ARTESANATO E IDENTIDADE PARA O BAGRE

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PAOLIELLO, Carla (org.). ARTESANATO E IDENTIDADE PARA O BAGRE. Ipatinga: ICC, 2013. 192p.

ISBN: 978-85-61659-26-4

Proponente NRDC Bom Jesus do Bagre

Coordenação Carla Paoliello

Produção Bruna Roque

Designers convidados Danielle Rezende e Augustin de Tugny

Designer gráfico Enyaly Poletti

Fotógrafos Pedro Bastos e Carla Paoliello

Revisão de texto Rilson Sales

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1ª EdiçãoIpatinga

Instituto Cidades Criativas2013

Carla Paoliello (org.)

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Artesanato + Cultura

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Sumário

14INTRODUÇÃO por Carla Paoliello

20O QUE É NÚCLEO ROTARY por Enyály Poletti

26TRAMAS E CAMINHOS DE BAGRE por Bruna Roque

52PEIXE OU ÁRVORE por Enyály Poletti

66UM PROJETO DE FOMENTO E DESENVOLVIMENTO DO ARTESANATO DE BOM JESUS DO BAGRE-MG OU UMA METODOLOGIA DE TRABALHO COLETIVO E VALORIZAÇÃO DOS SABERES E DA CULTURA DE BOM JESUS DO BAGRE-MG OU A PRODUÇÃO DE UMA COLEÇÃO DE OBJETOS E MEMÓRIAS DE BOM JESUS DO BAGRE-MG por Carla Paoliello

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77HENRI MATISSE, ENTRE ARTE E ARTESANATO por Augustin de Tugny

112IDENTIDADE(S) por Carla Paoliello

124O FAZER ARTESANAL E INDUSTRIAL NA DEFINIÇÃO DO OBJETO por Carla Paoliello e Bruna Roque

158CULTURA CONTEMPORÂNEA: ESPAÇO X PRODUTO por Danielle Rezende

178A COLEÇÃO d.bagre

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INTRODUÇÃOpor Carla Paoliello

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INTRODUÇÃO

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ARTESANATO E IDENTIDADE PARA BAGRE é um projeto de apoio e incentivo ao desenvolvimento do artesanato no distrito de Bom Jesus do Bagre - MG. A proposta foi apresentada pelo Núcleo Rotary de Desenvolvimento Comunitário Bom Jesus do Bagre, sob minha coordenação, com o patrocínio do Fundo Estadual de Cultura.

Escolhemos desenvolver o artesanato a partir da identidade cultural local, das histórias de vida e do cotidiano desta comunidade. O artesanato fez-se base deste projeto para se conseguir a valorização do patrimônio cultural, a preservação dos bens imateriais e a construção de uma identidade local.

O objetivo geral do projeto era fomentar a interação entre artesanato, arte, cultura e design. Trouxemos o discurso e a postura crítica da arte e da cultura contemporânea atrelados ao entendimento projetual e mercadológico do design para os artesãos deste distrito, proporcionando reciclagem, capacitação e acesso a conteúdos atuais. Os objetivos específicos eram: promover o desenvolvimento cultural do distrito; intensificar a capacidade produtiva e ampliar o acesso ao fazer artesanal crítico; reconhecer e fomentar vocações

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e talentos locais; produzir coletivamente; ampliar as oportunidades de ocupação e renda da população com o início de uma produção diferenciada; identificar uma iconografia presente na memória coletiva e pessoal que poderia ser trabalhada artesanalmente; instituir um processo de reapropriação dos símbolos que identificassem a cultura local; e, por fim, criar um sentimento de pertencimento a todos os participantes.

Com a diversidade das atividades propostas – encontros semanais, livro registro e exposições dos produtos –, conseguimos trazer à tona possibilidades de trocas, produção de conhecimento e geração de vínculos diversos: designers com artesãs, artesãs com artesãs, sociedade civil com a produção artesanal realizada. Percebemos o resgate da cultura como fator de agregação de valor ao artesanato e conseguimos uma produção de objetos que conseguiram ressaltar valores e crenças, memórias, tradições, usos e costumes característicos do distrito.

O projeto foi desenvolvido a partir da organização (inscrição, seleção e criação) do grupo de artesãos com o acompanhamento contínuo de todos os envolvidos. Foram oferecidas 20 vagas aos moradores

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nos diversos encontros de capacitação e conscientização sobre a importância, o valor e o poder do artesanato como prática de transformação cultural. Augustin de Tugny e Danielle Rezende foram os designers convidados a participar do projeto e tiveram uma imensa contribuição apresentando novos mundos e ampliando olhares. Bruna Roque foi a responsável pela produção geral do projeto, nossa designer gráfica foi Enyály Poletti e os registros fotográficos foram feitos por Pedro Bastos e por mim.

Pretendemos aqui ir além do mero registro das atividades realizadas e da metodologia adotada, os textos que permeiam este livro são também um posicionamento sobre a relação entre artesanato e arte, design, cultura e identidade; momentos de reflexão de cada participante sobre este fazer. Espero que gostem desta leitura e dos objetos de Bagre.

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O que éNÚCLEO ROTARY

por Enyály Poletti

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O que éNÚCLEO ROTARY

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Parte integral dos serviços humanitários de um Clube Rotariano, o Núcleo Rotary de Desenvolvimento Comunitário (NRDC) é formado por não rotarianos que compartilham os mesmos valores rotários de comprometimento com serviços humanitários. Sob a orientação de um clube patrocinador, o NRDC planeja e implementa projetos que atendam demandas sociais nas áreas de saúde pública, alfabetização, segurança comunitária, emprego, cultura e meio ambiente.

Tendo por participantes cidadãos cônscios da realidade em que estão inseridos e engajados no enfrentamento dos problemas comunitários, os NRDC são considerados “braços” do Rotary nas comunidades pois auxiliam os clubes a identificar necessidades e direcionar as ações humanitárias. Os NRDC podem também contar com o apoio dos clubes de outros distritos ou países.

O que une os membros de um NRDC é a ideia de que não existe um problema que não possa ser resolvido e que a construção da solução deve, necessariamente, incentivar os indivíduos a trabalhar de forma coletiva para a melhoria da qualidade de vida em sua comunidade e fomentar o desenvolvimento do potencial humano, valorizando as vocações e o contexto cultural de sua localidade.

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O Núcleo Rotary de Desenvolvimento Comunitário de Bom Jesus do Bagre - NRDCBJB, patrocinado pelo Rotary Club de Ipatinga, foi criado em 1991 e é um dos pouco no país que possui sede própria.

A construção da sede, em 2005, num terreno cedido em comodato pela Prefeitura de Belo Oriente, só foi possível com a ajuda dos membros, doações de rotarianos e o patrocínio do Centro Universitário do Leste de Minas Gerais, na gestão do então reitor José Edélcio Drumond Alves.

Na sede ocorrem cursos de formação. O NRDCBJB mantém uma biblioteca infantil com mais de 500 exemplares, uma revisteca – apoiada pela editora Abril – e uma sala de informática com acesso a internet, disponibilizada para a comunidade sem custo.

Dentre alguns projetos já desenvolvidos no Núcleo podemos destacar a exibição de filmes infantis e adultos, os cursos oferecidos em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), as aulas de informática, a oficina de planejamento de projetos, o curso de padeiros e, mais recentemente, o projeto Artesanato e Identidade para Bagre, com o patrocínio do Fundo Estadual de Cultura do Estado de Minas Gerais.

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por Bruna Roque

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Tramas eCaminhosde Bagre

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Aparecida

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Bom Jesus do Bagre é um distrito de Belo Oriente no interior de Minas Gerais, localizado próximo à cidade industrial de Ipatinga, na região do Vale do Aço. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), sua população no ano de 2010 era de 1.363 habitantes, sendo 705 homens e 658 mulheres, possuindo um total de 487 domicílios particulares. O distrito é quase uma rua, tem menos de 30 km2, com uma população alegre e formada por grandes amizades, como se a cidade fosse uma única família. Todos se (re)conhecem nas ruas e sabem da história de cada um.

Seu surgimento ocorre em meados dos anos 70, quando da instalação da Cenibra na cidade de Belo Oriente, grande indústria de celulose que gerou emprego e renda para grande parte da população dessa cidade e de seus arredores.

Assim, estimulou-se a migração de diversas famílias para o distrito de Bom Jesus do Bagre, em busca de emprego e melhores condições de vida. Como na maioria das indústrias a oferta de trabalho eram quase todas voltadas para o sexo masculino, às mulheres cabia o dever de cuidar da casa e dos filhos, e algumas delas, para acompanhar o marido, abdicavam de seus empregos para se adaptar à nova vida.

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Conceição

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Dona Conceição

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Gilda

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Essa nova realidade vivida pelas mulheres de Bom Jesus do Bagre começa a ser mais colorida a partir do momento em que o artesanato entra em seus cotidianos. Entretanto, diferente da atividade anterior que garantia uma boa remuneração, agora este fazer se limita a um complemento na renda familiar realizado num pequeno espaço de convívio, quase doméstico.

O artesanato passa a lhes preencher o tempo e a mente. As técnicas eram aprendidas de diversas formas, a partir da tradição familiar ou do contato com uma amiga e, na grande maioria, por meio de programas de televisão ou de revistas compradas entre uma viagem e outra à cidade mais próxima.

Mesmo ocorrendo principalmente na esfera íntima, o artesanato conseguiu criar um elo entre as moradoras, unindo histórias dessa população. Cada uma é um ponto de uma mesma trama. Apresentarei as que participaram neste projeto.

APARECIDA, ALESSANDRA, CONCEIÇÃO, DONA MIRTES, MARIA, GILDA, DONA CONCEIÇÃO, ROSÁLIDA, REGINA, MARIA DA PENHA, MARINETE, STÉFANY, MIRO, SÂMARA, JOANA e LAÍS

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Joana

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O caminho percorrido pela Aparecida em Bagre é o mesmo traçado pela Nega (Alessandra) e pela Conceição.

Aparecida trabalha na creche do distrito, veio de longe para cuidar dos pequeninos, passa o dia com eles e nos finais de semana são seus netos que enchem sua casa de alegria. Confessa que não é uma mulher de casa e cozinha, gosta de trabalhar fora e ao final do dia tecer seus tapetes e panos de barbante enquanto assiste à televisão.

Nega faz crochê, começou usando agulha de braúna e, hoje, sua marca registrada é a delicadeza das roupinhas de bebê. Ela é a cozinheira da escola municipal, fala com orgulho dos grandes banquetes que prepara nos dias de festas na comunidade e viaja até a cidade vizinha quando tem encomenda para alguma festa. O tutu é o mais pedido, mas garante que suas tortas também são famosas.

Conceição também tece com barbante, mas só o faz por “divertimento”. Depois de cuidar do marido, ela prepara os salgados e às nove horas da manhã, hora do recreio da escola, lá está ela em cima do muro, vendendo-os.

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Cada uma com o seu material, uma prefere o barbante e é honesta na pureza do material, outra gosta do contraste que as linhas podem fazer a cada ponto colorido e a outra encontrou nas linhas Rayza brilhante a meada certeira para seu trabalho; elas vão tecendo pistas das suas preferências, gostos, desejos e dando formas às suas personalidades.

A casa da Dona Mirtes é peculiarmente colorida e cheia de capricho. Além de cuidar do marido e do terreiro que ocupa dois lotes, ela encontra tempo para enchê-la de botões de fuxico. As cores são padrões, azul, cinza, laranja, preto e branco, restos de tecidos de uma fábrica de Belo Horizonte trazidos pelo filho. Aos poucos, ela preenche cada vazio que encontra. Gosta de fazer tudo com calma, sem ser apressada pela cobrança do tempo, que parece passar devagar aos olhos dela.

Já na casa da Maria existem paninhos de bandeja por todos os cantos. Eles servem de apoio para enfeites, porta-retratos, potes na cozinha e até embaixo dos eletrodomésticos. Ela cuida da casa, dos filhos, do marido, do neto e da Laís, a nora que mora aos fundos. Faz biquinhos de crochê e arrisca com a pintura. Gosta de

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Miro

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Mirtes

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paisagens e flores e as recria sempre que dá, mas nada a orgulha mais que as pinturas em tela feitas por seu filho.

Na casa da Gilda, cada parede tem uma cor diferente. Pergunto-me se seriam os sonhos coloridos deixados pela marca do passado. Ela mora com o filho e, depois que ele vai para a escola, Gilda passa o resto do dia na casa de sua mãe - diz que lá tem mais gente para passar o tempo e conversar. Borda, em toalhas, pequenas nuvens felpudas, usando da técnica conhecida como ponto russo. Seus trabalhos refletem bem a sua vida: escassa, mas cheia de amor. Uma romântica assumida, ela espera paciente que um bom coração bata à sua porta.

E é nessas andanças que Gilda encontra Dona Conceição, professora leiga e juíza no cartório, que hoje ajuda nos eventos da cidade e cuida do núcleo, local dos encontros do projeto. Veio ainda menina morar numa fazenda em Bagre, e é de lá que vem o leite que ela vende todos os dias em sua casa “na rua”, como diz. Na escola de freiras, aprendeu a fazer pintura, crochê, vagonite e ponto cruz, e foi neste último que ela se destacou. Dona Conceição conta com orgulho que teve seu trabalho exposto em diversos

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Alessandra

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Regina

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Rosálida

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lugares, sempre acompanhado da seguinte frase: “favor observar o avesso do trabalho”. Dizem que um bom ponto cruz é avaliado pelo verso, e o da dona Conceição tem o seu valor.

E não foi em vão que esse avesso ficou tão famoso - sua filha Rosálida aprendeu bem a lição. Parece impossível ver algum defeito nos seus bordados. Além da herança artesanal, Rosálida é professora e leciona na escola da cidade. Conta que começou na escola rural no acampamento de operários, mudou-se para Ipatinga por quatorze anos e hoje, à beira de se aposentar, voltou a morar e lecionar no distrito de Bagre por puro amor ao lugar. A tradição artesanal não para por aí, sua filha continua disseminando e aperfeiçoando essa rigorosa técnica.

Regina também é professora e leciona na escola de Belo Oriente. Passa a manhã exercendo o ofício e toda tarde volta saudosa para os abraços da filha Sofia, de dois anos. Ela sempre trabalhou em outras cidades, mas, cuidadosa, nunca saiu de perto da mãe. Inventa seu artesanato de acordo com sua criatividade, usando de madeira, etil vinil acetato (EVA), costura e em todo material possível de se criar.

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Sâmara

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Sua mãe, Maria da Penha, costurava para fora, fazia conserto de roupas. Gosta tanto do ofício que, às vezes, para não perder a clientela, preferia nem cobrar. Hoje ela ainda trabalha por amor, mas seus maiores clientes são a netinha e o futuro neto, inspiração da avó que, entre um retalho e outro, faz peças exclusivas e cheias de carinho.

Joana é mais uma guerreira entre as mulheres de Bagre, cada uma com sua cota de luta diária, e a dela também não é nada fácil. Cuida da casa, do marido e dos três filhos ainda pequenos. Entre as tarefas de dar banho, arrumar a comida, levar para a escola e procurar por trabalho, ela encontra no fazer artesanal um momento de paz consigo mesma.

Futuro é a descrição para Stefany, a caçula do grupo. Ela tem 12 anos de idade e, como não queria ficar só em casa, veio fazer companhia à mãe, Nete (Marinete). Com ela aprendeu o ofício de pintura. Nete faz pinturas em pano de prato e fraldas, desenha todos os motivos e dá asas às criações que lhe vêm à mente. Diz que seus trabalhos já foram encomendados até para fora do país e pretende continuar se especializando cada vez mais. É no aprendizado passado de mãe para filha que está a valorização

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da continuidade. É uma forma de garantir a duração do que realmente é necessário e útil à vida, presente em seus universos particulares.

Sâmara é outra jovem de futuro, que gosta de fazer um artesanato inspirador. Ela cria e recria seu mundo enchendo-o de cores e texturas que lhe agradam. Como ela mesma define, gosta de customizar coisas. Trabalha no salão de beleza como cabeleireira e maquiadora, mas é em casa que ela expressa todas as suas invenções que, por hora, não podem ser aplicadas às clientes do salão.

Miro é o único homem do grupo. Faz pulseiras de macramê e vende para os amigos, quase sempre por encomenda. Com linhas diversas, vai variando os desenhos e as cores para formar novas texturas. Para as mulheres do grupo ele é o Juan Miró, trabalha com zelo e atenção, características expressas em cada um de seus trabalhos.

Treze mulheres e um homem, jovens e adultos, uns mais cansados, outros ávidos por trabalho. O grupo de artesãos de Bom Jesus do Bagre é cheio de diferenças, de sonhos e memórias. Crochês,

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bordados, tramas, pinturas e costuras contam algo de especial sobre cada um.

Por meio do artesanato essas pessoas encontraram, muitas vezes, a sobrevivência diária. Mas não somente a sobrevivência monetária, e sim a psicológica, a partir da ocupação necessária para a mente, orgulho de fazer e criar. Por amor! É o que se ouve quando se pergunta o porquê de fazer artesanato. É um amor explícito pelo trabalho cauteloso de mãos guerreiras.

“O artesanato não quer durar milênios, nem está possuído pela pressa de morrer logo. Transcorre com os dias, flui conosco, desgasta-se pouco a pouco, não busca a morte nem a nega: acerta-a. Entre o tempo sem tempo do museu e o tempo acelerado da técnica, o artesanato é a palpitação do tempo humano. É um objeto útil, mas também belo; um objeto que dura, mas que acaba e se resigna a acabar; um objeto que não é único, como a obra de arte, e que se pode substituir por outro objeto parecido, mas não idêntico. O artesanato nos ensina a morrer e, assim, nos ensina a viver”

(Octavio Paz, escritor e ensaísta americano)

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Santanado Paraíso

CoronelFabriciano

Ferros Joanésia

Ipatinga

Mesquita

Ipaba

Bugre

Iapu

Naque

Açucena

Belo Oriente

Bom Jesus do Bagre

MinasGerais

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Desenhar mapalocalização doBom Jesus do bagre

Santanado Paraíso

CoronelFabriciano

Ferros Joanésia

Ipatinga

Mesquita

Ipaba

Bugre

Iapu

Naque

Açucena

Belo Oriente

Bom Jesus do Bagre

MinasGerais

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por Enyály Poletti

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Bagre,peixe ouárvore?

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Nas incursões do resgate da identidade do artesanato de Bom Jesus do Bagre – no encontro com os habitantes, reconhecimento do território –, essa peculiaridade no nome do distrito nos chamou a atenção.

Do senso comum, arriscamos que se deveria à abundância do peixe assim conhecido, existente no ribeirão da localidade. Não demorou muito para alguém interromper essa linha de raciocínio: o nome vem de uma árvore chamada Bagre, abundante, então, na localidade e muito usada em cercas até, praticamente, se extinguir.

Assim migramos da incerteza do senso comum para a dúvida implacável: Bagre peixe ou Bagre árvore, a qual deles atribuir o nome do distrito?

Pesquisas na Internet confirmaram a ocorrência, naquela região, tanto do peixe quanto da árvore que, na verdade, se chama Mirindiba Bagre. Apesar do belo nome, não é uma árvore nobre mas teve uma grande importância na vida local e realmente era usada para construção de cercas.

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Conversamos com moradores mais antigos da localidade, procu-ramos registros, documentos e nada! A dúvida ainda pairava no ar.

Mas pudemos tomar conhecimento do trabalho de Frederick Von Shellow, biólogo e naturalista alemão que veio para o Brasil, a convite de D. Pedro I. Nascido em 12 de março de 1789, em Potodan, Alemanha, foi o primeiro naturalista a pisar nestas terras: desbravou o Vale do Rio Doce e, além de pesquisas botânicas, estudou o idioma e os costumes das nações indígenas da região. Numa desventurada subida ao Alto do Rio Doce, retornando para Vitória, aos 30 anos de idade, a canoa que viajava naufragou e somente os quatro tripulantes que o acompanhavam escaparam da cachoeira do Rio do Doce, no final de 1830, ou início de 1831.

Certamente foi o responsável pelos primeiros registros acerca da rica flora e da fauna regional: a Mata Atlântica predominava em grande parte do território de Belo Oriente e arredores e era formada por gigantescas árvores nativas da região, entre outras nobres e brancas, braúnas, gameleiras, guaribus, ipês, jequitibás, jacarandás, perobas, sapucaias, Mirindiba Bagre e grande variedade de acácias e plantas ornamentais.

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Ivone Azevedo, filha de Sebastião Assis Azevedo morador antigo e conhecido na localidade como Tatão, embora não mais resida ali, manteve uma propriedade pois são fortes os laços afetivos com o local em que seu pai que viveu até quase cem anos e revela que esta questão do nome também a inquietava:

“Na infância, me pegava sempre pensando na origem dos lugares. Aos poucos fui questionando: cidades com nomes de pássaros e árvores e de repente tiveram seus nomes mudados para nomes de políticos influentes ou engenheiros que construíram uma rodovia por ali. Como Governador Valadares, para a nomear, povoado com nomes bonitos como Porto das Canoas e Figueira do Rio Doce.

Bagre peixe ou Bagre árvore? Coisa que de menina vi uma gravura de um Bagre peixe em um livro. Como poderiam aqueles peixes enormes nos pequenos cursos d´água de pouca aguarada? Mandi, parente longe, sim e muitos... mas aqui não é Mandi...

Me lembro também dos mais velhos falarem da árvore Bagre... nativas, eram resquícios da Mata Atlântica, árvore forte, madeira de cercas resistentes, como quem se instalou no núcleo de povoamento e no seu entorno.

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“Se fosse mateira, me atiraria nas matas e as veria bonitas como nas fotos de H. Lorenz , que as retratou. O fogo, num tempo talvez muito atrás, queimou sem piedade uma delas. Só restou o tronco, replantado em outro lugar, ao vento, ao sol, debaixo de chuva e não mais ao alcance de lenhadores. Com os pés plantados, quem sabe sirva de exemplo para uma comunidade que também quer ser como o tronco de uma arvore, resistente e forte vivendo sob seu nome e na verde esperança de dias melhores. De acolhida e solidariedade.”

Embora este e outros relatos de moradores apontem para a explicação de que a denominação do distrito se origina na árvore Mirindiba Bagre, uma pesquisa aprofundada e específica deve ser empreendida para que seja validada esta primeira impressão ou outra que venha a tomar seu lugar. Mas para o nosso projeto de resgate da identidade do artesanato do Bagre, o exercício de buscar histórias frutificou nesta que, embora possa não via a ser a razão verdadeira, é genuinamente construção desta comunidade e, portanto, elemento significativo para a compreensão da cultura de nosso estimado Bom Jesus do Bagre.

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Bibliografiahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Mirindiba-bagrehttp://www.infoescola.com/peixes/bagre/http://pt.wikipedia.org/wiki/Belo_Orientehttp://pt.wikipedia.org/wiki/Friedrich_Sellowhttp://www.ibge.gov.br/cidadesat/xtras/perfil.php?codmun=310630

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por Carla Paoliello

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Um Projeto de Fomento e Desenvolvimento

do Artesanato de Bom Jesus do Bagre-MG ou Uma Metodologia de Trabalho Coletivo e

Valorização dos Saberes e da Cultura de Bom

Jesus do Bagre-MG ou A Produção de Uma Coleção de Objetos e

Memórias de Bom Jesus do Bagre-MG

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Explicar o que e é feito, do que é feito e o que implica o desenvolvimento deste trabalho em conjunto com as comunidades de artesãs pelos interiores de Minas Gerais não é tarefa fácil. Neste caso, como explicar tudo o que foi vivenciado, experimentado e, principalmente, tudo o que foi compartilhado nesses seis meses de parceria com a comunidade de Bom Jesus do Bagre? Como apresentar as conversas, os olhares e os gestos de cada morador nos mais de vinte encontros que ajudaram na construção deste projeto? Como explicitar cada escolha, cada conversa e cada pensamento por trás da coleção que aqui será apresentada?

Não há dúvidas que o resultado vai muito além da produção de cortinas. A realização maior está no resgate da cidadania desta comunidade, na troca, na construção de novos saberes e no estreitar dos laços de amizade e cumplicidade entre os moradores envolvidos no trabalho. O projeto promove também o reconhecimento das habilidades e competências individuais de cada artesão, reafirmando o respeito e a valorização da cultura local. A identidade do lugar é sempre o ponto de partida. Através da apresentação de novos universos, de referências de outras

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artes, culturas e design, a essência do saber local se evidencia e se consolida enquanto artesanato particular.

Nas próximas páginas serão apresentados pequenos textos que buscam explicitar e explicar os objetivos dos principais encontros ocorridos. Entretanto, em alguns momentos, serão as imagens que permitirão, mais do que as palavras, esclarecer a metodologia proposta.

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Encontro 0 4 de abril de 2013

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Exposição da proposta, seus objetivos e metas.Apresentação dos artesãos selecionados. Reflexão sobre a importância e papel do artesanato na vida de cada participante. Assinatura do termo de compromisso com as atividades e cronograma definidos no projeto. Agendamento das visitas às residências dos artesãos para entrevista sobre o fazer individual e (re)conhecimento da morada, objetos e modos de habitar.

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encontros e produção=

mostra coletiva + catálogo

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preservar a memória pessoal,

identificando uma iconografia

presente nas histórias

de cada artesã+

criar sentimento de pertencimento

conectando as histórias das artesãs

com as do distrito

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Encontro 1 10 de abril de 2013

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Apresentação da interface entre arte e artesanato a partir do quadro La blouse roumaine (A blusa romena), de Henri Matisse. Apresentação da vida do artista, suas influências, metodologia e processo criativo. Oficina com o professor Augustin de Tugny para introdução à percepção das cores e formas. Arte e Expressão popular ou Expressão popular e Arte, como colocado pelo convidado. Discussão sobre costumes e valores tradicionais, folclore e manifestação popular. Pesquisa cromática. Uso de papel tipo canson, tintas guache e pincéis.

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por Augustin de Tugny

HENRI MATISSE,

ENTRE ARTE E ARTESANATO

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HENRI MATISSE,

ENTRE ARTE E ARTESANATO

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Henri Matisse, La blouse roumaine, 1940, óleo sobre tela, 92 x 73cm, coleção do Museu Nacional de Arte Moderna, Paris.

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Durante o mês de dezembro de 1939 e em janeiro de 1940, Henri Matisse em Nice, no sul da França trabalha um quadro intitulado “La blouse roumaine” (A blusa romena). É tempo de guerra, a cidade é ameaçada de invasão, uma tristeza e um abatimento ganham a população, e Matisse, com seus 70 anos de vida e 50 de criação, pinta, sem treva, retomando o motivo, redesenhando sem parar, modificando, retocando, corrigindo, até obter um resultado que o satisfaça.

O quadro apresenta sob um fundo vermelho o retrato de uma mulher vestindo uma ampla blusa branca, suas mãos cruzadas sobre a saia azul. Não podemos deixar de pensar que essas três cores, idênticas às da bandeira da França, demonstram um ato de resistência de Matisse em meio às ameaças de invasão da cidade francesa. A blusa branca é ornada de motivos pretos alaranjados, amarelos e vermelhos que remetem às ornamentações tradicionais bordadas pelas mulheres romenas. A figura é instalada no centro do quadro, mas um leve desajuste na disposição dos três principais elementos que a constituem – cabeça, blusa e saia – a coloca em movimento numa torção, quase uma dança. O enquadramento apertado que corta a parte

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de cima da cabeça da mulher leva a atenção sobre a ampla forma branca que parece se encher até ocupar a atenção toda do espectador. Essa forma branca, cheia como um balão, lança ao olhar do espectador os desenhos tradicionais transcritos aqui como simples sinais. Em sua síntese e aparente simplicidade, o quadro acumula o longo e paciente trabalho do pintor em suas hesitações, propostas, repúdios, acertos. Aqui vemos o resultado de um ofício que se inventa de modo permanente, num artesanato hesitante e finalmente certeiro. Matisse, consciente do caráter irrevocável de suas escolhas, mas ao mesmo tempo inquieto da perda do processo que o levou a esse resultado, teve o cuidado de fotografar alguns dos estados intermediários. E quando, em 1945, a galeria Maeght expõe o quadro em Paris, Matisse mostra quatorze fotografias relatando o processo.

Na dinâmica da evolução apresentada pelas fotografias duas constantes aparecem: a permanência da composição geral, quase diagonal, e uma simplificação que procura ir ao essencial sem nunca perder ou fazer redescobrir uma complexidade enriquecedora. Entre o estado primeiro e o resultado, o trabalho de Matisse passa do desenho à pintura para, de certa maneira

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Henri Matisse,fotografias apresentando os estados nº 1, 3, 5, 9, 12 e 14 do quadro“La blouse roumaine”

http://impressionnistes.canalblog.com/archives/2008/04/23/8922972.html

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ao final, tentar a síntese dos dois. Por desenho poderíamos entender o que diz respeito ao traço, e pintura seria então o que é da ordem da cor, e é claro que essa divisão é redutora e não deixa de permitir muitas transições e incertezas entre o traço e a cor. Matisse os declara quase antagônicos, assim como escreve numa carta a Paul Signac, em 1905:

Para mim, eles [o desenho e a pintura] parecem totalmente diferentes um do outro, e até mesmo absolutamente contraditórios. Um, o desenho, depende da plástica linear ou escultural, e o outro, a pintura, depende da plástica colorida1.

No entanto, a procura de uma síntese é objeto de inquietação para Matisse, e em janeiro de 1940, enquanto trabalha na “blusa romena”, numa carta a Pierre Bonnard ele declara deprimido: “meu desenho e minha pintura estão separados”2. Assim, podemos considerar esse quadro como o lugar onde Matisse tenta resolver o conflito que o atormenta.

1 Henri Matisse, Escritos e reflexões sobre arte, p. 202.

2 Ibid.

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A primeira fotografia nos mostra o desenho ao carvão que ele fez sobre a tela a partir do modelo vivo que posa na frente dele. Ele tem a qualidade e o caráter hesitante, mas determinante dos desenhos preparatórios que Matisse define como

... estudos feitos com um meio menos rigoroso do que o traço, com carvão ou esfuminho, por exemplo, que permite avaliar simultaneamente o caráter do modelo, sua expressão humana, a qualidade da luz que o cerca, seu ambiente e tudo o que só o desenho permite exprimir3.

É flagrante nesse primeiro estado o trabalho do desenhista ao se aproximar do sujeito, ao instalá-lo no quadro, ao hesitar sobre sua posição, ao descrever com a mesma atenção a posição das mãos, os traços do rosto, os bordados da blusa e os ornamentos do papel de parede.

Logo na versão 3 podemos entender o trabalho de simplificação através das grandes superfícies coloridas, mas vemos também

3 Ibid. p. 177.

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que o desenho se simplificou, passando do caráter esboçado ao traço simples e definitivo, sintético que ele adota em seus desenhos a pena. Detalhes na parede somem – eles vão reaparecer nas versões ulteriores para ser definitivamente apagados na última versão - o enquadramento deixa entrar o braço da cadeira que desenha um arabesco, o pincel ainda se perde nos cachos dos cabelos, as mãos não são tratadas. A cor - que não podemos apreciar em seus valores cromáticos devido ao fato que as fotografias são em preto & branco – define uma distribuição de grandes massas planas sobre as quais o desenho, traço preto, se sobrepõe e define signos reconhecíveis. Não se trata de circundar as massas coloridas, mas de desenhar a figura sobre um agenciamento de planos cromáticos que, além de ser uma referência ao conjunto de cores visíveis no ateliê, estão aqui colocados em suas potências relativas. Cor e traço parecem ser desconexos e encontrar-se por acaso, ou por sobreposição. É por essa desconexão e sobreposição do desenho à cor que Matisse aparece como profundamente modernista em seus procedimentos pictóricos. Pela especificidade dos meios em relação a seus fins, pela desarticulação deles em prol de sua

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eficácia respectiva, pela afirmação da independência de cada um - o que é da ordem do desenho é traço, o que é da ordem da pintura é cor -, Matisse procede como os funcionalistas, atores da modernidade. Mas ao mesmo tempo essa separação, desconexão, o deixa insatisfeito e ele trabalha a estabelecer um reencontro, em tornar a conjunção dos dois sintética no quadro. A correlação entre cor e desenho, entre impressão cromática e signo legível se faz no momento da leitura e um equilíbrio há de ser dado pelo pintor de modo que a leitura seja simultânea e que cada um dos elementos cromáticos ou semióticos tome sua posição num conjunto. É isso que Matisse evoca quando fala de “combinação de forças na tela”4 para tentar responder às indagações de Renoir, que lhe perguntava como um traço escuro num de seus quadros “não saltava para a frente, mas permanecia na distância indicada por sua posição no aposento”5. É na procura desse equilíbrio que caminha o trabalho de Matisse ao longo dessas 14 versões até obter na versão final

4 Matisse, apud. Yve-Alain Bois, Sobre Matisse, o cegamento. In Salzstein, Sônia (org.) Matisse: imaginação, erotismo e visão decorativa, p. 87.

5 Ibid.

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o que Yve-Alain Bois denomina “a combinação de forças que costura a superfície da tela numa totalidade inviolável”6. Isto não significa que o quadro é impenetrável e que ele não oferece aberturas para a visão, mas que os elementos que o constituem tão diferentes, cor e traço, se combinam de modo a estabelecer um conjunto indissociável.

Duas expressões se desenvolvem conjugadas no trabalho de Matisse na elaboração desse quadro, o desenho e a cor. Ambos correspondem a uma longa aprendizagem elaborada ao longo de cinquenta anos de atividade artística, às vezes dissociados, outras concomitantes.

Desde seu início em 1890 quando sua mãe lhe dá de presente de uma caixa de cores para distraí-lo durante sua convalescência após uma operação da apendicite, Matisse é fascinado pela cor. Em 1925, ao contar seu desenvolvimento artístico ele declara a Henri Rouveyre: “Logo me surgiu, como uma revelação, o amor pelos materiais em si. Senti desenvolver-se em mim a paixão

6 Ibid.

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pela cor”.7 Esse fascínio o leva a estudar com atenção os métodos do pontilhismo de Seurat e Signac para levá-los ao extremo em sua fase fovista, durante a qual seu toque pictórico encontra o desenho. A virtuosidade do uso da cor em Matisse corresponde a um conhecimento lentamente elaborado e sempre retrabalhado sobre a potência das cores e os fenômenos de sua interação. Assim ele sabe como uma cor se reforça, vibra, se anima pela justaposição com outras, como elas podem em suas simples superfícies vizinhas avançar, recuar, se equilibrar no plano do quadro numa espacialidade dinâmica. No quadro “A blusa romena”, podemos sentir o quanto o fundo vermelho absoluto dá leveza e luminosidade ao branco da blusa que se torna fresca e esvoaçante pelo contraste colorido. Mas essa sabedoria nunca deixa de ser, a cada proposta, a cada quadro, testada, reavaliada por Matisse, nunca fixada por uma receita infalível, em uma procura incessante, em um trabalho intenso no qual impulso primeiro e busca da sensação são avaliados, analisados e conduzidos. É por esse trabalho experimental e sensível que

7 Henri Matisse, Escritos e reflexões sobre arte, p. 86.

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Matisse faz a passagem entre artesanato e arte. Artesanato porque a confrontação com a matéria pictórica, sua manipulação, o controle do gesto, a acumulação do saber material e sensível reencontram os procedimentos artesanais. Arte pela incessante procura de soluções outras, de novas combinações, pela certeza que nada nunca pode ser definitivo e que a cada proposta uma nova emoção há de se expressar e de ser compartilhada. Artesanato pelo “amor pelos materiais em si”, pela plena consciência dos meios pictóricos em sua materialidade que o fazem recusar toda narrativa ou simbolismo para assumir a planicidade do quadro e a realidade da cor em sua superfície e suas possibilidades de transparência, opacidade, densidade, peso ou leveza. Arte pelas mesmas razões que ao reduzir ao máximo os artífices da pintura tradicional renovam a possibilidade da sensação.

Mas é talvez no trabalho do ateliê que Matisse faz a ligação mais íntima entre artesanato e arte, pelo trabalho incessante, quase obsessivo “trabalho extremamente metódico, cotidiano, da manha à noite”8. Essa imersão completa no trabalho do

8 Ibid. p. 76.

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desenho e da cor ao longo de cinquenta anos (em 1940) nunca o deixa plenamente satisfeito e o leva a escrever numa carta a seu filho Pierre Matisse, em 1942:

Faz um ano que venho dedicando um enorme esforço ao desenho. Digo esforço, é um erro, pois o que me aconteceu foi uma floração após cinquenta anos de esforço. Tenho de fazer a mesma coisa na pintura9.

O desenho é para ele uma prática constante; de manhã ele costuma consagrar três a quatro horas a seu estudo, desenhando flores, folhas, o quarto ao seu redor ou modelos que ele leva à exaustão. Esse trabalho o transporta num estado quase hipnótico, ao qual ele se entrega para se deixar conduzir pelo traço:

Quando executo meus desenhos, a linha que meu lápis traça sobre a folha de papel faz lembrar um pouco o gesto de um homem tateando seu caminho no escuro. Quero dizer que o percurso é imprevisto: não conduzo, sou conduzido. Vou de um ponto do objeto de meu modelo a outro ponto que sempre vejo exclusivamente

9 Ibid. p. 214.

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isolado, independente dos demais para os quais depois seguirá minha pena. Talvez seja porque sou guiado apenas por um impulso interior, que vou traduzindo à medida que ele adquire forma e não tanto pelo exterior que meus olhos fitam...10

Um desenho às cegas, então, e que se desenvolve de modo quase autônomo, mas que, para acontecer, requer evidentemente uma concentração extrema e o abandono de toda referência a um plano predeterminado. Uma imersão no ato do desenho que não permite a menor distração e que se traduz em ação. É de novo pelo trabalho incessante que tudo acontece na obra de Matisse assim como o reconhece Aragon, que descreve seu empenho e sua frugalidade:

Se luxo se opõe a trabalho, é um crime pronunciar a palavra em relação a Matisse. Há 56 anos o pintor não tem feito outra coisa senão trabalhar. Ele trabalha como respira. Mal dorme. Tudo no mundo lhe serviu apenas para o trabalho. Ele não sabe o que é viver como eu e vocês. Ele trabalha. Todos seus pensamentos, até nas horas de ócio,

10 Ibid. p. 182.

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têm como finalidade o trabalho, seu trabalho. Dirão que é um monstro. É um monstro de trabalho, admito. Sua vida é a negação do luxo, se por luxo entende-se o inútil, se por luxo entende-se a preguiça, se por luxo entende-se esse luxo que insulta os homens que trabalham11.

Essa recusa ao luxo da preguiça e apologia do trabalho como motor da vida e da criação é mais um traço que faz de Matisse um artesão em sua obstinação e seu empenho permanente à obra. Uma autonomia do trabalho ao qual ele se rende absolutamente e que tem por resposta ou resultado a autonomia da obra em sua procura da sensação. Se quando vemos “A blusa romena” uma impressão de plenitude e de absoluta independência nos conquista, não é porque aqui vemos o retrato de uma mulher vestindo uma blusa folclórica pintado nos anos escuros da segunda guerra mundial, mas é talvez porque temos a certeza de que aqui se cumpre uma ação, porque em sua serenidade, na combinação das forças que constituem o quadro, entre cor e traço, algo do trabalho artesanal e artístico que o constitua se expõe plenamente e com

11 Louis Aragon, Apologia do Luxo. In Salzstein, Sônia (org.) Matisse: imagi-nação, erotismo e visão decorativa, p. 173.

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a leveza de uma evidência. Absolutamente modernista, com a modéstia do artesão e o orgulho do artista, Matisse declarou: “Antes de mais nada, não crio uma mulher, faço um quadro”12.

12 Henri Matisse, Escritos e reflexões sobre arte, p. 180.

Bibliografia

MATISSE, Henri . Escritos e reflexões sobre arte. Seleção dos textos, notas e bibliografia: Dominique Fourcade. Tradução: Denise Bottmann. São Paulo: Cosac Naify, 2007.SALZSTEIN, Sônia (org.). Matisse: imaginação, erotismo e visão decorativa. Tradução: Denise Bottmann. São Paulo: Cosac Naify, 2009.

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encontro 2 11 de abril de 2013

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Continuação da oficina com o professor Augustin de Tugny. Uso dos papéis coloridos produzidos no encontro anterior para desenvolvimento da capacidade de expressão individual a partir das cores. Entendimento e percepção do uso do contraste, formas, sobreposição e proximidade para reconhecimento das variantes cromáticas. Recorte livre. Uso de tesoura e cola.

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encontro 3 18 de abril de 2013

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Reflexão sobre a oficina do professor Augustin de Tugny. Apresentação do processo e discussão sobre o uso da cor, contraste, forma e composição nos resultados alcançados. Consideração sobre expressividade, subjetividade, sutileza e surpresa no ato de criação. Apresentação de obras importantes de Joan Miró, da vida do artista, técnica e processo criativo. Uso dos papéis coloridos para desenvolvimento da capacidade de expressão individual a partir de imagens do distrito. Recorte livre. Uso de tesoura e cola.

Entendimento sobre identidade e sua influência no desenvolvimento de produtos. Uso de carimbo e post-it para percepção do “eu” e discussão sobre autenticidade. Apresentação e conversa sobre a proposta de estudo a partir das histórias pessoais e locais, das técnicas de cada artesão, das relações vivenciadas e experiências afetivas no desenvolvimento de produtos de Bom Jesus do Bagre. Inserção de referências culturais e diferenciação local por meio do trabalho de Athos Bulcão e Ronaldo Fraga.

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por Carla Paoliello

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por Carla Paoliello IDENTIDADE(S)

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Tenho voltado a pensar muito em identidade e na relação deste conceito com o design de objetos.

Antes de qualquer linha, devo esclarecer a pergunta que antecede a questão: para que se criam novos produtos? A cada dia tem-se contato com uma gama enorme de novos objetos e artefatos e é fácil chegar a uma primeira resposta: eles ajudam na reinvenção do modo de vida. Entretanto, frente à diversidade de produtos existentes hoje, aparecem outras perguntas: o que fazer? por que fazer? como se destacar no mercado atual? Questionamentos válidos, principalmente, ao se levar em conta a anulação das distâncias e barreiras entre povos e nações e a consequente massificação da produção, resposta a um mercado interligado e globalizado. Uma solução inicial seria a de usar (e abusar) da identidade.

Idem significa o mesmo e entidade significa ser; é a permanência do mesmo, a imutabilidade. É também a representação do(s) indivíduo(s), seus dons, aspirações, essência, heranças, desejos e sonhos que se misturam com suas máscaras, responsabilidades, dores e alegrias.

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Para que um produto seja imbuído da cultura local é pressuposto o conhecimento do estilo de vida, comportamento, hábito e costumes da população de origem, além das características dos modos de fazer e matérias-primas usuais, ou seja, que exista o respeito à realidade tecnoprodutiva e referências históricas e sociais. É interessante que o produto considere signos e ícones que representem o território tendo inserido neles referências culturais materiais e imateriais. Mas como definir essas características em regiões que são multiculturais e em mutação constante?

Vive-se atualmente em um mundo dinâmico e transitório, e esses conceitos são contrários e conflituosos com o de identidade. Entretanto, considerando a fala do sociólogo Santos (1993), as identidades culturais só podem ser compreendidas como resultados sempre transitórios e fugazes de processos de identificação. Assim, é um conceito que não pode ser compreendido como algo pronto e definitivo, visto que é a construção incessante de si.

Para se avaliar esta questão do âmbito do design de produtos, faz-se uso do estudo das histórias pessoais e locais, das tradições e técnicas, das relações vivenciadas e experiências afetivas para se

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chegar ao autêntico. Consegue-se o retorno às raízes e integração do local com o social. Ao final, o objeto se vale da expressão e dos significados existentes para construir valores e desejos.

Existem alguns elementos que nos ajudam a perceber a identidade:

1. características intrínsecas relativas ao território de origem, material empregado e processo de produção, como no caso do champagne, do bordado da Ilha da Madeira, da open design chair de Ronen Kadushin e de produtos feitos com capim-dourado;

2. características referenciais das embalagens e interfaces de intermediação, como no caso da KS da Coca-Cola;

3. indicadores de qualidade ou valores de status, como no caso da melissa desenhada por Gaetano Pesce ou do juicy salif de Philippe Starck; e

4. características referenciais provenientes da história do produto ou de qualidades específicas, como selos e certificados.

E, com isso em mente, com qual identidade os produtos brasileiros devem se apresentar? Vale lembrar que somos, antes de qualquer outro país, uma mistura de raças, com uma

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grande diversidade cultural e em processo de mutação constante. Somos o melhor exemplo de uma cultura híbrida, como define Canclini (1997). Conseguimos superar em boa parte nosso estado de subdesenvolvimento, temos consciência progressista e nacionalista, estamos cada vez mais implantando justiça social e econômica, apesar de ainda termos que aprender a explicitar nossas reais riquezas materiais e imateriais.

Para inserirmos referências culturais e diferenciais locais na nossa produção, será preciso valorizar mais o profissional designer e decodificar nossos signos como vem sendo feito pelos Irmãos Campana, pelas empresas Havaianas e Oskley e por diversos outros designers. Teremos que evidenciar significados singulares e coletivos; apreender requisitos econômicos, tecnológicos, produtivos, comerciais, de utilização, estéticos e ambientais; e construir experiências para que ocorra a geração de um novo sistema de valores e de qualidades existenciais e culturais nos nossos novos produtos. Será que é isso mesmo?

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Bibliografia

SANTOS, Boaventura de Souza. Modernidade, identidade e a cultura de fronteira. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 5(1-2): 31-52, 1993 (editado em nov. 1994).CANCLINI, Néstor García. Culturas Híbridas - estratégias para entrar e sair da modernidade. Tradução de Ana Regina Lessa e Heloísa Pezza Cintrão. São Paulo: EDUSP, 1997.

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encontro 4 25 de abril de 2013

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Apresentação da interface entre design e artesanato, com foco na produção de objetos. Projeção parcial dos filmes: Tempos Modernos, de Charles Chaplin, e Filhos do Paraíso, de Majid Majidi. Decodificação de signos locais para serem trabalhados: uso das fachadas das casas dos participantes. Apresentação da técnica conhecida como pontilhismo, de Paul Signac e Georges Seurat. Construção de valores para desenvolvimento de uma coleção de produtos a partir da evidência da história, da cultura e da vivência no território de Bom Jesus do Bagre. Uso de caneta hidrocor, papel-manteiga e papel offset.

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por Carla Paolielloe Bruna Roque

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O FAZER ARTESANAL

E INDUSTRIAL NA DEFINIÇÃO

DO OBJETO

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Existem diversos textos, muitos deles escritos por autores renomados, que tratam da diferenciação entre design e artesanato. Entretanto, este não será mais um a discorrer sobre essa distinção. O objetivo é compreender como o fazer industrial e o artesanal interferem no produto final, ou seja, na definição do objeto. Mas, para uma melhor compreensão, é preciso entender as principais diferenças entre a produção industrial e a artesanal.

É sabido que a produção industrial é mecanizada e que a produção artesanal é manual. Os produtos gerados em uma fábrica são uniformes, confeccionados em série, com produção ilimitada e sem distinção. Quando algum produto industrial apresenta qualquer irregularidade, como defeito de forma ou cor, ele é descartado. Já o objeto produzido artesanalmente é especializado, feito em pequena escala, com grande familiaridade com os materiais e métodos produtivos por parte de quem o faz. Essa produção permite o aparecimento de algumas irregularidades naturais no objeto; ele é impreciso, único, nunca idêntico e reflexo do próprio fazer.

A produção industrial é baseada na tecnologia e na inovação explorando as possibilidades de maquinário, técnicas e

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de matéria-prima a ser usada. Além disso, ela pede uma simplificação no desenho do objeto de maneira a gerar uma diminuição do custo da produção e, consequentemente, torná-lo mais acessível às várias classes sociais. A tecnologia também está presente na produção do artesanato. Entretanto, a escolha do material normalmente se dá pela facilidade de acesso a esse no mercado local, e a técnica usada é a apreendida na família ou comunidade próxima. Espera-se a valorização da localidade na produção dos objetos artesanais para que estes sejam como uma manifestação da vida comunitária; a simplificação e a reprodutibilidade não são características importantes e almejadas, e, quando ocorre a repetição de algum objeto, é mais pela afirmação do que este detém de significado.

Não se pode dizer que a máquina não está presente na confecção dos produtos artesanais. Nessas produções que exigem o uso de máquinas, isso é feito de forma a economizar tempo e aumentar a qualidade dos produtos, como no caso de uma colcha de retalhos, finalizada na máquina de costura. Vale ressaltar que cada artesão domina integralmente todas as etapas que se podem discernir na produção realizada, e é o gesto humano que determina o ritmo da

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produção. No objeto artesanal, o homem impõe sua marca sobre o produto.

Segundo Paz (1973) apud Borges (2012), o objeto artesanal é

feito com as mãos, (...) conserva, real ou metaforicamente, as impressões digitais de quem o fez. Essas impressões não são a assinatura do artista, não são um nome, nem uma marca. São antes um sinal; a cicatriz quase apagada que comemora a fraternidade original dos homens.

Paim (2009) defende que, diferente da máquina caracterizada pelo poder ilimitado e produção infinita, a mão humana é limitada em tamanho, força, habilidade, resistência e velocidade. Essa limitação difere o objeto industrial do objeto artesanal, alterando características, dimensão e escala de produção. Frade (2006), em seu texto “A pedagogia do artesanato”, fala sobre esse diferencial de maneira poética e precisa. Ela relata que

No ato de trançar, o gesto é uniforme, repetitivo. É a regência do corpo em sua precisão e força – fechando ponto por ponto, trama por trama, aprisionando cada talo em um desenho em cadeia, cuja beleza se faz

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pela regularidade. Seu princípio é o da presença absoluta desse corpo que age. Cada passo leva a outro imediatamente unido e decorrente de seu antecedente, todos interligados na ação que vai construindo uma cadência de gestos, um ritmo que nos leva à suspensão do pensar. Mas nessa ausência do pensamento, numa reflexão primária, melhor dizendo - o controle do corpo exige do sujeito estar totalmente presente nessa atenção – , nesse vácuo existe o gesto. Tudo é gestualidade.

O tempo é também fator crucial na produção dos objetos. Enquanto a indústria condiciona a produção em grande escala, seriada e uniforme, aumentando a produtividade dos funcionários e visando o lucro, o ciclo de trabalho do artesão segue a fluidez de seu tempo, sua produção é feita em pequena escala, gerando peças exclusivas. Como revela Katinsky (2008), “a indústria moderna é capital-intensiva, o artesanato é mão de obra intensiva”. Sennet (2009), em O artífice, argumenta que

A lentidão do tempo artesanal é fonte de satisfação; a prática se consolida, permitindo que o artesão se aposse da habilidade. A lentidão do tempo artesanal também

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permite o trabalho de reflexão e imaginação – o que não é facultado pela busca de trabalhos rápidos. Maduro quer dizer longo; o sujeito se apropria de maneira duradoura da habilidade.

O produto artesanal é fruto da mão do homem e depositário de sua cultura, ele tem o poder de manter e disseminar uma tradição, seja ela vinda de uma comunidade ou de laços familiares. Diferentemente de um produto industrial, ele é um mecanismo de apropriação cultural da realidade na qual é produzido e, como tal, deveria explicitar os valores imbuídos, sua origem e qualidade; caso contrário, pode ser pouco valorizado.

Vale reforçar o exposto por Borges (2011), que os objetos artesanais

(...) envelhecem com dignidade, podendo permanecer ao nosso lado por toda a vida. Eles nos contam de um lugar preciso, onde foram feitos por pessoas concretas. São honestos, confiáveis. Transmitem cultura, memória. Trazem um sentido de pertencimento. Por tudo isso, podem tocar - e o uso do verbo tocar não é fortuito - o nosso coração, a nossa alma.

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Percebe-se também outro ponto de diferenciação da produção de um objeto industrial de um artesanal quando se avalia seu desenvolvimento. No caso dos objetos industriais, o que normalmente acontece é a desvinculação, em um determinado momento, da criação e produção. Inicialmente, o designer é responsável por criá-lo, mas quem o fabrica é o operário, o detentor do conhecimento técnico do ofício. É claro que, antes de esse produto chegar às mãos de um operário, ele deve ter passado por alguns testes de materiais e modelos definidos a partir de um protótipo. Nesse momento apenas, o designer é, além de um ser pensante, também um ser produtor.

Já no artesanato, não existe a separação entre conceber e fazer, o artesão possui total domínio do processo de concepção do objeto. E o real valor do objeto artesanal está vinculado ao modo como seus produtores fazem as coisas, à sua visão de mundo, seus valores e sua cultura, como já apresentado por Lima (2011).

O entendimento do mercado-alvo também é um fator importante na diferenciação de objetos industriais e artesanais. Para desenvolver o primeiro, é feita uma pesquisa de mercado,

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precisa-se saber se o produto é relevante em meio a tantos outros, quem será o usuário ou o público-alvo a ser atendido. Verifica-se se será bem aceito, é importante avaliar se o objeto contribui para o desenvolvimento da sociedade, se é economicamente viável, ecologicamente correto e socialmente justo, entre outros questionamentos que o tornam diferenciado.

A produção de um objeto artesanal pode vir a atender uma ou todas as exigências listadas acima, mas a principal inspiração para sua produção vem da vontade de apresentar sua cultura. O ofício é passado de uma pessoa para outra pelo simples ato de saber fazer, e não necessariamente pelo interesse mercadológico em desenvolver tal produto. E, em alguns casos, parte-se de uma necessidade básica de sobrevivência.

Lima (2011) reforça que

o bordar não é só atender um mercado. Quando essa mulher está bordando, ela está bordando algo que preenche também parte da vida dela, a bordadeira não executa mecanicamente uma estética sobre um pano. Ela coloca ali a percepção dela de cor, de sentido de estética,

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de harmonia de concepções que vão muito além do ato mecânico de enfiar uma linha numa agulha e com ela transpassar o tecido para cima e para baixo. Ela borda ali também sua visão de mundo.

Outro ponto forte e diferencial do artesanato, defendido por Frade (2006), é que a significação para seu consumo se baseia num campo fortemente afetivo. É a partir da relação afetiva que esse objeto se torna algo tão vital nas relações pessoais. As pessoas buscam, cada vez mais, reforçar suas identidades e, assim, almejam por objetos mais expressivos. Eles refletem quem seus donos são ou desejam ser, dão pistas sobre a história de cada pessoa, lugares visitados, valores culturais, identidade nacional, ideologia política, afiliação religiosa ou inclinação sexual. Os objetos sofrem interferências não só pessoais, mas também políticas e tecnológicas, e é a partir dessa evolução que se percebem novas necessidades e têm-se pistas sobre cada época. Enfim, o tempo todo, são manipulados para supressão de necessidades e busca de identificação com o universo particular que se quer criar.

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Melo de Neto (1985) já dizia em seus versos,

Sempre evitei falar de mim, falar-me. Quis falar de coisas. Mas na seleção dessas coisas, não haverá um falar de mim?

Quando se coloca dessa maneira, não interessa se o objeto é industrial ou artesanal, atribuído de tecnologia ou tradição; importa se é carregado de sentido e que possa comunicar com um desígnio. Quando o objeto se torna parte do humano, retira-se o seu valor, transferindo-o para a experiência, conecta-se com o intangível.

Ao fim, percebe-se que existem muitas maneiras de ordenar o mundo. Como colocado no início, este texto não é mais um classificador de objetos, mas analisa como os objetos com diferentes modos de produção podem ser diferentes e, por consequência, conseguem ser reflexos de modos de vida, apresentando valores e, principalmente, traduzindo cultura e relações humanas.

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BibliografiaBORGES, Adélia. Cabeça, mãos e alma. Reflexões sobre design e artesanato na América Latina. Disponível em:http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/12.141/4235. Acesso em 25 de março de 2013.BORGES, Adélia. Design e Artesanato: um caminho brasileiro. 1ª ed. São Paulo - SP: Terceiro Nome, 2011. 239 p.FRADE, Isabela. A pedagogia do artesanato. Textos escolhidos de cultura e arte populares. Rio de Janeiro, v. 3, n. 1, p. 41 - 49, 2006. KATINSKY, Júlio Roberto. Artesanato moderno. Texto publicado originalmente em: Artéria, Santos, v. 2 n. 3, p. 45 - 50, agosto 1991. Disponível em: www.agitprop.vitruvius.com.br Ano I, número 1, janeiro de 2008. Acesso em fevereiro de 2013.LIMA, Ricardo Gomes. Artesanato em debate. Entrevista feita por Paulo Keller. Revista Pós Ciências Sociais, v. 8, n. 15, jan./jun. 2011.MELO NETO, João Cabral de. Dúvidas apócrifas de Marianne Moore in Agrestes. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1985.PAIM, Gilberto. Identidade artesanal. Publicado originalmente em Agitprop - Revista Brasileira de Design, janeiro de 2009, sobre o livro Theory of Crat (Teoria do Artesanato), de Howard Risatti-Editora: The University of North Carolina Press. Disponível em: http://www.agitprop.vitruvius.com.br/leitura_det.php?codeps=NDB8ZkROOA. Acesso em janeiro de 2013.SENNETT, Richard. O artífice. Tradução de Clóvis Marques. Rio de Janeiro: Record, 2009. 360p.

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encontro 5 2 de maio de 2013

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Continuação da decodificação de signos locais a serem trabalhados: lendas existentes, fotos realizadas no interior das casas de cada artesão, caminhos percorridos e o questionamento sobre a origem do nome do distrito. Bagre é uma árvore ou é um peixe? Uso do pontilhismo. Produção de significados singulares e coletivos. Uso de caneta hidrocor, papel-manteiga e papel offset.

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encontro 6 6 de maio de 2013

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Exposição de toda a produção de imagens e ícones desenvolvidos até o momento. Percepção da riqueza de elementos representativos de Bom Jesus do Bagre e dos registros feitos, como forma de valorizar o patrimônio cultural do distrito. Percepção e construção da identidade local. Avaliação das imagens e escolha do referencial a ser usado. Definição do produto a ser desenvolvido a partir das habilidades e referências locais: cortinas artesanais confeccionadas sob encomenda.

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encontro 7 16 de maio de 2013

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Oficina de Introdução à Cultura Contemporânea com a professora Danielle Rezende. Apresentação da definição de cultura e levantamento de diversos questionamentos: qual a sua cultura? quem é você? o que é contemporâneo? o que é globalização cultural? o que é cultura contemporânea? Apresentação de referências como o trabalho de Anna Heringer e o feito pela convidada na Maricota Design. Oficina de estamparia com o uso da técnica denominada transfer, que utiliza xerox, tiner, estopa e tecido. Foram usadas as imagens produzidas nos encontros anteriores e algumas fotos das residências de cada artesão.

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por Danielle Rezende

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CULTURA CONTEMPORÂNEA: ESPAÇO X PRODUTO

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Territórios e corpos são costurados por histórias, marcados por identidades que sobrevivem por um tempo “cruel” contemporâneo, espacialmente virtual, em que a facilidade da navegação nos diversos mundos permite apropriar-se de informações facilmente dispostas, colocando em risco a perda da identidade/raiz/memória e uma duvidosa absorção para aqueles que temem a homogeneização. Ocorrem sérias mudanças sociais e grandes deslocamentos culturais.

Com a globalização, os canais entre pessoas/países ficaram abertos tanto para o recebimento quanto para difusão de ideias, produtos e culturas de forma rápida, direta, intensa e efetiva, gerando redes de conexões que deixam as distâncias físicas cada vez mais curtas ou quase inexistentes.

Sendo assim, a compreensão espaço-tempo é tendenciada a uma homogeneização cultural, na qual o mundo tende a se tornar um único, tanto do ponto de vista espacial e temporal quanto cultural: é a síndrome de ‘McDonaldização’ do mundo, termo empregado pelo sociólogo George Ritzer no seu livro McDonaldization of Society (1995).

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Entretanto, entende-se que a cultura necessita da diferença para prosperar. Ir ao encontro da própria origem das culturas, em seu aspecto micro, e manter, constantemente, seus pontos de contato com o macro, talvez seja uma maneira de entender as transformações culturais que acontecem em tempos e espaços distintos.

(...) a cultura reúne em si um duplo capital: por um lado, um capital técnico e cognitivo - de saberes e de conhecimentos - que pode ser transmitido, em princípio, a toda e qualquer sociedade e, por outro lado, um capital específico que constitui as características de sua identidade original e alimenta uma comunidade singular por referência a seus antepassados, seus mortos, suas tradições. (MORIN, 1978: 170).

Não é fácil lidar com as relações entre a produção digital e a apropriação do mundo popular como na fala de Hall (1978: 82): “As regras que determinam o que um percebe e aquilo para o que se é cego no curso da vida não são simples”, ou para Peirce:

(...) percebemos aquilo que estamos preparados para interpretar, (...) enquanto isso deixamos de perceber aquilo para cuja interpretação não estamos preparados,

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embora exceda em intensidade aquilo que deveríamos perceber com a maior facilidade se nos importássemos com sua interpretação. (PEIRCE, 1977: 73).

Não se pode ser ‘ingênuo’ e achar que as culturas serão ‘estanques’. Elas estão em permanente estado de mutação e mobilidade nos tempos e espaços. Recriar, recontar a nossa história, atentos para os mais diferentes, quer pequenos ou grandes acontecimentos, é um trajeto que precisa ser percorrido.

(...) Se entendermos que o fenômeno da cultura é socialmente elaborado e se transmuta ao longo da história, a concepção que propõe a preservação da cultura popular torna-se insustentável. Esta ideia levaria, indubitavelmente, à paralisação de uma consciência do segmento produtor da chamada cultura popular. Se por um lado estaria preservada a sua composição estética, por outro estariam atrofiadas as visões de mundo e formas de conhecimento inerentes a essa cultura popular. (PROENÇA, 1995: 26).

Manter as tradições e patrimônios culturais, associados às interferências globais que ‘contaminam’ a cada momento, passa

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a ser uma questão primordial na contemporaneidade, pois podem resultar na alienação de valores locais ou promover a difusão de informações nacionais e regionais. Segundo Antonio Miranda,

O sujeito pós-moderno é definido historicamente, e não mais biologicamente (como preferem os que defendem identidades raciais originais, mas sem bases científicas), porquanto o sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, afetadas tanto pelos processos de socialização quanto de globalização dos meios de comunicação e informação. A sociedade em que vive o sujeito não é um todo unificado e monolítico, uma totalidade, que flui e evolui a partir de si mesma, pois está também constantemente sendo descentrada e deslocada por forças externas. (...) Mas, paradoxalmente, a globalização vem fortalecendo a proliferação de identidades locais e, ainda que pareça utópico, a sociedade da informação que estamos ajudando a construir também pode dar espaço para culturas geograficamente isoladas – como é, em parte, o nosso caso. (MIRANDA, 1987).

Assim, preocupar-se ao pensar em produtos/espaços ou vice-versa, que possam receber a realidade de forma a não se perder

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no tempo, não perder a identidade, raiz, é pensar em espaços/produtos resultados de processos de produção de conhecimento, incluindo o conhecimento científico, o tecnológico, o artístico e o cultural, que possam implicar na ordem da inclusão da cultura popular e de seus saberes, para alimentar a indústria cultural cada vez mais insaciável, atingindo de forma consciente a maior gama possível de indivíduos.

A absorção permite que em cada canto encontre-se um canto... e que, de canto em canto, possa-se formar o seu canto atrelado às raízes particulares, proporcionando uma diversidade, por meio do novo, mantendo a identidade das memórias e raízes.

Bibliografia

PEIRCE, C. S. “Semiótica”. São Paulo: Perspectiva, 1977.MORIN, E. “O Enigma do Homem”. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.PROENÇA, R. “Cultura Popular: Algumas Considerações Teóricas”, Revista Movimentos, Editora da UFS/CESEP, Ano 1, n. 1, Aracaju, julho/95.HALL, E. T. “Más allá de la cultura”. Barcelona: Ed. Gustavo Gilli, 1978.CLAVAL, Paul. Espaço e poder. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.

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encontros 8 e 9 15 e 22 de maio de 2013

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Escolha das imagens, ícones e memórias imagéticas finais a serem usadas na coleção. Ratificação sobre a importância da expressão e da linguagem individual nas estampas a serem utilizadas. Apresentação de referências de produtos similares e entendimento dos variados tipos de abertura de cortinas, aproveitamento da transparência do tecido a ser trabalhado (voil), sobreposição de imagens, discussão sobre dimensões e padronização. Definição da diagramação gráfica para cada imagem escolhida com conversa sobre posicionamento, contraste e dimensão. Treinamento do transfer para desenvolvimento de uma habilidade técnica.

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encontros 10 a 15 29 de maio

5, 11, 13, 19 e 26 de junho de 2013

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Início da produção para a coleção d.bagre. Desenvolvimento e aplicação das estampas nas 14 cortinas.

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encontros 16 e 20 29 de maio

5, 11, 13, 19 e 26 de junho de 2013

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Discussão sobre as técnicas de cada artesão na coleção. Experiências com alfinetes, miçangas, botões, texturas, paetês, traços e linhas. Reaplicação dos conceitos já tra-balhados de cores, contraste, sobreposição, transparên-cia e reflexão. Uso do crochê, pintura, pedrarias e bor-dado livre escolhidos por cada artesão para composição final da cortina desenvolvida.

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Podemos afirmar que os objetivos iniciais de promover o desenvolvimento cultural do distrito; intensificar a capacidade produtiva e ampliar o acesso ao fazer artesanal crítico; produzir coletivamente; ampliar as oportunidades de ocupação e renda da população com o início de uma produção diferenciada; identificar uma iconografia presente na memória coletiva e pessoal; instituir um processo de reapropriação dos símbolos que identifiquem a cultura local; e, por fim, criar um sentimento de pertencimento a todos os artesãos participantes foram conseguidos.

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coleção d.bagre

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A coleção d.bagre é o resultado final deste primeiro projeto. Em cada cortina percebe-se cada participante. Nas linhas, cores, formas e técnicas está impresso muito mais que imagens – são maneiras de olhar para o cotidiano, as casas, os caminhos, as lendas e histórias de Bom Jesus do Bagre.

É importante perceber que o trabalho iniciado não encerra suas possibilidades nesta única coleção. Este projeto é um começo, um abrir de portas para o desenvolvimento do artesanato em Bom Jesus do Bagre e da qualificação dos seus moradores enquanto artesãos. Sugere-se que o trabalho seja continuado, capacitando e amparando o grupo para a comercialização, administração e gerenciamento do seu trabalho. Além disso, novas propostas e outras oficinas de qualificação técnica deverão ser estudadas para que outras coleções possam ser desenvolvidas. Acredita-se que, com a continuidade do projeto e acompanhamento das ações, um grupo forte conseguirá se apresentar ao mercado, um grupo de valor e valorizado. Por agora, existe um potente início que merece ser bem cuidado.

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Impresso em 2013, nas oficinas da Gráfica Damasceno.

Capa Papel Supremo Duo 250g e o miolo papel couchê 115g.

Fontes usadas nos títulos Museo Slab e nos textos Din Light.