As aventuras do Capitão Alface

download As aventuras do Capitão Alface

of 4

Transcript of As aventuras do Capitão Alface

As aventuras do Capito Alface As frutas, os legumes e as verduras decidiram se revoltar. Por isso, escolheram o Capito Alface para a liderana. O movimento tinha que ser chefiado por um Capito Alface, porque o Capito Alface era o nico ali, e os demais no eram alface. Assim, todos fugiram do pomar e da horta e foram se reunir no alto de uma montanha. Como no havia nenhuma montanha por perto, acabaram indo para a praia. Expulsaram as pessoas que tomavam banho. Mas as pessoas at acharam interessante uma reunio de frutas, legumes e verduras. S no ficaram para ver, pois o cu estava muito azul e tinha tambm uma nuvem num formato muito estranho. Um plano esperto foi acertado. O Capito Alface conduziria o seu exrcito ao poder de todo o planeta. Tudo bem calculado. Combinaram-se o dia e a hora para iniciarem-se os combates. Antes, porm, tinham que fazer um baile de mscaras, para que todos ficassem bem bonitos. Cada um escolheu para si uma fantasia. Foi da que surgiu o Capito Alface. Um nabo, que se sentia um tanto quanto solitrio, inventou um uniforme de Capito Alface e fez o maior sucesso. Quando a festa terminou, acharam que agora era hora de voltar ao trabalho e comear logo a revoluo. O Capito Alface botou um outro uniforme de Capito Alface, mais adequado realidade da conspirao, com uma espada, um escudo e uma garrafa de gua mineral com gs. Alguns julgaram desnecessria a tal da garrafa, mas o Capito Alface disse que sentia muita sede e que precisava de gua o tempo todo, embora a garrafa estivesse furada. As cornetas e os tambores tocaram a msica para animar as batalhas. O Capito Alface ento percebeu que no estava ainda totalmente preparado. Viu que estava sem um dos seus sapatos, que nem a Gata Borralheira. Os soldados ficaram apavorados. Parecia que aquilo era um mau sinal, que eles iam perder a primeira batalha. O Capito Alface, para acalmar a todos, falou para eles esperarem um pouquinho, que ia procurar o sapato. E saiu correndo por uma estrada de tijolos de ouro. claro que logo logo achou no meio do caminho o Grilo Tmido da Histria do Grilo Tmido. Ficando pau da vida, o Capito Alface pegou um atalho e foi parar numa floresta. Num ponto escuro, topou com a Menininha Cheirosa trocando altas idias com a Minhoca Gigante. Vocs viram por a o meu sapato? A Menininha e a Minhoca se entreolharam e deram a maior gargalhada. O Capito Alface ficou mais danado ainda da vida: Qual a graa? Vocs nunca perderam um sapato, ora bolas? No isso! A Minhoca Gigante viu que o Capito Alface estava irritado e tentou controlar o riso. que um sapato no vai ajudar em nada. Uma revoluo no d certo s por causa de um sapato! E voltou a rir descontroladamente. Isso problema meu! Eu s quero saber onde est o meu sapato. No perguntei o que voc acha. E os trs ficaram longamente discutindo sobre poltica e histria. Depois de algum tempo, o Capito j tinha perdido a pacincia por completo. Saiu com essa: O mais engraado que vocs no existem, e estou gastando o meu precioso tempo com vocs. Os dois novamente caram na gargalhada:

S voc que no percebeu at agora que o autor nos colocou s para atrapalhar os seus planos. Ns no sabemos onde est o diabo do seu sapato. Ah rapaz, quase que o Capito Alface bateu na Menininha Cheirosa e na Minhoca Gigante de to enfurecido que ele ficou. Foi-se embora com a maior falta de educao. Lguas mais a frente, esbarrou com as Formigas Danarinas numa baita algazarra. Estavam resolvendo qual era o formigueiro mais firme. O Capito Alface achou aquilo uma total bobagem. Indagou pelo sapato, sem nem dar bom dia, at porque era de noite. Vocs viram por a o meu sapato? As Formigas Danarinas se entreolharam e gargalharam. O Capito Alface no se agentava mais de nervoso: Qual a graa? Ora, que diabo que todo mundo hoje resolver rir da minha cara agora! Vo dizer tambm que vocs nunca perderam um sapato? No isso! que voc j perguntou isso antes. No vai trocar o disco? As Formigas Danarinas viram que o Capito Alface no sabia levar as coisas na esportiva. que um sapato no ajudar em nada. Uma revoluo no d certo s por causa de um sapato! Voc ainda no se convenceu disso? Quantas vezes vamos ter que repetir? E voltaram a rir. Isso problema meu! Eu s quero saber onde est o meu sapato. No perguntei o que vocs acham. Deu-se incio mais uma vez a uma discusso sobre poltica e histria. O Capito Alface ficou aflito, pois notava que aquelas personagens de contos de fadas tinham uma mania, um vcio por esse tema. J pensou se durante toda a sua busca tivesse que ficar mil vezes encontrando sempre com elas? Ficou mais preocupado ainda. Depois de algum tempo, o Capito, que no tinha mais nenhum estoque de pacincia, saiu com essa: O mais engraado que vocs no existem e estou gastando o meu precioso tempo com vocs. As Formigas Danarinas novamente caram na gargalhada: Voc j disse isso antes tambm. Que falta de criatividade. No gostamos de ficar dizendo a mesma coisa, mas parece que necessrio: voc no percebeu que o autor nos colocou s para atrapalhar os seus planos. Ns no sabemos tambm onde est o diabo do seu sapato. Por que voc no vai procurar a sua turma? Ento, passar bem. Caminhando h umas boas horas, o Capito Alface passou a se sentir mais calmo. Talvez por causa da solido. Talvez mesmo porque ele no guardava rancor. Ou ainda talvez porque ele nem sequer tinha ficado nervoso e s notava agora. Comeou a pensar nas palavras que ouvira. verdade no tinha nada a ver aquelas figuras aparecem no seu caminho. Devia ser alguma brincadeira de mau gosto. O Capito Alface, de tanto raciocinar, se transformou em Scrates, o filsofo grego. Mas, ao se olhar no espelho dgua de uma fonte, achou as suas roupas ridculas. Esse negcio de andar de vestido coisa de mulherzinha. Reclamou com o autor, que, s de zombaria, transformou ele num pavo cor-de-rosa e amarelo-ovo. Depois, apagou alguns adjetivos e fez dele um inseto insignificante. Ao longo de quatro pargrafos, o autor ficou assim se divertindo s custas do sofrimento do Capito Alface, at que enjoou de tudo, amassou o papel e jogou fora. O porteiro do prdio, suspeitando que havia uma estria no papel amassado, desamassou o papel, leu a estria e achou bacana. Deu para o filho, que tinha mais ou menos uns 10 anos. O filho do porteiro sonhava ser escritor.

O filho do porteiro, que se chamava algo prximo de Joo, tinha vrios amiguinhos. Os mais famosos eram Zequinha, Quinquin e Bola. claro que eles no se chamavam assim, mas isso no vem ao caso. O Zequinha era filho do doutor Roberto e da professora de Geografia Susana. O Roberto trabalhava num consultrio na Praa Saens Pea, no quarto andar do edifcio Mercrio. O nmero do prdio eu no me lembro. Susana dava aula de Geografia (eu j falei isso, mas sempre bom lembrar) num colgio na avenida Maracan e, todos os dias, ia de carona com o marido, porque o marido tinha que passar por ali para chegar na Praa Saens Pea. O Quinquin e Bola eram primos. O pai do Quinquin, Afonso, era irmo da me de Bola, Margarida. A Margarida tinha uma secretria de que gostava muito, que era a Fernanda. E a Fernanda era namorada de um rapaz que lia muitos livros e gostava de literatura indiana. Esse rapaz se chamava Pedro. O Pedro era irmo do Paulo, mas tambm do Roberto, da Susana, do Mercrio, do Afonso e da Margarida. O Pedro tambm tinha mais outros irmos, s que isso tambm no muito importante. A me do Quinquin se chamava Sara. A Sara no ia muito com a cara do Henrique, pai de Bola. Eles apenas se cumprimentavam e procuravam se respeitar, porque as pessoas diziam para eles que era bonito assim. O Capito Alface foi finalmente salvo pelo filho do porteiro, o Joo. Quer dizer, nem foi o Joo que salvou o Capito Alface, pois Alexandre, quando leu o que estava escrito, ficou to encantado, que comeou a chorar e a bater o p, dizendo que, se o Joo no desse o tal do papel para ele, ia mandar seu pai demitir o pai do Joo. O pai do Alexandre era dono de uma padaria. Ento, Alexandre rescreveu a parte que o Capito Alface era modificado em pavo. O Capito Alface ficou to feliz, que mandou um telegrama para Alexandre, manifestando os seus votos de amizade. Recuperada a paz do Capito Alface, ele passou a analisar a causa de tantos contratempos. Foi assim que ele compreendeu que tudo era conseqncia de a perda do seu sapato ter sido comparada com a Gata Borralheira. Agora tudo fazia sentido. Enfurecido, o Capito Alface disse para si mesmo que no queria mais encontrar o sapato perdido. E, para provar que dizia a verdade, tirou o outro sapato, colocou-o dentro da garrafa, que escondia de todo mundo embaixo da capa, e enterrou ao lado de uma pedra. claro que a pedra no gostou muito. Acabou saindo dali para se juntar s amigas no Monte Ida, que fica na ilha de Creta, ao norte do Egito. S que ningum viu. S eu. O Capito Alface, que quase virou de novo Scrates de tamanhas reflexes, depois achou mesmo que era uma bobagem aquela histria de revoluo. As frutas, os legumes e as verduras no tinham o menor motivo para se rebelarem. Na verdade, tinham inventado esse papo, para fazer com que o Capito Alface se afastasse dali, e, por conseguinte, enfraquecesse o seu poder. Mas, quando o Capito foi tirar satisfaes, todo mundo disse que queria revoluo sim e que o Capito Alface estava com parania. S que o Capito no queria mais tomar parte. Estava cansado de ser motivo para zombaria de vrias pessoas e se recusava a continuar fazendo papel de palhao. Alm do mais, quem puxa aos seus no degenera. As frutas, os legumes e as verduras responderam que o Capito Alface estava errado. A revoluo ia dar certo sim, porque a esperana a ltima que morre. E, como eles tivessem visto o passarinho verde, e verde a cor da esperana, no iam deixar de lutar pelos seus sonhos. E fizeram a revoluo sem o Capito Alface. At

porque o Capito Alface era de um tom de verde mais esbranquiado do que esverdiado. No momento em que teve notcias do sucesso da revoluo, o Capito Alface ficou to feliz que virou um pavo. No um pavo cor-de-rosa e amarelo-ovo, que era ridculo e vergonhoso. Mas um pavo marrom-claro e azul-turquesa.