ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
- a diáspora guineense em Portugal-
Maria João Carreiro(autora)
Carlos Sangreman(coordenador)
Edição Fundação Portugal – África
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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
- a diáspora guineense em Portugal -
Autora | Maria João Carreiro
Coord. | Carlos Sangreman
ISBN:
Título: Arquitectos de um espaço transnacional lusófono - a diáspora guineense em Portugal –Autora: Maria João CarreiroCoordenador: Carlos SangremanFotografia de capa: Marta Jorge Ilha de Keré, Arquipélago dos Bijagós, Guiné-Bissau, Outubro de 2009Edição: Fundação Portugal ÁfricaOrganização da edição: Centro de Estudos sobre África e do DesenvolvimentoCriação gráfica:Depósito Legal n.º
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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
À Fundação Portugal África, na pessoa do Dr. Hélder de Oliveira, pelo reconhecimento da pertinência científica e política da migração afri-cana em Portugal, que se traduziu no apoio institucional e financeiro disponibilizado a esta investigação.
Ao Centro de Estudos sobre África e Desenvolvimento (CESA), nome-adamente ao Professor Dr. Carlos Sangreman, pela preciosa, metódica e incansável coordenação científica que orientou todas as etapas do tra-balho.
Ao Dr. Nelson Lopes e ao Dr. Miguel Barros, que assistiram e facilita-ram a componente de investigação no terreno, tanto em Portugal como na Guiné-Bissau e cujo contributo foi inestimável para garantir a quan-tidade e qualidade dos dados obtidos.
A todos os guineenses, tanto em Portugal como na Guiné-Bissau, cuja generosidade em ceder o seu tempo e em partilhar os seus percursos, sonhos e perspectivas, tornou este trabalho possível.
Às pessoas de sempre, pelo encorajamento e apoio inesgotáveis.
AGRADECIMENTOS
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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
ÍNDICE
PREFÁCIO
INTRODUÇÃO ……………..…………......................................................….. 9
1. ENQUADRAMENTO 1.1 Geral……………………………………………………………… 11 1.2 Especifico ………………………………………………………… 18
2. MIGRAÇÃO E DESENVOLVIMENTO 2.1 Uma Epistemologia Histórica das Migrações ………………….... 21 2.2 Migração e Globalização ………………………………………... 25 2.3 Origens, tipos e modos de incorporação actuais ……………….... 28 2.4 Perspectivas teóricas sobre Migração e Desenvolvimento ……..… 31
3. TRANSNACIONALISMO MIGRANTE ………………………………… 39
4. ENQUADRAMENTO METODOLÓGICO …………………………….. 43
5. A MIGRAÇÃO GUINEENSE ……………………………………………... 51
6. AS DINÂMICAS E OS IMPACTOS DO TRANSNACIONALISMO MIGRANTE DOS GUINEENSES RESIDENTES EM PORTUGAL 6.1 Os resultados obtidos em Portugal ……………………………….. 61 6.2 Pistas de transnacionalismo sócio-cultural ………………………. 66 6.3 Pistas de transnacionalismo económico ………………………..... 83 6.4 Pistas de transnacionalismo político ……………………………… 93 6.5 Os resultados obtidos na Guiné-Bissau ………………………… 102 6.6 Impactos do transnacionalismo sócio-cultural …………………. 105 6.7 Impactos do transnacionalismo económico ……………………. 115 6.8 Impactos do transnacionalismo político ……………………….. 130
7. OS CAMINHOS DA DIÁSPORA GUINEENSE ………………………... 137
8. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES ………………………………… 149
9. BIBLIOGRAFIA ……………………………………………………………. 161
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PREFÁCIO
A Fundação Portugal - África prossegue um conjunto de objectivos que,
genericamente, têm em vista preservar a memória da presença secular
de Portugal no Continente Africano e analisar em que em que medida
a correspondente experiência, no que envolve de positivo e de negativo,
pode potenciar formas de cooperação que se traduzam em vantagens,
particularmente, para os habitantes do espaço dos Países de Língua
Portuguesa.
Considerando que a presença portuguesa no mundo não se limitou ao
Continente Africano, a Fundação tem, em várias circunstâncias, alarga-
do o espaço geográfico da sua intervenção, dominantemente de carác-
ter cultural, a outros Continentes.
Tendo em conta os objectivos estatutários que prossegue a FPA tem
levado a cabo um conjunto de projectos que resultam de iniciativas pró-
prias e, simultaneamente, entende prestar o apoio possível a iniciativas
de terceiros que se possam enquadrar naqueles objectivos.
Um dos projectos que tem norteado a acção da Fundação tem a ver
com o estudo e apoio a iniciativas que tendam a identificar a natureza
e o potencial das diásporas dos diversos países que integram o espaço
da Lusofonia.
Como se afirma na introdução ao presente trabalho é hoje reconhecido
que as dinâmicas transnacionais possuem um grande potencial para os pa-
íses de origem e de acolhimento. Para Portugal as ligações estabelecidas pe-
los migrantes africanos com os seus países de origem traduzem-se em uma
importância politica e económica estratégica, tanto no contexto da União
Europeia como no âmbito da CPLP, que interessa conhecer e valorizar.
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O presente trabalho, cuja qualidade nos apraz registar, elaborado por
investigadores do Centro de Estudos sobre África e do Desenvolvimen-
to, enquadra-se no projecto sobre a diáspora africana que a Fundação
está a prosseguir. Dado tratar-se de um trabalho de natureza académi-
ca, em que a liberdade dos métodos de investigação foi escrupulosa-
mente respeitada, as conclusões e as opiniões que nele são registadas
apenas responsabilizam os seus autores.
Espera-se, em breve, dar início a outros trabalhos que, enquadrados
no mesmo projecto, permitam trazer novas luzes, cientificamente fun-
damentadas, aos movimentos migratórios que ocorrem nos Países da
CPLP, em particular, no interior do espaço geográfico descontinuado
em que tais Países se integram.
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INTRODUÇÃO
A presença de Portugal no mundo é resultado de um longo percurso
histórico e traduz-se em inúmeras afinidades sócio-culturais entre por-
tugueses e povos de muitas regiões. A partilha desse património comum
tornou Portugal um destino de eleição para muitos migrantes, que des-
de a década de 60 têm escolhido o país para trabalhar e viver, sendo a
comunidade africana uma das mais substantivas e a que possui o tempo
de instalação mais antigo.
O advento das novas tecnologias e a banalização dos transportes aére-
os tem permitido a esses migrantes africanos manterem-se ligados de
uma forma regular e multiforme – em grande medida inédita – aos seus
países de origem. Essas ligações, que podem materializar-se de formas
diversas e traduzir-se em impactos sociais, culturais, políticos e econó-
micos, têm vindo a ser denominadas de transnacionalismo migrante.
É hoje reconhecido que as dinâmicas transnacionais possuem um gran-
de potencial para o desenvolvimento dos países de origem e de acolhi-
mento, bem como para o reforço das relações entre os países envolvidos.
Para Portugal, o potencial das ligações estabelecidas pelos migrantes
africanos com os seus países de origem possui uma importância política
e económica estratégica, tanto no contexto da União Europeia como no
âmbito da CPLP, que interessa ao país conhecer e valorizar.
A Fundação Portugal África, em parceria com o Centro de Estudos
sobre África e Desenvolvimento, do Instituto Superior de Economia a
Gestão da Universidade Técnica de Lisboa, pretende contribuir para
o debate político e académico nesta matéria. O projecto “Arquitectos
de um Espaço Transnacional Lusófono” investiga as relações transna-
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cionais estabelecidas pelos migrantes oriundos dos Países Africanos de
Língua Oficial Portuguesa (PALOP), propondo, a partir dos resultados
obtidos, medidas e políticas que capitalizem o potencial económico, so-
cial, cultural e político identificado. A primeira deste conjunto de inves-
tigações tratará dos migrantes guineenses em Portugal e das relações
entre estes e a Guiné-Bissau.
Pela sua ligação histórica e multidimensional, Portugal e Guiné-Bissau
configuram já um espaço transnacional consolidado, alimentado por
ligações e fluxos de bens e pessoas que constituem, inequivocamente,
um elemento fundamental do património destes países. No entanto, os
contornos deste espaço e das dinâmicas dos seus actores não se encon-
tram ainda devidamente caracterizados, e consequentemente, as suas
potencialidades nos diversos domínios permanecem aquém das múlti-
plas possibilidades de concretização.
Neste âmbito, a presente investigação tem como objectivo geral con-
tribuir para uma caracterização do espaço transnacional lusófono cria-
do pelos migrantes guineenses, orientada para a elaboração de uma
estratégia futura por parte dos Estados envolvidos, de capitalização do
potencial oferecido pelas suas dimensões culturais, sociais, intelectuais,
políticas e económicas.
São ainda objectivos específicos do projecto, (1) identificar as di-
nâmicas transnacionais, existentes ou potenciais, protagonizadas pelos
migrantes guineenses; (2) reflectir sobre o potencial de desenvolvimento
inerente a essas dinâmicas, nas suas múltiplas dimensões; (3) propor es-
tratégias concretas que permitam capitalizar o potencial identificado e
(4) divulgar, junto das diásporas e Estados envolvidos e outros actores
interessados o conhecimento e estratégias elaborados.
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1. ENQUADRAMENTO1.1 Enquadramento geral
A época em que vivemos é caracterizada por um fluxo de informação,
de bens, de serviços e naturalmente, de pessoas. É a “era das migra-
ções”, e embora os fluxos não tenham aumentado em número relativo
– mantendo-se perto dos 2,9% da população mundial, tal como no final
do séc.XIX (GCIM, 2005) - , a sua composição e orientação tem vindo
a alterar-se em função das mudanças das sociedades, tanto de origem
como de acolhimento. As formas que assume e as causas e consequên-
cias que acarreta materializam-se em grande medida de forma inédita.
Num mundo crescentemente globalizado, e à semelhança do que se ve-
rifica com outro tipo de actores sociais, as comunidades migrantes têm
procurado adaptar-se de forma consonante com as suas características
e necessidades. A natureza e especificidade dos mecanismos desenvol-
vidos pelas comunidades migrantes contemporâneas têm conduzido a
uma acesa discussão na comunidade científica a nível internacional. E,
apesar das muitas divergências, é hoje reconhecido que não é possível
compreender a migração contemporânea sem compreender a força,
influência e impacto dos laços que alguns migrantes mantêm com as
respectivas comunidades de origem (Glick Schiller et al, 2004:1002).
São migrantes que desenvolvem estratégias de vida duplamente anco-
radas. Ainda que parte integrante das suas sociedades de acolhimento,
muitos migrantes entretecem laços que os mantém “presentes, ainda que
ausentes”, nos seus países de origem. Este fenómeno recentemente identi-
ficado é vulgarmente denominado de transnacionalismo migrante.
O transnacionalismo migrante pode materializar-se de diversas formas,
dependendo tanto dos contextos de saída e de acolhimento, como das
características dos próprios migrantes. As remessas constituem a sua
expressão mais antiga – e a mais conhecida – mas o advento dos meios
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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
de comunicação e de transporte tem permitido o desenvolvimento de
outras modalidades de transnacionalismo que revelam que a ligação
dos migrantes com as respectivas comunidades de origem ultrapassa
largamente o aspecto financeiro das remessas.
Migrantes que desenvolvem dinâmicas empresariais suportadas pelas suas
ligações privilegiadas com os seus países de origem; migrantes que se en-
volvem em campanhas ou iniciativas políticas em prol da democratização
dos seus países ou reivindicando direitos civis para minorias religiosas ou
étnicas; migrantes que apoiam – e muitas vezes revitalizam – tradições cul-
turais ou religiosas; migrantes envolvidos em dinâmicas de migração cir-
cular, frequentemente ao nível das profissões mais qualificadas; migrantes
que apoiam projectos de desenvolvimento, iniciativas de micro-crédito ou
promovem cooperativas para grupos desfavorecidos…
Qualquer uma destas iniciativas revela que “people leave their countries be-
cause of development conditions there, yet they continue to engage with their homelands
at various levels. Such engagement stretches the idea of development beyond territorial
boundaries” (Orozco, 2003:13). A constatação do carácter transnacional
da migração contemporânea enfatizou a ligação indissociável entre a
migração e o desenvolvimento, não só dos países de acolhimento mas
também dos países de origem.
Face a esta evidência, muitos países, bem como algumas organizações
internacionais, têm vindo a ensaiar políticas e iniciativas com vista à ca-
pitalização do potencial de desenvolvimento trazido pela migração. Em
países com um historial de imigração mais antigo, já existe uma refle-
xão teórica e política bastante consolidada sobre a temática. A Holanda
foi o primeiro Estado europeu a desenvolver uma política nesta matéria,
em 1974. O programa REMPLOD (Reintegration of Emigrant Man-
power and Promotion of Local Opportunities for Development) tinha
como principal objectivo testar formas a partir das quais os migrantes
pudessem contribuir para o desenvolvimento dos seus países de origem e
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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
assim combater as causas da emigração. Foi implementado um programa
que apoiava financeiramente o retorno de migrantes que desenvolvessem
iniciativas empresariais, e em paralelo foram estabelecidos acordos bila-
terais com países emissores, como Marrocos, Tunísia e Jugoslávia para o
desenvolvimento de projectos nos quais os migrantes retornados ocupas-
sem lugares de destaque. O REMPLOD terminou no final da década
de 80, e avaliado como uma iniciativa pouco eficaz, na medida em que
o seu fim último – encorajar o retorno e promover o desenvolvimento na
origem para diminuir a pressão migratória no destino – não foi, de todo,
alcançado. Actualmente, a política do governo holandês centra-se no re-
forço da coerência entre as políticas de migração e as de desenvolvimento
através de diferentes estratégias. Embora continuem a existir mecanismos
de apoio ao retorno, o enfoque é agora colocado na migração circular
entendida como um processo que beneficia, simultaneamente, o país de
origem, de destino e o próprio migrante. Foi criado um órgão consultivo
onde as associações de migrantes são chamadas a opinar sobre as políticas
de migração (particularmente no que diz respeito às questões da integra-
ção), mas também de desenvolvimento. E por fim, foi ainda incentivada
a diminuição do custo de transferência de remessas e encorajada a sua
utilização de uma forma produtiva nos países de origem (De Haas, 2006).
No Reino Unido, o Department for International Development (DFID),
há muito que desenvolve estudos que procuram identificar o impacto
das dinâmicas transnacionais dos migrantes no desenvolvimento dos
seus países de origem. Esse trabalho tem influenciado as políticas bri-
tânicas que assentam sobretudo na facilitação da transferência de re-
messas, entendidas como uma estratégia privilegiada para o combate à
pobreza nos países de origem. O papel das diásporas é claramente reco-
nhecido tendo sido criada, por iniciativa governamental, uma entidade
interlocutora junto das comunidades migrantes, a Connections for De-
velopment. Paralelamente, as actividades promovidas pelas associações
de migrantes em prol do desenvolvimento das respectivas comunidades
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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
de origem têm recebido um apoio financeiro significativo. A tónica é co-
locada na migração temporária, particularmente facilitada no quadro
dos países da Commonwealth.
Tal como a Holanda e o Reino Unido, também a França tem já uma
longa experiência de políticas que procuram interligar as dinâmicas
transnacionais dos migrantes e o desenvolvimento dos respectivos pa-
íses de origem. As primeiras iniciativas vêm ainda da década de 70,
assentes na promoção do retorno, complementado numa segunda fase
com o apoio à reinserção no país de origem, sobretudo através do apoio
técnico e financeiro a iniciativas empresariais. Em 1997, estes progra-
mas adquiriram um sólido corpo teórico através do trabalho de Samir
Nair e a emergência do conceito de co-desenvolvimento. O co-desen-
volvimento sustenta que os migrantes têm um papel fundamental para
o desenvolvimento dos seus países de origem, que se pode traduzir no
retorno assistido, em dinâmicas de migração temporária ou circular, em
projectos de desenvolvimento de iniciativa de associações de migrantes
ou nas tradicionais remessas. A perspectiva utilitarista dos migrantes
e a subordinação das políticas de cooperação ao controlo dos fluxos
foram as principais críticas levantadas à implementação da teoria do co-
-desenvolvimento. Progressivamente, a política francesa de co-desenvol-
vimento foi redireccionada, tendo como prioridades actuais: (1) facilitar
o envio das remessas e promover o seu uso em actividades produtivas e
(2) mobilizar as elites da diáspora em prol do desenvolvimento dos seus
países de origem. Por fim, por iniciativa do Estado francês foi criada
uma Plataforma de Associações de Migrantes que entre outras activi-
dades funciona como órgão consultivo junto do Alto Conselho para a
Cooperação Internacional e da Comissão da Cooperação para o De-
senvolvimento (De Haas, 2006).
Em países com um perfil de imigração mais recente, como no caso de
Itália ou Espanha, tanto a reflexão como as práticas políticas neste cam-
po encontram-se menos desenvolvidas. No caso italiano, não existe uma
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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
coerência de políticas ao nível nacional, sendo que as iniciativas existen-
tes são promovidas no quadro regional. Existem algumas actividades
desenvolvidas em parceria entre as autoridades locais e as associações
de migrantes, que incluem a criação de bases de dados, apoio financei-
ro a iniciativas empresariais, a cooperativas agrícolas e a canalização
de remessas para iniciativas de micro-crédito. Em 2005, o Ministério
dos Negócios Estrangeiros italiano criou o projecto “Desenvolvimento
& Circuitos Migratórios: Pesquisa, Trabalho em Rede e Iniciativas Pú-
blicas para Capitalização de Sinergias entre a Gestão das Migrações e
a Cooperação para o Desenvolvimento”. Esta iniciativa assenta em três
estratégias, (1) parcerias transnacionais para o co-desenvolvimento; (2)
migração e bem estar transnacional e (3) gestão sustentável das migra-
ções em África, tendo como ponto de partida a investigação sobre as
dinâmicas transnacionais dos migrantes, a promoção de redes e a infor-
mação e sensibilização da sociedade italiana para a temática.
No caso de Espanha, tal como em Itália, as iniciativas e políticas exis-
tentes encontram-se descentralizadas, sendo as regiões com maior nú-
mero de imigrantes as que apresentam maior dinamismo nesta área.
Alguns projectos têm sido desenvolvidos com ONG, autoridades locais
e associações de migrantes, sobretudo na área de construção de infra-
-estruturas nos países de origem das comunidades envolvidas. Por fim,
também o governo espanhol começa a demonstrar interesse no po-
tencial das dinâmicas transnacionais protagonizadas pelos migrantes:
o mais recente “Plan Director de la Cooperación Española” enfatiza
claramente a relevância da migração circular ou temporária para a me-
lhoria das condições de vida dos países de origem.
Também ao nível das organizações internacionais se verifica uma aten-
ção crescente ao tema. O PNUD foi a organização pioneira ao criar, em
1977, o programa TOKTEN (Transfer of Knowledge through Expatria-
te Nationals), considerado o mais antigo e mais bem sucedido programa
de transferência de competências, que tem por base uma lógica de mi-
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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
gração circular que não implica um retorno definitivo (De Haas, 2006).
Em cerca de 30 anos, o TOKTEN já colocou mais de 5000 migrantes
em cerca de 49 Países em Vias de Desenvolvimento. Os serviços prestados
são voluntários, em regime de consultoria, não exigindo uma permanên-
cia no país de origem superior a 2 meses. Como aspecto menos positivo
refira-se que a participação dos migrantes neste programa acaba restrin-
gido aqueles cujas situações profissionais e legais lhes permitem ausentar
do país de acolhimento pelo tempo necessário, bem como a disponibili-
dade financeira necessária para trabalhar pro bono.
O percurso da OIM nesta área foi menos linear. Durante mais de 20
anos, a OIM promoveu o Programa AVR (Assisted Voluntary Return),
a partir do qual mais de 3,5 milhões de migrantes regressaram para
cerca de 160 países. Este programa assenta no retorno definitivo e tem
servido principalmente para migrantes em situação irregular. Por isso,
as principais críticas ao AVR centraram-se na sua finalidade primor-
dialmente “reguladora” da imigração ilegal em detrimento da ligação,
aliás inexistente, com as questões de desenvolvimento. Já no virar do
século, a OIM lança o Programa MIDA (Migration for Development in
Africa), que aposta na “potential synergy between the profiles of African migrants
and the demand of countries, by facilitating the transfer of vital skills and resources
of the African diaspora to their countries of origin” (OIM, 2001). Não pressu-
põe o retorno definitivo, enfatizando sobretudo estratégias de retorno
temporário, de meio-termo ou virtual, que não prejudiquem o estatuto
legal do migrante no seu país de acolhimento. Ainda que menos critica-
do, o MIDA tem sido pouco apoiado do ponto de vista financeiro, pelo
que o seu impacto é bastante reduzido.
Já no quadro da União Europeia, têm sido notórias as dificuldades em
harmonizar uma “Política Migratória Comum” relativa a Estados Tercei-
ros, embora a questão permaneça no topo da agenda política da UE há
mais de uma década. Até recentemente, a articulação das questões do de-
senvolvimento com a migração era perspectivada numa lógica de regula-
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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
ção dos fluxos: “closer economic cooperation, trade expansion, development assistance
and conflict prevention are all means of promoting economic prosperity in the countries
concerned and thereby reducing the underlying causes of migration flows” (Conselho
Europeu, Sevilha, 2002). O objectivo primordial seria o de controlar as
fronteiras, expulsar os migrantes em situação irregular e promover o re-
torno definitivo. Neste âmbito, e claramente inspirada na primeira versão
do co-dévellopement francês, tanto os acordos económicos como as políticas
de cooperação para o desenvolvimento constituíam instrumentos que ti-
nham como fim último a diminuição da pressão migratória. No entan-
to, em 2005, na sua comunicação “Migration and Development: some
concrete orientations”, também a Comissão reconhece a ligação indis-
sociável entre migração e desenvolvimento, ao propor um conjunto de
medidas concretas que procuram articular os dois processos: a facilitação
das remessas, o encorajamento da migração circular e da circulação de
“cérebros”, a diminuição do brain drain e o reconhecimento formal do po-
tencial das diásporas, incluindo a promoção de órgãos representativos das
comunidades migrantes quer junto dos governos dos Estados-Membros,
quer junto das instituições europeias.
Como se verifica, são diversas as reflexões, as políticas e as estratégias
encetadas pelas organizações internacionais e pelos vários Estados-Mem-
bros em matéria de migração e desenvolvimento na medida em que fo-
ram determinadas por culturas políticas, perfis migratórios, relações com
países terceiros e entendimentos do processo distintos. Apesar das diferen-
ças, é possível identificar algumas tendências comuns. A tónica transferiu-
-se progressivamente do retorno, mesmo que assistido, para a migração
circular ou temporária. Há tentativas, mais ou menos interventivas, de
baixar os custos das transferências dos migrantes e de fomentar o seu uso
em actividades produtivas. Multiplicam-se as iniciativas governamentais
para criar e encontrar interlocutores junto das associações de migrantes
para as questões da integração e do desenvolvimento. E, por fim, porque
aumenta o reconhecimento da pertinência científica e política da relação
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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
entre migração e desenvolvimento, enfatiza-se a necessidade de aprofun-
dar o conhecimento teórico e empírico sobre as dinâmicas transnacionais
promovidas pelos migrantes e sobre a natureza e dimensão dos seus im-
pactos no desenvolvimento dos países de origem.
1.2 Enquadramento Específico
O perfil migratório de Portugal é claramente marcado pelo seu passado
colonial, constituindo por isso um destino de eleição para os imigrantes
oriundos dos PALOP e do Brasil, ainda que esta tendência tenha sido
diversificada pelo recente incremento da migração com origem nos pa-
íses da Europa de Leste. No entanto, Portugal mantém-se ainda e pre-
dominantemente um país de saída.
Possuindo esta dupla vocação, e integrado num espaço comunitário
alargado e na CPLP, são numerosos os desafios mas também as po-
tencialidades com que o país se depara. E embora desde há muito os
migrantes, num e noutro sentido, sejam verdadeiros eixos de ligação
que aproximam Portugal do mundo, o reconhecimento do seu potencial
enquanto actores de desenvolvimento e de reforço das relações entre
Portugal e outros países é bastante recente.
Data de 2005 o reconhecimento formal por parte do Estado Português
do impacto que as dinâmicas transnacionais desenvolvidas pelos mi-
grantes podem ter nos seus países de origem. No documento “Uma
Visão Estratégica para a Cooperação Portuguesa” refere-se que “as
associações de imigrantes são outro actor frequentemente esquecido.
Contudo, trata-se de agentes que em muitos casos, para além de serem
fontes de recolha de dados sobre potencialidades na prossecução des-
tes objectivos, desenvolvem projectos de cooperação para o desenvolvi-
mento com os seus países de origem e que devem ser enquadrados em
estratégias de coordenação. As associações de imigrantes, em particular
19
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
as dos PALOP, são agentes que promovem a capacitação e promoção
económica dos seus países de origem”1.
Também no quadro da CPLP esta temática começou recentemente
a ganhar protagonismo. Na Conferência dos Chefes de Estado e de
Governo dos Países de Língua Oficial Portuguesa que teve lugar em
Bissau, em Julho de 2006, foi considerado que “o papel das diásporas
no processo de desenvolvimento (...) dos países de origem está a ga-
nhar crescente importância política e económica”, e “que a migração
cria possibilidades do desenvolvimento do capital humano nos países
de origem por meio de fluxos de migração circular”, ou ainda “que a
integração nos países de acolhimento deve ser encarada nas suas várias
vertentes (...) e como factor essencial para o envolvimento das diásporas
no desenvolvimento do país de origem”, decidindo-se encorajar “os pa-
íses de origem e de acolhimento a identificar e implementar estratégias
concretas e transversais de envolvimento das suas diásporas nos seus
processos de desenvolvimento”.
Apesar do crescente interesse manifestado pela temática, carece-se de
informação substantiva e contextualizada que permita, antes de mais,
conhecer as modalidades de transnacionalismo desenvolvidas pelos
migrantes que habitam no espaço lusófono. Como refere o actual Se-
cretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação “a fa-
cilidade de comunicações e transportes, que é um dos aspectos mais
significativos da época contemporânea, produz a necessidade de uma
colaboração mais intensa entre todas as partes envolvidas, e uma forte
preocupação com a informação recolhida e a sua análise” 2 onde refere
??. Esse conhecimento deverá assim ser objecto de uma reflexão não só
teórica como também política que suporte o desenvolvimento de me-
didas concretas que permitam potenciar o capital económico e político
1 Uma Visão Estratégica para a coopEração portUgUEsa, Cooperação Portuguesa, Mi-nistério dos Negócios Estrangeiros, 2005, pp.47/48.2 Cravinho, João (2006), “A Lusophone Community, Multinational Alliances, Multiple Belongins, paper apresentado na Conferência Metropolis, Lisboa, 5 de Outubro de 2006
20
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
que Portugal possui, tanto no quadro das relações com a CPLP, como
no contexto da União Europeia.
Um dos instrumentos que se encontra já a ser desenvolvido é um en-
quadramento para a migração circular no espaço da CPLP, que procura
flexibilizar a movimentação de trabalhadores, reconhecido que é o seu
poder de transferência de conhecimentos e capacidades. A preocupação,
por parte do actual Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e
da Cooperação, em articular as políticas de educação e formação com
a nova lei da imigração, é mais um exemplo do amadurecimento que a
questão começa a adquirir no panorama nacional.
O protagonismo da temática foi claramente confirmado ao surgir des-
tacado nas prioridades definidas pelo Governo Português para a Presi-
dência da UE, no 2º semestre de 2007, para a área do Desenvolvimen-
to. Juntamente com a questão dos Estados Frágeis, foi seleccionada a
temática “Migrações e Desenvolvimento”, centrada no “aumento da
coerência das políticas de migração e desenvolvimento”. O objectivo
era “promover uma gestão global eficaz dos fluxos migratórios, abran-
gendo a sua natureza multidimensional – internacional, regional e na-
cional – e maximizar os benefícios potenciais das migrações”. E ain-
da que “será dada particular atenção ao potencial das comunidades
imigrantes para o desenvolvimento dos seus países de origem, tendo
em consideração o papel das diásporas e a necessidade de apoiar uma
capacidade institucional dos fluxos migratórios e de refugiados Sul-Sul,
que afectam especialmente alguns países africanos.”3
Ainda assim, quando comparado com outros países europeus, constata-se que
Portugal ainda tem um longo caminho a percorrer nesta matéria. Mas o cres-
cente enfoque político aliado ao recente desenvolvimento de investigações cien-
tíficas centradas na questão “migração e desenvolvimento”, demonstram que
o país se encontra no momentum ideal para abraçar e para evoluir neste desafio.3 Programa de 18 Meses da Política de Desenvolvimento das Presidências da UE da Alemanha, Portugal e Eslovénia.
21
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
2. MIGRAÇÃO E DESENVOLVIMENTO
A história da migração é tão antiga como a da Humanidade. Os primei-
ros espécimes humanos deslocavam-se recorrentemente, em busca de
condições de vida mais favoráveis. O nomadismo – de maior ou menor
escala e periodicidade - foi o garante de sobrevivência da espécie por
muitos séculos. E mesmo os novos estilos de vida trazidos pela revolução
agrícola e pelo sedentarismo que esta permitiu não impediram que as
populações se continuassem a deslocar até hoje.
Milhares de anos passados e muito pouco mudou. Hoje, como dantes,
as pessoas deslocam-se em permanência. De diferentes naturezas, mo-
tivações, origens, destinos e graus de voluntarismo, as migrações são,
inquestionavelmente, companheiras de jornada no trilho da História
da Humanidade. E ainda que diferentes regiões do planeta tenham sido
afectadas de forma distinta pelos movimentos migratórios, um facto é
inquestionável: nenhuma ficou de fora.
2.1 Uma epistemologia histórica das migrações
Ainda que sempre tenham tido representatividade e impacto, as migra-
ções nas suas diferentes versões, só adquiriram protagonismo político e
“corpo” nas ciências sociais a partir de meados do séc. XIX. Essa época
é um marco fundamental para as migrações, não porque seja um mo-
mento de viragem nas dinâmicas migratórias propriamente ditas, mas
sim porque nele se inscreve um outro processo, que hoje percebemos
como estrutural para a percepção e estruturação dos fenómenos migra-
tórios desde então e até aos dias de hoje: o nascimento, institucionaliza-
ção e difusão do modelo de Estado-Nação.
22
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
O período que medeia entre 1870 e a Iª Guerra Mundial foi, segundo
Wimmer e Glick Schiller (2003:586), “a time that was simultaneously one of
nation state building and of intense globalization”. A consolidação e difusão da
revolução industrial criaram uma prosperidade económica sem prece-
dentes, à qual a recém criada classe trabalhadora respondia segundo as
leis de mercado: deslocando-se para onde havia deficit de mão-de-obra.
A percepção dos processos migratórios nesta fase torna-se clara quando
se analisa a primeira abordagem sistemática no estudo das migrações,
realizada por Ravenstein, em 1889. O autor não distingue, para fins
analíticos, entre migrações internas e migrações internacionais. Na ver-
dade, ambas são perspectivadas como sendo o mesmo fenómeno, regi-
do pela mesma dinâmica e orientação: das regiões mais pobres para as
mais ricas; dos meios rurais para os urbanos (Ravenstein, 1889:286)1.
A génese do Estado-Nação, exactamente neste contexto, “would dramati-
cally affect migration and alter the way in which social scientists thought about migra-
tion” (Wimmer e Glick Schiller, 2003:587). É o nascimento das migrações
internacionais tal como as entendemos hoje. E com elas, finda o princípio
“cívico” de cidadania, gerado no Iluminismo e materializado nas Revo-
luções Americana, Francesa e Haitiana, em que se considerava como ci-
dadão todo aquele que partilhava os mesmos direitos e obrigações num
determinado território. O Estado-Nação traz consigo o princípio “étni-
co” e/ou “racial” da cidadania, e a pertença cidadã surge alicerçada na
partilha de uma origem, de uma história e de um território comuns.
À medida que se confirma a transição da lógica cívica para a lógica na-
cionalista da cidadania, a par e passo com a consolidação da ideia base
do Estado-Nação – um território, um povo, uma cultura – a percepção
da migração começa a ganhar novos contornos. Embora continue sem
restrições no dealbar do século XX, a migração começa a ser entendida
como um desafio à lógica de unicidade e homogeneidade que se dese-
1 Ravenstein, E.G. (1889), “The Laws of Migration”. Second Paper, JoUrnal of rE-gional statistical sociEty, 52 (2), pp.241:30
23
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
nhou nesse novo entendimento do mundo, dividido em múltiplos povos,
compartimentados em Estados-Nação.
A Iª Guerra Mundial pôs fim a esse período de intensa circulação de
pessoas. O mundo de 1918, devastado económica e demograficamente,
via surgir novos Estados-Nação, fechava vigorosamente as suas fron-
teiras, e afirmava de forma cada vez mais intransigente as afiliações
nacionais. O sucesso da Revolução Russa, a Grande Depressão e a as-
cendência de regimes totalitários na Europa confirmaram a plausibi-
lidade da unidade nacional, que se afirmava contra o estrangeiro, o
“outro” ameaçador. Surgem os sistemas de controlo formal de frontei-
ras, são criados os vistos de entrada e os passaportes – surgindo assim,
formalmente, a figura do imigrante irregular. Wimmer e Glick Schiller
(2003) consideram que o período iniciado na Iª Guerra Mundial e que
se arrastou até ao dealbar da Guerra Fria, confirmou o Estado-Nação
como unidade de referência central, inclusive para as ciências sociais,
e encontra o seu corolário, no que diz respeito à migração, na teoria
produzida pela Escola de Chicago: “they established a view of each territorialy
based state as having its own, stable population, contrasting them to migrants who
were portrayed as marginal men living in a liminal state, uprooted in one society and
transplanted into another” (2003:591). É também este o contexto em que se
desenvolvem as primeiras teorias assimilacionistas. A migração é agora
vista como uma ameaça à harmonia e à homogeneidade social, cultural
e política inerente à unidade naturalizada que é agora o Estado-Nação.
E, por fim, “even the fact that there had been a period of free labour migration (…)
was soon forgotten” (idem, 2003:592).
A Guerra Fria contextualiza uma terceira fase na epistemologia históri-
ca das migrações. Esta fase compreende não só a consolidação dos mo-
delos de Estado-Providência na Europa, mas também a consolidação
de blocos ideológicos, o que agudizou os controlos de fronteiras. Nesse
mundo bipolar, a migração tornou-se ainda mais problemática, pois “to
cross the Iron Curtain, one had to be a political refugee” (Wimmer e Glick Schil-
24
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
ler, 2003:593). Mesmo os países que necessitavam fortemente de mão-
-de-obra viravam-se para as suas antigas colónias, para outros países
europeus, ou no caso dos Estados Unidos, para os seus países limítrofes.
È criada e banalizada a figura do “trabalhador-convidado”. Esta noção,
com a inerente alienação do migrante como ser também cultural, social
e político, demonstra claramente a consolidação de uma estratégia que
permitia satisfazer “the needs of industry while minimizing the challenge to the
concept if not the practice of national closure, naturalized and normalized by social
science” (Wimmer e Glick Schiller, 2003:593).
Os movimentos sociais que puseram fim à segregação racial nos Esta-
dos Unidos marcam o fim de uma era e tiveram também ecos do outro
lado do Atlântico. Juntamente com as crises petrolíferas do início da
década de 70 indiciam o início de um novo período, caracterizado pelo
final da Guerra Fria e por uma intensa globalização, sem precedentes
na História, com os consequentes impactos nas dinâmicas migratórias.
Hoje, as migrações colocam problemas e desafios de uma complexi-
dade e amplitude sem precedentes. À medida que se afirma a retórica
do Estado-Nação – mesmo com a consolidação de instituições supra-
-nacionais, como a União Europeia ou talvez por isso mesmo – insti-
tuem-se os movimentos anti-migração, que dão respostas simplistas a
problemas que se foram tornando estruturais nas sociedades desenvolvi-
das. Assim, em paralelo com políticas de migração “zero”, com a inter-
rupção abrupta dos programas de “trabalhadores-convidados” e com o
discurso da racionalização e gestão dos fluxos, persiste a incontornável
necessidade de mão-de-obra, quer qualificada, quer indiferenciada, nos
países desenvolvidos, e, acima de tudo, acentuam-se as desigualdades
no acesso a oportunidades e na qualidade de vida – o eterno motor dos
processos de migração.
Em 2005, os processos migratórios envolviam directamente 200 milhões
de pessoas, correspondendo a 2,9% da população mundial (GCIM,
25
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
2005:80). Em termos percentuais, este valor não difere do que se ve-
rificava no início do séc. XX. Assim sendo, embora “the public interest in
migration in the early 1990s represented a shift in perception rather than in the real
significance of the phenomenon” (Castles, 2000:1144), o que há de novo nas
migrações contemporâneas, que levou autores como Castles e Miller
(2003) a designar o mundo contemporâneo de “era das migrações”?
Acima de tudo, mais do que uma mudança no processo, houve sobre-
tudo uma mudança de contexto. E esse novo contexto, cujos contornos
ainda se estão a definir e cujas implicações só agora se começam a tor-
nar perceptíveis, é de forma generalizada designado por globalização.
2.2. Migração e Globalização
Mesmo os defensores das teorias de Wallerstein concordarão que talvez
antes o mundo tenha sido atravessado por processos de globalização,
mas nunca de forma tão profunda e tão velozmente como agora. E nun-
ca, em épocas anteriores, foi esse processo de mudança tão transversal
como é hoje. “There is a general consensus that contemporary globalization proces-
ses seem more potent in their degree of penetration into the rhythms of daily life around
the world” (Held et al, 1999). Portanto, embora não seja novo enquanto
fenómeno, o processo de intensa globalização que o mundo atravessa
desde o início da década de 70, consubstancia um novo contexto que
resulta, mas que é simultaneamente causador, das migrações actuais.
Como nota Castles, a interconexão entre globalização e migração é
tão veemente “that it makes it vital to understand the causes and characteristics of
international migration as well as the processes of settlement and societal change that
arise from it” (2002:1144).
O conceito de globalização pode ser definido de uma forma bastante
simplista como a “proliferation of cross-border flows and transnational networks”
(Castles, 2002:1143). No entanto, como faz notar o mesmo autor “glo-
26
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
balization is not just an economic phenomenon: flows of capital, goods and services
cannot take place without parallel flows of ideas, cultural products and people” (Cas-
tles, 2002:1146). A migração é portanto, um elemento sistémico desta
equação, tal como sempre foi. Fases de intensa globalização decorre-
ram sempre em paralelo com grandes movimentações de populações.
E assim sendo, tal como a migração também a globalização questiona
profundamente alguns dos aspectos estruturantes do Estado-Nação,
uma vez que implica uma mudança na lógica de compreensão do mun-
do, “from a space of places to a space of flows” (Castells, 1996:Ch.6).
A forma como as migrações contemporâneas se articulam com o con-
texto de globalização actual pode ser explicada em larga medida a par-
tir dos elementos que a consubstanciam: os avanços tecnológicos nos
meios de comunicação e nos transportes, que os tornam acessíveis, rá-
pidos e/ou imediatos; a liberalização e autonomização do capital, que
agora transcende a esfera de acção do Estado-Nação e a consequente
desterritorialização dos meios de produção; a ascensão dos mass media
como “quinto poder” e a penetração de modelos de vida alternativos
nas sociedades a uma velocidade e com uma intensidade sem prece-
dentes; o desenvolvimento de organismos e de movimentos mundiais
– materializando a constatação de que num mundo tão interconectado
como este, problemas e soluções têm, uns e outros, uma dimensão pla-
netária… para referir apenas os mais imediatos.
Neste contexto, as migrações actuais:
1. Tendem a aumentar em número absoluto não só porque as dis-
paridades a nível económico e social entre países pobres e ricos
permanecem, mas também porque os fluxos de comunicações o
incentivam e porque a penetração de diferentes estilos de vida cria
novas expectativas junto das populações;
2. São também Sul - Norte, embora a maioria continue a ser Sul - Sul2
2 A este respeito ver Bakewell e de Haas (2007)
27
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
3. Adquirem novas lógicas, que transcendem a dicotomia do retorno
vs migração definitiva, uma vez que os desenvolvimentos nos trans-
portes incentivam migrações temporárias, circulares e repetidas
(Castles, 2002: 1146);
4. Podem ser experienciadas de uma forma inédita, sendo crescente o
número de migrantes que estrutura a sua vida em articulação com
familiares e/ou eventos em dois ou mais países (Castles, 2002:1146);
5. São impossíveis de gerir de uma forma unilateral, antes exigindo a
concertação entre os diversos actores envolvidos: Estados de origem
e de destino, mas também de trânsito; sociedades civis e governos
nuns e noutros; as próprias comunidades migrantes;
6. São influenciadas quer por acontecimentos globais (criação ou dis-
solução de blocos políticos ou regionais, crises financeiras, conflitos
e terrorismo) quer por entidades de natureza internacional, como as
grandes empresas ou as organizações internacionais (FMI, ONGD,
Banco Mundial, …);
7. Renovam os desafios às lógicas de integração, assimilação ou de
multiculturalismo, por um lado; mas também de capital humano,
gestão de remessas ou dinâmicas familiares, por outro…ou, em
suma, aos processos de Desenvolvimento;
8. Têm impacto a nível global – os processos migratórios afectam
não só sociedades de acolhimento e de destino, mas num mundo
interconectado, afectam os países limítrofes, os países em trânsito,
os países com quem existem relações; e são transversais a todos os
domínios das sociedades;
9. Influenciam outras áreas de política, determinam acordos entre Es-
tados, lógicas de Cooperação para o Desenvolvimento, estratégias
de política externa, …;
10. Interpelam as democracias ocidentais e o seu sentido Humanista,
enfatizando as responsabilidades colectivas, à semelhança de ques-
tões como o Ambiente ou o Nuclear.
28
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
Espelho e condutor das sociedades em que se inscrevem, as ciências
sociais não permaneceram indiferentes às mudanças, oportunidades e
ameaças trazidas pelo actual processo de globalização. Passada uma
vaga inicial que preconizava a globalização como o fim do Estado-
-Nação (Soysal, 1994) e que contrastava este mundo globalizado como
algo de híbrido e complexo por oposição à homogeneidade cultural do
antigamente (Wimmer e Glick Schiller, 2003), começam a cristalizar-
-se algumas ideias-chave. Estabiliza-se a ideia de que os Estados-Nação
continuam a ser actores fundamentais no mundo actual, ainda que tres-
passados por dinâmicas transfronteiriças; reconhece-se a coexistência
da multiplicidade de lealdades e de identidades pluri-referenciadas dos
migrantes que não são forçosamente, mutuamente excludentes; e reco-
nhece-se a necessidade de quadros conceptuais mais alargados para a
compreensão de fenómenos com causas e consequências crescentemen-
te mais complexas.
2.3. Origens, tipos e modos de incorporação actuais
Tal como discutido no ponto anterior, é evidente que a intensidade
e direcção dos movimentos migratórios não podem ser dissociadas do
sistema mundial económico e político que influencia a vida de todos os
indivíduos. Decisões tomadas por governos, por agências de desenvol-
vimento ou por organizações internacionais determinam a vida de pes-
soas a milhares de quilómetros de distância – quer falemos de subsídios
à agricultura, de investimentos económicos, da criação de empresas ou
da protecção de direitos humanos.
Os três tipos de migração tradicional continuam a ser esmagadora-
mente representativos: a migração económica altamente qualificada,
a migração económica indiferenciada e os movimentos de refugiados,
também denominados de migração forçada (Castles, 2002). Destes, de-
29
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
correm também os processos de reunificação familiar. Embora estes
sejam os tipos clássicos de migração, hoje em dia esta categorização
é sobretudo um exercício teórico, uma vez que as condições actuais
fazem com que “all forms of migration have become closely linked and interde-
pendent. Officialy encouraged flows tend to stimulate irregular movements. Permanent
and temporary migration cannot be separated and tend to stimulate each other” (Cas-
tles, 2002:1153).
Igualmente desafiantes, os modos de incorporação actuais são distin-
guíveis do ponto de vista teórico, mas bastante opacos na maior parte
dos casos, na prática. Entre as diversas tipologias possíveis, a de Castles
(2002), considera três tipos: a assimilação; a exclusão diferencial (ou in-
tegração parcial) e o multiculturalismo.
Enquanto teoria, a assimilação encontra as suas primeiras formulações
conceptuais na Escola de Chicago na década de 40, pressupondo uma
natural “diluição” dos migrantes na sociedade de acolhimento ao longo
do tempo. O grau de assimilação dos migrantes decorria da relação
de proximidade da sua raça (race) com a do país de acolhimento (Park,
1950). Hoje, “assimilation means encouraging immigrants to learn the national
language and to fully adopt the social and cultural practices of the receiving country.
This involves a transfer of allegiance from the place of birth to the new country and
the adoption of a new national identity” (Castles, 2002: 1155).
Um outro modo de incorporação é a exclusão diferencial, também deno-
minada de integração parcial. Segundo esta perspectiva, o migrante deve
integrar-se numa parte, mas não em todas as dimensões da sociedade de
acolhimento, e tendencialmente de uma forma temporária: “It means that
migrants are integrated temporarily into certain societal sub-systems such as the labour
market and limited welfare entitlements, but excluded from others such as political par-
ticipation” (Castles, 2002:1155). É o modelo subjacente aos programas de
trabalhadores convidados na Europa do pós IIª Guerra Mundial, à lógica
de gestão de fluxos migratórios através de quotas e é também a aborda-
30
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
gem que justifica que os migrantes não tenham acesso a determinados
direitos, como por exemplo o exercício do voto.
O terceiro modo de incorporação definido pelo autor é o de multicul-
turalismo ou pluralismo étnico. Surgiu na década de 70, na sequência
do fracasso dos esforços de assimilação e das consequências inesperadas
dos programas de trabalhadores convidados, que tendiam ao sedenta-
rismo e ao reagrupamento familiar. O multiculturalismo “implies abando-
ning the myth of homogenous and mono-cultural nation-states. It means recognizing
rights to cultural maintenance and community formation, and linking these to social
equality and protection from discrimination” (Castles, 2002:1156).
Os três modos de incorporação enunciados têm em comum a ideia de
que a migração não deverá acarretar mudanças significativas no teci-
do sociocultural das sociedades de acolhimento, tendo assim implícita
uma perspectiva unilateral da integração dos migrantes. E embora na
prática as migrações tenham impactos substanciais ao nível demográ-
fico, económico, político, social e cultural, há uma certa resistência em
reconhecer o potencial de evolução resultante. Por esta razão, mesmo
o modelo do multiculturalismo alicerça-se na coexistência pacífica das
diferenças socioculturais entre as comunidades em presença, mas não
na sua interacção ou síntese. Outros modos de incorporação mais so-
fisticados, como a interculturalidade3, estão longe de ser comuns, quer
nos discursos quer nas práticas, embora haja já algumas tendências re-
levantes nesse sentido, oriundas em particular do Conselho da Europa.
3 Propondo-se como definição de interculturalidade: “o reconhecimento das di-ferenças, promoção e integração dos diversos actores. Não se trata de uma assi-milação ou de um abandono de valores de um grupo a favor de outro, mas de uma dinâmica de confrontação e de síntese. Assim, as identificações num contexto de interculturalidade não conduzem a uma sobreposição de identidades étnicas mas à negociação de múltiplas afinidades e oposições, de proximidade e de distância, para constituírem uma nova realidade portadora de identidade”, in Dictionaire de l’alterité et des relations multiculturelles.
31
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
2.4 Perspectivas teóricas sobre Migração e Desenvolvimento
O discurso produzido em torno do binómio migração e desenvolvimen-
to quer na academia quer na política, tem sido até à data maioritaria-
mente pautado por uma lógica economicista e centrado na perspectiva
do país de acolhimento. Assim sendo, quando se procura reflectir sobre
a ligação entre migração e desenvolvimento de uma forma integrada e
contemplando os vários actores do processo, deparamo-nos com uma
surpreendente ausência quer de dados credíveis, quer de um modelo
que relacione as várias dimensões da migração com o desenvolvimento,
como notou o DFID (2004) “it was noticeable that several experts witnesses
(...) were unable to provide an evidence based answers to what one would think were
basic questions” (DFID, 2004: 25).
Porém, se nos cingirmos à dimensão estritamente económica dos proces-
sos de desenvolvimento, é possível avançar com alguns dados estatísticos.
Por exemplo, os fluxos globais anuais de Ajuda Pública ao Desenvolvi-
mento rondam os 63 US$ biliões por ano. Segundo as estimativas das
Nações Unidas, os Objectivos do Milénio poderiam ser alcançados se este
valor atingisse os 100 US$ biliões por ano. Uma ligeira flexibilização das
normas de deslocação de pessoas, aumentando a proporção de migrantes
para os 3% nos países desenvolvidos, geraria ganhos globais na ordem
dos 150 US$ biliões. Se considerarmos ainda as remessas, os montantes
enviados pelos migrantes por canais oficiais rondam os 93 US$ por ano.
Incluindo as estimativas em torno dos canais informais, este valor ascende
aos 300 US$ biliões por ano (DFID, 2004).
O Relatório sobre o Desenvolvimento Humano do PNUD (2009) con-
firma que “o grosso dos benefícios recai sobretudo nos indivíduos que
migram, mas uma parte vai para os residentes do local de destino, assim
como para aqueles no local de origem, através de fluxos financeiros e
não só. Em pesquisas realizadas para este relatório, as estimativas apu-
32
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
radas com base num modelo de equilíbrio geral da economia mundial
sugeriram que os países de destino teriam cerca de um quinto dos be-
nefícios a partir de um aumento de 5% no número de migrantes nos
países desenvolvidos, ascendendo a cerca de 190 mil milhões de dólares
americanos” (p.84).
O mesmo Relatório avança com factos que questionam uma das ques-
tões mais delicadas da migração e desenvolvimento no país de destino,
nomeadamente o impacto da imigração na disponibilidade e qualidade
do emprego. Segundo Ortega and Peri (2009), num estudo que abran-
geu 14 países da OCDE, entre 1980 e 2005, “a imigração aumenta o
emprego, não havendo evidências de que haja pressões sobre a popu-
lação local”, inclusive durante tempos de crise económica (p.84). Em
momentos de estabilidade económica, a imigração contribui para criar
emprego. Os dados revelam que na sequência da chegada de 10 imi-
grantes, o mercado de trabalho expande-se para 17, ou seja, criam-se
7 postos adicionais de trabalho que podem agora ser ocupados pela
população local (Ortega e Peri, 2009: 27). Em termos de produção de
riqueza, a relação é igualmente positiva: um aumento de 1% na popu-
lação migrante leva a um aumento de 1% no PIB per capita, em tempos
de estabilidade económica. Em momentos de estagnação económica
a mesma percentagem de aumento da população migrante leva a um
aumento de 0,6% no PIB (idem:28). Na prática, a imigração aumenta
as economias dos países de acolhimento, sem que se verifique qualquer
impacto negativo nos salários ou na produtividade laboral, tanto no
curto prazo (1 ano) como a médio prazo (5 anos), (Ortega e Peri, 2009:
28). Os sistemas fiscais também beneficiam, havendo um retorno positi-
vo que advém das contribuições dos migrantes, por um lado, e por um
baixo uso dos serviços de protecção social, por outro. Por último, tam-
bém o impacto da migração na capacidade de inovação dos Estados de
acolhimento é igualmente positivo. Investigações realizadas nos Estados
Unidos, por exemplo, revelam que um aumento de 1,3% na taxa de
33
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
licenciados migrantes correspondeu a um aumento de 15% no número
de patentes per capita (PNUD, 2009:84).
Remessas e Desenvolvimento
Os montantes das remessas atraíram desde há muito as atenções, ha-
vendo já um debate político substantivo, bem como um construto teóri-
co desenvolvido em torno do impacto das remessas no desenvolvimento
dos países de origem. Em síntese, poderão ser articuladas duas perspec-
tivas de fundo: a “escola optimista” e a “escola pessimista” (Alarcón,
2000:29). Existem diferenças significativas entre ambas as correntes,
também do ponto de vista metodológico, uma vez que a “escola pes-
simista” recorre predominantemente a métodos etnográficos e a “opti-
mista” aos métodos quantitativos.
O conjunto de dados empíricos (Alarcón, 2000) que sustentam a “escola
pessimista” aponta em três direcções. A primeira é a de que a maior
parte das remessas são gastas em bens de consumo e em diversão, não
promovendo o desenvolvimento de actividades económicas que permi-
tam romper com o ciclo de pobreza. A segunda, é que provoca dinâ-
micas de dependência, não só porque os que não migram sobrevivem
em grande medida a partir das remessas enviadas, mas também porque
tendem a não procurar formas suplementares ou substitutivas desses
rendimentos, contribuindo para anestesiar ainda mais as economias lo-
cais. Por fim, as remessas tendem a acentuar as desigualdades sociais
dentro das comunidades, porque nem todas as famílias são beneficiadas
da mesma forma, podendo mesmo ter efeitos inflacionários nas econo-
mias locais.
No outro extremo, situa-se a escola optimista. Autores como Durand,
Parrado e Massey (1996) defendem que a visão pessimista não confe-
re a importância merecida aos investimentos produtivos dos migrantes
34
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
nem toma em consideração o efeito indirecto das remessas na promo-
ção do desenvolvimento económico, através do estímulo ao consumo.
Também Zarate-Hoyos (1999) defende que os investigadores da escola
pessimista ignoram “the potential stimulus of remittances to indigenous industries,
which in turn generate a multiplier effect on aggregate demand, employment and capi-
tal investment in excess of the original expenditure”.
Adicionalmente, estes autores fazem notar que as remessas não são
utilizadas exclusivamente para aquisição de bens de consumo, mas
também, e muito mais frequentemente, em bens básicos. Famílias que
recebem remessas têm acesso facilitado a uma educação de melhor
qualidade, a cuidados médicos e a um apoio acrescido para superar as
dificuldades, sobretudo em contextos de grande fragilidade dos serviços
públicos como é o caso da Índia, Bangladesh, Filipinas e da própria
Guiné-Bissau.
No entanto, mesmo os defensores da escola “optimista” reconhecem
que apesar dos efeitos multiplicadores das remessas, elas não eliminam
no imediato as dependências de dinheiros ganhos no estrangeiro. Para
mais, o reconhecido “sindroma da migração” demonstra que as remes-
sas geradas pela migração efectivamente melhoram as condições de
vida, mas que em contrapartida também alimentam a necessidade de
manter essa qualidade de vida, pelo que provocam mais migração.
Migration hump
O “migration hump” constitui um dos modelos que procuram articu-
lar a migração com o desenvolvimento, ainda que numa perspectiva
estritamente economicista. Embora o conceito de desenvolvimento
subjacente ao modelo do “migration hump” seja entendido como sinó-
nimo de rendimento per capita, é ainda assim útil para a compreensão
da relação entre o nível de desenvolvimento de um país e a sua taxa de
35
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
emigração. O “migration hump” demonstra que a taxa de migração é
baixa quando o nível de desenvolvimento de um país é baixo. À medi-
da que o nível de desenvolvimento do país aumenta, aumenta também
o número de pessoas detentoras dos recursos necessários para migrar.
Todavia, existe um hiato entre o nível de desenvolvimento atingido, do
ponto de vista formal, e a sua tradução na qualidade de vida efectiva
e generalizada das populações e a consequente diminuição da pressão
migratória. Portanto, o aumento dos níveis de desenvolvimento incre-
menta, durante um período, as taxas de migração, porque torna possí-
vel que mais pessoas obtenham os recursos necessários para migrar. Só
quando o desenvolvimento estabiliza e se torna transversal à maioria
da população, é que as pressões para sair diminuem verdadeiramente.
Entre outras observações, o modelo de “migration hump” demonstra
que não são os mais pobres que migram. Migrar exige recursos. As pes-
soas pobres não têm recursos, incluindo os recursos financeiros e de ca-
pital social que são necessários para que a migração aconteça. A migra-
ção internacional só se torna uma opção para os migrantes detentores
de alguns recursos, porque “although international travel is cheaper and more
accessible than in any other time in history, the cost of a plane or a train ticket is still
beyond the reach of the majority of the world’s population” (DFID, 2004:20). Este
modelo constitui ainda um sólido argumento para questionar as abor-
dagens que defendem que a promoção do desenvolvimento económico
nos países pobres é uma panaceia para reduzir a pressão migratória.
Efectivamente, o modelo do “migration hump” revela que a migração
aumenta em paralelo com o nível de desenvolvimento económico, até
um determinado ponto. Por isso, é importante destacar, como notou o
DFID (2004), que a melhoria de outros factores como a governação, a
democracia ou a paridade de género, podem efectivamente reduzir os
factores de repulsão, “leading to a situation where migration is an informed choice
rather than a desperate option” (DFID, 2004:21).
36
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
Diásporas e Co-desenvolvimento
Segundo Castles (2000:269) “as migrações são frequentemente, o resul-
tado do desenvolvimento económico e social, (…) e podem contribuir
para o processo de desenvolvimento e melhores condições económicas
e sociais ou, alternativamente, ajudar a perpetuar a estagnação e a de-
sigualdade” (Castles, 2000:269).
Também o DFID (2004) notou que: “The benefits and costs of migration are
distributed, unevenly, between and within countries and social groups. The balance
and distribution of costs and benefits depends upon the nature of the migration in
question, and on the links that migration establishes between the places of origin and
destination”. Até há bem pouco tempo, estas ligações estabelecidas pelos
migrantes com as suas comunidades de origem eram vistas primordial-
mente sob um ponto de vista financeiro, materializado pelas remessas.
A existência e o significado de outro tipo de ligações – sociais, culturais,
políticas - só muito recentemente se tornaram alvo de interesse por par-
te das grandes organizações internacionais e da academia.
Segundo Orozco (2000:5), é no final da década de 90 que surgem os
primeiros ecos, vindos do Banco Mundial, que procuram interligar as
diásporas com os processos de desenvolvimento – em sentido alarga-
do. Dentro da estratégia do Banco Mundial, construída a partir dos
trabalhos de Amartya Sen (1999) e Nicholas H. Stern (2002), as diás-
poras surgem, simultaneamente, como agentes de desenvolvimento e
como destinatários dessa estratégia. É reconhecido o papel que podem
assumir na promoção do desenvolvimento das suas comunidades de
origem, o impacto das suas remessas e as transferências de know-how,
entre outros aspectos. As diásporas podem ser definidas como “sociopo-
litical formation, created as a result of either voluntary or forced migration, whose
members regard themselves as being of the same ethno-national origin and who per-
manently reside as minorities in one or several host countries. Members of such entities
maintain regular or occasional contacts with what they regard as their homeland and
37
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
with individual and groups of the same background residing in other host countries
(Sheffer 2003:10-11).
Nesta mesma linha surge o trabalho desenvolvido por Samir Nair, que
também no final da década de 90, desenvolvia em França o conceito de
co-desenvolvimento, que pressupunha “surtout à renforcer l’intégration (…)
tout en favourisant la solidarité active avec les pays d’origine, à créer les conditions
sociales pour aider les migrants potentiels à demeurer chez eux” (Nair, 1998:3). O
co-desenvolvimento perspectiva as dinâmicas migratórias numa lógica
de benefício mútuo, quer para o país de acolhimento, quer para o de
origem. Nair, tal como Stern, coloca as diásporas no lugar central na
condução dos processos de desenvolvimento, defendendo que “nulle for-
me d’aide (…) ne peut se substituer à l’action de l’immigré lui-même. Il est le coeur
et le corps vivant de l’opération” (Nair, 1998:4).
A proposta teórica de Nair foi alvo de críticas ferozes (Daum, 1998), e
a sua concretização ainda mais controvérsia gerou, precisamente junto
daqueles que seriam os seus principais actores: os migrantes e as suas
associações. Na perspectiva destes, as políticas de co-desenvolvimento
instrumentalizam a Ajuda Pública ao Desenvolvimento – e os próprios
migrantes – em prol de uma gestão controlada dos fluxos migratórios.
No entanto, apesar da polémica associada – ou até por isso mesmo -,
todo o debate em torno do conceito de co-desenvolvimento na Europa
e do papel das diásporas nos Estados Unidos teve o mérito de contribuir
para o reconhecimento da diversidade de laços que unem os migrantes
aos seus países de origem. Esta constatação alimentou a reflexão teórica
e influenciou as várias abordagens políticas que foram entretanto en-
saiadas, como referido no capítulo I.
Hoje, é possível compreender porque as migrações foram tão erronea-
mente geridas e interpretadas no passado e porque frequentemente as
políticas migratórias atingiram o contrário dos seus objectivos (Castles,
2002). Uma das razões deve-se aos princípios subjacentes à lógica do
38
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
Estado-Nação, “because border control is at the core of notions of sovereignty,
policymakers have often seen migration as something that could be turned on and
off like a tap in response to assumed national interests” (Castles, 2000). Outra
razão é a própria compartimentação disciplinar que tem sido apanágio
do seu estudo, cuja principal consequência é a fragmentação das inves-
tigações sobre migração e o fracasso em construir um corpo sólido de
conhecimento sobre a temática (Massey et al, 1998). Por fim, o engenho
humano. As migrações são processos colectivos que resultam das neces-
sidades e estratégias de sobrevivência das pessoas, cuja criatividade e
capacidade de contornar obstáculos é praticamente ilimitada.
Efectivamente, e mais do que nunca, as migrações contemporâneas inter-
pelam a responsabilidade da academia como construtora de saberes – e
de verdades. Implicam abordagens mais integradas, para lá das dicoto-
mias simplistas, “atracção-repulsão”. “origem-destino”, “sedentarismo-
-retorno”. E exigem metodologias de investigação articuladas e comple-
mentaridades e consensos entre tradições disciplinares. Fruto da necessi-
dade de dar resposta aos desafios colocados pelos processos das migrações
contemporâneas e do reconhecimento de que algumas das dinâmicas
associadas exigem lógicas e quadros de reflexão inovadores, têm vindo a
ser desenvolvidas novas abordagens e teorias. Juntamente com a Teoria
dos Mercados Duais ou Segmentados, a Nova Economia das Migrações
Laborais (NELM) e a Teoria das Redes, surge um novo paradigma, que
pretende ser o “passo seguinte” para o estudo contemporâneo das migra-
ções: o transnacionalismo migrante.
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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
3. TRANSNACIONALISMO MIGRANTE
O conceito de transnacionalismo migrante surgiu em 1992, a partir do
trabalho desenvolvido por Glick-Schiller et al (1992). Estas autoras de-
fendiam que as dinâmicas da migração contemporânea eram de tal for-
ma distintas das de épocas passadas e apresentavam características tão
inovadoras que se justificava a criação de novas referências conceptuais
para a sua compreensão. O conceito de transnacionalismo migrante
surge assim definido como “o processo através do qual os migrantes
criam espaços sociais que ligam o seu país de origem com o seu país
de acolhimento” (Glick Schiller et al, 1992:1), sendo os transmigrante
definidos como “imigrantes que constroem esses espaços sociais através
da manutenção de diversos tipos de laços afectivos e instrumentais que
trespassam fronteiras” (Basch et al, 1994, pág. 27).
Este conceito, bem como os seus actores e a natureza do processo que
denomina, tornou-se quase imediatamente e durante os anos que se se-
guiram, foco de intensa discussão. Mais de uma década passada, estabi-
lizaram-se alguns dos aspectos chave do conceito, tanto ao nível da sua
utilidade heurística, quer ao nível da sua metodologia de investigação,
nomeadamente:
- O conceito de transnacionalismo identifica actividades transfrontei-
riças protagonizadas por actores de base privados ou from below, distin-
guindo-se de outras actividades transfronteiriças from above, protagoni-
zadas por Estados ou por grandes empresas, denominadas de interna-
cionais ou multinacionais (Portes, 2004:75)
- O transnacionalismo migrante não é um novo fenómeno mas sim uma
nova perspectiva de investigação para o estudo das migrações, que per-
mite “realizar um trabalho analítico novo que é o de facultar um modo
40
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
de ver o que antes lá estava sem ser visto” (Smith, 2003:1)
- A migração não pressupõe, necessariamente, transnacionalismo. O
transnacionalismo é um processo multidimensional e dinâmico, que só
em determinadas circunstâncias transforma populações migrantes em
agentes dinamizadores e integrantes de um espaço social transnacional.
Baubock (2003:705) distingue entre migração como “basically an interna-
tional phenomenon insofar as it involves a movement of persons between the territorial
jurisdictions of independent states” e transnacionalismo, uma vez que este
movimento “becomes transnational only when it creates overlapping memberships,
rights and practices that reflect a simultaneous belonging to two different political
communities” (Baubock, 2003:705).
- As actividades consideradas transnacionais, embora de pequena di-
mensão, quando “realizadas com regularidade por um dado conjunto
de activistas, somadas às actividades pontuais de outros imigrantes, aca-
bam por resultar num processo de significativo impacto económico e
social para as comunidades e para as próprias nações em causa” (Portes,
2004:79)
- Embora “everyday transnational practices are not neatly compartmentalized nor
are their consequences” (Guarnizo, 2003: 669), para fins analíticos, podem
ser considerados três tipos de transnacionalismo, nomeadamente:
• Económico: centrando-se particularmente nas remessas e no em-
presariado transnacional, cuja actividade depende em grande
medida de um vai-e-vem de bens e/ou serviços entre países de
destino e acolhimento;
• Político: centra-se no desenvolvimento de actividades políticas,
particularmente o voto à distância, o apoio a partidos ou campa-
nhas políticas no país de origem ou actividades de lobby e advo-
cacy no país de acolhimento em prol do país de origem;
• Sociocultural: contempla as actividades de tipo cultural, que mantêm
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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
ou recriam as práticas da origem na diáspora e as actividades de tipo
filantrópico, como os projectos de desenvolvimento financiados pelos
migrantes e pelas suas associações nas comunidades de origem.
- O transnacionalismo joga-se, de forma articulada, com as dinâmicas
de integração e de pluralismo cultural, sendo um das formas de adap-
tação do migrante que “supplements the canonical concepts of assimilation and
ethnic pluralism” (Faist, 2000:29).
- O transnacionalismo implica a existência de capital social, que não
só suporta como explica a sustentabilidade e a intensidade dos laços,
nas suas diversas expressões, que ligam os migrantes aos seus locais de
origem bem como entre si na diáspora, e que alimentam “a high degree of
personal intimacy, emotional depth, moral commitment, social cohesion and continui-
ty in time” (Nisbet, 1966: 47).
- Metodologicamente, a unidade de investigação que mais se adequa
ao estudo do transnacionalismo é a de campo social transnacional que
inclui não só a comunidade migrante em si, mas também os governos
e sociedades civis, tanto dos países de origem como de acolhimento, na
sua relação dinâmica. A abordagem teórica que inspirou o título da pre-
sente investigação pode ser sintetizada da seguinte forma: “transnational
social spaces are sustained ties of persons, networks and organizations across the
borders, across multiple nation-states, ranging from little to highly institucionalized
forms” (Faist, 2000b:189). Será este exactamente o âmbito da presente
investigação, aplicada ao caso concreto dos migrantes guineenses em
Portugal.
42
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
43
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
4. ENQUADRAMENTO METODOLÓGICO
Sobre campos sociais transnacionais
Do ponto de vista epistemológico, o transnacionalismo coloca um gran-
de desafio às ciências sociais porque desfoca o referencial clássico da
investigação, o chamado nacionalismo metodológico. O nacionalismo
metodológico é “the tendency to accept the nation-state and its boundaries as a
given in social analysis” (Glick Schiller e Levitt, 2004:1007). Esta natura-
lização do Estado-Nação como unidade de análise confinou o âmbito
das investigações – mesmo as que se centram em torno dos processos da
globalização - às fronteiras dos Estados ou às relações entre estes (Beck,
2000). Ora, o transnacionalismo, também denominado por alguns au-
tores na área da ciência política, de pós-nacionalismo, pressupõe mais
do que o trespasse de fronteiras ou a conexão de pessoas ou Estados-
-nação. O transnacionalismo cria uma nova unidade de investigação
nas ciências sociais. Uma unidade que é delimitada não pelas fronteiras
formais dos Estados, mas sim pelas redes que unem os elementos que
as constituem, e que alguns autores denominaram de “campos sociais
transnacionais” (Glick Schiller e Levitt, 2004), ou de “espaços sociais
transnacionais” (Faist, 2000b).
À semelhança de Faist, também Guarnizo (2003), refere que os espaços
sociais transnacionais são, naturalmente, agenciados pelos migrantes,
mas também englobam as relações estabelecidas com os não-migrantes
– indivíduos e instituições – que afectam e são afectadas pelas activida-
des da diáspora, de tal forma que aqueles que nunca migraram fazem
parte integrante desse espaço social transnacional. A generalização do
espaço social transnacional como unidade de investigação de referên-
cia conduziu a uma discussão sobre a metodologia de investigação nos
estudos sobre transnacionalismo, pois como notaram as autoras “our
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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
analytical lens must necessarily broaden and deepen because migrants are often embe-
dded in multi-layered, multi-sited transnational social fields, encompassing those who
move and those who stay behind” (Glick Schiller e Levitt, 2004:1003).
Sobre a estratégia de investigação
Do ponto de vista metodológico, os desafios são substantivos, uma vez
que a maior parte das abordagens e técnicas de investigação utilizadas
derivam do nacionalismo metodológico. Estas metodologias não foram
concebidas para investigar fluxos, ligações ou identidades que extrava-
sam ou intersectam fronteiras nacionais nem os fenómenos e dinâmicas
que os acompanham. Como notam os autores, uma ontologia transna-
cional implica uma epistemologia transnacional, pois “in order to describe,
map, explain, interpret and theorize the transnational nature of reality, expectations
about how social worlds can be known and understood must also be revisited” (Kha-
gram e Levitt, 2006:28).
A reflexão sobre esta questão conduziu a algumas conclusões generaliza-
damente aceites. Uma investigação que pretende apreender dinâmicas
transnacionais deve ter uma abordagem multi-sited e multi-level. Ou seja, as
dinâmicas e processos transnacionais de uma determinada comunidade
devem ser investigados contemplando os diversos locais envolvidos no
campo social transnacional. No presente caso significa que as dinâmicas
transnacionais dos guineenses em Portugal devem implicar um estudo
não só da diáspora em Portugal e do contexto nacional, mas também dos
outros actores e contextos interligados no processo, ou seja os guineenses
“não-migrantes” e o contexto da Guiné-Bissau.
Da mesma forma, embora o transnacionalismo se refira, por definição,
às actividades transfronteiriças promovidas pelos actores de base pri-
vados, generalizadamente os migrantes, o seu estudo não pode ignorar
nem a influência nem os impactos das dimensões e actores de natureza
45
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
meso e macro. Estudos centrados só nas comunidades migrantes não
reflectem a complexidade do fenómeno, como notaram Barberia e Eks-
tein (2002), pois “while these studies yeld richly detailed accounts of ostensibly
local territorial and cultural spaces, they frequently miss how broader and larger
social contexts and processes influence these localities. A great deal is learned about a
particular site and a particular time but not enough about how the local is historically
situated and connected to other places, levels and scales of social interaction”. Assim,
para além das condições e actores locais, devem ser também conside-
rados os contextos socioculturais, económicos e políticos de natureza
intermédia e global, bem como os actores e dinâmicas de nível macro,
nomeadamente os Estados.
Uma outra questão é colocada relativamente à dimensão temporal da
investigação. Alguns autores fazem notar que “transnational dynamics can-
not be studied at one point in time and in only one place because they involve multiple,
interacting processes rather than single, time and space bounded events” (Khagram
and Glick Schiller, 2005:18). Frequentemente, as práticas transnacio-
nais decorrem ao longo de extensos períodos de tempo, pelo que uma
abordagem de tipo “fotográfico” deixa escapar a forma pontual como
muitos migrantes, num ou noutro ponto da sua vida, se envolveram
com os seus países de origem – nos ciclos eleitorais, questões familiares
ou catástrofes – mobilizados por um desafio específico. Uma estraté-
gia de estudo longitudinal pode revelar que mesmo aqueles que não
se identificam ou desenvolvem actividades transnacionais regularmente
podem ser mobilizados a fazê-lo (idem).
Sobre os instrumentos
O mapeamento e caracterização das práticas transnacionais dos mi-
grantes guineenses foram concretizados através de diferentes instrumen-
tos. O primeiro consistiu na aplicação de um inquérito a indivíduos da
46
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
comunidade guineense residentes em Portugal. Esse inquérito integrou
questões fechadas e abertas, onde foram solicitados os dados biográficos
do inquirido e informações sobre as suas práticas transnacionais. As
questões relativas às práticas transnacionais encontravam-se divididas
em 3 categorias, nomeadamente, as que se enquadram no transnacio-
nalismo de tipo sociocultural, de tipo económico e de tipo político. Estes
três tipos de transnacionalismo não são mutuamente excludentes; pelo
contrário, é frequente a sua justaposição em dois ou mesmo na totali-
dade dos domínios. No entanto, utilizou-se esta tipologia, uma vez que
permite relacionar de forma mais organizada e inteligível as diferentes
práticas, os seus actores e os seus impactos. A aplicação do inquérito foi
complementada com entrevistas abertas semi-dirigidas e com histórias
de vida, para possibilitar o aprofundamento de questões chave e para
garantir uma perspectiva longitudinal.
Tendo em conta o fim último deste estudo, o questionário inclui ainda,
para cada um dos tipos de transnacionalismo considerado, questões de
opinião que pretendem auscultar os inquiridos sobre os obstáculos e
potencialidades das suas práticas transnacionais para o desenvolvimen-
to da Guiné-Bissau. Assim, esta investigação enquadra-se no chamado
“public transnationalism”, pois assume-se que “its’ goal is to go beyond
scholarly description, analysis, and theorizing to praxis. Public transnationalism de-
velops the actionable implications of transnational studies and explicitly rejects the
false neutrality characterizing much academic work. Rather than ignoring the hard set
of ethical and practical questions that research poses, it embraces them” (Khagram
and Glick Schiller, 2005:31).
O questionário foi também aplicado na Guiné-Bissau. Embora neces-
sariamente adaptado, estruturalmente era idêntico ao questionário apli-
cado em Portugal. Este questionário pretendeu recolher dados junto de
informantes privilegiados na Guiné-Bissau, destinando-se tanto a antigos
migrantes como a não migrantes, contribuindo assim para a cabal carac-
terização do espaço social transnacional guineense, a partir da experiên-
47
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
cia e perspectivas destes elementos que também o constituem.
Em cada um dos países, o questionário foi aplicado pela investigadora
com o apoio de dois cientistas sociais guineenses, o que não só facilitou a
comunicação nos casos (frequentes, na Guiné-Bissau) em que o crioulo
era a língua privilegiada pelo inquirido, como também agilizou o acesso
ao objecto de estudo. Em paralelo, foi utilizado o método da “bola de
neve”. O inquérito foi complementado com a observação participante
e com a elaboração de histórias de vida. Finalmente, na Guiné-Bissau,
recorreu-se também à recolha e análise de imprensa.
Por último, foram realizadas entrevistas em instituições relevantes, tan-
to guineenses como portuguesas, nomeadamente o Instituto de Apoio
ao Imigrante e o Ministério dos Negócios Estrangeiros, e recolhidas
informações junto do ACIDI, do IPAD e do SEF, respectivamente. As
entrevistas, abertas e semi-dirigidas, fornecem o enquadramento insti-
tucional e político que, complementado com a recolha e análise docu-
mental, constitui o último dos elementos a integrar na caracterização e
análise do espaço transnacional guineense.
Sobre a constituição da amostra
A constituição da amostra do universo dos inquiridos implicou uma re-
flexão tanto sobre a dimensão quantitativa como qualitativa. A diáspo-
ra guineense em Portugal compreende um total de 25 148 indivíduos,
segundo dados do SEF (2004), embora algumas estimativas apontem
para 30.000 a 35.000 indivíduos, considerando os que se encontram em
situação irregular. A investigação realizou 77 inquéritos em Portugal e
8 entrevistas. Dado o sempre limitado espaço temporal das investiga-
ções e tendo em conta as características desta população, optou-se pela
constituição de uma amostra por quotas. O método de amostragem por
quotas é actualmente, e de longe, o método mais utilizado (Ghaglione
48
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
e Matalon, 1992). O método de amostragem por quotas consiste em
reproduzir na amostra as distribuições de certas variáveis importantes.
Ora, os estudos já realizados sobre a diáspora guineense em Portugal
revelam que tanto a intensidade migratória como algumas práticas
transnacionais desta comunidade se encontram intimamente relacio-
nadas com a sua expressão étnica (Machado, 2002; Quintino, 2005;
Carreiro, 2007). O conceito de etnicidade, não sendo central para a
presente investigação é aqui utilizado no mesmo sentido que Machado
(2002) definiu: “o conceito de etnicidade não serve, portanto, para esta-
belecer arbitrariamente que uma determinada categoria de pessoas se
pode identificar, antes de mais, por certas características sociais e cultu-
rais” (Machado, 2002:4), mas sim para permitir a análise das dinâmicas
transnacionais em relação a esta dimensão, assumida como relevante.
A amostragem por quotas permite ainda evitar o enviesamento intro-
duzido pelo estudo de caso, que caracterizou os primeiros estudos sobre
transnacionalismo, e que tendia a concentrar-se unicamente nas comu-
nidades onde as dinâmicas transnacionais eram intensas e evidentes.
A reflexão posterior enfatizou a necessidade, tão ou mais pertinente,
de incluir nos estudos sobre transnacionalismo, os migrantes que não
desenvolvem práticas transnacionais ou que o fazem de forma muito
pouco regular, bem como a compreensão da ausência do processo. Pre-
tende-se assim, dar idêntico protagonismo aos grupos onde estas prá-
ticas se encontram menos estudadas e, simultaneamente, facultar um
reflexo “real” do conjunto da diáspora. Ou seja, por um lado, pretende-
-se identificar os migrantes transnacionais, caracterizar as suas práticas
e compreender a sua natureza e intensidade. Por outro lado, procura-se
mapear o “não-transnacionalismo” e explicitar as razões da sua ausên-
cia. Esta dupla reflexão é particularmente relevante tendo em vista o
fim último da investigação, nomeadamente, o de elaborar propostas
que permitam capitalizar o potencial que os migrantes guineenses têm
para o desenvolvimento do seu país de origem.
49
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
A tipologia proposta por Machado (2002) é adoptada neste estudo con-
siderando-se como guineenses não só os detentores de nacionalidade
guineense mas também os detentores de nacionalidade portuguesa com
origem guineense. Esta opção é também legitimada por estudos prévios
(Portes, 2005) que confirmam que as dinâmicas transnacionais não só
se mantêm nos casos de obtenção de nova nacionalidade, ou de dupla
nacionalidade, como a sua intensidade tende a aumentar.
Na Guiné-Bissau, que conta com cerca de um milhão e meio de habi-
tantes (INE, 2008), e onde se estima que 8,6% da população seja mi-
grante (PNUD, 2009) foram realizados 22 inquéritos e 14 entrevistas
e histórias de vida a informantes privilegiados, englobando tanto ex-
-migrantes como não-migrantes. Privilegiou-se a informação de natu-
reza qualitativa, tendo em conta a fraca disponibilidade de informação
estatística nas instituições guineenses e o alto grau de informalidade das
práticas comerciais, mas sobretudo devido ao objectivo principal de
identificar os impactos das práticas transnacionais no desenvolvimento
da Guiné-Bissau. Por esta razão, não houve preocupação em delimitar
o universo dos inquiridos do ponto de vista étnico, dando-se prioridade
à visão crítica e de conjunto facultada pelos informantes privilegiados.
Porém, é importante referir que os dados obtidos em Portugal direc-
cionaram a investigação realizada na Guiné-Bissau para as cidades de
Gabú e Canchungo, para além da capital. Assim sendo, houve um en-
viesamento na amostra introduzido pela sobre-representação de entre-
vistados manjacos (em Canchungo) e fulas e mandingas (em Gabu) que
foi todavia equilibrado pelas entrevistas realizadas em Bissau, onde se
encontra representada a maioria dos grupos étnicos guineenses.
Sobre o trabalho de terreno
O acesso à comunidade guineense foi concretizado a partir de infor-
mantes privilegiados, nomeadamente, os dirigentes das principais as-
50
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
sociações de migrantes guineenses em Portugal, referidos na “Lista da
Comissão Instaladora da Federação das Associações Guineenses em
Portugal”. Este universo inicial foi alargado a partir do método de bola
de neve, garantindo a inclusão do “guineense comum” na amostra,
bem como de tipos de migrantes relevantes, como quadros e empresá-
rios, que não estavam ligados ao movimento associativo. A maioria das
entrevistas teve lugar nas residências dos inquiridos, com algumas delas
a serem realizadas em sítios de referência para a comunidade guineense
em Lisboa, nomeadamente, Campo Grande e Restauradores.
A aplicação do inquérito na Guiné-Bissau foi iniciada a partir de con-
tactos já existentes com indivíduos residentes em Bissau e tomando
também algumas referências obtidas no contexto do trabalho realizado
em Lisboa. Por último, as entrevistas junto das instituições relevantes
foram realizadas a partir do canal de referência constituído pelo CESA-
-ISEG e pela Fundação Portugal -África, tanto em Portugal como na
Guiné-Bissau.
51
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
5. A MIGRAÇÃO GUINEENSE
A Guiné-Bissau é um país cujo território, com 33 125 km2 (PNUD, 2001),
se situa na África Ocidental, delimitado a Norte pelo Senegal, a Sul e a
Este pela Guiné-Conacri e a Oeste pelo Oceano Atlântico. A sua popu-
lação está estimada em 1 milhão e 548 mil habitantes (3º Recenseamento
Geral da População, 2008) os quais, pela diversidade da sua composi-
ção, justificaram que a Guiné-Bissau ganhasse os epítetos de “mosaico
étnico” (Machado, 2002) ou “Babel Negra” (Pélissier, 1989). Conta com
cerca de 30 etnias diferenciáveis entre si que segundo os últimos dados
disponíveis, apresentavam a seguinte distribuição: Balantas – 27%; Fu-
las – 23%; Mandingas – 12%; Manjacos – 11%; Papéis – 10%, só para
referir os mais representativos (Machado, 2002). Uma parte da popula-
ção encontra-se islamizada (45%), enquanto outra é predominantemente
cristã. Ambas são, em maior ou menor grau, animistas. Cerca de 66% da
população guineense trabalha na agricultura, na cultura do arroz, do óleo
de palma e da castanha de caju (PNUD, 2005).
Independente unilateralmente do poder colonial português desde 24 de
Setembro de 1973, a Guiné-Bissau tem enfrentado sérias dificuldades
para evoluir económica e politicamente mantendo, recorrentemente,
um lugar cativo nos últimos lugares do Índice de Desenvolvimento Hu-
mano. Em 2009, era o quinto país mais subdesenvolvido do mundo
(PNUD, 2009). Muito à semelhança de outras nações africanas forjadas
na luta pela auto-determinação, a Guiné-Bissau viveu 18 anos de Parti-
do Único (1973-1991), três golpes de Estado (1980, 1998 e 2003), uma
Guerra Civil (1998-1999) e um sem número de incidentes político-mi-
litares de maior ou menor intensidade, mas sempre com consequências
gravíssimas para o desenvolvimento do país, sendo o recente assassinato
do Presidente da República e do Chefe de Estado Maior das Forças Ar-
madas, em Março de 2009, um dos mais recentes e trágicos exemplos.
52
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
Apesar da aparente estabilidade política que o país atravessava desde as
eleições presidenciais de 2009,um novo incidente político-militar, a 1 de
Abril de 2010, confirmou que os constrangimentos estruturais da Guiné-
-Bissau continuam largamente por resolver. As razões pelas quais a Guiné-
-Bissau desembocou na situação actual têm interpelado diversos autores,
e não sendo objecto detalhado no presente capítulo, serão invocadas na
medida em que permitam explicar os fluxos migratórios da Guiné-Bissau.
A tentativa de analisar a migração guineense tropeça em dois grandes
obstáculos, nomeadamente, a dificuldade em obter dados estatísticos
actualizados e a fluidez das fronteiras com o Senegal e com a Guiné-
-Conacri, onde perpassa um número elevado de pessoas com um míni-
mo de controlo. Alguns dados estimam em 8,6% (PNUD, 2009) a tota-
lidade de guineenses residentes no estrangeiro, o que somaria cerca de
136.000 indivíduos, (65% dos quais noutros países africanos) enquanto
o Instituto de Apoio ao Emigrante da Guiné-Bissau avança com um
valor que ronda as 92.000 pessoas. A dificuldade de quantificação dos
contingentes de migrantes guineenses, não invalida a realidade dos fe-
nómenos, e se não é fazível na origem, é por vezes mais fácil fazê-la no
acolhimento – apesar dos contingentes de indivíduos em situação irre-
gular nos países de destino, bem como o enviesamento introduzido por
aqueles que atingem a Europa via Senegal – adquirindo no processo
nacionalidade senegalesa – constituírem sérios obstáculos à exactidão
da presente análise.
A história da migração guineense é por isso difícil de estruturar, embora
existam alguns dados já desde o período colonial. Os primeiros censos
na Guiné-Bissau foram realizados na década de 50 do séc. XX, sendo
as obras de António Carreira a referência neste sentido. Já nesta fase,
como escreveu o autor “as baixas notadas nos censos populacionais têm
a sua causa principal na emigração” (Carreira, 1967:90).
Segundo Hochet (1987), as causas para a migração guineense, que nes-
53
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
ta fase caracterizava sobretudo os manjacos, baseiam-se na pressão fun-
diária decorrente da economia de tipo rural guineense – particularmen-
te nas etnias do Norte – e da inexistência de outras alternativas para a
obtenção de fontes de rendimento, ao qual não é alheio o contexto do
país na época, que aliava um forte crescimento demográfico às pressões
fiscais impostas pelo colonizador. Os apelos das autoridades coloniais
para que a população – particularmente a manjaca – permanecesse
no território, apesar de recorrentes (Rodrigues, 1947)1, não surtiram
os efeitos esperados. Ao longo da década de 50, estimava-se em 5.000
o número de guineenses que abandonavam anualmente o território,
tendo metade destes o Senegal e a Gâmbia como destino (Carreira,
1960)2. A tendência para o Senegal, devido quer à proximidade geo-
gráfica quer à afinidade cultural, manteve-se ao longo do tempo, sendo
que em 1987, estimava-se em cerca de 87.000 o número de guineenses
residentes neste país (Galli e Jones, 1987).
Assim, comparativamente, Portugal é um destino muito mais recente
do que o Senegal, que já desde o final do século XIX se afirmava tam-
bém como uma plataforma giratória para a Europa, nomeadamente
para França. Esta realidade é confirmada por indicações de guineenses
– que tendo obtido nacionalidade senegalesa - combateram ao lado dos
franceses na II Guerra Mundial, (Kerlin, 1998:9). A tendência para o
Senegal tem-se mantido até hoje, bem como o destino francês, ainda
que comparativamente menos numeroso e num quadro de migração
de longa duração (Machado, 2002). A investigação desenvolvida por
este autor, revela que cerca de 25% dos inquiridos vivera noutro país
estrangeiro para além de Portugal. Destes, metade vivera já no vizinho
Senegal, mas mesmo assim 2/3 dos inquiridos afirmaram ter familiares
emigrados noutros países europeus. (Machado, 2002:83), dos quais a
1 Rodrigues, Sarmento (1949), no goVErno da gUiné: discUrsos E afirmaçõEs, Agência Geral das Colónias, Lisboa, citado em Crowley (1993:106).2 Carreira, António (1960), População Autóctone segundo os recenseamentos para fins fiscais, BolEtim cUltUral da gUiné-portUgUEsa, vol.I, nº4, 707-712, citado em Crowley, 1993: 106.
54
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
França emerge como o mais significativo (com 49,7% das referências a
familiares no estrangeiro). A presente investigação confirmará, como se
verá adiante, algumas destas tendências.
Verifica-se que, embora a comunidade manjaca tenha uma reconhe-
cida tradição de migração, hoje em dia a migração guineense envolve
toda a população – ainda que com menos ênfase no Sul e no Arquipé-
lago dos Bijagós – e às causas anteriores acrescentam-se a incapacidade
de expansão do comércio agrícola, a inexistência de um fluxo de bens
de produção e de consumo, a incapacidade do Estado em assegurar o
mínimo de serviços básicos e a instabilidade política, com destaque para
o conflito de 1998, para referir apenas os mais evidentes.
Portugal é actualmente um destino privilegiado no contexto europeu,
mas este fluxo só se começou a materializar a partir da Independência.
Até então, o número de guineenses em Portugal era praticamente ine-
xistente, mas o novo contexto político em Portugal, aliado à incapaci-
dade do Estado guineense em resolver os problemas severos com que
a Guiné-Bissau se debatia, alimentaram a génese de fluxos migratórios
com destino a Portugal.
Segundo Machado (2002), a migração guineense para Portugal foi con-
cretizada em dois tempos diferenciados. O primeiro momento, situado
entre a segunda metade da década de 70 e o início de 80, compreende in-
divíduos com uma escolaridade acima da média e com uma distribuição
relativamente paritária em termos de género. O censo de 1981 identifica
cerca de 4500 referentes à Guiné-Bissau, distinguindo entre os 3356 in-
divíduos que nascidos em território guineenses obtiveram nacionalidade
portuguesa e os 1126 de nacionalidade guineense (Machado, 2002:84-
85). Este primeiro contingente, que Machado (2002), denominou de luso-
-guineenses, primava por uma certa homogeneidade em termos de estrato
sócio-cultural e de origem, predominantemente urbana, distinguindo-se
significativamente do movimento que se segue.
55
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
O segundo tempo da migração guineense, cujo início Machado (2002)
situa no ano de 1985, surge na sequência do agudizar da crise eco-
nómica da Guiné-Bissau, e é muito mais heterogéneo e numeroso
do que o movimento anterior. Este novo contingente, que Machado
(2002) denominou de imigrantes é, em parte, constituído por populações
urbanas, educadas e assalariadas, cujas condições de vida se degrada-
ram profundamente na sequência do Plano de Ajustamento Estrutu-
ral, de 1987. Uma outra parte é constituída por imigrantes de origem
rural, igualmente afectados pelos problemas de sub-desenvolvimento
da Guiné-Bissau, mas pouco escolarizados e cuja passagem por Bis-
sau serviu sobretudo como trampolim para a migração internacional.
Naturalmente, estes dois tipos de imigrantes assumiram percursos dife-
renciados na sociedade portuguesa, sendo os primeiros integrados em
profissões tendencialmente qualificadas e os segundos maioritariamente
absorvidos pelo mercado de trabalho em crescimento na área da cons-
trução civil do Portugal da década de 80 (Machado, 2002). A motivação
predominantemente laboral é confirmada pelo perfil destes migrantes:
jovens entre os 20 e os 39 anos, do sexo masculino e sozinhos, em cerca
de 80%dos casos (Machado, 2002:92). A percentagem de guineenses
que nesta fase, entrou no território ou acabou por cair em situação ir-
regular é comprovada pelo aumento do seu número na sequência das
regularizações extraordinárias de 1992 e 1996 (Machado, 2002:88). A
mesma questão também será validada a partir dos dados obtidos nesta
investigação.
Não existe paralelo entre a relação populacional das etnias guineenses
na origem e no destino. Em Portugal, os imigrantes manjacos e manca-
nhas representam cerca de 22% dos contingentes, sendo esta a mesma
percentagem de fulas e mandingas juntos. Os manjacos e mancanhas
enquadram-se numa tradição migratória antiga para o Senegal e para a
França, como já verificado, e que explica a sua sobre-representação nos
contingentes de imigrantes em Portugal. Os papéis assumem o terceiro
56
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
lugar nesta tabela. A expressividade de papéis na diáspora compara-
tivamente ao seu baixo número no contingente global da população
guineense é explicado pela sua concentração privilegiada na capital,
Bissau (zona papel ou pepel). A menor discrepância encontrada é entre
as etnias predominantemente muçulmanas, que têm idêntica represen-
tatividade tanto na origem como no destino, devido à sua tradição de
comerciantes (Machado, 2002).
As especificidades étnicas justificam também uma certa concentração
espacial, que aliada ao tipo de trabalho que o migrante desempenha,
bem como à situação de ilegalidade que caracterizou a primeira fase da
sua estadia, explicam os dados avançados por Machado (2002), relati-
vamente às condições de habitação. Não deixa de ser relevante notar
que a partilha de alojamento em casa de tipo abarracada é comum
entre mancanhas e manjacos e muçulmanos, e praticamente inexisten-
te entre os indivíduos para quem a pertença étnica não constitui uma
referência identitária. Novamente, as explicações avançadas (Macha-
do, 2002) revertem para as especificidades destas etnias neste domínio
de análise. Nota o autor que “manjacos e mancanhas, por um lado,
e muçulmanos, por outro, distinguem-se dos restantes migrantes por
estratégias mais evidentes de acumulação e parcimónia nos gastos, bem
como no envio mais frequente de dinheiro para o país de origem, o que
permite compreender a opção por tipos de alojamento mais baratos,
ainda que degradados” (Machado, 2002:145).
Por outro lado, a lógica de co-habitação corrobora também a impor-
tância das redes sociais no percurso dos imigrantes guineenses em Por-
tugal. Relata Machado (2002), que 90% dos inquiridos referiram ter
pessoas conhecidas em Portugal à sua chegada e cerca de 80% indi-
caram ter conhecimento de familiares ou amigos vindos depois deles.
No entanto, tal não significa que esses conhecimentos sejam sinónimo
da existência de redes de acolhimento, o que não invalida que estas
se tenham certamente desenvolvido tendo em conta o aumento signi-
57
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
ficativo do volume dos contingentes a partir da década de 80 e a sua
forte concentração geográfica, quer na origem (80% vinha de Bissau),
quer no destino (72% na AML). Esta compressão espaço-tempo “faci-
lita muitíssimo a formação de redes de inter-conhecimento e relacio-
namento social, as quais estão, ao fim de poucos anos, perfeitamente
aptas a fornecer aos recém-chegados o apoio de que necessitam para a
primeira inserção, nomeadamente em termos de alojamento transitório
e de encaminhamento para o trabalho na construção civil” (Macha-
do, 2002:98). Assim, mesmo quando não transpostas directamente de
Bissau para Lisboa, as redes de sociabilidade são rápida e facilmente
reconstituídas (Machado, 2002:223).
A investigação realizada por Quintino destacou também a importância
das redes sociais na migração guineense. A autora afirma a importân-
cia das estratégias de transespacialidade e transetnicidade para os gui-
neenses na construção do espaço comunitário, através das fronteiras:
“o movimento de extensionalidade deste espaço simbólico atravessa as
fronteiras nacionais, congregando os guineenses que se organizam em
comunidades noutros países da União Europeia. Neste nível, o espa-
ço simbólico constrói-se com base num sistema de trocas e num fluxo
pendular de guineenses assente na regra da hospitalidade de parentes,
amigos e vizinhos” (2004:240). A origem comum na Guiné-Bissau faz
com esta pertença constitua a “matriz aglutinadora” das comunidades
no exterior, alicerçada pela partilha de comportamentos, práticas, insti-
tuições socioculturais e símbolos (Quintino, 2004:240).
Apesar das suas especificidades, a migração guineense deve ser enten-
dida, como notou Machado (2002), num quadro mais vasto, que carac-
teriza de forma geral a migração africana contemporânea para a Eu-
ropa e que tem sido designado de “sistema migratório oeste-africano”
(Machado, 2002: 82). Como resultado das afinidades sociolinguísticas,
do agudizar das crises económicas e políticas nos países de origem e da
não menos importante necessidade dos países de acolhimento da mão-
58
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
-de-obra que estes migrantes providenciam, a migração tem vindo a
confirmar-se como a estratégia de sobrevivência de eleição para estas
populações e as suas famílias.
Os dados oficiais existentes nos países de destino permitem captar uma
pequena parcela – de natureza quantitativa – da realidade da migração
guineense actual. Em 2004, dados oficiais contavam perto de 26.000
guineenses residentes em Portugal (SEF, 2004). Se acrescentarmos
a este valor o número de indivíduos que nos Censos de 2001 foram
identificados como tendo nascido na Guiné-Bissau, mas que têm hoje
nacionalidade portuguesa, somamos mais 5368 pessoas3 a este contin-
gente. Obviamente que os indivíduos em situação ilegal não podem ser
contabilizados, mas certamente que erraremos por defeito ao estimar o
número total de guineenses actualmente em Portugal num valor acima
dos 40.000 indivíduos.
Menos numerosa, mas nem por isso pouco significativa, a presença de
guineenses em França fora já indicada no trabalho de Vuddalamay
(1989), embora o enviesamento introduzido pela passagem pelo Senegal
torne complexa a sua real quantificação. Em 2006, o número de sene-
galeses em França era de pouco mais de 70.000, estando o número de
guineenses no conjunto de nacionalidades cujo contingente é inferior a
4.0004. Não foi no entanto possível obter dados para os contingentes de
guineenses no Senegal, e assim sendo, o trabalho de Galli, já com 22 anos
de idade, continua a ser referência considerada para esta migração.
A presença de guineenses noutros destinos europeus como a Holanda
e a Espanha fora notada há mais de uma década atrás (Robin, 1994;
Chrissantaki e Kuiper, 1994)5. No entanto, embora as estatísticas ofi-
3 Dados constantes no Instituto nacional de Estatística de Portugal, em www.ine.pt/prodserv/quadros/quadro.asp, quadro 13 (6.08) “População Portuguesa re-sidente nascida no estrangeiro, segundo o grupo etário por países de naturalidade e sexo”.4 Institute National de la Statistique et des Études Économique (www.insee.fr)5 Citados em Machado, 2002
59
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
ciais contem só 305 guineenses na Holanda6 em 2005, no mesmo ano
esse valor ascendia aos 4490 em Espanha7, tornando este destino euro-
peu o segundo mais apetecido pelos guineenses, suplantando a França8
e ficando logo atrás de Portugal. Este contingente surpreendentemente
significativo no contexto espanhol confirma o que Machado referira
logo em 2002, ao notar que “alguns dos que deixam a Guiné-Bissau
terão à partida um horizonte de emigração mais amplo”. A presente
investigação contribui também para precisar a distribuição espacial dos
guineenses no mundo, como se verá no capítulo VII.
A importância de caracterizar as causas da migração guineense e de
identificar os seus principais destinos é relevante por várias razões. Des-
de logo, porque os constrangimentos que provocam a migração per-
mitem contextualizar o percurso e o perfil dos migrantes guineenses,
bem como a natureza das suas práticas transnacionais. Em segundo
lugar, porque os contextos de acolhimento são determinantes para a
capacidade e forma como os migrantes se relacionam com o seu país
de origem. Em terceiro lugar, porque os outros destinos da migração
guineense (tendo em conta a teoria das redes) são relevantes para com-
preender as potenciais dinâmicas de remigração e de migração circular
da diáspora guineense em Portugal, como os capítulos seguintes irão
demonstrar.
6 Dados constantes no Statline da Holanda (http://statline.cbs.nl/StatWeb/table.asp?PA=37325eng&D1=0&D2=65,85,86,94, 151&D3=0&D4=0&D5=0&D6=(l-11)-l&DM=SLEN&LA=en&TT=27 Dados constantes no Instituto Nacional de Estadística de Espanha (http://www.ine.es/inebase/cgi/axi)8 De notar que nos cingimos às estatísticas oficiais.
60
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
61
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
6. AS DINÂMICAS E OS IMPACTOS DO TRANSNACIONALISMO
MIGRANTE DOS GUINEENSES RESIDENTES EM PORTUGAL
Os resultados obtidos no decurso desta investigação são apresentados
entrecruzando o tratamento estatístico dos dados quantitativos obtidos
através dos inquéritos com a informação qualitativa recolhida através
das respostas abertas, das entrevistas semi-dirigidas e das histórias de
vida. Sempre que relevante, esses resultados são contextualizados e pro-
blematizados de forma a fundamentar adequadamente as conclusões
apresentadas. Divide-se este capítulo em duas partes, os dados recolhi-
dos em Portugal e os dados recolhidos na Guiné-Bissau.
6.1. Os resultados obtidos em Portugal
Em Portugal foram realizadas 77 inquéritos e 8 entrevistas a informantes
privilegiados, nomeadamente Associações de Migrantes. Foram ainda re-
colhidos dados junto do SEF, IPAD, ACIDI e da Embaixada da Guiné-
-Bissau em Portugal. A recolha de informação teve lugar em Lisboa, San-
to António dos Cavaleiros, Loures, Sacavém e Quinta do Mocho, tendo
a recolha sido efectuada entre Abril de 2008 e Março de 2009.
Relacionando os inquiridos por género e faixa etária, a representação
gráfica obtida é a seguinte:
62
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
Gráfico 1
Percentagem de inquiridos por género e faixa etária
Mantendo-se o padrão verificado por Machado (2002), a migração gui-
neense é predominantemente masculina e jovem, confirmando-se a sua
orientação de tipo laboral fora de enquadramento familiar directo, sen-
do que apenas 38% dos inquiridos afirmaram viver com as respectivas
esposas ou maridos.
Analisando o ano de chegada relativamente à situação legal dos indiví-
duos, o resultado obtido é o seguinte:
Gráfico 2
Caracterização dos inquiridos por ano de chegada a Portugal e situação legal
Verifica-se que no universo dos inquiridos há uma tendência para o
aumento do número de chegadas ao longo do tempo (com excepção do
63
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
período compreendido entre 1974 e 1980), com um pico repentino em
1998, como consequência da situação de conflito político-militar que
a Guiné-Bissau atravessou nessa fase. È interessante notar a inversão
da tendência de crescimento a partir do período 2001-2004, o que re-
flecte o aumento das restrições à entrada de estrangeiros no território
europeu, bem como consequência da diminuição do crescimento eco-
nómico de Portugal, que o torna um destino menos interessante quando
comparado com outros (e não uma diminuição da pressão migratória
guineense, como se verá adiante).
Importa ainda destacar a situação legal dos inquiridos, com a ausência
de indivíduos em situação irregular antes de 1998, e com um aumen-
to significativo de indivíduos em situação irregular tanto mais elevado
quanto recente è a respectiva entrada no país (que ronda os 50% para os
que entraram no território depois de 2005). Estes dados são reveladores
do impacto das campanhas de regularização extraordinária realizadas
pelo Estado português (1994, 1996 e 2001), uma vez que cerca de 38%
dos inquiridos actualmente em situação regular, entraram ou viveram
em situação irregular. Confirma também que persistem as situações de
entrada e/ou permanência irregular no território nacional, apesar das
políticas de migração crescentemente restritivas.
Quanto à caracterização dos inquiridos por expressão étnica, os resul-
tados são os seguintes:
64
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
Gráfico 3
Caracterização dos inquiridos por expressão étnica
Verifica-se a persistência da dinâmica migratória nas etnias pepel e
manjaco, à semelhança do já verificado por Machado (2002), mas no
quadro de uma diversificação mais acentuada, em que as etnias sem
tradição migratória (como os balantas) assumem uma maior expressão.
Ainda que pouco significativos nesta amostra, é relevante destacar a
presença de Bijagós, Cristões de Geba e Saraculés. A migração como
estratégia de vida generalizada dos guineenses é confirmada pela sua
transversalidade crescente aos diferentes grupos étnicos, e não exclusi-
vamente para aqueles que possuem essa tradição (como os manjacos) ou
aqueles cujo estrato sócio-profissional mais elevado lhes dava o acesso
aos recursos e estilo de vida necessários para ambicionar por melhores
oportunidades (como os pepel ou papel).
Também os grupos étnicos islamizados que possuem uma forte tradição
na área do comércio, como os fulas e os mandingas, e que já tinham o
hábito de migrar na região devido às trocas comerciais, assumem agora
um papel preponderante no conjunto dos inquiridos, somando no seu
conjunto 14% da amostra. São todavia valores inferiores aos obtidos
por Machado (2002), o que pode significar uma diminuição da pressão
migratória por parte destes grupos, uma diversificação dos seus destinos
migratórios ou uma simples perda de representatividade num contexto
de crescente diversificação dos grupos étnicos representados.
65
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
Relativamente à ocupação socioprofissional dos inquiridos, foram obti-
dos os seguintes resultados:
Gráfico 4
Caracterização dos inquiridos nível académico e ocupação socioprofissional
Verifica-se que a maioria dos inquiridos desenvolve a sua actividade
profissional na área dos serviços (empregados de limpeza, de restau-
ração ou de caixa) e da construção civil. Frequentemente, a ocupação
profissional desempenhada em Portugal constitui um down-grade rela-
tivamente aquela previamente desempenhada na Guiné-Bissau, sendo
também significativo o número de inquiridos com habilitação superior
que não se encontra inserido no nível laboral adequado à sua escolari-
dade. Estes dados confirmam a tendência da generalidade dos migran-
tes guineenses para ocuparem postos de trabalho pouco qualificados,
mesmo quando as suas habilitações e/ou experiência profissional se-
riam adequadas para trabalhos mais especializados, o que poderá re-
flectir a persistência de mecanismos de discriminação no acesso ao mer-
cado de trabalho na sociedade portuguesa, mas também uma reflexo da
contracção generalizada da dinâmica económica, que afecta particular-
mente os jovens licenciados e as profissões menos qualificados, sendo
em tudo idêntica à vivida pela população autóctone de acolhimento.
66
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
É interessante ainda destacar a baixa representatividade de ocupações
profissionais ligadas à iniciativa privada, que neste caso rondam os 13%
e que foram localizadas principalmente nas etnias muçulmanas. Os ní-
veis aparentemente baixos de iniciativa empresarial são explicados pela
dificuldade de acesso ao crédito das populações migrantes, a quem fre-
quentemente faltam os meios e as informações necessários, bem como
pelos procedimentos administrativos e financeiros inerentes à criação
de um negócio em Portugal. Por outro lado, as iniciativas empresariais
identificadas caracterizam-se pela sua pequena dimensão e pela sua in-
serção em circuitos comerciais informais, como se verá detalhadamente
no sub-capítulo referente às práticas transnacionais de tipo económico.
6.2. Pistas de transnacionalismo sócio-cultural
As questões reunidas dentro deste tópico pretendem identificar práti-
cas transnacionais, de maior ou menor regularidade que se enquadrem
dentro do chamado transnacionalismo sociocultural. O transnacio-
nalismo de natureza socialcultural compreende segundo Portes (et al,
1999:221) actividades “oriented towards the reinforcement of a national identity
abroad or the collective enjoyment of cultural events and goods”. Uma outra de-
finição do conceito foi proposta por Itzigsohn (2002:768) “sociocultural
transnationalism refers to those transnational linkages that involve the recreation of
a sense of community that encompasses migrants and people in the places of origin”.
Este autor considera que as actividades relativas ao transnacionalismo
sócio-cultural implicam um certo grau de institucionalização – como
fazer parte de uma associação de migrantes -, de movimento (viagens
entre cá e lá), ou de empenho para com um projecto comunitário que
ultrapassa o espectro mais imediato da família e dos amigos, como dar
dinheiro para as actividades da associação de migrantes. Como elemen-
to de diferenciação relativamente a outros tipos de prática transnacio-
67
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
nal, o mesmo autor considera que “sociocultural transnationalism refers to
social practices that are more affective oriented and less instrumental than political or
economical transnationalism” (Itzigsohn, 2002:768).
Uma das expressões de transnacionalismo sociocultural que reflecte a
ligação do migrante com o respectivo país é a frequência dos contactos
com a família na origem. Relativamente ao conjunto dos inquiridos,
foram obtidos os seguintes resultados:
Gráfico 5
Frequência de contactos com a família no país de origem
Mais de 98% dos inquiridos afirma possuir família próxima na Guiné-
-Bissau, com os quais apenas 3% afirma não manter qualquer tipo de
contacto. Dos que mantêm, 100% fazem-no através do telefone, com
uma pequena percentagem (3%) complementando este meio de comu-
nicação com a Internet. A frequência do contacto é elevada (perto dos
70%) semanalmente, sendo menos relevante em termos mensais e quo-
tidianos. Quando questionados sobre a razão dos contactos, mais de
92% dos inquiridos referiu “acompanhamento do quotidiano”, o que
68
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
indicia a relação de proximidade mantida pelos migrantes com as sua
famílias, mesmo quando as viagens não são frequentes como se poderá
verificar no gráfico seguinte.
Gráfico 6
Frequência das viagens à Guiné-Bissau relativamente ao ano de chegada
Não surpreendentemente, verifica-se que a frequência das viagens ao
país de origem é tanto menor quanto menor é o tempo de estada do in-
quirido em Portugal. A situação legal dos inquiridos com um tempo de
estada menor é irregular em 50% dos casos, o que naturalmente limita
a sua mobilidade, uma vez que o risco da impossibilidade de regres-
sar a Portugal é muitíssimo elevado nessas circunstâncias. No entanto,
mesmo para aqueles que já se encontram em Portugal há mais de 10
ou 20 anos, as viagens à Guiné-Bissau não são muito frequentes. Por
exemplo, entre os inquiridos que chegaram entre 1981 e 1985, cerca
de 50% visitaram o seu país apenas uma vez e os restantes nunca o fi-
zeram. Um padrão idêntico verifica-se para aqueles que chegaram nos
anos seguintes, em que 40% a 50% dos inquiridos também nunca “ti-
veram oportunidade” de realizar uma viagem à Guiné-Bissau. O custo
69
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
elevado das viagens é o argumento mais referido para justificar a baixa
frequência das viagens, tão mais relevante tendo em conta o nível so-
cioeconómico da maioria dos inquiridos e as estratégias de parcimónia
de gastos que caracterizam uma boa parte desta comunidade, como já
referido (Machado, 2002).
A excepção verifica-se para aqueles que viajam devido a negócios ou
cujo estrato socioprofissional torna possível viagens mais frequentes.
Uma tendência recorrente mencionada por vários inquiridos é a acu-
mulação do tempo de férias anual, por exemplo ao longo de 3 ou 5
anos, sendo o investimento da viagem recompensado pelo tempo mais
prolongado da estadia na Guiné-Bissau.
Embora a frequência das visitas e de contactos seja generalizadamente
aceite como indiciadora de práticas de transnacionalismo sociocultural,
verifica-se que no caso da comunidade guineense não existe uma relação
directa entre os dois. Verificaram-se outras expressões de transnacionalis-
mo sociocultural mais sofisticadas, nomeadamente a pertença associativa,
quer a que se orienta para a reprodução das práticas socioculturais do
país de origem no de destino, quer a que se orienta para a prática de acti-
vidades culturais ou de natureza filantrópica no país de origem.
Cerca de 44% dos inquiridos afirmou pertencer a uma associação de mi-
grantes. Quando questionados sobre a última actividade promovida por
uma associação de migrantes em que tivessem participado, cerca de 42%
dos inquiridos referiu uma actividade de natureza cultural, contra 26%
que referiu uma actividade de natureza cidadã. Relativamente ao apoio
na integração, os inquiridos enfatizam a importância da reprodução dos
laços sociais, dizendo que “aqui, as pessoas perdem a noção de conjun-
to, e o associativismo dá a noção de laços familiares e sociais” (inquirido
nº1); que a associação “junta as pessoas que de outra forma não estariam
unidas” (inquirido nº24); ou ainda que “servem de elo entre os Estados,
dão voz às preocupações e são um apoio na integração” (inquirido nº47).
70
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
Para além destes, há também os inquiridos que enfatizam o papel das
associações de migrantes no apoio ao país de origem, referindo que
“não podem substituir o Estado, mas minimizam o mal das pessoas, é
importante para a integração dos que emigram, como para o desenvol-
vimento da Guiné-Bissau” (inquirido nº 14).
Para fins analíticos, as associações de migrantes guineenses considera-
das neste estudo foram divididas em 4 grupos:
• Associações de referência socioprofissional, na qual se inclui a
AEGBL (Associação dos Estudantes da Guiné-Bissau em Lis-
boa) e onde se poderiam referir outras que não foram men-
cionadas pelos inquiridos, como a Associação dos Quadros e
Estudantes na Diáspora – Bolanha ou o Guineaspora
• Associações de âmbito nacional guineense, sendo aqui consi-
deradas as associações guineenses com uma vocação alargada,
como a Casa da Guiné, a Aguinenso, Associação Guineense
pela Paz e Democracia ou a Associação dos Filhos e Amigos da
Guiné-Bissau
• Associações “outras”: pela sua pouca expressão nos resultados
deste estudo foram aqui consideradas as associações de inspira-
ção religiosa, como a Associação dos Muçulmanos Guineenses
Residentes no Conselho de Sintra e as Associações não especi-
ficamente guineenses, como a SOS Racismo, a Solidariedade
Imigrante e a Olho Vivo
• Associações da Terra Natal (ATN), são associações que agru-
pam migrantes oriundos de uma mesma localidade na Guiné-
-Bissau, e que possuem uma vocação dupla, uma parte orien-
tada para o apoio à comunidade no país de acolhimento, outra
parte dedicada à realização de actividades filantrópicas no país
de origem.
71
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
O gráfico seguinte permite visualizar a pertença associativa dos inquiri-
dos segundo esta tipologia relativamente à sua expressão étnica:
Gráfico 7
Pertença associativa relativamente ao grupo étnico
Verifica-se que a pertença associativa à Associação de Estudantes da
Guiné-Bissau em Lisboa (AEGBL) é transversal a todos os grupos ét-
nicos, sendo comum a todos os inquiridos na situação de estudante.
Todavia, e tal como estudos precedentes revelaram (Machado, 2002;
Carreiro, 2007), há uma relação entre a referência étnica dos inquiridos
e a pertença a um tipo específico de associação de migrantes, as ATN.
Metade dos que se auto-referenciaram como manjacos e um quarto
dos que se identificaram como mancanhas pertencem a Associações
de Terra Natal. Os restantes grupos étnicos distribuem-se pelos outros
tipos de associações, constatando-se que para aqueles que não se refe-
renciam em relação a nenhum grupo étnico (SR), não existe pertença a
Associações de Terra Natal, mas sim a associações de âmbito nacional.
A pertença global a associações de tipo “outro”, onde se incluem aque-
las mais vocacionadas para a defesa dos direitos dos migrantes, é pouco
72
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
expressivo, o que sugere uma baixa participação cidadã da comunidade
guineense na sociedade portuguesa.
No que diz respeito a pistas de transnacionalismo sociocultural, a pertença
a Associações de Terra Natal é a que fornece elementos mais interessantes
tendo em conta o número de guineenses envolvidos neste tipo de associa-
ção e o seu impacto potencial no desenvolvimento das comunidades onde
intervêm. Por esta razão, foi realizada uma pequena caracterização deste
tipo de associações em Portugal, sendo apresentados alguns exemplos da
maneira como funcionam e do tipo de actividades que desenvolvem.
As Associações de Terra Natal (ATN)
As ATN são um tipo específico de Associação de Migrantes, que Alarcón
(2000:3), definiu como “organizations formed by migrants from the same locality
with the purpose of transferring money and other resources to their communities of
origin”. A especificidade das ATN relativamente às associações de mi-
grantes tradicionais advém do facto de apoiarem o desenvolvimento
das respectivas comunidades de origem, como afirma Orozco (2004:1):
“Hometown Associations (HTAs)1 seek to promote social change, particularly for the
benefit of vulnerable populations, such as children and the elderly. They do this by
financially supporting critical sectors, such as health and education in their communi-
ties of origin. In this way, the migrant members of HTAs strengthen their relationship
to the development of their country of origin”.
No entanto, o facto de as ATN dedicarem a maioria do seu tempo e recur-
sos no apoio a projectos nas comunidades de origem não é incompatível
com a prossecução de objectivos ao nível da integração dos seus membros
nas comunidades de acolhimento. Para além do mais, como nota Sassen,
este tipo de associação reforça as ligações entre países de origem e destino,
notando que “Hometown associations are directly concerned with the socio-economic 1 Associações de Terra Natal (tradução da autora)
73
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
development in its communities of origin and increasingly engage both governmental and
civic entities in sending and receiving countries in these projects” (2002:226)
No que diz respeito à lógica das doações, Orozco (2004:12) indica que
as Associações de Terra Natal têm uma base económica muito restrita,
uma vez que dependem quase exclusivamente das contribuições finan-
ceiras dos seus membros. Nota ainda que quer o trabalho realizado na
sociedade de acolhimento quer as actividades desenvolvidas nas comu-
nidades de origem são muitas vezes realizados com recurso a voluntá-
rios, o que lhes permite baixar os seus custos. A investigação de Leiken
(2000:16) revelou que “generally, HTAs are non-sectarian, voluntary organisa-
tions that depend entirely on donations”.
A análise do impacto que estas associações têm nas respectivas comu-
nidades de origem já foi analisada por diversos autores (Orozco, 2004;
Lacroix, 2005; De Haas, 2006; Carreiro, 2007), confirmando-se que
a sua importância é significativa para o bem-estar dessas populações,
como destacaram também Portes e Landolt: “Towns with a hometown as-
sociation have paved-roads, electricity, and freshly painted public buildings; the qua-
lity of life in transnational towns is simply better” (2000:543).
No caso da Guiné-Bissau, investigações já realizadas (Carreiro, 2007), reve-
laram a existência de 51 Associações de Migrantes guineenses em Portugal,
das quais 68% são consideradas como Associações da Terra Natal. Deste
sub-conjunto, 74% das associações são relativas a aldeias localizadas na
região de Cacheu, não surpreendentemente tendo em conta que tanto a
presente investigação como a de Machado (2002), referenciam os migran-
tes de etnia manjaca como um dos grupos mais numerosos em Portugal,
bem como aquele onde este tipo de dinâmica associativa é mais intenso.
È também interessante notar que as relações das Associações de Terra
Natal com os seus Estados de origem estão longe de ser isentas de con-
flitualidade e são frequentemente estruturadas por disputas pelo poder.
74
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
Da perspectiva da Associação de Terra Natal são possíveis dois tipos
de estratégia. Uma assenta num maior afastamento entre a Associação
e o poder do Estado de forma a resguardar a sua legitimidade como
expressão associativa e a sua isenção, e, consequentemente, possibilitar
uma maior capacidade reivindicativa. Uma outra estratégia defende a
aproximação entre o Estado e a Associação, sob o argumento de que
uma relação cordial entre ambos leva a que as necessidades das comu-
nidades sejam mais facilmente satisfeitas (Alarcón, 2000: 10).
As evidências apontam para um crescente reconhecimento do papel de-
sempenhado pelas Associações de Terra Natal pelo Estado, pois o traba-
lho que desenvolvem tem tanto de significado simbólico como de efeitos
práticos, contribuindo para o desenvolvimento económico e social local,
como refere Guarnizo (2003: 677). Ou seja, a relevância social do traba-
lho deste tipo de Associação tornou-as “impossíveis de não serem vistas”.
Mas não é só. O seu poder financeiro e influência leva também a que
tenham impactos políticos porque “they influence home local and regional govern-
ments by determining which public projects receive migrants financial support and which
do not” (Guarnizo, 2003: 677). De tal forma que alguns autores conside-
ram mesmo as Associações de Terra Natal como “parallel power structures”
na medida em que estão “forcing the state to engage them in new ways, wether in
kind or degree” (Smith, 1998:227-8). Esta tendência verifica-se igualmente
na Guiné-Bissau, como referiu um dos entrevistados “o Estado procura
cada vez mais ligar-se às Associações porque elas têm mais credibilidade
e ajudam mais do que o próprio Governo” (inquirido nº11).
Qualquer que seja a perspectiva, mais de 73% dos inquiridos nesta amos-
tra acredita que as associações de migrantes são importantes, particular-
mente ao nível do apoio que disponibilizam na integração dos emigrantes
nas sociedades de acolhimento. Mas uma percentagem significativa (40%)
refere também as associações como actores relevantes para o desenvol-
vimento da Guiné-Bissau, notando que “ajudam muito, essas que cons-
troem hospitais, escolas” (inquirido nº 8), mas também porque “podem
75
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
denunciar as coisas que estão mal feitas, podem servir de elo de ligação
mesmo que não seja economicamente e dar apoio moral aos que estão lá,
para que não se sintam sozinhos com as dificuldades” (Inquérito nº47).
No entanto, não são isentas de crítica. Mahler (1998) e Goldring (2001) fi-
zeram notar que este tipo de associações promove projectos não só com o
objectivo de beneficiar a comunidade mas também de adquirir mais poder
social, sendo ainda passíveis de manipulação e exploração por parte dos go-
vernos. Notam ainda que tendem a reforçar as relações de hierarquia já exis-
tentes na comunidade, sendo frequente a exclusão das mulheres. Não deixa
portanto de ser revelador que, da amostra em causa na presente investigação,
nenhuma das inquiridas pertença a uma Associação de Terra Natal, embora
cerca de 20% das mulheres da amostra refira pertença associativa.
Globalmente, as maiores críticas às Associações de Migrantes guine-
enses incidem sobre a sua promiscuidade com a política guineense e
com a dificuldade em se organizarem em torno de objectivos comuns,
como referiu o inquirido nº 24: “As Associações de Migrantes guineen-
ses prejudicam o seu próprio potencial porque não conseguem traba-
lhar juntas e perdem-se em batalhas pelo protagonismo”. Por último,
a lógica das suas intervenções também é questionada, referindo-se que
“têm tido dificuldade em evoluir da perspectiva assistencialista do início
para um verdadeiro desenvolvimento” (inquirido nº 51).
Apresentam-se em seguida dois exemplos de Associações de Terra Na-
tal guineenses em Portugal, que revelam em traços gerais as principais
características das organizações deste tipo.
Exemplo 1
A Associação dos Filhos de Calequisse residentes em Portugal – AFICAP
A AFICAP foi criada em 1983, com o objectivo de apoiar os seus mem-
76
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
bros – guineenses oriundos da tabanca2 de Calequisse na região de Ca-
cheu - em caso de doença ou desemprego e para custear a transladação
dos sócios em caso de falecimento em Portugal. A primeira sede da
Associação foi no Monte de Caparica, tendo em seguida mudado para
Casal de Cambra. A Associação definiu como atribuições nos seus es-
tatutos “participar no desenvolvimento sócio económico e cultural do
Sector de Calequisse (…), apoiar as populações do referido sector, em
conjunto com outras associações da mesma natureza e fins”.3 Desde
logo foi constituído um fundo a partir das contribuições dos associados
para suportar financeiramente estas actividades.
Em 1987, o fundo foi utilizado para comparticipar as despesas médicas
da cirurgia de um sócio e na mesma fase para suportar as exéquias de
uma sócia. Até ao final da década de 90, as actividades da associação vi-
savam sobretudo o apoio legal aos seus membros, tendo sido realizadas
algumas sessões de esclarecimento sobre o sistema de segurança social,
reagrupamento familiar e processos de legalização. A manutenção da
cultura guineense também constitui uma prioridade para a Associação,
pelo que procuram organizar também festas com música e comida tra-
dicionais. Em 2000, a Associação foi formalmente constituída e pouco
depois recebia o reconhecimento formal do ACIDI.
As actividades dirigidas à aldeia de origem iniciaram-se em 1994, com
a construção de uma escola secundária em Calequisse. Embora possua
uma escola primária, em Calequisse não existe continuidade ao nível do
ensino pelo que as crianças que terminam a quarta classe são forçadas a
seguir para Bissau para poderem continuar a estudar. Esta é uma possi-
bilidade fora do alcance da maioria das famílias de Calequisse, porque
o encargo de manter um filho a estudar longe de casa é significativo,
tendo em conta o nível de vida médio da comunidade. Como conse-
quência, a maioria das crianças de Calequisse não podia prosseguir os 2 Tabanca é um aglomerado populacional mais comum em meio rural; será equiva-lente à aldeia em Portugal3 Fonte: Estatutos da AFICAP.
77
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
seus estudos, ou, na melhor das hipóteses, eram forçadas a separar-se
da sua família para poderem continuar a estudar. Face a esta situa-
ção, entre 1994 e 2000, a AFICAP, juntamente com as suas congéneres
francesa e senegalesa, dedicou os seus recursos à construção de um liceu
em Calequisse, que serve todo o sector.
Seguiu-se a recuperação do Centro de Saúde local. Este projecto foi tam-
bém desenvolvido com as Associações congéneres em França e Senegal
e contou com o apoio da Igreja e da Associação de jovens local. Termi-
nada a recuperação do edifício, a Associação planeia promover cursos
de formação profissional para técnicos de saúde, dirigidos às pessoas de
Calequisse, uma vez que o maior obstáculo ao funcionamento das infra-
-estruturas construídas é a carência de recursos humanos qualificados.
Em 2006, a Associação encontrava-se a promover uma recolha de livros
para enviar para a biblioteca que estavam a montar em Calequisse. Fize-
ram diligências junto das instituições em Portugal e conseguiram um do-
nativo de 135 livros do Instituto Camões. Pretendiam também desenvol-
ver um clube desportivo em Calequisse, providenciar cursos de informá-
tica para os jovens da localidade e instituir o prémio do “Melhor Aluno”.
Simultaneamente procuram dar continuidade à construção da 2ª fase
do Centro de Saúde de Calequisse, mas não descuram as suas activi-
dades em Portugal. Em 2007, a associação obteve um financiamento
junto do ACIDI para a realização de uma conferência para celebrar o
Dia da Guiné-Bissau e a organização de um curso de informática para
os jovens da Associação.
Exemplo 2
Associação Baboque em Portugal
Baboque é o nome de um dos regulados existentes na região de Cacheu,
78
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
na Guiné-Bissau, também conhecido como regulado da Costa de Baixo
(Carvalho, 1998). Como qualquer um dos regulados da região, é constitu-
ído por um certo número de tabancas. Baboque, embora seja denomina-
da de associação, quer estatutariamente quer pelos seus membros, é na
prática uma federação de associações de migrantes que têm em comum
o facto de serem constituídas por elementos oriundos desse regulado.
As associações que constituem a Associação Baboque são as seguintes:
Balolé – Associação dos Filhos e de Bajope e Capol residentes em Por-
tugal; Associação dos Naturais de Cabienque residentes em Portugal;
Associação Amigável Babanda Ucunho Bucul; Associação dos Naturais
de Chulame; Associação dos Filhos e Amigos de Utiacor residentes em
Portugal; Associação dos Filhos de Canobe; Associação dos Naturais de
Petabe; Associação dos Naturais de Cachobar; Associação dos Naturais
de Beniche; Associação dos Naturais de Pepal; Associação dos Naturais
de Bucucute – Caroncã e Associação dos Naturais de Bará.
As doze associações agregaram-se em torno da vontade partilhada de
agirem conjuntamente em prol do desenvolvimento do regulado de Ba-
boque. Todas elas têm percursos idênticos, com pequenas diferenças
no número de membros ou no ano de criação. Nenhuma se encontra
reconhecida pelo ACIDI, e das doze, só as duas primeiras (Balolé e Ca-
bienque) se encontram formalmente constituídas como associação. Este
aspecto não é impeditivo para o desenvolvimento das actividades das
associações nas comunidades de origem, como refere o Presidente da
Associação: “não é que não haja preocupação, mas as associações nun-
ca deixaram de funcionar nem de fazer o que tinha que ser feito por não
estarem legalizadas”4. No entanto, a Associação Baboque em Portugal
encontra-se, ela própria, formalmente constituída, tendo definido como
objecto social o seguinte:
“A Associação tem por objecto promover acções sócio-culturais, sanitá-4 Manuel da Costa Mendes, Presidente da Associação Baboque em Portugal, entrevista com a autora, Charneca do Lumiar, Lisboa, 10 de Junho de 2006.
79
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
rias, educativas, reagrupar os naturais e amigos de Baboque residentes
em Portugal em prol do incremento de laços de amizade, defesa dos
interesses dos seus sócios, no plano da saúde, educação, tanto no país
de origem como no estrangeiro, e adaptação dos sócios à sociedade do
país de acolhimento (Portugal) e também fortalecer relações com outras
instituições, associações guineenses e estrangeiras residentes em diver-
sos países do mundo”5.
Todas as Associações que integram a Associação Baboque possuem
um fundo, constituído a partir das quotas dos associados. Esse fundo
foi utilizado como suporte social para os membros das associações nos
primeiros tempos das suas estadias. À semelhança de outras ATN, tam-
bém as associações que constituem a Baboque começaram a direccio-
nar as suas actividades para a comunidade de origem, à medida que as
condições de vida dos seus membros melhoravam e a disponibilidade
das associações para outras actividades aumentava, consequentemente.
No seguimento das várias intervenções que as associações pertencen-
tes à Baboque foram realizando – na medida das suas possibilidades,
e regra geral, em parceria com congéneres francesas, espanholas e/ou
senegalesas – foi crescendo nelas a noção de que as suas intervenções
eram fragmentadas e parcelares e que poderiam ter maior impacto e
capacidade de intervenção se articulassem esforços entre si.
Esta constatação conduziu à constituição da Associação Baboque. Parale-
lamente, o mesmo processo decorria, mais ou menos nos mesmos moldes,
em França, onde também foi constituída uma Associação Baboque. Em
2002 iniciou-se o processo de reconhecimento e angariação dos membros
potenciais. Em 2003, dava-se a primeira Assembleia Geral. A Associação
Baboque em França reúne 24 Associações de referência local, todas cons-
tituídas por pessoas oriundas de tabancas situadas no regulado de Baboque.
Este facto é, por si só, expressivo da dimensão da comunidade guineense
residente em França, um facto que as estatísticas oficiais não revelam.
5 Fonte: Estatutos da Associação Baboque em Portugal, artigo 2º.
80
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
Uma vez constituída, a Associação Baboque em França iniciou um pé-
riplo junto das outras Associações Baboque já existentes – como a de
Portugal e a dos Estados Unidos – e das Associações Baboque em po-
tencial, em Espanha e em Itália. Como objectivo, a Associação Baboque
em França determinou a definição de uma estratégia comum, que mo-
bilize os recursos de todas as pessoas oriundas de uma qualquer tabanca
no regulado de Baboque, estejam elas onde estiverem. Como referiu o
Presidente da Associação Baboque em França, Albert Mendy, “em qual-
quer canto do mundo em que se encontre um filho de Baboque, vamos
chamá-lo a participar e a apoiar o desenvolvimento de Baboque ”6.
Paralelamente aos esforços de articulação entre si ao longo da diáspora,
as Associações Baboque têm desenvolvido iniciativas isoladamente. A
Associação Baboque em França encontra-se a promover um projec-
to que visa diminuir a especulação de preços que ocorre na região de
Canchungo na época seca. È nesta altura do ano que a maioria dos
migrantes manjacos, independentemente do seu local de residência,
regressa à sua aldeia de origem. A chegada destes migrantes, com o
seu poder de compra bastante superior ao da população local é vista
pelos comerciantes como uma oportunidade para aumentarem os seus
dividendos e, por isso, os preços são substancialmente aumentados. A
situação é particularmente complexa porque uma boa parte das aquisi-
ções dos migrantes são animais destinados à realização dos rituais tradi-
cionais, sendo praticamente obrigatórias. Em segundo lugar, porque os
comerciantes de animais são, regra geral, fulas e mandingas, as etnias
tradicionalmente criadoras de gado e comerciantes e não manjacos, o
que cria algumas tensões. A Associação Baboque em França tem estado
em negociações com o governo local de Cacheu, procurando promover
uma legislação que controle os preços e uma garantia de monitorização
da actividade dos comerciantes, especialmente na estação seca.
6 Albert Mendy, Presidente da Associação Babok em França, entrevista com a autora, Charneca do Lumiar, Lisboa, 10 de Junho de 2006.
81
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
Por seu turno, a Associação Baboque em Portugal encontra-se a de-
senvolver um projecto em articulação com uma ONGD portuguesa, o
CIDAC. Este projecto pretende desenvolver um quadro de referência
comum para a intervenção integrada das várias associações de migran-
tes que constituem a Baboque entre si. O próximo projecto visa a cons-
trução de uma Escola Profissional no regulado, de forma a garantir a
continuidade dos estudos dos jovens da região. No futuro, as diversas
Associações Baboque pretendem mobilizar o conjunto dos seus recur-
sos e intervir de forma concertada em Baboque, sobretudo nas áreas da
saúde e da educação, que entendem como fundamentais para a pro-
moção do desenvolvimento do regulado. Pretendem também articular-
-se com outras iniciativas idênticas, como a do regulado de Calequisse,
que, à semelhança de Baboque, também procura organizar as diversas
associações na diáspora. Nenhuma destas iniciativas, enfatizaram os
Presidentes da Baboque em França e da Baboque em Portugal, invali-
da ou minimiza a especificidade e os interesses das associações que as
constituem, e sem as quais, afinal, não existiriam.
Imagem 1
Festa de concertação das intervenções das Associações de Baboque em Portugal e França,
82
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
Odivelas (Novembro de 2007)
As duas associações apresentadas exemplificam a orientação predo-
minante das Associações de Terra Natal para a promoção do desen-
volvimento das respectivas comunidades de origem, constituindo um
elemento revelador da maturidade do transnacionalismo sociocultural
protagonizado pela diáspora guineense em Portugal. À luz desta pers-
pectiva, torna-se evidente que as lógicas e políticas de integração dos
migrantes nos países de destino têm um impacto significativo no desen-
volvimento do país de origem. De facto, só quando a situação legal e
financeira dos migrantes se estabiliza, a Associação tem a disponibilida-
de e os meios necessários para dar prioridade às actividades realizadas
no país de origem.
Constata-se o significativo nível de influência recíproca existente en-
tre as condições do país de acolhimento e as do país de origem sobre
a diáspora. As associações são efectivamente condicionadas quer pelo
quadro legal e político da sociedade de acolhimento, quer pela con-
juntura económica, quer ainda pelos constrangimentos e oportunida-
des vividos pela própria comunidade migrante na qual emergem. Mas
as suas prioridades são também influenciadas pelas condições de vida
e necessidades das comunidades donde são oriundas. Tanto as activi-
dades promovidas pelas associações nas suas comunidades de origem,
como o contexto em que emergem, confirmam que “people leave their
countries because of development conditions there, yet they continue to engage with their
homelands at various levels. Such engagement stretches the idea of development beyond
territorial boundaries” (Orozco, 2004:6).
Desta forma, as associações de migrantes guineenses mantêm a Guiné-
-Bissau presente no seu quotidiano, mas também se tornam, elas pró-
prias, presentes ainda que ausentes7, nas vidas e no destino do seu país.
7 Parafraseando Robert Smith (2000), na obra intitulada: los aUsEntEs siEmprE prEsEn-tEs: thE imagining, making and politics of a transnational commUnity BEtwEEn nEw york city and ticUani, pUEBla, Manuscrito, Columbia University, Institute for Latin American
83
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
6.3. Pistas de transnacionalismo económico
O transnacionalismo económico tem como actores, segundo a tipolo-
gia de Portes, os empresários/empreendedores migrantes cujas redes de
fornecedores, capital e mercados, trespassam os Estados, envolvendo os
países de origem e de destino, ou mesmo outros, particularmente aque-
les onde também se encontram membros da mesma diáspora (Portes,
1999: 227; idem, 2004: 76). A proposta de Guarnizo (2003:680) sobre
esta matéria alarga a abordagem de Portes, incluindo como parte das
actividades económicas transnacionais convencionais, não só o empre-
sariado transnacional, mas também as remessas familiares e o dinheiro
enviado para apoio a projectos de desenvolvimento comunitário local.
As tipologias propostas pelos dois autores são reveladoras na medida
em que chamam a atenção para formas alternativas de pensar a ligação
dos migrantes com os seus países de origem, classicamente percebida
como unidireccional e de sentido Norte-Sul. É evidente que as remessas
têm um peso significativo, mas as empresas e pequenos negócios geridos
por emigrantes, o comércio étnico e os lucros gerados pelas viagens e
contactos telefónicos dos emigrantes com as suas famílias, provam que
o fluxo de bens e serviços é multidireccional e muito mais complexo do
que o protagonismo dado às remessas tem permitido perceber.
A presente investigação confirma que o fluxo de bens é bidireccional,
ou seja, não é estritamente no sentido Portugal - Guiné-Bissau, mas
também no sentido Guiné-Bissau - Portugal. Como revela o gráfico se-
guinte, a esmagadora maioria dos inquiridos referiu consumir regular-
mente roupas, comidas e bens culturais oriundos da Guiné-Bissau:
and iberian Studies.
84
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
Gráfico 11
Consumo de bens provenientes da Guiné-Bissau
Confirma-se que a diáspora guineense em Portugal possui o poder de
compra e o interesse em adquirir bens especificamente guineenses, o
que consequentemente gera uma dinâmica comercial que alarga o mer-
cado de exportações guineense e aumenta, necessariamente, a produ-
ção, o rendimento e o emprego na Guiné-Bissau. No entanto, como
este fluxo comercial tem uma natureza familiar e recorre a canais de
transferência informais, acaba por funcionar em circuitos fechados e
o seu potencial não é reconhecido nem devidamente explorado. Em
Lisboa, não é possível identificar facilmente locais de consumo de bens
gastronómicos e culturais guineenses, ao contrário do que sucede com
Cabo Verde ou Angola, por exemplo. Mesmo as festas e concertos não
são amplamente divulgados fora do âmbito da diáspora guineense, pelo
que o seu património cultural e artístico permanece aquém do seu po-
tencial de divulgação e generalizadamente desconhecido para a socie-
dade portuguesa.
O mesmo se verifica com o empresariado guineense em Portugal. Só
cerca de 13% dos inquiridos referiram desenvolver uma actividade em-
presarial por conta própria; a grande maioria trabalha por conta de
outrem. Dos empresários identificados, em 70% dos casos, a actividade
comercial desenvolvida depende de relações com a Guiné-Bissau ou são
mesmo casos de investimento directo na Guiné-Bissau, normalmente
85
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
um pequeno negócio gerido por um familiar, no qual o emigrante in-
vestiu o capital inicial e donde retira alguns dividendos. Relata a en-
trevistada nº 28 “a vida em Portugal também é difícil. Quando tive a
minha filha precisava de ganhar algum dinheiro extra. Decidi comprar
200 Euros de roupa e enviar para a minha irmã em Bissau, para ela
vender lá. Agora faço-o regularmente. A minha irmã vende a roupa e
fica com algum dinheiro, o resto envia para mim. Consigo pagar meta-
de da renda com o dinheiro da venda da roupa”.
Outro entrevistado referiu que “quando já cá (em Portugal) trabalha-
va há alguns anos, juntei algum dinheiro e comprei uma carrinha em
segunda mão. Enviei a carrinha para Bissau, para o meu primo abrir
um negócio de sete place, que fazia a viagem entre Bissau e Ziguinchor
(Sul do Senegal). Ao princípio corria bem, mas depois a carrinha estava
sempre a avariar e os arranjos eram muito caros. Acabei por desistir
porque já tinha gasto muito dinheiro com a compra da carrinha e com
o despacho alfandegário” (entrevistado nº 17).
Também foram identificados empresários guineenses cujo negócio
apresenta uma ligação forte com a diáspora guineense, tanto ao nível
dos clientes como dos fornecedores. As principais dificuldades referidas
relacionam-se com o acesso ao crédito (em Portugal), com os procedi-
mentos administrativos para criação de um negócio e com os custos
tidos como demasiado elevados dos despachos alfandegários na Guiné-
-Bissau. Novamente, num e noutro caso, os negócios identificados são
de pequena escala e desenvolvem-se em circuitos informais.
O fluxo de bens e o empresariado transnacional surgem acompanhados
por mais um elemento típico, e o mais reconhecido do conjunto de prá-
ticas de transnacionalismo económico: as remessas. A informação reco-
lhida no âmbito da presente investigação revelou que 75% dos inquiridos
envia regularmente remessas para os seus familiares na Guiné-Bissau,
sendo que os montantes variam de acordo com o gráfico seguinte:
86
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
Gráfico 8
Montantes das remessas enviados pelos inquiridos mensalmente
Verifica-se que cerca de 50% dos inquiridos envia entre 50 a 100 Euros
por mês para a respectiva família na Guiné-Bissau. Outra parte signi-
ficativa de inquiridos (40%) afirma enviar entre 100 e 250 Euros/mês
para a respectiva família, e uma minoria envia montantes inferiores a
50 Euros e outra minoria, montantes superiores a 250 Euros.
Montantes aparentemente pouco significativos ao nível individual tor-
nam-se relevantes quando perspectivados a nível do colectivo. Para o
ano de 2007, as Nações Unidas estimam em 29 milhões de US$ o mon-
tante de remessas que teve como destino a Guiné-Bissau, correspon-
dendo a um valor de 17 US$ per capita e contribuindo para 8,3% do
PIB (PNUD, 2009). Deste valor, cerca de 22% (seis milhões e noventa
a quatro mil Euros) foi enviado a partir de Portugal8, confirmando-se,
novamente, a importância da ligação da diáspora guineense residente
em Portugal com o seu país de origem. Importa destacar ainda que es-
tes números se referem unicamente ao dinheiro transferido por canais
formais, que não são a forma mais utilizada para transferir dinheiro,
como revela o gráfico seguinte:
8 http://www.observatorioemigracao.secomunidades.pt/np4/paises.html?id=92
87
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
Gráfico 9
Formas de envio de bens e remessas financeiras
Constata-se que a esmagadora maioria dos inquiridos opta pelo que
denominámos de agências guineenses para o envio tanto de bens como
de dinheiro. As agências guineenses são pequenas empresas informais,
normalmente de natureza familiar, que garantem o envio tanto de bens
como de dinheiro de uma forma simples, com uma rapidez idêntica e a
custos inferiores aos praticados pelas grandes agências de transferência
(como a Western Union ou a Money Gram) e pelos bancos. O processo
consiste em entregar o dinheiro a um despachante em Portugal, que
no mesmo momento telefona para a sua contra-parte na Guiné-Bissau,
sendo o dinheiro imediatamente entregue ao seu destinatário.
Esta operação é menos dispendiosa e muito menos complexa pois os
procedimentos de segurança inerentes às agências formais são aqui
substituídos por relações de confiança, ou seja, são garantidos pelos ní-
veis elevados de capital social que caracterizam esta comunidade. Esta
questão é igualmente relevante para os destinatários das remessas, que
têm acesso ao dinheiro através de um simples telefonema, evitando as-
sim o sistema de identificação, de códigos e de procedimentos adminis-
trativos das agências financeiras. O fluxo financeiro dentro do circuito
88
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
da agência informal é garantido pelo envio directo de capital através de
familiares e amigos em trânsito para a Guiné-Bissau.
Assim, apenas 10% dos inquiridos referem a utilização de agências de
transferência, contra os cerca de 78% que utilizam canais informais.
Mais de 12% referiram outros canais para o envio de dinheiro, a maio-
ria através de familiares e amigos nos voos tri-semanais Lisboa-Bissau
bem como o envio através de Associações de Migrantes. Dos mais de
20% que afirmam enviar bens através de outros canais, o recurso a
familiares e amigos que viajam para Bissau é o meio mais referido. Os
dados revelam ainda que há uma relação entre o grau de escolaridade
dos inquiridos e a prática de envio de remessas, como revela o gráfico
seguinte:
Gráfico 10
Relação entre o envio de remessas e o nível sociocultural dos inquiridos
Constata-se que aqueles que possuem um grau de escolaridade mais
baixo têm uma prática de envio de remessas muito mais forte, uma
relação inversa da verificada nos que têm um grau de escolaridade mais
elevado. Este é um padrão expectável tendo em conta que aqueles que
não tiveram oportunidade de estudar são provavelmente oriundos de
famílias com menos possibilidades económicas, onde a necessidade de
remessas será maior. Já os que tiveram acesso a uma educação melhor,
89
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
serão oriundos de famílias com um nível socioeconómico mais eleva-
do, onde a necessidade de remessas não se verifica ou se verifica a um
nível muito inferior. Importa ainda referir que da totalidade dos que
concluíram ou se encontram a frequentar pós-licenciaturas, 60% ainda
se encontram a estudar e os restantes 40% não trabalham na sua área
de formação, desempenhando cargos menores, sobretudo no sector dos
serviços. O investimento que ainda se encontram a realizar na sua for-
mação, em paralelo com a menor disponibilidade financeira devido ao
emprego não qualificado poderão justificar o menor envio de remessas,
tanto mais que, tal como já foi referido, a pressão ou necessidade por
parte da família no país de origem será menor ou mesmo inexistente.
Os inquiridos foram também questionados relativamente à sua percep-
ção sobre a forma como as remessas que enviam são utilizadas pelos
respectivos familiares. Os dados obtidos revelam o seguinte:
Gráfico 12
Utilização percebida das remessas na Guiné-Bissau
Tal como se pode verificar, a grande maioria dos inquiridos acredita
que as remessas que envia são utilizadas, em mais de 80% dos casos,
para a aquisição de bens alimentares. A saúde e educação surgem logo
em seguida, sendo que os bens de consumo (entendidos como bens que
não são de primeira necessidade) são referidos em cerca de 35% dos
90
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
casos. Os bens básicos (entendidos como a aquisição de gasóleo para
um gerador, para a construção ou remodelação de uma casa, dinheiro
para rituais) são utilizados em menos de 30% dos casos. Nenhum dos
inquiridos referiu as remessas que envia como sendo utilizadas para o
desenvolvimento de actividades geradoras de rendimento.
Relativamente à importância destas remessas para as famílias beneficia-
das, em 78% dos casos, os inquiridos consideraram que as remessas têm
uma importância muito alta. Cerca de 8% consideraram a sua impor-
tância média, e 2% entendem que as remessas não são nada importan-
tes. Ainda 11% afirmam não saber ou não querer responder.
O grau de importância percepcionado pelos inquiridos relaciona a re-
levância das remessas com a situação generalizada da falta de acesso a
um emprego assalariado na Guiné-Bissau ou das más condições desse
tipo de emprego, que é maioritariamente no sector público: “os salários
lá são muito baixos e vêm sempre atrasados (inquirido nº1); “as pessoas
lá não recebem salário, então o que vem de cá é muito importante” (in-
quirido nº 12), ou, como resumiu um inquirido “a maioria das famílias
não tem um rendimento e depende dos que estão fora. Sem esse dinhei-
ro era muito difícil porque as pessoas não têm trabalho” (inquirido nº
24). Lapidarmente, concluiu o inquirido nº 74 que “as remessas é que
garantem a sobrevivência das famílias na Guiné-Bissau”.
Mas também existem críticas ao efeito gerado pelas remessas, como
referiu o inquirido nº 4 “o dinheiro é importante, mas é mal utilizado;
provoca acomodação nas pessoas e elas deixam de se esforçar”. Notou
ainda o inquirido nº 27: “as remessas provocam desigualdade; os gui-
neenses têm um sentido de comunidade e de solidariedade muito forte,
não se vê ninguém passar fome. As remessas desequilibram isso e o
migrante sacrifica muito para mandar coisas para lá, para mostrar que
tem e pode. Cria divergências entre os vizinhos, muita pressão para o
migrante e provoca mais emigração”. O inquirido nº 46 concluiu que
91
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
“o contributo das remessas para o desenvolvimento da Guiné-Bissau
podia ser muito maior se o dinheiro fosse investido e criasse emprego;
mas ajuda sempre porque há famílias que passam muito mal porque o
Estado só é Estado em sentido figurado”.
Os argumentos avançados pelos inquiridos quando questionados sobre
o impacto percebido das remessas para o desenvolvimento do seu país
de origem, convidam a revisitar os argumentos da escola “pessimista” e
da escola “optimista”, aplicando-os ao caso específico da Guiné-Bissau.
Em contextos de profunda fragilidade institucional como o deste país,
em que os níveis mínimos de funcionamento dos serviços básicos não
são garantidos, as remessas têm impactos complexos. Por um lado, são
as remessas que, indiscutivelmente, garantem o acesso à saúde e à edu-
cação das famílias beneficiadas, particularmente às que são de um es-
trato socioeconómico mais baixo.
No entanto, estas mesmas remessas acabam também por funcionar como
um “amortecedor” para os impactos que as fragilidades da governação
do Estado têm na qualidade de vida dos guineenses, mitigando a necessi-
dade da população em reclamar e exigir responsabilidade por parte dos
seus governantes. Por outro lado, verificou-se que mesmo os inquiridos
que não tinham uma perspectiva positiva sobre o impacto das suas remes-
sas, afirmavam enviá-las regularmente. Este dado indicia os possíveis ní-
veis de pressão familiar nesse sentido, provavelmente aliada à obrigação
de retorno do investimento feito pela respectiva família, uma vez que, ge-
neralizadamente na Guiné-Bissau, a migração é uma estratégia de sobre-
vivência familiar e não individual. Importa ainda referir que um salário
médio na Guiné-Bissau ronda os 40 Euros, e que assim sendo, as remes-
sas mesmo de baixo valor têm um peso relativo elevado no orçamento
das famílias beneficiadas, ao qual acrescem os bens e os envios suportados
pelo migrante para apoio a situações ou constrangimentos específicos.
De uma forma geral, verifica-se que as dinâmicas de transnacionalismo
92
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
económico são significativas na diáspora guineense residente em Portu-
gal, e que possuem um sentido bidireccional. No sentido Lisboa - Bis-
sau seguem montantes relevantes de remessas familiares, uma prática
regular para mais de três quartos dos inquiridos, juntamente com bens
materiais. Mas o fluxo Bissau - Lisboa também é surpreendentemente
significativo, revelando as potencialidades do mercado constituído pela
diáspora em Portugal para os produtos guineenses. A estes dois fluxos
acrescentam-se os empresários transnacionais, que são pouco numero-
sos no âmbito desta comunidade devido aos constrangimentos no acesso
ao crédito, às dificuldades de mobilidade entre Portugal e a Guiné-Bis-
sau e à burocracia e instabilidade do próprio país, que desencorajam o
investimento externo. Foi portanto interessante constatar que mais de
80% dos inquiridos teria interesse em fazer um investimento financeiro
na Guiné-Bissau a partir de Portugal, se esses constrangimentos pudes-
sem ser ultrapassados. Confirma-se assim o potencial inexplorado do
empresariado transnacional da diáspora guineense em Portugal.
Também se constatou que a maioria dos negócios que são efectivamen-
te desenvolvidos têm uma natureza informal e decorrem normalmente
em circuitos familiares. Por último, o montante de remessas que é en-
viado através de canais não formais revela que o fluxo financeiro que
tem a Guiné-Bissau como destino é muito superior aquele que as esta-
tísticas oficiais permitem antever. A forma como este dinheiro é utiliza-
do revela a importância da migração para o bem-estar da comunidade
não migrante, confirmando-se que também ao nível económico existe
um impacto significativo das práticas transnacionais dos guineenses em
Portugal sobre o desenvolvimento da Guiné-Bissau, um pressuposto
que os dados recolhidos na Guiné-Bissau virão a confirmar.
93
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
6.4. Pistas de transnacionalismo politico
Segundo Ostergaard (2003), por transnacionalismo politico entende-
-se: “various forms of direct cross border participation in the politics of their country
of origin by both migrants and refugees, as well as their indirect participation via
the political institutions of the host country”. A proposta de Baubock (2003),
nascida no seio da ciência política, destaca as particularidades deste
tipo de transnacionalismo. Afirma o autor que enquanto os transna-
cionalismos económicos e socioculturais trespassam as fronteiras dos
Estados-Nação sem que com isso coloquem em causa a sua natureza, o
transnacionalismo político obriga o Estado-Nação a reaquacionar-se e,
no limite, “affects the very definition of the entity whose borders are crossed” (Bau-
bock, 2003:702). Porque o transnacionalismo político migrante dilata a
comunidade política de um dado país para lá do seu próprio território
– desafiando a concepção clássica de que a política doméstica de um
qualquer país é decidida exclusivamente dentro das suas fronteiras –
criou a necessidade de alargar também o âmbito da análise, tradicional-
mente centrada no Estado-Nação ou nas relações entre Estados-Nação.
A proposta de Baubock é útil no que se refere à delimitação dos vá-
rios conceitos em presença. Assim, segundo o autor, o que distingue
as relações políticas transnacionais das internacionais, multinacionais
ou supranacionais é que as primeiras “create overlapping memberships be-
tween territorially separated and independent countries” (Baubock, 2003:720).
A abordagem deste autor oferece a possibilidade de tornar inteligível
as “communities and systems of rights that emerge at levels of governance above or
below those of independent state or that cut across international borders” (Baubock,
2003:704). Assim, no que diz respeito ao transnacionalismo migrante
de natureza política, esta é uma abordagem mais ampla e que integra
não só os actores óbvios do processo mas também as populações e as
instituições das comunidades de origem. Como refere o autor “political
transnationalism is not only about the activities of governments and organized inte-
94
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
rests in society, but involves the idea of a political community that stretches across
territorial boundaries” (Baubock, 2003:710).
No âmbito da presente investigação partiu-se do enquadramento teórico
elaborado por este autor, procurando apreender-se a dinâmica política da
diáspora guineense em Portugal, bem como o seu grau de influência sobre
a situação política na Guiné-Bissau. Analisou-se portanto, a participação
política da diáspora guineense na Guiné-Bissau e em Portugal, bem como a
importância atribuída ao processo para o desenvolvimento dos dois países.
Quando questionados sobre a importância atribuída ao voto dos migrantes
guineenses para Portugal, os resultados foram os seguintes:
Gráfico 13
Nível de importância atribuída ao voto dos migrantes para o desenvolvimento de Portugal
Verifica-se que mais de 60% dos inquiridos considera que o voto dos
emigrantes é importante para o desenvolvimento de Portugal porque
“também estamos a lutar pela evolução do país, somos emigrantes mas
vivemos aqui” (inquirido nº 4). O inquirido nº 14 notou que “lá por ser-
mos imigrantes, não quer dizer que não estejamos interessados na forma
como Portugal avança, e também contribuímos com os nossos impostos”.
Outro referiu que “sinto-me integrado; o que é bom para Portugal é bom
para mim, a minha opinião conta” (inquirido nº 20). Outro referiu ainda
que “os imigrantes votam para quem pode fazer o melhor para Portugal”.
95
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
Houve um número de inquiridos que avaliou a participação política em
Portugal através do voto como algo de legítimo, revestido de uma cre-
dibilidade que sentem não encontrar paralelo na Guiné-Bissau. Referiu
o inquirido nº 18 que “o sistema político aqui é credível”, ou “aqui é
a sério, vê-se a diferença” (inquirido nº30). O inquirido nº 34 declarou
que “em Portugal, as coisas fazem-se à base da lei”.
Há ainda um conjunto de inquiridos, menos de 20%, que liga o exercício
de voto à nacionalidade, considerando que votar em Portugal deve ser uma
prerrogativa exclusiva dos portugueses ou dos guineenses que já possuem
nacionalidade portuguesa, ou que não considera o voto dos migrantes re-
levante para Portugal. Segundo o inquirido nº 1 “o voto não resolve os
problemas dos emigrantes, porque a maioria das pessoas não vota com
essa preocupação”; outro inquirido refere que “somos imigrantes e um dia
voltaremos para o nosso país” ou ainda que “os portugueses é que sabem
dos seus problemas” (inquiridos nº 60 e nº65, respectivamente).
Quanto à importância do voto dos emigrantes para o desenvolvimento
da própria Guiné-Bissau, os resultados são expressivos:
Gráfico 14
Nível de importância atribuída ao voto dos migrantes para o desenvolvimento da Guiné-Bissau
Cerca de 90% dos entrevistados considera que o voto dos emigrantes é
muito importante para o desenvolvimento da Guiné-Bissau. As razões
96
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
invocadas para justificar esta opinião indiciam o peso que os migrantes
têm na economia do país, “as remessas apoiam muito as famílias, votar
dá forma ao sacrifício que os migrantes fazem, é uma forma de expres-
são” mas também uma reivindicação de um direito sentido como seu
“temos o direito de escolher quem melhor pode ajudar a Guiné-Bissau”
(inquirido nº 25). Muitos destacaram o papel dos migrantes na trans-
missão de informação e conhecimento. Disse o inquirido nº 31 que “os
migrantes é que estão a ver o que se está a passar lá; sem nós a Guiné-
-Bissau já não existia”, reforçada pelo inquirido nº 48 que afirmou “os
que estão em Portugal estão a par de tudo, lá há menos informação, cá
já temos outra mentalidade, as pessoas lá não têm noção”.
Muitos dos inquiridos referem a experiência migratória como uma
aprendizagem da democracia por comparação à experiência que tra-
zem da Guiné-Bissau. Nota o inquirido nº 7 que “os imigrantes apren-
deram a democracia e podem contribuir”, bem como o inquirido nº 11,
“os migrantes ganharam uma visão mais ampla das coisas, quem não
sai fica refém das jogadas políticas locais e não vê”. Ou, como resumiu
o inquirido nº 24 “porque mais de 60% das pessoas na Guiné-Bissau
são analfabetas e votam ingenuamente; a esperança está na diáspora,
é um peso muito grande para o país, sabem que têm poder e podem
influenciar”.
Esta vontade expressa de participar activamente na vida política de am-
bos os países é justificada pela dupla pertença, tanto a Portugal como
à Guiné-Bissau, que não é considerada como mutuamente excludente,
pelo contrário. Verifica-se que o facto de os migrantes estarem ausentes
não é sinónimo de uma ruptura ou de um desinteresse pelas condições
do seu país de origem. Pelo contrário, parece haver uma preocupação
acrescida – porque “vendo de fora”, por comparação, se percebem me-
lhor os constrangimentos da situação política guineense – e uma rei-
vindicação de participação legitimada não só pela nacionalidade que
possuem, mas também pelo contributo económico que dão ao país.
97
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
Paralelamente, constata-se que há uma noção de pertença à sociedade
portuguesa, expressa pela preocupação com a situação do país e sus-
tentada pelo contributo que dão, pelo valor do seu trabalho e pelas
contribuições fiscais. Como notou o inquirido nº 18 “devíamos ser con-
siderados como cidadãos; a nossa opinião conta. Afinal, em 20 anos,
ajudámos muito a desenvolver Portugal”.
No entanto, verifica-se que as condições actuais não encorajam – e em
grande medida não permitem – a participação política dos migrantes
guineenses em Portugal e no seu próprio país de origem. Em Portugal,
a participação eleitoral de estrangeiros está dependente da existência de
acordos de reciprocidade e limitada às eleições locais. Por variadas ra-
zões, não existe acordo de reciprocidade entre Portugal e a Guiné-Bis-
sau (aliás, de todos os PALOP, só existe acordo de reciprocidade com
Cabo Verde) pelo que os imigrantes guineenses, independentemente
do tempo de residência, não podem votar. E todavia, a concessão do
direito de voto aos imigrantes, pelo menos ao nível local, é considerado
pelo Parlamento Europeu e pelo ACIDI, como um instrumento chave
para o processo de integração9.
Em Portugal, regista-se apenas uma experiência de um guineense num
lugar cimeiro da política portuguesa. O guineense, actualmente deten-
tor de nacionalidade portuguesa e Presidente da Associação Aguinenso,
Fernando Ká, foi eleito para o Parlamento Português pelas listas do PS
em 1996. O seu mandato durou cerca de 2 meses. Esta aparente falta
de representatividade da comunidade guineense no espaço político por-
tuguês será naturalmente uma consequência da falta de espaço que a
legislação e a sociedade portuguesas concedem aos seus migrantes, mas
também, e necessariamente, uma falta de engajamento da própria diás-
pora guineense pelo processo. Efectivamente, apesar das declarações de
interesse no voto dos imigrantes em Portugal, do conjunto de inquiridos
que possui nacionalidade portuguesa, apenas 9% alguma vez exerceu
9 http://www.acidi.gov.pt/modules.php?name=News&file=article&sid=2852
98
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
o seu direito de voto nas eleições portuguesas. Do total dos inquiridos,
apenas 1,3%, ou seja, 1 dos 77 inquiridos afirmou pertencer a um par-
tido político português.
Por outro lado, a Constituição guineense não prevê a participação po-
lítica dos emigrantes nas eleições presidenciais mas apenas nas legis-
lativas. Dos 102 deputados que constituem o Parlamento guineense,
2 deveriam ser eleitos pela diáspora – 1 pelo círculo dos emigrantes
residentes na Europa e 1 pelo círculo dos guineenses residentes noutros
países africanos. No entanto, desde 1999, que não é feito um recense-
amento eleitoral dos guineenses residentes no estrangeiro e por conse-
guinte o escrutínio não se realiza para a diáspora guineense, inclusive
em Portugal.
Os dados obtidos nesta investigação revelam que há uma tradição de
participação política forte da diáspora guineense nas eleições do seu
país natal: dos inquiridos que tiveram oportunidade para participar
num processo eleitoral na Guiné-Bissau, 96% fizeram-no. Quanto aos
que já se encontravam em Portugal no processo eleitoral de 1999/2000
– único em que foram reunidas as condições necessárias para a diáspora
em Portugal votar – cerca de 15% afirma tê-lo feito. Quando inquiridos
sobre as razões da baixa participação neste processo eleitoral, os entre-
vistados enfatizaram a falta de qualidade do recenseamento efectuado
(em que alegadamente muitas pessoas não foram registadas) e a falta de
informação à comunidade guineense sobre a existência dessa possibili-
dade, que levou a que muitos não votassem por desconhecimento.
As autoridades guineenses garantem que o Governo tem envidado es-
forços no sentido de garantir a participação política dos migrantes, mas
que a falta de meios financeiros tem impossibilitado a concretização do
recenseamento e do acto eleitoral (entrevista ao Cônsul Geral da Gui-
né-Bissau em Lisboa, Junho de 2009). A legitimidade deste argumento
é reiterada pelo historial das eleições guineenses: desde 1994 que as elei-
99
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
ções não se realizam na data devida, mas sempre em consequência de
situações políticas inesperadas, como golpes de Estado ou, mais recen-
temente, a morte do Chefe de Estado no poder. A imprevisibilidade dos
escrutínios tem dificultado sobremaneira a concretização do processo
eleitoral, à qual acrescem as dificuldade de planeamento e logística ine-
rentes às condições limitadas do próprio país, o que necessariamente
afecta também a organização de eleições no circuito da diáspora.
No entanto, os inquiridos revelam que à falta de meios e de capacida-
de de planeamento deve acrescentar-se a falta de vontade política do
Governo guineense em possibilitar a participação eleitoral da diáspora.
Notaram os inquiridos que “não se incentiva o voto dos migrantes por-
que é um voto de mudança, não interessa” (inquirido nº 10) e que “para
os governantes, os migrantes não valem nada, chegaram a dizer que
não havia emigrantes guineenses, que éramos aventureiros! Têm medo
de nós, porque nós temos força” (inquirido nº 48).
È portanto interessante verificar os mecanismos adoptados pelos mi-
grantes para contornarem os obstáculos à sua participação política na
Guiné-Bissau. O inquirido nº 9 referiu que “a participação política dos
emigrantes guineenses é muito importante, porque a diáspora conta
com 2 deputados na Assembleia Nacional, e porque agora com os te-
lemóveis, até no sítio mais recôndito de África se telefona e se manda
dizer em quem se deve votar”. Outro inquirido afirmou que “eu lá (na
Guiné-Bissau) digo em quem é que eles devem votar (inquirido nº 31).
O que poderia parecer um comportamento marginal surge como um
processo aparentemente banal num dos principais blogues de opinião
da Guiné-Bissau, onde num pedido à participação política para as pre-
sidenciais de 2009 se pode ler “faço um apelo aos nossos emigrantes,
quaisquer que sejam as suas actividades no estrangeiro. Emigrantes que
têm contribuído com remessas significativas de dinheiro e bens mate-
riais o que tem ajudado a minimizar os problemas sociais do país, para
que colaborem na sensibilização dos seus familiares, para que o sentido
100
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
de voto não seja influenciado pelo efeito da manipulação. Para isso, a
estratégia consiste em cada um telefonar aos seus familiares e debater a
situação das eleições com eles, sensibilizando-os para a importância de
uma escolha criteriosa”.10
O engajamento político da diáspora guineense em Portugal é ainda ex-
presso pelas manifestações públicas de apoio a candidatos presidenciais
ou partidos. Um exemplo foi a Marcha de Apoio ao candidato indepen-
dente Henrique Rosa às eleições Presidenciais de 2009, que teve lugar
em Lisboa, a 21 de Junho.
Imagem 2
Marcha de apoio ao candidato presidencial Henrique Rosa, Lisboa (Junho de 2009)
A influência da diáspora no panorama eleitoral guineense é, finalmente, va-
lidada, pelas próprias forças políticas guineenses, que realizam périplos pela
Europa no período eleitoral. Tanto nas eleições legislativas de Novembro
10 http://didinho.no.sapo.pt/presidenciais2005sensibilizacao.htm, em 19/07/2009
101
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
de 2008, como nas Presidenciais de 2009, os candidatos e representantes de
Partidos Políticos visitaram Portugal, em processo de campanha eleitoral.
Os principais partidos políticos da Guiné-Bissau, PAIGC e PRS, abriram
sedes de campanha em Lisboa, e o PAIGC criou mesmo uma Directoria de
Campanha de Malam Bacai Sanhá na Diáspora, que correu Portugal em
campanha, apelando ao voto nas Presidenciais de 2010.11
Em suma, embora existam declarações de interesse em participar mais
activamente na vida política de Portugal, não se verificam níveis eleva-
dos de participação política na sociedade portuguesa. A persistência de
uma lógica de cidadania associada à nacionalidade, bem como a falta
de encorajamento por parte das autoridades e sociedade portuguesas
poderão estar na base desse comportamento. Não deixa porém de ser
relevante destacar a perspectiva de “aprendizagem da democracia” re-
velada por uma parte significativa dos inquiridos. Verifica-se também
que o processo migratório não se traduz numa ruptura com a vida polí-
tica da Guiné-Bissau, mantendo-se um forte envolvimento da diáspora
guineense em Portugal com a vida política da Guiné-Bissau que se re-
flecte também pela consciência declarada da sua própria importância
para as decisões estratégicas do país de origem.
Registam-se assim níveis elevados de transnacionalismo político por
parte da comunidade guineense em Portugal. Embora limitada na sua
capacidade de expressão cidadã pela falta dos mecanismos previstos
para o efeito, a diáspora desenvolveu estratégias alternativas para in-
fluenciar os escrutínios, que a tornaram um actor incontornável do ce-
nário político da Guiné-Bissau. Verifica-se também que o grau desta
influência é reconhecido e que é necessariamente elevado, tendo em
conta o investimento que é dedicado à diáspora em períodos de campa-
nha eleitoral. As consequências desta prática transnacional serão vali-
dadas, tal como as restantes, no capítulo que se segue, que apresenta os
dados recolhidos directamente na Guiné-Bissau.
11 www.mambasdiaspora.blogspot.com
102
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
6.5. Os resultados obtidos na Guiné-Bissau
O trabalho de campo realizado na Guiné-Bissau teve como ponto de
partida as pistas obtidas através dos dados recolhidos em Portugal.
Procurou-se assim validar e aprofundar a informação obtida, recorren-
do a métodos e instrumentos idênticos aos utilizados em Portugal, mas
comparativamente com um maior ênfase nas entrevistas abertas semi-
-estruturadas junto de informantes privilegiados e na análise de impren-
sa. Os resultados são apresentados segundo a mesma lógica do capítulo
anterior, ou seja, divididos entre os aspectos socioculturais, económicos
e políticos das dinâmicas transnacionais.
Na Guiné-Bissau foram realizadas 22 inquéritos e 14 entrevistas a infor-
mantes privilegiados. Foram ainda recolhidos dados junto do Instituto de
Apoio ao Emigrante e da Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros
e das Comunidades. A recolha de informação teve lugar nas cidades de
Bissau, Gabu e Canchungo, entre Agosto de 2008 e Maio de 2009.
Os inquiridos e entrevistados na Guiné-Bissau apresentam uma sobre-repre-
sentação (comparativamente à população total) de manjacos, papeis e fulas,
devido ao local onde os contactos foram realizados. No entanto, na capital,
foi possível entrevistar pessoas de diferentes origens, obtendo-se assim um re-
trato relativamente diversificado, tal como releva o gráfico seguinte:
Gráfico 15
Inquiridos na Guiné-Bissau por referência étnica
103
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
Quanto à ocupação socioprofissional dos inquiridos, a sua caracteriza-
ção é a seguinte:
Gráfico 16
Inquiridos na Guiné-Bissau por estrato socioprofissional
Uma parte significativa dos inquiridos (22%) era estudante, nome-
adamente entre as camadas mais jovens. Uma outra parte relevante
auto-referenciou-se como estando ligada ao sector da agricultura, par-
ticularmente os entrevistados na cidade de Canchungo. Por “empresá-
rios” foram denominados todos aqueles que exerciam uma actividade
comercial por conta própria, e são na esmagadora maioria, pequenos
comerciantes de Bissau, Gabu e Canchungo. Os empregados por conta
de outrem englobam em 42% dos casos pessoas que trabalham para a
administração pública, sendo os restantes ligados ao pequeno comércio
ou ao sector dos serviços, particularmente de transportes.
104
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
As entrevistas e inquéritos foram realizados em 3 regiões da Guiné-
-Bissau, segundo a seguinte distribuição:
Gráfico 17
Inquiridos na Guiné-Bissau por distribuição geográfica
As regiões foram seleccionadas em função da sua expressão migrató-
ria, segundo os dados obtidos em Portugal. As instituições contactadas
na Guiné-Bissau, nomeadamente a Secretaria de Estado das Comu-
nidades e o Instituto de Apoio ao Emigrante, ambos em Bissau, não
possuem estatísticas oficiais sobre o número e destino dos migrantes
guineenses. Indicativamente, o Director do Instituto de Apoio ao Emi-
grante situa em cerca de 90.000 os guineenses residentes no estrangeiro,
sendo que “provavelmente, a maioria encontra-se no Senegal, Portugal
e França, embora também haja muitos em Espanha, Holanda, Itália e
Cabo Verde”.
No entanto, a totalidade dos indivíduos entrevistados referiram que na
sua família mais próxima existia pelo menos um emigrante. Como refe-
riu um entrevistado, “cerca de 7 em cada 10 famílias guineenses estão
directa ou indirectamente envolvidos em dinâmicas migratórias”. A im-
possibilidade de quantificar o contingente de guineenses residentes no
estrangeiro e os respectivos países onde residem dificulta a análise quan-
titativa dos impactos do processo, pelo que se optou por aprofundar so-
bretudo do ponto de vista qualitativo os dados obtidos na Guiné-Bissau.
105
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
6.6. Impactos do transnacionalismo sócio-cultural
Segundo a perspectiva do transnacionalismo sociocultural, os impactos
das dinâmicas transnacionais são verificados em vários domínios: fluxo
de bens culturais, transmissão de competências e know-how, mudança
de mentalidades e comportamentos, e iniciativas filantrópicas a título
individual ou colectivo que visam o desenvolvimento da comunidade
de origem.
No que diz respeito às actividades de natureza filantrópica a título
colectivo, a região de Cacheu apresentou resultados particularmente
interessantes, que revelam o impacto que as associações de migrantes
na diáspora têm na qualidade de vida das respectivas comunidades de
origem. Das 58 escolas comunitárias12 existentes nesta região, a maioria
foi construída ou recuperada com os recursos financeiros disponibiliza-
dos pela respectiva associação de migrantes. Paralela e frequentemen-
te, os professores destas escolas recebem um incentivo financeiro que
compensa a situação de isolamento em que muitas vezes vivem e que
garante a continuidade das aulas quando os salários da função pública
se atrasam, o que já se verificou por períodos superiores a 6 meses.
12 Por escola comunitária entendem-se as escolas que são construídas por inicia-tiva das comunidades locais e que frequentemente são financiadas por essas mesmas comunidades. Invariavelmente, a contra-partida do Estado consiste no reconheci-mento formal da escola e à colocação dos professores.
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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
Imagem 3
Escola Primária Comunitária de Cabienque, Região de Cacheu (Abril 2007)
Desde logo, as tabancas desta região possuem, invariavelmente, uma
associação local constituída pelos representantes dos habitantes desta
tabanca. Encontramos assim a ASSOFITA – Associação dos Filhos de
Tame; a ASSOFAC – Associação dos Filhos e Amigos de Canhobe;
a AFIPEL – Associação dos Filhos de Pelundo, entre muitas outras.
Qualquer uma destas associações constitui-se como a interlocutora pri-
vilegiada – ou o braço operacional - , das suas associações congéneres
na diáspora, que podem ser tão numerosas quanto as comunidades de
emigrantes oriundos destas tabancas residentes no estrangeiro.
A tabanca de Calequisse, por exemplo, possui a sua associação local, a
Associação dos Filhos de Calequisse, e as respectivas congéneres: a As-
sociação dos Filhos de Calequisse residentes em Portugal, a Associação
dos filhos de Calequisse residentes em França, a Associação dos Filhos
de Calequisse residentes no Senegal. Também em Espanha e Itália se
verifica o mesmo fenómeno. Neste país, a recém fundada Associação
ASE – QUAGUI (associação dos Quadros e Estudantes Guineenses em
Itália), “já deu passos significativos no que diz respeito à mobilização de
107
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
parceiros e fundos para a implementação de alguns projectos sociais na
Guiné-Bissau”.13
Como referiu um dos informantes privilegiados: “as associações de mi-
grantes têm muitas vantagens e as associações das comunidades man-
jacas são um excelente exemplo, pois são muito unidas e fazem muitas
coisas em prol das respectivas comunidades de origem. Em França,
onde reside a maior comunidade de manjacos, existem muitas asso-
ciações extremamente bem organizadas. Edificam escolas e hospitais,
e desde sempre tiveram esta tendência de sair. Já no tempo colonial,
devido ao trabalho escravo e à opressão generalizada em que as pessoas
viviam, os manjacos saíam muito, sobretudo para o Senegal. Era uma
forma de melhorar a vida, mas também era uma expressão de protesto,
de revolta, contra o regime colonial, que assim não podia contar com
essa mão-de-obra” (Entrevistado nº 1, Bissau).
O exemplo da Associação dos Filhos de Bajope e Capol residentes em Por-
tugal, que recentemente construiu dois pavilhões para a escola básica local,
é recorrente na região de Cacheu. O mesmo tipo de iniciativa pode ser
localizado na maioria das tabancas desta região. A Associação dos Emi-
grantes de Tame em Portugal, construiu 6 pavilhões escolares, que benefi-
ciaram cerca de 600 crianças em idade escolar. A Associação dos Filhos e
Amigos da Ilha de Jeta em Portugal (AFAIJE) organizou e financiou a cons-
trução de um centro de saúde na localidade e patrocinou a aquisição de 2
canoas que garantem o transporte dos pacientes em estado crítico para o
Hospital de Bissau. Também a Associação dos Filhos Unidos de Binhante
em Portugal tem-se empenhado na construção de um posto médico para a
população da sua tabanca. A generalidade das associações de migrantes na
diáspora, independentemente do país onde se encontra, envia bens e equi-
pamentos para as escolas e postos médicos locais. O presidente da Associa-
ção dos Filhos e Amigos de Canhobe, ASSOFAC, sintetizou a forma como
o processo de relação entre a tabanca e a diáspora se concretiza “a reunião
13 Jornal “Última Hora”, de 24 de Novembro de 2009, pág.4.
108
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
(da associação local) sortiu efeitos positivos e os filhos das duas comunidades
na diáspora receberam as notícias e prontificaram-se com um projecto de
reabilitação da estrada de terra batida que liga as duas tabancas”.
Imagem 4
Escola Primária de Bajope e Capol, Região de Cacheu (Abril 2007)
Confirma-se a já indiciada relação de proximidade entre a diáspora
e o quotidiano da tabanca, que é afectada de forma determinante pela
capacidade de intervenção da respectiva associação de migrantes, bem
como pelas condições e meios a que a diáspora tem acesso no país de
acolhimento. O facto da maioria dos livros que se encontra na Biblio-
teca da Escola Comunitária de Benitche, em Cacheu, ser em Francês,
confirma este pressuposto, entre outros exemplos identificados.
Na região de Gabú também foram identificadas associações com este
perfil, ainda que em muito menor escala do que em Cacheu. A Asso-
ciação de Filhos da Região de Gabú residentes em Portugal, a única do
género, foi criada em 2003 e teve como primeira actividade o envio de
roupa e sapatos para um orfanato de Bissau, a Casa Emmanuel. Poste-
riormente enviaram roupa de cama para os Hospitais de Gabu e Bafatá
e actualmente preparam-se para enviar material hospitalar e máquinas
de raio-x. Para além do trabalho das associações de migrantes, há que
109
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
considerar o impacto dos migrantes neste domínio a título individual, até
porque esta forma de organização se revelou típica da região de Cacheu.
Apesar de uma menor expressão de associativismo para os migrantes
oriundos da região de Gabu, verificaram-se numerosas iniciativas de mi-
grantes individuais que edificaram escolas ou construíram furos de água,
que regularmente enviam livros e medicamentos e encorajam as activida-
des religiosas e culturais. Em Gabu foi referido que “são os migrantes que
pagam a escola, a saúde dos seus familiares, mas não estão organizados
em associações e não fazem projectos colectivos” (inquirido nº3, Gabu).
Apesar de uma apreciação globalmente positiva sobre a intervenção
dos migrantes, tanto a nível individual como ao nível das associações,
as críticas são substantivas. A falta de um planeamento estruturado no
quadro da região leva a que se dupliquem as iniciativas e se desperdicem
recursos. Frequentemente, as associações não articulam as suas activi-
dades com as autoridades locais, tendo depois dificuldades acrescidas
na colocação dos recursos humanos necessários para o funcionamento
efectivo das estruturas construídas. Tendem sobretudo a substituir-se
ao Estado e não a complementar ou melhorar os serviços públicos, o
que limita o seu impacto e contribui para uma desresponsabilização
acrescida das instituições guineenses. Os investimentos realizados ten-
dem a ser de natureza material, em detrimento de outros, de formação
ou capacitação dos recursos humanos locais, porque as suas limitações
técnicas enquanto agentes de desenvolvimento são significativas e por-
que a questão da visibilidade ou estatuto do emigrante influencia as
estratégias de intervenção. Como referiu o Presidente da Associação
Uno Tacal “Os migrantes têm enviado medicamentos e trabalhado na
reconstrução de escolas. Sempre que alguém envia alguma coisa, essa
doação é apresentada publicamente, para que toda a gente saiba o que
foi mandado e por quem”.
Notou-se também alguma tensão entre os migrantes e o poder tradi-
cional. Como referiu o Régulo de Baboque, na região de Cacheu “os
110
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
migrantes é que fazem tudo aqui, as escolas, os centros de saúde, os me-
dicamentos, eles é que enviam. È assim, quem emigra tem que ajudar
quem fica, são filhos da terra”. E assim sendo, como notou um dos in-
quiridos, ainda em Lisboa, “há muita pressão em torno dos emigrantes.
Eles não querem saber se nós (emigrantes) estamos bem ou mal, querem
é o dinheiro lá”. Nas entrevistas realizadas a Associações de Migrantes
Guineenses em Portugal foi referido que se o migrante não participa na
associação de migrantes da sua tabanca de origem pode ver negada a
sua participação nas cerimónias tradicionais no país de origem.
Também ao nível do fluxo de bens e serviços culturais os resultados ob-
tidos foram interessantes. O Presidente de uma Associação local relata
que o mais recente evento cultural promovido pela associação “uma
festa que marca o início da colheita e onde insistimos para que tudo
fosse feito conforme manda a tradição, até o régulo foi vestido como há
muito não se via”, foi filmado precisamente com o objectivo de partilhar
a actividade com a diáspora, sensibilizando-a para continuar a garantir
o apoio que sempre tem dado às tabancas da região – e para mobilizar
fundos adicionais para a realização de futuros eventos culturais.
Também em Gabu, é em grande medida graças ao apoio financeiro
dos migrantes que se realizam as duas principais festas tradicionais, o
Tabaski e o Ramadão, com uma dimensão e visibilidade únicas: “as
ruas enchem-se e as pessoas vestem as suas melhores roupas, come-se
carneiro. È uma festa muito importante para todos, não é só para os
muçulmanos. E os migrantes fazem questão de apoiar a festa, muitos
vêm de propósito nesta altura só para assistir” (inquirido nº5, Gabu).
Confirma-se assim que a manutenção da ligação da diáspora guineense
com o seu país de origem também se traduz no apoio e até mesmo na
participação em eventos culturais específicos, que constituem uma refe-
rência para a comunidade. Tal como na região de Gabú, também em
Cacheu se verifica o apoio e/ou presença dos migrantes nas festas das
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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
colheitas, bem como em Bissau, para o Ramadão, Tabaski, bem como
o Carnaval e o Natal.
Para além das festas tradicionais, existem dois elementos que são for-
temente mobilizadores da diáspora e que justificam o investimento do
migrante, onde quer que resida e independentemente do tempo que se
encontra ausente do país: os fanados e os choros. Os fanados são rituais
que marcam a transição para a maioridade, e embora variem conso-
ante o grupo étnico, são generalizadamente marcos importantes para
a vida dos guineenses. O fanado que teve lugar em 2009, em alguns
sectores da região de Cacheu, realiza-se só de 30 em 30 anos, e por isso
justificou a vinda de muitos migrantes para participar no evento. Tam-
bém na região de Biombo, o fanado que se realiza de 7 em 7 anos, con-
ta sempre com uma participação elevada da comunidade migrada. Os
choros são os ritos funerários, tão mais importantes quanto avançada era
a idade do(a) falecido(a) e a sua posição na comunidade. A participação
no choro é extremamente importante para os familiares directos do(a)
falecido(a) e implica também um investimento financeiros substantivo
– para além da viagem do migrante – para garantir todos os preceitos
inerentes à cerimónia.
Há um terceiro tipo de impacto do ponto de vista sócio-cultural que
é importante destacar. Como notou um dos inquiridos, “os migrantes
são quem mais influencia a mudança de mentalidades aqui. Porque
eles são da terra mas têm outra maneira de ver as coisas, como a saú-
de, como deve ser a cidade, maneiras de fazer investimento” (inquirido
nº3, Gabu). Esta capacidade dos migrantes influenciaram a mudança
de mentalidades é expressa em diversas matérias, sendo que estudos
previamente realizados destacaram que a adopção de novas normas no
destino pode ter repercussões na origem, e que este processo de difusão
é tanto mais acelerado quanto maior for o hiato sócio-cultural entre os
dois contextos (PNUD, 2009).
112
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
Verificou-se que também no caso da Guiné-Bissau este processo se ve-
rifica, tendo diversas consequências. A prioridade dada à educação das
crianças é positivamente influenciada pela migração, sendo que as fa-
mílias que possuem um ou mais membros emigrados tendem a investir
recursos adicionais neste domínio. Naquela que é considerada uma das
melhores escolas básicas da região de Cacheu, a Antero Sampaio, “a
maior parte das crianças que frequentam a escola são filhos ou paren-
tes directos de migrantes”, segundo a respectiva Directora. Também
os investimentos já mencionados realizados pelas associações ou pelos
migrantes a título individual na construção de escolas e/ou no seu fun-
cionamento confirmam a prioridade dada à educação.
Noutros contextos estudados, a migração tem contribuído para pro-
mover a emancipação das mulheres por duas vias, quer por aquela que
decorre directamente da migração feminina, quer aquela que acontece
como consequência de assumirem a chefia da família na ausência do
membro masculino, (PNUD, 2009). No entanto, em contextos de maior
fragilidade e pobreza, tal como a Guiné-Bissau, o efeito da migração
sobre a emancipação das mulheres é menos evidente. Por um lado,
o acrescido poder económico das mulheres que migram, bem como
a autoridade adquirida das que ficando, assumem a chefia da família
constituem elementos potenciadores de uma capacidade acrescida das
mulheres. Por outro lado, a tendência para a manutenção dos papéis e
estruturas tradicionais de poder na própria diáspora, como verificado
no ponto anterior, sugere que essa emancipação potencial não se con-
cretiza ou verifica-se de forma limitada. É pois frequente nos contextos
rurais estudados que o lugar de chefe de família não seja assumido pela
mulher do migrante mas sim pelo seu irmão ou pai. No entanto, nas
mulheres que se encontram envolvidas em circuitos comerciais por via
da migração verifica-se uma situação diferente, que será detalhada no
capítulo relativo ao transnacionalismo económico.
No que diz respeito à saúde, a situação é igualmente ambígua, porque
113
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
as práticas tradicionais tendem a permanecer, coexistindo com o recur-
so à medicina convencional. È comum o retorno temporário dos mi-
grantes para participarem em cerimónias tradicionais e as viagens espe-
cíficas para tratar de questões de saúde “que a medicina convencional
não pode resolver” (Boletim Pelundo, 2002). No entanto, o papel que as
associações de migrantes tiveram no processo de lobby pela aprovação
do Plano Nacional de Saúde na Guiné-Bissau – com aspectos específi-
cos relativos à excisão genital feminina, por exemplo – revela as poten-
cialidades do envolvimento dos migrantes em processos de informação
e sensibilização em aspectos-chave do desenvolvimento humano junto
das suas comunidades de origem.
A análise dos vários impactos do transnacionalismo sócio-cultural na
Guiné-Bissau permitiu validar algumas das pistas obtidas no âmbito da
investigação realizada em Portugal. Em primeiro lugar, verifica-se que,
a par de outros actores, as associações de migrantes são agentes im-
portantes para o desenvolvimento da Guiné-Bissau, particularmente na
região de Cacheu. As infra-estruturas construídas, os materiais e equi-
pamentos enviados, o garante da estabilidade dos recursos humanos
afectos às suas iniciativas, o apoio específico em situação de emergência
são elementos que demarcam a sua intervenção. E, apesar das críticas
enunciadas, a investigação realizada confirma que as tabancas que têm
uma ou mais associações de migrantes na diáspora possuem um nível
de infra-estruturas e uma possibilidade de acesso a bens e serviços de
primeira necessidade que não está ao alcance das restantes. As fragilida-
des e limitações das suas iniciativas não invalidam os elementos-chave
identificados: os migrantes intervêm activamente na vida das suas co-
munidades de origem; a agenda das associações é determinada pelas
necessidades identificadas (ou percebidas) nas respectivas comunidades
de origem; por último, a qualidade de vida das comunidades de origem
é claramente influenciada pelas associações de migrantes e pelas capa-
cidades e recursos que estes possuem. Da mesma forma, ainda que em
114
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
menor escala e com impactos menos significativos, também as iniciati-
vas filantrópicas de migrantes a título individual são relevantes para a
respectiva localidade de origem.
Em segundo lugar, o apoio e/ou participação dos migrantes em eventos
culturais específicos da Guiné-Bissau confirma, por um lado, a manu-
tenção deste tipo de laço no contexto migratório e, por outro, a im-
portância da própria migração para a perpetuação e até mesmo am-
pliação dessa prática cultural. Verifica-se também que a integração do
migrante no respectivo país de acolhimento não é incompatível com a
conservação da matriz sócio-cultural original, pelo contrário. São exac-
tamente os migrantes com tempos de migração mais antigos, situações
regularizadas e estabilidade financeira acrescida que mais investem na
conservação e na participação nas práticas e festas tradicionais, pois só
então são detentores da mobilidade e dos meios necessários para o fa-
zerem (Carreiro, 2007). Conclui-se assim que há uma tendência para a
dupla pertença da comunidade guineense, tanto ao país de acolhimento
como ao de origem, que não é mutuamente excludente, antes sendo
percebida e vivida de uma forma complementar.
Em terceiro lugar, esta síntese cultural entre Portugal e a Guiné-Bissau agen-
ciada pelo migrante é visível ao nível da transmissão de informação e da mu-
dança de mentalidades e comportamentos. O processo migratório convida
o migrante a reconstruir as suas perspectivas de análise em função da nova
informação e experiência a que tem acesso, sem que isso, constatou-se, im-
plique uma ruptura radical com as referências originais. Verifica-se sim que
o migrante adiciona selectiva e cumulativamente os novos elementos, dando
origem a um referencial misto que mantém as referências da origem e que
acolhe, simultaneamente, elementos adquiridos no país de destino. Conclui-
-se que este processo de reconstrução do referencial dos migrantes – parti-
cularmente ao nível da educação e saúde - tem impactos significativos na
respectiva comunidade de origem, seja ao nível das práticas que o migrante
influencia directamente (como por exemplo, ao determinar e investir para
115
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
que os seus filhos tenham acesso à melhor educação disponível) quer ao nível
do efeito multiplicador, por via da referência que o seu próprio comporta-
mento constitui para o restante da comunidade.
Em suma, confirma-se que o impacto das práticas transnacionais dos
migrantes no domínio sócio-cultural é significativo para as respectivas
comunidades de origem. Tanto a sua concretização como as potencia-
lidades que encerram evidenciam claramente a relevância do papel do
migrante para o desenvolvimento da Guiné-Bissau.
6.7. Impactos do transnacionalismo económico
Este sub-capítulo debruça-se sobre os impactos dos processos de trans-
nacionalismo económico no desenvolvimento da Guiné-Bissau, con-
siderando as suas diferentes vertentes: as remessas, o fluxo de bens e
o empresariado transnacional, incluindo o impacto dos investimentos
produtivos dos migrantes no seu país de origem.
Não existem estatísticas oficiais guineenses sobre o montante de remes-
sas canalizado pelos migrantes guineenses residentes em Portugal, nem
sobre a sua distribuição pelas famílias guineenses. E mesmo as esta-
tísticas disponíveis do Banco Mundial e do PNUD certamente pecam
por defeito ao calcular em 8,1% do PIB as remessas dos migrantes da
Guiné-Bissau, que se traduz num valor de 17 US$ per capita, enquanto
os valores da APD atingem os 73 US$ per capita.
Tendo em conta os dados obtidos na pesquisa realizada em Portugal,
verifica-se que a grande maioria dos fluxos de remessas são enviados
por canais informais, não sendo portanto reflectidos nestas estatísticas.
A este facto acresce uma percepção generalizada, quer por parte dos
migrantes quer por parte daqueles que residem na Guiné-Bissau, de
que as remessas dos migrantes são o maior fluxo financeiro do país. Um
116
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
dos inquiridos referiu que cerca de 50% a 60% das famílias guineenses
sobrevive graças às remessas. Um informante privilegiado notou tam-
bém que “mais de 70% das famílias vivem asseguradas pela migração,
a maioria em Portugal, França e Espanha”, informação corroborada
por um outro que relatou que “pelo menos sete em cada dez famílias
beneficiam directamente do dinheiro enviado por um ou mais parentes
emigrados”. Um ex-Primeiro Ministro da Guiné-Bissau afirmava lapi-
darmente, numa entrevista a um semanário guineense que “ninguém
deve duvidar que são as remessas dos emigrantes que permitem ao país
evitar a miséria profunda” (Gazeta de Notícias, 11 de Novembro de
2008, p.15). A actual Ministra da Economia da Guiné-Bissau, ao ava-
liar o impacto da crise mundial no país referia a queda de 10% nas
remessas dos migrantes, como um dos dois sinais importantes.14
Cerca de 87% dos inquiridos nesta parte da investigação afirmaram
que o seu agregado familiar recebe remessas de familiares emigrados no
estrangeiro. Essas remessas são utilizadas para financiar a alimentação
da família e a educação das crianças, que são consideradas despesas
fixas. Mas a maior parte dos inquiridos fez notar que, caso haja alguma
emergência ou problema de saúde, solicita ao seu familiar emigrado um
envio adicional de dinheiro.
14 http://tv1.rtp.pt/noticias/?t=Quedas-do-preco-do-caju-e-das-remessas-de-emigrantes-agravam-crise.rtp&article=219167&visual=3&layout=10&tm=7
117
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
Dos inquiridos que afirmaram receber remessas, os montantes mensais
de referência foram os seguintes:
Gráfico 18
Montante das remessas recebidas pelos inquiridos mensalmente
Verifica-se que cerca de 55% dos inquiridos referiram receber entre
50 a 100 Euros por mês provenientes de remessas. Importa relembrar
que um salário médio na Guiné-Bissau ronda os 40 Euros/mês, que um
saco de arroz (o necessário para alimentar uma família de 4 elementos
durante um mês) custa cerca de 30 Euros e que uma mensalidade numa
universidade local aproxima-se dos 25 Euros. Estes dados revelam a
importância das remessas para a qualidade de vida das famílias bene-
ficiadas. Um dos entrevistados contava que “tenho um tio que estava
emigrado já há muitos anos em Portugal, eu nem nunca o conheci, mas
a minha mãe sempre nos disse que ele é que nos pagava a escola (são 5
irmãos). Já eu andava na universidade quando ele ficou sem trabalho
e deixou de nos enviar dinheiro com a mesma frequência (…) tive que
abandonar a universidade porque a minha mãe sozinha não conseguia
pagar, o meu pai não tem trabalho. Depois, ele arranjou trabalho em
Espanha e voltou a enviar dinheiro para a minha mãe. Eu voltei para a
Universidade. Estou a tirar enfermagem”. (Entrevistado nº18, Bissau).
Uma jovem mulher relatou que “tenho o meu marido em Portugal há
118
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
mais de 8 anos. Há 8 anos que não o vejo porque ele ainda não conse-
guiu documento e não pode cá vir. E as viagens são muito caras. Foram
os irmãos e o pai dele que juntaram dinheiro para o mandar para a emi-
gração. Ele manda dinheiro para mim e para eles também. Ele agora
está a fazer para levar o irmão para lá também. É com o dinheiro dele
que sustento a casa, porque eu não recebo salário há mais de 4 meses
(…). Pago a escola dos meninos, compro a comida e mais alguma coisa
que faça falta. É assim”. (Entrevistada nº6, Bissau).
Um outro entrevistado dizia que “a vida em Bissau é muito difícil, não há
trabalho e quando há trabalho não há salário. Temos uma irmã emigra-
da em Portugal, já há muitos anos, casou e teve filhos lá, que nos envia di-
nheiro. A minha irmã também envia roupas e telemóveis. Não sei quanto
dinheiro é, mas é com ele que a minha mãe manda os meninos à escola. E
se nós precisamos de alguma coisa, ela ajuda” (entrevistado nº9, Bissau).
Na Guiné-Bissau, tal como noutros contextos, o impacto que as remes-
sas têm na qualidade de vida das famílias beneficiadas varia de acordo
com o respectivo estrato sócio-económico. Para as famílias de classe
média, são as remessas que garantem o acesso a um ensino de qualida-
de, frequentemente privado, uma vez que no sistema de ensino público
guineense somente um terço dos professores é formado (Resen, 2008).
No caso das famílias mais carenciadas, as remessas podem significar au-
torizar a criança a frequentar a escola pública, porque o dinheiro extra
recebido permite libertar a força de trabalho que a criança constitui.
Para mais, o sistema de ensino superior guineense é unicamente priva-
do, com mensalidades que rondam a metade do salário médio nacional,
como já referido.
São ainda as remessas que, ao complementar os eventuais rendimentos
das famílias, permitem diversificar a alimentação, garantindo também
o acesso a cuidados de saúde e a medicamentos quando necessário. Na
Guiné-Bissau, dada a situação de fragilidade dos serviços públicos, o
119
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
acesso aos cuidados de saúde implica a capacidade financeira necessá-
ria para custear os actos médicos e os medicamentos necessários.
As remessas têm sido também, e em grande medida, responsáveis pela
dinamização do sector bancário na Guiné-Bissau. A recente abertu-
ra de três agências do Banco da África Ocidental fora da capital, nas
cidades de Canchungo, Gabú e Bafatá, foi determinada, segundo as
respectivas gerências, pelo fluxo de remessas que tinha como destina-
tários indivíduos oriundos destas regiões, precisamente as que possuem
uma dinâmica migratória mais forte, para além de Bissau. Este fluxo
financeiro foi percebido como um catalizador de uma maior dinâmica
comercial, potenciador de oportunidades de negócio acrescidas e con-
sequentemente, de maior crescimento económico, o que justificou a
abertura das três agências.
As entrevistas realizadas junto desta instituição bancária revelaram, en-
tre outros elementos, que os migrantes podem ser considerados como
garantia bancária para os seus familiares. Segundo o gerente da Agên-
cia do Banco da África Ocidental em Canchungo, “quando considera
um pedido de crédito por parte de um cliente, o Banco toma em aten-
ção se essa pessoa costuma receber remessas, qual o seu montante e
regularidade. Isso vai beneficiar o pedido. Se o cliente tiver como fiador
um emigrante e disponibilizar o respectivo contrato de trabalho, para
o Banco isso é garantia suficiente. Claro que depende dos montantes,
tem tudo de ser visto caso a caso, mas geralmente é assim”. Verifica-se
que as oportunidades de recorrer ao crédito por parte das populações
locais encontram-se assim intimamente relacionadas com a capacidade
financeira e situação laboral dos respectivos familiares emigrados.
120
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
Imagem 5
Agências do Banco da África Ocidental em Canchungo e em Gabu (Abril e Julho de 2009)
Para além da dinamização do sector bancário, a migração tem também
impactos evidentes no comércio local. O envio de bens, sobretudo rou-
pas e sapatos, – tão frequentemente referenciado na pesquisa realizada
em Portugal – é um dos grandes dinamizadores do comércio local. Os
contactos realizados nas feiras e mercados de Gabu, Canchungo e Bis-
sau revelaram que uma parte das mercadorias que são vendidas nestes
contextos é oriunda de Portugal.
Uma das entrevistadas descreveu a forma como o processo decorre: “o
meu irmão compra as roupas em Lisboa e envia para mim. Ele tenta
aproveitar as viagens de pessoas conhecidas para poupar o dinheiro do
despacho, mas às vezes também envia através da agência. Vende-se
tudo muito bem porque são coisas que não existem aqui e as raparigas
gostam muito de moda (…) o dinheiro que ganho dá para sustentar a
casa e a família (…) também me manda dinheiro, e manda-me roupa.”
(Entrevistada nº 7, Gabu).
As feirantes entrevistadas no mercado de Bandim, em Bissau confirma-
ram esta informação. Uma das entrevistadas enfatizou que “no Bandim,
todas as bideiras vendem roupa e sapatos de fora, aqui (na Guiné-Bissau),
não se produz disto. Muita coisa é do Senegal, mas o que mais vende
121
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
vem da Europa, Portugal, Espanha, França. Mas vem mais de Portugal,
que é onde há mais guineenses” (entrevista nº9, Bissau). Verificou-se
também que este tipo de relação comercial é em grande medida alicer-
çada em relações familiares, não sendo frequente a existência de laços
estritamente comerciais, ou seja, são poucas as empresas formalmente
constituídas, com contratos de trabalho ou empréstimos formalizados.
Constata-se novamente, a importância do capital social para a dinâmi-
ca económica do transnacionalismo guineense, porque as relações de
confiança são o elemento fundamental de todo o processo, tendo em
conta que este decorre em moldes sobretudo informais.
Imagem 6
Venda de roupa na varanda da casa da entrevistada, Gabu (Abril de 2009)
Dada a natureza informal do processo, não é possível distinguir para
fins de análise a quantidade de bens que tem um fim comercial daquela
que tem como destino o círculo familiar, que será também significati-
va. No entanto, todos os pequenos negócios alimentados pelas ligações
existentes entre os migrantes e as respectivas famílias no país de origem
constituem no seu conjunto um importante nicho de mercado na Gui-
né-Bissau. Asseguram uma fonte de rendimento para muitas famílias,
dinamizam o comércio local, gerando emprego e garantindo o desen-
volvimento de uma actividade produtiva.
122
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
A investigação realizada na Guiné-Bissau confirmou a já indiciada bi-
-direccionalidade do trânsito de bens, que também fluem no sentido da
diáspora guineense em Portugal. Mais de 72% dos inquiridos mencio-
nou o envio, mais ou menos regular, de produtos alimentares, produtos
de cosmética e de vestuário para os seus parentes emigrados. Os meios
preferenciais de envio são amigos/conhecidos que viajam para Portu-
gal e as agências de transitários guineenses, sendo referido por todos os
inquiridos que são agências “de confiança” e onde os preços praticados
são significativamente inferiores aos das agências formais (cerca de me-
tade a um terço mais barato, dependendo da quantidade enviada).
Para além das remessas financeiras e do envio bi-direccional de bens,
quer com fins comerciais quer privados, também foi possível observar
um conjunto de investimentos produtivos realizados pelos migrantes
na Guiné-Bissau. Em Gabú, um empresário que foi responsável pelas
grandes obras públicas ali realizadas, como a construção do mercado
local, viveu em Portugal durante mais de 15 anos, trabalhando sempre
no sector da construção civil. Tendo regressado à Guiné-Bissau reali-
zou vários investimentos. O primeiro foi a construção de uma discote-
ca/espaço de espectáculos, que actualmente emprega mais de 12 pesso-
as. O segundo foi a criação de uma empresa de construção civil, que já
chegou a empregar mais de 200 pessoas.
Um outro migrante de Gabú, que continua a residir em Portugal ainda
que se desloque frequentemente à Guiné-Bissau, abriu uma fábrica de
produção de gelo na sua cidade natal, que serve toda a região Les-
te e Sul da Guiné-Bissau. O empreendimento cresceu e hoje em dia
contempla também a produção de material para construção civil, e a
venda e aluguer de equipamentos para esse sector, empregando mais
de 20 pessoas e sendo referenciada como uma das maiores empresas da
região de Gabú.
123
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
Imagem 7
Fábrica de gelo DUMA, Gabu (Abril de 2009)
Uma outra área de investimento recorrente é a clássica construção de
habitação, não só para uso próprio, mas também para venda e/ou alu-
guer. Estas iniciativas, para além de serem impactantes na paisagem das
cidades, também se traduzem na injecção de capital nas economias lo-
cais, promovendo o rendimento e o emprego associado à construção civil.
124
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
Imagem 8
Prédio construído por migrante residente em Portugal para fins produtivos, Gabu (Abril de 2009)
São também numerosos os casos de migrantes que constroem ou rea-
bilitam uma habitação para fins particulares, fenómeno transversal a
qualquer uma das regiões estudadas no decurso da investigação.
Imagem 9
Casa reabilitada por migrante residente em Portugal para fins particulares, Canchungo (Junho de 2009)
Para além dos investimentos no sector do vestuário e da construção ci-
vil, também foram identificados investimentos realizados por migrantes
125
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
no sector dos transportes, tanto ao nível dos transportes urbanos (táxis
e toca-tocas), como nos transportes regionais (os chamados sete place). Dos
28 taxistas de Bissau questionados sobre este assunto, 9 referiram que o
táxi que conduziam era propriedade de um migrante, para quem o ex-
ploravam em troca de um salário mensal. Ainda 6 destes, ou seja, 21%
dos questionados, informaram que o táxi era propriedade sua, tendo
sido “oferecido” por um parente migrado, para que a respectiva família
pudesse ter uma fonte de rendimento assegurada em Bissau. Três dos
oito condutores de sete-place inquiridos revelaram o mesmo padrão.
Apesar da dinâmica identificada, existem constrangimentos signifi-
cativos associados às dinâmicas de transnacionalismo económico dos
migrantes guineenses. No que diz respeito aos investimentos realiza-
dos e ao empresariado transnacional verificou-se que há um potencial
inexplorado e simultaneamente um impacto limitado devido ao fraco
ambiente institucional e legal, à burocracia e à inexistência ou não apli-
cação de mecanismos facilitadores do investimento privado. Foram nu-
merosos os entrevistados que referiram o quanto estes factores desenco-
rajam ou limitam o investimento dos migrantes guineenses no seu país
de origem: “Existem mecanismos específicos para apoiar os migrantes,
mas não são aplicados (…) e há muitas coisas que não se concretizam,
como o empresário guineense que queria criar uma companhia aérea
em Bissau, por causa da burocracia. Aqui, tudo demora muito tempo e
tem que se pagar muito suborno” (entrevistado nº 1, Bissau).
Outro informante notava que “os migrantes ajudam muito a Guiné-
-Bissau, mas poderiam fazer mais, se o Estado contribuísse. Algumas
iniciativas de negócios ou investimentos que se promovem acabam por
não se concretizar quer devido aos bloqueios burocráticos quer devido
à instabilidade política. Mesmo a construção de casas é problemática,
porque as pessoas tentam logo vender tudo mais caro aos emigrantes,
porque eles têm mais dinheiro. Como consequência, alguns emigrantes
têm optado por construir as suas casas no Senegal, bem como investir
126
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
nesse país o seu dinheiro”. (entrevistado nº3, Bissau).
Mesmo ao nível do envio de bens, as dificuldades são substantivas,
como referiu um dos entrevistados: “há muitas dificuldades em enviar
coisas, é muito caro e a alfândega cobra muito e rouba” (Entrevistado
nº 1, Gabu). Informação confirmada por outro entrevistado que referia
que “os problemas da alfândega são muitos. Isso promove o desinvesti-
mento e os migrantes acabam por construir mais coisas no Senegal do
que aqui (em Canchungo)”. Como resumiu o entrevistado nº8 (Gabu),
“o Estado bloqueia as iniciativas dos migrantes; haveria muito mais in-
vestimento por parte dos migrantes se o Governo apoiasse. Os manja-
cos (região de Cacheu) investem mais no Senegal e os de Gabu investem
mais em Conacri do que na Guiné-Bissau”. Outro entrevistado notava
que “cada vez mais os migrantes preferem construir as suas casas no Se-
negal. É perto e é tudo muito mais barato e lá não tentam explorá-los,
como aqui” (entrevistado nº 4, Canchungo).
Esta perda do investimento dos migrantes guineenses para os países vi-
zinhos é já reconhecida e têm sido envidados alguns esforços para a me-
lhoria desta situação. Em entrevista a um jornal nacional, o Presidente da
Câmara Municipal de Bissau declarava que “sou testemunho vivo de que
muitos dos nossos emigrantes ao invés de fazerem os seus investimentos
cá na Guiné-Bissau, optam pelo Senegal e Gâmbia, devido à facilidade
na obtenção de terreno” (Jornal No Pincha, 3 de Dezembro de 2009,
pág.9). No entanto, até ao momento, este reconhecimento não se tradu-
ziu em estratégias efectivas para ultrapassar os obstáculos identificados.
Importa ainda reflectir sobre os impactos das remessas financeiras em
sentido convencional, ou seja, sobre o dinheiro que é enviado numa
base regular para a família do migrante e que se esgota, como já a in-
vestigação em Portugal indicara e a da Guiné-Bissau confirma, em bens
e serviços de primeira necessidade: alimentação, educação, saúde, para
além de bens de consumo. A crítica tradicional da escola pessimista
127
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
aplica-se aqui: verifica-se que em nenhum dos casos observados, o di-
nheiro recebido é utilizado em actividades que garantam a subsistência
da família e que contribuam para romper o círculo de pobreza em que
esta se encontra. Mas duma perspectiva global, e tendo em conta o nível
de desenvolvimento da Guiné-Bissau e a fragilidade da sua governação,
conclui-se que o acesso a uma alimentação de qualidade, à educação e
à saúde de base são investimentos altamente produtivos na perspectiva
do desenvolvimento humano.
Outra crítica recorrente relaciona as remessas com a criação de efeitos
inflacionários nas economias locais. Esta situação verifica-se na Guiné-
-Bissau, mas de uma forma descriminada, ou seja, constataram-se de
facto efeitos inflacionários mas somente para os migrantes. Na práti-
ca são aplicados preços mais elevados para os migrantes, assumindo-se
que estes possuem um poder de compra que lhes permite “pagar mais
caro”, o que não é feito de forma generalizada para a população não
migrante, porque uma equivalente subida de preços para esses públicos
significaria a perda de um importante (e regular) fluxo de clientes. A já
referida perda de investimento dos migrantes para os países limítrofes
é uma das consequências deste efeito inflacionário, mas têm surgido
também tensões entre a população local e a população migrante. O
conflito que opôs os migrantes que se tinham deslocado a Cacheu para
participar numa cerimónia tradicional aos comerciantes de carne lo-
cais, que tinham mais que duplicado o custo dos seus animais, constitui
um de vários exemplos.
Constatou-se ainda que as remessas afectam as comunidades de forma
desigual, o que provoca desequilíbrios visíveis entre as famílias bene-
ficiadas e não beneficiadas. Este desequilíbrio perturba as relações de
vizinhança e de solidariedade, fundamentais em contextos de pobre-
za generalizada, e contribui para alimentar a pressão migratória. Esta
pressão é também alimentada pela presença e comportamento dos pró-
prios migrantes. Na generalidade dos casos observados, o sucesso do
128
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
projecto migratório é validado em grande medida pela aquisição de
bens materiais pelos migrantes e respectivas famílias. Um jovem guine-
ense, entrevistado em Gabu, referia que “quando os migrantes chegam
à cidade, toda a gente fica a olhar para as roupas, para os relógios, para
os sapatos. Quando eu conseguir emigrar também vou ser assim. Por-
que aqui, (na Guiné-Bissau), não existe nada para nós.” E face a isto,
mesmo os que relatam a realidade da vida migratória – com todas as
dificuldades e limitações, particularmente para os menos escolarizados
– tendem a surgir aos olhos dos restantes como o exemplo a seguir.
È importante notar ainda que as remessas acentuam a já existente deserti-
ficação rural provocada pela migração interna rumo aos centros urbanos,
porque os migrantes tendem a concentrar os seus investimentos, sobretudo
a construção de habitação, nas cidades e particularmente na capital, arras-
tando as respectivas famílias no processo. As remessas tendem também a
provocar o abandono da agricultura como modo de produção, quer por-
que a migração em si provoca a perda de mão de obra jovem e produtiva,
quer porque as pessoas que permanecem nas zonas rurais acabam por não
cultivar as terras, optando por sobreviver a partir do dinheiro enviado pe-
los seus familiares, como notou um dos entrevistados em Canchungo. No
entanto, a migração também equilibra o mercado de trabalho guineense,
ao garantir o escoamento de uma parte da força produtiva que a actual
situação económica do país não permite inserir plenamente.
Em suma, constata-se que as dinâmicas transnacionais de tipo econó-
mico servem como estratégias para colmatar a dificuldade de acesso ao
crédito das populações locais, devido quer à fraca implantação quer à
fala de familiarização dos guineenses com o sistema bancário, quer ainda
à impossibilidade de oferecer garantias reconhecidas. Verifica-se ainda
que os migrantes são importantes para a dinamização das economias lo-
cais, através das importações de pequena escala, de natureza informal e
invariavelmente familiar que sustentam numerosos negócios e que, con-
sequentemente, promovem o emprego e a geração de rendimentos.
129
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
Existem ainda investimentos realizados por migrantes com um fim clara-
mente produtivo que, constatou-se, injectam dinheiro nas economias locais,
dinamizam o tecido produtivo ou o sector dos serviços e geram rendimento
e emprego. E mesmo os investimentos que são classicamente classificados
como “não produtivos”, como a construção ou reabilitação de casas para
fim particular, têm impactos nas economias locais que são inegáveis, ao
promover a produção local e ao gerar emprego para os guineenses.
A natureza dos impactos é, todavia, ambígua. Paralelamente aos efeitos
positivos de dinamização da economia local, de promoção de rendi-
mento e emprego, e de garantia de um acesso acrescido aos serviços
básicos de educação e saúde, as práticas de transnacionalismo econó-
mico têm também consequências perversas. O efeito “desequilibrante”
das remessas e a potencial situação de dependência que criam são os
mais evidentes. Acrescem ainda o incremento da desertificação rural e
a paralisação da actividade agrícola, bem como o aumento da pressão
migratória como consequência do efeito de mimetização de um projec-
to migratório tido como bem sucedido.
Para além de ambíguos, conclui-se que os impactos do transnacionalis-
mo sócio-cultural identificados são claramente limitados face ao poten-
cial tendencialmente positivo que possuem. Os investimentos realizados
pelos migrantes ficam aquém do possível ou não chegam mesmo a ser
concretizados devido à falta de um ambiente propício ao negócio, o que
inclui tanto a falta de regulação dos mercados – o que permite o efeito
especulativo que tem levado à perda de investimentos em favor do Se-
negal ou da Guiné-Conacri – como a falta de legislação encorajadora,
a burocracia excessiva e a corrupção.
Por último, conclui-se que também a este nível, os migrantes guineenses
têm um impacto incontornável no desenvolvimento do respectivo país
de origem. As actividades económicas que promovem, tanto directa
como indirectamente, são relevantes no seu conjunto para a dinamiza-
130
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
ção da economia guineense. E mesmo as remessas, apesar da proble-
mática associada, têm efeitos que não podem ser negligenciados sobre
aspectos fundamentais do desenvolvimento humano na Guiné-Bissau.
6.8. Impactos do transnacionalismo político
As dinâmicas consideradas no âmbito do transnacionalismo político in-
cluem toda a forma dos migrantes participarem ou influenciarem os
acontecimentos políticos no seu país de origem. À semelhança dos dois
pontos anteriores, a orientação da investigação realizada na Guiné-Bis-
sau tomou como ponto de partida os resultados obtidos em Portugal.
Como verificado, mais de 90% dos inquiridos em Portugal gostaria de po-
der exercer o seu direito de voto na Guiné-Bissau e cerca de 60% entendem
que o mesmo deveria ser válido para as eleições realizadas em Portugal. Os
indivíduos entrevistados na Guiné-Bissau partilham desta perspectiva, sen-
do que a maioria entende que o direito de voto dos migrantes deveria ser
efectivo, ou seja, deveriam ser facilitados os mecanismos (recenseamento e
acto eleitoral) para que os migrantes pudessem efectivamente votar, o que
não sucede desde 1999/2000. Entendem ainda que o direito de voto dos
migrantes deveria ser extensível às presidenciais.
As razões invocadas pelos entrevistados na Guiné-Bissau para justificar esta
participação assentam sobretudo no contributo percebido dos migrantes
para o desenvolvimento do país. Notava o entrevistado nº 14 que “os gui-
neenses que residem na Europa acompanham sempre a situação do país e
dão a sua contribuição condignamente”. Outro referiu que “os migrantes
continuam a ser cidadãos, mesmo estando fora do país” (inquirido nº8).
Um dos inquiridos referia ainda que a participação dos migrantes era mui-
to importante porque “têm experiência das sociedades mais avançadas”.
Apesar do reconhecimento generalizado da importância do voto dos
131
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
migrantes para a Guiné-Bissau, este não se concretiza desde as eleições
de 1999/2000. Segundo os entrevistados, as razões pelas quais os mi-
grantes não votam resultam da incapacidade do Estado guineense em
organizar o processo aliada à falta de vontade política. Uma informante
privilegiada fez notar que “nunca houve um processo eleitoral normal
na Guiné-Bissau, que acontecesse no tempo devido. As eleições têm
sido sempre realizadas como consequência de golpes de Estado, que-
das de Governo ou mais recentemente, devido à morte do Chefe de
Estado. As eleições são sempre um enorme desafio para o país e só se
conseguem fazer graças ao grande apoio da comunidade internacional,
porque o país não tem nem os meios nem a capacidade de organização
necessárias. Até ao último momento, há sempre dúvidas se será possível
fazer o escrutínio, se as mesas de voto abrirão a tempo, se os boletins
de voto estarão prontos. Estas dificuldades serão ainda maiores para
organizar o voto na diáspora.” (Entrevistada nº 7, Bissau).
Às dificuldades de organização acresce, segundo as informações obtidas,
a falta de vontade de ceder espaço político aos migrantes. Um dos entre-
vistados referiu que “o problema é que cá (na Guiné-Bissau) se pensa que
os emigrantes vão ser pela oposição, porque trazem ideias novas, porque
como estão fora acompanham melhor a situação do país e o isolamento
em que vivem leva-os a procurar mais informação. Depois os migrantes
têm mais capacidade financeira, podem apoiar com dinheiro (entrevista-
do nº1, Bissau). Outro entrevistado enfatizou que “se a diáspora pudesse
votar, tinha poder para mudar as coisas. O poder instituído tem medo
disso, não dá espaço, não vai permitir que isso aconteça” (inquirido nº4,
Canchungo). Por último, foi ainda referido que “os migrantes querem
participar nas eleições mas o Governo não facilita; mas as pessoas que
estão fora influenciam os votos dos que estão cá; porque eles têm muita
informação e sabem mais coisas” (Entrevistado nº 5, Gabu).
Foram numerosas as referências ao “voto por telefone”, que se expressa
de formas diversas. Alguns entrevistados informaram que é frequen-
132
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
te que os migrantes sensibilizem as suas famílias sobre que candidato
apoiar ou em que partido votar nos processos eleitorais. Outros afirma-
ram que o processo vai ainda mais longe e que existe de facto o voto
por procuração, necessariamente informal, em que o familiar vota pelo
emigrante, seguindo a orientação de voto que este dá. Em qualquer um
dos casos, confirma-se que a influência política dos migrantes é real e de
larga escala, quando se considera que pelo menos 70% das famílias gui-
neenses se encontra directa ou indirectamente envolvida em circuitos
migratórios. A influência dos migrantes é baseada numa legitimidade
reclamada pelo seu maior poder económico e por um alegado acesso
acrescido a informação. Um entrevistado referia que “os migrantes se-
guem atentamente o que se passa na Guiné-Bissau; às vezes são eles que
contam o que se está a passar, nós não sabemos. Mas eles falam só para
nós, não falam lá fora, porque há algum receio de represálias sobre a
família.” (entrevistado nº 3, Gabu).
A capacidade dos migrantes influenciaram a popularidade dos políticos
guineenses e os resultados eleitorais é validada pela própria classe política
guineense que investe fortemente nas campanhas eleitorais junto da diás-
pora e que não hesita em invocar o seu apoio para reivindicar o voto dos
guineenses. Tal como verificado na investigação realizada em Lisboa, as
principais forças políticas nas duas últimas eleições (Novembro de 2008 e
Junho/Agosto de 2009) realizaram verdadeiras campanhas eleitorais nou-
tros países africanos, sobretudo no Senegal, e na Europa, particularmente
em França e Portugal, onde chegaram a ser abertas sedes de campanha
(pelo PRS, na Rua do Salitre) e onde foram realizados comícios em Lisboa,
Porto, Coimbra e Algarve. A invocação do apoio dos migrantes para forta-
lecer a campanha política pode ser exemplificada pela seguinte notícia de
jornal, publicada em período de campanha eleitoral “o PT, em colabora-
ção com os seus militantes na diáspora, vai construir um pequeno comple-
xo desportivo em Bissau” (No Pintcha, 06 de Novembro de 2008, pág.9).
Verifica-se que a diáspora guineense tem formalmente direito ao voto,
133
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
embora na prática não o possa exercer. Ainda assim influencia signifi-
cativamente os resultados eleitorais e como tal, é alvo de verdadeiras
campanhas além-fronteiras. Há ainda um efeito multiplicador que é in-
teressante destacar. Se também na Guiné-Bissau, como notam a maior
parte dos estudos realizados sobre esta matéria, os indivíduos ligados às
redes migrantes internacionais participam mais nos assuntos da comu-
nidade local, apoiam mais os princípios democráticos e são mais críticos
em relação à governação dos seus países (PNUD, 2009), então o poder
político dos migrantes é claramente incontornável.
Tardando em reconhecer o papel dos migrantes e em alargar os seus
direitos políticos, ao contrário de países como a Turquia ou Marrocos,
na Guiné-Bissau só em Março de 2010 se tornou possível obter dupla
nacionalidade. Até então, a legislação guineense determinava que a
obtenção de uma segunda nacionalidade implicava a perda da nacio-
nalidade guineense. Tal significava que o guineense que obtivesse, por
exemplo, a nacionalidade portuguesa, era forçado a abdicar da nacio-
nalidade guineense, embora pudesse vir a recuperá-la mais tarde, se de-
sistisse da nacionalidade entretanto adquirida e se realizasse um pedido
expresso nesse sentido. Existiu um debate público sobre esta matéria,
alimentado em grande medida pela diáspora guineense, como revela o
seguinte artigo publicado num dos jornais nacionais:
“Aqueles que na Guiné-Bissau se inspiraram no Obama durante as le-
gislativas de Novembro de 2008, deviam agora sair em defesa de uma
lei de cidadania realista e actualizada em função do estatuto de refugia-
do e de emigrante da maior parte da diáspora guineense e que, por vias
disso, se viu obrigada a optar por uma segunda nacionalidade, sem que
isso signifique rejeitar a nacionalidade de origem, ou desinteressar-se
pelo seu país natal. Pelo contrário, é com base nessa segunda naciona-
lidade que os emigrantes guineenses conseguem ajudar o país e os seus
irmãos com as remessas económicas que têm enviado” (Jornal Gazeta
de Notícias, 30 de Abril de 2009, pág. 7.)
134
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
Invariavelmente, como notam a maioria dos estudos realizados, (PNUD,
2009), os migrantes actuam como agentes de mudança social e política,
não só quando regressam mas também devido aos contactos regula-
res que mantém com as respectivas localidades de origem e à pressão
que exercem junto dos seus governantes. Nesta matéria, a Guiné-Bissau
não constitui excepção. Em suma, verifica-se que os migrantes guine-
enses têm uma participação activa na vida política dos seus países de
origem. Esta participação desenvolve-se por vias informais porque os
mecanismos previstos para o efeito não são postos em prática e porque
o enquadramento legal até há bem pouco tempo impossibilitava a figu-
ra da dupla cidadania. Estes constrangimentos limitam o potencial da
influência política dos migrantes sobre os seus países de origem, uma
influência tida como tendencialmente positiva tendo em conta o nível
de informação acrescido dos migrantes e a sua experiência em contex-
tos de democracias mais amadurecidas.
Há uma outra limitação que se prende com as condições de vida dos
migrantes no respectivo país de destino. Em Portugal, um dos entrevis-
tados questionava “pergunte a qualquer um de nós (migrantes guine-
enses) quais são as nossas obrigações na sociedade portuguesa. Poucos
sabem. Há uma falta de responsabilidade da nossa parte, e o Estado
Português não facilita a nossa informação”. O potencial de aprendi-
zagem da democracia inerente à vivência dos migrantes em Portugal
é seguramente relevante mas é limitado pela falta de experiência e de
envolvimento dos migrantes na dinâmica política portuguesa.
Outro constrangimento resulta da dificuldade de organização da pró-
pria comunidade guineense em Portugal. Verificou-se que, ao contrário
de outras diásporas, e apesar da forte dinâmica associativa, os migran-
tes guineenses têm dificuldade em organizar-se em torno de objecti-
vos comuns. As dificuldades que têm impossibilitado a concretização
da Federação das Associações de Migrantes Guineenses, que pudesse
efectivamente funcionar como um interlocutor de peso junto do Estado
135
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
Guineense e do Estado Português constituem o exemplo mais evidente.
E assim sucede que, tal como notou um dos entrevistados, “os migran-
tes têm alguma noção do seu poder, mas não têm plena consciência do
que podem fazer” (entrevistado nº 3, Bissau).
Concluindo, a informação obtida permite confirmar o âmbito e a ex-
pressão do transnacionalismo de tipo político protagonizado pela diás-
pora guineense. A partir de Portugal (e de outros países) a diáspora gui-
neense acompanha, informa e influencia activamente os acontecimen-
tos políticos no seu país natal. À semelhança dos transnacionalismos de
expressão sócio-cultural e económica, esta também é uma dimensão
onde os migrantes guineenses assumem um papel determinante nos
quotidianos e nos destinos do seu país.
136
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
137
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
7. OS CAMINHOS DA DIÁSPORA
Conclui-se a apresentação dos resultados recolhidos no âmbito da pre-
sente investigação com uma reflexão sobre as perspectivas de futuro da
diáspora guineense, tendo em conta as tendências identificadas ao nível
das possibilidades de retorno, bem como as possibilidades de remigra-
ção à luz da distribuição espacial das diásporas existentes noutros países
Segundo a teoria das redes migratórias, as pessoas tendem a migrar
para locais onde possuam parentes ou amigos, não só por questões afec-
tivas mas também porque esses laços são relevantes para a obtenção
de informação, alojamento e emprego, principalmente nos primeiros
tempos de estada. No caso dos migrantes guineenses, constatou-se que
mais de 96% dos inquiridos referiram que possuíam já familiares ou
amigos a residir em Portugal no momento em que chegaram e destes,
93% afirmaram que o apoio dessas pessoas foi muito importante para
a sua vinda para Portugal. Esse apoio traduziu-se em vários aspectos,
como revela o gráfico seguinte:
Gráfico 19
Apoio concedido aos guineenses que migraram para Portugal pelos seus parentes e amigos que já se encontravam a residir no país
Como se pode verificar, também no caso da Guiné-Bissau, o apoio dos
familiares e amigos foi extremamente importante para o migrante, parti-
cularmente nos primeiros tempos da sua chegada. A disponibilização de
alojamento, que foi o apoio mais referenciado, juntamente com o paga-
138
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
mento da viagem e disponibilização de emprego constituem condições de
base que, tendencialmente, levam o migrante a deslocar-se para destinos
onde estas se encontrem garantidas. A importância do capital social nesta
comunidade – uma característica-chave da lógica migratória guineense,
como verificado – permite antever possíveis itinerários para o futuro da
diáspora guineense actualmente residente em Portugal.
Antes de mais, é relevante notar que o processo migratório dos guineen-
ses frequentemente se dá por etapas, e que Portugal pode não constituir
um destino definitivo se as condições almejadas não se encontrarem
reunidas, como já notara Machado (2002). Como mostra a figura se-
guinte, em mais de 20% dos casos, a migração para Portugal foi antece-
dida por outra experiência migratória prévia:
Gráfico 20
País destino da primeira experiência migratória dos guineenses
Verifica-se que o Senegal constitui o único destino de migração prévio
significativo, tendo sido a resposta dada em mais de 10% dos casos. Esta
experiência verificou-se, para 63% dos inquiridos, durante a Guerra Civil
de 98, o que revela o papel que este país desempenhou como refúgio du-
rante o conflito. A proximidade geográfica também facilita naturalmente
a passagem por este país, que continua a ser um destino de referência.
A estadia prévia noutros países europeus foi em 50% dos casos para fins
académicos e noutro tanto em missões de serviço prolongadas. As esta-
139
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
dias em outros países não europeus (particularmente Cuba e Marrocos)
foram, na totalidade dos casos considerados, para fins académicos. O
prosseguimento da vida migratória após a obtenção de um grau superior
sugere que o país de origem não oferece as condições necessárias para
atrair e fixar os seus quadros formados no estrangeiro.
Esta conclusão é validada pela análise dos obstáculos percebidos pelos
migrantes ao seu eventual retorno à Guiné-Bissau.
Gráfico 21
Condições necessárias para retornar à Guiné-Bissau
A possibilidade de retorno a médio prazo é obstaculizada por várias
razões. O gráfico revela que a existência de possibilidades de inserção
no mercado de trabalho guineense constitui a condição mais relevan-
te para a maioria dos inquiridos, particularmente para os mais jovens,
juntamente com a realização ou conclusão dos estudos. Confirma-se
assim um potencial de retorno latente no grupo analisado, particular-
mente para os jovens quadros. A acumulação de dinheiro suficiente,
que permita realizar um investimento na Guiné-Bissau foi a segunda ra-
zão mais referida. Um dos inquiridos referia que “ainda não organizei
definitivamente”, enquanto outro afirmava claramente que “não posso
voltar agora, era feio, não tenho nada”.
O terceiro tipo de razão que leva a que o retorno, como nota um autor,
seja tanto um mito quanto uma realidade desencorajada (Có, 2004),
140
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
é uma das que mais foi invocada para justificar o abandono do país
de origem, nomeadamente os problemas de subdesenvolvimento que
afectam a esmagadora maioria da população. Os resultados obtidos re-
velam que a estabilização da situação política e governativa da Guiné-
-Bissau e o seu desenvolvimento, sobretudo ao nível das infra-estruturas
e serviços de base: electricidade e água canalizada, saúde e educação,
são a condição chave em 25% das respostas.
Verifica-se assim que a diáspora se divide entre uma vontade expressa
de regressar - e um sentido de responsabilidade claramente assumido
para com o desenvolvimento do seu país – e o desencorajamento de-
corrente da falta de oportunidades e de condições de vida no seu país
de origem. E assim sendo, enquanto um dos inquiridos fazia notar que
“gosto de viver na Guiné, não podemos deixar que as circunstâncias
nos demovam, se ninguém voltar nada vai mudar” (inquirido nº 50),
outro afirmava decididamente que “se o país continuar na mesma, não
volto” (inquirido nº44).
O gráfico seguinte confirma esta ambiguidade, ao revelar que meta-
de dos inquiridos pretende regressar à Guiné-Bissau a curto prazo, en-
quanto 30% pretende continuar o percurso migratório:
Gráfico 22
Intenção de mobilidade por percentagem de inquiridos
141
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
Para os inquiridos que pretendem regressar à Guiné-Bissau num futuro
imediato, esta é uma opção baseada tanto em registos afectivos “o meu
coração assim o diz, quero estar com os meus conterrâneos” “(inquiri-
do nº19) como em argumentos de ordem mais pragmática “tenho um
grande mercado de trabalho lá para a minha área de formação” (inqui-
rido nº 4), como numa certa desilusão com a situação actual de Portugal
“já estou cansada de trabalhar aqui, isto está cada vez pior” (inquirido
nº 53). Cerca de 21% reitera a opção de continuar em Portugal. As
principais razões invocadas para justificar a permanência no território
português prendem-se com as boas condições de educação e de saúde,
particularmente relevantes para os inquiridos cujos filhos também estão
em Portugal. Uma parte significativa dos inquiridos referiu ainda a não
completa concretização do projecto migratório como justificação para
adiar um retorno no imediato, como referiu o inquirido nº60 dizendo
“ainda preciso orientar a minha vida”.
Cerca de 9% dos inquiridos pretende migrar para um outro país. A
opção de migrar para outro país é justificada quer pelas diferenças sa-
lariais entre Portugal e outros países europeus quer pela vontade de
continuar os estudos noutro contexto. Identificar os países onde actual-
mente se encontra a diáspora guineense pode fornecer indicações sobre
eventuais destinos de remigração dos migrantes guineenses que residem
actualmente em Portugal, tendo em conta que esta migração frequen-
temente se dá por etapas e partindo do pressuposto da teoria das redes.
O gráfico que se segue apresenta os principais países referidos pelos
inquiridos quando questionados sobre a localização de familiares que
residem fora da Guiné-Bissau:
142
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
Gráfico 23
Número de referências a familiares dos inquiridos emigrados noutros países
Verifica-se a grande diversidade de destinos, bem como a emergên-
cia de Espanha como o destino mais citado, acima dos destinos tidos
como tradicionais da migração guineense, a França e o Senegal, que
ainda assim continuam muito expressivos. È curioso notar a menção
recorrente de destinos classicamente associados à migração portuguesa,
como o Luxemburgo e a Suíça, bem como a emergência de países que
não costumam ser associados à migração guineense, nomeadamente
a Inglaterra e os Estados Unidos, o que pode decorrer da influência
do padrão de migração cabo-verdiana sobre a migração guineense. O
Brasil também se afirma como uma referência a reter, um destino no
mundo lusófono encorajado pelo crescente desenvolvimento económi-
co do país e pela sua activa política de cooperação para o desenvolvi-
mento na Guiné-Bissau, que tem garantido numerosas bolsas de estudo
a universitários guineenses.
O cartaz que se apresenta em seguida revela o itinerário da tourné de
um jovem músico guineense, confirmando a relevância dos destinos ac-
tuais da diáspora guineense:
143
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
Imagem 10
Cartaz da tourné de Patche di Rima
Os destinos dentro do continente africano, para além do Senegal, in-
cluem predominantemente Cabo Verde e em seguida a Gâmbia, com
referências também à Guiné-Conacri, o que confirma que a migração
no circuito dos países limítrofes continua a ser uma opção para os mi-
grantes guineenses, ainda que provavelmente devido à proximidade ge-
ográfica e facilidade de mobilidade não tenda a adquirir um carácter
definitivo, ao contrário dos outros destinos. Nas entrevistas realizadas
na Guiné-Bissau, a referência a estadas mais ou menos prolongadas nos
países vizinhos (não incluindo Cabo Verde) foram muito frequentes.
No entanto, quando questionados se acreditam que “um dia” regressa-
144
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
rão à Guiné-Bissau, 87% dos inquiridos responderam afirmativamente.
A ideia de retorno, ainda que num futuro abstracto é alimentada por
uma ligação de natureza afectiva com a Guiné-Bissau, como expressa-
ram muitos dos inquiridos referindo que “um migrantes pensa sempre
no seu país”, “a nossa terra não tem igual” ou que “é o laço que temos,
não podemos quebrar”. Existem também referências a um sentido de
responsabilidade ou de vontade de contribuir para que o país ultrapasse
os constrangimentos. Um inquirido referiu que “tenho que ir para lá
(Guiné-Bissau), dar a minha contribuição”. Um outro notava que “a
nossa geração (jovem) tem uma responsabilidade tremenda com o país,
acredito que posso e devo contribuir”, ou como resumiu o inquirido
nº9 “estou convicto que nós (os migrantes), os que temos alguma visão,
temos a obrigação de regressar e apoiar a Guiné-Bissau”.
Todavia, é relevante notar que dos mais de 89% dos inquiridos que
entende que pode contribuir para o desenvolvimento da Guiné-Bissau,
só 27% apontam o retorno como condição necessária. Ou seja, a maio-
ria dos guineenses acredita que pode continuar a ajudar o seu país na
situação de emigrante, através do envio de remessas para as respectivas
famílias, do investimento em pequenos negócios, da transferência de
competências, da informação e sensibilização em questões-chave, parti-
cularmente ao nível da participação política e cidadã.
Neste contexto, a migração circular e temporária é apontada como
uma das formas de conciliar a vontade de contribuir para o país com
a manutenção das oportunidades que o contexto migratório oferece.
Mais de 85% dos inquiridos em Portugal apontaram o critério “mobi-
lidade acrescida” como a condição que mais favoreceria a sua relação
com o país de origem, à qual são associadas vantagens adicionais onde,
para além das questões afectivas (maior facilidade de manutenção dos
laços familiares, de um lado e de outro), foram referidos, em 28% dos
casos, o desenvolvimento de negócios entre Portugal e a Guiné-Bissau.
Para mais de 13% dos inquiridos as vantagens da mobilidade acrescida
145
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
são associadas à possibilidade de prosseguir os estudos e realizar espe-
cializações profissionais.
Globalmente, e à semelhança de outros contextos, também na Guiné-
-Bissau são as limitações à mobilidade que tendem a transformar uma
migração potencialmente temporária e circular em migração definitiva,
devido ao receio percebido pelos migrantes de que um retorno ainda
que temporário possa não se traduzir numa nova oportunidade para
migrar, caso o migrante assim o entenda.
A mobilidade acrescida é ainda perspectivada como uma estratégia par-
ticularmente interessante para colmatar o impacto da saída de quadros
e o não retorno daqueles que saem para estudar, o chamado brain-drain.
Estudos realizados (PNUD, 2009) revelam que a falta de empregabili-
dade, as más condições de trabalho e a utilização ineficiente dos qua-
dros existentes traduzem-se num desperdício e numa ineficácia que não
são compensados pela permanência dos quadros nessas condições. A
emigração é assim uma estratégia evidente para melhorar as condições
de vida dos migrantes qualificados, mas também uma forma eficaz de
promover o desenvolvimento do país a partir da diáspora, uma vez que
à semelhança dos migrantes não qualificados, também estes enviam re-
messas e estruturam redes sociais que beneficiam o seu país de origem.
Adicionalmente, há dados que evidenciam uma relação positiva entre a
migração circular de quadros qualificados e o investimento estrangeiro
por parte dos respectivos países de acolhimento, bem como das trocas
comerciais entre os países de origem e de destino (PNUD, 2009).
Em suma, a migração guineense apresenta um padrão diversificado,
entre África, a Europa e o continente americano, em que Portugal con-
tinua a surgir como um destino preferencial, embora outros destinos se
afirmem como crescentemente atractivos. As dinâmicas de remigração
já identificadas (Carreiro, 2007) poderão conhecer um incremento, so-
bretudo no caso da situação económica em Portugal permanecer pouco
146
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
atractiva. A verificarem-se, será de esperar que, seguindo a lógica das
redes migratórias, estes migrantes guineenses que actualmente residem
em Portugal se desloquem para países onde já existem familiares e ami-
gos, como verificado no gráfico 23.
Coexistindo, ou alternativamente, poderá verificar-se uma dinâmica sig-
nificativa de retorno para a Guiné-Bissau, principalmente se os constran-
gimentos identificados forem de facto ultrapassados. Apesar da persistên-
cia de incidentes político-militares, existem alguns indícios que podem
ser tidos como atractivos para os migrantes guineenses, particularmente
os jovens quadros. A título de exemplo, refiram-se o actual Programa
de Reforma da Função Pública, os esforços de saneamento das finanças
públicas ou a Reforma do Sistema de Segurança em curso. Se a estes
factores acrescer a persistência da dificuldade de inserção no mercado de
trabalho português, nomeadamente para os recém-licenciados, é possível
que o retorno seja percebido como uma opção interessante. Resta confir-
mar se estes sinais positivos serão argumentos suficientes para promover
o retorno, ou se pelo contrário, se assistirá sobretudo a uma crescente
diversificação dos destinos da diáspora guineense.
Num cenário de remigração, os migrantes guineenses que actualmente
residem em Portugal levarão consigo a pertença ao país Natal, pelo que
as práticas transnacionais nos vários domínios tenderão a permanecer,
ainda que necessariamente influenciadas pelo novo contexto de acolhi-
mento do migrante. Mas levarão também tudo aquilo que acumularam
durante os anos que residiram em Portugal: a língua, o conhecimento,
as ideias e a expertise, podendo pois constituir-se – uma vez mais – como
pontes que aproximam Portugal do mundo.
Um cenário de retorno seria encorajado pela facilitação da mobilidade,
particularmente para os jovens quadros, que poderiam assim combinar
estadias mais ou menos prolongadas no país de origem com perma-
nências noutros países que lhes ofereçam oportunidades profissionais e
147
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
académicas interessantes. Esta é a situação ideal apontada pela maioria
dos inquiridos, uma vez que lhes permitiria manter o seu projecto mi-
gratório e, simultaneamente, contribuir directamente para o desenvol-
vimento do seu país de origem, uma missão na qual mais de 89% dos
inquiridos acredita ter um papel a desempenhar.
A última questão colocada no inquérito realizado prendia-se com a forma
como os inquiridos entendiam o impacto da migração para o desenvol-
vimento tanto da Guiné-Bissau como de Portugal. Esta questão foi trans-
versal a toda a investigação e foi colocada quer no contexto de Portugal,
como no contexto da Guiné-Bissau, a interlocutores individuais, a asso-
ciações, a instituições públicas e privadas em ambos os países. As mais
de 150 pessoas inquiridas forneceram respostas distintas e avançaram
argumentos, instrumentos e estratégias que problematizaram de forma
diversa esta questão. E todavia, apesar da diversidade dos contextos, dos
estratos socioprofissionais, de experiências de vida e de enquadramentos
institucionais, mais de 93% responderam afirmativamente.
148
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
149
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
8. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
A presente investigação tinha como objectivo geral contribuir para uma
caracterização do espaço transnacional lusófono criado pelos migrantes
guineenses, orientada para a elaboração de uma estratégia futura por
parte dos Estados envolvidos de capitalização do potencial oferecido pe-
las suas dimensões culturais, sociais, intelectuais, políticas e económicas.
A investigação realizada permitiu concluir que a diáspora guineense
constrói um espaço transnacional que une Portugal à Guiné-Bissau e
que é suportado pelos laços regulares e sustentados que os migrantes
guineenses mantêm com o seu país de origem, que se expressam nos
domínios social, cultural, económico e político. Esta relação dinâmica
influencia claramente as condições de vida dos migrantes e das suas
famílias, mas dada a sua escala e natureza, tem também impactos sig-
nificativos no desenvolvimento global da Guiné-Bissau. Paralelamente,
constatou-se que as ligações dos migrantes com a Guiné-Bissau resul-
tam em grande medida da situação e da experiência vivida em Portugal
e que, por outro lado, o contexto económico, político e sociocultural de
Portugal também é influenciado pela diáspora guineense e pelo fluxo de
bens, ideias e competências a ela associadas.
A reflexão em torno destes resultados e das oportunidades e constrangi-
mentos inerentes tornou evidente que as múltiplas possibilidades de de-
senvolvimento económico, social, cultural e político decorrentes deste
espaço social transnacional – tanto para Portugal como para a Guiné-
-Bissau – se encontram aquém do seu potencial.
O presente e derradeiro capítulo pretende apresentar um conjunto de
recomendações que permitam ultrapassar os constrangimentos identifi-
cados e aproveitar cabalmente as oportunidades resultantes da presen-
150
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
ça da diáspora guineense em Portugal, das ligações que mantém com o
seu país de origem e com as diásporas radicadas noutros países. As re-
comendações resultam das conclusões obtidas através da investigação,
inspirando-se ainda nos comentários e sugestões de todas as pessoas
inquiridas no decurso da investigação, na análise documental efectuada
e na prospecção sobre os possíveis itinerários futuros da diáspora.
As recomendações são efectuadas a três níveis de execução: em Portu-
gal, na Guiné-Bissau e na diáspora guineense residente em Portugal,
complementares que são nas suas responsabilidades e competências nos
múltiplos níveis considerados. A sua implementação exigirá, na genera-
lidade dos casos, uma liderança política visionária e vigorosa, a capaci-
dade de estabelecer consensos e a habilidade de estimular a participa-
ção de todos os envolvidos.
Fica o desafio.
Recomendações
A migração regular contribui para o desenvolvimento económico do
país de acolhimento, gerando emprego e promovendo a criação de ri-
queza. Mas a forma como o processo migratório se concretiza é em
grande medida determinado pela percepção e pelo nível de informação
que os migrantes em potencial possuem. Nesse sentido, é fundamental
que os migrantes antes de o serem sejam devidamente informados quer
do processo em si quer das condições e lógicas de funcionamento do
país de acolhimento. Este enquadramento prévio do migrante facilitará
a sua integração na sociedade de acolhimento, inclusive no mercado de
trabalho e evitará os percursos ou a queda em situações de irregularida-
de profissional, contributiva e de residência, que se verificam frequente-
mente por desconhecimento.
151
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
Recomendação 1 em Portugal:
Apoiar o Estado Guineense no reforço de competências do Instituto de
Apoio ao Emigrante, em Bissau, tomando como referência, por exem-
plo, o Centro de Apoio ao Migrante (CAMPO) em Cabo Verde. O
estabelecimento de parcerias com Portugal permitirá obter informação
adiantada sobre as oportunidades de trabalho existentes, bem como
alargar este mercado para incluir também Espanha e França, entre
outros destinos preferenciais. O apoio da UE concedido ao projecto
realizado em Cabo Verde confirma a sua viabilidade financeira. Este
reforço de competências poderá ser concretizado através de parcerias
entre o Instituto de Apoio ao Emigrante na Guiné-Bissau e o ACIDI e
o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras portugueses, tirando partido da
competência e experiência acumuladas destas instituições. O recurso a
intercâmbios, formações e transferência de meios e competências pode-
rão ser os instrumentos privilegiados no processo.
Recomendação 2 na Guiné - Bissau:
Priorizar a capacitação do Instituto de Apoio ao Emigrante e o reforço
dos serviços de apoio ao cidadão guineense na diáspora ao nível dos
serviços da Embaixada e Consulados da Guiné-Bissau em Portugal. O
capital acumulado dos serviços da Direcção Geral dos Assuntos Con-
sulares e das Comunidades em Portugal, bem como a experiência bem
sucedida dos serviços consulares de Cabo Verde na diáspora poderão
ser mobilizados através de parcerias estratégicas para reforçar a com-
petência dos serviços consulares guineenses, garantindo assim um me-
lhoramento do apoio aos cidadãos guineenses residentes em Portugal.
152
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
Recomendação 3 na Diáspora:
Tal como verificado, a migração guineense concretiza-se frequente-
mente a partir das redes existentes entre os migrantes no país de acolhi-
mento e os potenciais migrantes. A experiência de migração e a relação
privilegiada que os migrantes possuem junto dos seus familiares e ami-
gos, pode ser mobilizada para informar os potenciais migrantes da rea-
lidade do país de destino e para facilitar o seu encaminhamento para os
canais de migração regular e para os serviços adequados, tanto na pre-
paração do processo migratório como na chegada ao país de destino.
A investigação confirmou que os migrantes guineenses não só têm um
papel incontornável no desenvolvimento da Guiné-Bissau como tam-
bém procuram intervir activamente na vida política e na melhoria de
sectores estratégicos do país, como a saúde e a educação. As limita-
ções do Estado guineense que se traduzem, entre outros aspectos, na
dificuldade em realizar eleições no estrangeiro e em estabelecer uma
relação coordenada com a diáspora do país, têm vindo a impedir a
concretização de parcerias efectivas entre ambas as partes – sobretudo
ao nível das associações de migrantes - e têm limitado sobremaneira o
impacto das iniciativas de desenvolvimento e o investimento da comu-
nidade migrante na Guiné-Bissau. Como verificado, a falta de legisla-
ção adequada e a burocracia excessiva condicionam os resultados das
iniciativas e abrem espaço para a especulação e para a corrupção, pelo
que os impactos positivos dos projectos desenvolvidos pelas associações
de migrantes e a quantidade, volume e retorno dos investimentos por
estes realizados ficam muito aquém do seu potencial.
Recomendação 4 na Guiné-Bissau:
Actualizar o actual Estatuto do Emigrante da Guiné-Bissau, explicitan-
do os direitos e deveres dos emigrantes e reconhecendo formalmente o
153
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
seu contributo para o desenvolvimento do país. Concretizar o escrutínio
eleitoral na diáspora e alargá-lo para incluir as eleições Presidenciais.
Desenvolver um mecanismo de reconhecimento formal das Associações
de Migrantes da Guiné-Bissau em Portugal, quer através do registo jun-
to da Embaixada ou assumindo o reconhecimento já concedido pelo
ACIDI. Criar um interlocutor para as Associações de Migrantes que
pretendam desenvolver projectos locais nas suas comunidades de ori-
gem, que permita capitalizar os impactos e explorar eventuais comple-
mentaridades. Encorajar as Associações de Migrantes a articularem os
seus esforços nas respectivas comunidades de origem com as instituições
públicas responsáveis (seja Educação, Água e Saneamento, Agricultura,
etc) e no quadro dos Planos de Desenvolvimento Regional existentes.
Recomendação 5 na Guiné-Bissau:
Aumentar o volume e o retorno dos investimentos realizados pelos mi-
grantes, através do desenvolvimento de um ambiente encorajador ao
investimento e do zelo na aplicação da legislação já existente. Criar
legislação específica – taxas exclusivas, maior agilidade e transparência
nos processos - que facilite o investimento por parte dos emigrantes e
procurar limitar os efeitos especulativos. Aumentar o nível de informa-
ção dos emigrantes sobre as oportunidades de investimento e de negócio
existentes na Guiné-Bissau, processo no qual a Câmara de Comércio e
Industria da Guiné-Bissau poderá desempenhar um importante papel.
Recomendação 6 na Diáspora:
Procurar articular as iniciativas desenvolvidas pelas Associações de Mi-
grantes nas localidades de origem com as instituições públicas responsá-
veis na Guiné-Bissau, bem como com outros agentes de desenvolvimen-
154
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
to com os quais seja relevante estabelecer parcerias e complementari-
dades. Procurar apoio específico em matéria de reforço de capacidades
– ao nível da Gestão de Ciclo de Projecto entre outras possíveis – junto
de entidades competentes, como Organizações Não Governamentais
portuguesas, de forma a melhorar o impacto e a sustentabilidade das
actividades de desenvolvimento promovidas nas respectivas comunida-
des de origem.
Como se verificou, uma parte significativa dos inquiridos gostaria de re-
gressar à Guiné-Bissau. Esse retorno acaba por ser obstaculizado pelas
dificuldades percebidas de inserção no mercado de trabalho guineense
e pelo receio de não ser possível encetar um novo processo migratório,
caso as expectativas que conduziram ao retorno não se concretizem.
Esta situação impede o retorno – ainda que tendencialmente não defi-
nitivo – de quadros cuja contribuição para o desenvolvimento do país
poderia ser significativa. As limitações de mobilidade têm também um
impacto no prosseguimento da formação profissional e académica dos
guineenses, o que condiciona o aproveitamento destes recursos huma-
nos não só para o desenvolvimento Guiné-Bissau mas também para as
instituições de ensino e formação portuguesas, quer do ponto de vista
da massa crítica quer do ponto de vista financeiro. Por último, e no do-
mínio sociocultural, as limitações de mobilidade actuais impedem ainda
a deslocação dos artistas guineenses, o que condiciona a divulgação da
cultura guineense no mundo, e empobrece a diversidade cultural do
panorama artístico em Portugal.
Recomendação 7 em Portugal:
Facilitar a mobilidade entre Portugal e a Guiné-Bissau, nomeadamente
modalidades de migração circular ou temporária, no quadro do Esta-
tuto do Cidadão da CPLP. Facilitar particularmente o prosseguimento
155
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
de estudos e a mobilidade dos quadros, tendo em conta e a necessidade
que o país tem destas competência e o potencial que o seu conheci-
mento privilegiado do país acarreta. Por outro lado, a mobilidade dos
migrantes não qualificados que participam em projectos de desenvol-
vimento no seu país de origem pode ser igualmente facilitada tendo
em conta a natureza e âmbito da sua deslocação, sem que tal implique
a perda dos direitos legais adquiridos em Portugal. Seria igualmente
relevante reforçar a mobilidade dos artistas guineenses, promovendo
assim a diversidade cultural e o cosmopolitismo de Portugal, bem como
a promoção da cultura guineense.
Recomendação 8 na Guiné - Bissau:
A mobilidade acrescida permite colmatar o impacto da saída de qua-
dros e o não retorno daqueles que saem para estudar, e cria a possibili-
dade de recorrer a estas pessoas pontualmente, no quadro de projectos
específicos, com um potencial de capitalização das ideias, competências
e conhecimento que não deve ser descartado. O Estado Guineense po-
derá criar programas de enquadramento e de inserção no mercado de
trabalho dos migrantes retornados. A criação de uma base de dados
dos quadros guineenses poderia ser um instrumento da maior utilidade
para favorecer o reconhecimento e a utilização do capital de conheci-
mento e experiência acumulados dos migrantes em Portugal em prol
do desenvolvimento da Guiné-Bissau, não só para o sector público mas
também para o sector privado e para as organizações da sociedade civil
e organismos internacionais.
O estudo realizado revelou que o fluxo de bens no sentido Bissau - Lis-
boa é substantivo e que a diáspora guineense em Portugal constitui um
mercado importante para os produtos oriundos da Guiné-Bissau. Este
facto alarga significativamente o mercado disponível para os produtos e
156
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
bens culturais guineenses e constitui não só uma oportunidade de negó-
cio, mas também uma estratégia privilegiada para a valorização e divul-
gação da cultura guineense. Por outro lado, verificou-se que o mercado
guineense é um destino relevante para os produtos portugueses, ainda
que frequentemente este processo se concretize num registo informal.
Este facto revela que há um mercado a explorar na Guiné-Bissau tam-
bém para as empresas portuguesas, que pode ser facilitado pelos flu-
xos e ligações comerciais que já foram estabelecidos pelos migrantes,
e pela mais-valia que é o seu conhecimento acrescido dos mercados,
possibilidades e lógicas de consumo dos guineenses. Constatou-se que
este fluxo de bens não só constitui um canal de escoamento dos pro-
dutos portugueses, como também alimenta dinâmicas empresariais de
pequena escala, mas ainda assim significativas em termos de geração de
rendimento e emprego na Guiné-Bissau
Recomendação 9 na Guiné-Bissau:
Valorizar e divulgar a cultura e os produtos guineenses nos respecti-
vos países de acolhimento, tirando partido das embaixadas existentes
e encorajando também as Associações de Migrantes nesse sentido. O
Estado Guineense pode ainda favorecer o reconhecimento e interna-
cionalização da comunidade artística guineense, bem como apoiar a
comercialização e a exportação de práticas e produtos tradicionais. O
desenvolvimento deste tipo de actividades não só contribuirá para re-
forçar a imagem e a cultura da Guiné-Bissau no mundo – através de
festivais, feiras e/ou exposições como servirá para promover um dos
sectores com maior potencial na Guiné-Bissau: o do turismo.
157
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
Recomendação 10 na Guiné-Bissau:
Desenvolver uma legislação e um ambiente que estimule e facilite o
desenvolvimento das Pequenas e Médias Empresas na Guiné-Bissau,
particularmente as que contam com capital de migrantes. Este apoio
encorajará o registo formal destas empresas, garantindo não só o au-
mento da produção, rendimento e emprego no país, mas constituindo
também uma fonte adicional de receitas para o Estado. A capacidade
do Estado Guineense em atrair o fluxo de remessas da diáspora atra-
vés de canais formais específicos criados para o efeito poderia também
traduzir-se numa fonte de receitas não negligenciável, tendo em conta
o seu montante e regularidade.
Recomendação 11 em Portugal:
Aprofundar o estudo dos mercados informais transnacionais que unem
Portugal e a Guiné-Bissau e desenvolver estratégias para desenvolver as
oportunidades para as trocas comerciais já identificadas, tomando como
ponto de partida o conhecimento e o posicionamento privilegiados dos
migrantes sobre a Guiné-Bissau. Ainda, seria interessante encorajar as
empresas portuguesas a recorrerem à mão de obra dos migrantes para
facilitarem as estratégias de internacionalização das suas empresas na
Guiné-Bissau.
Recomendação 12 em Portugal:
Tendo em conta o potencial de empreendedorismo transnacional iden-
tificado, existem mais-valias significativas em desenvolver um enqua-
dramento legal, também ao nível da mobilidade, para este tipo de em-
presário, bem como facilitar o acesso a formação profissional específico
neste âmbito. O Estado Português pode ainda encorajar o sector ban-
158
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
cário a desenvolver modalidades de poupança e de acesso ao crédito
interessantes e adequadas ao perfil do investidor guineense.
A investigação realizada confirmou que, dada a profundidade de inter-
-relacionamento entre a diáspora guineense e o seu país de origem, o
grau de influência mútua é extremamente elevado. Constatou-se que
os processos que afectam a diáspora têm impactos na Guiné-Bissau; os
eventos do país de origem influenciam o comportamento da diáspora e
que as dinâmicas de Portugal interferem fortemente em todo o processo.
Este inter-relacionamento pode ser capitalizado para influenciar aspectos
estratégicos do desenvolvimento da Guiné-Bissau, aos diferentes níveis.
Recomendação 13 em Portugal:
Incluir a diáspora guineense nas consultas realizadas aquando da defini-
ção dos Planos Integrados de Cooperação para a Guiné-Bissau. Ainda,
tomar os migrantes guineenses residentes em Portugal como público-al-
vo específico para as campanhas de Educação para o Desenvolvimento,
particularmente em matéria de Educação Ambiental, Saúde Sexual e
Reprodutiva e Educação para a Cidadania. Facilitar o acesso ao voto
nas eleições locais para os migrantes legalmente residentes, à semelhan-
ça dos cidadãos da União Europeia, como estratégia para incrementar
a integração e para fomentar a aprendizagem das lógicas de funciona-
mento de sistemas democráticos mais amadurecidos.
Recomendação 14 na Diáspora:
Adquirir consciência do seu capital cultural, económico e político co-
lectivo e da relevância que este tem para o desenvolvimento da Guiné-
-Bissau. As Associações de Migrantes podem aqui assumir um papel
significativo na mobilização, organização e sensibilização dos migrantes
159
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
guineenses para questões de interesse comum. O estabelecimento de
relações e parcerias com entidades portuguesas relevantes – como au-
tarquias, Universidades e ONGs – bem como a própria organização
interna do mundo associativo guineense poderão constituir estratégias
interessantes para ampliar o impacto e a qualidade das suas iniciativas
e para influenciar de forma mais efectiva em assuntos estratégicos para
o desenvolvimento do país.
Tal como o presente estudo sugere, é possível que se consolidem as
dinâmicas de remigração guineense a partir de Portugal para outros
países. Consigo levarão, naturalmente, a cultura e o saber da Guiné-
-Bissau, mas também tudo aquilo que acumularam durante os anos que
residiram em Portugal: a língua, o conhecimento, as ideias e a expertise,
podendo pois constituir-se – uma vez mais – como pontes que apro-
ximam Portugal do mundo. Este potencial é tanto mais significativo
tendo em conta que o Parlamento Europeu recomendou recentemente
que seja concedida mobilidade total aos migrantes legalmente residen-
tes por um período superior a 5 anos em qualquer Estado-Membro.
Recomendação 15 em Portugal:
Antecipar a prevista mobilidade acrescida no espaço comunitário que
caracterizará a comunidade guineense no futuro. O favorecimento da
integração desta comunidade e da sua participação nos múltiplos domí-
nios da sociedade portuguesa promoverá a manutenção dos laços cultu-
rais, sociais, académicos e económicos entretanto criados. Reconhecer
formalmente o contributo e a importância da migração guineense para
o desenvolvimento económico, social, cultural e académico de Portu-
gal. Encorajar o reconhecimento de competências e a aprendizagem ao
longo da vida, particularmente da língua portuguesa, também na pers-
pectiva do alargamento da expressão lusófona no espaço comunitário.
160
ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO
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O projecto “Arquitectos de um espaço transnacional lusófono - a di-
áspora guineense em Portugal” foi executado entre 2009 e 2010, pela
investigadora Mestre Maria João Carreiro, sob coordenação do Prof.
Dr. Carlos Sangreman, por iniciativa e com financiamento da Funda-
ção Portugal África, e com o enquadramento científico do Centro de
Estudos sobre África e Desenvolvimento (CESA) do Instituto Superior
de Economia e Gestão da Universidade Técnica de Lisboa. Partindo
da abordagem do transnacionalismo migrante, é apresentada a análise
dos dados recolhidos junto da comunidade guineense em Portugal, bem
como na Guiné-Bissau que permitem caracterizar o espaço comum que
une os 2 países, nas vertentes política, económica, social e cultural. Este
livro procura reflectir sobre essa dupla realidade de origem e destino
como um todo, problematizando as implicações dos percursos transna-
cionais dos migrantes guineenses para o desenvolvimento de Portugal e
da Guiné-Bissau e propondo, com base nos resultados obtidos, medidas
e políticas que capitalizem o potencial decorrente das ligações mantidas
pelos migrantes guineenses em Portugal com a Guiné-Bissau.
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EXECUTADO POR: