Aprender Ensinar e Aprender a Ensinar
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"Aprender, ensinar e aprender a
ensinar"
Polya
"On Lerning, Teaching and Learning Teaching",
in Mathematical Discovery (1962-64), cap. XIV.
"O que se é obrigado a descobrir por si próprio deixa um
caminho na mente que se pode percorrer novamente sempre
que se tiver necessidade"
Lichtenberg
“Todos os conhecimentos humanos começam por intuições,
avançam para concepções e terminam com ideias”
Kant
"Escrevo para que o aprendiz possa sempre aperceber-se
do fundamento interno das coisas que aprende, de tal forma
que a origem da invenção possa apareçer e, portanto, de
tal forma que o aprendiz possa aprender tudo como se o
tivesse inventado por si próprio"
Leibniz
1.Ensinar não é uma ciência
Vou dar-vos conta de algumas das minhas opiniões
acerca do processo de aprendizagem, da arte de
ensinar e da formação de professores.
As minhas opiniões resultam de uma longa
experiência. Apesar disso, enquanto opiniões
pessoais, elas podem ser irrelevantes razão pela
qual não me atreveria a com elas desperdiçar o vosso
tempo se o ensino pudesse ser completamente
regulamentado por factos e teorias científicos.
Porém, não é este o caso. Ensinar não é, na minha
opinião, apenas um ramo da psicologia aplicada. Não
o é em nenhum aspecto, pelo menos no presente.
Ensinar está em correlação com aprender. O estudo
experimental e teórico da aprendizagem é um ramo da
psicologia cultivado de forma extensiva e intensa.
Mas existe uma diferença. Estamos principalmente
preocupados com a complexidade das situações de
aprendizagem, tais como aprender álgebra ou aprender
a ensinar, e com os seus efeitos educacionais a
longo prazo. Por seu lado, os psicólogos dedicam
grande parte da sua atenção a situações
simplificadas e a curto prazo. Quer isto dizer que,
embora a psicologia da aprendizagem possa dar-nos
pistas interessantes, não pode ter a pretensão de
dar a última palavra sobre os problemas do ensino.
2. O objectivo do ensino
Não podemos julgar o desempenho do professor se
não soubermos qual é o seu objectivo. Não podemos
discutir seriamente o ensino se não concordarmos,
até certo ponto, àcerca do objectivo do ensino.
Deixem-me especificar. Estou preocupado com a
matemática nos currículos do secundário e tenho uma
ideia "fora de moda" acerca do seu objectivo:
primeiro, e acima de tudo, ela deveria ensinar os
jovens a PENSAR.
Esta é em mim uma convicção firme. Podem não
concordar inteiramente com ela mas presumo que
concordarão com ela até certo ponto. Se não
consideram que "ensinar a pensar" é um objectivo
prioritário, podem encará-lo como um objectivo
secundário e teremos pontos comuns suficientes para
a discussão seguinte.
"Ensinar a pensar" significa que o professor de
Matemática não deve simplesmente transmitir
informação mas também tentar desenvolver a
capacidade dos estudantes para usarem a informação
transmitida: deve enfatizar o saber-fazer, atitudes
úteis, hábitos de pensamento desejáveis. Este
objectivo precisa certamente de maior explicação
(todo o meu trabalho pode ser encarado como uma
maior explicação) mas neste caso vai ser suficiente
enfatizar apenas dois aspectos.
Primeiro, o pensamento com que estamos
preocupados não é o divagar quotidiano, mas um
"pensamento com um objectivo" ou um "pensamento
voluntário" (William James) ou "pensamento
produtivo" (Max Wertheimer). Tais formas de
"pensamento" podem ser identificadas, pelo menos
numa primeira abordagem, com a "resolução de
exercícios". Em qualquer caso um dos principais
objectivos do currículo da matemática no secundário
é, na minha opinião, o desenvolvimento da capacidade
dos alunos para resolver problemas.
Segundo, o pensamento matemático não é puramente
"formal", não está relacionado apenas com axiomas,
definições e demonstrações rígidas, mas também com
muitas outras coisas: generalização a partir de
casos observados, argumentação por indução,
argumentação por analogia, reconhecimento de
conceitos matemáticos, ou sua extracção a partir de
situações concretas. O professor de matemática tem
uma excelente oportunidade para dar a conhecer aos
seus alunos estes importantíssimos processos de
pensamento "informais". O que quero dizer é que deve
utilizar esta oportunidade melhor, muito melhor, do
que se faz hoje em dia. Dito de forma incompleta mas
concisa: deixem os professores ensinar demonstrando,
mas deixem-nos também ensinar adivinhando.
3. Ensinar é uma arte
Ensinar não é uma ciência mas uma arte. Esta
ideia já foi expressa por tantas pessoas, tantas
vezes, que me sinto até envergonhado por a repetir.
Contudo, se deixarmos uma certa generalidade e
observarmos, sob uma perspectiva instrutiva, alguns
pormenores apropriados, apercebemo-nos de alguns
truques.
Ensinar tem obviamente muita coisa em comum com
a arte teatral. Por exemplo, imaginemos que um
professor tem de apresentar à sua turma uma
demonstração que conhece ao pormenor por já a ter
apresentado diversas vezes em anos anteriores no
mesmo curso. Na realidade, pode até nem estar
entusiasmado com a demonstração. Mas, por favor, não
mostre isso à sua turma! Se parecer aborrecido, a
turma inteira vai ficar aborrecida. Finja estar
entusiasmado com a demonstração quando começar.
Finja ter ideias brilhantes no seu desenvolvimento.
Finja estar surpreendido e exultante quando a
demonstração terminar. O professor deve representar
um pouco para bem dos seus alunos que, em alguns
casos, poderão aprender mais através das suas
atitudes do que através do conteúdo apresentado.
Devo confessar que sinto prazer num pouco de
representação, especialmente agora que estou velho e
raramente encontro algo novo em matemática. Sinto
alguma satisfação em reconstituir a forma como
descobri no passado este ou aquele aspecto.
Embora de forma menos óbvia, ensinar tem também
algo em comum com a música. Sabem com certeza que os
professores não devem dizer uma coisa apenas uma ou
duas vezes, mas três, quatro ou mais vezes. Porém,
repetir a mesma frase várias vezes sem pausas ou
alterações pode ser terrivelmente aborrecido e
anular a própria intenção. Ora, o professor pode
aprender com os compositores a fazê-lo melhor. Uma
das principais formas de arte musical é "ar com
variações". Transpondo esta forma da música para o
ensino, faz com que se diga uma frase da forma mais
simples e que depois se repita com uma pequena
alteração; depois torna-se a repeti-la com um pouco
mais de cor, e assim sucessivamente, pode finalizar-
se retornando à formulação original simples. Outra
forma de arte musical é o "rondo". Transpondo o
"rondo" da música para o ensino, repetir-se-ia a
mesma frase essencial várias vezes com poucas ou
nenhumas alterações, mas inserindo entre duas
repetições algum material ilustrativo que provoque
um contraste apropriado. Espero que quando ouvir da
próxima vez um tema de Beethoven com variações ou um
"rondo" de Mozart pense em melhorar o seu ensino.
O ensino pode também ter algumas semelhanças com
a poesia e, de vez em quando, aproximar-se da
profanação. Posso contar-vos uma pequena história
sobre o grande Einstein? Ouvi uma vez Einstein falar
para um grupo de físicos numa festa. "Porque é que
os electrões têm todos a mesma carga?" disse ele.
"Bem, porque é que as pequenas bolas dentro do
esterco de cabra têm todas o mesmo tamanho?" Porque
terá Einstein dito tais coisas? Só para fazer alguns
snobes levantar a sobrancelha? Não que ele não fosse
pessoa para o fazer. Penso que seria. Ainda assim,
foi provavelmente mais profundo. Não me parece que o
comentário de Einstein seja casual. De qualquer
forma, aprendi com ele que, embora as abstracções
sejam importantes, devemos usar todos os meios para
as tornar mais tangíveis. Nada é demasiado bom ou
demasiado mau, demasiado poético ou demasiado
trivial para clarificar as nossas abstracções. Como
refere Montaigne: A verdade é uma coisa tão
grandiosa que não devemos desdenhar nenhum meio que
nos conduza a ela. Portanto, não se deixe inibir se
o seu espírito o levar a, nas suas aulas, ser um
pouco poético ou um pouco profano.
4. Três princípios de aprendizagem
Ensinar é um processo que tem inúmeros pequenos
truques. Cada bom professor tem os seus estratagemas
preferidos e cada bom professor é diferente de
qualquer outro professor.
Qualquer estratagema eficiente para ensinar deve
estar correlacionado de alguma maneira com a
natureza do processo de aprendizagem. Não sabemos
muito acerca do processo de aprendizagem. Mas um
ainda que rude esboço de algumas das suas mais
óbvias características pode laçar alguma luz, que
seria bem vinda, sobre os truques da nossa
profissão. Deixem-me desenhar esse tal esboço na
forma de três "princípios" de aprendizagem.
A formulação e combinação desses prioncípios é
da minha responsabilidade, mas os "princípios", em
si mesmos, não são de modo algum novos. Têm sido
afirmados e reafirmados de várias formas, derivam da
experiência de muitos anos, foram aprovados pelo
parecer de grandes homens e sugeridos pelos estudos
da psicologia da aprendizagem.Estes "princípios de
aprendizagem" também podem ser considerados como
"princípios de ensino" e esta é a principal razão
para os ter aqui em conta.
(1) Aprendizagem activa.
Já foi dito por muitas pessoas e das mais
variadas formas que a aprendizagem deve ser activa,
não meramente passiva ou receptiva. Dificilmente se
consegue aprender alguma coisa, e certamente não
se consegue aprender muito, simplesmente por ler
livros, ouvir palestras ou assistir a filmes, sem
adicionar nenhuma acção intelectual.
Uma outra opinião frequentemente expressa (e
minuciosamente descrita): A melhor forma de aprender
alguma coisa é descobri-la por si próprio.
Lichtenberg (físico alemão do séc. XVIII, mais
conhecido como escritor de aforismos) acrescenta um
aspecto importante:Aquilo que se é obrigado a
descobrir por si próprio deixa um caminho na mente
que se pode percorrer novamente sempre que se tiver
necessidade. Menos colorida, mas talvez mais
abrangente, é a formulação seguinte: Para uma
aprendizagem eficiente, o aprendiz deve descobrir
por si próprio tanto quanto for possível do conteúdo
a aprender, tendo em conta as circunstâncias.
Este é o princípio da aprendizagem activa
(Arbeitsprinzip). Princípio muito antigo que tem por
detrás nada menos que o "método Socrático".
(2) Melhor motivação.
A aprendizagem deve ser activa, como já
dissemos. Mas o aprendiz não agirá se não tiver
motivos para agir. Tem de ser induzido a agir
através de estímulos, por exemplo, através da
esperança de obter alguma recompensa. O interesse
pelo conteúdo da aprendizagem devia ser o melhor
estímulo para a aprendizagem e o prazer da intensiva
actividade mental devia ser a melhor recompensa para
tal actividade. Porém, quando não podemos obter o
melhor devemos tentar obter o segundo melhor, ou o
terceiro melhor, razão pela qual não devemos
esquecer motivos da aprendizagem menos intrínsecos.
Para uma aprendizagem eficiente, o aprendiz
devia estar interessado nos conteúdos a aprender e
sentir prazer na actividade da aprendizagem. Mas,
além destes bons motivos para aprender, existem
outros motivos, alguns desejáveis. (Punição por não
aprender é, possivelmente, o motivo menos
desejável).
Deixem-me chamar a esta afirmação princípio da
melhor motivação.
(3) Fases consecutivas.
Permitam-me que comece por uma frase
frequentemente citada de Kant: "Todos os
conhecimentos humanos começam por intuições, avançam
para concepções e terminam com ideias". A tradução
inglesa de Kant usa os termos "cognition, intuition,
idea". Não sou capaz (quem é?) de dizer em que
sentido exacto Kant pretendia usar estes termos. Mas
permitam-me que apresente a minha interpretação do
"dictum" de Kant: Aprender começa por uma acção e
uma percepção, avança daí para palavras e conceitos,
e devia acabar em hábitos de pensamento desejáveis.
Para começar pense, por favor, em significados
para os conceitos desta frase de tal modo que os
consiga ilustrar concretamente com base na sua
própria experiência. (Induzi-lo a pensar acerca da
sua experiência pessoal é uma das consequências
desejadas). "Aprendizagem" recorda-lhe uma turma
consigo, quer como aluno, quer como professor.
"Acção e percepção" sugerem manipulação e observação
de coisas concretas como seixos ou maçãs; ou régua e
compasso; ou instrumentos laboratoriais; e por aí
adiante.
Tal interpretação dos conceitos pode tornar-se
mais fácil ou mais natural quando pensamos em
materiais simples e elementares. Porém, algum tempo
depois, podemos aperceber-nos de fases similares no
trabalho despendido a dominar materiais mais
complexos, mais avançados. Deixem-me distinguir três
fases: exploração, formalização e assimilação.
A primeira fase, a da exploração, está mais
próxima da acção e da percepção e desenrola-se a
nível mais intuitivo, mais heurístico.
A segunda fase, a da formalização, ascende a um
nível mais conceptual, introduzindo terminologia,
definições, demonstrações.
A fase de assimilação vem por último: ela
implica a tentativa para perceber a "essência" das
coisas. O conteúdo aprendido deve ser digerido
mentalmente, absorvido no sistema do conhecimento,
em todo o sistema mental do aprendiz. Esta fase, por
um lado, prepara o caminho para as aplicações e, por
outro, para generalizações maiores.
Deixem-me fazer um sumário: para uma
aprendizagem eficiente, uma fase exploratória deve
preceder a fase de verbalização e formação de
conceitos e, eventualmente, o conteúdo aprendido
deve fundir-se e contribuir para a atitude mental
essencial do aprendiz.
Este é o princípio das fases consecutivas.
5. Três princípios do ensino
O professor deve conhecer estas formas de
aprendizagem. Deve evitar as formas ineficazes e
aproveitar as formas eficazes. Deste modo, pode dar
bom uso aos três princípios que acabámos de
analisar: o princípio da aprendizagem activa, o
princípio da melhor motivação, e o princípio das
fases consecutivas. Como vimos, estes princípios da
aprendizagem são também princípios do ensino.
Existe, contudo, uma condição: para tirar proveito
de um determinado princípio, o professor não deve
apenas conhecê-lo por ouvir dizer. Deve entendê-lo
intimamente, com base na sua importante experiência
pessoal.
(1) Aprendizagem activa.
O que o professor diz na sala de aula não é de
forma alguma pouco importante. Mas, o que os alunos
pensam é mil vezes mais importante. As ideias deviam
nascer na mente dos alunos e o professor devia agir
apenas como uma parteira.
Este é o clássico preceito Socrático e a forma
de ensino que a ele melhor se adapta é o diálogo
Socrático. O professor do secundário tem
definitivamente uma vantagem em relação ao professor
universitário na medida em que pode usar o diálogo
mais extensivamente. Infelizmente, mesmo no
secundário, o tempo é limitado e existem conteúdos
pré-estabelecidos para leccionar. Portanto, nem
todos os assuntos podem ser discutidos através do
diálogo. Contudo, o princípio é este: deixar os
alunos descobrir por si próprios tanto quanto for
possível.
Tenho a certeza que é possível fazer muito mais
do que normalmente se faz. Deixem-me recomendar-vos
um pequeno truque prático: deixem os
alunos contribuir activamente para a formulação do
problema que eles terão de resolver posteriormente.
Se os alunos tiverem participado na formulação do
problema, irão depois trabalhá-lo mais activamente.
De facto, no trabalho de um cientista, a
formulação de um problema pode ser a melhor parte da
descoberta. Frequentemente, a solução exige menos
genialidade e originalidade que a formulação. Assim,
permitindo que os alunos participem na formulação, o
professor não vai estar apenas a motivá-los para se
esforçarem mais mas vai ensinar-lhes uma desejável
atitude de pensamento.
(2) Melhor motivação
O professor deve olhar para si como um
comerciante: o seu objectivo é vender alguma
matemática aos mais novos. Se o comerciante se
depara com resistência por parte dos seus clientes
ou mesmo se eles se recusarem a comprar, não deve o
comerciante atirar a culpa toda para cima dos
clientes. Lembre-se! O cliente tem sempre razão por
princípio, e às vezes tem mesmo razão na prática. O
rapaz que recusa aprender matemática pode estar
correcto. Pode não ser preguiçoso nem estúpido,
apenas mais interessado noutra coisa qualquer - há
tantas coisas interessantes no mundo á nossa volta.
É dever do professor, como comerciante de
conhecimentos, convencer o aluno de que a matemática
é interessante, que o aspecto em discussão é
interessante, que o problema que é suposto resolver
merece o seu esforço.
Portanto, o professor deve prestar atenção na
escolha, na formulação e na apresentação adequada do
problema que quer propor. O problema deve ter
sentido e deve ser relevante do ponto de vista do
aluno; deve estar relacionado, se possível, com as
experiências diárias dos alunos, e deve ser
introduzido através de uma brincadeira ou de um
paradoxo. O problema deve ainda partir de
conhecimentos muito familiares.Deve conter, se
possível, um aspecto de interesse geral ou eventual
uso prático. Se desejarmos estimular o aluno a
esforçar-se, devemos dar-lhe algum motivo para ele
suspeitar que a tarefa merece o seu esforço.
A melhor motivação é o interesse do aluno na
tarefa. Mas existem outras motivações que não devem
ser negligenciadas. Deixem-me recomendar um pequeno
truque prático: antes dos alunos resolverem um
problema, permitam-lhes adivinhar o resultado, ou
parte dele. O rapaz que exprimir uma opinião
compromete-se; o seu prestígio e auto-estima
dependem um pouco do resultado. Vai estar impaciente
para saber se o seu palpite está certo ou não e,
portanto, vai estar extremamente interessado na sua
tarefa e no trabalho da turma. Não irá adormecer ou
portar-se mal.
De facto, no trabalho de um cientista, o palpite
quase sempre precede a prova. Assim, ao deixar os
alunos advinhar o resultado, não vai estar apenas a
motivá-los para se esforçarem mais. Vai ensiná-los a
ter uma atitude de pensamento desejável.
(3) Fases consecutivas
A dificuldade com os problemas nos manuais do
secundário é que estes contém quase exclusivamente
meros exemplos de rotina. Um exemplo de rotina é um
exemplo de curto alcance que ilustra, e permite
praticar, as aplicações de apenas uma regra isolada.
Tais exemplos de rotina podem ser úteis e até
necessários. Não nego. Mas saltam duas importantes
fases da aprendizagem: a fase exploratória e a fase
de assimilação. Estas duas fases procuram relacionar
o problema em causa com o mundo à nossa volta e com
outros conhecimentos, a primeira antes e a segunda
depois da solução formal. Porém, o problema de
rotina está obviamente relacionado com a regra que
ilustra e pouco relacionado com quaisquer outras
coisas. Por isso há pouco interesse em procurar mais
conexões.
Em contraste com estes problemas de rotina, a
escola secundária devia propor problemas mais
estimulantes, pelo menos de vez em quando, problemas
com contextos ricos que mereçam mais explorações e
problemas que possam dar a ideia do trabalho de um
cientista.
Aqui está uma dica prática: se o problema que
quer discutir com os seus alunos for adequado,
deixe-os fazer uma exploração preliminar: pode abrir
o seu apetite para a solução formal. E reserve algum
tempo para uma discussão retrospectiva acerca da
solução final: pode ajudar na solução de problemas
posteriores.
(4) Após esta discussão bastante incompleta, devo
terminar a explicação dos três princípios:
aprendizagem activa, melhor motivação e fases
consecutivas.
Acho que estes princípios podem infiltrar-se nos
pormenores do trabalho diário de um professor e
fazer dele um professor melhor. Também acho que
estes princípios deviam infiltrar-se na planificação
de todo o curriculum, de cada curso do curriculum e
de cada capítulo de cada curso.
Contudo, longe de mim dizer que estes princípios
têm que ser aceites. Estes princípios partiram de
uma certa visão global, de uma certa filosofia. E o
leitor pode ter uma filosofia diferente. Ora, tanto
no ensino como em tantas outras coisas, não
interessa muito qual é ou não é a sua filosofia.
Interessa mais se tem ou não uma filosofia. E
interessa muito tentar ou não seguir a sua
filosofia. Os únicos princípios do ensino que eu não
gosto de forma alguma são aqueles que nos limitamos
a papaguear.
6. Exemplos
Os exemplos são melhores que as regras. Deixem-
me dar exemplos. Prefiro sem dúvida exemplos a
conversas.
Preocupa-me principalmente o ensino ao nível do
secundário e vou apresentar-vos alguns exemplos
relativos a esse nível de ensino. Frequentemente
sinto grande satisfação nos exemplos a este nível. E
posso dizer porquê: tento encará-los de forma a que
me recordem a minha experiência matemática.
Represento o meu passado a uma escala reduzida.
(1) Um problema do ensino básico - A forma de arte
fundamental do ensino é o diálogo Socrático. Numa
turma de ensino básico talvez o professor possa
começar assim o diálogo:
"Ao meio-dia em S. Francisco que horas são?"
"Mas, professor, todos nós sabemos isso" pode dizer
um jovem activo, ou então "Mas, professor, você é
tonto: 12 horas"
"E em Sacramento, ao meio-dia, que horas são?"
"12 horas - claro, não é meia-noite"
"E em Nova Iorque, ao meio-dia, que horas são?"
"12 horas"
"Mas eu pensava que em S. Francisco e Nova Iorque o
meio-dia não era à mesma hora, e vocês dizem que é
meio-dia em ambos às 12 horas!"
"Bem, é meio-dia em S. Francisco às 12 horas segundo
o padrão horário de Oeste e em Nova Iorque às 12
horas segundo o padrão horário de Este."
" E em que padrão horário se encontra Sacramento,
Este ou Oeste?"
"Oeste, de certeza"
"As pessoas de S. Francisco e de Sacramento têm o
meio-dia no mesmo momento?"
"Não sabem a resposta? Bem, tentem advinhar: será
que o meio-dia é mais cedo em S. Francisco, ou em
Sacramento, ou será que é no mesmo instante nos dois
sítios?"
O que acham da minha ideia de diálogo Socrático
com miúdos do ensino básico? Podem imaginar o resto.
Através de questões apropriadas, o professor,
imitando Sócrates, deve extrair diversos elementos
dos alunos:
a) Temos de distinguir entre meio-dia "astronómico"
e meio-dia convencional ou "legal".
b) Definições para os dois meios-dias.
c) Perceber "padrão horário": como e porquê a
superfície do globo terrestre está subdividida em
zonas de tempo?
d) Formulação do problema: "A que horas do padrão
horário do Oeste é o meio-dia astronómico de S.
Francisco?"
e) O único dado específico que precisamos para
resolver o problema é a longitude de S. Francisco (é
uma boa aproximação para o ensino básico).
O problema não é muito simples. Utilizei-o em
duas turmas e, em ambas, os participantes eram
professores do secundário. Uma turma demorou cerca
de 25 minutos para chegar à solução, a outra demorou
35 minutos.
(2)Devo dizer que este pequeno problema do
ensino básico tem várias vantagens - A principal é
o facto de enfatizar uma operação mental essencial
que,infelizmente, é negligenciada pelos problemas
usuais dos manuais: reconhecer o conceito matemático
essencial numa situação concreta.
Para resolver este problema, os alunos devem
reconhecer a proporcionalidade: as horas numa
localidade na superfície do globo terrestre quando o
sol está na posição mais vertical
variam proporcionalmente com a longitude da
localidade.
De facto, em comparação com os dolorosos e
artificiais problemas nos manuais no secundário, o
nosso problema é perfeitamente natural, um
"verdadeiro" problema. Nos problemas mais difíceis
da matemática aplicada, a formulação apropriada do
problema é sempre uma parte complicada e, com grande
frequência, a parte mais importante. O nosso pequeno
problema, que pode ser proposto a uma turma do
ensino básico, possui precisamente esta
característica. Novamente, os problemas mais
difíceis da matemática aplicada podem conduzir a
acções práticas, como por exemplo, adoptar um
procedimento melhor. O nosso pequeno problema pode
explicar aos alunos do ensino básico porque foi
adoptado o sistema de 24 zonas horárias, cada uma
com um padrão horário uniformizado. No geral, penso
que este problema, se for tratado convenientemente
pelo professor, pode ajudar um futuro cientista ou
engenheiro a descobrir a sua vocação e contribuir
para a maturação intelectual daqueles alunos que não
vão mais tarde utilizar profissionalmente a
matemática.
Observe-se também que este problema ilustra
vários dos pequenos truques mencionados
anteriormente: os alunos contribuem activamente na
formulação do problema. De facto, a fase
exploratória que conduz à formulação do problema é
muito importante. Depois, os alunos são convidados a
adivinhar um aspecto essencial da solução.
(3) Um problema do ensino secundário - Vamos
considerar outro exemplo. Comecemos por aquele que
provavelmente é o problema mais familiar de
construções geométricas: construir um triângulo,
tendo como dados os três lados. Como a analogia é um
campo tão fértil de invenção, é natural perguntar:
qual é o problema análogo na geometria a 3
dimensões? Um aluno médio, que tenha alguns
conhecimentos de geometria tridimensional, pode ser
conduzido a formular o problema: construir um
tetraedro, tendo como dados as seis arestas.
Ora, este problema do tetraedro aproxima-se
bastante, no nível secundário comum, dos problemas
práticos resolúveis por "desenho mecânico".
Engenheiros e designers utilizam desenhos para darem
informações precisas acerca dos pormenores de
figuras a três dimensões ou estruturas para serem
construídas: pretendemos construir um tetraedro com
determinadas arestas. Podemos querer, por exemplo,
esculpi-lo em madeira.
Isto leva-nos a perguntar se o problema deve ser
resolvido com precisão, usando régua e o compasso, e
a discutir a questão: que pormenores do tetraedro
devem ser construídos? Eventualmente, após uma
discussão na turma bem conduzida, a seguinte
formulação definitiva do problema pode emergir:
Do tetraedro ABCD, são-nos dados os comprimentos
das seis arestas AB, BC, CA, AD, BD, CD.Considera o
triângulo ABC como a base do tetraedro e constrói
com uma régua e um compasso os ângulos que a base
forma com as outras três faces.
O conhecimento destes ângulos é necessário para
esculpir em madeira o sólido desejado. Porém, outros
elementos do tetraedro podem surgir na discussão.
Por exemplo:
a) a altura do vértice D à base,
b) o ponto F sendo este o ponto de projecção do
vértice D na base. Note-se que a) e b), que
contribuem para o conhecimento do sólido, podem
ajudar a encontrar os ângulos pedidos e, por isso,
podíamos também tentar construí-los.
(4) Podemos obviamente, construir as quatro
faces triangulares que estão representadas na
Fig.1 (pequenas porções de alguns círculos usados na
construção foram preservadas para indicar que
AD2=AD3, BD3=BD1, CD1=CD2). Se a Fig.1 for copiada
para cartão podemos acrescentar-lhe três patilhas,
cortar a figura, dobrá-la ao longo de três linhas, e
colar as patilhas. Desta maneira obtemos um modelo
sólido no qual podemos medir rudemente a altura e os
ângulos em questão. Este tipo de trabalho em cartão
é bastante sugestivo mas não corresponde ao que nos
foi pedido: construir a altura, o seu ponto na base
(F), e os ângulos em questão com régua e compasso.
(5) Pode ajudar pensar no problema ou parte dele
"como resolvido". Vamos visualizar o aspecto da
Fig.1 quando as três faces laterais forem erguidas
para a sua devida posição, após cada uma ter sofrido
uma rotação em relação a um lado da base. A Fig.2
mostra a projecção ortogonal do tetraedro no plano
da sua base, triângulo ABC. O ponto F é a projecção
do vértice D: é a base da altura desenhada a partir
de D.
(6) Podemos visualizar a transição da Fig.1 para
a Fig.2 com ou sem o modelo em cartão. Vamos focar
a atenção numa das faces laterais, no triângulo
BCD1, que originalmente estava no mesmo plano que o
triângulo ABC, no plano da Fig.1 que imaginamos
horizontal. Vamos observar o triângulo BCD1 a
efectuar uma rotação em torno do lado BC, e fixemos
o nosso olhar no único vértice em movimento D1. Este
vértice D1 descreve um arco de circunferência. O
centro da circunferência é um ponto de BC; o plano
deste círculo é perpendicular ao eixo de revolução
horizontal BC; além disso, D1 movimenta-se num plano
vertical. Portanto, a projecção do percurso do
vértice em movimento D1 para o plano horizontal da
Fig.1 é uma linha recta, perpendicular a BC, que
passa pela posição original de D1.Mas existem mais
dois triângulos a efectuar rotações, são três ao
todo. Existem três vértices em movimento, cada um
seguindo um caminho circular num plano vertical para
que destino?
(7) Penso que o leitor já adivinhou o
resultado (talvez até antes de ler o fim da
subsecção anterior): as três linhas rectas
desenhadas a partir das posições originais (ver
Fig.1) de D1, D2, e D3 perpendiculares a BC, CA e
AB, respectivamente, intersectam-se num ponto, o
ponto F, o nosso objectivo suplementar (b), ver
Fig.3. (É suficiente desenhar duas perpendiculares
para determinar F, mas podemos usar a terceira para
verificar a precisão do nosso desenho). E o que
resta fazer é muito fácil. Seja M o ponto de
intersecção de D1F com BC (ver Fig.3). Construa o
triângulo rectângulo FMD (ver Fig.4), com hipotenusa
MD=MD1 e base MF. Obviamente, FD é a altura [o nosso
objectivo suplementar a)] e ângulo FMD mede o ângulo
diedral formado pela base, o triângulo ABC, e a face
lateral, o triângulo DBC que era pedido no nosso
problema.
(8) Uma das virtudes de um bom problema é que
gera outros bons problemas.A solução anterior pode,
e deve, deixar uma dúvida no seu espírito.
Encontrámos o resultado representado pela Fig.3 (que
as três perpendiculares descritas acima são
concorrentes) tendo em consideração a movimentação
de corpos em rotação. No entanto o resultado é uma
proposição de geometria e portanto devia ser
estabelecida independentemente da noção de
movimento, através apenas da geometria. Agora é
relativamente fácil libertarmo-nos das considerações
anteriores [nas subsecções (6) e (7)] acerca dos
conceitos de movimento e estabelecer o resultado
através de conceitos de geometria tridimensional
(intersecção de esferas, projecção ortogonal). No
entanto, o resultado é uma proposição de geometria
no plano e portanto devia ser estabelecido
independentemente da noção de movimento, através
apenas da geometria. (Como?).
(9)NOte que este problema do ensino secundário
ilustra vários aspectos anteriormente
discutidos. Por exemplo, os alunos podiam e deviam
participar na formulação final do problema, existe
uma fase exploratória e um rico contexto.Contudo há
um aspecto que quero enfatizar: o problema está
construído para merecer a atenção dos alunos. Embora
o problema não esteja muito próximo da realidade
diária como o problema do ensino básico, começa por
uma parcela de conhecimento bastante familiar
(construção de um triângulo através dos três lados),
realça desde o início uma ideia de interesse geral
(analogia), e aponta para eventuais aplicações
práticas (desenho mecânico). Com um pouco de
destreza e um pouco de vontade, o professor devia
ser capaz de captar a atenção dos alunos, que não
estão irremediavelmente aborrecidos, para este
problema.
7. Aprender ensinando
Há ainda um tópico para discutir e é um tópico
relevante: a formação de professores. Assumo uma
posição confortável ao discutir este tema, pois
quase posso concordar com a posição oficial (refiro-
me às “Recomendações da Associação Americana de
Matemática” no que diz respeito à formação de
professores, publicada na American Mathematical
Monthly, 67 (1960) 982-991. Por questões de
brevidade, tomo a liberdade de citar este documento
como “recomendações oficiais”). Irei concentrar-me
em apenas dois pontos. Pontos aos quais devotei, no
passado e praticamente durante os últimos dez anos,
grande parte da minha reflexão e do meu trabalho
enquanto professor.Fazendo uma aproximação, dos dois
pontos que tenho em mente um diz respeito aos cursos
“temáticos” e o outro aos cursos sobre “métodos”.
(1) Cursos Temáticos. É um facto triste mas
amplamente visto e reconhecido, que os conhecimentos
dos nossos professores de matemática sobre a sua
ciência, em escolas secundárias é, em média,
insuficiente. Existem, certamente alguns professores
bem preparados, mas existem outros (encontrei-me com
diversos), cuja boa vontade admiro, mas cuja
preparação matemática não é de todo admirável. As
“recomendações oficiais” para os cursos temáticos
podem não ser perfeitas, mas não há dúvida que a sua
aceitação resultaria numa melhoria substancial.
Pretendo chamar a vossa atenção para um ponto que, a
meu ver, deveria ser acrescentado às “recomendações
oficiais”.
O nosso conhecimento acerca de qualquer assunto
consiste em informação e saber1. O saber é a
habilidade para usar a informação. Claro que não
existe saber sem pensamento independente,
originalidade e criatividade. O saber em matemática
é a habilidade para fazer problemas, descobrir
provas, criticar argumentos, usar linguagem
matemática com alguma fluência, reconhecer os
conceitos matemáticos em situações concretas.
Todos concordamos que, em matemática, o saber é mais
importante, ou melhor, é muito mais importante do
que possuir informação. Todos exigem que o ensino
secundário deve fornecer os estudantes, não apenas
informação em matemática, mas com saber,
independência, originalidade e criatividade. E, no
entanto, quase ninguém pede que o professor de
matemática possua estas coisas bonitas – não é
espantoso?
As “recomendações oficiais” são silenciosas no
que diz respeito ao saber matemático dos
professores.
O estudante de matemática que trabalha para um
doutoramento, deve fazer pesquisa mas, antes disso,
deve ter encontrado oportunidade para realizar
trabalho independente em seminários sobre problemas,
ou na preparação da sua tese de mestrado. No
entanto, este tipo de oportunidade não é oferecida
ao futuro professor de matemática. Nas
“recomendações oficiais” não existe qualquer palavra
acerca de uma qualquer espécie de trabalho
independente ou pesquisa. Se, entretanto, o
professor não tiver tido qualquer experiência em
trabalhos criativos de algum tipo, como é que vai
ser capaz de inspirar, de orientar, de ajudar ou
mesmo de reconhecer a actividade criativa dos seus
estudantes? Um professor que adquiriu o que quer que
seja que sabe em matemática apenas de forma
receptiva dificilmente pode promover o estudo activo
dos seus estudantes. Um professor que nunca teve, em
toda a sua vida, uma ideia brilhante, vai
provavelmente repreender, em vez de ajudar, um
estudante que a tenha.
Na minha opinião, a pior falta no conhecimento
matemático da média dos professores do ensino
secundário é o facto de não terem experiência em
trabalhos activos de matemática e, desta forma, não
terem real mestria, mesmo no que diz respeito ao
currículo da escola secundária que é suposto
ensinarem.
Não tenho nenhum remédio milagroso para oferecer
mas vou tentar uma coisa. Tenho vindo a introduzir e
a conduzir repetidamente um seminário sobre
resolução de problemas para professores. Os
problemas apresentados neste seminário não requerem
muito conhecimento para além do nível do ensino
secundário, mas requerem algum grau, e por vezes um
alto grau, de concentração e juízo independente – e
a solução para esses problemas requere trabalho
“criativo”. Tenho tentado organizar o meu seminário
para que os estudantes sejam capazes de utilizar
muito do material proposto para as suas aulas sem
grandes alterações, para que possam adquirir alguma
mestria no ensino da matemática no secundário e
também para que possam ter algumas oportunidades de
praticar o ensino (ensinando-se uns aos outros, em
pequenos grupos).
(2) Cursos sobre Métodos. Do meu contacto com
centenas de professores de matemática retirei a
impressão de que os cursos sobre “métodos” são
frequentemente recebidos com verdadeiro entusiasmo.
Os cursos mais usuais oferecidos pelos departamentos
de matemática são da mesma maneira recebidos pelos
professores. Um professor com quem tive uma conversa
aberta sobre estas matérias encontrou uma expressão
pitoresca para um sentimento muito disseminado: “ O
departamento de matemática oferece-nos um bife duro
que não conseguimos mastigar e a escola da educação
uma sopa ligeira sem nenhuma carne”.
De facto, devemos por uma vez assumir alguma
coragem e discutir publicamente a questão: Os cursos
sobre métodos são de facto úteis de alguma maneira?
Há mais hipóteses de chegar à resposta certa numa
discussão aberta do que numa aceitação generalizada.
A questão envolve questões pertinentes em número
suficiente. Será que ensinar é ensinável? (Ensinar é
uma arte, como muitos de nós pensamos – e uma arte é
ensinável?) Existe alguma coisa que se possa
denominar de métodos de ensino? (O que o professor
ensina, nunca é melhor do que o professor é; ensinar
depende da personalidade do professor – existem
tantos métodos bons como existem professores bons).
O tempo permitiu que a formação de professores se
tenha dividido entre cursos temáticos, cursos sobre
métodos e prática de ensino. Devemos despender menos
tempo nos cursos sobre métodos? (muitos países
europeus gastam muito menos tempo).
Espero que as pessoas mais novas e mais
vigorosas que eu próprio levantem estas questões
algum dia e as discutam com uma mente aberta e
informações relevantes.
Falo-vos aqui apenas e acerca da minha
experiência e apenas das minhas opiniões. De facto,
já respondi de forma implícita à questão primordial.
Acredito que os cursos sobre métodos podem ser
vantajosos. Na verdade, o que apresentei foi uma
amostra de cursos sobre métodos, ou melhor, um
resumo de alguns tópicos, os quais, na minha
opinião, devem ser oferecidos cursos sobre métodos
aos professores de matemática.
Todas as classes que leccionei a professores de
matemática deveriam, na sua maioria, ser entendidas
como cursos sobre métodos. A designação dessas
classes mencionava alguns temas e o tempo era
realmente dividido em temas e métodos: talvez nove
décimos para os temas e um décimo para os métodos.
Sempre que possível, a classe era dirigida sob forma
dialógica.
Incidentalmente, eram apresentados por mim ou
pela audiência, algumas observações metodológicas.
Na verdade, a derivação de um facto ou a solução de
um problema era quase regularmente seguida de uma
curta discussão das suas implicações pedagógicas. “
Poderá isto ser utilizado na vossa turma?”,
perguntava eu à audiência “ Em que estádio do
currículo imaginam utilizá-las? Quais os pontos que
precisam de especial cuidado? Como poderiam tentar
ultrapassa-los?” E questões desta natureza
(especificadas, de forma apropriada) foram também
regularmente propostas nos exames.
No entanto, o meu trabalho principal era escolher os
problemas (como os dois que aqui apresentei) capazes
de ilustrar de forma clara algum padrão do ensino.
(3) As “recomendações oficiais” chamadas cursos
sobre “métodos” e cursos sobre o “estudo do
currículo” não são muito eloquentes acerca desses
padrões. Na minha opinião, é possível contudo
encontrar uma excelente recomendação. Algo
escondido, para cuja descoberta tem que somar dois
mais dois combinando a última premissa em “cursos de
estudo de currículo” com recomendações para o nível
IV. Mas é claramente suficiente: um professor
universitário que lecciona um curso sobre métodos
para professores de matemática deveria saber
matemática pelo menos ao nível de um mestrado.
Gostaria de acrescentar: deveria também ter alguma
experiência, mesmo que modesta, de investigação em
matemática. Se não tiver tal experiência como poderá
convir que o mais importante para um futuro
professor é, o espírito de trabalho criativo?
Até agora ouviram suficientes recordações de um
velho homem. Algo concreto e bom pode sair daqui se
dedicarmos alguma reflexão à seguinte proposta
resulta até da discussão antecedente. Proponho que
os seguintes dois pontos sejam acrescentados às
“recomendações oficiais” da Associação:
I. A formação de professores de matemática deve
oferecer experiência em trabalho independente
(“criativo”) a um nível apropriado sob a forma de
Seminário sobre a resolução de problemas ou de outra
forma adequada.
II. Os curso sobre métodos devem ser oferecidos aos
professores apenas uma ligação estreita com os
cursos temáticos ou com prática de ensinar e se
praticável, apenas por professores experientes,
tanto em pesquisa matemática como em ensino.
8. A atitude dos professores
Como referi anteriormente, as minhas classes
destinadas a professores foram na, sua maioria,
cursos sobre métodos. Nessas classes procurei
atingir pontos de utilização prática imediata a
serem usados diariamente nas tarefas dos
professores. Por esta razão, inevitavelmente, tive
que expressar a minha perspectiva sobre o dia-a-dia
das tarefas dos professores e sobre as suas
atitudes. Os meus comentários tenderam a assumir um
carácter organizado razão pela qual os condensei em
“Dez mandamentos para Professores”. Quero agora
acrescentar alguns comentários sobre essas dez
regras.
Na formulação dessas regras, tive em conta os
participantes das minhas aulas, professores que
ensinam matemática no ensino secundário. Contudo,
estas regras são aplicáveis a qualquer situação de
ensino, a qualquer assunto e a todos os níveis, mas
especificamente ao nível do ensino secundário.
No entanto, os professores de matemática têm
mais e melhores oportunidades de aplicar algumas
delas do que os professores de outras cadeiras, e
isto refere-se em particular às regras 6, 7 e 8.
DEZ MANDAMENTOS PARA PROFESSORES
1. Seja interessado na sua ciência.
2. Conheça a sua ciência.
3. Conheça as formas de aprendizagem. A melhor maneira de
aprender algo é descobri-lo por si mesmo.
4. Tente ler nas faces dos seus estudantes, tente ver as
suas expectativas e dificuldades, ponha-se no lugar deles.
5. Dê-lhes não só a informação mas também saber, formas de
raciocínio, hábitos de trabalho com método.
6. Permita que aprendam por descoberta.
7. Permita que aprendam provando.
8. Encare as características do problema em mãos como
podendo ser úteis na resolução de outros problemas – Tente
descobrir o padrão geral que está por detrás da situação
concreta presente.
9. Não partilhe o seu segredo todo de uma vez só – Permita
que os alunos o adivinhem antes que o diga – deixe que
descubram por si mesmos, tanto quanto for possível.
10. Sugira as coisas, não force os alunos a aceitar.
A tradução dos tópicos de 1 a 6 foi realizada por
Elisa Mosquito, Ricardo Incácio e Teresa Ferreira
que elaboraram 3 breves comentários. Os pontos 7 e 8
foram traduzidos por Sara Cravo. Revisão de Olga
Pombo