Aprender Ensinar e Aprender a Ensinar

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"Aprender, ensinar e aprender a ensinar" Polya "On Lerning, Teaching and Learning Teaching", in Mathematical Discovery (1962-64), cap. XIV. "O que se é obrigado a descobrir por si próprio deixa um caminho na mente que se pode percorrer novamente sempre que se tiver necessidade" Lichtenberg “Todos os conhecimentos humanos começam por intuições, avançam para concepções e terminam com ideias” Kant "Escrevo para que o aprendiz possa sempre aperceber-se do fundamento interno das coisas que aprende, de tal forma que a origem da invenção possa apareçer e, portanto, de tal forma que o aprendiz possa aprender tudo como se o tivesse inventado por si próprio" Leibniz 1.Ensinar não é uma ciência Vou dar-vos conta de algumas das minhas opiniões acerca do processo de aprendizagem, da arte de ensinar e da formação de professores. As minhas opiniões resultam de uma longa experiência. Apesar disso, enquanto opiniões pessoais, elas podem ser irrelevantes razão pela qual não me atreveria a com elas desperdiçar o vosso tempo se o ensino pudesse ser completamente regulamentado por factos e teorias científicos. Porém, não é este o caso. Ensinar não é, na minha opinião, apenas um ramo da psicologia aplicada. Não o é em nenhum aspecto, pelo menos no presente. Ensinar está em correlação com aprender. O estudo experimental e teórico da aprendizagem é um ramo da psicologia cultivado de forma extensiva e intensa. Mas existe uma diferença. Estamos principalmente

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"Aprender, ensinar e aprender a

ensinar"

Polya

"On Lerning, Teaching and Learning Teaching",

in Mathematical Discovery (1962-64), cap. XIV.

"O que se é obrigado a descobrir por si próprio deixa um

caminho na mente que se pode percorrer novamente sempre

que se tiver necessidade"

Lichtenberg

“Todos os conhecimentos humanos começam por intuições,

avançam para concepções e terminam com ideias”

Kant

"Escrevo para que o aprendiz possa sempre aperceber-se

do fundamento interno das coisas que aprende, de tal forma

que a origem da invenção possa apareçer e, portanto, de

tal forma que o aprendiz possa aprender tudo como se o

tivesse inventado por si próprio"

Leibniz

1.Ensinar não é uma ciência

Vou dar-vos conta de algumas das minhas opiniões

acerca do processo de aprendizagem, da arte de

ensinar e da formação de professores.

As minhas opiniões resultam de uma longa

experiência. Apesar disso, enquanto opiniões

pessoais, elas podem ser irrelevantes razão pela

qual não me atreveria a com elas desperdiçar o vosso

tempo se o ensino pudesse ser completamente

regulamentado por factos e teorias científicos.

Porém, não é este o caso. Ensinar não é, na minha

opinião, apenas um ramo da psicologia aplicada. Não

o é em nenhum aspecto, pelo menos no presente.

Ensinar está em correlação com aprender. O estudo

experimental e teórico da aprendizagem é um ramo da

psicologia cultivado de forma extensiva e intensa.

Mas existe uma diferença. Estamos principalmente

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preocupados com a complexidade das situações de

aprendizagem, tais como aprender álgebra ou aprender

a ensinar, e com os seus efeitos educacionais a

longo prazo. Por seu lado, os psicólogos dedicam

grande parte da sua atenção a situações

simplificadas e a curto prazo. Quer isto dizer que,

embora a psicologia da aprendizagem possa dar-nos

pistas interessantes, não pode ter a pretensão de

dar a última palavra sobre os problemas do ensino.

2. O objectivo do ensino

Não podemos julgar o desempenho do professor se

não soubermos qual é o seu objectivo. Não podemos

discutir seriamente o ensino se não concordarmos,

até certo ponto, àcerca do objectivo do ensino.

Deixem-me especificar. Estou preocupado com a

matemática nos currículos do secundário e tenho uma

ideia "fora de moda" acerca do seu objectivo:

primeiro, e acima de tudo, ela deveria ensinar os

jovens a PENSAR.

Esta é em mim uma convicção firme. Podem não

concordar inteiramente com ela mas presumo que

concordarão com ela até certo ponto. Se não

consideram que "ensinar a pensar" é um objectivo

prioritário, podem encará-lo como um objectivo

secundário e teremos pontos comuns suficientes para

a discussão seguinte.

"Ensinar a pensar" significa que o professor de

Matemática não deve simplesmente transmitir

informação mas também tentar desenvolver a

capacidade dos estudantes para usarem a informação

transmitida: deve enfatizar o saber-fazer, atitudes

úteis, hábitos de pensamento desejáveis. Este

objectivo precisa certamente de maior explicação

(todo o meu trabalho pode ser encarado como uma

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maior explicação) mas neste caso vai ser suficiente

enfatizar apenas dois aspectos.

Primeiro, o pensamento com que estamos

preocupados não é o divagar quotidiano, mas um

"pensamento com um objectivo" ou um "pensamento

voluntário" (William James) ou "pensamento

produtivo" (Max Wertheimer). Tais formas de

"pensamento" podem ser identificadas, pelo menos

numa primeira abordagem, com a "resolução de

exercícios". Em qualquer caso um dos principais

objectivos do currículo da matemática no secundário

é, na minha opinião, o desenvolvimento da capacidade

dos alunos para resolver problemas.

Segundo, o pensamento matemático não é puramente

"formal", não está relacionado apenas com axiomas,

definições e demonstrações rígidas, mas também com

muitas outras coisas: generalização a partir de

casos observados, argumentação por indução,

argumentação por analogia, reconhecimento de

conceitos matemáticos, ou sua extracção a partir de

situações concretas. O professor de matemática tem

uma excelente oportunidade para dar a conhecer aos

seus alunos estes importantíssimos processos de

pensamento "informais". O que quero dizer é que deve

utilizar esta oportunidade melhor, muito melhor, do

que se faz hoje em dia. Dito de forma incompleta mas

concisa: deixem os professores ensinar demonstrando,

mas deixem-nos também ensinar adivinhando.

3. Ensinar é uma arte

Ensinar não é uma ciência mas uma arte. Esta

ideia já foi expressa por tantas pessoas, tantas

vezes, que me sinto até envergonhado por a repetir.

Contudo, se deixarmos uma certa generalidade e

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observarmos, sob uma perspectiva instrutiva, alguns

pormenores apropriados, apercebemo-nos de alguns

truques.

Ensinar tem obviamente muita coisa em comum com

a arte teatral. Por exemplo, imaginemos que um

professor tem de apresentar à sua turma uma

demonstração que conhece ao pormenor por já a ter

apresentado diversas vezes em anos anteriores no

mesmo curso. Na realidade, pode até nem estar

entusiasmado com a demonstração. Mas, por favor, não

mostre isso à sua turma! Se parecer aborrecido, a

turma inteira vai ficar aborrecida. Finja estar

entusiasmado com a demonstração quando começar.

Finja ter ideias brilhantes no seu desenvolvimento.

Finja estar surpreendido e exultante quando a

demonstração terminar. O professor deve representar

um pouco para bem dos seus alunos que, em alguns

casos, poderão aprender mais através das suas

atitudes do que através do conteúdo apresentado.

Devo confessar que sinto prazer num pouco de

representação, especialmente agora que estou velho e

raramente encontro algo novo em matemática. Sinto

alguma satisfação em reconstituir a forma como

descobri no passado este ou aquele aspecto.

Embora de forma menos óbvia, ensinar tem também

algo em comum com a música. Sabem com certeza que os

professores não devem dizer uma coisa apenas uma ou

duas vezes, mas três, quatro ou mais vezes. Porém,

repetir a mesma frase várias vezes sem pausas ou

alterações pode ser terrivelmente aborrecido e

anular a própria intenção. Ora, o professor pode

aprender com os compositores a fazê-lo melhor. Uma

das principais formas de arte musical é "ar com

variações". Transpondo esta forma da música para o

ensino, faz com que se diga uma frase da forma mais

simples e que depois se repita com uma pequena

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alteração; depois torna-se a repeti-la com um pouco

mais de cor, e assim sucessivamente, pode finalizar-

se retornando à formulação original simples. Outra

forma de arte musical é o "rondo". Transpondo o

"rondo" da música para o ensino, repetir-se-ia a

mesma frase essencial várias vezes com poucas ou

nenhumas alterações, mas inserindo entre duas

repetições algum material ilustrativo que provoque

um contraste apropriado. Espero que quando ouvir da

próxima vez um tema de Beethoven com variações ou um

"rondo" de Mozart pense em melhorar o seu ensino.

O ensino pode também ter algumas semelhanças com

a poesia e, de vez em quando, aproximar-se da

profanação. Posso contar-vos uma pequena história

sobre o grande Einstein? Ouvi uma vez Einstein falar

para um grupo de físicos numa festa. "Porque é que

os electrões têm todos a mesma carga?" disse ele.

"Bem, porque é que as pequenas bolas dentro do

esterco de cabra têm todas o mesmo tamanho?" Porque

terá Einstein dito tais coisas? Só para fazer alguns

snobes levantar a sobrancelha? Não que ele não fosse

pessoa para o fazer. Penso que seria. Ainda assim,

foi provavelmente mais profundo. Não me parece que o

comentário de Einstein seja casual. De qualquer

forma, aprendi com ele que, embora as abstracções

sejam importantes, devemos usar todos os meios para

as tornar mais tangíveis. Nada é demasiado bom ou

demasiado mau, demasiado poético ou demasiado

trivial para clarificar as nossas abstracções. Como

refere Montaigne: A verdade é uma coisa tão

grandiosa que não devemos desdenhar nenhum meio que

nos conduza a ela. Portanto, não se deixe inibir se

o seu espírito o levar a, nas suas aulas, ser um

pouco poético ou um pouco profano.

4. Três princípios de aprendizagem

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Ensinar é um processo que tem inúmeros pequenos

truques. Cada bom professor tem os seus estratagemas

preferidos e cada bom professor é diferente de

qualquer outro professor.

Qualquer estratagema eficiente para ensinar deve

estar correlacionado de alguma maneira com a

natureza do processo de aprendizagem. Não sabemos

muito acerca do processo de aprendizagem. Mas um

ainda que rude esboço de algumas das suas mais

óbvias características pode laçar alguma luz, que

seria bem vinda, sobre os truques da nossa

profissão. Deixem-me desenhar esse tal esboço na

forma de três "princípios" de aprendizagem.

A formulação e combinação desses prioncípios é

da minha responsabilidade, mas os "princípios", em

si mesmos, não são de modo algum novos. Têm sido

afirmados e reafirmados de várias formas, derivam da

experiência de muitos anos, foram aprovados pelo

parecer de grandes homens e sugeridos pelos estudos

da psicologia da aprendizagem.Estes "princípios de

aprendizagem" também podem ser considerados como

"princípios de ensino" e esta é a principal razão

para os ter aqui em conta.

(1) Aprendizagem activa.

Já foi dito por muitas pessoas e das mais

variadas formas que a aprendizagem deve ser activa,

não meramente passiva ou receptiva. Dificilmente se

consegue aprender alguma coisa, e certamente não

se consegue aprender muito, simplesmente por ler

livros, ouvir palestras ou assistir a filmes, sem

adicionar nenhuma acção intelectual.

Uma outra opinião frequentemente expressa (e

minuciosamente descrita): A melhor forma de aprender

alguma coisa é descobri-la por si próprio.

Lichtenberg (físico alemão do séc. XVIII, mais

conhecido como escritor de aforismos) acrescenta um

aspecto importante:Aquilo que se é obrigado a

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descobrir por si próprio deixa um caminho na mente

que se pode percorrer novamente sempre que se tiver

necessidade. Menos colorida, mas talvez mais

abrangente, é a formulação seguinte: Para uma

aprendizagem eficiente, o aprendiz deve descobrir

por si próprio tanto quanto for possível do conteúdo

a aprender, tendo em conta as circunstâncias.

Este é o princípio da aprendizagem activa

(Arbeitsprinzip). Princípio muito antigo que tem por

detrás nada menos que o "método Socrático".

(2) Melhor motivação.

A aprendizagem deve ser activa, como já

dissemos. Mas o aprendiz não agirá se não tiver

motivos para agir. Tem de ser induzido a agir

através de estímulos, por exemplo, através da

esperança de obter alguma recompensa. O interesse

pelo conteúdo da aprendizagem devia ser o melhor

estímulo para a aprendizagem e o prazer da intensiva

actividade mental devia ser a melhor recompensa para

tal actividade. Porém, quando não podemos obter o

melhor devemos tentar obter o segundo melhor, ou o

terceiro melhor, razão pela qual não devemos

esquecer motivos da aprendizagem menos intrínsecos.

Para uma aprendizagem eficiente, o aprendiz

devia estar interessado nos conteúdos a aprender e

sentir prazer na actividade da aprendizagem. Mas,

além destes bons motivos para aprender, existem

outros motivos, alguns desejáveis. (Punição por não

aprender é, possivelmente, o motivo menos

desejável).

Deixem-me chamar a esta afirmação princípio da

melhor motivação.

(3) Fases consecutivas.

Permitam-me que comece por uma frase

frequentemente citada de Kant: "Todos os

conhecimentos humanos começam por intuições, avançam

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para concepções e terminam com ideias". A tradução

inglesa de Kant usa os termos "cognition, intuition,

idea". Não sou capaz (quem é?) de dizer em que

sentido exacto Kant pretendia usar estes termos. Mas

permitam-me que apresente a minha interpretação do

"dictum" de Kant: Aprender começa por uma acção e

uma percepção, avança daí para palavras e conceitos,

e devia acabar em hábitos de pensamento desejáveis.

Para começar pense, por favor, em significados

para os conceitos desta frase de tal modo que os

consiga ilustrar concretamente com base na sua

própria experiência. (Induzi-lo a pensar acerca da

sua experiência pessoal é uma das consequências

desejadas). "Aprendizagem" recorda-lhe uma turma

consigo, quer como aluno, quer como professor.

"Acção e percepção" sugerem manipulação e observação

de coisas concretas como seixos ou maçãs; ou régua e

compasso; ou instrumentos laboratoriais; e por aí

adiante.

Tal interpretação dos conceitos pode tornar-se

mais fácil ou mais natural quando pensamos em

materiais simples e elementares. Porém, algum tempo

depois, podemos aperceber-nos de fases similares no

trabalho despendido a dominar materiais mais

complexos, mais avançados. Deixem-me distinguir três

fases: exploração, formalização e assimilação.

A primeira fase, a da exploração, está mais

próxima da acção e da percepção e desenrola-se a

nível mais intuitivo, mais heurístico.

A segunda fase, a da formalização, ascende a um

nível mais conceptual, introduzindo terminologia,

definições, demonstrações.

A fase de assimilação vem por último: ela

implica a tentativa para perceber a "essência" das

coisas. O conteúdo aprendido deve ser digerido

mentalmente, absorvido no sistema do conhecimento,

em todo o sistema mental do aprendiz. Esta fase, por

um lado, prepara o caminho para as aplicações e, por

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outro, para generalizações maiores.

Deixem-me fazer um sumário: para uma

aprendizagem eficiente, uma fase exploratória deve

preceder a fase de verbalização e formação de

conceitos e, eventualmente, o conteúdo aprendido

deve fundir-se e contribuir para a atitude mental

essencial do aprendiz.

Este é o princípio das fases consecutivas.

5. Três princípios do ensino

O professor deve conhecer estas formas de

aprendizagem. Deve evitar as formas ineficazes e

aproveitar as formas eficazes. Deste modo, pode dar

bom uso aos três princípios que acabámos de

analisar: o princípio da aprendizagem activa, o

princípio da melhor motivação, e o princípio das

fases consecutivas. Como vimos, estes princípios da

aprendizagem são também princípios do ensino.

Existe, contudo, uma condição: para tirar proveito

de um determinado princípio, o professor não deve

apenas conhecê-lo por ouvir dizer. Deve entendê-lo

intimamente, com base na sua importante experiência

pessoal.

(1) Aprendizagem activa.

O que o professor diz na sala de aula não é de

forma alguma pouco importante. Mas, o que os alunos

pensam é mil vezes mais importante. As ideias deviam

nascer na mente dos alunos e o professor devia agir

apenas como uma parteira.

Este é o clássico preceito Socrático e a forma

de ensino que a ele melhor se adapta é o diálogo

Socrático. O professor do secundário tem

definitivamente uma vantagem em relação ao professor

universitário na medida em que pode usar o diálogo

mais extensivamente. Infelizmente, mesmo no

secundário, o tempo é limitado e existem conteúdos

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pré-estabelecidos para leccionar. Portanto, nem

todos os assuntos podem ser discutidos através do

diálogo. Contudo, o princípio é este: deixar os

alunos descobrir por si próprios tanto quanto for

possível.

Tenho a certeza que é possível fazer muito mais

do que normalmente se faz. Deixem-me recomendar-vos

um pequeno truque prático: deixem os

alunos contribuir activamente para a formulação do

problema que eles terão de resolver posteriormente.

Se os alunos tiverem participado na formulação do

problema, irão depois trabalhá-lo mais activamente.

De facto, no trabalho de um cientista, a

formulação de um problema pode ser a melhor parte da

descoberta. Frequentemente, a solução exige menos

genialidade e originalidade que a formulação. Assim,

permitindo que os alunos participem na formulação, o

professor não vai estar apenas a motivá-los para se

esforçarem mais mas vai ensinar-lhes uma desejável

atitude de pensamento.

(2) Melhor motivação

O professor deve olhar para si como um

comerciante: o seu objectivo é vender alguma

matemática aos mais novos. Se o comerciante se

depara com resistência por parte dos seus clientes

ou mesmo se eles se recusarem a comprar, não deve o

comerciante atirar a culpa toda para cima dos

clientes. Lembre-se! O cliente tem sempre razão por

princípio, e às vezes tem mesmo razão na prática. O

rapaz que recusa aprender matemática pode estar

correcto. Pode não ser preguiçoso nem estúpido,

apenas mais interessado noutra coisa qualquer - há

tantas coisas interessantes no mundo á nossa volta.

É dever do professor, como comerciante de

conhecimentos, convencer o aluno de que a matemática

é interessante, que o aspecto em discussão é

interessante, que o problema que é suposto resolver

Page 11: Aprender Ensinar e Aprender a Ensinar

merece o seu esforço.

Portanto, o professor deve prestar atenção na

escolha, na formulação e na apresentação adequada do

problema que quer propor. O problema deve ter

sentido e deve ser relevante do ponto de vista do

aluno; deve estar relacionado, se possível, com as

experiências diárias dos alunos, e deve ser

introduzido através de uma brincadeira ou de um

paradoxo. O problema deve ainda partir de

conhecimentos muito familiares.Deve conter, se

possível, um aspecto de interesse geral ou eventual

uso prático. Se desejarmos estimular o aluno a

esforçar-se, devemos dar-lhe algum motivo para ele

suspeitar que a tarefa merece o seu esforço.

A melhor motivação é o interesse do aluno na

tarefa. Mas existem outras motivações que não devem

ser negligenciadas. Deixem-me recomendar um pequeno

truque prático: antes dos alunos resolverem um

problema, permitam-lhes adivinhar o resultado, ou

parte dele. O rapaz que exprimir uma opinião

compromete-se; o seu prestígio e auto-estima

dependem um pouco do resultado. Vai estar impaciente

para saber se o seu palpite está certo ou não e,

portanto, vai estar extremamente interessado na sua

tarefa e no trabalho da turma. Não irá adormecer ou

portar-se mal.

De facto, no trabalho de um cientista, o palpite

quase sempre precede a prova. Assim, ao deixar os

alunos advinhar o resultado, não vai estar apenas a

motivá-los para se esforçarem mais. Vai ensiná-los a

ter uma atitude de pensamento desejável.

(3) Fases consecutivas

A dificuldade com os problemas nos manuais do

secundário é que estes contém quase exclusivamente

meros exemplos de rotina. Um exemplo de rotina é um

exemplo de curto alcance que ilustra, e permite

praticar, as aplicações de apenas uma regra isolada.

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Tais exemplos de rotina podem ser úteis e até

necessários. Não nego. Mas saltam duas importantes

fases da aprendizagem: a fase exploratória e a fase

de assimilação. Estas duas fases procuram relacionar

o problema em causa com o mundo à nossa volta e com

outros conhecimentos, a primeira antes e a segunda

depois da solução formal. Porém, o problema de

rotina está obviamente relacionado com a regra que

ilustra e pouco relacionado com quaisquer outras

coisas. Por isso há pouco interesse em procurar mais

conexões.

Em contraste com estes problemas de rotina, a

escola secundária devia propor problemas mais

estimulantes, pelo menos de vez em quando, problemas

com contextos ricos que mereçam mais explorações e

problemas que possam dar a ideia do trabalho de um

cientista.

Aqui está uma dica prática: se o problema que

quer discutir com os seus alunos for adequado,

deixe-os fazer uma exploração preliminar: pode abrir

o seu apetite para a solução formal. E reserve algum

tempo para uma discussão retrospectiva acerca da

solução final: pode ajudar na solução de problemas

posteriores.

(4) Após esta discussão bastante incompleta, devo

terminar a explicação dos três princípios:

aprendizagem activa, melhor motivação e fases

consecutivas.

Acho que estes princípios podem infiltrar-se nos

pormenores do trabalho diário de um professor e

fazer dele um professor melhor. Também acho que

estes princípios deviam infiltrar-se na planificação

de todo o curriculum, de cada curso do curriculum e

de cada capítulo de cada curso.

Contudo, longe de mim dizer que estes princípios

têm que ser aceites. Estes princípios partiram de

uma certa visão global, de uma certa filosofia. E o

Page 13: Aprender Ensinar e Aprender a Ensinar

leitor pode ter uma filosofia diferente. Ora, tanto

no ensino como em tantas outras coisas, não

interessa muito qual é ou não é a sua filosofia.

Interessa mais se tem ou não uma filosofia. E

interessa muito tentar ou não seguir a sua

filosofia. Os únicos princípios do ensino que eu não

gosto de forma alguma são aqueles que nos limitamos

a papaguear.

6. Exemplos

Os exemplos são melhores que as regras. Deixem-

me dar exemplos. Prefiro sem dúvida exemplos a

conversas.

Preocupa-me principalmente o ensino ao nível do

secundário e vou apresentar-vos alguns exemplos

relativos a esse nível de ensino. Frequentemente

sinto grande satisfação nos exemplos a este nível. E

posso dizer porquê: tento encará-los de forma a que

me recordem a minha experiência matemática.

Represento o meu passado a uma escala reduzida.

(1) Um problema do ensino básico - A forma de arte

fundamental do ensino é o diálogo Socrático. Numa

turma de ensino básico talvez o professor possa

começar assim o diálogo:

"Ao meio-dia em S. Francisco que horas são?"

"Mas, professor, todos nós sabemos isso" pode dizer

um jovem activo, ou então "Mas, professor, você é

tonto: 12 horas"

"E em Sacramento, ao meio-dia, que horas são?"

"12 horas - claro, não é meia-noite"

"E em Nova Iorque, ao meio-dia, que horas são?"

"12 horas"

"Mas eu pensava que em S. Francisco e Nova Iorque o

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meio-dia não era à mesma hora, e vocês dizem que é

meio-dia em ambos às 12 horas!"

"Bem, é meio-dia em S. Francisco às 12 horas segundo

o padrão horário de Oeste e em Nova Iorque às 12

horas segundo o padrão horário de Este."

" E em que padrão horário se encontra Sacramento,

Este ou Oeste?"

"Oeste, de certeza"

"As pessoas de S. Francisco e de Sacramento têm o

meio-dia no mesmo momento?"

"Não sabem a resposta? Bem, tentem advinhar: será

que o meio-dia é mais cedo em S. Francisco, ou em

Sacramento, ou será que é no mesmo instante nos dois

sítios?"

O que acham da minha ideia de diálogo Socrático

com miúdos do ensino básico? Podem imaginar o resto.

Através de questões apropriadas, o professor,

imitando Sócrates, deve extrair diversos elementos

dos alunos:

a) Temos de distinguir entre meio-dia "astronómico"

e meio-dia convencional ou "legal".

b) Definições para os dois meios-dias.

c) Perceber "padrão horário": como e porquê a

superfície do globo terrestre está subdividida em

zonas de tempo?

d) Formulação do problema: "A que horas do padrão

horário do Oeste é o meio-dia astronómico de S.

Francisco?"

e) O único dado específico que precisamos para

resolver o problema é a longitude de S. Francisco (é

uma boa aproximação para o ensino básico).

O problema não é muito simples. Utilizei-o em

duas turmas e, em ambas, os participantes eram

professores do secundário. Uma turma demorou cerca

de 25 minutos para chegar à solução, a outra demorou

35 minutos.

Page 15: Aprender Ensinar e Aprender a Ensinar

(2)Devo dizer que este pequeno problema do

ensino básico tem várias vantagens - A principal é

o facto de enfatizar uma operação mental essencial

que,infelizmente, é negligenciada pelos problemas

usuais dos manuais: reconhecer o conceito matemático

essencial numa situação concreta.

Para resolver este problema, os alunos devem

reconhecer a proporcionalidade: as horas numa

localidade na superfície do globo terrestre quando o

sol está na posição mais vertical

variam proporcionalmente com a longitude da

localidade.

De facto, em comparação com os dolorosos e

artificiais problemas nos manuais no secundário, o

nosso problema é perfeitamente natural, um

"verdadeiro" problema. Nos problemas mais difíceis

da matemática aplicada, a formulação apropriada do

problema é sempre uma parte complicada e, com grande

frequência, a parte mais importante. O nosso pequeno

problema, que pode ser proposto a uma turma do

ensino básico, possui precisamente esta

característica. Novamente, os problemas mais

difíceis da matemática aplicada podem conduzir a

acções práticas, como por exemplo, adoptar um

procedimento melhor. O nosso pequeno problema pode

explicar aos alunos do ensino básico porque foi

adoptado o sistema de 24 zonas horárias, cada uma

com um padrão horário uniformizado. No geral, penso

que este problema, se for tratado convenientemente

pelo professor, pode ajudar um futuro cientista ou

engenheiro a descobrir a sua vocação e contribuir

para a maturação intelectual daqueles alunos que não

vão mais tarde utilizar profissionalmente a

matemática.

Observe-se também que este problema ilustra

vários dos pequenos truques mencionados

anteriormente: os alunos contribuem activamente na

formulação do problema. De facto, a fase

Page 16: Aprender Ensinar e Aprender a Ensinar

exploratória que conduz à formulação do problema é

muito importante. Depois, os alunos são convidados a

adivinhar um aspecto essencial da solução.

(3) Um problema do ensino secundário - Vamos

considerar outro exemplo. Comecemos por aquele que

provavelmente é o problema mais familiar de

construções geométricas: construir um triângulo,

tendo como dados os três lados. Como a analogia é um

campo tão fértil de invenção, é natural perguntar:

qual é o problema análogo na geometria a 3

dimensões? Um aluno médio, que tenha alguns

conhecimentos de geometria tridimensional, pode ser

conduzido a formular o problema: construir um

tetraedro, tendo como dados as seis arestas.

Ora, este problema do tetraedro aproxima-se

bastante, no nível secundário comum, dos problemas

práticos resolúveis por "desenho mecânico".

Engenheiros e designers utilizam desenhos para darem

informações precisas acerca dos pormenores de

figuras a três dimensões ou estruturas para serem

construídas: pretendemos construir um tetraedro com

determinadas arestas. Podemos querer, por exemplo,

esculpi-lo em madeira.

Isto leva-nos a perguntar se o problema deve ser

resolvido com precisão, usando régua e o compasso, e

a discutir a questão: que pormenores do tetraedro

devem ser construídos? Eventualmente, após uma

discussão na turma bem conduzida, a seguinte

formulação definitiva do problema pode emergir:

Do tetraedro ABCD, são-nos dados os comprimentos

das seis arestas AB, BC, CA, AD, BD, CD.Considera o

triângulo ABC como a base do tetraedro e constrói

com uma régua e um compasso os ângulos que a base

forma com as outras três faces.

O conhecimento destes ângulos é necessário para

esculpir em madeira o sólido desejado. Porém, outros

elementos do tetraedro podem surgir na discussão.

Page 17: Aprender Ensinar e Aprender a Ensinar

Por exemplo:

a) a altura do vértice D à base,

b) o ponto F sendo este o ponto de projecção do

vértice D na base. Note-se que a) e b), que

contribuem para o conhecimento do sólido, podem

ajudar a encontrar os ângulos pedidos e, por isso,

podíamos também tentar construí-los.

(4) Podemos obviamente, construir as quatro

faces triangulares que estão representadas na

Fig.1 (pequenas porções de alguns círculos usados na

construção foram preservadas para indicar que

AD2=AD3, BD3=BD1, CD1=CD2). Se a Fig.1 for copiada

para cartão podemos acrescentar-lhe três patilhas,

cortar a figura, dobrá-la ao longo de três linhas, e

colar as patilhas. Desta maneira obtemos um modelo

sólido no qual podemos medir rudemente a altura e os

ângulos em questão. Este tipo de trabalho em cartão

é bastante sugestivo mas não corresponde ao que nos

foi pedido: construir a altura, o seu ponto na base

(F), e os ângulos em questão com régua e compasso.

(5) Pode ajudar pensar no problema ou parte dele

"como resolvido". Vamos visualizar o aspecto da

Page 18: Aprender Ensinar e Aprender a Ensinar

Fig.1 quando as três faces laterais forem erguidas

para a sua devida posição, após cada uma ter sofrido

uma rotação em relação a um lado da base. A Fig.2

mostra a projecção ortogonal do tetraedro no plano

da sua base, triângulo ABC. O ponto F é a projecção

do vértice D: é a base da altura desenhada a partir

de D.

(6) Podemos visualizar a transição da Fig.1 para

a Fig.2 com ou sem o modelo em cartão. Vamos focar

a atenção numa das faces laterais, no triângulo

BCD1, que originalmente estava no mesmo plano que o

triângulo ABC, no plano da Fig.1 que imaginamos

horizontal. Vamos observar o triângulo BCD1 a

efectuar uma rotação em torno do lado BC, e fixemos

o nosso olhar no único vértice em movimento D1. Este

vértice D1 descreve um arco de circunferência. O

centro da circunferência é um ponto de BC; o plano

deste círculo é perpendicular ao eixo de revolução

horizontal BC; além disso, D1 movimenta-se num plano

vertical. Portanto, a projecção do percurso do

vértice em movimento D1 para o plano horizontal da

Fig.1 é uma linha recta, perpendicular a BC, que

passa pela posição original de D1.Mas existem mais

dois triângulos a efectuar rotações, são três ao

todo. Existem três vértices em movimento, cada um

seguindo um caminho circular num plano vertical para

que destino?

Page 19: Aprender Ensinar e Aprender a Ensinar

(7) Penso que o leitor já adivinhou o

resultado (talvez até antes de ler o fim da

subsecção anterior): as três linhas rectas

desenhadas a partir das posições originais (ver

Fig.1) de D1, D2, e D3 perpendiculares a BC, CA e

AB, respectivamente, intersectam-se num ponto, o

ponto F, o nosso objectivo suplementar (b), ver

Fig.3. (É suficiente desenhar duas perpendiculares

para determinar F, mas podemos usar a terceira para

verificar a precisão do nosso desenho). E o que

resta fazer é muito fácil. Seja M o ponto de

intersecção de D1F com BC (ver Fig.3). Construa o

triângulo rectângulo FMD (ver Fig.4), com hipotenusa

MD=MD1 e base MF. Obviamente, FD é a altura [o nosso

objectivo suplementar a)] e ângulo FMD mede o ângulo

diedral formado pela base, o triângulo ABC, e a face

lateral, o triângulo DBC que era pedido no nosso

problema.

(8) Uma das virtudes de um bom problema é que

gera outros bons problemas.A solução anterior pode,

Page 20: Aprender Ensinar e Aprender a Ensinar

e deve, deixar uma dúvida no seu espírito.

Encontrámos o resultado representado pela Fig.3 (que

as três perpendiculares descritas acima são

concorrentes) tendo em consideração a movimentação

de corpos em rotação. No entanto o resultado é uma

proposição de geometria e portanto devia ser

estabelecida independentemente da noção de

movimento, através apenas da geometria. Agora é

relativamente fácil libertarmo-nos das considerações

anteriores [nas subsecções (6) e (7)] acerca dos

conceitos de movimento e estabelecer o resultado

através de conceitos de geometria tridimensional

(intersecção de esferas, projecção ortogonal). No

entanto, o resultado é uma proposição de geometria

no plano e portanto devia ser estabelecido

independentemente da noção de movimento, através

apenas da geometria. (Como?).

(9)NOte que este problema do ensino secundário

ilustra vários aspectos anteriormente

discutidos. Por exemplo, os alunos podiam e deviam

participar na formulação final do problema, existe

uma fase exploratória e um rico contexto.Contudo há

um aspecto que quero enfatizar: o problema está

construído para merecer a atenção dos alunos. Embora

o problema não esteja muito próximo da realidade

diária como o problema do ensino básico, começa por

uma parcela de conhecimento bastante familiar

Page 21: Aprender Ensinar e Aprender a Ensinar

(construção de um triângulo através dos três lados),

realça desde o início uma ideia de interesse geral

(analogia), e aponta para eventuais aplicações

práticas (desenho mecânico). Com um pouco de

destreza e um pouco de vontade, o professor devia

ser capaz de captar a atenção dos alunos, que não

estão irremediavelmente aborrecidos, para este

problema.

7. Aprender ensinando

Há ainda um tópico para discutir e é um tópico

relevante: a formação de professores. Assumo uma

posição confortável ao discutir este tema, pois

quase posso concordar com a posição oficial (refiro-

me às “Recomendações da Associação Americana de

Matemática” no que diz respeito à formação de

professores, publicada na American Mathematical

Monthly, 67 (1960) 982-991. Por questões de

brevidade, tomo a liberdade de citar este documento

como “recomendações oficiais”). Irei concentrar-me

em apenas dois pontos. Pontos aos quais devotei, no

passado e praticamente durante os últimos dez anos,

grande parte da minha reflexão e do meu trabalho

enquanto professor.Fazendo uma aproximação, dos dois

pontos que tenho em mente um diz respeito aos cursos

“temáticos” e o outro aos cursos sobre “métodos”.

(1) Cursos Temáticos. É um facto triste mas

amplamente visto e reconhecido, que os conhecimentos

dos nossos professores de matemática sobre a sua

ciência, em escolas secundárias é, em média,

insuficiente. Existem, certamente alguns professores

bem preparados, mas existem outros (encontrei-me com

diversos), cuja boa vontade admiro, mas cuja

preparação matemática não é de todo admirável. As

Page 22: Aprender Ensinar e Aprender a Ensinar

“recomendações oficiais” para os cursos temáticos

podem não ser perfeitas, mas não há dúvida que a sua

aceitação resultaria numa melhoria substancial.

Pretendo chamar a vossa atenção para um ponto que, a

meu ver, deveria ser acrescentado às “recomendações

oficiais”.

O nosso conhecimento acerca de qualquer assunto

consiste em informação e saber1. O saber é a

habilidade para usar a informação. Claro que não

existe saber sem pensamento independente,

originalidade e criatividade. O saber em matemática

é a habilidade para fazer problemas, descobrir

provas, criticar argumentos, usar linguagem

matemática com alguma fluência, reconhecer os

conceitos matemáticos em situações concretas.

Todos concordamos que, em matemática, o saber é mais

importante, ou melhor, é muito mais importante do

que possuir informação. Todos exigem que o ensino

secundário deve fornecer os estudantes, não apenas

informação em matemática, mas com saber,

independência, originalidade e criatividade. E, no

entanto, quase ninguém pede que o professor de

matemática possua estas coisas bonitas – não é

espantoso?

As “recomendações oficiais” são silenciosas no

que diz respeito ao saber matemático dos

professores.

O estudante de matemática que trabalha para um

doutoramento, deve fazer pesquisa mas, antes disso,

deve ter encontrado oportunidade para realizar

trabalho independente em seminários sobre problemas,

ou na preparação da sua tese de mestrado. No

entanto, este tipo de oportunidade não é oferecida

ao futuro professor de matemática. Nas

“recomendações oficiais” não existe qualquer palavra

acerca de uma qualquer espécie de trabalho

independente ou pesquisa. Se, entretanto, o

professor não tiver tido qualquer experiência em

Page 23: Aprender Ensinar e Aprender a Ensinar

trabalhos criativos de algum tipo, como é que vai

ser capaz de inspirar, de orientar, de ajudar ou

mesmo de reconhecer a actividade criativa dos seus

estudantes? Um professor que adquiriu o que quer que

seja que sabe em matemática apenas de forma

receptiva dificilmente pode promover o estudo activo

dos seus estudantes. Um professor que nunca teve, em

toda a sua vida, uma ideia brilhante, vai

provavelmente repreender, em vez de ajudar, um

estudante que a tenha.

Na minha opinião, a pior falta no conhecimento

matemático da média dos professores do ensino

secundário é o facto de não terem experiência em

trabalhos activos de matemática e, desta forma, não

terem real mestria, mesmo no que diz respeito ao

currículo da escola secundária que é suposto

ensinarem.

Não tenho nenhum remédio milagroso para oferecer

mas vou tentar uma coisa. Tenho vindo a introduzir e

a conduzir repetidamente um seminário sobre

resolução de problemas para professores. Os

problemas apresentados neste seminário não requerem

muito conhecimento para além do nível do ensino

secundário, mas requerem algum grau, e por vezes um

alto grau, de concentração e juízo independente – e

a solução para esses problemas requere trabalho

“criativo”. Tenho tentado organizar o meu seminário

para que os estudantes sejam capazes de utilizar

muito do material proposto para as suas aulas sem

grandes alterações, para que possam adquirir alguma

mestria no ensino da matemática no secundário e

também para que possam ter algumas oportunidades de

praticar o ensino (ensinando-se uns aos outros, em

pequenos grupos).

(2) Cursos sobre Métodos. Do meu contacto com

centenas de professores de matemática retirei a

impressão de que os cursos sobre “métodos” são

frequentemente recebidos com verdadeiro entusiasmo.

Page 24: Aprender Ensinar e Aprender a Ensinar

Os cursos mais usuais oferecidos pelos departamentos

de matemática são da mesma maneira recebidos pelos

professores. Um professor com quem tive uma conversa

aberta sobre estas matérias encontrou uma expressão

pitoresca para um sentimento muito disseminado: “ O

departamento de matemática oferece-nos um bife duro

que não conseguimos mastigar e a escola da educação

uma sopa ligeira sem nenhuma carne”.

De facto, devemos por uma vez assumir alguma

coragem e discutir publicamente a questão: Os cursos

sobre métodos são de facto úteis de alguma maneira?

Há mais hipóteses de chegar à resposta certa numa

discussão aberta do que numa aceitação generalizada.

A questão envolve questões pertinentes em número

suficiente. Será que ensinar é ensinável? (Ensinar é

uma arte, como muitos de nós pensamos – e uma arte é

ensinável?) Existe alguma coisa que se possa

denominar de métodos de ensino? (O que o professor

ensina, nunca é melhor do que o professor é; ensinar

depende da personalidade do professor – existem

tantos métodos bons como existem professores bons).

O tempo permitiu que a formação de professores se

tenha dividido entre cursos temáticos, cursos sobre

métodos e prática de ensino. Devemos despender menos

tempo nos cursos sobre métodos? (muitos países

europeus gastam muito menos tempo).

Espero que as pessoas mais novas e mais

vigorosas que eu próprio levantem estas questões

algum dia e as discutam com uma mente aberta e

informações relevantes.

Falo-vos aqui apenas e acerca da minha

experiência e apenas das minhas opiniões. De facto,

já respondi de forma implícita à questão primordial.

Acredito que os cursos sobre métodos podem ser

vantajosos. Na verdade, o que apresentei foi uma

amostra de cursos sobre métodos, ou melhor, um

resumo de alguns tópicos, os quais, na minha

opinião, devem ser oferecidos cursos sobre métodos

Page 25: Aprender Ensinar e Aprender a Ensinar

aos professores de matemática.

Todas as classes que leccionei a professores de

matemática deveriam, na sua maioria, ser entendidas

como cursos sobre métodos. A designação dessas

classes mencionava alguns temas e o tempo era

realmente dividido em temas e métodos: talvez nove

décimos para os temas e um décimo para os métodos.

Sempre que possível, a classe era dirigida sob forma

dialógica.

Incidentalmente, eram apresentados por mim ou

pela audiência, algumas observações metodológicas.

Na verdade, a derivação de um facto ou a solução de

um problema era quase regularmente seguida de uma

curta discussão das suas implicações pedagógicas. “

Poderá isto ser utilizado na vossa turma?”,

perguntava eu à audiência “ Em que estádio do

currículo imaginam utilizá-las? Quais os pontos que

precisam de especial cuidado? Como poderiam tentar

ultrapassa-los?” E questões desta natureza

(especificadas, de forma apropriada) foram também

regularmente propostas nos exames.

No entanto, o meu trabalho principal era escolher os

problemas (como os dois que aqui apresentei) capazes

de ilustrar de forma clara algum padrão do ensino.

(3) As “recomendações oficiais” chamadas cursos

sobre “métodos” e cursos sobre o “estudo do

currículo” não são muito eloquentes acerca desses

padrões. Na minha opinião, é possível contudo

encontrar uma excelente recomendação. Algo

escondido, para cuja descoberta tem que somar dois

mais dois combinando a última premissa em “cursos de

estudo de currículo” com recomendações para o nível

IV. Mas é claramente suficiente: um professor

universitário que lecciona um curso sobre métodos

para professores de matemática deveria saber

matemática pelo menos ao nível de um mestrado.

Gostaria de acrescentar: deveria também ter alguma

Page 26: Aprender Ensinar e Aprender a Ensinar

experiência, mesmo que modesta, de investigação em

matemática. Se não tiver tal experiência como poderá

convir que o mais importante para um futuro

professor é, o espírito de trabalho criativo?

Até agora ouviram suficientes recordações de um

velho homem. Algo concreto e bom pode sair daqui se

dedicarmos alguma reflexão à seguinte proposta

resulta até da discussão antecedente. Proponho que

os seguintes dois pontos sejam acrescentados às

“recomendações oficiais” da Associação:

I. A formação de professores de matemática deve

oferecer experiência em trabalho independente

(“criativo”) a um nível apropriado sob a forma de

Seminário sobre a resolução de problemas ou de outra

forma adequada.

II. Os curso sobre métodos devem ser oferecidos aos

professores apenas uma ligação estreita com os

cursos temáticos ou com prática de ensinar e se

praticável, apenas por professores experientes,

tanto em pesquisa matemática como em ensino.

8. A atitude dos professores

Como referi anteriormente, as minhas classes

destinadas a professores foram na, sua maioria,

cursos sobre métodos. Nessas classes procurei

atingir pontos de utilização prática imediata a

serem usados diariamente nas tarefas dos

professores. Por esta razão, inevitavelmente, tive

que expressar a minha perspectiva sobre o dia-a-dia

das tarefas dos professores e sobre as suas

atitudes. Os meus comentários tenderam a assumir um

carácter organizado razão pela qual os condensei em

“Dez mandamentos para Professores”. Quero agora

acrescentar alguns comentários sobre essas dez

Page 27: Aprender Ensinar e Aprender a Ensinar

regras.

Na formulação dessas regras, tive em conta os

participantes das minhas aulas, professores que

ensinam matemática no ensino secundário. Contudo,

estas regras são aplicáveis a qualquer situação de

ensino, a qualquer assunto e a todos os níveis, mas

especificamente ao nível do ensino secundário.

No entanto, os professores de matemática têm

mais e melhores oportunidades de aplicar algumas

delas do que os professores de outras cadeiras, e

isto refere-se em particular às regras 6, 7 e 8.

DEZ MANDAMENTOS PARA PROFESSORES

1. Seja interessado na sua ciência.

2. Conheça a sua ciência.

3. Conheça as formas de aprendizagem. A melhor maneira de

aprender algo é descobri-lo por si mesmo.

4. Tente ler nas faces dos seus estudantes, tente ver as

suas expectativas e dificuldades, ponha-se no lugar deles.

5. Dê-lhes não só a informação mas também saber, formas de

raciocínio, hábitos de trabalho com método.

6. Permita que aprendam por descoberta.

7. Permita que aprendam provando.

8. Encare as características do problema em mãos como

podendo ser úteis na resolução de outros problemas – Tente

descobrir o padrão geral que está por detrás da situação

concreta presente.

9. Não partilhe o seu segredo todo de uma vez só – Permita

que os alunos o adivinhem antes que o diga – deixe que

descubram por si mesmos, tanto quanto for possível.

10. Sugira as coisas, não force os alunos a aceitar.

Page 28: Aprender Ensinar e Aprender a Ensinar

A tradução dos tópicos de 1 a 6 foi realizada por

Elisa Mosquito, Ricardo Incácio e Teresa Ferreira

que elaboraram 3 breves comentários. Os pontos 7 e 8

foram traduzidos por Sara Cravo. Revisão de Olga

Pombo