Apostila Ferro Fundido

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Introdução Dentre as ligas ferro carbono, os ferros fundidos constituem um grupo de ligas de importância fundamental para a industria, não só devido a características inerentes ao próprio material, como também pelo fato de, mediante introdução de elementos de liga, aplicação de tratamentos térmicos adequados e pelo desenvolvimento do ferro fundido nodular, ter sido viável o seu emprego em aplicações que, de certo modo, eram exclusivas dos aços. Assim sendo, o seu emprego é fundamental para o engenheiro mecânico, o qual se oferece mais uma opção de no sentido da seleção de materiais metálicos para as diversas aplicações industriais. Definição Pelo conhecimento do diagrama de equilíbrio Fe-C, costuma-se definir ferro fundido como sendo “as ligas Fe-C cujo teor de carbono se situa acima de 2,0% aproximadamente”. Face à influência do silício nessa liga, sobretudo sob o ponto de vista de sua constituição estrutural, o ferro fundido é normalmente considerado uma “liga ternária de Fe-C-Si”, pois o silício está freqüentemente presente em teores superiores ao do próprio carbono. Composição Os elementos que mais influenciam na estrutura são o carbono e o silício, como se pode depreender de tudo o que foi exposto até o momento: o carbono determina a quantidade de grafita que se pode formar e o silício é essencialmente elemento grafitizante, favorecendo a decomposição do carboneto de ferro; na sua presença, independentemente do teor de carbono, pode fazer um fundido tender para o cinzento ou para o branco. O manganês, sempre presente, tem efeito oposto ao do silício, isto é estabiliza a cementita e, assim, contrabalança, de certo modo, a ação grafitizante do silício. A rigor, o manganês nos ferros fundidos, tanto quanto nos aços, é adicionado como dessulfurante; entretanto, como na prática há sempre excesso de manganês, este atua como estabilizador da perlita: daí o seu efeito oposto ao do silício e a sua utilidade para FERRO FUNDIDO

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Introdução

Dentre as ligas ferro carbono, os ferros fundidos constituem um grupo de ligas de importância fundamental para a industria, não só devido a características inerentes ao próprio material, como também pelo fato de, mediante introdução de elementos de liga, aplicação de tratamentos térmicos adequados e pelo desenvolvimento do ferro fundido nodular, ter sido viável o seu emprego em aplicações que, de certo modo, eram exclusivas dos aços.

Assim sendo, o seu emprego é fundamental para o engenheiro mecânico, o qual se oferece mais uma opção de no sentido da seleção de materiais metálicos para as diversas aplicações industriais.

Definição

Pelo conhecimento do diagrama de equilíbrio Fe-C, costuma-se definir ferro fundido como sendo “as ligas Fe-C cujo teor de carbono se situa acima de 2,0% aproximadamente”. Face à influência do silício nessa liga, sobretudo sob o ponto de vista de sua constituição estrutural, o ferro fundido é normalmente considerado uma “liga ternária de Fe-C-Si”, pois o silício está freqüentemente presente em teores superiores ao do próprio carbono.

Composição

Os elementos que mais influenciam na estrutura são o carbono e o silício, como se pode depreender de tudo o que foi exposto até o momento: o carbono determina a quantidade de grafita que se pode formar e o silício é essencialmente elemento grafitizante, favorecendo a decomposição do carboneto de ferro; na sua presença, independentemente do teor de carbono, pode fazer um fundido tender para o cinzento ou para o branco. O manganês, sempre presente, tem efeito oposto ao do silício, isto é estabiliza a cementita e, assim, contrabalança, de certo modo, a ação grafitizante do silício. A rigor, o manganês nos ferros fundidos, tanto quanto nos aços, é adicionado como dessulfurante; entretanto, como na prática há sempre excesso de manganês, este atua como estabilizador da perlita: daí o seu efeito oposto ao do silício e a sua utilidade para produzir estrutura matriz predominantemente perlítica, sobretudo em peças volumosas.

Os outros elementos, impurezas normais, fósforo e enxofre, não tem uma ação significativa sob o ponto de vista de tendência grafitizante. Apenas o fósforo é um estabilizador relativamente forte do carboneto de ferro; sua principal ação é na estrutura do material, porque forma com o ferro e o carbono um composto de natureza eutética – carboneto de ferro e fosfeto de ferro – de aparência branca e perfurada, será chamado stadita.

A composição química adequadamente ajustada – teores de carbono e silício – além da velocidade de resfriamento são os meios mais usados para produzir ferro fundido branco.

A Fig.01 mostra o efeito do teor de carbono total na dureza da peça coquilhada. A curva apresenta é a média dos resultados obtidos por vários pesquisadores.

Finalmente, ainda quando o efeito do silício – elemento fundamental nos ferros fundidos – a Fig.02 indica a relação entre a profundidade de coquilhamento e o teor de silício para ferros fundidos coquilhados cujo teor de carbono total varia de 3,25 a 3,60%.

Outros efeitos presentes nos ferros fundidos brancos ou coquilhados – manganês, fósforo e enxofre – tem os seguintes efeitos:

FERRO FUNDIDO

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O manganês e o enxofre, consideramos em conjunto, visto que suas ações se contrabalançam, são elementos estabilizadores do carboneto; o manganês, como se sabe, elimina os efeitos nocivos do enxofre, desde que seu teor seja duas vezes ao do enxofre, mais 0,30%. Para atuar como estabilizador do carboneto é necessário que seu teor seja tal que o enxofre presente se combine totalmente com ele, do contrário seu efeito é oposto, ou seja tenderá a diminuir a profundidade de coquihamento. Além desse teor, o manganês atua, no sentido de aumentar a profundidade de coquilhamento, cerca de quatro vezes mais rápido que o cromo.

Quanto ao fósforo, sua ação é no sentido de diminuir a profundidade de coquilhamento, de modo que se costuma manter esse elemento nos ferros fundidos brancos abaixo de 0,4%.

140

120

100

80

60

40

20

0 1 2 3 4 5 6 6,67 Dureza Escleroscópica X Carbono Total % Fig. 01 – Efeito do carbono total na dureza do ferro fundido coquilhado

0,9

0,8

0,7

0,6

0,5

0,4

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Efeitos dos elementos de liga Os elementos níquel, cromo e molibdênio são geralmente usados, isolados ou em combinação, para aumentar a resistência ao desgaste. O cromo é utilizado em baixos teores, com o objetivo de controlar a profundidade de coquilhamento, garantindo a presença de uma estrutura sem grafita. Por exemplo, 0,01% de cromo neutraliza cerca de 0,015% de silício, servindo pois o cromo, em teores, baixos, para corrigir pequenos erros de composição do ferro fundido. Em teores de 1 à 4% aumenta a dureza e a resistência ao desgaste, porque estabiliza a cementita e impede a formação de grafita. Em teores de 12 à 35% confere resistência à corrosão e à oxidação a altas temperaturas, além de aumentar a resistência a abrasão.

O níquel reduz a profundidade de coquilhamento, sendo sua influência cerca de um quarto à do silício. Entretanto, ao atingir o teor de 4 à 5%, esse decréscimo da profundidade de dureza é acompanhado pelo acréscimo da dureza, devido à natureza da estrutura que se origina. De fato, enquanto um ferro fundido branco comum, sem elementos de liga, apresenta uma estrutura que consiste em cementita numa matriz de perlita, o ferro fundido branco com 4 à 5% de níquel apresenta uma estrutura martensítica, podendo a dureza escleroscópica atingir valor de 90 ou a cerca de 730 Brinell. Aumentando mais o teor de níquel, ocorre a retenção da austenita e a dureza volta a diminuir. Geralmente o níquel é usado em combinação com o cromo, porque este elemento, estabilizando a cementita neutraliza o efeito negativo do níquel na profundidade de coquilhamento. Com esse objetivo, a proporção desses elementos é de 3 partes de níquel para 1 de cromo, ou mesmo 2 partes de níquel para 1 de cromo, de modo a garantir uma estrutura inteiramente branca, através de toda a seção da peça.

O molibdênio tem um efeito equivalente um terço do cromo no que diz respeito a profundidade de coquilhamento. O objetivo inicial em adicionar Mo em pequenos teores (0,25 à 0,75%) consiste em melhorar a resistência da superfície coquilhada e fenômenos como lascamento, corrosão localizada, trincamento pelo calor e efeitos semelhantes. Além disso, o Mo endurece e melhora a tenacidade da matriz perlítica. Em combinação com o Ni ou Cr ou ambos, confere matriz martensítica em vez de perlítica e melhora, em conseqüência, a resistência à abrasão. Ferros fundidos brancos com 12 à 18% de Cr, usadas em peças fundidas resistentes ao desgaste, apresentam uma melhora nessa qualidade, quando se adiciona 1 à 4% de Mo, pois a matriz perlítica é suprimida, mesmo com resfriamento lento característico de seções mais espessas.

O cobre, abaixo de 4%, diminui a profundidade de endurecimento, e acima de 4% aumenta a profundidade da coquilha e a dureza. É usado freqüente e conjuntamente com o Cr para manter uma profundidade de coquilhamento constante.

O vanádio é um poderoso estabilizador estabilizador de carboneto, aumentando, assim, a profundidade de coquilhamento. Esse efeito pode ser contrabalançado, se necessário, em seções de pequena espessura, pela adição de níquel ou cobre ou pelo aumento considerável dos teores de carbono ou silício ou de ambos. Em teores de 0,1 a 0,5% refina igualmente a estrutura das seções coquilhadas.

O boro, utilizado de modo limitado, aumenta a dureza da seção coquilhada. Bons resultados tem sido verificados com adição de boro em torno de 0,5% o boro refina igualmente a estrutura da região coquilhada.

Os ferros fundidos cinzentos apresentam-se dentro de uma faixa de composição química muito ampla:

Ct 2,50% à 3,00%Si 1,20% à 3,00%Mn 0,30% à 1,00%P 0,10% à 1,00%S 0,05% à 0,25%

10 15 20 25 30 35 40 45 50 Teor de Silício % X Profundidade de coquilhamento Fig. 02 – Relação entre o teor de silício e a profundidade de coquilhamento

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O ferro fundido branco apresenta uma composição química inicial entre os limites:

Ct 3,00% à 3,50%Si 0,45% à 0,75%Mn 0,10% à 0,40%P 0,20% à 0,45%S 0,15% máx.

Fabricação

A produção industrial do ferro fundido branco exige, em princípio, a combinação de dois fatores, que são composição química adequadamente ajustada – teores de carbono e silício – além da velocidade de resfriamento são os meios mais utilizados na fabricação do ferro fundido branco.

Para isso, lança-se mão do chamado sistema de “coquilha” ou “coquilhamento”, que consiste-se em derramar metal líquido em moldes metálicos, onde o metal resfria em condições tais ou com tal velocidade que praticamente toda a grafitização é eliminada e o carbono é eliminada e o carbono fica retido na forma combinada. A profundidade da camada coquilhada – ou seja daquela seção das peças que entra em contato com a parede metálica do molde – pode ser controlada, ajustando-se o teor de silício do ferro fundido.

Entretanto, embora o teor de silício seja o fator determinante no controle da profundidade de coquilhamento, outros fatores de influência são os seguintes:

TEMPERATURA DE VAZAMENTO TEMPERATURA DA “COQUILHA”, OU SEJA DO MOLDE METÁLICO ESPESSURA DA PEÇA NA SEÇÃO COQUILHADA ESPESSURA DA COQUILHA TEMPO DURANTE O QUAL O METAL FICA EM CONTATO COM A COQUILHA

Admitidos constantes esses fatores, será o teor de silício da liga o fator principal a determinar a “profundidade do coquilhamento” ou seja a profundidade correspondente à formação de ferro fundido branco.

A quantidade de carbono total – soma de carbono combinado e carbono livre (grafita), Ct = Cc +Cg – também atua de modo pronunciado, como é demonstrado na Fig. 03, a qual mostra, esquematicamente, a estrutura de um ferro fundido coquilhado e seus característicos de dureza, à medida que ocorre afastamento da zona inteiramente coquilhada.

Fig.03 – Aspecto esquemático da fratura de uma peça de ferro fundido coquilhado, mostrando o teor aproximado de carbono total, carbono combinado e carbono grafítico.

BRANCO Ct = 3,50%Cc = 3,30%Cg = 0,20%

MESCLADOCc = 2,00%Cg = 1,50%

CINZENTOCc = 0,80%Cg = 2,70%

DUREZA APROXIMADA

BRINELL – 450R.C - 44

BRINELL – 300R.C - 30

BRINELL – 150R.B - 87

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O ferro fundido cinzento é, dentre os ferros fundidos, a liga mais usada, devido aos seus característicos de:

FÁCIL FUSÃO E MODELAGEM BOA RESISTÊNCIA MECÂNICA EXCELENTE USINABILIDADE BOA RESISTÊNCIA AO DESGASTE BOA CAPACIDADE DE AMORTECIMENTO.

Seu processo de fabricação é similar ao ferro fundido branco, exceto ao fato do molde não ser de metal, podendo este ser modelado em areia aglomerada e podendo ser resfriado em natura.

Como em outras ligas metálicas, existe uma correlação íntima entre as propriedades do ferro fundido cinzento e sua estrutura, correlação essa que, no caso particular do ferro fundido cinzento, é mais estreita e mais complexa, tendo em vista a presença de carbono livre na forma de grafita e a forma, distribuição e dimensões que os veios de grafita apresentam e mais a influência que, nesse sentido, a espessura da peça exerce.

Portanto, pode-se prever, com razoável aproximação, as propriedades dos ferros fundidos cinzentos, em função dos teores de carbono grafítico e silício da espessura das peças e da forma como a grafita se apresenta.

Utilização Industrial

O ferro fundido é utilizado principalmente nas industrias mecânicas, de materiais de construção, de veículos, tratores, industria aeronáutica, equipamento ferroviário, dentre outras:

Revestimentos de moinhos – Para essas aplicações, várias composições são recomendadas, desde ferros fundidos brancos sem elementos de liga, contendo por exemplo, 2,90% Ct; 0,50% Si; 0,50 %Mn; com dureza Brinell variando de 415 a 460 e estrutura cuja matriz apresenta perlita grosseira, até ferros fundidos ligados, contendo, por exemplo, 3,20% Ct; 0,50% Si; 0,60% Mn; 2,00% Cr e 4,50% Ni, com dureza Brinell variando de 550 a 650 e estrutura cuja matriz apresenta martensita e austenita, ou o tipo contendo 3,25% C; 0,60% Si; 0,70%; 15,00% Cr e 3,00% Mo, como P e S baixos (0,03% e 0,06% respectivamente) e matriz igualmente apresentando martensita e austenita.

Bolas para moinho de bolas – Algumas condições típicas são: 2,80% Ct ; 0,30% Si; 0,40% Mn; com dureza Brinell de 415 a 477; 3,20% Ct ; 0,60% Si; 0,50% Mn e 2,00% Cr, com dureza Brinell de 477 à 555; 3,20% Ct ; 0,50% Si; 0,30% Mn; 1,40% Cr e 3,50% Ni, com dureza Brinell de 477 à

555;Esta última composição é de estrutura martensítica, sendo as bolos de diâmetro superior a

1,5”, fundidas em coquilhas e podendo, as menores, serem fundidas em molde de areia. Outras aplicações incluem: rodas de ferro coquilhado para vagões, de composição

normal, cilindros de laminação para borracha, vidro, linóleo, plástico, e metais, peças pesadas para britamento de minérios, matrizes, guias e outras peças para equipamento de moagem de cimento; conexões para tubulações hidráulicas, conexões para linhas de transmissão elétrica, correntes, suportes de molas, caixas de direção, caixas de diferencial, cubos de rodas, sapatas de freio, pedais de embreagem e freio, bielas, colares, de tratores, caixas de embreagem, mancais, matrizes, virabrequins, cilindros de laminação, polias rodas dentadas, engates, etc..

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Bibliografia

CHIAVERINI, Vicente; Aços e Ferros Fundidos; Associação Br. de Metais; São Paulo; Ed. Ypiranga; 1979.