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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO ANELISA PRAZERES VELOSO DE SOUZA ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS EM MATO GROSSO: UMA LEITURA DAS CAMPANHAS OFICIAIS DE 1947 A 1990 CUIABÁ – MT 2007

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

ANELISA PRAZERES VELOSO DE SOUZA

ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS EM MATO GROSSO: UMA LEITURA DAS CAMPANHAS OFICIAIS DE 1947 A 1990

CUIABÁ – MT

2007

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

ANELISA PRAZERES VELOSO DE SOUZA

ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS EM MATO GROSSO: UMA LEITURA DAS CAMPANHAS OFICIAIS DE 1947 A 1990

Cuiabá – MT

2007

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ANELISA PRAZERES VELOSO DE SOUZA

ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS EM MATO GROSSO: UMA LEITURA DAS CAMPANHAS OFICIAIS DE 1947 A 1990

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, no Instituto de Educação, da Universidade Federal de Mato Grosso, na Área de Concentração Teorias e Práticas Pedagógicas da Educação Escolar e Linha de Pesquisa Educação e Linguagem, como requisito para obtenção do grau de Mestre em Educação.

Orientadora: Drª Cancionila Janzkovski Cardoso

Cuiabá – MT 2007

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FICHA CATALOGRÁFICA

S729a

Souza, Anelisa Prazeres Veloso de

Alfabetização de jovens e adultos em Mato Grosso: uma leitura das campanhas oficiais de 1947 q 1990/Anelisa Prazeres Veloso de Souza --- Cuiabá: UFMT/IE, 2007.

162 p.: il.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, no Instituto de Educação, da Universidade Federal de Mato Grosso, na área de Concentração Teorias e Práticas Pedagógicas na Educação Escolar e Linha de Pesquisa Educação e Linguagem, como requisito para obtenção do grau de Mestre em Educação.

Orientadora: Profª Drª Cancionila Janzhouski Cardoso Bibliografia: p. 156 - 162

CDU -374.31.7

Índice para Catálogo Sistemático 1. Alfabetização 2. Educação de Jovens e Adultos 3. História das Campanhas Oficiais

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Dissertação Apresentada à Coordenação do

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DA UFMT

BANCA EXAMINADORA

_______________________________ Professora Drª Lázara Nanci de Barros (UFMT)

Examinadora Externa

_________________________________________ Professora Drª Ana Arlinda de Oliveira (UFMT)

Examinadora Interna

________________________________________________ Professora Drª Cancionila Janzkovski Cardoso (UFMT)

Orientadora

Cuiabá/MT: 28/07/07

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AGRADECIMENTOS

A Deus pela luz e coragem que me tem dado nos diversos desafios enfrentados ao longo de minha vida.

A Profª Drª Cancionila Janzkovski Cardoso, prezada orientadora desta trajetória, por sua habilidade em lidar com as inseguranças e desencantos de quem, por vezes, duvidou que pudesse chegar onde agora aporta. Por sua capacidade e competência acadêmica, os mais sinceros agradecimentos. Ao meu esposo Veloso, pelo amor, dedicação e por suas palavras de incentivo em momentos de desânimo. Obrigada, por constantemente entender a minha ausência, as minhas angústias e as minhas incertezas durante essa jornada. Às grandes mulheres da minha vida, minha mãe Ivone e minha irmã Ariadne, obrigada pelo amor, carinho e incentivo em todos os momentos de minha vida. A Marisa Fernandes pela contribuição enriquecedora na leitura e correção do trabalho, além de dispensar-me, muitas vezes, parte do seu precioso tempo para conversas sempre agradáveis regadas a suco de uva. Às Professoras Drª Tânia Maria de Melo Moura e Drª Ana Arlinda de Oliveira pelas orientações e contribuições teóricas, que muito enriqueceram meu trabalho de pesquisa. A Rosemary Paulino que carinhosamente ajudou-me na transcrição das entrevistas. A Profª Drª Maria do Socorro Pessoa pelo apoio inicial e ajuda na elaboração do projeto de pesquisa para seleção do Mestrado. A Maricilda pela ajuda na localização dos sujeitos desta pesquisa.

Agradeço a todos os entrevistados, pelo carinho com que responderam aos meus questionamentos.

A Luciana, pela mais cuiabana das hospitalidades e pela paciência de quem ensinou os “caminhos das pedras” na “Selva de Pedra” do Cerrado mato-grossense à amiga forasteira. Meu reconhecimento pela atenção e estímulo com que me presenteou.

Mariana e Luiza, pela atenção com que sempre me atenderam na Secretaria do PPGE. A minha irmã Jeneffer pelo apoio na localização de fontes na Biblioteca da UFRJ. A amiga Irenne, pela verdadeira amizade estabelecida durante essa trajetória, pela companhia nas longas caminhadas até o RU, pelos almoços de domingo, pela sabedoria em saber escutar e depois ter sempre uma palavra de apoio e carinho. Espero que a distância não seja motivo para esquecermos tantos momentos importantes que compartilhamos juntas.

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Ao Núcleo de Pesquisa em Educação – NUPED, do Campus de Rondonópolis, pela ajuda no levantamento bibliográfico.

Aos amigos e colegas do mestrado, em especial, Egle, Andréa, Wanda, Ana Karina, Lívio, João, Keiko, Abner, com quem compartilhei as alegrias desta jornada.

Agradeço a todos os meus amigos que, embora não tenham sido mencionados, estiveram presentes durante esta jornada.

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DEDICATÓRIA

No meio da multidão não verei seu rosto, mas meu coração sentirá sua presença. Não há palavras para expressar a saudade, mas há a certeza de que compartilhas comigo esse momento. Afinal, foi você que me ensinou a sonhar. Hoje, mais do que nunca, sinto sua presença, pois a saudade traz você de volta. Se hoje me sinto realizada e vencedora, devo muito a você. Lembro quando você dizia: “essa menina vai longe”. Onde quer que esteja, obrigada meu amado PAI!

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AGRADECIMENTO ESPECIAL

Aos meus filhos Leandro e Leonardo pelo amor, carinho e apoio com que sempre preenchem minha vida de felicidade e de sentido. A vocês devo toda força e luz que sempre me inspiraram e me orientaram a seguir sempre em frente. Porque vocês são minha vida, minha mais doce emoção.

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O futuro tem muitos nomes. Para os fracos é inatingível.

Para os temerosos, o desconhecido e para os valentes é a oportunidade".

Victor Hugo

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RESUMO

Esta pesquisa integra os estudos desenvolvidos pela Linha de Pesquisa Educação e Linguagem, do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso. Objetivou analisar como foram desenvolvidas as Campanhas Oficiais de Alfabetização de Jovens e Adultos em Mato Grosso, a partir da reunião, seleção e análise de fontes documentais, tais como, planos de governo, relatórios oficiais, mensagens governamentais, anais de congressos, relatos de experiências em seminários e narrativas de sujeitos que participaram desse contexto histórico. Optou-se por uma pesquisa do tipo histórica e estabeleceu-se como marco temporal, o período de 1947 a 1990, compreendido entre a primeira Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos Analfabetos e a extinção da Fundação Educar. Em relação aos documentos fontes optou-se por analisá-los a partir da compreensão do conceito de configuração textual, que possibilitou uma leitura possível e autorizada daqueles considerados emblemáticos, compreendendo a diferença entre os sentidos propostos pelos sujeitos históricos e os sentidos que hoje podemos dar. Considerou-se importante para o desdobramento teórico-metodológico desta pesquisa a contribuição da História Cultural, dos pressupostos da História Oral e de estudos na área da Educação. As análises feitas dão conta de que, embora o Estado de Mato Grosso tenha desenvolvido as Campanhas Oficiais de Alfabetização de Jovens e Adultos no período aqui estudado, ficou muito aquém de resolver o problema do analfabetismo naquele contexto histórico. A trajetória dessas Campanhas de Alfabetização foi marcada por momentos de entusiasmo e por outros de descaso, descontinuidades e deficiências administrativas. Durante o longo período em que essas Campanhas Oficiais de Alfabetização foram desenvolvidas em Mato Grosso, a situação do ensino nesse Estado era caótica, pois faltavam escolas, professores habilitados, fiscalização escolar, assistência médica, material didático e principalmente uma política de modernização na estrutura pedagógica. Em que pesem os esforços do governo e os diferentes acordos celebrados entre este e o Ministério de Educação e Cultura, as Campanhas Oficias de Alfabetização de Adultos não conseguiram atingir porcentagens de alfabetização elevadas e duráveis. Os fatores predominantes para esse insucesso foram: a) a concepção que se tinha de alfabetização como apenas um simples processo de aquisição de um sistema de código alfabético, capaz de transformar os analfabetos em pessoas produtivas e de eliminar o fenômeno da ignorância; b) a concepção que se tinha do alfabetizando como um ser ignorante, inculto e incapaz de aprender coisas mais complexas. Apesar dessas concepções terem sido aprofundadas ao longo desse período, permaneceu como fator predominante para o insucesso dessas Campanhas, o problema da falta de qualificação do professorado, que por um longo período desse contexto, foi caracterizado como “ineficiente” e sem preparação pedagógica. Apesar dessas Campanhas terem sido implementadas em Mato Grosso, chegamos em 1990 com a taxa de 11,6 % de analfabetismo no Estado, fato que evidencia que ainda havia muito por fazer para solucionar o problema do analfabetismo da população mato-grossense. Palavras chave: alfabetização - educação de jovens e adultos– história das campanhas oficiais.

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ABSTRACT This research integrates the studies developed for the Line of Research: Education and Language of the Post-Graduation Program in Education at the Federal University of Mato Grosso. It aimed at analyzing the Official Campaigns of Alphabetization of Youth and Adults in the State of Mato Grosso, in Brazil. This study was developed based on selection and analysis of documentary sources, such as, official plans of government, reports, governmental messages, annals of congresses, stories of experiences in seminaries and narratives of subjects who had participated in this historical context. The historical type was chosen for carrying out this research and also it was established as a landmark the period from 1947 to 1990, understood in this study as the first Campaign of Education of Adolescents and illiterate Adults and the extinguish of the Foundation to educate. In relation of the documents sources it was opted to analyze them based on the concept of literal configuration that made possible a comprehensible reading of those considered emblematic. The understanding about the differences between the directions considered by the studied subjects and the meanings that nowadays we might have was also done. It was considered important for the understanding of the theoretical-methodology of this research the contribution of Cultural History, the presupposes of Verbal History and studies in the area of the Education. The analyses revealed that, even the State of Mato Grosso had developed the Official Campaigns of Alphabetizations of Youth and Adults in the studied period it was noticed that the problem of the illiteracy in that historical context was unsolved . The trajectory of the Campaigns of Alphabetizations was marked by moments of enthusiasm and others of indifference, administrative discontinuities and deficiencies. During the long period where these Official Campaigns of Alfabetizations had been developed in the State of Mato Grosso, the environment of education in this State was chaotic, because there were lacked of schools, qualified teachers, school fiscalizations, medical assistance, material didactic and mainly, modernization politics in the pedagogical structure. In relation to the efforts of the government and the different agreements celebrated between this and the Ministry of Education and Culture, the Official Campaigns of Youth Alphabetizations had not obtained high and durable percentages of alphabetizations. The predominant factors for this unsuccessful had been: a) the conception of alphabetization as single process of acquisition of a system of alphabetical code, capable to transform the illiterates into productive people and to eliminate the phenomenon of the ignorance; b) the conception of alphabetization student as an ignorant learner and incapable to learn more complex things. Despite these conceptions having been deeper studied during this period, it remained as predominant factor for the unsuccessful of these Campaigns, the problem of the lack of teachers qualification, these professionals for a long period of this context, were characterized as "inefficient" and without pedagogical preparation. Regardless of these Campaigns having been implemented in the State of Mato Grosso it is possible to observe that in the year of 1990 with the tax of 11,6 % of illiteracy in the State, fact that evidences that still there are many things for making to solve the problem of the illiteracy of the population of Mato Grosso. Keywords: Alphabetization- Young and adults education - history of the official campaigns.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO........................................................................................................................1 CAPÍTULO 1

1.0 O PERCURSO TEÓRICO-METODOLÓGICO DA PESQUISA.................................5

1.1.Contexto da Pesquisa............................................................................................................5

1.2 O Campo e o Problema da Investigação.............................................................................10

1.3 Os Caminhos da Investigação.............................................................................................12

1.4 Pressupostos Teórico-Metodológicos.................................................................................22

1.4.1 Os Sujeitos da Pesquisa....................................................................................................27

1.4.2 Alfabetização um Conceito em Mutação.........................................................................30

CAPÍTULO 2

2.0 ASPECTOS HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO DE ADULTOS NO BRASIL.............37

2.1 Educação de Adultos no Brasil Colônia.............................................................................37

2.2 Educação de Adultos no Império (1822 a 1889).................................................................40

2.3 Educação de Adultos no Período Republicano...................................................................43

2.4 Educação de Adultos nos Anos 30......................................................................................48

2.5 Educação de Adultos na Década de 40...............................................................................52

CAPÍTULO 3

3.0 A PRIMEIRA CAMPANHA NACIONAL DE EDUCAÇÃO DE ADOLESCENTES

E ADULTOS ANALFABETOS.............................................................................................56

3.1 As Primeiras Iniciativas......................................................................................................56

3.2 Os Objetivos da Campanha de Educação de Adultos.........................................................61

3.3 O I Congresso Nacional de Educação de Adultos e suas Contribuições para a CEAA......74

3.4 A Campanha de Educação de Adultos em Mato Grosso....................................................78

3.4.1 Condições de Atuação do Corpo Docente nas Classes de Ensino Supletivo...................90

3.4.2 A Segunda Fase da Campanha.........................................................................................99

3.4.3 A Segunda Fase da Campanha em Mato Grosso...........................................................108

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CAPÍTULO 4

4.0 MOVIMENTO BRASILEIRO DE ALFABETIZAÇÃO............................................121

4.1 Antecedentes: Movimento de Educação e Cultura Popular e Campanhas nos anos 60...121

4.2 As Ações Educativas do MOBRAL.................................................................................126

4.3 O MOBRAL em Mato Grosso..........................................................................................132

CAPÍTULO 5

5.0 CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................................................150

REFERÊNCIAS ...................................................................................................................155 ANEXOS:

1. Roteiro de Entrevistas

2. Cartazes Utilizados como Material Pedagógico no MOBRAL

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1

INTRODUÇÃO

O interesse pelo estudo do tema Educação de Jovens e Adultos surgiu quando

trabalhei no SESC – Serviço Social do Comércio, uma instituição que tinha como proposta

educativa de alfabetizar jovens e adultos na região norte, basicamente no interior do Estado do

Pará, Amazonas, Acre, Roraima, Amapá e Rondônia. Tive a oportunidade de ser

alfabetizadora e orientadora pedagógica desse projeto de alfabetização no município de

Vilhena – Rondônia. Para exercer a função de alfabetizadora e orientadora educacional

participei de muitos cursos de formação, tive que fazer muitas leituras sobre alfabetização e

participar ativamente do processo de implantação deste projeto em minha cidade. Todo esse

envolvimento profissional, ético e afetivo fez crescer em mim um sentimento de total

entusiasmo sobre a temática da alfabetização de jovens e adultos.

A experiência de ver aqueles alunos descobrindo os primeiros sons, as primeiras

palavras, as primeiras sentenças, foi de uma emoção singular. Era gratificante ver aqueles

jovens e adultos vibrarem como crianças diante da nova descoberta, que era ler e escrever.

Cada um tinha uma história sobre o não recebimento dessa instrução básica na infância, ou

em qualquer outro período de suas vidas. À medida que tomava conhecimento dessas histórias

de vida, pensava na estrutura municipal e estadual e na falta de condições desses poderes

públicos em atender essa enorme demanda de pessoas não alfabetizadas.

Intrigada com essa situação pesquisei perante a Secretaria Municipal e a

Representação de Ensino Estadual de Vilhena, como estes órgãos estavam atuando ante esse

problema. Descobri que não havia cursos de alfabetização oferecidos pelo Estado e a rede

municipal em parceria com entidades privadas, oferecia apenas turmas de alfabetização em

serrarias e fábricas que estivessem interessadas em alfabetizar seus funcionários, que de certa

forma acabava por restringir a clientela, que era apenas a de trabalhadores daquelas serrarias e

fábricas. Entretanto, havia uma demanda bastante significante de jovens e adultos,

principalmente do sexo feminino, donas de casa, que, por proibição dos maridos ou de seus

pais, não tinham acesso à instrução. Nesse aspecto a instituição que trabalhei ajudou muito

essas mulheres, pois elas podiam estudar pela parte da manhã ou da tarde, horário que os

maridos normalmente não proibiam. Sendo assim, tivemos uma clientela formada na sua

maioria de senhoras que buscavam a leitura e a escrita para modestamente realizarem

pequenos sonhos como: ler a bíblia, ler uma receita, escrever para um filho distante, poder

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viajar para visitar os parentes sem ter medo de se perder no caminho, ler uma revista e outros

pequenos sonhos que a aquisição da leitura poderia proporcionar.

Quando saí do SESC, pensei ter dado tudo de mim para esta causa, visto que

aqueles alunos que havia alfabetizado já tinham concluído a primeira fase do ensino

fundamental, e muitos já estavam até matriculados no ensino supletivo de 5ª a 8ª. Saí

acreditando que o dever estava cumprido, mas, ainda me incomodava uma pergunta: por que

ainda termos tantos jovens e adultos não alfabetizados em pleno século XXI?

Esse envolvimento profissional me conduziu, anos depois, a procurar o mestrado

em Educação da UFMT, integrando-me ao Grupo de Pesquisa Alfabetização, Leitura e Escrita

(ALFALE). Nesse contexto, decidi pela temática desta pesquisa que, a princípio, tinha de ser

sobre alfabetização de jovens e adultos, pois sabia que esse seria o caminho de muitas

respostas sobre as condições estruturais e institucionais que de certa maneira privavam esses

jovens e adultos de serem alfabetizados.

Depois de muitos encontros de orientação ficou definido que a pesquisa seria

histórica, e que seria sobre as campanhas oficiais de alfabetização de jovens e adultos. Mas,

ainda era preciso delimitar o período e o lugar em que essas campanhas teriam ocorrido. Foi

quando optei por pesquisar a história dessas campanhas em Mato Grosso, e que o marco

histórico da pesquisa seria o período de 1947 a 1990, compreendido entre a primeira

campanha nacional de alfabetização de adultos e a extinção da Fundação Educar. Um período

longo que se explica por abranger as grandes campanhas de nível nacional de alfabetização de

jovens e adultos da história do Brasil.

Após a estruturação do projeto de pesquisa, sabia que um longo caminho haveria

de ser percorrido para o desenvolvimento de uma pesquisa do tipo histórica, visto que o cotejo

com o passado transporta o pesquisador para um mundo enigmático, cheio de corredores

desconhecidos, onde o risco de um falso julgamento impossibilitará a reconstituição desse

passado.

Mas a compreensão da trajetória das Campanhas em Mato Grosso deveria ser feita

por meio do confronto entre os documentos relacionados às Campanhas de alfabetização de

adultos desenvolvidas nacionalmente e os documentos relacionados a efetivação dessas

Campanhas no Estado.

Justifica-se essa pesquisa pela inaptidão das campanhas de alfabetização em

solucionar a problemática do analfabetismo neste Estado, visto que os indicadores nacionais

são unânimes em apontar uma profunda desigualdade regional na oferta de oportunidades

educacionais e na concentração da população analfabeta ou insuficientemente escolarizada na

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região centro-oeste, onde está situado o Estado de Mato Grosso. Pesquisas apontam que cerca

de 11,6 % da população mato-grossense não possui ainda escolarização1.

Assim, o interesse dessa pesquisa foi recuperar o percurso da história das

Campanhas de Alfabetização de Jovens e Adultos ocorridas há quase 60 anos em Mato

Grosso. Para recompor esse percurso histórico das Campanhas, estruturei o trabalho em cinco

capítulos que reuniram todas as informações obtidas durante o processo investigativo do tema

pesquisado, fruto de um aprofundamento teórico e de um criterioso levantamento de fontes

documentais e narrativas orais que permitiram uma nova leitura sobre o desenvolvimento das

Campanhas de Alfabetização de Jovens e Adultos no Estado de Mato Grosso no período aqui

estudado.

O primeiro capítulo oferece uma rápida visão do contexto da pesquisa através de

um diagnóstico da situação da educação de jovens e adultos em Mato Grosso nos últimos

anos; descreve os caminhos da investigação que perpassam pela reunião e seleção de fontes

documentais e finalizando, apresento, os pressupostos teórico-metodológicos que têm como

base teórica as contribuições da História Cultural e da História Oral e como base

metodológica a configuração textual.

O segundo capítulo é dedicado à história da educação de jovens e adultos no Brasil

desde o período colonial até a década de 40 com o lançamento da primeira campanha de

educação de adultos. O estudo desenvolvido neste capítulo serve de base histórica para uma

melhor compreensão a respeito do tema da pesquisa, pois aborda as primeiras experiências de

educação de adultos ocorridas no Brasil e em Mato Grosso. Destaca-se, nesse contexto a

publicação do Decreto nº 7.031 A, de 6 de setembro de 1878, que determina a criação de

cursos noturnos para adultos analfabetos; a reforma do ensino mato-grossense em 1910, que

privilegiou a criação de grupos escolares e Escola Normal e deu um novo rumo para a

instrução pública de Mato Grosso; a Constituição de 1934 que, garantia a gratuidade do

ensino primário para adultos como componente da educação e como dever do Estado e direito

de todo cidadão, e o lançamento da Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos, no

ano de 1947.

O terceiro capítulo aborda a Primeira Campanha de Educação de Adolescentes e

Adultos no Brasil, em geral, e no Estado de Mato Grosso, em particular. A elaboração deste

capítulo foi pautada em dados documentais obtidos sobre a Campanha de 1947, o que

possibilitou recuperar alguns aspectos do percurso histórico desse empreendimento no Brasil

1 Dados fornecidos pela Pesquisa Nacional por Amostragem de domicilio – 1996, Rio de Janeiro, IBGE, V.1,198.

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e em Mato Grosso. Como exemplo destaco o Relatório de Atividades da CEAA de 1947 que

trazia em seu texto os objetivos da Campanha, o número de classes de alfabetização que

seriam instaladas em todo território nacional, orientações aos professores, tipo de material

didático a ser utilizado e a disponibilização dos recursos financeiros para o funcionamento de

10.000 classes de alfabetização. Outros documentos importantes para o desenvolvimento

deste capítulo dizem respeito ao I Congresso Nacional de Educação de Adultos, realizado em

1947, que apresentava sugestões para a resolução dos vários problemas relativos à educação

de adultos e, ainda, os relatórios e mensagens governamentais que continham dados

importantes sobre a Campanha em Mato Grosso, que permitiram analisar a atuação do poder

público estadual em relação ao desenvolvimento da Campanha de Educação de Adultos desde

sua implantação em 1947, até sua extinção em 1963.

O quarto capítulo aborda a implantação do MOBRAL no Brasil e em Mato

Grosso, destacando alguns aspectos político-ideológicos deste movimento que teve como

meta erradicar o analfabetismo no Brasil. Destaco ainda neste capítulo, os projetos e

experiências que visavam à promoção da cultura e da educação popular, como as atividades

dos Centros Populares de Cultura (CPC), o Movimento de Educação de Base (MEB) e as

atividades de Paulo Freire, particularmente, no período anterior ao golpe militar. O quinto e

último capítulo apresenta comentários e conclusões das análises realizadas nesta pesquisa,

bem como reflexões que possam contribuir para a compreensão do atual problema do

analfabetismo em Mato Grosso. Espero, portanto, ter conseguido recuperar o passado

histórico das campanhas de alfabetização e com isso ter contribuído cientificamente para a

produção historiográfica da educação em Mato Grosso.

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1.0 O PERCURSO TEÓRICO-METODOLÓGICO DA PESQUISA

1.1 Contexto da Pesquisa

Na procura de outras informações que tornassem ainda mais relevante a realização

desta pesquisa, no sentido de demonstrar a verdadeira necessidade de se entender o porquê de

em pleno século XXI o Estado de Mato Grosso, ainda apresentar um elevado índice de

analfabetismo, recorri aos dados fornecidos pela Secretaria de Educação e Cultura de Mato

Grosso, que fez um diagnóstico da situação da Educação de Jovens e Adultos neste Estado

nos últimos anos.

A constituição Federal de 1988, Art. 208, inciso I, obriga o Estado a garantir o

Ensino Fundamental também para jovens e adultos que não o fizeram no período regular. No

Art. 214, inciso I determina como um dos objetivos de Plano Nacional de Educação (PNE), a

integração de ações do Poder Público, no sentido de “produzir” a erradicação do

analfabetismo, visando a eliminação, ou pelo menos minimizar o número de excluídos,

conseqüentemente do quadro educacional seletivo, ainda hoje existente no País.

Segundo o que consta no PNE, o número de analfabetos é ainda excessivo e

envergonha o País: atinge aproximadamente 16 milhões de brasileiros maiores de quinze

anos. Esse analfabetismo, intimamente associado às baixas taxas de escolarização e ao

número de crianças fora da escola, é responsável por uma das situações mais dramáticas da

Escola Básica do País.

Os indicadores nacionais são unânimes em apontar uma profunda desigualdade

regional na oferta de oportunidades educacionais e na concentração da população analfabeta

ou insuficientemente escolarizada, nos bolsões de pobreza existente no País, onde a presença

da escola, por razões óbvias, se faz mais necessária.

A Tabela abaixo aponta para as desigualdades regionais acerca da taxa de

analfabetismo das pessoas de quinze anos de idade ou mais no Brasil, de maneira geral, e,

especificamente nas regiões.

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TABELA 1. Taxa de Analfabetismo no Brasil e Regiões – 1996.

BRASIL 14,7%

Região Nordeste Urbana 11,6%

Região Nordeste 28,7%

Região Sudeste 8,7%

Região Sul 8,9%

Região Centro-Oeste 11,6%

Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio – 1996, Rio e Janeiro, IBGE, V.1, 198.

Cerca de 28,7% da população analfabeta com mais de quinze anos está localizada

no Nordeste. Embora na Região Centro-Oeste, onde o Estado de Mato Grosso se localiza, o

analfabetismo se apresenta com uma taxa bem menor (11,6%) do que a Região Nordeste e até

mesmo abaixo da média nacional (14,7%), como assinala a Tabela 1, ele é ainda expressivo,

tendo em vista o desenvolvimento regional e as demandas de cultura letrada, para que o

indivíduo possa inserir-se no mercado de trabalho e exercer plenamente seu direito de

cidadania.

Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio (PNAD) de

1999, o analfabetismo absoluto em Mato Grosso atingiu 11,78% da população do Estado com

idade igual ou superior a quinze anos. O número absoluto dos analfabetos nesta faixa etária

era de 224.219 pessoas, deste, 59,4% viviam na zona urbana e 40,6%, na zona rural.

TABELA 2. MATO GROSSO: População de Dez Anos ou mais por Anos de Escolaridade-1999.

ANOS DE ESTUDO

População

TOTAL

S/ Instrução e

menos de 01

ano de estudo

%

01 a 03

Anos de

Estudo

%

04 a 07

Anos de

Estudo

%

TOTAL 1.902.716 224.219 11,78 375.983 19,76 734.591 38,60

Urbana 1.417.166 137.113 9,67 247.360 17,45 531.124 37,48

Rural 485.550 87.106 17,94 128.623 26,49 203.467 41,91

Fonte: IBGE – PNAD. 1999.

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Os índices fornecidos pelo PNAD, conforme Tabela 2, demonstram que em 1999,

70% da população mato-grossense de dez anos ou mais não havia concluído o ensino

Fundamental e que destes, 11,78% não havia recebido nenhuma instrução ou possuía menos

de um ano de estudo. Os dados informam que quase um quinto da população já havia

freqüentado escola, mas possuía menos de quatro anos de estudo.

Também, de acordo com esta mesma Tabela, somados os subgrupos dos que não

tinham nenhuma instrução ou com menos de um ano de escolaridade e aqueles que já haviam

freqüentado a escola, mas tinham menos de quatro anos de estudos, tem-se um total de

215.729 pessoas, ou seja, cerca de 11,45% da população mato-grossense com mais de dez

anos de idade, que potencialmente demandam, nos próximos anos, programas de

alfabetização do primeiro segmento do Ensino Fundamental de jovens e adultos.

O contingente que possuía de quatro a sete anos de estudo e que representa 38,60%

da população do Estado de Mato Grosso com mais de 10 anos, também constitui um outro

universo, demandando programas de alfabetização ou de aceleração de estudos no ensino

fundamental. Na zona rural, os índices de escolaridade dos jovens e adultos são ainda

menores.

Ainda segundo o PNAD, 258.962 pessoas, com idade igual ou superior a quinze

anos estavam freqüentando a Educação Básica em 1999, mas na sua maioria, eram jovens que

freqüentavam o Ensino Fundamental ou Médio regular na idade adequada ou com alguma

defasagem entre a idade e a série.

Apenas 25.859 pessoas freqüentavam alguma modalidade de Ensino Supletivo na

etapa do Ensino fundamental, outras 20.755 pessoas declararam estar estudando no Ensino

Médio, na modalidade Educação de Jovens e Adultos, somando 46.614 pessoas, o que fica

muito distante da demanda a ser atendida no Estado.

A Tabela 3, a seguir, complementa estes dados:

TABELA 3. MATO GROSSO: Matrícula no Ensino Supletivo Presencial – 1999

NÍVEL E MODALIDADE DE ENSINO MATRÍCULA % Ensino Fundamental

- Alfabetização

- 1ª a 4ª Séries

- 5ª a 8ª Séries

17.412

415

5.522

11.475

39,19

0,93

12,43

25,83

Ensino Médio 27.013 60,80

TOTAL GERAL 44.425 100 Fonte: INEP/PNAD/Censo Escolar 1999

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Os dados fornecidos pelo PNAD aproximam-se das estatísticas do Censo Escolar

realizado pelo INEP, de acordo com a Tabela nº3, segundo a qual as matrículas no Ensino

Presencial de Jovens e Adultos no Estado de Mato Grosso, chegaram em 1999 a 44.425

alunos, dos quais 27.013 no Ensino Médio e 17.412 no Ensino Fundamental.

É relevante salientar neste contexto o número insignificante (415) de pessoas em

processo de alfabetização, matriculadas no Ensino Supletivo Presencial, levando-se,

especialmente, em consideração que neste período o Estado desenvolvia o Programa Alfa2.

De acordo com a Tabela nº4, a maior parte do atendimento escolar para jovens e

adultos é realizado pela Rede Estadual de Ensino, inclusive na etapa do Ensino Fundamental,

no qual mais de dois terços das matrículas são estaduais. Além disso, a Tabela 4 aponta que a

rede privada de ensino não tinha muito interesse em oferecer essa modalidade de ensino, visto

que o número de alunos matriculados na rede privada é muito inferior aos da rede estadual e

municipal.

TABELA 4. MATO GROSSO: Matrícula da Educação de Jovens e Adultos em Cursos Presenciais – Etapas da Educação Básica – 2000. DEPENDÊNCIA % FUNDAMENTAL % MÉDIO % TOTAL

Estadual 86,60 14.428 76,15 38.095 91,33 52.523

Municipal 9,40 4.091 21,57 1.610 3,86 5.701

Privada 4,00 424 2,28 2.004 4,81 2.428

TOTAL 100 18.943 41.709 100 100 60.652 Fonte: INEP. Censo Escolar – 2000

No ano de 2000, os dados fornecidos pela Tabela 4, demonstram um crescimento

de 36,52% nas matrículas dos cursos presenciais da Educação de Jovens e Adultos (EJA) e o

maior atendimento continua sendo da Rede Estadual.

2 O Programa de Alfabetização de Adultos – ALFA, foi instituído em 1997, pela Secretaria de Estado de Educação e Cultura. com a participação da UFMT, UNEMAT, UNIC e SINTEP. A meta do ALFA era atender 70 municípios com taxa de analfabetismo superior a 15% da população local, organizando instrumentos de orientações técnicas e pedagógicas de funcionamento com aulas presenciais, com duração de 2 horas – 90 dias letivos, perfazendo um total de 180 horas (aulas) de curso; as classes eram compostas por 25 a 30 alunos. O corpo docente era constituído de professores com experiências variadas, estudantes de pedagogia, e de outras licenciaturas, e pessoas com experiência em alfabetização de adultos. A SEDUC responsabilizou-se pela capacitação dos docentes. O professor alfabetizador recebia um Kit de material didático que visava fornecer-lhe subsídios teórico-metodológicos. Os certificados de conclusão eram emitidos ao final do curso para alunos com freqüência mínima de 75% da carga horária.

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É bastante provável, entretanto, que estas estatísticas não reflitam adequadamente

a realidade da oferta da Educação de Jovens e Adultos, pois uma parcela expressiva das

matrículas nessa modalidade de ensino passou a ser registrada, nos últimos dois anos (2001 -

2002), como Ensino Fundamental regular na modalidade de classes de aceleração de estudos

– alternativa também admitida pelas últimas legislações para alunos defasados, na relação

entre idade/série, para evitar a exclusão escolar.

Concretizando as determinações constitucionais relativas aos direitos educacionais

dos cidadãos em qualquer idade, o Plano Nacional de Educação, através da lei nº

10.172/2001, estabelece como metas prioritárias para a Educação de Jovens e Adultos:

Alfabetizar, em cinco anos, dois terços do contingente total de analfabetos, de

modo a erradicar o analfabetismo em uma década;

Assegurar, em cinco anos, a oferta da Educação de Jovens e Adultos nas três

fases do primeiro segmento (equivalente às quatro primeiras séries iniciais) do

Ensino Fundamental para 50% da população de quinze anos e mais, que não

tenham atingido este nível de escolaridade;

Assegurar até 2010, a oferta de cursos equivalente às três fases do segundo

segmento (quatro séries finais) do Ensino Fundamental para toda a população de

quinze anos e mais, que concluiu as quatro séries iniciais;

Dobrar em cinco anos e quadruplicar em dez anos, a capacidade de

atendimento nos cursos de Educação de Jovens e Adultos.

Considerando os dados fornecidos pela Pesquisa Nacional por Amostragens de

domicílio – PNAD de 1999, realizada pelo IBGE, no Estado de Mato Grosso, para atingir as

metas do PNE deverá alfabetizar 25 mil jovens e adultos por ano, de modo a reduzir a terça

parte do contingente total de analfabetos, em cinco anos.

Entretanto, a Secretária Estadual de Educação de Mato Grosso chega em 2005

convocando os Secretários Municipais de Educação, para que seja implementada uma força

tarefa que possibilite a erradicação do analfabetismo neste Estado.

Todos esses dados reforçaram a escolha desta temática, no sentido de entender

como se deu a história da alfabetização de jovens e adultos em Mato Grosso entre 1947 e

1990, acreditando na possibilidade de uma investigação que recupere essa trajetória, e assim,

refletir sobre as ações dos diferentes grupos que nela atuaram, procurando entender porque o

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processo tomou um dado rumo e não outro, destacando as injunções que permitiram a

caracterização de uma possibilidade e não outra (VIEIRA; PEIXOTO; KHOURY, 1998,

p.11). Por isso, é oportuno frisar que a investigação teve como objetivo analisar como foram

desenvolvidas as Campanhas de Alfabetização de Jovens e Adultos no Estado de Mato

Grosso, e como se configuraram em termos de práticas sociais.

1.2 O Campo e o Problema de Investigação

No Brasil, a educação de adultos se constitui como questão de política

educacional, principalmente, a partir dos anos 1940. Neste sentido, a educação de jovens e

adultos é fundamentalmente considerada como parte integrante da história da educação em

nosso país, integrando um campo importante de estudo para a pesquisa histórica, que procura

interpretar as relações entre os sujeitos de um determinado período histórico, suas lembranças

e marcas deixadas.

A política para alfabetização de jovens e adultos, no entanto, não foi prioridade no

século passado, e tudo indica que não será diferente no século XXI. Ao longo dos anos foi

possível perceber que instituições e programas para educação de jovens e adultos foram os de

menor prestígio, tanto na educação formal como na informal, pelo fato desses sujeitos/alunos

não oferecerem prestígio, ou seja, pobres e limitados em suas habilidades.

Outra questão importante e relevante é o fato de se pensar a educação de jovens e

adultos do ponto de vista assistencialista, o que, de certa forma compromete e distorce todo o

investimento nessa área. Vale salientar ainda, a preocupação das instituições governamentais

de não perder o controle da hegemonia política existente, visto que hoje a pressão do sistema

internacional através de ONGS e conferências mundiais, dificultam a manipulação e o

controle burocrático dos programas de educação de jovens e adultos.

No início da década de 1990 a Educação de Jovens e Adultos3 começa a ser tratada

a partir de uma perspectiva conceitual mais ampliada, em decorrência dos grandes debates

realizados durante grandes conferências internacionais como: Conferência Mundial de

Educação para todos, Jonthien, Tailândia, 1990; Conferência Internacional de Educação de

Adultos, Hamburgo, Alemanha, 1997; Cúpula Mundial de Educação, Dakar, Senegal, 2000. A

3 A expressão Educação de Jovens e Adultos (EJA) começou a ser utilizada a partir de 1988, antes apenas se usava Educação de Adultos (EDA).

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partir dessas conferências é possível perceber certo avanço no grau de compreensão e

importância da necessidade de garantir para o milênio que se aproximava o direito à educação

para jovens e adultos. Contudo, percebi que as ações políticas destinadas a esse segmento

educacional, ainda não conseguiram produzir de forma sedimentada uma política educacional

mais comprometida com a escolarização desses jovens e adultos não alfabetizados.

Em relação ao descaso político referente à Educação de Jovens e Adultos, Paulo

Freire (2000) manifestou grande indignação e inconformismo em relação às posições que

apresentam as condições históricas como mera fatalidade e propõe que se coloque o problema

da Educação de Jovens e Adultos como sendo de natureza histórica-política e ética.

Por outro lado, diz Moura (2004), que toda a história das idéias em torno da

alfabetização de adultos no Brasil acompanha a história da educação como um todo,

acompanha também a história dos modelos econômicos e políticos e, conseqüentemente, a

história das relações dos grupos que estão no poder. A partir dessa compreensão, a autora

chama atenção para a grande desigualdade entre a alfabetização infantil, que é definida por

lei, de caráter obrigatório do Estado, e alfabetização de adultos que em seu entendimento,

[.....] tem sido alvo de lutas de interesses intensas e movimentos distintos na história da educação. Em cada período, identificam-se, grupos econômicos, grupos políticos partidários, grupos de organismos internacionais, num verdadeiro embate político e ideológico, em torno da reivindicação – ou não – de definição de políticas e ações para área (MOURA, 2004, p. 23).

Dessa maneira, somente será possível entender o desenvolvimento das Campanhas

de alfabetização de Jovens e Adultos nas últimas décadas, se recorrermos aos vestígios do

passado que nos foram legados por nossos antepassados, analisando as ações políticas

desenvolvidas ao longo do processo histórico da educação brasileira, na tentativa de se contar

“uma” história das relações estabelecidas por esses atores sociais.

Por ser ainda pouco contada a história das Campanhas de Alfabetização de Jovens

e Adultos no Brasil, especificamente a do Estado de Mato Grosso, parece-nos necessário

contribuir com estudos que possam explicar como foram desenvolvidas essas Campanhas ao

longo dos últimos 50 anos. De certo modo, pretendo compreender como foram desenvolvidas

as Campanhas de Alfabetização de Jovens e Adultos pelo poder público do Estado de Mato

Grosso e como foi seu desdobramento no interior da sociedade mato-grossense.

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Nesse sentido estabeleci o seguinte problema de pesquisa: Como foram

desenvolvidas as Campanhas de Alfabetização de Jovens e Adultos em Mato Grosso, no

período de 1947 a 1990?

A problematização da pesquisa levou em conta as seguintes perguntas:

A alfabetização de adultos neste período (1947 a 1990) era vista como peça

importante no processo de promoção educacional de todo um povo?

Como foi a atuação dos poderes públicos do Estado de Mato Grosso ante as

Campanhas nacionais de alfabetização de jovens e adultos?

Quais fatores influenciaram positivamente/negativamente as Campanhas de

Alfabetização de Jovens e Adultos em Mato Grosso?

A importância de uma pesquisa de abordagem histórica é a de refletir as ações dos

diferentes grupos que nela atuaram, procurando entender porque o processo tomou um dado

rumo e não outro. Por outro lado, diz Le Goff (1984, p.224), o que se busca no passado é algo

que até pode ter-se perdido nesse passado, mas que se coloca no presente como uma questão

não resolvida. E é sobre está ótica que penso no problema da alfabetização de jovens e adultos

em Mato Grosso, como uma questão não resolvida e que precisa ser entendida, para que, se

possa compreender o movimento histórico ocorrido na Educação de Jovens e Adultos neste

Estado.

Assim, esclareço que o recorte delimitado nessa pesquisa se deu em função de dois

grandes marcos na história da Alfabetização de Jovens e Adultos: no ano de 1947 foi lançada

a primeira Campanha Nacional de Alfabetização de Adolescente e Adultos, coordenada pelo

professor Lourenço Filho, e no ano de 1990, temos a extinção da Fundação Educar pelo então

governo Collor.

1.3 Os Caminhos da Investigação

No trabalho “Pesquisa em História” Vieira, Peixoto e Khoury (1998), destacam a

necessidade de algumas pessoas, que se propõem a investigar um objeto, têm em encontrar

um ponto de apoio que indique com segurança os caminhos a seguir. Isso ocorre devido a

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herança cientificista que pensa o método como elemento fundamental para garantir a

objetividade do trabalho do historiador. Nesta perspectiva, as autoras concluem que o método

deveria ser visto como “caminho a ser percorrido, demarcado, do começo ao fim, por fases ou

etapas”. A partir dessa postura o historiador estará valorizando a teoria e a técnica como meio

seguro (científico) de abordar o passado.

Ao se pensar em uma investigação sobre Campanhas de alfabetização de jovens e

adultos, é inevitável recorrer a um passado de histórias, que certamente evidenciará uma

ampla e sistêmica problemática da educação brasileira, que constituem em histórias não

resolvidas repletas de um presente marcado por cenas históricas. Neste sentido, Ortega e

Gasset, afirmam:

O homem é hoje o que é porque ontem foi outra coisa. Ah! Então, para entender o que hoje é basta com que nos contem o que foi ontem. Basta com isso e aparece transparente o que hoje estamos fazendo. E essa razão narrativa é ‘a razão histórica’ (ORTEGA; GASSET, 1983, p.121-122).

Assim, reconstruir uma trajetória dessas Campanhas de alfabetização de jovens e

adultos, é pensar em analisar fatos e realizações humanas já ocorridas num lugar específico,

em circunstâncias e em épocas irreversíveis, geradas num mundo temporalmente definido.

Para isso, elegem-se certos fragmentos ou ruínas do passado considerando seus valores, ideais

e procedimentos históricos, com objetivo de recuperar a trajetória dos homens vivendo as

várias dimensões do social, reconstruindo assim fatos e vidas. Contudo, segundo Walter

Benjamim (1987 p.224), não devemos esquecer que “articular historicamente o passado não

significa conhecê-lo como ele de fato foi”.

Neste sentido, a contribuição da pesquisa histórica para este trabalho é o de poder

pensar o conhecimento histórico como capaz de apreender e congregar as experiências vividas

pelos sujeitos sociais, suas necessidades, seus interesses, em várias situações determinadas

pelo social. Segundo Vieira, Peixoto e Khoury apud Thompson, (1998), “interessa recuperar

caminhadas, programas fracassados, derrotas e utopias, pois nada garante que o que ganhou

foi sempre melhor”. Assim, pode-se dizer que a história possibilita esse jogo entre vencidos e

vencedores, mas o que gera um interesse sedutor no pesquisador é desvendar as injunções que

determinaram esse jogo.

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Para Vieira, Peixoto e Khoury (1998, p.30), “o conhecimento histórico é

historicamente produzido”. Segundo as autoras, a história deve ser pensada no duplo sentido

do termo: como experiência humana e como sua própria narração, interpretação e projeção.

Pois a experiência humana não se modifica enquanto passado, o que se modifica é a forma

como ela é investigada, de acordo com as problemáticas que o investigador se coloca no

presente, que envolvem sua própria experiência de vida e as concepções das quais parte.

Desta forma, é possível afirmar que a postura, a experiência, a posição teórica e as

expectativas do pesquisador encaminharão seus passos no momento em que este estabelecer

diálogo com as fontes encontradas.

A partir desse entendimento, optei pela análise de fontes documentais, no intuito

de selecionar documentos emblemáticos que me permitissem encontrar “normatizações” e

“concretizações”4 dos processos de homogeneização e consensualização das versões que

foram legitimadas, preservadas e legadas às gerações futuras. Desta forma, vale lembrar o que

Le Goff entende como documento:

Uma montagem, consciente ou inconsciente, da história, da época, da sociedade que produziram, mas também das épocas sucessivas durante as quais continuou a viver, talvez esquecido, durante as quais continuou a ser manipulado, ainda que pelo silêncio. O documento é uma coisa que fica, que dura, e o testemunho, o ensinamento que ele traz devem ser em primeiro lugar analisados desmistificando-lhe o seu significado aparente (LE GOFF, 1984. p.103).

A partir da compreensão deste conceito, posso dizer que a escolha do documento é

o ponto de partida para o pesquisador, é o momento de analisar, criticar e relativizar, as

condições de produção históricas e da intencionalidade dos documentos selecionados,

procurando construir um significado acerca dos acontecimentos no passado.

Feita esta constatação, parti em busca de documentos que poderiam subsidiar este

trabalho. Num primeiro momento me preocupei em saber se já havia sido desenvolvida

alguma pesquisa sobre essa temática aqui no Estado de Mato Grosso. O que ficou constatado

em levantamento bibliográfico que nesse período (1947 a 1990) não havia nenhuma pesquisa

sobre Campanhas de Alfabetização de Jovens e Adultos em Mato Grosso.

4 Esses termos serão conceituados no decorrer da pesquisa.

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O próximo passo foi procurar a Secretaria de Educação, que não tinha em seus

arquivos nenhum documento relacionado com as Campanhas de Alfabetização de Jovens e

Adultos ocorridas em Mato Grosso nesse período de minha pesquisa.

Cheia de dúvidas de como e onde encontrar esses documentos, continuei minha

odisséia em busca de um ponto de partida. Foi então que cheguei ao Arquivo Público e lá

comecei meu primeiro contato com documentos sobre a história da educação de Mato Grosso.

Este momento foi bastante excitante, eu naquele ambiente cercada de estantes com livros e

catálogos antigos, aqueles documentos em papéis cansados, mas vivos, me encheu de um

sentimento semelhante ao que Prost descreve:

Eu duvido, o reconheço, que um historiador possa deixar de provar uma certa emoção abrindo uma pasta de arquivo ou a coleção de um velho jornal: essas folhas que dormem há tanto tempo conservam o traço de existência múltiplas, de paixões hoje extintas, de conflitos esquecidos, de análises imprevistas, de cálculos obscuros (PROST, 1999 apud ALVES, 2003, p. 3).

Motivada por esse sentimento, continuei a pesquisa na Biblioteca Pública de Mato

Grosso, na Assembléia Legislativa, na Biblioteca da Universidade Federal e ainda, através da

leitura da Tese de Doutorado do professor Leôncio Soares descobri que alguns documentos

sobre as campanhas faziam parte do acervo da Biblioteca da Universidade Federal do Rio de

Janeiro e também da Biblioteca do INEP – Instituto Nacional de Estudos pedagógicos. Então

estabeleci uma rede de contatos que pudesse me ajudar a localizá-los e ter acesso aos

mesmos.5

Após a reunião e seleção dos documentos encontrados sobre as campanhas de

alfabetização de adultos, percebi que a tarefa de historiar a educação mato-grossense seria um

trabalho árduo, principalmente porque o estudo em questão era a educação de jovens e

adultos, que numa análise preliminar já era possível intuir que não havia merecido a devida

importância pelas autoridades educacionais, devido à falta de arcabouço do ensino neste

Estado por muitas décadas. Diante desses documentos surgiram algumas perguntas: De que

forma a preservação de tais documentos determinará minhas conclusões neste trabalho de

5 No Rio de Janeiro meu contato foi minha irmã Jeneffer Souza, estudante na UFRJ que logo me enviou a documentação solicitada. Na Biblioteca do INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais., fiz contato com a Srª. Maria Joselita da Silva, que prontamente me enviou documentos relacionados à educação de jovens e adultos existentes naquele acervo. Agradeço, imensamente, às duas, pela colaboração.

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pesquisa? Como proceder diante da possibilidade da existência de documentos contraditórios?

Que valor dar a um documento único? De que forma usar uma informação inusitada? Até

onde confiar no que está escrito, principalmente se a procedência for de fontes produzidas

pelo Estado? Em que medida os documentos que não foram preservados poderão constituir

em uma lacuna na reconstrução de um contexto?

Todo esse receio é decorrente do desejo de querer se apropriar de dados reais que

possam comprovar a veracidade do que se pretende contar. A esse respeito Alves comenta:

Os historiadores abandonaram, há muito, qualquer pretensão de recolher todas as provas possíveis de todos os fatos que poderiam ser de interesse para a história. Desvaneceu-se a ilusão de que a sondagem dos registros do passado poderia descortinar acontecimentos que se apresentassem no seu desenrolar original (ALVES, 2003, p.1).

Entretanto, permanece no pesquisador a vontade de reconstruir um passado

comprometido com a realidade, mesmo sabendo que é ilusório pensar numa historia singular,

visto que, hoje, as inúmeras possibilidades de análise do passado permitem uma pluralidade

de modos de se escrever histórias.

Pensando assim, o pesquisador terá que ter em mente que tipo de relação poderá

estabelecer com o documento, visto que, a intencionalidade é algo preocupante no sentido de

garantir o ato interpretativo. De acordo com Bloch (1987, p. 60) “os documentos-fontes só

falam, quando se sabe interrogá-los”. Por isso, pode-se dizer que a essência da pesquisa

histórica sempre será a estreita relação do pesquisador com suas fontes.

A localização de fontes é sem dúvida a tarefa mais penosa da pesquisa, por isso

recorremos ao que diz Saviani (2004) sobre como definir uma fonte histórica. Segundo ele,

devemos levar em consideração duas conotações da palavra fonte que, por um lado, significa

o ponto de origem, o lugar de onde brota algo que se projeta e se desenvolve indefinidamente

e inesgotável. E por outro lado, indica a base, o ponto de apoio, o repositório dos elementos

que determinem os fenômenos cujas características se busca compreender. A rigor, para a

pesquisa histórica as fontes constituem o ponto de partida, a base, o ponto de apoio da

construção historiográfica que é a reconstrução, no plano do conhecimento, do objeto

histórico estudado. Assim, todos os documentos e papéis encontrados em arquivos públicos

ou particulares, bibliotecas e museus, não são em si mesmo fontes. Como afirma Saviani:

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Com efeito, os mencionados objetos só adquirem o estatuto de fonte diante do historiador que, ao formular o seu problema de pesquisa, delimitará aqueles elementos a partir dos quais serão buscadas as respostas às questões levantadas. Em conseqüência, aqueles objetos em que real ou potencialmente estariam inscritas as respostas buscadas erigir-se-ão em fontes a partir das quais o conhecimento histórico referido poderá ser produzido (SAVIANI, 2004, p.6-7).

Nesta perspectiva, Saviani afirma que todas as fontes históricas, por definição, são

consideradas produções humanas, e para a perfeita compreensão deste conceito deve-se levar

em conta alguns pontos:

1-que as fontes se constituem de modo espontâneo; 2- que são encontradas nos vários tipos de acervos, com mais diferentes formas, são documentos, vestígios, indícios que foram acumulando-se ou foram sendo guardados, aos quais recorremos quando buscamos compreender determinado fenômeno (papéis acumulados em bibliotecas, miríade de peças guardadas em museus, múltiplos objetos); 3-que se deve preservar os materiais pesquisados para que possa servir para estudos futuros quando esses materiais serão eventualmente , tomados como preciosas fontes pelos historiadores em sua busca de compreender o seu passado que é o nosso presente (SAVIANI, 2004, p.4-6).

Por isso, o levantamento das fontes me exigiu o desenvolvimento de um senso

investigativo, no sentido de seguir as pistas que uma fonte fornece a outra fonte, podendo

assim estabelecer critérios para a seleção, a leitura e a interpretação das mesmas.

A esse respeito Alves (2003) chama atenção para as transformações sofridas no

século XX que produziram algumas mudanças na relação do historiador com suas fontes,

levando a reflexão de que não são apenas os fatos, mas as categorias de análise utilizadas pelo

pesquisador que serão o alicerce da construção da narrativa histórica. Essa nova abordagem é

decorrente da influência de outras ciências como a sociologia, a economia, a antropologia e a

lingüística que acionaram outras áreas e linhas de pesquisa. Mas é preciso considerar que esta

nova abordagem possibilitou a valorização de outras fontes que antes eram desprezadas e que

agora ampliam o foco do historiador e contribuem para a evolução de uma pesquisa histórica

mais abrangente.

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Contudo deve-se tomar cuidado com o que chama Alves (2003) de “a trama dos

arquivos”, segundo a autora “os arquivos apresentam-se, muita vezes, como uma verdadeira

armadilha para o historiador”. A autora ainda esclarece que no momento em que se procede a

investigação no arquivo, diversos lugares se superpõem, estabelecendo resultados que

representarão a consistência do trabalho de pesquisa. Outro cuidado que a autora adverte é o

envolvimento emocional, que não pode de maneira alguma interferir nas escolhas efetuadas

durante o processo de investigação, por colocar em risco o ato interpretativo e as verdadeiras

razões que orientam os historiadores a tomarem suas deliberações.

Por outro lado, Vieira, Peixoto e Khoury (1998, p. 49) afirmam que “a

subjetividade do pesquisador está presente na seleção dos dados, mas a escolha não é

arbitrária; ela resulta da relação entre a postura teórica do pesquisador e o objeto pesquisado”.

Importa também enfatizar, que após a seleção das fontes documentais o

pesquisador deverá atentar para dois procedimentos que, segundo Nunes e Carvalho,

possibilitarão a organização das fontes encontradas:

1-incorporar nesse trabalho o maior número de informações, determinação do lugar de fala desse documento, sistemas de descrição, indexação e remissão, para pluralizar as possibilidades de utilização; 2-determinar o lugar de fala dos discursos, constituídos pelo pesquisador como documentos, constituição da escola nessas relações; incorporação de aspectos teóricos; alargamento da concepção de fontes e recurso a novos procedimentos de análise, especialmente pelas contribuições da história oral e dos diversos campos do saber (NUNES ; CARVALHO, 1993, p. 31).

Em conseqüência destas asseverações, comecei a investigação com certo grau de

percepção de que tinha pela frente uma grande peleja, cuidando para não tomar as aparências

como evidências de forma a não comprometer a escolha das fontes a serem pesquisadas.

Outra grande preocupação foi como proceder com fontes relacionadas com as

políticas educacionais, visto que, as campanhas de alfabetização de jovens e adultos aqui

pesquisadas estão diretamente ligadas as políticas educacionais. Para entender melhor esse

processo de análise das políticas educacionais, busquei apoio nos estudos de Sanfelice (2004,

p. 100) que primeiramente diz que “devemos entender mais o papel que as políticas

educacionais têm exercido nas sociedades do que estudar as fontes que traduzem o registro da

sua geração e lhes dão materialidade”. Ainda sobre isso o autor afirma que há um farto uso da

legislação como fonte, assim como os decretos, os diários oficiais da União e dos Estados.

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Afirma, também, que os poderes Executivo e Legislativo tornam-se também objetos da

investigação, uma vez que são autores de projetos, geram legislação, formulam planos

trienais, decenais e planos de governo. Além disso, enfatiza os discursos de políticos e as

intervenções destes na tramitação da legislação são também ricas fontes e essas quase sempre

revelam muito mais do que se materializa na lei.

Em relação às políticas educacionais o autor recomenda que não se despreze

documentos que revelem tendências, hegemonia, representatividade de grupos e segmentos

que atuam na formulação das políticas educacionais tais como: emendas populares, atas e

jornais de Assembléias Constituintes, projetos derrotados e substitutivos, documentos do

Conselho Nacional de Educação e dos Conselhos Estaduais de Educação. Além disso,

Sanfelice (2004) faz uma lista de outras instituições que mesmo não fazendo parte do

aparelho do estado também são responsáveis pela deliberação de políticas educacionais,

como: Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO),

Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Confederação Nacional dos Bispos do

Brasil (CNBB), Conselho Nacional de Instituições da Educação Católica (CONIEC),

Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (CONFENEN), Central Única dos

Trabalhadores (CUT), Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE),

União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME), Serviço Social da

Indústria (SESI), Sociedade Brasileira para o Programa da Ciência (SBPC) e outros.

Seguindo essa orientação foi possível investir num olhar mais criterioso e

relevante para determinadas fontes que sem este estudo seriam desprezadas e

comprometeriam essa pesquisa. Desta forma, a possibilidade de proceder com o levantamento

de fontes relacionadas às políticas educacionais, permitiu a construção de um quadro

indicativo sobre alguns documentos encontrados, a partir dos quais foi possível conhecer

alguns aspectos das políticas educacionais relacionadas às campanhas de alfabetização.

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QUADRO 1 – RELAÇÃO DE FONTES DOCUMENTAIS DIVERSAS DESCRIÇÃO DAS FONTES ANO Jornal A Razão 1921 Jornal Gazeta Oficial 1937 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – Serviço Nacional de Recenseamento – O Analfabetismo no Peru e no Brasil

1940

Carta do Instituto Nacional de Estudos pedagógicos 1941 Diretoria Geral de Instrução Pública – Relatório 1942 Mensagens Apresentadas pelos Governadores de Mato Grosso à Assembléia Legislativa

1949 – 1950-1951-1952-1953-1954 -

1955-1956 Revista do I Congresso Nacional de Educação de Adultos - RJ 1950 Livro de Mensagem à Assembléia Legislativa de Mato Grosso 1950 Livro de Mensagem à Assembléia Legislativa de Mato Grosso 1951 Confederação Mundial das Organizações do Professorado – Assembléia dos Delegados – Rio de Janeiro

1963

Jornal Correio Brasiliense 1971 Relatório da Comissão de Elaboração de Diretrizes Político-Pedagógicas para a Fundação Educar – Brasília - DF

1986

Cartilha do Programa de Educação Básica da Fundação Educar - Rio de Janeiro - RJ

1987

CEDI – Centro Ecumênico de Documentação e Informação - Programa de Educação e Escolarização Popular – Relatório Final – Metodologia da Alfabetização de Adultos no Brasil: O Estado da Arte – São Paulo - SP

1990

Sem dúvida a localização dessas fontes se configurou em grande avanço para a

pesquisa, mas como assegura Sanfelice citando Lowy:

Nunca é demais repetir que as fontes não falam por si ao historiador e que os condicionantes deste, entre outros os decorrentes da sua formação cientifica e epistemológica, determinam em muito o seu próprio mirante, ou seja, o lugar de onde ele vai à busca das fontes estabelece a seleção, faz sua leitura e interpretação (LOWY apud SANFELICE, 2004, P. 106).

No que se refere ao processo analítico das fontes documentais, seu conteúdo,

finalidade e forma de veiculação desses documentos recorro ao entendimento que Mortatti

(2000) tem dos seguintes conceitos:

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a) tematizações – contidas especialmente em artigos, conferências, relatos de experiência, memórias, livros teóricos e de divulgação, teses acadêmicas, prefácios e instruções de cartilhas e livros de leitura;

b) normatizações – contidas em legislação de ensino (leis, decretos, regulamentos, portarias, programas e similares); e

c) concretizações – contidas em cartilhas e livros de leitura, ‘guias do professor’, memórias, relatos de experiências e material produzido por professores e alunos no decorrer das atividades didático-pedagógicas (MORTATTI, 2000, p.29).

Considerando ainda o ato interpretativo pertinente aos documentos-fontes, optei

por analisá-los a partir da compreensão do conceito de configuração textual, que segundo

Mortatti (2000), são conjuntos de aspectos constitutivos de determinado texto que

possibilitam uma análise integrada que permitirá ao investigador uma leitura possível e

autorizada de documentos considerados emblemáticos, compreendendo a diferença entre os

sentidos propostos por esses sujeitos e os sentidos que hoje podemos dar.

Ao utilizar o recurso da configuração textual a autora ainda afirma que o

pesquisador assume uma posição de um leitor contemporâneo que se esforça por compreender

simultaneamente:

O sentido da experiência vivida configurada nos discursos produzidos pelos sujeitos de cada momento; a apropriação desses discursos por seus contemporâneos e seus pósteros, como mediação necessária à constituição de sentidos diferentes; [...], (MORTTATI, 2000, p.32).

Por essas razões e por entender que todo discurso nasce de outro discurso e que a

maioria dos documentos aqui analisados são oriundos de instituições governamentais, e que,

estes revelam tendências, hegemonia e representatividade dos grupos que os produziram,

relacionei algumas questões de configuração textual como base de apoio para análise e

compreensão do momento histórico em que foram produzidos, tais como:

- opção temática (o quê?)

- determinada por qual (ais) sujeito (s) (quem?)

- ponto de vista e lugar social (onde?)

- momento histórico (quando?)

- motivado por quais necessidades (por quê?)

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- com qual finalidade (para quê?)

- público alvo (para quem?)

Enfim a utilização do recurso da configuração textual em documentos relacionadas

à alfabetização de jovens e adultos aqui reunidos e selecionados, possibilitou uma melhor

compreensão dos meandros nos quais foram tecidas as campanhas de jovens e adultos em

Mato Grosso.

1.4 Pressupostos Teórico-Metodológicos

Considerei importante para desdobramento teórico-metodológico desta pesquisa a

contribuição da História Cultural, no sentido de compreender a história de nossas idéias e nos

auxiliar na análise dos fatos temporalmente constituídos. Para isso recorri aos estudos de

Chartier (2002), que diz que a história cultural, tal como a entendemos, tem por principal

objetivo identificar o modo em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade

social é construída, pensada, dada a ler. Ele ainda afirma que a história cultural deve ser

pensada como a análise do trabalho de representação, isto é, das classificações e das exclusões

que constituem, na sua diferença radical, as configurações sociais e conceptuais próprias de

um tempo ou de um espaço. Ou ainda, compreendermos como um estudo dos processos com

os quais se constrói um sentido.

É possível definir a História Cultural como sendo uma nova forma de abordar

eventos e interrogar a realidade contemporânea. A Nova História Cultural, como também é

chamada, trouxe novos ares ao trabalho do historiador, que a partir de uma nova perspectiva

de interpretar os fatos históricos recorre a novos meios de compreensibilidade, salientando o

papel das representações na criação, manutenção e recriação do mundo social. A esse respeito

Vainfas afirma que:

Uma história problematizadora do social, preocupada com as massas anônimas, seus modos de viver, sentir e pensar. Uma história com estruturas em movimento, com grande ênfase no mundo das condições de vida material, embora sem qualquer reconhecimento da determinância do econômico na totalidade social, à diferença da concepção marxista da história. Uma história não preocupada com a apologia de príncipes ou generais em efeitos

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singulares, senão com a sociedade global, e com a reconstrução dos fatos em série passíveis de compreensão e explicação (VAINFAS, 2002, p. 17).

A partir dessa compreensão, foi possível enfocar, nessa pesquisa, algumas

experiências históricas relacionadas às campanhas de alfabetização de jovens e adultos em

Mato Grosso , analisando as experiências vividas pelos sujeitos envolvidos e como elas se

constituíram em práticas e representações sociais, e de que forma esses desdobramentos se

alocaram e atribuíram sentido ao seu mundo social. A esse respeito Chartier afirma que a

noção de representação, permite articular três modalidades da relação com o mundo social:

1) Em primeiro lugar, o trabalho de classificação e de delimitação que produz configurações intelectuais múltiplas, através das quais a realidade é contraditoriamente construída pelos diferentes grupos.

2) Seguidamente, as práticas que visam fazer reconhecer uma identidade social, exibir uma maneira própria de estar no mundo, significa simbolicamente um estatuto e uma posição;

3) Por fim, as formas institucionalizadas e objetivadas graças às quais uns ‘representantes’ (instâncias coletivas ou pessoas singulares) marcam de forma visível e perpetuada a existência do grupo, da classe ou da comunidade (CHARTIER, 2002, p.23).

Vale ressaltar que os conceitos de “práticas e representações” acatados nesta

pesquisa são clarificados pela contribuição de Roger Chartier para a História Cultura, que

procura compreender as práticas que constroem o mundo como representação, atentas as

influências e as apropriações que estas determinam aos encaminhamentos sociais e políticos.

Essa explicação faz-se necessária, devido ao largo uso desses conceitos por outras ciências.

As noções de “prática e representações” são de vital importância para o historiador

da cultura, porque através delas é possível estudar tanto os objetos culturais produzidos, os

sujeitos produtores e receptores de cultura, os processos que envolvem a produção e difusão

cultural, os sistemas que dão suporte a estes processos e sujeitos, e por fim as normas a que se

confrontam as sociedades quando produzem cultura, inclusive através da consolidação de seus

costumes. Desta forma, é possível afirmar que esse novo olhar elimina a noção de

superioridade de uma determinada modalidade cultural sobre a outra, o que significa também,

uma certa aproximação das massas anônimas .

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Nesta perspectiva, posso afirmar que a História Cultural revela uma especial

afeição pelo informal, por análises historiográficas que apresentem novos caminhos para a

investigação histórica, indo onde as abordagens tradicionais não foram. Em relação a isso:

Saber se pode chamar-se popular ao que é criado pelo povo ou àquilo que lhe é destinado é, pois, um falso problema. Importa antes de mais identificar a maneira como, nas práticas, nas representações ou nas produções, se cruzam e se imbricam diferentes formas culturais (CHARTIER, 2002, p. 56).

Neste sentido, a História Cultural tem beneficiado a abordagem de certos temas,

antes não tão privilegiados por historiadores ligados à história cultural, como afirmam Nunes

e Carvalho:

O campo tradicionalmente relegado à história da educação vem sendo progressivamente ocupado e redefinido pelas investigações da nova história cultural. A ênfase no estudo dos processos de circulação e apropriação culturais vem fazendo com que esta privilegie, como constitutivo de seu próprio campo de investigação, estudos relacionados a questões educacionais, que vinham sendo de certa forma relegados pela produção historiográfica anterior a uma situação de desprestígio intelectual e institucional (NUNES; CARVALHO, 1993, p.46).

Seguindo o arcabouço teórico-metodológico oferecido pela história Cultural,

busquei direcionar esta pesquisa no sentido de refletir sobre o passado das Campanhas de

Jovens e Adultos em Mato Grosso, não só identificando os mecanismos internos do processo

educacional, mas também refletindo todo o contexto sócio-histórico em que foram

constituídas.

Com o objetivo de obter uma abordagem mais ampla sobre o contexto histórico

das Campanhas de Alfabetização, recorri às narrativas de sujeitos envolvidos com as

Campanhas de Alfabetização Mato-Grossense, buscando na lembrança desses sujeitos

constituir pistas para entender como foram difundidas essas Campanhas relacionadas à

Alfabetização de Jovens e adultos naquele período histórico, lembrando que recordar envolve

processos de reconstrução e resignificação das experiências lembradas.

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Nesta perspectiva argumenta Thompson (1992, p.195), o valor do passado apóia-se

em três pontos fortes. O primeiro pode proporcionar, e de fato proporciona, informação

significativa e, por vezes, única sobre o passado. Em segundo, pode também transmitir a

consciência individual e coletiva que é parte integrante desse mesmo passado. Em terceiro, as

instituições reflexivas da introspecção de modo algum constituem sempre desvantagem.

Ao utilizar relatos orais, optei por uma concepção de sujeito enquanto reconstrutor

da história, que reinventa formas de diálogo consigo mesmo e com o outro, e que se

reconstrói ao reconstruir sua história pela memória e pela linguagem. É também ir a busca de

um olhar que descubra os vestígios de quem viveu a história, buscando subverter o olhar

hegemônico: aquele que vê apenas os grandes acontecimentos.

Meihy (1996) reconhece a importância da história oral para o historiador e propõe

o seguinte conceito:

A história oral implica uma percepção do passado como algo que tem continuidade hoje e cujo processo histórico não está acabado [...] Além de mexer no conceito de ‘personagem histórico’, a história oral também trabalha com a questão do cotidiano, evidenciando que a história dos ‘cidadãos comuns’ é trilhada em uma rotina explicada na lógica da vida coletiva de gerações que vivem no presente (MEIHY, 1996, p.10).

Por outro lado, diz Meihy (1996), a presença do passado no presente imediato das

pessoas é a razão de ser da história oral, pois garante sentido social à existência de depoentes

e leitores que passam a entender a seqüência histórica e a sentirem-se parte desse contexto.

Feita esta constatação, o autor propõe um conceito de história oral como sendo um recurso

moderno usado para a elaboração de documentos, arquivamento e estudos referentes à vida

social de pessoas. Ela é sempre uma história do tempo presente e também conhecida como

“história viva”. Contudo, não cabe aqui discutir sua cientificidade, apenas reconhecê-la como

um instrumento que aloca novos elementos para uma leitura da sociedade e que de certa

forma pode complementar algum conjunto documental para explicar percepções de

problemas que muitas vezes são filtrados ou dificultados pelas versões oficiais . Pode-se dizer

que, para Meihy, (1996, p.10), “a história oral é uma alternativa à história oficial, consagrada

por expressar interpretações feitas, quase sempre, com o auxílio exclusivo da documentação

escrita e cartorial”.

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A história oral tem como pressuposto um cuidado muito especial com o uso da

entrevista. O entrevistador deve estabelecer uma relação de confiança mútua com o

entrevistado, para garantir o grau de confiabilidade dos elementos obtidos e registrados.

Segundo Meihy, (1996, p. 32), quatro são os fatores que distinguem a história oral das outras

entrevistas procedidas em outras áreas:

1 - a técnica empregada na captação dos depoimentos;

2 - a transcrição com a explicitação da função do eu;

3 - o uso analítico ou não das mesmas;

4 - o resultado a que se destina (se para a academia ou para o público em geral).

Quanto à coleta dos depoimentos o autor destaca a importância do entrevistado ter

conhecimento prévio da pesquisa de que está participando, de nunca o entrevistador gravar

qualquer coisa sem o consentimento do entrevistado e de que nada será publicado sem a

autorização do mesmo. Na transcrição deve-se privilegiar o sentido intencional dado pelo

narrador, sem contudo, deixar de trabalhar na melhoria do texto evitando alguns vícios de

linguagens, erros gramaticais, abuso excessivo de certas palavras, com o cuidado de não

omitir do texto características individuais do tipo de narrativa do entrevistado. Além dessas

questões metodológicas, que, a rigor, constituem-se num aprendizado contínuo (realizar

entrevista, transcrever, digitar, analisar e interpretar), é preciso, ainda, atentar para o uso que

se faz do material, já que estamos lidando com experiências de sujeitos, de seres humanos;

isso exige sempre sensibilidade, respeito e ética.

O entendimento do conceito de história oral é também amparado pelas

contribuições de Thompsom (1992). Para este autor, alguns procedimentos devem ser

considerados fundamentais quando se pretende reavivar a memória de pessoas mais velhas

com fatos vividos há muito tempo. O primeiro procedimento diz respeito à disposição de ficar

calado e escutar. Deixar a pessoa, na medida em que for falando, ir se lembrando do contexto

cujo fato desejado está inserido. Evitar interrupções com freqüência, que possam inibir a fala,

colocando as informações da pessoa entrevistada em xeque. O segundo procedimento diz

respeito ao pesquisador que naquele momento se coloca como entrevistador. Refere-se à

importância de se fazer uma preparação das informações básicas para a entrevista. Essa

preparação auxilia no intercâmbio com a pessoa entrevistada que vai perceber que o

entrevistador sabe do que se está falando. Há que se cuidar para evitar uma demonstração

ostensiva do que se conhece e, principalmente, evitar interferências na entrevista, fazendo

correções. O terceiro procedimento se refere à forma de situar a participação do informante no

contexto do fato pesquisado. “Identificar até que ponto sua experiência e observações são

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diretas, quais recordações são de segunda mão e ter a sensibilidade para reconhecer as falhas

de memórias” (THOMPSON, 1992, p.254 -278).

É possível compreender memória, segundo Del Nero, como sendo um mecanismo

pelo qual se pode, no presente, inferir algo que se situa no passado. Memórias de longo tempo

permanecem quase perenemente gravadas, recrutáveis a qualquer instante. São as memórias

antigas que povoam a vida mental das pessoas idosas, pois os idosos evocam o passado

remoto com facilidade pelo fato de utilizarem as memórias mais bem gravadas. Ainda,

segundo o autor, é raro haver perda de memória antiga, embora possa haver problemas “nos

mecanismos de busca” das pessoas com mais idade (DEL NERO, 1977, p.343 -345).

Feita esta constatação, optei por uma entrevista semi-estruturada que, segundo

Lüdke e André (1986, p. 34), “se desenrola a partir de um esquema básico, porém não

aplicados rigidamente, podendo o entrevistador fazer as adaptações necessárias”. Assim,

elaborei um roteiro com algumas questões consideradas importantes para explorar melhor o

tema a partir das trajetórias percorridas pelos sujeitos entrevistados no campo da educação de

jovens e adultos. Desta forma, foi possível garantir uma maior liberdade dos entrevistados

para expressar o que pensam a respeito do tema abordado, possibilitando assim, um maior

volume de informações a serem analisadas.

Por isso, o que se busca na História Oral são registros da experiência vivencial ou

de informações partilhadas por sujeitos que estiveram inseridos nesse passado histórico, para

com isso, poder estabelecer diálogo com outras fontes já conhecidas facilitando o

entendimento de determinados fatos que geralmente são filtrados ou neutralizados pelas

versões oficiais.

1.4.1 Os Sujeitos da Pesquisa

Após o levantamento das fontes documentais, senti necessidade de buscar uma

abordagem mais ampla sobre as Campanhas de Alfabetização de Jovens e Adultos em Mato

Grosso. Desse modo, parti em busca de sujeitos que tivessem participado desse contexto

histórico. Optei primeiramente pela localização de professores que tivessem atuado como

alfabetizadores nessas Campanhas, por acreditar que estes seriam mais facilmente localizados

e, além disso, poderiam fornecer ricos detalhes sobre o desenvolvimento dessas campanhas a

partir de suas concretizações, que geralmente são renegadas pelas versões oficiais.

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Logo na primeira entrevista, com a professora Maria do Rosário, a mesma

informou que, além de ter sido professora alfabetizadora, também havia sido coordenadora do

Mobral. Então, durante a entrevista, obtive dados tanto de seu trabalho como professora

alfabetizadora, como também de seu trabalho como coordenadora. A partir do relato desta

professora, percebi que seria muito interessante para esta pesquisa encontrar outros

coordenadores que tivessem participado dessas Campanhas. Assim, estabeleci o seguinte

critério para a seleção dos sujeitos desta pesquisa: ter sido professor e/ou coordenador das

Campanhas aqui pesquisadas.

Entretanto, vale ressaltar que, devido ao longo período temporal desta pesquisa

não consegui localizar nenhum sujeito que tivesse participado da primeira Campanha de

Educação de Adolescentes e Adultos Analfabetos, realizada no período de 1947 a 1963.

Portanto, todos os sujeitos localizados nesta pesquisa fizeram parte da Campanha do Mobral.

No quadro a seguir, apresento a relação de professores e coordenadores que foram

entrevistados, tipo de atuação que tiveram na Campanha e a situação profissional atual. Vale

salientar que as narrativas orais dos sujeitos entrevistados foram compreendidas como práticas

sociais e expressão de experiências vividas.

QUADRO 2: RELAÇÂO NOMINAL DOS SUJEITOS DA PESQUISA

NOME IDADE CAMPANHA ATUAÇÃO SITUAÇÃO

PROFISSIONAL

ATUAL

Joana Júlia de Oliveira 54 MOBRAL Professora

Alfabetizadora

Desempregada

Carlina Benedita da

Silva

68 MOBRAL Professora

Alfabetizadora

Aposentada

Diva Silvera de

Oliveira

57 MOBRAL Professora

Alfabetizadora

Lecionando

Epifânia Maria da

Costa

57 MOBRAL Professora

Alfabetizadora

Aposentada

Sr. AFJ - MOBRAL Coordenador Mudou de

profissão

Neide Benta Pinheiro

Arruda

58 MOBRAL Professora/Coordenadora Aposentada

Maria do Rosário

Oliveira

- MOBRAL Professora/Coordenadora Aposentada

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As entrevistas foram realizadas na forma semi-estruturada, procurando explorar o

tema a partir das trajetórias percorridas pelos sujeitos entrevistados no âmbito das Campanhas

de Alfabetização de Jovens e Adultos. O roteiro das entrevistas mantinha alguns pontos

considerados importantes: dados pessoais, informações sobre o material didático utilizado nas

campanhas, perfil dos alunos que participaram das turmas de alfabetização, de que forma era

feito o processo seletivo para professores atuarem nas campanhas, envolvimento das

autoridades municipais e estaduais com as campanhas e, por fim, os resultados obtidos por

essas campanhas.

Durante as entrevistas procurei não transmitir aos entrevistados minhas ansiedades

em relação ao tema abordado. Tentei construir uma atmosfera de confiança, que

proporcionasse aos entrevistados total segurança para se manifestarem livremente, deixando

fluir seus sentimentos, desejos, anseios e suas memórias do passado.

Dos 07 (sete) sujeitos entrevistados, somente um não permitiu ter sua identidade

revelada, o que suponho ser motivado pela nova profissão que exerce. Entretanto, todos foram

bastante receptivos durante as entrevistas, assinaram termo de autorização para divulgação de

seus depoimentos e alguns até ofereceram documentos, fotos e material didático que faziam

parte de seus acervos pessoais, para que fossem utilizados nesta pesquisa.

As entrevistas foram realizadas individualmente, respeitando a disponibilidade dos

entrevistados, que definiram horário, local e dia que poderiam me receber. Os depoimentos

foram gravados e tiveram duração de no mínimo uma hora e no máximo duas.

Após as entrevistas, fiz as transcrições de forma convencional, ouvindo e digitando

o conteúdo literalmente. Na seqüência, analisei o material transcrito minuciosamente e

confrontei com outros dados coletados durante a pesquisa. Neste sentido, Demartini (1992)

afirma que:

[...] só a análise minuciosa dos relatos, depois de transcritos, nos permite conhecer os detalhes e questões aventadas em cada entrevista, procurando o ponto de concordância e de discordância entre elas, sobre os mais variados aspectos; descobrir aspectos novos que apenas com a comparação conseguimos perceber, pois muitas vezes os elementos necessários ao entendimento de determinadas situações surgem não só na análise do que foi dito no conjunto dos relatos, mas também do que não foi dito (DEMARTINI, 1992, p. 52).

Alem disso, Demartini (1992), adverte que o pesquisador deve ter :

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[...] a consciência de que durante a pesquisa, estará trabalhando com dois materiais distintos: as memórias faladas, que o pesquisador registra em sua própria memória, e que até inconscientemente estão presentes durante a análise, e o material escrito, que lhe exige novas atenções. Se as entrevistas faladas são ricas e cheias de elementos novos que vão se apresentando às vezes aos poucos, à medida que se escuta várias vezes cada gravação, o material transcrito, por outro lado permite uma visão de conjunto e um trabalho com as memórias de forma mais dinâmica (DEMARTINI, 1992, p. 54).

Entretanto, o uso desse material coletado (entrevistas) exige do pesquisador uma

postura respeitosa, responsável e ética, garantido assim total fidelidade às informações

prestadas, visto que elas revelam experiências e sentimentos de seres humanos.

O diálogo estabelecido com os sujeitos da pesquisa permitiu compreender como

esses indivíduos experimentaram e interpretaram acontecimentos relacionados à Campanha de

alfabetização que haviam participado.

1.4.2 Alfabetização um Conceito em Mutação

Além de todas essas recomendações que orientam com eficácia esse trabalho de

pesquisa, ainda faz-se necessário elucidar alguns conceitos que contribuíram para a análise

das trajetórias das campanhas de alfabetização de jovens e adultos em Mato Grosso. Assim,

primeiramente faço, um breve apanhado sobre o conceito de alfabetização, baseada nos

estudos de Mortatti (2004).

Nas últimas décadas, o conceito de alfabetização vem mudando radicalmente.

Durante muito tempo considerou-se que uma pessoa estava alfabetizada quando sabia ler e

escrever, ainda que num nível muito rudimentar, por exemplo, desenhar o nome. Foi essa

concepção que orientou a maioria das campanhas de alfabetização de jovens e adultos em

todo o mundo. Acreditava-se que em dois ou três meses se pudessem ensinar os princípios

básicos da codificação dos sons em letras e que, a partir de então, jovens e adultos já estariam

aptos a empregar esse conhecimento em proveito próprio. Essa concepção levou a maioria das

campanhas de alfabetização de adultos ao insucesso. Encerrada a campanha, a maioria dos

jovens e adultos não encontrava incentivos para aplicar seus conhecimentos nem

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oportunidades educativas para continuar aprendendo: ocorria então o fenômeno conhecido

como regressão ao analfabetismo.

Desse modo, a conceitualização dos termos "analfabetismo" e "alfabetização"

carregam uma história de múltiplos e complexos significados, não havendo precisão e até

muitas vezes oposição em relação ao que estes conceitos querem dizer. Cabe destacar também

que isto se deve aos diversos critérios existentes para defini-los. Em relação a isto, Letellier

diz que:

A imprecisão e ambigüidade em que têm sido mantidos os próprios conceitos de analfabetismo e alfabetização contribuíram para a proliferação de termos (freqüentemente superposto ou parcialmente superposto) para descrever os diferentes estágios e níveis intermediários ao eixo analfabetismo-alfabetização, tais como analfabetismo absoluto, puro, regressivo, por desuso, funcional ou os de analfabeto, semi alfabetizado, neo-alfabetizado (LETELLIER apud TORRES 1996, p.10).

Para Mortatti (2004), os significados de “analfabeto” e “analfabetismo” indicam

uma condição que antecede (cronologicamente) o aprendizado das primeiras letras (leitura e

escrita) e a instrução primária. Depois (cronologicamente) de “analfabeto” e “analfabetismo”

passaram a ser necessárias palavras para designar o novo estado ou condição de saber ler e

escrever, e foram criadas: “alfabetizar” e “alfabetismo”, que derivam de “alfabeto”; e

“alfabetização” e “alfabetizado”, que derivam de “alfabetizar” (MORTATTI, 2004, p.39-40).

Entretanto a tentativa de entender o significado dessas palavras, nada mais é do que o desejo

de ampliar a definição de saber ler e escrever.

A autora, a partir de uma perspectiva diacrônica, faz uma reflexão dos momentos

históricos em que passaram a ser utilizadas as palavras “analfabeto”, “analfabetismo”,

"alfabetizar”, “alfabetização”, “alfabetizado”, “alfabetismo”, “letramento”, “letrado” e

“iletrado”.

A palavra “analfabeto” é a de uso mais antigo, remontando ao início do século

XVIII (MORTATTI, 2004, p. 38). O sentido da palavra “analfabeto” naqueles tempos é o

mesmo até hoje: o ignorante das letras do alfabeto, que não sabe ler nem escrever e que não

tem instrução primária. No final do século XIX a palavra “analfabetismo” passou a ser usada

para designar o problema que envolvia o estado ou a condição de analfabeto. Já a palavra

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“iletrado” também é usada desde o final do século XIX, que chega a ser quase sinônimo de

analfabeto. Entretanto, a palavra “letrado”, que é utilizada desde o século XVIII, não tem

relação direta com a palavra “analfabeto”.

Na modernidade essas palavras foram incorporando outros sentidos, visto que os

debates sobre educação, ensino e aprendizagem trouxeram novas perspectivas para a

compreensão e utilização desses termos. A esse respeito, Mortatti (2004) diz que as novas

exigências sociais em relação à leitura e à escrita fizeram com que a partir do censo de 1950

uma pessoa só era considerada alfabetizada quando fosse capaz de ler e escrever um bilhete

simples, no idioma que conhecesse; aquele que soubesse apenas assinar o nome era

considerado analfabeto.

A palavra ‘alfabetização’ passou portanto, a partir desse momento histórico, a designar um processo de caráter funcional e instrumental, relacionado com o escolanovismo e com o ideário político liberal e democratização da cultura e da participação social. Desse ponto de vista, ‘alfabetização’ passou a designar explicitamente um processo escolarizado e cientificamente fundamentado, entendido como meio e instrumento de aquisição individual de cultura e envolvendo ensino e aprendizagem escolares simultâneos da leitura e da escrita, estas entendidas como habilidades específicas que integravam o conjunto de técnicas de adaptação do indivíduo às necessidades regionais e sociais (MORTATTI, 2004, p.67).

E assim, a palavra “alfabetização” foi amplamente usada tanto no âmbito político

como no âmbito pedagógico e, sobretudo, pelas cartilhas de alfabetização.6

Concomitantemente a isso, alguns educadores comprometidos com a educação popular e a

alfabetização de adultos, com destaque para o educador Paulo Freire, atribuíram outros

sentidos para as palavras “alfabetização”, “alfabetizado”, “analfabetismo”, “analfabeto”, que

se dilataram, passando a compreender não só o ensino de leitura e da escrita no âmbito

escolar, mas também a “leitura de mundo”, que visava uma conscientização da importância do

homem no seu contexto político e social (MORTATTI, 2004).

Outros estudos e pesquisas foram tomando destaque no Brasil como os

fundamentos do interacionismo lingüístico e da “psicologia soviética”. Do ponto de vista do

interacionismo, a palavra “alfabetizado” designa o estado ou condição daquele indivíduo que

6 A esse respeito, ver MORTATTI, M. R.L. Cartilhas de alfabetização e cultura escolar; um pacto secular. Cadernos CEDES, 52 (Cultura escolar – história, práticas e representações), 2000, p. 41 – 54.

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sabe ler e produzir textos, com finalidades que extrapolam a situação escolar e remetem às

práticas sociais de leitura e escrita, algo próximo à leitura e escrita “do mundo”.

Concebida com base nesses novos estudos sobre o processo de alfabetização, surge

na segunda metade da década de 1980 as primeiras formulações e proposições da palavra

“letramento” para designar algo mais do que até então se podia designar com a palavra

“alfabetização”.

Entretanto, a “pré-história” das palavras em análise situa-se nos quase trezentos

anos que abrangem o período colonial; e sua história, propriamente dita, inicia-se na primeira

metade do século XIX, com “analfabeto” e “analfabetismo”, acrescentando-se, no início do

século XX, “alfabetizar”, “alfabetização”, “alfabetizado”, e, no final do século XX,

“letramento”, “alfabetismo”, “letrado”, “iletrado”.

Pode-se considerar, ainda, que na história de “analfabeto” e “analfabetismo”,

“alfabetizar”, “alfabetização” e “alfabetizado” tem-se a pré-história de “letramento”,

“alfabetismo”, “letrado” e “iletrado”.

No Brasil, a necessidade de ampliar o conceito de alfabetização somente começou

a se tornar possível quando novos fatos, como a condição de alfabetizado e a extensão da

escolarização básica, começaram a se tornar visíveis, gerando novas idéias e novas maneiras

de compreender os fenômenos envolvidos.

Na década de 1990, surge um novo conceito aliado ao de alfabetização: o de

letramento. Segundo Soares (1998, p.47), “o termo letramento é a versão para o Português da

palavra de língua inglesa literacy, que significa o estado ou condição que assume aquele que

aprende a ler e a escrever”. Esse mesmo termo também é encontrado no dicionário Houaiss

(2001) como “um conjunto de práticas que denotam a capacidade de uso de diferentes tipos de

material”. Enfim, letramento está diretamente relacionado à língua escrita e seu lugar, suas

funções e seus usos nas sociedades letradas, ou seja, mais especificamente grafocêntricas.

A educação e letramento são, hoje, conceitos e práticas inter-relacionados e

complementares entre si. Além da contribuição para a reflexão sobre problemas culturais e

sociais mais amplos, entre o conceito de letramento - que abrange os usos e funções sociais da

leitura e da escrita em uma sociedade letrada -, e o conceito de educação – que abrange

processos educativos que ocorrem não apenas em situação escolar, mais também em situações

não-escolares, vem se evidenciando uma relação bastante fecunda e promissora, no sentido de

avançarmos na conquista de direitos humanos básicos e que devem ser distribuídos

igualmente e entre todos, para o exercício pleno da cidadania.

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Segundo Soares (2003), “letrar é mais que alfabetizar, é ensinar a ler e escrever

dentro de um contexto onde a escrita e a leitura tenham sentido e façam parte da vida do

aluno”. Ainda a autora adverte que um indivíduo alfabetizado não é necessariamente um

indivíduo letrado e vice-versa. Ou seja, não basta saber ler e escrever; é necessário saber

utilizar socialmente e cotidianamente a leitura e a escrita.

Mas para Soares é importante compreender que:

[...] há distinção entre alfabetização e letramento, entre aprender o código e ter a habilidade de usá-lo. Ao mesmo tempo que é fundamental entender que eles são indissociáveis e têm as suas especificidades, sem hierarquia ou cronologia: pode-se letrar antes de alfabetizar ou o contrario (SOARES, 2003, p. 3) .

Por outro lado, Soares destaca duas dimensões para o letramento: a dimensão

individual e a dimensão social. Na dimensão individual, o letramento é visto como um

atributo pessoal, como a simples posse individual das tecnologias mentais complementares de

ler e escrever. Na dimensão social, o letramento é visto como um fenômeno cultural, um

conjunto de atividades sociais que envolvem a língua escrita.

A partir dessa compreensão, a autora citada afirma que, do ponto de vista da

dimensão individual de letramento, a leitura é um conjunto de habilidades lingüísticas e

psicológicas que se estendem desde a habilidade de decodificar palavras escritas até a

capacidade de compreender textos escritos. No que se refere à escrita do ponto de vista

individual, Soares destaca o desenvolvimento de habilidades que vão desde registrar unidades

de som até a capacidade de transmitir significado de forma adequada a um leitor potencial.

Feita esta constatação, Soares (1998, p.70) define a escrita como “um processo de relacionar

unidades de som a símbolos escritos, e é também um processo de expressar idéias e organizar

o pensamento em língua escrita”.

Para uma melhor compreensão do conceito de letramento, sua dimensão social e

individual, destaco o poema de Kate M. Chong, estudante norte americana de origem asiática,

que, de forma singular, representou em versos sua história pessoal de letramento.

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O QUE É LETRAMENTO?7

Letramento não é um gancho em que se pendura cada som enunciado,

não é treinamento repetitivo de uma habilidade,

nem um martelo quebrando blocos de gramática.

Letramento é diversão é leitura à luz de vela

ou lá fora, à luz do sol. São notícias sobre o presidente

O tempo, os artistas da TV e mesmo Mônica e Cebolinha

nos jornais de domingo. É uma receita de biscoito,

uma lista de compras, recados colados na geladeira, um bilhete de amor,

telegramas de parabéns e cartas

de velhos amigos.

È viajar para países desconhecidos, sem deixar sua cama,

é rir e chorar com personagens, heróis e grandes amigos.

É um atlas do mundo, sinais de trânsito, caças ao tesouro,

manuais, instruções, guias, e orientações em bulas de remédios,

para que você não fique perdido. Letramento é, sobretudo,

um mapa do coração do homem, um mapa de quem você é,

e de tudo que você pode ser.

7Ver em SOARES, Magda. Letramento: Um tema em três gêneros. 2.ed. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.

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Para Kate, os primeiros seis versos foram suficientes para conceituar o que é o

processo de alfabetização na visão de quem o recebe. Contudo, os próximos 25 versos de seu

poema procuram expressar como o letramento é um estado, uma condição. E esse estado ou

condição de letramento está na vida cotidiana dos homens, no seu meio social, no acesso que

estes podem ter dos vários tipos de leitura e escrita.

Além disso, a opção vocabular utilizada pela autora para definir o que é letramento

(diversão, leitura, notícias, viajar, rir, coração, e etc...), priorizou palavras que nos remete

acima de tudo à felicidade, à realização, ao conhecimento, ao prazer e às possibilidades. Em

contra partida, os vocábulos utilizados para definir alfabetização (repetitivo, martelo,

quebrando e etc...), expressaram algo estático, enfadonho e isolado. Ou seja, Kate quis

mostrar em seu poema que letramento é mais que alfabetização. Entretanto, não podemos

esquecer que alfabetização e letramento são indissociáveis como afirma Soares (2003).

A partir desse entendimento, fica mais elucidativo do ponto de vista metodológico

analisar fontes documentais que utilizaram os termos “analfabeto”, “analfabetismo”,

“alfabetizar”, “alfabetização” e “alfabetizado”, no sentido de compreender o processo

histórico em que estas palavras surgiram e o sentido com que foram utilizadas.

Todo esse entrelaçamento de conceitos e teorias visa contribuir para um melhor

entendimento e análise dos dados pesquisados e, assim, procurar compreender mais

profundamente a complexidade do trabalho historiográfico, tendo em mente o que diz

Chartier (2002, p. 8): “todas as práticas: sociais, econômicas e culturais dependem das

representações utilizadas pelos homens para conferirem significado a seu mundo.” Neste

sentido, cabe reforçar que o rigor científico da pesquisa histórica estará associado à

valorização da teoria e da técnica como meios seguros de abordar o passado.

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2.0 ASPECTOS HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO

BRASIL

2.1 Educação de Adultos no Brasil Colônia

A educação de jovens e adultos no Brasil começou no Brasil Colônia, nas ações de

caráter religioso destinada aos índios e posteriormente aos negros. A chegada ao Brasil de

membros da Companhia de Jesus, chefiada pelo Padre Manuel de Nóbrega, a mando da Coroa

Portuguesa, tinha como principal missão difundir o evangelho e civilizar os índios tornando-

os dóceis e submissos, facilitando assim o processo de colonização. Para Ana Maria Freire

(1989), docilizar a população nativa (gentio) e os filhos dos colonos através da domesticação,

da repressão cultural e religiosa, os Jesuítas serviram à empresa exploradora lusa com a visão

maniqueísta de mundo.

Para cumprir essa missão, os jesuítas abriram classes de ler e escrever, em várias

localidades do Brasil. Também se empenharam no aprendizado da língua dos índios como

meio de facilitar a obra catequética. Para viabilizar esse processo, os Jesuítas escreveram

vários tipos de textos com finalidade pedagógica, como poemas, hinos, canções, autos e uma

gramática da língua tupi de autoria de José de Anchieta. Segundo Niskier (1996), os padres

não poupavam esforços para aprender, com maior rapidez possível, a língua do “gentio”.

Desse modo Padre Manuel de Nóbrega explicava essa preocupação:

Trabalhamos de saber a língua deles e nisto padre Navarro nos leva vantagens a todos. Trabalhei por tirar em sua língua as orações e algumas práticas de nosso Senhor e não posso achar língua que o saiba dizer, são eles tão brutos que nem vocabulário têm (NÓBREGA apud NISKIER, 1996, p.44).

A educação organizada pelos jesuítas dividia-se em duas séries: a inferior, com

duração de seis anos, dedicada ao estudo da Retórica, Humanidades e Gramática; e a superior,

com duração de três anos, que ensinava Lógica, Moral, Física, Matemática e Metafísica. As

aulas eram ministradas em grego, latim e português, sem maiores preocupações técnicas ou

profissionais.

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Os jesuítas foram, sem dúvida, os primeiros educadores do Brasil nos dois

primeiros séculos de colonização brasileira, tanto se preocuparam com a formação dos

educadores como dos educandos. Neste sentido, Arnaldo Niskier faz o seguinte comentário:

E se os benefícios da educação jesuítica são discutíveis, se há quem lhe impute mais malefícios que benefícios, é impossível negar-lhe a eficácia. Como diz José Bonifácio, em carta conservada no arquivo do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (Lata 191, ms.4.916): ‘Os colégios de educação dos índios crianças foi o melhor meio de as (sic) domesticar e converter que os jesuítas praticavam’ ( NISKIER, 1996, p. 47).

Os jesuítas acreditavam que instruindo e catequizando as crianças conseguiriam

transformá-las em agentes disseminadoras da nova cultura colonizadora e como conseqüência

civilizariam também os pais.

Segundo Ana Maria Freire (1989), quando expulsos, em 1759, os jesuítas nos

legaram um ensino de caráter literário, verbalista, retórico, livresco, memorístico, repetitivo,

estimulando a emulação através de prêmios e castigos e que se qualificava como humanista-

clássico. Enclausurando os alunos em preceitos e preconceitos católicos, inibiu-se de uma

leitura do mundo real, tornando-os cidadãos discriminatórios, elites capazes de reproduzir

“cristãmente” a sociedade perversa dos contrastes e discrepâncias, dos que tudo sabem e

podem e dos que a tudo se submetem. Inculcaram a ideologia do pecado e das interdições do

corpo. “Inauguraram” o analfabetismo no Brasil.

Segundo Galvão e Soares (2004), o período que se segue à expulsão dos jesuítas

parece não ter conhecido experiências sistemáticas e significativas em relação à alfabetização

de adultos.

Quando o Marquês de Pombal, em 1759, expulsou os jesuítas de Portugal e de

todos os seus domínios, desestruturou completamente a base educacional existente em terras

brasileiras. A idéia era tornar laico o ensino, e que este servisse exclusivamente à Coroa

Portuguesa. Porém, com a saída dos jesuítas do Brasil, não mais se contava com um corpo

docente especializado, ficou uma grande lacuna no setor educacional, cuja solução encontrada

foi instituir “aulas régias”, avulsas, sustentadas por um novo imposto colonial, o “subsídio

literário”. Essas aulas deviam suprir as disciplinas antes oferecidas nos extintos colégios.

Através delas, a mesma reduzida parcela da população colonial continuava se preparando para

estudos posteriores na Europa.

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Sem sistematização, sem freqüência definida, sem pessoal docente em quantidade

e qualidade suficientes, o ensino no país ficou muito limitado, até 1799, quando as licenças

para docentes passaram a ser concedidas pelo vice-rei.

A vinda da Família Real para o Brasil em 1808 constituiu um novo período para a

educação no Brasil. Esse período ficou marcado pela priorização do ensino superior, que

privilegiou uma camada social mais elitizada e negligenciou a instrução das “camadas

inferiores da sociedade”. A preocupação em profissionalizar a população que serviria aos

interesses sociais e políticos dos novos habitantes da nova sede do Reino Português motivou a

criação de vários cursos superiores como: medicina, odontologia, Farmácia, Desenho,

Economia, Política, Direito, entre outros. Contrastando a isso, temos um ensino primário

deficiente e excludente, onde negros, índios e mulheres não tinham acesso. Sobre esse período

Ana Maria Freire (1989) conclui que:

Uma estrutura social que ‘não podia’ privilegiar a educação escolarizada, estendendo conteúdos alienados e de concepção elitista, com ‘sistema’ esfacelado de ‘aulas avulsas’, fecundada pela ideologia da interdição do corpo, que excluía da escola o negro, o índio e quase a totalidade das mulheres (sociedade patriarcal), gerou, inexoravelmente, um contingente de analfabetos. Isso porque uma sociedade dual (senhor x escravo), de economia ‘agrícola-exportadora-dependente’ (economia colonial) não necessitava de educação primária, daí o descaso por ela (FREIRE, 1989, p. 57).

Durante o período colonial não se tem indícios sobre a existência de ensino na

Capitania de Mato Grosso. Sobre esse período o historiador Humberto Marcilio ressalta:

Os decretos pombalinos de 1759 que teriam por finalidade preencher a lacuna deixada pelos jesuítas nas colônias de ultramar não tiveram, ao que tudo indica, nenhuma ressonância em Mato Grosso, onde nem mesmo eles haviam estado, como elementos da colonização portuguesa, na qualidade de educadores (MARCILIO, 1963, p.25).

Neste período havia uma excessiva preocupação com a defesa, povoamento e

militarização da fronteira oeste, uma vez que o Tratado de Madri tinha como base a posse pela

utilização, ou seja, pelo povoamento. Para isso, foi enviado para a Capitania de Mato Grosso

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em 1751 o primeiro Capitão-general D. Antônio Rolim de Moura que trouxe consigo dois

jesuítas, os quais serviriam como formadores de aldeamentos indígenas. Entretanto, não há

registro que informe sobre a abertura de classes de ler e escrever na Capitania de Mato

Grosso, pelos jesuítas, como era de costume acontecer nesse processo de aldeamento

indígena.

A falta de documentação deste período sobre a existência de ensino na Capitania

de Mato Grosso, dá sustentação às afirmações de renomados historiadores regionais que

dizem não terem conhecimento sobre o ensino nesta Capitania no período colonial.

2.2 Educação de Adultos no Império (1822 a 1889)

Com a promulgação da primeira Constituição Brasileira de 1824, é garantida a

instrução primária gratuita para todos os cidadãos. Para Mortatti, (2004), a Constituição

Imperial de 1824, que foi regulamentada por lei em 1827, foi considerada a primeira tentativa

de se criarem diretrizes nacionais para a instrução pública, pois previa a criação de escolas de

primeiras letras e contratação de professores. Contudo, no que se refere à escolarização de

adultos pouco ou nada foi feito, apesar desse direito ter sido garantido na constituição,

nenhuma ação nesse período mereceu destaque, no sentido de garantir de fato que a educação

de adultos realmente acontecesse.

Com a aprovação do Ato Adicional de 1834, fica determinado que a

responsabilidade pelo ensino no Império ficaria a cargo do governo central, que deveria se

responsabilizar pela instrução primária e secundária no Município da Corte e pela instrução

de nível superior em todo o império. Determinou também que cada província criasse e

oferecesse a educação primária e secundária com seus próprios recursos. Desta forma, o

desenvolvimento do ensino público nas províncias aconteceu de forma precária e até mesmo

inexpressivo devido à falta de recursos financeiros e de professores com habilitação adequada

para o exercício do cargo.

Na tentativa de melhorar a qualidade no ensino do Município da Corte, foi

aprovada e colocada em execução a “Reforma Couto Ferraz”, pelo Decreto nº 1.331 A, de 17

de fevereiro de 18548. Este decreto tinha como finalidade apenas regulamentar o ensino

8 Decreto 1.331 A, de 17 de fevereiro de 1854, in Coleção das Leis do Império Brasileiro de 1854, Tomo XV, Parte I.

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primário e secundário do Município da Corte. No entanto, a Reforma Couto Ferraz foi

adotada pelas demais províncias, tornando-se assim normas de validade nacional. Entre

algumas de suas atribuições estava a fiscalização e o controle da abertura de escolas

particulares; inspecionar todos os estabelecimentos de instrução pública de ensino primário e

secundário, tanto público como particular; realizar exames para medir a capacidade dos

docentes; a obrigatoriedade do ensino primário para meninos maiores de sete anos; entre

outros.

Sobre a reforma Couto Ferraz, Ana Maria Freire (1989) destaca dois pontos

importantes:

Nas escolas publicas não seriam admitidos os que padecessem de moléstias contagiosas, os que não tiveram sido vacinados (não explicita, porém, contra quais doenças; certamente se referia à varíola) e os escravos, por um lado (Art. 69) e por outro, a previsão de instrução para adultos (Art.71), dependendo da disponibilidade dos professores, tal que dificilmente se viabilizaria essa classe de estudos, pois previam-se aulas no tempo livre dos professores ‘ainda que seja em domingos e dias santos’ (FREIRE, 1989, p.92).

Analisando esse contexto, pode-se dizer que a regulamentação do ensino primário

para adultos era pouco perceptível, pois não priorizava condições reais para que isso

acontecesse de fato.

Siqueira (2000) descreve a situação da instrução pública na província de Mato

Grosso neste período:

Em seu discurso inaugural à Assembléia legislativa Provincial, em 1872, anunciou Cardoso Junior a intenção de reformar a instrução mato-grossense que sob sua ótica, encontrava-se muito defasada em relação às províncias centrais, especialmente o Rio de Janeiro. Por isso tomou desse universo os pressupostos homogeneizadores da instrução nacional: liberdade, gratuidade e obrigatoriedade do ensino, através dos quais embasou as transformações do sistema escolar. Além de se ocupar do ensino regular, foi ele o introdutor do curso noturno e da escola carcerária, instituições que objetivavam não somente instruir, mas principalmente educar e civilizar a população adulta (SIQUEIRA, 2000, p.101).

Ainda segundo a autora, a missão maior de Cardoso Junior foi, no cenário mato-

grossense, a de convencimento de se organizar, regulamentar e implantar uma instrução

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pública moderna e eficiente. Contudo, a situação da instrução pública da província de Mato

Grosso neste período era precária, visto que o número de alunos matriculados era

inexpressivo, o que era atribuído à ignorância de certos pais que achavam que seus filhos não

precisavam receber instrução para saber aquilo que eles já sabiam, por isso as escolas

permaneciam vazias. Para Siqueira, esse pensamento refletia a idéia de uma população na sua

maioria pobre e analfabeta, que espontaneamente não priorizaria o acesso à instrução.

Tornava-se essencial para o projeto do Brasil moderno retirar esse contingente populacional do estágio da ‘barbárie’ conduzindo-o rumo à civilização. Após o desencadeamento do processo abolicionista, os discursos tornaram-se ainda mais enfáticos e descentrados da problemática primordial, qual seja, a de que o Estado brasileiro não tinha condições de bancar a educação pública nos limites impostos pela realidade, encobria a questão de que o processo educacional, em toda a sua extensão, não poderia ser percorrido por toda a população, pois à maioria seria oferecido apenas o nível mais elementar desta escala ( SIQUEIRA, 2000, p.109).

Com a publicação do Decreto nº 7.031 A, de 6 de setembro de 18789, pelo então

Ministro e secretário dos Negócios do Império Carlos Leôncio de Carvalho, foi então

determinada a criação de cursos noturnos para adultos analfabetos que deveriam funcionar nas

escolas primárias. O curso teria a duração de duas horas no verão e três horas no inverno e era

destinado a uma clientela masculina, maiores de catorze, livres ou libertos. O ensino de

conteúdos deveria ser igual ao das escolas públicas diurnas, os professores receberiam

gratificação correspondente aos números de alunos matriculados. Os alunos eram expostos a

normas disciplinares rígidas, passariam por processos avaliativos que premiava e punia de

acordo com o nível de aprendizado. Os melhores teriam preferência na ocupação de cargos

públicos como: servente, guarda, contínuo e etc... Segundo Ana Maria Freire (1989, p. 97),

“aqui está presente a associação entre saber e ascensão social. Direitos a quem sabe para

distanciar de quem não sabe, maneira camuflada do discurso liberal que entretanto dava

continuidade à ideologia da interdição do corpo”.

E é nesse contexto que o Brasil chega ao final do período Imperial, com uma taxa

geral de analfabetos acima de cinco anos de 78,11% 10, e como agravante a proibição do voto

do analfabeto instituído pela Lei Saraiva de 1881. Em relação a isso,

9 Decreto nº 7.031 A/1878, in Atos do Poder Executivo: 711-16. 10 Consultar os Tomos I, II, II e IV do volume X das Obras completas de Ruis Barbosa.

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Vale lembrar que, nessa época, a palavra analfabeto era usada como substantivo masculino, uma vez que se tratava de legislar sobre quais homens poderiam votar: desde a Constituição de 1824 já não eram incluídos no direito ao voto as mulheres, os mendigos,os soldados e os membros de ordens religiosas, além, obviamente, dos escravos, que nem eram considerados ‘cidadãos’ (MORTATTI, 2004, p.53-54).

Com a proclamação da República em 1889, surge a necessidade de intensificar o

processo de escolarização dos cidadãos, para uma melhor adequação à nova realidade sócio

político do País.

2.3 Educação de Adultos no Período Republicano

O período Republicano foi marcado por grandes modificações para a sociedade

brasileira. A criação de novos setores sociais voltados para o desenvolvimento industrial, em

oposição às atividades agrário-comerciais, refletia uma nova visão política pautada em

preceitos positivistas e liberais que acreditavam que o homem fosse capaz de desenvolver a

necessidade de busca pessoal de ascensão.

A primeira Constituição Republicana, a de 1891, traz em seu texto a gratuidade da

instrução, e ao mesmo tempo proíbe o voto do analfabeto (art. 70, parágrafo 2), reafirmando o

que já estava determinado pela Lei n.3.029/1881. O que se sabe é que até este momento da

história política brasileira, a proibição de voto sempre esteve vinculada a condições de

natureza econômica ou social e nunca de natureza instrucional. Sobre este fato recorremos à

análise feita por José Honório Rodrigues (1965) que esclarece que até o final do império não

havia se colocado em dúvida a capacidade do analfabeto, na medida em que era essa a

condição da maioria da população, inclusive das elites rurais: “o saber ler não afetava o bom

senso, a dignidade, o conhecimento, a perspicácia, a inteligência do individuo; não o impedia

de ganhar dinheiro, ser chefe de família , exercia o pátrio poder, ser tutor” (p.144). Com o

advento da República o analfabeto passa a ser considerado incompetente o que justificaria a

proibição de seu voto. A esse respeito, Ana Maria Freire (1989) ajuda a entender o caráter e o

contexto desse momento histórico:

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Esta interdição do corpo pela ‘ignorância’ ou pela ‘inferioridade’ ‘coincidia’ agora com o elitismo autoritário dos positivistas que, hierarquicamente, classificavam as pessoas. ‘Contraditoriamente’ reservavam aos homens o que consideravam desordem, o processo eleitoral (FREIRE, 1989, p.164).

Na análise de Mortatti sobre a primeira Constituição republicana, os analfabetos

foram duplamente discriminados: a eles foi imputada a causa do problema do analfabetismo; e

eles é que deveriam buscar a instrução como um ato de virtude e vontade pessoal

(MORTATTI, 2004, p.57 -58).

Preocupados com o alto índice de analfabetos indicados no censo de 1890, que

mostrava que 80% da população brasileira era analfabeta, políticos e intelectuais se

mobilizaram no sentido de promover a erradicação do analfabetismo. Desta forma, cursos

noturnos de instrução primária eram oferecidos por associações civis que poderiam utilizar as

instalações públicas desde que pagassem a conta de gás (decreto lei nº 13 de 13.1.1890 do

Ministério do Interior). Contudo, essa preocupação com a alfabetização de adultos, por grupos

autônomos, clubes e associações, perpassava por interesses que vão além da preocupação com

a educação e evidenciavam interesses não tão nobres, como o de recrutar futuros eleitores e de

outro atender demandas específicas. Essa democratização do ensino visava à ampliação das

bases eleitorais, pois seria a única maneira de combater a hegemonia política da aristocracia

agrária e direcionar o poder político ao grupo industrial-urbano que clamava por uma

democracia liberal.

Diante desse contexto histórico, surge a primeira campanha nacional contra o

analfabetismo, iniciada em 1915, pela “Liga Brasileira Contra o Analfabetismo”11 (LBCA),

que tinha como lema: “Combater o Analfabetismo é dever de Honra de todo Brasileiro”.

Com esse lema a LBCA esperava combater o analfabetismo até o centenário da

Independência do Brasil (1922), e proclamar livres do analfabetismo as suas cidades e vilas.

Segundo Galvão e Soares:

A mobilização em torno de como erradicar o analfabetismo no menor prazo possível partia de todos os lugares do País. Abner de Brito, bacharel em ciências jurídicas e sociais, promotor público no Rio Grande do Norte, por exemplo, cria um método, por ele intitulado de ‘desanalphabetisador’, consagrado especificamente ao ensino dos analfabetos . Segundo seu autor,

11 A liga Brasileira Contra o Analfabetismo, tinha como componentes representantes de todas as classes sociais, educadores, militares de altas patentes do Exército e da Marinha. Em Ana Maria Freira ( 1989, p.192).

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os sujeitos submetidos ao método ‘ficam lendo e escrevendo após haverem recebido sete lições’. Cada lição tinha a duração de três dias. Abner afirma propagar seu método por todo o país, dando ‘combate ao analphabetismo tão deplorável em nossa cara Pátria’12 (GALVÃO; SOARES, 2004, p.38).

Contrário a esse sentimento de “vergonha nacional”, em relação ao analfabetismo,

alguns intelectuais temiam que essa população menos favorecida, alfabetizada, pudesse

promover uma “anarquia social”, visto que sabendo ler e escrever vislumbrariam novas

profissões e novos trabalhos. Por isso, a alfabetização deveria vir acompanhada de formação

moral, pois só assim poderia promover a transformação desses analfabetos em pessoas

produtivas e capazes de servir aos interesses das classes dominantes. Caso contrário a

alfabetização seria uma “arma perigosa” e colocaria em risco uma estrutura social de caráter

nacionalista, positivista, industrialista e moralista.

Na tentativa em adequar-se aos ideários republicanos, ao novo processo

econômico e cultural em curso no país, o Presidente de Mato Grosso, Pedro Celestino

organizou em 1910 uma reforma no ensino mato-grossense, que privilegiou, sobretudo o

ensino primário e normal. Segundo Alves, (1998), a maioria da população nessa época era

analfabeta e os escolarizados, em maior parte, haviam concluído apenas o ensino primário.

Preocupados em integrar o estado de Mato Grosso ao contexto de desenvolvimento

econômico e social que ora o país se encontrava, vários políticos mato-grossenses incluíam

em seus discursos a preocupação com a extinção do analfabetismo, como forma de atingir o

progresso e a modernização.

Contudo, a necessidade de promover essa modernização do estado através do

ensino era dificultada em grande parte pela falta de professores habilitados, falta de orientação

pedagógica, prédios adequados e ainda questões políticas. A esse respeito Alves (1998)

comenta:

Devido à falta de critérios rigorosos no processo de expansão do ensino, eram constantes nessa época as denúncias de intervenção da politicagem nas questões da instrução e a falta de fiscalização, o que favorecia a intervenção de líderes políticos locais na educação (ALVES, 1998, p. 35).

12 Arquivo Público de Mato Grosso: Ofício (s/n) para D. Aquino Corrêa – Governador do Estado de Mato Grosso. Lata A- 1921. Os autores agradecem à Lazara Nanci Amâncio e à Cancionila Cardoso a referência ao “desanalphabetisador” ( GALVÃO; SOARES , 2004, p. 38).

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O procedimento de nomear professores através de favorecimento político fez parte

da história da educação mato-grossense. Alguns políticos criticaram muito esse tipo de

atitude, alguns afirmavam que tal procedimento seria a causa da má qualidade do ensino neste

estado.

O Presidente do Estado, ao mesmo tempo que denunciava a utilização da escola como instrumento eleitoral e político, acusava os professores pelas deficiências do ensino. Essa crítica se dirigia especialmente aos professores escolhidos por políticos, sem nenhum preparo para o magistério, o que era comum no estado (ALVES, 1998, p. 35).

O que se pode presumir a partir dos relatórios até aqui analisados é que mesmo

fazendo parte dos discursos de políticos da época, a extinção do analfabetismo, ações

destinadas à alfabetização de jovens e adultos não foram concretizadas nesse momento

histórico, visto que o ensino mato-grossense era extremamente precário e se limitava apenas a

uma minoria da população.

Ao fazer uma avaliação desse contexto é possível dizer que a preocupação com a

alfabetização nesse período em Mato Grosso esteve voltada para a demanda de crianças não

alfabetizadas e para a formação de professores, que ainda era muito deficitária. Mesmo assim,

o ano de 1910 foi um marco importante para o desenvolvimento da educação em Mato

Grosso.

Os anos 20 ficaram marcados por inúmeras reformas educacionais, promovidas

por jovens educadores como: Sampaio Dória13, Manuel B. Lourenço Filho, Anísio Teixeira,

Mário Casassanta, Fernando de Azevedo, entre outros. Esses novos educadores defendiam os

princípios da “escola nova”14 que, entre outras coisas, pretendia renovar a escola para renovar

a sociedade. E foi inspirados por essas idéias que os novos educadores realizaram reformas

estaduais que visavam a implantação de novos sistemas e métodos de ensino, baseados em

experiências bem sucedidas de países mais cultos como: Europa e Estados Unidos.

13 Sampaio Doria era professor da cadeira de Psicologia e Pedagogia da Escola Nacional de São Paulo, e presidente da Liga nacionalista de São Paulo. 14 “Escola Nova” é um dos nomes dados a um movimento de renovação do ensino que foi especialmente forte na Europa, na América e no Brasil, na primeira metade do século XX. “Escola Ativa” ou “Escola progressiva” são também termos usados para descrever esse movimento que se inspirou em pedagogos e filósofos do século XVIII e XIX como Rousseau, Pestalozzi, Froebel, Nietzsche, Tolstoi, William James, entre outros. O fim mais importante da “Escola Nova” era o impulso espiritual da criança e o desenvolvimento da autonomia moral do educando. Sobre esse assunto consultar Lourenço Filho. Introdução do Estudo da Escola Nova.São Paulo: Melhoramentos, 1978.

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Sobre essas iniciativas estaduais, Mortatti destaca a iniciativa de Sampaio Dória

frente à Liga Nacionalista :

Esse ‘ideal de alphabetizar, sem distincções’ todos os ‘analphabetos [ crianças e adultos]’ sem escola foi a ‘espinha dorsal’ da reforma do ensino paulista realizada em 1920 por Sampaio Dória, durante sua gestão como diretor da Instrução Pública. Nessa reforma, a solução para a alfabetização do povo concentrou-se na redução da escolaridade primária de quatro anos para dois anos (MORTATTI, 2004, p.60).

Contudo, o grande entusiasmo desses educadores brasileiros não foi suficiente para

efetivar ações ligadas à educação de adultos que nesse período da primeira república

apresentou-se de forma equivocada e fragilizada, caracterizando assim, uma atuação

fragmentária e ineficaz, que pouco ou nada contribuiu para erradicação do analfabetismo

neste período, conforme quadro abaixo:

DADOS ESTATÍSTICOS Ano Taxa de analfabetos de Número absoluto 15 anos e mais de analfabetos 1900 65% 6.348.869 1920 65% 11.401.715 Taxa de analfabetos, computando-se a população total 1890 75% 1900 75% 1920 75% População escrava no Brasil

Início da segunda metade do Século XIX – 4.000.000 em 13 de maio de 1888 - 750.000 Fonte: Freire, Ana Maria , 1989, p.223

Em Mato Grosso a história não foi diferente do que aconteceu em todo o país com

relação ao combate do analfabetismo e, sobretudo, com o desenvolvimento de políticas

voltadas para a alfabetização de jovens e adultos nos anos 20. Entretanto, a mesma

dificuldade da década passada perdurou nesse período. Os governantes se preocupavam com a

extinção do analfabetismo, mas não ofereciam as condições necessárias para que os

professores pudessem desenvolver as atividades, ou seja, o discurso se perdia em meio às

limitações do cotidiano (ALVES, 1998, p.69).

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2.4 Educação de Adultos nos Anos 30

A estrutura política dos anos 30 ficou marcada por uma forte tendência à

centralização da vida política e administrativa do país. O governo federal passou a intervir no

desenvolvimento da vida social, política e econômica da nação, provocando com isso

marcantes mudanças na estrutura jurídica do estado e na estrutura do ensino nesse período. Ao

assumir o poder, Getulio Vargas reconheceu que, em relação a educação nacional, tudo ainda

estava por fazer. Com isso, cria o Ministério da Educação e Saúde, pelo decreto nº 19.402, de

14 de novembro de 1930 e, no ano seguinte, cria o Conselho Nacional de Educação pelo

decreto nº 19.850. Essas e outras medidas tomadas nesse período, que também ficou

conhecido como “revolução de 30” ou “era Vargas”, tinham como objetivo sanear a educação

no Brasil. Segundo Freitas (2005, p.167), “a “revolução de 1930”, de fato, tem conseqüências

de profundo impacto no processo de consolidação do Estado como interlocutor principal da

sociedade para o encaminhamento das questões relacionadas à educação escolar”.

Os debates sobre educação e ensino na década de 30 geraram posicionamentos

distintos entre os educadores escolanovistas, que regionalmente apresentaram propostas para

reformar a instrução pública de seus estados.

Para Lourenço Filho, reformador da instrução pública do Ceará e diretor da instrução pública paulista em 1930-1931, a escola deveria deixar de ser um ‘aparelho formal de alfabetização’ para se tornar um ‘organismo vivo, capaz de refletir o meio’ e promover uma reforma de costumes, capaz de ajustar os homens a novas condições de vida [...]. Para Francisco Campos, reformador da instrução pública mineira, em 1926, e ministro da Educação e Saúde de 1930 a 1932, a orientação e o incremento do ensino primário eram fundamentais para o futuro das instituições democráticas. ‘Saber ler e escrever não são, porém, títulos suficientes à cidadania digna do nome. Não basta, pois difundir o ensino primário [...] Se este ensino não forma homens, não orienta a inteligência e não destila o senso comum [...]’. Para Anísio Teixeira, reformador da instrução pública baiana, em 1926, e diretor geral da instrução pública do Distrito Federal em 1931 – 1935, por sua vez, a opção por um ‘ensino primário incompleto’, como proposto na reforma paulista de 1920, era inaceitável para outros estados brasileiros, como a Bahia, onde se deveria evitar a iniciação nas letras do alfabeto e nos rudimentos da aritmética, história e geografia, pois, sem perspectiva de continuidade de seu uso, esses instrumentos seriam um ‘elemento de desequilíbrio social’ Isso porque entendia educação como um ‘[...] processo de contínua transformação, reconstrução e

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reajustamento do homem ao seu ambiente social móvel e progressivo’(MORTATTI, 2004, p. 62-63).

No Estado de Mato Grosso, assim como em todo Brasil, a educação passou por

várias reformulações nessa década. Pode-se afirmar que grande parte dessa preocupação era,

ainda, com o elevado número de analfabetos em todo o país. O que de certa forma era

entendido como causa do atraso para o desenvolvimento sócio-econômico do país e,

principalmente, de alguns estados, como era o caso de Mato Grosso.

Na IV Conferência Nacional de Educação, realizada em dezembro de 1931, onde

compareceram representantes de todos os estados, alguns convênios foram firmados entre

União e os estados e vários temas relevantes foram abordados sobre os rumos da educação no

Brasil. Uma decisão tomada nessa conferência foi a classificação geral do ensino, adotada

pelo Ministério da Educação, que classificou o ensino em comum e especial, sendo que o

primeiro era dividido em não especializado ou geral, semi-especializado e especializado, e o

segundo em emendativo e supletivo. Com essa medida, a educação de adultos é desvinculada

da educação elementar comum. Sobre essa divisão Alves (1998), explica que:

O ensino especial e emendativo destinava-se aos alunos portadores de deficiência15e o supletivo aos analfabetos adultos em geral. No entanto, em Mato Grosso não havia nenhuma escola que ministrasse essas modalidades de ensino (ALVES, 1998, p.96).

Ainda sobre essa classificação Alves (1998), comenta:

Essa classificação visava, acima de tudo, a elaboração de estatísticas escolares bem detalhadas, de acordo com as normas da Diretoria Geral de Informações, Estatística e Divulgação. A finalidade era a difusão das estatísticas educacionais da República e a tentativa de se recuperar a imagem do Brasil frente às demais nações. Com esse objetivo foi organizada também a Cruzada Nacional de Educação16 que objetivava apagar a nódoa do analfabetismo17 (ALVES, 1998, p. 96).

15 Gazeta Oficial, Cuiabá, MT. 17/11/1932, p 4 16 Sobre esse assunto ver: PAIVA. Vanilda Pereira. Educação popular e educação de adultos. São Paulo: Loyola,1987, p.121. 17 Correspondência do Presidente do Ministério da Educação ao Sr. Leônidas de Matos, Interventor em Mato Grosso, 20/12/1932.

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No entanto, a propagação dessas novas diretrizes para a educação de Mato Grosso

era dificultada devido à ineficiência pedagógica, a falta de material, número reduzido de

escolas e principalmente pela instabilidade política, causada pela desarticulação da tradicional

estrutura política do estado. Além disso, explica Alves (1998, p. 99), “os meninos, as meninas

e mesmo os adultos enfrentavam problemas que impediam sua permanência na escola por

terem que trabalhar na lavoura e pecuária”.

A constituição de 16 de julho de 1934 incluiu em seu texto normas de caráter

nacional, a educação como direito de todos. No artigo 150 da Constituição, no que se refere

ao Plano Nacional de Educação, diz que “o ensino primário integral e gratuito e de freqüência

obrigatória, extensivo aos adultos” (art.150, parágrafo único, alínea a). De acordo com o

texto, o ensino primário seria extensivo aos adultos como componente da educação e como

dever do Estado e direito do cidadão. Desta forma, todos os estados da federação passaram a

contar com uma legislação destinada exclusivamente a adolescentes e adultos analfabetos.

Também é possível analisar que nos primeiros anos da Nova República a preocupação com a

alfabetização dos cidadãos brasileiros estava atrelada à qualificação de mão de obra, que seria

a única maneira de elevar o Brasil à condição de desenvolvimento equiparada aos de países

mais desenvolvidos.

Nos anos seguintes a Constituição de 1934, o Brasil passa por um colapso político

que culminou com a instalação do Estado Novo. No dia 10 de novembro de 1937, o

presidente Getúlio Vargas anunciava o Estado Novo, iniciava-se um período de ditadura na

História do Brasil.

Nem mesmo os governos provisórios que se seguiram à proclamação da República, em 1889, e a vitória da revolução da Aliança Liberal, em 1930, dispuseram de tanto poder como o que foi conferido ao Preseidente Getúlio Vargas, durante os oito anos em que se manteve na chefia do Executivo, exceção feita apenas aos meses que antecederam sua deposição, já em 1945 (NISKIER,1996, p.274)

Com o fechamento do congresso, o Ministério de Educação e Saúde passou a ter

mais autonomia para tomar decisões sem que precisasse encaminhar nenhum projeto de lei ao

legislativo. As decisões eram tomadas por decretos-leis, e assim que eram promulgados, logo

eram efetivados sem maiores problemas. Sendo assim, as decisões tomadas em matéria de

educação eram muito mais políticas do que técnicas. Desta forma, o governo propõe a

alfabetização do maior número de pessoas possível, sem se preocupar com a qualidade com

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que esse ensino seria oferecido, apenas preocupava-se com objetivos quantitativos. Na

avaliação de Mendonça (1985, p.32), “a conseqüência, no campo educacional, foi uma intensa

movimentação relativamente à educação de adultos, tentando-se utilizá-la com fins

eleitoreiros, para a recomposição do poder político dentro da ordem vigente”.

Em Mato Grosso o clima de agitação política era grande devido a repressão

policial, a política anticomunista, a desorganização administrativa e a falta de liberdade de

expressão. Além disso, o Estado contava com uma população pobre e de baixo nível cultural,

o que dificultava o desenvolvimento econômico do estado.

Para o governo Vargas, o número de cidadãos brasileiros analfabetos ainda era um

grande entrave para a política de desenvolvimento da nação, por isso, sustentava-se o discurso

de que campanhas de alfabetização seriam o melhor caminho de libertar o povo de sua

ignorância. Em Mato Grosso a campanha de alfabetização também foi implementada como

afirma Alves:

Em todo país a campanha contra o analfabetismo fora implementada através de divulgação na imprensa e no rádio; através de cartazes, folhetos e de até mesmo na distribuição da novela ‘Quero aprender a ler’, distribuída aos milhares a toda a população18. A 13 de maio de 1937 foi realizada a Campanha da ‘Segunda Abolição’, através da qual, em um só dia, foram criadas 1248 escolas em todo o país19 dentre estas, 10 foram criadas em Mato Grosso (ALVES, 1998, p.111).

Era grande a preocupação do governo mato-grossense com a educação nesse

período.

Apesar do ensino ainda ser ineficiente, algumas melhoras ocorreram durante o

Estado Novo, como, a qualificação de professores e prédios escolares em melhores condições.

Segundo estudo de Alves (1998), em apenas um ano foram instaladas 14 escolas regimentais

com a finalidade de ministrar o ensino primário para adultos que serviam no exército. Essas

escolas serviam de instrumento manipulador do estado, onde professores e alunos eram

mantidos debaixo de forte vigilância. Esta forma de organização do ensino evidencia o regime

ditatorial imposto pelo governo getulista, que utilizava a educação como veículo ideológico

para fortalecer o regime político vigente. Por isso, alfabetizar o maior número de adultos

18 Dr. Gustavo Ambrust, Comunicado do Serviço de Imprensa da Cruzada Nacional de Educação, Gazeta Oficial, 22/12/193, p.01. 19 Secretaria da C.N.E. – Escolas Creadas e inauguradas no dia 13 de maio de 1937, Arq. Público MT, lata 1937.

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possíveis se integrava numa estratégia política que tinha como objetivo garantir o maior

número de eleitores possíveis capazes de referendar o atual regime.

Portanto, o ensino no final da década de trinta se caracterizou como instrumento de

manobra política de um regime ditatorial que, defendendo um discurso em prol do combate ao

analfabetismo, preocupava-se apenas em favorecer as elites dominantes e a perpetuar um

regime político totalitário.

2.5 Educação de Adultos na Década de 40

Na década de 40 já era visível a preocupação de políticos e administradores com o

alto índice de analfabetos da população brasileira. A necessidade de uma força de trabalho

treinada para os processos de industrialização em busca de um maior controle social fez do

ensino primário para adultos, um objeto de maior atenção. Através de estudos realizados pelo

Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, o Serviço Nacional de Educação de Adultos do

Ministério da Educação passou a delinear um novo formato para o “ensino supletivo” de

adultos.

Desses estudos resultou, em novembro de 1942, a instituição de um Fundo Nacional de Ensino Primário [....] com os recursos do qual se deveria realizar um programa progressivo de alargamento da rede de educação popular, e que incluísse ensino supletivo para adolescentes e adultos analfabetos. A 25 de agosto de 1945, já acumuladas algumas reservas desse Fundo, foi baixado o Decreto número 19.513, que dispões sobre a concessão de auxílio federal para o ensino primário, estabelecendo, ademais, que 25% dos recursos de cada auxílio deveria ser aplicado num plano geral de ensino supletivo, destinado a adolescente e adultos analfabetos. Como que preparando o trabalho que se deveria seguir, o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, nessa época, dirigiu um apelo a todas as autoridades de ensino no País, no sentido de organizarem núcleos para uma campanha em prol da educação de adolescente e adultos analfabetos. Propôs, ainda, o mesmo órgão (...\\\\\\0 a adoção de algumas medidas práticas para a ampliação dos serviços de ensino supletivo, onde já existissem. As medidas práticas eram as seguintes: a) organização de Comissões Estaduais de Educação de Adultos, e de Comissões Municipais, para o mesmo fim; b) esforços no sentido de debate do problema para esclarecimento da opinião pública sobre o assunto; c) alargamento da capacidade das escolas de ensino supletivo, já existentes, com adoção dos trabalhos escolares em dias alternados, aproveitamento de horas vagas dos professores, cooperação de alunos de escolas normais e de voluntários. O referido Instituto propunha também que os Estados criassem escolas noturnas,

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para ensino de adolescente e adultos, onde conviesse, com pequena gratificação a professores de escolas primárias comuns, já em funcionamento; que subvencionassem escolas particulares para o mesmo fim; e que distribuíssem auxílio, em material escolar, a quem se dispusesse a auxiliar a Campanha a ser desenvolvida. . Tal apelo, que era justificado especialmente pelos resultados do Recenseamento Geral de 1940, que havia revelado a taxa de 55por cento de analfabetos nos grupos de população nas idades de 18 anos e mais, encontrou logo boa repercussão em algumas unidades da Federação (MEC, 1949 apud BEISIEGEL, 1974, p. 79-80).20

De acordo com Beisiegel (1974), já era admissível pensar em grande cometimento

no campo da educação de adultos. Entretanto, a caracterização de um movimento nacional de

mobilização de recursos contra o analfabetismo só aconteceria em 1947, depois que as

discussões sobre o problema da educação de adultos analfabetos tomou proporções

internacionais, com a participação de outros países de problema semelhante. Quando

legitimado internacionalmente o problema da educação de adultos analfabetos, é que foi

possível justificar a necessidade da expansão desses serviços e propor novas reformulações

para esse empreendimento a partir de 1947.

O Estado de Mato Grosso, nos anos 40, apresentava uma dualidade conflitante no

que se refere à educação. Por um lado, escolas que serviam a uma camada social mais

elitizada e de outro, escolas destinadas às classes menos favorecidas. Esse quadro foi

agravado pela Campanha “Marcha para o Oeste”, que tinha como finalidade formar colônias

agrícolas no sul de Mato Grosso21, com os excedentes populacionais de brasileiros em

situação de desemprego, oriundos de outras regiões do Brasil. Todo esse processo migratório

aumentou a demanda de uma população não escolarizada, o que era preocupante para o

Governo Getulista que proclamava ser através da escolarização da população a única maneira

de eliminar os obstáculos para o desenvolvimento da nação.

Como alternativa de promover a alfabetização de adultos analfabetos, várias

escolas noturnas foram instaladas no Brasil. Em Mato Grosso, segundo Alves (1998):

De forma concreta verificava-se pelos relatórios de diretores de Instrução Pública de Mato Grosso a freqüência de operários e trabalhadores domésticos, domiciliados alguns a mais de 9 quilômetros da escola noturna de Cuiabá.

20 Histórico da Educação de Adultos no Brasil, Publicação nº 8 da Campanha de Adultos, MEC – Rio de Janeiro, 1949, pp. 13 e 14, apud, BEISIEGEL, Celso Rui. Estado e Educação popular: um estudo sobre a educação de adultos. São Paulo, Pioneira,1974. pp. 79 e 80. 21 Sobre esse assunto ver: MARTINS, Demósthenes. História de Mato Grosso, 1945, p.116.

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Vários trabalhadores da zona rural se deslocavam até a escola impulsionados pela possibilidade de obterem melhores condições de vida (ALVES, 1998, p.131).

Ainda sobre esse assunto, os estudos de Alves (1998) destacam que existiam três

escolas noturnas no estado: “Pedro Gardés” em Cuiabá; “21 de Setembro”, em Corumbá e “26

de Agosto”, em Campo Grande.

Contudo, a educação mato-grossense era precária e ineficiente, obedecendo, ainda,

o regulamento de ensino de 1927. Em decorrência desse atraso, no qual a legislação antiga é

apenas um dos indícios, pode-se dizer que as autoridades no comando da educação em Mato

Grosso não conseguiram cumprir com as normatizações determinadas pelo Governo Federal,

que tanto empenho bradavam pelas questões educacionais.

Para facilitar a compreensão da real situação do ensino em Mato Grosso na década

de 40, exemplifico com os quadros abaixo:

ENSINO PÚBLICO DE MATO GROSSO – 1949

Especificação

Ensino Primário Ensino Secundário

Unidades escolares

matrícula Unidades escolares

matrícula

Esc. Isoladas 477 6.443 _ _

Esc. Reunidas 36 2.242 _ _

Esc. Noturnas 161 4.163 _ _

Grupos escolares 11 7.081 _ _

Colégios Estaduais _ _ 01 567

Gin. C. Grande _ _ 01 377

Gin. Mª Leite _ _ 01 177

Gin. 2 de Julho _ _ 01 134

Gin. 11 de Março _ _ 01 47

Esc. Tec. Comércio de Cuiabá _ _ 01 119

Esc. Tec. Comércio de Corumbá

_ _ 01 65

Esc. Normal Pedro Celestino _ _ 01 *

Esc. Normal Joaquim Murtinho _ _ 01 *

Esc. Doméstica D. Júlia 01 71 _ _

TOTAIS 686 20.000 09 1.486

Fonte: Mensagem do Governador de Mato Grosso, Arnaldo Estevão de Figueiredo, 1949. Organizado por: (ALVES, 1998, p.142).

Não consta na Mensagem o número de matrículas nos cursos normais.

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INDICAÇÃO DA INSTRUÇÃO PARA PESSOAS DE 15 ANOS E MAIS Instrução Números Absolutos % sobre o total

Sabem ler e escrever 115.894 46,69

Não sabem ler e escrever 131.916 53,15

Sem declaração de instrução 408 0,17

Fonte: IBGE Censo Demográfico e Econômico, 1940.

Pode-se afirmar que na década de 40 o problema da educação de adultos

analfabetos adquiriu projeção internacional. Órgão como a UNESCO passa a estimular

empreendimentos que pudessem efetivamente resolver o problema da pobreza e do

analfabetismo, pois o analfabetismo entre as populações adultas, um fenômeno que

inicialmente se estendia como expressão de uma situação de atraso educacional, passa, cada

vez mais, a apresentar-se como uma deficiência a ser eliminada22. Para tanto, de acordo com

os objetivos da UNESCO, o indivíduo só poderia ser considerado alfabetizado se sua prática

de leitura e escrita lhe permitisse participar plenamente de atividades comuns a todos os

indivíduos alfabetizados da sociedade.

E é a partir dessas expectativas que a Educação de Jovens e Adultos nos anos 40

passa a se firmar como um problema de política nacional, reclamando por um tratamento

diferenciado que tem sua devida projeção com a criação do Fundo Nacional do Ensino

Primário – FNEP, com o lançamento da Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos –

CEAA, com a realização do 1º Congresso Nacional de Educação de Adultos realizado em

1947 e o Seminário Interamericano de Educação de Adultos no ano de 1949. Com efeito,

essas iniciativas marcam um salto bastante significativo no contexto da educação de adultos

nessa década.

22 BEISIEGEL, Celso Rui. Estado e Educação Popular: um estudo sobre a educação de adultos. São Paulo. Pioneira. 1974. p. 82.

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3.0 A PRIMEIRA CAMPANHA NACIONAL DE EDUCAÇÃO DE ADOLESCENTES

E ADULTOS ANALFABETOS

3.1 As Primeiras Iniciativas

A Primeira Campanha de Educação de Adultos iniciada após a ditadura de Vargas

foi um marco importante na reorganização do sistema político educacional de nosso país. O

que diferencia essa Campanha das demais é que ela se estruturou como um movimento de

massa que abrangeu todo o território nacional. No entanto, poucos pesquisadores se

interessaram em contar a trajetória desta Campanha, pelos vários Estados em que foi

implementada, dentre eles destaco BEISIEGEL (1974) que pesquisou o desdobramento da

Campanha no Estado de São Paulo, e o trabalho de SOARES (1995), sobre a Campanha em

Minas Gerais.

Neste capítulo tento reconstituir um pouco da história dessa Campanha de

Educação de Adolescentes e Adultos no Estado de Mato Grosso, procurando ter uma melhor

visão do seu desdobramento, bem como, de que forma contribuiu para o problema do

analfabetismo neste estado.

Sob a coordenação do Ministério da Educação e Saúde, foi lançada a Campanha de

Educação de Adolescentes e Adultos, no ano de 1947, tendo como diretor geral o professor

Lourenço Filho. Esta Campanha se desenvolveu em duas fases diferentes. A primeira vai de

1947 a 1950, coincidentemente o período em que Lourenço Filho esteve à frente dos trabalhos

de coordenação da mesma. Esta fase foi considerada a mais promissora da campanha por ter

acolhido as mais importantes conquistas deste movimento. A segunda fase compreende

aproximadamente o período de 1951 a 1954, quando a partir deste ano o ritmo de trabalho

ficou comprometido pela rotina administrativa, que pouco a pouco fez com que o movimento

perca a força de mobilização nacional e passasse a configurar como mais uma rotina

administrativa da União. A esse respeito BEISIEGEL (1974) faz a seguinte avaliação:

A inauguração de novos programas de trabalho, nesta área do ensino, e a ênfase dada a um processo de racionalização dos investimentos públicos na educação restringiram consideravelmente a amplitude das atividades que vinham sendo desenvolvidas no âmbito da Campanha. A partir de 1954, a

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Campanha de Educação de Adultos praticamente encerrou sua existência oficial. Todavia, o Serviço de Educação de Adultos do departamento Nacional de Educação e os Serviços Estaduais de Educação de Adultos continuaram mantendo em funcionamento a rede de ensino supletivo implantada em 1947, estendendo a influência da Campanha até os nossos dias (BEISIEGEL, 1974, p.89-90).

Buscando englobar aspectos que proporcionaram o desenvolvimento das

atividades da Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA), no Estado de Mato

Grosso, destaco primeiramente neste capítulo o desencadear da CEAA em esfera nacional e

posteriormente local, empreendendo principalmente a sua viabilização e os resultados

conseguidos durante o período em que esteve em vigência.

Com a regulamentação do Fundo Nacional do Ensino Primário23, pelo Decreto-lei

nº 19.513, em 25 de agosto de 1945, que designara à educação elementar de adolescentes e

adultos analfabetos a importância correspondente a 25 por cento deste fundo, desde que fosse

empregado para a criação de um plano geral do ensino supletivo, que deveria ser aprovado

pelo Ministério da Educação e Saúde, de acordo com as disposições regulamentares:

Artigo 4.º - Os auxílios federais, provenientes do Fundo Nacional de Ensino Primário, serão aplicados nos termos seguintes: 1. A importância correspondente a 70% de cada auxílio federal destinar-se-à a construções escolares (....) 2. A importância correspondente a 25% de cada auxílio federal será aplicada na educação primária de adolescentes e adultos analfabetos, observados os termos de um plano geral de ensino supletivo, aprovado pelo Ministério da Educação e Saúde (BEISIEGEL, 1974, p. 87).

Com essa medida, a União deveria criar meios de organizar entidades que

pudessem desenvolver atividades para cumprir essas novas deliberações. Neste sentido, foi

criado o Serviço Nacional de Educação de Adultos (SEA), medida que só aconteceu em 1947.

Com a criação do SEA, várias ações foram destinadas para intensificar os trabalhos em prol

dos planos anuais de ensino supletivo para adolescentes e adultos analfabetos, tais como: a

criação de classes de ensino supletivo nas diversas regiões do país, elaboração e distribuição

de cartilhas e textos de leitura e iniciava a elaboração do plano de ensino supletivo para o ano

23 Ver, a propósito, o Decreto-lei nº 4.958, de 14 de novembro de 1942, que institui o Fundo Nacional de Ensino Primário e dispõe sobre o Convênio Nacional de Ensino Primário. Diário Oficial da União de 14 de novembro de 1942.

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de 1948. Além dessas medidas, o governo federal procurou chamar atenção dos governos

estaduais, municipais e da sociedade em geral, no sentido de integrá-los no plano de

desenvolvimentos dessas atividades em benefício da educação de adultos. Todo esse

empreendimento recebeu o nome de “Campanha Nacional de Educação de Adolescentes e

Adultos”.

A Campanha foi lançada em 15 de janeiro de 1947, como sendo “uma autêntica

campanha de salvação nacional; uma nova abolição”24, segundo declaração feita pelo então

Ministro da Educação e Saúde, professor Clemente Marini, à imprensa, em entrevista

coletiva, no dia de lançamento da Campanha. Outro aspecto importante da Campanha a ser

considerado era o de recuperar a parte da população analfabeta que ficava excluída do

processo de desenvolvimento do país. Segundo pronunciamento de Lourenço Filho:

Devemos educar os adultos, antes de tudo, para que esse marginalismo desapareça, e o país possa ser mais coeso e mais solidário; devemos educá-los para que cada homem ou mulher melhor possa ajustar-se à vida social e às preocupações de bem-estar e progresso social. E devemos educá-los porque essa é a obra de defesa nacional, porque concorrerá para que todos melhor saibam defender a saúde, trabalhar com mais eficiência, viver melhor em seu próprio lar e na sociedade em geral (LOURENÇO FILHO apud PAIVA, 1987, p.179).

Outro grande interesse da CEAA era também o de estimular o crescimento de

matrículas na escola primária, pois educando os adultos, estes teriam mais interesses que seus

filhos fossem estudados também, daí um dos lemas da campanha era: “é por amor à criança

que devemos educar adolescentes e adultos”.

A Campanha tinha como objetivo de ordem quantitativa, para o ano de 1947, abrir

dez mil classes de ensino supletivo em cidades, vilas e povoados para esses adolescentes e

adultos analfabetos. Esse número deveria aumentar gradativamente nos anos seguintes, sendo

que, essas classes seriam mantidas por conta dos auxílios federais.

Foram convocados dois delegados de cada estado e do Distrito Federal e um de

cada Território, para uma reunião de esclarecimento das bases do empreendimento e os

processos de execução da CEAA, que teve início no dia 10 de fevereiro de 1947. O

entusiasmo dos educadores era tanto que deste encontro originou-se o I Congresso Nacional

de Educação de Adultos, realizado no período de 25 de fevereiro a 1º de março daquele 24 Ver Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, agosto de 1945, Rio de Janeiro, p. 67.

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mesmo ano. Assim, como o encontro de delegados, o I Congresso Nacional de Educação de

Adultos, serviu para avaliar a situação existente e analisar os primeiros desdobramentos da

CEAA.

A CEAA foi coordenada pelo professor Lourenço Filho, que além de Coordenador

Geral da Campanha também era Diretor do Departamento Nacional de Educação. Para o

professor Lourenço Filho essa não seria apenas uma campanha de alfabetização, ou seja, além

do ensino da leitura e da escrita, também seriam trabalhados com esses adultos noções de

saúde e higiene, preservação do meio ambiente, formação cívica e educação física. Em

relatório25 escrito pelo diretor do Departamento Nacional de Educação esses objetivos são

mais enfatizados :

[....] tais objetivos determinam que, ao movimento, não se desse o aspecto restrito de um plano de ensino, ou de ação escolar, mas sim, o de feição social, com insistente esclarecimento da opinião pública sobre os graves problemas da educação popular; que, ainda na ação escolar, se organizasse o trabalho de modo a difundir, com a aprendizagem da leitura e escrita, noções de imediata utilidade, com referência à higiene geral, puericultura, educação alimentar, novas técnicas de trabalho, conservação das riquezas naturais, civismo e da vida social em geral; [....].Far-se-ia, por esse modo, ‘educação de adultos’ desde o inicio, muito embora técnicas mais completas e mais complexas para esse objetivo só pudessem ser empregadas na segunda fase, na qual, tanto quanto possível, se deveria procurar influir, até mesmo na capacidade de organização econômica de grandes grupos da população, os quais vivem como que em situação marginal, fora dos problemas reais da vida social, política e econômica da nação (LOURENÇO FILHO apud BEISIEGEL, 1974, p. 99-100).

Na avaliação de Beisiegel (1974), a educação de adultos neste período era entendida

como um fator privilegiado no processo de elevação cultural de um povo, pois:

Além de possibilitar, a curto prazo, a recuperação do atraso educacional que se exprimia nas elevadas taxas de analfabetismo da população, a educação de adultos viria a constituir-se, também, em condição necessária à maior eficiência do ensino infantil. A valorização da escola entre adultos das comunidades rústicas estenderia os efeitos da Campanha à própria educação das crianças. (BEISIEGEL, 1974, p. 97)

25 Relatório do Serviço de Educação de Adultos, para o exercício de 1949, p. 73.

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Por outro lado, este mesmo autor afirma que para a Administração Federal garantir

à educação da massa iletrada, nada mais era do que cumprir a Constituição Federal, que

imperativamente garantia o direito de todos à educação (BEISIEGEL, 1974). Tendo como

base os novos ideais democráticos, surge a necessidade de ampliar as bases eleitorais no país.

Com isso, a Campanha seria o instrumento de preparação da população para exercer o direito

ao voto e, assim, compartilhar da vida política do país. A partir desse processo, a educação de

massa deveria formar uma nova sociedade no país que comungasse com as ideologias da

classe dominante, garantindo assim a “preservação da paz social” (PAIVA, 1987, p. 182-183).

Esses e outros pensamentos são reafirmados de certa forma pelo então Secretário Geral de

Educação e Cultura do Distrito Federal, Sr. Fioravanti Di Piero, que, ao justificar a realização

do I Congresso Nacional de Educação, considera as seguintes questões:

[...] que a educação exerce prodigiosa influência em toda a estrutura de nossa vida, para que sejamos, realmente, um povo civilizado, penetrando até mesmo os recessos mais obscuros da multidão; [...] que é preciso, a todo transe, eliminar o obscurantismo ou completa ignorância, como o pior dos males, entre aquêles que nas idades próprias não alcançaram os benefícios da instrução e educação, contribuindo para a crise angustiosa em que vivemos; [...] que se devem congraçar elementos bem intencionados, fõrças educativas, os órgãos mais expressivos da sociedade, para que se objetive êsse ideal supremo de dignificação, de nossa própria existência que aspira ao clima da hegemonia do espírito e de liberdade,[...] ( CONGRESSO,1950, p.35).

Assim compreendida, a CEAA deveria atender às necessidades de um país em

rápido desenvolvimento econômico e que, por conseqüência disso, necessitava de uma

reestruturação social como forma de garantir o processo democrático. E essa reestruturação

social só aconteceria se o grave problema do analfabetismo nas grandes massas trabalhadoras

fosse combatido. Porque, argumentava o Secretário Geral de Educação e Cultura do Distrito

Federal na época, “a educação e a instrução influem, poderosamente, nos costumes, na

formação da personalidade, no apuro do caráter nacional, em tudo que concorre para a

harmonia do mundo em que vivemos. Suas vantagens são incalculáveis, e enobrece o

homem”.26

26 Discurso do Prof. Fioravanti Di Piero, Secretário Geral de Educação e Cultura do Distrito Federal na abertura do I Congresso Nacional de Educação de Adultos, In: Anais do I Congresso Nacional de Educação de Adultos, 1947-1950, p.35.

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3.2 Os Objetivos da Campanha de Educação de Adultos

Procurando atender os apelos da UNESCO em prol da realização de programas

nacionais de educação de adultos e preocupados com o elevado índice de analfabetos

apresentados no último senso de 1940, que apontava que 55% da população brasileira maior

de 18 anos era constituída de analfabetos, o Ministério da Educação e Saúde autoriza o

Departamento Nacional de Educação a criar o Serviço de Educação de Adultos (SEA), para

coordenar os trabalhos do Plano de Ensino Supletivo para adolescentes e adultos analfabetos.

Assim, desta forma fora criado o maior movimento de mobilização nacional das últimas

décadas, a Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos Analfabetos, em meio a muita

euforia e entusiasmo por parte dos educadores e diletantes da educação.

Para efeito de orientação, coordenação e execução da Campanha, o SEA foi

constituído em quatro setores: administrativo, planejamento e controle, orientação pedagógica

e relações com o público. Desta forma, deveria movimentar os 25% de auxílio destinado pelo

Fundo Nacional de Ensino Primário para a execução do plano de ensino supletivo para

adolescentes e adultos analfabetos.

O setor de planejamento e controle ficou responsável pela distribuição das classes

de ensino supletivo em cada Unidade da Federação. Para isso, alguns critérios deveriam ser

observados para garantir um melhor atendimento das necessidades educacionais de cada

Estado e Território da Federação. Assim, o número de classes deveria ser proporcional ao

número da população em idade escolar que estivesse fora da escola, de forma que a relação

percentual desses números correspondesse a distribuição percentual do recurso financeiro

disponível aplicada à distribuição de 10.000 classes. Para essa orientação, foi usado o seguinte

quadro:

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QUADRO 1: BASES PARA DISTRIBUIÇÃO DE 10 000 CLASSES DO ENSINO SUPLETIVO

UNIDADES DA FEDERAÇÃO

POPULAÇÃO 31-12-45

POPULAÇÃO ESCOLAR

(12,5%)

MATRÍCULA GERAL (1945)

DEFICIT %

BRASIL 46 200 000 5 775 000 3 295 291 2 479 709 100,00

Norte

Guaporé 23 770 2 971 1 680 1 291 0,05

Acre 89 334 11 167 5 389 5 778 0,23

Amazonas 474 424 59 303 32 290 27 013 1,09

Rio Branco 13 485 1 686 616 1 070 0,04

Pará 1 033 784 129 223 99 603 29 620 1,19

Amapá 24 142 3 018 1 604 1 414 0,06

Nordeste

Maranhão 1 383 290 172 911 39 075 133 836 5,40

Piauí 915 648 114 456 41 234 73 222 2,95

Ceará 2 341 789 292 724 94 412 198 312 8,00

Rio Grande do Norte 860 119 107 515 43 769 63 746 2,57

Paraíba 1 592 842 199 105 69 184 129 921 5,24

Pernambuco 3 009 410 376 176 144 988 231 188 9,32

Alagoas 1 065 380 133 173 43 440 89 733 3,62

Fernando de Noronha 1 204 151 ___ 151 0,01

Leste

Sergipe 607 362 75 920 37 612 38 308 1,55

Bahia 4 387 972 548 496 134 821 413 675 16,68

Minas Gerais 7 594 265 949 283 563 294 385 989 15,57

Espírito Santo 865 070 108 134 66 665 41 469 1,67

Rio de Janeiro 2 069 452 258 681 161 920 96 761 3,90

Distrito Federal 1 975 697 246 962 224 642 22 320 0,90

Sul

São Paulo 8 051 658 1 006 457 787 295 219 162 8,84

Paraná 1 384 530 173 066 109 174 63 892 2,58

Santa Catarina 1 319 647 164 956 154 923 10 033 0,40

Rio Grande do Sul 3 718 906 464 863 369 300 95 563 3,85

Centro-Oeste

Mato Grosso 471 302 58 913 30 761 28 152 1,14

Goiás 925 518 115 690 37 600 78 090 3,15

Fonte: Campanha, Relatório de Atividades no Exercício de 1947.

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De acordo com o Relatório de Atividades da CEAA de 1947, o total das classes

previstas não cobria as necessidades da população analfabeta, nos grupos de 15 anos ou mais.

Sendo assim, estabeleceu-se que o mínimo de classes para cada território Federal seria o de 20

unidades, feita exceção para o de Fernando de Noronha, dadas suas condições especiais.

Resolveu-se também que nenhum Estado receberia auxílio inferior ao necessário para 100

classes, e que seria majorada a quota do Distrito Federal e a dos Estados que apresentavam

maior contingente de colonização de origem estrangeira. Para tanto, obteve-se a seguinte

distribuição de classes para o ensino supletivo:

QUADRO 2: DISTRIBUIÇÃO DE CLASSES DE ENSINO SUPLETIVO

Guaporé 20 Sergipe 150

Acre 30 Bahia 1600

Amazonas 100 Minas Gerais 1500

Rio Branco 20 Espírito Santo 170

Pará 120 Rio de janeiro 370

Amapá 20 Distrito Federal 250

Maranhão 450 São Paulo 1000

Piauí 300 Paraná 300

Ceará 700 Santa Catarina 120

Rio Grande do Norte 260 Rio Grande do Sul 420

Paraíba 450 Mato Grosso 100

Pernambuco 900 Goiás 300

Alagoas 350 Fernando de Noronha ____

Total 10 000

Fonte: Campanha, Relatório de Atividades no exercício de 1947, p. 5-6

Concomitantemente, foram convocados dois delegados de cada Estado e Distrito

Federal e um para cada Território com a finalidade de receberem orientações dos técnicos do

SEA, para viabilizarem a organização e execução da CEAA. O primeiro esclarecimento feito

pelos técnicos do SEA diz respeito aos objetivos da Campanha, que foram assim definidos:

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a) instalação e funcionamento de dez mil classes de ensino supletivo para adolescentes e adultos analfabetos; b) estímulo ao voluntariado, seja individual, para o ensino de um analfabeto ou pequeno grupo de analfabetos, seja da parte de associações, para ensino de grupos mais numerosos; c) persistente esclarecimento do público quanto à necessidade de instruir e educar as grandes massas de adolescentes e adultos analfabetos do País. (CAMPANHA, 1948, p.10)

Outra preocupação dos técnicos do SEA era que o esclarecimento ao público fosse

tão importante como a instalação e organização das classes de ensino, pois, sem compreensão,

não haveria a matrícula e freqüência desejada. Além disso, não se criará, igualmente, o clima

necessário para desenvolver a Campanha nos anos futuros (CAMPANHA, 1948, p.12). Sobre

essa questão, Paiva argumenta:

Tudo fazia parte de uma estratégia que visava conduzir a comunidade a participar da alfabetização de adultos como tarefa cívica e por isso foi aberto o voluntariado, cuja função era manter aceso o interesse pela instrução popular e criar uma mística em torno do problema (PAIVA, 1987, p.191).

Por outro lado, sensibilizando a comunidade de modo geral, essa, de certa forma,

cobraria dos poderes públicos estaduais e municipais maior empenho e compromisso com o

desenvolvimento da Campanha. Em decorrência disso, a infra-estrutura desejada e montada

pelos idealizadores da Campanha seria preservada pelas administrações locais. Por isso, o

empreendimento publicitário se justificaria, e para isso, todos os meios de divulgação então

disponíveis foram mobilizados neste sentido: inclusão sistemática de noticiários nos jornais,

estações de rádio e serviços de alto-falantes, até à elaboração de cartazes, folhetos e selos

alusivos ao tema (BEISIEGEL, 1974).

A atuação do voluntariado é da maior importância, quer como movimento de

propaganda, quer ainda como recurso de penetração da Campanha em povoados menores ou

em zonas de população dispersa (CAMPANHA, 1948, p. 12). Neste sentido, o setor de

Relações com o Público do SEA deveria coordenar a cooperação do voluntariado

representado por entidades particulares e pelo voluntariado representado pela iniciativa

individual, sendo ambos de valorosa ajuda para o desenvolvimento da Campanha. O incentivo

ao voluntariado representado pelas entidades particulares tinha como objetivo congregar aos

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trabalhos da CEAA a cooperação da Imprensa escrita, através de entrevistas, editoriais e

artigos assinados; das estações radioemissoras, como a Rádio Nacional, Rádio Cultura, Rádio

Record entre outras, que incluíram em suas programações notícias e chamadas publicitárias

sobre a CEAA; a Igreja Católica, Igrejas Evangélicas, Centros Espíritas, Serviço Social da

Indústria (SENAI), Sindicato de Diretores de Estabelecimentos de Ensino, Bancos, como o

Banco do Brasil, que doou a importância de Cr$ 7.500,00, para a impressão de cartilhas;

Empresas Aéreas, como a VARIG e a Panair, que transportavam material da Campanha.

Quanto ao incentivo ao voluntariado individual, o Serviço de Relação com o Público do SEA

determinou que o mesmo deveria acontecer de três formas: propaganda verbal da Campanha,

estímulo à matrícula de adolescentes e adultos analfabetos; cooperação com entidades de

serviço social, religiosos, culturais ou outras; ensino direto a um, dois ou mais analfabetos

(CAMPANHA,1948, p. 45).

Durante a Reunião de Delegados foi determinado que as classes deveriam

funcionar à tarde e à noite, levando em consideração os hábitos de trabalho de cada

localidade, por um período não inferior a duas horas. Cada classe poderia efetivar a matrícula

de 50 a 60 alunos, e poderia funcionar com a mesma turma todos os dias, ou com duas turmas,

alternadamente, de 25 ou de 30 alunos cada uma (CAMPANHA, 1948, p.14). Outra ressalva

feita ao funcionamento das classes era que fosse dada preferência a matrículas de alunos entre

15 a 25 anos.

Quanto à seleção de professores, caso houvesse dificuldade na contratação de um

professor diplomado, poderiam ser contratadas pessoas leigas, desde que fossem conceituadas

e capacitadas para a função do ensino, e essas, receberiam uma gratificação de Cr$ 300,00

mensais.

Para garantir uma ampla estrutura da Campanha, o Ministério da Educação e

Saúde celebrou alguns acordos com as Unidades da Federação, onde ficariam esclarecidas as

atribuições das partes celebrantes desse acordo, o qual foi chamado de, “Termo de Acordo

Especial”, e previa as seguintes cláusulas:

Cláusula Primeira

A União e o Estado acordam na realização de serviços de ensino supletivo para

adolescentes e adultos analfabetos, na conformidade do plano aprovado pelo

Ministério da Educação e Saúde, para o corrente ano de mil novecentos e quarenta e

sete (1947).

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Artigo 1.º - Ao Ministério da Educação e Saúde caberá o planejamento geral, a

orientação técnica e o controle geral dos serviços, bem como a prestação de auxílio

financeiro e o fornecimento de textos de leitura27.

Artigo 2.º - Ao Estado caberá a instalação das classes de ensino, o recrutamento de

pessoal e a administração dos serviços, inclusive os de fiscalização imediata.

Artigo 3.º - A ambas as partes caberão atividades de difusão dos objetivos da

Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos, a coordenação das atividades de

entidades de direito privado, que desejem colaborar nessa Campanha, bem como o

estímulo à ação dos voluntários individuais.

Cláusula Segunda

O Ministério da Educação e Saúde se obriga:

a) a contribuir com o auxílio de ..... para pagamento de gratificação pró-labore a

docentes em classes de ensino supletivo;

b) a fornecer textos para aprendizagem de leitura, educação da saúde, educação

cívica e econômica, além de outro material desde que possível;

c) a prestar assistência técnica, para boa execução do plano de que trata este Acordo

Especial, e a orientar o controle dos serviços de ensino, por intermédio do Serviço

de Educação de Adultos do departamento Nacional de Educação.

Cláusula Terceira

O Estado se obriga:

a) a instalar e fazer funcionar, imediatamente, um Serviço, ou Comissão, com a

incumbência de superintender as atividades de execução do plano de ensino de que

se trata este “Acordo Especial”, ou a manter órgão similar, já existente,

dotando-o dos necessários recursos que atendam aos novos encargos;

b) a instalar, distribuir por todos os Municípios do Estado........ classes, vespertinas

ou noturnas, de ensino supletivo para adolescentes e adultos analfabetos, e fazê-las

27 “Termos de Acordos Especiais” celebrados entre o Ministério da Educação e Saúde e as unidades da Federação, para execução do plano de ensino supletivo destinado a adolescentes e adultos, em 1947. ( Relatório do serviço de Educação de Adultos para o exercício de 1947, p.20)

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funcionar com a duração diária, mínima , de duas ( 2 ) horas, no período de quinze

de abril a quinze de dezembro do corrente ano;

c) a pagar a cada um dos docentes incumbidos do ensino a gratificação mensal de

Cr$ 300,00, por oito meses;

d) a suprir as classes de material escolar indispensável ao seu bom funcionamento;

e) a manter a fiscalização direta e permanente dos serviços, por seus órgãos de

inspeção de ensino, ou Comissões locais;

f) a incentivar por todas as formas a matrícula dos alunos, cuja idade inicial será de

15 anos, e a freqüência dos mesmos, de maneira a que esta, salvo casos

excepcionais, não apresente média mensal inferior a vinte, no regime de duas

turmas, em dias alternados, nem trinta e cinco, no caso de uma só turma, em dias

seguidos;

g) a facilitar por todas as formas e fazer observar o previsto na alínea c da Cláusula

Segunda;

h) a remeter, mensalmente, na forma que for estabelecida, os dados estatísticos

relativos às classes de ensino supletivo;

i) a comunicar, por intermédio do órgão competente, ao Serviço de Educação de

Adultos do Departamento nacional de educação, a instalação inicial das classes, por

Município, e as alterações sofridas pela organização de ensino supletivo, na mesma

ocasião em que ocorrerem, bem como a apresentar relatório anual de todas as

atividades relativas ao ensino a que se refere este “Acordo Especial”;

j) a comprovar perante o Ministério, na forma das instruções que foram elaboradas,

as despesas efetuadas por conta do auxílio federal.28

A União e o Estado acordam na realização de serviços de ensino supletivo para

adolescentes e adultos analfabetos, na conformidade do plano aprovado pelo

Ministério da Educação e Saúde, para o corrente ano de mil novecentos e quarenta

e sete (1947).

Artigo 1.º - Ao Ministério da Educação e Saúde caberá o planejamento geral, a

orientação técnica e o controle geral dos serviços, bem como a prestação de auxílio

financeiro e o fornecimento de textos de leitura.

Artigo 2.º - Ao Estado caberá a instalação das classes de ensino, o recrutamento de

pessoal e a administração dos serviços, inclusive os de fiscalização imediata.

28 Idem p. 21

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Artigo 3.º - A ambas as partes caberão atividades de difusão dos objetivos da

Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos, a coordenação das atividades de

entidades de direito privado, que desejem colaborar nessa Campanha, bem como o

estímulo à ação dos voluntários individuais.

Cláusula Segunda

O Ministério da Educação e Saúde se obriga:

a) a contribuir com o auxílio de ........ para pagamento de gratificação pró-labore a

docentes em classes de ensino supletivo;

b) a fornecer textos para aprendizagem de leitura, educação da saúde, educação

cívica e econômica, além de outro material desde que possível;

c) a prestar assistência técnica, para boa execução do plano de que trata este Acordo

Especial, e a orientar o controle dos serviços de ensino, por intermédio do Serviço

de Educação de Adultos do departamento Nacional de Educação.29

Cláusula Terceira

O Estado se obriga:

a) a instalar e fazer funcionar, imediatamente, um Serviço, ou Comissão, com a

incumbência de superintender as atividades de execução do plano de ensino de que

se trata este “Acordo Especial”, ou a manter órgão similar, já existente,

dotando-o dos necessários recursos que atendam aos novos encargos; b) a instalar, distribuir por todos os Municípios do Estado......... classes, vespertinas

ou noturnas, de ensino supletivo para adolescentes e adultos analfabetos, e fazê-las

funcionar com a duração diária, mínima , de duas ( 2 ) horas, no período de quinze

de abril a quinze de dezembro do corrente ano;

c) a pagar a cada um dos docentes incumbidos do ensino a gratificação mensal de

Cr$ 300,00, por oito meses;

d) a suprir as classes de material escolar indispensável ao seu bom funcionamento;

e) a manter a fiscalização direta e permanente dos serviços, por seus órgãos de

inspeção de ensino, ou Comissões locais;

29 Idem, p. 20

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f) a incentivar por todas as formas a matrícula dos alunos, cuja idade inicial será de

15 anos, e a freqüência dos mesmos, de maneira a que esta, salvo casos

excepcionais, não apresente média mensal inferior a vinte, no regime de duas

turmas, em dias alternados, nem trinta e cinco, no caso de uma só turma, em dias

seguidos;

g) a facilitar por todas as formas e fazer observar o previsto na alínea c da Cláusula

Segunda;

h) a remeter, mensalmente, na forma que for estabelecida, os dados estatísticos

relativos às classes de ensino supletivo;

Nos termos assinado do “Acordo Especial” para o ano de 1947, percebe-se que do

ponto de vista financeiro todos os recursos viriam do Ministério da Educação e Saúde, assim

como a orientação pedagógica e a coordenação geral dos trabalhos. Para os Estados caberia

apenas a função de executar e fiscalizar as atividades para o bom funcionamento da

Campanha. Entretanto, para o ano de 1948, os termos previstos no “Acordo Especial”

apresentaram algumas alterações que de certa forma iriam modificar o esquema de divisão e

atribuições contidas no primeiro “Acordo Especial” assinado em 1947. Pode-se dizer que

nesse novo documento a maioria das cláusulas foi mantida, e as que foram alteradas dizem

respeito somente às obrigações dos Estados, como:

a instalar os cursos acrescidos no corrente ano, de preferência em núcleos de

populações rurais, e pelo menos um deles em cada escola rural construída com

recursos do Fundo Nacional de Ensino Primário;

a promover a instalação dos cursos necessários em estabelecimentos militares

mediante entendimento com os respectivos comandos, bem como em

estabelecimentos subordinados ao Ministério da Agricultura;

a admitir alunos de segundo ano, ou série, em número não excedente a um

terço da matrícula geral na totalidade dos cursos de ensino primário supletivo

mantidos, no Estado, com auxílio federal;

a suprir os custos do material escolar, indispensável ao bom funcionamento dos

cursos;

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a não considerar, como financiados pelo auxílio federal, os cursos que

entrassem em funcionamento depois de 30 de junho, salvo aqueles que por

necessidade de ensino, fossem transferidos;

a não suprimir quaisquer dos cursos de ensino supletivo já existentes, e que

funcionassem à conta de dotações próprias do seu orçamento;

a selecionar o pessoal docente de conformidade com a seguinte escala de

preferência;

1- professores em exercício nas escolas públicas; 2- normalistas diplomados não

pertencentes ao quadro oficial do magistério; 3- alunos dos últimos anos dos

cursos normais; 4- pessoas que tenham cursos secundário completo; 5- pessoas

que tenham curso ginasial, comercial ou técnico profissional; 6- pessoas leigas,

habilitadas em provas de suficiência; 7- pessoas que tenham curso primário de

quatro anos, pelo menos, independentemente de prova de suficiência, nos núcleos

rurais, onde não haja candidatos mais qualificados;30

Concordo com a análise de Beisiegel (1974), quando diz que os novos termos de

“Acordo Especial” firmados no ano de 1948 envolviam direta ou indiretamente as unidades da

Federação a investirem recursos de seus próprios orçamentos na manutenção e na ampliação

da rede de escolas de ensino supletivo. Isto fica evidente quando o DNE determina que apenas

sejam usados 50% dos recursos federais para pagamento de pessoal, e os outros 50% para

despesas diversas, como iluminação. Com essa medida, os Estados não poderiam contar com

o auxílio federal para expandir as atividades da Campanha como havia sido proposto nos

termos do “Acordo Especial”, a menos que usassem suas próprias máquinas administrativas e

orçamentárias.

Em decorrência da falta de recursos por parte das administrações regionais e

levando em consideração os compromissos firmados para o desenvolvimento da CEAA, as

administrações regionais utilizaram a própria estrutura educacional já existente para instalar

as novas classes de ensino de adultos. Para tanto, aproveitaram os prédios escolares existentes

e abriram classes de ensino supletivo no período vespertino ou noturno. De modo semelhante,

os administradores regionais atribuíram novas funções para o corpo administrativo

30 Termos dos “Acordos Especiais” celebrado entre o Ministério da Educação e Saúde e as unidades da Federação, para execução do plano de ensino supletivo destinado a adolescentes e adultos analfabetos, em 1948, (apud BEISIEGEL, 1974, p. 110-111).

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pertencente ao ensino primário, que além de desenvolver suas atividades nesse setor, também

exerceria outras no ensino supletivo, como as atividades relativas ao funcionamento e

fiscalização da CEAA. Dada a situação, os professores destinados ao ensino supletivo

também eram os mesmos encarregados do ensino primário. E quando esse corpo docente era

inferior a demanda, os administradores regionais eram obrigados a contratar professores sem

habilitação para o exercício do magistério, chegando a contratar até pessoas semi-

alfabetizadas para o exercício do cargo. A esse respeito Beisiegel assim se expressa:

Dependendo, desde o início, das instalações, dos quadros administrativos e do pessoal docente do ensino primário fundamental comum, o ensino supletivo definiu-se como uma réplica do ensino infantil, ministrado a adolescentes e adultos. Delegados regionais, inspetores, diretores de escolas e professores levaram para as suas novas tarefas os velhos hábitos de trabalho e os conteúdos da ação educativa que desenvolviam no ensino primário. Independentemente dos objetivos fixados pela direção central da Campanha, e quaisquer que fossem os conteúdos propostos para a educação de adultos, a natureza e o alcance dos trabalhos, nestas condições, ficavam limitados às possibilidades de seus executores diretos. (BEISIEGEL, 1974, p.119)

O setor de orientação pedagógica do SEA ficou responsável em organizar e

produzir material didático a ser distribuído nas classes e um manual de instruções destinado à

orientação dos docentes. A organização e a produção desse material didático compreendiam:

a) material para a aprendizagem inicial da leitura e escrita; b) textos para desenvolvimento da

leitura; c) outros textos educativos; d) instruções aos professores de ensino supletivo; e)

material editado; f) material de ensino de outra procedência; g) inquérito sobre condições

sociais e interesse dos alunos (CAMPANHA, 1948).

Para a elaboração destes materiais foi convocada uma comissão de especialistas no

ensino inicial da leitura e escrita, integrada pelas professoras Dulcie K. Vicente Viana,

Técnica de Educação, com exercício no Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos; Helena

Mandroni, antiga professora da Seção de Prática de Ensino, do Instituto de Educação do

Distrito Federal; Orminda Isabel Marques, ex-diretora da mesma seção; todas, sob a

coordenação do Professor Lourenço Filho que, além de Diretor Geral do Departamento

Nacional de Educação, também assumiu a chefia do setor de orientação pedagógica.

Organizada pelo professor Lourenço Filho, a obra “Instruções aos Professores”

continha orientações metodológicas norteadoras da ação docente em sala de aula, distribuída

para professores e aos voluntários que à Campanha se incorporassem. Foram preparados

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numerosos textos sobre os objetivos educativos do movimento, a psicologia do adulto

analfabeto, sugestões para programas e horários e emprego do “Primeiro Guia de Leitura”

(CAMPANHA, 1948).

As “Instruções aos Professores” tinham como objetivo glorificar a missão do

educador ante o trabalho com adolescentes e adultos, chamando atenção para o fato de que a

missão do professor era muito maior do que o simples fato de alfabetizar esses adolescentes e

adultos, pois estariam contribuindo com a elevação moral, social e espiritual desses alunos.

Além disso, estariam contribuindo para o crescimento do país, para a melhora coletiva, com a

ordem, com a riqueza e a paz. Nos estudos de Soares (1995), são transcritos alguns

fragmentos da segunda parte do texto das “Instruções aos Professores”31, que destacam alguns

princípios técnicos referentes as especificidades no trabalho com adolescentes e adultos:

O primeiro princípio descreve que ensinar a adolescentes e adultos é mais fácil do que ensinar crianças. E o texto vai mais longe: ‘mais fácil, mais rápido, mais simples’, afirmando que se pode ensinar a um adolescente, ou adulto, na metade do tempo necessário ao ensino da criança. As crianças estão ainda em crescimento, são menos capazes, agem por impulsos. Ao contrário, o adolescente, ou adulto, que procura uma escola, como que assume consigo mesmo o compromisso de ‘aprender bem depressa’. Segundo o texto, os adultos, só por serem adultos, não estão incapacitados para a aprendizagem, não são, só pela idade, ‘cabeças duras’. O segundo princípio diz que, tendo assim maior capacidade mental, ou capacidade para aprender mais rápido e facilmente, o adolescente analfabeto e, sobretudo, o adulto analfabeto, sente-se muitas vezes desencorajado, [.....]. Diz-se que ele tem um ‘sentimento de inferioridade’, isto é, que se julga inferior aos demais, aos que saibam ler bem. O terceiro princípio recomenda fazer de tudo para que esse ‘sentimento de inferioridade’ se atenue e, por fim, desapareça. O professor precisa mostrar-se compreensivo e humano, tratando a todos não só com ‘urbanidade’, mas com a maior consideração pessoal, para que o adulto analfabeto não se sinta como ‘criança de escola’ (SOARES, 1995, p. 87-8).

A organização do folheto “Ler - Primeiro Guia de Leitura” foi inspirado no

método de ensino de leitura para adultos conhecido como Laubach. O método Laubach foi

criado pelo missionário protestante norte-americano chamado Frank Charles Laubach que em

31 Dados históricos sobre Campanha de Educação de Adultos. Instruções aos Professores de Ensino Supletivo. 1952, foi pesquisado por SOARES, Leôncio. Educação de adultos em Minas Gerais: continuidades e rupturas. São Paulo: USP/ Faculdade de Educação, 1995 [Tese de doutorado em Educação].

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1915 alfabetizou mais de 60% da população Filipinas. A proposta desse método consistia em

partir de palavras conhecidas pelos alunos, palavras-chaves, selecionadas e organizadas

segundo suas características fonéticas. A função dessas palavras era remeter aos padrões

silábicos, estes sim, o foco do estudo. As sílabas deveriam ser memorizadas e remontadas

para formar outras palavras. As primeiras lições também continham pequenas frases

montadas com as mesmas sílabas. Nas lições finais, as frases compunham pequenos textos

contendo orientações sobre preservação da saúde, técnicas simples de trabalho e mensagens

de moral e civismo.

A comissão do Setor de Orientação Pedagógica do SEA deu preferência a esse

método de alfabetização, por várias razões:

a) na prática do ensino de adultos, tem-se revelado mais produtivo; b) compreendido pelo aluno, desde as primeiras lições, com o auxílio das ‘palavras-chaves’, que em cada lição se apresentam e que aparecem repetidas, nas lições seguintes, permite auto-aprendizagem, ou descoberta de novas palavras; c) sendo o processo conhecido pela totalidade do magistério, seria de mais fácil emprego pelos professores e, ainda, pelos ‘voluntários’, que em sua maioria, teriam por ele feito sua própria aprendizagem. (CAMPANHA, 1948, p. 30)

Quanto ao ensino da escrita, o “Primeiro Guia de Leitura” apresentava, ao final de

cada página, modelo caligráfico, com palavras e frases relacionadas aos assuntos tratados, de

forma a despertar o interesse do aluno pela escrita. Além do “Primeiro Guia de Leitura”, o

setor de orientação pedagógica projetou uma coleção de quatro “Quadros Murais” e, ainda,

outros guias de leitura intitulados: “Saber”, “Viver” ou também conhecido como “Guia do

Bom Cidadão”, “Guia de Alimentação” e “Cuidemos da Criança”. Todo esse material

didático foi impresso em grande quantidade no primeiro ano da Campanha como informa o

quadro abaixo:

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PRODUÇÃO DE MATERIAL DIDÁTICO NO 1º ANO DA CAMPANHA

MATERIAL DIDÁTICO NÚMERO DE EXEMPLARES

LER PRIMEIRO GUIA DE LEITURA 586.000

SABER, II GUIA DE LEITURA 500.000

VIVER, GUIA DO BOM CIDADÃO 200.000

GUIA DE ALIMENTAÇÃO 200.000

CUIDEMOS DA CRIANÇA 150.000

INSTRUÇÃO AOS PROFESSORES DE ENSINO SUPLETIVO

15.000

QUADROS MURAIS 42.000

TOTAL: 1.693.000

Fonte: Campanha de Educação de Adultos. Relatório do SEA para o exercício de 1947. Rio de Janeiro, 1948. Organizado pela autora.

3.3 I Congresso Nacional de Educação de Adultos e suas contribuições para CEAA

Concomitantemente com o lançamento da CEAA, a Secretaria Geral de Educação

e Cultura, da Prefeitura do Distrito Federal, com a cooperação do Centro de Professores do

Ensino Noturno Municipal, contando, ainda, com o apoio do Ministério da Educação e Saúde,

realizou o I Congresso Nacional de Educação de Adultos, na cidade do Rio de Janeiro, no

período de 25 de fevereiro a 1º de março de 1947.

Pode-se dizer que o I Congresso Nacional de Educação de Adultos visava

aprofundar os estudos das concepções, dos objetivos e da realidade em torno da educação de

adultos, em todo o país. Para tanto, esta reunião de educadores contou com a participação dos

representantes oficiais da União, dos Estados, dos Territórios, do Distrito Federal e todas

instituições ou pessoas jurídicas de direito privado que fossem interessadas na solução do

ensino supletivo e cruzada contra a ignorância ( CONGRESSO, 1950).

Os objetivos do I Congresso foram além do congraçamento de todos os

professores especializados, a elaboração de trabalhos, a apresentação de sugestões para a

resolução dos vários problemas relativos à educação de adultos. Como forma de atingir tais

objetivos, a coordenação do Congresso sugeriu algumas temáticas como ponto de partida.

Num total de cinco, as temáticas assim foram definidas:

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I- A REALIDADE DA EDUCAÇÃO DE ADULTOS NO PAÍS a) Situação estatística do analfabetismo nos grupos da população adolescente e adulta do país. b) Realizações do ensino supletivo no Distrito Federal, nos Estados e Territórios. c) A iniciativa privada em face do problema da educação de adultos. d) As campanhas de educação de adultos em outros países e o plano do Governo da República. II- ASPECTOS SOCIAIS DO PROBLEMA a) A situação de marginalidade do adulto iletrado em face do progresso de seu grupo social. b) O analfabetismo e o pauperismo; o analfabetismo e a criminalidade; o analfabetismo e a minoridade política; o analfabetismo e os embaraços que opõe à organização do trabalho. c) A educação de adultos e a assimilação das correntes migratórias. d) Funções sociais da educação de adultos; supletiva de ensino primário; de continuação; de aperfeiçoamento profissional; de educação geral(sanitária, cívica, artística, econômica e política). e) Os “Centros de Comunidade” e os modernos meios de difusão: o rádio, o cinema e o disco na educação de adultos. III- QUESTÕES DE ADMINISTRAÇÃO ESCOLAR a) Como organizar os cursos de adultos de modo a obter freqüência e rendimento de ensino. b) Da necessidade de intercâmbio entre os órgãos que superintendem o ensino de adultos no país. c) Das relações entre as autoridades do ensino e os empregadores, com respeito à freqüência. d) Das comissões encarregadas de apurar e sanar possíveis desajustamentos dos alunos (entrevistas individuais, visitas, inquéritos, etc.). e) Necessidades do serviço de orientação técnica e de especialização do professorado. IV- DO PESSOAL DOCENTE a) Necessidade da formação técnica do docente que trabalha com classes de adolescentes e adultos. b) Qualidades exigidas no professor que se dedica ao delicado mister de verdadeira recuperação nos cursos de adultos. c) Condições de trabalho do professor de adultos. V- ASPECTOS DA ORIENTAÇÃO DIDÁTICA a) A aprendizagem no adolescente e no adulto; cuidados especiais que requer. b) Aspectos importantes do manejo de classes, nos cursos de adolescentes e adultos. c) Críticas e sugestões sobre os processos de alfabetização nas classes de adolescentes e adultos. d) Métodos e processos especiais, na aprendizagem das diversas disciplinas. (CONGRESSO, 1950, p. 27-8).

Entende-se que a opção temática sugerida pelo Congresso forneceu subsídios para

que muitos educadores, ali representados pelos Delegados das Unidades da Federação e

representantes das sociedades culturais, apresentassem nessa ocasião várias proposições, teses

e contribuições valiosas para o exame das múltiplas faces do problema da educação de adultos

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no país. Esses trabalhos eram avaliados por uma comissão composta por um presidente e um

relator, que posteriormente encaminhavam os trabalhos para que fossem votados em Sessões

Plenárias do Congresso. É importante destacar alguns fragmentos desses trabalhos para que se

possa compreender a dimensão da ideologia educativa predominante neste contexto histórico,

que ficou marcado pelo “entusiasmo pela educação”. Com esse intuito, merecem consideração

as idéias contidas no trabalho do professor Cândido Jucá intitulado “Uma Mística a Serviço

da Alfabetização”32, que chama atenção para a falta de um plano nacional capaz de realmente

sensibilizar o adulto analfabeto, despertando nesse o interesse ou curiosidade por uma melhor

condição de vida futura. Ainda neste sentido, o autor afirma que a maioria dos planos feitos

para alfabetização dos milhões de iletrados adultos disseminados em todo o país, são mais

preocupados com a escola e com o aprendizado, com os mestres e com os métodos, do que

com os possíveis discípulos (CONGRESSO, 1950). Ainda em sua tese, Cândido Jucá, de

forma enfática, questiona o fato de não existir nenhum dispositivo jurídico que obrigue o

adulto analfabeto a freqüentar a escola, por isso, discute a possibilidade de se criar uma força

que incite o adulto analfabeto a arrancar-se de sua própria escuridão. Em resumo, propõe que

seja criada uma consciência nacional capaz de tornar indesejável a vida do analfabeto, aos

olhos do próprio analfabeto, para isso, propõe o slogan: “SER BRASILEIRO É SER

ALFABETIZADO” (CONGRESSO, 1950). Em parecer favorável emitido pela coordenação

do Congresso, sobre a tese do professor Cândido Jucá, a comissão assim se expressa:

[...] Proclamar ao analfabeto a sua inferioridade na vida social sem lhe oferecer os melhores meios de fazê-lo instruído, equivale a criar nele uma verdadeira situação de desespero ou aguçar o complexo de inferioridade. Num país pobre, os empreendimentos são sempre realizados em limites restritos ao planejamento imaginado e o tempo cooperará na maturação dos resultados. [...] (CONGRESSO, 1950, p. 56).

É interessante também observar as idéias apresentadas pelo professor Henrique

Batista Pereira que, em sua tese com o título “Do Pessoal Docente”, fez uma abordagem

relevante sobre a formação técnica do docente, qualidades exigidas para o professor nos

cursos noturnos e as condições de trabalhos dos mesmos. Quanto à formação técnica, o autor

ressalva que é um erro achar que qualquer um pode ensinar um adulto a ler. Ainda afirma que

32 Por proposta aprovada em plenário, a palavra “mística” deve substituir-se nesta tese, pela expressão “consciência nacional”. Congresso Nacional de Educação de Adultos. Rio de Janeiro, 1950, p.51.

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o professor de adultos tem a missão de contribuir com a estrutura moral dos seus alunos e para

isso, deve ter maior capacidade, mais sutileza e mais discernimento, porque ensinar a ler e

escrever sem transformar o caráter do ignorante em cidadão é mais prejudicial do que

continuar analfabeto. No que se refere às qualidades exigidas para o professor nos cursos

noturnos, o autor sugere que o professor de adultos deva ter cultura, tato psicológico,

dedicação, perseverança e idealismo. Finalmente, observa que o trabalho do professor de

adulto deve desenvolver-se em ambiente especial, com programas bem organizados, livros

adequados e assistência e colaboração constantes de seus superiores e colegas, pois só assim

terá condições favoráveis para o bom desenvolvimento de seu trabalho ( CONGRESSO,

1950). Pode-se dizer que, para o professor Henrique Batista Pereira, era extremamente

fundamental investir de forma diferenciada na formação e especialização dos professores de

adultos, porque deles dependerá o sucesso dos empreendimentos no campo do ensino

supletivo.

Deve-se salientar também, que a realização deste Congresso marca o início das

atividades da CEAA, e que a socialização resultou das experiências promovidas entre os

educadores neste evento resultou em sugestões para a melhoria do ensino de adultos

analfabetos. Para tanto, o Congresso sugere que a Campanha de Educação de Adultos, que

hora se iniciava, se tornasse tão ampla quanto o permitissem as condições econômicas

federais, estaduais e municipais, de modo que proporcionasse aos adultos todos os graus de

instruções, na conformidade das exigências necessárias; que fosse elaborada uma Lei

Orgânica de Educação de Adultos abrangendo não somente o ensino supletivo, mas também

os cursos de continuação e aperfeiçoamento, com expedição de diplomas. Quanto aos planos

de cursos para adultos, que estes levassem em consideração, a instalação e aparelhagem

adequada ao ensino de adultos, que houvesse flexibilidade de horários e programas, de acordo

com as especificidades locais. Em relação aos professores foram observadas as seguintes

questões: programas bem organizados, livros didáticos adequados, assistência constante dos

superiores e colaboração geral. Por fim, os congressistas sugerem que sejam realizadas

reuniões periódicas de um Congresso Nacional de Educação de Adultos ( CONGRESSO,

1950).

Na opinião de Paiva (1987, p.188), as conclusões do Congresso refletem a

mobilização observada no campo da educação popular desde a reabertura política do final do

Estado Novo.

Reafirmando esse comportamento de mobilização nacional, o Presidente do I

Congresso, Professor Lourenço Filho, em cerimônia de encerramento do evento, agradece a

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todos os congressistas as contribuições dos trabalhos apresentados e diz que a nação está neste

momento voltada para os seus educadores como pregoeiros deste movimento de verdadeira

“salvação nacional” (CONGRESSO, 1950, p.199).

3.4 A Campanha de Educação de Adultos em Mato Grosso

O Setor de Planejamento do Serviço de Educação de Adultos, preocupado com as

diversidades regionais deste país para a adaptação do planejamento geral às condições de

desenvolvimento da CEAA, resolveu convocar representantes de cada um dos Estados e

Territórios da Federação para receberem todas as informações técnicas sobre o plano de

execução da CEAA. Com isso, cada unidade da federação teria um responsável pela

organização e execução da Campanha, garantindo assim o êxito dos trabalhos. Na ocasião, o

Interventor do Estado de Mato Grosso, Sr. José Marcelo Moreira, nomeou o Diretor do

Departamento de Educação e Cultura, Professor Francisco Alexandre Ferreira Mendes e o

Secretário do Interior, Justiça e Finanças, Dr. Hermes Dreux de Toledo para representarem o

Estado na I Reunião de Delegados dos Estados e Territórios, ocorrida em fevereiro de 1947,

que tinha como finalidade esclarecer o plano de execução para o ensino supletivo de

adolescentes e adultos33.

Contudo, no Relatório de Atividades da CEAA não consta o nome do Dr. Hermes

Dreux de Toledo,34 o que nos leva a dizer que, oficialmente, o Estado de Mato Grosso teve

apenas um representante neste evento.

Durante a I Reunião de Delegados ficou definida, junto aos representantes das

Unidades da Federação, a disponibilidade de recursos à disposição da Campanha. Para o

Estado de Mato Grosso, no primeiro ano da Campanha, foi designado o auxílio Federal

equivalente à instalação de 100 classes de alfabetização. Esse montante seria reajustado de

acordo com o aumento da demanda de classes nos próximos anos.

33 Conforme documento nº 145, expedido pela Diretoria de Expediente do Governo, datado de 8 de fevereiro de 1947. Arquivo Público de Mato Grosso, lata 1947-B. 34 Chama atenção o fato de não constar o nome do Dr. Hermes Dreux de Toledo, no Relatório de Atividades da Campanha, visto que, no documento expedido pela Diretoria de Expediente do Governo, seu nome estava em destaque, todo em letra maiúscula, sugerindo ser este o representante mais importante entre os dois, ou pelo cargo que ocupava, ou pelo fato de ser doutor e o outro professor. Entretanto, dos documentos pesquisados por esta pesquisadora nenhum confirma a presença deste ilustre representante na I Reunião de Delegados. O que nos faz concluir que o mesmo não esteve presente.

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Antes do início da Campanha a situação do ensino em Mato Grosso era

preocupante. Havia no Estado uma única Escola Noturna, a Escola Pedro Gardés, sediada em

Cuiabá. O objetivo da Escola Noturna era oferecer ensino para alunos maiores de 12 anos que

não podiam estudar no período diurno. Entretanto, no ano de 1942, apenas 58 alunos de

ambos os sexos, operários e trabalhadores domésticos, haviam se matriculado na Escola Pedro

Gardés.

No relatório de 1942, Diretor Geral da Instrução Pública, Prof. Francisco Ferreira

Mendes, comenta que “por várias vezes em que visitou a Escola Pedro Gardés teve a

oportunidade de avaliar o esforço e a boa vontade dos alunos que se deslocavam mais de 9

quilômetros para freqüentarem as aulas” (MENDES, 1942, p.32), fato este que poderia

justificar o número tão baixo de alunos matriculados. Ainda neste mesmo relatório, constava

a existência de mais duas escolas noturnas, de iniciativa privada, mas que recebiam auxílio do

Estado para pagamento de seus professores; em Corumbá, a Escola Noturna 21 de Setembro,

e em Campo Grande, a Escola 26 de Agosto. Contudo, a falta de dados sobre o funcionamento

dessas escolas impossibilitava qualquer avaliação sobre as mesmas, segundo o relato do

Diretor Geral da Instrução Pública no ano de 1942.

De uma forma ou de outra a situação do ensino em Mato Grosso era caótica:

faltavam escolas, professores habilitados, fiscalização escolar, assistência médica, material

didático e principalmente uma política de modernização na estrutura pedagógica. Neste

sentido, as palavras do Diretor Geral de Instrução Pública em relatório anual35 exemplificam

melhor essa questão:

[...] o problema do ensino primário mato-grossense, para alcançar os objetivos mais sadios do nacionalismo pátrio dentro da verdadeira realidade brasileira, está na dependência, primeiramente, da formação profissional dos professores. Sem este elemento, educado e bem formado, tendo o espírito preparado para a compreensão do grande e nobre dever de preceptor e formador do futuro da terra comum, toda a organização que se der ao ensino primário, por mais completa que seja, não logrará nunca, atingir com eficiência os fins da educação da infância [...] e para agravar a situação do ensino primário matogrossense, há a falta do livro didático apropriado ao meio [...]. Os inspetores gerais do ensino e os distritais, são leigos e logicamente a sua fiscalização é toda exterior, isto é, de fiscalização uma vez por ano, em alguns municípios, do número de alunos matriculados e freqüentes, escrita dos livros estatísticos e só. Ineficaz por conseguinte, para o ensino e sem valor para a administração, porque isoladas [...]. O aspecto

35 Relatório apresentado ao Interventor do Estado, pelo prof. Francisco A. Ferreira Mendes, Diretor Geral da Instrução Pública. Cuiabá, 1942. Arquivo Público de Mato Grosso – APMT – Relatórios, Estante 11-114.

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lastimável de centenas de crianças magras, anêmicas, freqüentando as escolas rurais do estado, parecendo um vencido no meio da natureza exuberante do território pátrio (MENDES, 1942, p. 4, 8, 33,34).

Antes da Campanha o Estado de Mato Grosso contava com 471 escolas primárias,

sendo 132 nas sedes municipais, 60 nas sedes distritais e 279 rurais, ou seja, o maior número

de escolas estava concentrado na área rural, o que de certa forma poderia garantir o acesso à

escolarização de uma população menos favorecida. Entretanto, a situação dessas escolas

apresentava graves anomalias, o que era confirmado pelo Diretor Geral da Instrução Pública

no relatório de 1943, quando dizia que “várias escolas rurais tiveram seu curso interrompido

em conseqüência do grande êxodo de professores”, por isso, concluía o Diretor Geral,

“tornava-se urgente solucionar o problema da instrução primária na área rural, principalmente

em relação à habilitação dos professores e à criação de medidas que pudessem estimular estes

professores a permanecerem na área rural”36. Na opinião de Alves havia outro agravante:

Era a duração do curso primário na zona rural, que se restringia apenas a 2 anos. Com isso, muitas crianças ficavam entregues à ociosidade por concluírem logo o curso primário e não terem mais o que estudar. Além de não alfabetizadas, no sentido exato do termo, ficavam excluídas da escola devido à condição sócio-econômica e ao processo escolar que marginalizava expressiva parcela da população, especialmente a do campo. (ALVES, 1998, p.120)

Outro aspecto a ser considerado neste período era o número de docentes que

contava o Estado, totalizando 983 professores, sendo 540 nas sedes municipais, 124 nas sedes

distritais, 319 nas áreas rurais. Desse total de 983 professores, somente 341 eram professores

normalistas, preparados para o exercício do magistério, enquanto 642 professores eram leigos,

ou seja, sem formação para o exercício do magistério37.

Pelos relatórios da Instrução Pública, a solução para o problema do professorado

Mato-grossense estaria na promoção de concurso para o preenchimento de vagas existentes no

magistério público e, finalmente, no pagamento de uma remuneração condigna que fizesse

com que o professor se sentisse em uma posição honrada, capaz de desempenhar sua missão 36 Diretoria Geral da Instrução Pública do Estado de Mato Grosso. Relatório referente ao ano de 1943, p. 29. Arquivo Público de Mato Grosso. Relatórios – Est. 11- 114 a. 37 Dados Retrospectivos, 1940/1957 – Ministério da Educação e Cultura, Serviço de Estatística da Educação e Cultura apud BEISIEGEL, 1974, p. 115 a 117..

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com segurança e prosperidade38. Entretanto, para o diretor Geral da Instrução Pública a

solução desses problemas ainda iria demorar, como concluiu em seu relatório:

Dessa forma, parece-nos, a solução do problema que se apresenta ainda em estudos, continuará por algum tempo sem solução. Cumpre portanto, ao Governo do Estado legislar sobre a matéria, estabelecendo regras decisivas para os concursos, revogando os numerosos Decretos existente que só tem servido para estabelecer dificuldades na classificação dos candidatos ao preenchimento efetivo das vagas do magistério primário. Esta medida que julgamos urgente, tem também grande finalidade, a de estimular o professor (MENDES, 1942, p.35).

Nesta perspectiva, pode-se dizer que o cenário da educação Mato-grossense, nos

anos que antecederam a CEAA, não era condizente com os discursos da época, que clamavam

pela recuperação de uma grande parcela da população analfabeta que vivia à margem da

sociedade. A isso pode-se acrescentar que a situação do ensino em Mato Grosso apresentava-

se fragilizada em toda a sua estrutura, em conseqüência da falta de empenho das autoridades

estaduais em solucionar efetivamente os graves problemas educacionais nesse Estado.

O início da Campanha em Mato Grosso deu-se em abril de 1947, sob a orientação

do Prof. Francisco Alexandre Ferreira Mendes, então Diretor do Departamento de Educação

e Cultura. Na ocasião foi feito um levantamento de localização das escolas supletivas que

seriam destinados ao ensino de adolescentes e adultos, conforme acordo firmado com o

Ministério da Educação e Saúde. Após esse levantamento, o Departamento de Educação e

Cultura de Mato Grosso enviou um comunicado ao Interventor Federal de Mato Grosso, onde

relacionou as seguintes escolas:

Na Capital:

- Escola Doméstica “D. Julia”;

- Escolas Reunidas “José Estevão”;

- Escolas Reunidas “Pedro Gardés”;

- Escola Particular “7 de Setembro”;

- na sede da Escola Municipal do bairro de Cae-Cae;

Na cidade de Poxoreu:

38 Diretoria Geral da Instrução Pública do Estado de Mato Grosso. Relatório referente ao ano de 1942, p.9. Arquivo Público de Mato Grosso. Relatórios – Est. 11- 114.

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- na sede das Escolas Reunidas “Cel. Julio Muller”;

- nas Escolas Salesianas locais;

Em Campo Grande:

Amambaí, Cascudo, Terenos, Jaraguarí, Taveira, Bonfim, distrito de Jaraguarí , Cidrolândia e

na sede do município.

Ainda nesse comunicado era informado que alguns Prefeitos ainda iriam informar

a localização de classes em seus respectivos Municípios.39

O acordo especial celebrado entre o Estado de Mato Grosso e o Ministério da

Educação e Saúde, em 29 de maio de 1947, para a execução do plano de ensino supletivo para

adolescentes e adultos analfabetos, estipulava a abertura de 100 classes de alfabetização a

serem distribuídas em todo o Estado. Para isso, o Estado receberia um auxílio federal no valor

de Cr$ 240.000,00, que seriam divididos em 3 parcelas de Cr$ 80.000,00 cada, contudo, o

recebimento da terceira parcela estaria vinculado a comprovação de aplicação das parcelas

anteriores, através do “Boletim Mensal” e “Folha de Pagamento de Professores”, a exemplo:

Figura 1: Modelo de Boletim Mensal enviado pelo SEA, para controle de atividades da Campanha, 1948.

39 Comunicado expedido pelo Departamento de Educação e Cultura de Mato Grosso nº 246, de 5 de abril de 1947. Arquivo Público de Mato Grosso, lata 1947 D.

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Figura 2: Modelo de Folha de Pagamento dos professores (Campanha, 1948)

Além do auxílio numerário recebido pelo Estado de Mato Grosso, o Serviço de

Orientação Pedagógica do SEA enviou uma grande quantidade de material didático para o

bom desenvolvimento da Campanha: “1º Guia de Leitura”, “Instruções aos Professores”,

Livros de registro escolar, quadro murais, boletins mensais, folhas de pagamentos e 2º Guia

de Leitura “Saber”. A quantidade recebida de material didático para todos os Estados,

inclusive o Estado de Mato Grosso, pode ser abaixo visualizada:

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Figura 3: Material Remetido às Unidades da Federação (Campanha, 1948)

De certa forma, pode-se dizer que o material enviado pelo SEA, para o Estado de

Mato Grosso, foi em número suficiente, tendo em vista que o número de alunos matriculados

no ano de 1948 chegou a 4.163 e o número de material enviado ainda no primeiro ano da

Campanha foi de 5000 Guias de Leitura “Ler” e 4600 Guias de Leitura “Saber”. Além disso,

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tudo indica que esse material fora distribuído nos Municípios em que foram localizadas as

classes de alfabetização, conforme documento abaixo.

Figura 4: Documento enviado pelo Departamento de Educação e Cultura de Mato Grosso para o Prefeito Municipal de Nioaque. Arquivo público de Mato Grosso –APMT- Lata 1947 D

Logo no primeiro ano de funcionamento da Campanha, o Governador do Estado

de Mato Grosso, Sr. Arnaldo Estevão de Figueiredo, em mensagem apresentada à Assembléia

Legislativa, informava que o desenvolvimento do plano de ensino supletivo não pode ser

executado com a plenitude desejada, contribuindo para isso vários fatores que compreendiam:

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a) a falta de verba pelo estado, para o custeio da Campanha; b) a dificuldade das comunicações com os vários municípios ; c) a não remessa de lampeões pelo órgão federal; d) a época de transição dos titulares das prefeituras do Estado (FIGUEIREDO, 1948 p. 60).

Não há dúvida que esses fatores comprometeriam o bom encaminhamento dos

trabalhos de desenvolvimento da Campanha, no entanto, tais fatores justificam mais não

explicam, por exemplo, de que forma foi aplicado o auxílio federal recebido pelo Governo

Estadual para o desenvolvimento da Campanha; também não explicam de que forma a

transição de titulares das prefeituras poderia prejudicar o desenvolvimento da CEAA, e

finalmente, porque o Governo Estadual não fez a aquisição de lampiões com os próprios

recursos enviados para a Campanha, dada a importância desse aparelho de iluminação para o

funcionamento das classes de alfabetização Por outro lado, a solução de parte desses

problemas já estava prevista no “Termo de Acordo Especial” celebrado entre o Ministério da

Educação e Saúde e o Estado de Mato Grosso, no item d) da cláusula terceira da

obrigatoriedade do Estado: “a suprir as classes de material escolar indispensável ao seu bom

funcionamento” (CAMPANHA, 1948, p. 21). Outro dado relevante apresentado pelo

Governador Arnaldo Estevão de Figueiredo à Assembléia Legislativa diz respeito ao

recebimento dos recursos do Fundo Nacional para o ensino Supletivo:

A subvenção de Cr$ 160.000,00 correspondente a 2 prestação de Cr$ 80.000,00 por conta do que se obrigou a União para o custeio do Ensino Supletivo em virtude do convênio, apresentava um saldo de Cr$ 112.155,40 porque o pagamento dos professores relativamente ao último trimestre de 1947, não havia ainda sido realizado por motivos alheios ao Tesouro do Estado (FIGUEIREDO, 1948, p.25).

Segundo indicam os dados, o auxílio federal previsto nos “Termos do Acordo

Especial” estava sendo enviado para o Estado conforme fora previsto. Feita esta constatação,

torna-se possível afirmar que, de certa forma, havia uma dificuldade administrativa em

gerenciar os recursos financeiros destinados à Campanha, e isso ainda fica mais evidente

quando o Governador informa que foram ‘localizadas 100 classes de alfabetização, mas que

muitas delas não puderam ser instaladas e não funcionaram por falta de meios”

(FIGUEIREDO, 1948, p.60). A partir desse entendimento, é possível concluir que as

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informações contidas na Mensagem do Governador Arnaldo Estevão de Figueiredo eram

equivocadas o que dificulta precisar os verdadeiros motivos pelo qual o plano de

desenvolvimento da CEAA não pode ser executado em sua plenitude.

Outro dado importante a ser observado e que fez parte do “Termo de Acordo

Especial”, celebrado entre o Ministério da Educação e Saúde e os Estados, refere-se a

instalação de um Serviço, Comissão Especial ou um órgão, em cada Unidade da Federação,

que ficasse encarregado de coordenar e fiscalizar as atividades de execução da CEAA. Essa

medida não foi efetivada em Mato Grosso, de acordo com os documentos pesquisados. A

exemplo deste:

Em diversos Estados e no Distrito Federal já existiam serviço de inspeção especializada, ou de orientação de ensino supletivo, embora não completamente organizados. Atendendo, porém, às necessidades impostas pela execução do plano de educação de adolescentes e adultos, a quase totalidade das Unidades da Federação possuem hoje serviços do gênero, sob variadas denominações, como Delegacia, Inspetoria, Superintendência, Divisão, Comissão Estadual, Serviço e Secção. Apenas dos Territórios Federais e Estados do Amazonas, Pará, Rio Grande do Sul e Mato Grosso não há notícia da existência de órgãos assim especializados, e o contato daquelas Unidades com o Serviço de Educação deste Departamento tem sido mantido diretamente pelos Secretários ou Diretores de Educação (CAMPANHA, 1948, p.19) (grifo nosso).

Aqueles Estados que não possuíam um serviço especializado de ensino supletivo

imediatamente criaram os seus, como é o caso de Minas Gerais, segundo pesquisa realizada

por Soares (1995), onde afirma que logo em março de 1947 fora criado o Serviço de

Educação de Adultos, que ficou encarregado pelo desenvolvimento da Campanha em todo o

Estado de Minas Gerais. Neste sentido, Soares informa que:

No interior do Serviço de Educação de Adultos, cinco funcionários se dividiam para coordenar a Campanha em todos os municípios do Estado, fazendo as designações dos professores, recebendo e enviando material didático, detectando alguma irregularidade ocorrida, verificando os boletins mensais e as informações anuais sobre os resultados das turmas, organizando dados estatísticos sobre o movimento da Campanha nos municípios e etc (SOARES, 1995, p. 106).

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A partir desses dados, percebe-se a grande importância da criação de um Serviço

de Educação de Adultos, em cada Estado, voltado especialmente para a mobilização de

recursos materiais e humanos para o bom desenvolvimento da CEAA. Essa medida era vista

pelo Setor de Planejamento e Controle do SEA como uma grande demonstração de uma

administração descentralizada, pois, desta forma, os Estados teriam mais liberdade para

desenvolver os trabalhos da Campanha e, ainda, agir de forma rápida e eficiente na

viabilização do bom funcionamento das classes de alfabetização. Daí constatar-se que para o

Estado de Mato Grosso a não criação deste Serviço de Educação de Adultos prejudicou de

certo modo o desenvolvimento dos trabalhos da Campanha, e isso pode ser evidenciado nas

informações contidas na Mensagem do Governador Arnaldo Estevão de Figueiredo à

Assembléia Legislativa, já citada anteriormente, e também, na última afirmação que fez nesta

mesma Mensagem sobre a situação do Ensino Supletivo para Adultos Analfabetos, quando

diz: “Até o momento ainda não foram reunidos todos os materiais da Campanha, apesar das

constantes solicitações daquele Departamento” ( FIGUEIREDO, 1948, p. 60).

Em 31 de dezembro de 1947, o SEA do Departamento Nacional realizou um

balanço de todo o material de controle da CEAA enviado pelas Unidades da Federação. Esse

balanço tinha como objetivo avaliar o desenvolvimento dos serviços regionais em relação à

Campanha, e proceder com a liberação da 3ª cota de auxílio federal às Unidades da Federação

que tivessem comprovado as despesas efetuadas por conta do auxílio já enviado. Entretanto,

para Setor de Planejamento e Controle do SEA, o envio desse material não estava sendo feito

com a pontualidade desejada. Enfim, o balanço feito em 31 de dezembro de 1947, apresentava

a seguinte situação:

a) enviaram material em quantidades satisfatórias: Acre, Alagoas, Paraíba, Rio de Janeiro e Sergipe; b) enviaram grande parte do material: Bahia, Ceará, Maranhão, Minas Gerais e Pernambuco; c) enviaram parte do material: Amapá, Amazonas, Espírito Santo, Goiás, Piauí e Santa Catarina. As demais Unidades da Federação não enviaram nenhum material de controle, até o fim do exercício. Durante a primeira quinzena de janeiro de 1948, no entanto, começou a chega o material do Pará, Rio Grande do Norte e São Paulo, e novas remessas procederam do Acre, Alagoas, Amapá, Minas Gerais, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, e Santa Catarina (CAMPANHA, 1948, p. 27).

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Segundo indicam os dados, o Estado de Mato Grosso, até a primeira quinzena de

janeiro de 1948, não havia enviado o material de controle das atividades da CEAA, conforme

estava previsto no “Termo de Acordo Especial”. Conclui-se, ainda, que o SEA do

Departamento Nacional, até o final do exercício do primeiro ano de Campanha, não possuía

informações que pudessem avaliar o desenvolvimento dos trabalhos relativos à CEAA em

Mato Grosso, e também não tinha como providenciar a liberação da 3ª cota do auxílio federal,

já que o Estado não havia comprovado a aplicação do auxílio federal, anteriormente enviado.

Tendo como base os dados até aqui expostos, pode-se inferir que a Campanha de

Educação de Adolescentes e Adultos Analfabetos não era compreendida pelas autoridades

mato-grossense como uma necessidade imediata para seu povo, devido à falta de agilidade,

empenho e esforço na execução das atividades relativas à mesma.

No ano de 1949, o Governador de Mato Grosso, Arnaldo Estevão de Figueiredo,

apresentou à Assembléia Legislativa um breve resumo sobre as atividades do Ensino

Supletivo deste Estado:

Com os resultados crescentes e confirmadores dos auspícios sob que, em boa hora, se instituiu esse tipo de ensino, as escolas noturnas para alfabetização de adultos, tem funcionado com a devida regularidade em todos os recantos da terra Matogrossense. No ano 1948, o seu número elevou-se a 161 com 4.163 matriculados (FIGUEIREDO, 1949, p. 25).

De acordo com os dados apresentados, o segundo ano da Campanha teria sido bem

sucedido, na opinião deste Governador. Entretanto, observa-se que ele optou por uma

avaliação do tipo quantitativa e não qualitativa o que nos faz desconfiar dessa avaliação,

porque nem sempre um indicador quantitativo consegue refletir a verdadeira realidade dos

fatos.

No ano seguinte, o mesmo Governador, em Mensagem à Assembléia Legislativa

por ocasião do início da Legislatura de 1950, não mencionou nenhum resultado obtido pela

Campanha no ano de 1949, apenas cita que o ensino de adultos era uma das prioridades de

envio de recurso do então Presidente Eurico Gaspar Dutra.

Se é certo, Excelentíssimo Senhor Presidente da República, General Eurico Gaspar Dutra, encarando o problema com decisão e descortínio, houve por

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bem lançar os marcos de uma nova era, distribuindo por todos os Estados recursos para contrução de prédios escolares, material escolar e ensino de adultos; não e menos certo, contudo, que o Estado de Mato Grosso soube encarar o problema pelo seu verdadeiro aspecto, lançando uma autentica cruzada em prol de educação de seus habitantes (FIGUEIREDO, 1950, p. 44).

O mesmo procedimento acontece no ano seguinte, o Governador do Estado,

Fernando Corrêa da Costa, em Mensagem à Assembléia Legislativa, também não relatou

nenhum resultado da Campanha referente ao ano de 1950. Contudo, essa ausência de

informação pode ser justificada pelo que mencionou o Governador nesta mesma Mensagem:

“O nosso Serviço de Instrução Pública, nos seus diversos graus, está requerendo imediata

recuperação, pela decadência em que jaz, especialmente pela ausência de diretrizes

pedagógicas” (COSTA, 1951, p. 29).

3.4.1 Condições de Atuação do Corpo Docente nas Classes de Ensino Supletivo

A falta de formação profissional dos membros do magistério no Estado de Mato

Grosso sempre se configurou como um grande problema para o seu desenvolvimento

educacional. Segundo o Diretor Geral da Instrução Pública, Sr. Francisco Ferreira Mendes, o

problema do ensino mato-grossense está na dependência da formação profissional dos

professores, pois sem esses, bem educados e bem formados, de nada adiantaria toda a

organização e empenho que se desse ao ensino, pois ele nunca atingiria a eficiência

(MENDES, 1942). Sem dúvida alguma, um dos fatores preponderantes que contribuiu para a

evolução desse quadro foi a extinção do Curso Normal, em 1937, através do Decreto nº 112,

pelo Interventor Júlio Muller, que alegava ter o Estado número suficiente de professores

diplomados. O que discorda Alves (1998) quando diz: “Este argumento era incompatível com

a realidade escolar em Mato Grosso, pois um dos maiores problemas destacados pelos

Presidentes do Estado era justamente o despreparo dos professores e das pessoas responsáveis

pela fiscalização do ensino” (ALVES, 1998, p.112-3). Assim, o Estado de Mato Grosso

passou onze anos sem o Curso Normal, o que caracterizou um grande atraso para o ensino.

Sobre isso Alves comenta:

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Os professores passaram a receber habilitação para o magistério em cursos oferecidos de forma precária, deixando grandes lacunas na formação dos docentes mato-grossenses. Apesar de ter desagradado a maioria dos educadores, a extinção dos Cursos Normais foi aceita sem maiores questionamentos, devido ao regime ditatorial em vigor (ALVES, 1998, p. 113).

Desta forma, levando em consideração as mensagens governamentais daquela

época e a composição do corpo docente já existente no quadro efetivo da educação em Mato

Grosso, torna-se possível definir o perfil daquele professor que proveu as vagas do magistério

das classes de alfabetização localizadas para a Campanha.

O corpo de professorado muito deixa a desejar, pela deficiência que apresenta na sua preparação pedagógica e mesmo intelectual. Para isso concorreu grandemente a intervenção manifesta do partidarismo político na sua composição. Em matéria de ensino, diante da desorganização imperante, estamos na estaca zero, como podemos afirmar, valendo-nos de uma expressão em voga (COSTA, 1951, p. 29).

O procedimento de nomear professores através de favorecimento político era uma

herança que vinha sendo legada através de sucessivos governos desse Estado. A influência

nociva da política no setor de educação já era matéria de crítica nas mensagens

governamentais de décadas passadas.

O que faz mal ao ensino público não é essa dependência em que ele está ainda do governo; o que, todavia, lhe faz grandíssimo dano é o contágio da politicagem, fazendo do professor público o servidor de um partido, o galopim eleitoral, que escreve a ata e é o agente da cabala eleitoral. O que faz mal ao ensino é essa intromissão malsã do patronato nos cursos para provimento dos logares do magistério; o que faz mal à instrução popular é essa ausência de dedicação e de vocação sincera para a profissão eminente, de tão alta dignidade, ausência que transforma o magistério em um meio de vida, tirando-lhe essa finalidade tão digna e alevantada que interessa à grandeza da Pátria, por dizer de perto com o seu futuro político-econômico (ALBUQUERQUE apud MARCÍLIO, 1963, p. 144).

Sem dúvida alguma ao longo dos anos essa interferência política contribui, em

muito, para que professores sem formação nenhuma fossem efetivados sem concurso público.

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Aliado a isso, tem-se a grande lacuna existente pela extinção das Escolas Normais por um

longo período, o que dificultava qualquer ação em prol da melhoria da qualidade profissional

do magistério mato-grossense. Neste sentido, em 1951, o então Governador do Estado de

Mato Grosso, Fernando Corrêa da Costa, em Mensagem à Assembléia Legislativa, reportou-

se da seguinte forma:

Fechadas as Escolas Normais que funcionavam no Estado, por deliberação do Governo Interventorial Júlio Müller, e que somente foram reabertas no Governo Arnaldo de Figueiredo, ficaram as escolas primárias privadas de normalistas. Entregou-se o ensino a leigos desprovidos de conhecimentos imprescindíveis ao exercício do magistério e, em muitos casos, semianalfabetos. Caiu por essa forma o nível do ensino, pela inferioridade ressaltante do professorado, enquanto, por outro lado, subiram as despesas com a disseminação de escolas em lugares de nula população estudantil (COSTA, 1951, p. 29).

A situação ainda ficará mais crítica com o passar dos anos, o que levou o então

Diretor do Departamento de Educação e Cultura de Mato Grosso, Sr. Antonio de Arruda

Marques, no ano de 1951, realizar minucioso estudo sobre a real situação do ensino neste

Estado, chegando a seguinte conclusão:

A conclusão deste estudo está a reclamar a necessidade do planejamento da distribuição das escolas em função da população escolar, retificando-se a desigualdade registrada, fruto de transitórias conveniências, em que as menores foram as do ensino, com encargo para o erário estadual e sacrifício da nossa infância entregue, criminosamente, a incapacidade, à negligência de indivíduos que só se preocupam em ser pensionistas do Estado, com o título de professor. Para conhecer-se o grau de capacidade dos professores em exercício, quer diplomados, quer leigos, planejou-se e realizou-se um concurso, mediante exames escritos – tipos test – na conformidade do processo usado pelo DASP, nos concursos federais. O resultado registrado foi o seguinte: a) Candidatos examinados,........................643 b) Aprovados,............................................489 c) Reprovados,...........................................154 O maior número de candidatos foi oferecido por Cuiabá, com 74 aprovados e 45 reprovados (COSTA, 1952, p.28). (grifo do autor)

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Esse esboço bem reflete a precariedade da formação profissional dos professores, a

incompetência dos gestores educacionais com vista a solucionar este grave problema e, por

fim, a qualidade do ensino que era oferecido pelo Estado naquele período. E foi a partir desse

contexto histórico que se constituíram os quadros docentes das classes de alfabetização da

CEAA em Mato Grosso, com a nobre missão de resolver o problema dos elevados índices de

analfabetismo nesse Estado.

Para a regência das classes de alfabetização da Campanha em Mato Grosso, foram

designados, em grande maioria, professores da rede pública de ensino (COSTA, 1955, p.45).

Esses professores receberiam uma gratificação de Cr$ 300,00 mensais, por um período de oito

meses, conforme “Termo de Acordo Especial”.

O Setor de Orientação Pedagógica do SEA elaborou para a Campanha, como já

apontei, um material com instruções metodológicas, destinados aos docentes das classes de

alfabetização, com base no sistema “Laubach” processo de “silabação”. Esse sistema de

alfabetização fora escolhido pelos organizadores da campanha por diversas razões: a) na

prática do ensino de adultos, ele tem se revelado como mais produtivo; b) compreendido o

processo pelo aluno, desde as primeiras lições, com auxílio das “palavras chaves” que em

cada lição se apresentam, e que aparecem repetidas, nas lições seguintes, ele caminharia por

si, dominando facilmente novas palavras; c) sendo esse processo perfeitamente conhecido da

totalidade do magistério, seria de mais fácil emprego pelos professores e, ainda, por

voluntários individuais, que , em sua maioria, aprenderam por ele; d) seria também praticável

pelos próprios alunos, que poderiam se animar a ensinar outros analfabetos em suas casa, ou

na vizinhança, lição por lição (CAMPANHA, 1948, p. 30). A elaboração desse material tinha

como objetivo subsidiar o trabalho docente ante ao material produzido para os alunos, pois o

mesmo deveria ser interessante e adequado ao vocabulário do adulto.

Lembrai-vos de que os alunos vêm às aulas depois de um dia todo de trabalho e, portanto, fatigados. As explicações devem ser atraentes e vivas, com indicação de casos concretos, historietas, casos pitorescos. O aluno deve sentir-se atraído para o trabalho escolar, percebendo que nele emprega bem as suas horas disponíveis e que elas lhe são agradáveis (CAMPANHA, 1952 apud SOARES, 1995, p. 95).

Neste sentido, o “Primeiro Guia de Leitura”, material elaborado para o aluno,

apresentava temas simples sobre educação da saúde, higiene da alimentação, vida social,

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princípios de economia individual, incitamento ao trabalho, direitos e deveres do cidadão.

Além disso, eram incluídos textos de poesias de boa qualidade, quadrinhas populares e

anedotas (CAMPANHA, 1948). Por outro lado, ao avaliar o material didático da Campanha,

Beisiegel (1974) afirma que o “Primeiro Guia de Leitura” em nada diferenciava, em seu

conteúdo, das demais cartilhas de alfabetização do ensino infantil. Ainda sobre isso, o mesmo

autor afirma que “quaisquer que fossem os conteúdos propostos para o movimento, o alcance

dos trabalhos ficava limitado às precárias possibilidades do pessoal docente engajado”

(BEISIEGEL, 1974, p. 128).

Em relação a essa questão, a localização de exames finais de alunos de três Escolas

Supletivas de Mato Grosso possibilitou, de certa forma, conceber que procedimentos

metodológicos e conteudistas foram utilizados nas classes de alfabetização neste Estado e,

ainda, constatar que tais procedimentos não eram compatíveis com as práticas pedagógicas

pensadas pelo Departamento Nacional para o ensino supletivo neste período. Em outras

palavras, foi possível perceber que a metodologia de trabalho e os conteúdos desenvolvidos

nas Escolas de Ensino Supletivo eram em tudo semelhante aos desenvolvidos no ensino

infantil. Tal fato, segundo Moura (2004), deve-se a resistência de um grupo de educadores

que insistiam em desenvolver suas práticas a partir de modelos, cartilhas e outros recursos

utilizados na alfabetização infantil, o que pode ser observado nos documentos abaixo:

Figura 5: Exame final da Escola Supletiva do “Bairro do Baú”, Cuiabá, 1947. Arquivo Público de Mato Grosso – APMT.

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Figura 6: Exame final da Escola Supletiva do “Bairro do Baú”, Cuiabá, 15 de dezembro de 1947. Arquivo Público de Mato Grosso – APMT.

Outros estudos seriam necessários para uma análise mais aprofundada sobre a

metodologia e a forma de avaliar apresentadas nesses documentos o que , neste momento, não

é de grande relevância no âmbito desta pesquisa. Entretanto, ao observar estes documentos

surge a necessidade de refletir como foram pensados a alfabetização, o analfabeto e o

alfabetizador naquele contexto histórico.

Neste sentido, pode-se dizer que a visão que se tinha da alfabetização, neste

período, era que esta seria capaz de eliminar o fenômeno da ignorância. Acreditava-se ainda

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que a alfabetização pudesse transformar os analfabetos em pessoas produtivas e capazes de

servir aos interesses das classes dominantes, ou seja, deveria contribuir para a transformação

da realidade social. Desse modo, o problema da alfabetização passou a ser uma questão de

mobilização mundial, incentivada principalmente pela UNESCO, que logo concluiu que

somente o desenvolvimento de um processo educativo poderia estimular o desenvolvimento

social e econômico de uma nação e assim, promover a melhoria das condições de vida da

população. Nesta perspectiva, a UNESCO sugere que a alfabetização fosse pensada como:

[....] um processo global e integrado, de formação técnica e profissional do adulto – em sua forma inicial – feito em função da vida e das necessidades do trabalho; um processo educativo diversificado, que tem por objetivo converter os alfabetizados em elementos conscientes, ativos e eficazes na produção e no desenvolvimento em geral. Do ponto de vista econômico, a alfabetização funcional tende a dar aos adultos iletrados os recursos pessoais apropriados para trabalhar, produzir e consumir mais e melhor. Do ponto de vista social, a facilitar-lhes sua passagem de uma cultura oral a uma cultura escrita, a contribuir para sua melhoria e do grupo [...] (BEISIEGEL, 1974, p. 83).

Esse conceito foi rapidamente absorvido no Brasil, que passou a refletir sobre a

necessidade de ampliar os serviços educacionais oferecidos aos jovens e adultos analfabetos

através de um programa de alfabetização em massa.

Quanto ao analfabeto este era visto como um ser marginal e incapaz, privado de

seus direitos e deveres de cidadão ou seja, aquele que não exercia a sua cidadania, “era um

brasileiro frusto: um brasileiro pela metade”40. A incapacidade do analfabeto não era

simplesmente política era também um problema de definição social. Ele não estaria preparado

para as atividades apropriadas à vida adulta e, por isso, deveria viver à margem como

elemento sem significação e incapaz de tomar decisões, ou seja, era um “adulto-criança”41.

Quanto ao alfabetizador, esse teria a missão de refazer a estrutura moral de seus

alunos, dar-lhe outra mentalidade. Essa missão deveria ser enfrentada pelo professor como

uma tarefa cívica, o que justificaria o recebimento de uma gratificação tão irrisória.

Entretanto, para muitos, o corpo de professorado neste período deixava muito a desejar, era

40 Termo utilizado pelo Professor Cândido Jucá (Filho), na Tese apresentada no I Congresso Nacional de Educação de Adultos, sob o título de :”Uma Mística a Serviço da Alfabetização”, In: Anais do I Congresso Nacional de Educação de Adultos, 1947 – 1950, p.54. 41 RUDOLFER, Noemy Silveira, Psico-pedagogia do adolescente e do adulto analfabeto. In: Fundamentos e Metodologia do Ensino Supletivo apud PAIVA ,1987, p.186.

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ineficiente, sem preparação pedagógica e de nível intelectual baixo e, por causa disso o ensino

no Estado estava na estaca zero42.

A partir dessa compreensão, pode-se perguntar: como este professor, fruto de um

sistema educacional deficitário, poderia desempenhar suas atividades docentes sem reproduzir

o que lhe fora transmitido? Por isso, recuo diante de uma possível crítica negativa sobre o

desempenho deste professor, visto que é difícil de entender por que num determinado

contexto, com um determinado público, ensina-se uma coisa e não outra. Além disso, a

prática pedagógica deste professor fora fundamentada em uma educação obtida em alicerce de

bases fracas. Por isso, hesito em acreditar que estes professores, que participaram da

Campanha, em sua singular condição de educadores, não tenham dado o melhor de si diante

das condições que lhe foram oferecidas naquele contexto histórico, pois “ensinar e aprender

supõe esforços, custos, sacrifícios de toda a natureza. Por isso é preciso que no sentido

próprio da palavra, aquilo que se ensina valha a pena” ( FORQUIN, 1992, p.44).

O documento que apresento a seguir – “Folha de Pagamento 43 - testemunha uma

parte da história da Campanha. Dele pode-se deduzir que em fevereiro de 1948, pelo menos,

quinze professores atuaram com a alfabetização de jovens e adultos neste Estado, sendo, por

isso, “devidamente” remunerados.

42 Era a opinião de vários Governadores do Estado de Mato Grosso, quando se reportavam através de Mensagens à Assembléia Legislativa. 43 Havia de minha parte um grande desejo em localizar sujeitos que tivessem vivenciado esse momento histórico e estivessem dispostos a compartilhar dessa experiência. Por isso, quando localizei o documento “Folha de Pagamento”, referente aos professores que atuaram na Campanha em Mato Grosso, tive a esperança de concretizar esse desejo. Então, a partir desse documento iniciei uma busca pela localização dos 15 professores que constavam naquela lista, o que não obtive sucesso, pois dos 15 professores listados, só consegui localizar 3, porém , os mesmos já haviam falecidos e, suas famílias não quiseram prestar nenhuma declaração

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Figura 7: Folha de Pagamento de Professores do Estado de Mato Grosso, referente ao mês de outubro de 1947. Arquivo Público de Mato Grosso - APMT, Caixa 1947 E.

A localização desses sujeitos representaria para esta pesquisa a possibilidade de

confronto entre fontes e dados institucionais com as narrativas de sujeitos que fizeram parte

desse contexto histórico. Nesta perspectiva, o levantamento de fontes orais justifica-se pela

necessidade de compreender determinados fatos que muitas vezes são filtrados ou dificultados

pelas versões oficiais e, ainda, poder conhecer a consciência individual e coletiva que fizeram

parte desse momento passado. A história oral de vida é uma alternativa de visão de mundo, já

bastante usada em pesquisa do tipo histórica, porque se interessa pela história dos silenciados

e de todos aqueles que aparentemente não têm história. Por isso, a simples possibilidade de

poder nomear esses sujeitos, saber em que escolas trabalhavam, quanto ganhavam e para

quem prestavam contas, contribuiu para uma melhor compreensão das normatizações e

concretizaçãoes que foram legitimadas no âmbito da CEAA em Mato Grosso. A não

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localização desses sujeitos me obriga a reconhecer que uma parte interessante da história da

CEAA em Mato Grosso não foi contada, que foi a história desses professores, que para esta

pesquisadora foram silenciados pelo tempo passado.

3.4.2 A Segunda Fase da Campanha

As atividades da CEAA até o final da década de 50 conseguiram manter um ritmo

de ascensão e de entusiasmo. Os resultados conseguidos nesses primeiros anos haviam sido

positivos: a Campanha de Educação de Adultos havia instalado com recursos federais, 10.416

classes de alfabetização, 416 a mais do que fora previsto para o primeiro ano; em 1948 foram

instaladas 14.110 classes; em 1949, foram instaladas 13.880 classes de alfabetização um

número um pouco abaixo do que havia sido previsto para esse ano; em 1950 o número de

classes instaladas totalizou 15.384, também abaixo do que havia sido previsto, porém não

comprometia a dimensão do sucesso quantitativo obtido pela CEAA44. Além disso, o índice

de analfabetismo reduziu de 55% na década de 40, para 49,3% na década de 50.

Contudo, a partir de 1951 o aspecto de seriedade técnica da Campanha fora

enfraquecendo, também surgem críticas relacionadas à qualidade de ensino oferecida, à falta

de professores que não queriam assumir as classes de alfabetização por uma remuneração tão

irrisória, ao desinteresse do voluntariado e a desorganização dos serviços estaduais

encarregados da implementação da Campanha (PAIVA, 1987). De certa forma, essas críticas

já haviam sido prenunciadas anteriormente por ocasião do Seminário Interamericano de

Educação de Adultos, em 1949, realizado no Brasil sob o patrocínio da UNESCO. Este

Seminário tinha como objetivo encontrar uma solução segura para o problema do

analfabetismo a partir das experiências vivenciadas por diversos países além do Brasil, que

estavam desenvolvendo Campanhas de Alfabetização, como: México, Venezuela, e

Guatemala. Na Opinião de Paiva,

O Seminário, entretanto, não se restringiu ao exame dos problemas específicos da educação dos adultos, voltando-se também para os problemas de inadequação e insuficiência da escola primária, responsáveis pelos elevados

44 Sinopse Retrospectiva do Ensino no Brasil – 1871/1956. Serviço de Estatística da educação e Cultura, Rio de Janeito,1958 apud BEISIEGEL, 1974, p. 123.

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índices de analfabetismo no continente. Manifestavam seus participantes a consciência de que as campanhas de alfabetização não resolveriam o problema, que se faziam necessários verdadeiros sistemas de educação de adultos ao lado de uma atenção especial a ser dada aos problemas do ensino primário comum. Entretanto, reconheciam eles que o problema da educação das massas eram de ordem social e não estritamente pedagógicas (PAIVA, 1987, p.195-6)

Esta orientação estaria vinculada ao desenvolvimento comunitário que deveria ser

disseminado através de missões educativo-culturais que tivessem penetrabilidade na zona

rural, onde os índices de analfabetismos eram mais alarmantes. Por este motivo, a Educação

de Adultos estava vinculada diretamente à solução dos problemas rurais. Esta orientação foi

efetivada em um Manual de Educação dos Adultos saído do Seminário, onde fora sugerida a

criação de uma Missão Rural de Educação de Adultos.

As Missões Rurais seriam uma extensão da CEAA, que pretendia instrumentalizar

a população rural para que esta pudesse se organizar socialmente e economicamente, e com

isso impulsionar o desenvolvimento no interior do país. Para isso, o Ministério da Educação e

Saúde em ação conjunta com o Ministério da Agricultura, montaram uma equipe de

especialistas em diferentes áreas de atividades, como: medicina, enfermagem, educação

sanitária, agronomia, educação doméstica, administração e logística – para desenvolverem

através de cursos, devidamente adaptado para cada realidade local, um programa educacional

com base nas técnicas de ação individual e comunitária. Os conteúdos desses programas

deveriam proporcionar a essa população rural novas tecnologias para que pudessem

acompanhar a evolução e a modernização da sociedade. Para isso os programas educacionais

foram assim definidos:

Na área da economia doméstica, por exemplo, incluiriam a discussão de noções relativas à qualidade, ao preparo e à conservação higiênica dos alimentos e a demonstração práticas de técnicas de plantio de hortaliças e de ‘criação de galinha’ etc. O grupo setorial da agropecuária, por sua vez, além de difundir conhecimentos relativos ao setor, realizaria demonstrações práticas de procedimentos racionais de defesa e conservação do solo, de combate à broca do café, aos carrapatos e às pragas diversas, de irrigação, plantação de novas espécies de vegetais mais produtivos, preparação de fertilizantes com recursos locais e etc. O setor médico sanitário incluiria, em seus programas de atuação, entre outros aspectos e além da difusão de noções relativas à preservação da saúde, a demonstração prática de procedimentos relativos à construção de privadas higiênicas e aos cuidados a serem adotados no consumo de água, frutas e verduras (BEISIEGEL, 1974, p,102)

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Mesmo não tendo um prazo definido de duração, as Missões Rurais deveriam atuar

nas comunidades até que estas criassem autonomia e pudessem solucionar sozinhas seus

problemas. Na verdade, o objetivo das Missões Rurais era valorizar o homem do campo,

aproveitando o seu potencial e melhorando sua condição de vida local através de um trabalho

educativo em todos os setores (médico-sanitário, econômico, intelectual, moral e cívico) e

ainda estimular a formação de um espírito comunitário.

Na avaliação de Paiva (1987, p. 200), “embora os resultados da experiência não

possam ser considerados altamente positivos, sua influência se fez sentir de modo marcante

sobre a evolução da estratégia adotada para a grande arte da educação de base no meio rural

brasileiro”. Neste sentido, as missões rurais seriam a continuidade e o aprofundamento de um

processo de “educação de base” que teve seu início com a oferta de cursos do ensino supletivo

para todos os adolescentes e adultos (BEISIEGEL, 1974).

Lançada experimentalmente em Itaperuna, município do Rio de Janeiro, a Missão

Rural teve seu início em 1950 e deu origem à Campanha Nacional de Educação Rural, dos

anos de 1952 até 1963. As atividades desenvolvidas pela Campanha Nacional de Educação

Rural (CNER) tinham dois pontos de apoio fundamentais: As Missões Rurais, cuja

metodologia derivava da experiência de Itaperuna e os Centros de Treinamento destinado a

professores leigos além de cursos especiais para capacitação de pessoal da própria campanha.

Como afirma Paiva:

Pretendia a CNER contribuir para acelerar o processo evolutivo do homem rural nele despertando o espírito comunitário, a idéia de valor humano e o sentido de suficiência e responsabilidade para que não se acentuassem as diferenças entre a cidade e o campo em detrimento do meio rural onde tenderiam a enraizar-se a estagnação das técnicas de trabalho, a disseminação de endemias, a consolidação do analfabetismo, subalimentação e o incentivo às superstição e crendices (PAIVA, 1987, p. 197.).

Pode-se dizer que a CNER desenvolveu suas atividades de forma semelhante a das

Missões Rurais, procurou promover entre as populações rurais a consciência do valor da

entre-ajuda para que os problemas locais pudessem ser resolvidos e seu trabalho se

consolidava e institucionalizava através da criação de Centros Sociais de Comunidade.

Contudo, os resultados da Campanha não foi o esperado, mesmo mantendo 18 missões em

funcionamento, sua rentabilidade era escassa, pois, quando as missões eram retiradas das

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comunidades, essas não tinham autonomia suficiente para dar continuidade aos trabalhos

desenvolvidos pelas missões, o que obviamente significava o fracasso da Campanha. Feita

esta constatação, a CNER começou a ter seus recursos reduzidos pelo Ministério da Educação

e Saúde e com isso suas atividades foram reduzindo progressivamente até sua extinção em

1963, justamente com as demais campanhas do MEC.

A partir de 1954 era visível o enfraquecimento dos trabalhos desenvolvidos pela

CEAA, as atividades da Campanha começaram a sofrer interferências de novas orientações

imprimida à política educacional da União por novas administrações (BEISIEGEL, 1974).

Preocupado com o enfraquecimento das Campanhas, o DNE busca novas soluções

para o problema do analfabetismo no Brasil. Foi, portanto, nesse contexto que em janeiro de

1958 foi criada a Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo (CNEA), que previa a

ampliação da rede escolar, atendendo crianças de 7 a 11 anos de idade, a população com mais

de 11 anos e menos de 15 anos de idade e oferecer classes de alfabetização para os maiores de

15 anos de idade. “A ação da Campanha, embora previsse inicialmente o combate ao

analfabetismo em todas as faixas etárias, acabou limitando-se ao ensino infantil, em uma

expansão do sistema regular de ensino” (SOARES, 1995, p. 122). “Sob esse aspecto as

experiências da CNEA eram conclusivamente contra as campanhas de massa, enfatizando o

papel da escolarização primária das crianças como solução para o problema do

analfabetismo” (PAIVA, 1987, p. 217).

Na segunda metade da década de 1950, o Brasil entra numa nova fase política, o

que possibilitava uma maior reflexão sobre os problemas educacionais e principalmente sobre

o ainda tão elevado índice de analfabetismo no país. Com mais liberdade, vários grupos se

organizaram no sentido de promover novos programas de educação de adultos, visto que, os

programas de educação de massa lançados após a queda do Estado Novo, não mais se

configuravam como um movimento de mobilização nacional. Em resposta a isso, o governo

federal convoca em 1958 o II Congresso Nacional de Educação de Adultos, onde,

oficialmente fora reconhecido o fracasso da Campanha. Nesta perspectiva argumenta Paiva:

Dez anos após o seu lançamento, a CEAA já não oferecia uma orientação aceitável para a solução do problema da educação dos adultos. Ela demonstrava, entretanto, que o caminho da campanha de massa não parecia muito adequado e seu fracasso era um estímulo para que novos grupos buscassem novas soluções para o problema, tal como era solicitado pelo governo federal ao convocar o Congresso (PAIVA, 1987, p. 192).

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O II Congresso Nacional de Educação de Adultos realizou-se no Rio de Janeiro,

entre 09 e 16 de julho de 1958, sob a coordenação do Diretor Geral do Departamento

Nacional de Educação Heli Menegale. Seu objetivo seria o estudo do problema da educação

dos adultos em seus múltiplos aspectos, visando seu aperfeiçoamento. Também seriam

analisados formas e aspectos sociais da educação de adultos, seus problemas de organização,

administração, métodos e processos pedagógicos (II CONGRESSO apud PAIVA, 1987, p.

207). O II congresso marcou a mudança do pensamento pedagógico brasileiro por enfatizar a

necessidade de uma melhor abordagem metodológica e pela reflexão em favor da educação

da população adulta capaz de intervir na vida política do país.

Durante o Congresso, quatro grandes temas foram discutidos entre os congressistas

com base nas 210 teses inscritas para esse encontro.

A primeira temática discutida dizia respeito ao “Levantamento e análise da

evolução e da situação atual da educação no Brasil”. Durantes os debates foi enfatizada a

necessidade de discutir com profundidade algumas questões: o papel do voluntariado na

Campanha, que a essa altura já não era tão entusiasta; a baixa freqüência e a evasão escolar; a

péssima estrutura física em que se encontravam os prédios em que funcionavam as classes de

alfabetização; a falta de experiência das pessoas encarregadas pelos cursos e Campanhas; o

caráter puramente alfabetizador dos cursos e a inadequação do material didático (II

CONGRESSO apud SOARES, 1995).

A segunda temática discutida foi “A educação de adultos: suas finalidades, formas

e aspectos sociais”. Sobre essa temática a comissão chegou a seguinte conclusão: a educação

de adulto não pode se limitar apenas na alfabetização pura e simples e promover a

qualificação profissional do adulto. Foi para essa comissão que Paulo Freire apresentou um

relatório intitulado “A Educação de Adultos e as Populações Marginais: Problema dos

Mucambos”, durante os debates sobre a educação de adultos e as populações marginais. As

novas concepções trazidas nos estudos de Paulo Freire seriam posteriormente a base do

sistema de ensino e à teorização de Paulo Freire na próxima década (II CONGRESSO apud

SOARES, 1995).

A terceira temática tinha como título “A educação de adultos e seus problemas de

organização e administração”. Essa temática proporcionou mais uma vez um aprofundamento

nas reflexões sobre problemas enfrentados pela CEAA, como: a precariedade dos prédios

escolares; os problemas de freqüência e rendimento escolar; inadequação dos métodos de

ensino; dificuldades pessoais enfrentadas pelos alunos, ajustamento familiar e profissional;

problemas com o alcoolismo, êxodo e migrações; a falta de qualificação profissional do

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professor de adulto; o baixo salário recebido pelos professores e o despreparo desses para

lidar com os adultos. Como sugestão a comissão propõe que o professor passe por um

processo seletivo mais rígido, que seja avaliada sua personalidade e seus conhecimentos

específicos (II CONGRESSO apud SOARES, 1995).

A última temática era sobre “Os métodos e processos da educação de adultos”.

Esse tema basicamente direcionou as discussões para os problemas relativos à ineficiência do

material didático utilizado com os adultos; questões metodológicas e uma melhor adequação

do material de acordo com cada região. Com base nessas discussões a comissão anunciou a

publicação de um novo guia de leitura “Deca, o pescador vitorioso”, e guias especiais para o

sexo feminino e masculino (II CONGRESSO apud SOARES, 1995).

Todas as questões debatidas durante o Congresso mostravam claramente que a

CEAA estava agonizante, pois suas bases e suas concepções haviam sido frágeis e seus

objetivos não mais satisfaziam os anseios de uma sociedade desenvolvimentista. A convicção

de que o país passava por grandes transformações políticas foi incorporada nos vários

discursos de autoridades durante o Congresso. Neste sentido, Paiva destaca alguns trechos do

discurso do Presidente Juscelino Kubitschek, por ocasião do Congresso:

Ele diria ‘preparo intensivo, imediato e prático aos que, ao se iniciarem na vida, se encontram desarmados dos instrumentos fundamentais que a sociedade moderna exige para a completa integração nos seus quadros: a capacidade de ler e escrever, a iniciação profissional técnica, bem como a compreensão dos valores espirituais, políticos e morais da cultura brasileira’. [....] ‘O Governo espera deste Congresso não somente o exame crítico dos processos e métodos e dos resultados dos planos de educação de adolescentes e adultos levados a efeito pelo MEC, pelos Estados, municípios e entidades privadas e religiosas, mas também, e principalmente, a formulação de uma doutrina sobre a matéria, que deverá orientar governo e particulares no planejamento e na condução dos programas de educação de adultos, em face das condições do país, em rápida e contínua transformação’ (PAIVA , 1987, p.207 -208).

Era marcante em todos os discursos proferidos por autoridades durante o

Congresso o papel da educação de adultos no processo de desenvolvimento econômico do

país, principalmente em termos de formação de recursos humanos.

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A formação de mão de obra qualificada para a indústria passa a definir toda a preocupação desencolvimentista com a política educacional. Sua base é a educação voltada para o trabalho, tendo no mercado de trabalho o seu ponto básico de referência. A pretensão é torná-la técnica, especializada na medida do esforço técnico necessário para o tipo de desenvolvimento que se busca. Isto é, trata-se de uma educação que tem por finalidade adequar as novas gerações ao projeto de desenvolvimento em curso, com ela completando os elementos constitutivos do seu suporte na estrutura social (CARDOSO, 1978, p.429).

A idéia de se investir nos chamados recursos humanos tem como base os conceitos

defendidos por Schultz em sua obra “O Capital Humano”, que defendia a idéia de que as

pessoas compõem o capital de cada país, e que a educação é um investimento que nele se faz:

Proponho, por isso mesmo, tratar a educação como um investimento e tratar suas conseqüências como uma forma de capital. Dado que a educação se torna parte da pessoa que a recebe, referir-me-ei a ela como capital humano [...]. A principal hipótese que está subjacente a este tratamento da educação é a de que alguns aumentos importantes na renda nacional são uma conseqüência de adições a esta forma de capital (SCHULTZ, 1973, p.79).

Em síntese, a Teoria do Capital Humano fundamenta-se na crença de que a melhor

capacitação do trabalhador aparece como fator de aumento de produtividade. A "qualidade"

da mão-de-obra obtida graças à formação escolar e profissional potencializaria a capacidade

de trabalho e de produção. Na opinião de Frigotto (1995), essa teoria teve um impacto

expressivo no Terceiro Mundo, sendo considerada uma alternativa para se alcançar o

desenvolvimento econômico, para se reduzirem as desigualdades sociais e para se aumentar a

renda dos indivíduos. Ainda esse mesmo autor afirma que a Teoria do Capital Humano liga-se

a perspectiva tecnicista e com isso:

A visão do capital humano vai reforçar toda a perspectiva da necessidade de redimir o sistema educacional de sua ‘ineficiência’ e, por sua vez, a perspectiva tecnicista oferece a metodologia ou a tecnologia adequada para constituir o processo educacional como investimento – a educação geradora de um novo tipo de capital – o capital humano. A educação, para essa visão, se reduz a um fator de produção (FRIGOTTO, 1993, p. 121).

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O II Congresso pode ser considerado um marco histórico para a educação de

adultos, por repercutir uma grande preocupação dos educadores em torno de novas

concepções e novos objetivos para a alfabetização de adultos.

[...] marcava o Congresso o início de um novo período na educação dos adultos no Brasil, aquele que se caracterizou pela intensa busca de maior eficiência metodológica e por inovações importantes nesse terreno, pela reintrodução da reflexão sobre o social no pensamento pedagógico brasileiro e pelos esforços realizados pelos mais diversos grupos em favor da educação da população adulta para a participação na vida política da Nação ( PAIVA,1987, p. 213).

Toda essa movimentação em prol da educação de adultos estava atrelada a um

novo processo político, que redefinia um novo cenário econômico e social no Brasil e que

deveria servir de base para o crescimento industrial do País. Nesse contexto, a concepção da

educação como instrumento de transformação da estrutura social ganha força. Não mais se

admitia pensar no adulto analfabeto como um ser imaturo e incapaz, impossibilitado de

interferir na vida política do país. Não mais interessava desenvolver atividades de educação

de adultos que reproduzissem um eleitorado acrítico e, sim, desenvolver um processo

educativo capaz de promover a conscientização política dos setores populares e incentivar a

sua organização e autonomia, possibilitando aos alunos o seu engajamento no processo de

transformação social. Nesse contexto, é possível observar que no final da década de 50 e

início da década de 60 era marcante o interesse de intelectuais e estudantes no processo

político-cultural do país.

Pretendiam todos a transformação das estruturas sociais, econômicas e políticas do país, sua recomposição fora dos supostos da ordem vigente; buscavam criar a oportunidade de construção de uma sociedade mais justa e mais humana. Além disso, fortemente influídos pelo nacionalismo, pretendiam o rompimento dos laços de dependência do país com o exterior e a valorização da cultura autenticamente nacional, a cultura do povo (PAIVA, 1987, p.230).

Entretanto, toda essa euforia em torno da participação política das massas no

processo político do país, questão tão defendida durante o II Congresso não mereceu a devida

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atenção dos redatores da Carta de Princípios45, solicitada pelo Presidente da República e que

deveria servir de diretrizes para a atuação do governo em matéria de educação de adultos.

Elementos conservadores, presentes no congresso, predominaram na comissão de redação da

Carta de Princípios solicitada pelo Presidente da República, pois não foram as conclusões do

congresso que orientaram sua redação (PAIVA, 1987, p.212). Ainda na avaliação desta

autora,

[...]ao contrario, a Carta demonstra uma excessiva preocupação com os efeitos da mudança social, afirmando que o povo deve ser preparado ‘para o cumprimento dos novos deveres e gozo de justos direitos, sem sacrifício dos valores sociais e morais a preservar, pois, em caso contrário, a sociedade corre perigo de abismar-se no caos’. Ignorando as claras referências à inoperância da CEAA, encontradas na maioria das teses apresentadas ao Congresso, a Carta assinala o esforço já realizado; quando muitos representantes estaduais haviam reclamado por ajuda federal, devido aos escassos recursos de algumas unidades da federação, a Carta recomendava ao governo o condicionamento da ajuda ao cumprimento do preceito constitucional de ‘gratuidade e universalidade’ da instrução da instrução primária (PAIVA, 1987, p. 212).

Ao final do documento a comissão redatora conclui que:

O II Congresso reafirma os seus ideais baseados na educação extensa do povo para a produtividade, sem, no entanto, o esquecimento dos valores morais e espirituais que o devem sempre inspirar E relembra que, já em 1920, o historiador inglês H.G. Wells escrevia: ‘A humanidade contempla, cada vez mais, o espetáculo de uma desabalada corrida entre a educação e a catástrofe’. Os educadores que firmam este documento têm a certeza de que a Nação brasileira saberá escolher (CARTA DE PRINCÍPIOS in: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS PEDAGÓGICOS, 1958, p.23-24).

A incoerência entre as conclusões do que foi defendido durante o Congresso e a

Carta de Princípios comprova uma intensa disputa por hegemonia de tematizações e

normatizações. Isso significava que coexistiam nessa época duas concepções de educação:

uma que concebia a educação como formadora da consciência nacional e instrumentalizadora

de transformações políticos-sociais profundas na sociedade brasileira; e outra que a entendia

45 A Carta de Princípios foi transcrita na integra na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos Rio de Janeiro, INEP, nº 71, p.22-24, julho/setembro 1958.

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como preparadora de recursos humanos para as tarefas da industrialização, modernização da

agropecuária e ampliação dos serviços. A falta de unanimidade dentro do próprio governo em

relação ao projeto desenvolvimentista fez com que, de um lado, grupos e movimentos que

defendiam a primeira concepção, a que mais se aproximava do projeto desenvolvimentista,

objetivassem a hegemonia de suas tematizações. Por outro, aqueles que defendiam a segunda

concepção que concebiam a questão da educação a partir de uma abordagem mais técnica, o

que acontecia dentro do próprio MEC, lutavam pela hegemonia de suas normatizações.

Pode-se dizer que essa disputa entre tematizadores e normatizadores foi marcante

no final da década de 50 e início da década de 60, entretanto, essa disputa não inibiu a

atuação de movimentos realizados pela sociedade em parceria ou não com o Estado, na

organização e execução de experiências educativas de alfabetização e conscientização. Essas

experiências e as disputas ideológicas que as envolviam representaram um marco na história

da educação brasileira, que ficou conhecido como o período (1960 a 1964) de educação

popular.

Paralelamente a isso, o governo tenta ressuscitar a CEAA e toma uma série de

medidas com esse objetivo: diversificação do material didático; publicação do “Manual do

Professor Voluntário”; criação de “Centros Sociais de Trabalho”, com atividades para ocupar

o tempo livre dos jovens como: fotografia, trabalhos em metal e madeira, conserto e

montagem de aparelhos de rádio e televisão – para rapazes – e educação doméstica, arte

culinária, costura, primeiros socorros, decoração – para as moças (SOARES, 1995).

Apesar das novas medidas, a Campanha Nacional de Educação de Adolescentes e

Adultos não conseguiu mais se reestruturar e sobrevive de forma precária até o ano de 1963,

quando todas as Campanhas são extintas pelo governo federal.

3.4.3 A Segunda Fase da Campanha em Mato Grosso

Faz-se necessário ter uma visão global das condições do ensino público mato-

grossense nesse contexto, porque de certa forma elas irão balizar nosso entendimento sobre as

condições em que foram desenvolvidas as atividades da Campanha nessa segunda fase.

Em Mato Grosso, o início da década de 1950 traz consigo os velhos problemas do

setor educacional mato-grossense. Ainda era grave o problema do corpo docente,

principalmente na zona rural; era preocupante o problema da falta de fiscalização; a estrutura

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dos prédios escolares deixava muito a desejar, e, ainda, a ausência de diretrizes pedagógicas.

E foi destacando esses problemas que o Governador Fernando Corrêa da Costa pronunciou-se

à Assembléia Legislativa, em 1951:

[...] o problema do ensino tem aspectos difíceis para nós, na zona rural, a começar pela obtenção do professor, [..] Mas por outro lado se observa, como dificuldade a acrescer às que existem, a resistência dos professores em aceitar o exercício do magistério na zona rural. Realmente, para o citadino, a vida rural é profundamente desagradável pela carência das atrações a que está afeiçoado, requerendo-se uma readaptação que a muitos constrange sobremaneira. Assim constantemente se verifica que, obtida a nomeação que porfia em conseguir, o nomeado busca em seguida transferir-se para os centros urbanos. Para corrigir-se essa situação, pensamos que, obrigatoriamente, o ingresso no magistério primário devia começar pela zona rural. [...] Os professores na zona rural, sem a menor fiscalização, como presentemente se encontram, negligenciam no cumprimento da sua tarefa. Dessa falta de fiscalização também se ressente o ensino nas cidades. Faz-se mister a criação de um quadro de inspetores itinerantes (COSTA, 1951, p. 29-30).

Em relação à falta de estrutura dos prédios escolares, o Governador Fernando

Corrêa da Costa, assim se expressa:

O desconforto dos prédios e a falta de equipamento para o funcionamento das classes, como seja a carência de carteira, quadros negros, mapas, etc.., desestimula os professores e afastam também os alunos da freqüência.[...] Nos núcleos coloniais de Paulista e Lageadinho, as crianças sentavam-se em pilhas de adôbos ou em bancos que também serviam de mesa, havendo a diferença de 10cms de altura entre essas duas espécies de bancos utilizados, de sorte que o aluno, para escrever, encolhia-se sobre o que servia de mesa, numa curvatura de mais de 90º, tornando-se um verdadeiro castigo a tarefa da escrita (COSTA, 1951, p. 30).

As dificuldades eram tão grandes no setor educativo, nesse início de década, que o

Governador Fernando Corrêa solicitou ao Ministério da Educação que fosse posto a

disposição do estado um técnico para assumir a direção do Departamento de Educação e

Cultura, de modo que pudesse orientar e dirigir o ensino neste estado (COSTA, 1951).

Analisando esse contexto, percebe-se que a falta de estrutura do ensino mato-grossense

transcendia os aspectos técnicos e metodológicos da questão e se concentravam basicamente

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nos aspectos relacionados a recursos humanos, ou seja, a falta de profissionais capacitados

para administrar e imprimir um ensino de qualidade neste estado.

Contudo, a chegada do novo diretor para o Departamento de Educação e Cultura,

Professor Antônio de Arruda Marques, trouxe novo ânimo para este setor, principalmente no

que se refere à reorganização administrativa desse departamento. Ao assumir o cargo, o

Professor Antônio Arruda Marques fez um balanço geral da situação do ensino e, logo em

seguida, instituiu um curso de férias intensivo para professores:

Para adestrar leigos nos conhecimentos pedagógicos e atualizar os dos diplomados, foram instituídos cursos de férias, que se iniciaram em julho passado na Capital, Campo Grande e Dourados e prosseguiram nas férias de fim de ano em Cuiabá, Campo Grande, Corumbá, Cáceres, Três Lagoas, Aquidauana, Ponta Porá, Dourados, Amambaí, Coxim, Guiratinga, Poxoreu, Poconé e Rosário do Oeste. Neste segundo período a freqüência subiu a 300 professores. Ministraram-se ensinamentos de português, aritmética, geografia, história, higiene etc. O encerramento, com a entrega dos competentes diplomas, teve caráter festivo (COSTA, 1952, p. 27).

A partir desses dados, foi possível presumir que houve realmente uma grande

preocupação desta administração em qualificar o seu professorado. Entretanto, a insuficiência

de dados não nos permitiu analisar de que forma essa qualificação aconteceu, qual era a

formação desses profissionais que ministraram esses cursos e nem o que o que estes cursos

representaram para os professores participantes. Contudo, ao longo deste trabalho, será

possível encontrar alguns indícios que confirmem se houve uma mudança na atuação

pedagógica desses professores.

Outro grande desafio para o Professor Antonio Arruda Marques foi reorganizar a

estrutura administrativa do Departamento.

O departamento de Educação e Cultura ressente-se de aparelhamento adequado ao desempenho de sua alta missão, tanto de pessoal como de material e instalações. Os seus serviços burocráticos se estruturavam em processos anacrônicos e complicados, originando acanhado rendimento nos seus trabalhos. Graças aos esforços do seu atual diretor, professor A. Arruda Marques, que trouxe do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos os conhecimentos de que se forma o cabedal técnico, os serviços do Departamento se atualizaram e tomaram feição pragmática (COSTA, 1952, p, 27).

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A partir dessas informações, foi possível deduzir que a falta de dados sobre a

CEAA, observada nos relatórios anteriores, poderia ser explicada pela desorganização desse

Departamento, como relatou o Governador do Estado na mensagem acima citada.

Ainda, neste mesmo relatório, o Governador Fernando Corrêa da Costa fez um

esboço dos empreendimentos feitos para a CEAA nos primeiros quatro anos de sua existência.

Ano Auxílio atribuído Auxílio entregue Comprovação feita

Saldo a favor do Ministério

1947 240.000,00 160.000,00 100.600,00 59.400,00 1948 437.500,00 332.500,00 269.248,38 63.259,62 1949 490.000,00 330.000,00 305.301,40 24.658,60 1950 440.000,00 189.000,00 167.641,20 21.658,80

1.608.500,0 1.011.500,0 842.782,98 168.717,02 Fonte: Mensagem apresentada pelo Governador Fernando Corrêa da Costa à Assembléia Legislativa. 1952, p.32. Arquivo público de Mato Grosso – APMT – Livro nº. 79

Analisando a situação exposta no quadro acima, foi possível concluir que o

Ministério da Educação estava cumprindo com o que fora estabelecido nos termos de “Acordo

Especial” celebrado entre o Ministério e o Governo de Mato Grosso. Contudo, a falta de

comprovação das despesas efetuadas pelo Estado por conta do auxílio federal ocasionou o não

recebimento desta cota em sua totalidade.

Como já havia mencionado em capítulo anterior, fazia parte do termo de “Acordo

Especial”, “remeter mensalmente, ao Serviço de Educação de Adultos do Departamento

Nacional de Educação, na forma estabelecida, os dados estatísticos do movimento escolar dos

cursos de ensino supletivo, juntamente com os documentos de comprovação das despesas

efetuadas por conta do auxílio federal”46. Para Beisiegel essa medida visava acima de tudo

garantir ao Ministério da Educação a realizações de suas metas.

A realização das metas quantitativas programadas para os quatro primeiros anos de existência da Campanha de Educação de Adultos dependia diretamente da plena utilização dos recursos materiais e humanos das administrações dos Estados, Territórios e Municípios. Por isso mesmo, a primeira atribuição dos serviços de educação de adultos consistia em articular o aproveitamento dos recursos regionais para a instalação das novas escolas do ensino supletivo (BEISIEGEL, 1974, p. 113).

46 Relatório do Serviço de Educação de Adultos para o exercício de 1947, p. 21.

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Apesar dos dados comprovarem que o Departamento de Educação de Mato Grosso

não realizava as prestações de contas como havia sido previsto no termo de “Acordo

Especial”, este não foi o único problema herdado da administração passada:

A desorganização imperante na administração anterior trouxe como conseqüência o desvio de apreciável parcela do fundo recebido e a recusa do Ministério em enviar novas cotas sem a demonstração da aplicação das entregues. Ficou o Estado havido como relapso perante o Ministério, na execução dos compromissos assumidos, e no conceito dos professores desembolsados dos seus salários. O Sr. Secretário das Finanças, avançando a si a solução desse grave problema, passou a realizar minuciosas investigações que levaram a localizar a quantia de Cr$ 160.000,00 depositada no Banco do Brasil, agência de Campo Grande, em nome do falecido diretor do Departamento Sr. Ulisses Cuiabano. Requerido o levantamento judicial, foi a referida quantia recuperada e posta à disposição do cumprimento dos acordos, sem prejuízo monetário para o Estado, eis que os juros vencidos do depósito cobrem a diferença de Cr$ 8.717,02 (COSTA, 1952, p. 32). (grifo nosso)

Em relação à forma como o Governador Fernando Corrêa da Costa avaliou a

questão acima mencionada, considerei simplista demais visto a gravidade do problema.

Conforme suas palavras, o Estado não teve prejuízo monetário, mas em meu entendimento

teve prejuízo social, cultural e econômico, visto que, a Campanha tinha como objetivo elevar

os níveis educacionais da população e, com isso, melhorar as condições de produção e de vida

desses cidadãos. Por isso, o desvio desta verba não poderia ser visto apenas como uma

improbidade administrativa, mas sim, como uma forma inconsciente de se pensar a educação

de um povo.

Diante desse fato, pude inferir que o problema causado pelo Sr. Ulisses Cuiabano,

em sua administração, impossibilitou que centenas de jovens e adultos mato-grossenses

tivessem acesso à educação, causando grande prejuízo no processo de desenvolvimento

cultural, social e econômico desse Estado.

Entretanto, esse tipo de irregularidade relacionado à má utilização dos recursos

financeiros da Campanha não foi exclusivamente uma peculiaridade da administração mato-

grossense. Neste sentido, Paiva (1987) comenta:

O representante do Amazonas no Congresso afirmava que ‘somos daqueles que crêem ser, e adiantamos não ser pessimismo ou exagero nosso, 70% das

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informações constantes dos boletins mensais da Campanha, provenientes do interior do Estado, de natureza fictícia, em virtude da falta de fiscalização desses cursos como também a outros fatores que, por falta de dados comprobatórios, nos furtamos a declarar’. Sugeria, assim que a probidade dos recursos da Campanha nem sempre existia (PAIVA, 1987, p.193-194).

A falta de fiscalização no ensino mato-grossense sempre foi colocada como uma

das preocupações constantes de seus governantes. Entretanto, de forma concreta observamos

que pouco ou nada havia sido feito para solucionar esse problema. Neste período, o Estado de

Mato Grosso contava com apenas seis Inspetores Escolares, para fiscalizar aproximadamente

mil escolas, nesta vastidão territorial.

Na opinião do Governador Fernando Corrêa da Costa, um dos fatores que

contribuíam para a ineficiência do aparelho fiscalizador era a instalação de escolas afastadas

dos centros urbanos, em virtude dos contingentes migratórios. Partindo dessa avaliação, o

Governador explicava que “as distâncias em que esses estabelecimentos se situam e a carência

de vias de comunicação tornam-no ilhado do contato, da orientação e da fiscalização dos

inspetores do ensino” (COSTA, 1954, p.23).

A ineficiência do aparelho escolar fiscalizador em Mato Grosso também afetou

diretamente o desenvolvimento da CEAA, conforme relato do Governador Fernando Corrêa

da Costa à Assembléia Legislativa, em seu último ano de mandato:

O ensino supletivo é mantido com verba – federal, distribuída por intermédio do INEP. Para regência dessas escolas são designados, em quase todos os casos, os professores públicos, pela facilidade da existência de prédio e material escolar do Estado. Vence cada professor de escola supletiva uma gratificação de Cr$ 350,00 mensais, durante 6 ou 7 meses do ano. Há falta de fiscalização dessas escolas, cujo horário de funcionamento é das 19 às 21 horas, e por esse motivo muitas deixam de funcionar o que levou o Sr. Diretor do Departamento de Educação e Cultura a transcrever no seu relatório o seguinte: ‘ Não são devidamente fiscalizadas e seu funcionamento fica entregue exclusivamente ao bom senso e escrúpulo do professor no cumprimento do dever. Temos porém absoluta certeza de que 60% dessas escolas não funcionaram ou se funcionaram é de forma irregular, não chegando a haver durante o mês aulas no espaço de uma semana. Aliás, foi-me declarado textualmente, por ilustre deputado à Assembléia Legislativa do Estado, que as Escolas Supletivas localizadas na região de um município do Leste não funcionaram no ano findo, mas a gratificação pro labore deveria ser paga, pois que, era um manjar caído do céu para ajudar o professor mal pago’ (COSTA, 1955, p.45).

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Esses dados refletiam a total desorganização reinante no setor educacional do

Estado de Mato Grosso e também, revelavam a falta de consciência das pessoas que estavam

à frente da CEAA. As denúncias feitas sobre o funcionamento das classes de ensino supletivo

apontavam o baixo rendimento que a CEAA estava tendo no Estado, a falta de empenho do

Estado em cumprir com os acordos firmados com o Governo Federal e a ausência de uma

avaliação mais rigorosa das autoridades municipais. Todos esses fatores sinalizavam o

enfraquecimento da Campanha e a necessidade de revitalizar o sistema educacional vigente

nesse Estado.

No ano de 1956 assumiu o Governo o Sr. João Ponce de Arruda que logo propôs

um levantamento da real situação do ensino no Estado. Após esse levantamento, o

Governador afirmou que era “sumamente árdua e praticamente inexeqüível, a tarefa de uma

exposição completa da situação em que se encontra, no momento, a Instrução Pública em

nossa terra” (ARRUDA, 1956, p. 83). Ressaltou ainda que a desorganização em que se

encontrava a Secretaria de Educação Cultura e Saúde, herança deixada pela administração

passada, dificultava uma exposição correta das atividades administrativas desenvolvidas por

esta Secretaria no ano de 1955.

De forma recorrente, a desorganização da Secretaria de Educação afetou

diretamente o desenvolvimento das atividades da Campanha.

Com referência a arquivos de documentos, tais como dizem respeito a contratos, convênios, etc... encontramo-los bastante incompletos e desordenados, especialmente os da Divisão do Ensino Supletivo, datando este fato de muitos anos, o que está prejudicando o bom andamento desse importante setor do ensino e possivelmente irá criar dificuldade para que possa o Estado firmar novos contratos e convênios com a União (ARRUDA, 1956, p.84).

A partir das críticas realizadas, algumas questões devem ser refletidas: A

impressão que se tem é que essa desorganização da Secretaria de Educação afetava muito

mais o setor de ensino supletivo do que os outros segmentos da educação. Isso porque, desde

os primeiros anos da Campanha, a falta de documentação e comprovação das despesas sempre

fora utilizada pelos governantes para justificar o não desenvolvimento das atividades da

campanha em sua totalidade. O que parece duvidoso e quase intencional que, após nove anos

de implantação da Campanha, esse problema não tenha sido resolvido, visto que, a falta de

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comprovação das atividades desenvolvidas pela CEAA implicava no não recebimento dos

recursos Federais. Outra questão que causa incômodo é a ausência nos relatórios de medidas

oriundas do Governo Estadual destinadas exclusivamente ao ensino supletivo, o que nos faz

pensar que o ensino supletivo só existia para o Estado, apenas e exclusivamente, na condição

de um empreendimento da União. Como se pode verificar nos relatórios, todas as informações

a respeito do ensino supletivo sempre soavam unicamente como uma prestação de contas e

nunca como uma preocupação do Governo Estadual com este segmento de ensino. Isso fica

ainda mais evidente quando comparamos o volume de informações contidas nos relatórios

sobre o ensino supletivo e de outros segmentos educacionais. O que se observa, nitidamente,

nos relatórios governamentais é que as questões relacionadas sobre o Ensino Supletivo

sempre apareciam timidamente nas mensagens governamentais, apenas com a finalidade de

explicar o inexplicável. A impressão que se tem de toda essa situação é que os recursos

financeiros enviados para a CEAA não eram “um manjar caído do céu” somente para os

professores.

Na opinião de Paiva (1987), a desorganização dos serviços encarregados da

implementação da CEAA nos estados era um dos aspectos mais criticados:

A desorganização reinante, por outro lado, podia ser observada através das declarações do Secretário de Educação do Pará que, ao assumir o cargo, encontrou classes instaladas, mas ‘cuja relação não foi encontrada’, afirmando que ‘nada existe nos arquivos da Secretaria que nos proporcione elementos para podermos fazer um histórico, uma análise, uma narrativa que possa demonstrar o que foram os serviços realizados [...]. As informações foram quase sempre imprecisas, incompletas e muitas não chegaram’ (PAIVA, 1987, p.194)

Em 1957, ainda na administração do Governador João Ponce de Arruda, foram

instaladas 51 classes de alfabetização de jovens e adultos em Mato Grosso, que representou

como resultado positivo a alfabetização de 1098 alunos de ambos os sexos. Já no ano seguinte

o número de classes aumentou para 52, entretanto o número de alunos alfabetizados caiu para

873 alunos. Esses foram os únicos dados disponíveis sobre o ensino supletivo apresentados

pelo Governador em mensagem à Assembléia Legislativa nos anos de 1957 e 1958, o que de

certa forma impossibilitou a avaliação da Campanha em seus aspectos mais gerais.

Contudo, Paiva explica que “o declínio da Campanha chega ao auge em 1958

quando é convocado o II Congresso Nacional de Educação de Adultos, onde se reconhece de

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público o fracasso do programa do ponto de vista propriamente educativo” (1987, p. 192).

Entretanto, o Governo Federal após este Congresso acreditava que novas diretrizes poderiam

revitalizar as atividades da Campanha, o que de certa forma não aconteceu, tendo em vista a

sua extinção em 1963.

O período que sucede o II Congresso Nacional de Educação de Adultos em Mato

Grosso, aparentemente, oscilou entre o desinteresse e a tentativa de revitalizar as atividades da

Campanha. Essa afirmação tem como base os relatórios que foram apresentados pelos

Governadores João Ponce de Arruda e Fernando Corrêa da Costa à Assembléia Legislativa,

no período de 1958 a 1963, considerado o período de declínio da Campanha.

No relatório de 1959 o Governador João Ponce de Arruda destacou o bom

funcionamento do Departamento de Educação; a criação de mais 133 Escolas; a elevação do

quadro de professores que foi para 5000, dos quais 3562 estavam preenchidos; a distribuição

de material para as escolas primárias de todo o Estado; e o bom funcionamento da Faculdade

de Direito. Em relação ao Ensino Supletivo o Governador informou que:

De conformidade com o convênio firmado com o Ministério de Educação, instalaremos, neste ano, 70 cursos para alfabetização de adultos, assim distribuídos: Cuiabá, 11; Campo Grande, 11; Corumbá, 11; Dourado, 11; Três Lagoas, 5; Aquidauana, 5; Alto Paraguai, 2; Cáceres, 2; Guiratinga, 2; Itaporã,2; Rondonópolis, 2; Arenápolis, 1; Jardim, 1; Ládario, 1; Nortelândia, 1; Terenos, 1; e Várzea Grande 1 (ARRUDA, 1959,p.99).

Pela primeira vez um relatório governamental informava onde seriam instaladas as

classes de alfabetização da Campanha. Contudo, não temos dados suficientes para afirmar se

essas classes foram realmente instaladas, como funcionaram e nem quantos alunos

freqüentaram essas classes de alfabetização. Entretanto, esses dados poderiam revelar indícios

de uma nova postura do Governo Estadual em relação ao Ensino Supletivo. Pois, o simples

fato desse relatório oferecer informações mais detalhadas sobre a possível instalação de 70

classes de alfabetização, justamente num período em que na maioria dos Estados a CEAA

estava agonizante e a verba destinada pelo Governo Federal para custeá-la havia diminuído,

poderia configurar-se em um novo olhar dessa administração para o sistema de Ensino

Supletivo neste Estado. Além disso, a certificação do fracasso da Campanha fez com que

alguns Estados tentassem recuperar seus antigos sistemas de Ensino Supletivo, o que também

poderia estar acontecendo em Mato Grosso. Porém, essas hipóteses não foram sustentadas nos

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relatórios dos dois anos subseqüentes (1960 e 1961) onde não constaram nenhuma informação

sobre o Ensino Supletivo.

Nos últimos anos da Campanha, encontrava-se a frente da administração do

Estado, o Governador Fernando Corrêa das Costa, que cumpria seu segundo mandato. Foram

destaques em sua administração a realização do I Congresso Mato-grossense de Educação e

Saúde e a instalação do Centro de Treinamento e Aperfeiçoamento de Professores.

O I Congresso Mato-grossense de Educação e Saúde realizou-se nos dias 13, 14 e

15 de janeiro de 1963, nos salões do Palácio da Instrução, e contou com a participação de 59

prefeitos municipais, 21 médicos, mais de uma centena de professores, 15 inspetores regionais

e várias autoridades (MARCÍLIO, 1963). Durante o Congresso, várias temáticas foram

discutidas em relação ao progresso da educação e da saúde no Estado, o que despertou

grandes interesses nos participantes que, após os debates, apresentaram como síntese dos

trabalhos as seguintes recomendações pertinentes ao setor educacional:

- O desenvolvimento do sistema educacional, procurando dar uma efetiva assistência às comunas, observando-se os preceitos legais, e fiel ao princípio de descentralização do Ensino, já consagrado pela lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional; - O afastamento das interferências político-partidárias nos setores de ensino e saúde; - A obtenção, na própria comunidade, das soluções para os problemas educacionais, procurando auscultá-las através de simpósios e mesas redondas, e prestigiando as recomendações que dos mesmos resultarem; - A observação das condições ecológicas e das realidades sócio-econômica do Estado, no planejamento do Ensino Superior, enfim; - Uma política de cooperação mútua, no levantamento das necessidades, deficiências e disponibilidades regionais, para conjugação dos esforços e recursos federais, estaduais e municipais, em favor de um objetivo comum, que é o desenvolvimento equilibrado de Mato Grosso, dentro da Federação Nacional (MARCÍLIO, 1963, p. 213-214).

O Centro de Treinamento e Aperfeiçoamento do Magistério foi instalado no prédio

do Educandário dos Menores Abandonados, no dia 16 de agosto de 1963. O objetivo dessa

iniciativa era solucionar o problema do magistério primário que tinha em seu quadro efetivo

mais de 60% de professores leigos que precisavam receber conhecimentos mais específicos da

profissão para exercerem integralmente suas funções de mestres. O problema do professorado

leigo sempre fora considerado um dos aspectos que contribuíam para o atraso do ensino em

Mato Grosso, na opinião de seus representantes. Ao longo dos anos algumas medidas foram

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tomadas pelas administrações anteriores na tentativa de aperfeiçoar e atualizar esses

professores. Contudo, essas medidas se mostraram ineficazes e a solução desse problema

ainda era um desafio para o Governo do Estado. Por isso, a criação do Centro de Treinamento

e Aperfeiçoamento do Magistério foi a solução encontrada por essa administração para

encarar os velhos problemas do magistério primário, de nova maneira de modo que tal

solução pudesse efetivamente reabilitar o ensino público estadual.

Em relação ao Ensino Supletivo, o Governador Fernando Corrêa das Costa

informou que “os cursos de Alfabetização de Adultos funcionaram em 1962 não menos de 45

cursos com uma matrícula aproximada de 990 alunos (COSTA, 1963, p. 156). Não há muito o

que dizer sobre este relato, senão o fato de que esses dados são completamente imprecisos o

que dificulta qualquer análise sobre a questão, visto que, tentar definir com exatidão um

número não menos de 45 é infinitamente impossível. Em relação ao número de alunos

matriculados, esses dados também não revelavam o que considero ser um dado importante

para essa pesquisa que era saber o número de alunos alfabetizados com o empreendimento da

CEAA neste Estado. Desta forma, só nos restou refletir se o nível de informações

disponíveis sobre este setor de ensino refletiam a atenção que a ele era dispensada

No último ano de funcionamento da CEAA, o Governador Fernando Corrêa da

Costa, em seu relato apresentado à Assembléia Legislativa, fez uma profunda reflexão sobre a

situação do ensino no Estado, chegando a seguinte conclusão:

Cada matogrossense deve ter ao seu alcance uma escola primaria gratuita, nenhum matogrossense pode ser analfabeto, todos os matogrossenses têm direito de receber a melhor instrução e não somente instrução. A mais moderna metodologia os mais arrojados técnicos pedagógicos, os mais eficientes recursos didáticos usados nos Centros mais adiantados do mundo serão adaptados e implantados em nosso Estado (COSTA, 1964, p.106).

Além disso, o Governador reconhecia que todas as providências tomadas, até

então, para solucionar os problemas educacionais do Estado, tinham sido feitas de forma

tradicional e repetitiva que só reeditavam os mesmos problemas, as mesmas ações, os mesmos

programas e o mesmo tipo de escola. Por isso, esperava encontrar novas soluções para esses

problemas de modo que pudessem recuperar o tempo perdido e que as atuais e futuras

gerações de mato-grossense pudessem se beneficiar dos progressos científicos aplicados à

instrução e à educação (COSTA, 1964).

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Entretanto, para alcançar esses objetivos, o Governador teria que transpor muitos

obstáculos, principalmente, no setor de Ensino Supletivo que apresentava muitas dificuldades

para atingir a meta estabelecida de não ter nenhum mato-grossense analfabeto. Para entender

melhor esse raciocínio, transcrevo na integra a parte que se refere ao Ensino Supletivo do

último relatório do período de vigência da CEAA neste Estado.

Quatrocentos e sete (407) Cursos de Alfabetização de adultos deveriam entrar em funcionamento mas devido a tantas dificuldades de ordem geográfica e técnica ainda não atingimos essa média que alfabetizaria 12 mil adultos. O nosso esforço continua e em todas as cidades, vilas e povoados instalaremos tantos cursos quantos necessários para atender a nossa população (COSTA, 1964, p.121).

A exemplo dos relatórios apresentados no início da Campanha, observei que,

basicamente, as mesmas justificativas utilizadas para o não funcionamento das classes de

alfabetização foram reeditadas, dezessete anos passados, no relatório acima transcrito. Daí

constatar-se que todas as atividades desenvolvidas pela Campanha no período de sua

existência no Estado aconteceram de forma precária, dado a persistência dos mesmos fatores

que impediram seu desenvolvimento nos primeiros anos.

Outro aspecto a ser considerado neste relatório diz respeito ao número de cursos de

alfabetização (407) que deveriam funcionar e ao número de pessoas que deveriam ser

alfabetizadas (12 mil). O que não fica claro neste relatório é se estes números representavam

as metas fixadas somente para o ano de 1963 ou se estes números representavam o total de

cursos que deveriam estar funcionando nos últimos anos. Esta dúvida tem como base os

números fixados pelo Serviço de Educação de Adultos do Ministério da Educação que previa

a distribuição de 100 classes para o ano de 1947, 200 para o ano de 1948, 200 para o ano de

1949 e 180 para o ano de 1950. Além disso, a partir de 1951 o ritmo da Campanha foi

enfraquecendo e a partir de 1958 tivera sua verba diminuída. Por isso, os números

apresentados no referido relatório são imprecisos ou até mesmo incoerentes com o contexto

apresentado.

Entretanto cumpre observar que, embora a educação tenha sido matéria de grande

preocupação dos governantes mato-grossenses nesta segunda fase da CEAA, a alfabetização

de jovens e adultos não se configurou em um empreendimento primordial para o Governo

Estadual, visto que, as atividades desenvolvidas pela Campanha de Educação de Adultos e

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Adolescentes em Mato Grosso não conseguiram minimizar o problema do analfabetismo no

período em que foi empreendida neste Estado.

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4.0 MOVIMENTO BRASILEIRO DE ALFABETIZAÇÃO

4.1 Antecedentes: Movimentos de Educação e Cultura Popular e Campanhas nos anos

60

O período (1960 a 1964) que antecedeu a implantação do Mobral foi considerado

como o “período das luzes para a educação de jovens e adultos”47. Esse momento histórico da

Educação de Jovens e Adultos foi marcado intensamente pelos debates políticos, pelo

estímulo à participação política das camadas populares, e por uma profunda reflexão

pedagógica. E foi neste cenário que surgiram vários movimentos e programas no campo da

Educação de Jovens e Adultos.

No início dos anos 60 surgem no país os programas de alfabetização e cultura

popular que concebiam a educação como conscientizadora e libertadora das classes populares.

Esses programas foram empreendidos por intelectuais, estudantes e católicos engajados numa

ação política junto aos grupos populares. Surgiu então o MEB – Movimento de Educação de

Base, ligado a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB); o Centro Popular de

Cultura (CPCs), organizado pela UNE – União Nacional dos Estudantes e os Movimentos de

Cultura Popular, que reuniam artistas e intelectuais e tinham apoio de administrações

municipais. Esses programas de alfabetização e cultura popular foram as experiências mais

expressivas ocorridas no Brasil no período que antecedeu o golpe militar.

O Movimento de Educação de Base (MEB) surgiu em 1960 sob a responsabilidade

da CNBB, que trazia como experiência o sistema de educação radiofônica, realizada no

Nordeste brasileiro. Somente a partir do decreto presidencial de 21 de março de 1961 (nº

50.370) é que o governo federal passou a patrociná-lo, fornecendo recursos para a criação de

uma educação de base que seria vinculada às emissoras católicas, conveniadas ao MEC e

outras instituições federais, no Norte, Nordeste e Centro Oeste do país (PAIVA, 1987).

O MEB era um movimento voltado para a população rural e tinha como objetivo

cooperar com a formação do homem adulto nas áreas em desenvolvimento do Brasil, através

da conscientização, da mudança de atitude e da instrumentação das comunidades. De forma

mais ampla Mendonça (1985) explica que:

47 Segundo afirma HADDAD, S; DI PIERRO, M.C. Escolarização de Jovens e Adultos. Revista Brasileira de Educação, São Paulo, n. 1, p. 108-130, maio/jun/jul/ago, 2000.

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O MEB se colocava como movimento que existia ‘em função de uma realidade nacional que necessita de transformações urgentes porque, subjugando o homem, priva-o de sua atividade criadora e o coloca à margem do processo histórico’. Essas transformações eram ‘urgentes e profundas, de ordem estrutural’ (APECTOS DO MEB, 1979 apud MENDONÇA, 1985, p.36).

A estrutura de funcionamento do MEB contava com professores, supervisores,

locutores e monitores que preparavam os programas que seriam vinculados nas escolas

radiofônicas. As aulas eram transmitidas pelas emissoras católicas espalhadas nos 14 estados

em que o movimento se estabelecera. O MEB conseguiu atender 108.571 alunos e foi o único

movimento de cultura popular que resistiu ao golpe de 1964.

O CPC da UNE, criado em 1961, nasceu da preocupação de jovens intelectuais e

artistas em difundir o teatro político entre as classes populares e, por meio deste, contribuir

para a formação política e cultural da população. Os CPCs da UNE logo se expandiram por

todo o país de forma autônoma, mas, mantendo entre eles um objetivo comum que era

“contribuir para o processo de transformação da realidade nacional principalmente através de

uma arte didática de conteúdo político” (PAIVA, 1987, p.233). Além do teatro, o CPC da

UNE promoveu cursos (teatro, cinema, artes plásticas, filosofia), realizou filmes e exposições.

Durante o I Encontro Nacional de Alfabetização e Cultura Popular, algumas

posições teóricas, estéticas e conceituais de cultura popular foram revistas pelos participantes

do CPC que logo perceberam que havia necessidade de realizar um trabalho educativo voltado

para a alfabetização de jovens e adultos. Desta forma, “a alfabetização aparece, então, como o

núcleo central do trabalho educativo a ser realizado, tal como era defendido por vários

Centros nos diversos Estados e por outros movimentos voltados para a promoção da cultura

popular (PAIVA, 1987, p. 235).

Entretanto, a alfabetização e a educação de base já era compreendida como

instrumento de cultura popular por um grupo formado de estudantes universitários, artistas e

intelectuais que criaram em maio de 1960 o Movimento de Cultura Popular em Recife.

O MCP estava vinculado à Prefeitura de Recife, na época sob a administração de

Miguel Arraes, juntos pretendiam combater o analfabetismo e elevar o nível cultural e

intelectual do povo. Para isso, organizaram núcleos de cultura popular, centros e parques de

cultura, galerias de arte popular, divulgaram também o teatro, as artes plásticas e o artesanato

e somando-se a isso, desenvolviam atividades educativas relacionadas à alfabetização e à

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educação de base. Na opinião de Fávero (1983), todas essas atividades são instrumentos

utilizados para o trabalho de cultura popular, visto que:

A cultura popular utiliza instrumentos e métodos próprios de trabalho, instrumentos que se estruturam e se definem a partir das necessidades da comunidade à qual se destinam, numa preocupação de atender às suas solicitações, utilizando motivações adequadas à realidade (FÁVERO, 1983, p.24).

Ainda este mesmo autor afirma que “um movimento de cultura popular deverá

promover a elaboração da cultura com o povo, fazendo-o participante da comunidade cultural,

e não criar uma cultura para o povo” (FÁVERO, 1983, p. 24). Com esse intuito, o MCP

considerou a alfabetização de jovens e adultos, como tarefa prioritária, desde que servisse

como meio de conscientização e politização do povo.

Foi nesse contexto que Paulo Freire, no Movimento de Cultura Popular do Serviço

de Extensão Cultural da Universidade do Recife, conseguiu consolidar suas experiências com

alfabetização de adultos, que serviu de base para a concretização de seu método de

alfabetização. Segundo Moura, o objetivo de Paulo Freire com seu método de alfabetização

era:

[...] propiciar formas de ajudar a população analfabeta a organizar reflexivamente o pensamento de maneira a superar o seu pensamento ‘mágico’, ingênuo, passando para um pensamento lógico, abstrato, que pudesse ajudar no processo de construção de consciência crítica, no entendimento do que ocorreria na sociedade em ‘fase de transição’ e das possibilidades que os homens conscientes e organizados teriam na ‘rachadura’ da sociedade (MOURA, 2004, p.56-57).

Diferentemente de outras práticas de alfabetização, que priorizavam o aprendizado

instrumental, a proposta de alfabetização de Paulo Freire enfocava o educando como sujeito

de sua aprendizagem. Para tanto, defendia a idéia de buscar os conteúdos da educação do

povo nas condições reais de existência do homem comum. Mesmo já tendo sido apontada por

outros educadores a necessidade de adequar o processo educativo às características do meio,

somente Paulo Freire “encontrara o modo de realizar esta associação, necessariamente, como

característica intrínseca do processo educativo” (BEISIEGEL, 1974, p. 165).

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A partir do resultado positivo, da experiência de alfabetização de adultos realizada

por Paulo Freire em Anginos, no Rio Grande do Norte, onde alfabetizou 300 alunos em 45

dias, seu método de alfabetização foi assimilado pela maioria dos movimentos de educação de

adultos neste período. Além disso, o “método Paulo Freire”, como ficou conhecido, também

seduziu o governo populista pelo pequeno número de horas (40hs) utilizadas para a

alfabetização de grande número de pessoas.

Em 21 de janeiro de 1964, o governo federal instituiu pelo Decreto nº. 53.465 o

Programa Nacional de Alfabetização (PNA), que adotou legalmente o sistema de

alfabetização de Paulo Freire. O PNA pretendia alfabetizar em dois anos 5 milhões de

brasileiros, tendo o próprio Paulo Freire como coordenador do Programa. Segundo Paiva, “o

PNA representava a incorporação, a nível ministerial e em termos práticos, da orientação

indicada pelos grupos que desde 1962 desenvolviam atividades ligadas à educação dos

adultos” (PAIVA, 1987, p.258). Entretanto, o PNA despertou a cobiça de muitos políticos que

viam na alfabetização de massa a possibilidade de aumentar o seu eleitorado.

Contudo, meses depois, com o golpe civil-militar, o PNA foi extinto, porque seu

material didático foi considerado subversivo. Com o regime político da ditadura civil-militar,

a maioria dos programas de educação popular que vinham se desenvolvendo desde 1960

foram extintos. O único grande movimento que sobreviveu ao golpe civil-militar foi o MEB

que teve que rever seus pressupostos teóricos e metodológicos para continuar tendo o apoio

do governo e, para isso, abandonou o seu papel de conscientizador e assumiu o papel de

evangelizador.

A educação brasileira da mesma forma que outros setores da vida nacional, foram

vítimas do autoritarismo que se instalou no país, após o golpe militar. Sobre este momento

político, Paulo Freire (1979), assim refletiu:

O que aprendi, refletindo sobre o Golpe de 1964, foi sobretudo uma lição sobre os limites globais da educação. [...] após 1964, tornei-me mais consciente dos limites da educação na transformação política da sociedade. Entretanto, através da educação, podemos de saída compreender o que é o poder na sociedade, iluminando as relações de poder que a classe dominante torna obscuras. Também podemos preparar e participar de programas para mudar a sociedade (FREIRE, 1986, p.44).

O sistema político no Brasil em 1964, com a instituição do regime militar,

caracterizou-se pela falta de democracia, supressão de direitos constitucionais, censura,

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perseguição política e repressão aos que eram contra o regime militar. No decorrer desse

processo Paulo Freire foi considerado subversivo, foi preso, foi exilado e teve seu método de

alfabetização proibido. Entretanto, essa proibição não impediu que suas idéias pedagógicas e

seu método de alfabetização se tornassem paradigmas educacionais para muitos educadores

nos anos subseqüentes. Além disso, a proposta teórico-metodológica desenvolvida por Paulo

Freire para a educação de jovens e adultos nas décadas de 60 e 70 constitui-se no único

referencial teórico que definiu explicitamente a conceitualização de alfabetização de adultos

e, por isso, suas idéias e proposições foram consideradas a “pedra angular” da história da

educação e particularmente da alfabetização de adultos (MOURA, 2004, p.29).

Com o regime militar instaurado, os Movimentos de Educação e Cultura Popular

foram reprimidos, seus dirigentes perseguidos, suas idéias censuradas. Em conseqüência, o

problema da educação de adultos foi abandonado pelo novo governo, durante dois anos.

Somente em 28 de fevereiro de 1966, com o Decreto nº. 57.895, o governo manifestou-se em

relação a educação de adultos e determinou que os saldos não aplicados dos Fundos Nacionais

do Ensino Primário e Médio deveriam ser aplicados pelo MEC a fim de atender, entre outros

objetivos, ao ensino fundamental de analfabetos com mais de 10 anos de idade e apoiar

alguns programas educativos de caráter conservador, como a Cruzada de Ação Básica Cristã

(ABC).

A Cruzada ABC surgiu em Recife recebendo apoio financeiro do Estado e,

posteriormente, foi financiada pelo Governo Federal, pela Fundação Norte Americana Agnes

Erskine e (USAID). No ano de 1967, a Cruzada ABC firmou um convênio com o MEC e um

compromisso de alfabetizar 2 milhões de adultos analfabetos, num prazo de 5 anos, atendendo

todos os objetivos políticos do governo militar sem desenvolver atividades que fossem

contrarias aos interesses do Brasil, o seu regime político e os valores éticos da civilização

cristã. Nesta perspectiva, Paiva (1987) argumenta que:

As características da Cruzada ABC nos permitem identificá-la como um programa comprometido com a sedimentação do poder político e das estruturas sócio-econômicas. As características do programa indicam que a Cruzada deve ser compreendida como um esforço no sentido de anular os efeitos ideológicos dos movimentos anteriores e de reorientar, através da educação, as massas populares do Nordeste. Os pressupostos teóricos sobre os quais a Cruzada calcava suas atividades opunham-se inteiramente aos movimentos do período anterior (PAIVA, 1987, p. 270).

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Entretanto, a Cruzada ABC apresentou pouca rentabilidade e recebeu várias

críticas sobre a inadequação do material didático, sobre o caráter assistencialista e,

principalmente quanto ao recebimento de verba pública sem controle ou devida fiscalização.

Aos pouco a Cruzada ABC foi perdendo o apoio do governo até ser extinta, em 1971, pela

portaria nº. 237, que revogava toda a legislação anterior.

Segundo Haddad e Di Pierro (2000, p.114) “a escolarização básica de jovens e

adultos não poderia ser abandonada pelo aparelho do Estado, uma vez que tinha nele um dos

canais mais importantes de mediação com a sociedade”. Neste sentido, para afirmar sua

legitimidade perante as forças políticas nacionais e internacionais, o governo federal propõe a

elaboração de um programa intensivo de erradicação do analfabetismo, sob a responsabilidade

do Departamento Nacional de Educação e aprova a Lei 5.379, de 15 de dezembro de 1967,

que institui o MOBRAL.

4.2 As Ações Educativas do MOBRAL

O Movimento Brasileiro de Alfabetização – o MOBRAL, apesar de ter sido criado

em 1967, só iniciou suas atividades em 1969. Entre o período de sua criação e o início de suas

atividades, uma equipe interministerial realizou o estudo e o levantamento de recursos

financeiros necessários à execução do Plano de Alfabetização Funcional e Educação

Continuada de Adultos, que era prioridade entre as demais atividades a serem realizadas pela

nova Fundação. Os recursos obtidos para o financiamento das atividades do MOBRAL viriam

de 24% da renda líquida da loteria esportiva e 1% do imposto de renda de empresas

voluntárias. Com volumosa dotação de recursos, o MOBRAL lançou em 1969 uma campanha

massiva de alfabetização que pretendia erradicar o analfabetismo no Brasil até 1980. A opção

por uma campanha de massa era a resposta do regime militar à ainda grave situação do

analfabetismo no país que era considerado pelo governo um fator de impedimento para o

desenvolvimento sócio-econômico da nação. Por outro lado, Paiva acrescenta que:

Politicamente, o programa de massa poderia contribuir para modificar ainda o equilíbrio eleitoral no interior e orientar os novos eleitores no que concerne à reorganização da vida política do país, através dos novos partidos. Poderia ainda demonstrar a muitos setores da população que não havia desaparecido o interesse federal pelo problema, servindo para formar uma nova imagem do governo junto a algumas camadas (PAIVA, 1987, p. 295).

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Neste sentido, pode-se afirmar que a proposta de educação do MOBRAL era toda

voltada para os interesses políticos vigentes na época que visavam o fortalecimento

hegemônico de um regime político e, por isso, era fundamental que o governo tivesse o

controle do saber para a manutenção do poder. Além disso, havia grande preocupação em

neutralizar os reflexos ideológicos deixados pelos movimentos de cultura popular anteriores a

1964.

Entretanto, o MOBRAL tinha como base para seus objetivos, sua filosofia e seu

plano de ação, uma visão econômica da educação e soluções técnicas para os problemas

educacionais, ou seja, a educação deveria ser usada para “criar condições para que o homem

brasileiro aumentasse sua produtividade e, conseqüentemente, sua renda também fosse

influenciada pela maior mobilidade ocupacional” (CORRÊA, 1979, p.54). Em outras

palavras, o MOBRAL assume a educação como um investimento capaz de produzir mão-de-

obra qualificada ao mercado de trabalho e por conseqüência impulsionar o desenvolvimento

econômico do país.

A estrutura organizacional do MOBRAL apresentou três características: “o

paralelismo em relação aos demais programas de educação, com recursos financeiros

independentes; organização operacional descentralizada, através de comissões municipais; e a

centralização de direção do processo educativo, através da gerência do MOBRAL central”

(HADDAD; DI PIERRO, 2000, p.115). As comissões Municipais (ou células básicas)

constituídas nos municípios que estabeleciam convênio com o MOBRAL “eram encarregadas,

de modo voluntário e patriótico, do recrutamento de analfabetos e da mobilização dos

recursos humanos e físicos” (CORRÊA, 1979, p. 88-89).

As Comissões Municipais seriam as executoras do programa em nível local,

recrutando os alunos, constituindo as turmas e definindo seus locais de funcionamento,

propiciando toda a infra-estrutura à implementação das ações e ainda deveria convocar os

alfabetizadores. Fazia parte da Comissão Municipal um presidente, cuja função era a

representação e as atividades administrativas; um secretário-executivo, responsável pelos

aspectos operacionais e pelo auxílio ao presidente; encarregados, responsáveis pela

mobilização local e suporte em diferentes áreas: pedagógica, cultural, e profissionalizante; e

encarregados de supervisão global, responsáveis pelo treinamento, orientação, supervisão dos

encarregados das diferentes áreas. Toda essa estrutura empregada pelo MOBRAL para

desenvolver seu programa de alfabetização reeditava de certa forma algumas ações já

empregadas na Campanha de 1947.

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O material didático do MOBRAL em muito se inspirou no material didático

utilizado por Paulo Freire. Tanto o MOBRAL como o método Paulo Freire usavam a “palavra

geradora” como marco inicial de seu processo de alfabetização. A diferença é que no método

Paulo Freire a “palavra geradora” era subtraída do universo vivencial do alfabetizando,

enquanto que no MOBRAL a “palavra geradora” não precisava ser selecionada em função da

vivência do aluno, bastava que exprimisse as necessidades básicas do homem e, por isso

mesmo seria única, para todo o país. Metodologicamente as técnicas eram semelhantes entre o

método proposto por Paulo Freire e o MOBRAL, a diferença é marcada pelo referencial

ideológico contido numa prática e noutra. Para Paulo Freire, a educação deveria ser vista

como prática de liberdade, de conscientização política e de transformação social, já o

MOBRAL não priorizava uma consciência crítica em relação à realidade social, ou seja,

alfabetizar restringia-se a ler e escrever. Desta forma, pode-se dizer que o método Paulo

Freire foi “refuncionalizado como prática, não de liberdade, mas de integração ao Modelo

Brasileiro ao nível das três instâncias: infra-estrutura, sociedade política e sociedade civil”

(FREITAG, 1986, p. 93).

Fazendo uma análise sobre as práticas de alfabetização de adultos utilizadas

durante a ditadura militar, Moura (2004) conclui que:

[...] a conceituação de alfabetização de adultos e a definição de seus objetivos são fundamentados em concepções filosóficas positivistas de caráter pragmático-características dos modelos econômicos liberal e neo-liberal; concepções psicológicas empiristas-associacionistas que considerem o adulto analfabeto como um ser inferior do ponto de vista das capacidades superiores de inteligência; e uma visão antropológica de um indivíduo pobre culturalmente. A partir dessa perspectiva, não poderia resultar outra abordagem metodológica que não seja o ecletismo entre formas analíticas, sintéticas e mistas, centradas nas exposições verbalistas e autoritárias e auxiliadas por recursos didáticos transplantados de experiências com alfabetização infantil. Os resultados dessas práticas não poderiam ser outros que não, obter-se, no máximo, adultos instrumentalizados para assinar o nome e quando muito registrar algumas letras e palavras soltas e sem significado para eles e para suas práticas sociais (MOURA, 2004, p.31-32).

Durante a década de 70 o MOBRAL expandiu-se por todo o país, “o movimento

estava presente em todos os municípios e somente o correio ganhava da presença do

MOBRAL” (GOUVEIA apud SOARES 1995, p. 161). Contudo, ao longo da década de 70, o

MOBRAL buscou novas alternativas para garantir sua continuidade e para isso diversificou

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sua atuação lançando vários programas, em média um por ano. Neste sentido, foi criado o

Programa de Educação Integrada (PEI), correspondente ao antigo primário, que seria a

continuidade do curso de alfabetização. Também foram criados o Programa MOBRAL

Cultural, o Programa de Profissionalização, o Programa de Educação Comunitária para a

Saúde, o Programa Diversificado de Ação Comunitária, o Programa Autodidatismo e

inclusive um programa destinado à população infantil que foi o Programa de Atendimento

Pré-Escolar. Na verdade, a criação desses programas seria uma forma de desviar as atenções

dos resultados insatisfatórios obtidos com a campanha de alfabetização que até então não

havia conseguido superar o analfabetismo no país. Entretanto, nem todo esse esforço impediu

que o MOBRAL recebesse várias críticas, tanto do segmento político como do educacional e

fosse submetido a uma Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI, instaurada pelo Senado

Federal.

Paralelamente a isso, outra parcela significativa do projeto educacional do regime

militar foi efetivada através do Ensino Supletivo. Pela primeira vez, uma legislação organizou

o ensino de jovens e adultos em capítulo próprio. Sua regulamentação foi incorporada na Lei

de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 5.692/71, de 11 de agosto de 1971.

Entretanto, somente no ano seguinte, 1972, dois documentos estabeleceriam seus

fundamentos e suas características: o Parecer do Conselho Federal de Educação nº 699,

publicado em 28 de julho de 1972 e o documento “Política para o Ensino Supletivo, entregue

ao Ministro da Educação em 20 de setembro de 1972. Na opinião de Haddad e Di Pierro

(2000), o parecer 699 foi considerado,

[...] ‘o maior desafio proposto aos educadores brasileiros na Lei 5.692’, o Ensino Supletivo visou se constituir em uma ‘nova linha de escolarização não formal, pela primeira vez assim entendida no Brasil e sistematizada em capítulo especial de uma lei de diretrizes nacionais’, e, segundo Valnir Chagas, poderia modernizar o Ensino Regular por seu exemplo demonstrativo e pela interpretação esperada ente os dois sistemas (HADDAD; DI PIERRO, 2000, p. 116).

Outra importante determinação contida na Lei 5.692/71 foi a extensão da educação

básica obrigatória de quatro anos para oito anos, unificando o antigo ensino primário e o

antigo ensino ginasial e criando o ensino de 1º grau.

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A regulamentação do Ensino Supletivo tinha como finalidade suprir a

escolarização regular para jovens e adultos que não haviam concluído seus estudos na idade

regular e, ainda, formar mão-de-obra para o mercado de trabalho. Este aspecto amplo de

atendimento estava previsto no Art. 25 que propunha desde o ensino de ler, escrever e contar,

passando pela formação profissional, até o estudo intensivo de disciplina do ensino regular e a

atualização de conhecimentos. Para cumprir esses objetivos o Ensino Supletivo foi organizado

em quatro funções: Suplência, Suprimento, Aprendizagem e Qualificação.

Segundo Haddad e Di Pierro (2000), “o Ensino Supletivo foi apresentado à

sociedade como um projeto de escola do futuro e elemento de um sistema educacional

compatível com a modernização socioeconômica observada no país nos anos 70” (HADDAD;

DI PIERRO, 2000, p.117). Neste sentido, foram criados os Centros de Estudos Supletivos em

todo o país, solução encontrada para atender um grande número de pessoas, mediante um

baixo custo operacional e empregando uma metodologia adequada. Contudo, os Centros de

Estudos Supletivos não conseguiram oferecer um ensino de qualidade devido à falta de apoio

político, administrativo, financeiro e pedagógico.

Mesmo assim, a implantação do Ensino Supletivo foi um marco para a história da

educação no Brasil. Diante desse contexto pode-se dizer que o regime militar oferecendo o

MOBRAL e o Ensino Supletivo, buscava reconstruir, através da educação, sua mediação com

os setores populares (HADDAD; DI PIERRO, 2000, p.118).

O MOBRAL chega à década de 80 com sua imagem bastante abalada pelas

inúmeras críticas feitas sobre sua atuação. Dentre elas destaca-se: o elevado índice de evasão

nas classes de alfabetização; a divulgação de falsos números de alfabetizados; o fenômeno da

regressão de ex-alunos que desaprendiam a ler e escrever e por isso não se interessavam pelos

programas de pós-alfabetização; e crítica sobre sua meta inicial ou prioritária que era

“combater/erradicar” o analfabetismo no país. Na verdade o MOBRAL havia alfabetizado

muito pouco, o nível de instrução da população economicamente ativa, com menos de um ano

de estudo, continuava sem alterações significativas. No documento intitulado Proposta para a

educação no meio rural, elaborado pela SUDENE, informava que pouco mais de 10% dos

nordestinos tinham o curso primário em 1980 e, no meio rural, a situação era ainda mais

grave, com 66% da população acima de 10 anos de analfabetos. Na faixa de 15 a 19 anos, a

taxa de analfabetismo chegava a 77%. Todavia, o MOBRAL contestou os dados contidos no

documento elaborado pela SUDENE o que para Lemme (2004) mereceu o seguinte

comentário:

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O único comentário que cabe fazer em face dessa manipulação de números e percentagens, a que nos acostumamos durante os anos da ditadura, é que fracassou completamente o combate ao analfabetismo, iniciado com tantos toques festivos de fanfarras, e mais: o problema vem se agravando no decorrer desses anos de arbítrio, autoritarismo, centralização e demagogia. E o Mobral foi sendo sorrateiramente desviado para outras funções. (LEMME, 2004, p.184 -5).

O Censo de 1980, divulgado pelo IBGE, evidenciou ainda mais a ineficiência do

movimento. O número de pessoas analfabetas no país registrado pelo IBGE era de 25% o que

demonstrava que o MOBRAL não havia conseguido em dez anos atingir sua meta que era

reduzir o analfabetismo do país de 33,6% em 1970 para menos de 10%. Em relação ao índice

de redução do analfabetismo conseguido pelo MOBRAL, o estudo feito por Paiva comentado

por Fávero em entrevista a TVE Brasil explica melhor essa questão:

Agora Vanilda Paiva, que se dedicou a estudar seriamente o MOBRAL, imediatamente antes da extinção dele, consegue provar que ele só conseguiu diminuir 7% da taxa de analfabetismo no Brasil, durante 10 anos de sua atuação maciça e massiva [...]. Que é mais ou menos o que a campanha também deve ter conseguido: de 7% a 10%. O MOBRAL fala de 12%. O MOBRAL teria dito que teria reduzido o índice de analfabetismo, da ordem de 30 a 40%, para até 10 ou 12%. Na verdade, não é bem assim, a coisa é meio complicada, provavelmente na alfabetização de jovens e adultos, não alcançou mais que 7%. E essa é uma das críticas que a gente faz a campanha hoje. (FÀVERO, 2003, p. 7).

De fato, o MOBRAL não havia conseguido executar com eficiência a tarefa que

lhe foi confiada e, diante das dificuldades e do fracasso cada vez mais evidente, o MOBRAL

foi extinto em 1985.

A extinção do MOBRAL marcou simbolicamente a ruptura com a política

educacional imprimida pelo governo militar que, neste novo contexto político, não era mais

compatível com o clima de redemocratização da “Nova República”. Para substituir o

MOBRAL foi criado a Fundação Nacional para Educação de Jovens e Adultos – Educar, com

a finalidade de articular a política nacional de educação de jovens e adultos, em conjunto com

o subsistema de ensino supletivo, fomentando o atendimento das séries iniciais do ensino de

1º grau, promovendo a formação e o aperfeiçoamento dos educadores, produzindo material,

supervisionando e avaliando as atividades.

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Segundo Haddad e Di Pierro (2000, p. 120), “em muitos sentidos a Fundação

Educar representou a continuidade do MOBRAL, devem-se computar como mudanças

significativas a sua subordinação à estrutura do MEC e a transformação em órgão de fomento

e apoio técnico, em vez de instituição executora”. Desta forma, a Fundação Educar passa a

apoiar financeiramente e tecnicamente as iniciativas de governos, entidades civis e empresas a

ela conveniadas.

Apesar dos esforços, a Fundação Educar teve dificuldades para cumprir os

convênios firmados com os Estados e Municípios, a falta de recursos financeiros e a

irregularidade no envio de material eram as principais causas da paralisação de alguns

projetos de alfabetização de jovens e adultos mantidos, principalmente, pelas prefeituras.

Nesta ocasião, a maioria dos municípios brasileiros não possuía recursos próprios para manter

projetos de alfabetização de adultos sem a ajuda dos convênios firmados com a Fundação

Educar e, como esses convênios eram mantidos de forma descontinua, os projetos não tinham

vida longa, o que efetivamente não resolvia o problema da erradicação do analfabetismo

pretendido pelo governo federal.

Contudo, a partir dos anos 90 a Educação de Jovens e Adultos começa a sofrer um

processo de esvaziamento das políticas públicas no âmbito do governo federal e com a posse

do Presidente Fernando Collor, a Fundação Educar foi extinta, sob o argumento de

enxugamento da máquina administrativa. A partir de então, a responsabilidade de desenvolver

atividades relacionadas à educação de jovens e adultos foi transferida para os Estados e

Municípios.

4.3 O MOBRAL em Mato Grosso

Embora o MOBRAL tenha durado quase vinte anos, reconstituir sua trajetória em

Mato Grosso apresentou certo grau de dificuldade pela falta de preservação de fontes

documentais relativas a esse período histórico. Na pesquisa feita no Arquivo Público de Mato

Grosso (APMT), que comporta o mais expressivo acervo documental produzido pelos

governos de Mato Grosso, poucas foram as referências encontradas em fontes documentais

sobre as atividades do MOBRAL. Outro fato curioso que me deixou intrigada foi a ausência

de relatórios e mensagens governamentais no período de 1964 a 1970. Não sei se este fato

poderia estar relacionado ao regime político da ditadura militar, mas causou estranhamento

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visto que a preservação destes documentos no período anterior ao regime militar apresentou

certa regularidade. Além disso, os relatórios e mensagens governamentais, encontrados a

partir de 1971, não fazem nenhuma referência sobre o desenvolvimento do MOBRAL.

Segundo relato dos professores e dos ex-coordenadores entrevistados, toda a documentação

utilizada por eles, referente ao MOBRAL, era enviada para a Secretaria de Estado de

Educação, que também não preservou essas fontes documentais. Porém, cabe lembrar que os

documentos escritos não são considerados as únicas fontes de uma pesquisa. Por isso, a

elaboração deste item teve como base as fontes orais, que no caso desta pesquisa, foram

obtidas através de entrevistas, com ex-professores e ex-coordenadores do MOBRAL no

Estado de Mato Grosso. Desse modo, acredito que mesmo de forma lacunar foi possível

reconstruir parte da trajetória desta campanha neste Estado.

O MOBRAL tinha objetivos político-ideológicos bastante definidos, que

mostravam a urgência na consecução de objetivos políticos e de impacto sobre a opinião

pública para combater o analfabetismo. Para isso, era necessário que a sociedade fosse

convocada a participar desse desafio, e segundo o documento básico do MOBRAL: “o desafio

pode virar realidade: depende muito da cooperação entusiasta de todos os que nele se

envolvem [...]. Depende muito de sua participação” (MOBRAL, 1973, p. 61). Este texto era o

título de uma tabela contida no Documento Básico do MOBRAL48, que apresentava o número

de pessoas a serem alfabetizadas, a meta para o ano de 1973 e o ano previsto para erradicação

do analfabetismo em cada Unidade da Federação. Para o Estado de Mato Grosso a tabela

apresentava os seguintes números: existiam 251.748 pessoas a serem alfabetizadas; a meta

para o ano de 1973 era alfabetizar 80.000 pessoas e o ano previsto para a erradicação do

analfabetismo no Estado era 1978.

De fato o programa de alfabetização do MOBRAL buscou provocar bastante

entusiasmo na população e, principalmente, nos gestores estaduais e municipais. Segundo

Paiva (1987, p.297), “o entusiasmo manifestava-se através de alguns documentos que falavam

em ‘erradicar a chaga social da existência de analfabetos’ ou da consideração do

analfabetismo como causa do desemprego [....]”. Para saber se esse entusiasmo fez parte do

contexto da campanha em Mato Grosso, os relatos orais fornecidos pelos sujeitos

entrevistados foram de fundamental importância. De acordo com a professora Joana49:,

alfabetizadora do MOBRAL na cidade de Acorizal:

48 Este documento foi encontrado na Biblioteca Digital, Domínio Público, mantida pelo Governo Federal 49 Joana Júlia de Oliveira foi professora alfabetizadora do MOBRAL no Município de Acorizal - MT, localizado a 58 km de Cuiabá, mais informações remeto ao quadro da página 28 desta pesquisa.

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Acho que houve sim interesse das autoridades [....] Vereadores de Acorizal, Prefeito de Acorizal, eles se esforçavam muito para que isso acontecesse, até os nossos treinamentos tinha ajuda da Prefeitura (professora Joana Júlia de Oliveira, 2006).

Com uma visão mais política do movimento, o ex-coordenador do MOBRAL no

município de Várzea Grande, Sr JFA50 relatou que “era época de ditadura militar,

compromisso não era brincadeira, o Brasil inteiro estava engajado nesta campanha. O que não

havia era recursos para os municípios”. O relato do ex-coordenador demonstra de forma sutil

a rigidez do regime político instalado no Brasil em 1964.

O ponto de vista político do MOBRAL sempre era manifestado explicitamente por

seus administradores que expunham claramente seus interesses apenas com os ganhos

percentuais, o que na verdade não refletiam a realidade educacional do país e, por isso, era

alvo de severas críticas. Na tentativa de justificar perante a opinião pública a existência do

MOBRAL, um de seus presidentes fez a seguinte indagação:

[...] se a expansão do quadro eleitoral, ‘hoje composto de 46,8 milhões de pessoas das quais cerca de 20% representados por pessoas que passaram a ter o direito de participar graças ao MOBRAL, não seria um fenômeno da mais alta relevância, que justificaria, por si só, a existência do órgão, em contribuição à causa democrática?’ (CORRÊA apud MENDONÇA, 1985, p. 59).

Seguindo o mesmo raciocínio de que através do MOBRAL seria possível

fortalecer as bases eleitorais, o deputado Gastão Muller (ARENA-MT) elaborou um projeto

onde defendia a idéia de que durante a entrega de diplomas aos alfabetizados pelo MOBRAL

fosse simultaneamente entregue o titulo de eleitor. Sugeria também que os gastos com o

MOBRAL passassem de 15% para 20%, objetivando com isso o custeio de todas as despesas

com a documentação necessária para a qualificação do novo eleitor. O deputado afirmava

ainda que a qualificação dos eleitores através do MOBRAL seria isenta de qualquer influência

político-partidária, o que é difícil de acreditar tendo em vista o próprio objetivo político do

50 Este entrevistado não aceitou ter seu nome divulgado na pesquisa por isso optei por chamá-lo de Sr. AFJ.

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movimento. O projeto do deputado Gastão Muller foi divulgado pelo jornal Correio

Brasiliense no dia 19 de setembro de 1971, como pode ser conferido abaixo:

Figura 8: Jornal Correio Brasiliense de 19 de setembro de 1971. Arquivo Público de Mato Grosso -APMT –

sem localização.

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No entanto, a interferência política também era refletida na escolha de cargos,

postos de chefias e até mesmo dos professores do MOBRAL, como foi comentado pelos

sujeitos da pesquisa:

[...] um senhor um dia ofereceu uma vaga para eu trabalhar, sempre no tempo da política, o político falou: “por que a senhora não trabalha, aqui tem os alunos”. Aí eu fiquei pensando.... ah eu acho que não dou conta, aí ele falou :”não a senhora dá conta sim, tudo que nos queremos fazer nós damos conta” (professora Diva Silveira de Oliveira51, 2006). [...] os Prefeitos eram sempre coordenadores. Eles tinham grande interesse em desenvolver as atividades, pois a verba que vinha era boa . Já naquela época tinha sanguessuga ( professora/coordenadora Neide Benta Pinheiro Arruda52, 2006).

A interferência política sempre fez parte do contexto educacional mato-grossense,

o que já foi comentado nesta pesquisa em capítulos anteriores. Percebe-se, no entanto, nos

relatos das professoras Diva e Neide que o combate ao analfabetismo no Estado continuava a

ser utilizado como instrumento político-ideológico, no sentido de atender às exigências do

grupo político no poder. Outro indício dessa manipulação política enraizada no contexto

educacional mato-grossense pode ser confirmado pelo grande número de portarias

encontradas no Arquivo Público de Mato Grosso, colocando professores à disposição do

MOBRAL. O documento abaixo exemplifica esse procedimento:

51 A professora Diva Silveira de Oliveira, trabalhou no MOBRAL no município de Jangada durante três anos, estava hospitalizada no dia em que foi feita a entrevista. 52 A professora Neide Benta Pinheiro Arruda foi alfabetizadora e coordenadora do MOBRAL no município de Poconé.

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Figura 9: Portaria colocando a disposição do MOBRAL a professora Dilair Novais Rocha, 1973. Arquivo Público de Mato Grosso – APMT – lata 1973.

Para ser professor do MOBRAL não era necessário ser profissional da educação,

bastava ser alguém da comunidade que soubesse um pouco mais para ensinar aos que sabiam

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menos. Além disso, esses professores não tinham vínculo empregatício com a Instituição, o

que era justificado pelo fato de não serem profissionais. O salário que recebiam era simbólico

e estava vinculado ao número de alunos conseguidos pelo professor. Em relação a isso,

Mendonça explica que:

O pagamento por aluno programa, segundo o MOBRAL, é uma forma de tornar mais vivo o interesse do alfabetizador para que o aluno freqüente as aulas até quase o final do programa, pois dessa freqüência dependerá também a sua gratificação. Quando o recrutamento dos alunos se torna difícil pela rarefação da clientela ou por sua resistência em freqüentar as classes de alfabetização, há, forçosamente, uma baixa gratificação do alfabetizador, daí a opção em termos uma gratificação fixa, que, entretanto, nunca superior ao pagamento por aluno-programa do alfabetizador que conta com mais de 25 alunos no final do convênio (MENDONÇA, 1985, p. 131).

Em relação ao salário recebido pelos professores do MOBRAL em Mato Grosso, o

ex-coordenador, Sr. AFJ, informou que “os professores recebiam baixos salários, não tinham

direito a férias e nem 13 º salário”. Esclareceu ainda, que “como coordenador não recebia

nada, era voluntário”. Ainda sobre esta questão, as professoras declararam:

[...] nós recebíamos era pouco, mas ele era bom para pagar. Eu não lembro se era salário, eu sei que nós recebíamos dinheiro limpo, mas não lembro se assinávamos alguma coisa. [...] naquele tempo não tinha cheque, não tinha banco, não tinha nada53 (professora Diva Silveira de Oliveira, 2006). [...] sim era por aluno, tinha que ter 25 alunos na sala de aula só que não lembro quanto era que recebia ( professora Epifânia Maria da Costa54, 2006). [...] nós recebíamos uma gratificação, eu creio como gratificação, pelo número de alunos que tinha na época em sala de aula (professora Adenir Rodrigues de Souza55, 2006). [..] ele prometeu que eu iria receber uma gratificação por número de alunos matriculados, era simbólico, mas na época ...[...] Como coordenadora recebia

53 A professora Diva quando diz dinheiro limpo, queria dizer dinheiro vivo, porque naquela época não havia rede Bancária na cidade de Acorizal. 54 A professora Epifânia Maria da Costa foi alfabetizadora do MOBRAL no município de Várzea Grande. 55 A professora Adenir Rodrigues de Souza foi alfabetizadora do MOBRAL no município de Várzea Grande

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um bom salário [...] (professora/coordenadora Maria do Rosário Oliveira56, 2006).

De certo modo, o depoimento dessas professoras demonstrou que elas não se

sentiam insatisfeitas com o salário que recebiam. Porém, devemos levar em consideração que

essas professoras começaram a trabalhar muito jovens, a maioria ainda não havia terminado

seus estudos, provavelmente esse era o seu primeiro emprego. Considerando todos esses

aspectos é possível entender os motivos que essas professoras tinham para não se sentirem

insatisfeitas com o baixo salário oferecido pelo MOBRAL. Contudo, é importante ressalvar

que o MOBRAL não criou grandes expectativas salariais, muito pelo contrário:

Nós sempre lhes dissemos que lhes daríamos uma pequena gratificação, mas que na verdade eles estariam sempre nos dando uma parte de seu tempo gratuitamente. Essa gratificação era, e é, quase simbólica. Então nós temos uma rede de recursos humanos, de pessoas de boa vontade, disponíveis, querendo ajudar à população e ao país e trabalhando essa estrutura a um custo muito baixo57 (CORRÊA, 1980 apud MENDONÇA, 1985, p. 131).

Na realidade, ser professora do MOBRAL no interior de Mato Grosso era

desenvolver um trabalho que ia muito além da mística pela educação. As histórias dessas

professoras foram marcadas por muitas superações de situações adversas.

Nós professoras, quando nós íamos fazer o curso nós íamos de charrete, quando saíamos da minha casa à noite, chegávamos na outra noite. Tinha que parar pro animal comer, dar ração, era uma noite e um dia. ............................................................................................................................ Eu trabalhei na minha casa Mobral por três anos, não tinha nem onde sentar. [...] nós ficamos quinze dias em Acorizal fazendo um curso. Passando de canoa na maior dificuldade pra fazer o curso e eu chorava porque naquele tempo eu larguei a Maria e o Dito pequenininho, então eu chorava de lembrar deles. Nós fazíamos o curso bem na beirinha do Rio Cuiabá e eu olhava aquela água e chorava porque pensava que não ia nunca mais ver minhas crianças. [...] Era um perigo, nos arriscávamos muito e quem deixava criança pra trás vai preocupado. [...] E deu tudo certo, parecia que eu nem ia gostar, mas

56 A professora Maria do Rosário Oliveira foi alfabetizadora e coordenadora do MOBRAL no município de Poconé. 57 Declaração feita pelo Presidente do MOBRAL à imprensa em 07/03/80.

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comecei a trabalhar e fui gostando [...] (professora Diva Silveira de Oliveira, 2006).

Como coordenadora ia em sala de aula incentivar os alunos as vantagens de ler e escrever tinha lugar que não tinha luz, tinha que levar lampião[...]. Tinha lugares que só ia de três em três meses e passava 15 dias, já em Cárceres ia todo mês. (professora Neide Benta Pinheiro Arruda, 2006).

Certamente a imagem abaixo exemplifique um pouco das dificuldades que a

professora Diva relatou que passava durante seu deslocamento para participar do curso de

capacitação para professores do MOBRAL.

Foto 1: Documento Básico do Mobral, Rio de Janeiro, 1973.

A capacitação dos alfabetizadores no início do MOBRAL era feita pelos técnicos

do MOBRAL Central, pautava-se na idéia de:

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Treinamento repetido na metodologia de alfabetização, a todos os monitores; fornecimento de um bom material didático ao aluno e de um excelente manual ao professor, capaz de servir- lhe de apoio em todas as dificuldades; estabelecimento de um sistema de supervisão, com pessoas de ótimo nível educacional, bem treinadas e selecionadas (CORRÊA, 1979, p.38).

A partir de 1972, a capacitação dos professores foi realizada também pelo rádio, de

forma a preservar o conteúdo a ser transmitido que partia de um modelo único para todos os

Estados. Com o passar do tempo, o MOBRAL Central passou a oferecer outras alternativas

para a capacitação dos alfabetizadores, as coordenações regionais ficariam responsáveis para

decidirem qual seria o melhor meio para capacitar seus alfabetizadores. Segundo as

professoras entrevistadas, todas receberam capacitação para atuarem como alfabetizadoras do

MOBRAL:

Fazia curso todo ano em julho e no começo do ano, sempre tinha. Vinha gente de Cuiabá pra fazer esse curso. Sempre largava meus filhos e ia fazer os cursos e quando não ia grávida para atravessar o rio (professora Diva Silveira de Oliveira, 2006).

Teve um treinamento sobre como seria trabalhar com esse projeto e depois o coordenador só fazia visitas na sala pra ver a quantidade de alunos, se tava tudo certinho, e quando chegava o material, trazia para o professor trabalhar (professora Epifânia Maria da Costa, 2006).

A fotografia abaixo ilustra um desses momentos:

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Foto 2: Curso de capacitação para professoras do MOBRAL, ente 1971 a 1975. Acervo particular do ex-coordenador do MOBRAL em Várzea Grande.

Por meio desses relatos, foi possível concluir que, mesmo não tendo formação

específica para serem alfabetizadoras de adultos, essas professoras fizeram o possível para

superar suas deficiências e oferecer àqueles que não puderam estudar na época adequada uma

nova oportunidade. Contudo, se foram ou não bem sucedidas, não cabe a nós julgarmos, pois

o êxito de um professor não depende exclusivamente de seu esforço individual, mas sim de

todo o contexto em que apóia sua prática pedagógica.

A orientação presente no material didático oferecido pelo MOBRAL era bem

definida ideologicamente e consistia no incentivo ao esforço individual para vencer na vida,

ao estímulo à adaptação a padrões de vida modernos e ao conhecimento de novas formas de

consumo (PAIVA, 1987, P.296). Esse material era composto de conjunto de cartazes, que

podem ser visto no anexo 2; livro de leitura; livro de exercícios de linguagem; livro de

exercícios de matemática e roteiro do alfabetizador. Em relação ao recebimento deste

material, as professoras informaram que recebiam livros, cartazes e cadernos.

Tinha cartilha, livro didático para os alunos estudarem e eles ficavam tão contente. Eles ficavam todos alegres quando chegava livro ou cartilha nova, iam ver o desenho. O que estava escrito, ver os versinhos que tinha no livro (professora Diva Silveira de Oliveira, 2006).

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Eu me lembro de cartilhas... os cartazes, porque tinha que trabalhar com as famílias, então você tinha que seguir, era como um roteiro (professora Adenir Rodrigues de Souza, 2006).

Sobre o ritual pedagógico desenvolvido por essas professoras para a prática em

sala de aula, perguntei como planejavam suas aulas, se recebiam alguma orientação

pedagógica, se havia fiscalização e se estavam preparadas para alfabetizarem.

Não me sentia preparada para ensinar, na época a gente nem fazia plano de aula, trabalhava conforme aquilo que achávamos, porque era só português e matemática Nós recebíamos sim orientação, mas não lembro como era.(Joana Júlia de Oliveira, 2006). Sempre gostei de fazer meus planinhos de aula pra quando chegar na sala de aula estar preparada, porque hoje e antigamente o aluno interroga o professor então se o professor não entra preparado ela passa vergonha (Diva Silveira de Oliveira, 2006). [..] em cima do livro que era fornecido, em cima dos cartazes, a gente tinha que seguir o projeto, o conteúdo adequado com aqueles alunos, [...]. Não era ensino regular, era um projeto, então de acordo com o nível da turma. A atividade era preparada para dar para adultos, que não é a mesma coisa que para uma criança. Era assim que eu preparava minhas aulas, de acordo com o material do projeto. Eu me sentia preparada para ensinar porque sempre gostei de trabalhar com jovens e adultos. [...]. O coordenador que era ligado à prefeitura na época e ele vinha fazer visita pra ver se tinha evasão ou comparecimento de professores, porque todo projeto tem fiscalização (Epifânia Maria da Costa, 2006).

O comentário que se pode fazer em relação à prática dessas professoras é que elas

reproduziam o que Paulo Freire chamava de Educação Bancária, ou seja: o professor é o que

educa; os alunos, os que são educados; o professor é o que sabe; os alunos, os que não sabem;

o professor é o que pensa; os alunos, os pensados; o professor é o que opta e prescreve sua

opção; os alunos os que seguem a prescrição (FREIRE, 1983, p.68). Certamente, a concepção

de educação para essas professoras era fruto de um sistema educacional deficitário do qual

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faziam parte e no qual receberam suas bases, pois como afirma a professora Carlinda58, “eu

ensinava o que eu aprendi”.

Em relação à fiscalização, as professoras foram unânimes ao responder que havia

pessoas que iam fiscalizar seus trabalhos, entretanto, fica evidente em seus relatos, que a

ênfase dessa fiscalização estava muito mais focada no caráter quantitativo do que qualitativo,

ou seja, interessava muito mais saber a quantidade de alunos atendidos pelo programa do que

a qualidade de ensino que esses alunos estavam recebendo. O importante, segundo a ex-

coordenadora Neide “era ensinar a fazer o nome e as quatro operações”. Cabe aqui esclarecer

que tanto a orientação pedagógica quanto a fiscalização, geralmente, eram atribuições dos

coordenadores regionais ou de área.

Finalmente, perguntei aos sujeitos entrevistados se a campanha havia conseguido

atingir seus objetivos e se havia proporcionado mudança de vida naquelas pessoas que foram

alfabetizadas. Sobre isso os entrevistados ressaltaram que:

Sim, a campanha conseguiu atingir seus objetivos, só pela grande quantidade de alunos que concluíram o curso dirá que já foi válido. [..] com certeza houve mudança na vida dessas pessoas, algumas foram para a universidade (ex-coordenador Sr. AFJ, 2006). Eu acho que sim, porque o objetivo das pessoas que me convidaram na época para dar aula era que os adultos deveriam ser alfabetizados. Eu acho que foram alfabetizados, [...]. Aqueles jovens que estudaram naquela época, que foram meus alunos eu acho que ficaram parados, não continuaram. Eu conheço um pouco deles, eles lembram de mim, me olham com carinho...eu tenho muita saudades deles [...] (professora Joana Julia de Oliveira, 2006). Eu creio que a campanha conseguiu atingir seus objetivos, porque eles sentiam-se realizados quando conseguiam escrever o nome....diziam até que já sabiam ler o letreiro de ônibus e que já sabiam votar. [...]. Com certeza houve mudança na vida deles, porque eles ficavam contentes quando conseguiam ser alfabetizados (professora Epifânia Maria da Costa, 2006). Muitos foram alfabetizados, mas aquilo era só um começo. Quem tinha força de vontade dava continuidade, uns saiam lendo e escrevendo outros apenas assinando o nome e conhecendo algumas palavras (ex-coordenadora/professora Maria do Rosário Oliveira, 2006).

58 A professora Carlinda Benedita da Silva foi alfabetizadora do MOBRAL dava aula na fazenda tanto para adultos como para crianças.

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De modo geral, na opinião das professoras e dos ex-coordenadores entrevistados, a

campanha de alfabetização implementada pelo MOBRAL havia conseguido atingir seus

objetivos e havia também conseguido mudar a vida desses alfabetizandos. Contudo, esses

objetivos aos quais os entrevistados se referiam tinham como base um conceito pobre de

alfabetização e um conceito pobre sobre o alfabetizando59, pois pelo simples fato de saber

assinar seu nome e ter conhecimento de algumas palavras, já seria suficiente para que esse

aluno se sentisse satisfeito, porque a visão que se tinha deste educando era de um ser limitado

em sua capacidade de aprendizado. Por isso, e em decorrência disso, era presumível que se

acreditasse que a condição de alfabetizado já era em si uma mudança de vida para essas

pessoas.

Por outro lado, embora o MOBRAL apregoasse oficialmente objetivos mais

amplos para a alfabetização de adultos, ideologicamente esses objetivos eram esvaziados em

detrimento aos objetivos político-partidários do movimento, que se preocupava muito mais

em manter o controle das classes sociais do que com a erradicação do analfabetismo. Neste

sentido, a ex-coordenadora Neide relatou que ao término do curso de alfabetização tinha

formatura e vários políticos compareciam à cerimônia. Nesta ocasião, os alunos recebiam

diplomas de conclusão do curso, faziam exposição de trabalhos feitos por eles e as professoras

recebiam certificado de colaboradoras do curso de alfabetização. A ex-coordenadora Neide

informou ainda que “os alunos pediam para fazer o nome de fulano (político) para votar

nele.no fundo, no fundo aquilo era eleitoreiro”.

Foto 3: Cerimônia de entrega de certificado dos alunos do MOBRAL, na cidade de Poconé. Acervo pessoal da professora Maria do Rosário Oliveira

59 Maior aprofundamento sobre essas concepções, consultar MOURA, Tânia Maria de Melo. A prática pedagógica dos alfabetizadores de jovens e adultos: contribuições de Freire, Ferreiro e Vygotsky. Maceió . 3 ed. EDUFAL, 2004.

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Foto 4: Apresentação das produções dos alunos do Mobral. Da .Esq p/ direita: Ary Leite de Campos – Prefeito, Padre Luiz Maria Ghisoni, delegado Carmindo e o comerciante Ataídes da Silva

Figura 10: Certificado de colaboração como Alfabetizadora do MOBRAL, 1971. Acervo pessoal da Adenir Rodrigues de Souza.

O documento abaixo é mais um registro da importância político-social e até cívica

atribuída ao MOBRAL pelas autoridades mato-grossenses. O documento registrou todo o

entusiasmo e satisfação expressada pelo Coordenador Estadual do MOBRAL, Padre Pedro

Cometti, com os resultados obtidos pelo movimento na cidade Nossa Senhora do Livramento.

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Figura 11: Ofício nº 718/72 enviado pelo Coordenador Estadual do MOBRAL, Padre Pedro Cometti ao Governado do Estado, Sr. Jose Manoel F. Fragelli, 1972. Arquivo Público de Mato Grosso – APMT – Lata 1972.

A década de 70 foi considerada o período de maior crescimento do MOBRAL e

também o de maior mobilização de recursos humanos, financeiros e materiais. Levando o

lema “Você também é responsável” o MOBRAL conseguiu mobilizar grande parcela da

população brasileira no sentido de reconhecer a importância da alfabetização para jovens e

adultos nas mais afastadas localidades do país. De forma otimista e com base nos primeiros

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resultados de suas atividades, o MOBRAL acreditava ser possível atingir um índice de

alfabetização semelhante ao dos países mais desenvolvidos, até o final da década de 70.

Contudo, não foi isso que aconteceu. No início da década de 80 o enfraquecimento do

MOBRAL já era bastante visível e segundo a professora/coordenadora Maria do Rosário “a

filosofia havia mudado, houve novo treinamento, o material foi modernizado, mas as reuniões

diminuíram e o envio de material também e, depois, acabou o MOBRAL”. Ainda sobre os

últimos anos do MOBRAL em Mato Grosso, a professora/coordenadora Neide comenta:

Nos anos 80 foi decaindo, a verba foi acabando, foi ficando muito antipatizado usar o MOBRAL com fins eleitoreiros. As brigas e rivalidades eram constantes (Neide Benta Pinheiro Arruda, 2006).

De fato, no decorrer dos anos 80 o Brasil passou por importantes transformações

sócio-políticas como, o fim do governo militar, a retomada do processo de democratização, e

a exigência da sociedade por uma oferta de educação mais extensa que naquele momento não

era compatível com a filosofia do MOBRAL e por isso, em 1985 o Movimento Brasileiro de

Alfabetização foi extinto.

No período que compreendeu a extinção do MOBRAL e a extinção da Fundação

EDUCAR observou-se que o Estado de Mato Grosso buscou intensificar suas atividades de

ampliação do Ensino Supletivo, através da criação dos Centros de Estudos Supletivos em

vários municípios. Durante o levantamento de fontes documentais, não foi encontrada

nenhuma documentação que revelasse algum convênio firmado entre o Governo do Estado e a

Fundação EDUCAR, para o desenvolvimento de atividades relacionadas à educação de jovens

e adultos.

Porém, com a instituição da Fundação EDUCAR como órgão de fomento e apoio

técnico às atividades de educação básica para jovens e adultos, houve a necessidade de lançar

um Programa de Educação que pudesse substituir os Programas do MOBRAL e, assim, desta

forma, foi lançado o Programa de Educação Básica (PEB) que oferecia a educação básica

organizada em três módulos, com a duração de dois anos. A alfabetização correspondia ao

primeiro módulo e tinha a duração de um ano. O segundo e o terceiro módulo, com duração

de um semestre para cada, correspondiam às séries inicias do primeiro grau. Este programa

foi lançado em todo país através de convênios com as Prefeituras Municipais, entidades

filantrópicas, associações civis, empresas estatais e privadas. Contudo, a Fundação Educar

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não conseguiu executar com eficiência os convênios firmados com as Prefeituras, tendo em

vista a limitação de verbas e de material didático e as irregularidades no envio de recursos.

Conseqüentemente, todos esse fatores contribuíram para o enfraquecimento da Fundação que

não tendo conseguido realizar as transformações por ela anunciada, foi extinta no ano de

1990, justamente no ano em que foi declarado pelas Nações Unidas como o Ano Internacional

da Alfabetização.

Mesmo de forma limitada, devido à ausência de alguns documentos emblemáticos

que pudessem fornecer dados orientadores para uma análise mais profunda sobre os

resultados da Campanha de Alfabetização do MOBRAL em Mato Grosso, ainda assim, foi

possível concluir que o MOBRAL conseguiu oferecer, pela primeira vez, uma oportunidade

de estudo àquelas pessoas que viviam em localidades nunca antes contempladas por nenhuma

oferta educacional, como foi o caso da Fazenda do Sr. Nereu60 e outras comunidades que nem

escolas tinham para serem instaladas as classes de alfabetização do MOBRAL, conforme

relato das professoras entrevistadas. Deste modo, e só por isso, já seria possível dizer que o

MOBRAL teve sua importância no contexto educacional deste Estado. Porém, outro fato que

deve ser levado em conta para esta análise diz respeito à situação do ensino no Estado naquele

momento histórico. Neste sentido, os estudos realizados nesta pesquisa sobre o contexto

educacional mato-grossense evidenciou que o sistema educacional do Estado era deficitário e

que a dificuldade de ampliação da oferta educacional era um dos fatores responsáveis pelos

elevados índices de analfabetismo. Por isso é possível afirmar que o MOBRAL contribuiu,

mesmo que não tenha sido de forma permanente, para ampliar a oferta educacional da

população mato-grossense, oferecendo a muitos a oportunidade de serem alfabetizados.

60 Segundo a professora Carlinda que trabalhou como alfabetizadora do MOBRAL durante nove anos nesta fazenda.

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5.0 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O tema do analfabetismo no Brasil não é novo. Pelo contrário, ainda no final do

Império, tendo o Brasil uma taxa de 82,3% de analfabetos, a preocupação com esse fenômeno

aparece na esteira de um fato político: a proibição do voto do analfabeto em 1881/1882

(MORTATTI, 2004, p.53). Portanto, há anos se discute a questão do analfabetismo no país.

Mas somente a partir da década de 1940 essa discussão foi oficializada e adquiriu projeção

internacional. Um órgão do porte da UNESCO passa a estimular empreendimentos que

pudessem realmente resolver o problema do analfabetismo. A partir de então, a Educação de

Adultos passa a se firmar como um problema de política nacional, reclamando por um

tratamento diferenciado. Conseqüentemente, a partir desse período, as experiências

relacionadas com a alfabetização de adultos no Brasil se organizaram em torno de campanhas,

solução encontrada pelas autoridades governamentais para encarar de frente o grave problema

do analfabetismo no país. No entanto, essas experiências de alfabetização de adultos em

formato de campanha foram vivenciadas de maneiras diferentes por cada Estado da

Federação.

Deste modo, o estudo aqui realizado objetivou analisar como foram desenvolvidas

as Campanhas Oficiais de Alfabetização de Jovens e Adultos em Mato Grosso, no período de

1947 a 1990. O interesse em pesquisar a história da alfabetização de adultos em Mato Grosso

no contexto das campanhas deve-se ao fato de que ainda são poucos os estudos realizados no

Brasil que evidenciam aspectos históricos da alfabetização de adultos, principalmente, a do

Estado de Mato Grosso. Neste sentido, optei por uma pesquisa do tipo histórico buscando

refletir sobre o passado das campanhas de alfabetização de jovens e adultos em Mato Grosso,

não só privilegiando os mecanismos internos do processo educacional, mas também todo o

contexto sócio-histórico em que essas campanhas foram constituídas no seio da sociedade

mato-grossense.

A opção por abordar um longo período histórico justifica-se por este abranger as

grandes campanhas nacionais de alfabetização de adultos instituídas no Brasil,

especificamente a Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA) e o

Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL), que neste contexto histórico foram

consideradas as maiores campanhas empreendidas no Brasil. Assim, por se constituir num

primeiro estudo privilegiou-se uma visão mais panorâmica.

Para reconstituir o percurso histórico das campanhas de alfabetização em Mato

Grosso procurei, criteriosamente, localizar, reunir e selecionar fontes documentais e orais,

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analisando vestígios do passado que nos foram legados e que dão indícios do complexo

movimento histórico das ações políticas desenvolvidas em torno da alfabetização de adultos

no Brasil e em Mato Grosso.

Mesmo sabendo que em fragmentos do passado não se obtêm a plenitude do fato

histórico, ainda assim, arrisquei reconstruir a trajetória das Campanhas de Alfabetização em

Mato Grosso, amparada nos pressupostos teóricos da História Cultural e da História Oral e

ainda, tendo como base metodológica as contribuições da configuração textual.

Assim, diante do material pesquisado e ciente que o trabalho de historiar o

desenvolvimento das campanhas de alfabetização de jovens e adultos em Mato Grosso, não

deve ser considerado como um produto acabado e sim como um momento de reflexão e

constatação, me propus algumas questões. Devo retomá-las agora: A alfabetização de adultos

neste período (1947 a 1990) era vista como peça importante no processo de promoção

educacional de todo um povo? Como foi a atuação dos poderes públicos do Estado de Mato

Grosso ante as campanhas nacionais de alfabetização de jovens e adultos? Quais fatores

influenciaram positivamente/negativamente as campanhas oficiais de alfabetização de jovens

e adultos em Mato Grosso?

Foi possível verificar que a trajetória das campanhas de alfabetização de adultos

em Mato Grosso foi marcada por momentos de entusiasmo e outros de descaso,

descontinuidades e deficiências administrativas ao longo do período em que essas campanhas

foram desenvolvidas nesse Estado. A primeira campanha de alfabetização de adultos lançada

nacionalmente foi a Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA), lançada pelo

Ministério da Educação no ano de 1947. Esta Campanha foi considerada uma “autêntica

campanha de salvação nacional, uma nova abolição”. Seu objetivo era recuperar parte da

população analfabeta que era excluída do processo de desenvolvimento do país. Para isso, foi

criada uma estrutura que visava abrir dez mil classes de alfabetização em todo o país. Para

que a Campanha fosse implementada em cada Unidade da Federação o Governo Federal

disponibilizou recursos para as despesas, com material didático e pagamento de professores,

sendo que a outra parte do empreendimento ficaria a cargo das administrações regionais. Em

decorrência disso, as administrações regionais tiveram que utilizar a própria estrutura

educacional já existente como ponto de referência à execução direta e autônoma dos serviços

indispensáveis para o desenvolvimento da campanha.

Seguindo basicamente essa mesma estrutura, em 1969 foi lançada pelo Movimento

Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL) mais uma campanha massiva de alfabetização de

adultos que pretendia erradicar o analfabetismo no Brasil até o ano de 1980. Novamente, a

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opção por uma campanha de massa era a resposta do atual governo à ainda grave situação do

analfabetismo no país, o que nos faz concluir que a primeira campanha, mesmo com toda sua

estrutura, não havia conseguido atingir seus objetivos. A grande semelhança entre a CEAA e

o MOBRAL consistia em pensar a educação como um investimento capaz de produzir mão-

de-obra qualificada ao mercado de trabalho e por conseqüência impulsionar o

desenvolvimento do país. No entanto, a proposta de educação do MOBRAL era toda voltada

para os interesses políticos vigentes na época que visavam ter o controle do saber para a

manutenção do poder. Por outro lado, a proposta de educação da CEAA esteve vinculada ao

novo processo de redemocratização do país.

Vale ressaltar que no período compreendido entre 1960 a 1964 surgiram várias

experiências voltadas à promoção da cultura e da educação popular, como as experiências de

alfabetização de Paulo Freire no Movimento de Cultura Popular. Contudo, essas experiências

foram vitimas do autoritarismo que se instalou no país, após o golpe militar.

Em Mato Grosso a estrutura educacional já existente por ocasião das Campanhas

era preocupante, faltavam escolas, professores habilitados, fiscalização escolar, material

didático e principalmente uma política de modernização na estrutura pedagógica. Foi

necessário ter uma visão global das condições do ensino em Mato Grosso nesse contexto e,

ainda, em contextos anteriores, para melhor entender os meandros nos quais foram

desenvolvidas as campanhas de alfabetização de adultos neste Estado. Embora o Governo do

Estado tivesse estabelecido diversos acordos com o Ministério da Educação e Cultura, para

implementar as campanhas de alfabetização, muitos foram os fatores que contribuíram

negativamente para o não desenvolvimento dessas campanhas em sua totalidade. Dentre eles:

- a ineficiência do aparelho escolar fiscalizador que acabava viabilizando o não

funcionamento das classes de alfabetização;

- a má utilização dos recursos financeiros destinados às campanhas, alvo de várias críticas;

- as precárias condições da estrutura física dos prédios escolares - muitas classes de

alfabetização funcionavam em prédios mal conservados e sem mobiliário;

- o problema da falta de qualificação do professorado, que por um longo período desse

contexto, foi considerado “ineficiente” e sem preparação pedagógica;

- a má qualidade do material didático, aliado ao despreparo do professor e falta de orientação

pedagógica;

- a influência nociva da politicagem no setor educacional muitas vezes responsável pela

nomeação de professores leigos para compor o quadro do magistério mato-grossense;

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- a concepção que se tinha do alfabetizando como sendo um ser ignorante, inculto e incapaz

de aprender coisas mais complexas;

- a concepção de que se tinha da alfabetização como apenas um simples processo de aquisição

de um sistema de código alfabético, capaz de transformar o analfabeto em pessoas produtivas.

De certo modo, estes fatores não só comprometiam o desenvolvimento das

atividades das campanhas, mas também comprometiam todo o processo de modernização do

ensino mato-grossense. O próprio governo reconhecia que todas as providências tomadas

para solucionar os problemas educacionais do Estado, por um longo período, tinham sido

feitas de forma tradicional e repetitiva que só reeditavam os mesmos problemas, as mesmas

ações, os mesmos programas e o mesmo tipo de ensino.

Contudo, nesse complexo movimento histórico em que foram desenvolvidas as

campanhas de alfabetização, alguns aspectos podem ser considerados positivos:

- o esforço individual de alguns professores que mesmo sem formação e diante de tantas

adversidades tentaram superar suas deficiências e alfabetizaram seus alunos;

- a campanha do MOBRAL conseguiu oferecer pela primeira vez uma oportunidade de estudo

àquelas pessoas que viviam em localidades nunca antes contempladas por nenhuma oferta

educacional;

- os resultados quantitativos dessas campanhas apontam para uma significativa redução do

analfabetismo no país: o índice de analfabetismo reduziu de 55% na década de 40 para 49,3%

na década de 50 e de 33,6% na década de 70 para 25% na década de 80.

Na verdade, a constatação que se chega, mediante estudo e análise da trajetória

dessas campanhas de alfabetização é a de que, embora o Estado de Mato Grosso tenha

desenvolvido as Campanhas Oficiais de Alfabetização de Adultos no período aqui estudado,

ficou muito aquém de resolver o problema do analfabetismo naquele contexto histórico. Além

disso, as Campanhas não conseguiram atingir percentagens de alfabetização elevadas e

duráveis que justificassem o investimento enorme de recursos financeiros.

Embora a educação tenha sido matéria de grande preocupação dos governantes

mato-grossense durante o longo período de vigência das Campanhas, a alfabetização de

adultos não se configurou como um empreendimento primordial para o Governo Estadual. O

grande problema estava na distância entre o discurso político e a prática, ou seja, a

alfabetização de adultos foi muito mais utilizada como instrumento político-ideológico do que

como um processo capaz de promover a elevação educacional de um povo.

Em suma, o que ficou claro diante do fracasso dessas campanhas, é que a

alfabetização de toda a população deve continuar sendo uma grande meta a ser conquistada

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não por este ou aquele governo, mas por toda a sociedade. Diante de tantas campanhas com o

mesmo foco, é importante que se desenvolva um conjunto de conhecimentos sobre os

processos que as levaram ao fracasso, para que no futuro o Brasil não tenha que olhar para

trás e se deparar com derrotas cada vez mais familiares.

Enfim, o estudo aqui apresentado se constitui apenas em uma possibilidade

interpretativa do tema aqui pesquisado, já que muitos aspectos dessa temática merecem ser

aprofundados o que não foi possível neste trabalho, mas que pode ser feito em futuras

pesquisas.

Espero, portanto, ter conseguido recuperar uma parte do passado histórico das

campanhas de alfabetização e com isso ter contribuído cientificamente para a produção

historiográfica da educação em Mato Grosso.

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ANEXOS

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Anexo I Roteiro de entrevista Dados pessoais e Profissionais:

• Nome:

• Endereço:

• Local e data de nascimento:

• Atividades atuais:

• Escolaridade:

• Profissão:

• Tempo de serviço:

• Área de atuação:

• Vínculo empregatício:

• Situação atual:

Memórias: • Você tem alguma informação sobre campanhas de alfabetização de jovens e adultos

no período de 1947 a 1880? Quais?

• De que forma você participou dessa(s) campanha (s)?

• Que tipo de material didático foi utilizado nas campanhas?

• Como foram divulgadas as campanhas?

• Tem alguma documentação (material didático, registros, certificados, material de divulgação, foto e etc...) que possa servir de registro histórico dessa(s) campanha (s)?

• Como era feito o processo de recrutamento de profissionais para atuarem na(s) campanha(s)?

• Havia alguma preparação para esses profissionais atuarem na(s) campanha(s)?

• Você sabe informar se esses profissionais recebiam algum salário?

• Durante o desenvolvimento da(s) campanha(s), você lembra quantas turmas foram formadas?

• Quantos alunos faziam parte dessas turmas?

• Você lembra o nome de algum aluno que foi alfabetizado em alguma dessas campanha(s)?

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• Na sua opinião essa(s) campanha(s) conseguiram atingir seu(s) objetivo(s)?

• Na sua opinião houve um compromisso por parte das autoridades municipais e/ou estaduais para o desenvolvimento dessa(s) campanha(s)?

• Na sua opinião houve mudança na vida das pessoas que foram alfabetizadas por meio dessa(s) campanha(s)?

Anexo II Material Didático Fotos dos Cartazes que faziam parte do material didático distribuído pelo MOBRAL.

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