APOSTILA DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO E DA...
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CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO E EXTENSÃO - FAVENI
APOSTILA
DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO E DA LINGUAGEM
ESPÍRITO SANTO
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O SIGNIFICADO DAS PALAVRAS E A FORMAÇÃO DE
CONCEITOS
Fonte: http://www.ultracurioso.com.br/10-palavras-que-pessoas-dizem-e-que-nao-sabem-seus-significados/
A partir do momento que a criança descobre que tudo tem um nome, cada
novo objeto que surge representa um problema que a criança resolve atribuindo-lhe
um nome. Quando lhe falta à palavra para nomear este novo objeto, a criança
recorre ao adulto. Esses significados básicos de palavras assim adquiridos
funcionarão como embriões para a formação de novos e mais complexos conceitos.
De acordo com Vygotsky, todas as atividades cognitivas básicas do indivíduo
ocorrem de acordo com sua história social e acabam se constituindo no produto do
desenvolvimento histórico-social de sua comunidade (Luria, 1976). Portanto, as
habilidades cognitivas e as formas de estruturar o pensamento do indivíduo não são
determinadas por fatores congênitos. São, isto sim, resultado das atividades
praticadas de acordo com os hábitos sociais da cultura em que o indivíduo se
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desenvolve. Consequentemente, a história da sociedade na qual a criança se
desenvolve e a história pessoal desta criança são fatores cruciais que vão
determinar sua forma de pensar. Neste processo de desenvolvimento cognitivo, a
linguagem tem papel crucial na determinação de como a criança vai aprender a
pensar, uma vez que formas avançadas de pensamento são transmitidas à criança
através de palavras (Murray Thomas, 1993).
Para Vygotsky, um claro entendimento das relações entre pensamento e
língua é necessário para que se entenda o processo de desenvolvimento intelectual.
Linguagem não é apenas uma expressão do Pensamento e linguagem e sim o
conhecimento adquirido pela criança. Existe uma inter-relação fundamental entre
pensamento e linguagem, um proporcionando recursos ao outro. Desta forma a
linguagem tem um papel essencial na formação do pensamento e do caráter do
indivíduo.
ZONA DE DESENVOLVIMENTO PRÓXIMO
Fonte: http://www.helioteixeira.org/ciencias-da-aprendizagem/teoria-do-desenvolvimento-cognitivo-de-lev-vygotsky/
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Um dos princípios básicos da teoria de Vygotsky é o conceito de "zona de
desenvolvimento próximo". Zona de desenvolvimento próximo representa a
diferença entre a capacidade da criança de resolver problemas por si própria e a
capacidade de resolvê-los com ajuda de alguém. Em outras palavras, teríamos uma
"zona de desenvolvimento autossuficiente" que abrange todas as funções e
atividades que a criança consegue desempenhar por seus próprios meios, sem
ajuda externa. Zona de desenvolvimento próximo, por sua vez, abrange todas as
funções e atividades que a criança ou o aluno consegue desempenhar apenas se
houver ajuda de alguém. Esta pessoa que intervém para orientar a criança pode ser
tanto um adulto (pais, professor, responsável, instrutor de língua estrangeira) quanto
um colega que já tenha desenvolvido a habilidade requerida. Uma analogia
interessante nos vem à mente quando pensamos em zona de desenvolvimento
próximo.
Em mecânica, quando regula-se o ponto de um motor a explosão, este deve
ser ajustado ligeiramente à frente do momento de máxima compressão dentro do
cilindro, para maximizar a potência e o desempenho. A ideia de zona de
desenvolvimento próximo é de grande relevância em todas as áreas educacionais.
Uma implicação importante é a de que o aprendizado humano é de natureza social e
é parte de um processo em que a criança desenvolve seu intelecto dentro da
intelectualidade daqueles que a cercam (Vygotsky, 1978). De acordo com Vygotsky,
uma característica essencial do aprendizado é que ele desperta vários processos de
desenvolvimento internamente, os quais funcionam apenas quando a criança
interage em seu ambiente de convívio.
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A TEORIA DE PIAGET SOBRE A LINGUAGEM E O
PENSAMENTO DAS CRIANÇAS
Fonte: https://www.emaze.com/@AZOWWWOT/Jean-Piaget
A psicologia deve muito a Jean Piaget. Não é exagero dizer-se que ele
revolucionou o estudo da linguagem e do pensamento infantis, pois desenvolveu o
método clínico de investigação das ideias das crianças que posteriormente tem sido
generalizadamente utilizado. Foi o primeiro a estudar sistematicamente a percepção
e a lógica infantis; além disso, trouxe ao seu objeto de estudo uma nova abordagem
de amplitude e arrojo invulgares. Em lugar de enumerar as deficiências do raciocínio
infantil quando comparado com o dos adultos, Piaget centrou a atenção nas
características distintivas do pensamento das crianças, quer dizer, centrou o estudo
mais sobre o que as crianças têm do que sobre o que lhes falta. Por esta abordagem
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positiva demonstrou que a diferença entre o pensamento das crianças e dos adultos
era mais qualitativa do que quantitativa.
Como muitas outras grandes descobertas, a ideia de Piaget é tão simples que
parece evidente. Já tinha sido expressa nas palavras de Rousseau, citadas pelo
próprio Piaget, segundo as quais uma criança não é um adulto em miniatura e o seu
cérebro não é um cérebro de adulto em ponto reduzido. Por detrás desta verdade,
que Piaget escorou com provas experimentais, esta outra ideia simples – a ideia de
evolução, que ilumina todos os estudos de Piaget com uma luz brilhante.
No entanto, apesar de toda a sua grandeza, a obra de Piaget sofre da
dualidade comum a todas as obras pioneiras da psicologia contemporânea. Esta
clivagem é correlativa da crise que a psicologia está atravessando à medida que se
transforma numa ciência no verdadeiro sentido da palavra. A crise decorre da aguda
contradição entre a matéria prima factual da ciência e as suas premissas
metodológicas e teóricas, que há muito são alvo de disputa entre as concepções
materialista e idealista do mundo. Na psicologia, a luta é talvez mais aguda do que
em qualquer outra disciplina.
Enquanto nos faltou um sistema generalizadamente aceite que incorpore todo
o conhecimento Psicológico disponível, qualquer descoberta factual importante
conduzirá à criação de uma nova teoria conforme aos fatos novos observados.
Freud, Levy-Burl, Bonde, todos eles criaram os seus próprios sistemas de psicologia.
A dualidade predominante reflete-se na incongruência entre estas estruturas
teóricas, com os seus tons carregados de metafísica e idealismo, e as bases
empíricas sobre que foram construídas. Na moderna psicologia fazem-se
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diariamente grandes descobertas, descobertas essas que, no entanto, logo são
envolvidas em teorias ad hoc pré-científicas e semi-metafísicas.
Piaget tenta escapar a esta dualidade fatal atendo-se aos fatos. Evita
deliberadamente fazer generalizações mesmo no seu próprio campo de estudo,
pondo especial cuidado em não invadir os domínios correlatos da lógica, da teoria
do conhecimento da História da filosofia. Para ele, o empirismo puro parece-lhe o
único terreno seguro. O seu livro, escreve ele, é, antes do mais, e acima de tudo,
uma coleção de fatos e documentos. Os elos que unem entre si os diversos
capítulos são os elos fornecidos por um método único a várias descobertas e de
maneira nenhuma os de uma exposição sistemática.
Na verdade, o seu forte consiste em desenterrar novos fatos, analisá-los e
classificá-los penosamente, quer dizer, na capacidade de escutar a sua mensagem,
como dizia Claparède. Das páginas de Piaget cai uma avalanche de grandes e
pequenos fatos sobre a psicologia infantil. O seu método clínico revela-se como uma
ferramenta verdadeiramente inestimável para o estudo dos todos estruturais
complexos do pensamento infantil nas suas transformações genéticas. É um método
que unifica as suas diversas investigações e nos proporciona um quadro coerente,
pormenorizado e vivo do pensamento das crianças.
Os novos fatos e o novo método conduzem-nos a muitos problemas; alguns
são inteiramente novos para a psicologia científica, outros aparecem-nos a uma luz
diferente. Os problemas dão origem a teorias, apesar de Piaget estar determinado a
evita-las atendo-se estreitamente aos fatos experimentais – e passando, de
momento, por cima do fato de que a própria escolha das experiências é determinada
por certas hipóteses. Mas os fatos são sempre examinados à luz de qualquer teoria,
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não podendo por conseguinte ser totalmente destrinçados da filosofia. Tal é
particularmente verdade para os fatos relativos ao pensamento.
Segundo Piaget, o elo que liga todas as características específicas da lógica
infantil é o egocentrismo do pensamento das crianças. Ele reporta todas as outras
características que descobriu, quais sejam, o realismo intelectual, o sincretismo e a
dificuldade de compreender as relações, a este traço nuclear e descreve o
egocentrismo como ocupando uma posição intermédia, genética, estrutural e
funcionalmente, entre o pensamento artístico e o pensamento orientado.
A ideia de polaridade do pensamento orientado e não orientado tomada de
empréstimo à psicanálise. Diz Piaget: O pensamento orientado é consciente, isto é,
prossegue objetivos presentes no espírito de quem pensa, É inteligente, isto é,
encontra-se adaptado a realidade e esforça-se por influenciá-la. É suscetível de
verdade e erro ... e pode ser comunicado através da linguagem. O pensamento
autístico é subconsciente, isto é, os objetivos que prossegue e os problemas que
põe a si próprio não se encontram presentes na consciência. Não se encontra
adaptado à realidade externa, antes cria para si próprio uma realidade de
imaginação ou sonhos. Tende, não a estabelecer verdades, mas a recompensar
desejos e permanece estritamente individual e incomunicável enquanto tal, por meio
da linguagem, visto que opera primordialmente por meio de imagens e, para ser
comunicado, tem que recorrer a métodos indiretos, evocando, por meio de símbolos
e mitos, os sentimentos que o guiam.
O pensamento orientado é social. À medida que se desenvolve vai sendo
progressivamente influenciado pelas leis da experiência e da lógica propriamente
dita. O pensamento autístico, pelo contrário, é individualista e obedece a um
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conjunto de leis especiais que lhe são próprias. Entre estes dois modos de
pensamento contrastantes: há muitas variedades no que respeita ao seu grau de
comunicabilidade. Estas variedades intermédias obedecerão necessariamente a
uma lógica especial, que também é uma lógica intermédia entre a lógica do autismo
e a lógica da inteligência. Propomos dar o nome de pensamento egocêntrico à
principal forma intermédia.
Embora a sua função principal continue a ser a satisfação das necessidades
pessoais, já engloba em si algumas adaptações mentais, um pouco da orientação
para a realidade característica do pensamento dos adultos. O pensamento
egocêntrico das crianças “situa-se a meio caminho entre o autismo no sentido estrito
da palavra e o pensamento socializado”. É esta a hipótese de base de Piaget.
É importante notar que através de toda a sua obra Piaget sublinha com mais
intensidade os traços que são comuns ao pensamento egocêntrico e ao autismo do
que os traços comuns que os distinguem.
É claro que, do ponto de vista genético, temos que partir da atividade da
criança para podermos compreender o seu pensamento; e essa atividade é
incontestavelmente egocêntrica e egotista. O instinto social sob a sua forma bem
definida só se desenvolve mais tarde. O primeiro período crítico a este respeito só
ocorre por volta dos sete ou oito anos de idade. Antes desta idade, Piaget tende a
ver o egocentrismo como algo que impregna tudo. Considera direta ou indiretamente
egocêntricos todos os fenômenos da lógica infantil na sua rica variedade. Do
sincretismo, importante expressão do egocentrismo, diz inequivocamente que
impregna todo o pensamento da criança, tanto na sua esfera verbal, como na sua
esfera sensorial Após os sete ou oito anos, quando o pensamento socializado
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começa a ganhar forma, os traços egocêntricos não desaparecem
instantaneamente. Desaparecem das operações sensoriais da criança, mas
continuam cristalizados na área mais abstrata do pensamento puramente verbal.
A sua concepção da predominância do egocentrismo na infância leva Piaget a
concluir que o egocentrismo do pensamento se encontra tão intimamente
relacionado com a natureza psíquica da criança que é impermeável à experiência.
As influências a que os adultos submetem as crianças não se encontram nestas
como se tratasse de uma placa fotográfica: são assimiladas, quer dizer, são
deformadas pelo ser vivo que as sofre e implantam-se na sua própria substância. É
esta substância psicológica da criança, ou, por outras palavras, a estrutura e o
funcionamento característicos do pensamento da criança que procuramos descrever
e em certa medida explicar.
ORIGENS DA IMAGEM MENTAL NA IMITAÇÃO
SENSÓRIOMOTORA
Fonte: http://www.domtiton.com.br/proposta-pedagogica/bercario-maternal
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A investigação sobre as origens sensório-motoras da imagem mental revela
que ela resulta de um longo processo evolutivo da atividade imitativa, polo de
acomodação da inteligência. A pesquisa sobre a “Gênese da Imitação” (1935, 1945)
mostra que essa atividade, desde os primeiros meses de vida da criança, evolui
progressivamente na direção da imitação diferida, e esta, na direção da imagem
mental. A função da imitação é, desde o começo, reproduzir ou figurar os caracteres
particulares dos objetos, cujo desenvolvimento ocorre por influência do
esquematismo sensório-motor e, a seguir, pelo esquematismo conceptual. Como
mostramos em trabalhos anteriores (Dongo Montoya, 1998a, 1998b, 2005), o
nascimento da imagem, para Piaget, está atrelado ao nascimento do pensamento
enquanto coordenação interna de esquemas, de tal maneira que até mesmo o
desenvolvimento futuro de cada um desses dois elementos depende das suas
relações recíprocas e indissolúveis: o primeiro (o pensamento) é fonte de mobilidade
e de transformação e, esta última (a imagem) é fonte de figuração simbólica. Esse
processo construtivo evidencia que não há nada de lacunar na explicação da função
simbólica, por parte de Piaget, como alguns dos seus críticos insinuam; pelo
contrário, os novos dados experimentais e a própria consistência explicativa
mostram que há transformações progressivas, que envolvem reconstruções
estruturais e continuidade funcional, no acabamento e no subsequente
desenvolvimento dessa função.
Assim, o duplo processo de interiorização da coordenação dos esquemas
sensório-motores e da atividade imitativa é condição prévia para a constituição da
função simbólica, isto é, da capacidade do sujeito de diferenciar significantes de
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significados. A imagem mental se constitui como significante que se reporta a uma
situação ou a um objeto particular, sem esquecer que esse objeto também está
relacionado a um esquema conceptual ou pré-conceitual. O símbolo lúdico implica
também diferenciação de um significante (gesto ou objeto exterior) que representa
um significante (objeto ausente), o qual é reportado por uma imagem. O desenho,
enquanto figuração gráfica, reporta-se a um objeto ausente, mediado pela imagem
que o sujeito constitui desse objeto. A linguagem, enquanto sistema de signos,
implica significantes (gestos ou palavras articuladas) que se reportam a objetos
mediados por conceitos ou “pré-conceitos”, os quais se apoiam, sobretudo nas fases
inicias, nas imagens mentais.
A aquisição da linguagem encontra-se, portanto, atrelada à constituição da
capacidade humana de representar, isto é, de diferenciar significantes e significados,
e por isso, ao exercício da função simbólica. Isso não significa que a linguagem,
uma vez adquirida, possa contribuir, decididamente, em troca, para a evolução da
função simbólica em seu conjunto e particularmente para a evolução do pensamento
conceptual.
TRANSIÇÃO DA INTELIGÊNCIA SENSÓRIO-MOTORA
PARA A INTELIGÊNCIA CONCEITUAL
Na pesquisa sobre a transição dos esquemas sensório-motores para os
esquemas conceptuais, Piaget (1945) mostra que os primeiros “esquemas verbais”
da criança refletem o uso da linguagem, a qual se reporta a objetos exteriores
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assimilados em função dos esquemas sensório-motores em via de interiorização ou
de conceptualização. “A denominação, como já se verificou pelas introduções
precedentes, não é a simples atribuição de um nome, mas o enunciado de uma ação
possível: a palavra se limita quase a traduzir, neste nível, a organização de
esquemas sensório motores que poderiam passar sem ela” (Piaget, 1978, p.285).
É evidente que a linguagem, nesse nível inicial, participa no processo de
socialização do pensamento, visto que permite trocar informações e colocar em
correspondência pontos de vista, e nesse sentido possibilita o processo de
conceptualização. Entretanto, esse processo não é de uma via somente, pois ele
possibilita, reciprocamente, o desenvolvimento da competência linguística. Sobre
isso, Piaget assim se manifesta:
Mas é claro que perdura o problema de compreender como a linguagem
permite a construção dos conceitos, pois a relação é naturalmente recíproca e a
possibilidade de construir representações conceptuais é uma das condições
necessárias para a aquisição da linguagem (1978, p. 285).
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Na passagem dos esquemas sensório-motores para os esquemas
conceituais, Piaget não deixa de outorgar a importância devida à linguagem,
sobretudo na atividade de narrativa do sujeito; porém, a narrativa não explica a
própria novidade construtiva da estrutura conceptual do pensamento, pois esta é
produto da reorganização dos esquemas interiorizados (abstrações reflexivas). A
narrativa, embora seja um intermediário indispensável como meio de evocação e de
reconstituição, ela somente se inicia no limite superior da produção dos primeiros
esquemas verbais, quando da produção dos primeiros “pré-conceitos” e transduções
da criança.
Fonte: http://pedagogiasalvador.blogspot.com.br/2013/06/porque-educacao-infantil-passa.html
Se a estrutura do pensamento não deriva da estrutura da linguagem, isso não
leva a subestimar o papel da linguagem na construção de representações
propriamente ditas. Por isso, Piaget, ao questionar-se sobre a passagem da
linguagem ligada ao ato imediato e presente (primeiros esquemas verbais) para a
construção de representações verbais propriamente ditas (de juízos de constatação
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e não mais apenas de juízos de ação), responde que a narrativa constitui um
intermediário indispensável como meio de evocação e de reconstituição.
A TEORIA DE STERN SOBRE O DESENVOLVIMENTO
DA LINGUAGEM
Fonte: http://www.biografiasyvidas.com/biografia/s/stern_otto.htm
A parte do sistema de Wilhelm Stern que é mais conhecida e que tem vindo a
ganhar terreno com o passar dos anos, é a sua concepção intelectualista sobre o
desenvolvimento da linguagem na criança. Contudo, é esta mesma concepção que
mais claramente revela as limitações e as incoerências do personalismo filosófico e
psicológico de Stern, os seus fundamentos idealistas e a sua ausência de validade
científica. É o próprio Stern quem descreve o seu ponto de vista como “personalista-
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genético”. Analisaremos o princípio personalista mais à frente. Para já, vamos ver
como Stern trata do aspecto genético.
Afirmaremos já à partida que esta teoria, tal como todas as teorias
intelectualistas, é, pela sua própria natureza, anti-genética. Stern estabelece uma
distinção entre três raízes da linguagem: a tendência expressiva, a tendência social
e a tendência “intencional”. Enquanto as duas primeiras estão também subjacentes
aos rudimentos de linguagem observados nos animais, a terceira é especificamente
humana. Stern define intencionalidade neste sentido como uma orientação para
certo conteúdo, ou significado. “Em determinado estádio do seu desenvolvimento
psíquico”, afirma ele, “o homem adquire a capacidade de significar algo proferindo
palavras, de se referir a algo objetivo”. Em substância, tais atos intencionais são já
atos de pensamento; o seu surgimento denota uma intelectualizarão e uma
objetificação do discurso.
Em consonância com certo número de autores que representam a nova
psicologia do pensamento, embora em menor grau do que alguns deles, Stern
sublinha a importância do fator no desenvolvimento da linguagem. Não temos nada
a obstar à afirmação segundo a qual a linguagem humana desenvolvida possui um
significado objetivo, pressupondo portanto certo grau de desenvolvimento do
pensamento, e estamos de acordo em que é necessário tomar em linha de conta a
relação estreita que existe entre a linguagem e o pensamento lógico. O problema
está em que Stern encara a intencionalidade característica do discurso
desenvolvido, que exige explicação genética (isto é, que exige se explique como foi
gerada no processo evolutivo), como uma das raízes do desenvolvimento da
linguagem, como uma força motora, como uma tendência inata, quase como um
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impulso, mas, de qualquer forma como algo primordial, geneticamente equiparada
às tendências expressiva e comunicativa – as quais na verdade são detectáveis já
nos primeiros estádios da linguagem. Ao ver a intencionalidade desta maneira (“die
intentionale Triebfeder de Sprachdranges”), substitui a explicação genética por uma
explicação intelectualista.
Este método de explicar uma coisa pela própria coisa que há que explicar é o
erro fundamental de todas as teorias intelectualistas e, em particular, da de Stern –
daí a sua vacuidade geral e o seu caráter anti-genético (pois se relegam para os
primeiros estádios de desenvolvimento da linguagem características que pertencem
aos seus estádios mais avançados) Stern responde à questão de como e porque a
linguagem adquire significado afirmando. a linguagem adquire significado pela sua
tendência intencional, isto é, pela tendência à significação. Isto faz-nos recordar o
médico de Molière que explicava os efeitos soporíferos do ópio pelas suas
propriedades dormitivas. Da famosa descrição que Stern nos dá da grande
descoberta feita pelas crianças por volta do ano e meio ou dois anos de idade
podemos ver a que exageros pode conduzir uma acentuação exagerada dos
aspectos lógicos. Por essa idade, a criança descobre pela primeira vez que cada
objeto tem o seu símbolo permanente, uma configuração sonora que o identifica –
quer dizer, que cada coisa tem o seu significado. Stern crê que, pelo segundo ano
da sua vida, uma criança pode tomar consciência dos símbolos e da sua
necessidade e considera que esta descoberta é já um processo de pensamento no
sentido próprio do termo:
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A compreensão da relação entre o signo e o significado que desponta na
criança por esta altura é algo diferente em princípio da simples utilização de imagens
sonoras, de imagens de objetos e da sua associação. É a exigência de que todos os
objetos, sejam eles quais forem, tenham o seu nome próprio pode considerar-se
como uma verdadeira generalização levada a cabo pela criança.
AS RAÍZES GENÉTICAS DO PENSAMENTO E DA
LINGUAGEM
Fonte: http://www.neurocienciasaplicadas.com.br/site/noticias/uma-breve-relacao-entre-neurociencias-e-linguagem/
O fato mais importante posto a nu pelo estudo genético do pensamento e a
linguagem é o fato de a relação entre ambas passar por muitas alterações; os
progressos no pensamento e na linguagem não seguem trajetórias paralelas: as
suas curvas de desenvolvimento cruzam-se repetidas vezes, podem aproximar-se e
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correr lado a lado, podem até fundir-se por momentos, mas acabam por se afastar
de novo. Isto aplica-se tanto ao desenvolvimento filogenético como ao ontogenético.
Nos animais, o pensamento e a linguagem têm várias raízes e desenvolvem-
se segundo diferentes trajetórias de desenvolvimento. Este fato é confirmado pelos
estudos recentes de Koehler, Yerkes e outros sobre os macacos. Koehler provou
que o surgimento de um intelecto embrionário nos animais, isto é, o aparecimento de
pensamento no sentido próprio do termo – não se encontra de maneira nenhuma
relacionado com a linguagem. As “invenções” dos macacos na execução e utilização
de instrumentos, ou no capítulo da descoberta de caminhos indiretos para a solução
de determinados problemas, embora sejam sem sombra de dúvida pensamento
embrionário, pertencem a uma fase pré-linguística do desenvolvimento do
pensamento.
Na opinião de Koehler, as suas investigações mostram que o chimpanzé
evidencia um esboço de comportamento intelectual do mesmo gênero e do mesmo
tipo que o do homem. São a ausência de linguagem. “esse instrumento técnico
auxiliar infinitamente valioso”, e a pobreza das imagens, “esse material intelectual
extremamente importante”, que explicam a tremenda diferença existente entre os
antropoides e os homens mais primitivos “e vedam ao chimpanzé o menor
desenvolvimento cultural”.
Vigora considerável desacordo entre os psicólogos das diferentes escolas
acerca da interpretação teórica das descobertas de Koehler. A massa de literatura
crítica a que estes estudos deram origem representa uma grande variedade de
pontos de vista o que torna tanto mais significativo o ninguém contestar os fatos ou a
dedução que mais particularmente nos interessa: a independência entre as ações do
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chimpanzé e a linguagem. Isto é admitido de boa mente, mesmo pelos psicólogos
que, como Thorndyke e Borovski. nada veem nas ações do chimpanzé para lá dos
mecanismos instintuais e da aprendizagem por “tentativas e erros”, “nada mais,
salvo o já conhecido processo de formação de hábitos” e pelos introspeccionistas
que fogem a rebaixar o intelecto ao nível do comportamento dos macacos, mesmo
dos mais avançados. Buehler diz com muito acerto que as ações dos chimpanzés
não têm qualquer relação com a linguagem; e que, no homem, o pensamento
mobilizado pela utilização dos utensílios (Werkzeugdenken) também tem uma
relação muito mais tênue com a linguagem e com os conceitos do que qualquer
outra forma de pensamento.
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REFERENCIAIS
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para uma reflexão crítica. Em L.Banks-Leite (Org.). Percursos piagetianos (pp.207-
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Vigotski ante el siglo XXI: referentes de actualidade (pp.15-41). Girona: Horsori.
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conhecimento na criança. Tese (Livre Psicologia em Estudo, Maringá, v. 11, n. 1, p.
119-127, jan./abr. 2006. Docência). Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade
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Dongo Montoya, A. O. (2005). Piaget: imagem mental e construção do
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Fraisse, J. Piaget. Tratado de Psicologia Experimental. (Vol.1) (pp.121-152) Rio de
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22
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Fontes.
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uma proposta de intervenção educacional. Tese de Doutorado Não-Publicada.
Programa de Pós-Graduação em Educação Especial, Universidade Estadual
Paulista Júlio de Mesquita Filho, Marília.
Rodrigues, B. I. (2000). Desenvolvimento da noção temporal por meio da narrativa
oral segundo a teoria piagetiana. Dissertação de Mestrado Não-Publicada. Programa
de Pós-Graduação em Ensino-Aprendizagem, Universidade Estadual Paulista Júlio
de Mesquita Filho, Marília.
Vygotsky, L. S. (1991). Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes.
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LEITURA COMPLEMENTAR
Nome do autor: Shirlei Aparecida Doretto
Disponível em: http://www. encontrosdevista.c om.br/ Ar tig o s/09_
Shirlei_Ap_Doretto_e_Adriana_Beloti_Concep%C3%A7%C3%B5es_de_linguagem_
e_conceitos_correlatos.pdf
Data de acesso: 24/07/2016
CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM E CONCEITOS CORRELATOS: A INFLUÊNCIA
NO TRATO DA LÍNGUA E DA LINGUAGEM
RESUMO
Quando se trata de educação pela linguagem, devemos considerar as diferentes concepções que
permearam e permeiam o ensino de Língua Portuguesa e os documentos oficiais que retratam as
principais tendências linguísticas de cada período e orientam, oficialmente, o trabalho com a
linguagem nas escolas. Assim, tendo como sustentação teórica as discussões de Antunes (2003),
Possenti (1996), Travaglia (1996), Geraldi (2004), Bakhtin/Volochínov (2006), entre outros,
objetivamos, neste artigo, discutir a respeito das concepções de linguagem e os conceitos
subjacentes a cada uma delas e, ainda, apresentar um quadro síntese de conceitos relacionados a
essas concepções, a fim de ilustrar nossas discussões. Nesse sentido, faremos, primeiramente, uma
contextualização da história do ensino de Língua Portuguesa no Brasil, a fim de relacionar esse
percurso histórico às LDBs n. 4024/61, 5692/71 e 9394/96 e às correntes linguísticas predominantes
em cada momento. Em seguida, discorreremos sobre as concepções de linguagem e os conceitos
relacionados com cada tendência. Por fim, apresentaremos, de maneira sintética e
metodologicamente simples, um quadro síntese de tais noções. Acreditamos que discutir esse tema é
importante, pois seu reflexo está presente em todas as práticas pedagógicas, as quais resultam das
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opções teórica e metodológica adotadas para sustentar o desenvolvimento das atividades
relacionadas à língua e à linguagem.
PALAVRAS-CHAVE: Concepção de linguagem; ensino de Língua Portuguesa;
sociointeracionismo.
INTRODUÇÃO
Considerar que a linguagem está presente, de maneira geral, em toda nossa
vida, isto é, que nos constituímos como sujeitos na e pela linguagem, leva-nos a
refletir sobre as diferentes concepções que nortearam e norteiam o ensino. Quando
pensamos, ainda, no trabalho com a Língua Portuguesa, além da própria concepção
de ensino e aprendizagem, a concepção de linguagem é de suma importância, uma
vez que seu reflexo está presente em outros conceitos relacionados à educação,
como, por exemplo, os de língua, gramática, sujeito, texto e sentido, leitura,
produção textual, oralidade, variedade linguística, norma, entre outros, tornando-se,
assim, um dos principais norteadores do trabalho docente. Isso porque o objeto de
trabalho e estudo dessa disciplina é justamente a linguagem, em suas mais variadas
possibilidades de manifestação.
Discutir as concepções de linguagem e os conceitos subjacentes a tais
concepções, embora sejam constantemente abordados por diversos outros
trabalhos, é relevante, pois nosso principal objetivo, neste texto, é apresentar um
quadro síntese de conceitos relacionados às concepções de linguagem, a fim de
ilustrar nossas discussões, considerando que o tema permeia todo o trabalho com a
linguagem e afeta, diretamente, as possibilidades e os resultados dos processos de
ensino e de aprendizagem de língua. O quadro não se limita aos conceitos de
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gramática, língua e linguagem. Nosso esforço foi no sentido de ampliar essas
noções.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) estabeleceu, nas últimas
quatro décadas, o norte para o trabalho com a Língua Portuguesa nas escolas
brasileiras. Assim, cada Lei desse período, pela concepção de linguagem que
apresentava, dava os encaminhamentos principais para esse trabalho. As
concepções teóricas e metodológicas de cada documento norteador estão
diretamente relacionadas às tendências pedagógicas e correntes linguísticas, as
quais embasam o estudo e o trabalho com a linguagem.
Para tratarmos, especificamente, das concepções de linguagem, julgamos ser
necessário, primeiramente, oferecer uma contextualização da história do ensino de
Língua Portuguesa no Brasil. Acreditamos ser relevante essa abordagem porque
esse percurso histórico está diretamente relacionado às correntes linguísticas e sua
identificação contribui para compreender as mudanças em relação às concepções
de língua e linguagem, que são, justamente, os objetos de estudo e trabalho da
disciplina de Língua Portuguesa (LP).
Nesse sentido, apresentaremos, inicialmente, norteado pelas DCEs do
Paraná (2008), um histórico do ensino de LP no Brasil, relacionado às LDBs e às
correntes linguísticas predominantes em cada período. Em seguida, discorreremos
sobre as concepções de linguagem e os conceitos relacionados a cada tendência.
Nosso principal objetivo neste texto, o quadro síntese de tais noções, será
apresentado ao final dessa seção, de maneira sintética, sistematizada e
metodologicamente simples.
26
O ENSINO DE LP NO BRASIL
Os caminhos percorridos pelo ensino de LP no Brasil tiveram início com a
educação jesuítica, cujo objetivo era “alfabetizar” e “catequizar” os indígenas. O
trabalho educacional daquele período estava atrelado à concepção de linguagem
como expressão do pensamento. O ensino de LP limitava-se às escolas de ler e
escrever, mantidas pelos jesuítas. Nos cursos chamados secundários, eram
estudados gramática latina, retórica e grandes autores clássicos.
Durante o período colonial, a língua mais utilizada no Brasil era o Tupi.
Depois, dada a interação dos colonizados e colonizadores, passou-se a ter a Língua
Geral (o Tupi-Guarani). Somente com a expulsão dos jesuítas em 1759, pelo
Marquês de Pombal, é que a Língua Portuguesa se tornou o idioma oficial do Brasil
e, então, obrigatório o seu ensino. Essa mudança também revolucionou a educação
brasileira, entretanto, os objetivos escolares continuavam os mesmos: hierarquizar e
elitizar ainda mais a sociedade, pois havia um privilégio ao ensino destinado à
burguesia, ou seja, predomínio da norma culta, da língua usada pelos clássicos. A
disciplina de LP só foi introduzida nos currículos escolares brasileiros nas últimas
décadas do século XIX, sendo ensinada segundo os moldes do ensino do Latim:
fragmentando-se na gramática, retórica e poética.
Nos anos 1960, com a LDB n. 4024/61, o foco principal do ensino de LP
estava na gramática prescritiva ou tradicional, mantendo a tradição da gramática, da
retórica e da poética. Quando trata da educação primária, por exemplo, a referida
Lei, inclusive, afirma que o objetivo, entre outros, é desenvolver o raciocínio e
27
atividades de expressão da criança e proporcionar sua integração nos meios físico e
social. Assim, há o predomínio, ainda, da concepção de linguagem como expressão
do pensamento. Em relação ao nível “formação do magistério”, a tônica estava no
desenvolvimento de conhecimentos técnicos relativos à educação infantil. Nessa
década, acreditava-se que valorizar a criatividade seria suficiente para desenvolver a
eficiência da comunicação e da expressão do aluno. O predomínio da gramática
prescritiva ainda era visto como adequado, já que grande parte dos alunos que
frequentavam a escola era oriunda das camadas mais privilegiadas da sociedade,
isto é, falava uma variedade linguística próxima da considerada como língua padrão,
a língua de prestígio do período. Além disso, as concepções de mundo e de língua
desses estudantes eram próximas daquelas apresentadas nos materiais didáticos.
Em síntese, o objetivo e o foco estavam na ortografia, vista como o conhecimento
que levaria o aluno a desenvolver competências linguísticas.
Ainda na década de 60, com o predomínio da gramática prescritiva e com
certa “democratização” do ensino, que levou estudantes de outras classes sociais à
escola, houve, também, um conflito entre a linguagem ensinada na escola, que é a
norma das classes privilegiadas, e a linguagem das camadas populares, quando se
desconsiderava a oralidade e as variedades linguísticas, por exemplo. De acordo
com Soares (1986), o ensino era baseado no reconhecimento da língua considerada
como legítima, aquela que segue as regras da norma culta.
Para os alunos pertencentes às classes dominantes, essa “didática do
reconhecimento” tem, como efeito, o aperfeiçoamento do conhecimento [...],
que já possuem, da língua “legítima”; para os alunos pertencentes às
camadas populares, essa “didática do reconhecimento” não ultrapassa seus
28
próprios limites, porque, na aprendizagem da língua, reconhecer não leva a
conhecer. Em outras palavras: a escola leva os alunos pertencentes às
camadas populares a reconhecer que existe uma maneira de falar e
escrever considerada “legítima”, diferente daquela que dominam, mas não
os leva a conhecer essa maneira de falar e escrever, isto é, a saber produzi-
la e consumi-la. (SOARES, 1986, p. 63).
A partir da década de 70, com a LDB n. 5692/71, que vincula o ensino à
qualificação para o trabalho, sustentado por uma pedagogia tecnicista, o ensino de
LP pauta-se na concepção de linguagem como instrumento de comunicação, cujo
objeto é a língua como código, tendo um viés mais pragmático e utilitário em
detrimento do aprimoramento das capacidades linguísticas do falante. Essa
mudança se deu a partir dos estudos de Ferdinand de Saussure, que estabeleceu a
dicotomia língua x fala, dedicando-se ao estudo da língua e concebendo-a como
estrutura, passível de descrição. Nessa época e por essa concepção de língua, a
Teoria da Comunicação, enunciada por Roman Jakobson, estruturalista
funcionalista,4 também passou a sustentar o ensino de LP nas escolas.
Embora tenha havido mudança, o ensino de LP ainda continuou, de certa
forma, elitizado, pois persistia o ensino da gramática prescritiva, priorizando as
descrições sintáticas e morfológicas, as atividades que enfatizavam ações
repetitivas e paradigmáticas e as produções textuais baseadas nas tipologias:
narração, dissertação e descrição. Dessa forma, cristalizou-se, pelo fato de
prevalecer uma tendência gramatical positivista, a chamada gramática descritiva.
Nas correntes linguísticas, esse período é chamado de estruturalismo, o qual é
dividido em funcionalismo, tendo como principais representantes Sapir, Halliday,
Bühler, Jakbson e Troubetskoï, e formalismo, com Bloomfield, Haris e Chomsky
29
como principais nomes dessa tendência dos estudos linguísticos. Ambas as
vertentes, funcionalista e formalista, são estruturalistas, ou seja, priorizam o estudo
da estrutura linguística, procedendo à descrição dos elementos: fonemas –
morfemas – palavras – frases – discursos. A diferença é que a primeira preocupa-se,
também, com a função (daí os principais representantes difundirem as chamadas
teorias das funções da linguagem) e a segunda dedica-se, especialmente, à forma.
A partir dos anos 1980, com a difusão de novas tendências linguísticas, como a
Sociolinguística, a Pragmática (já a partir dos anos 60/70), a Análise de Discurso, a
Semântica e a Linguística Textual, reunidas as três últimas sob o rótulo de
linguísticas discursivas, o ensino de LP passa a ser questionado e repensado,
refletindo-se sobre a eficácia do ensino gramatical, apenas, da forma como vinha
sendo trabalhado. Entretanto, os Livros Didáticos (LD), um dos principais
instrumentos de trabalho dos professores, continuavam materializando a concepção
tradicional de ensino. Todas essas correntes linguísticas contribuem, então, para
uma mudança na concepção de linguagem e, portanto, no norte para o trabalho com
a LP nas escolas. A linguagem passa a ser vista como sendo social e de caráter
dialógico, interacional. Nesse sentido, os textos são considerados polifônicos, a
língua não é mais usada apenas para a comunicação, mas, também, para
estabelecer os processos de interação.
Assim, a partir dos anos 1980, período já bastante rico em produções relativas
à linguagem, em especial com as contribuições de Mikhail Bakhtin/Volochínov aos
estudos da linguagem (com textos como Marxismo e Filosofia da Linguagem e
Estética da Criação Verbal) e, especificamente, a partir da década de 90, com a LDB
n. 9394/96, o foco de estudo da disciplina de LP passou a ser uma gramática
30
internalizada, com base no texto, refletindo uma concepção de linguagem como
processo de interação.
Feita essa retomada do ensino de LP no Brasil, a qual nos dá condições de
relacionar o processo pelo qual essa disciplina passou às LDBs e às correntes
linguísticas de cada período, discorreremos, a partir de agora, sobre as três
concepções de linguagem que sustentam o trabalho com esse objeto de ensino e,
consequentemente, sobre os conceitos subjacentes a cada concepção.
AS CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM E OS CONCEITOS RELACIONADOS: A
INFLUÊNCIA NO TRATO DA LINGUAGEM
Nossa base teórica para as discussões a serem empreendidas a partir deste
momento são, destacadamente, os trabalhos de João Wanderley Geraldi, Luiz
Carlos Cagliari, Luiz Carlos Travaglia, Alba Maria Perfeito, Sírio Possenti, Marilurdes
Zanini e Mikhail Bakhtin/Volochínov.
Mikhail Bakhtin/Volochínov, em sua obra Marxismo e Filosofia da Linguagem
(2006), no capítulo 5 (Língua, fala e enunciação), discorre, primeiramente, sobre
duas noções que podemos relacionar às concepções de linguagem: subjetivismo
individualista e objetivismo abstrato, as quais não rejeita totalmente, mas
resinificadas, explicando todo o desenvolvimento dessas concepções até explicitar o
posicionamento que defende: uma teoria enunciativo-discursiva de linguagem,
concebendo-a como processo de interação.
Partilhamos, aqui, do posicionamento de Bakhtin/Volochínov por entendermos
o interacionismo como social e dialético e, também, por admitirmos que as
31
atividades humanas organizam-se a partir da linguagem, caracterizando o
interacionismo, então, como sociodiscursivo, conforme pondera Bronckart:
Decorre da abordagem desenvolvida que a linguagem humana se
apresenta, inicialmente, como uma produção interativa associada às
atividades sociais, sendo ela o instrumento pelo qual os interactantes,
intencionalmente, emitem pretensões à validade relativas às propriedades
do meio em que essa atividade se desenvolve. A linguagem é, portanto,
primariamente, uma característica da atividade social humana, cuja função
maior é de ordem comunicativa ou pragmática (BRONCKART, 2003, p. 34).
No que se refere à primeira vertente, o subjetivismo individualista, a
linguagem está associada à constituição de um sujeito único, centro e controlador de
todo o dizer, ou seja, é encarada como expressão do pensamento consciente e,
assim, a teoria dessa corrente prega que “quem não escreve bem é porque não
pensa bem”. Acreditamos que essa concepção não contemple todas as
características da língua, pois está associada ao subjetivismo psicológico, que
pressupõe um mundo criado a partir de uma consciência autônoma, de um único
sujeito detentor de todo o conhecimento. Embora a linguagem seja, também,
“expressão do pensamento”, ela exterioriza-se a partir da linguagem externa, isto é,
da interação verbal. Segundo Bakhtin (2006), “não é a atividade mental que organiza
a expressão, mas, ao contrário, é a expressão que organiza a atividade mental, que
a modela e determina a sua orientação” (p. 116, grifos do autor).
Conforme afirmamos acima, essa concepção permeia a LDB n. 4024/61, a
qual argumenta que “conhecer língua materna, muito mais que se valer de termos
sofisticados pela erudição, era conhecer as normas que regiam a língua. Assim,
32
conhecer língua significava dominar a gramática da língua: sua história e suas
normas” (ZANINI, 1999, p. 80). A prática docente priorizava o ensino de conceitos
básicos e normativos da gramática da língua materna, voltados para o domínio da
metalinguagem, isto é, partindo-se das regras para se chegar aos exemplos.
A concepção de gramática dessa tendência é a gramática prescritiva ou
tradicional (GT): conjunto de regras que devem ser seguidas, que corresponde ao
conjunto de todas as regras e normas impostas para falar e escrever bem, de acordo
com a norma culta, com os clássicos. É um depósito imutável de regras gramaticais.
Assim, é insensível à realidade, pois não considera os contextos de uso. A função
da língua, então, é exteriorizar um pensamento, ou seja, materializá-lo gráfica ou
fonicamente, com o predomínio do eu. Ler, nessa perspectiva, é reconhecer o
pensamento do autor do texto, ou seja, decodificar imediatamente os sinais
linguísticos que devem ser transparentes para o leitor. “A leitura é vista, também,
tradicional e prioritariamente, como extração de sentidos, fixados pelo autor do texto
ou por um leitor autorizado” (PERFEITO, 2005, p. 31). Logo, o texto apresenta,
sempre, um único sentido possível, já dado, pronto e acabado.
“O sujeito é psicológico, individual, dono de sua vontade e de suas ações”
(KOCH, 2003, p. 13). A linguagem é considerada dom e, portanto, o sujeito pode
controlar o êxito e a boa comunicação. Decorrente da própria concepção de
linguagem, produzir textos é colocar o pensamento em forma de linguagem e seguir
as regras impostas pela gramática prescritiva, buscando, além da perfeição
gramatical, a coerência entre os aspectos lógicos e sintáticos. O trabalho com a
oralidade quase não acontece, pois ela é considerada como idêntica à escrita.
33
Ressaltamos, entretanto, que entendemos a oralidade e a escrita como
relacionadas, cada uma com sua especificidade, tendo como diferença a recepção:
a fala acontece em “situação de copresença”, enquanto na escrita a “recepção é
adiada” (ANTUNES, 2003, p. 51). Exclui também as variedades linguísticas, pois
tudo o que foge à norma culta é considerado errado e deficiente. Pelo fato de as
variedades linguísticas acontecerem na linguagem em uso, em funcionamento, e
essa perspectiva não ser considerada, as variedades também não são vistas como
possíveis de acontecerem. As principais atividades são os questionamentos acerca
de conceitos e definições dados pela GT (o que é verbo; o que o autor quis dizer;
escreva corretamente; classifique as palavras...).
A segunda perspectiva abordada por Bakhtin/Volochínov toma a linguagem
como instrumento de comunicação, ou seja, liga-se aos pressupostos do objetivismo
abstrato, cuja teoria defende que a linguagem é apenas transmissão autômata de
mensagens de um emissor a um receptor, ambos isolados social e historicamente. A
nossa negação a essa linha, adotada de forma única e exclusiva, justifica-se por não
acreditarmos que os indivíduos encaixem-se em situações de comunicação e
estruturas prontas, fixas e sempre definidas, tampouco, se adequem a uma estrutura
idealista.
Essa concepção de linguagem está contida na LDB n. 5692/71, que passa a
nortear o ensino de LP a partir da década de 70. Por essa vertente, a linguagem é
entendida como meio objetivo para a comunicação e a “língua é vista como um
código, ou seja, como um conjunto de signos que se combinam segundo regras, e
que é capaz de transmitir uma mensagem, informações de um emissor a um
34
receptor” (TRAVAGLIA, 1996, p. 22). Além disso, a linguagem é tomada como
pronta e acabada, exterior ao indivíduo. A língua é estudada isolada do seu uso,
sem considerar os interlocutores, a situação e o momento histórico. É uma visão de
língua inseparável de sua forma. Essa perspectiva “deixava clara uma concepção de
linguagem que previa um sujeito capaz de internalizar o saber, que estava fora dele,
por meio da repetição, de exercícios que estimulassem a resposta, de forma que ele
seguisse o modelo” (ZANINI, 1999, p. 81).
O exemplo representativo desse período é a Teoria da Comunicação proposta
por Roman Jakobson, que postula, então, a partir dos seis elementos que
constituem o ato de comunicação, as seis funções da linguagem. Destacamos,
entretanto, que Jakobson considera apenas as seis funções de acordo com o foco
em um ou outro elemento desse processo comunicativo, sem considerar a função
performativa da linguagem, que é possível de ser estudada a partir da Teoria dos
Atos de Fala, enunciada por Austin e difundida por Searle, considerando o ato de
fala perlocucionário, isto é, a linguagem é usada, também, para fazer-fazer, como
uma forma de ação e não apenas de representação da realidade (exemplo do padre
que diz: “eu vos declaro marido e mulher”, esse enunciado não é usado apenas para
informar, mas para realizar um tipo de ação: diz e faz).
A gramática desse período é a descritiva: conjunto de regras que são
seguidas. Procede-se à “descrição da estrutura e funcionamento da língua, de sua
forma e função” (TRAVAGLIA, 1996, p. 27); corresponde ao conjunto de regras
sobre o funcionamento da língua nos mais diversos aspectos ou níveis (variedades),
baseado no que é consenso social; é uma produção em grupo, que descreve as
35
regras utilizadas pela sociedade, na qual cada sujeito, individualmente, busca o
código adequado à situação. A linguagem não é mais dom, mas competência. A
função da língua é transmitir informações (codificar), portanto, há o predomínio do
tu, pois o principal objetivo é usar a língua para estabelecer uma comunicação com
um receptor. A leitura5 é concebida como interpretação do código de comunicação,
como um produto pronto e acabado, signos linguísticos produzidos por um emissor a
serem decodificados por um receptor.
O sujeito, determinado e assujeitado pelo sistema, tem uma intenção e, ao
codificar sua mensagem, espera que seu receptor decodifique-a exatamente da
maneira que foi intencionalizada. Em relação à escrita, as produções decorrem de
atividades que servem como pretextos para escrever, sendo vista, portanto, como
consequência de outra atividade. Produzir textos, então, é seguir os modelos já
existentes, que se baseavam nas tipologias textuais: narração, descrição e
dissertação. A oralidade começa a ser considerada em uma abordagem sincrônica,
mas ainda há uma predominância da língua escrita. Nesse sentido, reconhece as
variedades linguísticas durante o uso da língua pelo falante. Esse reconhecimento,
entretanto, é apenas teórico, pois não é considerado como, de fato, possível, já que,
também, não considera as reais situações de uso da linguagem.
Nesse período, os Livros Didáticos ganham espaço e se tornam grandes
artefatos nos processos de ensino e de aprendizagem, por apresentarem exercícios
prontos de siga o modelo, complete, descrição de estrutura, forma, código, típicos da
gramática descritiva, predominante nessa tendência.
36
A partir dos anos 1980, com o avanço dos estudos sobre a linguagem, a
concepção desse objeto começa a ganhar nova configuração e, por isso, dar novos
caminhos e possibilidades para os processos de ensino e de aprendizagem de LP.
Pretendia-se, “que o professor assumisse uma postura mais coerente com os rumos
da própria história do País, uma postura de entender a gramática de forma
necessária e contextualizada. [...] O contexto passa a ser referência para que o uso
da língua, de certo e errado, passe a ser respeitado nas suas várias possibilidades,
atribuindo-lhe uma perspectiva de adequação e de inadequação” (ZANINI, 1999, p.
82). É na LDB n. 9394/96 que essa nova vertente se consolida e se oficializa. Esse
documento não bane a gramática, o conhecimento das normas que regem a Língua
Portuguesa, mas defende que haja condições para que todos os estudantes tenham
oportunidade de aproximação e apropriação da norma culta da língua.
Ressaltamos, nesse momento, que houve um período de interpretações
equivocadas a respeito dessa nova tendência linguística, entendendo-se que não se
deveria trabalhar e ensinar a gramática normativa nas escolas e, então, o trabalho
com a língua passou a acontecer apenas no nível dos “sentidos”, uma espécie de
“vale tudo”, qualquer interpretação. Não concordamos com esse posicionamento,
pois entendemos que a gramática normativa é extremamente necessária para as
leituras e compreensões possíveis dos diversos textos com os quais temos contato
no cotidiano, logo, a discussão deve girar em torno do como se trabalhar com os
elementos linguísticos relacionados aos discursivos e, assim, não pautar o ensino
apenas no tradicionalismo, mas usar as contribuições dessa vertente a favor do
desenvolvimento das competências e habilidades linguísticas e discursivas.
Portanto, gramática é necessário.
37
Para nós, a linguagem existe, sim, enquanto atividade e processo de
interação dos sujeitos sócio, histórico e ideologicamente constituídos, pressupondo,
então, transformação. Para Bakhtin/Volochínov (2006), há uma teoria enunciativo-
discursiva de linguagem, em oposição às duas correntes filosófico-linguísticas, o
subjetivismo individualista e o objetivismo abstrato. Ambas tomam a enunciação
monológica, sem considerar as relações sociais e culturais, como ponto de partida e,
por isso, são consideradas inadequadas, uma vez que:
[...] a verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema
abstrato de formas linguísticas nem pela enunciação monológica isolada,
nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social
da interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações. A
interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua
(BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2006, p. 127, grifos do autor).
Dessa forma, a linguagem como processo de interação é possibilitada pelos
enunciados. Logo, a língua aparece em contextos de enunciação definidos,
remetendo, sempre, a contextos ideológicos, o que corrobora o posicionamento de
que nenhuma palavra é neutra, mas sempre já carregada de sentido, tanto pelo
locutor quanto pelo interlocutor, caracterizando-se enquanto “ponte”: “a palavra está
sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial. [...] A
língua, no seu uso prático, é inseparável de seu conteúdo ideológico ou relativo à
vida” (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2006, p. 99, grifos do autor).
De acordo com a terceira vertente, então, o ato de fala ou, ainda, a
enunciação, em si, não pode ser encarada como individual, unicamente do ponto de
vista da norma, mas, ao contrário, “a enunciação é de natureza social”
38
(BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2006, p. 113, grifos do autor), de relação dialógica e seu
elemento principal é a interação verbal. Além disso, toda palavra é ideológica e sua
materialização está diretamente relacionada à evolução ideológica: a “linguagem
não é o trabalho de um artesão, mas trabalho social e histórico” dos sujeitos e “dos
outros e é para os outros e com os outros que ela se constitui” e, ainda, “não há um
sujeito dado, pronto, que entra na interação, mas um sujeito se completando e se
construindo nas suas falas” (GERALDI, 1997, p. 6), ou seja, um sujeito histórico,
social e ideologicamente constituído, de cuja perspectiva partilhamos.
Assim, a linguagem é vista como processo de interação, a língua é usada não
apenas para a comunicação, mas, também, para estabelecer a interação social (agir
sobre, agir entre). O indivíduo realiza ações, atua sobre o interlocutor. Considera-se
os contextos social, histórico e ideológico. “A linguagem é pois um lugar de interação
humana, de interação comunicativa pela produção de efeitos de sentidos entre
interlocutores, em uma dada situação de comunicação e em um contexto sócio
histórico e ideológico” (TRAVAGLIA, 1996, p. 23). Logo, a língua não deixa de ser
expressão e comunicação, mas, além disso, passa a ser uma atividade
sociointerativa.
A gramática que marca essa terceira vertente é a internalizada: conjunto de
regras que o falante domina e utiliza para interagir com os demais interlocutores nas
situações reais de comunicação. Considera-se a gramática como contextualizada,
implicando em um ensino não normativista nem descritivista. Ela toma o texto como
objeto de estudo, considerando-o a partir dos gêneros discursivos. A função da
língua é realizar ações, agir sobre o outro e, dessa forma, o predomínio está nas
39
interações verbais sociais. “A leitura é, pois, uma atividade interativa altamente
complexa de produção de sentidos (KOCH; ELIAS, 2010, p. 11, grifos do autor).
Assim, ler é relacionar o texto com os diversos contextos que o cercam. Logo,
nenhum texto tem um único sentido possível, ao contrário, os sentidos são
coproduzidos pelos sujeitos leitores em cada situação de leitura, considerando os
contextos sociais, históricos e ideológicos, tanto da produção quanto da circulação e
da recepção. Não dizemos, com isso, que todas e quaisquer leituras sejam
possíveis. Não. Mas pode haver várias, de diferentes perspectivas, em determinados
textos e em determinadas condições de recepção. O texto sempre nos deixa as
“margens” possíveis de sua leitura, para interpretá-lo e compreendê-lo. Buscamos,
então, chegar à compreensão: além de decodificar e interpretar, compreender o
texto, agir sobre ele, estabelecer relações críticas sobre/com o conteúdo lido. De
acordo com Orlandi (1988, p. 115), portanto, uma leitura que chegue ao nível
compreensível, ou seja, quando há “atribuição de sentidos considerando o processo
de significação no contexto de situação, colocando-se em relação
enunciado/enunciação”.
O sujeito, visto como psicossocial, ativo na produção de sentidos, construído
na e pela linguagem, deixa de ser totalmente consciente e dono de sua vontade,
passando a ocupar posições sujeito determinadas conforme as formações
discursivas6 nas quais se insere em cada situação. Assim, a escrita é entendida
como trabalho, com reais necessidades para o aluno escrever. É um trabalho
consciente, com finalidade, interlocutores e gênero discursivo definidos. A oralidade,
nessa perspectiva, é tida como tão importante quanto a escrita, pois a adequação de
ambas depende da situação real de interação comunicativa. As variedades
40
linguísticas são consideradas e entendidas, levando-se em conta o contexto, os
objetivos e as circunstâncias (o que, para quem, para que, quando, onde... os textos
são produzidos). As atividades de estudo de LP consideram o funcionamento
textual, discursivo, pragmático, sintático e semântico dos textos, trabalham com a
produção dos efeitos de sentido, com o uso real da língua.
Após fazermos esses apontamentos acerca dos conceitos relacionados à
linguagem, temos condições de discutir, mais especificamente, sobre as implicações
que tais conceitos têm no ensino de LP. Como afirma Geraldi (2004, p. 45), “uma
diferente concepção de linguagem constrói não só uma nova metodologia, mas
principalmente um „novo conteúdo ‟de ensino”. Portanto, a discussão sobre tal
concepção é de fundamental importância e relevância para o trabalho de LP e sua
relação com os processos de ensino e de aprendizagem desse objeto é evidente e
intrínseca.
Na esteira dos postulados de Possenti (1996), em relação ao ensino de língua
na escola, necessitamos, inicialmente, questionar a concepção de língua em que
estão baseadas as práticas docentes e os livros didáticos, já que esse material é
muito presente nas salas de aula. Sabemos que, geralmente, o conceito utilizado por
esse material é aquele que toma a língua como algo uniforme, imutável e que
considera apenas uma das variedades linguísticas: a norma culta. Essa visão exclui
as outras formas de falar, não as considerando como adequadas ou inadequadas
aos contextos de uso, mas como erradas e deficientes, portanto, não pertencentes à
língua. Essa perspectiva interfere diretamente na prática de ensino dos professores
41
de LP, pois toda e qualquer variação é vista como desvio e aquele que fala de
maneira “diferente” falaria errado. Logo, extremamente elitista.
Para nós, a língua é produto de um trabalho social, histórico e ideológico de
determinada comunidade. Geraldi (2005) afirma que a:
[...] língua, enquanto produto desse trabalho social, enquanto fenômeno
sociológico e histórico, está sempre sendo retomada pela comunidade de
falantes. E ao retomar, retoma aquilo que está estabilizado e que se
desestabiliza na concretude do discurso, nos processos interativos de uso
dessa língua (p. 78).
Outro questionamento está vinculado à concepção de linguagem em que se
baseia o ensino de LP centrado nas gramáticas. Na gramática prescritiva, que é
ainda muito presente nas salas de aula, a linguagem é resumida à dimensão formal,
a um conjunto de regras e normas e a uma metalinguagem. Conforme Antunes
(2003), é possível observarmos um ensino de gramática “descontextualizada”,
“fragmentada”, “irrelevante”, “excêntrica”, “inflexível”, “voltada para a nomenclatura e
classificação” (p. 31-32). Não acreditamos que a gramática normativa não precise ou
não deva ser trabalhada na escola. Ao contrário. Defendemos que deve, sim, haver
um trabalho sustentado por essa gramática, pois, além de ser direito dos cidadãos
terem contato, conhecerem e aprenderem determinada variedade linguística, para o
desenvolvimento de um ensino sustentado pelas propostas dos gêneros discursivos
ou pela vertente da análise linguística, por exemplo, não nos basta apenas o
conhecimento superficial da língua, mas é necessário o conhecimento e o domínio
da gramática para termos condições de desenvolver um trabalho efetivo em relação
aos aspectos linguísticos e discursivos. Nesse sentido, o que deve estar em foco,
42
então, é a metodologia e a forma como a gramática será trabalhada, para que o
professor não considere apenas a possibilidade tradicional, como um fim em si
mesmo, mas vá além do tradicionalismo exclusivo.
Ainda segundo Possenti (1996), o objetivo da escola é ensinar o dialeto
padrão e qualquer outra hipótese seria um equívoco político e pedagógico. Porém, a
questão crucial é discutir como realizar tal ensino, sabendo que a gramática
prescritiva, pura e simplesmente, não é suficiente para se atingir o objetivo de
desenvolver competências e habilidades linguísticas e discursivas. Dessa forma,
afirma que uma distinção clara entre os três conceitos de gramática - prescritiva,
descritiva e internalizada - eliminará a ilusão de que gramática significa uma coisa só
ou que a língua é uma estrutura uniforme. Para o autor (1996, p. 86), “ensinar
gramática é ensinar a língua em toda sua variedade de usos, e ensinar regras é
ensinar o domínio do uso”. Assim, “aprender uma língua é aprender a dizer a mesma
coisa de muitas formas” (p. 92).
Sustentados, portanto, por uma concepção de linguagem como processo de
interação, teremos condições de transitar por todas as concepções e utilizar o que
se torna relevante a cada objeto e objetivo de ensino. Assim, o trabalho com a LP
que defendemos e propomos é fruto de nossas concepções de linguagem e língua
(sustentadas, principalmente, pelos estudos de Bakhtin) e de ensino de língua
(baseado em autores como Geraldi, Possenti, Travaglia, Antunes, entre outros). Um
trabalho que, relacionando o linguístico e o discursivo, trate a linguagem como
processo de interação, a língua em uso, enfim, que considere os sujeitos como
43
sócio, histórico e ideologicamente constituídos, que se constituem como tais na e
pela linguagem e se tornam reais nos e dos processos de ensino e aprendizagem.
Diante do exposto, esperamos ter deixado claro nosso posicionamento em
relação ao trabalho com a LP nas escolas e, em especial, a grande importância do
conhecimento das três concepções de linguagem para tal trabalho. Assim,
apresentamos abaixo o quadro síntese sobre nossas discussões, elaborado com
base em Geraldi (2004), Cagliari (1989), Travaglia (1996), Perfeito (2005), Possenti
(1996), Bakhtin/Volochínov (2006) e Koch (2003), entre outros.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por fazer parte das relações humanas, a linguagem, em suas diferentes
formas de manifestação, revela opções políticas e ideológicas e, também, na sala de
aula, opções teóricas e metodológicas. Assim, não só o conhecimento, mas também
a prática consciente dos postulados teóricos referentes a cada concepção
proporcionam o transitar entre elas, aproveitando, em relação ao ensino de língua,
as contribuições relevantes e significativas de cada concepção de linguagem. O
professor, então, não trabalhará somente com exercícios estruturais, mas com
diferentes atividades adequadas aos objetos, objetivos e circunstâncias. Além desse
saber transitar consciente, defendemos que resultados positivos aparecem desde
que haja a prevalência de uma perspectiva que leve em consideração o sujeito que
se constitui na e pelas relações verbo-sociais – a sociointeracionista, pois “não se
aprende por exercícios, mas por práticas significativas. [...] O domínio de uma
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língua, repito, é o resultado de práticas efetivas, significativas, contextualizadas”
(POSSENTI, 1996, p. 47, grifos do autor).
A fim, então, de contribuir com a reflexão sobre a prática docente,
apresentamos a tabela síntese de alguns conceitos relacionados aos processos de
ensino e de aprendizagem, mas não de todos, pois compartilhamos a opinião de que
as atividades relacionadas a tais práticas são impossíveis de se esgotarem em uma
discussão como a apresentada, dados nossos objetivos. Embora, também
acreditemos que ela possa se constituir em um momento de reflexão dessas
práticas, uma vez que constitui, de forma concreta e metodologicamente simples,
uma ilustração das opções teóricas e metodológicas de professores no decorrer das
últimas cinco décadas.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANTUNES, I. Aula de Português: encontro & interação. São Paulo: Parábola, 2003.
BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, M. Marxismo e Filosofia da Linguagem. Tradução Michel
Lahud e Yara Frateschi Vieira. 12ª ed. São Paulo: Hucitec, 2006.
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interacionismo sócio discursivo. Tradução Anna Rachel Machado e Péricles Cunha.
São Paulo: EDUC, 2003.
CAGLIARI, L. C. Alfabetização e Linguística. São Paulo: _____, 1989.
GERALDI, J. W. Concepções de Linguagem e Ensino de Português. In: GERALDI,
João Wanderley (Org.). O texto na Sala de Aula. 3ª ed. São Paulo: Ática, 2004, pp.
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controvérsias da linguística. 2ª impr. São Paulo: Parábola Editorial, 2005.
KOCH, I. G. V. Desvendando os Segredos do Texto. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2003.
KOCH, I. G. V.; ELIAS, V. M. Ler e Compreender: os sentidos do texto. 3ª ed., 3ª
reimpressão. São Paulo: Contexto, 2010.
PARANÁ, Secretaria de Estado da Educação. Diretrizes Curriculares da Educação
Básica: Língua Portuguesa. Curitiba, 2008.
46
PERFEITO, A. M. Concepções de Linguagem, Teorias Subjacentes e Ensino de
Língua Portuguesa. In: RITTER, L. C. R.; SANTOS, A. R. (Orgs.). Concepções de
Linguagem e Ensino de Língua Portuguesa. Coleção Formação de Professores
EAD, n. 18. Maringá: Eduem, 2005, v. 1, pp. 27- 79.
POSSENTI, S. Por que (não) Ensinar Gramática na Escola. Campinas, SP: ALB:
Mercado de Letras, 1996.
SOARES, M. Linguagem e Escola: uma perspectiva social. São Paulo: Ática, 1986.
TRAVAGLIA, L. C. Gramática e Interação: uma proposta para o ensino de
gramática. São Paulo: Cortez, 1996.
ZANINI, M. Uma Visão Panorâmica da Teoria e da Prática do Ensino de Língua
Materna. In. Acta Scientiarum, 21(1), Maringá, 1999, pp. 79- 88.
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LEITURA COMPLEMENTAR
Nome: Carolina R. Schirmer, Denise R. Fontoura e Magda L. Nunes
Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/jped/v80n2s0/v80n2Sa11.pdf
Data de acesso: 24/07/2016
DISTÚRBIOS DA AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM E DA APRENDIZAGEM
INTRODUÇÃO
Grande parte das queixas relatadas na clínica pediátrica, neurológica,
neuropsicológica e fonoaudiologia infantil refere-se a alterações no processo de
aprendizagem e/ou atraso na aquisição da linguagem.
Acredita-se que as dificuldades de aprendizagem estejam intimamente
relacionadas a história prévia de atraso na aquisição da linguagem. As dificuldades
de linguagem referem-se a alterações no processo de desenvolvimento da
expressão e recepção verbal e/ou escrita. Por isso, a necessidade de identificação
precoce dessas alterações no curso normal do desenvolvimento evita posteriores
consequências educacionais e sociais desfavoráveis.
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O objetivo deste estudo é instrumentalizar os profissionais da saúde, em
especial o pediatra, para que possam agir no diagnóstico e na prevenção primária
dos distúrbios de linguagem oral e escrita. Para tornar a leitura mais didática,
enfocamos inicialmente o processo normal de desenvolvimento da linguagem, as
causas neurobiológicas e ambientais dessas alterações, tentando relacioná-las com
suas implicações nas diversas fases do desenvolvimento. Ao final de cada tópico,
descreve-se uma breve abordagem terapêutica.
LINGUAGEM
A linguagem é um exemplo de função cortical superior, e seu
desenvolvimento se sustenta, por um lado, em uma estrutura anatomofuncional
geneticamente determinada e, por outro, em um estímulo verbal que depende do
ambiente.
Serve de veículo para a comunicação, ou seja, constitui um instrumento social
usado em interações visando à comunicação. Desta forma, deve ser considerada
mais como uma força dinâmica ou processo do que como um produto. Pode ser
definida como um sistema convencional de símbolos arbitrários que são combinados
de modo sistemático e orientado para armazenar e trocar informações.
DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM
Muito antes de começar a falar, a criança está habilitada a usar o olhar, a
expressão facial e o gesto para comunicar-se com os outros. Tem também
capacidade para discriminar precocemente os sons da fala. A aprendizagem do
código linguístico se baseia no conhecimento adquirido em relação a objetos, ações,
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locais, propriedades, etc. Resulta da interação complexa entre as capacidades
biológicas inatas e a estimulação ambiental e evolui de acordo com a progressão do
desenvolvimento neuropsicomotor.
Apesar de não estar completamente esclarecido o grau de eficácia com que a
linguagem é adquirida, sabe-se que as crianças de diferentes culturas parecem
seguir o mesmo percurso global de desenvolvimento da linguagem. Ainda antes de
nascer, elas iniciam a aprendizagem dos sons da sua língua nativa e desde os
primeiros meses distinguem-na de línguas estrangeiras.
CONCLUSÃO
Sabe-se que as causas de alterações de linguagem e de dificuldades de
aprendizagem podem ser variadas, apesar de existirem muitos estudos indicando
fatores neurológicos para tais problemas. Avanços na compreensão da
neurobiologia dos processos de desenvolvimento da linguagem e aprendizagem
certamente irão contribuir para uma melhoria na abordagem terapêutica desses
pacientes. A sistemática da investigação em busca do diagnóstico preciso pode
direcionar o profissional de saúde na escolha do melhor tratamento indicado para
cada caso.
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REFERÊNCIAS
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