter tido.

Uma coisa que eu acho que, eu não sei porque eu não peguei a formação da

turma, eu particularmente não sou muito favorável a enturmação que existe,

esses alunos da 08C. Eles deveriam estar divididos, não deveria ser uma turma

tão ruim como é a 08C em termos de aprendizagem não”.

Para a professora Roberta, não existe um projeto específico para diminuir

as dificuldades de aprendizado dos alunos, mas um combinado onde os

professores fazem atendimentos individuais com os alunos em dificuldades: “um

projeto especifico não, existe um combinado, existe um olhar diferente para

aquela turma com relação ao coletivo existe sim, mais especifico não. Esse

combinado tem contribuído para diminuir a diferença entre essa turma e as

outras? Tem melhorado muito, eu acredito que comigo tem, eu acredito que sim,

que eles estão mais atentos, antes quem não fazia, agora faz, a gente tem

experiência de dois alunos, que eram alunos que davam muito trabalho no ano

passado para a gente, eles renderam muito, eles não deixam de fazer uma

atividade minha, isso pra mim é um questão de que eles melhoraram muito,

então esses alunos no ano passado eles criaram um Repp para esse grupo que

eu tenho de projeto os dois fazem parte e alguns alunos da B fazem parte, a

partir desse Repp que eles fizeram, eles ficaram mais valorizados, a escola

valorizou muito porque a gente apresentou em dois congressos, apresentaram

em outras escolas, esse ano eu não pude levar eles na escola que eu estou

trabalhando, mas nós combinamos que no segundo semestre eles iriam lá

porque a gente vai tá valorizando o aluno, a gente vai tá valorizando o que eles

sabem fazer, e a partir do que eles sabem fazer você vai estar investindo neles

e aí você vê o aproveitamento em sala”.

A professora Marlene, de ciências, reconhece que os processos utilizados

por eles não são de ciclo, e seguem um modelo seriado. Ela diz: “eu faço várias

avaliações, a primeira delas é que eu trabalho com química e infelizmente por

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que não é ciclo, é uma série né, a gente ainda trabalha com conteúdos bem

fixos para aquelas turmas, então a química chega de repente no final do quarto

ciclo e chega com um vocabulário todo particular, muito peculiar, muito diferente

e eles levam um susto, outra coisa é eu preciso de uma base de matemática,

eles tiveram uma base de matemática difícil, não é legal a divisão com número

decimal então a base deles chega no final ruim, eles levam esse susto porque a

matéria para eles é novidade e realmente fica sendo um pouco mais difícil e a

falta de compromisso deles mesmo sabe, chega no início do ano a 08A isso

ficou muito claro é início de ano, eles estavam querendo saber de auê, era

camisa, era formar, eles estavam muito nesse clima de auê, são os últimos da

escola, isso infelizmente todo ano se repete com as turmas que chegam no

final, aí o compromisso, tão querendo paquerar, namorar, são os donos da

escola, são os mais poderosos, os melhores da escola e o compromisso com os

estudos fica muito a desejar e uma coisa que eu avaliei por ser química e

chegar num ano diferente avaliar a mim, o que eu enquanto professora posso tá

fazendo diferente, então eu comecei a pensar num trabalho diferenciado com

química principalmente para a turma 08C, mas passo a passo para facilitar o

entendimento deles, isso eu fiz durante um tempo, aí eu parei, trabalhando na

frente de novo do mesmo jeito, porque foi uma avaliação que nós fizemos no

conselho nessa turma tem que trabalhar diferente, nem que você fique para

trabalhar diferente lá, então eu comecei a trabalhar diferente, mas que

desestimula tanto a gente que nada que você faz você vê retorno e isso cansa,

aí voltei a trabalhar do mesmo jeito”.

Vi, até aqui, que as ferramentas utilizadas pelos professores para

transmitir conhecimentos para os seus alunos seguem o modelo seriado, e isso

não é inconsciente, todos os professores reconhecem e alguns defendem o

modelo por eles seguido, outros vêem com pesar o resultado da sua prática

educativa. O acúmulo de matéria, a pressão para fazer as atividades, a

ocupação exclusiva com o cognitivo, a avaliação apenas dos conteúdos, a

ameaça de que as atividades valem ponto e que na oitava série tem reprovação,

a convocação constante de pais para forçar os alunos a estudarem mais. Não

existe uma relação entre conteúdo e desejo de aprendizado, a escola é um

ambiente ruim para o aluno, ele é obrigado a fazer tudo isso sob a ameaça de

ser retido no final do ano.

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As grandes dificuldades dos alunos é um incômodo para todos os

professores. Todos lamentam o resultado negativo no primeiro trimestre desse

ano. As causas dessas dificuldades inúmeras vezes foram apontadas nas

entrevistas: o fracasso do APG, que não aconteceu como deveria, a constante

falta de professores, as paralisações reivindicatórias, a interrupção das aulas

para o projeto PAN, a falta de interesse dos alunos, a falta de dedicação dos

alunos para com os estudos, alunos que não sabem ler, interpretar, que não têm

um raciocínio lógico, o pedagógico que não funciona como deveria, etc.

As relações entre professores e alunos das três turmas do último ano do

ensino fundamental, da Escola Municipal Capela Nova de Betim, aparecem

acima muito bem descritas. A relação de poder continua sendo a mesma a que

fomos submetidos há 10, 20, 30 ou há 50 anos atrás. O poder do professor

sobre o aluno continua na avaliação (prova trimestral, provão), na nota, na

ameaça de chamar os pais, no poder de reprovação, o fracasso continua sendo

apenas do aluno. A Escola Democrática encontra dificuldades para democratizar

as relações entre professores e alunos no cotidiano escolar. Essa prática torna

o currículo tão autoritário quanto na escola tradicional, que é opressora e

excludente, porque o aluno chega no último ano do ensino fundamental sem

saber, vai ser retido, e vai concluir o ensino fundamental sem ter o direito de

saber. No olhar pessimista a Escola Democrática (ciclo) aprova o aluno sem o

saber cognitivo necessário, isso porque não tem reprovação; isso porque sem a

ameaça da reprovação, o professor não consegue ensinar e o aluno não

consegue aprender.

Uma escola autoritária não promove a formação de uma personalidade

livre, consciente e cidadã, uma escola que reprova põe a culpa de todo o

fracasso escolar apenas nos alunos. Uma escola autoritária ensina uma relação

de poder injusta, onde o mais forte sempre vence o mais fraco. Aqui, o poder é

dominação, e essa dominação significa poder mandar o aluno calar a boca,

“manda quem pode obedece quem tem juízo”, dar uma prova em que poucos

alunos alcançam a média, significa reprovar muitos alunos no final do ano em

nome da qualidade do ensino. PARO (2001) faz uma reflexão sobre essa

situação:

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No ensino brasileiro, a manifestação desse componente cultural da competitividade mostra-se com toda sua força na valorização do “credencialismo” acima dos próprios objetivos educativos da escola. É muito marcante, na população de modo geral, a importância conferida às notas escolares, aos diplomas e às promoções de série ou de grau. Do diálogo-padrão de um pai ou mãe com seus filhos estudantes a respeito de seu desempenho escolar, pode-se facilmente depreender que as crianças e jovens vão à escola não para aprender, mas para passar de ano, já que a preocupação do adulto é quase sempre com a nota e com a promoção e não com o aprendizado e com a formação da personalidade por meio da educação. A nota boa e a promoção funcionam, assim, de modo bastante significativo, como o reconhecimento do mérito do estudante, produto de seu esforço, na competição pela vida. Mas a ideologia do mérito e da competição está presente na própria escola. Contra ela Lauro de Oliveira Lima já disse que “o sistema de verificação que consiste em comparar os alunos entre si não só é profundamente injusto (dadas as diferenças individuais), como provoca hostilidade e desavenças, quebrando a desejável solidariedade que deve ser cultivada na juventude.” (lima, 1962, p. 330-331) Disse também que “os alunos devem ser educados para a solidariedade e o trabalho em equipe característico das novas tendências da civilização, e não para a desenfreada competição característica de um liberalismo obsoleto e injusto”. (PARO, 2001, p. 78-79 apud LIMA, 1962, p. 331-332)

Vejamos, por fim, o pensamento dos nossos professores entrevistados a

respeito do ciclo de formação humana. A professora Flávia pensa da seguinte

maneira: “olha, a proposta do ciclo é muito boa, eu acho que ela é mal

interpretada, eu acredito que eu sou fruto da escola tradicional, estudei em

escolas públicas tradicionais e eu acho que tinha coisas que davam certo e não

é simplesmente tirar totalmente um sistema e implementar outro. Eu acho que a

gente tem que pegar o que deu certo em um e vir com outro, fazer uma coisa

híbrida mesmo, pegar o que deu certo no tradicional e trazer para o ciclo e

renovar mesmo, e eu vejo, por exemplo, o ciclo hoje é a bola da vez, todo

mundo diz que o ciclo é lindo e maravilhoso, o projeto do ciclo é muito bonito,

mas existe pouco investimento no ciclo, por exemplo escola de tempo integral

não tem em Betim, então se o aluno tem um tempo maior para aprender e se a

gente tá levando em consideração as individualidades, o aluno enquanto

indivíduo que tem seu tempo diferente do outro, então cadê esse outro tempo

que ele precisa para se desenvolver que não tem. Então me remete a outra

coisa, se o aluno não tem um tempo a mais na escola para suprir esse tempo

maior que ele precisa, então ele precisa ficar na escola mais um ano, mais dois

anos, então o ciclo dá várias interpretações nesse sentido. Eu acho que falta

investimento no ciclo para dar certo”.

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Na verdade, a idéia de mesclar o ciclo com a seriação parece não ser de

apenas um professor. A defesa quase sempre é a mesma, “tem muita coisa boa

na formação que eu tive, e isso não pode acabar assim, de uma hora para

outra”. Vejamos a opinião do professor Júlio: “eu acho que essa discussão não

pode ser colocada nesse ponto de vista, não, porque dentro do ciclo você tem

que fazer algumas práticas seriadas, um feijão com arroz mesmo, por exemplo,

essa questão do provão hoje, tem determinadas concepções que não aceitam

provão, semana de provas, eu acho que uma semana de provas e um provão é

estimulante para que o aluno estude, para que o aluno reveja a matéria dada,

acho que isso é fundamental. Da mesma forma que, por exemplo, uma aula

passar matéria no quadro, eu faço isso, acho que é importante fazer isso,

porque você passa matéria no quadro verifica se o aluno esta copiando, verifica

se o aluno tem um caderno organizado, verifica se o aluno tá pulando linhas

entre parágrafos, se ele abre parágrafos, se não abre, então são táticas ditas

tradicionais relativas à questão do seriado, mas são práticas que devem ser

feitas, acho que o que se deve colocar é, qual prática que vai permitir que o

aluno aprenda, é um quadro negro com matéria, então é um quadro negro com

matéria, isso ajuda na aprendizagem do aluno, então vamos fazer, é uma sala

de informática ligada à internet com banda larga. Então vamos ter uma sala de

informática com banda larga, agora se a prática é ciclo ou se a prática é seriado

eu acho que sinceramente isso não vem ao caso, por exemplo, se o menino

aprende matemática decorando tabuada ou se aprende a matemática de outra

maneira, aprendeu então beleza, uns vão aprender de uma maneira e outros

vão aprender de outra, o que a gente tem que ter é justamente esses recursos

para ter variedade de maneiras de trabalhar porque aí você pega todos os

alunos, o que vai aprender com a tabuada o que vai aprender com aquele

material dourado que eles falam se tem o material beleza”.

O professor Renato também comunga com essa opinião; o ciclo é bom,

mas existem distorções. Vejamos seu pensamento: “eu acredito no ciclo, mas

tem certas partes que são muito distorcidas, então eu não acredito muito na

aprovação automática, eu acho que o aluno tem que saber pelo menos o

mínimo pra passar, então acontece que tem muitos alunos que estão passando

sem saber nem esse mínimo. Uma avaliação por exemplo um término do ciclo

que é a antiga oitava série é estipulado um percentual para reprovação, você

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pode reprovar 10% dos alunos, então se eles não cobram nota, não querem que

a gente dá nota pra aluno, tem que ser conceito, eles mesmos estipulam

valores, números como reprovar 10%, se você tem 30% que não sabem nem o

mínimo, você tem que deixar 20% passar sem saber”.

Perguntei a todos os professores entrevistados como viam o ciclo de

formação humana, qual era a sua avaliação sobre ele. A professora Mirian diz:

“eu acho que para alguns alunos é muito bom, é fundamental, mas falta uma

preparação dos educadores, quando eu entrei já havia implantado tudo, eu

peguei o bonde andando, mas acho que falta preparação, tem resistência de

alguns profissionais, eu trabalho com alguns que tem resistência ao ciclo, não

aceitam. Acho que a maioria das escolas trabalha em regime de seriação, mas

com nome de ciclo, ainda não perdeu o caráter de seriação e alguns entraves

que tem no ciclo, eu mesmo nas escolas que eu trabalhei, nenhuma o ciclo é

totalmente assumido, que trabalha ciclo realmente, o ciclo de formação humana

como deveria ser, deixa a desejar sim na rede como um todo. Então você acha

que as dificuldades vêm da estrutura da rede, da preparação profissional? Deixa

eu te dar um exemplo, eu trabalho em uma escola que não tem a estrutura

adequada ao ciclo, eu vou trabalhar com APG eu levo os alunos para o

refeitório, eu não tenho espaço para ficar com esses alunos de APG então falta

até isso, a estrutura e a escola é muito grande e com uma demanda muito

grande de alunos e eu trabalho com alunos portadores de necessidades

especiais, eu não tenho preparação para isso e meus alunos não tem um

monitor, não tem um estagiário acompanhando, dificulta muito o trabalho”.

Mas alguns professores defendem a proposta do ciclo de formação

humana, como a professora Roberta, que considera a proposta positiva.

Vejamos: ”positiva e com algumas falhas ainda. Positiva em relação professor/

aluno, algumas falhas porque tem professores que ainda não praticam o ciclo,

porque o ciclo é uma prática, enquanto não houver uma prática não existe

resultado. Aqui nessa escola o ciclo funciona melhor porque existe uma

colaboração maior entre o coletivo, entre os alunos também em relação aos

projetos que são desenvolvidos na escola, então eu acho que aqui funciona

melhor, tem outra escola da rede municipal que eu trabalho à tarde, então eu

acho que o funcionamento aqui é melhor, parece que o andamento, a

colaboração, existe tudo isso. Eu sou a favor do ciclo, eu prefiro o ciclo, eu acho

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que é diferente, porque a proximidade com os alunos é diferente, porque eu

acredito que o aluno tem que ter oportunidade, e na seriação eu não vejo isso,

eu acho que a seriação causa trauma, traz problemas, eu acho que o ciclo é

melhor mesmo com o que dizem por aí né, não acreditando, falando que não

existe reprovação, que o aluno tem que ser reprovado, eu acho que todo mundo

tem que ter uma segunda chance, e o tempo do aluno, tem que entender isso,

todo mundo tem um tempo, então às vezes ele não está naquele tempo, e as

vezes você tem que respeitar o tempo dele”.

As divergências de opiniões continuam, na medida que nossos

entrevistados dão sua opinião. A professora Marta diz: “eu acho que a proposta

do ciclo super interessante, ela proporciona a todos os alunos um grau ‘igual’ de

aprendizagem, forma o menino tanto na parte humana quanto na parte

cognitiva, então a proposta do ciclo para mim é muito boa, eu gosto muito da

proposta do ciclo. A parte teórica do ciclo eu acho que nós já vencemos muito,

acho que nós já passamos por essa etapa da teoria, tem que estudar muito

ainda, mas essa parte teórica eu acho que a gente já avançou bastante, mas a

parte prática do ciclo na rede municipal não tá muito boa, eu acho que o

processo de aprendizagem, o processo de avaliação, essa condução do ciclo

ainda não tá boa, a infra-estrutura da escola, você não pode atender o menino

em turmas flexíveis porque não tem quem fica no seu lugar, você não pode

fazer o APG porque tem que substituir professor, então essa estrutura física da

escola não tá muito boa não. Eu gosto muito do ciclo, acho que avançou muito,

os alunos passaram a raciocinar mais, todos tem a mesma oportunidade, então

eu gosto muito da proposta do ciclo, eu acho que a gente poderia estar mais

avançado, mas estamos no caminho certo, eu defendo o ciclo de formação

humana”.

“E aqui na escola, Marta, nesses seis anos que você está aqui, como

você avalia o processo de implantação do ciclo de formação humana?”

“Lentíssima, cada professor com o seu conteúdo, a gente tenta se integrar com

os outros e tem dificuldades, todas essas que eu já te falei mais a má vontade

mesmo, da gente, dos professores, você não divide com o colega o que esta

fazendo eu percebo isso aqui, os projetos que a gente faz para interagir todas

as áreas, uns professores puxam mais, outros puxam menos, uns participam,

outros não participam, então essa parte do ciclo na escola está muito a desejar,

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eu não gosto, não gosto acho que tem que melhorar muito, a integração dos

professores tá muito aquém do que poderia ser”.

A professora Marlene diz: “eu acho que a implantação foi positiva,

inclusive quando aqui na escola começou em 2000 tinha essa possibilidade de

escolher, implantar o ciclo ou continuar seriado e ir implantando aos poucos, aí

nós optamos por implantar de uma vez a questão dos ciclos porque a gente se

prepararia no dia-a-dia, a gente não acredita que, por exemplo, ia estudar para

fazer o ciclo no ano que vem, não a gente ia no dia-dia tentando implantar o

ciclo, na verdade desde então há mais ou menos seis anos aqui na escola, aqui

na escola eu estou há 11 anos”.

“Como você, Marlene vê a atuação do administrativo e do pedagógico

aqui na escola?” “Acho que foram os dois os responsáveis, o administrativo e o

pedagógico, o administrativo é o professor, quando a gente falou vamos fazer o

ciclo todo mundo tava muito interessado em fazer sim, que ele acontecesse na

prática, o pessoal tava se dedicando, os professores estavam interessados,

tinha assim, o pessoal tava mais quente com o ciclo, depois não teve muito

curso, hoje o pessoal tá participando de curso pra ganhar PCCV, não é para

mudar a sua prática na escola, e aí deu uma esfriada, eu acho que a direção e o

pedagógico, principalmente o pedagógico aqui na escola ele deixa a desejar, ele

não consegue amarrar, ele não consegue atuar, ele não consegue puxar o

carro, ele tá fora de sala pra isso também, ele não consegue aqui na escola

não. Então isso deu uma esfriada, eu nunca vi como esse ano a escola tão

alheia a tudo, eu estava conversando com a Marta (professora de português)

colega de turma, como os colegas estão alheios, esse ano não está tendo nada,

entendeu, tem o projeto do PAN mais muito solto, isso quando eles ficam na

quadra, não é isso que justifica o ciclo, então o pessoal esse ano tá muito

alheio”.

Na sua opinião, Marlene, a Secretaria Municipal de Educação investe na

formação do professor? Eu acho que a rede, você fala Secretaria, eu mesmo

tive um curso no mês passado, feito pela rede, eu acho que a Prefeitura está

investindo muito lentamente, ela poderia investir mais, ela melhorou alguma

coisa, eu acho que em termos de ciclo para efetivar, para concretizar o ciclo na

escola mesmo eu acho que ela melhorou, tem mais curso, pessoal mais

embasado, mas ainda fica muito a desejar, mas ela melhorou, esse curso sobre

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ciclo que eu fiz foi muito bom, eu fiz com uma equipe que é muito boa, essa

equipe que acredita no ciclo e isso da uma injeção na gente de ânimo, mas a

Secretaria em si poderia fazer mais, ela poderia investir mais na formação do

professor.

O que você pensa sobre o ciclo de formação humana? “Sou plenamente a

favor do ciclo, eu estava assim balançada, eu fiz esse curso, foram 60 horas né,

eu achei muito legal, como eu te falei, o grupo que está na frente ele conseguiu

mostrar, justificar pra gente que a questão do ciclo está na postura, não é eu

tendo um módulo de aula diferente, ter projeto, não é isso que justifica o ciclo é

a postura da gente em sala, com nossos colegas, nesse sentido, então é isso

que eu acho que fica difícil aqui na escola, porque a gente não tem esse

momento, por exemplo, atendimento a pequenos grupos eu nunca vi uma coisa

tão falha aqui na escola, tanto aluno precisando e ela não acontece, não existe,

realmente não está ajudando o menino, porque não tem um acompanhamento

pedagógico, não tem assim, vamos avaliar, vamos fazer uma reflexão a cada

mês, a cada três encontros gente vamos ver, como é que está, tá atendendo, se

o aluno falta então você não atende ninguém, não tem essa cobrança e aí vai

indo vai ficando assim”.

O ciclo, aqui na escola, ele está fazendo diferença no processo de ensino

aprendizado do aluno? “Não, nenhuma, é seriado do mesmo jeito, inclusive eu

enquanto professora de ciências trabalhando química é o mesmo trabalho como

se fosse seriado é o mesmo, aqui está o nome de ciclo, mas é como se fosse

seriado então não faz diferença nenhuma, então não contribui e nem diminui

entende, ficou do mesmo jeito, a gente não esta vivendo o ciclo porque tem

esse momento de estudo, eu acho às vezes até que piorou porque eu tinha mais

aula em sala, porque não tinha os APGs, distribuía mais aula para os

professores, então por exemplo matemática tinha mais aula em sala, a gente

tava mais ou menos equilibrado três, três, três né, então eu acho que houve

nesse sentido uma perda, porque os APGs não consegue atender, esse

momento desse ao professor para que ele atenda APG pequenos grupos, então

se ele não esta atendendo pequenos grupos eu acho que está sendo pior”.

Vi, nas entrevistas, que os professores acreditam no modelo de ciclo de

formação humana. Vi, também, que a prática de sala de aula é uma mistura

entre os modelos ciclo e seriado, prevalecendo o seriado. Percebi, em cada

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professor, o desejo de acertar, de encontrar a melhor maneira de ensinar seus

alunos. Todos eles se mostram preocupados com os maus resultados dos

alunos na primeira etapa do ano letivo de 2007. Seria possível reunir aspectos

do ciclo com a seriação, esse seria mesmo o melhor caminho para a formação

dos alunos da Escola Capela Nova de Betim. Parece-nos impossível qualquer

alternativa dar certo enquanto os alunos não participarem da escolha, enquanto

eles forem apensas objetos passivos do processo, enquanto eles forem

considerados apenas recipientes vazios a serem enchidos de conteúdos de

cada disciplina isoladamente. Enquanto os pais forem lembrados apenas nos

conselhos de classe relacionados aos alunos “problemas”, escolhidos apenas

para ouvir reclamações sobre seus filhos, eles precisam participar do processo,

fazer escolhas, contribuir para a qualidade da escola, precisam ser ouvidos.

Pais e alunos precisam avaliar, e, não somente, serem avaliados pelo esforço

que fazem ou deixam de fazer. Professores, direção e pedagogas precisam

ouvir, ser avaliados pelos alunos e pelos pais, numa relação dialógica onde

todos contribuem para uma escola de qualidade. Vitor Henrique Paro fala da

falta desse diálogo democrático necessário na escola pública brasileira:

Mas sem dúvida nenhuma, hoje a principal falha da escola com relação a sua dimensão social parece ser sua omissão na função de educar para a democracia. Sabendo da gravidade dos problemas e contradições sociais presentes na sociedade brasileira – injustiça social, violência, criminalidade, corrupção, desemprego, falta de consciência ecológica, violação de direitos, deterioração de serviços públicos, dilapidação do patrimônio social, privatização dos bens públicos e do Estado etc. -, que só se fazem agravar com o decorrer do tempo, e considerando que uma sociedade democrática só se desenvolve e se fortalece politicamente de modo a solucionar seus problemas se contar com a ação consciente e conjunta de seus cidadãos, não deixa de ser paradoxal que a escola pública, lugar supostamente privilegiado do diálogo e do desenvolvimento crítico das consciências, ainda resista tão fortemente a propiciar, no ensino fundamental, uma formação democrática que, ao proporcionar valores e conhecimentos, capacite e encoraje seus alunos a exercer de maneira ativa sua cidadania na construção de uma sociedade melhor. (PARO, 2007, p. 18, 19)

Conceber a educação apenas como transmissora de conteúdos, sem

considerar a formação política, filosófica e humana de cada aluno, é reproduzir

as contradições sociais que se perpetuam no interior do Estado brasileiro. O

professor que trabalha para uma práxis libertadora está atento para as

necessidades que cada grupo social tem de aprender a realidade social e

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cultural do meio onde vive, enquanto uma prática conservadora ignora aspectos

importantes da realidade vivida pelos alunos, a prática libertadora conscientiza e

liberta. Para FREIRE (2005),

A existência, porque humana, não pode ser muda, silenciosa, nem tampouco pode nutrir-se de falsas palavras, mas de palavras verdadeiras, com que os homens transformam o mundo. Existir, humanamente, é pronunciar o mundo, é modifica-lo. O mundo pronunciado, por sua vez, se volta problematizado aos sujeitos pronunciantes, a exigir deles novo pronunciar. (FREIRE, 2005, p. 90)

Para Moacir Gadotti (2004b),

o educador é aquele que não fica indiferente, neutro, diante da realidade. Procura intervir e aprender com a realidade em processo. O conflito, por isso, está na base de toda a pedagogia. Mais adiante ele afirma que, a pedagogia da práxis pretende ser uma pedagogia para a educação transformadora. Ela radica numa antropologia que considera o homem um ser criador, sujeito da história, que se transforma na medida em que transforma o mundo. (GADOTTI, 2004b, p. 29-30)

Parece urgente um processo contínuo de dialetização da educação em

todos os níveis e em todas as instituições de ensino, principalmente nas escolas

públicas onde o poder continua centrado na figura do professor, que tudo sabe

sobre o aluno que nada sabe, este que permanece sendo um recipiente vazio

engolindo conteúdos predeterminados que nem sempre contribuem de fato para

a sua emancipação. Para GADOTTI (2004a), “a educação que copia modelos,

que deseja reproduzir modelos, não deixa de ser práxis, só que se limita a uma

práxis reiterativa, imitativa, burocratizada. Ao contrário desta, a práxis

transformadora é essencialmente criadora, ousada, crítica e reflexiva”

(GADOTTI, 2004a, p. 31). Nossos professores, na Escola Capela Nova,

continuam reproduzindo uma escola conservadora, antidialógica, burocratizada,

e, com isso, produzindo alunos desestimulados, passivos, acríticos, que não

desenvolveram a capacidade criadora capaz de transformar a realidade vivida

por eles. Nessas relações de poder, fica evidente que, uma coisa é ver

professores acreditando na educação como meio para os alunos serem alguém

na vida, e outra é ver professores fazendo da educação uma ferramenta de luta

contra as relações de exploração impostas pelas elites dominantes do país. A

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pedagogia da práxis está na ação transformadora, difícil, mas importante para

mudar a realidade social brasileira.

6.3 As três turmas do último ano do ensino fundamen tal

As três turmas de alunos por nós pesquisadas são formadas por 86

alunos oriundos das classes trabalhadoras: operários, empregadas domésticas,

funcionários públicos, pequenos comerciantes, etc. Mas embora o nível social e

econômico entre os alunos serem bem próximos, no interior da escola as

divergências entre as três turmas são grandes. A organização das turmas

parece seguir o modelo seriado. A turma 08A, com 29 alunos, é uma turma

homogênea dos melhores alunos. A turma 08B, com 29 alunos, é uma turma

homogênea dos alunos intermediários. E a turma 08C, com 28 alunos, é uma

turma homogênea dos alunos mais fracos.

Embora o número total de alunos matriculados seja de 86, em vários

momentos da pesquisa esse número aparece variável em função da ausência

de alunos em aula. Nas consultas às fichas de matrículas dos alunos,

autorizadas pela secretaria da escola, fiz algumas observações interessantes. A

maioria dos alunos não é natural de Betim; 32 são alunos naturais de

Contagem, 22 de Belo Horizonte, oito de Esmeraldas, 12 de outros municípios

de Minas Gerais, três não constavam a naturalidade e apenas sete alunos

nasceram em Betim. A grande maioria dos pais não concluiu o ensino

fundamental, 11 pais concluíram o ensino médio, e apenas um tem curso

superior. Outro dado muito importante para esta pesquisa é o tempo que nossos

pesquisados estudam na Escola Capela Nova. Dos 86 alunos pesquisados, 48

estudam na escola há oito anos, ou seja, desde o primeiro ano do ensino

fundamental, e apenas um aluno matriculou-se nesse ano de 2007. Se

começarmos a contar a partir da quinta série, teremos 81% dos alunos há

quatro anos estudando na escola. Isso tudo significa que a maioria dos alunos

pesquisados construíram seu histórico escolar na escola pesquisada.

Como citei anteriormente, as condições físicas da escola são boas; o

prédio é novo, as salas são bem distribuídas, o refeitório é bom, a merenda é de

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boa qualidade, a quadra é coberta, as condições financeiras são boas para

atender as necessidades da escola, o número de alunos por turma de 29, no

caso das três turmas pesquisadas, não é muito grande. No primeiro turno o

atendimento em setores como a biblioteca, que é bem equipada e espaçosa,

conta com duas atendentes para atender a demanda, três auxiliares de

secretaria somente no turno da manhã, duas pedagogas para conduzir o

pedagógico com as 14 turmas, oito professores trabalhando 24 h\a por semana

para atender seis turmas, ou seja, dois professores a mais para atendimento a

pequenos grupos, pesquisas e reuniões. A média salarial dos profissionais da

educação em Betim pode ser considerada boa para as redes públicas nacionais.

Enfim, as condições físicas e pedagógicas da escola parecem-nos em

condições de realizar um bom trabalho de ensino/aprendizado com os alunos.

É bem verdade que as condições da educação em Betim se são boas,

isso se deve também à organização da categoria através do sindicato que os

representa (Sind-Ute), também é verdade que todas essas condições podem

melhorar, principalmente no tocante à autonomia pedagógica e administrativa

das escolas uma vez que me parecem muito centralizadas, pois o regimento é

único em toda a rede e os destinos da educação são centralizados na SEMED,

não havendo uma constante participação dos agentes envolvidos no processo,

profissionais da educação, pais e alunos.

É fato também que as conquistas feitas pela educação em Betim dariam

condições aos educadores de oferecer uma educação de qualidade para os

alunos. Se o sistema adotado pela rede é o ciclo de formação humana, este

deveria ser abraçado livremente por todos os agentes envolvidos, o que não

acontece, segundo aponta esta pesquisa: os professores da Escola Municipal

Capela Nova acreditam no ciclo, alguns lamentam as dificuldades para praticá-

lo, mas a prática em sala de aula ainda é muito tradicional, conteudista, utilizam

métodos reprodutivistas, como a ameaça da reprovação, usam notas nas provas

para depois transformar em conceito, as avaliações consideram apenas o

conhecimento cognitivo. Os alunos estudam para tirar nota e passar de ano. As

entrevistas realizadas com professores e alunos mostram que, na sua maioria,

as relações de poder são autoritárias. Percebemos a dificuldade em estabelecer

uma relação dialógica, própria de uma educação democrática, onde o

aprendizado adquire-se pelo prazer de se apropriar da cultura.

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Apliquei um questionário para as três turmas do último ano do ensino

fundamental. Nesse dia, participaram do questionário 72 alunos; os outros 14

alunos haviam faltado à aula. O questionário tinha 13 questões a respeito da

vida escolar dos nossos alunos. Perguntamos o motivo de estudarem nessa

escola; 76% dos alunos responderam que era porque a escola fica perto de

casa. Isso me mostra que a maioria dos alunos que estudam na escola são da

própria comunidade onde a escola está localizada, pois essa informação foi

confirmada em uma consulta que fiz na ficha de matrícula dos alunos, consulta

autorizada pela direção da escola. Nela, percebi que os 86 alunos pesquisados

nessa consulta estão divididos em sete bairros próximos da escola, 25% mora

no bairro onde a escola está localizada e 52% mora em outro bairro que faz

divisa com o anterior, ou seja, 78% dos alunos moram em apenas dois bairros,

os mais próximos da escola.

Perguntei aos alunos sua opinião a respeito da qualidade do ensino da

escola em que estudam; 86% dos alunos dividiram-se entre bom e muito bom.

Nossos alunos demonstram que acreditam na qualidade do ensino da escola em

que estudam. Perguntei o que os professores fazem para manter a disciplina na

sala de aula, e 69% dos alunos afirmaram que os professores conversam com a

turma, 17% afirmam que os professores mandam o aluno para a direção da

escola. Os professores procuram conversar, convencer os alunos que devem

respeitar as normas da escola, que não existe aprendizado com bagunça, com

muita conversa. Perguntei a eles se os alunos participam da escolha de temas

para as aulas; 57% dos alunos responderam que participam poucas vezes, 22%

responderam que participam muitas vezes ou sempre, e 21% afirmam que

nunca participam da escolha dos temas das aulas. No ciclo de formação

humana, o conteúdo é flexível e a participação dos alunos é um fator

determinante no processo de ensino/aprendizado. Já no sistema seriado, o

conteúdo é algo pronto, determinado pelo currículo programático, e cabe ao

professor seguir esse conteúdo.

Apesar dos resultados ruins que os alunos tiraram no primeiro trimestre

desse ano, eles acreditam que a escola é boa, que as ações dos professores é

para seu bem, e se responsabilizam pelos maus resultados, afirmando que não

estudaram direito, fizeram bagunça na sala, não fizeram o dever de casa,

acreditam que o resultado é justo. O olhar desses alunos sobre a realidade

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escolar em que estão inseridos é conformista e passiva. Eles não conseguem

fazer uma reflexão crítica da sua própria realidade escolar. Assim, não

conseguem se libertar dos conteúdos autoritários que foram depositados em

suas consciências ao longo dos anos escolares. Por não se sentirem

emancipados nesse processo, não sentem prazer em participar dele, daí a falta

de interesse pelos estudos, o que acarreta abandono da escola, reprovação,

consecutivas aprovações sem a devida apropriação do conhecimento, ou seja,

um processo onde o aluno é penalizado e excluído do direito à cidadania.

A Escola Municipal Capela Nova de Betim, para estimular seus alunos a

estudar, faz, a cada etapa, a escolha do destaque da turma, o aluno que melhor

desenvolveu as habilidades educacionais. Perguntei, então, aos alunos, como é

feita a escolha do destaque da sala, e 45% responderam que é o aluno mais

disciplinado e com maior nota; 26% responderam que é o aluno que melhor

desenvolveu as habilidades educativas. No final do semestre letivo, a escola faz

um provão, uma prova simulada com questões de todas as disciplinas para

testar os conhecimentos dos alunos. Perguntei a eles qual é a importância da

prova simulada: 57% responderam que era para preparar o aluno para o

vestibular e para concursos; 24% responderam que era para dar uma melhor

compreensão dos conteúdos. Perguntei, por fim, o que mais motivava os alunos

a participarem das aulas: 43% responderam que era o valor em pontos de cada

atividade, e 25% responderam que eram os temas da realidade e do cotidiano.

Esse questionário ajudou-me a conhecer um pouco mais da percepção

que nossos alunos pesquisados têm da escola em que estudam. Recapitulando

as informações, vemos que: apenas sete dos 86 alunos pesquisados são

naturais de Betim, que 66% dos pais não concluíram o ensino fundamental, e

apenas um tem curso superior. Verifiquei, também, que 77% dos alunos moram

nos dois bairros mais próximos da escola, e que os outros 23% moram em

bairro próximos; 86% dos alunos consideram bom o ensino na escola apesar

dos maus resultados no primeiro trimestre de 2007.

Nenhum dos nossos 86 alunos estudou em escolas tradicionais seriadas.

Todos tiveram toda a sua vida escolar já no ciclo de formação humana, e, ainda

assim, parece achar normal não participar da escolha dos temas das aulas, que

os conteúdos devem ser esses programados. Nossos alunos do ciclo conhecem

nota, conhecem o valor de uma prova, sabem quanto vale um trabalho em

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grupo, consideram importante um provão simulado para estudarem melhor os

conteúdos de cada disciplina, eles sabem muito bem que, se não estudarem

mais, podem ser retidos no final do ano, ou seja, podem ser reprovados no final

do ciclo.

Nas observações em sala de aula, verifiquei que os alunos das três

turmas do último ano do ensino fundamental têm algumas características em

comum: eles moram nos mesmos bairros próximos da escola. Não existe uma

variação de turma para turma entre a escolaridade dos pais, não existe

diferenças grandes na situação econômica e social entre as turmas, ou seja,

todos os alunos das três turmas são oriundos das classes trabalhadoras. As

principais diferenças acontecem no interior da escola, onde os alunos foram

divididos em três turmas, e essa enturmação não é aleatória, ela divide os

alunos em bons, médios e ruins consecutivamente nas turmas 08A, 08B e 08C.

A escola, ao classificar os alunos em bons, médios e ruins, dividindo-os

em turmas homogêneas 08A, 08B e 08C, reproduz o sistema ideológico

capitalista da divisão da sociedade em classes. Essa divisão, defendida por

alguns professores que afirmam que não desejariam ver seus filhos em turmas

como a 08C, é incoerente com a prática do ciclo de formação humana adotado

pela escola, e que, na verdade, distante da prática em sala de aula. Os alunos

aceitam passivamente as regras impostas pela escola, as relações de poder são

autoritárias, pois além de não contarem com a participação livre dos alunos, não

produzem os efeitos esperados. Como justificar que alunos de três turmas

estudam na mesma escola por um período médio de oito anos, chegam ao

último ano do ensino fundamental com grandes dificuldades de aprendizado, ou

melhor, de reprodução de conteúdos. Essa prática reprodutivista, contribui para

legitimar a divisão da sociedade em classes, e a conformidade dos menos

favorecidos que se vêm excluídos dos benefícios de uma educação dialógica.

Para Moacir GADOTTI (2005),

a pedagogia reacionária, pedagogia do colonizador, é uma pedagogia que forma gente submissa, obediente, incapaz de participar. Esse pedagogo esconde-se, hoje, atrás de uma pseudo-não-diretividade. É uma pedagogia da omissão que faz o jogo da ideologia dominante, cujo objetivo fundamental é a não-participação, a docilidade, a subserviência. Nesse ponto a pedagogia conservadora tem cumprido com êxito a sua tarefa de cimentar a ideologia da classe dominante. A escola tem servido, pelos seus programas, pela sua política, pela sua

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prática, para legitimar o poder totalitário, constituindo-se, portanto, num empecilho para o avanço em direção a uma sociedade democrática, simplesmente democrática (sem adjetivos). (GADOTTI, 2005, p. 62)

GADOTTI (2005) também aponta para a necessidade de uma educação

que tenha como função social a conscientização dos alunos:

No plano social, é ato pedagógico desvelar as contradições existentes, evidenciá-las com visas à sua superação. O educador, nesse sentido, não é o que cria as contradições e os conflitos. Ele apenas os revela, isto é, tira os homens da inconsciência. Educar passa a ser essencialmente conscientizar. Conscientizar sobre o nada. Não. Sobre a realidade social e individual do educando. Formar a consciência crítica de si e da sociedade. (GADOTTI, 2005, p. 70)

6.3.1 A turma 08A

A turma 08A tem 29 alunos matriculados, a freqüência média nas aulas

observadas era de 27 alunos, esses são considerados pelos professores, pela

direção e pedagogas e até por eles mesmos, os melhores alunos do último ano

do ensino fundamental. Eles até aparentam ter um nível social melhor do que a

turma 08C, mas, até onde eu pesquisei, nenhuma informação confirma isso. As

diferenças econômicas e sociais são pequenas se comparadas com as

diferenças que existem entre eles no interior da escola. A turma 08B é

intermediária, ou seja, alunos com o perfil da turma 08A e alunos com o perfil da

turma 08C. Isso na classificação feita na escola, classificação que fica evidente

na própria fala dos alunos que, na turma A têm uma auto-estima elevada se

comparados com as outras duas turmas.

Nas entrevistas com os professores, todos parecem concordar que a

turma 08A é mesmo a melhor das três. São alunos que têm mais facilidade de

aprendizado, capacidade de concentração, são considerados alunos críticos,

participam das aulas, fazem perguntas, fazem as atividades extra-classe, são

mais estudiosos e preocupados com as notas, os pais freqüentam a escola a fim

de acompanhar os estudos dos filhos. Na reunião pedagógica, os professores

avaliaram que a turma é boa, mas conversa muito, brincam, não prestam

atenção nas aulas, que alguns alunos não tinham compromisso com os estudos,

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outros com dificuldades de aprendizado e precisavam melhorar, a escola

deveria chamar os pais para conversar com as pedagogas. Aliás, sempre que

se apontava um problema com algum aluno, a solução mais apontada era

sempre a de chamar os pais, os pais deveriam se responsabilizar junto aos

alunos pelo mau comportamento ou mau rendimento escolar dos alunos.

O professor Renato, considerado um professor que explica bem a

matéria, querido pelos alunos, avalia a turma 08A da seguinte forma: “essa é

uma turma com muita energia né, a maioria, porque tem alguns que não, mas a

maioria esforça, tem energia e transmite essa energia para o conteúdo, além de

transmitir essa energia para outras coisas, como um pouco de indisciplina,

bagunça, também a relação de um aluno com o outro, que é um pouco

agressiva, então é uma turma mais agitada, por eu ter dado aula nas oitavas

nos anos passados essa não é uma turma das melhores, mas é uma turma que

investe”. A professora Flávia também muito querida pelos alunos diz: “a turma

08A, indiscutivelmente é a melhor, extremamente agitada, fala de mais, eu acho

que eles desperdiçam muito esse potencial que eles tem por causa dessa

conversa, de algumas picuinhas, por brigas entre si, o relacionamento entre eles

às vezes é muito agressivo, então às vezes você tem que interceder, mas eles

tem um potencial enorme, muito grande mesmo”.

Com a professora Roberta, a turma 08A teve alguns problemas no início,

que já foram superados. Segundo a mesma, “com a 08A no início do ano eu tive

muito problema, eles são imaturos, mas a gente sentou muito, conversou muito,

discutiu, tinha dia que eu não dava aula porque eu tirava o dia, aquele horário

para sentar com eles olha não está bom, não é assim, não esta rendendo, eles

são capazes, é uma turma muito capaz mais muito imatura e agora eu vejo que

no final do semestre eles amadureceram, melhorou demais, as minhas aulas

melhoraram muito, o nosso relacionamento melhorou muito, é a turma que eu

mais gosto de levar. Para o professor Júlio essa é uma turma boa mas que

conversam muito em sala: “difícil, a 08A é uma turma com maior facilidade de

aprendizagem, conversam ao extremo, mas ultimamente tem ocorrido uma

melhora de maneira que eu consiga até dar aulas”.

As relações que foram se construindo entre os professores e as turmas

do último ano do ensino fundamental dão-se de maneiras diferentes. Com a

turma 08A, a disposição para ensinar parte da disposição observada pelos

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professores que a turma tem para aprender, o que não ocorre com as outras

duas turmas. Eles acreditam que essa turma tem um potencial maior para

aprender, isso interfere na prática em sala de aula, pois os professores

acreditam que podem exigir mais da turma 08A que os resultados por parte dos

alunos, no período das avaliações serão melhores que as outras duas turmas.

Isso de fato acontece, mas de uma forma muito tímida. Na demonstração dos

conceitos, a turma 08A realmente foi melhor do que as turma 08B e 08C, mas o

grande número de AD aparece em todas as turmas.

A professora Marlene é uma professora exigente. Podemos considerar

sua prática bem tradicional, ela faz uma avaliação da turma 08A, e, ao mesmo

tempo, das outras turma 08B e 08C. Vejamos o que ela diz: “olha eu tive

problema com a turma A que é assim com todo mundo, o que eu consegui com

a 08A foi através dessa auto-avaliação eu mostrei para eles o resultado, tive

uma conversa muito séria, eu chamei a atenção sério mesmo, eles nunca me

viram daquele jeito, eles falam dessa forma, aí eu mostrei para eles, ó, esse é o

resultado que vocês tiraram, é o que vocês vão colher no final do ano, aí eu falei

mesmo, vocês são sérios candidatos a reprovar, vocês estão no final do ciclo,

realmente é uma ameaça, eu faço uma ameaça sim, por exemplo eu sempre tô

mostrando para eles a questão do resultado por eles estarem no final, é um

feed-back, gente esse é o resultado, eu chamo a atenção, eu evito gritar, esse

tipo de coisa, se eu estou numa sala depois do recreio, eu não deixo aluno

entrar depois de mim, e tem outra coisa que eu faço, funciona mais nas 08A e

08B, na 08C não está funcionando não, por exemplo eu passo atividade de

casa, e o aluno não fez dever eu dou bilhete para o pai ou a mãe ter

conhecimento que ele não fez trazer assinado para mim e ele sai de sala e vai

lá para a biblioteca fazer o exercício sozinho, eu fico na sala discutindo o

exercício com os que fizeram, aí eu justifico para eles, não faz sentido você ficar

aqui porque eu vou te pedir exercício que o pessoal tentou, que o pessoal tem

dúvidas, tem dificuldades, você que não fez nada não faz sentido ficar na sala

copiando, aí ele fica na biblioteca e tem que voltar, então isso na 08A e na 08B

surtiu um efeito legal, porque a quantidade de alunos que deixaram de fazer

diminuiu drasticamente, agora na 08C não adiantou nada, já parei de mandar

bilhete na 08C porque ficava a aula inteira escrevendo vinte e sete bilhetes

(total de alunos da turma) é assim”.

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Embora sejam considerados bons alunos, os resultados do primeiro

trimestre de 2007 como já vimos no capítulo anterior não foram bons, nem

mesmo para a turma 08A, para a maioria dos alunos, o conceito que prevaleceu

em seus boletins foi mesmo o B, que foi o campeão em cinco disciplinas,

seguido pelo conceito O em três disciplinas, embora o conceito AD tenha

superado o conceito O em quatro disciplinas, lembrando que em ciências e

história, apenas um aluno alcançou o conceito O. Esses resultados mostram

que, embora a turma 08A seja considerada a melhor das três turmas, as

dificuldades de aprendizado ficaram evidentes no final da etapa, pois, de uma

maneira geral, os conceitos não foram muito bons.

Em todos os depoimentos dos professores, vi que o foco da avaliação é a

nota, o aprendizado do conteúdo, da matéria trabalhada no período, todos os

aspectos avaliados pelos professores dizem respeito muito mais a uma escola

tradicional do que o ciclo de formação humana. Os alunos que fazem bagunça,

não prestam atenção na aula, conversam durante as explicações, não

conseguem uma boa nota nas provas, e, com isso, podem ser retidos no final do

ano. O aprendizado aqui é entendido apenas como assimilação de conteúdos.

Ao avaliar apenas o cognitivo, os professores deixam de considerar outros

aspectos importantes da avaliação que estão inclusos no boletim de

desempenho escolar, como: a socialização, a solidariedade, o lúdico, a

democracia, etc.

Nessa primeira turma, foram entrevistados dois alunos, que aqui chamarei

de Adalberto e Carina. Nessas conversas, procurei ouvi-los acerca das

experiências da vida escolar de cada um deles. Adalberto nasceu em 1993, é

natural de Contagem – MG, mora no bairro Taquaril, onde a escola está

localizada, ele estuda na Escola Capela Nova, desde 2005, ele afirma que gosta

de ler, mas no período de março de 2006 até junho de 2007, Adalberto pegou

sete livros na biblioteca da escola. Seu pai é metalúrgico e cursou até a 8ª série,

e sua mãe é dona de casa e cursou até a 7ª série. Carina nasceu em 1992, é

natural de Belo Horizonte – MG, mora no mesmo bairro que Adalberto. Ela

estuda na Escola Capela Nova desde 2000, e parece mesmo gostar de ler, pois,

de março de 2006 até junho de 2007, Carina pegou 23 livros na biblioteca da

escola. Seu pai é abastecedor de produção e cursou até a 8ª série, e sua mãe é

cabeleireira e cursou até a 6ª série.

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Conversei primeiro com Adalberto, que se sentiu muito à vontade para se

manifestar. Perguntei a ele como avalia o ensino na escola, e ele diz: “acho que

a escola é boa, que não é tão bom por causa das paralisações, semana de

jogos igual tá tendo, acho que isso atrapalha mais o ensino, sempre a aula de

inglês, toda quinta-feira ou quarta-feira tá tendo jogos e aí a gente perdeu

bastante aula de inglês, aula de inglês a gente não tá tendo, a gente tem uma

ou duas vezes por mês por causa dos jogos, agora que acabou que a gente vai

pegar tudo o que a gente perdeu no trimestre passado aí. Acho bastante

importante mesmo a gente estudar para formar e ser alguém na vida, até para

essas pessoas gari aí que fica trabalhando no caminhão de lixo tá precisando

de estudo, todo mundo tá pedindo segundo grau, aí se não estudar não terá um

bom salário, fica aí na rua vagabundando e pedindo esmola, eu falo assim, é

uma ajuda pra sua vida”.

Adalberto comenta a importância do provão (simulado) aplicado pela

escola: “quando passar para outra escola já tá sabendo mais, igual vai ter o

simulado aí agora, isso aí já tá fazendo a gente saber como é que vai ser as

provas do vestibular como vai ser os negócios todos, isso aí está ajudando

bastante no aprendizado. São quatro a cinco questões por matéria, são

marcado no gabarito, o gabarito é entregue e você fica com a prova, no final da

aula eles pregam o gabarito com as respostas já pronta de cada turma na

parede a gente vai marcando o que a gente acertou e a que errou e a nota que

foi dada no simulado vai para o boletim”.

O aluno parece concordar com a relação de poder estabelecida na

escola. Para ele, os alunos precisam estudar mais para serem alguém na vida,

ele gosta mais do sistema de notas do que do de conceitos. Quando perguntei a

ele porque foi mal em algumas disciplinas, ele se culpou dizendo que foi por que

brincou muito e não estudou como deveria. Perguntei também o que os

professores fazem para manter a disciplina na sala de aula, e ele respondeu:

“uai, sempre conversam, conversam com a gente, quando a sala mesmo

extrapola do normal aí que ela apela para a direção, manda chamar os pais pra

ver se dá um jeito, outras coisas assim não atrapalha tanto assim não”.

Na entrevista com a aluna Carina, perguntei se ela gosta da escola que

estuda: “é bom, mas tem vezes que é meio fraco, porque eu conheço várias

pessoas que estudam em outras escolas da mesma idade que eu, aí eu vejo, a

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gente olha o caderno o que está estudando e aqui está bem atrás de outras

escolas, mais pouca coisa”. O que Carina parece avaliar é o conteúdo, o que ela

comparou o seu caderno com suas colegas que estudam em outras escolas.

“Você gosta do sistema de ciclos que tem na escola?” “Gosto, mas eu preferia

quando era série. Por quê? Por que confunde muito esse trem de ciclo, eu tô no

quarto ano do quarto ciclo entendeu. Então você prefere nota a conceito?

Prefiro. Por quê? Porque o conceito tem que fazer porcentagem, então no meu

caso quando eu tiro nota é boa, só que em números, quando vai fazer a

porcentagem é menos entendeu, dá menos então eu prefiro números”. “Como

funciona o conceito aqui na escola?” “O conceito aqui é o seguinte: eles

corrigem e aí dá um valor pra cada atividade né, na prova de inglês, vamos

supor, tem 5 questões, aí a primeira vale 2, a segunda vale 3, entendeu, mais

ou menos assim. Uma prova de 10 pontos, como que se divide? Aqui na escola

é o seguinte, eles fazem, depende da atividade, pra eles dar um número maior

de pontos, aí depois eles pegam uma prova de 10 eu levei 8 eles fazem a

porcentagem de 100%, só que eu não sei o que acontece que não fica a mesma

coisa, entendeu. Eu acho melhor nota”.

O sistema de ciclo de formação humana, adotado por toda a rede

municipal de Betim, na Escola Capela Nova parece confundir os alunos, fazendo

que eles não estejam entendendo como funciona, não conhecendo seus

objetivos, também não gostem do sistema. Tanto Carina quanto Adalberto

preferem o sistema de notas a conceitos, eles acreditam que saem perdendo

quando suas notas são transformadas em conceitos. Na prática, os alunos são

avaliados o tempo todo com notas, apenas no final do trimestre elas são

transformadas em conceitos, pois, na Escola Capela Nova, as avaliações valem

nota, os trabalhos valem nota, os vistos no caderno valem nota, os alunos são

avaliados de forma quantitativa o tempo todo, esses números são transformados

em conceitos (O, B, AD) para o boletim de desempenho escolar no final de cada

trimestre letivo.

Na turma 08A também houve muitos alunos que ficaram com o

conceito AD. “Como você, Carina avalia isso?” “Muito, por que a minha sala é

uma sala muito agitada, ela é considerada uma turma boa por que esses dois

últimos anos nós ficamos praticamente todo mundo junto, teve um desempenho

maior que as outras turmas, só que a nossa sala é uma sala que não tem, sabe,

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ninguém pra escutar as atividades, muito difícil todo mundo entender, todo

mundo ficar calado pra entender, a sala é muito agitada. A culpa não é dos

professores é nossa mesmo, entendeu. O que os professores fazem para

manter a disciplina? Primeiro eles conversam com a gente né, conversam várias

vezes, e depois, se não resolver, eles mandam chamar os pais, comunicam a

direção, a direção chama o aluno, o aluno conversa com a pedagoga, depois em

último caso eles chamam os pais, se não resolver. E quando uma turma vai mal

a uma avaliação o que é feito para melhorar? Quando é a turma toda, igual a

professora Marlene no início do ano, a prova dela foi péssima, todo mundo, ela

fez o seguinte, ela mandou um bilhete para os pais, todos os pais assinaram a

prova e assinaram o bilhete, ela corrigiu questão por questão com a gente e fez

a gente fazer outra prova, outra atividade avaliativa bem dizer baseada nas

mesmas questões que a primeira, aí todo mundo foi melhor nessa”.

Carina é uma aluna preocupada com o seu futuro. Ela pretende estudar

para ser alguém na vida: “olha eu espero estudar muito, até agora que tá

dificultando mais né, eu acho assim, de vez em quando eu fico com preguiça eu

acho meio chato, mas eu gosto de estudar, eu pretendo fazer um segundo grau

numa escola boa, e depois fazer uma faculdade né, de medicina, alguma coisa

parecida, uma educação física, mas não pra ser professora não”. “Não gosta

não?” ”Não, quero fazer educação física só se for pra ter uma academia, pra ser

professora de uma escola não”. “Você não gostaria de ser professora?” ”Não, eu

acho que, eu fico olhando para os meus professores, eles sofrem querendo falar

e ninguém deixa, eu não tenho paciência pra isso, eu não, nosso Deus, tenho

paciência nenhuma”.

6.3.2 A turma 08B

A turma 08B tem 29 alunos matriculados. A freqüência média nas aulas

observadas era de 25 alunos. Essa é uma turma considerada intermediária,

alunos desinteressados, não fazem as atividades, alunos fracos. O professor

Renato define a turma da seguinte forma: “Agora a 08B é uma turma mais

apática, você vê que os alunos têm potencial, alguns têm potencial, mas não

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têm aquela energia, não têm aquele interesse de querer avançar, de querer

saber mais, prefere ficar mais quieto, então é muito apática né”. A professora

Flávia, que é a madrinha da turma, comenta: “a turma 08B é uma turma que eu

chamo de preguiçosa, ‘eu só vou pensar se me apertar’, mas que eles dão

conta, eles dão conta ainda, inclusive é a turma que teve o pior rendimento

apesar de ser melhor do que a 08C, eles relaxaram um pouco e eu chamei a

atenção deles porque eu fui madrinha deles nas olimpíadas, nos PAN

Americanos, eu acho que eles confundiram, ‘ela é nossa madrinha e vai nos dar

nota boa’, e não foi o que aconteceu eu fui madrinha e a nota ficou ruim, então

eu acho que eles não entenderam muito, a gente teve que sentar e conversar, o

fato de eu ser madrinha, de gostar de vocês, de participar dos momentos na

quadra não quer dizer que eu vá protegê-los”.

Nessa turma, foram entrevistados dois alunos, que aqui chamarei de

Ricardo e Luciana. Nessas conversas, procurei ouvi-los acerca das experiências

da vida escolar de cada um deles. Ricardo nasceu em 1993, é natural de Belo

Horizonte – MG, mora no bairro Bom Retiro, próximo da escola, ele estuda na

Escola Capela Nova desde 2000. Ele demonstra não gostar muito de ler; de

março de 2006 até junho de 2007, Ricardo pegou três livros na biblioteca da

escola. Seu pai é funcionário público e cursou até a 8ª série, e sua mãe é

professora, ele é considerado um aluno “problema” pelos professores, não faz

dever e conversa muito em sala. Luciana nasceu em 1993, é natural de

Contagem – MG, mora no mesmo bairro que Ricardo, ela estuda na Escola

Capela Nova desde 2000. É considerada uma boa aluna; de março de 2006 até

junho de 2007, Luciana pegou oito livros na biblioteca da escola. Seu pai é

encanador industrial e cursou até o segundo grau; sua mãe é doméstica e

cursou até a 4ª série.

O aluno Ricardo interessou-se por esta pesquisa desde a primeira

observação que fiz com sua turma em sala. Durante os quatro meses da minha

presença na escola, ele buscava informação sobre o andamento da pesquisa

com a sua turma. Na entrevista, manteve-se muito à vontade e respondeu as

nossas perguntas prontamente e com muita espontaneidade. Ele começa

falando do que acha da escola que estuda: “a escola é boa, o problema é os

professores, eles enchem o saco pra caramba, fica no pé do aluno mesmo, eles

não tem dó não, é perigoso, dá medo, a escola é boa, o ensino é bom, só que

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se o professor marca você, não tem jeito mais não, fica marcado”. Ricardo

parece um aluno que tem problemas com alguns professores, pergunto a ele

como é o seu comportamento em sala, ele responde: “eu fiquei brincando muito,

eu fiz muita bagunça na sala, assim quando passavam atividade na sala eu

fazia, só que o dever eu não fazia não, eu esquecia mesmo. Pergunto se as

atividades avaliativas tem notas, e como ele se saiu: as provas tem, quer vê

teve uma prova, de três que eu fiz eu peguei média em uma, eu acho que a de

português, de história e de inglês e a de ciências eu não fiz, nem na aula eu não

vim. Você gosta do sistema de ciclo na escola? Gosto, eu só não gosto daquele

negócio tipo assim, de sexta a oitava não da bomba, da bomba só na oitava, o

aluno fica muito manso, fica muito manso mesmo aí quando chega à oitava ele

quer estudar, eu acho que isso é errado”.

Pergunto ao aluno como que funciona o processo de recuperação das

aulas, dos conteúdos? “Eles ensinam né, só que falta interesse dos alunos

também, de todos os alunos, não tem nenhum que, eu mesmo já precisei de

ajuda, mas os alunos não gostam de estudar não, ninguém gosta de estudar e

isso vacaia muito né, o professor quer ensinar só que na hora todo mundo

começa a brincar e se um começar todo mundo brinca né, aí falta interesse de

estudar, e aí por isso que a gente fica com dúvida nas coisas e acaba ficando

com vergonha de perguntar ao professor, aí depois quando você vê que tá mal

mesmo se pede ao professor aí eles vão lá e ajudam, tanto que tem vez que o

professor fica chato demais, tanto que tem uns que pedir ajuda pra eles é osso,

igual aquele Júlio mesmo eu não gosto daquele cara não. Por quê? A não, o

cara é chato demais, ele virou para nós outro dia e disse assim, o negócio é o

seguinte eu vim aqui pra dar aula não quero ser amigo de ninguém não, falou

desse jeito na sala, vacaia a gente né, falou pra turma toda, todo mundo, aí a

gente fica chateado né. Aí a gente nem faz pergunta para o professor, depois os

professores dão essas tiradas boba na gente”. “Isso prejudica então o

relacionamento entre professor e aluno?” “Prejudica”. ”Como que ficou a relação

da turma com o professor depois disso?” “A foi tipo assim né, uns faz atividade

dele porque tá precisando de nota mesmo né, só que tem gente que não faz

nada na aula dele, porque o cara é muito chato, ele zoa todo mundo, ele coloca

apelido nos outros né, aí vai colocar apelido nele, ele acha ruim, aí a gente toma

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antipatia dele, aí não faz nada depois não, nem melhorar com ele não melhora,

aí fica ruim na matéria dele”.

Ricardo é um aluno que gosta de dar suas opiniões, pergunto a ele como

os professores fazem para manter a disciplina em sala e ele responde: “Quem

mais consegue é a Marta, a mulher é brava demais nossa, ela briga demais, a

gente fica com medo só, ela gosta de botar medo na gente mesmo porque ela

faz uma cara de mau véio, ela transforma na hora, ela muda a cara toda, numa

hora ela tá boazinha e acontece alguma coisinha a mulher dá um surto nela que

ela vira outra pessoa, aí a gente fica com medo dela assim e fica quieto. Quer

ver quem mais, o Renato não, ele conversa na maior moral e os meninos ficam

calados né, porque ele é o seguinte, quanto mais o professor xinga mais os

alunos faz bagunça, o Renato fala ‘vocês querem fazer bagunça então faz mais

depois não reclama que não passou de ano não’, aí os meninos ficam quietos

na aula dele, ele é o único também que consegue, o Júlio também não

consegue, a Flávia consegue mais ou menos, porque ela conversa com a gente,

a Marlene mais ou menos, ele é o seguinte, ela explica direitinho, mas se ela

cismar com você assim, nossa você tem que andar na rédea curta com ela”.

Ricardo também comenta os motivos dos resultados ruins da sua turma

no primeiro trimestre de 2007 em uma das disciplinas: “o que mais conta é o

dever, ela tá mandando até bilhete agora para os pais, o bilhete vem com a

parte em branco para escrever o que o aluno fez, se tiver desrespeitado ela, se

não tiver feito o dever, não levou o caderno, fez bagunça e o pai tinha que

assinar e trazer para a escola, e depois de três deveres que não tiver assinado,

aí os pais tinham que vir na escola, aí se não melhorasse tomava suspensão

porque não tinha feito o dever e não trouxe o caderno”.

Ricardo é um aluno muito crítico com relação à escola, os professores,

mas também soube avaliar seu próprio desempenho nas disciplinas. Seus

comentários reforçam a idéia que os professores mais próximos dos alunos, que

criam uma relação de afeto, aqueles que conquistam os alunos também

despertam neles um interesse maior por sua disciplina, isso me pareceu bem

claro nas respostas de Ricardo. Já o professor mais distante dos alunos, aquele

que não estabelece um diálogo, cria também uma distância entre o seu

conteúdo e o interesse dos alunos. A empatia ou a antipatia que os alunos criam

com relação aos professores estão relacionadas ao tipo de relação que o

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professor estabelece em sala com os alunos. Ao estabelecer uma relação de

diálogo com os alunos, o professor conquista o mesmo para aprender sua

disciplina.

Luciana, aluna da mesma turma que Ricardo, é mais contida nas

palavras. Ela diz que gosta da escola, de estudar, mas ela gosta das disciplinas

em que os professores são amigos dos alunos: “Tem sim, a professora Flávia e

a professora Roberta, por que elas conversam com a gente, alem de dar a aula,

de falar com a gente o que é certo e o que é errado eles ainda conversam com

a gente, brincam com a gente, tem um relacionamento como se fossem amigos

da gente mesmo”. Pergunto se tem algum professor que a turma tem mais

dificuldades, e ela diz: ”Acho que sim, o professor Júlio, acho que os meninos

não se interessam pelas aulas dele, acho que é isso. Por que você acha que

tem mais dificuldades nessa disciplina? Por que nas aulas o professor xinga

muito na sala sabe, fala que vocês não estudam, e muita gente tirou nota baixa

na disciplina dele, nas provas muita gente tirou nota baixa”.

Pergunto o que os seus professores fazem para manter a disciplina em

sala, ela diz: “ah, eles conversam com a gente, olha isso vai valer ponto, aí

quem não tem muito interesse passa a fazer as coisas por que os professores

falam que vai valer ponto. A gente vamos fazer isso por que vai dar isso pra

vocês, um dia vocês podem precisar disso que eu estou passando. Como vocês

são avaliados pelos professores? Tem alguns professores que dão ponto de 0 a

10 e outros de 0 a 20 e outros dão o O, B, AD, cada um faz de um jeito, mas

quando chega lá na hora eles todos põe o O, B, AD. Você prefere a nota ou o

conceito? Acho que eu prefiro o conceito. Por quê? Por que na nota você fica,

acho que tirei tanto, dá muita preocupação, já no conceito não, no conceito é

mais tranqüilo. Você acha que aprende melhor no sistema de conceito? Por que

eu acho que a nota pressiona muito as pessoas, nossa eu preciso tirar nota,

nota, nota, e aí vai ficando muito nervosa na hora da prova e acaba tirando nota

baixa de tanto ficar pensando, preciso de tanto... e agora no conceito não, você

tirou tanto fica por isso”.

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6.3.3 A turma 08C

A terceira turma pesquisada foi a 08C. Nela, estão matriculados 28

alunos. A freqüência média nas aulas observadas era de 22 alunos. Essa é uma

turma considerada fraca, nas palavras de uma professora, em uma das

reuniões, essa é uma turma homogênea negativa. Em abril, ouvi professores

afirmando que nessa turma tinha alunos sem condições de serem aprovados, e

deveriam ser retidos. Como já constatei, não percebi um nível social e

econômico diferente entre os alunos das três turmas, mas aparentemente essa

é uma turma bem diferente das duas turmas anteriores. Os sete professores

entrevistados são unânimes em apontar as dificuldades de aprendizado da

turma 08C.

A professora Marta fala da defasagem de aprendizado da turma: “a turma

08C tem uma defasagem antiga, como eu trabalhei com eles a partir desse ano,

tem só teoricamente quatro meses eu percebi que a defasagem deles é lá de

trás, eles têm uma defasagem muito antiga de ler, interpretar e fazer as quatro

operações, eles não dão conta. Agora o porquê eu acho que um ponto é isso,

eles foram turma de ciclo, então devia ter aproveitado essa época deles lá atrás

e fazer turma de flexibilização, não fazer uma turma do jeito que tá, todo mundo

é fraco, aí um incentiva o outro, mas não tem incentivo, todo mundo é fraco

mesmo então nós vamos só até aqui, aqueles meninos só rendem isso, aí você

não passa disso com eles, eles tem uma defasagem de aprendizado muito

grande, o Lucas por exemplo foi meu aluno no ano passado, ele já tem mais

capacidade, ele desenvolveu muito do ano passado para cá, ele precisava

dessa paradinha, no ano passado ele parou, ele foi retido, e esse não ele tá

aqui de novo, esse ano o Lucas é outro, ele já fala mais, ele já argumenta mais,

ele já consegue fazer uma redação, então eu vejo que aquela turma tem uma

defasagem muito grande de aprendizagem, eles não conseguem, são muito

espertos também, eles não fazem bagunça, eu não tenho problema de disciplina

naquela turma, muito pelo contrário, o problema ali é que eles são apáticos de

mais, eles tem dificuldades demais, todas as respostas são incoerentes”.

Perguntei, então, à professora Marta, se é feita alguma coisa para

diminuir essa defasagem de aprendizado da turma 08C: “Não é feito nada, olha

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só nós tivemos uma reunião com o diretor tem aproximadamente dois meses,

depois do conselho, hoje eu falei com o professor Júlio, o que nós vamos fazer

com a turma 08C, nós fizemos as seguintes sugestões, reuniões de pais,

colocar os alunos em formato de ‘U’ na sala de aula para ver se diminuía um

pouco porque aí um ajudava o outro, pegar os alunos que realmente têm

dificuldades para fazer APG, então nós anotamos tudo, tá tudo anotado, se você

quiser copiar, você pode copiar, mas sabe o que a gente fez disso tudo, nada.

Eu particularmente tenho um APG que é hoje, na segunda-feira, todas as

segundas-feiras eu subi para substituir alguém que tinha faltado, então eu não

fiz o APG, não fiz, eu Marta não fiz nada com eles, nós tentamos colocá-los em

forma de ‘U’, no segundo dia já tinha voltado tudo ao normal, não deu certo

porque eles acharam que não eram crianças mais, que daquele jeito a sala não

ia dar certo, tava bagunçado, que eles não estavam acostumados, houve uma

resistência tão grande que quando eu cheguei para dar a minha aula já estavam

em fila indiana, eu perguntei por que, eles falaram que aquilo é bobeira, eles

não deram conta e nós também não demos conta disso, eu só dei uma aula em

U, quando eu cheguei à segunda que já tava em fila indiana, quer dizer a

pessoa que chegou antes de mim, como eu, também não deu conta de conduzir

aquele trabalho em U que seria um trabalho diferente, a Marlene até falou

assim, nós poderíamos fazer uma entrevista com eles, ver o que eles desejam

mais, nós não fizemos nada disso Jeovani, nada foi feito até agora, e hoje na

hora do recreio eu falei, o Júlio nós tínhamos combinado tanta coisa e ele

respondeu, é a gente tinha combinado mais a gente não realizou, eu fico tão

triste com essas coisas, mas a gente não realizou nada, aí fica assim, cada um

dá a sua aula, acaba o horário você sai, o outro não sabe o que você fez”.

Não estou falando, aqui, de alunos que apareceram do nada, cheios de

dificuldades de aprendizado, os alunos da turma 08C, na sua grande maioria,

estudam na Escola Capela Nova desde o primeiro ano do ensino fundamental.

Dos 28 alunos matriculados, 15 estudam na escola há oito anos, e 23 estão na

escola desde a 5ª série. Isso me mostra que todo o histórico de dificuldades

desses alunos foi vivenciado na mesma escola. Para Mirian, nada foi feito para

diminuir as dificuldades da turma. Ela diz: “não, só no conselho de classe que

nós decidimos trabalhar com eles em forma de ‘U’, até foi uma tentativa mais

não deu certo, os professores não trabalharam, as intervenções que foram feitas

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são os atendimento a pequenos grupos APG, alguns professores nos seus

horários pegam um ou dois alunos e trabalham com eles, e aí tá a grande

dificuldade porque com o coletivo nosso faltando, porque está um grande

numero de faltas, aí nesse horário, acaba indo para a sala cobrir o colega, então

todo o material que eu preparei para trabalhar com o aluno naquele dia vai por

água abaixo, eu não posso trabalhar, aí eu espero na outra semana, aí na outra

semana acontece a mesma cosia, aí eu não consigo, até acho que deve rever

essa questão do APG porque não está funcionando, eu já cobrei muito isso do

pedagógico, sempre eu falo, sempre eu coloco essa questão, mas nunca que dá

tempo, sempre tem outros assunto, esse assunto não é discutido”.

A professora Flávia trabalha com essa turma há três anos, e comenta: a

turma 08C esse ano tá me surpreendendo porque sempre foi uma turma com

dificuldade, faz três anos que eu trabalho com eles, como o inglês são dois

professores, a minha proposta de trabalho é a seguinte, ir com eles até o final,

se eu comecei com eles na quinta e eles passam para a sexta eu também vou

dar aulas na sexta, quando eles passarem para a sétima eu vou para a sétima,

isso quer dizer que eu vou ter um trabalho único, um processo de quatro anos,

quinta, sexta, sétima e oitava, ou seja, terceiro e quarto ciclos, tá vendo a gente

nem consegue falar ciclo ainda, a gente só fala seriação mesmo, então tem

alunos que eu conheço há três anos, quando a gente senta para fazer um

conselho de classe algum professor fala, aquele aluno é isso e isso, eu falo que

é porque você não conheceu ele há três anos atrás, há três anos atrás ele era

muito diferente e talvez no seu conceito muito pior, ele evoluiu sim, evoluiu

como pessoa, ficou mais maduro, eu tô achando a turma 08C muito mais

madura, brinca menos, fala de coisas mais sérias, a turma ainda não tem essa

maturidade, mas eles estão preocupados com a oitava série que é o último ano,

tem retenção então eles estão suando a camisa para recuperar esse tempo,

essa dificuldade, eles são alunos que têm dificuldade”.

A professora Roberta é a madrinha da turma 08C, e avalia a turma da

seguinte forma: “a turma 08C é uma turma que tem muito problema, eles não

acreditam em si, auto-estima muito baixa, você tem que estar o tempo todo

junto, você tem que estar o tempo todo incentivando, eles precisam de incentivo

o tempo todo para estudar, e eu sou madrinha de turma lá, então tudo o que

acontece, eles dizem, ô professora, me ajuda, eu estou sempre à disposição

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deles, mais é muito difícil lidar, quando o aluno chega ao ponto de achar que a

nossa turma é a pior, a nossa turma não consegue, nós somos fracos, lá o lema

deles é esse, nós não conseguimos, nós não vamos conseguir. No início do ano

o coletivo dos professores fez um combinado de estar trabalhando mais

individual e agora no finalzinho do semestre eles deram uma melhorada muito

boa, que a gente conseguiu levantar a auto-estima com recadinhos, atividades,

com excursões que nós fizemos com eles, com atividades diferentes que eu fiz

em sala, atividade prática, trabalhei muito a questão da criatividade, da

habilidade, que eles fizeram e viram que são capazes, que eles conseguem,

então eles melhoraram muito”.

A professora Marlene comenta sobre a reunião e os encaminhamentos

acerca dos problemas da turma 08C: “teve um conselho de classe dessa turma

entre os professores, aí eu propus fazer um trabalho diferenciado, os meninos

sentarem diferente, ter um olhar diferenciado para essa turma, mas aí eu não

sei se coincidiu, vou falar a verdade com você, coincidiu a campanha do

sindicato, aquela redução de módulo, paralisação, aí ficou aquele poço entre a

proposta que se tirou naquele dia, foi o diretor que anotou tudo o que a gente

propôs para fazer com essa turma especificamente, aí teve esse momento e

depois morreu, eu por exemplo propus que a turma sentasse em U para todos

ficar se vendo porque é uma turma que tem menos alunos, aí algumas vezes

eles sentaram, mas só eu cobrei, os outros não cobraram então não funcionou,

aí tá vendo já caiu no esquecimento, então não tem sido feito nada, eu tenho

APG lá, tenho três alunos lá de APG , mas como é uma vez por semana, não

tem toda semana, ou tem jogos, excursão ou tem feriado nem isso de eu

acompanhar não está funcionando, então não tem trabalho nenhum sendo feito

com a 08C, não tem horário diferenciado com a turma, olha só tem provão, tem

prova mensal, eles fazem as mesmas provas que as outras turmas sinal que

não tem trabalho diferenciado”.

Perguntei também ao professor Júlio, o que se faz para diminuir as

dificuldades de aprendizado da turma 08C: “Bom, nós temos aqui na escola o

atendimento a pequenos grupos, eu trabalho com quatro alunos no xadrez eu

peguei alunos com mais dificuldades menos a Gessei e a Lucília e o Gabriel tem

muitas dificuldades conseguiram aprender, de maneira que até comigo a relação

melhorou bastante, agora no segundo semestre eu vou pegar quatro novos

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alunos e farei questão de pegar aqueles que tem dificuldades de aprendizagem

ou disciplinar, então o APG nesse sentido ajuda, no meu caso específico,

inclusive tem outros atendimentos e outros alunos são retirados da turma, agora

com a quantidade de paralisações, campeonato, etc. eu acho que o trabalho de

uma maneira geral ficou prejudicado, e é um trabalho muito individualizado em

pequenos grupos mesmo, dois, três e no máximo quatro por vez de cada sala.

Eu acho que deveria acontecer um projeto um pouco mais diferenciado com

essa turma, mas não há não, por exemplo você pegar realmente a questão de

produção de texto, de correção ortográfica, cada professor tirar uma aula da sua

matéria, por exemplo, e trabalhar com essa questão de produção de texto, com

a interpretação de texto na sala, ajudaria bastante. Isso para a história é fácil

né, trabalhar a interpretação de texto e leitura, só que a gente teve poucas aulas

de flexibilização em função desses questões ditas, paralisações, campeonatos e

tudo mais, as minhas aulas são justamente nas quintas e sextas-feiras depois

do recreio aí complicou, não teve um projeto para a turma e deveria ter tido.

Uma coisa que eu acho que, eu não sei por que eu não pequei a formação da

turma, eu particularmente não sou muito favorável à enturmação que existe,

esses alunos da 08C eles deveriam estar divididos, não deveria ser uma turma

tão ruim como é a 08C em termos de aprendizagem não”.

O professor Renato, que, em sua entrevista, defendeu a divisão das

turmas por níveis de conhecimento (turmas homogêneas), comenta o que é feito

com a turma 08C: “a gente tem aqui é a flexibilização, os APG, regência

compartilhada ou atendimento a pequenos grupos, então alguns professores

que têm esse atendimento trabalham com alunos particular, só que lá são

muitos né, eu acho que não satisfaz, além da falta de muitos professores, então

o APG fica muito comprometido por falta de professores na escola, eu te falo

que não esta sendo muito bem aproveitado”.

O que existe de comum na fala de todos os professores, e que fica

evidenciado aqui, é que a turma 08C tem dificuldades de aprendizado, e

nenhum projeto que possa diminuir suas dificuldades deu certo. Durante esta

pesquisa na escola, não vi nenhum atendimento de professor com alunos dessa

turma (APG), realmente as paralisações, o projeto PAN, a falta de professores

são algumas das causas que não permitiram os atendimentos a pequenos

grupos. Quais seriam os motivos que não permitiram que uma turma de 28

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alunos que, na sua maioria, estudam na escola desde o primeiro ano do ensino

fundamental, chegasse ao 8º ano sem os conhecimentos básicos para sua

idade escolar? O pior disso tudo é que os alunos são os únicos penalizados, os

fracassados, os excluídos, os reprovados.

Nessa turma, foram entrevistados dois alunos, que aqui chamarei de

Rafael e Laura. Nessas conversas, procurei ouvi-los acerca das experiências da

vida escolar de cada um deles. Rafael nasceu em 1993, é natural de Contagem

– MG, mora no bairro Bom Retiro, próximo da escola. Ele estuda na Escola

Capela Nova desde o 2000. Demonstra ter uma resistência com a leitura, pois

de março de 2006 até junho de 2007 Rafael não pegou nenhum livro na

biblioteca da escola. Seu pai é pedreiro, e sua mãe é dona de casa. Ela cursou

apenas a primeira série do ensino fundamental. Rafael é considerado pelos

professores um aluno que apresenta muitas dificuldade de aprendizado. Laura

nasceu em 1992, é natural de Esmeraldas – MG, mora no mesmo bairro que

Rafael. Ela estuda na Escola Capela Nova desde 2005. Ela também parece não

gostar de ler, pois, de março de 2006 até junho de 2007, Laura pegou três livros

na biblioteca da escola. Seu pai é assessor de vereador, e cursou até a 8ª série,

sua mãe é dona de casa e cursou até a 8ª série. Laura é considerada uma aluna

rebelde e agressiva pelos professores.

Conversei com o aluno Rafael, e perguntei a ele se gosta da escola, das

aulas e dos professores: “A escola é boa, sempre gostei de estudar aqui, só que

às vezes tem alguns problemas, mais isso não é motivo pra deixar de gostar da

escola, a escola não é ruim, é boa”. Que tipo de problema você tem aqui na

escola?” “Ah, os professores, assim, eles gostam que a gente respeita eles, só

que às vezes vem tirando a gente, não respeitam a gente direito, não é todos,

alguns professores que vem com ignorância, só que depois pedem desculpa, aí

fica tudo bem. O motivo também é que na sala de aula eu não agüento ficar

quieto assim não, eu gosto de brincar com todo mundo, aí quando eu brinco, o

professor vem falando alguma coisa comigo, aí eu não gosto e começa a

discussão, mas isso não é motivo pra não gostar da escola não”. “Você foi bem

nas atividades do primeiro trimestre?” “Só três resultados que não foram muito

bons. Em português no caderno eu faço tudo, mas as atividades eu não vou

bem, na prova eu não estudo e não dei conta de fazer a prova, esse foi um dos

motivos porque eu tirei nota ruim. Quando eles dão as coisas, na hora eu já

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faço, às vezes tiro nota boa, às vezes não tiro nota muito boa. Por isso eu não

estudo. História eu não gosto muito, e ciências eu não consigo entender nada,

ela explica mas eu entendo mais ou menos, aí eu peço pra explicar de novo, só

que na terceira vez eu tenho vergonha de pedir de novo, eu não sei se eu pedir

eles vão xingar. Como os professores fazem para manter a disciplina em sala?

Alguns mandam pra diretoria, eles avisam primeiro, se continuar do mesmo

jeito, aí levam pra diretoria. Tem professor que chama lá fora e conversa com

calma, não vem xingando, na ignorância, tem professor que grita em sala de

aula, bate em cima da mesa. Aconteceu na aula do professor Júlio, tinha uma

colega lendo e dois alunos conversando aí ele deu um tapa na mesa, aí todo

mundo assustou na hora, tava todo mundo distraído com o texto. Aí ele gritou

depois pediu desculpas. Esse foi um caso que aconteceu ontem. O professor

Renato, todo horário dele, a gente o chama na carteira, ele explica a matéria pra

gente sem reclamar, sem falar nada. É o professor, o que mais ajuda é ele,

também tem a professora Marta que explica muito”.

A aluna Laura, que também estuda na turma 08C, diz que gosta da

escola, dos colegas de sala e dos professores, mas nem todos; tem alguns que

ela não gosta porque eles brigam com a turma, vejamos o que ela diz: “meu

relacionamento com a Marlene, porque ela veio falar um monte de coisas

comigo e eu sou muito topetuda e aí eu não aceito, aí ela vem falar um monte

de coisas e eu não aceito e a gente acaba brigando, toda aula dela a gente

briga, aí eu não gosto dela não, dos outros professores eu gosto, com a turma

também, ela é muito ignorante, a gente pergunta ela a explicação e ela não dá”.

“Quais atividades você mais gosta de fazer?” “Eu gosto de português, porque a

aula dela é diferente sabe e ela é muito boa pra dar aula, explica bastante aí é

por isso que eu gosto mais de português, eu gosto também da professora,

matemática também, o professor é meu primo, aí eu já gosto dele, mais ele

explica muito bem a matéria. Só ciências e história que eu não gosto também

não, é que as vezes ele estressa porque nós conversamos demais, mas ciência

eu não gosto mesmo. “O que os professores fazem para manter a disciplina em

sala?” ”Eles conversam bastante com a gente, pedem silencio, e se não resolver

aí eles gritam, e se não resolver mandam para a diretoria, mas na maioria das

vezes os professores são amigos eles chegam e conversam e a gente pega e

ouve. Quando vocês vão mal em alguma atividade o que é feito para melhorar?

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Eles mandam a gente corrigir a avaliação o que a gente errou a prova toda e aí

o que a gente tiver mais dificuldade eles pede pra gente estudar e da outra

avaliação e sempre na segunda a gente melhora, aí a gente já passou pela

primeira, já corrigiu, já estudou de novo e acaba dando certo”. “Como vocês são

avaliados nas disciplinas?” “Os trabalhos que eles dão vale 10 pontos, aí se

você tirar menos de 5 aí você tira AD, aí se tirar mais tira B e aí se tirar quase o

valor de 10 tira O, aí eles estimulam a quantia da nota, o ano, o semestre, aí o

semestre vale 30 pontos, aí eles vão dando atividades, trabalhos, aí você tem

que conseguir 30 pontos para ficar bem no semestre”.

A turma 08C é considerada a mais fraca das três turmas, e isso é sentido

pelos alunos. Eles se sentem inferiores, são tratados de forma diferenciada, o

que dá a eles um tratamento inferior. Fica presente, tanto no depoimento de

professores quanto no de alunos, que esses são ainda mais excluídos do

processo de ensino/aprendizado do que os alunos das outras duas turmas. E

essa exclusão aparece também na resistência deles com o conteúdo, com a

escola e com os professores. São adolescentes que cursam o último ano do

ensino fundamental, e parece que sempre ficaram à margem do conhecimento,

da cultura, e, se nada for feito, ficarão também à margem da sociedade, de

direitos fundamentais como a dignidade e a qualidade de vida, expressa por um

bom emprego, um bom salário, bons conhecimentos. São pessoas que, além de

excluídas serão exploradas pelo sistema capitalista. O que podem esperar

esses alunos do futuro, que sonhos eles têm, que esperanças estão sendo

construídas, que possibilidades a escola está oferecendo para eles? Torna-se

urgente a problematização das relações entre os professores e os alunos, das

três turmas, mas principalmente da turma 08C.

6.4 Uma alternativa possível

É bem visível que o aluno só aprende se quiser, se houver desejo para

aprender, se o professor despertar no aluno esse desejo pelo saber. Mas é

igualmente evidente que o professor só ensina se quiser, e, mais ainda, o que

quiser e como quiser. O ciclo de formação humana é um modo de ensinar que

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modifica a relação entre o professor e o aluno, a relação de poder é, antes de

tudo, democrática, participativa, a sua implantação depende do poder público,

mas a sua efetivação no interior da escola depende da vontade livre de gestores

e professores e da aceitação por parte de pais e alunos. Não é possível gostar

daquilo que não se conhece, daquilo que não se experimentou. Enquanto aluno,

fui educado no sistema seriado, e o reproduzi como se fosse a única forma de

levar os alunos a prestar a atenção na aula, a fazer as atividades, a estudar,

como se fosse a única forma possível de levar o aluno a adquirir conhecimento.

É igualmente importante lembrar que o querer ensinar do professor e o querer

aprender do aluno dependem de fatores, como: ambiente geral da escola e

condições apropriadas de trabalho. Os professores da Escola Municipal Capela

Nova de Betim encontram dificuldades na implantação total do ciclo, talvez por

medo de perder o controle sobre os alunos, por falta de compreensão do ciclo

ou por falta de apoio administrativo. Por isso, concordam em parte com o ciclo.

Esses problemas dificultam a construção de uma relação de poder dialógica,

não autoritária, o conhecimento não chega até ao aluno através do desejo de

aprender, ele continua vindo através da ameaça da reprovação. A função do

aluno aqui é apenas de memorizar e repetir o que foi transmitido, os conteúdos

não são problematizados, e, nesse sentido, o aluno não se apropria do

conhecimento. Segundo FREIRE (2005),

O educador, que aliena a ignorância, se mantém em posições fixas, invariáveis. Será sempre o que sabe, enquanto os educandos serão sempre os que não sabem. A rigidez destas posições nega a educação e o conhecimento como processo de busca. (FREIRE, 2005, p. 67)

Podemos chamar de educação bancária toda aquela que se preocupa

apenas em transmitir o conhecimento cognitivo aos seus alunos. Esse é

importante como parte de um todo muito maior, sozinho, sem considerar outros

aspectos do conhecimento a serem adquiridos, que transforma os alunos em

vasilhas em que os professores enchem de conteúdos. A educação dialógica,

ao contrário, vem do afeto, do respeito, da preocupação do educador com todas

as dimensões do aprendizado dos alunos. Ela acontece quando os alunos se

apropriam da cultura, através do conhecimento filosófico, político, social,

religioso, da experiência democrática vivida na sala de aula com os colegas e

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com o professor. Uma formação voltada para a cidadania compreende uma

visão crítica da realidade por parte de todos os agentes envolvidos no processo

ensino/aprendizado.

Para Freire (2006b), uma educação bancária é contraditória, não liberta,

oprime e aliena os cidadãos. Ao contrário, uma educação dialógica é

libertadora, ela está a serviço de uma verdadeira democracia. Diz ele:

Pensávamos numa alfabetização direta e realmente ligada à democratização da cultura, que fosse uma introdução a esta democratização. Numa alfabetização que, por isso mesmo, tivesse no homem, não esse paciente do processo, cuja virtude única é ter mesmo paciência para suportar o abismo entre sua experiência existencial e o conteúdo que lhe oferecem para sua aprendizagem, mas o seu sujeito. Na verdade, somente com muita paciência é possível tolerar, após as durezas de um dia de trabalho ou de um dia sem “trabalho”, lições que falam de asa – “Pedro viu a Asa” – “A Asa é da Ave”. Lições que falam de Evas e de uvas a homens que às vezes conhecem poucas Evas e nunca comeram uvas. “Eva viu a uva”. Pensávamos numa alfabetização que fosse em si um ato de criação, capaz de desencadear outros atos criadores. Numa alfabetização em que o homem, porque não fosse seu paciente, seu objeto, desenvolvesse a impaciência, a vivacidade, característica dos estados de procura, de invenção e reivindicação. (FREIRE, 2006c, p. 112)

Assumir uma concepção de educação emancipadora deve considerar a

relação dialógica entre os agentes envolvidos no processo ensino/aprendizado.

Somente uma educação problematizadora e dialética é capaz de enfrentar as

contradições e buscar alternativas para um modelo que deseja conservar a

ideologia dominante. Assim, o aluno é capaz de se apropriar dos saberes

necessários para se tornar um cidadão crítico capaz de transformar a realidade

opressora na qual se vê inserido. Mas o descaso por uma educação pública e

de qualidade parece tomar conta dos governantes brasileiros, nas três

instâncias (federal, estadual e municipal), até os dias de hoje, a falta de infra-

estrutura, de investimentos, de salários justos, de capacitação profissional, das

condições adequadas para que o aluno se torne sujeito do seu próprio saber

fazem parte da lista de impedimentos desde o Brasil Império até os dias de hoje.

Como já demonstrei anteriormente, os alunos entrevistados estudam em

uma rede de educação que adotou o modelo de ciclos de formação humana,

mas a prática existente no interior da escola parece reproduzir um modelo

seriado, onde os conteúdos são depositados nos alunos sem uma

problematização da realidade vivida por eles. Os professores dizem que unem o

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que existe de bom de cada modelo, seriação e ciclo, e adotam em suas

metodologias de trabalho. Se existem mesmo elementos bons em ambos os

modelos que devem se unir, os resultados não apareceram nos alunos

pesquisados. O aproveitamento refletido nos conceitos dos alunos parece

demonstrar o fracasso dessa suposta união. O grande número de alunos com o

conceito AD (A Desejar) revela um fracasso que esses se vêem obrigados a

assumir a responsabilidade sozinhos. Ao longo de toda a pesquisa, percebi a

preocupação de alguns professores com os métodos utilizados no processo

ensino/aprendizado, porém são convencidos por aqueles que não querem

mudanças, que acreditam que o problema está na falta de interesse dos alunos.

O controle ideológico sofrido pela educação, ao longo dos anos, vem

formando, nas escolas públicas, cidadãos sem cultura própria, preparados

apenas para se tornarem mão-de-obra barata para os donos dos meios de

produção. A educação vê-se distante do seu papel, que é o de formar cidadãos

emancipados, principalmente no meio das classes trabalhadoras onde é

oferecida uma educação de qualidade inferior àquela oferecida às classes

médias e altas, impedindo que os mais pobres possam concorrer em iguais

condições no mercado de trabalho, na vida política, na distribuição da renda, no

processo de decisão dos destinos do país. A educação pública e de qualidade,

que visa a uma formação integral do educando (profissional, técnica, cognitiva,

lúdica, ética, política, filosófica e emancipadora) é um desafio para educadores

e educadoras que vêem na educação uma via para uma sociedade melhor e

mais justa.

Se amanhã uma educação revolucionária for possível é apenas porque, hoje, no interior de uma educação conservadora e reacionária, os elementos de uma nova educação, de uma outra educação, libertadora, se formaram dentro de uma educação conservadora e reacionária. Essa mudança de espaço dominado para o espaço dominante não se fará nem espontaneamente, nem de um momento para outro; por isso, é necessária uma verdadeira pedagogia do conflito que evidencie as contradições em vez de camuflá-las, com paciência revolucionária, consciente do que historicamente é possível fazer, mas sem se omitir. O progresso não é o massacre das teorias e práticas precedentes, mas o resultado de um esforço comum. A educação sempre foi necessária. Viver é sempre tomar lugar num certo espaço. A educação é uma linguagem pela qual eu tomo assento neste lugar, ascendo a uma certa comunidade, a uma sociedade, onde não estou sozinho. Mas essa educação não pode caminhar, libertar-se do seu passado reacionário, a não ser na medida em que os educadores a ponham fundamentalmente em questão. Assim, o que

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eu chamo de “a educação contra a educação” é essa tensão, esse conflito que deve ser mantido para que ela não se transforme, em nenhum sistema social, num mecanismo de opressão de classe. (GADOTTI, 2005, p. 64)

Meu desejo inicial era observar como se dão as relações de poder em

uma escola de periferia que adota o sistema de ciclo de formação humana como

prática pedagógica, mas, ao acompanhar a rotina da escola, percebi que a

prática pedagógica dos professores em sala ainda está inserida em um modelo

seriado e tradicional. As características do ciclo de formação humana aparecem

apenas nas questões burocráticas; criticada pelos professores, como

transformar notas em conceitos, não pode reprovar aluno. Isso aparece,

inclusive, na avaliação dos professores entrevistados que afirmam que o ciclo,

no seu início, era mais forte do que hoje, que existem falhas de ordem

administrativa vindas da Secretaria Municipal de Educação, dos diretores e do

pedagógico no acompanhamento do cotidiano escolar. Os educadores desejam

oferecer uma educação de qualidade, planejam estratégias de recuperação dos

alunos, mas as dificuldades, ao longo do ano letivo, vão impedindo esses

projetos de se concretizarem, como eles mesmos demonstraram, as

paralisações, as faltas dos colegas, a falta de motivação por parte de alguns,

tudo isso impediu os professores de dar uma atenção maior para as dificuldades

dos alunos, e, assim, eles não fizeram os atendimentos a pequenos grupos e

essas, dentre outras dificuldades, resultaram no fracasso quase total dos alunos

no primeiro trimestre de 2007.

Durante toda a pesquisa realizada na Escola Capela Nova de Betim,

encontrei sinais de uma educação bancária na prática cotidiana de professores

e alunos. Os professores trabalham com conteúdos programados, sem

considerar a realidade vivida pelos alunos, as atividades valem ponto, dando

uma idéia de mérito para quem fizer bem feito, exigem uma disciplina que inibe

a iniciativa e a participação dos alunos nas aulas, ameaçam os alunos

constantemente de reprovação, e, por fim, culpam os alunos pelo próprio

fracasso. Os alunos, por sua vez, embora sua trajetória escolar seja toda

ciclada, são passivos e conformistas dentro do processo ensino aprendizado,

acreditam mesmo que, se o professor não der nota, não der prova, o aluno não

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estuda e não aprende, ele se considera responsável pelo fracasso nas

disciplinas em que não foi bem.

É preciso dar uma atenção especial para os resultados dos alunos no

primeiro trimestre de 2007. Em disciplinas como ciências, apenas um aluno dos

86 alcançou o conceito “O”; em história, dois alunos; e, em português, seis

alunos; enquanto na outra ponta da tabela os números são muito grandes, em

ciências, 57 alunos ficaram com “AD”; em geografia, 44; e, em português, 36

alunos. Esses números devem me dizer alguma coisa, causar ao menos um

incômodo, diante da dificuldade encontrada pelos alunos de apreender o

conteúdo das disciplinas. Precisamos ao menos buscar as causas desse

fracasso. Isso não pode ser encarado como uma fatalidade da realidade em que

os alunos estão inseridos, pois seríamos preconceituosos em considerá-los

menos capazes, por serem oriundos das classes populares. É preciso que

educadores assumam o compromisso de emancipar esses alunos, de fazer com

que eles aprendam o conteúdo, mas, além disso, oferecer uma educação que

dê a eles a esperança necessária para melhorar sua condição de vida, de levá-

los a uma consciência crítica diante do real, conduzindo a uma vida mais digna.

Sem compreender o antagonismo presente nesse modelo educacional, sem a

devida problematização, os conteúdos são apenas depósitos e os alunos

recipiente vazios, desumanizados. Muitos desses alunos chegaram ao último

ano do ensino fundamental sem compreender que, acima de preparar o aluno

para o vestibular e para o mercado do trabalho, a principal função da escola era

dar-lhe condições de se apropriar da cultura, de se tornar um cidadão crítico

capaz de problematizar a realidade vivida. É preciso que ele tenha um acesso

digno ao ensino superior e ao mercado de trabalho, é preciso que ele reconheça

o seu lugar na sociedade na qual está inserido, e, assim, contribuir para a

construção de uma sociedade menos desigual.

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7 CONCLUSÃO

A história das lutas pelos direitos sociais é mais recente do que a luta

pelos direitos civis e políticos, e sua efetivação nasce da consciência livre dos

indivíduos em se organizarem e lutarem por seus direitos. Nos últimos 100

anos, muito se discutiu sobre os direitos sociais e humanos, direitos

imprescindíveis para a construção da cidadania. A essa luta, junta-se a busca

pela institucionalização de uma educação pública e de qualidade. Na pauta dos

debates, a preocupação em garantir esse direito subjetivo a todos os indivíduos,

pois a educação é um pré-requisito para a construção da cidadania, e,

conseqüentemente, de uma sociedade menos desigual.

A história da educação no Brasil é marcada pela forte presença da Igreja

que, desde o início da colonização, se fez presente para educar os índios e os

africanos, segundo a cartilha dos europeus. Com o surgimento da indústria, era

preciso treinar os trabalhadores, que antes produziam de forma artesanal, e

agora precisavam aprender a produzir em série. Tornou-se necessário o

surgimento de uma educação que atendesse essa demanda. O trabalhador

precisava aprender as técnicas da produção em série. O acesso a uma

educação de qualidade por séculos foi um privilégio das classes dominantes. A

educação das classes trabalhadoras era vista pelas elites apenas como o

treinamento de mão-de-obra para suas fábricas, comércio e grandes

propriedades de terras. Não era necessária – nem desejável – uma

conscientização das massas populares; essas precisavam ser obedientes e

dedicadas às tarefas que lhes eram impostas.

Hoje, em quase todos os países do mundo, existem leis garantindo

escolarização a todas as crianças em idade escolar. Mas o reconhecimento

desse direito e sua prática dá-se de maneira adversa em cada parte do mundo.

Nos países mais pobres, a educação de qualidade ainda é um privilégio de

poucos, contribuindo ainda mais para as desigualdades entre as classes sociais

existentes nessas regiões. Parece-nos evidente que a existência de leis deve vir

acompanhada pelo seu reconhecimento e com os meios para sua aplicação no

seio da sociedade. A Constituição Federal de 1988 deu um grande passo para a

universalização da educação no Brasil, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação

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(LDB) de 1996 caminha na direção da garantia de uma escola pública e de

qualidade para todas as crianças em idade escolar, gestão democrática das

escolas e a valorização dos profissionais da educação. Mas a garantia desses

direitos ainda esta distante das escolas públicas brasileiras, que refletem ainda

o impacto secular da desigualdade e o desinteresse das classes dominantes em

assegurá-los. A oferta de uma educação de qualidade acaba sendo destinada

para as classes mais ricas, enquanto uma educação precária e de qualidade

duvidosa fica voltada para as classes trabalhadoras. A herança da colonização,

das ditaduras e de vários governos autoritários e subservientes às elites

nacionais e internacionais, parece, ainda hoje, ecoar em nossas escolas. Assim,

não podemos falar em cidadania, sem uma preocupação constante em diminuir

as desigualdades sociais e aumentar o potencial cultural das classes

trabalhadoras.

O modelo educacional tradicional e seriado. É, ainda hoje, a prática mais

comum nas escolas públicas brasileiras. Um modelo caracterizado pela

reprodução dos conteúdos, pela classificação dos alunos em aqueles que

sabem e aqueles que não sabem, uma escola que reprova o aluno e exclui os

outros agentes do processo de avaliação.

Em Minas Gerais, a Constituição Estadual de 1989 caminha na direção da

União, dando mais espaço e abertura para a flexibilização dos modelos

pedagógicos e possibilitando novas experiências.

Em Betim – MG, um município industrial de apenas 70 anos de

emancipação, mas com uma educação com características tradicionais, vem

buscando novas alternativas metodológicas, desde 1993, quando um governo

popular de esquerda assumiu a Prefeitura. Em 1998, após muitos debates com

os educadores, são implantados os ciclos de formação humana no município. O

novo modelo recebe o nome de “Escola Democrática”. Sua implantação foi

ocorrendo gradativamente até 2004, data de sua instituição definitiva para todo

o ensino fundamental em todas as escolas da rede municipal de ensino.

A Escola Municipal Capela Nova de Betim, localizada na periferia do

município, atende os alunos oriundos das classes trabalhadoras desde 1995, e

adotou o modelo de ciclos logo na sua implantação, pela rede municipal em

1998. Essa possui um prédio novo e em boas condições para atender a

comunidade. Ali realizei um estudo de caso com as três turmas do último ano do

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ensino fundamental, juntamente com seus oito professores no turno da manhã.

Meu objetivo era observar as relações de poder existentes entre professores e

alunos na prática escolar cotidiana a partir do novo modelo educacional

implantado pela rede municipal e pela própria escola.

Entendendo o poder como a capacidade que um ser humano tem de agir

sobre outros seres, de determinar a ação de outros seres, o poder é, portanto,

uma relação entre aquele que decide e o outro que executa. O professor tem o

poder sobre seus alunos; ele determina, faz escolhas que podem contribuir para

a formação dos seus alunos. Ele pode exercer seu poder por meio da coerção,

impondo suas escolhas aos alunos sem que estes participem do processo,

sendo apenas agentes passivos na reprodução dos conhecimentos. O professor

pode exercer seu poder por meio da manipulação dos seus alunos, impondo, de

maneira camuflada, sem que eles percebam suas reais intenções. E o professor

pode, ainda, exercer seu poder por meio da persuasão, conquistando os alunos

para que esses desejem e sintam prazer em se relacionar com o conteúdo

lecionado.

Sem despertar nos alunos o desejo pelo saber, o professor consegue

apenas que estes decorem os conteúdos para tirar boas notas nas provas, sem

que haja uma relação dialógica entre professores e alunos, conteúdo e

aprendizado. Uma escola autoritária, seriada, que se preocupa apenas com o

cognitivo, que exerce seu poder a fim de disciplinar os alunos a regras pouco

emancipatórias, não cumpre sua função principal que é a transmissão da cultura

através dos conhecimentos acumulados históricamente. Um professor

tradicional e autoritário disciplina seus alunos para reproduzirem idéias prontas,

educa-os para a submissão e para o conformismo.

As classes dominantes utilizam-se do poder econômico para propagar

uma cultura que serve aos seus interesses, a cultura do silêncio, da exploração,

da disciplina, a cultura de trabalhadores submissos e conformados com a

realidade, ela não permite manifestações culturais que possam ameaçar seus

interesses. Dizem que é necessária sua cultura hegemônica para a pacificação

da sociedade. O currículo presente nas escolas públicas brasileiras, muitas

vezes, reproduzem essa cultura do silêncio que cala o desejo de emancipação

dos alunos. Esses que estudam sem prazer tornam-se, mais tarde, mão-de-obra

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barata nas mãos dos meios de produção, e trabalham a vida inteira apenas para

sobreviver.

Outro caso, também possível, dá-se quando o professor usa seu poder

para persuadir seus alunos a fim de conscientizá-los, de torná-los cidadãos

críticos diante da realidade social em que estão inseridos.

Os homens fazem história produzindo cultura, apropriando-se dela e

transformando-a quando necessário. A cultura é o resultado das relações dos

indivíduos em sociedade. A educação, como apropriação da cultura, é condição

fundamental para a construção da cidadania. O reconhecimento de que todos

temos o direito de participar da construção da história, através da manifestação

cultural, é condição importante para que a cultura não se torne propriedade de

alguns em detrimento da maioria dos indivíduos. Quando isso ocorre, o

resultado é sempre a dominação, a exploração de uns sobre os outros. Uma

educação humanizadora reconhece os alunos como portadores de cultura,

considera sua história e parte dela para a problematização do mundo real. Um

professor humanizador parte da práxis libertadora capaz de contribuir para a

formação crítica de seus alunos.

O currículo escolar aplicado nas escolas, no interior da sala de aula

precisa se aproximar da realidade dos alunos, em cada bairro, em cada

município, em cada estado do Brasil. Se essa aproximação não ocorre, se os

professores não consideram em seus currículos a história vivida pela

comunidade onde estão inseridos, ele deixa de cumprir seu dever de educador,

e seus alunos não se apropriam da cultura.

Uma educação comprometida com a emancipação de seus alunos não é

autoritária, não faz da escola um funil para o mercado de trabalho, sem

considerar suas necessidades individuais e sociais. Ela é comprometida com

uma práxis capaz de conscientizar seus alunos, e, fazendo isso, ela não só

educa, mas dá poderes aos alunos, poderes de busca de transformação da

realidade, de apropriação da cultura. Essa escola constrói seu currículo partindo

da realidade social em que está inserida, considera os problemas vividos pelos

alunos. Aqui, ele não está a serviço de uma realidade dada, hegemônica e

excludente; ele está a serviço da formação de cidadãos conscientes de seu

papel social e político.

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A realidade das escolas públicas brasileiras mostra que, historicamente, o

currículo vem cumprindo uma função de controle social, de dominação por parte

das elites sobre a grande massa de trabalhadores. O acesso de todas as

crianças à escola é uma conquista recente em nosso país, mas isso não garante

que essas crianças tenham uma educação de qualidade, entendida como

apropriação da cultura, e não reprodutora de conceitos e fórmulas. O modelo

seriado é caracterizado pela fragmentação dos conteúdos, pela disciplina, pela

seletividade, pela recompensa. O aluno não é sujeito do processo de ensino/

aprendizado. Esse modelo tende a preparar o aluno para a produção em série,

para o vestibular, para o mercado de trabalho, não considerando sua dimensão

humana, social e cultural.

A escola, ao preparar seu currículo baseado em um modelo educacional

reprodutivista, não forma cidadãos, forma peças para o mercado. Uma

educação humanista prepara os alunos para a vida, para o exercício da

cidadania, para a conscientização da realidade vivida. É isso que,

historicamente, a educação brasileira não ofereceu a nossos alunos. Assim, era

mais fácil manter o poder de uma cultura hegemônica e dominar as classes

trabalhadoras.

Mas muitos segmentos de nossa sociedade não ficaram indiferentes a

essa situação e ao modelo excludente de educação praticado em nossas

escolas. Muitos foram os educadores e críticos da educação que escreveram e

lutaram para que a escola enxergasse no aluno não apenas um agente passivo,

mas um sujeito ativo do processo de ensino/aprendizado. Como demonstrei

acima, a Constituição Federal de 1988 e a LDB de 1996 muito contribuíram para

a flexibilização dos modelos educacionais, com a renovação dos currículos, com

a autonomia pedagógica das redes de ensino e das escolas.

O modelo de ciclos de formação humana surge como uma esperança

revolucionária capaz de possibilitar ao aluno que seja sujeito e não mais objeto

passivo do processo de ensino aprendizado. Esse modelo é caracterizado pela

flexibilização dos tempos escolares, respeitando as fases da vida do educando,

considera as experiências vividas pelos alunos e parte delas para construir seu

currículo. Ele acompanha os ciclos do desenvolvimento humano, o

desenvolvimento coletivo não anula o individual, mas contribui para o

desenvolvimento de todos.

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Para o ciclo de formação humana, o indivíduo é compreendido na sua

totalidade, em todas as dimensões do seu desenvolvimento, não apenas no

cognitivo, no que possam produzir, mas principalmente no que possam vir a ser,

no cidadão que possa ser formado. Os conteúdos abrem espaços para o

cotidiano dos alunos. O debate democrático envolve a dignidade, a

solidariedade, a cidadania, a política, a violência, o desemprego, as causas da

pobreza, e todos os aspectos que envolvem o cotidiano escolar.

Embora o modelo de ciclos seja uma opção, hoje, melhor e mais justa

para os alunos das escolas públicas brasileiras, ele vem encontrando

resistências para sua implantação e efetivação na prática em sala de aula. A

grande justificativa, segundo vários autores pesquisadores e educadores é que,

sem nota, o aluno não estuda. Se a atividade não vale ponto, o aluno pouco faz,

sem a ameaça da reprovação o professor não consegue mais manter a

disciplina e a atenção do aluno em suas aulas. Ou seja, o que prende o aluno

em sala de aula não é o prazer pelo conhecimento, e, sim, acumular pontos

suficientes e ir para a série seguinte.

Nossos professores, educados num protótipo de modelo seriado

enraizado no autoritarismo, encontram dificuldade para renovar. O modelo

seriado está ancorado na cultura do nosso País, e mudar a cultura não é algo

muito fácil, principalmente quando ela interessa àqueles que detêm o poder

econômico. Estamos acostumados com um modelo reprodutivista, nosso

planejamento de aulas segue as regras que me foram passadas. Desde os

tempos de escola, fomos acostumados a preparar a aula, passar o conteúdo no

quadro, ditar os exercícios, passar o dever de casa, dar visto no caderno, punir

o aluno que conversa e atrapalha a aula, tirar pontos de quem não cumpre as

tarefas, dar provas, avaliar os alunos, aprovar os bons e reprovar os ruins, essa

vem sendo a lógica da educação brasileira há muitos anos, e mudar isso não

parece uma tarefa fácil.

O fracasso escolar não está apenas na quantidade de alunos reprovados

a cada ano, na quantidade de alunos que saem das escolas, sem adquirir os

conhecimentos necessários. O fracasso escolar está presente no grande

número de professores que consideram esse fracasso apenas dos alunos, sem

avaliar seus próprios métodos de ensino, sem aproximar o conteúdo da

realidade desses alunos, sem despertar neles o desejo pelo saber. O fracasso

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escolar está presente na falta de significado e de razão de ser de um modelo

educacional que condena o aluno ao fracasso escolar, humano e profissional.

A educação como prática da liberdade é, antes de tudo, dialógica. Nela, a

avaliação é contínua e compreende todos os elementos e agentes do processo

de ensino/aprendizado. Não existe um único culpado pelo fracasso e nem um

único responsável pelo sucesso. O ato de educar é um ato político, e suas

escolhas podem contribuir para a transformação da realidade ou para a

manutenção da dominação de uns poucos sobre a maioria da população. Nossa

prática em sala de aula não é neutra, ela pode caminhar na direção da

conscientização de nossos alunos para a cidadania ou contribuir para a

manutenção das desigualdades existentes entre as classes sociais. Podemos

recriar a sociedade ou conservar a exploração econômica, pois, a formação da

dignidade de cada aluno também passa pelas escolhas curriculares do estado,

da escola e de cada professor.

Esta pesquisa observou as relações de poder entre professores e alunos

de uma escola pública de periferia, que adota como modelo educacional os

ciclos de formação humana, considerando que, nesse modelo, o poder deve ser

assumido de forma compartilhada entre ambos. Nesse sentido, orientei-me pelo

método de Paulo Freire, sua pedagogia dialógica humanista. Oriundo de uma

vida simples no nordeste brasileiro, encontrou dificuldades para realizar seus

estudos, começou cedo a carreira de professor, sua história e experiências. Sua

convivência com alunos em dificuldades de aprendizado ajudaram a construir

seu método de ensino, era necessário falar a linguagem dos educandos, mas

ainda era urgente dar-lhes a palavra, não apenas fazer comunicados, mas

pronunciar a palavra viva da história social em que ambos vivem. A experiência

de Angicos (RN), em 1962, onde, em 45 dias, 300 trabalhadores rurais foram

alfabetizados, caracteriza o início de um novo conceito de alfabetização de

jovens e adultos no Brasil. Seu método só não se espalhou por todo o Brasil

porque, em 1964, os militares derrubaram a democracia e instalaram no País

um regime autoritário. Paulo Freire foi expulso do País, acusado de subversão,

no exterior ganha respeito e notoriedade, seu método de alfabetização é

copiado em vários países dos quatro continentes. Paulo Freire é convidado para

conferências, palestras, e até para lecionar por várias universidades espalhadas

pelo mundo. Ficou 15 anos no exílio, e retornou ao Brasil no início da década de

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80. Foi convidado a lecionar em universidades, foi Secretário de Educação do

município de São Paulo, no governo da prefeita Luiza Erundina, publicou vários

livros em diversos Países onde foi premiado e homenageado.

O método Paulo Freire de alfabetização de jovens e adultos, enfim,

ganhou espaço no seu País de origem. Ensinar partindo da realidade em que os

educandos estão inseridos usando as experiências do cotidiano para

conscientizar, e, assim, emancipar os alunos era o objetivo principal do seu

método. Para ele a escola deve educar para a liberdade, para a

problematização do real, os conteúdos não são escolhidos e transmitidos de

forma mecânica, mas contextualizados, provocando uma mudança de

comportamento em direção à transformação da realidade. A pedagogia dialógica

torna-se uma ferramenta de conscientização, e, conseqüentemente, de

emancipação das classes trabalhadoras. Ela substitui o método tradicional,

caracterizado pela transmissão de conteúdos prontos que provoca a

passividade nos alunos.

Uma educação tradicional, que reproduz uma realidade desigual, é

denominada por Paulo Freire de Educação Bancária, aquela na qual o professor

transmite os conteúdos de forma mecânica, onde os alunos são considerados

recipientes vazios onde os conteúdos e as fórmulas são depositados. Nesse

processo, somente o professor é sujeito, aquele que tudo sabe, e o aluno é

objeto, aquele que nada sabe. O professor deposita nos alunos as informações

consideradas necessárias para sua memorização. A relação é autoritária, pois

há ali uma imposição dos saberes determinados, fornecidos de cima para baixo,

sem que o aluno compreenda sua razão de ser, sua relação com o mundo que o

cerca. Nesse processo, não há explicitação das contradições; há uma espécie

de conformismo diante da realidade. O aluno permanece na ingenuidade, sem

ação, diante da condição social em que está inserido, ele permanece oprimido

sem que a educação o conduza a uma práxis transformadora do real. O

professor reduz sua atividade ao aspecto cognitivo apenas, sem inseri-lo ao

universo do aluno. A educação torna-se apenas um ato de depositar, de

transferir conteúdos, onde o professor é o depositante e os alunos os

recipientes vazios a serem enchidos.

Para Paulo Freire, a educação não é neutra, ou ela deposita conteúdos

programados, tornando os alunos submissos e dóceis, sem consciência crítica,

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ou ela é uma prática libertadora, uma ação cultural humanista e revolucionária,

capaz de confrontar-se com as contradições presentes na sociedade,

contribuindo para a sua transformação. Uma educação libertadora parte da

história dos educandos, explicita seus antagonismos e constroem propostas

para a emancipação dos explorados. Ela não está neutra, e, menos ainda,

comprometida com a manutenção das desigualdades sociais, não está atrelada

aos interesses do mercado, não manipula os alunos para torná-los uma massa

trabalhadora e explorada pelos donos dos meios de produção. Uma educação

dialógica exige um educador crítico, comprometido com a libertação de seus

alunos; ele parte de uma realidade vivida em direção a uma realidade

transformada, que exige um diálogo permanente entre educador e educando, na

construção permanente de um currículo comprometido com a cidadania, com a

dignidade de todos os indivíduos. Uma educação humanizadora está atenta às

necessidades da comunidade na qual está inserida.

As relações de poder entre professores e alunos precisam refletir uma

educação como prática da liberdade, reconhecer os direitos dos alunos de se

apropriarem da cultura. Ela precisa assumir uma postura político-pedagógica

que está comprometida com a construção de uma sociedade mais justa e

humana. Em uma sociedade desigual como a nossa, precisamos reconhecer o

direito à educação, o direito de emancipação de todos os cidadãos, o direitos de

os alunos se encantarem pelo saber, tornando o processo de ensino

aprendizado ser uma coisa prazerosa. As reflexões propostas por Paulo Freire

aos educadores convoca-me para o grande desafio de me comprometer com

uma educação dialógica e libertadora. Para ele, educar é um gesto de amor, de

compromisso com a emancipação de todos os seres humanos.

A realidade brasileira mostra-nos que a sociedade está dividida em

classes antagônicas, com interesses diferentes e que também se divergem, mas

as elites sempre determinaram os rumos da economia, das relações de

trabalho, da divisão da renda, dos métodos de ensino existentes em nossas

escolas. Mesmo após a implantação da nova LDB que abriu caminho para

novas perspectivas e métodos de ensino, como o ciclo de formação humana, o

modelo tradicional, reprodutivista e precário continua predominando nas práticas

escolares, continua sendo uma opção de nossos professores que não

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reconheceram ainda no ciclo uma alternativa mais justa, principalmente com

alunos das escolas públicas constantemente punidos pelo modelo seriado.

A Escola Municipal Capela Nova de Betim vem implantando o modelo de

ciclos há dez anos, e seus professores encontram muitas dificuldades para

compreender e praticar esse novo modelo.

Esta pesquisa permaneceu por quatro meses na escola, fazendo

observações, freqüentando as aulas das três turmas do último ano do ensino

fundamental, alternando entre as oito disciplinas. Conversei com a direção,

funcionários, professores e alunos, apliquei um questionário para os alunos,

entrevistei seis alunos, sendo dois de cada turma e sete dos oito professores

que trabalham nas três turmas. Esta pesquisa é o olhar que tive, partindo dos

dados que recolhi, das relações de poder existentes entre os professores e

alunos que observei.

A implantação dos ciclos pela rede municipal de Betim deu-se com as

seguintes características: avaliação qualitativa, contínua dos processos,

abrangendo toda a experiência escolar; rompimento com a fragmentação do

saber; reconhecimento do aluno como sujeito do processo de ensino

aprendizado. As ações pedagógicas devem considerar não apenas o cognitivo,

mas também promover a auto-estima, o comportamento ético, as manifestações

artísticas e o exercício pleno da cidadania. A rede municipal tem um boletim de

desempenho escolar aplicado em todas as escolas. Os conceitos aplicados são:

O (Ótimo), B (Bom) e AD (A Desejar). São avaliados aspectos como a

freqüência, a pontualidade, a participação nas atividades, respeito às normas e

compreensão dos conteúdos. A rede municipal também mantém um regimento

único para todas as escolas do município.

Nas observações que fiz das aulas, percebi que os professores valorizam

mais o cognitivo, passam a matéria no quadro, ditam os exercícios, olham os

cadernos, dão nota para as atividades, valorizam as avaliações bimestrais,

classificam os alunos em bons e ruins e ameaçam os alunos de reprovação no

final do ano. No primeiro trimestre de 2007, os resultados, as avaliações

bimestrais dos alunos das três turmas foram muito ruins, no conselho de classe

os professores limitaram-se a responsabilizar os alunos pelo fracasso, falaram

de cada aluno apontando seus problemas, e não foram poucos os selecionados

para uma conversa das pedagogas com os pais.

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Analisamos os conceitos das três turmas do último ano do ensino

fundamental no primeiro trimestre de 2007, o fracasso dos alunos aumenta a

cada turma analisada. A turma 08A, considerada a melhor das três, com alunos

aparentemente mais dedicados aos estudos, alcançou os melhores conceitos, e

mesmo assim, em história e ciências, apenas um aluno alcançou o conceito O.

Em ciências, 12 alunos tiveram o conceito AD, demonstrando as dificuldades de

assimilação dos conteúdos por parte dos alunos. A turma 08B, considerada uma

turma intermediária, as dificuldades de assimilação dos conteúdos foram

maiores do que na turma 08A. Em geografia e história, apenas um aluno

alcançou o conceito O, e em português e ciências, nenhum aluno alcançou esse

conceito. Do outro lado da tabela, vemos o aumento do conceito AD, 14 em

português, 15 em inglês, 16 em geografia, e 22 em ciências. Esse seria motivo

suficiente para uma reavaliação do processo de ensino aprendizado, se os

resultados da turma 08C não fossem ainda piores. A turma 08C é considerada o

“patinho feio” das três turmas do último ano do ensino fundamental. Parece que

foram colocados juntos os alunos com maior índice de dificuldades na mesma

turma, pois os resultados foram muito ruins, e, segundo o conselho dos

professores, eles são os responsáveis pelo fracasso. Nessa turma, dos 28

alunos, apenas em duas disciplinas vemos um número razoável de alunos com

o conceito O: 16 em educação física e 11 em artes. Nas outras seis disciplinas,

a média ficou entre 4 e 0 alunos com O. Já o conceito AD atingiu uma média de

17 a 23 alunos em cinco das oito disciplinas. Segundo os professores, essa

turma tem um histórico de dificuldades de aprendizado que vem de anos

anteriores, lembrando que a grande maioria dos alunos estuda na escola desde

os seis anos, ou seja, o problema está na escola desde o seu início. Segundo

uma das professoras, se não fosse a implantação do ciclo, o histórico escolar

desses alunos estaria marcado pela reprovação; muitos não estariam no final do

ciclo.

Pedi aos professores que avaliassem a implantação dos ciclos na rede

municipal e na Escola Capela Nova. Pedi, também, que se posicionassem sobre

o mesmo. As respostas dos sete entrevistados apresentam muitas

semelhanças. Todos acreditam que a implantação do ciclo na rede municipal e

na escola trouxe benefícios para a educação, tais como o coeficiente de 1,3

professores por turma de aluno, os momentos de estudo, a flexibilização, os

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projetos, os atendimentos a pequenos grupos, mas afirmam que falta preparo

dos professores para trabalhar com o ciclo. Os atendimentos a pequenos grupos

não funcionam por causa do grande número de faltas dos colegas, em função

das paralisações e dos projetos. Faltam investimentos para oferecer uma

estrutura adequada e condições físicas e materiais da escola e da rede

municipal para a prática ciclada. Alguns professores discordam da metodologia

dos ciclos, tais como: o modelo de avaliação, a substituição das notas por

conceitos, a promoção automática alegando que os alunos ficam muito soltos e

sem compromisso com os estudos. Na prática em sala de aula, todos os

professores utilizam elementos do ciclo e da seriação, e justificam essa postura,

alegando que é preciso pegar os elementos da seriação que sempre deram

certo, e unir com os aspectos positivos do ciclo. Nas entrevistas, todos afirmam

a importância do cognitivo, das avaliações, da nota e da retenção de alunos que

não conseguem assimilar o conteúdo, mas consideram os projetos

interdisciplinares, como o Pan-Americano, importantes para desenvolver outras

habilidades nos alunos como a socialização, a solidariedade e a divisão de

tarefas. Há aqueles que afirmam que o ciclo não acrescentou nada e que a

prática na escola é seriada mesmo.

Diante dos resultados ruins dos alunos, no primeiro trimestre de 2007,

perguntei aos professores o que era feito para melhorar o aprendizado dos

alunos e recuperar o conceito ruim. Todos responderam que suas iniciativas

para solucionar o problema são isoladas, cada um age de uma maneira, faz

revisão do conteúdo, dá mais exercícios, manda chamar os pais, exige uma

maior responsabilidade dos alunos. Houve até uma tentativa de organizar a

turma 08C em forma de U, que não deu certo. Não é feito um processo de

recuperação contínua, os atendimentos não funcionam, os colegas faltam com

freqüência, são feitas paralisações em prol das lutas da categoria, e nada disso

apareceu nas avaliações do conselho de classe, e a justificativa para penalizar

os alunos é a falta de compromisso com os estudos. E os alunos, o que dizem?

Eles concordam que não gostam muito de estudar, que a matéria é chata, que

os professores são muito exigentes, mas consideram importante estudar para

ser alguém na vida, ter um bom trabalho e uma vida melhor. Eles parecem

concordar com as relações de poder estabelecidas no interior da escola, ou

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seja, estão conformados com a condição de objetos passivos do processo de

ensino aprendizado.

Os alunos da turma 08A preferem o modelo seriado por causa da nota.

Acham que saem perdendo quando essa é transformada em conceito. Os

alunos da turma 08B reclamam muito da falta de diálogo dos professores,

afirmam que eles brigam e ameaçam tirar ponto, mandar o aluno para a direção

para tomar ocorrência, más preferem o ciclo porque acham que os alunos

aprendem com mais calma, sem a pressão da nota. Na turma 08C, os alunos

demonstram ter conflitos com alguns professores, sentem-se inferiorizados e

reagem discutindo com os professores. Eles também se sentem menos

pressionados com o ciclo.

Tanto nas observações, conversas e entrevistas, pude perceber que as

relações de poder entre professores e alunos das três turmas do último ano do

ensino fundamental da Escola Municipal Capela Nova de Betim, são relações

coercitivas e não persuasivas, os professores impõem os conteúdos que são

transmitidos de forma mecânica, sem uma adesão do aluno, ameaçam tirar

ponto, mandar o aluno indisciplinado para conversar com a direção, vigiam os

cadernos dos alunos, dividem os alunos em bons e ruins, e ameaçam de

reprovação aqueles que não melhorarem o comportamento e as notas nas

provas. Eram comuns, nas aulas, a dispersão dos alunos, conversas,

brincadeiras, e a falta de interesse parecia dominar o ambiente escolar, mesmo

porque poucas vezes vimos o professor relacionar o conteúdo e a vida cotidiana

dos alunos. Tudo parecia distante, o professor sujeito, o aprendizado, e o aluno

objeto passivo. E todos os problemas se agravavam quando os alunos eram da

turma 08C, pois eram considerados alunos com um grande grau de dificuldade

de aprendizado, indisciplinados, desinteressados, ou seja, um caso perdido.

Vemos, portanto, que as relações aqui estudadas não são dialógicas. Os

professores não exercem seu poder para conquistar os alunos, para despertar

neles o desejo pelo saber. Os conteúdos são distribuídos e passados aos

alunos de forma mecânica, e não provocam os alunos para conhecerem e muito

menos se apropriarem da cultura. A maioria dos alunos está na escola desde o

início do ensino fundamental, e as perspectivas de emancipação parecem se

distanciar cada vez mais, principalmente dos alunos da turma 08C com as

maiores dificuldades de aprendizado.

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A implantação do ciclo, na escola, pouco mudou nas relações entre

professores e alunos que continuam exercendo papéis bem definidos no

processo de ensino aprendizado. Um continua sendo aquele que tudo sabe e

precisa ensinar; o outro continua sendo aquele que nada sabe e precisa

aprender. A reflexão do modelo de ciclo na perspectiva freireana, como prática

da liberdade, precisa ser retomado, a compreensão do aluno como sujeito do

processo de ensino aprendizado não pode ficar fora das reuniões de

professores.

A história da educação é caracterizada pelo exercício do poder político,

econômico e cultural de uns sobre a maioria da população. As conquistas das

classes trabalhadoras vêm da conscientização e de constantes lutas pelos

direitos sociais. Em uma sociedade onde o direito à educação de qualidade é

negado, a construção da cidadania fica comprometida, os indivíduos não se

apropriam da cultura, não podem exercer o poder, pois de fato não o têm. A

ideologia das classes dominantes proporciona uma educação reprodutivista,

pouco conscientizadora das classes trabalhadoras. O modelo seriado atende as

necessidades do mercado, pois prepara uma mão-de-obra barata e conformada

com a condição dada. Somente um modelo educacional que atenda as

necessidades das classes trabalhadoras, que olhe para sua realidade de forma

crítica, pode libertar os trabalhadores da condição de explorados. Uma

educação dialógica e emancipadora é capaz de provocar uma práxis

revolucionária e diminuir as desigualdades educacionais e sociais presentes na

realidade brasileira.

Esta pesquisa limitou-se a buscar compreender as relações de poder

entre professores e alunos, no interior de uma escola pública da periferia de

Betim – MG. Certamente, ela pode ser confrontada com a experiência de outros

municípios. Mas muitos dos resultados dessa investigação lá focada parecem

ser homólogos aos de muitos outros lugares. Sabemos que o poder tem várias

faces, tais como: o poder econômico, o poder da administração pública, o poder

dos gestores escolares, o poder da comunidade local, o poder dos pais sobre a

escola, o poder do currículo, dos livros didáticos. Ou seja, as dimensões de

pesquisas acerca do poder são muitas, variadas e não menos importantes do

que esta a que me proponho. A educação como apropriação da cultura também

abre caminhos diversos para novas pesquisas, como as contradições entre a

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cultura erudita e popular na educação brasileira, e, por fim, os modelos

educacionais como prática escolar, os antagonismos entre seriação e ciclo

possibilitam muitas reflexões que merecem ser abordadas. O que não podemos

é esgotar a discussão e a pesquisa, e, menos ainda, deixar de buscar

alternativas para os conflitos que impedem a formação plena de nossos alunos,

principalmente os oriundos das escolas públicas.

Os ciclos de formação humana são, ainda, uma novidade nas escolas

brasileiras. Na rede municipal de Betim, vêm sendo implantado há dez anos, e

seu sucesso depende do conhecimento e do reconhecimento, por parte do

poder público, dos gestores, educadores, pais e alunos, e de recursos

financeiros e pedagógicos. Ao lado de uma melhor redistribuição da renda, é

preciso provocar mais debates, cursos e encontros com os agentes do processo

de ensino/aprendizado com a perspectiva de conquistá-los para a adesão livre

ao ciclo. É preciso mais investimento por parte do poder público na estrutura

física das escolas, material didático e pedagógico, e oferecer acesso à

informática aos alunos, embora seja preciso reconhecer que a rede municipal já

caminha nessa direção. As lutas dos trabalhadores em educação por melhorias

de condições de trabalho contam com um sindicato ativo no município. Essas

lutas precisam considerar uma oferta de uma qualidade de ensino melhor, por

parte do poder público municipal, da Secretária Municipal de Educação, das

Regionais Pedagógicas, dos gestores escolares, mas, principalmente, dos

educadores que não podem se omitir diante do fracasso escolar dos alunos,

transferindo a responsabilidade para o aluno ou para os professores de anos

anteriores que não ensinaram direito.

Nossos alunos do ensino fundamental da rede municipal de Betim têm

direito a uma educação de qualidade, e ela pode ser garantida pelo poder

público e pelos professores, desde que haja condições para isso com as

conseqüentes exigências para tal. Os professores afirmam ser favoráveis ao

ciclo de formação humana, mas, no fundo, são contra, pois sua prática em sala

de aula é autoritária e excludente.

Um município com características industriais, como é o caso de Betim,

com indústrias tão ricas e uma massa de trabalhadores tão pobres, precisa

estar em constante diálogo com os educadores, e estes precisam conhecer

sempre mais a respeito da realidade social dos seus alunos, aproximar seus

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conteúdos da história local, despertar nos alunos o desejo pelo saber, fazer com

que nossas crianças e jovens vejam na educação uma perspectiva real de

emancipação. Nesses dez anos de implantação dos ciclos no município, apesar

de todas as dificuldades enunciadas, muitas lutas foram travadas, muitas

conquistas foram feitas pelos educadores, conquistas que precisam continuar

caminhando na direção de uma educação como prática da liberdade. Os

educadores precisam assumir o desafio de fazer da educação uma verdadeira

soma de constantes gestos de amor.

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A N E X O S

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BETIM, MG

Anexo 01 - Mapa do Município de Betim com a identificação de todas as Escolas Municipais e Estaduais.

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Anexo 02 - Escolas Municipais de Betim, MG

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Anexo 03 - Escolas Estaduais localizadas no Município de Betim, MG.

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Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Pró-Reitoria de Pesquisa e de Pós-Graduação

Comitê de Ética em Pesquisa

ESCOLA MUNICIPAL CAPELA NOVA DE BETIM QUESTIONÁRIO PARA ALUNOS DAS TRÊS TURMAS DO ÚLTIMO

ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL 01- Há quantos anos você estuda nessa Escola:

( ) 1 a 2 anos. ( ) 5 a 6 anos. ( ) 3 a 4 anos. ( ) 7 a 9 anos.

02- Por que você estuda nessa escola? ( ) Perto de casa. ( ) Meus amigos estudam aqui. ( ) Qualidade do ensino. ( ) Não consegui vaga em outra escola.

03- Como é a qualidade do ensino na sua escola? ( ) Bom. ( ) Muito bom. ( ) Fraco. ( ) Ótimo. 04- Seus professores: ( ) São amigos e ensinam bem. ( ) São rigorosos na execução das tarefas. ( ) Explicam o conteúdo e avaliam as atividades. ( ) Se preocupam com o aprendizado dos alunos.

05- Seus pais são chamados na escola para: ( ) Participar da vida escolar. ( ) Informar-se de problemas de notas. ( ) Saber de problemas de disciplina. ( ) Receber elogios a seu respeito.

06- Como você se saiu nas provas: ( ) Ótimo. ( ) bem. ( ) Muito bem. ( ) Mau.

07- O que o professor(a) faz para manter a disciplina: ( ) Procura envolver os alunos nas atividades. ( ) Manda o aluno para a direção. ( ) Ameaça tirar pontos. ( ) Conversa com a turma. 08- Os alunos participam da escolha dos temas das aulas: ( ) Sempre. ( ) Poucas vezes. ( ) Muitas vezes. ( ) Nunca.

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09- Os conteúdos estão relacionados com o dia-dia dos alunos: ( ) Sempre. ( ) Poucas vezes. ( ) Muitas vezes. ( ) Nunca. 10- Quem é escolhido o destaque da turma: ( ) O aluno mais freqüente e pontual. ( ) Mais disciplinado e com maior nota. ( ) O que desenvolveu melhor as habilidades educativas. ( ) O que mais participa das atividades propostas. 11- Qual é a importância da prova simulada: ( ) Preparar o aluno para concursos e para o vestibular. ( ) Para uma melhor compreensão dos conteúdos. ( ) Para desenvolver habilidades e resolver situações-problemas. ( ) Para valorizar a integração entre as disciplinas. 12- Em que aspectos você é mais avaliados nas disciplinas: ( ) Na presença e pontualidade. ( ) Na sua participação nas atividades educativas. ( ) No conteúdo programático de cada disciplina. ( ) No desenvolvimento de habilidades significativas. 13- O que mais te motiva a participar das aulas: ( ) Os trabalhos em grupo. ( ) Os temas da realidade e do cotidiano. ( ) O valor em pontos de cada atividade. ( ) O conteúdo de cada disciplina.

Anexo 04 - Questionário aplicado aos alunos da Escola Municipal Capela Nova de Betim.

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RESPOSTAS DOS QUESTIONÁRIOS APLICADOS À 72 ALUNOS DAS TRÊS TURMAS DO ÚLTIMO ANO DO ENSINO

FUNDAMENTAL

01- Há quantos anos você estuda nessa Escola: 1 a 2 anos: 6 3 a 4 anos: 17 5 a 6 anos: 8 7 a 9 anos: 41

02- Por que você estuda nessa escola? Perto de casa: 54 Qualidade do ensino: 7 Meus amigos estudam aqui: 8

Não consegui vaga em outra escola: 3

03- Como é a qualidade do ensino na sua escola? Bom: 40 Muito bom: 22 Ótimo: 5 Fraco: 5 04- Seus professores: São amigos e ensinam bem: 13 Explicam o conteúdo e avaliam as atividades: 20 São rigorosos na execução das tarefas: 3 Se preocupam com o aprendizado dos alunos: 36

05- Seus pais são chamados na escola para: Participar da vida escolar: 40 Saber de problemas de disciplina: 12 Informar-se de problemas de notas: 9 Receber elogios a seu respeito: 11

06- Como você se saiu nas provas: Ótimo: 2 Bem: 40 Mau: 14 Muito bem: 16

07- O que o professor (a) faz para manter a disciplina: Procura envolver os alunos nas atividades: 7 Manda o aluno para a direção: 12 Ameaça tirar pontos: 3 Conversa com a turma: 50 08- Os alunos participam da escolha dos temas das aulas: Sempre: 6 Poucas vezes: 41 Muitas vezes: 10

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Nunca: 15 09- Os conteúdos estão relacionados com o dia-dia dos alunos: Sempre: 22 Poucas vezes: 30 Muitas vezes: 17 Nunca: 3 10- Quem é escolhido o destaque da turma: O aluno mais freqüente e pontual: 9 Mais disciplinado e com maior nota: 32 O que desenvolveu melhor as habilidades educativas: 19 O que mais participa das atividades propostas: 12 11- Qual é a importância da prova simulada: Preparar o aluno para concursos e para o vestibular: 41 Para uma melhor compreensão dos conteúdos: 17 Para desenvolver habilidades e resolver situações-problemas: 6 Para valorizar a integração entre as disciplinas: 8 12- Em que aspectos você é mais avaliados nas disciplinas: Na presença e pontualidade: 18 Na sua participação nas atividades educativas: 22 No conteúdo programático de cada disciplina: 27 No desenvolvimento de habilidades significativas: 5 13- O que mais te motiva a participar das aulas: Os trabalhos em grupo: 8 Os temas da realidade e do cotidiano: 18 O valor em pontos de cada atividade: 31 O conteúdo de cada disciplina: 15

Anexo 05 - Resultado do Questionário aplicado a 72 dos 86 alunos das três turmas do último ano do ensino fundamental da Escola Municipal Capela Nova de Betim.

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BIBLIOTECA DA ESCOLA MUNICIPAL CAPELA NOVA DE BETIM. EMPRÉSTIMO DE LIVROS PARA OS ALUNOS DAS TRÊS TURMAS

DO ÚLTIMO ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL.

TURMA 08A

ALUNO (A) 08ª DATA INICIAL Nº LVROS 01 – Adalberto 01/11/2006 07

02 – Bruno 27/03/2007 01 03 – Luiz 31/03/2006 07

04 – Fabrício 05/04/2006 58 05 – Leandro 25/10/2006 06 06 – César 01/11/2006 04 07 – Fábio 25/10/2006 11

08 – Marcos 27/03/2007 02 09 – Julio 18/09/2006 09 10 – Paulo 31/03/2006 09

11 – Ricardo 03/04/2006 08 12 – Henrique 03/04/2006 28

13 – Vitor 03/04/2006 07 14 – Maria 25/10/2006 05

15 – Raquel 25/10/2006 06 16 – Rubia 25/10/2006 05

17 – Carolina 31/04/2006 14 18 – Juliana 31/03/2006 52 19 – Carina 31/03/2006 23

20 – Ludimila 31/03/2006 03 21 – Silvana 31/03/2006 25

22 – Luciana 22/08/2006 19 23 – Alice 21/08/2006 16

24 – Heliana 25/10/2006 04 25 – Fernanda 01/11/2006 04

26 – Paula 03/05/2006 07 27 – Marta 31/03/2006 07 28 – Luana 21/08/2006 07

29 – Carolina 03/05/2006 03

Média da turma de março de 2006 à junho de 2007, 12,31 livros por aluno.

Anexo 06 – Empréstimos de livros para a turma 08A.

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TURMA 08B

ALUNO (A) 08B DATA INICIAL Nº LVROS 01 – Gláucio 11/04/2006 09 02 – Gustavo 26/03/2006 01 03 – Carlos 03/04/2006 03

04 – Leonardo 26/10/2006 03 05 – Felipe 26/10/2006 05

06 – Henrique 31/03/2006 06 07 – Ricardo 13/10/2006 03 08 – Paulo não leu 00 09 – Milton 12/04/2006 13 10 – Julio 26/10/2006 02

11 – Gilberto 26/10/2006 03 12 – Marcos 14/08/2006 08 13 – Sandro 26/10/2006 03

14 – Fernanda 29/05/2006 13 15 – Camila 12/04/2006 29 16 – Alice 05/04/2006 07

17 – Luciana 29/03/2006 27 18 – Leandra 26/10/2006 08 19 – Vanda 26/10/2006 05 20 – Neide 26/10/2006 05 21 – Maria 08/05/2006 16 22 – Bruna 29/05/2006 13

23 – Vanessa 29/05/2006 13 24 – Bruna Saiu ---

25 – Michelle 11/04/2006 08 26 – Otávia 11/04/2006 10 27 – Laura 05/04/2006 05 28 – Silvia 24/05/2006 05 29 – Kenia 29/05/2006 12

Média da turma de março de 2006 à junho de 2007, 8,39 livros por aluno.

Anexo 07 – Empréstimos de livros para a turma 08B.

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TURMA 08C

ALUNO (A) 08C DATA INICIAL Nº LVROS 01 – Augusto Não leu 00

02 – Luiz 30/03/2007 01 03 – Gabriel 30/03/2007 02 04 – Carlos Não leu 00 05 – Sandro ---- ----

06 – Walisson 30/03/2006 01 07 – Gustavo Não leu 00

08 – Paulo 05/04/2006 01 09 – Leonardo 05/04/2006 02 10 – Vinícius 22/08/2006 08

11 – Deivisson 27/04/2007 02 12 – César Não leu 00 13 – Rafael Não leu 00 14 – Jairo 18/05/2007 01 15 – João 27/04/2007 01

16 – Carolina 11/09/2009 06 17 – Maria 31/03/2006 07

18 – Aparecida 20/04/2006 25 19 – Rafaela 11/09/2006 11 20 – Juliana 06/04/2006 19 21 – Gisele 30/03/2007 01 22 – Patrícia 03/05/2006 29 23 – Cristina Não leu 00 24 – Laura 30/03/2007 03

25 – Roberta 20/04/2006 06 26 – Paula 29/05/2006 08 27 – Cássia 31/03/2006 04

28 – Marilene 12/04/2006 12

Média da turma de março de 2006 à junho de 2007, 5,55 livros por aluno.

OBS: A média de leitura das três turmas de março de 2006 à junho de 2007 foi de 8,75 livros por aluno. Os nomes dos alunos foram alterados, foram mantidos o número de alunos por turma e o sexo de cada um deles. Anexo 08 – Empréstimos de livros para a turma 08C.

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ESCOLA MUNICIPAL CAPELA NOVA DE BETIM

QUADRO DE HORÁRIO DOS ALUNOS

DIA HORÁRIO 08A 08B 08C SEG 1º Ciências Matemática Artes

SEG 2º Matemática Arte Português

SEG 3º História Geografia Inglês

SEG 4º Geografia Inglês Ciências

TER 1º Matemática Ed. Física Geografia

TER 2º Ed. Física Geografia Matemática

TER 3º Português Ciências Inglês

TER 4º Ciências Inglês Português

QUAR 1º Inglês Português Ciências

QUAR 2º Ed. Física Ciências Português

QUAR 3º Artes Matemática Ed. Física

QUAR 4º Matemática Ed. Física Artes

QUIN 1º Português Artes Matemática

QUIN 2º Inglês Matemática Geografia

QUIN 3º Geografia História Ed. Física

QUIN 4º Artes Português História

SEX 1º Português Geografia Matemática

SEX 2º História Português Ciências

SEX 3º Geografia Ciências História

SEX 4º Ciências História Geografia

HORÁRIO DE AULAS:

Início da primeira aula: 7:00 horas. Início da segunda aula: 8:05 horas.

Início do recreio: 9:10 horas. Início da terceira aula: 9:25 horas. Início da quarta aula: 10:25 horas.

Final da aula: 11:25 horas.

Anexo 09 – Quadro de horários das aulas das três turmas do último ano do ensino fundamental.

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Anexo 10 - Boletim de desempenho escolar aplicado a todos os alunos da Rede Municipal de Ensino de Betim.

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Anexo 11 – Fotos da Escola Municipal Capela Nova de Betim.

11.1. Foto da entrada da Escola Municipal Capela Nova de Betim,

11.2. Foto do pátio onde os alunos merendam e ficam durante o recreio e intervalo das aulas.

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11.3. Foto do pátio onde os alunos merendam, próximo ao barzinho onde compram merenda.

11.4. Foto da biblioteca da Escola Municipal Capela Nova de Betim.

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11.5. Foto do acesso à quadra poliesportiva onde os alunos fazem as aulas de Educação Física.

11.6. Foto da quadra onde professores e alunos desenvolveram o projeto Pan-Americano.

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Anexo 12 – Dados do INEP para o ensino fundamental, matrículas, aprovação, reprovação e abandono no ano de 1991.

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Anexo 13 – Dados do INEP para o ensino fundamental, matrículas, aprovação, reprovação e abandono no ano de 2005.

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