Análise Aplicada do Comportamento (ABA) Cíntia Guilhardi ... · da Análise Experimental do...

28
Análise Aplicada do Comportamento (ABA) 1 Cíntia Guilhardi (Gradual, USP) Claudia Romano (Gradual, PUC-SP) Leila Bagaiolo (Gradual, USP) O presente texto pretende demonstrar como a Análise Aplicada do Comportamento pode contribuir, de forma teórica e prática, para a inclusão escolar de crianças diagnosticadas com Autismo. Para tanto, inicialmente apresentaremos a visão skinneriana de educação, e logo em seguida, discutiremos como essa visão permeia o Modelo de Inclusão escolar da Gradual. Destacaremos como a Intervenção Comportamental Individualizada participa desse modelo e contribui para uma inclusão efetiva. Também enfatizaremos qual o papel do analista do comportamento em cada passo do planejamento da inclusão e as parcerias que precisam ser estabelecidas para garantir um trabalho completo. Ao final, questionamos o termo inclusão dentro desse modelo prático e dessa abordagem teórica. O objeto de estudo da Análise do Comportamento O Behaviorismo Radical, tal como proposto por Skinner, marcou a Psicologia a partir de meados da década de 30. Os conceitos e metodologias de estudo postulados por Skinner são pesquisados e discutidos até os dias de hoje, dentre eles estão: condicionamento operante, a filosofia do sujeito único, a taxa de resposta como variável dependente, a freqüência acumulada de respostas 2 etc. Propôs que o estudo do comportamento se transformasse numa Psicologia científica, com controle e experimentação de variáveis, constituindo a Análise Experimental do Comportamento. A nova abordagem experimental desenvolvida por Skinner, para se estudar o comportamento, foi apresentada no seu livro O Comportamento dos Organismos, publicado em 1938. Skinner apresentou o comportamento como seu objeto de estudo, entendendo-o como produto da história da espécie (filogenética), da história individual (ontogenética) e da história cultural. Salientou, ainda, que, para entendermos sobre o comportamento humano devemos olhar o papel exercido pelo ambiente 3 (que teve sua 1 Capítulo 21 (pág. 278-296) do Livro Transtorno do Espectro do Autismoorganizado por José Salomão Schwartzman e Ceres Alves de Araújo (2011) Editora MEMNON. 2 Esses conceitos serão definidos ao longo do texto. 3 Ambiente, para Skinner se refere a todo o mundo físico, que pode ocorrer dentro (eventos internos) ou fora da pele (eventos externos) de cada indivíduo, incluindo, neste último, os eventos sociais.

Transcript of Análise Aplicada do Comportamento (ABA) Cíntia Guilhardi ... · da Análise Experimental do...

Page 1: Análise Aplicada do Comportamento (ABA) Cíntia Guilhardi ... · da Análise Experimental do Comportamento, permitiu que uma nova metodologia de estudo científico para o comportamento

Análise Aplicada do Comportamento (ABA)1

Cíntia Guilhardi (Gradual, USP)

Claudia Romano (Gradual, PUC-SP)

Leila Bagaiolo (Gradual, USP)

O presente texto pretende demonstrar como a Análise Aplicada do

Comportamento pode contribuir, de forma teórica e prática, para a inclusão escolar de

crianças diagnosticadas com Autismo. Para tanto, inicialmente apresentaremos a visão

skinneriana de educação, e logo em seguida, discutiremos como essa visão permeia o

Modelo de Inclusão escolar da Gradual. Destacaremos como a Intervenção

Comportamental Individualizada participa desse modelo e contribui para uma inclusão

efetiva. Também enfatizaremos qual o papel do analista do comportamento em cada

passo do planejamento da inclusão e as parcerias que precisam ser estabelecidas para

garantir um trabalho completo. Ao final, questionamos o termo inclusão dentro desse

modelo prático e dessa abordagem teórica.

O objeto de estudo da Análise do Comportamento

O Behaviorismo Radical, tal como proposto por Skinner, marcou a Psicologia a

partir de meados da década de 30. Os conceitos e metodologias de estudo postulados

por Skinner são pesquisados e discutidos até os dias de hoje, dentre eles estão:

condicionamento operante, a filosofia do sujeito único, a taxa de resposta como variável

dependente, a freqüência acumulada de respostas2 etc. Propôs que o estudo do

comportamento se transformasse numa Psicologia científica, com controle e

experimentação de variáveis, constituindo a Análise Experimental do Comportamento.

A nova abordagem experimental desenvolvida por Skinner, para se estudar o

comportamento, foi apresentada no seu livro O Comportamento dos Organismos,

publicado em 1938. Skinner apresentou o comportamento como seu objeto de estudo,

entendendo-o como produto da história da espécie (filogenética), da história individual

(ontogenética) e da história cultural. Salientou, ainda, que, para entendermos sobre o

comportamento humano devemos olhar o papel exercido pelo ambiente3 (que teve sua

1 Capítulo 21 (pág. 278-296) do Livro “Transtorno do Espectro do Autismo” organizado por José

Salomão Schwartzman e Ceres Alves de Araújo (2011) – Editora MEMNON. 2 Esses conceitos serão definidos ao longo do texto. 3 Ambiente, para Skinner se refere a todo o mundo físico, que pode ocorrer dentro (eventos internos) ou

fora da pele (eventos externos) de cada indivíduo, incluindo, neste último, os eventos sociais.

Page 2: Análise Aplicada do Comportamento (ABA) Cíntia Guilhardi ... · da Análise Experimental do Comportamento, permitiu que uma nova metodologia de estudo científico para o comportamento

primeira grande contribuição na evolução e seleção das espécies) na história de cada

indivíduo (Skiner 2000/19534).

A fim de fazer uma análise do comportamento científica, Skinner definiu o

comportamento (unidade de análise) como a relação entre eventos antecedentes,

conseqüentes e as próprias ações dos indivíduos (no linguajar técnico, ações devem ser

denominadas de respostas). O comportamento, assim definido, foi denominado de

comportamento operante5; operante no sentido de que a resposta do indivíduo opera no

ambiente e este, por sua vez, retroage sobre as mesmas respostas. No comportamento

operante, a ênfase é dada às conseqüências ambientais do comportamento, que podem

alterar a probabilidade futura de ocorrência do mesmo.

A partir da definição acima descrita, nos últimos sessenta anos, a Análise do

Comportamento, através de muitas pesquisas, tem ensinado muito sobre como o

ambiente influencia o comportamento em muitas questões de nossa sociedade. Vamos

detalhar os efeitos dos conceitos e metodologias, daí derivados, na Educação e, em

última análise, no trabalho educacional de indivíduos diagnosticados dentro do espectro

do Autismo.

A visão de Educação na Análise do Comportamento

Nos anos 50, Skinner anunciou a necessidade de se aplicar e estender os

princípios da Análise Experimental do Comportamento na sociedade, ou seja, aplicar os

dados e conceitos provindos das pesquisas de laboratório na resolução de problemas

sociais. Esse campo de atuação denominou-se Análise Aplicada do Comportamento

(ABA), anunciando que os avanços dessa ciência também poderiam contribuir com

reflexões sobre esta questão, bem como contribuir com uma verdadeira Tecnologia de

Educação: “A Análise Experimental do Comportamento é também relevante para a

educação” (Skinner, 19726/1968, p.31).

Uma das principais reflexões derivadas da Análise do Comportamento para a

educação é que esta precisa ser analisada tanto como uma instituição social (levando-se

em conta os determinantes culturais), quanto devem ser considerados todos os

comportamentos das pessoas envolvidas no sistema educacional e as variáveis de

4 A primeira data citada é referente à edição consultada e a segunda data refere-se à primeira publicação. 5 Skinner referendou este tipo de comportamento para diferenciá-lo do comportamento estudado até então

pelos fisiologistas que era o comportamento reflexo.

Page 3: Análise Aplicada do Comportamento (ABA) Cíntia Guilhardi ... · da Análise Experimental do Comportamento, permitiu que uma nova metodologia de estudo científico para o comportamento

controle desses comportamentos (determinantes ontogenéticos). Dentro da análise

cultural de educação analisa-se a mesma como uma das agências reguladoras do

funcionamento social e que, como tal, planeja e manipula variáveis particulares que

afetam o comportamento de ensinar e de aprender em um grupo, ou seja, os

comportamentos de EDUCAR E SER EDUCADO:

“Compete explicitamente à instituição educacional a tarefa de garantir ao aluno

uma formação que lhe propicie o acesso aos conhecimentos socialmente acumulados e

a aquisição dos comportamentos de autogoverno, capacitando-o a atuar sob novas

contingências e a agir com sucesso em relação ao mundo, em um tempo futuro”

(Zanotto, 2004, p. 36).

Quanto à análise ontogenética temos que, se o objeto de estudo da Análise do

Comportamento é o “comportamento”, nos interessa entender o comportamento de

pessoas neste contexto, da agência educacional em específico (tanto de quem está

aprendendo, quanto de quem está ensinando), e como estes eventos ocorrem, ou seja,

quais as variáveis que determinam o comportamento de pessoas no contexto

educacional.

Tanto esta análise cultural quanto ontogenética de educação, aqui exposta, contrapõe

uma visão de educação que deposita nos personagens deste cenário (os representantes

do corpo docente e do corpo discente) a única responsabilidade do sucesso ou fracasso

do processo educacional. Portanto, as características inerentes e intrínsecas que

interferem de forma positiva ou negativa no processo de ensinar e aprender, não podem

ser motivo de culpabilização dos personagens desse cenário.

A Análise do Comportamento busca analisar, com profissionais apoiados por uma

metodologia sistemática, científica e pautada no sujeito único, como manipular

variáveis nos níveis ontogenético e cultural que auxiliem na CONSTRUÇÃO de um

processo educacional em que cada indivíduo possa aprender a despeito de quaisquer

idiossincrasias (características pessoais). Destacamos algumas definições que Skinner

elaborou sobre a Educação em alguns dos seus livros:

Em Ciência e Comportamento Humano, temos que: “A educação é o

estabelecimento de comportamentos que serão vantajosos para o indivíduo e para

outros em algum tempo futuro.” (Skinner, 2000/1953, p. 437). Os comportamentos

relacionados aos conteúdos acadêmicos, aos valores de convivência social e de

identidade (tanto individual quanto social) modelados pela escola só terão

continuidade/valor se prepararem os indivíduos para as contingências fora dela.

Page 4: Análise Aplicada do Comportamento (ABA) Cíntia Guilhardi ... · da Análise Experimental do Comportamento, permitiu que uma nova metodologia de estudo científico para o comportamento

Em 1972, em Tecnologia do ensino temos que:

“O ensino é um arranjo de contingências sob as quais o aluno aprende. Ensinar é o

ato de facilitar a aprendizagem; quem é ensinado aprende mais rapidamente do que

quem não é... (Tudo o que hoje se ensina deve ter sido aprendido, pelo menos uma

vez, por alguém que não foi ensinado, mas graças à educação já não é preciso

esperar por estes eventos raros)” (Skinner, 1972/1968, p. 4).

A educação complementa o ensino “acidental”, aquele que não é programado e

que pode acontecer a todo o momento em que interagimos com o ambiente. A educação

se baseia em criar comportamentos novos no repertório das pessoas e isso implica em

planejamento. Para atingir esse conceito do que é educar, os analistas do

comportamento consideram que existe um formato, um método de como ensinar,

intitulado por Skinner como Instrução Programada.

O método de ensino da Análise do Comportamento - Instrução Programada:

Abaixo resumimos o que o analista do comportamento toma como referência na

tarefa de planejar o ensino de forma coerente com os princípios teóricos que tem sobre

comportamento e sobre educação:

1) Planejar que o aprender seja mantido por conseqüências que reforçam esse

comportamento positivamente: Reforçar positivamente um comportamento

significa conseqüenciar o comportamento de modo que se aumente a

probabilidade do mesmo ocorrer no futuro, por agregar um valor ao

comportamento em questão7 (Skinner, 2000/1953, p. 72). O efeito de reforçar

positivamente o aprender contrapõe-se às contingências de ensino comumente

observadas nas escolas: o ensino por fuga-esquiva. Nesse caso, as conseqüências

que o aprender produzem são reforços (uma vez que o comportamento de

aprender continua ocorrendo), mas, neste caso, reforços negativos. Negativos no

sentido de que o aluno se comporta para eliminar uma condição aversiva; o

7 Todos os comportamentos (com exceção dos comportamentos reflexos), de todos os indivíduos, são

emitidos porque produzem conseqüências ambientais reforçadoras (e por isso exercem uma função no

ambiente), que retroagem em suas ações, a despeito do grau de consciência que temos (ou não) das

conseqüências que mantêm nosso comportamento.

Page 5: Análise Aplicada do Comportamento (ABA) Cíntia Guilhardi ... · da Análise Experimental do Comportamento, permitiu que uma nova metodologia de estudo científico para o comportamento

aluno faz para não levar bronca, para não tirar notas baixas, para se livrar de

uma determinada tarefa.

2) Apenas reforçando o aprender positivamente, poderemos tornar a

aprendizagem o próprio benefício per si (reforçamento natural8), mesmo

que no início e durante a intermediação do processo de ensinar/aprender o

reforçamento seja arbitrário (elogios, pontos, notas, etc.).

3) Disponibilizar ao aluno feedback imediato, de modo que a consequenciação

(reforço positivo) disponibilizado ao aluno ocorra imediatamente após a emissão

do comportamento de aluno (por exemplo, disponibilizar um feedback ao aluno,

em relação ao seu desempenho, logo após ter terminado um problema de

álgebra). Este princípio básico da Instrução Programada serve como suporte para

manter o interesse do aluno reforçando contingentemente seu desempenho.

Segundo Keller (1983/1979), durante o aprendizado através da Instrução

Programada, “o aluno passa pelo programa na sua própria velocidade,

respondendo abertamente a cada item, com confirmação ou correção imediata

de tudo o que faz” (p.180).

4) Comparar cada aluno com ele mesmo: A filosofia do sujeito único, provinda

da Análise Experimental do Comportamento, permitiu que uma nova

metodologia de estudo científico para o comportamento (entendido como a

estímulos antecedentes, resposta e estímulos conseqüentes) fosse construída.

Segundo essa metodologia, a taxa de respostas (ou qualquer outra dimensão da

resposta como intensidade, duração, variabilidade) passou a ser estudada como

variável dependente e os estímulos antecedentes e conseqüentes passaram as ser

estudados como variáveis independentes (aquelas manipulados pelo

experimentador). Assim sendo, o sujeito é usado como seu próprio controle; as

mudanças comportamentais que ocorrem (depois da manipulação de variáveis)

devem ser comparadas com os padrões comportamentais previamente

observados para aquele sujeito. A filosofia do sujeito único contrapõe-se ao

modelo de estudo das ciências naturais que compara grupo de sujeitos entre si.

No âmbito escolar, ao analisar o comportamento do aluno, o desempenho do

mesmo deve ser comparado sempre com ele mesmo. O comportamento do aluno

8 Entende-se por reforçamento natural o efeito de aprender por aprender; aprender pelos efeitos que isso

produz no aluno (“saber mais” e/ou utilizar o que foi aprendido em suas vivências cotidianas, de modo a

melhorar a qualidade de suas relações na sociedade).

Page 6: Análise Aplicada do Comportamento (ABA) Cíntia Guilhardi ... · da Análise Experimental do Comportamento, permitiu que uma nova metodologia de estudo científico para o comportamento

deve ser observado e analisado levando-se em conta a sua história de

aprendizagem específica e individual nas contingências de aprendizagem

planejadas pela instituição de ensino. Assim, o parâmetro do desempenho do

aluno não deve ser comparado com o grupo, mas com ele mesmo.

5) Orientar e auxiliar o aluno a compor suas respostas passando por todos os

passos (pré-requisitos) necessários para compor um comportamento

complexo. Antes de avançar ele precisa ser apresentado para aquele ponto até

compreender tudo sobre ele (exigência de domínio pleno de pré-requisitos):

“Qualquer coisa a ser aprendida tem seus pré-requisitos – todas as outras

coisas que o aluno tem que saber primeiro. Um programa de ensino efetivo

garantirá que antes de ter que aprender algo, o aluno já terá aprendido tudo o

mais que ele tem que saber” (Sidman, 1995, p. 291).

6) Apresentar os conteúdos em uma ordem de complexidade crescente,

preocupando-se em manter o comportamento adquirido a cada estágio

novo: “É papel do professor arranjar o material em uma seqüência de passos

relacionados, cada passo sucessivo utilizando o que já foi aprendido. Resulta

daí que os alunos que realmente têm os pré-requisitos para cada passo

caminharão sem quaisquer erros” (Sidman, 1995, p. 291).

7) Expor o aluno ao material para o qual ele está preparado. Logo, o material

deve ser adequado para a aprendizagem daquele aluno particular; para tanto,

todo o material utilizado para ensinar, de forma geral, deveria sofrer uma

adaptação tanto quanto necessária para aumentar as chances de compreensão do

aluno em cada pré-requisito e/ou conteúdo a ser abordado. Utilizações de

procedimentos como hierarquia de dicas e fragmentação de tarefas9 podem surtir

efeitos positivos na aprendizagem.

8) Além de planejar o ensino, é importante monitorar o desempenho do aluno

constantemente, de modo a avaliar se os procedimentos escolhidos estão

auxiliando o aluno a progredir ou se o professor deve planejar outra forma de

ensinar e avaliar.

9) Programar uma aprendizagem sem erros. Todos os oito passos acima

levariam ao planejamento do ensino que minimizaria o erro. É preciso reforçar

positivamente apenas o acerto; logo, quanto mais acertos são produzidos, mais

9 Procedimentos que serão detalhados adiante.

Page 7: Análise Aplicada do Comportamento (ABA) Cíntia Guilhardi ... · da Análise Experimental do Comportamento, permitiu que uma nova metodologia de estudo científico para o comportamento

condições são criadas para que o comportamento do aluno aumente em

freqüência e intensidade (ou seja, aumento o valor reforçador do estudar).

“Aprendizagem sem erros é uma área de pesquisa grande e ativa e ainda há

muito por ser descoberto sobre suas possibilidades e limitações. Sua relevância

aqui é seu potencial para remover os últimos vestígios de coerção do processo

educacional .... Um efeito colateral positivo indiscutivelmente seria um

abrandamento do problema dos desistentes; alunos bem-sucedidos raramente

fogem da escola. Um segundo efeito colateral positivo seria uma mudança de

ênfase das escolas na ´disciplina´ para uma ênfase renovada na educação”

(Sidman, 1995, p. 292).

A Instrução Programada, tal como especificada nos nove tópicos acima, é um

método altamente beneficiado com a conjugação a uma tecnologia especial; para tanto,

Skinner idealizou que essa metodologia fosse aplicada aos alunos, em momentos pré-

programados compatíveis com as dinâmicas tanto individuais quanto de grupo, em

“máquinas de ensinar” (Skinner, 1972/1968). Esses equipamentos hoje são

representados pelos computadores, que têm sido utilizados em escala crescente em

vários países. Essa tecnologia aliada a um corpo docente, preparado para esse uso e para

os debates/questionamentos e aprendizagem em grupo (tanto em ambiente planejado

como no ambiente natural), tem as seguintes vantagens:

1) É possível ter um acompanhamento mais fidedigno da aprendizagem do aluno

(registro mais eficaz enquanto o aluno está trabalhando neste ambiente de

tecnologia, já que o computador pode registrar as respostas imediatamente e com

pequenas margens de erros).

2) O feedback pode ser programado para ser liberado contingente ao

comportamentos-alvo de cada aluno, individualmente; assim, em muitos

momentos importantes de aquisição de repertórios com conteúdos específicos, o

aluno não precisa esperar para receber seu feedback junto com a classe inteira,

formada por indivíduos com ritmos e necessidades diferentes.

”Mesmo em uma classe pequena, o professor geralmente sabe que está indo

muito devagar para alguns alunos e muito depressa para outro. Aqueles que

poderiam ir mais depressa sofrem, e aqueles que deveriam ir mais devagar

são mal ensinados e desnecessariamente castigados pelas críticas e

insucessos” (Skinner, 1972/1968, p. 29).

3) Juntamente com outros recursos/materiais didáticos (como livros, filmes,

revistas, etc) o computador agrega interatividade.

Page 8: Análise Aplicada do Comportamento (ABA) Cíntia Guilhardi ... · da Análise Experimental do Comportamento, permitiu que uma nova metodologia de estudo científico para o comportamento

4) Não abre mão do (a) professor(a):

“A professora tem uma tarefa mais importante do que a de dizer certo

ou errado... Os recursos só virão melhorar estas relações insubstituíveis... Se

os progressos conseguidos recentemente no controle do comportamento

podem dar à criança uma genuína competência na leitura, na escrita, na

ortografia e na aritmética, então a professora pode começar a funcionar, não

no lugar de uma máquina barata, mas através dos contatos intelectuais,

culturais e emocionais daquele tipo todo especial que testemunham a sua

natureza de ser humano.” (Skinner, 1972/1968, p. 25).

Até este ponto foi discutida teoricamente a visão da educação na perspectiva

skinneriana, tanto num nível ontogenético quanto cultural. Cabe, então, apresentar ao

leitor como o analista do comportamento intervêm nas contingências educacionais de

modo a possibilitar o ensino de habilidades educacionais para indivíduos com Autismo

e, em última análise, possibilitar a Inclusão Escolar.

Entendendo as dificuldades do Autismo:

O diagnóstico de Autismo não será aqui detalhado, pois ele está sendo amplamente

discutido nos demais capítulos desse livro pelos devidos especialistas. Porém, é

relevante destacar uma dificuldade, intrínseca ao diagnóstico do autismo, que interfere

diretamente nas contingências de ensino que serão explicitadas a seguir.

Uma vez que comportamento operante é mantido por variáveis ambientais

(estímulos antecedentes e conseqüentes) é preciso olhar para essa unidade de análise no

trabalho com a população com diagnóstico de Autismo. Dentro do escopo teórico que

orienta este trabalho, considera-se que as conseqüências ou estímulos reforçadores do

comportamento podem ser de três tipos, conforme descrito por Skinner (2000/1953):

- Reforçadores Primários: Funcionam para toda a espécie, garantindo a

sobrevivência da mesma. (Ex: itens comestíveis, de forma geral);

- Reforçadores Condicionados: Estímulos do ambiente adquirem função reforçadora

quando pareados10 com os reforçadores primários, ou seja, são todos aqueles estímulos

ambientais como objetos (ex: mamadeira, brinquedos, decoração do ambiente físico),

estímulos sonoros (voz dos familiares, propriedades sonoras da língua materna,

músicas, etc), estimulações sensoriais (carinhos, movimentos com o próprio corpo,

10 Entende-se por estímulos pareados aqueles estímulos que aparecem simultaneamente no ambiente ou

muito próximos.

Page 9: Análise Aplicada do Comportamento (ABA) Cíntia Guilhardi ... · da Análise Experimental do Comportamento, permitiu que uma nova metodologia de estudo científico para o comportamento

posição do corpo) que aparecem junto com os reforços primários; a figura materna

(podendo ser representada por outra pessoa que não a própria mãe exatamente, tanto em

função complementar como substitutiva) que em todo o momento realiza todos os

cuidados com o bebê, desde os primeiros momentos de vida, adquire um forte valor

condicionado por estar pareada com todos os cuidados que garantem a sobrevivência.

- Reforçadores Generalizados: São estímulos que, por sua vez, foram pareados com

muitos outros reforçadores secundários; pode-se dizer que a atenção social e o afeto são

dois potenciais reforçadores generalizados para a espécie humana.

Assim sendo, os reforçadores condicionados e os generalizados são, com freqüência,

produtos de contingências naturais: poder-se-ia dizer que desde o nosso nascimento

somos expostos a uma história de ampliação de reforçadores (num linguajar comum,

poderíamos dizer somo expostos a uma história de ampliação de interesses e motivação)

tão particular e tão importante para o nosso desenvolvimento, em nossa sociedade.

Em se tratando de nossas crianças autistas, poderíamos dizer que as mesmas têm

uma tendência a não ser tão sensíveis a essa história de pareamento ou de ampliação de

reforçadores em suas vidas. Em outras palavras, por mais que elogios, carinhos,

brinquedos apareçam junto com os reforçadores primários na história das crianças

autistas, muitos estímulos do ambiente não se tornam estímulos reforçadores para as

mesmas. Tal insensibilidade11 acarreta, necessariamente, em padrões comportamentais

restritos, bem como seus interesses se tornam restritos. Para reverter essa dificuldade tão

importante, ela deve ser planejada uma intervenção comportamental com crianças

autistas (dentro dos limites e possibilidades individuais de cada criança, obviamente).

O Modelo de Inclusão da Gradual12: como analisar e planejar a inclusão escolar de

alunos autistas

Utilizar os princípios e metodologias da Instrução Programada na educação em geral

(indivíduos com desenvolvimento típico) é, sem dúvida, uma tarefa difícil. Em se

tratando de um aluno com diagnóstico de autismo, essa missão é mais desafiadora. O

analista do comportamento, além de planejar as conseqüências imediatas ao

comportamento desse aluno, tem que identificar quais conseqüências cumprirão o efeito

de reforçar o aprender dele. Isso porque, provavelmente, os reforços secundários e

11 Tal insensibilidade pode ocorre de forma diferenciada para cada criança com diagnóstico de autismo. 12 Gradual é um Grupo de Intervenção Comportamental, do qual as autoras participam.

Page 10: Análise Aplicada do Comportamento (ABA) Cíntia Guilhardi ... · da Análise Experimental do Comportamento, permitiu que uma nova metodologia de estudo científico para o comportamento

generalizados (elogios e atenção disponibilizados no ambiente escolar), não funcionarão

como conseqüências reforçadoras para ele.

Vamos pensar num exemplo prático: uma sala de aula com crianças em idade pré-

escolar (3 anos, por exemplo), que são instruídas pela professora a desenhar, utilizando-

se, para tanto, giz e papel. Imaginemos agora, nessa sala de aula, uma criança

diagnosticada com autismo, que, idealmente, deveria seguir as mesmas instruções das

demais crianças. Como poderíamos analisar tal comportamento e que procedimentos

deveríamos propor a fim de aumentar as possibilidades do aluno se engajar nesta

atividade?

Antes de propor qualquer intervenção, temos que avaliar o repertório

comportamental desse aluno: quais são os possíveis reforçadores ou objetos de interesse

dessa criança? Essa criança segue instruções simples, quais? Essa criança senta-se à

mesa espontaneamente? Como essa criança se comunica (gestos, sons, utiliza o adulto

como ferramenta)? Que habilidades pré-requisito estão consistentes em seu repertório

(contato visual, imitações motoras, identificação de objetos funcionais)? Essa criança

tem controle dos esfíncteres bem estabelecido?

Para responder às questões acima descritas, contamos, principalmente, com

dados provindos de técnicas comportamentais de observação e registro do

comportamento da criança em diferentes situações. Observamos essa criança: em

determinados momentos da rotina doméstica, na escola (e/ou outros ambientes

freqüentados por ela), e em ambientes passíveis de controle de variáveis (geralmente

ocorrem em sessões realizadas no consultório), propícios para testar-se diretamente

como a criança se comporta perante instruções e estímulos e ou passíveis de utilização

de testes comportamentais padronizados (ABLA – Avaliação de Habilidades Básicas de

Aprendizagem, desenvolvido por Kerr, Meyerson e Flora, 1977; ABBLS – Avaliação

de Habilidades Básicas de Aprendizagem, desenvolvida por Partington e Sundberg,

1998 etc).

Com os dados e registros provindos da avaliação dos repertórios da criança,

identificam-se os comportamentos-alvo da intervenção; tanto aqueles comportamentos

que estão em excesso em seu repertório ou comportamentos disruptivos (já que

prejudicam a interação da criança com o ambiente social e dificultam a aprendizagem

de novos comportamentos), quanto àqueles comportamentos que queremos maximizar

(contato visual, atenção compartilhada, brincar, pré-acadêmicos, acadêmicos, sociais,

verbais e aqueles observados em atividades de vida diária).

Page 11: Análise Aplicada do Comportamento (ABA) Cíntia Guilhardi ... · da Análise Experimental do Comportamento, permitiu que uma nova metodologia de estudo científico para o comportamento

Voltaremos ao exemplo hipotético13 da nossa criança diagnosticada com

autismo. Suponhamos que ela tenha sido avaliada e que nessa avaliação observamos que

a criança:

Comportamentos da área social:

A criança, quando não direcionada por um adulto, escolhe

espontaneamente assistir à televisão (desenho);

A criança brinca apenas com legos, encaixando-os uns sobre os outros,

sempre os empilhando numa determinada seqüência de cores;

A criança passou 50% do período observado em atividades auto-

estimulatórias (estralar dedos e olhar as mãos), sendo que em 30% desse

tempo o comportamento auto-estimulatório ocorreu em momentos de

transição de atividades na escola e em casa.

Em situações típicas de demanda, ou seja, quando a criança era

direcionada para um ambiente estruturado de maneira a solicitar

respostas específicas da criança (como sentar-se à mesa e diante de um

livro apontar para uma figura frente à instrução “cadê o avião?”) a

mesma emitia comportamentos de fuga-esquiva, tais como empurrava a

mesa, chorava e jogava-se ao chão. Esses comportamentos foram

observados na sala de avaliação e na sala de aula da escola.

Comportamentos Verbais:

A criança não pede por alimentos, nem por atividades; ela mesma dá

conta de pegar e fazer o que quer, sem a intermediação de terceiros.

A criança emite muitos sons, reconhecíveis como sons da língua

portuguesa. Notou-se um aumento significativo de sons durante o banho.

Comportamentos pré-acadêmicos/pré-requisito:

Estabelece contato visual (orientação social) quando chamada por um

adulto familiar, se não engajada numa atividade reforçadora ou auto-

estimulatória;

Não partilha atenção com objetos e adultos concomitantemente e não

monitora a atenção do adulto em relação ao objeto (atenção

compartilhada);

13 Fala-se em exemplo hipotético, pois não estamos retratando a história de uma criança em especial; mas

ilustra uma realidade comumente observada nas crianças que atendemos na Gradual.

Page 12: Análise Aplicada do Comportamento (ABA) Cíntia Guilhardi ... · da Análise Experimental do Comportamento, permitiu que uma nova metodologia de estudo científico para o comportamento

Não identifica cores, mas identifica alguns objetos familiares (ou seja,

sabe pegar um copo no armário diante a instrução “pegue o copo”);

Segue instruções simples, que envolvem atividades da rotina, tais como

“leve o prato a pia”, “apague a luz”, “mande um beijo”.

Imita de maneira generalizada movimentos apresentados pelo seu

personagem de TV preferido, bem como movimentos apresentados por

um adulto.

Voltamos então a nossa questão inicial: como poderemos ajudar essa criança,

com o repertório comportamental acima descrito a sentar-se numa mesa, na sala de aula,

e pintar? O analista do comportamento pode ajudar de duas maneiras: 1) planejando

contingências de aprendizagem num ambiente individualizado e protegido (intervenção

comportamental individualizada em consultório) e 2) planejando o manejo de

contingências no ambiente natural (inclusão na escola).

Planejando contingências de aprendizagem num ambiente individualizado e protegido:

- O que ensinar:

A partir dos dados provindos dessa avaliação comportamental, precisamos,

agora, delinear o que ensinar (currículo comportamental) e como (procedimentos) para

nossa criança do exemplo acima. Considerando que o comportamento de sentar-se à

mesa e de desenhar é um comportamento complexo, precisamos analisá-lo em unidades

comportamentais mais simples (fragmentação da tarefa). Feito isso, analisaremos quais

pré-requisitos deverão ser desenvolvidos no repertório dessa criança. Essa análise pode

ser visualizada no quadro abaixo. A coluna da direita, nos apresenta os comportamentos

do âmbito pré-acadêmico que seriam trabalhados no currículo da criança aqui

exemplificada.

Tabela 1. Habilidades pré-acadêmicas ou pré-requisitos a ser desenvolvido numa

criança diagnosticada com autismo a partir dos dados provindos da avaliação

comportamental.

Fragmentação do comportamento

de sentar-se à mesa e pintar em

unidades comportamentais mais

simples.

Comportamentos já

desenvolvidos no

repertório da criança

Comportamentos a serem

maximizados no repertório da

criança exemplificada

anteriormente

Contato Visual Sim, pelo menos com Contato visual de maneira

Page 13: Análise Aplicada do Comportamento (ABA) Cíntia Guilhardi ... · da Análise Experimental do Comportamento, permitiu que uma nova metodologia de estudo científico para o comportamento

adultos familiares. generalizada.

Contato ocular com estímulos do

ambiente (papel, giz)

Sim, parcialmente. Ampliar os reforçadores da

criança (ou os estímulos para os

quais ela se atenta).

Imitação motora Sim, de maneira

generalizada.

__

Seguimento de Instruções (ficar sob

controle de estímulos auditivos)

Sim, para atividades da

rotina doméstica.

Seguir instruções de maneira

generalizada.

Sentar-se à mesa Não, a criança foge se

situações como esta.

Sentar-se à mesa

Habilidades Motoras Fina (pegar

giz e desenhar)

Comportamento não

avaliado, pois a criança

não sentou-se à mesa.

Habilidades Motoras Fina

Obviamente outros comportamentos entrariam nesse currículo, como o brincar e

comportamentos verbais (como pedidos, nomeação, repetição de sons etc), a fim de

garantir um desenvolvimento comportamental pleno da criança e a minimização dos

comportamentos disruptivos. Mas não explicitamos essas outras habilidades aqui

porque queremos focar as habilidades diretamente ligadas ao pré-acadêmico e

acadêmico.

- Como ensinar:

O currículo comportamental, que é desenvolvido pelo analista do

comportamento, é composto por programas. Cada programa, que também é

desenvolvido pelo analista do comportamento, descreve o procedimento de ensino a ser

executado a fim de maximizar um comportamento-alvo específico. O seguimento ou a

aplicação do programa com os indivíduos autistas pode ser executado por um aplicador

especialmente treinado para tanto.

Tanto o currículo, quanto cada programa do mesmo, são individualizados e

específicos para cada criança, sempre respeitando as peculiaridades de seu repertório

comportamental.

Cada programa, além de descrever o procedimento de ensino que o aplicador

deve aplicar, requer uma tecnologia de registro específico. O registro garante o controle

do aplicador sob o que está acontecendo com a criança. O registro do desempenho da

criança ao longo do tempo permite observar as mudanças no mesmo ao longo das

sessões e analisar se o procedimento de ensino está sendo efetivo (comparação do

Page 14: Análise Aplicada do Comportamento (ABA) Cíntia Guilhardi ... · da Análise Experimental do Comportamento, permitiu que uma nova metodologia de estudo científico para o comportamento

indivíduo com ele mesmo). Além disso, o registro permite que diferentes aplicadores14

acompanhem o desempenho do indivíduo em questão, dando continuidade aos

procedimentos das intervenções anteriores.

Para o ensino de cada programa utilizamos procedimentos testados e

referendados pela abordagem comportamental. Discorreremos sobre alguns deles:

O primeiro procedimento, que embasa toda a prática comportamental descrita

neste capítulo, é o reforçamento. Por exemplo, se queremos aumentar o contato visual

de uma criança (como a acima descrita) podemos disponibilizar, após a emissão de cada

contato visual da criança, um evento supostamente reforçador a mesma (no nosso caso,

hipotetizamos que o acesso ao desenho da televisão pode funcionar como um estímulo

reforçador). Se em circunstâncias posteriores for observado um aumento na freqüência

do contato visual, pode-se dizer que esse comportamento de estabelecer o contato visual

está sendo reforçado e que a conseqüência usada (o DVD) está desempenhando a

função de estímulo reforçador para aquela resposta da criança. Skinner (1953/1994)

explicita melhor essa idéia:

“A única maneira de dizer se um dado evento é reforçador ou não para

um dado organismo sob dadas condições é fazer um teste direto.

Observamos a freqüência de uma resposta selecionada, depois tornamos

um evento a ela contingente e observamos qualquer mudança na

freqüência. Se houver mudança, classificamos o evento como reforçador

para o organismo sob as condições existentes...”. (Skinner, 1994, p. 81)

Um segundo procedimento, comumente utilizado na intervenção

comportamental, é o procedimento de pareamento de estímulos. Esse procedimento

visa ampliar o número e a qualidade dos estímulos reforçadores do indivíduo15. Na

prática, ele consiste em parear estímulos ambientais que já funcionam como estímulos

reforçadores para o indivíduo com estímulos novos, que ainda são “irrelevantes” para o

mesmo. Por exemplo, suponhamos que nossa criança tenha maximizado seu contato

visual após ter sido reforçada com a apresentação do desenho da televisão. Assim

sendo, cada vez que disponibilizarmos o desenho como reforçador, apresentaremos,

14 Nota-se aqui que a intervenção comportamental é realizada por mais de um aplicador (pelo menos

idealmente). Conforme discutiremos adiante, isso já é uma programação da generalização. 15 Conforme discutido anteriormente, este procedimento é de extrema importância no tratamento de

crianças autistas que apresentaram uma baixa sensibilidade na história de pareamento de reforçadores.

Page 15: Análise Aplicada do Comportamento (ABA) Cíntia Guilhardi ... · da Análise Experimental do Comportamento, permitiu que uma nova metodologia de estudo científico para o comportamento

concomitantemente outros estímulos, tais como elogios, brinquedos etc. Este é o

procedimento de pareamento de estímulos.

Um terceiro procedimento a ser citado é o da modelagem, que consiste em

reforçar pequenas respostas que se aproximam topograficamente (ou em sua forma) da

resposta desejada (Catania, 1999). Por exemplo, conforme já descrito, a nossa criança

diagnosticada com autismo não emite pedidos, como por exemplo o uso da palavra

“dá”. Se formos esperar que a criança emita o “dá”, em sua forma final, para, então,

disponibilizar uma possível conseqüência reforçadora, poderemos esperar por muito

tempo. Em função dessa “espera”, podemos ir reforçando “tentativas” ou aproximações

da resposta “dá”. Podemos reforçar apenas a emissão do som “a”, de forma que os sons

emitidos pela criança fiquem cada vez mais próximos de “dá”.

Podemos ainda utilizar o procedimento de tentativa discreta. Esse

procedimento envolve 4 passos sucessivos: 1) instrução, 2) resposta da criança, 3)

consequenciação (reforço positivo) e 4) intervalo entre tentativas (Catania, 1999, p.

424). Esse procedimento é freqüentemente usado no ensino de programas pré-

acadêmicos, verbais e acadêmicos em ambiente estruturado. A instrução varia de acordo

com o comportamento que está sendo ensinado em cada programa: pode ser um

movimento que a criança tem que imitar, ou um pedido (por exemplo: “por favor, pegue

a bola”), ou a apresentação de um numeral impresso, por exemplo.

Para garantir que a aprendizagem ocorra minimizando a probabilidade de erros e

que haja um alto nível de reforçamento positivo (conforme já discutimos anteriormente)

podemos programar hierarquia de dicas de respostas para o comportamento que

queremos desenvolver (Maurice, Green e Foxx, 2001). O aplicador apresenta uma tarefa

e ajuda a criança a realizá-la, a partir de dicas variam que acordo com a criança e com o

comportamento ensinado. A dica pode ser dada pelo movimento do aplicador de forma

física, gestual, verbal ou com a utilização de outros estímulos visuais (imagens, figuras,

símbolos, objetos). As dicas fornecidas passam das mais intrusivas para as menos

intrusivas, de forma que a ajuda apresentada pelo aplicador é retirada gradualmente e a

independência da criança em emitir os comportamentos é promovida..

Ainda em relação à intervenção individualizada, o analista do comportamento

precisa planejar mudanças no esquema de reforçamento adotado: a princípio, libera-se

conseqüência reforçadora de forma contingente à resposta emitida pela criança em cada

tentativa discreta (esquema de reforçamento contínuo); mas, à medida que o

comportamento já está estabelecido no repertório da criança e precisa ser mantido,

Page 16: Análise Aplicada do Comportamento (ABA) Cíntia Guilhardi ... · da Análise Experimental do Comportamento, permitiu que uma nova metodologia de estudo científico para o comportamento

aumentamos o número de respostas requeridas para que a conseqüência seja liberada

(esquema de reforçamento intermitente). Essa mudança de esquemas de reforçamento é

fundamental para a generalização e manutenção dos comportamentos em outros

contextos sociais, já que as pessoas na sociedade comumente reforçam os

comportamentos umas das outras apenas de maneira intermitente. O analista do

comportamento planeja a realização das sessões de atendimento em mais de um local

(por exemplo: no consultório, em um parque) de forma que comportamentos ensinados

em um contexto possam também ocorrer em outros contextos. O analista do

comportamento também planeja com os familiares e outras pessoas, situações cotidianas

nas quais a criança deve ser encorajada a emitir as respostas ensinadas durante as

sessões de intervenção comportamental. Se a criança aprendeu a imitar o

comportamento do aplicador de bater palmas, ela deverá ser encorajada a imitar esse

comportamento emitido por outras pessoas em momentos de “cantar parabéns” de festas

de aniversário, em outras situações de comemoração, durante a música tocada na escola

etc.

Por fim, pode-se dizer que além da instalação e maximização de repertório

adaptativo, é fundamental que tais comportamentos ocorram no ambiente natural da

criança (em casa, na escola etc). Para que isso aconteça é necessário planejar a

generalização dos repertórios aprendidos na intervenção individual para outros

contextos. Agindo assim, a criança poderá efetivamente se integrar na sociedade. A

generalização, de acordo com Baer, Wolf e Risley (1968) deve ser programada levando-

se em conta quatro aspectos: (1) programar para que comportamentos aprendidos pela

criança com o aplicador venham a ser emitidos em outros ambientes, (2) para que os

comportamentos aprendidos venham a ser emitidos na relação com outras pessoas, (3)

para que a criança venha a emitir comportamentos que não foram diretamente ensinados

na intervenção, mas aprendidos em seu ambiente natural e (4) que os comportamentos

sejam mantidos ao longo do tempo.

Existem várias decisões que são tomadas pelo analista do comportamento que

possibilitam a generalização dos comportamentos. Uma delas diz respeito ao rodízio de

profissionais que atendem a criança, isso é importante para que a criança aprenda a se

relacionar com mais e mais pessoas, entre elas os professores da escola. Além do

rodízio dos profissionais é importante variar os estímulos apresentados para a criança,

as instruções fornecidas à mesma, modificar o ambiente da intervenção

comportamental, tornando-os cada vez menos artificiais e mais similares com o

Page 17: Análise Aplicada do Comportamento (ABA) Cíntia Guilhardi ... · da Análise Experimental do Comportamento, permitiu que uma nova metodologia de estudo científico para o comportamento

ambiente escolar e com o ambiente natural de forma geral. A questão da generalização

estará sendo abordada nos próximos tópicos.

Todos esses procedimentos da intervenção comportamental individualizada,

visam, em última análise, preparar a criança para a inclusão escolar, tornando-a mais

preparada (ou com mais pré-requisitos) para ser bem sucedida no ingresso à escola. Essa

etapa é longa e muitas vezes antecede a procura de uma escola, já que um repertório

adaptativo mínimo é uma das chaves do sucesso da inclusão.

A fim de conduzir o leitor a compreender nosso Modelo de Inclusão,

descreveremos qual é então o papel do analista do comportamento no planejamento da

inclusão na escola, fora do ambiente protegido da intervenção individualizada.

Quem planeja a inclusão no Modelo de Inclusão da Gradual?

É o analista do comportamento quem conduz uma equipe e planeja a Inclusão

Escolar num programa de intervenção com autismo na Gradual. Para tanto, ele precisa,

do nosso ponto de vista, ser formado em Psicologia e ter especialização em Análise do

Comportamento (experimental e/ou aplicada) com autismo. Assim sendo, ele possuirá

um arcabouço teórico consistente, conhecerá os conceitos básicos da Análise do

Comportamento e será um pesquisador da Área Aplicada ao autismo, e, por isso, terá

condições de planejar e supervisionar a inclusão.

Qual o papel do Analista do Comportamento no processo de Inclusão?

Além de elaborar a intervenção e supervisionar o aplicador da mesma, faz parte

do papel do analista na inclusão, se relacionar com: o acompanhante terapêutico, a

escola e a família. Cada uma dessas relações será descrita abaixo.

1) O analista supervisionando o acompanhante terapêutico (AT)

O analista do comportamento inicialmente precisa selecionar e orientar cada

profissional ou para-profissional que vai atuar com o aluno. Para tanto, elegemos alguns

critérios para essa escolha: disponibilidade para o treinamento e para atender a família,

ser de uma área de conhecimento afim (de preferência pedagogia), sensibilidade e

habilidades pessoais para atuar com pessoas com desenvolvimento atípico (gostar de

brincar, ser paciente, saber trabalhar em equipe), ter uma visão de homem compatível

com a filosofia da Análise do Comportamento. Além disso, respeitamos os critérios que

a família julgar essenciais.

Page 18: Análise Aplicada do Comportamento (ABA) Cíntia Guilhardi ... · da Análise Experimental do Comportamento, permitiu que uma nova metodologia de estudo científico para o comportamento

Depois de selecionar, faz parte do papel do analista do comportamento o

treinamento e supervisão do AT. Tal formação engloba o ensino de: como observar e

coletar dados (preencher folha de registro que o analista do comportamento elabora),

conceitos básicos da análise do comportamento, como aplicar técnicas

comportamentais, noções básicas do diagnóstico de autismo e da intervenção

medicamentosa (se houver), como intermediar as relações (entre familiares, professores,

auxiliares, colegas e crianças em inclusão).

2) O analista em parceria com a escola

Ainda para elaborar a Inclusão, o analista do comportamento elabora em

conjunto com a escola (de preferência com a direção, coordenação e a professora de

sala) um Currículo Adaptado. Esse Currículo Adaptado vai ser confeccionado levando-

se em conta o que a escola espera dos alunos daquela sala, naquela idade escolar,

(Currículo Típico) e o que o analista do comportamento conhece do repertório da

criança autista na intervenção individual (a partir de toda a avaliação constante e do

estudo minucioso que o método comportamental permite). Da confluência desses dois

interesses (currículo típico da escola e currículo adaptado, possível para aquele aluno), é

que o analista do comportamento vai planejar a inclusão.

Nos Quadros 1 e 216 exemplificamos duas possibilidades, dentre várias, de

Currículo Adaptado. No Quadro 1, podemos visualizar a adaptação curricular de uma

criança em processo de inclusão no 2º ano do Ensino Fundamental I, contemplando

atividades da disciplina de Português, referente a um trimestre. Já no Quadro 2,

apresenta-se um trecho de uma análise do repertório comportamental da criança,

comparando-o com o repertório exigido nos 1º e 2º anos do Ensino Fundamental I. Essa

análise foi desenvolvida para decidir em qual ano a criança estaria melhor incluída.

INSERIR QUADROS 1 e 2.

3) O analista em parceria com a família

Além de firmar essa parceria com a escola e supervisionar o acompanhante

terapêutico, o analista do comportamento, precisa envolver a família nesse processo de

inclusão.

16 Vale lembrar que esse currículo é sempre elaborado individualmente, seria contra todos os princípios

de análise do comportamento (discutidos no início do capítulo) usar o mesmo de uma criança para outra.

Page 19: Análise Aplicada do Comportamento (ABA) Cíntia Guilhardi ... · da Análise Experimental do Comportamento, permitiu que uma nova metodologia de estudo científico para o comportamento

Envolver a família é garantir que a mesma compreenda a filosofia do trabalho,

saiba discutir cada procedimento que foi planejado, participe de alguma forma da

coordenação da equipe (acompanhante terapêutico e aplicador da intervenção

individualizada). Além disso, nesse Modelo de Inclusão, que é embasado fortemente

numa nova filosofia sobre comportamento (conforme descrito inicialmente no capítulo),

é fundamental que a família se identifique com a mesma.

O segredo do sucesso muitas vezes é ter os pais observando de perto e

administrando sua equipe. Por exemplo, a família pode dar o suporte na confecção do

material, marcar reunião entre a equipe, fazer filmagens e computar dados para entregar

ao analista do comportamento.

Depois de explicitar todas as relações estabelecidas pelo analista do

comportamento com a escola, a família e a equipe (aplicador de intervenção e

acompanhante terapêutico) e de descrever seu papel em cada relação, vamos focar num

dos papéis mais centrais e polêmicos nesse processo de Inclusão: O AT.

Quem pode ser o AT da escola?

Quanto ao acompanhante da escola (AT), nossa indicação, preferencialmente, é

que ele seja um estagiário (a) ou profissional da área da pedagogia (uma vez que esse

profissional tem uma formação específica favorável para atuar na escola e geralmente

tem habilidades para se relacionar com os alunos). Na ausência desse perfil, podemos

sim, treinar e orientar profissionais de áreas afins (Psicologia, Terapia Ocupacional, por

exemplo) e até um membro da família ou cuidador (babá, enfermeiro). Temos segurança

de delegar esse papel para um profissional de outra área ou um para-profissional, que

não é analista do comportamento, se: tivermos o analista do comportamento

desempenhando o papel de supervisor descrito acima, se tivermos muito bem descritos e

escolhidos os procedimentos de ensino: “A técnica é um procedimento, um modo de

proceder (…). Se sua descrição for precisa o suficiente, ela pode ser treinável e

aplicável por qualquer pessoa”. (Banaco, 1999, p.79)

Quando selecionar e treinar um acompanhante para a escola?

Defendemos o papel do acompanhante na escola sempre que a criança tem

dificuldades de generalizar comportamentos que estão sendo aprendidos em intervenção

individualizada. Ou seja, sempre que o aluno diagnosticado com autismo apresentar

déficits em repertório acadêmico (leitura, escrita, matemática) ou pré-acadêmico

Page 20: Análise Aplicada do Comportamento (ABA) Cíntia Guilhardi ... · da Análise Experimental do Comportamento, permitiu que uma nova metodologia de estudo científico para o comportamento

(contato visual, identificação, seguimento de instrução, imitação), ou ainda déficits

sociais (agressão, estereotipia, brincar) e verbais (iniciar diálogo, pedir, responder,

nomear) que dificultam o entrosamento social e o aprendizado na escola.

Quanto mais repertório comportamental a criança adquirir e quanto mais ela

aprender a generalizar, menos a presença do acompanhante será necessária. Queremos

dizer com isso que, dentro do Modelo de Inclusão da Gradual, o papel do AT deve ser

cuidadosamente planejado para ser transitório, como uma fase necessária na adaptação e

inclusão da criança, mas que precisa ser superada.

O que faz o acompanhante na escola?

O acompanhante será orientado a observar diretamente o comportamento, e a

partir dessa observação fazer registro sistemático. Isso significa que serão elaboradas

(pelo analista do comportamento) folhas de registro, para acompanhar a eficácia do

material adaptado produzido e a evolução de comportamentos alvo frente aos

procedimentos. O papel do acompanhante é registrar e sistematizar os dados em

gráficos de aprendizagem. Ao analisar os gráficos, o analista do comportamento

replaneja o currículo, reorienta a confecção de material adaptado e de procedimentos

específicos (em parceria com a escola).

Podemos visualizar dois diferentes exemplos práticos de folha de registro

observando os Quadros 3 e 417.

INSERIR QUADROS 3 e 4.

Cabe também ao acompanhante, sob orientação do analista do comportamento,

alterar contingências da escola (as relações específicas entre o aluno e seu ambiente18) e

consequentemente alterar padrões comportamentais do aluno (garantir aprendizagem).

Alterar contingências é: 1) modificar eventos antecedentes (material e como apresentá-

lo, além de procedimentos que envolvem dicas: verbais, escritas, auditivas, gestuais)

para 2) conseguir que o aluno responda corretamente a esses eventos (oferecendo ou

não ajuda para essa ação), e 3) consequenciar essa ação (disponibilizar reforçadores

17 Vale lembrar que essa folha de registro é sempre elaborado individualmente, seria contra todos os

princípios de análise do comportamento (discutidos no início do capítulo) usar a mesma de uma criança

para outra 18 Para a análise do comportamento ambiente pode ser todo evento que afeta a ação do indivíduo: pode

ser outra pessoa, o próprio organismo do indivíduo, objetos e sons do ambiente.

Page 21: Análise Aplicada do Comportamento (ABA) Cíntia Guilhardi ... · da Análise Experimental do Comportamento, permitiu que uma nova metodologia de estudo científico para o comportamento

positivos que aumentem a chance do aluno continuar respondendo). Assim o aluno vai

conseguir se comportar adequadamente, ou seja, se adaptar ao ambiente escolar e

aprender.

Mudamos eventos antecedentes de diversas formas: adaptando material,

mudando a forma como o material é apresentado pela professora, disponibilizando dicas

(textuais: palavras escritas, auditivas: falas, gestuais, físicas...)

Exemplificaremos agora como se procede em cada uma dessas mudanças.

- O material adaptado: o que é e como é elaborado?

O ponto de partida para elaborar o material adaptado é o Currículo Adaptado. A

partir dele, o analista do comportamento analisa todo material da escola: livro,

apostilha, folhas de atividade, provas, caderno, o que é escrito na lousa, brinquedos,

jogos, murais na parede da sala, programas apresentados no computador, equipamento

audiovisual de forma geral e objetos que serão manipulados ou observados pelo aluno

na escola, etc. Além disso, o analista sugere para o acompanhante como transformar

cada um deles, para que se tornem em si motivadores e compatíveis com o nível de

aprendizado desse aluno (conforme os princípios da Instrução Programada descritos no

início do capítulo: aprendizagem sem erro, feedback imediato e reforçamento positivo).

É fundamental ter um material adaptado que facilite a criança em inclusão

motivar-se, ficar atenta e fazer os exercícios sem precisar de tanta ajuda intrusiva do

acompanhante. Denominamos ajuda intrusiva sempre que a acompanhante precisa dar

ajuda física (como por exemplo, pegar na mão da criança para ela desenhar). Tais ajudas

intrusivas acabam expondo a criança em inclusão (pois a diferenciam demais das outras)

e podem até causar dependência. Assim sendo, gerar independência e tornar o papel da

AT menos intrusivo é um grande objetivo do material adaptado.

Peguemos como exemplo uma criança diagnosticada com autismo com 5 anos

de idade que tinha dificuldade de desenhar, ou seja, frente a uma folha de papel em

branco (desenho livre) ela apenas riscava o papel. No currículo típico, o desenho livre

era pedido para as crianças da sua sala diariamente e a professora distribuía uma folha

de papel em branco para cada criança. Uma adaptação de material, que propomos nesse

caso, foi preparar diferentes folhas para ser entregue para essa criança (com pontilhado,

com metade do desenho já feito, com uso de formas para facilitar a produção do

desenho). Essas dicas na folha foram programadas porque em intervenção

individualizada já tinham sido testadas e funcionaram para a criança permanecer na

atividade e conseguir produzir um desenho. Aos poucos (depois de avaliar o

Page 22: Análise Aplicada do Comportamento (ABA) Cíntia Guilhardi ... · da Análise Experimental do Comportamento, permitiu que uma nova metodologia de estudo científico para o comportamento

desempenho da criança através dos registros), essas dicas na folha foram sendo retiradas

gradualmente, até que a criança aprendeu a desenhar frente a uma folha em branco.

Outro exemplo ainda, de adaptação de material que pode ser feita é refazer o

livro didático que a criança diagnosticada com autismo vai utilizar. Ela vai receber um

livro com a mesma capa que as outras crianças, mas dentro de cada página, vamos

alterando os exercícios de modo que ela consiga fazer os exercícios com a menor ajuda

possível. Um exemplo de modificação de uma página de livro pode ser deixar mais

espaço de linhas em branco para a criança responder ao exercício, outro pode ser deixar

um exercício por página para limpar a folha de estimulação que distraia a criança, ou

ainda acrescentar fotos ou figuras que façam sentido para a criança compreender um

texto que não tinha imagens, e assim por diante.

Ainda exemplificando o que é adaptar o material, podemos citar uma criança de

7 anos, diagnosticada com autismo, que estava em processo de inclusão numa sala de

alfabetização, e não estava aprendendo a identificar as letras quando apareciam no livro.

Essa criança tinha como fonte de motivação o uso de computador, principalmente

usando jogos eletrônicos. Nossa proposta de adaptação foi escanear as páginas do livro

didático (no qual as outras crianças da sala faziam exercício de alfabetização), levando

os mesmos exercícios para o computador. Uma vez no computador, reformulamos as

dicas que poderiam aparecer na tela, e que favoreceram a identificação das letras por

parte dessa criança. Como reforçador (conseqüência imediata), a cada exercício feito,

aparecia na tela o jogo preferido da criança e ela podia usufruir um tempo até aparecer

outro exercício.

Com esse último exemplo de material adaptado, destacamos o uso de um recurso

tecnológico (computador) muito promissor para a educação e facilitador para o

desenvolvimento da Instrução Programada (conforme descrevemos no início do

capítulo). O uso do computador para a inclusão, sempre que possível (ou seja, sempre

que os recursos materiais permitem) tem sido indicado como parte fundamental no

nosso modelo de inclusão.

- Uso de diferentes dicas antecedentes

Outra mudança importante além da confecção de materiais é a disponiblilização

no ambiente de: dicas visuais (quadro de rotina, cartolinas com palavras escritas, etc),

dicas auditivas (vinhetas que cantem o que a criança precisa fazer, instrução verbal,

etc), dicas gestuais (gestos que guiem as crianças) e dicas físicas (pegar na mão da

criança para ela conseguir fazer um desenho, etc) para facilitar o aprendizado. Vale

Page 23: Análise Aplicada do Comportamento (ABA) Cíntia Guilhardi ... · da Análise Experimental do Comportamento, permitiu que uma nova metodologia de estudo científico para o comportamento

lembrar, que assim como fazemos na intervenção individualizada, usaremos essas dicas

dentro de uma hierarquia (iniciando pela mais intrusiva e retirando gradualmente, para

torná-la menos intrusiva, até que a criança responda de forma independente)

Peguemos como exemplo uma criança de 10 anos, com diagnóstico de autismo,

que tem muita dificuldade de focar a atenção na hora da chamada. Frente à fala da

professora, a criança não responde quando ouve seu nome. Uma sugestão de adaptação

de estimulação antecedente (chamada) foi disponibilizar para a criança o nome escrito

(dica textual) de cada nome que a professora fala. Recebendo a tarja com o nome escrito

ela foi conduzida a colocá-la num mural na parede onde se encontravam as fotos de

cada criança. Esse procedimento de adaptação de estímulos antecedentes foi efetivo

uma vez que essa criança era sensível às letras como fonte de motivação (adorava

palavras escritas) e já tinha adquirido em intervenção o repertório de emparelhar nome

das crianças com as fotos das mesmas. Assim sendo, ao fazer a chamada desse modo

adaptado, além de prestar a atenção, a criança teve oportunidade de generalizar um

repertório (emparelhar nomes com fotos) aprendido num contexto (intervenção) para

outro contexto (escola).

O uso de pistas visuais (desenhos, fotos e/ou palavras) para sinalizar a rotina da

aula tem sido um recurso muito eficiente para gerar colaboração, atenção e

comunicação da criança em inclusão no ambiente escolar.

O quadro de rotina é um quadro de fotos/desenhos/imagens que prepara a

criança para o uso de calendário/agenda. É individualizado, pois sinaliza as atividades

do dia/ semana de uma criança específica. Ele tem os seguintes objetivos: oferecer

previsão da seqüência de atividades do dia de aula e facilitar negociações com professor

e acompanhante. Esse aprendizado da noção temporal diminui a ansiedade da criança

frente ao que virá, caso ela não compreenda apenas o que a professora diz. E ao prever o

dia, a criança pode aprender a negociar e pedir para mudar a ordem, ganhando mais

controle sobre seu aprendizado. Essa negociação pode diminuir birras que poderiam ter

a função de esquiva de uma atividade (ao invés de chorar quando chega uma atividade,

a criança pode sinalizar pelas fotos que preferia mudar a ordem das tarefas no dia). Com

isso, queremos dizer que esse quadro pode ser usado para ampliar a comunicação e a

verbalização. Ele pode ser usado como dica para a criança aprender a falar sobre o que

fez no seu dia. Existem várias possibilidades para sua confecção (colocar na parede num

mural de velcro, imã, madeira...).

Page 24: Análise Aplicada do Comportamento (ABA) Cíntia Guilhardi ... · da Análise Experimental do Comportamento, permitiu que uma nova metodologia de estudo científico para o comportamento

O quadro de rotina da escola pode ser: diário ou semanal, pode ser composto por

diferentes fotos (das atividades, das pessoas, do local, do material), pode conter palavras

ou frases, pode incluir hora ou cores que sinalizem os diferentes períodos do dia (por

exemplo, amarelo para as atividades de manhã, laranja para a tarde e azul para a noite),

pode ser um quadro específico de uma atividade (por exemplo, pode ter fotos sucessivas

de todos os exercícios que serão dados na aula de educação física, como: aquecimento,

bola ao cesto, cambalhota) ou pode ser um quadro da rotina de diferentes atividades na

ordem temporal do dia (chamada, português, matemática, intervalo, música, educação

física, biblioteca). O formato escolhido vai depender do treino prévio que a criança já

passou em intervenção individualizada, ou seja, se ela tem pré-requisitos para

compreendê-lo de determinado tamanho e detalhamento.

Quanto à forma de utilização (como usar) do quadro de rotina, também temos

várias possibilidades (a depender das habilidades já adquiridas pela criança): o AT faz a

montagem da rotina com a criança nomeando a ação que será feita imediatamente, ou o

AT auxilia a criança repetir o som, ou ao final do dia o AT retoma o quadro repassando

tudo que foi feito, ou o professor faz a rotina visual no início da aula com todas as

crianças, após a chamadinha e já coloca todas as fotos, etc.

Um outro recurso usado como dica, para a criança no processo da inclusão se

adaptar, é o uso de músicas que descrevam a rotina ou orientem como a criança deve

executar uma atividade. Para muitas crianças com diagnóstico de autismo, o estímulo

auditivo musical é muito reforçador e controla o comportamento de atenção da criança

(ou seja, ela fica mais atenta quando ouve uma música). Sugerimos muitas vezes a

elaboração de vinhetas que o AT canta para a criança sinalizando o que ela deve fazer.

Esse é um recurso que pode ser usado se o analista do comportamento supervisor

avaliar que a criança tem os pré-requisitos necessários.

Quanto tempo o AT precisa para desempenhar seu papel no Modelo de Inclusão

da Gradual:

Frente a todas essas atribuições que elencamos aqui para o papel do AT, nossa

orientação é que ele fique com o aluno no período da aula (o que pode variar em cada

caso) e tenha disponível, além desse período, algumas horas para: reunir-se com o

profissional que faz a intervenção individualizada (para conhecer as especificidades de

como seu aluno tem conseguido aprender), reunir-se com os pais, computar os dados

Page 25: Análise Aplicada do Comportamento (ABA) Cíntia Guilhardi ... · da Análise Experimental do Comportamento, permitiu que uma nova metodologia de estudo científico para o comportamento

coletados na escola (para apresentar gráficos de aprendizagem para o analista do

comportamento), confeccionar o material adaptado.

Para que o acompanhante tenha a disponibilidade de executar todas essas tarefas

ele precisa de tempo e sua contratação (por mais de 4 horas diárias) precisa ser viável

economicamente. Por isso, em alguns casos (como o de uma criança com diagnóstico de

autismo, com muitos déficits comportamentais e que esteja numa sala de alfabetização)

é interessante que o acompanhante seja um estudante. Temos um exemplo no qual a

acompanhante de um aluno autista fica com ele 4 horas na escola e mais 4 em casa,

para: sistematizar dados que coletou (para apresentar na supervisão), confeccionar

material adaptado, reunir-se com quem aplica a intervenção (para trocar informações

sobre quais as dicas que mais funcionam e os itens que mais reforçam positivamente os

comportamentos daquela criança). E um modelo como esse tem sido muito eficaz para

que a criança tenha uma inclusão efetiva, dentro dos moldes da análise do

comportamento (que prioriza a cientificidade na sua prática).

Considerações finais

Para a Análise do Comportamento todos estariam incluídos uma vez que cada

Sujeito é único, seu programa de ensino só pode ser efetivo se for individualizado e

avaliado constantemente tendo o próprio sujeito como referência.

Uma escola baseada nos princípios comportamentais não precisaria de nenhuma

adaptação para receber qualquer tipo de deficiência já que todo material deveria ser

adaptado para cada aluno. Uma mesma classe de alunos submetida aos mesmos

procedimentos e atividades de ensino tende a manter (ou a acentuar) diferenças

produzidas pelas desigualdades entre os alunos, sejam quais forem as razões delas.

TRATAR TODOS COMO IGUAL É AUMENTAR AS DIFERENÇAS.

Page 26: Análise Aplicada do Comportamento (ABA) Cíntia Guilhardi ... · da Análise Experimental do Comportamento, permitiu que uma nova metodologia de estudo científico para o comportamento

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Baer, D. M., Wolf, M. M., & Risley, T. R. (1968). Some current dimensions of applied

behavior analysis. Journal of Applied Behavior Analysis, 1, 91-97.

Banaco, R. A. (1999). Técnicas Cognitivos-comportamentais e Análise Funcional. Em:

Kerbauy, R.R.; Wielenska, R.C. (orgs). Sobre comportamento e cognição: Psicologia

comportamental e cognitiva da reflexão teórica à diversidade na aplicação (volume

4). Santo André: ESETec.

Catania, C. (1999). Aprendizagem: Comportamento, Linguagem e Cognição. Artes Médicas,

Porto Alegre, RS.

Maurice, C., Green, G, & Foxx, R. M. (2001). Making a diference – Behavioral Intervention

for Autism. Austin, Texas: PRO-ED.

Page 27: Análise Aplicada do Comportamento (ABA) Cíntia Guilhardi ... · da Análise Experimental do Comportamento, permitiu que uma nova metodologia de estudo científico para o comportamento

Keller, F. (1983). Behaviorismo aplicado desde John Watson. Em Kerbauy, R. R. (org.). Fred

Simmons Keller; Psicologia. São Paulo: Editora Ática (col. Grandes Cientistas Sociais,

41). Publicação Original (1979).

Keller, F. & Schoenfeld, W. (1974). Princípios de Psicologia. E.P.U. – Editora Pedagógica e

Universitária Ltda., São Paulo.

Kerr, N., Meyerson, L. & Flora, J. A. (1977). The measurement of motor, visual, and auditory

discrimination skills. Rehabilitation Psychology, 24 (Monograph Issue), 95-112.

Partington, J. W. & Sundberg, M. L. (1998). The Assessment of Basic Language and

Learning Skills (The ABLLS) – Scoring Instructions and IPE Development Guide.

California: Behavior Analysts, Inc.

Sidman, M. (1995). Coerção e suas implicações. Editorial PSY, Campinas, SP.

Skinner, B. F. (1938). The Behavior of organisms. New York: Appleton-Century-

Crofts.

Skinner, B. F. (1972). Tecnologia do Ensino. São Paulo: Herder/EDUSP. Publicação Original

(1968).

Skinner, B. F. (2000). Ciência e Comportamento Humano. SP: Martins Fontes.

Publicação Original (1953).

Page 28: Análise Aplicada do Comportamento (ABA) Cíntia Guilhardi ... · da Análise Experimental do Comportamento, permitiu que uma nova metodologia de estudo científico para o comportamento

Zanotto, M. L.(2004). Subsídios da Análise do Comportamento para a formação de

professores. Em Marinotti; M., & Hübner, M. M. (orgs.). Análise do Comportamento

para a Educação: Contribuições Recentes. Santo André: ESETec.