Artigo para ser submetido ao ENEM
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UMA ANÁLISE CRÍTICA DO ENSINO DO DETERMINANTE
Marco A. P. Cabral (IM-UFRJ) [email protected]
1. Introdução
Para contextualizar o ensino de determinante dentro da Álgebra Linear (AL daqui por
diante), iniciamos apresentando algumas diretrizes gerais. Uma referência importante no
ensino de AL na Universidade é o estudo financiado pela NSF (National Science
Foundation, o CNPq americano) feito em 1990 por quatro pesquisadores de Matemática
e Educação Matemática (publicado oficialmente somente em 1993) que formaram o
Linear Algebra Curriculum Study Group (LACSG). Eles organizaram um Workshop
com professores de Matemática e com clientes dos cursos (departamento de engenharia
por exemplo). Descrita em Carlson et al (1993), apresenta cinco recomendações quanto
ao ensino de AL em um primeiro curso na Universidade:
(a) ementa deve corresponder às necessidades dos clientes;
(b) primeiro curso deve ser orientado para matrizes;
(c) considerar interesse e necessidade dos alunos;
(d) utilizar tecnologia;
(e) deve-se ter um segundo curso.
É dito que no novo papel da AL para cientistas e indústria deve-se de-enfatizar
abstração e colocar mais ênfase em resolução de problemas e aplicações que motivem,
preservando o nível atual de rigor. Com relação aos determinantes recomenda:
(a) determinantes surgem naturalmente na resolução de sistemas 2x2 e 3x3;
(b) as propriedades elementares são facilmente descobertas ou ilustradas com as
expressões correspondentes;
(c) verificações formais devem ser evitadas;
(d) tópicos principais devem ser: expansão em cofatores, determinantes e operações
nas linhas; det AB = det A det B e regra de Cramer.
O eixo desta proposta segundo Day e Kalman (2001) é utilizar aplicações como
motivação para o estudo. Ela veio como resposta ao fato que os currículos de AL de
muitas escolas não se adequavam às necessidades dos alunos que eles serviam
(MINGUS (1995)). Como conseqüência a ênfase passou para matrizes e aplicações,
reduzindo o tempo com conceitos abstratos. Esta influência foi muito grande nos livros
textos modernos (inclusive no título dos livros: somente para citar dois, Anton – Rorres:
Álgebra Linear com Aplicações e Lay: Álgebra Linear e suas Aplicações).
Uma visão histórica desta evolução curricular é dada por Cowen (1997). Nos últimos
anos o curso de AL passou de um curso abstrato de matemática para um primeiro curso
em demonstrações e se tornou em um curso orientado para matrizes e aplicações. A
modificação de ênfase mais recente pode ser explicada pelo fato que a introdução dos
computadores tornou práticos a resolução de sistemas que eram impossíveis há algumas
décadas atrás. Um exemplo recente é o programa Matlab, baseado em matrizes e
popular em aplicações na engenharia. Esta pressão é forte para modificar de um curso
de espaços vetoriais abstratos em curso de computação com matrizes e teoria que
suporte isso.
Com relação ao ensino médio no Brasil, consultando o PCNEM+ observamos que as
diretrizes não fazem menção do determinante diretamente. Fala-se sobre “a resolução de
sistemas de duas equações e duas incógnitas para sistemas lineares 3 por 3, aplicando
esse estudo à resolução de problemas simples de outras áreas do conhecimento” e
também, dentro de parte flexível do currículo de “cada escola, fazer uma abordagem
mais qualitativa e profunda”. É, portanto, bastante vaga.
Por contraste, ainda no ensino médio, mas nos EUA, o currículo oficial do estado da
Califórnia (vide California State Board of Education (1997)) determina, com relação à
determinante que os alunos saibam computar determinantes 2x2 e 3x3 além de se
familiarizar com interpretação geométrica como área e volume. Note que se faz aqui,
de forma explicita, a associação com interpretação geométrica.
Um risco em todos os cursos básicos, mas que afeta bastante o ensino de AL é (HAREL
(1997)) a multiplicação de teoremas de forma redundante. Um exemplo disso é chamar
de lema (ou teorema) o fato do determinante de uma matriz diagonal ser igual ao
produto dos elementos da diagonal: isto é um mero exercício. Ao facilitar o acesso aos
resultados para resolução dos exercícios, treinam o aluno a ser meros buscadores de
teoremas ao invés de incentivar o entendimento e dedução de conseqüências triviais.
Isto torna os livros em tratados enormes, que acabam não somente assustando os alunos
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como desestimulando-os a ler e estudar o texto: vão diretamente fazer exercícios e
somente buscar resultados necessário. Os textos devem ser organizados em torno de
poucas idéias centrais, apresentando também a necessidade das definições e teoremas,
com motivações para as demonstrações.
2. Dificuldades no Aprendizado de Álgebra Linear
Segundo Carlson (1993) os alunos não encontram dificuldade na parte inicial do curso
de AL (resolver sistemas, matrizes) mas, quando começa parte mais abstrata
(subespaços, espaço gerado, independência linear) parece que uma névoa atinge a
classe: eles ficam confusos e desorientados. Algumas razões são:
(a) AL é ensinado muito cedo (segundo período) para alunos imaturos;
(b) tópicos com subespaços e independência linear são conceitos, e não algoritmos;
(c) algoritmos diferentes são necessários em contextos distintos: para se determinar
independência linear de vetores e de funções por exemplo;
(d) conceitos são introduzidos sem conexão com experiência anterior do aluno e sem
exemplos significativos de aplicações.
Existem segundo Day e Kalman (1998) e (2001) uma visão divergente quanto ao papel
do primeiro curso de AL: continuação da seqüência de cálculo, com ênfase em Rn ou
um primeiro curso de estrutura matemática (construção e entendimento de
demonstrações)? Estas duas visões divergentes são expostas por Uhlig (2006) como
transmitir fatos e formulas (como numa seqüência de cálculo) ou entendimento (e
intuição) matemática.
A proposta do LACSG é criticada por Dubinsky (1997) pois a identificação aparente
(embora não fosse a intenção do grupo) de abstrato com inútil e portanto a associação
de concreto com útil é errada. Dá a entender que o concreto seria calcular com matrizes,
correndo o risco de dar ênfase em procedimentos mecânicos ao invés de enfatizar
conhecimento. Por outro lado, Mena (1997) faz uma autocrítica de sua postura anterior
que generalização é (sempre) positiva. Argumenta que pessoas se comunicam através de
exemplos concretos: o abstracionismo é natural para os matemáticos, mas não para a
maioria das pessoas.
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Uma saída para este dilema (concreto x abstrato) (Uhlig (2002b)) é fazer a transição de
métodos e fórmulas para conceitos abstratos ao longo do semestre do curso. No início se
evita abordagem sofisticada do tipo definição-lema-prova-teorema-prova para se
preparar, ao longo do curso, lentamente, para provas e rigor matemática.
São criticadas em Uhlig (2006) diversas abordagens alternativas. Álgebra abstrata
(maneira pré-1960; van der Waerden (1936), Halmos (1942), Dieudonné (1948
'Bourbaki`) é abstrata e não desenvolve conceitos numéricos úteis com fatoração de
matrizes. Software proporciona aprendizado muito lento. Ensino através de problemas
(aplicações) é agradável para professores e alunos mas deixa pouco conhecimento
permanente com os alunos. A solução apresentada é ensinar através de primeiros
princípios e conceitos básicos simples que podem ser utilizados em aplicações e em
teoria mais abstrata. Utilizar a intuição geométrica pode ser limitante quando se tenta
passar para dimensão n.
Outro que alerta para os perigos da motivação geométrica é Harel (1999). Não obstante
as boas intenções, quando a geometria é introduzida antes do conceito ter sido formado
o aluno fica restrito ao mundo geométrico (dimensão 2 ou 3) dos vetores, não
conseguindo mover para o caso geral em Rn. Ressalta que a geometria deve ser utilizada
para solidificar os conceitos depois que eles estão ou começaram a ser formados. Um
exemplo é independência linear, onde a introdução via vetores colineares forma uma
imagem mental tão poderosa que é difícil de ser apagada depois.
3. Possibilidades para definir o Determinante
Existem diversas alternativas para a definição inicial da função determinante. As três
que aparecem normalmente nos livro-textos de AL são:
(a) Combinatória. Define-se permutação par/impar e depois o determinante como o
produtório de permutações de elementos com sinal. Conhecida como fórmula de
Leibnitz;
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(b) Recursiva. Através da expansão (recursiva) em cofatores. Conhecida como
fórmula de Laplace;
(c) Forma multi-linear alternada. Determinante é a única forma multilinear alternada
tal que aplicada na matriz identidade vale 1. Segundo Elon (1996) feita
originalmente por Weistrass;
Outras possibilidades, bem menos conhecidas, são:
(d) Geométrica. Num trabalho ousado, Hannah (1996) propõe que se defina o
determinante, em analogia com a definição de integral dada em cálculo como
“área embaixo do gráfico”, como a área/volume (com sinal) do
paralelogramo/paralelepípedo gerado pelas colunas da matriz. Baseado nesta
definição ele prova que o determinante é uma forma multilinear alternada. A
propriedade de ser alternada é comparada com o fato de .
Outra referencia para esta abordagem é Kalman (2007);
(e) Operações elementares. Definir como função que se modifica de acordo com
operações elementares na matriz (BOGART (1989)). É uma variante (menos
abstrata) da definição como forma multilinear alternada;
(f) Autovalores. Axler (1995) e Uhlig (2003) desenvolvem a teoria de
autovalores/autovetores sem determinante. Depois definem o determinante como
o produto de autovalores (com multiplicidade). Ver a Seção 7 (Apêndice) para
detalhes;
(g) Propriedade do produto. Numa abordagem pouco conhecida Cullen e Gale (1965)
mostra que existe uma única função que possui a propriedade
det(AB)=det(A)det(B) e com uma certa normalização (não basta que determinante
da identidade seja 1). Nesta abordagem, uma das principais propriedades vira
definição.
Observe que algumas definições são focadas no cálculo do determinante ((a), (b) e (f)) e
outras em algumas de suas propriedades ((c), (d), (e) e (g)). Isto indica dois caminhos
possíveis: definir fórmula e deduzir propriedades ou definir através de propriedades e
depois deduzir fórmulas.
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De forma geral, definir através de propriedades é um ponto de vista mais sofisticado.
Por outro lado é mais elegante. Neste sentido, a definição geométrica (d) se encontra no
meio do caminho: é mais sofisticada do que definir fórmula mas se conecta com a
intuição por ser de natureza geométrica. Discutiremos mais estes pontos de vista na
Seção 6.
4. Como os livros apresentam
Fizemos um levantamento em livros de álgebra linear de diversas gerações: pré-1970,
1970-1990, pós-1990. Dividimos os livros quanto a como define determinante.
(a) combinatória: Shilov (1971), Boldrini (1978), Steinbruch e Winterle (1987),
Lipschutz (1994) , Anton e Rorres (2001), Anton e Busby (2006);
(b) recursiva: Lang (1972), Banchoff e Wermer (1992), Lay (1997), Leon (1998),
Uhlig (2002a);
(c) forma multilinear: Halmos (1942), Hoffman e Kunze (1961)1, Rudin (1964),
Courant e John (1965), Strang (1993), Janich (1994), Lima (1996).
O Halmos (1942), considerado (COWEN (1997)) o primeiro livro texto de AL de
graduação, não define explicitamente determinante: define casualmente usando a idéia
de forma multilinear alternada. Mesmo livros tão recentes quanto Carvalho (1974)
simplesmente não falam sobre determinantes.
Note que a definição por forma multilinear aparece nos livros mais antigos (HALMOS
(1942)) e continua em livros modernos de caráter mais avançado (JANICH (1994) e
Lima(1996)) e em livros elementares de autores com motivação mais matemática (como
o Strang(1993)) pela elegância do tratamento.
A definição combinatória surge depois e permanece popular. No livro-texto de Boldrini
et al (1978), antes de iniciar a definição combinatória de determinante, alerta ao leitor
que “talvez seja conveniente avisá-lo de que o conceito de determinante envolve muitos
1 Na realidade definem como forma multilinear tal que se duas linhas são iguais a função vale zero (equivalente a simetria quando no corpo do espaço vetorial ).
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símbolos, o que dificulta sua leitura...”. Quase que pede desculpa pelo desenvolvimento
que vai começar …
A definição recursiva, cuja primeira aparição detectei em Lang (1972), em consonância
com recomendação do LACSG, foi escolhida por diversos autores envolvidos
diretamente com o estudos sobre ensino de AL: Lay (1997), Leon (1998) e Uhlig
(2002a).
Outro ponto que avaliei é onde aparece a definição de determinante.
(a) Inicio, logo após sistemas lineares: Shilov (1971), Lay (1997), Leon (1998),
Anton e Rorres (2001);
(b) antes autovalores/autovetores: Rorres e Busby (2006), Hoffman e Kunze (1961),
Halmos (1942), Banchoff e Wermer (1992), Lima (1996), Lipschutz (1994), Lang
(1972), Strang (1993), Boldrini (1978), Janich (1994);
(c) final: Steinbruch e Winterle (1987).
Embora seja possível abordar determinante no início do curso (em torno do segundo
capítulo) poucos o fazem. Note que o Anton trocou a posição entre seu livro de 2001 e
de 2006.
Finalmente pesquisamos quais livros apresentam ligação entre determinante e volume.
Embora seja uma ligação essencial, por exemplo, na mudança de variáveis em integrais
múltiplas, não está presente na maioria dos livros. Pela mesma razão – sua conexão com
integrais – encontramos abordagem de determinante em livros de cálculo tais como
Apostol (1964), Courant e John (1965) e Rudin (1964). Uma abordagem muito boa mas
um pouco mais sofisticada está em Lima (1993), que mostra a relação entre
determinante e volume de transformações afins.
Relaciona determinante e volume: Lang (1972), Banchoff e Wermer (1992), Lima
(1993), Strang (1993), Lipschutz (1994), Lay (1997), Uhlig (2002a), Anton e Busby
(2006) (não aparecia em Anton e Rorres(2001).
Note que aqui aparecem, com exceção do Leon, todos os livros que definem
determinante de forma recursiva, incluindo o precursor deles Lang (1972).
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Quanto a uma das preocupações do LACSG, começar motivando 2x2 e 3x3, aparece
em: Lang (1972), Boldrini (1978), Banchoff e Wermer (1992), Strang (1993), Lipschutz
(1994), Leon (1998), Lay (1997), Anton e Busby (2006). Em livros de cálculo antigos
como o Apostol (1964) e Courant e John (1965) já acontecia esta preocupação, pois o
foco de um curso básico de cálculo de várias variáveis é em R2 e R3.
Este tipo de abordagem aparece de forma ainda mais intensa, não somente para o
determinante como para toda AL em Banchoff e Wermer (1992), um livro
contemporâneo do LACSG. pois apresenta um capitulo para AL em dimensão 1,
dimensão 2, dimensão 3 e depois dimensão n. Em cada um destes capítulos aparecem
todos os conceitos e geometria das transformações lineares. Somente depois disso passa
a falar de espaços vetoriais.
5. Propriedades do Determinante
As propriedades mais importantes e suas utilidades são:
(a) relação entre determinantes e operações elementares. Implica em método para o
cálculo do determinante que envolve menor numero de operações. O determinante
é o produto de pivots, contabilizando o sinal pela troca de linhas;
(b) det(AB)=det(A)det(B); utilizada em toda a teoria;
(c) det(At)=det(A); passar todas as propriedades de linha para colunas (e vice-versa);
estudo de matrizes ortogonais;
(d) determinante e volume; mudança de variáveis em integrais;
(e) regra de Cramer; solução de sistema, fórmula da inversa.
Vamos agora relacionar a definição escolhida para o determinante e como provar as
propriedades acima.
A propriedade (a) é a mais fácil de todas independente da definição utilizada. No caso
das definições por forma multilinear e por operações elementares, esta propriedade é
praticamente a definição. Com definição geométrica a propriedades (b) é fácil e a (c)
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difícil. Com definição combinatória, se inverte: a (c) é fácil e a (b) difícil. Com a
definição recursiva tanto a (b) quanto a (c) são difíceis.
A propriedade (b) det(AB)=det(A)det(B) pode ser provada de diversos modos.
1. Força bruta partindo da definição combinatória, fazendo manipulação dos índices.
2. Com a definição recursiva, por indução.
3. Uma construção mais elegante é utilizar a decomposição em matrizes elementares.
Utiliza-se as propriedades do determinante com relação às operações elementares.
4. Numa construção ainda mais elegante e menos conhecida, seguindo Rudin (1964),
Strang (1993), Janich (1994) e Hannah (1996), defina f(A)=det(AB)/det(B).
Mostre que f é multilinear simétrica (ou f é o volume) e f(I)=1. Portanto, pela
unicidade, f(A)=det(A).
A propriedade (c) det(At)=det(A) pode ser provada de diversos modos.
1. Força bruta partindo da definição combinatória.
2. Decompor em matrizes elementares, tomar transposta dos dois lados, utilizar
propriedade do produto e calcular determinante dos dois lados. Caso se tenha
introduzido decomposição LU, pode ser traduzido como escrever PA=LU e
aplicar este procedimento.
3. Usando definição recursiva Janich (1994), embora seja caminho difícil.
6. Impactos no Ensino e Conclusões
Devemos, de acordo com o LACSG, pensar nas necessidades dos alunos. Por isto a
pergunta básica é qual a utilidade do determinante para os alunos do ensino médio e do
ensino superior:
(a) cálculo de áreas e volumes;
(b) mudança de variáveis em integrais múltiplas (determinante jacobiano);
(c) cálculo de autovalores;
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(d) resolução de sistemas lineares e inversão de matrizes (regra de Cramer).
O cálculo de áreas e volumes é, sem dúvida, uma aplicação fundamental do
determinante. Deve ser o foco no ensino médio. Uma parte mais avançada, omitida
usualmente da teoria, mas que pode ser encontrada em Lima (1993) ou nos exercícios
de Shilov (1971), é o determinante de Gram, que permite calcular áreas e volumes de
figuras em Rn.
No ensino superior concordamos com Axler (1995) que o uso principal do determinante
é na fórmula de mudança de variáveis em integral múltipla. Acrescentamos também o
cálculo dos autovalores, embora seja mostrado por ele (vide Apêndice) que isto pode ser
feito sem o uso de determinante.
Quanto a aplicação de resolução de sistemas lineares, é consenso na comunidade
científica que no computador não pode ser feita utilizando determinante: é muito
custoso e gera erros grandes nas soluções. Isto tem que ser levado em conta no ensino
de determinante em todos os níveis. Um livro antigo como Hoffman e Kunze (1961) já
dizia que “não existe dúvida da beleza da regra de Cramer mas é uma ferramenta
ineficiente para se resolver sistemas lineares pois envolve muitos cálculos ….
esperamos que o leitor coloque mais ênfase no entendimento do que a função
determinante é e como ela se comporta (suas propriedades) do que em como se calcula
o determinante de matrizes específicas”.
Com relação ao ensino médio é importante notar que a regra usual (regra de Sarrus)
deve ser abandonada pois funciona somente para matrizes 3x3. Conforme mostrado por
Osborn (1960) ela não pode ser generalizada para matrizes 4x4 e maiores. Ela deve ser
substituída pela recursiva (expansão em cofatores), ainda que se apresente somente
determinante de matriz 3x3 pois esta se generaliza e permite que aluno explore estrutura
da matriz (zeros em algumas colunas ou linhas) para facilitar o cálculo. Enquanto a
regra de Sarrus é mera memorização, a expansão em cofatores permite manipulações
inteligentes do determinante. Deve-se deduzir a relação entre determinante e área do
triângulo/paralelogramo pois a geometria é muito simples. Conforme observamos na
introdução, o PCNEM+ não faz menção a determinante. Este tratamento mais detalhado
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deveria ser colocado numa versão futura do PCNEM+, pois a omissão deixa o campo
aberto para qualquer tipo de tratamento.
Com relação ao nível superior, num primeiro curso de AL creio que são mais
apropriadas as definições geométrica e a recursiva (expansão por cofatores).
A recursiva é adequada desde o ensino médio, e permite explorar propriedades de
matrizes esparsas, expandindo o determinante por linhas ou colunas com muitos zeros.
Ele serve não somente como definição como também regra prática de cálculo de
matrizes pequenas. Como principal desvantagem é bem mais difícil provar as
propriedades do produto e transposta. Outra dificuldade é que utilizamos a primeira
linha (ou coluna) para a expansão e depois queremos fazê-la por qualquer linha (ou
coluna). Uma saída (Leon (1998)) é incluir esta propriedade como parte da definição ou
incluir como teorema sem prova (Lay (1997)).
A geométrica lança mão da intuição mas é um pouco abstrata. Ela pode ajudar os alunos
a superar uma dificuldade levantada por Dubinsky (1997), a interpretação geométrica da
ação de uma transformação linear. Através dela a propriedade do produto do
determinante é imediata. Hannah (1996) diz que as definições algébricas (combinatória
e recursiva por exemplo) não são apropriadas para alunos do primeiro ano. Creio ser
necessário pesquisas para validar esta abordagem, pois a intuição geométrica, como
levantado na Seção 2, pode ser limitante no longo prazo.
A definição combinatória do determinante permite deduzir com facilidade propriedades
do determinante da transposta mas não é utilizada para o cálculo de determinantes em si
pela sua complexidade. Ela é desmotivante pois necessita uma discussão súbita de
permutações pares/impares. O risco (vide Seção 2) é o conceito ser introduzido sem
conexão com experiência anterior do aluno. Creio que não somente não se deva definir
deste modo como ela possa ser omitida num primeiro curso. É freqüente nos livros texto
(e mais ainda nos cursos) as demonstrações serem omitidas. Neste caso não tem sentido
utilizar a definição combinatória, cuja principal vantagem é a facilidade para provar
propriedades.
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Como método de cálculo tanto a definição combinatória como a recursiva são
inapropriadas pois contém n! (fatorial) termos. Para n grande isto é completamente não
prático, devendo-se utilizar operações elementares e suas propriedades com relação ao
determinante. Desta forma o determinante é calculado como o produto de pivots com
sinal.
Aa definições por forma multilinear (e sua versão menos abstrata por operações
elementares) e por propriedade do produto são muito abstratas para um primeiro curso.
Poderiam fazer surgir (vide Seção 2) uma névoa mental nos alunos. São, no entanto,
propriedades muito importantes que devem ser apresentadas através da relação com
operações elementares.
A definição por autovalores, embora elegante, distancia o determinante de seu
significado geométrico. Creio que seja um exercício (avançado) interessante.
Em um segundo curso de AL sem dúvida a melhor abordagem é como forma
multilinear alternada. Neste ponto Jänich (1994) observa que “esta definição não possui
nenhuma utilidade prática para o cálculo do determinante ... Se você ainda acha que a
informação mais importante acerca de um objeto matemático é uma fórmula para
'calcular o seu valor', certamente você compartilha o pensamento da maioria das pessoas
medianamente educadas, mas com conhecimentos apenas superficiais de matemática”
Quanto a resolução de sistemas em todos os níveis, deve-se, como afirma Dorier et al
(2002) enfatizar métodos algoritmicos (tipo eliminação de Gauss) pela sua natureza
sistemática, evitando-se determinantes, que dominaram o assunto desde 1750 até o
início do século XX.
Tendo em vista o dilema concreto x abstrato apresentado na Seção 2, deve-se introduzir
o determinante com matrizes 2x2 e 3x3. Desta forma pode-se mesclar formalização com
intuição, ajudando o aluno a fazer a transição do concreto para o abstrato.
7. Apêndice
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A definição (f) de determinante como produto dos autovalores com multiplicidade é
pouco conhecida e merece uma explicação maior.
O uso principal do determinante em cursos de AL (faz com que apareça imediatamente
antes do capítulo de autovalores e autovetores) é para determinar
autovalores/autovetores. No entanto, o trabalho polêmico de Axler (1995) defende a
exclusão do ensino de determinantes em AL. Em seu artigo, com o título provocativo
“Down with determinants!”, ele mostra como é possível apresentar todos os tópicos de
AL sem a necessidade de determinantes, incluindo a existência e cálculo de autovalores
e autovetores. A mesma abordagem aparece em Uhlig (2003).
Ao invés da forma histórica e clássica de determinar autovalores através das raízes do
polinômio característico gerado pelo determinante, se procede do seguinte modo. Dado
um vetor não nulo y, encontre a primeira dependência linear do conjunto de vetores
através da redução a forma escada. Com isto obtêm-se o polinômio
anulador da matriz, cujas raízes são autovalores de A.
Dois livros-texto foram escritos com este ponto de vista: S. Axler “Linear Algebra Done
Right” – Springer Verlag e Uhlig (2002a) .
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