Antonio Gramsci_ Marx e o Reino Da Consciência

download Antonio Gramsci_ Marx e o Reino Da Consciência

of 4

description

tá ok

Transcript of Antonio Gramsci_ Marx e o Reino Da Consciência

  • 16/9/2014 Antonio Gramsci: Marx e o Reino da Conscincia

    http://www.marxists.org/portugues/gramsci/1918/mes/marx.htm 1/4

    MIA > Biblioteca > Gramsci > Novidades

    Marx e o Reino da ConscinciaAntnio Gramsci

    1918

    Origem da presente transcrio: (Desconhecida)Transcrio de: Alexandre Linares para o Marxists Internet ArchiveHTML de: Fernando A. S. ArajoDireitos de Reproduo:.....

    Nosso Marx

    Somos marxistas? Existem marxistas? Somente tu, estupidez, seterna. Essa questo provavelmente ressuscitar estes dias, por ocasio docentenrio, e consumir rios de tinta de estultice. A v quinquilharia e obizantinismo so heranas imarcescveis dos homens. Marx no escreveuum catecismo, no um messias que tenha deixado uma fieira de parbolascarregadas de imperativos categricos, de normas indiscutveis, absolutas,fora das categorias do tempo e do espao. Seu nico imperativo categrico,sua nica norma : "Proletrios do mundo inteiro, uni-vos." Portanto, adiscriminao entre marxistas e no marxistas teria de consistir no dever daorganizao e da propaganda, no dever de organizar-se e associar-se. Isto muito e, ao mesmo tempo, muito pouco: quem no seria marxista? E,sem dvida, assim so as coisas: todos so um pouco marxistas sem osaber. Marx foi grande e sua ao foi fecunda no porque tenha inventado apartir do nada, no por haver engendrado com sua fantasia uma originalviso da histria, mas porque com ele o fragmentrio, o irrealizado, oimaturo, se fez maturidade, sistema, conscincia. Sua conscincia pessoalpode converter-se na de todos, e j de muitos; por isso Marx no apenas um cientista, mas tambm um homem de ao; grande e fecundona ao da mesma forma que no pensamento, e seus livros transformaramo mundo, assim como transformaram o pensamento.

    Marx significa a entrada da inteligncia na histria da humanidade,significa o reino da conscincia.

    Sua obra surge precisamente no mesmo perodo em que se desenvolvea grande batalha entre Thomas Carlyle e Herbert Spencer relativa funodo homem na histria.

    Carlyle: o heri, a grande individualidade, mstica sntese de uma

  • 16/9/2014 Antonio Gramsci: Marx e o Reino da Conscincia

    http://www.marxists.org/portugues/gramsci/1918/mes/marx.htm 2/4

    comunho espiritual, que conduz os destinos da humanidade para margensdesconhecidas, evanescentes no quimrico pas da perfeio e da santidade.

    Spencer: a natureza, a evoluo, abstrao mecnica inanimada. Ohomem: tomo de um organismo natural que obedece a uma lei abstratacomo tal, mas que se faz concreta historicamente nos indivduos: a utilidadeimediata.

    Marx situa-se na histria com a slida postura de um gigante: no ummstico nem um metafsico positivista um historiador, um intrprete dosdocumentos do passado, e de todos os documentos, no apenas de umaparte deles.

    Este era o defeito intrnseco das investigaes relativas aosacontecimentos humanos: o no examinar e no levar em consideraomais do que uma parte dos documentos. E essa parte era escolhida nopela vontade histrica, mas pelo preconceito partidrio, que continua a serisso ainda que inconscientemente e de boa f. As investigaes no tinhamcomo objetivo a verdade, a exatido a reconstruo integral da vida dopassado, mas a acentuao de uma determinada atividade, a valorao deuma tese apriorstica. A histria era domnio exclusivo das idias. O homemconsiderava-se como esprito, como conscincia pura. Dessa concepoderivavam duas conseqncias errneas: as idias acentuadas eramfreqentemente arbitrrias, fictcias. E os fatos aos quais era dadaimportncia eram anedotas, no histria. Se apesar de tudo, foi escritahistria, no real sentido da palavra, isso deveu-se intuio genial dealguns indivduos, no a uma atividade cientfica sistemtica e consciente.

    Com Marx a histria continua sendo domnio das idias, do esprito, daatividade consciente dos indivduos isolados ou associados. Mas as idias, oesprito, se realizam, perdem sua arbitrariedade, no so mais fictciasabstraes religiosas ou sociolgicas. A substncia que adquirem est naeconomia, na atividade prtica, nos sistemas e nas relaes de produo ede troca. A histria como acontecimento pura atividade prtica(econmica e moral). uma idia se realiza no quando logicamentecoerente com a verdade pura, com a humanidade pura (a qual no existe ano ser como programa, como finalidade tica geral para os homens), masquando encontra na realidade econmica justificao, instrumento paraafirmar-se. Para conhecer com exatido quais so os objetivos histricos deum pas, de uma sociedade, de um grupo, o que importa antes de tudo conhecer quais so os sistemas e as relaes de produo e de trocadaquele pas, daquela sociedade. Sem este conhecimento perfeitamentepossvel redigir monografias parciais, dissertaes teis para a histria dacultura, e sero captados reflexos secundrios, conseqncias distantes;mas no ser feita histria, a atividade prtica no ficar explcita com toda

  • 16/9/2014 Antonio Gramsci: Marx e o Reino da Conscincia

    http://www.marxists.org/portugues/gramsci/1918/mes/marx.htm 3/4

    sua slida compacticidade.

    Caem os dolos de seus altares e as divindades vem como se dissipamas nuvens de incenso doloroso. O homem adquire conscincia da realidadeobjetiva, se apodera do segredo que impulsiona a sucesso real dosacontecimentos. O homem conhece-se a si mesmo, sabe quanto pode valersua vontade individual e como pode chegar a ser potente se, obedecendo,disciplinando-se de acordo com a necessidade, acaba dominando arealidade mesma, identificando-a com seus fins. Quem conhece a simesmo? No o homem em geral, mas aquele que sofre o jugo danecessidade. A busca da substncia histrica, o ato de fix-la no sistema enas relaes de produo e de troca, permite descobrir que a sociedade doshomens est dividida em duas classes. A classe que possui o instrumento deproduo necessariamente j conhece a si mesma, tem conscincia, aindaque seja confusa e fragmentria, de sua potncia e de sua misso. Tem finsindividuais e os realiza atravs de sua organizao, friamente,objetivamente, sem se preocupar se o seu caminho est calado com corposextenuados pela fome ou com os cadveres dos campos de batalha.

    A compreenso da real causalidade histrica tem valor de revelaopara a outra classe, converte-se em princpio de ordem para o ilimitadorebanho sem pastor. A grei obtm conscincia de si mesma, da tarefa quetem de realizar atualmente para que a outra classe se afirme, tomaconscincia de que seus fins individuais ficaro em mera arbitrariedade, empura palavra, em veleidade vazia e enftica enquanto no disponha dosinstrumentos, enquanto a veleidade no se converta em vontade.

    Voluntarismo? Essa palavra no significa nada, se se utiliza no sentidode arbitrariedade. Do ponto de vista marxista, vontade significa conscinciada finalidade, o que quer dizer, por sua vez, noo exata da potncia que setem e dos meios para express-la na ao. Significa, portanto, em primeirolugar, distino, identificao da classe, vida poltica independente da deoutra classe, organizao compacta e disciplinada para os fins especficosprprios, sem desvios nem vacilaes. Significa impulso retilneo at chegarao objetivo mximo, sem excurses pelos verdes prados da cordialfraternidade, enternecidos pelas verdes ervazinhas e pelas suavesdeclaraes de estima e amor.

    Mas a expresso "do ponto de vista marxista" suprflua, e at podeproduzir equvocos inundaes meramente verbais. Marxistas, de um pontode vista marxista... todas expresses desgastadas como moedas quetenham passado por excessivas mos.

    Karl Marx para ns mestre de vida espiritual e moral, no pastor combculo. estimulador das preguias mentais, o que desperta as boas

  • 16/9/2014 Antonio Gramsci: Marx e o Reino da Conscincia

    http://www.marxists.org/portugues/gramsci/1918/mes/marx.htm 4/4

    Visite o MIA no Facebook

    Incluso 29/05/2005ltima alterao 09/02/2012

    energias dormidas e que se deve despertar para a boa batalha. umexemplo de trabalho intenso e tenaz para conseguir a clara honradez dasidias, a slida cultura necessria para no falar vagamente de abstraes. bloco monoltico de humanidade que sabe e pensa, que no tem papas nalngua para falar, nem pe a mo no corao para sentir, mas que constrisilogismos de ferro que aferram a realidade em sua essncia e a dominam,que penetram nos crebros, dissolvem as sedimentaes do preconceito e aidia fixa e robustecem o carter moral

    Karl Marx no para ns nem a criana que geme no bero, nem obarbudo terror dos sacristos. No nenhum dos episdios anedticos desua biografa, nenhum gesto brilhante ou grosseiro de sua exterioranimalidade humana. um vasto e sereno crebro que pensa um momentosingular da laboriosa, secular, busca que realiza a humanidade porconseguir conscincia de seu ser sua mudana, para captar o ritmomisterioso da histria e dissipar seu mistrio para ser mais forte no fazer eno pensar. uma parcela necessria e integrante do nosso esprito, que noseria o que se Marx no tivesse vivido, pensado, arrancado chispas de luzcom o choque de suas paixes e de suas idias, de suas misrias e de seusideais.

    Glorificando a Karl Marx no centenrio de seu nascimento, oproletariado glorifica a si mesmo, glorifica sua fora consciente, odinamismo de sua agressividade conquistadora que vai desquiciando odomnio do privilgio e se prepara para a luta final que coroar todos osesforos e todos os sacrifcios.

    Compartilhe este texto:

    Incio da pgina