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    Anais do VII Seminrio de Ps-Graduao em Filosofia da UFSCar (2011)

    A literatura, uma noo tardia:

    reflexo sobreAs palavras e as coisas de Michel Foucault

    Caio Augusto T. Souto*

    RESUMO

    As palavras e as coisas (1966), assim como os demais ensaios de Foucault da poca, afirmam

    ser a literatura uma noo tardia. Embora textos muito antigos, como os atribudos a Homero,

    sejam considerados literatura, ela, enquanto noo, s encontrou seu lugar na modernidade,

    numa data que Foucault no precisou exatamente, mas indicou as transformaes gerais na

    ordem do saber que a inauguraram, algo situado no limiar entre os sculos XVIII e XIX. A fim de

    entender por que o autor pde dizer ser a noo de literatura eminentemente moderna,

    retomaremos a idia de epistm, central em As palavras e as coisas. Das trs epistms

    analisadas naquele livro (a do Renascimento, a da Idade Clssica e a da Modernidade), apenas a

    terceira pde comportar a noo de literatura, embora seja aplicvel, uma vez cunhada, a

    textos muito mais antigos. Esta reflexo recai sobre quais so, em linhas gerais, as mudanas

    profundas no saber ocidental que permitiram o nascimento ou a emergncia dessa

    especificidade discursiva qual se passou a denominar como literatura, e por que no poderia

    ter existido (enquanto funo discursiva) em pocas precedentes.

    PALAVRAS-CHAVE: Foucault, literatura, epistm.

    Os estudos literrios de Michel Foucault no so algo marginal em seu pensamento, mas

    esto inseridos perfeitamente dentre os principais objetivos da arqueologia do saber e mantm

    relaes com os diferentes objetos de pesquisa que se dedicou a estudar. Tanto em seusensaios e conferncias, quanto em seus grandes livros da poca ( Histria da loucura, As

    palavras e as coisas), importantes passagens so inteiramente consagradas a estudos literrios,

    sempre em articulao com os temas mais gerais que abordava. Neste breve ensaio,

    *Mestrando na UFSCar. Bolsista CAPES.

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    tentaremos nos limitar a explorar o que o autor entende por literatura, tomando como

    referencial seus textos da poca, entre 1961-1966, cujas reflexes culminam no livro de 1966

    As palavras e as coisas. Gostaramos de tentar analisar a que domnio discursivo especfico o

    autor pde chamar de literatura, buscando relacion-la ao conceito de epistm, largamente

    explorado naquele livro. Para Foucault, a noo de literatura eminentemente moderna,

    embora possa ser reportada a textos muito antigos, como os de Homero ou Virglio. Porm,

    somente na contemporaneidade que se os passou a nomear como pertencentes a essa

    caracterizao discursiva qual se diz ser a literatura, em sentido estrito, apartada das outras

    especificidades discursivas como a cientfica, a filosfica, a jornalstica, a jurdica. O discurso

    literrio, tenha sido escrito na antiguidade, na idade mdia, no renascimento, na idade clssica

    ou na atualidade, possui elementos comuns que permitem reconhec-lo. E se h certa

    insistncia por parte de Foucault em abord-la tantas vezes durante o perodo mencionado,

    porque seu carter singular auxiliava ao seu projeto de delineamento das condies histricas a

    prioride formao dos discursos numa dada sociedade em certo perodo de sua histria.

    Embora no lhe seja dedicado exclusivamente nenhum dos dez captulos de As palavras

    e as coisas, a temtica da literatura permeia toda a extenso desse livro de 1966, com o qual

    Foucault encerrou um longo ciclo de ensaios (mais de uma dezena). J nas primeiras linhas, o

    autor anuncia que o livro nascera de sua leitura de Borges, autor conhecido por sua criaofictcia comumente atribuda ao gnero da literatura fantstica. O texto de Borges ali

    comentado no propriamente fictcio: trata-se de um ensaio publicado no livro Outras

    inquisies em que Borges compara as peripcias especulativas de John Wilkins (telogo e

    cientista ingls que viveu entre 1614 e 1672), numa tentativa de organizar o mundo em uma

    tbua de categorias segundo um certo idioma analtico, s de outras tentativas classificatrias

    igualmente ambguas, redundantes e deficientes (BORGES, 2007, p. 124), como as de

    uma certa enciclopdia chinesa ou do Instituto Bibliogrfico de Bruxelas, absurdas secomparadas ao sistema classificatrio que o Ocidente atualmente conhece. Foucault utiliza esse

    texto que evidencia o disparate criado pelo embate entre essas classificaes, para ns

    inslitas, das coisas e dos seres, com o nosso saber e a maneira prpria como ele se articula,

    classifica e dispe as coisas e os seres. As palavras e as coisasdiz desde o seu Prefcio que

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    uma anlise da ordem de nosso saber, saber esse que no permite que outras formas de

    pensamento pousem nele suas razes, e se lana a partir do primeiro captulo tentativa de

    delimitao das regras de formao a prioridesse saber.

    O saber, segundo Foucault nesse livro, possui uma unidade de formao extensvel a

    todas as especificidades discursivas bem como aos seus diferentes objetos, unidade essa que

    mutvel atravs da histria (o a priori em Foucault no transcendental, mas sim histrico),

    passando por grandes transformaes cuja arqueologia busca analisar. A essas unidades de

    formao discursiva, Foucault chamou em As palavras e as coisas de epistms. Tal noo diz

    respeito a uma necessria ordem do saber. Como diz Roberto Machado em Cincia e saber,

    trata-se de um princpio de ordenao histrica dos saberes anterior ordenao do discurso

    estabelecida pelos critrios de cientificidade [...] a configurao, a disposio que o saber

    assume em determinada poca e que lhe confere uma positividade (1981, pp. 148 -149). Cada

    epistm no pode comportar em sua positividade e sob pena de recair em absurdo ou

    disparate, outras formas, ou uma ordem diversa, de pensamento. Porm, e a elas Foucault se

    dedicar longamente em seus estudos posteriores, h sempre possibilidades de pensamento (e

    de conduta) que esto no limite de determinada epistm e que apontam para o que lhe

    exterior, possibilidades de pensamento subversivas ou mesmo que fazem rir quele que

    percebe a mera impossibilidade de pensar de uma maneira outra numa dada epstm. ParaFoucault, o texto de Borges aponta para tais limites, e o discurso literrio tem como

    prerrogativa justamente encetar esse pensamento-limite que provocaria uma espcie de

    disparate frente epistmda qual ele fala.

    EmAs palavras e as coisas, Foucault alude a trs configuraes epistmicas distintas que

    se sucederam historicamente em nossa cultura, cada uma delas possuindo uma determinada

    ordem cuja sucesso no se deu de maneira linear, mas, como diz o autor, por uma eroso

    que vem de fora (reportando a que as modificaes e rupturas entre uma epistm e outrano se devem nunca a uma precipitao interna prpria epistm, como se ela tivesse vida

    prpria, mas corresponde a modificaes externas, dados em outro plano que no apenas

    discursivo): h uma configurao epistmica relativa ao sculo XVI (Renascimento), outra

    relativa aos sculos XVII e XVIII (idade clssica) e outra a partir de fins do sculo XVIII

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    (modernidade). nesta ltima, que Foucault dir ser ainda a nossa, que surgiu segundo o autor

    a noo de literatura enquanto uma modalidade do discurso. No que no houvesse literatura

    anteriormente, mas ela s passou a existir enquanto funo discursivaa partir de meados do

    sculo XVIII, embora remete a textos muito antigos.

    Passaremos a uma breve caracterizao dos trs perodos mencionados para ao fim

    situar o surgimento da literatura.

    O Renascimento, segundo As palavras e as coisas, presenciou um regime de signos que

    operava uma autonomizao da linguagem. A linguagem no remetia s coisas, pois era ela

    prpria, em seu ser bruto, um objeto de decifrao; ela prpria, de certa forma, uma coisa. A

    linguagem era reconhecida como coisa a existir em uma espcie de materialidade prpria,

    comportando o carter de sido criada por Deus, assim como todas as coisas do cosmo. A

    palavra era texto primeiro e essencial que deveria ser decifrado por aquele que quisesse

    compreender o mundo, no havendo diferena de natureza entre ela e as demais marcas do

    universo. Nesse sentido, tudo possua (ou poderia possuir) algum carter de signo. Como diz

    Foucault: A verdade de todas essas marcas quer atravessem a natureza, quer se alinhem nos

    pergaminhos e nas bibliotecas em toda parte a mesma: to arcaica quanto a instituio de

    Deus (2002, p. 47). Mas para que fosse descoberta a relao de significao entre o signo e o

    que ele significava (relao essa incutida por Deus desde a origem) era necessrio um terceiroelemento, a conjuntura, o chamado tynchanon no estoicismo (Desde o estoicismo, diz

    Foucault, o regime de signos era ternrio). E o que permitia ver essa relao eram as

    assinalaes ou marcas (signatures), pelas quais era possvel decifrar o significado de um signo.

    A partir da conjuntura especfica em que orbitava um signo, era possvel ver nele as

    assinalaes que apontavam ao seu significado. O decifrador deveria dispor, para isso, de uma

    certa capacidade adivinhatria. Da pensadores como Paracelso e Crollius pertencerem

    coerentemente epistm renascentista, pois fundem o saber erudito com a adivinhao(Divinatioe Eruditio), a feitiaria, a astrologia, a medicina. A linguagem discursiva possua ento

    um carter solene, pois caberia a ela, em sua materialidade primeira e essencial, cerrada em si

    mesma, interpenetrar-se infinitamente com o mundo. Ao mesmo tempo em que as palavras

    eram coisas a decifrar, todas as coisas passavam tambm por ser, de certa forma, linguagem.

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    No estava em jogo seu papel representativo, como seria para a gramtica geral na idade

    clssica. A linguagem valia por ter ela prpria o estatuto de coisa e um valor em si mesma, os

    quais comportavam relaes com as outras coisas do mundo, tudo j bem arquitetado por Deus

    desde o incio: As lnguas, escreve Foucault, esto com o mundo numa relao mais de

    analogia que de significao (2002, p. 51).

    S na idade clssica, que Foucault situa entre meados do sculo XVII e do XVIII, com os

    gramticos de Port-Royal (Antoine Arnauld e Claude Lancelot que publicaram em 1660 a

    Gramtica Geral), que a ligao entre significante e significado na linguagem passou a ser

    meramente binria. Excluiu-se do regime de signos do Ocidente aquele terceiro elemento (o

    tynchanon) que, segundo Foucault, fora essencial desde a antiguidade (desde o estoicismo) ao

    nosso saber. Doravante, a palavra perderia seu estatuto material de coisa e passaria a to-

    somente servir representao das coisas, num papel de subservincia. A palavra seria

    separada das coisas por uma ciso ontolgica. Porm, diz Foucault, ela adquiriria igualmente

    um novo poder. Pois caberia a ela, e somente a ela, a tarefa de representar o pensamento,

    custa de perder aquela materialidade bruta em prol de uma transparncia absoluta.

    Meramente significante, a linguagem na idade clssica comportava em seu bojo inclusive o que

    indica que ela uma representao. A isso Foucault chamou a representao reduplicada,

    que redobra sobre o prprio signo, agora no mais uma coisa, a relao de representao queele encerra. No era mais necessria a conjuntura para assinalar as possveis relaes de

    analogia entre uma coisa e outra, ou entre elas e os signos, que afinal tambm pertenciam ao

    reino das coisas. Significante e significado agora passam a se relacionar sem nenhuma figura

    intermediria. No ser mais a adivinhao ou a magia que assegura a descoberta dessa relao

    secreta. Doravante, o prprio signo, para ser signo, deve manifestar tambm sua relao de

    significado e de representao: A partir da idade clssica, diz Foucault, o signo a

    representatividade da representao enquanto ela representvel (2002, p. 89, grifos doautor).

    J na modernidade, o sistema de signos, que permanecer com sua estrutura binria

    essencialmente intocada, exigir, no entanto, que uma figura exterior relacione o significante

    ao seu significado, mas esse terceiro elemento algo diverso do que fora o contexto

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    (tynchanon) at o Renascimento. a poca de uma grande transformao na epistm

    ocidental quando, com Kant, a razo se viu pela primeira vez, segundo Foucault, questionada

    quanto aos seus limites representativos, constrita em seus limites, limites esses impostos pela

    condio do homem e de sua finitude (no nosso intuito explorar esse tema aqui). Cabe dizer

    que essa grande reconfigurao da epistm ocidental teve ecos em todo seu campo de

    extenso. Quanto linguagem e quanto ao regime dos signos, agora passou-se a reconhecer

    que o prprio homem quem criou as lnguas, e no foi Deus quem as deu ao homem e que as

    embaralhou para castig-lo. A tarefa da divinatio permanece excluda do cenrio do saber

    ocidental, que contar agora, como mtodo para a interpretao dos signos, de uma

    hermenutica. No h mais signos desconhecidos que teriam sido espalhados pelo divino no

    mundo, como no Renascimento. Todo signo, para ser signo, agora deve se submeter a um ato

    de conhecimento, o que pe fim tambm idade da representao, aquela em que o prprio

    signo continha o ndice da representatividade que fazia dele um signo. Com o advento da

    hermenutica, caber ao sujeito tornar algo um signo e interpret-lo, por um ato de

    conhecimento que d ao signo seu significado. No, porm, maneira renascentista quando

    era preciso que as assinalaes pelas quais as coisas eram marcadas permitissem uma analogia.

    o homem quem, por um ato de conhecimento, d ao signo o que para o saber clssico era-lhe

    intrnseco: o seu prprio estatuto de signo. No ser mais necessrio que o signo traga em si aduplicao da representao que ele encerra. Caber ao sujeito por um ato cognitivo conferir

    ao signo seu estatuto de signo, o que far com base numa hermenutica.

    Em As palavras e as coisas Foucault situa o aparecimento do discurso literrio na

    modernidade, porm com um papel exatamente inverso aos demais discursos. verdade que

    nenhum discurso produzido numa poca poderia fugir s regras de formao de sua epistm.

    Se um saber sobre a linguagem como a filologia, saber esse que a toma em sua autonomia (a

    partir da anlise da cultura que originou cada lngua, a homologia entre estas ltimas, asonoridade, a funo da interlocuo, a anlise dos radicais, etc.), se tornou possvel e mesmo

    necessrio na virada do sculo XVIII para o XIX (com Schlegel, Grimm, Bopp), por conta de

    uma mais profunda modificao no subsolo do saber, que fez com que cada objeto de saber

    dispusesse de uma espcie singular de discurso (alguns deles com estatuto de cincia) que o

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    estudasse em sua autonomia. O saber sobre a linguagem, doravante a filologia, acompanhou

    esse movimento: A partir do sculo XIX, escreve Foucault, a linguagem se dobra sobre si

    mesma, adquire sua espessura prpria, desenvolve uma histria, leis e uma objetividade que s

    a ela pertencem (2002, p. 409). ento que pde surgir, inesperadamente, prossegue o autor,

    um discurso oposto a esse que se estende por toda a ampla camada do saber moderno, o

    contradiscurso da literatura.

    O estatuto dado literatura por Foucault em As palavras e as coisas extremamente

    privilegiado. Apenas o discurso literrio pode marcar, por exemplo, a passagem entre uma

    epistm e outra. Foucault d pelo menos dois exemplos da condio limite da literatura: Dom

    Quixote de Cervantes e Justine e Juliette de Sade. No primeiro caso, trata-se de um texto

    literrio que marca a passagem entre a epistm renascentista e a clssica. A primeira parte do

    romance em que o protagonista quer se tornar um cavaleiro tal qual aqueles heris de que os

    textos que l esto repletos, assimilando o que l (que tambm possuam no Renascimento o

    estatuto de coisas) ao que vive. J na segunda parte do romance, Dom Quixote se defronta com

    o disparate causado entre o que ele lia e o que passava a viver, causando um efeito cmico

    anlogo ao causado pelo texto de Borges quando lido atualmente. Correlatamente, Justine

    descreve minuciosamente as aventuras do desejo, mas o faz maneira de uma afirmao da

    condio representativa da linguagem, pois o desejo ali submetido ao jogo da representaode que a linguagem faz parte. Apenas com Juliette que o desejo passa a resplandecer em sua

    materialidade bruta, puramente desejo. Da Foucault dizer que Justine a ltima das obras

    libertinas (uma noo clssica), e que Juliette a primeira das obras modernas, pois pe em

    jogo a noo de sexualidade. Eis a peculiaridade do texto literrio segundo Foucault em As

    palavras e as coisas: nos exemplos de Cervantes e de Sade, a literatura se encontra no limite

    entre duas epistms, marcando a passagem que se dar noutras esferas do saber. Por isso ela

    ocupa um papel privilegiado em toda a arqueologia do saber de Michel Foucault. Mas ela spode passar a ser reconhecida estritamente como literatura, ou seja, como uma especificidade

    discursiva, na modernidade.

    E a literatura se encontra tambm no limite da experincia discursiva moderna, pois no

    mesmo momento que o homem passa a existir como necessidade epistemolgica, como o

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    senhor da linguagem, vemo-nos defrontados com essa outra linguagem que no remete ao

    sujeito que a originou, pois s remete a seu prprio ser, sua essencial solido (referncia a

    Blanchot em A solido essencial in O espao literrio). Blanchot, Bataille, entre outros,

    interessam a Foucault por sua experincia de dessubjetivao, qual a experincia literria

    propicia. A literatura demonstra, antes de tudo, a falibilidade da relao entre o sujeito como

    entidade ontologicamente imutvel (que existe autnoma e anteriormente ao que ele funda) e

    o objeto de sua criao. Encerramos com uma citao extrada de As palavras e as coisas que

    resume o estatuto da palavra literria como inveno moderna, ainda que seja reportada a

    textos muito antigos de nossa civilizao, pelo que podemos dizer que se trata de uma inveno

    tardia.

    Finalmente, a ltima das compensaes ao nivelamento da linguagem, a maisimportante, a mais inesperada tambm, o aparecimento da literatura. [...] Aliteratura a contestao da filologia (de que , no entanto, a figura gmea):ela reconduz a linguagem da gramtica ao desnudado poder de falar, e lencontra o ser selvagem e imperioso das palavras. [...] torna-se pura e simplesmanifestao de uma linguagem que s tem por lei afirmar [...] sua existnciaabrupta. [...] No momento em que a linguagem, como palavra disseminada setorna objeto de conhecimento, eis que reaparece sob uma modalidadeestritamente oposta: silenciosa, cautelosa deposio da palavra sobre abrancura do papel, onde ela no pode ter nem sonoridade, nem interlocutor,onde nada mais tem a dizer seno a si prpria, nada mais a fazer seno cintilar

    no esplendor do seu ser. (FOUCAULT, 2002, pp. 415-416).

    BIBLIOGRAFIA

    BORGES, J-L. Outras inquisies. Trad. Davi Arigucci. So Paulo: Companhia das Letras, 2007.

    FOUCAULT, M.As palavras e as coisas. Trad. Salma Tannus Muchail. So Paulo: Martins Fontes,

    2002.

    MACHADO, R. Cincia e saber: a trajetria da arqueologia de Foucault. Rio de Janeiro: Graal,

    1981.