Arao _def_ - Corpo, Arte, Vida, Educacao
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CORPO, ARTE, VIDA E EDUCAO: contribuies da performance para as
pedagogias culturais
Aro Paranagu de Santana
Unos aviones e unas torres inauguraron este siglo com vocacin performtica - Valentim Torrens
A reverberao do tema da performance marcante em mltiplas instncias da
vida social, sendo tambm recorrentes as explicaes, indagaes e narrativas acerca
desse recorte da experincia humana nos estudos do contemporneo. Uma das
possibilidades exploradas nesse debate terico enfatiza a questo da cultura,
incorporando contribuies de disciplinas e reas, tornando vivel verificar, nesse
cenrio, qual a contribuio da performance para a educao e precisamente para o
ensino de artes.
Com base nesta argumentao, o presente captulo prope-se a abordar o
conhecimento que se vem produzindo em diversos crculos de especialistas sobre um
tema que se traduz nos textos acadmicos, geralmente, atravs de termos chave tais
como performance e educao; pedagogia da performance; professor/performer;
performatividade no ensino de artes; didtica performativa, dentre outros adotados pelos
autores e grupos de pesquisa.
Tomando como base a experincia pessoal com esta temtica em contextos
educativos, onde sigo atuando h uns bons anos, passei a me dedicar ao estudo da
performance em perodo recente, tratando-o com o rigor metodolgico requerido por
uma pesquisa de ps-doutorado, realizada na rea de arte e cultura visual1. Ali tive a
oportunidade de colecionar uma bibliografia credenciada, e a partir dela passei a
conhecer e sistematizar informaes produzidas em diversas fontes peridicos
especializados, produo acadmica da ps-graduao, livros, anais de congressos
cientficos etc.
Percebi que a literatura mencionada tem como alvo os leitores interessados em
diversas reas, embora seja dirigida, principalmente, aos professores/performers,
1 O ps-doc contou inicialmente com a superviso da Profa. Dra. Irene Tourinho e depois do Prof. Dr. Raimundo Martins; entretanto tive a colaborao de ambos em todos os momentos do trabalho.
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artistas/docentes, arte/educadores, pesquisadores da ps-graduao e professores de
artes da educao bsica, porque tais textos se constituem, na sua maioria, em
abordagens conceituais, propostas metodolgicas de aprendizagem, descrio de
procedimentos, anlises de processos de mediao ou crticas performativas. Ao tempo
em que lia a bibliografia, me despertou a ateno o fato de que, ultimamente, mais e
mais proliferam eventos envolvendo a arte e a educao numa perspectiva performativa,
propondo mudanas radicais na relao entre artista e pblico, com repercusses
evidentes na questo da medicao e da aprendizagem.
nessa ambincia que o tema da performance vem ganhando notoriedade
enquanto saber escolar e acadmica, o que explica o seu processo de incluso curricular
progressiva nos projetos pedaggicos de universidades e escolas, mundo afora.
Conforme argumenta Torrens (2011), isso se deu inicialmente nos Estados Unidos
durante os anos 1970, aportando na Europa na dcada seguinte, ao tempo em que nos
pases da Amrica Latina e sia esse movimento vem avanando nos ltimos vinte
anos. Ainda assim, o conhecimento terico, crtico e metodolgico no muito
explorado e nem difundido na atualidade, mesmo nos espaos educativos, apesar das
facilidades miditicas quanto disponibilizao desses estudos, prticas e pesquisas.2
Por outro lado, importante ressaltar que a presena da performance e das
prticas performativas nas polticas pblicas e, concretamente, nos espaos educativos e
culturais atravs de propostas de interveno, espetculos, textos cientficos,
exposies, relatos de experincia, audiovisuais etc. um demonstrativo de que h
uma rede profissional bastante produtiva, constituda de professores, artistas e
pesquisadores que atuam na educao formal e/ou no-formal, em todos os nveis da
escolaridade, no estrangeiro como no Brasil.3 No curso da pesquisa tive a oportunidade
de identificar vrios desses personagens, em IES, escolas e centros culturais,
conhecendo seus textos e porventura tambm as suas prticas, entrevistando alguns e
tendo com outros um envolvimento ainda mais significativo.
2 Um dos aspectos que prejudica a difuso e sobretudo a prtica da performance em espaos educativos, na minha opinio, deve-se ao seu carter crtico, ao uso do corpo e eventualmente da nudez, como da violncia fsica ou simblica nas aes performticas, que geralmente adotam temas considerados indesejveis para o imaginrio convencional, como drogas, sexo, agresso ambiental etc. Por isso podem ser encontradas atitudes hostis mesmo em ambiente acadmico. 3 A publicao Pedagogia de la performance: programas de curso y talleres (Torrens, 2011) torna pblico o pensamento de professores/performers provenientes de vrias partes do mundo. No Brasil este tema ainda no conta com um nmero significativo de textos, embora, aos poucos, as contribuies estejam aparecendo, a exemplo de Ciotti (2009) e Melim (2008), alm de outros trabalhos citados ao longo deste texto.
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Esse avano terico postula estratgias diferenciadas para os processos
educativos, alm de procedimentos interdisciplinares, movimentos de interveno e
crtica, dentre outras maneiras de ampliar a dimenso do sentido para as atividades da
vida prtica, minimizando, assim, a ateno para as questes que caracterizam o
conhecimento tornado burocrtico na escola como na universidade. Nessa via, atravs
de uma pedagogia da ao, talvez seja possvel vislumbrar um ensino de artes que
busque a experimentao e a processualidade, alm de um certo apuro esttico ou
espanto que caracteriza a natureza irreverente da performance, combatendo, como na
mxima de Rimbaud4, as fraquezas do crebro impostas pela moral dominante,
homognea e letrgica. Entretanto, essa ao no tem uma pretenso redutiva, ou
estetizante, no sentido de estreitar-se apenas ao panorama das belas artes ou da arte
erudita; ao contrrio, englobando as possibilidades situadas nas visualidades,
sonoridades e espetacularidades contemporneas, ela requer a pesquisa experimental
enquanto maneira de favorecer uma prtica artstica embevecida de cotidiano e vida.
De prtica artstica a teoria social: a insurgncia da performance
As prticas performativas tm interessado a todo tipo de pblico, e com a
disponibilizao de farto material na rede internet vdeos, entrevistas, espetculos,
demonstraes etc. , a popularizao do tema favoreceu a ocorrncia de especulaes
as mais diversificadas, uma vez que, em geral, as pessoas compreendem como
performance os desempenhos individuais ou coletivos concretizados atravs de seus
atos ordinrios, cotidianos.
Por sua vez, no se torna difcil constatar que cada vez mais frequente o
aparecimento de novos profissionais da performance, como de espetculos utilizando
formas e linguagens mistas, geralmente envolvendo o corpo do artista e o pblico como
elementos da obra, inclusive em museus, num movimento que acompanha a
sensibilidade acelerada da contemporaneidade.
Assim, artistas como Yoko Ono e Hlio Oiticica, por exemplo, alcanam nos
dias de hoje um reconhecimento bem diferente de quando produziram suas obras mais
marcantes, nos idos de 1960-70, inclusive tendo, agora, parte de seus trabalhos
incorporados em colees permanentes de importantes museus de arte contempornea,
4 Arthur Rimbaud: "La morale est la faiblesse de la cervelle".
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ou reeditadas em exposies que correm o mundo, com amplo sucesso e visitao. A
30 Bienal de Artes em So Paulo, por exemplo, dedicou uma sala para Allan Kaprow,
sendo que essa modalidade de reconhecimento vem se dando tambm com performers
de uma gerao mais recente, como Marina Abramovi, que despertou o interesse de
um pblico bastante diversificado quando esteve no Brasil em 2012.
Entretanto, a novidade da performance na vida cotidiana no to recente como
pode parecer primeira vista, pois conta com razes atravs das quais podem ser
inventariadas explicaes acerca de sua evoluo no curso da histria. Os argumentos
tericos so diversos, havendo autores que retomam os rituais que antecederam o
apogeu do teatro na Grcia para sugerir o nascimento da performance5, e outros que
admitem que somente se pode falar disso aps as propostas que marcaram o perodo
compreendido pelos anos 1960-70.
Para Roselee Goldberg, as demonstraes ao vivo sempre foram usadas como
uma arma contra os convencionalismos da arte estabelecida (2006, p. vii), e nesse
contexto a performance assumiu a funo de vanguarda da vanguarda desde as
primeiras dcadas do sculo XX, configurando-se como a expresso dos dissidentes que
procuravam meios para avaliar a experincia artstica do cotidiano (p. viii). Dessa
maneira, insurgindo-se como um meio de expresso malevel, provocadora, anrquica e
educativa, essa forma de arte consagrou-se paulatinamente enquanto programa ilimitado
no qual cada performer cria sua prpria definio ao longo do seu processo e modo de
execuo (p. ix).
Rendendo tributo s vanguardas artsticas e inicialmente sob o pulsar cintilante
dos manifestos futuristas, foi naquele ambiente que a performance fincou sua base,
acalentada pela violncia incendiria do discurso insurgente. Contudo, seu legado no
negava a identificao com a produo burlesca antecedente, tal como fora proposta por
Alfred Jarry no seu espetculo Ubu rei (1896) ou pelos movimentos mudancistas das
artes visuais e do teatro do entre sculo XIX-XX. Assim, sem levar em considerao o
achaque dos crticos e da sociedade em geral, Filippo Marinetti e seus parceiros
futuristas anteciparam uma era em que os pintores, msicos, danarinos e atores se
tornariam performers, que o espectador assumiria uma funo privilegiada na obra e que
as novas tecnologias seriam integradas cena cultural.
5 Como se sabe, a cultura do corpo data de milnios, sendo utilizada em diversas instncias da vida prtica, como na preparao de guerreiros, nos rituais festivos e religiosos.
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Isso se tornou ainda mais evidente no construtivismo sovitico, posto que o agit-
prop, atendendo aos propsitos revolucionrios de ento, vislumbrava a popularizao
radical da arte em favor da poltica. Utilizando espaos e maneiras inusitadas de
apresentao de espetculos e mostras ruas, praas, trens, navios, circos, rdio, cinema
e at mesmo o servio dos correios , artistas como Maiakovski e Eisenstein, dentre
outros, produziram obras memorveis, como O encouraado Potemkim e A invaso do
Palcio de Inverno; nessa ltima, a encenao envolveu trs reas ao redor do palcio
onde se entrincheirava o governo provisrio, sendo utilizados tanques e caminhes de
guerra, plataformas e animais, incluindo cerca de cinco mil artistas, alm de um pblico
ainda maior. Quando montava O corno magnfico (1929), Meyerhold deu um
depoimento que balizava o esprito da poca no que se refere questo artstica e
revolucionria, a saber:
Estamos certos ao convidar os cubistas para trabalhar conosco, pois precisamos de cenrios que se assemelhem queles contra os quais estaremos nos colocando amanh. Queremos que nosso cenrio seja um tubo de ferro do mar aberto ou alguma coisa construda pelo novo homem [...] Montaremos um trapzio e nele colocaremos nossos acrobatas, que com seus corpos expressaro a prpria essncia do nosso teatro revolucionrio e nos lembraro que estamos tendo prazer nessa luta em que nos engajamos. (citado por Goldberg, 2006, p. 34).
Enquanto isso, em outros pases europeus, a vanguarda artstica reunia
representantes de vrias linguagens, artistas populares e personalidades excntricas,
valendo-se dos gneros ligados ao entretenimento e variedades para difundir um
discurso antiarte constitudo tambm de crticas mordazes sociedade e aos costumes,
achincalhando o comportamento burgus com provocaes libertinas, conforme ocorreu
num dos saraus dadastas no lendrio Cabar Voltaire, quando Frank Wedekind urinou
no palco e masturbou-se defronte ao pblico.
A contribuio dos surrealistas tambm foi de fundamental importncia nesse
processo de transposio de valores na arte e na poltica, seja pela atitude social que
empreendiam s suas criaes, como pela irreverncia e utilizao de metforas
enquanto forma de dar sentido ao discurso. O excerto de Apollinaire que integra o
prlogo de Parade um bom exemplo disso: Quando o homem quis imitar o ato de
andar, imitou a roda, que no se parece com uma perna; da mesma forma criou o
surrealismo (citado por Goldberg, 2006, p. 70).
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Em meio a essa discusso sobre o papel da performance como prtica cultural,
esttica e artstica, que tem uma narrativa historicamente constituda e que,
extravasando o cenrio das artes institui-se no tempo presente como aporte da teoria
social, cabe dizer que a minha inteno no a de estabelecer um paralelo mistificador
entre as propostas de artistas do passado com os de agora, nem muito menos de
compreender os seus feitos enquanto talisms de virtudes extraordinrias, mas sim a de
evidenciar como tal centelha mgica propiciou uma verdadeira revoluo cultural na
sociedade atual, escavando assim as possveis razes e implicaes desse tema na
dimenso educativa, ou seja, nas prticas escolares, museolgicas etc. Em razo disso se
faz necessrio mencionar questes levantadas por esses criadores que marcaram nome
na histria, ressaltando a repercusso pedaggica de seus trabalhos e propostas.
Dentre as figuras vinculadas rizomaticamente ao tema destaca-se Antonin
Artaud, que acreditava ser o teatro o lugar de se refazer a vida. Inspirado na maneira
mtica/mstica das danas e rituais que conhecera em Bali e junto aos povos
Tarahuamaras, entendia o corpo como fundamento primordial da arte, defendendo a
espetacularidade do rito, rejeitando a supremacia da palavra e prenunciando um novo
papel para o espectador; sem duvida essa foi uma contribuio mpar para o cultivo
daquilo que viria a ser a performance. Como ele, tambm Oskar Schemmler avanou no
campo terico, sobretudo na esfera da prtica criativa e educativa. Aliando os recursos
mecnicos e tecnolgicos de ento concepo pictrica e sensibilidade artstica da
Bauhaus, ele elaborou uma metodologia aplicada s suas oficinas e montagens, durante
o perodo em que atuou como professor. E, conciliando a noo de espetacularidade
presente nas aes de seus contemporneos vanguardistas, desenvolveu propostas que
cotejavam a unio das artes de uma maneira ainda no pensada desde Wagner, inclusive
aceitando alunos sem nenhuma qualificao antecedente nas suas classes de teatro.
O fechamento da escola alem no calou o vigor das ideias l germinadas,
passando a sua influncia a ser decisiva em muitas instituies ocidentais. Nos Estados
Unidos, a proposta do currculo unificado em torno da criao artstica foi revivida no
Black Mountain College e na Nova Bauhaus, dando margem a experimentaes em
torno da obra de arte total, como por exemplo, na Dana macabra, espetculo
dramtico/musical/visual no qual o pblico participava usando capas e mscaras.
Estudaram no Black Mountain College o msico John Cage e o bailarino Merce
Cunningham, responsveis pela disseminao das prticas performticas na costa oeste
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americana ainda nos cinquentas, influenciando assim o movimento da arte viva
protagonizado por Allan Kaprow, Al Hansen, Jackson Pollock e outros.
Aps a virada esttica reivindicada pelo movimento das vanguardas artsticas no
decorrer da primeira metade do sc. XX, que nos seus primrdios foi corporificado pelo
ready-made de Marcel Duchamp6, a cena performativa dos anos 1950-60 passou a
incorporar novos conceitos e prticas intituladas de instalao, assemblage, happening,
action painting, arte ritual, demonstration, desmaterializao da obra, body art e outras
propostas de trabalho artstico que tinham como meta a ruptura radical entre os limites
situados entre vida e arte.
Era um momento em que as formas se fundiam em buscas comuns de conceitos,
ao tempo em que de todas as partes vinham novidades que instrumentalizavam esse
iderio em formao: o improviso ganhava corpo no teatro com as montagens do Living
Theatre; na msica, o jazz seguia passos similares sincronizando o solo e coro de
variados naipes reao da audincia, ao tempo em que os beatniks agregavam valores
orientais sua reinveno da poesia, da novela e mais tarde da prpria performance.
Para Richard Schechner (2012), os sessentas so marcados por um certo
pensamento utpico, um sentimento de que as coisas poderiam ser melhores, e por isso
os jovens juntaram-se a ativistas de movimentos pela igualdade de direitos humanos e
combate ao racismo, ao passo que nas artes havia uma revoluo correlacionada de
oposio aos cnones estticos e a tudo quanto representasse a autoridade vigente.
Juntos, esses movimentos compem uma espcie de parmetro para aquilo que, a partir
de ento, passa a constituir a forma artstica da performance, que toma corpo e se
dissemina progressivamente mundo afora.
Na medida em que a arte era considerada por parte dos seus criadores como algo
superficial e seu conceito se desvinculava do material, o corpo assumia uma funo
ampliada e a memria, junto autobiografia, emergiam enquanto temas explorados em
atos e cerimnias. Essa ritualizao do corpo j se fazia presente na musica pop, tendo
sido uma marca deixada pelas aparies de artistas como Elvis Presley, Jimmy Hendrix
e entre ns Raul Seixas, cujos desempenhos cnicos no palco contriburam certamente
para a explorao espetacular que emergiu junto ao desenvolvimento do rock. Assim
que a performance, um termo criado pelo grupo novaiorquino Fluxus, passou a
6 A criao de Madame Rrose Slavy, cafetina presentificada por Duchamp e eternizada na lente de Man Ray, talvez tenha sido uma ao performativa ainda mais radical que o Vaso de R. Mutt, que considerado um dos marcos da virada modernista.
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identificar-se com a prpria alteridade na arte, atraindo aes as mais diversificadas
para seu flanco, vindas de grupos marginalizados e ativistas, como tambm de artistas
que mereceram posterior considerao histrica, embora alguns desses personagens
tenham sido considerados marginais at bem pouco tempo.
A gerao da midia, a esttica punk e a dana-teatro, dentre outras manifestaes
da cultura que surgiram aps os anos 1970, so evidencias de que a performance
alcanou um crescimento enorme em mltiplos mbitos e reas, consolidando, no sc.
XXI, uma atitude migratria que exige explicaes tericas de determinadas reas, em
resposta s questes que vem instigando, em outras. Roselee Goldberg advoga que no
passado a histria da performance assemelhava-se a uma sucesso de ondas que em
vindas e refluxos ocupava o centro das preocupaes, mas que tornou-se perene, mesmo
continuando a ser uma forma extremamente reflexiva e voltil que os artistas utilizam
em resposta s transformaes do seu tempo (2011, p. 217).
H mltiplas maneiras de entender a performance, ou melhor, de penetrar nesse
pntano conceitual suscitado por pessoas e correntes, que, num movimento
desconstrutivo, desafiam a ordem simblica e os valores institudos atravs da
presentificao de suas obras, numa atitude ambivalente que recusa a repetio de
sentidos, ao mesmo tempo em que busca uma espetacularidade deriva dos signos. Se a
marginalidade de um Torquato Neto que alm de poeta foi ator, roteirista, jornalista,
agitador cultural e o que mais pintasse era epteto de experimentalismo (Borges,
2012, p. 27), as mutaes propostas pelos criadores de agora engendraram um certo
ajustamento profissional, que, mesmo institucionalizado atravs de editais, leis de
incentivo e polticas de museus, mantm um carter insubordinado que condensa temas,
formas e contedos circulantes, na tentativa de debater a relao entre cultura e
sociedade, tica e esttica, arte e vida.
A constatao da emergncia dessas novas concepes alude tanto s mudanas
paradigmticas que se foram imbricando na arte enquanto campo de conhecimento
humano, como na dificuldade em disciplinarizar um saber que por natureza complexo,
mltiplo, diversificado, e sobre o qual no h um pensamento unvoco. Tais conceitos e
prticas, por terem sido concebidos sem as certezas das grandes narrativas, mas sim no
transitar e na opacidade de um tempo em andamento, exigem aproximaes ntimas
entre a preparao profissional e a insero dos sujeitos nos espaos de arte e cultura, o
que justifica a inteno deste texto que alia a performance educao.
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Sumariando, pode-se dizer que a performance pode ser definida como qualquer
ao, evento ou comportamento, est permanentemente em processo e por isso mesmo
muda no decorrer do tempo, permitindo o exame de fatos que, vistos de outro modo,
estariam fechados investigao (Schechner, 2012). Nessa perspectiva, o observador
pode formular perguntas especficas que podem lev-lo a compreender como sendo
performance (ou no) os eventos, fatos e circunstncias, mediante o contexto, uso ou
tradio, ciente de que, nos dias de hoje, as distines entre uma coisa ou outra escapam
das especulaes mantidas at um passado recente. Para tanto, torna-se vivel o
delineamento de gneros da performance rituais sociais e religiosos, jogos, drama
social, artes performticas, brincadeiras, esportes etc. , embora tais categorias
mesclem-se umas nas outras num movimento de continuidade, guiadas por regras
tornadas culturalmente especficas, e que obviamente diferem de acordo com o(s)
aparato(s) cultural das pessoas.7
Situada assim a discusso, torna-se ainda mais fundamental, em tempos de
mundializao da cultura, o atendimento dos ideais democrticos firmados num senso
de cidadania onde a formao no prescinde da diversidade, do multicultural, nem
muito menos da noo de unidade nacional, mesmo num cenrio multifacetado,
desterritorializado, hibridizado, de identidades mltiplas e aproximaes entre o local e
o global, dentre outras condies interpostas pela contemporaneidade.
A performance no contexto das pedagogias culturais
A seo anterior preocupou-se em configurar a performance no marco das artes,
apresentando as condies estabelecidas no decorrer de uma processualidade temporal,
na tentativa de identificar os elementos que a constituem como linguagem artstica
(Cohen, 2007), e assim discutindo os posicionamentos que mesmo de maneira ambgua
contriburam para a institucionalizao de suas formas e propsitos, em termos de
aceitao, utilizao e reconhecimento artstico, esttico, cultural e social.
Tomando como referencia o interesse de muitas reas em utilizar as
potencialidades das manifestaes performativas no encaminhamento de seus interesses
7 Sobre essa vasta incluso de manifestaes cotidianas no terreno da performance, Fral (2011) adverte para uma provvel diluio da eficcia terica, evidenciando a possibilidade de se pensar a questo apenas a partir de dois eixos: performance como arte ou como experincia e competncia.
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especficos, os chamados estudos da performance8 assinalam uma preocupao
interdisciplinar em compreender, na perspectiva da teoria, toda uma gama de atividades,
contextos e relaes sociais, uma vez que, na experincia vivida, so diversificadas as
formas utilizadas pelas pessoas, isoladamente, como pelos movimentos de resistncia,
luta e inconformismo, revelando que o carter genuno e subjetivo da cultura convive
com concepes antigas, realidades novas e desejos constantes de mudana.
O papel atribudo aos performers na conjuntura da sociedade do espetculo sofre
reiteradas sedues, em funo do capital simblico atribudo ao reconhecimento
artstico de seu trabalho profissional e consequente valor atribudo pelo mercado ,
exigindo dos mesmos a escolha rigorosa de posturas ticas, estticas e existenciais, de
forma que possam se estabelecer em espaos produtivos sem se renderem ao sistema.
Nesse contexto, reafirma-se um outro papel para o professor/performer, como tambm
para aquele que utiliza a arte performativa enquanto referncia didtica, sinalizando
possibilidades de atendimento aos estudantes, espectadores e demais fruidores.
Entretanto, antes de iniciar a discusso afeta ao pedaggico, cabe reafirmar que
os estudos da performance se interessam por discusses que extrapolam o mbito das
artes, incluindo festas, rituais e outras manifestaes, num amplo espectro de situaes,
proposies e acontecimentos, despertando interesses conceituais que se entrecruzam
com a teoria da arte a partir de abordagens suscitadas pela antropologia (Geertz, 1989;
Turner, 2005), sociologia (Goffman, 2006), lingustica (Austin, 1991), estudos de
gnero (Butler, 2003) e outras vertentes vinculadas diretamente temtica da
performatividade.
Vale dizer, tambm, que a performance traz para o campo das humanidades uma
discusso aparentemente voltada para outras esferas da vida em sociedade, conforme se
deu em um debate recente a respeito do 11 de setembro, iniciado por Karlheinz
Stockhausen, ao ressaltar a dimenso da esttica utilizada pelo esquema de terror e sua
amplificao em face da cobertura jornalstica que marcou aquela tragdia, acentuando
o choque causado do ponto de vista mental e sentimental, alm da destruio fsica
propriamente dita. Dessa maneira, o sentido performativo daquele fato histrico de
matriz poltica-religiosa impingiu-lhe um carter de espetculo, em face de sua
8 Os performances studies foram consolidados nos idos dos setentas, na New York University / NYU, sendo que sua traduo estudos da performance utilizada neste trabalho como sinnimo de teoria da performance.
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apreciao planetria, difuso miditica da imagem e explorao temtica em mltiplas
linguagens e reas, conforme asseveram as seguintes palavras:
O 11 de setembro no foi nenhum ataque disfarado, noticiado apenas por seus efeitos devastadores, feito o anthrax por meio de carta ou veneno na gua; foi um espetculo e uma demonstrao. Eu e meus vizinhos estvamos entre seus espectadores esperados, tais como eram os partidrios do Jihad. Falando de modo global, ns ramos uma plateia dividida. (Schechner, 2011, p. 422)
Este apenas mais um exemplo da reverberao do tema da performance no
contemporneo, e tais experincias da vida corrente anunciam indagaes e
perplexidades que, possibilitando novas significaes na perspectiva da teoria,
aguardam continuamente por reflexes, questes e propostas ainda no pensadas.
Entretanto, a discusso exaustiva acerca das relaes entre os estudos da performance,
as cincias, as linguagens e as tecnologias foge aos interesses do presente texto, que
busca to somente abordar as questes voltadas para as pedagogias culturais e seus
desdobramentos, conforme ser tratado adiante.
Torna-se necessrio esclarecer, tambm, que este trabalho no busca uma
conceituao precisa acerca dessa nova tendncia na teoria da educao que se percebe
contaminada pela cultura aqui denominada de maneira plural como pedagogias
culturais , uma vez que so muitas as propostas surgidas nessa seara, advindas das
reviravoltas verificadas nos contornos da movimentao intelectual contempornea,
cujas preocupaes dimensionam um amplo painel de possibilidades envolvendo os
domnios da cultura popular, juvenil, tecnolgica, industrial, como da esttica do
cotidiano e de outras formas singulares que o conceito abrange.
Integrando um poder instituidor que caracteriza os discursos circulantes no
circuito da cultura (Costa; Silveira; Sommer, 2003, p. 38), a discusso sobre a
performance se insere na virada instituda pelos estudos culturais, guardando certa
unidade de propsitos embora sem se constituir num conjunto de propostas articuladas
entre si. Engendrados em abordagens elaboradas em campos tericos estabelecidos,
esses estudos disseminaram-se nas cincias que transitam no mbito do simblico, em
especial nas artes e pedagogia, sem contudo estabelecer contornos ntidos nem
consagrar cartografias delimitadas de maneira precisa.
Uma das caractersticas mais marcantes dos estudos centrados na cultura diz
respeito a uma suposta disperso terica e metodolgica, e compreende abordagens
voltadas para a contestao da(s) diferena(s) entre arte e artesanato, erudito e popular,
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tradio e modernidade, centro e periferia, entretanto submetendo essas oposies a
uma crtica que questiona a validade de tais pressupostos, ao tempo em que relativiza
certezas e configura narrativas hbridas sobre conhecimento e convivncia humana.
Assim, a necessidade de reconhecimento de diferentes estilos sociais, de convivncia
intertnica, de valorizao da cultura urbana, de respeito s minorias, de compreenso
de um campo poltico afetado por insurgncias cotidianas, dentre outras realidades
contemporneas, implica na aceitao de uma vertente pedaggica voltada para a
cidadania, combatendo os novos modos de produo das diferenas que se apresentam
nessa era de mundializao da cultura.
Eagleton ensina que estar dentro e fora de uma posio ao mesmo tempo
ocupar um espao e ficar vagando ceticamente pela fronteira , com frequncia, de
onde brotam as ideias mais intensamente criativas (2005, p. 64). Nesse sentido,
fixando um novo olhar sobre as questes da educao, e ao mesmo tempo mirando a
cultura e suas narrativas atinentes s processualidades indagativas ao invs de
formular enunciados fixos que no do conta de responder s questes que a todo o
momento se insurgem e mudam de lugar ou de tom , pode-se dizer, em sntese, que os
Estudos Culturais em Educao constituem uma ressignificao e/ou uma forma de
abordagem do campo pedaggico em que questes como cultura, identidade, discurso e
representao passam a ocupar, de forma articulada, o primeiro plano da cena
pedaggica (Costa; Silveira; Sommer, 2003, p. 54).
A mudana de tica evidente. Se antes o conhecimento se circunscrevia em
conhecimentos compartimentados ou bancrios, na conformidade freireana e as
disciplinas do aparato escolar se baseavam em currculos prescritos, com a
desnaturalizao do discurso sobre educao a questo do educativo passou a
compreender quaisquer conhecimentos e espaos, escolares ou no, aludindo a um
currculo cultural compromissado com o acolhimento dos sujeitos, das diversidades e
das fronteiras. Postulada a partir da discusso da cultura visual, a citao a seguir
contribui para reforar a argumentao articulada neste momento do texto:
O conceito de dialogia que pressupe heterogeneidade, ideia de polifonia de vozes e que tambm se difundiu como intertextualidade reconhece que no universo cultural as interaes acontecem por meio de confluncias, reciprocidades, simultaneidades e fronteiras. Fronteiras porosas, como espaos muitas vezes imaginrios, espaos de transito e sem uma diviso a priori do que bom ou mal, culto ou popular. (Martins, 2006, p. 75)
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O texto pedaggico, por sua vez, torna-se mais diversificado e tambm mais
alargado, passando a incluir outras fontes sons, imagens, dispositivos etc. e a
equilibrar o saber sistematizado junto ao conhecimento vivido, evidenciando a cultura
como um campo de poderes em disputa. Neste mbito, as pedagogias culturais propem
reflexes sobre o repertrio de prticas aprendidas, ritualizadas e historicizadas, visando
tornar os sujeitos do processo educativo mais adaptados s condies de mudana,
numa perspectiva prtica que no desconsidera a teoria, conforme assevera Diana
Taylor: as formas de aprender e preservar as prticas so por meio da prtica no se
convertendo em objetos tangveis, ou, no fim, em manuais (2008, p. 101). Isso se torna
bastante instigante no terreno das artes, onde o falar sobre pressupe um mergulho
profundo, exigindo do praticante um flego que se empodera no curso do exerccio... tal
como na vida!
Esse um parmetro imprescindvel para a(s) pedagogia(s) das artes, pois ao
invs de supervalorizar a discusso sobre os artefatos ou obras de arte a preocupao
volta-se para as maneiras como as pessoas poderiam se apropriar dos modos de
produo e veiculao de seus prprios imaginrios, identificando-se como integrantes
de um processo em constante mudana, na tentativa de superao do estado imutvel
das coisas. Assentado na metfora do nomadismo, esse olhar da arte/educao
contempornea busca situar-se nas fronteiras, nos entre lugares nos quais ensinar,
pesquisar e fazer arte podem se integrar e se alimentar [...] questionando a cultura que
nos rodeia (Tourinho, 2012, p. 232).
Num momento em que certas razes epistemolgicas proporcionam mudanas
radicais no estatuto ontolgico da arte, influenciando os fundamentos e as prticas
escolares, fica evidente que est em processo uma ressignificao do ensino de artes no
qual passa a ser requerido, na perspectiva do currculo, um trabalho pedaggico que
explore as questes que se insinuam no cotidiano, porm inserindo-as na dimenso do
simblico para que possam ser repensadas como se tivessem natureza extra cotidiana,
sem valor imediato, essencial para o bem estar do ser.
Dessa maneira, o interesse pela performance como linguagem de interaes e
expressividades passa a ocupar o imaginrio humano com alguns temas deveras
pungentes, a saber: rompimento com as definies rgidas de arte, artista, espectador,
obra, texto, imagem, ritmo ou cena; surgimento de maneiras especulativas de percepo
e fruio; aparecimento de formataes inusitadas e geralmente multidirecionadas;
emergncia da arte enquanto matria da prpria vida. Em face desses questionamentos,
-
a discusso requer uma abordagem interdisciplinar do problema, e nesse particular a
temtica da performance assume-se enquanto vertente natural de uma pedagogia
assentada na cultura, instaurando-se como maneira possvel de alinhavar muitas das
inquietaes ainda no resolvidas no mbito da escolarizao.
Ento caberia indagar: como veicular esse novo discurso no ensino de artes de
maneira que possa incorporar os aspectos da vida em curso? E ainda: em quais espaos
e sob que condies de criao e circulao essas ideias poderiam vincular-se ao
cotidiano e assim interessar mais de perto aos sujeitos que integram o processo
educativo? Considerando os dispositivos polticos de combate colonizao intelectual
na escola, tais indagaes poderiam vir a se constituir em algo vital, passando a ser
tratadas enquanto conhecimento efetivo, o que exigiria, de fato, uma reinterpretao dos
contedos escolares com vistas a um posicionamento crtico de educadores e educandos
perante a vida. Algo que parece estar acontecendo aqui e ali, conforme constatou a
presente pesquisa, mas que precisa ser expandido exponencialmente, mesmo que a
conquista e o convencimento das comunidades escolares se deem com lentido,
garantindo, no entanto, a sua sedimentao e constncia.
Contaminando de vida as prticas educativas
Conforme a argumentao introdutria deste texto anunciou, no curso da
pesquisa mantive contato com profissionais que utilizam a performance enquanto
estratgia educativa, selecionei vdeos, textos etc., com o fito de verificar a
possibilidade da pedagogia tornar-se ainda mais ativa, envolvendo, no caso do ensino de
artes, o corpo, a mente e os sentimentos dos estudantes mediante procedimentos
relacionais atinentes ao aqui/agora.
Na sua acepo original o projeto pretendia identificar proposies voltadas para
o ensino, aprendizagem e mediao em artes, tendo como foco uma abordagem do
contemporneo desvinculada do epicentro das preocupaes historicamente construdas
pelas tradies tericas referentes ao ensino de artes, sem, contudo, desconsiderar a
literatura ali produzida. Partindo da constatao de que as abordagens mais recorrentes
na bibliografia nacional centram-se na tica de apenas uma linguagem artstica (artes
visuais, dana, msica ou teatro), e que no so muitas as experincias
interdisciplinares, a proposta investigativa tinha como rota o imbricamento entre arte,
-
educao e cotidiano, visando a uma discusso consubstanciada nas confluncias entre
os estudos da performance, cultura visual e pedagogia do teatro.
Considerando a preocupao fundamentada em uma rea que resiste a
definies, fronteiras e limites to teis escrita acadmica, conforme assinala
Carlson (2010, pg. 213) a respeito da performance, no momento de sistematizar as
informaes de campo, tornou-se complicado ajuntar, em categorias lineares, as
questes, anlises e demais achados do processo investigativo, sendo ainda mais rdua a
tarefa de separar, cruzar e reconfigurar o dito contedo emprico. Assim, na tentativa de
manter na zona de frico o fato e o observador, o tema e sua aplicao a um
determinado segmento do saber, o processo de pesquisa evidenciou a necessidade deste
conhecimento vir a ser dimensionado enquanto narrativa pedaggica instaurada no
contexto das prticas socioculturais. E, articulando o discurso maneira do trabalho
acadmico convencional, com citaes e aluses textuais sucessivas, a narrativa guarda
o propsito de no se fixar to somente no objeto de estudo, buscando sintonia com
outros temas e tambm com fatos da vida prtica, cultivando o sentido performativo do
prprio ato de leitura.
Assim, utilizando essa estratgia metodolgica e a anlise descritiva como
procedimento narrativo, destaquei algumas experincias educativas que vinham sendo
desenvolvidas na educao bsica (nveis fundamental e mdio) e no ensino superior
(ps-graduao e extenso), para discuti-las a partir de agora. Entretanto, tais
experimentos se constituem to somente em propostas selecionadas mediante o critrio
da pesquisa, sem necessidade, portanto, que assumam o status de experincias
exemplares, independentemente do seu mrito, posto que, no mbito da educao, no
h solues universais para questes de natureza to complexa.
Se algumas dessas propostas rediscutem o carter anti-disciplinar da
performance, outras asseveram a necessidade de sua incluso disciplinar, ao passo que
h aquelas que sequer se preocupam com tais classificaes, em face de critrios
esttico-ideolgicos ou mesmo em decorrncia de uma atuao em mbito no formal.
Contudo, em sua maioria, elas atestam o carter de pedagogia ativa, a natureza
comunicativa, a capacidade expressiva, a questo ldica envolvida numa relao de
jogo e improviso, bem como a ideia da criatividade em ao, combatendo o
reprodutivismo que est na base do sistema educativo, conforme assevera a seguinte
passagem:
-
[...] la prctica performativa produce la desestabilizacin de los patrones de pensamiento, las tcticas que se desarrollan en un curso de performance son ms bien las opuestas a la enseanza convencional, y estn muy prximas a la estructura del juego y sus caractersticas: libertad, placer e cambio [] La performance non es una accin desde el interior del arte; tampoco tiene una voluntad de reformarlo, de destruirlo o de edificarlo de nuevo. La rehabilitacin apunta el hombre, no al arte. (Torrens, 2011, p. 45-46)
Na tentativa de apresentar uma leitura contempornea sobre o aprender e ensinar
artes na escola bsica, a lio extrada das experincias discutidas nesta seo localiza-
se numa frico curricular que busca explorar mltiplos contedos as observaes da
vida cotidiana, as linguagens formais, as poticas, as narrativas simblicas , visando
superar a crtica contumaz e o imobilismo que repelem o tratamento interdisciplinar da
questo, trazendo, com isso, dificuldades para a concretizao de projetos de trabalho
com a parceria de professores de outras reas, inclusive no artsticas.
Uma primeira observao reporta-se ao aspecto quantitativo do material
coletado. Vasculhando textos em bibliotecas e na rede internet, e ali tambm me
comunicando com pesquisadores de todas as regies brasileiras, constatei que nos
ltimos anos a temtica da performance ingressou definitivamente nos espaos
acadmicos, escolares e culturais, via de regra associando-se ideia de ensino e/ou
interveno de carter educativo, esttico ou poltico.
Dessa maneira, sem muita dificuldade, reuni cerca de dez teses e dissertaes,
duas dezenas de artigos publicados em revistas e em anais de congressos da rea de arte,
alm de outros materiais disponibilizados na forma de livro ou abrigados em sites,
quando, at meados dos anos 1990, eram raros os ttulos em lngua portuguesa
abordando este tema de forma direta. Isso se evidencia possivelmente enquanto reflexo
da expanso dos cursos de ps-graduao, como tambm do ensino em nvel de
graduao, sobretudo aps a aprovao das diretrizes curriculares pelo CNE9, alm das
motivaes extra-acadmicas.
Como corolrio dessa argumentao, registrei no caderno de campo cerca de 25
nomes de professores universitrios de teatro e artes visuais que lidam com a temtica
da arte contempornea associada a uma dimenso performativa, com a performance arte
propriamente dita, ou ainda, como alguns preferem denominar, com a interveno (ou
9 Em 2004 foram aprovadas as diretrizes para os cursos de graduao em dana, msica e teatro, e em 2007 a orientao formal para as artes visuais. No caso de teatro venho constatando uma expanso significativa, inclusive motivada recentemente pelo REUNI e UAB, neste caso na via da educao a distncia. Nesse bojo devem ser consideradas as orientaes curriculares atinentes educao bsica, como PCN etc. (Santana, 2013).
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ao) de rua. Localizei quatro disciplinas da ps-graduao com ttulos homnimos e
vrias outras com ementas evasivas, mas cujos contedos se voltam para os tpicos de
interesse da performance. Tambm recolhi depoimentos de professores que aliam a
pesquisa acadmica produo artstica, concebendo-as como parte do processo
educativo executado junto a seus colaboradores, visando ...
[...] explorao do corpo individual, coletivo e urbano por meio de aes poticas que se inserem no espao, conduzindo os participantes a explorar movimentos em relao ao espao tradicionalmente reservado para um uso funcional e favorecendo uma inscrio potica dos corpos nesses espaos. A elaborao de aes performativas explorando noes de ecologia interna vem sendo trabalhada juntamente com a ecologia externa, gerando um universo criativo onde ambos universos se refletem dentro de um ateli urbano de infinitos possveis. A respostas a esse desafio so instigantes, gerando trabalhos nos quais os estudantes de graduao e de ps se unem a artistas e performers formando um coletivo de artistas de interesses comuns mas que precisam de conhecimentos e tcnicas singulares, individuais. Nos ensaios e na sala de aula utilizo a abordagem da acupuntura potica como maneira de instigar o processo criativo, mostrando performances e procedimentos de artistas referenciais, a partir dos quais so desenvolvidos exerccios de criao individual e em grupo. Alguns desses procedimentos vo para a cena.10
Contudo, o posicionamento dos profissionais acerca dessa relao entre ensino e
prtica artstica no unvoco, tal como a prpria linguagem da performance, sendo
portanto diversificadas as maneiras como eles veem a juno dessas formas de ao,
conforme se depreende no depoimento a seguir:
Nunca consegui elaborar e ministrar uma boa oficina de performance, no sou um bom professor de prtica artstica, talvez porque tenha medo de contaminar as poticas nascentes dos alunos com a minha, j mais desenvolvida. Nas aulas tericas, apresento a performance como sendo uma destas linguagens limtrofes da arte, que se situa em fronteiras, em territrios mais instveis. Apresento-a tambm como uma reduo mxima da materialidade da arte, uma vez que usa a matria do corpo do artista (neste sentido, reduo significa simplificao, independncia de meios, mdias e materiais) externos ao artista ou sua realidade [...] De maneira geral, penso (inclusive em sala de aula) a performance como sendo uma linguagem muito franca, muito direta (a presena e o uso material do corpo do artista diante do pblico demonstra esta franqueza) e neste sentido, muito corajosa, desafiadora, instigante, que ainda gera problemas com as vises mais conservadoras. Talvez seja a ponta mais interessante que a arte moderna nos legou [...] Fao esta defesa sempre mostrando vdeos e fotos de muitas performances histricas e atuais no sentido de incentivar o estudo e a prtica desta linguagem, sem contudo me dispor a ensinar a fazer performance.11
10 Depoimento gravado em entrevista concedida em 05/11/2012 por Marcos Bulhes, professor doutor da USP e diretor do Desvio Coletivo. 11 Depoimento do Prof. MSc. Paulo Veiga Jordo, enviado por email em 11/12/2012; alm de docente vinculado UFG ele membro do grupo performtico Empreza, que em 2010 foi o grande vencedor do Salo de Arte Par.
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Uma outra observao extrada dos dados de campo reporta-se coincidncia de
datas entre a difuso de propostas performativas junto ao sistema educativo e a maneira
como se organiza parte da cena artstica brasileira atual (refiro-me ao teatro profissional
e tambm a movimentao na dana, no cinema e nas artes visuais), posto que, a partir
dos anos 1990, e especialmente na dcada seguinte, proliferou a ideia dos coletivos de
artistas, constituindo-se tal categoria na organizao e na produo em torno de um
ncleo de profissionais (ou amadores) que, motivados por um mesmo ideal, produzem
trabalhos processuais, relacionais, contnuos, enfim, performativos. Geralmente
associando outras linguagens aos projetos estticos que os identificam, os coletivos no
pretendem se constituir como modalidade produtiva nova no ramo das artes, visando,
to somente, possibilidade de sobrevivncia, pluralidade de aes e possibilidade
de fuso de seus papis sociais com os espectadores.
A respeito dessa vertente da produo artstica e intelectual brasileira, seria
interessante estimular pesquisas com propsitos semelhantes ao trabalho de Torrens
(2011), visando divulgao de ideias veiculadas nos programas de cursos e oficinas
dos professores/performers e demais educadores/artistas, esclarecendo assim as
maneiras como eles desenvolvem seus trabalhos nas universidades, escolas e centros
culturais. O livro de Melim (2008) uma das poucas contribuies tericas neste rumo,
apresentando a trajetria e os desdobramentos da performance no Brasil, tendo tambm
o mrito de destacar os espaos de performao e a ao das galerias e museus que
reconstroem obras do passado; contudo no supre a lacuna aqui indicada.
Ao tempo em que se pode observar que temos muita coisa nova nascendo na
roupagem de prtica performativa12 nos centros urbanos, constatei que pouco se sabe
sobre as motivaes advindas da matriz educativa, que, certamente, tem um papel ainda
mais eficaz que a informao acessvel a todos atravs da mdia eletrnica e demais
meios massivos de difuso cultural. Afinal, o que a performance prope para os
profissionais da educao? A respeito dessa indagao, o depoimento de Sylvia Heller,
uma das professoras/performers pioneiras na educao superior brasileira, demonstra o
potencial que teria uma pesquisa de mapeamento, a saber:
Minhas questes so mais relacionadas com outras artes que no a do teatro, por achar que o teatro uma expresso a mais dentre as que so utilizadas nas aes performativas. A nfase no discurso no linear, primordial para a performatividade,
12 Fragmento retirado de depoimento da Profa. Dra. Clida Salume Mendona (UFBA) enviado por email em 21/11/2012.
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no meu modo de ver. Proponho construes de colagens, tanto no discurso quanto no material criado/recriado para a ocasio, e tambm a criao de metodologias diferenciadas, que vo sendo construdas de acordo com as necessidades e prioridades de cada projeto performativo, tornadas aes. No h distino entre os processos de construo e as aes propriamente ditas. Cada aula (ou encontro) estruturada segundo o trabalho dos alunos, ou seja, so eles que mostram os caminhos a seguir. Cada um constri inteiramente seu trabalho em todas as etapas [...] Minha viso deste trabalho poltica; no no sentido da poltica partidria, mas da poltica em seu sentido mais amplo, buscando uma crtica da sociedade e do meio em que vivemos. Trabalhamos sempre com o aqui e o agora inerentes linguagem performativa.13
A tese de doutorado de Mara Leal investigou a importncia da memria pessoal
e coletiva para a criao artstica, tendo como foco o trabalho de artistas que utilizam tal
procedimento na dana, no teatro e na performance. Analisando um experimento
desenvolvido junto disciplina Interpretao do curso de Licenciatura em Teatro da
Universidade Federal de Uberlndia /UFU, a pesquisadora relata questes instigantes
para esta rea de estudo, tendo como foco...
[...] o cruzamento da linguagem da performance com a cena teatral contempornea e suas relaes com autobiografia e memria. A metodologia utilizada baseou-se em exemplos da arte contempornea (incluindo-se as vrias linguagens artsticas) que trabalham com material autobiogrfico para a composio da cena, teoria da performance e exerccios de percepo e memria como estmulo para o processo criativo dos alunos. A partir dessa imerso terico-prtica, cada aluno desenvolveu um programa de performance, realizada ao longo do semestre. O objetivo da disciplina foi refletir sobre a importncia desses procedimentos e teorias para a formao do artista cnico. (Leal, 2011, 125)
As contribuies de pesquisadores vinculados aos cursos de licenciatura so
recorrentes quanto temtica da performatividade, explorando procedimentos com
nfase no contemporneo e negando o padro tradicional de ensino de artes, ao fundir
linguagens, romper com o espontanesmo, cultuar o inacabado e utilizar recursos
tecnolgicos, dentre outras caractersticas. Essas prticas geralmente so frutos de
esforos de longa durao e causam um impacto significativo no cotidiano onde se
desenvolvem, sendo que, por isso mesmo, seus autores gozam de prestgio entre os
grupos de especialistas. Uma das linhas de pesquisa identificada com o perfil aqui
delineado vem da improvisao e precisamente dos jogos teatrais, merecendo destaque
os trabalhos das professoras Ingrid Koudela (USP) e Suzete Venturelli (UnB), alm de
vrios dos seus orientandos.
13 Depoimento da Profa. Dra. Sylvia Heller (UNIRIO), enviado por email em 23/1/2013.
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Em um trabalho no qual abordei o surgimento e o florescimento da rea de teatro
na Universidade Federal do Maranho (Santana, 2013), verifiquei como o conhecimento
prtico enquanto elemento ativo e educativo pode propiciar, no futuro, um exerccio do
magistrio profcuo e criativo para os licenciandos, atravs do desenvolvimento de
projetos de extenso, intercmbio com artistas, parceria com instituies culturais,
comunicaes de pesquisa, coordenao de experimentos na esfera do no-formal,
mediao de espetculos, apreciao de mostras artsticas etc. Constatei tambm que na
busca de um perfil de professor/artista/pesquisador, torna-se essencial o engajamento e
tambm o desfrute da arte contempornea na via da performatividade, e isso implica na
criao de estratgias didticas inovadoras, visando superar a postura tradicional do
professor de artes na escola.
Em sntese, pode-se dizer que a repercusso do trabalho desenvolvido na ps-
graduao e na licenciatura junto educao bsica contundente, favorecendo a
reflexo a respeito da sintonia entre as estticas contemporneas e os problemas sociais
concretos vivenciados no processo de escolarizao em arte, tendo em vista analisar as
abordagens estticas e pedaggicas utilizadas no desenvolvimento de tais propostas.
Neste sentido, torna-se necessrio ressaltar outro achado desta presente pesquisa,
relativo presena das poticas performativas no espao da sala de aula, bem como das
subjetividades que se consolidam em meio a essa ao, assunto que analisado em
algumas dissertaes de mestrado desenvolvidas recentemente. No mbito do grupo de
pesquisa que coordeno, por exemplo, h referncias a transgresses estticas que
partindo da escola e da universidade atingem de maneira fulminante a cena artstica da
cidade; de criaes em teleperformance que tem como base as estratgias veiculadas no
processo de educao a distncia; de prticas escolares pautadas em paradigmas
contemporneos da cultura artstica.14
Em meio s contribuies acadmicas que conheci e me identifiquei,
recentemente, muitos outros exemplos poderiam ser mencionados, como o trabalho
coordenado pela professora/performer Nara Sales junto aos alunos de licenciatura da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte / UFRN; as caminhadas organizadas pelo
professor de histria Lus Guilherme Baptista com estudantes do ensino mdio de
14 Refiro-me acima s seguintes dissertaes orientadas por mim: Transgresses estticas e pedagogia do teatro: o Maranho no sculo XXI, de Abimaelson Santos Pereira (2011); As fronteiras entre tecnologia, teatro e educao na formao do professor, de Marineide Cmara Silva (2011) e Ensino de teatro, contexto escolar e arte contempornea: estudo sobre as escolas pblicas estaduais de So Lus (MA), de Gislane Gomes Braga (2011).
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Braslia, inspiradas em fotografias de Sebastio Salgado e por isso denominadas de
Re(vi)vendo xodos; as intervenes urbanas desenvolvidas junto a crianas das sries
iniciais numa escola de Porto Alegre que foram analisadas pela pesquisadora Mnica
Torres Bonatto; a discusso crtica a respeito das montagens ps-dramticas dirigidas
pelo professor Luiz Antonio Freire numa escola pblica da periferia de So Lus; o
trabalho integrado elaborado pelos professores Paulo Anete e Jacqueline Silva, numa
sala de aula que se amplia mediante uma proposta de mediao que inclui os moradores
de Ananindeua (PA).
Seriam muitos os casos a discutir, mas como no h espao para ampliar ainda
mais o debate, cabe ressaltar que a coleo coordenada por Raimundo Martins e Irene
Tourinho traz nesta e em edies anteriores vrios textos que asseveram a importncia
da performance para as pedagogias culturais.
Por sua vez, orientada pela professora/performer Carminda Mendes Andr
(UNESP), a investigao de Denise Pereira Raquel tece consideraes sobre sua atuao
docente no ensino fundamental e, procurando refletir sobre questes que circundam o
conceito hbrido pesquisador/performer, discute a experincia do projeto Perfografia,
desenvolvido pelo coletivo de artistas que ela integra:
[...] a pesquisa apresenta uma reflexo a respeito da experincia de levar o projeto Perfografia, desenvolvido pelo Coletivo Parabelo, para a instituio escolar, como proposta de aproximao entre o trabalho da professora e da performer junto ao coletivo do qual faz parte. Neste projeto, o coletivo prope uma pesquisa em torno do performer como cartgrafo e da performance como cartografia na relao entre corpo, cidade e a arte da performance a partir do dilogo com referncias como: os escritos dos situacionistas, o conceito de zona autnoma temporria de Hakim Bey, o conceito de cartografia proposto por Suely Rolnik e a ideia de hdos-meta desenvolvida por Eduardo Passos, Virgnia Kastrup e Liliana da Escssia. Atravs desta experincia aparece uma derradeira indagao: se admitirmos que possvel conceber uma pedagogia da performance, existiria(m) mtodo(s) para compartilhar este saber/fazer performtico? (Raquel, 2012, s/p)
Conforme a argumentao central deste captulo vem reiterando, mais do que
respostas, as questes suscitadas no mbito das relaes entre performance e educao
apontam para sucessivas indagaes, e a questo proposta na citao acima alude a
perplexidades dessa natureza. Ocorre que, na perspectiva do ensino de artes, essa
discusso visa mais elaborao de narrativas que embora se fundamentem com o
devido rigor metodolgico, contudo no se prestam racionalizao de um
conhecimento dito terico. Ento, na tentativa de compreender as prticas escolares em
-
arte voltadas para a experimentao pedaggica que aliam o potencial criativo de
professores e estudantes, e que investem em derivas na busca de incertezas, ao invs de
propor a sistematizao de propostas, destaco dois trabalhos realizados junto educao
bsica que consolidam esse tipo de atuao na escola.15
A professora Maria da Paz Melo desenvolveu a proposta denominada Arte
contempornea: produo e fruio numa escola rural de Santa Rita do Sapuca (MG),
visando desenvolver, junto aos alunos das sries iniciais, uma conscincia esttica em
relao arte contempornea, trabalhando o sensvel e a percepo, entendendo o
aprendizado a partir do fazer, pensando como a produo e a criatividade poderiam se
adequar ao desenvolvimento de cada criana16. O portiflio didtico apresentado pela
professora de qualidade mpar, em termos artstico, esttico e pedaggico,
evidenciando como a performao pode instigar processos criativos em sala de aula,
atravs de procedimentos didticos que no so incomuns na realidade escolar
brasileira: o professor cata com seus estudantes o prprio material com os quais
seguiro trabalhando, a comunidade colabora com o que pode, e a escola, ao invs de se
indispor com a proposta, incentiva o professor a promover uma educao de qualidade.
O projeto desenvolvido pela professora Sirlene Felisberto Rodrigues em uma
escola de Londrina (PR) com turmas do Ensino Fundamental II, intitulado Meu mundo
visvel, meu mundo invisvel, foi inspirado na sua participao em cursos de extenso
universitria, tendo como fundamento a sua dupla formao em artes cnicas e visuais.
Envolvendo a questo da arte contempornea a partir do dilogo entre a produo da
professora e dos estudantes, o depoimento a seguir explica o sentido de sua proposta:
Em sala de aula, como trabalho com pr-adolescentes, percebo o trabalho com a aes performticas como um desafio para o aluno. Nesta idade eles sentem orgulho/vontade e ao mesmo tempo certo medo de compartilhar suas caractersticas individuais com a turma, sobretudo quando a maneira de expor isso for artstica [...] Na maioria das vezes, o trabalho com aes performticas articulado a aes em outras linguagens, o que ajuda a trazer um universo conceitual que o aluno pode acessar para ressignificar suas aes em cena. Esta performance surgiu da prpria maneira como os alunos receberam as obras dos dois artistas Leonilson e Frida Kahlo que foram escolhidos porque tm uma caracterstica performtica, de auto-exposio corajosa de seu mundo interior, de seus afetos, de suas angstias. E foi justamente atravs desse carter de auto-exposio que os alunos se apropriaram em seu trabalho plstico e cnico, o que me fez compreender que a ao performativa estava sendo compreendida por eles como um
15 Os trabalhos mencionados foram os vencedores do XIII Prmio Arte na Escola do Instituto Arte na Escola, verso 2012, e os conheci de perto porque integrei a comisso julgadora. 16 In: http://artenaescola.org.br/premio/projeto.php?id=69485&id_projeto=69489, acesso em 15/3/2013.
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recurso artstico. A proposta realizada pelos alunos foi a materializao de uma vontade e de um processo que j estava se concretizando entre eles.17
O meu envolvimento com projetos didticos desenvolvidos em alguns estados
brasileiros, alm da participao em bancas de ps-graduao e atividades similares por
a afora, tem favorecido o contato com professores de artes envolvidos com a temtica
da arte contempornea e especialmente com a questo da performance, fornecendo o
intercambio de ideias e prticas, e sobretudo me contaminando com um tema que
persegue o meu prprio imaginrio docente, havia tempos. Na lida com o ensino de
artes, inicialmente na educao bsica e depois na universidade, embora mesmo ali
continuando a pensar a escola em razo da dedicao causa da licenciatura, muitas
vezes experimentei o papel de professor/performer, outras o de coordenador de
montagens performticas, ou ainda o de pesquisador da performance.
Em razo dessa cumplicidade entre tema e pesquisador, sou motivado a endossar
a posio de vrios outros estudiosos que consideram a performance como um espao
de encontro, interveno e crtica, e que por isso mesmo deveria ser tido como modelo
para a educao, renovando, em carter permanente, a filosofia educacional pblica e
democrtica. Levando essa ao para alm dos muros escolares, j que os educadores
podem se unir a fim de politizar a natureza do que acontece nas escolas e estender o
trabalho poltico em nossas salas de aula para outras esferas pblicas (Giroux, 1997, p.
211), poderia ser pensada a questo do artista/docente que tanto requerida pelos
especialistas na atualidade, passando a agregar, em parceria com os estudantes, outros
espaos culturais alm da escola, como galerias e ruas, numa destruio simblica de
fronteiras e deslocamento real de sentidos.
Dessa forma, instaurando-se enquanto dimenso provisria do processo
educativo e cultural, o ensino de artes e a performance poderiam preservar o status de
alguma coisa em movimento, sempre em construo, onde tudo est em jogo algo
portanto histrico, porque aberto ao tempo e s possibilidades.
17
Depoimento enviado pela professora por email em 29/11/2012.
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