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1
UNIVERSIDADE ANHANGUERA - UNIDERPCURSO DE PEDAGOGIA
Projeto Integrador II
Bullying no ambiente escolar: Quando a brincadeira fica séria
Autores
Ana Paula Ap. de Lima Souza - 369412
Ana Paula Beltrame - 366642
Aparecida Porto de Freitas - 375904
Janaina Guilherme Lopes - 369604
Kleberson Testa de Souza - 376524
Orientadora
Katiana Paula Gonzzatto Farina
Itaquiraí/MS, Junho/2015.
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AGRADECIMENTOS
A Deus por ter nos dado saúde e força para superar as dificuldades.
A esta universidade, seu corpo docente, direção e administração que oportunizaram
a janela que hoje vislumbro um horizonte superior, eivado pela acendrada confiança
no mérito e ética aqui presente. A minha orientadora Katiana Paula Gonzzatto
Farina, pelo suporte no pouco tempo que lhe coube, pelas suas correções e
incentivos.
Aos meus pais, pelo amor, incentivo e apoio incondicional.
E a todos que direta ou indiretamente fizeram parte da nossa formação, o nosso
muito obrigado.
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RESUMO
O Bullying é um problema mundial e pode ocorrer em vários setores da atividade
humana. Geralmente são estudadas duas formas de bullying: o bullying praticado na
escola e aquele praticado no ambiente de trabalho. Ao longo dos anos, vários
estudos foram desenvolvidos sobre o bullying, por instituições públicas ou privadas.
No Brasil, enquanto o assunto vem ganhando espaço na mídia, as pesquisas e a
atenção ao tema ainda estão passando por um estágio inicial. Este trabalho objetiva
esclarecer os fatos relacionados ao bullying escolar, pois o conhecimento do tema
pelos professores e demais funcionários é indispensável para o efetivo combate do
problema, além disso, este trabalho enfatiza a necessidade de se orientar as
famílias e a sociedade para o enfrentamento da forma mais frequente de violência
juvenil, o bullying.
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SUMÁRIO
1. Introdução........................................................................................................04
2. Desenvolvimento.............................................................................................06
2.1. Definição de Bullying escolar.........................................................................06
2.2. Bullying: Um problema social.........................................................................11
2.3. O bullying, escola e a responsabilidade da criança frente à sociedade........15
2.4. Anomia infantil e o bullying............................................................................17
2.5. Legislação sobre o bullying escolar...............................................................19
2.6. Políticas para combater e sancionar práticas de bullying escolar.................23
3. Considerações Finais........................................................................................28
4. Referências Bibliográficas.................................................................................30
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1. INTRODUÇÃO
Qualquer pessoa que algum dia tenha frequentado uma escola, certamente já
presenciou o fenômeno bullying. Esta palavra, de origem inglesa, tem como raiz o
termo bull, que significa ‘touro’, ou ainda, ‘valentão’.
Assim, o bullying pode ser definido como ‘o ato de bancar o valentão contra
alguém’. Para os portugueses, ‘maus tratos entre pares’. No Brasil, na falta de um
vocábulo único que sintetizasse o significado geral da expressão, passou-se a usar
o próprio termo em inglês para defini-la.
Em síntese, o fenômeno ocorre quando um ou mais alunos passam a perseguir,
intimidar, humilhar, chamar por apelidos cruéis, excluir, ridicularizar, demonstrar
comportamento racista e preconceituoso ou, por fim, agredir fisicamente, de forma
sistemática, e sem razão aparente, um outro aluno.
O bullying difere da violência explícita que é facilmente identificável em algumas
escolas, tais como pichações, atos de vandalismo ou agressões físicas, por se tratar
de algo mais sutil. Podemos dizer que o fenômeno é tolerado pela comunidade
escolar, e visto muitas vezes como ‘normal’ no relacionamento entre crianças e
adolescentes.
Apesar dos debates sobre este assunto serem relativamente recentes, ele é um
velho conhecido no ambiente escolar. O bullying sempre esteve presente, nas salas
de aulas, nos pátios, nas quadras esportivas. Com menor intensidade do que nos
nossos dias, e certamente, com menor destaque na mídia, mas sempre houve
situações nas quais alguns alunos de repente passam a perseguir e literalmente
torturar, psicológica e fisicamente, aqueles que, por eles, são considerados
“inferiores”, ou simplesmente mais frágeis.
O bullying passou a ser divulgado como prática de violência no âmbito da escola a
pouco tempo, porém a prática de desrespeito e humilhação não é recente. Hoje se
pode falar que o bullying passou da esfera da escola, pois tem causado problemas
sociais graves, inclusive com suicídios e massacres. Milhões de crianças e
adolescentes sofrem de práticas de bullying e as estatísticas somente apontam para
o crescimento desses números.
Nas próximas laudas deste artigo, estaremos relando sobre o bulling.
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2. DESENVOLVIMENTO
2.1. Definição de Bullying escolar
Há uma grande dificuldade de se definir o que compreende o fenômeno do bullying,
traçando os seus limites, para diferenciá-lo de outras condutas. A palavra bullying é
utilizada para referir-se a uma prática de desrespeito que tem como objetivo a
inferiorização do outro, a partir de vários atos, que geralmente são repetitivos. Essa
violência pode ser física ou psicológica e intencional, ou seja, deve-se ter dolo em
agredir/desrespeitar. Assim, o bullying não se confunde com uma pratica em que o
agressor/ofensor não teve a intenção de desrespeitar o outro.
O bullying é uma prática reiterada ao longo do tempo, ou seja, não se trata de uma
prática de desrespeito única, mas um conjunto delas, que tem como objetivo uma
pessoa em específico. Os meios para se levar a inferiorização podem ser os mais
diversos, como agressões físicas e/ou psíquicas. Devido à ampla gama de ações
possíveis, o bullying pode ser confundido com outras práticas de inferiorização ou
mesmo com crimes. Porém, há de se verificar nesse caso a intenção do agente que
é cometer o bullying e não um crime. Exemplificando: uma criança que rouba,
extorque e agride fisicamente uma outra criança no âmbito escolar, com o objetivo
de inferiorizar, diminuir moralmente a outra criança, comete a conduta de bullying,
que é mais gravosa do que apenas cometer essas ações isoladamente sem o
objetivo de inferiorização.
Diversas atitudes podem ser consideradas como bullying, mas todas elas levam à
constranger e inferiorizar a vítima. Classificam-se as espécies de bullying levando
em conta: o tipo de agressão (física, psicológica) e o meio utilizado para o
constrangimento (cyberbullying). Nesse último caso a dificuldade de reprimir o
cyberbullying é acrescida da dificuldade de regulamentação e punição no mundo
virtual, que tem tido avanços no Direito Eletrônico. Mesmo nas agressões físicas e
psicológicas há uma grande dificuldade de se coibir as ações de bullying. É preciso
que se diferenciem as práticas de bullying de outras práticas criminosas, como
homicídios e tentativas de homicídio, agressões físicas graves.
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Os graus de violência do bullying são muito amplos, uma vez que as condutas são
muito diversas. As leis que buscam reprimir o bullying no Brasil apresentam uma
classificação que parece pouco útil, mas que é interessante por explicitar algumas
ações praticadas no bullying. Grande parte dessas ações é considerada crime na
legislação estatal.
“Art. 3º O “bullying” pode ser classificado, conforme as ações praticadas:
a) verbal: insultos, xingamentos e apelidos pejorativos;
b) moral: difamação, calúnia, disseminação de rumores;
c) sexual: assédio, indução e/ou abuso;
d) social: ignorar, isolar e excluir;
e) psicológica: perseguir, amedrontar, aterrorizar, intimidar, dominar, manipular,
chantagear e infernizar;
f) físico: socar, chutar, bater;
g) material: furtar, roubar, destruir pertences de outrem;
h) virtual: depreciar, enviar mensagens intrusivas da intimidade, enviar ou adulterar
fotos e dados pessoais que resultem em sofrimento ou com o intuito de criar meios
de constrangimento psicológico e social.”
A prática do bullying é de alguma forma muito próxima à discriminação, ou melhor,
a um tipo de discriminação que é o racismo. A vítima de bullying geralmente é
perseguida e alvo de diversas ações, que visam inferiorizá-la apenas por ser e não
por fazer algo. Como o racista, aquele que comete bullying não quer a modificação
do outro, mas sim o seu extermínio. Por isso, o bullying não cessa quando a causa
da discriminação aparentemente acaba. O bullying e o racismo se assemelham por
enfatizar características físicas e alocá-las como algo ruim que pertence àqueles
tipos de pessoas. Nerds, gays e tantas outras classificações são criadas para
estigmatizar. O bullying por essa semelhança com o racismo é uma prática que tem
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seus maiores frutos com a educação, ou seja, tem de se ensinar que não se deve
discriminar.
No bullying não se pode desconsiderar o sujeito que sofre a ação, pois a atitude do
bullying e seus efeitos de inferiorização têm alvo específico, que poderia não trazer
os mesmos efeitos para outras pessoas. O bullying tem como objetivo a
inferiorização a partir de alguma característica de um sujeito em particular. Assim, o
bullying, como o racismo, não é praticado como uma resposta a uma ação
específica do sujeito que o sofre, mas sim pelo simples fato de ser.
O bullying decorre de uma não aceitação da existência de um outro diferente. Por
isso a pratica as ações de inferiorização buscando evidenciar os estigmas daquele
que é diferente. Os estigmas evidenciados podem ser os mais diversos, porém,
todos eles são construções de inferiorização respaldadas socialmente. Qualquer
característica que possa ser um estigma social é colocada em evidência: ser negro,
ser gordo, ter um defeito físico, ter cabelo crespo, ter dificuldade para aprender, ser
estranho, ser feio, etc..
Nos casos do bullying que ocorrem em instituições formais, que tem regras de
comportamento que são asseguradas, o bullying toma um contorno especial. Isso
porque, essas instituições têm pessoas que tem por função garantir a boa
sociabilidade entre os membros, e a conduta do bullying é uma prática contrária a
esse ideal, devendo ser coibida/sancionada. Há muitos casos de bullying no
contexto escolar e aqui é importante ressaltar a responsabilidade dessa instituição,
como esfera em que o poder decisório e regulador estão na mão de adultos, que
devem olhar pelas ações das crianças e adolescentes. O bullying escolar é um
fenômeno peculiar, pois nesse caso as ações para coibir e sancionar a prática
devem estar adequadas aos menores de idade.
Além dos termos assédio moral e físico/sexual, o bullying também é confundido com
a intimidação. Há um projeto de lei que visa criminalizar a conduta de intimidação,
que é na justificativa do projeto chamada de bullying. O projeto de lei n. 6935/10
pretende introduzir no Código penal no capítulo dos crimes contra a honra, o crime
de intimidação, que é assim definido:
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“Art. 141-A - Intimidar o indivíduo ou grupo de indivíduos que de forma agressiva,
intencional e repetitiva, por motivo torpe, cause dor, angústia ou sofrimento,
ofendendo sua dignidade:
Pena - detenção de um mês a seis meses e multa.
1º O Juiz pode deixar de aplicar a pena:
I – quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a intimidação.
2º Se a intimidação consiste em violência ou vias de fato, que por sua natureza ou
pelo meio empregado, se considerarem aviltantes:
Pena - detenção de três meses a um ano e multa, além da pena correspondente à
violência.
3º Se a intimidação tem a finalidade de atingir a dignidade da vítima ou vitimas pela
raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou que seja
portadora de deficiência:
Pena – reclusão de dois a quatro anos e multa. ”
I - Definem-se por Intimidação atitudes agressivas, intencionais e repetitivas,
adotadas por um indivíduo intimidador ou grupo de indivíduos intimidadores contra
outro(s) indivíduo(s), sem motivação evidente, causando dor, angústia ou sofrimento
e, executadas em uma relação desigual de poder, o que possibilita a caracterização
da vitimização. ”
O projeto utiliza como sinônimos as palavras bullying e intimidação. Há uma grande
semelhança, porém a intimidação não tem como foco a violência física, mas sim a
psicológica e no bullying isso pode ocorrer. A proposta não fala da aplicação no
âmbito escolar, nem faz menção a uma alteração para o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), condenando tal conduta. No entanto, a justificativa do projeto
fala da importância de se criminalizar o bullying e dos danos que este vem causando
na sociedade, em especial as crianças e adolescentes. Entende-se que a proposta
do projeto de lei tem grande dificuldade de poder ser aplicada no âmbito escolar,
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mesmo com modificações, uma vez que essas penas não poderiam ser aplicadas
aos menores de idade. Aos menores não se aplica as sanções do código penal, mas
sanções próprias dispostas no ECA. O projeto parece restrito à criminalização da
intimidação que é cometida por adultos.
O projeto fala em motivo torpe, o que no bullying se pode pensar em inferiorização
devido a um estigma social. Porém, as semelhanças são inúmeras e a
criminalização dessas condutas seria de enorme valia. É importante a presença de
um dispositivo legal proibindo e sancionando essa prática de inferiorização, para
indicar que essa conduta não deve ser aceita, inclusive quando se trata do bullying
escolar.
Há particularidades em práticas de desrespeito semelhantes como o bullying, a
intimidação e os assédios moral e físico, que não podem ser desconsideradas.
Como a palavra bullying foi inicialmente cunhada para retratar a violência e
desrespeito no ambiente escolar, entende-se que é melhor aplicá-la para esse
contexto. Há uma particularidade do bullying escolar, que é lidar com outra esfera de
regramento que é a esfera da escola (seja ela uma escola de educação particular,
estadual ou mesmo de educação especial, como no caso de esportes ou línguas). O
bullying escolar também tem como particularidade lidar com a dificuldade de se
sancionar a conduta de menores de idade. Para os outros casos de desrespeito e
inferiorização do outro é possível a utilização de um instrumental jurídico para sua
coibição ou mesmo sanção, porém no caso do bullying escolar não há essas
possibilidades.
Uma tentativa de definição do que é a prática do bullying é fundamental, para não
se confundir com outras práticas, especialmente quando se está investigando a
questão no âmbito escolar. O bullying é uma prática grave e não apenas um mero
desentendimento entre crianças ou adolescentes. Não se pode confundir, sob pena
de julgar que há mais bullying do que realmente existe e por outro lado, de
desconsiderar uma prática de bullying com consequências graves, pensando ser
apenas um mero desentendimento, alguma discussão pontual ou um pequeno
problema de socialização. Há muitas pesquisas apontando um número alarmante de
bullying, porém muitas delas pedem as próprias crianças para falarem se sofreram
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ou não bullying, sem por vezes tentar verificar se a prática realmente ocorreu.
Outras vezes, ocorreram realmente práticas não toleradas na escola, ou mesmo
ilícitas, mas não bullying.
O bullying é um fenômeno complexo por se tratar de uma prática que engloba uma
série de atos ocorridos em um espaço de tempo relativamente longo. Algumas
ações criminosas podem ser confundidas com o bullying, mas é possível também
que esses atos façam parte da conduta de bullying. Assim, furtos, roubos, ameaças,
extorsões, agressões físicas, estupros, podem ocorrer no ambiente escolar e serem
apenas crimes, porém as ações desses crimes podem indicar que o que se
objetivava era o bullying e não necessariamente cometer um ou outro crime. A
dificuldade é grande pela amplitude das várias ações para se cometer o bullying.
Não se pode colocar tudo sobre o rotulo de bullying, mas também não se pode
esvaziá-lo por completo. A tentativa de conceituar minimamente esse fenômeno visa
fornecer elementos para mapear o bullying escolar.
2.2. Bullying: um problema social
Alguns estudiosos tendem a tratar o bullying como um problema de alguns
indivíduos na sociedade e não de um problema social. A abordagem de um
problema individual e social é totalmente diferente. O bullying é um problema social,
pois sua ocorrência social é muito grande, podendo ser encontrada em diversas
localidades, não sendo um fenômeno isolado. Há uma tentativa de se individuar o
problema, levando à diminuição da questão, já que de acordo com esse entender a
adoção de práticas inibidoras da ação de alguns indivíduos seria suficiente para
resolver a questão.
O bullying também não pode ser simplistamente considerado um reflexo de uma
sociedade que de certa forma incentiva à violência. É comum a repetição insensata
de que os culpados do bullying são a televisão, os videogames, shows de rock, a
facilidade de se obter armamentos, etc.. Essas afirmações também estão na esfera
de que o bullying é um problema social, porém elas erram por apontar fora de uma
dinâmica social ancestral, que é a discriminação e o ódio ao outro.
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Um dos maiores problemas do bullying é que ele pressupõe a aceitação da prática
por parte de pessoas que não estão diretamente envolvidas, como alunos e
trabalhadores da escola. Esses alunos podem ser considerados como espectadores
ou mesmo como testemunhas, porém eles têm um papel importante de legitimar o
bullying, que não deve ser desconsiderado. A conduta geralmente passiva dessas
pessoas pode denotar tanto uma aceitação, quanto uma postura de tentativa de não
envolvimento. Depoimentos de pessoas que sofreram bullying apontam para uma
postura omissa em relação aos funcionários da escola e mesmo professores, que
buscam não interferir nas relações entre os alunos, mesmo em casos de agressão.
A omissão de pessoas que deveriam cuidar dos alunos que estão sob sua
responsabilidade, pode ser entendida como uma conduta que leva à
responsabilização.
Os alunos que são testemunhas do bullying, concordando ou não com a prática,
servem de público para o espetáculo de violência, que se desenrola em um longo
tempo. Nesse sentido o bullying pode ser entendido como um teatro de humilhações
de longa duração, que somente é possível por existir um público. O público pode ser
levado lentamente a uma legitimação da conduta do bullying. Em um primeiro
momento podem existir alunos dentro do grupo do agressor que não legitimam sua
conduta. Porém, assistir ou mesmo chegar a participar de um espetáculo de
humilhações faz com que surja um sentimento de união entre os participantes. Esse
sentimento pode ser semelhante ao que ocorre na guerra, em que pessoas se unem
em torno de um inimigo.
No caso do bullying o agredido não precisa ser um inimigo, mas simplemente ser
um elemento de agregação para pessoas tão distintas, que tem naquele momento
uma coesão efêmera. Não é raro nos casos de bullying os alunos agirem como uma
massa, que se une em torno de um objetivo. A massa, como aponta Elias Canetti [4],
faz com que comportamentos não praticados individualmente, sejam estimulados.
As pessoas em uma massa se sentem iguais, não há diferenças significantes entre
elas. Esse sentimento de igualdade, acolhimento perante seus pares é um aspecto
fundamental no bullying. A reunião dos alunos em uma massa faz com que se siga
um líder que comanda, diminuindo outras tensões. Dessa maneira, a massa é
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disciplinadora, porém o preço a pagar não é baixo, especialmente quando se busca
uma sociedade democrática e autônoma.
Há testemunhas que incentivam o comportamento do bullying, mas há testemunhas
que não aprovam, porém se sentem impotentes para contestar o bullying. Isso pode
ocorrer por medo de também serem alvos do bullying ou por entender que não se
pode ou é difícil mudar a situação. O medo de se tornar denunciar a prática de
bullying é um fator importante, pois indica que essa conduta aparentemente não
desejada no âmbito escolar, não é totalmente desincentivada. O não respaldo à
denúncia de bullying pelas testemunhas também é um aspecto que deveria ser
pensado em uma política anti-bullying.
Por ter esse aspecto do público é que a conduta do bullying também se diferencia de
brigas ou desentendimentos individuais. O bullying tem um caráter público, mesmo
quando alguns atos são cometidos fora dos olhos de testemunhas. O buller chama
as testemunhas para participar de sua conduta de violência e desrespeito. A
humilhação tem um caráter público, pois o desrespeito tem uma ligação com
padrões sociais esperados e tem seus efeitos quando é publicizado. Assim, o
bullying não precisa de testemunhas reais para os atos, mas a possibilidade de que
estas existam, uma vez que a humilhação é social.
Outro aspecto importante de ser analisado nos casos de bullying são seus
protagonistas: ofensores (bullying) e ofendidos (vítimas). O bullying pode ser
praticado por uma ou mais pessoas, sob um ou mais ofendidos. A pluralidade
aumenta enormemente a complexidade da questão, em especial quando se busca
punições para a conduta de bullying. A diferenciação dos ofensores e ofendidos
também é algo complicado de ser estabelecido, uma vez que podem existir diversas
práticas de bullying ocorrendo em um mesmo espaço, e é possível que o ofendido
assuma o papel de ofensor em outra relação social para se esquivar de sua postura
inferior. Isso quebra um pouco com a dicotomia de bullying e vítima, que se
estabelece em alguns estudos. A situação de ofensor e ofendido pode se perpetuar
em uma relação, pode se inverter ou pode ser modificada em outra relação social.
Porém, é muito provável que a relação entre bullying / testemunhas e vítima não
seja alterada na mesma relação. Pela impossibilidade de sair do papel do ofendido,
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é o que jovem se torna vítima e é ainda mais inferiorizado por não ter poder de
reverter à situação. Fala-se em vítima de bullying porque o jovem que é alvo da
pratica, não é um jovem qualquer, há nele algo de “diferente” a ser odiado, e a
diferença geralmente está calcada em preconceitos, um estigma.
É também difícil o bullying se identificar como tal, uma vez que poucos têm o prazer
de assumir atos discriminatórios, ainda mais quando podem ser punidos por isso.
Porém, em uma análise empírica da dinâmica das relações sociais na escola, não é
difícil identificar aquele que pratica o bullying. Nessa análise é possível identificar o
prestígio, o poder e a popularidade do bullying, em relação aos seus colegas. Há um
certo reconhecimento da coragem do bullying de fazer algo que quase todos
entendem como desrespeitoso/proibido/errado.
O bullying é um problema social em que a intolerância ao outro está presente. A
prática do bullying visa que a pessoa estigmatizada seja banida do grupo e o
estigma é colocado como algo inferior ao grupo. Porém, nem todos os
estigmatizados podem sair do grupo e isso faz com que um ato se transforme em
atos contínuos de inferiorização daquela pessoa. A prática do bullying somente é
possível uma vez em que há algum respaldo social que entende que aquele estigma
não é bom para a determinada sociedade. Há uma espécie de “racionalização” dos
estigmas e dos preconceitos, que impede que eles sejam facilmente detectados
como construções de desrespeito e do ódio.
Há aqueles que defendem que o bullying seja combatido como um problema social,
porque ele gera prejuízos econômicos, com pessoas inadaptadas para o trabalho. É
ainda mais simplista a afirmação: que os ofensores serão necessariamente
indivíduos violentos ou mesmo futuros criminosos e que os ofendidos terão graves
problemas psicológicos, dificuldade no desempenho escolar e serão pessoas
excluídas socialmente. O prognóstico pode ocorrer, porém deve-se salientar que não
é uma verdade intrínseca. Essas afirmações são utilizadas apontar a importância
social causada pelo bullying e a necessidade de uma política anti-bullying. Existem
diversos fatores que podem causar problemas sociais como os apontados. Porém, o
bullying deve ser combatido por um motivo maior, qual seja, é uma prática
antissocial. Uma sociedade democrática não pode tolerar a intolerância a diferença.
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2.3. O bullying, escola e a responsabilidade da criança frente à sociedade
A sociedade moderna entendeu que as regras sociais estipuladas pelo Direito
deveriam ser aplicadas diversamente para os menores, em especial as crianças. Há
algumas regras de direito que são aplicadas para os adolescentes, especialmente o
direito penal, no caso de infrações consideradas graves. Mesmo as regras de direito
civil, que até um século supunha a presença de menores praticando atos da vida
adulta, hoje são dificilmente aplicadas. É atualmente excepcional se encontrar um
menor casando ou mesmo fazendo negócios como dono de um estabelecimento,
mesmo isso sendo permitido legalmente.
A nova orientação a partir da metade do século XX começou a entender que jovens
deveriam frequentar toda uma educação formal em estabelecimentos especiais e
que não deveriam, salvo exceções, participar do mundo do trabalho. O direito
começa a encarar o jovem como figura a ser protegida do mundo dos adultos. Isso
ocorre ao mesmo tempo em que os menores parecem perder grande parte de seus
direitos e aparecem como figuras sem voz, descoladas da sociedade.
O século XX cria o jovem, que se diferencia do adulto. Isso é uma criação do século
XX, pois menores não eram anteriormente encarados dessa maneira e não havia
essa nítida diferenciação, nem essa proteção. Menores tinham tanta
responsabilidade quanto os adultos, participavam de negócios, da política, do mundo
do trabalho, constituíam família, tendo diversas obrigações. As mesmas regras
exigidas socialmente para os adultos eram também exigidas dos menores.
Hoje os jovens são entendidos de forma diferente. Ao mesmo tempo em que
ganharam uma proteção, podem estudar mais tempo e não participam efetivamente
da sociedade. São figuras com alguns direitos, porém com pouca voz social. Muitas
vezes são tratados em um status semelhante a um animal, que é protegido, mas não
tem qualquer poder decisório sobre sua vida. Não se pode nem falar de um cidadão,
pois os jovens, em muitos casos, sequer são integrados na sociedade em que
vivem. Essa participação é diferente de acordo com a condição econômica ou o
engajamento social/político dos responsáveis por esse jovem. Umas das únicas
esferas de escolha e participação do jovem na sociedade legitimamente permitida na
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sociedade atual é o consumo. Os jovens entenderam bem esse poder e passam a
ser consumidores vorazes e tirânicos frente as possibilidades econômicas dos
responsáveis.
Atualmente grande parte dos países ocidentais entende que as regras sociais para
os adultos devem ser aplicadas de maneira diferente para os menores. O direito
penal é aplicado de maneira diversa para os menores, em grande parte dos países.
Ainda há pena de morte para menores em muitos países, porém não é essa a
orientação baseada nos padrões dos direitos humanos.
A escola se tornou a maior instituição disciplinadora dos menores. Porém, devidos
aos excessos coercitivos dessa instituição, a escola passou a quase não ter
coerções para as violações às regras sociais. Os jovens notaram essa mudança e
tem respondido de maneira desafiadora, causando espanto aos professores e
funcionários que foram formados sob uma exigência muito maior do respeito às
normas no âmbito escolar. A escola se tornou esfera disciplinadora, porém essa
disciplina não é eficaz. No ambiente escolar as normas sociais não estão sendo
respeitadas pelos alunos e não se criou outra esfera para exigir essas normas. A
escola atualmente é um mundo a parte, em que as regras sociais parecem não valer
ou valer de maneira diversa, e principalmente em que sanções de nenhum tipo são
aplicadas, levando a um comportamento sem freios. Há muitas escolas que as
crianças e adolescentes vivem em um mundo a parte, ou seja, elas não são
ensinadas para viver socialmente. E isso ainda pode ser agravado, quando a família
não age como uma esfera educacional.
A própria escola teve alterada sua finalidade, uma vez que, hoje em dia, ela busca a
formação para o mercado de trabalho. Não se busca formar o jovem para a
sociedade, mas se reclama desse objetivo não ser conseguido espontaneamente. A
crise em que a escola se encontra é múltipla, indicando uma transformação de uma
velha instituição que não alcançou uma nova reformulação e que vem
constantemente sendo colocada em questão quanto ao desempenho de seu papel
social.
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“Ora, o sistema educativo ocidental entrou, há uns vinte anos, em uma fase de
desagregação acelerada”. Ele está passando por uma crise dos conteúdos: o que é
transmitido, o que deve ser transmitido, e a partir de quais critérios? Ou seja: uma
crise dos programas e uma crise daquilo em visto do que esses programas são
definidos. Ele conhece também uma crise da relação educativa: o tipo tradicional da
autoridade indiscutível desabou, e tipos novos- o professor-colega, por exemplo- não
chegam a se definir, a se afirmar ou a se propagar. Mas todas essas observações
permaneceriam ainda abstratas caso não estivessem ligadas a mais flagrante e
perturbadora manifestação da crise do sistema educativo, aquela que ninguém ousa
sequer mencionar. Nem alunos, nem professores se interessam mais pelo que se
passa na escola como tal, a educação não é mais investida como educação de
participantes. Ela se tornou um penoso ganha pão para educadores, uma imposição
tediosa para alunos – para quem ela deixou de ser a única abertura extrafamiliar-
alunos que não tem idade (nem estrutura psíquica) necessária para ver nela um
investimento instrumental (cuja rentabilidade, aliás, se torna cada vez mais
problemática). O que interessa em particular para a questão do bullying é a
dificuldade da escola de exigir as regras sociais necessárias para a socialização
desses jovens. Diversas regras não estão sendo aprendidas e os jovens, tendo
como o grande valor o consumo, pautam toda relação social por esse único valor. A
escola dificilmente consegue reconstruir um microcosmo de socialização e os jovens
sem socialização se portam muitas vezes como animais: mordendo, batendo,
roubando, submetendo, intimidando, agredindo, desrespeitando, etc.. Trata-se de
uma situação de plena anomia, pois as normas são entendidas como se não
existissem, ou pelo menos não fossem exigidas.
2.4. Anomia infantil e o bullying
A escola tem grande dificuldade de exigir as normas sociais e de sancionar. Por
outro lado, os pais parecem não querer disciplinar suas crianças. O Estado também
disse que as crianças são seres a parte e não aplica a elas as mesmas regras de
comportamento e sanções. A sociedade moderna está vivenciando uma verdadeira
anomia infantil, em que a socialização não acontece plenamente. A autonomia não
pode ser alcançada pelas crianças sem que antes seja feita a socialização, assim,
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não se pode entender como razoável a estipulação de normas pelos jovens que
somente são pautados nas suas vontades.
O estabelecimento de uma lei a ser seguida por todos com base na vontade de um
é tirânica e está desconsiderando a sociedade. O mundo moldado à vontade do eu
somente é possível logo após o nascimento, quando não há nada a não ser o eu.
Quando o eu percebe a sociedade e tem de viver nela, começa a se romper essa
necessidade de satisfação plena dos desejos do eu. Quem primeiro rompe com esse
domínio do eu é a mãe e o rompimento não adequado pode levar à criança à
psicose. O papel da família como socializador do jovem, na sociedade ocidental
moderna, é fundamental, pois é ela que irá indicar as normas sociais, os valores
aceitos, introduzindo à criança àquela sociedade. A transformação da família
patriarcal, com a mudança dos papéis tradicionais, tem levado a uma dificuldade de
socialização dos jovens. Há uma dificuldade grande de se romper a onipotência dos
jovens, uma vez que ninguém quer exercer a “violência” da socialização.
É também a família que vai ensinar alguns valores importantes para os jovens
começarem a traduzir seu mundo. Muitas vezes esses ensinamentos surgem a partir
da imitação de atitudes dos pais ou responsáveis. Essa prática de imitação é
inerente do aprendizado, porém pode causar problemas quando as práticas estão
desconectadas de um discurso ou mesmo de um ideal. Famílias dificilmente irão
ensinar, hoje em dia, um jovem a discriminar abertamente outras pessoas. Porém,
esses jovens podem aprender condutas discriminatórias, mesmo quando veladas e
aplicá-las.
A sociedade moderna pautada no consumo irá discriminar pessoas que estão à
margem desse consumo e não tem os signos de riqueza mínimos, como o caso dos
moradores de rua. Os pais ensinam a importância de ter signos de riqueza e de
consumir, apontando a conduta contrária como símbolo de fracasso social. Um
jovem ao se deparar com moradores de rua geralmente pode ter uma postura de
desprezo, quando não de desrespeito. O mesmo ocorre com outros valores da
moderna sociedade como: ser bonito, ser forte, ser alto, ser popular, ser
heterossexual, ser casto, ser branco, ser magro, ser saudável, ser
inteligente/esperto, etc..
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Essas características apontam para um padrão que é construído para discriminar
muitos e exaltar uns poucos. Os bullers (aquele que pratica o bullying) geralmente
se utilizam de características consideradas inferiores para realizar o bullying. As
características relevantes para a discriminação são apontadas socialmente e serão
utilizadas pelo bullying. Será maior a eficácia do bullying se o bullying utilizar
características socialmente relevantes para a discriminação. Nem toda conduta de
bullying é declaradamente discriminatória, mas quase todas elas utilizam-se de
elementos discriminatórios para gerar a inferiorização. Assim, se pode afirmar que
ninguém nasce sabendo discriminar, nem quais características se pode apontar no
outro para conseguir a inferiorização. Isso é aprendido socialmente, na família, na
escola ou em outras instituições.
2.5. Legislação sobre o bullying escolar
O Estado vem sendo chamado pela sociedade para elaboração de leis de combate
ao bullying. A maioria dos projetos de lei sobre o assunto trata do combate ao
bullying na esfera da educação. Quanto ao bullying escolar, existem algumas leis
brasileiras tratando do tema na esfera estatal. Destaca-se aqui: lei nº 14.957, de 16
de julho de 2009 da Prefeitura de São Paulo decorrente do projeto de lei 01-
0069/2009 do vereador Gabriel Chalita , lei 3887 da prefeitura do Mato Grosso do
Sul proposta pelo vereador Maurício Picarelli, lei n.º 5.089 de 6 de outubro 2009 da
cidade do Rio de Janeiro proposta pelo vereador Cristiano Girão. Há um projeto de
lei em âmbito nacional para tratar do bullying, projeto lei 5369/09. O texto dessas leis
é praticamente o mesmo e toma-se para análise o projeto de âmbito nacional
O artigo primeiro irá apresentar o bullying como prática na esfera da educação. O
projeto de âmbito nacional institui uma política anti-bullying ligada ao Ministério da
Educação e entende que este é o competente para estabelecer as regras,
procedimentos e diretrizes para concretização dessa política. No âmbito estadual, o
artigo primeiro fala de um programa de combate ao bullying que tem participação do
Estado e da comunidade e que é interdisciplinar. A lei estadual aponta para a
complexidade do bullying e que para seu combate é preciso de uma série de
profissionais em diferentes áreas.
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No parágrafo único do artigo primeiro, tanto do projeto de lei no âmbito nacional,
quanto nas leis estaduais, procura definir o bullying. O artigo procura descrever qual
é a prática do bullying, quem é o ofensor e o ofendido, o número de pessoas que
podem ser os agentes e as vítimas, qual é o objetivo do bullying e do que ele é
decorrente. A redação do texto é bem sintética, como uma tipificação penal,
proporcionando uma boa margem para interpretações, que englobem os diferentes
casos concretos. A questão do número de pessoas também é muito importante de
ser explicitada, uma vez que o bullying pode ocorrer de vários modos. A questão que
parece mal formulada nessa redação é dizer que o bullying decorre de uma relação
de desequilíbrio de poder. O bullying não pressupõe uma pessoa indefesa/fraca e
outra pessoa forte. A redação pressupõe o conceito de poder como uma coisa que
se tem ou não. Porém, o bullying é um grande exemplo de relações pessoais em
que o poder é afirmado como uma relação.
Outro engano parece ser considerar que o bullying decorre do desequilíbrio de
poder interpessoal e não de uma omissão de poder da esfera da escola, que permite
que a violência aflore de maneira descontrolada. A lei, como os educadores,
entende que o bullying é uma questão grave e recorrente na sociedade moderna,
mas ainda colocam a questão no âmbito do desentendimento pessoal e não de uma
falta de atuação institucional.
“Bullying é considerado todo ato de violência física ou psicológica, intencional e
repetitivo, que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo,
contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando
dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes
envolvidas”.
Como o bullying engloba condutas discriminatórias, coloca-se em questão, como
ficam os casos de racismo frente a essa regulamentação dupla. Pode-se entender
que no âmbito escolar somente há bullying, mesmo quando este expressa uma
discriminação do tipo racismo. Pode-se adotar a postura que o bullying não se
confunde com o racismo, pois esse é um crime específico. Porém, mesmo essa
posição é complicada, uma vez que as práticas de bullying englobam práticas que
tem tipificação específica, como a injúria, calúnia, difamação, roubo, furto, etc.. O
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que deve ficar claro, é que o bullying não tem regulamentação de crime na esfera
penal, mas que é uma conduta não desejada, ainda mais no âmbito escolar. Assim,
a questão que está em jogo mais uma vez é se as leis penais têm validade no
âmbito escolar. A escola surge como uma espécie de território a parte, em que as
leis jurídicas parecem quase não valer. Um exemplo para ilustrar o problema: uma
criança que rouba pessoas na rua pode ser penalizada pelas leis penais, porém, o
mesmo não ocorre se uma criança rouba continuamente na escola, pois seu ato
pode não ser considerado roubo, mas bullying.
Os menores estão sujeitos a outros tipos de penas, conforme orienta o ECA, no
artigo 104. Porém, é essa mesma lei que determina que crimes e contravenções,
assim consideradas de acordo com a lei penal, serão entendidas quando se tratarem
de menores como atos infracionais (art. 103). O que geralmente ocorre nos casos de
bullying é que os atos não são considerados criminosos, mas simplesmente
problemas disciplinares a serem resolvidos no âmbito escolar. A questão é muito
complexa e parece descortinar os paradoxos da sociedade moderna na aplicação do
Direito. O bullying é uma conduta gravíssima e deve ser criminalizada. Não se pode
tratar o bullying como ato indisciplinar, pelo menos na sua forma grave, pois essa
prática é altamente anti-social, com efeitos nocivos.
O artigo seguinte trata dos diversos objetivos do programa anti-bullying. Esse artigo
esclarece as diversas práticas que a escola deverá adotar para implementar o
programa. Esse artigo traz como novidade a inclusão do bullying no regimento
escolar como prática não desejada. Mesmo para estabelecer essas regras, o texto
foi cuidadoso, colocando que o programa será incluído após ampla discussão no
Conselho da Escola.
Entende-se que o cuidado deve ser tomado, uma vez que é esse regimento que
tem uma esfera punitiva. Assim, o cuidado deve ser tomado mais em relação à
sanção, do que propriamente em discutir se a prática do bullying deve ser
combatida. O último dos objetivos fala do auxílio ao agressor e às vítimas. Entende-
se aqui que se trata de um auxílio interdisciplinar, mas com um foco em uma
orientação feita por psicólogos. Mais uma vez não há sanção, mas apenas auxílios.
A prática que entende que o agressor deve ser auxiliado e não punido é muito
22
diferente das outras esferas da sociedade que geralmente irão punir. O auxílio aqui
pode tanto denotar uma mudança de postura frente a comportamentos não queridos,
como também pode denotar uma dificuldade da esfera escolar de exercer uma
disciplina que coíba efetivamente infrações graves.
“Artigo 5º - São objetivos do programa: I- Prevenir e combater a prática de bullying
nas escolas; II- Capacitar docentes e equipe pedagógica para a implementação das
ações de discussão, prevenção, orientação e solução do problema; III - Incluir, no
Regimento Escolar, após ampla discussão no Conselho de Escola, regras
normativas contra o bullying; IV- Esclarecer sobre os aspectos éticos e legais que
envolvem o bullying; V- Observar, analisar e identificar eventuais praticantes e
vítimas de bullying nas escolas; VI- Discernir, de forma clara e objetiva, o que é
brincadeira e o que é bullying; VII- Desenvolver campanhas educativas, informativas
e de conscientização com a utilização de cartazes e de recursos de áudio e áudio-
visual; VIII- Valorizar as individualidades, canalizando as diferenças para a melhoria
da auto-estima dos estudantes; IX- Integrar a comunidade, as organizações da
sociedade e os meios de comunicação nas ações multidisciplinares de combate ao
bullying; X- Coibir atos de agressão, discriminação, humilhação e qualquer outro
comportamento de intimidação, constrangimento ou violência; XI- Realizar debates e
reflexões a respeito do assunto, com ensinamentos que visem a convivência
harmônica na escola; XII- Promover um ambiente escolar seguro e sadio,
incentivando a tolerância e o respeito mútuo; XIII- Propor dinâmicas de integração
entre alunos e professores; XIV- Estimular a amizade, a solidariedade, a cooperação
e o companheirismo no ambiente escolar; XV- Orientar pais e familiares sobre como
proceder diante da prática de bullying; XVI - Auxiliar vítimas e agressores.”
As conclusões desse estudo é que professores, apesar de ter contato direto e diário
com seus alunos, não entendem uma ação como pertencente à pratica de bullying e
dificilmente intervêm para combatê-la. O papel de grande parte dos professores está
mais voltado à transmissão de um conteúdo do programa escolar. Outras atividades
são também exigidas do professor, como manter um grupo de alunos relativamente
quietos e disciplinados em um espaço e tempo determinados. Ajudar a realizar a
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socialização parece ter ficado de lado, diante de tantas outras tarefas que a escola
parece considerar mais importante.
Dificilmente escolas entendem ser prioridade preparar o aluno para viver em
sociedade, mesmo em detrimento do conteúdo informativo a ser passado. Isso
porque muitas escolas apesar de terem suas metas voltadas para a estimulação de
valores elevados, não se podem negar em privilegiar uma educação voltada para a
informação e para o mercado de trabalho. O bullying é uma conduta gerada pela
intolerância do diferente e somente pode ser efetivamente combatida, em uma
escola que promova a diversidade como fator de integração social.
O artigo prevê a inclusão no Regimento Escolar de regras contra o bullying, depois
de discussão sobre essas regras no Conselho Escolar. O regimento escolar passou
a ser elaborado individualmente por cada uma das escolas do país, a partir do
parecer CEE 67/98 da Secretaria Estadual de Educação. O parecer apenas aponta
diretrizes gerais para ser elaborado o regimento. Anteriormente a esse parecer as
escolas possuíam uma normatização uniforme entre as escolas em São Paulo, que
estava prevista no Decreto 10.623 de 1977, apontando os deveres e direitos do
estudante de primeiro grau para elaboração do regimento escolar..
O regimento escolar deverá ser elaborado para apontar as sanções para os casos
de bullying. A lei estadual aponta para a necessidade de discussão do Conselho
escolar sobre o tema, tomando cuidado para que a normatização seja produzida
consensualmente e evitem-se com isso exageros. Porém, é preciso destacar que o
Conselho Escolar pode elaborar regras para disciplina, mas não para atos
infracionais, ou seja, para casos previstos como crime. O bullying não é considerado
crime no ordenamento penal no Brasil, porém outras condutas que fazem parte dos
atos do bullying são. Em casos em que as ações do bullying são consideradas
crimes, é preciso que esses casos sejam retratados ao Ministério Público, pois a
escola não tem competência para legislar, nem para sancionar nesses casos. Não é
porque não há uma criminalização para a conduta de bullying (que pode ser
comparada a tortura) que se abre uma porta para cometer atos ilícitos.
2.6. Políticas para combater e sancionar práticas de bullying escolar
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Durante muito tempo o bullying não foi encarado como um problema social, mas
como prática individual de falta de indisciplina escolar. Há poucos anos o bullying
começou a ser encarado como um problema social e surgiram as discussões para
elaboração de políticas de combates no âmbito escolar. Essas primeiras políticas
incluem desde elaboração de novas regras de disciplina escolar, como a divulgação
da existência do problema para alunos, pais, corpo docente e funcionários. O
bullying parece ainda ser considerado uma prática mais rara do que realmente é,
pois não é raro a escola isolar o problema ao propor a resolução do conflito entre o
ofendido e o ofensor. Essa tentativa de resolução de conflito geralmente é feita por
um profissional ligado à psicologia. Porém, o que é estranho é tentar resolver um
conflito pela via da elucidação, da conversa individual, de uma questão que tem
como ponto central o extermínio do outro. Se o ofensor quer eliminar o ofendido,
com base em valores discriminatórios, não há resolução para o caso. O bullying não
pode ser tratado como outros litígios em que se pode chegar a um acordo entre as
partes. Não há acordo, pois discriminar, violentar, inferiorizar, não pode ser condutas
socialmente aceitas.
A atuação para o combate ao bullying somente tem sentido quando feita tentando
apresentar como a conduta é maléfica socialmente. O que falta é a socialização e
ela tem de ser realizada. Nesse caso, a escola tem de surgir como uma esfera
disciplinadora, podendo impor sanções adequadas ao caso. O que importa é gerar a
socialização, quebrar a onipotência do eu do ofensor, levando-o a considerar o
outro. A escola não pode se omitir nesses casos. Porém, sabe-se que há uma
limitação para a ação da escola, que lhe é particular. Nesses casos, entende-se que
chamar outras instituições como a família e até o Estado é fundamental. Essas
outras instituições poderão sancionar para levar o comportamento social do ofensor
à socialização.
A esfera sancionadora do Estado, da escola ou da família é fundamental, mas está
voltada para o ofensor deixando de lado outras pessoas como as
testemunhas/partícipes. Para tentar resolver o problema é preciso o envolvimento de
toda a sociedade. O bullying somente pode ser combatido no seu cerne com uma
política que leve a conscientização da necessidade de se viver em sociedade e não
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querer o extermínio do outro. Nesse sentido o combate ao bullying tem de ser feita
por uma política de educação, que não pode ser restringida apenas à escola.
A atuação do Estado nos casos de bullying não é consenso entre os estudiosos da
questão, que entendem ser um problema da esfera escolar e que deve ser resolvida
nesse âmbito. Porém, pode-se pensar em uma proteção Estatal, tanto regulando,
quanto intervindo diretamente para resolução do conflito. A regulação do bullying é
fundamental, especialmente para a sua caracterização. Definir uma conduta não
aceita socialmente sempre foi um papel da lei. A regulação também pode ser feita
para a implantação de políticas públicas de combate ao bullying. A intervenção
direta, caso a caso é possível, especialmente em casos em que a intervenção da
família e da escola para resolução não deram resultado, com atuação do poder
judiciário e do Ministério Público.
Torna-se necessária a criminalização do bullying, em sua forma geral, englobando o
bullying escolar. A regulação criminal para sancionar os casos de bullying é
fundamental para dar a devida importância a essa prática tão nefasta e que tem
consequências tão graves quanto a tortura. Em muitos aspectos o bullying se
assemelha à tortura, levando as vítimas à terem problemas sociais, psicológicos,
cometerem suicídio ou mesmo homicídio de seus bullers. A aproximação com a
tortura e do bullying é feita aqui para apontar a gravidade dessa conduta, e o
paralelo não é desmedido. Mais do que um crime, o bullying é uma tortura, pois as
ações ocorrem ao longo do tempo, visando inferiorizar/ aniquilar a vítima. O Estado
não pode se omitir de legislar sobre essa conduta tão grave que vem causando
sérios problemas sociais.
Na especificidade do bullying escolar também é necessário uma sanção para coibir
a sua prática. Porém, nesse caso é sempre importante lembrar que os envolvidos
geralmente são menores de idade e para eles é necessária uma estipulação de
sanção diferente. Não se trata de não sancionar, mas também não se pode permitir
essa prática. Sanções podem ser aplicadas pela escola, levando em consideração a
idade dos envolvidos e a gravidade da conduta. Dentro da esfera de regulação da
escola é possível sanções que tenham um efeito desejado, que é evitar o
comportamento do bullying. Para grande parte dos casos não é necessária que a
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sanção seja física, nem psicologicamente gravosa; mas deve-se indicar a criança e
ao adolescente que a conduta como o bullying não é bem quista socialmente.
A legislação estadual prevê a escola como esfera que pode implantar políticas anti-
bullying, permitindo inclusive a aplicação de sanções no caso dessa prática. Porém,
deixa a critério da escola estabelecer as normas e limites para aplicação das
sanções disciplinares. A lei não faz menção a impossibilidade da escola em atuar
em casos de bullying grave, em que a sanção disciplinar não é eficaz. Poderia-se
pensar no âmbito da escola, ou mesmo de um grupo de escolas, de implementar
uma comissão para tratar exclusivamente de problemas relativos ao bullying,
possibilitando que fossem implantadas políticas de prevenção por pessoas que
tivessem a verdadeira dimensão do problema do bullying. Esta comissão poderia
inclusive analisar os casos de bullying e decidir por uma sanção. A legislação
estadual existente coloca essas tarefas para os funcionários já existentes da escola,
dificultando a resolução do problema, uma vez que já há extensas atribuições para
diretores e seus secretários e também dos professores.
No caso de uma conduta de bullying com uma consequência gravíssima, seria
necessário sair da regulação escolar e passar a pedir intervenção estatal. Inclui-se
nesses casos gravíssimos, bullying com consequências de homicídio, estupro,
violência física grave, etc. Com uma regulação legislativa do assunto, deve-se
apontar para quais casos seria necessário pedir intervenção estatal, inclusive com
apoio do Ministério Público. Este órgão tem como uma de suas funções zelarem
pela integridade dos menores, conforme dispõe o ECA (lei 8069 de 1990), No caso
da criminalização da conduta do bullying seria possível o Ministério Público atuar
como já atua, em qualquer caso de infração as leis penais cometidas por menores.
É importante também que haja uma especificação da responsabilidade da escola em
casos de bullying. A escola tem um papel de educar e não pode permitir que
condutas de bullying ocorram no tempo em que os menores foram confiados à sua
responsabilidade. É dever da escola, zelar e garantir a saúde física e mental dos
alunos, enquanto estes estão sob a sua tutela. Dentro das possibilidades da escola
seria interessante a legislação especificar as condutas que esta pode tomar para
coibir o bullying e aplicar as sanções. Nos casos graves deveria haver uma
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obrigatoriedade da escola reportar a conduta ao Ministério Público, sob pena de ser
conivente com a conduta do bullying, evitando com isso uma postura omissa da
escola.
As políticas de bullying terão poucos efeitos quando se procurar apenas sancionar o
bullying. Essa é apenas uma das práticas a serem adotadas, mas não pode ser a
única. O comportamento do bullying é terrível, mas ele é reflexo de uma série de
valores e atitudes disseminados na sociedade moderna. Apenas práticas conjuntas
podem trazer a diminuição do bullying. A política anti-bullying deve também prestar
atenção nas testemunhas/participantes da ação de bullying, estimular as denúncias
da prática, amparar vítimas e testemunhas, informar da prática e das suas
consequências aos pais/professores/população, promover a socialização da criança
na escola com difusão da importância de se viver em uma sociedade plural e
democrática, difundir que a discriminação/racismo/desrespeito às pessoas é uma
atitude nefasta socialmente e tem de ser evitado, valorizar os jovens ouvindo-os e
criando esferas de verdadeira integração social, etc.. O fenômeno do bullying é
complexo e para ser coibido tem de contar com todas as esferas da sociedade.
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3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As consequências geradas pelo bullying são tão graves que crianças com idades
entre 8 e 15 anos, identificam esse tipo de violência como um problema maior que o
racismo e as pressões para fazer sexo ou consumir álcool e drogas.
A inexistência de políticas públicas que indiquem a necessidade de priorização das
ações de prevenção ao bullying nas escolas, objetivando a garantia da saúde e da
qualidade da educação, significa que inúmeras crianças e adolescentes estão
expostos ao risco de sofrerem abusos regulares de seus pares. Além disso, aqueles
mais agressivos não estão recebendo o apoio necessário para demovê-los de
caminhos que possam vir a causar danos por toda a vida.
Reduzir a prevalência de bullying nas escolas pode ser uma medida de saúde
pública altamente efetiva para o século XXI. A sua prevalência e gravidade
compelem os pesquisadores a investigar os riscos e os fatores de proteção,
associados com a iniciação, manutenção e interrupção desse tipo de
comportamento agressivo.
Os conhecimentos adquiridos com os estudos devem ser utilizados como
fundamentação para orientar e direcionar a formulação de políticas públicas e para
delinear as técnicas multidisciplinares de intervenção que possam reduzir esse
problema de forma eficaz.
Em um país como o Brasil, onde o incentivo à melhoria da educação de seu povo
se tornou um instrumento socializador e de desenvolvimento, onde grande parte das
políticas sociais é voltada para a inclusão escolar, as escolas passaram a ser o
espaço próprio e mais adequado para a construção coletiva e permanente das
condições favoráveis para o pleno exercício da cidadania.
As instituições de saúde e educação, assim como seus profissionais, devem
reconhecer a extensão e o impacto gerado pela prática de bullying entre estudantes
e desenvolver medidas para reduzi-la rapidamente.
Aos profissionais de saúde, particularmente aos pediatras, é recomendável que
sejam competentes para prevenir, investigar, diagnosticar e adotar as condutas
adequadas diante de situações de violências que envolvam crianças e adolescentes,
tanto na figura de autor, como na de alvo ou testemunha.
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Mesmo admitindo que os atos agressivos derivem de influências sociais e afetivas,
construídas historicamente e justificadas por questões familiares e/ou comunitárias,
é possível considerar a possibilidade infinita de pessoas descobrirem formas de vida
mais felizes, produtivas e seguras.
Todas as crianças e adolescentes têm, individual e coletivamente, uma prerrogativa
humana de mudança, de transformação e de reconstrução, ainda que em situações
muito adversas, podendo vir a protagonizar uma vida apoiada na paz, na segurança
possível e na felicidade. Mas esse desafio não é simples e, em geral, depende de
uma intervenção interdisciplinar firme e competente, principalmente pelos
profissionais das áreas de educação e saúde.
O bullying pode ser entendido como um balizador para o nível de tolerância da
sociedade com relação à violência. Portanto, enquanto a sociedade não estiver
preparada para lidar com o bullying, serão mínimas as chances de reduzir as outras
formas de comportamentos agressivos e destrutivos.
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4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MARTELLI, Lindolfo A. Manual para elaboração de artigo. [Online]. Valinhos, 2014
p. 01-10. Disponível em: <www.anhanguera.edu.br/cead>. Acesso em: março de
2014.
COMO ELABORAR UM BOM ARTIGO. Disponível em:
http://www.institutojetro.com/artigos/administracao-geral/11-dicas-para-escrever-um-
bom-artigo.html. Acesso em 25 de maio de2015.
LESGISLAÇÃO QUE TRATA SOBRE O BULLYING. Disponível em:
http://www.portaleducacao.com.br/educacao/artigos/31936/lei-anti-bullying-no-brasil .
Acesso em 26 de maio de 2015.
MANTOAN, Maria Teresa Eglér. PRIETRO, Rosângela Gavioli. Inclusão Escolar.
PLT 653. Summus, 2012.
MOREIRA, Antonio Flávio. CANDAU, Vera Maria. Educação e Diversidade. PLT Ed.
Especial 259. Petrópolis: Vozes, 2010.
PERINE, Andressa Ribeiro. Estratégias para lidar com qualquer tipo de situações.
Disponível em: http://www.editoradobrasil.com.br/educacaoinfantil/materialdeapoio/
formacao. Acesso em: 20.09.2014.
SILVA, Suziana da Rocha. Bullying na Educação Infantil. Disponível em:
http://sites.google.com/site/caixinhadosaber/materias
interessantes/bullying-naeducacao-infantil. Acesso em: 20.09.2014.