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AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO NO/DO CAMPO E A (RE)EXISTÊNCIA DOS/AS CAMPONESES/AS – CATALÃO (GO)
Gabriel de Melo Neto Universidade Federal de Goiás, Campus Catalão. Catalão-GO
Resumo A Modernização da Agricultura tem se caracterizado pela contínua expropriação do/a Camponês/a, seja da terra, da cultura, do seu modo de vida. Muitos em processo de (re)existência buscam meios de superar as contradições em que estão inseridos, através de ações pontuais, isoladas e/ou mediante atuação coletiva e coordenada, sendo que em diferentes casos por meio dos movimentos sociais. Entre os direitos sociais essenciais garantidos na legislação brasileira figura a educação. Constituindo a mesma, um instrumento significativo para a consolidação dos direitos sociais e construção da cidadania, porém percebe-se uma precariedade na materialização das Políticas Públicas de Educação do/no Campo. Assim, constitui-se fator relevante a compreensão da educação implementada no campo e os elementos envolvidos nessa questão. Catalão (GO) apresenta um quadro com similaridades em relação a outros municípios goianos e brasileiros em diferentes aspectos, contudo nota-se um cenário de resistência do campesinato fortalecido pelos movimentos sociais. Palavras chave: Educação do/no Campo; Movimentos Sociais; Políticas Públicas.
Questões Gerais de Catalão (GO), Movimentos Sociais e da Educação no/do campo
Desde meados do século XX intensifica-se a Modernização da Agricultura que tem se
caracterizado pela contínua expropriação do/a camponês/a, seja da terra, da cultura, dos
costumes e valores, do seu modo de vida. Muitos em processo de (re)existência buscam
meios de superar as contradições em que estão inseridos, através de ações pontuais,
isoladas e/ou mediante atuação coletiva e coordenada, sendo que de forma significativa
através dos Movimentos Sociais.
Constitui-se assim, a mobilização popular um importante meio para a configuração do
espaço geográfico, mediante a busca pela a garantia de direitos sociais e construção de
alternativas reais ao modelo socioeconômico hegemônico.
Entre os direitos sociais essenciais garantidos na letra da lei brasileira e reivindicados
pelos Movimentos Sociais presentes no campo, figura a educação. Instrumento
essencial para a construção de outra realidade possível, frente ao quadro de exploração
em que se encontra a maior parte da sociedade, porém percebe-se uma precariedade na
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materialização das Políticas Públicas de Educação do/no Campo. Assim, é fator
relevante a compreensão da efetiva educação pública implementada no campo e os
elementos envolvidos em tal questão.
Catalão (GO) apresenta um quadro com similaridades em relação a outros municípios
goianos e brasileiros em diferentes aspectos, contudo nota-se um cenário de resistência
do campesinato motivado por entre outros fatores, no tempo presente, pela
contraposição a construção da barragem hidrelétrica no Rio São Marcos, bem como pela
organização dos/as camponeses/as em busca de sua reprodução. A singularidade do
referido município também é percebida através dos indicadores econômicos que o
coloca em posição confortável nesse aspecto, o que não tem significado um
proporcional desenvolvimento social para a população.
Desta forma, a proposição do presente trabalho tem por objetivo compreender a
efetivação das Políticas Púbicas de Educação no/o campo e a relação com os processos
de (re)existência dos/as camponeses/as no referido recorte espacial, tomando por
referência temporal a última década.
O município de Catalão (GO) localizado no sudeste goiano, com uma população de
86.647 habitantes, figura com o 5º maior PIB e os maiores índices de PIB e arrecadação
per capita do estado de Goiás. Representando assim, uma das melhores relações entre
arrecadação e população do país, colocando o município em posição econômica
bastante confortável. Apresentando uma população rural de 15,5%, distribuída
principalmente nos povoados de Olhos da Água, Pedra Branca, nos distritos de Santo
Antonio do Rio Verde e Pires Belo, e em dezenas de comunidades rurais, conforme
dados do Tribunal de Contas dos Municípios do estado de Goiás (TCM/GO), e do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). (SEPLAN, 2011).
A base econômica é diversificada através da agropecuária com significativo peso da
produção de grãos especialmente a soja através das monoculturas e da pecuária, dentro
da lógica do agronegócio hegemônica no país. A partir da década de 1970 inicia-se o
processo de produção mineral, sobretudo por meio da extração de rocha fosfática
visando a produção de fertilizantes e de nióbio para a produção de ligas metálicas de
alta resistência de grande interesse internacional. Na primeira metade da década passada
iniciou-se o processo de verticalização da produção de adubos com a instalação de
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indústrias misturadoras, situação que agregou valor a matéria prima extraída no
município.
Nos últimos anos tem se consolidado um pólo metalúrgico com a instalação de duas
montadoras multinacional, uma de automóveis e outra de colheitadeira de cana, que
combinado com a construção do lago e da usina hidrelétrica na serra do Facão no Rio
São Marcos, gerou um fluxo migratório importante para o município. Esses processos
econômicos colaboraram para um crescimento econômicos vertiginoso com um
adensamento populacional significativo.
Tal descrição socioeconômico da área pesquisada tem por objetivo demonstrar a
condição de relativa tranquilidade da administração pública local para os devidos
investimentos nas áreas prioritárias para população, entre elas na educação e, por
conseguinte, na educação do/no campo. Contudo, segundo diferentes pesquisas os
benéficos do desenvolvimento econômico não estão sendo devidamente compartilhado
com a população local, seguindo a lógica da acumulação pelo capital internacional
mediante as multinacionais instaladas ou por meio da elite financeira local, composta,
sobretudo, por latifundiários e empresários do setor de serviços. Segundo Bueno
[...] o que pode afirmar em relação a renda é que há uma perpetuação cruel de uma situação típica do que ocorre nos país como um todo, que é um esforço crescente por parte dos que ganham pouco para aumentar um pouco suas rendas, enquanto aqueles que tem melhores condições sociais são beneficiados de forma mais significativa pelo sistema econômico e pela estrutura social dele resultante. (BUENO, p. 122, 2006)
Situação essa que tem sido mais impactante para as populações do meio rural, diante
dos processos de desterritorialização ocorridos na área estudada provocada tanto pela
instalação da usina hidrelétrica quanto pelo avanço do agronegócio e ausência de
políticas públicas para a fixação da população camponesa.
Apensar de tal constatação, há em curso um significativo debate em torno da
necessidade de que sejam implementadas mecanismos reais para o fortalecimento da
permanência da população na zona rural diante dos problemas provocados pela
concentração desordenada nos centros urbanos. Outro relevante fator é a pressão
exercida pelos movimentos sociais no campo para a implementação de políticas
públicas que assegurem os direitos dos camponeses e garanta a soberania alimentar,
uma vez que segundo os dados levantados pelo IBGE no Censo Rural de 2006 e as
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conclusões da Secretaria de Agricultura Familiar (SAF) vinculada ao Ministério do
Desenvolvimento Agrário (MDA), no ano de 2009, indicam que “70% dos alimentos
que chegam à mesa da sociedade são provenientes da agricultura familiar”,
comprovando assim, que a alimentação da população brasileira não é realizada pelo
agronegócio que visa o lucro, essencialmente por meio das exportações, mas sim pela
produção da agricultura camponesa. (BRASIL, 2009)
Diante de tal realidade, combinado com os avanços conquistados pela sociedade civil,
através de diferentes formas de organização, como nos Movimentos Sociais,
principalmente com o processo de redemocratização pós ditadura militar de 1964 a
1985, e com a promulgação da Constituição Cidadã em 1988, acompanhada de outros
importantes dispositivos legais como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em
1990. Muitos desses mecanismos com o objetivo de superar a vergonhosa situação de
mortalidade e do trabalho infantil, gravemente identificado, mas invisibilizado,
principalmente no campo brasileiro. Compreendendo a educação como um mecanismo
capaz de atenuar e/ou colaborar para a superação dos abismos sociais existentes, torna-
se imprescindível a universalização do acesso a escola como elemento mitigador e
transformador do quadro reinante.
Desta maneira, não são poucos os setores da sociedade que tem-se posicionado
favoráveis a educação, não sendo poucas as pessoas que defendem a mesma diante dos
holofotes, constituindo-se em bandeira de propaganda/promessas eleitorais, contudo
sem uma efetiva priorização na prática administrativa. Os recursos nessa área além de
serem abaixo do necessário sofrem com as diferentes formas de malversação do erário
público, como a corrupção.
Quanto a educação no campo, os dados dão conta do processo de contínuo fechamento
de escolas e a carência de políticas públicas, situação que tem agravado ainda mais o
acesso da escola no campo. Através dos dados disponibilizados pelo Censo Escolar
realizado pelo INEP/MEC (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira – Ministério da Educação), em 2002 existiam 107.432 escolas situadas
na zona rural, sendo que no ano de 2009, ocorreu uma redução para 83.036,
constituindo um saldo negativo de 24.396 estabelecimentos de ensino fechados, com a
importante ressalva de que 22.179 eram escolas municipais. Situação essa que reforça a
tese da carência de políticas específicas para educação do/no Campo principalmente na
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esfera municipal. Em Catalão desde a década de 1990 é possível identificar o
fechamento de 17 escolas na zona rural que eram mantidas pelo município.
Diferentes são os argumentos em torno da redução no número de unidades escolares no
campo, que vão da diminuição da população através da migração para os centros
urbanos, a necessidade de redução de custos diante da dificuldade encontrada pelos
municípios para a manutenção das mesmas e a tese dos benefícios gerados pelo
nucleamento das escolas rurais. Sobre a justificativa da redução da população rural, há
uma meia verdade, uma vez que se por um lado é real o processo de desterritorialização
do camponês através da lógica implantada no campo brasileiro principalmente a partir
da “modernização da agricultura” na década de 1970 ao novo eufemismo do
agronegócio da atualidade, por outro lado, maiores são os obstáculos para a
universalização do ensino em idade escolar no campo ao se comparar com o meio
urbano, ou seja, o número de crianças e adolescentes fora da escola no campo é muito
superior, situação essa claramente constata diante da taxa de analfabetismo da
população rural que segundo os dados do IBGE em 2008 era de 23,3%, sendo a mesma
três vezes maior que a população urbana de 7,6%. Assim, caso fosse garantido um
melhor acesso a educação para a população rural, as escolas existentes, diante do grande
fechamento de unidades ocorridas nas últimas décadas, seriam insuficientes para o
atendimento da população do campo, mesmo diante da redução dessa população.
Sobre os aspectos da contenção de gastos públicos e dificuldades para a manutenção,
principalmente pelos municípios, tratasse de uma questão de prioridade e opção política,
uma vez que ao invés de cortar recursos de outras áreas e/ou deixar de atender a
interesse de grupos econômicos que regem o destino de tais cidades em detrimento aos
interesses coletivos, optasse pelo corte na educação.
Quanto a defesa das escolas rurais nucleadas, que segundo Flores (2002) “as Escolas
Nucleadas possuem condições físicas e humanas melhores em relação às Escolas
Isoladas rurais” pesa outros problemas como o distanciamento da escola em relação a
residência dos estudantes, situação responsável pelo transporte escolar que apresenta um
quadro preocupante.
Entre os diferentes problemas relacionados a modalidade educativa em questão,
atualmente há um debate quanto a forma que o mesmo tem sido aplicado, diante da
reprodução do modelo educacional urbano no campo situação que não leva em
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consideração as especificidades presentes em cada comunidade rural. Instala-se assim,
um dilema que fortalece o entendimento que falar sobre educação para as populações
camponesas, seria educação “no” campo ou “do” campo, uma vez que a primeira teria
uma conotação de simples reprodução de parâmetros que não correspondem a realidade
vivida, por outro lado o entendimento da educação “do” campo trata de considerar as
relações presentes no lugar de materialização de cada unidade escolar. Desta forma, a
simples garantia de escolas funcionando na zona rural não é garantia de que o direito a
um ensino significativo que possibilite a cidadania esteja de fato sendo efetivado.
Nesse contexto os Movimentos Sociais presentes no campo brasileiro nas últimas
décadas sempre apresentaram uma relação estreita com as questões relacionadas com a
educação no/do campo, por entender que a luta pela Reforma Agrária e/ou por políticas
públicas para a população camponesa está diretamente vinculada com a constituição de
mecanismos para a permanência e re-existência da população no meio rural, sendo
imprescindível o fortalecimento e/ou a criação de equipamentos públicos nessas
localidades. Recebendo a escola atenção significativa, perceptível nos acampamentos e
assentamos rurais promovidos por diferentes movimentos sociais (SOUZA, 2010).
Em verdade, percebe-se, não apenas o desejo de terem escolas funcionando no campo,
próximo as suas moradias, mas, sobretudo unidades escolares que “falem as suas
línguas”, reconhecendo as formas de vida dos ‘povos das florestas, campos e cerrados’,
chegando ao ponto da configuração de uma “pedagogia dos movimentos sociais”, como
uma verdadeira forma de resistência.
Diante da análise da legislação em vigor percebe-se o reconhecimento da pluralidade na
qual deve funcionar o sistema de ensino no país, através da proposição de mecanismos,
que atendam por exemplo as necessidades das populações indígenas, quilombolas e
camponesas em geral. Contudo, municípios, estados e a união, não estão garantindo o
atendimento dessas especificidades diante de entre outras constatações, dos números
que comprovam o grande fechamento de salas de aulas das escolas rurais.
Caminhos da pesquisa
Questões relacionadas a Educação e aos Movimentos Sociais apresentam fatores de
interesse/preocupação constante do pesquisador, situação catalisada ao longo do ano de
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2011 frente a docência junto as disciplinas de Geografia Agrária, Didática para o Ensino
de Geografia I e Geografia e Movimentos Sociais, na Universidade Federal de Goiás
Campus Catalão (UFG/CAC). Propiciando uma revisão bibliográfica de literaturas
referentes a questão agrária e ao ensino de geografia, e o consequente aprofundamento
teórico para a proposição do debate em torno do trinômio Questão Agrária, Educação e
Movimentos Sociais.
Outro aspecto significativo nesse caminhar foi a realização de Trabalhos de Campo que
permitiu constatar in loco a realidade da população camponesa, em especial nas áreas do
Cerrado Goiano, com destaque para a participação na 7ª Festa da Colheita e os 25 anos
dos assentamentos Mosquito e São João do Bugre (Figura 1), comemorados na Cidade
de Goiás (GO), na qual os mesmos estão situados, constituindo-se em marco da luta
pela Reforma Agrária no estado de Goiás, por serem os primeiros assentamentos
goianos após um importante processo de resistência dos camponeses no ano de 1986.
Figura 1 – Convite da 7ª Festa da Colheita e dos 25 anos do Assentamento Mosquito e São João Bugre: visão parcial.
Fonte: Acervo do autor.
A Feira e Festa de sementes, mudas e raças crioulas em defesa da biodiversidade
(Figura 2) promovida pelo Movimento Camponês Popular (MCP) na cidade de Catalão
(GO), constituiu-se em outro importante laboratório de vivência para a presente
pesquisa diante da presença de integrantes de três importantes Movimentos Sociais do
campo brasileiro, além do movimento organizador, contou com membros do
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Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) e do Movimento dos Atingidos
por Barragens (MAB).
Figura 2 – Folder da Feira e Festa de sementes, mudas e raças crioulas em defesa da biodiversidade: visão parcial.
Fonte: Acervo do autor.
Durante a participação nos referidos eventos foi possível realizar uma imersão no
cotidiano dos/as camponeses/as estabelecendo um estreito diálogo com agentes sociais
que lidam diretamente com o debate/prática da educação no/do campo em
acampamentos, assentamentos, comunidades entre outras formas de ‘organização’ e do
‘modo de vida’ da população do campo brasileiro.
Para o efetivo desenrolar da pesquisa, no que tange aos procedimentos metodológicos
inicialmente figura-se a revisão teórico conceitual das questões relacionadas a educação
no/do campo, da modernização do campo brasileiro em especial nas áreas do Cerrado
Goiano, bem como dos mecanismos de expropriação camponesa e de sua resistência.
Paralelamente ocorreu o emprego do levantamento documental relacionado as esferas
da administração pública a nível federal, estadual e municipal, tendo por foco os
documentos expedidos pelos órgãos oficiais de educação, as secretarias e os conselhos
de educação.
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Priorizou-se o estudo dos principais documentos ordenadores do sistema de ensino no
Brasil, como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs), leis estaduais e municipais, bem como as resoluções
expedidas pelos conselhos de educação, tendo por referência o município de Catalão no
estado de Goiás. Com destaque para as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica
das Escolas do Campo (2002) e o entendimento atual da Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD) expressa no documento intitulado
Educação do Campo: diferenças mudando paradigmas, publicado em 2007.
Por meio da realização de observações em salas de aula, de planejamentos e reuniões
pedagógicas, da aplicação de roteiro de entrevistas semi estruturados junto a
professores/as, coordenadores/as pedagógicos, diretores/as, pais/responsáveis de
alunos/as, integrantes dos movimentos sociais, materializou-se a etapa de trabalho de
campo da pesquisa. (MINAYO, 2003).
Políticas Públicas de Educação no/do Campo
Constata-se elementos que dão conta da existência de legislação específica, diretrizes e
normas orientadoras para a educação do/no campo na esfera federal. No que tange ao
cenário estadual nota-se uma lacuna diante da não existência de instrumentos legais
construídos nessa esfera administrativa que realmente contemple essa modalidade de
ensino, há apenas a reprodução pontual de alguns traços da legislação nacional sobre a
questão presente no texto da LDB estadual, situação similar ao quadro vislumbrado no
cenário municipal.
Dentro da legislação existente destaca-se a LDB que em seu artigo 28, estabelece a
seguinte normatização,
Na oferta de educação básica para a população rural, os sistemas de ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente: I - conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural; II - organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas; III - adequação à natureza do trabalho na zona rural. (LDB, 1996).
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Percebe-se dessa forma, a necessidade da adoção de especificidades para a oferta de
educação para a população do campo, levando em consideração peculiaridades
relacionadas aos aspectos sociais, culturais e econômicos de cada localidade. Questões
que são devidamente delineadas nos termos da Resolução expedida pela Câmara da
Educação Básica, vinculada ao Conselho Nacional de Educação – CNE/CEB Nº 01, 03
de abril de 2002, que Institui as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas
Escolas do Campo.
Todavia, tais indicativos legais não são constatados na área pesquisada, diante da
inexistência de procedimentos pedagógicos e adequações curriculares que contemplem
a realidade do ‘campo catalano’, e por que não dos ‘campos’ uma vez, que não existe
uma homogeneidade dos espaços, ainda que dentro de um mesmo município, devido às
nuanças de uma série de fatores responsáveis pela a configuração das estruturas
constituintes do espaço geográfico.
O protagonismo dos agentes sociais preocupados com a educação do/no campo entre os
quais os diferentes movimentos sociais rurais, movimentos indigenista, comunidades
quilombolas, setores progressistas da igreja, através de diferentes pastorais e da
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), representantes de universidades
entre outros, materializaram de forma pública e melhor articulada em âmbito nacional a
exposição de suas bandeiras através Conferência Nacional por uma Educação Básica
do Campo, ocorrida em 1998, provocando assim, um tensionamento social em beneficio
de ações concretas nessa área por parte do poder público. (KOLLING; CERIOLI;
CALDART, 2002).
Tendo em vista a importância de órgãos/departamentos constituídos dentro da estrutura
estatal para o planejamentos e acompanhamento de políticas públicas, constata-se a
existência a nível nacional da Coordenação Geral de Educação do Campo, vinculada a
SECAD/MEC, que desde de 2003 tem desenvolvido ações para o atendimento da
demanda da educação do/no campo. A publicação do caderno de Referências para uma
Política Nacional de Educação do Campo (2003), inaugura uma postura de tímido
avanço por parte do estado, com os seguintes destaques: a realização de Seminários
Estaduais de Educação do Campo e a constituição de comitês estaduais para tal
demanda, realização de projetos/programas de formação/capacitação profissional, como
o projeto Saberes da terra, o Plano nacional de formação dos profissionais da Educação
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do Campo, o Fórum permanente de pesquisa em Educação do Campo, o Programa de
Apoio à Formação Superior e Licenciatura em Educação do Campo, entre outras, com a
ressalva de permanecerem até o momento, como projetos insipientes, sendo mais
propostas do que ações efetivamente aplicadas. (BRASIL, 2002).
No contexto estadual, em Goiás, o poder público apresenta uma postura com poucos
avanços, que apesar de indicativos legais como os presentes na Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Estadual (1998), similar ao teor do texto da LDB e da inclusão de um
capítulo intitulado Educação do/no Campo e Educação Quilombola no Plano Estadual
de Educação (2008), não tem ocorrido na dinâmica da Secretaria Estadual de Educação
(SEDUC), o atendimento das especificidades das populações rurais do estado, fato
constado, por entre outros motivos, diante da ausência de programas pedagógicos
específicos que contemplem as nuanças dos povos cerradeiros, camponeses –
trabalhadores, posseiros, arrendatários, pequenos proprietários, assentados, acampados –
quilombolas, indígenas, presentes nas 93 escolas estaduais em funcionamento no de
2008 conforme constatado por Souza (2010).
Apesar da existência de um setor para tratar da educação no campo vinculada a
SEDUC, através da Superintendência do Ensino Básico, tal fato não configura uma
política de estado, frente ao tratamento que via de regra é dado junto as escolas rurais
conforme a realidade encontrada, em entre outras unidades estaduais, nos Colégios
Gilberto Arruda Falcão e Carolina Vaz da Costa, situados respectivamente nos distritos
rurais de Santo Antonio de Rio Verde e Pires, no município de Catalão. Percebe-se que
nas mesmas, segundo relato dos docentes e comunidades atendidas não há qualquer
tratamento de informações para contemplar as realidades locais, seguindo ipsis litteris
as regras definidas para as demais escolas estaduais urbanas.
Quanto a realidade das escolas no campo vinculadas ao sistema de ensino municipal,
inexiste junto ao mesmo um setor para o atendimento das demandas das populações
rurais, situação esta, que colabora para o fortalecimento da prática de um ensino único
para toda a rede de ensino seja junto das escolas urbanas e rurais, situação constada nos
processos de capacitação/formação continuada dos profissionais da rede municipal de
ensino regularmente desenvolvido no início dos semestres letivos no qual é realizado o
agrupamento de professores/as coordenadores/as pedagógicos/as e diretores/as, sendo
ministrado orientações por parte da Secretaria Municipal de Educação e Cultura
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(SEMEC) e a oferta de palestras, oficinas e cursos, sem contudo, figurar a educação
do/no campo como um assunto de relevância pautado nesses processos.
Nos últimos anos inúmeras salas de aula e escolas foram fechadas na zona rural do
município, muitas crianças e adolescentes enfrentam uma rotina diária de horas dentro
de ônibus sendo transportados para escolas remanescentes no campo, mas
principalmente para as unidades de ensino dos distritos de Santo Antonio de Rio Verde
e Pires Belo e para a sede do município. Sendo aplicado um processo de
ensino/aprendizagem distante da realidade do campo, uma vez que não são
problematizadas as questões presentes no mesmo.
Considerando que o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) tem sido
utilizado como referência para mensurar o nível do ensino no país ao longo dos últimos
anos, lançou-se mão na pesquisa em questão da análise dos dados presentes no mesmo
(Quadro 1). Assim, segundo o quadro abaixo é possível notar que nenhuma das escolas
municipais de Catalão instaladas na zona rural são analisadas por tal índice, não sendo
desta forma possível estabelecer um parâmetro seguro de avaliação com base no
mesmo. No entanto ao observar-se os índices alcançados pelas escolas urbanas vê-se
que o município em questão apresenta uma desenvoltura mediana uma vez que os seus
índices estão na média dos indicadores estadual e nacional e diante do alcance parcial da
meta proposta, ou seja, obteve êxito nos anos finais do Ensino Fundamental, porém não
logrando tal êxito nos anos iniciais.
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Quadro 1 – IDEB 2009: Escolas rurais de Catalão.
Fonte: INEP (2011). Org.: MELO NETO, G. (2011).
Por outro lado as escolas públicas estaduais seguem o mesmo caminho de regularidade,
mas com o inverso no que tange as metas, êxito nos anos iniciais e fracasso nos anos
finais do Ensino Fundamental, considerando as escolas urbanas e rurais, uma vez que na
última avaliação do IDEB as duas escolas estaduais que funcionam na zona rural
tiveram a suas primeiras participações nesse processo avaliativo, com resultados
carregados de significado uma vez que enquanto a Escola Carolina Vaz situada no
distrito de Pires Belo apresentou uma das melhores notas do estado nas séries iniciais, o
Colégio Estadual Gilberto Arruda Falcão logrou uma das piores notas de Goiás nas
séries finais.
Não sendo possível por esses dados na atual conjuntura usar o IDEB como um
indicador satisfatório para pensar a situação do ensino rural em Catalão, todavia, tendo
em vista as condições de precariedade as quais estão submetidas as escolas no campo, é
possível que os indicadores das mesmas sejam menores do que os índices medianos
alcançados pelas unidades escolares do sítio urbano.
Frente a essa realidade, é notado um questionamento a tal situação através do
tencionamento para a garantia e/ou melhoria do sistema de transporte dos alunos e
fortalecimento das unidades de ensino localizadas no campo. Percebe-se uma direta
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relação com processos de organização social dos camponeses ocorrida, sobretudo na
última década como reflexo de ações desencadeadas pelo processo de enfrentamento
frente a construção da Usina Hidrelétrica no Rio São Marcos através do Movimento dos
Atingidos por Barragens (MAB) e posteriormente pelo Movimento dos Pequenos
Produtores (MPA), que em 2008 culminou na a formação do Movimento Camponês
Popular (MCP), no município. Possibilitando um ambiente profícuo de (re)existência
dos/as camponeses/as organizados/as.
(Re)Existência dos/as Camponeses/as: A Educação no/do Campo
Enfatiza-se que durante o desenvolvimento da pesquisa não foi constado o
desenvolvimento de treinamentos e/ou capacitações específicas patrocinados pela
SEMEC em torno das demandas da educação no campo. Os profissionais que exercem
as suas funções na zona rural participam dos mesmos treinamentos e recebem as
mesmas orientações que são repassadas para os profissionais que trabalham nas escolas
urbanas do município, sendo ignorado assim, as necessidades da educação no/do
campo.
Quanto a infraestrutura e oferta de escolas no campo ao longo das duas últimas décadas,
Catalão passou por um processo de nucleamento escolar, situação implementada diante
de uma série de precariedades, como as grandes deficiências na estrutura física, muitas
funcionando em espaços cedidos e construídas com materiais rústicos sem instalações
sanitárias, a carência na formação dos/as professores/as, com uma parte significativa
tendo atingido apenas o nível de ensino fundamental e não muitos o equivalente ao
ensino médio, trabalhando isolados sem qualquer tipo de acompanhamento pedagógico.
Para Flores (2002, p. 11) “A experiência de Catalão tem demonstrado que as Escolas
Nucleadas possuem condições físicas e humanas melhores em relação às Escolas
Isoladas rurais”. Por outro lado a mesma autora adverte quanto aos aspectos negativos
relacionados ao modelo empregado no município, como por exemplo, o currículo
escolar que não tem atendido as especificidades da educação do Campo e as questões
vinculadas ao transporte escolar.
Ao longo desse período foram fechadas aproximadamente 17 escolas rurais e inúmeras
salas de aulas no município, número difícil de ser realmente confirmado diante da
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precariedade das informações arquivadas e/ou disponibilizadas para o acesso público,
situação que colaborou para entre outras realidades na ampliação do número de
alunos/as por sala de aula, numa tentativa de ‘otimização de recursos’ que leva em
consideração o desejo dos gestores públicos em reduzir gastos e não em atender as
necessidades da população, agravando ainda mais o problema de transporte dos/as
alunos/os e o tempo despendido nesse processo. Segundo notícia vinculada pelo Jornal
Folha da Região,
PRF [Polícia Rodoviária Federal] FISCALIZA TRANSPORTE ESCOLAR E ENCONTRA IRREGULARIDADES – (...) Segundo o Chefe da Delegacia Regional da PRF, em Catalão, Inspetor Vieira, 44 veículos foram fiscalizados. “São veículos que fazem o transporte escolar em Catalão, Ouvidor e Campo Alegre”, diz, explicando que a barreira foi montada no trevo do JK, justamente para abranger veículos que transitam pela rodovia. Ainda de acordo com ele, 12 veículos apresentaram irregularidade e seu condutor autuado. Dois deles foram por excesso de lotação. Três por defeito no tacógrafo ou falta dele. A maioria das infrações estava relacionada à falta de equipamentos de segurança, como o cinto de segurança. Quatro multas foram aplicadas por falta de cinto do condutor. “Como ele exige cinto para as crianças, se ele mesmo não usa?”, questionou. Ao final da operação, cinco veículos foram retidos até que os problemas sejam solucionados. (Grifos da autora) (MESQUITA, 2011).
Fornecendo dessa maneira elementos que confirmam a problemática relacionada ao
transporte escolar de forma geral, mas especificamente a condução de
crianças/adolescentes oriundos da zona rural do município de Catalão, uma vez que na
referida fiscalização entre os veículos que apresentaram irregularidades, foram autuados
principalmente veículos das linhas do transporte rural.
Diante desse quadro a presença dos movimentos sociais tem apresentado um fator de
relevância nos processos de construção de cidadania uma vez que o camponês ao buscar
mecanismos para a sua permanência no campo, com a necessária melhoria das
condições materiais que estão inseridos e vê na escola na qual os/as filhos/as estão
estudando um espaço privilegiado das preocupações que necessitam ser aperfeiçoadas.
O reflexo desse processo tem possibilitado resultados de grande valia, percebidos
através da busca de boas condições para o transporte escolar, da manutenção das
estradas, da merenda e dos estabelecimentos escolares, entre outras. Segundo Cardart,
Os sujeitos da educação do campo são aquelas pessoas que sentem na própria pele os efeitos dessa realidade perversa, mas que não se conformam com ela.
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São os sujeitos da resistência no e do campo: sujeitos que lutam para continuar sendo agricultores apesar de um modelo de agricultura cada vez mais excludente; sujeitos da luta pela terra e pela Reforma Agrária; sujeitos da luta por melhores condições de trabalho no campo (...). (CARDART, 2002, p. 152).
Dentro desse contexto os integrantes dos Movimentos Sociais materializados em
Catalão desempenham a sua função de sujeitos em busca de melhorias para a sua
(re)existência, construindo mecanismos para a garantia da educação no campo, com a
manutenção e/ou ampliação de unidades escolares e de suas infraestruturas, sobretudo
do campo, por meio de currículos e práticas pedagógicas que reconheçam a diversidade
dos camponeses no cotidiano escolar.
É perceptível o interesse das organizações dos camponeses no desenvolvimento de
atividades no campo educacional, seja no fortalecimento das unidades escolares ou
através de ações diretas, como o projeto de alfabetização de adultos para moradores das
comunidades rurais, com uma proposta de ensino em sintonia com os pressupostos da
pedagogia Freireana.
No processo de construção da cidadania promovido pelos movimentos sociais nota-se
um envolvimento do núcleo familiar e da comunidade, nos processos reivindicatórios
como a busca por mecanismos para a melhoria das condições no campo. Tais iniciativas
apresentam repercussões nas vidas desses agentes sociais. Como exemplo significativo,
observa-se o fenômeno do relevante número de premiações em concurso de redação que
as escolas da zona rural de Catalão estão alcançando, sendo que parte significativa
dos/as contemplados/as são crianças/adolescentes pertencentes a famílias que tem
envolvimento direto com as causas sociais. (SEMEC, 2011; SECOM, 2011)
Segundo relatos das direções escolares de escolas no campo situadas no município a
participação dos movimentos sociais tem apresentado um reflexo positivo na relação
entre a comunidade e a escola, entre outros motivos diante dos benefícios que são
conquistados pelos movimentos e a consequente melhoria da condição de vida das
famílias vinculadas aos mesmos.
A ação dos Movimentos Sociais em Catalão tem refletido diretamente na efetivação de
políticas públicas em diferentes áreas, um exemplo é projeto de habitação rural dentro
do Programa Nacional de Habitação Rural, desenvolvido através de parceria entre a
Caixa Econômica Federal (CEF), a Agência Goiana de Habitação (AGEHAB) e o MCP.
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A base política do MCP é o município de Catalão, sede principal de sua organização e
constituição, e foi por meio das ações desse movimento que ao longo dos anos de 2009
e 2010 ocorreu um grande processo de mobilização popular com a ocupação de várias
agências da CEF em todo o estado de Goiás, acampamentos na assembléia legislativa
do estado e diversas manifestações públicas como em frente a sede da AGEHAB.
Possibilitando dessa maneira a materialização de um dos principais programas de
habitação no campo em território nacional da atualidade, atendendo mais de 700
famílias em 26 municípios goianos. (MCP, 2011)
Para os integrantes desse movimento social a moradia é um dos pilares para a
construção da dignidade humana dos/as camponeses/as, sendo necessário a garantia de
infraestrutura e equipamentos públicos para a efetivação da cidadania recebendo a
educação do campo uma atenção especial, sendo as escolas rurais um espaço de alta
relevância.
Outro importante exemplo de conquistas dos movimentos sociais presentes no
município destaca-se a ação do MAB que colaborou para que não se repetisse em
Catalão um desdobramento percebido em diferentes lugares nos quais barragens
hidrelétricas são instadas através da expulsão das famílias sem o reconhecimento dos
direitos de propriedade das mesmas, a destruição indiscriminada da fauna e da flora
entre outros impactos socioambientais. Graças a ação desse movimento o prejuízo
econômico de muitas famílias atingidas não foi maior, bem como a fiscalização/pressão
para o atendimento das ações de compensação social e ambiental. (MENDONÇA,
2004).
Muitos/as camponeses/as vinculados/as ao MAB tiveram significativo papel na
constituição do MPA, que posteriormente configurou o MCP, sendo todos esses
movimentos essenciais para o adensamento da luta da população do campo contribuindo
para a viabilização de inúmeras ações em benéfico da reprodução do camponês, entre os
quais, programas de crédito rural, habitação rural, feira camponesa, valorização da
agroecologia, Banco de Sementes Crioulas, beneficiando centenas de famílias, através
da contraposição a lógica do agronegócio reinante.
De forma contínua os movimentos sociais do campo presentes em Catalão realizam
reuniões, encontros, seminários e atividades diversas, tendo como uma das
preocupações o processo formativo dos seus membros para a sequência e enraizamento
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de suas lutas, compreendendo a necessidade do fortalecimento da educação no/do
campo, como peça chave nessa dinâmica. A Feira e Festa de sementes, mudas e raças
crioulas em defesa da biodiversidade, promovida pelo MCP com o apoio do MAB e o
MST, em julho de 2011 (Figura 2), permitiu durante uma semana a vivência dos valores
defendidos pela pedagogia desses movimentos sociais por meio de uma série de
atividades formativas com a presença de mulheres e homens, crianças, adolescentes e
idosos moradores de comunidades, assentamentos e acampamentos rurais de diferentes
cidades e estados brasileiros.
Entre as várias atividades promovidas destacaram-se a defesa da infraestrutura para o
fortalecimento do modo de vida camponês e não somente pela a ampliação de créditos
públicos para as atividades agrícolas/econômicas. Recebendo a educação do campo uma
atenção especial, através de debates nos seminários temáticos propostos no evento, com
a presença de lideranças camponesas e pesquisadores das questões agrárias vinculados a
universidades brasileiras, como o professor Carlos Walter Porto Gonçalves e a setores
progressistas da igreja, entre os quais os bispos Dom Guilherme Werlang, Presidente da
Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz, da
(CNBB) e Dom Tomás Balduíno da Comissão Pastoral da Terra (CPT).
Para a pesquisa proposta, destacam-se o debate desenvolvido entre integrantes do MCP,
MST, cursitas e professores/as dos cursos de Geografia e de extensão sobre o ECA da
UFG/CAC (Foto 1). No qual foi possível perceber através das falas dos camponeses,
entre as quais, duas pedagogas formadas pelo curso de Pedagogia da Terra promovido
pela UFG em parceria com movimentos sociais do campo, e jovens que cresceram em
comunidades, assentamentos e acampamentos rurais, e que trazem nas suas próprias
vidas, através do exercício cotidiano da cidadania, as marcas da teoria e da práxis da
Pedagogia dos Movimentos Sociais.
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Foto 1 – Feira e Festa de sementes, mudas e raças crioulas em defesa da biodiversidade: Debate sobre Educação do Campo.
Fonte: Acervo do autor.
Outro espaço importante em torno das questões pesquisadas foi a vivencia da Ciranda
Infantil (Foto 2) presente no referido evento, na qual as crianças dos/das camponeses/as
participaram integralmente do evento tendo acesso a informações e atividades
formativas essenciais para o processo de cidadania, através do reconhecimento das suas
condições de pequenos/as camponeses/as por meio da valorização dos seus modos de
vida. Sendo esse um mecanismo presente principalmente nos acampamentos e
assentamentos do MST desde a sua articulação inicial na década de 1980.
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Foto 2 – Feira e Festa de sementes, mudas e raças crioulas em defesa da biodiversidade: Crianças participando de atividades da Ciranda Infantil.
Fonte: Acervo do autor.
Pelo exposto fica patente o processo de (re)existência dos camponeses presentes nas
comunidades rurais de Catalão e participantes dos movimentos sociais territorializados
no município, através da resistência ao modelo de desenvolvimento agrário oriundo da
lógica do sistema socioeconômico hegemônico. Reconhecendo na educação do campo
uma ferramenta essencial para a garantia da existência do modo de vida camponês.
Considerações – A necessária materialização de Políticas Públicas de Educação no/do Campo em Catalão (GO) Os rumos da educação no/do campo predominante no país, mantém um caráter de
afastamento das questões locais presentes nas comunidades camponesas, refletindo
majoritariamente, valores e lógicas próprias dos centros urbanos. Todavia, a educação
como direito universal e dever do estado, segundo legislação do país, expressa em entre
outros documentos na LDB, PCNs e Resoluções do CNE, deve atender as
necessidades/realidades de cada comunidade escolar.
Há que se reconhecer que não é possível identificar no município de Catalão a
existência de uma educação “do” campo, tendo em vista a ausência de currículos e
práticas pedagógicas específicas para o atendimento da realidade das comunidades
escolares. Por outro lado é perceptível a fragilização da educação “no” campo, diante
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dos indicadores oficiais de avaliação do ensino como o IDEB, bem como das
debilidades na infraestrutura das unidades escolares, do transporte e das estradas e pela
opção do nucleamento escolar e/ou pelo crescente número de crianças e adolescentes
que são conduzidos para estudarem nas escolas dos distritos e da cidade.
Diante do exposto, faz-se mister a proposição de possíveis caminhos para a superação
dos problemas apresentados, sem qualquer pretensão de estabelecimento de regras e/ou
receitas engessadas, mas sim, contribuições ancoradas no importante debate travado em
torno da educação do/no campo, conduzido principalmente pelos Movimentos Sociais:
1) Criação do Departamento de Educação do Campo, vinculado a SEMEC, com o
objetivo de materializar práticas pedagógicas e currículos escolares em consonância
com os pressupostos previstos na legislação em vigor, conforme disposto no artigo 28
da LDB Nacional, artigo 37 da LDB Estadual e nos termos da Resolução do CNE/CEB
nº 01, de 03 de abril de 2002;
2) Gestão democrática das escolas no campo e a garantia da participação da comunidade
escolar, sendo valorizado os saberes presentes em cada localidade e respeitado o modo
de vida camponês dos povos cerradeiros;
3) Redirecionamento dos/as alunos/as oriundos da zona rural que diariamente são
conduzidos para as escolas da cidade e/ou dos distritos e localidades distantes de suas
residências, para unidades escolares próximas de suas moradias conforme previsto no
artigo 53 do ECA “acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência”,
buscando soluções que evitem o transporte diário de crianças/adolescentes, muitas
durante horas e em condições precárias, com a reabertura de salas de aulas e escolas,
bem como a construção de novas unidades, priorizando o direito a educação de
qualidade e não os cortes de gastos nesse setor;
4) Realização de programa de formação continuada dos profissionais da educação que
atenda as demandas específicas da população do campo, segundo os termos da
legislação já indicada;
5) Viabilização de política de assistência estudantil que possibilite ao/a aluno/a da zona
rural em situação de formação universitária ou técnica não perder o vínculo com o seu
núcleo familiar e com o campo, através da garantia do suporte necessário para a
sequência de suas atividades estudantis por meio de Casas do Estudante Camponês,
bolsas de estudo, contribuindo assim para que tenham melhores condições de escolher
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quanto a permanência no campo, em contraposição, por vezes, a única opção de ter uma
vida melhor migrando para as cidades;
6) Considerando a grande área rural do município e os resultados satisfatórios
alcançados pela Pedagogia da Alternância implementadas através das Escolas Família
Agrícola (EFA) em inúmeros municípios brasileiros. Nas quais os estudantes
camponeses permanecem com o em contínuo intercâmbio entre a escola e as suas
famílias, vivenciando a teoria e a prática do currículo escolar em sintonia com o modo
de vida camponês;
7) Implementação de práticas pedagógicas que valorizem a defesa da biodiversidade por
meio da agroecologia, das sementes e mudas crioulas, como alternativa real ao modelo
do agronegócio hegemônico, que se baseia no uso do agrotóxico, no desmatamento
indiscriminado e na desterritorialização do camponês.
Por fim, debater Educação do Campo passa pela superação do binômio
tradicional/atrasado/campo x moderno/avançado/cidade, constituindo-se em mecanismo
de máxima importância na discussão proposta, tendo tem vista o processo de
desvalorização das experiências e dos saberes das populações camponesas. A existência
do homem, da mulher, da criança e do jovem do campo, passa pela resistência
promovida pelos Movimentos Sociais em um permanente processo (re)existência dos
seus modos de vida.
Referências
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