Análise de Metaboloma

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58 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento ano IX - nº 36 - janeiro/junho 2006 Genômica Funcional Mecanismos Biológicos Genoma Análise do METABOLOMA Introdução Durante as décadas de 80 e 90, foi investido muito tempo e es- forço no sequenciamento do código genético de diversos organismos, com o intuito de se elucidar comple- tamente o mecanismo de funciona- mento celular em nível molecular. No entanto, após todo este esforço, ficou evidente que o conhecimento das sequências de todos os genes de um organismo não é suficiente para se entender todos os mecanismos moleculares de uma célula. Por esta razão, na era pós-genômica, ou era pós-sequenciamento, os cientístas estão recorrendo (novamente) à bi- oquímica clássica para buscar ferra- mentas que auxiliem na elucidação da função dos milhares de genes que foram sequenciados, mas que per- manecem com função desconheci- da. Como consequência, surgiu uma nova área nas ciências biológi- cas, conhecida como Genômica Fun- cional (Figura 1), que tem como objetivo primordial determinar fun- ção para os diversos genes sequenciados. Basicamente, a fun- ção de um gene é determinada quan- do são identificados os seus respec- tivos produtos gênicos, ou seja, RNAm, proteína e metabólitos. Se- melhante à nomenclatura utilizada para a palavra genoma, que designa o conjunto de todos os genes de um organismo, os conjuntos dos respec- tivos produtos gênicos também re- ceberam a terminação (ou sufixo) “oma” (Villas-Bôas et al., 2005a). Assim, o conjunto de todos os RNAm transcritos por um organismo passou a ser chamado de transcriptoma e o conjunto de todas as proteínas de proteoma. O metaboloma, o mais recente dos “omas”, é usado para se referir ao conjunto de todos os metabólitos que são produzidos e/ ou modificados por um organismo. A análise dos produtos gênicos em sistemas vivos requer o uso de técnicas analíticas bastante sofistica- das, que gerem dados suficientes para serem combinados às informa- ções obtidas com o sequenciamento dos genomas. Mé- todos rápidos e práticos foram de- senvolvidos, os quais são capazes de Pesquisa Silas Granato Villas-Bôas PhD em Biotecnologia, Pesquisador, AgResearch Limited, Grasslands Research Centre Nova Zelândia [email protected] Andreas K. Gombert Doutor em Engenharia Química Professor Doutor Escola Politécnica USP - São Paulo [email protected] Imagens cedidas pelos autores Uma ferramenta biotecnológica emergente na era pós-genômica Figura 1- Genômica Funcional Genômica funcional promete preencher rapidamente o “espaço” entre seqüência e função gênica, aumentando o conhecimento sobre os mecanismos de funcionamento dos sistemas biológicos

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Page 1: Análise de Metaboloma

58 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento ano IX - nº 36 - janeiro/junho 2006

GenômicaFuncional

MecanismosBiológicos

Genoma

Análise doMETABOLOMA

Introdução

Durante as décadas de 80 e90, foi investido muito tempo e es-forço no sequenciamento do códigogenético de diversos organismos,com o intuito de se elucidar comple-tamente o mecanismo de funciona-mento celular em nível molecular.No entanto, após todo este esforço,ficou evidente que o conhecimentodas sequências de todos os genes deum organismo não é suficiente parase entender todos os mecanismosmoleculares de uma célula. Por estarazão, na era pós-genômica, ou era

pós-sequenciamento, os cientístasestão recorrendo (novamente) à bi-oquímica clássica para buscar ferra-mentas que auxiliem na elucidaçãoda função dos milhares de genes queforam sequenciados, mas que per-manecem com função desconheci-da.

Como consequência, surgiuuma nova área nas ciências biológi-cas, conhecida como Genômica Fun-cional (Figura 1), que tem comoobjetivo primordial determinar fun-ção para os diversos genessequenciados. Basicamente, a fun-ção de um gene é determinada quan-do são identificados os seus respec-tivos produtos gênicos, ou seja,RNAm, proteína e metabólitos. Se-melhante à nomenclatura utilizadapara a palavra genoma, que designao conjunto de todos os genes de umorganismo, os conjuntos dos respec-tivos produtos gênicos também re-ceberam a terminação (ou sufixo)“oma” (Villas-Bôas et al., 2005a).Assim, o conjunto de todos os RNAmtranscritos por um organismo passoua ser chamado de transcriptoma e oconjunto de todas as proteínas deproteoma. O metaboloma, o maisrecente dos “omas”, é usado para sereferir ao conjunto de todos osmetabólitos que são produzidos e/ou modificados por um organismo.

A análise dos produtos gênicosem sistemas vivos requer o uso detécnicas analíticas bastante sofistica-das, que gerem dados suficientespara serem combinados às informa-ções já obt idas com osequenciamento dos genomas. Mé-todos rápidos e práticos foram de-senvolvidos, os quais são capazes de

Pesquisa

Silas Granato Villas-BôasPhD em Biotecnologia, Pesquisador, AgResearchLimited, Grasslands Research CentreNova Zelâ[email protected]

Andreas K. GombertDoutor em Engenharia QuímicaProfessor Doutor Escola PolitécnicaUSP - São [email protected]

Imagens cedidas pelos autores

Uma ferramenta biotecnológica emergente na era pós-genômica

Figura 1- Genômica FuncionalGenômica funcional promete preencher rapidamente o “espaço” entre seqüência efunção gênica, aumentando o conhecimento sobre os mecanismos de funcionamentodos sistemas biológicos

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(virtualmente) determinar os níveisde todos os genes transcritos(transcriptoma) e de todas as prote-ínas traduzidas (proteoma) numacélula (Godovac-Zimmermann &Brown, 2001; Baldi & Hatfield, 2002;Cristoni & Bernardi, 2003). Contudo,métodos modernos para a análise dometaboloma ainda estão em desen-volvimento (Villas-Bôas et al.; 2005b).

A área metabolômica surgiumuito recentemente, devido ao fatode que as alterações nos níveis deRNAm nem sempre resultavam emalterações nos níveis de proteínas(Gygi et al., 1999), e uma veztraduzida, uma proteína podia estarou não enzimaticamente ativa(Sumner et al., 2003). Assim, as alte-rações observadas no transcriptomae no proteoma nem semprecorrespondiam a a l teraçõesfenotípicas. A Figura 2 ilustra, deforma muito simplificada, os possí-veis pontos de regulação em nívelmolecular do funcionamento celular.Os metabólitos, como substratos, pro-dutos ou cofatores nas reações bio-químicas, desempenham um papelmuito importante na conexão dasdiferentes vias metabólicas que ope-ram dentro de uma célula viva. Onível dos metabólitos de uma célulaou tecido é determinado pela con-centração e propriedades dasenzimas, sendo portanto, função de

um complexo sistema regulatóriooperante dentro das células (ex.;regulação da transcrição e da tradu-ção, regulação das interações prote-ína-proteína, e regulação alostéricadas enzimas através das suasinterações com os metabólitos). Por-tanto, o nível dos metabólitos repre-senta uma informação integrativa dafunção celular em nível molecular,definindo assim o fenótipo de umacélula ou tecido em resposta a alte-rações ambientais ou genéticas. Aidentificação do nível dos metabóli-cos é, desse modo, um complemen-to fundamental na determinação dafunção gênica.

Muitos metabólitos participamde diversas reações bioquímicas di-ferentes, amarrando as diferentespartes do metabolismo celular à umarede metabólica altamente controla-da (Nielsen, 2003). Deste modo, aalteração do nível de um únicometabólito numa célula resulta naalteração do nível de diversos outrosmetabólitos que estão direta e indi-retamente conectados ao primeiro,demonstrando ass im que ometaboloma de uma célula ou teci-do tem a capacidade de responderrapidamente a qualquer alteraçãoambiental e/ou genética, sendo in-clusive capaz de caracterizar muta-ções ditas silenciosas.

Neste artigo, serão apresenta-

dos alguns aspectos sobre a áreapós-genômica mais emergente, achamada metabolômica. Serão abor-dadas as novas tecnologias analíticasdisponíveis para a análise dosmetabólitos celulares e será apre-sentada uma breve discussão sobreas diversas aplicações das análisesmetabolômicas.

Características e desafíos daárea metabolômica

Como o transcriptoma e oproteoma, o metaboloma é depen-dente do contexto, ou seja, o nívelde cada metabólito depende do es-tado fisiológico, de desenvolvimen-to, e/ou patológico de uma célula,tecido ou organismo (Villas-Bôas etal., 2005b). No entanto, uma impor-tante diferença é que, diferentemen-te dos RNAm e das proteínas, édifícil, ou praticamente impossível,estabelecer uma ligação direta entregenes e metabólitos. A naturezainterconectada do metabolismo ce-lular, no qual um mesmo metabólitopode participar de diversas viasmetabólicas, dificulta extremamentea interpretação dos dadosmetabolômicos. Além disso, acredi-ta-se que, os organimos complexosou pluricelulares, tais como nos ve-getais e animais, produzam muitomais metabólitos do que genes, pois

Genoma

Genes

Transcriptoma

RNAm

Proteoma

Proteínas

Metaboloma

Metabólitos

Figura 2 - O funcionamento celular em nível molecularA informação codificada no DNA é transcrita em uma molécula de RNA mensageiro que é traduzida em uma molécula de proteínaque, quando não exercendo um papel extrutural, irá catalizar uma ou mais reações químicas dentro e/ou fora da célula, sendoportanto responsável pela transformação de pequenas moléculas químicas chamadas de metabólitos. Os metabólitos, por suavez, regulam a atividade das proteínas, o processo de transcrição e tradução, além de servirem de substratos para modificaçãoe síntese das proteínas e lipídeos, e síntese de DNA e RNA. Portanto os metabólitos são os produtos finais do metabolismo celular.

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múltiplos RNAm podem ser forma-dos a partir de um único gene, múl-tiplas proteínas a partir de um únicoRNAm, e múltiplos metabólitos apartir de uma única enzima, porquemuitas enzimas aceitam mais de umsubstrato, apesar de sua altaseletividade (Schwab, 2003). Noentanto, para os organismosunicelulares têm-se detectado muitomenos metabólitos do que genes.Como exemplo, para a leveduraSaccharomyces cerevisiae foramidentificados pouco mais que 700metabólitos, para um genoma deapproximadamente 6 mil genes(Famili et al.; 2003). Para a bactériaEscherichia coli, que possui cerca de4400 genes, foram identificados pou-co mais de 400 metabólitos (Edwards& Palsson, 2000). Todavia, é impor-tante lembrar que muitos intermedi-ários metabólicos possuem um tem-po de vida muito curto dentro dascélulas o que dificulta sua detecção.

Outro grande desafio na áreametabolômica é a análise dosmetabólitos, que é muito mais com-plexa do que as análises dos RNAme mesmo das proteínas, pois a análi-se do genoma (DNA) e dotranscriptoma (RNAm) se baseia naanálise química de biopolímeros com-postos por apenas 4 nucleotídeosdiferentes, e no caso do proteoma,

que é consideravelmente mais com-plexo, de biopolímeros formados porbasicamente 22 aminoácidos dife-rentes. Esses biopolímeros são qui-micamente muito similares, o quefacilita o desenvolvimento de técni-cas analíticas de grande escopo. Ometaboloma, entretanto, é compos-to por uma grande variedade decompostos químicos de baixa massamolar (< 1000 Da), os quais possu-em propriedades químicas diversas.O metaboloma compreende desdeespécies iônicas a carboidratoshidrofílicos, álcoois e cetonas volá-teis, aminoácidos e ácidos orgânicos,lipídeos hidrofóbicos e produtos na-turais complexos. Essa complexida-de química, adicionada à enormevariação de concentrações (variandode pmoles a mmoles), torna a análisesimultânea de todo o metabolomade uma célula uma tarefa pratica-mente impossível. Portanto, ometaboloma vem sendo estudadoatravés da aplicação de métodos efi-cientes de preparação de amostrasacoplados a uma combinação de di-ferentes técnicas analíticas moder-nas, de modo a se obter a maiorquantidade de informação possível.

A análise do metaboloma

A análise do metaboloma en-

volve a determinação dos níveis (ouconcentrações) de compostos quí-micos de baixa massa molar (menorque 1000 Da), que estejam presen-tes dentro e fora das células. OliverFiehn (2002) foi o primeiro a proporuma classificação das diversas abor-dagens analíticas disponíveis para aanálise de metabólitos, dividindo-asem quatro grupos principais: (i) aná-lise direcionada; (ii) perfil metabóli-co; (iii) metabolômica e (iv)“fingerprinting” metabólico (Esque-ma 2). No entanto, hoje em dia estáevidente que essa classificação ébastante confusa e subjetiva, princi-palmente a abordagem denominadametabolômica, que se refere a umaanálise química na qual todos osmetabólitos de um organismo seri-am supostamente identificados equantificados, o que ainda é umatarefa impossível devido à grandecomplexidade e dinamismo dometaboloma. Portanto, foi sugeridoque a palavra metabolômica fosseusada para descrever a nova área daciência responsável pela análise dometaboloma, ao invés de se referirsomente a uma abordagem analíticaespecífica (Villas-Bôas et al. 2005a)(veja os atuais conceitos no Esque-ma 1). Assim, do ponto de vistaanalítico há basicamente duas abor-dagens principais para se analisar o

Esquema 1 - Nova classificação das abordagens analíticas para a área metabolômica de acordo com oproposto por Villas-Bôas et al. (2005a).

MetabolômicaMetabolomaConjunto de

metabólitos {Oliveret al. 1988}

Área da ciência responsávelpela caracterização de

fenótipos metabólicos{ometaboloma} em determinadas

condições{e.g. diferentesestágios de desenvolvimento,

diferentes condiçõesambientais, diferentes modifi-cações genotípicas} e a liga-

ção destes fenótipos com seusgenótipos correspondentes

Fingerprintingmetabólico

Footprintingmetabólico

Metabólitos intracelularesidentificados ou não

Metabólitos extracelularesidentificados ou não

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metaboloma: (a) análise direcionadae (b) perfil metabólico, sendo queeste último pode ser ainda sub-divi-dido em (i) “fingerprinting” metabó-lico, quando se refere a perfil demetabólitos intracelulares, e (ii)“footprinting” metabólico, quando serefere a perfil de metabólitosextracelulares.

A diferença entre análisedirecionada e perfil metabólico éque a primeira refere-se à determi-nação de um grupo de metabólitospré-definidos, ignorando outrosmetabólitos que porventura sejamdetectados ou detectáveis durante aanálise. Por outro lado, o perfil meta-bólico pode ser definido como oconjunto de todos os metabólitos ouprodutos derivados dos mesmos(identificáveis ou não) e que sejamdetectados em uma amostra usandouma técnica analítica particular, acom-panhado por uma estimativa de quan-tidade (absoluta ou relativa). Nor-malmente, no perfil metabólico, faz-se uso de separações cromatográficasbastante eficientes, mas, muitas ve-zes, uma boa resolução pode serobtida usando-se simplesmente po-derosos detectores químicos, como

a ressonância magnética nuclear(NMR), a espectroscopia deinfravermelho usando transformaçãode Four ier (FT-IR) ou aespectrometria de massa de ionização“electrospray” (ESI-MS). Essesdetectores são normalmente empre-gados para classificar rapidamenteas amostras por análise de dadosmultivariados ou quimiometria (Villas-Bôas et al. 2005b).a) A preparação das amostras

A preparação das amostras éuma das etapas cruciais na análise dometaboloma porque é nessa etapaque se introduz a maior parte dosartefatos analíticos. A Figura 3 resu-me os principais passos na prepara-ção das amostras. O primeiro passo éa interrupção rápida do metabolismocelular, o que no inglês é chamadode “quenching” celular. A interrup-ção instantânea do metabolismo énecessária pois os níveis metabóli-cos variam muito rapidamente emfunção de quaisquer alterações noambiente da célula (ex. decréscimoou aumento do nível de oxigêniodissolvido; variação na luminosidade,no caso de organismosfotossintetizantes, entre outros). A

meia-vida típica de metabólitos pri-mários intracelulares está na ordemde um segundo ou menos. Por exem-plo, em Saccharomyces cerevisiae,a glicose citossólica é convertida auma velocidade de aproximadamen-te 1 mmol/s e o ATP a aproximada-mente 1.5 mmol/s (de Koning e VanDam, 1992). Embora a meia-vidados metabólitos extracelulares sejamaior que dos intracelulares, ainda éimportante interromper qualquer ati-vidade bioquímica nas amostrasextracelulares, para se evitar qual-quer variação nos níveis dosmetabólitos. O “quenching” meta-bólico é obtido através de uma alte-ração drástica de temperatura ou depH. Existe uma grande variedade demetodologias descritas na literatura,sendo que a amostragem em nitro-gênio líquido ou em solução demetanol frio (< -40 oC) são as técni-cas mais empregadas (Villas-Bôas etal. 2005b, c).

Depois do “quenching” meta-bólico, é necessário separar abiomassa celular do meio de culturaextracelular (isso no caso de culturade células ou microrganismos) e se oobjetivo é analisar os metabólitos

Esquema 2 - Classificação das abordagens analíticas para a área metabolômica deacordo com o proposto por Fiehn (2002).

MetabolomaConjunto de

metabólitos {Oliveret al. 1988}

Análises alvoAnálise de um peque-no grupo específico

de metabólitos

Perfil metabólicoAnálise de um grupopré-selecionado de

metabólitosMetabolômica

Análise quantitativa equalitativa de todos os

metabólitos sintetizadospor um organismo

FingerprintingmetabólicoRápida classificação de

amostras contendometabólitos sem a identifica-

ção dos compostos

Para o estudo do efeitoprimário de uma altera-

ção genética

Para o estudo da alteraçãode uma via metabólica por

intersecção de viasmetabólicas

Para estudar efeitospleiotrópicos de uma

alteração genética

Para rápida caracterizaçãofenotípica

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intracelulares, esses deverão ser ex-traídos do meio intracelular, evitan-do-se ao máximo as perdas por de-gradação e/ou reação bioquímica. Oobjetivo da extração dos metabólitosintracelulares é torná-los acessíveisàs diferentes técnicas analíticas. Amaioria dos procedimentos de extra-ção de metabólitos é laborioso einevitavelmente ocorrem perdas de-vido a diferentes fatores, sendo queo principal é a grande diversidadequímica que caracter iza ometaboloma (Villas-Bôas et al.2005b,c) . Os metaból i tosintracelulares são geralmente extra-ídos com solventes orgânicos. Nor-malmente, usa-se mais de umsolvente para a extração das diferen-tes classes de metabólitos. Por exem-plo, solventes polares, como metanol,mistura de metanol e água, ou etanolpara se extrair metabólitos polares, esolventes apolares, como clorofór-mio, acetato de etila ou hexano parase extrair os compostos lipofílicos(Villas-Bôas et al. 2005b,c).

Depois da extração, as amostrascontendo os metaból i tosintracelulares são geralmente muitodiluídas devido à grande razão entrebiomassa e volume dos solventes

usados na extração. Essa diluição tam-bém pode ser observada em algu-mas amostras de metabólitosextracelulares. A última etapa napreparação das amostras é, portanto,a sua concentração, que normalmen-te é obtida através da liofilização,evaporação à vácuo dos solventesou por técnicas de extração seletivacomo a extração e a micro-extraçãoem estado sólido (Villas-Bôas et al.2005b, c).

b) A análise dos metabólitosA espectrometria de massa

(MS) e a ressonância magnética nu-clear (RMN) são os métodos maisusados na detecção e análise demetabólitos celulares. RMN é muitoútil na caracterização estrutural decompostos desconhecidos, e tem sidobastante empregada na análise dometaboloma. No entanto, em certascircunstâncias, o espectro de RMNde 1H não fornece informações sufi-cientes para se caracterizar comple-tamente um metabólito, principal-mente quando o composto é defici-ente em prótons ou quando osprótons podem ser quimicamenteintercambiados com o solvente. Poroutro lado, a RMN de 13C é poucosensível e portanto pode-se levar

horas para a análise de uma únicaamostra, além de que os equipa-mentos para RMN são muito caros,se comparados às tecnologias quefazem uso da espectrometria demassa.

A espectrometria de massaapresenta várias vantagens em rela-ção a outros métodos de análisequímica, entre elas estão principal-mente a sua alta sensibilidade epraticidade, combinadas à possibili-dade de se confirmar a identidadedos componentes presentes emamostras biológicas complexas e tam-bém à possibilidade de detecção e,na maioria das vezes, de identifica-ção de compostos desconhecidos oucuja presença na amostra seria ines-perada. Além disso, a combinação daespectrometria de massa com técni-cas de separação (cromatografia,electroforese) ampliou enormemen-te a capacidade de análise químicade amostras biológicas complexas. ATabela 1 resume as potencialidadese l imi tações das di ferentestecnologias analíticas que fazem usoda espectrometria de massa. A infor-mação básica contida num espectrode massa é muito simples. O espec-tro exibe a massa de moléculas

Concentraçãoda amostra

AMOSTRAEXTRAÇÃO

Separandomoléculas pequenas

AMOSTRAGEMQuenching dometabolismo

Separação dabiomassa do

meioextracelular

AMOSTRAEXTRACELULAR

Figura 3 - Principais etapas na preparação das amostras para análise do metabolomaA primeira etapa é a amostragem que deve ser realizada simultaneamente ao interrompimento do metabolismo celular(quenching), seguido da separação da biomassa do meio extracellular (quando possível). A segunda etapa é a extração dosmetabólitos intracelulares que poderá passar por uma etapa de concentração da amostra antes da análise (uma metodologiadetalhada sobre a análise do metaboloma de diversos organimos se encontra em Villas-Bôas et al. 2006b).

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ionizadas e seus fragmentos corres-pondentes, e os valores das massassão simplesmente a soma das mas-sas dos átomos que compõe cadafragmento ou melécula. Um espec-tro de massa contém uma enormequantidade de informações estrutu-rais e sua interpretação requer umconhecimento abrangente e profun-do da técnica, porém quase sempreesse conhecimento não é necessáriona análise de metabólitos, pois jáexistem vários softwares disponíveisno mercado, que facilitam enorme-mente a interpretação dos dadosobtidos por espectrometria de mas-sa.

c) O tratamento dos dados

Após a análise das amostras,os dados obtidos precisam ser aindatratados de forma que sejam conver-tidos em algum tipo de informaçãoútil e interpretável. Há basicamenteduas maneiras para se tratar os dadosmetabolômicos: (i) fazer uma rápidaclassificação das amostras sem iden-tificação dos metabótidos ou (ii) iden-tificar o máximo número possível demetabólitos detectados. Na primeiraabordagem usa-se uma quantificaçãorelativa dos diferentes components(ex.; intensidade dos picos) e osdiversos componentes analisados sãoclassificados empregando-se uma no-menclatura aleatória, que não seja aidentidade do composto, como porexemplo o tempo de retenção ou

massa molar dos picos, ou compo-nentes A, B ...N. Essa abordagem égeralmente usada quando não seconsegue identificar facilmente oscompostos detectados e que geral-mente são obtidos através da injeçãodireta no espectrômetro de massaou RMN, sem separação prévia doscomponentes da amostra através decromatografia ou eletroforese. Essaabordagem é empregada quando sequer classificar rapidamente diferen-tes mutantes em relação aos tiposselvagens, ou diferentes estágios dedesenvolvimento de uma célula ouorganismo, ou mesmo diferenciarcélulas sadias de células enfermas;sem identificar, necessariamente, oque as diferenciam.

Técnicas de análise de dadosmultivariados como a “Associaçãopor Culpa” (do inglês ‘Guilty-by-Association’; Oliver, 2000) permi-tem indicar áreas do metabolismoque foram alteradas através da com-paração dos dados obtidos a partir deamostras conhecidas. Por exemplo,se um mutante na via glicolítica écomparado a um mutante desconhe-cido e este último apresenta umperfil metabólico semelhante ao pri-meiro, isso será uma forte indicaçãode que o mutante desconhecidopossui também uma alteração queafeta a via glicolítica, pois seus dadosse associam com os dados da linha-gem mutante que é conhecida porpossuir mutação na via glicolítica.Embora essa seja uma abordagemrápida e prática, ela é bastante limi-tada em informações, principalmen-te por não fornecer a identidade dosdiversos metabólitos detectados, oque dificulta a caracterização do es-tado das diferentes vias metabólicasativas nas células, impedindo, assim,uma direta integração dos dadosmetabolômicos com os dados dasoutras áreas da Genômica Funcional.

Por outro lado, hoje está evi-dente que o maior potencial da aná-lise do metaboloma depende da iden-tificação e quantificação (relativa ouabsoluta) dos diferentes metabólitosdetectados nas amostras (Bino et al.2004; Nielsen and Oliver, 2005; Villas-Bôas et al. 2005d). Alterações obser-vadas nos níveis de metabólitos es-pecíficos permitem identificar vias

Tabela 1 - Potencialidades e limitações das diferentes técnicas analíticas que fazem usoda espectrometria de massa

TécnicaAnalítica

Aplicações Gerais Vantagens Desvantagens

GC-MS(croma tografiade gases -espectrometriade massa)

Separação, identifica çãoe quantificaçãosimultânea de dife rentesclasses de metabólitos(voláteis e não voláte is)numa única anál ise.Basicamente, o tipo daanálise (direcionada ouperfil metaból ico) édefinida pelo modo dedetecção empregado(S IM 1 ou SCAN2).

Alta resoluçãocromatográfica, queé ideal pa ra resolveramostras biológicascomplexa s; Análi sesimultânea dedferentes classes dematabólitos.

Difícil aná lise decompostos termo-sensíveis;Metaból itos nãovolátei s devem serderivat izados antesda análise; Difícilidentificação decompostosdesconhecidos apósderivat iza çãoquímica

LC-MS(croma tografialíquida -espectrometriade massa)

Separação, identifica çãoe quantificação dediferentes grupos demetabólitos

Alta sensibilidade;Média a altaresoluçãocromatográfica;Análise decompostos nãovoláteis semderivatizaçãoFácila náli se decompostos te rmo-sensíveis.

Os e luentes devemser volátei s;Muita svezes as amostrasdevem serdesalinizadas apósseparaçãocromatográfica ; Opotencial deidentificação élimitado sem o usode MS em série(MS /MS)

CE-MS(eletroforese decapila r -espectrometriade massa)

Principalmente usadona sepa ração,identificação equanti ficação decompostos pola resusando pequenovolume de amostra

Útil na separação deisômerosmolecula res; Volumepequeno deamostra;Altaresolução.

Metodologiacomplexa;Difícilquantifica ção;Difilcudade deinterface CE comMS.

MS(espectrometriade massa)

A aplicação va ria deacordo com o métodode ionização.Geralmente empregadana dete rminação demetabólitos através dasua massa molar e perfilde fragmentação. Muitousada na obtenção deperfís metaból icos semidentificação doscompostos.

Análise rápida demetabólitos; Passossimples naprepa ração dasamostras; Altasensibil idade;Recomendado nacaracterização decompostosdesconhecidos.

Idetificação ecaracterização demetabólitos dependede MS/MS ; Gradeinterferência damatrix da amostra;Incompa tibilidadecom solventesfortemente iônicos etampões.

1SIM= Análise restrita de moléculas contendo fragmentos pré-selecionados. 2SCAN= Análiseindiscriminada da amostra ( todos os fragmentos)

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metabólicas específicas que foramalteradas, facilitando enomermentea integração efetiva dos dados obti-dos nas diferentes áreas da GenômicaFuncional, além de possibilitar a iden-tificação e caracterização de novasvias metabólicas, a caracterização demutações/genes silenciosos e mes-mo a elucidação dos mecanismosregulatórios do metabolismo celular.Para esse tipo de análise, o primeiropasso é a análise estatística dos da-dos, ou seja, determinar se a variaçãoobservada nos níveis de cadametabólito é significativa. Normal-mente, usa-se o teste ‘t” ou a análisede variância (MANOVA). Natural-mente, os requisitos básicos paraesse tipo de análise são a replicaçãodas amostras (mínimo três, normal-mente de cinco a seis); a reproduçãodos cultivos (mínimo três, normal-mente de três a seis); o uso decontroles, que dependerão do estu-do em questão (ex.: linhagemparental das linhagens mutantes); apadronização interna (compostosexógenos adicionados às amostraspara avaliar as perdas durante a aná-lise); além da normalização dos da-dos obtidos usando-se a quantidadede biomassa coletada em cada amos-tra e/ou o padrão interno.

O ponto chave no tratamento

dos dados, no entanto, é avisualização/apresentação dos resul-tados. Os dados das “ômicas” sãomultivariados e portanto difíceis deserem visualizados. O objetivo prin-cipal neste tipo de análise é ilustrarcom a maior clareza possível as prin-cipais diferenças observadas nos ní-veis dos metabólitos presentes nasamostras a serem comparadas entresi. Com frequência, os resultados deníveis ou perfís metabólicos são apre-sentados em gráficos de barras, oque muitas vezes é bastante confu-so, tornando-se inviável à medidaem que o número de metabólitosdetectados e o número de variáveisa serem comparadas (ex. número demutantes ou linhagens) aumentam.Dessa forma, diversos softwares es-tão disponíveis no mercado e nainternet, muitos deles gratuitos, quepermitem realizar tratamentos dedados multivariados, ou seja, dadosgerados a par t i r de umamultiplicidade de amostras que re-presentam uma multiplicidade devariáveis. Não há um único ou me-lhor método para se tratar dadosmultivariados. A dica é escolher ummétodo versátil, aprendê-lo e saberusá-lo bem. Os principais métodossão a “Análise do Componente Prin-c ipal” (do inglês Principal

Component Analysis or PCA), a “Aná-lise de Discriminantes Múltiplos” (doinglês Fischer Discriminant Analysisor FDA) e as técnicas de agrupamen-to ou “clustering” (para maiores de-talhes consultar Villas-Bôas et al.2005b). Exemplos ilustrativos demodelos gráficos para cada métodousado no tratamento de dadosmultivariados estão apresentados naFigura 4.

Outras alternativas estão tam-bém sendo exploradas para a apre-sentação dos dados metabolômicos,as quais podem melhorar ainda maissua interpretação e integração comos dados da proteômica etranscriptômica. Particularmente,duas alternativas que fazem uso darazão diferencial da concentração decada metabólito nas diferentes vari-áveis testadas, merecem ser menci-onadas: (i) visualização em redemetabólica, na qual os metabólitoscom níveis aumentados ou diminuí-dos são apontados diretamente narede metabólica usando-se uma es-cala de cores (Figura 5), como ex-plorado por Villas-Bôas et al. (2005d),e (ii) Modelo de chips de DNA (ouDNA microarrays), nos quais os no-mes dos metabólitos tomam o lugardos nomes dos genes e cada colunarepresenta duas variáveis que estãosendo comparadas (Figura 6). Ascores indicam se o nível daquelemetabólito aumentou ou diminuiuna amostra analisada, em relação auma amostra padrão. Esse tipo detratamento de dados pode ser en-contrado em Villas-Bôas et al. (2005d,2006a).

Algumas aplicações dasanálises metabolômicas

a) Determinação dafunção gênica

A metabolômica foi criada eidealizada especificamente para serusada como ferramenta na determi-nação da função gênica (Villas-Bôaset al. 2005a). Como já foi discutidona introdução desse artigo, o níveldos metabólitos representa uma in-formação integrativa da função celu-lar em nível molecular, definindoassim o fenótipo de uma célula ou

Figura 4: Exemplos de gráficos usados na análise de dados multivariadosA: Análise do component principal; B: Análise de discriminantes múltiplos; C: Análisede agrupamentos não-hierárquico; D: Análise de agrupamentos hierárquico(dendogramas)

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tecido em resposta a alteraçõesambientais ou genéticas. A avaliaçãodos níveis de metabólitos é um com-plemento fundamental na determi-nação da função gênica em célulasou tecidos. Porém, o metabolomatem se destacado principalmente nacaracterização fenotípica de muta-ções silenciosas. Mutações silencio-sas são modificações genéticas quenão resultam em nenhuma alteraçãoóbvia de morfologia, rendimento, ve-locidade de crescimento, ou de qual-quer outro parâmetro observável,em relação ao fenótipo de linhagensparentais sob uma dada condiçãofisiológica (Thorneycroft et al. 2001).Esse fenômeno é ainda mais surpre-

endente quando se altera genes co-nhecidos por desempenhar um pa-pel fundamental no funcionamentocelular. Acredita-se que o organismoalterado tem a capacidade de con-tornar os efeitos deletérios do genemutado através da ativação de genessilenciosos ou através da redundân-cia na família do gene mutato(Weckwerth et al. 2004). A formamais comum de redundância gênicaé a frequente expressão de enzimascom diversas isoformas e que estãoenvolvidas em várias vias metabóli-cas (Weckwerth et al. 2004). Namaioria das vezes, as isoformas dasenzimas não podem ser diferencia-das com base na sua atividade

enzimática. É nesse ponto que ametabolômica entra como ferramen-ta fundamental na caracterização fun-cional de genes redundantes e/ougenes silenciosos que são ativadossomente quando outros são deletadosou mutados. Como os metabólitosestão inseridos dentro de uma redemetabólica muito rígida, qualquer pe-quena alteração no nível de um úni-co metabólito irá refletir na alteraçãodos níveis de diversos outrosmetabólitos, como uma reação emcadeia que resultará numa amplifica-ção da alteração genética ocorrida. Oconhecimento das redes metabóli-cas é essencial na interpretação dosdados metabolômicos, que quando

Figura 5 - Visualização em rede metabólicaEsta figura aparece em Villas-Bôas et al. (2005c) e ilustra as diferenças nos níveis dos metabólitos do metabolismo central ebiosíntese de aminoácidos da levedura Saccharomyces cerevisiae , comparando uma linhagem mutante com o tipo selvagemcorrespondente. Os nomes dos metabólitos estão abreviados. Os que aparecem dentro de um círculo negro tiveram seus níveisaumentados no mutante em comparação ao tipo selvagem. Os em cinza tiveram seus nívels diminuídos. Os que não aparecemdentro de um círculo não foram detectados. Os números indicam o número de passos na via metabólica. Interessantemente, nesseestudo particular, a maioria dos metabólitos com seus níveis aumentados no mutante envolvem uma reação de transaminaçãoentre o glutamato e o 2-oxoglutarato (como indicado na figura). Reproduzido com permissão de Villas-Bôas et al. (2005).Biochemical Journal 388: 669 – 677. Ó Biochemical Society.

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acoplados aos dados das outras“ômicas” (pr incipalmente aproteômica) constitui uma excelen-te ferramenta na determinação dafunção gênica e ainda permite adescoberta de novas vias metabóli-cas, como exemplificado em Villas-Bôas et al. (2005e).b) Melhoramento de linhagens

por Engenharia Metabólica(EM)

A EM é hoje uma área consagra-da dentro da Biotecnologia. Apesarde já ter sido praticada anteriormen-te, foi somente em 1991 que o ter-mo apareceu oficialmente (Bailey,1991). Algumas definições de EMexistem na literatura, mas esta ativi-dade pode ser definida de uma for-ma bastante simples: a EM é o me-lhoramento dirigido das proprieda-des de um organismo através da

aplicação da tecnologia do DNArecombinante.

A EM é uma área de trabalhoclaramente multidisciplinar, envol-vendo diversas áreas do conheci-mento e diferentes atividades, asquais podem ser apresentadas naforma de um ciclo, conforme ilustra-do na Figura 7. Partindo-se de umdeterminado organismo / linhagem,as atividades têm início na etapa deanálise, na qual deve ser levantada amaior quantidade de informaçãopossível sobre o metabolismo doorganismo em estudo. Com estasinformações, na etapa seguinte, serápossível identificar os melhores al-vos para modificações genéticas (asquais serão introduzidas na etapa desíntese), com o objetivo de melhoraras propriedades ou, em outras pala-vras, o fenótipo deste organismo.

Nota-se, portanto, que as atividadesdentro do ciclo da EM dependemestritamente dos objetivos do traba-lho, ou seja, das características quese deseja modificar no organismoem estudo, dada uma aplicaçãotecnológica específica.

A informação a ser obtida naetapa de análise do ciclo de EM éobtida fazendo-se uso de um conjun-to de ferramentas analíticas e mate-máticas, as quais são em grande par-te comuns àquelas empregadas emestudos de Genômica Funcional. Tra-ta-se das análises do genoma, dotranscriptoma, do proteoma e dometaboloma, entre outras, dando-sehoje preferência às ferramentas dealto processamento, ou highthroughput , como referido em in-glês . Anál ises enzimát icasselecionadas e Análise de Redes Me-tabólicas (ARM) (Christensen &Nielsen, 2000), que têm como obje-tivo identificar a rede metabólicaativa do organismo em estudo, assimcomo quantificar as velocidades dasreações do metabolismo (tambémdenominados fluxos metabólicos),complementam o espectro analíti-co-matemático da etapa de análise.

É importante ressaltar que osobjetivos da EM raramente são atin-gidos após somente um ciclo deatividades (Figura 7). Ainda que seobtenha uma linhagem melhoradaapós o primeiro ciclo, não há porquenão continuar as atividades, de for-ma a se obter linhagens com caracte-rísticas ainda melhores. Portanto, tãoimportante quanto a primeira etapade análise, a qual se refere ao orga-nismo inicialmente escolhido para osestudos, são as etapas de análise dosciclos posteriores, ou seja, após uma,duas, ou mais etapas de modifica-ções genéticas. Assim, o uso dasferramentas analítico-matemáticasindicadas acima, para analisar as li-nhagens geradas após cada etapa demodificações genéticas, é fundamen-tal não somente para verificar se asmesmas resultaram nas alteraçõesfenotípicas esperadas, mas tambémpara permitir o projeto de novasmodificações, que possam melhorarainda mais o metabolismo do orga-nismo em questão.

Figura 6: Visualização baseada no modelo de chip de DNA-arrayEsta figura aparece em Villas-Bôas et al. (2005c) e representa um modelo de chip deDNA-arrays, onde os nomes dos metabólitos (abreviados na figura) tomam o lugardos nomes dos genes e cada coluna representa duas variáveis que estão sendocomparadas (wt = tipo selvagem; mt = mutante; aer = cultivo aeróbico, ana = cultivoanaeróbico). As cores indicam se o nível daquele metabólito aumentou ou diminuiuna situação que está sendo comparada e a espessura do círculo em vermelho indicao nível de confiança estatística. Reproduzido com permissão de Villas-Bôas et al.(2005). Biochemical Journal 388: 669 – 677. Ó Biochemical Society.

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Após pouco mais de uma déca-da de existência oficial, contandoinclusive, desde 1999, com umapublicação específica, a revistaMetabolic Engineering (Elsevier), aEM provavelmente não causou oimpacto imaginado por seus pionei-ros. Isto se deve principalmente aofato de não conhecermos ainda to-dos os detalhes do metabolismo dosprincipais organismos de interesseindustrial, em particular os aspectosde regulação metabólica. Como jámencionado neste artigo, a partir doconhecimento do genoma, não épossível prever o funcionamento deum organismo. Em outras palavras,uma simples modificação genéticamuito raramente produz um únicoefeito fenotípico.

No caso de microrganismos,tem-se adotado nos anos recentesuma estratégia diferente e comple-mentar ao uso da tecnologia do DNArecombinante, para introduzir modi-ficações genéticas em um organis-mo com o objetivo de melhorar suaspropriedades metabólicas. Trata-se,

resumidamente, em exercer umapressão seletiva sobre o organismoem estudo, de forma a provocar nomesmo a expressão de um fenótipodesejado. Nesta abordagem, as mu-tações espontâneas e a sobrevivên-cia dos indivíduos mais bem adapta-dos ao ambiente imposto são oselementos responsáveis por intro-duzir as alterações no genoma. Esteprocesso tem sido denominadoEvolutionary Engineering e resulta-dos muito interessantes têm sidoobtidos, como demonstram algumaspublicações recentes (Overkamp etal., 2002; Kuyper et al., 2005). Alémdisto, este processo de seleção for-çada de um determinado fenótipopermite que as modificações genéti-cas e fisiológicas, direta ou indireta-mente ligadas a este fenótipo, sejammapeadas a posteriori pelas técni-cas “ômicas” de alto processamento.Isto, por sua vez, permite que novosalvos de EM sejam identificados eque as linhagens possam ser melho-radas ainda mais. Este processo comoum todo tem sido denominado na

literatura como Engenharia Metabó-lica Inversa, ou seja, em vez de serealizar uma (ou mais) modificaçõesgenéticas, em busca de um fenótipo,provoca-se um fenótipo desejado,para depois mapear as alteraçõesresponsáveis por este fenótipo, deforma a se poder melhorá-lo aindamais (Bro & Nielsen, 2004).

Combinando-se a EM direta coma EM inversa (envolvendo experi-mentos de EvolutionaryEngineering), pode-se imaginar umciclo de atividades ligeiramente di-ferente para o melhoramento de or-ganismos de interesse econômico,em relação àquele apresentado naFigura 7. Neste novo ciclo, na etapade síntese, opta-se por introduzir asmodificações genéticas projetadas oupela tecnologia do DNArecombinante, ou através de experi-mentos de seleção dirigida, confor-me indicado acima. Em seguida, pas-sa-se a uma nova etapa de análise eassim por diante.

Em ambos os casos (aplicando-se EM inversa ou não), pode-se ob-

Figura 7: Ciclo de atividades característico da Engenharia Metabólica (adaptado de Nielsen, J. Appl. Microbiol. Biotechnol.55:263-283, 2001)

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servar que a análise do metaboloma,ou o conhecimento dos níveis (ouconcentrações) dos metabólitos intra-e extracelulares do organismo emestudo, é parte fundamental da ca-racterização do metabolismo ou fisi-ologia, dento da etapa de análise dociclo de atividades.

c) Controle de qualidade eavaliação de equivalência

entre OGM’sA metabolômica de plantas é

a área que está mais avançada até opresente. A análise dos metabólitosde vegetais permite realizar um mi-nucioso controle de qualidade dosalimentos que consumimos diaria-mente. Por exemplo, há muito tem-po se detecta adulteração em óleode oliva através da análise da com-posição de ácidos graxos que é es-pecífica para cada óleo. Porém, omais difícil é determinar se um dadoóleo de oliva, sendo vendido comoprocedendo de uma certa origemgeográfica que lhe confere maiorprestígio e, consequentemente mai-or valor, corresponde realmente àqualidade dos óleos produzidos comazeitonas daquela região. Todavia,com a anál ise dos diversosmetabólitos que estão presentes noóleo e que lhe conferem sabor earoma característicos (o que depen-de da variedade das azeitonas usadasna produção do óleo, do solo e domicroclima local), é possível deter-minar a procedência precisa do pro-duto.

Outro exemplo de aplicaçãoestá relacionado aos produtos con-tendo organismos geneticamentemodificados (OGM’s). Desde abrilde 2004, dentro da União Européia,todos os alimentos contendo mais de0,9% de ingredientes obtidos a partirde OGM’s devem ser rotulados comocontendo material modificado gene-ticamente (Anonymous, 2003). Istosignifica que produtos como fari-nhas, óleos e xarope de glicose pro-duzidos a partir de OGM’s, que jáforam considerados anteriormentecomo ‘substancialmente equivalen-tes’ aos materiais originados de fon-tes tradicionais (desde que não con-tivessem na sua composição DNAmodificado), desde 2004 tiveram queser rotulados como produtos conten-

do material geneticamente modifi-cado. Isto aumentou a preocupaçãopública sobre a qualidade e seguran-ça dos alimentos contendo compo-nentes originados de OGM’s. Dessaforma, a análise do perfil metabólicotem permitido a determinação pre-cisa da equivalência entre o produtoproduzido a partir de OGM’s e o deorigem tradicional. A análise demetabólitos determina se existemdiferenças significativas com relaçãoaos metabólitos “traço” que foramdesconsiderados até o momento,podendo, portanto, fornecer evidên-cias importantes em relação à segu-rança e a qualidade dos produtosgeneticamente modificados.

Conclusões econsiderações finais

Em 1999, o físico FreemanDyson disse que “as surpresas naciência acontecem geralmente apartir do desenvolvimento de novasferramentas e novas tecnologias enão a partir de novos conceitos”(Madou, 2002). Além disto, todos osprojetos de sequenciamentogenômico em andamento, tanto deprocariotos como de eucariotos, con-tinuam a nos lembrar que o nossoconhecimento sobre o funcionamen-to de um organismo ou célula, emnível molecular, é realmente muitolimitado. Tipicamente, 20 a 40 % dasfases abertas de leitura (ou OpenReading Frames, ORF’s) encontra-das nos genomas sequenciados per-manecem com função desconheci-da. Esses “genes órfãos”, como sãonormalmente denominados, devemter algum papel no funcionamentocelular, pois, do contrário, teriamsido perdidos durante a evolução.Portanto, o grande momentum dasCiências Biológicas atualmente é abusca da função destes genes desco-nhecidos, e para atingir esse objeti-vo serão necessários tanto o desen-volvimento de novas técnicas comoo estabelecimento de novos concei-tos.

A metabolômica é uma áreavibrante e diversa, que está em suafase exponencial de crescimento.Hoje já existem diversos gruposdedicados ao desenvolvimento e

apl icação das técnicasmetabolômicas, concentrando-seprincipalmente na Europa, EstadosUnidos, Japão e Oceania. Uma soci-edade internacional foi formada re-centemente - The MetabolomicsSociety (metabolomicssociety.org) -cuja missão é promover o cresci-mento e o desenvolvimento da áreametabolômica internacionalmente eessa mesma sociedade possui umarevista periódica trimestral chamadaMetabolomics, que é publicada pelaSpringer e já está no seu quintofascículo. A Springer tambem publi-cou um livro com diversos artigos derevisão especialmente dedicados àanál ise do metaboloma(Vaidyanathan et al. 2005), e a Wiley& Sons publicará em 2006 o primeirolivro texto sobre metaboloma (Villas-Bôas et al. 2006b).

Com este artigo introdutório,os autores esperam poder motivargrupos brasileiros a estabelecer no-vas plataformas para o estudo dometaboloma, com o objetivo de pro-mover as áreas de Genômica Funci-onal, Engenharia Metabólica, dentreoutras, no nosso país.

“O progresso da ciência de-pende do desenvolvimento de novastécnicas, de novas descobertas e denovas idéias, provavelmente nestaordem” (traduzido a partir de Syd-ney Brenner, Nature, 5 June 1980).

Agradecimentos

Agradecemos à Dr. KátiaNones (AgResearch Limited/ NovaZelândia) por suas construtivas su-gestões.

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