Antologia Rabiscos #1

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Primeira edição da Antologia Rabiscos, periódico anual que reúne desenhos e arte contemporânea de autores baianos. Nesta edição: Bruno Marcello, Marcio Junqueira, Davi Caramelo, Daiane Oliveira, Carol Belmondo, Zé de Rocha e Don Guto. Edição impressa pode ser solicitada pelo email [email protected]

Transcript of Antologia Rabiscos #1

desenho e arte contemporânea

Feira de Santana, 2011

A Rabiscos é uma coleção vinculada às Edições MAC – o braço edi-torial do Museu de Arte Contemporânea Raimundo Oliveira, em Fei-ra de Santana – dedicada exclusivamente ao desenho. Essa escolha toma por base o incrível revigoramento desse meio expressivo nos últimos anos, exemplificado em exposições e publicações tais como “Drawing Now (Museum of Modern Art, Nova York, 2002)”, “Gabinete de desenho: obras do acervo Mam-SP (Caixa Cultural, Salvador, 2009)” , “Vitamin D: New Perspectives in Drawing (Praidon Press, 2010)” e a FUKT (revista norueguesa-alem dedicada exclusivamente ao desenho contemporâneo e atuante desde 2001). No Brasil, a Revista Zupi (zupi.com.br) do artista gráfico e designer Allan Szacher é a maior represen-tante entre os periódicos que se dedicam à essa forma gráfica.

O desenho é umas das linguagens primitivas do homem. Antes da escrita o homem já desenhava. Das inscrições pré-históricas nas ca-vernas (com sentido mágico - encantatório) aos manuais de instalação de eletrodomésticos, passando por uma longa tradição dentro da his-toria da arte, o desenho tem adquirido diversos sentidos e funções de comunicação e expressão humana.

Nessa Antologia Rabiscos, que esperamos seja a primeira de di-versas, elegemos a produção recente da Bahia, ou seja: sete artistas baianos (tanto da capital quanto do interior, mas com predomínio do segundo grupo) na faixa etária entre 20 e 30 anos e que no nosso en-tender podem exemplificar diversas tendências, vertentes e técnicas aplicadas ao desenho nas ultimas décadas. São trabalhos informados pela arte conceitual ou processual e com referências que abrangem um espectro que vai da arquitetura às historias em quadrinhos, pas-sando pelo grafite, utilização da escrita, cinema, questões de gênero, publicidade, cartografia, etc. Selecionamos trabalhos em cores e em

Apresentação

Marcelo LimaMarcio JunqueiraPatrícia Martins

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preto e branco que dividimos nesta edição e no encarte colorido que a complementa. Apesar do foco no desenho, houve inclusão de traba-lhos onde predomina a pintura. Assim, conectamos essas duas formas de expressão gráfica que, tradicionalmente, são colocadas em oposi-ção na crítica de arte.

Contrariando as diretrizes que nortearam a escolha dos artistas (tan-to na naturalidade quanto na faixa etária), convidamos para fazer nos-sas capas Jorge Abel Galeano, artista argentino radicado em Feira de Santana. Como elemento de reflexão incluímos nos posfácio um texto do artista e crítico carioca Leandro Furtado, que trata do risco (em sua dupla acepção de traço e consequência da decisão livre e consciente de expor-se a uma situação de perigo) como poética artística.

Esta publicação foi organizada com a certeza do caráter essencial do desenho e sua força comunicativa. A Antologia Rabiscos, assim como demais títulos da Coleção Rabiscos, intenta servir (como ponte) para di-minuir o distanciamento do público geral (não especializado) em rela-ção às artes visuais, em especial à produção mais contemporânea.

Daiane Oliveira

Manual Erótico

09.Manual Erótico I10.Manual Erótico III11.Manual Erótico V12.Manual Erótico II13.Manual Erótico IV14.Manual Erótico VI

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(Salvador, 1985) Gravurista e desenhista, seu traço é caracterizado pelos fortes rabiscos. Sua pesquisa está focada nas relações humanas e é através da figura feminina e da exposição de suas fragilidades que aborda temas como desejo, pudor, solidão, liberdade, crueldade e expectativa. Dentre as suas exposições mais significativas estão: Resíduo, selecionada pelo Edital Portas Abertas para as Artes Visuais da Fundação Cultural do Estado da Bahia (FUNCEB) em 2007, e Bankside 9TG /SE1 London, Galeria ACBEU/2009. Participou da edição de 2010 do Circuito das Artes e do Salão Regional de Vitória da Conquista – no qual seu trabalho Tem Fogo? foi agraciado com o Primeiro Prêmio.

www.flickr.com/photos/daianeoliveira

Carol Belmondo

Voragem

17.O que em Minha Casa Deixou18.Ciranda de Dois20.Corpos Paisagem I21.Corpos Paisagem II22.Observatório

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Nascida em Feira de Santana em 1988, durante a adolescência começou o contato prático com a arte através do desenho, e nele se concentra majoritariamente até hoje sua produção artística, sendo assim seu principal veículo de expressão. O desenho reflete suas vivências, o lugar onde habita e os seus olhos de juventude. Sempre se apoia em figuras humanas para transmitir pensamentos. Tecnicamente utiliza a aquarela, nanquim, canetas e lápis, entre outros experimentos para compor os trabalhos. Atualmente é estudante do curso de Artes Plásticas na Universidade Federal da Bahia. Em março de 2011 realizou a primeira exposição intitulada “Embalos da Tarde Vazia” no Museu de Arte Contemporânea Raimundo de Oliveira em Feira de Santana.

www.quaseumacatarse.blogspot.com [email protected]

Bruno Marcello

Título Perdido

de 22 a 30

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Nasceu em 1978 em Salvador. Cresceu numa família na qual a avó e o pai eram artistas, onde desde de pequeno ganhava tela e tintas pra pintar, papel e hidrocor pra riscar e tinha livros de arte e quadrinhos para olhar a vontade. Com o tempo desenhar se tornou sua principal diversão e obsessão. Estudava muito as histórias em quadrinhos para aprimorar seu traço. Fez o curso de Artes plásticas na Escola Belas Artes da UFBA e posteriormente uma especialização em Novas mídias e tecnologia para a criação pictórica no Instituto Universitário Nacional de Artes a IUNA em Buenos Aires Argentina. Atualmente Trabalha como Ilustrador, desenhista de quadrinhos, pintor e gravurista.

www.flickr.com/buawww.facebook.com/[email protected]

Marcio Junqueira

33.Voilà, Mon Coeur34.À Espera dos Bárbaros36.O Conforto de um Iglu37.O Discurso do Amor38.O Falso Sensível

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Marcio Junqueira (1981) nasceu em Feira de Sant’Anna. Cursou Letras com Espanhol (UEFS) e Mestrado em Literatura Brasileira (UERJ). Transitou por diversas linguagens artísticas (teatro, pintura, vídeo, performance, quadrinhos). Em 2006 editou e vendeu por bares, teatros e museus Cinco canções e um remix e Lucas (versão redux), seleção de poemas inspirados nos poetas marginais cariocas dos anos 70. Em 2009, juntamente com Lucas Matos e Clarissa Freitas, editou a revista de poesia e arte BLISS (7 Letras – RJ). Começou a desenhar na infância.

[email protected]

Bruno Marcello

Título Perdido03, 16, 17

Carol Belmondo

Voragem07.Eles Não Sabem Surfar I08.Eles Não Sabem Surfar II10.Voragem

Daiane Oliveira

Mesmos Momentos Outros Lugares04, 13

Davi Caramelo

18.Um dia22.Deixa fluir

Don Guto

14.Luaris

Marcio Junqueira

06.correspondência incompleta I09.correspondência incompletaII12.correspondência incompleta III

Zé de Rocha

20. Tríptico Série Risco

Davi Caramelo

Casulos 41.Casulos I44.Casulos II45.Casulos III

42.Seu Mundo46.Semicoisa

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Natural de Salvador, Bahia (1987). Começa a pintar como autodidata em 1993. Em 2006, ingressa nos cursos de Artes Plásticas na Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Publicidade e Propaganda na Escolar Superior de Administração, Marketing e Comunicação (ESAMC), se graduando neste último, em Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda em 2009. Ao longo dos anos seu trabalho caminhou por diversas orientações entre elas a arte pop, expressionismo e cubismo. Essas experiências resultaram na absorção de conceitos presentes nessas escolas para posterior criação da sua própria identidade dentro da arte contemporânea. Em 2011 realizou sua primeira mostra individual, “Casulos, castelos e outras ilusões” na RV Cultura e Arte, em Salvador. Atualmente realiza trabalhos dentro das linguagens da pintura, desenho, escultura, instalação, arte digital e fotografia.

www.davicaramelo.com.br/artedavicaramelo.blogspot.com/

Don Guto

49.Antigo Pensamento50.Colhedores51.Outra Labuta52.Fundamentos53.Pescaria54.Fugitivos

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Artista Feirense autodidata, que estuda a arte por suas próprias percepções e teorias conspiratórias. Atualmente trabalha como designer freelancer, produzindo cartazes muito bem elaborados e propagados. Também faz parte da equipe da Revista Transa elaborando ilustrações para textos e se dedicou na ultima edição na construção artística da capa. (http://transarevista.blogspot.com/). E assina como criador de estampas originais da Aláfia Camisetas. gutoemtracos.blogspot.com/www.flickr.com/photos/donguto/

Zé de Rocha

57.A Barca de Caronte58.Estudo para Monumento

O Queixo é a Perspectiva do Soco

60.Queixo I61.Queixo II62.Queixo III

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Nascido em Cruz das Almas, cidade do recôncavo baiano conhecida pela tradição da “Guerra de Espadas de Fogo”. Transfere-se para Salvador em 1997, onde estuda artes plásticas na Universidade Federal da Bahia. Inicia sua trajetória através dos Salões Regionais promovidos pela Fundação Cultural do Estado. Porém, logo abandona as artes plásticas e dedica-se à música, atividade que mantém até hoje, como acordeonista. Retoma os estudos em 2005. Em 2008, ganha o Grande Prêmio da IX Bienal do Recôncavo, o que lhe possibilitou uma estadia de quatro meses em Milão, na Itália.. Define-se como um “Punch Grapher”. Utiliza desenho, gravura, fotografia e pintura numa poética gráfica expandida. Em suas obras, busca levantar questões relativas aos extremos das grandes cidades, situações onde o eixo da vida normal é drasticamente afetado, deixando marcas profundas. São imagens diretas que recorremàs acepções da palavra “risco” que, além do significado de traço, marca, também é cálculo do perigo eminente. Atualmente é mestrando na Escola de Belas Artes - UFBA, onde desenvolve pesquisa sobre desenho contemporâneo.

www.zederocha.blogspot.com/

O risco como poética artística

Leandro Furtado1

O primeiro desenho nas paredes das cavernas fundava uma tradição porque recolhia outra: a da percepção. A quase

eternidade da arte confunde-se com a quase eternid de da existência humana encarnada e por isto temos, no exercício de nosso corpo e de nossos sentidos, com que compreender

nossa gesticulação cultural, que nos insere no tempo.2

Ao analisarmos o percurso do homem no mundo, verificamos que este desde sempre teve necessidade de exteriorizar e comunicar o que sente e pensa. O percurso de vida e evolução dos indivíduos e das culturas projeta-se em fatos, obras, objetos, marcas que são regis-tradas e permanecem materializadas sob diversas formas e ações ou até mesmo por fim de pensamentos. Se a arte existe, no pensamento do artista, ela supõe que existe sob condições reais, colocadas ao seu próprio fazer. A relação do pensamento com a arte coloca a questão da sua existência e da sua realização na relação com o fazer.

O fascínio que sentimos perante obras artísticas como desde um desenho rupestre, gótico, renascentista ou mesmo contemporâneo, faz-nos pensar acerca do que estará no cerne destas obras para pro-vocarem tal efeito. Este enigma que nos instiga, pode ali conter o desencobrimento de uma verdade, uma clareira qual nos traz um re-conhecimento de pertencimento do Mundo.

1 Leandro Furtado é Artista Plástico e Pesquisador de Artes em Doutoramento pela UFRJ (RJ). Desenvolve pesquisas teórico-práticas com Desenho, expandindo suas problematizações na atualidade. [email protected] MERLEAU-PONTY, Maurice. A Linguagem Indireta e as Vozes do Silêncio. In: O Olho e o Espírito. São Paulo: Cosac & Naify, 2004;

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A linguagem do desenho de certa forma e, por muito tempo, foi apresentado na nossa História da Arte como um acondicionante para uma obra-de-arte, um a priori.

Era como que a um simples esboço de arte para as demais sub-seqüente linguagens artísticas, enfim, uma pré-concepção de arte. Percebemos então que desenho se dá em muito tempo como uma pré-concepção - e em pré-conceito - do que seja obra-de-arte.

Mais tarde, verificando as transformações surgidas na arte mo-derna diante das clássicas categorias acadêmicas, surgia um novo e diferente interesse pelo desenho, mesmo aquele ainda incipiente e determinado pela pintura e escultura: até os esboços mais sumários passaram a ser vistos como fonte para o estudo e a avaliação das obras e dos artistas.

Segundo o crítico de arte Paulo Venâncio (Influência Poética: Dez Desenhistas Contemporâneos. Rio de Janeiro: MAMM, 1996), era como se o desenho, em sua incompletude de obra para não ser mostrada, como que em um paradoxo, realmente mostrava ali uma pista para a compreensão completa da obra acabada a que ele dera origem.E logo, com o aparecimento da psicanálise, estes esboços seriam trans-formados mesmos em pistas para revelar o verdadeiro ser do artista, onde fundamentavam suas práticas na emergência da subjetividade: a urgência do desenho e os contrastes que ele permitia estavam em perfeita consonância com a urgência de transmissão dos sentimentos buscada igualmente por artistas e pelo público. E tudo isso estava na raiz mesmo de outro fenômeno que acontecia paralelamente, o da popularização do desenho como atividade a ser praticada também por amadores. Este trabalho parte de um revisitamento e investigação que desencadeia em problematizações e realizações poéticas de uma esfera-outra do que por muito se estabeleceu na historiografia linear do saber sobre o desenho.

Desenho para Além de uma Linearidade

Importante destacar que o desenho, como reflexão visual, não está limitado à imagem figurativa, mas abarca formas de representação vi-sual de um pensamento, isto é, estamos falando de diagramas, em termos bastante amplos, como um pensamento esboçado. Não é um mapa do que foi encontrado, mas um mapa em tecitura para encon

trar alguma coisa, e mais, sempre aberto aos encontros. E os encon-tros, normalmente, acontecem em meio a buscas intensas.

Os desenhos, desse modo, são formas de visualização de uma pos-sível organicidade de idéias (brainstorms), pois guardam conexões, como por exemplo, deslocamentos reações mútuas e múltiplas. Tudo é feito, na maioria dos casos, por meio de grafismos íntimos.

Richard Serra: Drawing is a concentration on an essential activity of the statement is totally within your hands. It’s the most direct, conscious spa-ce in wich I work. I can observe my process from beginning to end, and the times sustain a continuous concentrations.

- Are you suggesting that drawing is like thinking?

Richard Serra: I don’t know. It’s not formal operation thought. Thought and language are interdependent but drawing comes from another sour-ce (experience and intuition).

...To draw a line is to have an idea.1

Neste pequeno trecho de uma entrevista realizada em 1976 para com o artista plástico Richard Serra podemos perceber já as aberturas que o desenho vinha tomando. Obviamente pensamos que, devido às formas de aberturas que a própria linguagem artística já caminhava na segunda metade do século XX, o desenho não poderia passar-se despercebido. Apesar ainda da incerteza da área de conhecimento do qual teria surgido o desenho, Richard Serra apontaria para o mesmo, ao final da conversa, a algum lugar onde sua forma se apresentaria ampliada2. Desenho aqui para o artista pode ser algo do original (no sentido de originar, ter dado origem já antes de tudo a formar alguma coisa material), aproximando-o como que um idear, um pensar poéti-co (criacional).Tratamos, então aqui, de uma questão em um reconhe-cimento da presença múltipla do desenho - do cotidiano às fruições poéticas, do devaneio, do risco e da necessidade aos enigmas de

1 BORDEN, Lizzen (org.) Richard Serra, Drawings. Amsterdam: Sterdelijk Museum – catalogue, 1977; 2 Termo empregado primeiramente por Rosalind Krauss às novas formas de apresentação da escultura no texto “A Escultura no Campo Ampliado” (Revista Arte & Ensaios - Número 13. Revista do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da EBA/UFRJ. Rio de Janeiro: UFRJ, 2008);

nossos desejos e volições no mundo. Pretendemos, sim, radiografar, trazer-à-luz (um fotografar ontológico?) a transitividade do desenho que percorre os territórios da arte, costurando percepções com refle-xões, engatando linhas ativas que se lançam no espaço do imaginal, no espaço do mundo, que provocam tessituras de significantes, estes sempre emergentes e em trânsito, instaurando novos modos de ser-no-mundo.

Pretendemos mostrar que o que está em jogo é uma compreen-são de mundo, e melhor, de uma propriedade de mundo, partido da relação entre o artista e da coisa-de-arte, dando relevância nesta es-pecificidade qual estudamos, o desenho e sua linguagem, qual possa estar oculta uma potência enquanto desocultamento. Desenho aqui é o traçar de um mundo próprio, gerar autenticidade através de novas possibilidades. E acreditamos que na busca de uma origem enquanto fundamento haverá a possibilidade de lançá-lo em aberturas a fazer com que o movimento nunca cesse, justificando por fim à idéia do que seja uma poética do original e, especificamente, da autenticidade do Ser.

Importante atentar que esta leitura não pretende dar conta de to-dos os contornos vigorosos e porosos que a linha - estrutura óssea do desenho - capta, delineia, designa, traceja, lança, planeja e projeta como vetores de ação que se estendem dos traços do pensamento. Também não disporemos dar conta do total mapa e do território ab-soluto que o desenho capta e projeta com possibilidades da presença humana num mundo a ser decifrado - até mesmo porque estes ma-pas e territórios não existem a priori, são extensivos aos caminhos da existência humana, se dando em processos, movimentos incessantes e latentes a uma busca.

Portanto, não se trata aqui de aprofundarmos para como objetivo chegar a conclusões definitivas, mas, sim, propor algumas aberturas nestes dois casos - ontologia e história - diante da arte, e mais especi-ficamente, ao desenho.

Desenhar: Um Fazer-Correr o Risco

Aceitar o desenho ampliado é correr este risco paradoxal. Não ter limites definidos. Estancar a linha, sem achar a outra ponta.

Perder os sentidos. A força dos paradoxos reside em que eles não são contraditórios, mas nos fazem assistir à gênese da

contradição.1

Desenho é essencialmente um risco. Risco porque é gerador de toda uma cadeia de linguagens artísticas à sua frente, e risco pois con-figura uma fissura2, um corte no espaço a dividí-lo, a poder desvelar algo através e que atravessa. É a primeira abertura, tanto no imaginal quanto a um traçado realizado. Um caminho aberto.

Ao risco que se corre aqui não é daquele criador de uma cisão ou protagonista de uma tragédia humana, mas em exato o seu contra-ponto. Desenho pode se dar por uma potência porque se expõe para nós como um duplo entre grafia e escrita, sem antes excluir um dos casos. Desenho podem ser estes riscos lógicos quais traçamos agora – da escrita –, mas também estas anteriores linhas que se encontram à formar mais tarde a escrita – a grafia. E é neste plano que acreditamos um débito do real valor do desenho, não somente historiográfico, mas ontológico. Não somente como uma posição acondicionante (subse-qüente para as demais classes artísticas), mas em uma complexa e completa proposição poética do ser. Um eterno latente que sustenta o duplo, o possível de algo original (de uma origem) a fazer gerar uma grande e autêntica relação do ser-no-mundo. Por isto aqui tratamos de um momento-outro que transpõe aos próprios versos das questões historiográficas, técnicas e estéticas do que se pode chamar: desenho.Importante atentarmos se o desenho não é também aquele momento capaz de gerar, fazer brotar um duplo, pois é somente no risco que damos início ou percebemos o rasgo. E é neste simbólico rasgo que deixamos à marca, uma primeira forma no mundo. O rasgo

1 DELEUZE, Gilles. Lógica do Sentido. São Paulo: Perspectiva, 1974; 2 O filósofo Martin Heidegger, em sua obra A Origem da Obra de Arte (Lisboa, Portugal: Editora 70, 1977), atenta para o cuidado autêntico gerado no conflito entre Mundo e a Terra, em que a coisa-de-arte é aque-la capaz de dar-se a partir de um traço, que ele denomina Riss (risco; fissura). E é neste primeiro risco - que gera a fissura -, que surge toda a possibilidade do novo, do desvelamento de uma verdade, portadora do Sentido do Mundo;

gerado pela linha do desenho, antes que se configure e traga uma com-formação, sempre se mantém na idéia da possibilidade, ou seja, no desenho como caminho há uma permissividade onde aquele que (se) risca/arrisca se coloca aberto ao jogo do mundo.

Diante do que chegamos até agora, percebemos que às vezes é preciso sair da imagem de um corredor linear para que se criem novas consciências, como mesmo reacender algo que pressentimos existir fora desta suposta segurança construída por uma historiografia. E é justa esta passagem que poderá nos tornar mais preciso no que aqui se atenta ao que insistimos como uma ontologia do desenho.

Por isto, mais do que uma condição da História - esta que constrói o plano teórico a delimitar as possibilidades da linguagem -, aqui nos-so objeto de estudo será pensado em uma possibilidade outra. Talvez não sigamos o fluxo historiográfico em uma perspectiva já traçada, em um mais do mesmo ou variações sobre o mesmo tema, poden-do assim cair nas armadilhas de algumas das projeções da atualidade. Que nos atentamos e tomemos o risco do lançar e de se permitir ser lançado em aberturas que tangenciam campos da experiência pró-pria da1 arte, e não somente sobre a arte.

Interessa-nos o estudo do desenho e suas problematizações qual asseguramos o lugar e o limiar de uma experienciação poética, uma abertura onde se combina a deposição do tempo com as linhas que atravessam e configuram o espaço. Mas sempre atentos se considera-dos à questão de uma autenticidade.Insistimos para que os elementos da imaginação do artista, o todo imaginal seja possível de elevação sobre os planos dos elementos racionais e irracionais. Atender esta necessidade com os desdobramentos subseqüentes da arte – seja ela em qual tempo/espaço - é mesmo levar a situações por vezes de uma radicalidade, ainda que sugeridos, permitidos pelos limites da arte.

É possível que este momento – da reflexão - corresponda muitas vezes a uma crise em nosso trabalho, a uma ruptura definitiva dos pro-cessos e produtos da linguagem aqui estudada. Mas por outro lado, possa ser também a busca incessante do seu fundamento e uma con-seqüente reconquista.

1 O grifo consiste em fazer mostrar a relevância do termo, que se esclarece por um cuidado e atentamen-to a uma proximidade maior; falar com uma maior propriedade; dirigir-nos em autenticidade;

Um novo risco se instaura. Vencendo a opacidade do papel, o desenho faz um lugar. Faz teatro. E o lugar da visão apura-da. E um lugar em que o olhar vê a si mesmo. Neste teatro, o

desenho anuncia um mundo. O desenho possibilita ver o outro lado do mundo. Ver o que já esteve lá desde o começo. Ver o que não se mostra. Ver o que se oculta no opaco das super-fícies. Desenhar é de alguma forma vencer a opacidade. O

desenho é artifício de que o mundo dispõe para saber de si.1

Algumas obras de Leandro Furtado

1 Desenho e Opacidade (Sérgio Fingermann). In: DERDYK, Edith. Disegno. Desenho. Desígnio. São Paulo: SENAC, 2007.

Série Novelos de Mar, 2008/2009, fotografias.

Série Termitografias, 2009, fotografias.

A Antologia Rabiscos de Desenho e Arte Contemporânea não sairia do esboço sem o apoio das seguintes instituições e pessoas:

Fundação Cultural do Estado da Bahia, que nos concedeu o apoio necessário para realização e impressão.

Museu de Arte Contemporânea Raimundo de Oliveira (MAC - Feira de Santana), dirigido por Edson Machado, que sempre nos permitiu livre acesso e uso das dependências do local, assim como a demais produtores culturais da cidade - mostrando que através vivência é que os espaços culturais ganham sentido.

Pouso da Palavra e sua dirigente Gal Mascarenhas, que nos auxiliou de todas as formas possíveis a organizar o lançamento desta edição na cidade de Cachoeira.

Ao Solar do Biju, nosso espaço de lançamento em Santo Amaro, gen-tilmente disponibilizado por Celismara Gomes da Silva e Lygia Mota.

Com gratidão especial, apreciamos a participação de cada um dos artistas convidados que demonstraram interesse e presteza em rabis-car nessas páginas.

Também nos ajudou nessa empreitada: os produtores Ilan Iglesias e Larissa Martina, responsáveis pela RV Galeria e Arte; Maristela Ribei-ro, Núbia Lafaette, José Arcanjo, Joelma Felix, Erivaldo Campelo de Lima Junior, Lourdes Junqueira, Julia Ramos, Carmelita Mota, Claudia Daebs, Daniela Seixas, Leandro Furtado. Rosalina Paixão, J. Cosme M. Martins, Josenilda Oliveira, João Araújo, Nelson Oliveira, Rafael Raña e Ana Camila.

Agradecimentos

Antologia Rabiscos | Desenho e Arte Contemporânea

Copyleft 2011. Marcelo Lima, Marcio Junqueira e Patrícia Martins.

O texto utilizado na obra correspondência incompleta 1-3, de autoria de Marcio Junqueira é referendado abaixo:

BARTHES, Roland. Fragmentos de um discurso amoroso. Rio de Janeiro, Francisco Alves Editora, 1989. Tradução de Hortênsia dos Santos.

É permitida a reprodução de todo ou partes deste livro (salvo texto do posfácio e ilustrações dos artistas convidados) em qualquer meio, desde que citada a fonte.

Capas: Caio Sá Telles, sobre ilustrações de Jorge Abel Galeano (www.jorgegaleano.blogspot.com/)Editores: Marcelo Lima, Marcio Junqueira e Patrícia MartinsEditor de Arte: Caio Sá TellesCoordenador Editorial da Coleção Rabiscos: Marcio Junqueira

Este projeto foi idealizado pelos editores a partir da Coleção Rabiscos, publicada com o suporte do Museu de Arte Contemporânea Raimundo de Oliveira – Feira de Santana, dirigido por Edson Machado. Esta edição foi viabilizada com apoio da Fundação Cultural do Estado da Bahia (www.fundacaocultural.ba.gov.br/), através do Calendário de Apoio a Projetos.

Contatos

[email protected]

71 8787 3329 | Marcelo Lima75 8231 8552 | Marcio Junqueira75 8851 6616 | Patrícia Martins

Este livro foi publicado no forma-to 225 x 260mm utilizando a fon-te Myriad Pro 12/14/24pt. Impres-so na Empresa Gráfica da Bahia. Papel Triplex Imune 250g/m2 e Polén Soft 80g/m2 para o miolo.

Tiragem de 1000 exemplares.

Feira de Santana, 2011

Daiane OliveiraCarol BelmondoBruno MarcelloMarcio JunqueiraDavi CarameloDon GutoZé de Rocha

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