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Walber da Silva Pereira Filho
Universidade CEUMA
Análise histórica e urbana de contrastes em áreas residenciais brasileiras: o caso da Península da Ponta D’areia e Ilhinha em São Luís (MA) e a região do
Pina e Brasília Teimosa em Recife (PE).
Hugo José Abranches Teixeira Lopes Farias
Universidade de Lisboa
Marluce Wall de Carvalho Venâncio
Universidade Estadual do Maranhão
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º CONGRESSO LUSO-BRASILEIRO PARA O PLANEAMENTO URBANO,
REGIONAL, INTEGRADO E SUSTENTÁVEL (PLURIS 2018) Cidades e Territórios - Desenvolvimento, atratividade e novos desafios
Coimbra – Portugal, 24, 25 e 26 de outubro de 2018
ANÁLISE HISTÓRICA E URBANA DE CONTRASTES EM ÁREAS
RESIDENCIAIS BRASILEIRAS: O CASO DA PENÍNSULA DA PONTA D’AREIA
E ILHINHA EM SÃO LUÍS (MA) E A REGIÃO DO PINA E BRASÍLIA TEIMOSA
EM RECIFE (PE)
W. S. Pereira Filho, H. J. A. T. L. Farias e M. W. C. Venâncio
RESUMO
Com seu crescimento urbano, a cidade de São Luís - MA apresenta duas áreas de
contrastes: a Península da Ponta D´areia e a Ilhinha. Já no Recife - PE, uma ocupação
irregular se iniciou ficando conhecida como Brasília Teimosa, chamando atenção pela sua
disparidade com seu entorno: o Pina. A escolha dos locais se deu pela importância no
contexto urbano das cidades e por serem pontos de antigo contraste urbano e conflito
social. O estudo aborda a análise de fatores históricos em ambos os casos, de seus dados
socioeconômicos e do uso e ocupação do solo. Utilizou-se de pesquisa bibliográfica e
documental, visitas técnicas, levantamento físico e fotográfico. Com a realização deste
estudo, percebemos muitas semelhanças nas áreas de contraste urbano em ambos os casos.
A pesquisa levanta questões de como os contrastes urbanos brasileiros estão sendo tratados
ansiando por um País mais igualitário.
1 INTRODUÇÃO
Os contrastes urbanos estão cada vez mais presentes nas cidades brasileiras. Observa-se
quase sempre que ao lado de zonas com condições insalubres encontramos condomínios de
alto nível social e econômico. Coexistem bairros nobres sendo margeados por favelas,
palafitas ou moradias sem condições mínimas de infraestrutura. Este impacto é muito
presente em todo o Brasil.
A cidade de São Luís (MA) consolidou o seu crescimento no final do Séc. XX surgindo
assim, duas áreas de contraste urbano: a Península da Ponta D´areia e a Ilhinha. Já no
Recife (PE), no final dos anos cinquenta, uma ocupação irregular se inicia numa área
aterrada para receber uma expansão do Porto (fato que não se concretizou) ficando
conhecida como Brasília Teimosa e chamando atenção pela disparidade com seu entorno, a
região do Pina.
Em São Luís, a Península da Ponta D’areia possui uma relação direta com a praia e se
caracteriza por ser a área mais cara e privilegiada da cidade, tendo presença marcante
residencial. Já no Recife, a região do Pina segue as mesmas características, porém com
uma maior presença comercial que na Península (MA).
Na Ilhinha (MA) e Brasília Teimosa (PE) as condições habitacionais e de convivência
oferecem baixa qualidade de vida. Percebemos diferenças em relação aos indicadores
socioeconômicos, à infraestrutura e equipamentos urbanos quando confrontados com seus
“vizinhos ricos”. Há também uma importante relação de trabalho entre as áreas, pois a
população economicamente ativa da Ilhinha e Brasília Teimosa é absorvida pelos
moradores da Península (MA) e do Pina (PE) que não exigem uma mão-de-obra
qualificada.
Estes contrastes urbanos nos propiciam um espaço vasto de pesquisa em campos diversos,
seja ele urbanístico, arquitetônico, social, antropológico, entre outros.
O presente artigo faz parte de uma pesquisa de campo mais alargada em curso de
Doutoramento e analisou a evolução histórica e urbana em contrastes urbanos específicos
presentes em duas cidades brasileiras: São Luís (MA) e Recife (PE), sobretudo, por
estarem em pontos estratégicos das cidades.
2 OBJETIVOS
2.1 Geral
O estudo aborda a análise de fatores históricos em ambos os contrastes urbanos (Península
e Ilhinha em São Luís - MA e a região do Pina e Brasília Teimosa em Recife - PE), de seus
dados socioeconômicos, sua densidade demográfica e de seu uso e ocupação do solo.
2.2 Específicos
i. Contextualizar historicamente, socialmente, economicamente e demograficamente
estas áreas de contrastes urbano em São Luís – MA (Península e Ilhinha) e Recife –
PE (Pina e Brasília Teimosa);
ii. Compreender o processo de urbanização nas zonas mencionadas;
iii. Perceber o uso e ocupação do solo nestas áreas.
3 JUSTIFICATIVA
A escolha dos locais decorreu, sobretudo da importância das áreas no contexto urbano das
cidades e por serem pontos de interessante contraste urbano e antigo conflito social. Assim,
podemos compreender os agentes causadores e modificadores do espaço.
4 METODOLOGIA
Utilizou-se de pesquisa bibliográfica, com abordagem qualitativa, como artigos científicos,
livros e periódicos. Também se empregou de pesquisa documental para levantamento de
dados sobre registros, fotos, mapas, histórico das áreas, análise de indicadores sociais e
elaboração de mapas para determinar o uso e ocupação do solo em ambos os contrastes
urbanos. Juntamente realizaram-se visitas técnicas, levantamento físico e fotográfico de
parte do parque habitacional em São Luís (MA) e Recife (PE).
5 HISTÓRICO DAS ÁREAS
5.1 Península e Ilhinha (MA)
O bairro da Ponta D’Areia caracteriza-se pela sua posição estratégica para a defesa e
proteção da cidade de São Luís, desde o séc. XVII com o Forte de Santo Antônio.
Com o Plano Diretor de 1971, a área começa a ter maior destaque no cenário da cidade
com a proposição de um "Projeto de Urbanização da Ponta D'areia". Um obstáculo para a
implementação desse novo plano era a ocupação irregular existente, que até então era
formada por bares e casas de veraneio. Assim, a Prefeitura requereu junto ao Patrimônio
Imobiliário da União a transferência do domínio da área, para o Estado. Isso gerou a
viabilização do plano com a desapropriação da área e a criação e venda de lotes (Burnett,
2002).
A via de ligação entre o Centro Histórico e as praias em São Luís foi construída sobre o
Igarapé da Jansen (1970), para permitir o rápido acesso à Ponta D'areia. A ligação cidade-
praia e o saneamento da bacia do Rio Anil foram de extrema importância para as obras de
urbanização, pois estas áreas represadas e alagadas seriam, com o tempo, aterradas para
formarem novas ruas, habitações e condomínios de classe econômica média e alta.
A malha urbana do bairro ficou praticamente inalterada até à década de 80 quando houve
apenas a construção de algumas casas e edifícios residenciais; e até o ano de 2013 a área
não contava com nenhum espaço público digno e comparável às unidades habitacionais.
Apenas em 2014, com a construção do Espigão Costeiro, verificou-se uma preocupação no
que se refere a espaços públicos e equipamentos urbanos. Além disso, essa melhora
urbanística também teve a função de controlar a erosão da orla protegendo suas edificações
e melhorando o tráfego das embarcações. Como consequência houve o aumento da faixa
de areia da praia presente na enorme passarela que invade o mar.
A expressão "Península da Ponta D’Areia" foi e está sendo muito utilizada pelo mercado
imobiliário de modo a alavancar ainda mais o preço do metro quadrado de construção da
área, pois a expressão "morar na península" gera uma posição social de destaque na cidade,
elevando assim, o famoso status social.
Ocupando território contíguo, a Ilhinha tem na sua origem os mesmos fatores da Península
(aterro da Ponta D’areia e o represamento do Igarapé da Jansen). A área de maré/mangue
foi ocupada por pessoas humildes, que fizeram suas palafitas e passaram a morar na
localidade, originando assim uma ilha pequena, a Ilhinha.
Um fator de crescimento para a Ilhinha foi a Avenida Castelo Branco, que no decorrer do
crescimento dos seus bairros adjacentes (São Francisco e Renascença), no final dos anos
80, foi alargada se transformando numa das mais movimentadas e importantes de São Luís.
A Ilhinha foi-se expandindo internamente, consolidando-se como uma ocupação
permanente, caracterizando-se, porém, pela falta de um planejamento urbanístico
adequado.
Na década de 90, foi construída a ampliação da Avenida Litorânea e a Ilhinha passou a ter
melhores acessos, facilitando assim o fluxo viário de seus moradores com a praia. Ocorreu
na mesma época, a remoção das palafitas encontradas na Lagoa da Jansen para serem
relocadas num conjunto habitacional com uma infraestrutura básica já implantada
(Residencial Ana Jansen). Este residencial presencia o crescimento de inúmeras palafitas
ao seu redor, muitas delas, construídas por famílias que ali pretendem se estabelecer.
Com o passar do tempo a Ilhinha foi crescendo e se consolidando na vertente
socioeconômica de São Luís. As casas que antes eram de palha, madeira, papelão, deram
lugar às casas de taipa, e, mais tarde, às de alvenaria. Com muita persistência da
comunidade, foi implantado saneamento básico (precário), água canalizada, eletricidade,
pavimentação de ruas e escolas. Abaixo, na figura 1 temos uma vista aérea do contraste
urbano em São Luís – MA.
Figura 1– Vista aérea do contraste urbano em São Luís: Península e Ilhinha. Fonte:
Autor, 2016.
5.2 Pina e Brasília Teimosa (PE)
Na época do Brasil colonial, Olinda era a capital de Pernambuco e Recife mostrava-se
como um pequeno povoado que abrigava pescadores. Nesse cenário, o bairro do Pina
envolvia ilhas e terras alagáveis. A nomenclatura do bairro se origina de uma ilhota que
havia em um sítio de posse do português André Gomes Pina (Santos, 2011).
O bairro do Pina era muito pretendido em função de sua praia, frequentada sobretudo por
famílias de alto poder aquisitivo. Tinha seu acesso apenas por barco e em 1915 começou a
perder importância e status quando foi lançado o primeiro sistema de esgoto sanitário da
cidade cuja instalação acabava nesta praia. Seu acesso ao restante da cidade ocorreu em
1920 quando foi construída a primeira ponte no bairro (Santos 2011).
Em 1980, surgiu no entorno restaurantes e bares no bairro: “o Polo Pina”, uma área que
ficou característica pela presença de movimentos artísticos e culturais gerando um local de
badalação e visitação que permanece até os dias atuais (Pereira, 2017).
Entre os bairros do Pina e Boa Viagem, situa-se Brasília Teimosa, que teve sua origem em
função da ocupação irregular de uma área denominada “Areal Novo” próxima ao Porto do
Recife, em função de uma ampliação de parte do complexo portuário que não aconteceu,
ficando o terreno em litígio e consequentemente sendo ocupado (Pereira, 2017).
Um fato histórico marcante ocorreu em 1956 quando cinco pescadores moradores da área
até então ocupada, foram ao Rio de janeiro em uma pequena jangada para comparecer a
posse do então presidente Juscelino Kubitschek e ter a atenção para a comunidade, que se
encontrava sob constante ameaça de expulsão do local. Daí origina-se o nome da
comunidade, uma homenagem a Capital do País e a insistência de seus moradores em
nunca deixar o local (Nunes, 2004).
Em 1980, a cidade do Recife mostrou um cenário marcado pelas lutas comunitárias das
Associações de Moradores em prol da população pobre; e frente às pressões exercidas
pelos movimentos sociais, apresentou-se uma proposta de modificação da Lei de Uso e
Ocupação do Solo, onde se estabeleceu o Plano de Regularização das Zonas Especiais de
Interesse Social (ZEIS), que viabilizou a urbanização e regularização fundiária das áreas
(Pereira, 2017). Fato este, presenciado também na Ilhinha, em São Luís – MA.
Uma das primeiras ocupações irregulares do País, Brasília Teimosa também passou a ser
um dos primeiros locais a ser urbanizados através do programa Promoradia. Este processo
de urbanização teve a participação e foi desenvolvido pelos próprios moradores gerando
um projeto que ficou conhecido como Teimosinho (1982). Este projeto previa
principalmente a retirada das palafitas do local, bem como a urbanização da orla e
incremento de equipamentos comunitários, entretanto foram ações que não se
concretizaram, deixando a área favorável à nova ocupação (Melo, 1986).
Em 1986 houve uma segunda relocação na área, transferindo seus moradores para a Vila
Moacir Gomes, porém a área novamente não foi urbanizada, gerando nova ocupação. No
ano de 1989, os ocupantes das novas palafitas que surgiram foram relocados para a Vila
Teimosinha, gerando um novo ciclo de ocupações (Nunes, 2004).
Um novo projeto urbanístico com participação da Prefeitura do Recife e Governo Federal
surge em janeiro de 2004. O plano englobava além de ações urbanísticas, intervenções
ambientais, sociais, econômicas e culturais. Em consequência houve a remoção das
palafitas e seus ocupantes foram relocados para um conjunto habitacional no bairro
próximo do Cordeiro (Nunes, 2004).
Com a demolição das palafitas, a cidade do Recife passou a contar com mais uma rota para
o turismo local, com mais de 1,3 km de praia, incluindo-se piscinas naturais compostas por
arrecifes que constitui, na atualidade, a avenida principal, passando a se chamar “Brasília
Formosa”, abrangendo pista de caminhada, parques e restaurantes. Tem-se, assim, o bairro
de Brasília Teimosa dos últimos anos, que mostra uma realidade totalmente inversa da
comunidade do passado. Abaixo, na figura 2 temos uma vista aérea do contraste urbano
presente na cidade de Recife.
Figura 2 – Vista aérea do contraste urbano em Recife: Pina e Brasília Teimosa.
Fonte: Autor, 2017.
6 CARACTERIZAÇÃO SÓCIO-ECONÔMICA E DEMOGRÁFICA
6.1 Península e Ilhinha (MA)
Segundo dados censitários mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) de 2010, a área da Península possuía um total de 404 domicílios particulares
permanentes em uma área de 577.374,66m². Havia abastecimento de água tratada e acesso
à rede geral de esgoto em 95,80% dos domicílios. O lixo era coletado quase que em sua
totalidade (99.49%).
A maioria dos habitantes da Península recebia mais de 05 salários mínimos. Essa condição
denota a boa condição das habitações na área. Um dado interessante que serve para
confirmar esta referência é que 15.35% dos habitantes recebiam mais de 20 salários
mínimos. A área analisada também possui alto nível de escolaridade, uma vez que 98.76%
da população residente são alfabetizadas.
A faixa etária predominante na Península é adulta de 30 a 59 anos. As pessoas com mais de
60 anos alcançam índice de 23,76% da população residente total. A proporção de jovens de
18 a 29 anos representou apenas 11.88%.
No bairro adjacente, a Ilhinha, encontrava-se um total de 1.119 domicílios particulares
permanentes em uma área de 518.617,20 m². Havia abastecimento de água tratada em
95,35% dos domicílios. Possuía acesso à rede geral de esgoto 71,58% das habitações. O
que nos chama a atenção é o fato de quase 20% dos domicílios não possuírem instalação
sanitária e não havia banheiro em 17% deles.
A maioria dos habitantes na Ilhinha recebia até dois salários mínimos. Essa condição
denota a falta de infraestrutura nas casas. A área analisada possui ainda 10% de pessoas
não alfabetizadas.
A faixa etária predominante na Ilhinha é de 20 a 24 anos. As pessoas com até 44 anos
alcançam índice de 85,5% da população residente total. A proporção de jovens e adultos
apresentou-se superior à de idosos.
Analisando o valor máximo e mínimo da densidade demográfica nas áreas tem-se um dado
interessante, pois enquanto na Península temos quase 228 habitantes/km² na Ilhinha
encontramos mais de 13.000 habitantes/km². O número de habitantes extremamente alto na
Ilhinha gera carência de habitações, degradação do meio ambiente, ocupações irregulares,
entre outros.
6.2 Pina e Brasília Teimosa (PE)
O bairro do Pina possuía um total de 9.457 domicílios particulares permanentes em uma
área de 686.800 m². Havia abastecimento de água tratada em 82,94% deles. Possuía acesso
à rede geral de esgoto apenas 58,77% das habitações segundo dados ainda do IBGE de
2010.
A maior parcela de seus moradores (34,61%) recebia mais de ½ até 1 salário mínimo. Em
seguida, temos 20,16% que recebiam entre 1 e 2 salários mínimos. Apenas 6,71%
apresentam uma renda entre 3 a 5 salários mínimos. Uma parcela de 12,05% de seus
habitantes não apresentava rendimento. Ainda encontrava-se um percentual de pessoas não
alfabetizadas (9,34%).
A faixa etária predominante no Pina era de adultos de 30 a 59 anos que correspondia a
40,66%. Em seguida, temos a parcela de crianças e adolescentes com 26,11% dos
moradores. Os jovens de 18 a 29 anos correspondiam a 21,19%. Os idosos representavam
12,04% de seus habitantes.
Já, a área de Brasília Teimosa possuía um total de 5.464 domicílios particulares
permanentes em uma área de 727.000 m². Havia abastecimento de água tratada em 82,65%
deles. Encontrávamos apenas 63,63% dos domicílios com acesso à rede geral de esgoto.
Este dado é preocupante, pois demonstra a falta de investimento do Governo Federal com
saneamento básico.
Ao analisarmos a renda dos habitantes de Brasília Teimosa tínhamos a maior parcela
(41,98%) recebendo entre ½ até 1 salário mínimo. Em seguida, temos 24,89% que
recebiam entre 1 e 2 salários mínimos. Apenas 4,66% apresentavam uma renda entre 3 a 5
salários mínimos. E o que nos chama a atenção é que uma parcela de 11,47% não
apresentava rendimento. Estes dados contribuem para o baixo índice de desenvolvimento
econômico e social da área. Na área encontrava-se ainda um percentual de quase 10% de
pessoas não alfabetizadas. Outro retrato da falta de investimentos em educação pelo
Governo Federal.
A faixa etária predominante da área analisada era de adultos de 30 a 59 anos que
correspondia a 40,41%. Em seguida, temos a parcela de crianças e adolescentes com
27,52% dos moradores. Os jovens de 18 a 29 anos correspondiam a 20,90%. Os idosos
representam 11,17% de seus habitantes.
Ao analisarmos a área das duas localidades, percebemos um valor aproximado, pois existe
uma variação entre a maior área e a menor de apenas 40.200 m². Já, quando deparamos
com os valores da densidade demográfica, notamos que no bairro do Pina (4.446,87
habitantes/km²) encontra-se quase que o dobro de contingente populacional na área de
Brasília Teimosa (2.521,87 habitantes/km²). Isto é consequência do número de pavimentos
das edificações existentes no Pina, pois enquanto em Brasília Teimosa a grande maioria
das edificações são térreas (assim como na Ilhinha - MA), no Pina encontramos edificações
com um maior gabarito contribuindo assim, para o aumento de sua ocupação.
7 O USO E OCUPAÇÃO DO SOLO
7.1 Península e Ilhinha (MA)
Na área da Península observa-se uma vasta predominância residencial. Os serviços
encontrados são pontuais, embora estejam crescendo a cada ano, não estando muito
próximo uns aos outros e resumem-se dois hotéis, escritórios, salão de beleza, imobiliária,
clube de recreação, bares e o grupamento de bombeiros marítimos. Um ponto de grande
deficiência foi a inexistência de espaços chamados de "comércio de vizinhança" (padarias,
farmácias, conveniências, dentre outros). Apenas no final do ano de 2016 e no ano de 2017
que se instalaram duas conveniências que atendem por hora como padaria e alguns
estabelecimentos comerciais de refeição instalados em uma galeria de edifício residencial.
Outro ponto deficitário é a existência relativamente grande de espaços ainda vazios. Estes
representam lotes com cobertura vegetal, como podemos observar na figura 3 abaixo.
Figura 3 – Mapa do uso e ocupação do solo da Península. Fonte: Autor, 2017
Ao analisar o gabarito das edificações, pode-se verificar que há uma clara diferença entre
os dois lados da Avenida que separa a Península (Av. dos Holandeses): na parte Sul uma
maior quantidade de quarteirões e a predominância de casas, com gabarito variando entre
um e dois pavimentos. Na parte Norte a predominância é de edifícios multifamiliares, e os
lotes que não estão em obra, possuem edifícios com 15 pavimentos.
Com relação ao padrão de ocupação do solo, percebe-se que a área é caracterizada por uma
ocupação regular, habitadas por população de renda média e alta e com bom nível de
escolaridade. Esta é a realidade da Península da Ponta D’areia que ainda conta com um
potencial paisagístico e que a especulação imobiliária vem sendo utilizada prioritariamente
para atrair investimentos de alto padrão.
Na Ilhinha a ocupação é quase toda residencial, havendo alguns pontos de comércio, como
minimercados ou mercearias. Chama a atenção na zona, a grande faixa territorial ao longo
da Avenida Ferreira Goulart, com uma presença significativa de terrenos vazios,
abandonados, desocupados e sem uso. Quanto aos equipamentos, estão presentes: duas
Igrejas, duas escolas públicas sendo uma primária e outra secundária; uma creche, que se
encontra degradada, além de não suprir a demanda local de crianças, e uma Associação
Comunitária, que funciona praticamente como uma creche infantil, na qual existe um
campo de futebol para atividades desportivas.
Em seu próprio histórico de ocupação, a Ilhinha concretizou um irreparável dano
ambiental, aterrando e construindo sobre manguezais, consolidando o terreno com areia e
entulho. Processo este que ocorreu até a década de 90 do século passado.
Após a construção da Avenida Litorânea, a criação do Residencial Ana Jansen também foi
motivo de polêmica, pois avançou mais sobre áreas de manguezais, aterrando uma área
onde a natureza não é renovável. Atualmente, o Residencial Ana Jansen serve como
escudo e máscara para as novas ocupações em palafitas que continuamente, em ritmo
acelerado, atravessam o mangue, e está cada vez mais próxima de sua área contígua - A
Península.
Outro fator que é de grande relevância para o entendimento sobre a gravidade da
degradação e descaso público ambiental na Ilhinha é a insalubridade do espaço urbano,
ocasionada pela falta de escoamento de águas pluviais, que causa alagamentos em
inúmeras ruas da comunidade durante o período de chuvas. Junto ao escoamento precário
das águas pluviais, os restos de comida, os dejetos de animais e de pessoas, e a falta de
uma coleta eficiente de lixo, observa-se ainda uma grande falha na estrutura viária da
Ilhinha, a qual deveria permitir alcançar as áreas mais internas da comunidade, amenizando
os danos causados ao meio ambiente e também à saúde.
A ocupação da Ilhinha apresenta um sério problema fundiário, em que todos os “lotes”
foram definidos por meios de ocupação espontânea, hoje em dia já consolidados. Em sua
maioria, a área possui terrenos que variam de 10m a 20m de profundidade, pois a ocupação
se deu gradativa e informalmente. Este processo ocasionou uma certa formalidade espacial
no tamanho dos lotes ocupados pelas novas famílias. Atualmente, muitos dos terrenos
grandes já foram divididos e vendidos, ou ocupados novamente irregularmente, gerando
assim becos e pequenas vilas entre os quarteirões que eram, sem afastamentos, delimitados
pelos próprios moradores, sem nenhuma regularização legal, perpetuando assim um
ambiente urbano desconfigurado e desqualificado, dificultando seus acessos. Abaixo, na
figura 4 temos uma distribuição espacial do uso, ocupação e verticalização da Ilhinha.
Figura 4 – Mapa de uso e ocupação do solo na Ilhinha. Fonte: Autor, 2017
Atualmente, as casas já são de alvenaria, muitas com gabaritos de dois pavimentos. A sua
ocupação cresce em favor da geminação das casas, tanto vertical como horizontalmente.
Esta densificação urbana já delimita e consolida a área, que devido a uma falta de
planejamento dos lotes e casas, aumentam a densidade populacional sem haver a estrutura
urbana necessária para acompanhar o crescimento.
7.2 Pina e Brasília Teimosa (PE)
A região do Pina é caracterizada por ser um bairro predominantemente residencial. Poucos
moradores fazem de sua habitação também seu comércio (uso misto). O setor comercial do
bairro se faz presente nas áreas costeiras e limítrofes. No local encontram-se ainda alguns
vazios urbanos. A natureza é fator marcante no bairro: aproximadamente a metade de toda
a área é marcada por uma vegetação de mangue, cortada por rios e ainda conta com uma
orla marítima.
A verticalização é uma característica muito comum em todo o País, e no Recife também,
sobretudo em áreas tidas como nobre e de alto padrão, caracterizados pela disposição de
uma boa infraestrutura em geral, como acontece na orla do Pina e em seu bairro adjacente
(Boa Viagem), onde suas construções foram edificadas ao longo de toda a faixa litorânea,
fato este, tendo sua origem devido a especulação imobiliária. De acordo com estas
características, as edificações de 15 ou mais pavimentos se encontram realmente quase que
em sua totalidade na orla, salvo algumas exceções. Já, na parte central do bairro
encontramos predominantemente edificações térreas, ou no máximo de 02 pavimentos,
como podemos perceber na figura 5 abaixo.
Figura 5 – Mapa de uso e ocupação do Pina. Fonte: Autor, 2017
Mesmo com mecanismos de conservação ambiental, muitas das construções na zona
costeira, não seguiram a legislação que estabelece um limite mínimo para a ocupação
nestas áreas que são denominadas de “terrenos da Marinha”. Dessa forma, fica perceptível
que a orla do Pina apresenta sérias implicações de caráter ambiental, especialmente no que
concerne ao uso e ocupação do solo (Silva, 2016).
Um dos projetos de maior impacto na área foi o projeto “Cura Beira-Mar”. O objetivo era a
reestruturação da orla, no sentido de oferecer um “melhor ambiente” para a população e
turistas, entre as modificações propostas estariam o ordenamento do comércio ambulante, a
incorporação de equipamentos de iluminação e de lazer, além da expansão do calçamento;
entretanto, as intervenções promovidas pela Prefeitura provocaram um desgaste ao
ambiente praial, uma vez que resquício de vegetação nativa foi devastado. Houve uma
expansão do estacionamento e alargamento do calçadão, ocupando, desta forma os terrenos
da praia, promovendo um grande rebaixamento da topografia da faixa litorânea,
potencializando o processo erosivo natural (Nunes, 2004). A medida adotada pela
Prefeitura foi à implantação de blocos rochosos em toda extensão da área erodida, fato este
que inviabilizou o uso natural da praia nestes trechos. Esse processo erosivo e a instalação
de blocos rochosos foi muito semelhante ao que aconteceu com a Península em São Luís.
Naturalmente, com o surgimento de prédios com numerosos pavimentos, fez-se com que
aumentasse o esgoto e o lixo doméstico, o fluxo de veículos, o impedimento da circulação
do vento e sombreamento na praia. Como resultado aumentou-se a demanda sobre recursos
hídricos, desencadeando o aumento da perfuração de poços, além de sufocar e desvalorizar
outros prédios baixos e casas, acentuando a “exclusão social” (Silva, 2016).
Já em território contíguo, apontada sempre como uma conquista social permanente, a ZEIS
de Brasília Teimosa, demonstra um amplo potencial de habitação popular e uma posição
urbana estratégica. Juntamente com suas qualidades, o local também apresenta problemas
que dificultam o seu desenvolvimento integrado junto à cidade como a falta de parâmetros
específicos de controle e uso do solo urbano e a inexistência de espaço para o crescimento
de moradias.
A falta de áreas verdes e/ou livres para novas habitações promoveram a remoção de
pessoas que ocupavam a beira-mar, para outra região da cidade – no Cordeiro – que
embora tenha propiciado moradia, não foi considerada uma alternativa adequada em razão
da retirada da principal atividade econômica da qual sobreviviam (pesqueira), uma vez que
o deslocamento para o antigo local de pesca e transporte dos pescados ficou quase inviável
para muitos.
Analisando o gabarito, percebemos uma Brasília Teimosa predominantemente térrea.
Existem em menor número edificações que atingem de 03 a 05 pavimentos, acima desse
gabarito é praticamente inexistente como podemos observar na figura 6 abaixo. Essas
características de uso e ocupação do solo são muito marcantes também no caso da Ilhinha
em São Luís (MA).
Figura 6 – Mapa do uso e ocupação do solo de Brasília Teimosa. Fonte: Autor, 2017
8 CONCLUSÃO
Com a realização deste estudo, percebemos muitas semelhanças nas áreas de contraste
urbano: o início do povoamento na Ilhinha (MA) e Brasília Teimosa (PE) como colônia de
pescadores, o fato de expulsão e persistência de ambos moradores, a relocação dos
ocupantes das palafitas para conjuntos habitacionais, localização geográfica semelhante
(forte apelo ao mar), seus baixos indicadores socioeconômicos, seu uso e ocupação do solo
marcado pelo adensamento populacional e moradias populares de baixa qualidade
construtiva.
As várias “relocações” dos ocupantes de palafitas tanto em São Luís como no Recife nos
faz pensar como a arquitetura pode fazer para que a área ocupada irregularmente não volte
a ser povoada. Vimos no Recife uma urbanização onde a comunidade se fez presente
transformando a principal avenida do bairro (Av. Brasília Formosa) em um ponto turístico
gerando emprego e renda a seus moradores. Fato este, que precisa ser copiado em outras
situações semelhantes: fazer a comunidade “abraçar” o projeto e se tornar parte dele.
Surge um novo modelo de urbanização onde ricos e pobres convivem na mesma região
separados muitas vezes por um muro ou por um elemento natural. Este estudo levanta
questões de como os contrastes urbanos brasileiros estão sendo tratados. Espera-se algum
dia, a construção de um País mais igualitário, onde haja espaço digno para todos os seus
habitantes.
9 REFERÊNCIAS
Burnett, C. F. L. (2002) Além do rio Anil, urbanização e desenvolvimento sustentável:
estudo sobre a sustentabilidade dos tipos de urbanização na cidade de São Luís do
Maranhão. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Urbano) - Universidade Federal
de Pernambuco (UFPE), Recife: UFPE.
Fernandes, Ana S. (2010). Zeis e Moradia: uma alternativa formosa para Brasília
Teimosa? / Dissertação Mestrado. Universidade Federal de Pernambuco: CCSA.
Administração.
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