Anais do XXX Colóquio do Comitê Brasileiro de História da Arte

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Anais do XXX Colóquio do Comitê Brasileiro de História da Arte Arte > Obra > Fluxos Local: Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro, Museu Imperial, Petrópolis, RJ Data: 19 a 23 de outubro de 2010 Organização: Roberto Conduru Vera Beatriz Siqueira texto extraído de Trânsitos entre criação, crítica e história da arte

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  • Anais do XXXColquio do Comit Brasileiro de Histria da Arte

    Arte > Obra > Fluxos

    Local: Museu Nacional de Belas Artes,

    Rio de Janeiro,

    Museu Imperial, Petrpolis, RJ

    Data: 19 a 23 de outubro de 2010

    Organizao:

    Roberto Conduru

    Vera Beatriz Siqueira

    texto extrado de

    Trnsitos entre

    criao, crtica e

    histria da arte

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    Uma fisionomia da Semana de Arte Moderna: o Retrato de Lourival Gomes Machado

    Ana Cndida de Avelar

    Doutoranda/ USP

    Resumo

    Retrato da Arte Moderna do Brasil foi publicado em 1947 por Lourival Gomes Machado. Seu objetivo afirmar a Semana de Arte Moderna de 1922 como marco da histria da arte moderna brasileira. O emprego de termos como linhas deformadas e dis-toro, pelo crtico, demonstra uma idia de arte moderna figura-tiva de deformao expressiva, relacionada s propostas dos moder-nistas. Nesta comunicao, pretende-se analisar o pensamento do crtico sobre o modernismo, a partir do referido ensaio.

    Palavras-chave

    Modernismo; Lourival Gomes Machado; arte moderna

    Abstract

    Retrato da Arte Moderna do Brasil was published in 1947 by Lourival Gomes Machado, whose objective was to afirm the Mod-ern Art Week of 1922 as a mark in the history of Brazils modern art. The use of terms such as deformed lines and distortion demonstrate an idea of figurative modern art related to expressive deformation, tuned to the modernists propositions. In this com-munication, I intend to analyse the critics thought on modernism, having the essay as a privileged source.

    Keywords

    Modernism; Lourival Gomes Machado; modern art

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    Retrato da Arte Moderna do Brasil, escrito pelo jovem crtico Lourival Go-mes Machado, foi publicado pela primeira vez em 1947 e premiado pela As-sociao Paulista dos Escritores, sendo republicado em 1948. No houve ou-tra reedio e raramente citado em pesquisas de histria da arte no Brasil. O objetivo do texto , segundo o autor, atestar concretamente a presena do Modernismo [de 1922] em todo subseqente movimento intelectual brasileiro1.

    Nele, Gomes Machado coloca-se como um pintor que retrata o evento, estruturando o texto como metfora do processo pictrico. A Advertncia, que abre a publicao substituindo o que seria um prefcio com tom de repreenso, pretende-se como um alerta sobre a mudana nos critrios de representao, en-tendendo que esta no diz mais respeito avaliao pelo critrio da verossimi-lhana.

    A escolha de termos como linhas deformadas e distoro, emprega-dos pelo autor para descrever o ensaio, demonstra uma concepo de arte mo-derna figurativa de deformao expressiva relacionada visualidade produzida pelos modernistas brasileiros, em particular, Anita Malfatti, Lasar Segall, Tarsila e Di Cavalcanti.

    Gomes Machado fazia parte do grupo da revista Clima, idealizada por jovens intelectuais da Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras da Universidade de So Paulo. A revista traduzia a inteno do grupo de renovar a forma de se fazer crtica no Brasil. O ensaio de Gomes Machado foi pioneiro, dentre os tra-balhos dos colegas, no tratamento do Modernismo de 1922, episdio de grande significao intelectual para o grupo.

    O subttulo de Retrato anlise histrico-sociolgica indica a no-vidade que trazem os membros de Clima. A formao universitria no recm--estruturado curso de Sociologia garante-lhes a instrumentao necessria para a renovao crtica que visam se os modernistas foram autodidatas, seus herdei-ros na crtica cultural paulista contavam com mtodos cientficos.

    Nos anos 1940, Gomes Machado j crtico de destaque na imprensa paulista. Escreve, nessa poca, crtica de ocasio, na Folha da Manh e na Folha da Noite. Nesta comunicao, pretende-se examinar, a partir do ensaio citado, aspectos significativos do pensamento de Gomes Machado sobre o Modernismo de 1922, particularmente luz das idias de Mrio de Andrade.

    Retrato da Arte Moderna do Brasil : pioneirismo e balano

    Retrato da Arte Moderna do Brasil constitui obra de maior elaborao dentre as contribuies de Gomes Machado para o mbito artstico durante a dcada de 1940.

    Nele, o autor cria um lastro, baseado no barroco mineiro e em particular no Aleijadinho, para os modernistas: tanto para os que provm da Semana de 1922, como Anita, Di Cavalcanti, Brecheret, como para Tarsila e Segall. Indica ainda a continuidade desse primeiro modernismo numa segunda fase representa-da, para ele, por Portinari e Guignard.

    1 MACHADO, Lourival. Retrato da Arte Moderna do Brasil. So Paulo, Departamento de Cultura, 1947, p.6.

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    Em primeiro lugar, preciso notar que, apesar de o ensaio ter sido pu-blicado em 1947, a Advertncia que abre o livro de 19452. Segundo o autor, o texto teria sido escrito em 1944, fruto da sedimentao da aventura de Cli-ma3. Ora, 1942 a data da hoje famosa conferncia de Mrio de Andrade, O movimento modernista, na qual Andrade faz um balano do que represen-tou a Semana e, de certa forma, seu trabalho, com ares de desiluso em relao s propostas daqueles anos de 19204.

    Gomes Machado conhecia o contedo dessa conferncia, pois Retrato ser redigido justamente com o propsito de confirmar a importncia da Semana como marco da arte moderna na histria artstica do pas. Alm disso, a morte de Andrade em fevereiro de 1945 tambm pode ter contribudo para a urgncia de Gomes Machado em confirmar para a posteridade a importncia de 1922 enquanto ruptura com o academicismo.

    Como foi mencionado, Gomes Machado incorpora um pintor que retrata a Semana de Arte Moderna e suas conseqncias para a cultura brasi-leira. Essa metfora do processo pictrico demonstra uma noo de processo de produo bastante tradicional.

    Na Advertncia j se encontram grande parte das idias que sero de-senvolvidas: uma crtica ao despreparo do pblico em relao arte moderna que a avalia em termos de representao naturalista, com critrios de verossimilhan-a. Para ele, essa falta de critrios atualizados por parte dos espectadores deveria agradar os artistas, uma vez que garantia que suas obras distanciavam-se de algo parecido com o real.

    Alis, essa observao de Gomes Machado indica que sua referncia a arte figurativa, embora no se trate exatamente do modelo acadmico, mas de uma visualidade relacionada compreenso de arte moderna presente na produ-o dos modernistas, caracterizada por uma deformao expressiva. Esta consiste numa manuteno de temas retratos, paisagens, o tipo brasileiro contando, entretanto, com uma gestualidade mais acentuada, embora mantenha-se o re-ferente. Note-se que a abstrao no integra suas preocupaes, mesmo tendo So Paulo visto o 2o e 3o Sales de Maio, em 1938 e 1939, respectivamente, que apresentaram obras abstratas de estrangeiros5.

    2 Segundo Antonio Candido, durante os anos 1940, todos os membros de Clima tinham em preparo um trabalho de histria, ou de sociologia, ou de esttica ou de filosofia, como os maiores (da gerao anterior) tinham romances. (PONTES apud Antonio Candido. Depoimento, em: NEME, Mrio. Plataforma da Nova Gerao. Porto Alegre, Globo, 1945, p.13). O recurso da advertncia como um forma de prefcio ou introduo foi utilizado por Mrio de Andrade no livro Losango Cqui, de 1926.

    3 MACHADO, Lourival Gomes. Testemunho reconfirmado, s.l., s.d. [1962]. Acervo Lourival Gomes Machado.

    4 Como diria anos depois Antonio Candido atestando esse tom de Andrade: Mrio estava passando naquele momento pela fase que se pode chamar didtica, muito crente no papel social e na fora das luzes, na funo de instituies como a Universidade e o Departamento de Cultura, que ele organizara e vira se esfrangalhar em parte. Andava preocupado com a consolidao da vida intelectual no Brasil e relativamente crtico em relao aos aspectos ldicos da Semana de Arte Moderna. Depoimento sobre Clima, Antonio Candido. Disponvel no site: www.antivalor2.vilabol.uol.com.br/textos/outros/candi-do33.html

    5 Da segunda edio do Salo de Maio participam os abstracionistas ingleses Erik Smith, Roland Penrose, John Banting e Ben Nicholson; da terceira, Alexander Calder, Josef Albers e Alberto Magnelli.

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    Gomes Machado havia escrito brevemente sobre o abstracionismo em um artigo. Essa postura em relao arte abstrata, pelo menos na dcada de 1940, est em sintonia com quela de Mrio de Andrade, que tampouco confere importncia abstrao. No entanto, Gomes Machado demonstraria grande in-teresse pelo tema a partir dos anos 1950.

    Gomes Machado explica ainda que sua escolha por analisar os moder-nistas de 1922 como um grupo se deve aos documentos panfletrios que dei-xaram, ou seja, manifestos e textos sobre a produo em geral caracterstica, alis, das vanguardas do comeo do sculo XX, imprimindo um vis de ruptura ao Modernismo. Ao estudar esse movimento, Gomes Machado se v prestando um servio fundamental arte brasileira: Agimos como faria o retratista mo-derno mais desejoso de servir arte do que de satisfazer a vaidade do modelo6. Como o colega Antonio Candido far no campo literrio anos depois, Gomes Machado afirma a importncia da Semana como marco moderno para a cultura brasileira, para todo movimento intelectual nacional posterior7.

    A necessidade de se atestar essa importncia crucial do Modernismo para a histria da cultura brasileira pode ser, em parte, explicada pelo rejeio arte moderna local exemplificada pela reao extrema do pblico em relao a alguns eventos, como a Exposio de Arte Moderna, ocorrida em Belo Horizon-te, em 1944. Annateresa Fabris, estudiosa do movimento, afirma que essa mostra originou debates polmicos sobre arte moderna ao apresentar obras de Tarsila, Di Cavalcanti, Anita, Goeldi, Segall, Lvio Abramo, Portinari, Quirino Cam-pofiorito, Graciano, Guignard, Rebolo, Santa Rosa, entre outros. Alguns desses trabalhos chegaram a ser agredidos fisicamente pelo pblico.

    Alm desse infeliz episdio, esse tipo de reao no foi incomum na no perodo. Segundo a autora, Segall havia servido de modelo de arte moderna a ser hostilizada em prol de uma verdadeira arte pelo jornal carioca A Notcia. Portinari, nos anos 19308, alis pintor privilegiado pelo olhar de Andrade, havia sofrido crticas contraditrias: seria tanto seguidor da boa tradio como do Modernismo criador de verdadeiros horrores9.

    Para Fabris, as obras modernistas em 1940 ainda causavam evidentes oposies, tanto por parte do pblico como por parte de uma parcela da crtica. Assim, entende-se a crtica de Gomes Machado dirigida a um pblico sem inti-midade com a linguagem plstica moderna muito embora essa arte moderna,

    6 MACHADO, 1947, p.6.

    7 Candido afirma o modernismo como renovao em Presena da Literatura Brasileira: A denominao de Modernismo abrange, em nossa literatura, trs fatos intimamente ligados: um movimento, uma est-tica e um perodo. O movimento surgiu em So Paulo com a famosa Semana de Arte Moderna, de 1922, e se ramificou depois pelo Pas, tendo como finalidade principal superar a literatura vigente, formada pelos restos do Naturalismo, do Parnasianismo e do Simbolismo. Correspondeu a ele uma teoria estti-ca, nem sempre claramente delineada, e muito menos unificada, mas que visava sobretudo a orientar e a definir uma renovao, formulando em novos termos o conceito de literatura e de escritor (CANDIDO, Antonio e CASTELLO, Jos Aderaldo. Presena da literatura brasileira: histria e crtica. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2006, 15 ed., p.9).

    8 Sobre Mrio de Andrade e Portinari, consultar: CHIARELLI, Tadeu. Pintura no s beleza: a crtica de arte de Mrio de Andrade. Florianpolis, Letras Contemporneas, 2007.

    9 FABRIS, Annateresa. Modernismo: nacionalismo e engajamento, em AGUILAR, Nelson. (org.). Bie-nal Brasil sculo XX. (catlogo) So Paulo, Fundao Bienal, 1994, p. 81.

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    proposta pelo grupo modernista, no possusse a radicalidade formal da arte abstrata.

    A propsito de uma arte moderna nacional

    O ttulo Retrato da Arte Moderna do Brasil demonstra a preocupao do crtico em analisar os elementos constituintes de um trecho da histria da arte brasileira que compreende enquanto movimento de carter nacional.

    Para ele, o Modernismo surgiu na cidade de So Paulo devido ao con-texto propcio da cidade para receber a arte moderna o desenvolvimento da indstria e o conseqente crescimento urbano. Essa idealizao da So Paulo mo-derna possivelmente fruto de suas leituras das obras literrias modernistas, pois trazem uma viso amparada na idia de vida urbana moderna e cosmopolita10.

    Ademais, combinada ao deslumbramento com a modernizao urbana, a preocupao com o nacionalismo era ainda outro trao caracterstico do pensa-mento modernista brasileiro, embora seja ainda do pensamento moderno como um todo. As questes acerca da definio de uma identidade nacional se confi-guram de forma determinante a partir da Primeira Guerra Mundial e seguem como tema de grande importncia ainda no perodo em que Gomes Machado inicia o trabalho como crtico. Para ele, as nacionalidades so construo sofrida e conquistada11.

    Alm disso, Gomes Machado entende que as manifestaes artsticas locais no so apenas um espelhamento do que se d na Europa, mas algo gerado localmente. Mais uma vez, Fabris nos ajuda a pensar essa especificidade da arte brasileira afirmando que a modernidade caracterstica desta diferente daquela da arte europia: embora esteja presente a mesma configurao espacial da pintu-ra e do referente, ope-se ao academicismo pela via da deformao.

    Gomes Machado alerta muitas vezes para o que h de mais importante no Modernismo de 1922, segundo ele e Antonio Candido: a tomada de cons-cincia de sua prpria condio e obra por parte dos artistas e escritores. Para o crtico de arte de Clima, a produo artstica antes desse evento no possua essa autocrtica:

    (...) a auto-conscincia o trao fundamental de todo esprito da arte moderna, e que, nesse sentido, ele deve renovar-se cada vez que o homem muda, levado pelas correspondentes mu-danas do social.

    E ainda:

    Cada modernista reproduz em ontognese, ao alcanar seu progresso particular, a filognese da civilizao espiritual em que se criou. Nesse sentido, o modernismo de 22, dados os ante-

    10 Sobre a idealizao de So Paulo como lugar por excelncia da modernidade brasileira, consultar: FA-BRIS, Annateresa. O Futurismo Paulista: hipteses para o estudo da chegada da vanguarda ao Brasil. So Paulo: Perspectiva, 1994, p. 3. De fato, durante a Primeira Guerra Mundial e os anos 1920, So Paulo assistiu a um avano principalmente da indstria txtil, de alimentos e bebidas. Na indstria de base, antes bastante carente, por conta de incentivos do governo, surge a Companhia de cimento Portland, em 1926. (FAUSTO, Boris. Histria do Brasil. So Paulo, EDUSP, 1996, 4 ed.).

    11 MACHADO, 1947, p.13.

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    cedentes histricos, polticos e espirituais do pas, foi talvez o primeiro passo autenticamente moderno12.

    No que diz respeito aos antecedentes da Semana, Gomes Machado enumera pintores do sculo XIX, dedicando especial ateno a Almeida Jnior. Segundo ele, a crtica moderna, em oposio acadmica, v o pintor como o primeiro liberto, o sinal precursor de uma renovao artstica que s se faria muito mais tarde13 com a mudana formal de 1922.

    Assim, o crtico reafirma o grupo de 1922 como responsvel pela im-plementao da arte moderna no Brasil. Essa renovao vem pela via de um movimento de carter nacionalista14, pois o tom da produo modernista era de-terminar a natureza humana brasileira, registrando em especial tipos brasileiros nesse sentido uma continuidade da proposta de Almeida Jr.. Criam-se imagens do povo brasileiro, em geral representado por mestios: o caso de Tropical, 1917, de Anita; Samba, 1925, de Di Cavalcanti; A negra, 1923, e Vendedor de frutas, 1925, de Tarsila.

    Da mesma maneira, em termos de produo literria, Andrade escreve Macunama, em 1928, criando um tipo brasileiro que se configura numa esp-cie de anti-heri, congregando as raas formadoras da populao local. Vicente do Rego Monteiro, cujas telas foram expostas na Semana, mesmo ele estando fora do pas, trabalhava tambm com a formao do brasileiro, abordando mitos indgenas, inspirado nas formas da cermica marajoara, evocando dessa maneira as origens brasileiras.

    O carter nacionalista do Modernismo notado por Gomes Machado, que defende desse modo os modernistas acusados de estrangeirice durante a Se-mana. Declara: Acontece, porm, que a Semana de Arte Moderna, a nosso ver e como procuramos deixar marcado, representava a um s tempo um rompimento com o passado e a instalao de uma nova mentalidade15.

    Um olhar cientfico e a forma brasileira

    Gomes Machado est atento s questes da pesquisa sociolgica, por conta de sua formao acadmica, que o diferenciava de praticamente todos os ou-tros crticos anteriores a ele excetuando-se Sergio Milliet, que era socilogo, mas no praticava propriamente uma crtica rigorosa em termos acadmicos.

    12 MACHADO, 1947, p.60-1.

    13 MACHADO, 1947, p.26. Haveria uma oposio entre a ala conservadora da crtica de arte Carlos Rubens e Flexa Ribeiro, que compartilham da viso de caipira genuno, criada por Gonzaga Duque sobre Almeida Jr. e a ala oposta Oswald, que entende o pintor como modelo de uma arte nacional e Monteiro Lobato, para quem o artista criaria a pintura nacional em contraposio internacional, dominante at a (CHIARELLI, 1995, p.159).

    14 A preocupao com a constituio de uma identidade uma constante no pensamento de inmeros de nossos intelectuais, desde o romantismo. Em Nacional por Subtrao, o crtico literrio Roberto Schwarz escreve: Brasileiros e latino-americanos fazemos constantemente a experincia do carter pos-tio, inautntico, imitado da vida cultural que levamos. Essa experincia tem sido uma dado formador de nossa reflexo crtica desde os tempos da Independncia. Ela pode ser e foi interpretada de muitas maneiras, por romnticos, naturalistas, modernistas, esquerda, direita, cosmopolitas, nacionalistas, etc., o que faz supor que corresponda a um problema durvel e de fundo. (SCHWARZ, Roberto. Que horas so? So Paulo, Companhia das Letras, 1987).

    15 MACHADO, 1947, p.50.

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    Desse modo, deixa registrada a importncia que confere busca de caractersti-cas comuns s obras. Isso leva a crer que Gomes Machado procura determinar um quadro de semelhanas entre as produes, caracterizando um delineamento do que seria uma forma brasileira.

    Para Gomes Machado, preciso encontrar linhas de generalidade cul-tural, por um lado, e, por outro, a denotao diferenciadora de vrios ncleos16. Essa a crtica de orientao sociolgica que prope as manifestaes de grupos locais devem ser observadas dentro de uma complexidade maior, isto , do todo nacional. Existe, portanto, nesse pensamento, um fio condutor que une a arte brasileira desde o Barroco at o Modernismo17 sendo o barroco representado pela figura de Aleijadinho.

    Alis, a presena da deformao expressiva, que une todos os artistas mencionados no Retrato, est vinculada idia de expressionismo como conceito amplo que abarca a noo de manifestao do indivduo por meio da presena do gesto, ao mesmo tempo que entende a produo pela ambivalncia nacional universal. Aleijadinho, por exemplo, um artista brasileiro que compartilha da vertente barroca europia, porm proporcionando ajustes e reelaboraes locais que criam uma vertente autntica e nacional.

    Consideraes finais

    A leitura de Aleijadinho, por parte de Andrade, como um artista de vis expres-sionista arremata com perfeio o papel essencial da deformao expressiva para a viso de arte de Gomes Machado, pois transforma-se num trao unifica-dor da produo artstica brasileira.

    Apesar das idias de Gomes Machado em Retrato ainda estarem abso-lutamente informadas pelas de Andrade o barroco mineiro era tanto um inte-resse de Andrade, que viu em Aleijadinho um gnio, bem como a marca da arte nacional e o exemplo da sntese entre arte europia e brasileira , seus artigos do mesmo perodo discutiam temas que no encontravam dilogos com a crtica do modernista em particular, a abstrao, j mencionada, e, mais detidamente, o surrealismo, indicando um caminho diverso, mas tambm complementar quele de Andrade.

    Retrato da Arte Moderna do Brasil um ensaio que apresenta, portanto, no apenas a ressonncia do pensamento de Mrio de Andrade por meio das idias de Gomes Machado, mas ainda um livro pioneiro, e hoje raro, que de-monstra o interesse geral da intelectualidade brasileira dos anos 1940 pela Sema-na de 1922, apesar de no haver um consenso entre essa mesma intelectualidade sobre o decisivo papel da Semana no que concerne a implementao da arte moderna no pas.

    16 Idem, p.15.

    17 Gomes Machado, em Retrato, parte do pressuposto, dado por Andrade, de que a arte moderna brasileira coincide com a arte modernista desenvolvida a partir da Semana de Arte Moderna de 1922. A influncia que Andrade exerceu sobre os intelectuais do grupo Clima inegvel, no entanto, fundamental que se estabelea os contornos dessa influncia. No que diz respeito s artes visuais, o projeto de Andrade, registrado em grande parte nas cartas trocadas entre ele e muitos outros artistas e intelectuais, aponta para uma concepo de arte nacional figurativa e de temtica brasileira, ainda que pudesse apresentar deformaes da figura, porm sem chegar ao abstrato.

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    Bibliografia:

    CHIARELLI, TADEU. Pintura no s beleza: a crtica de arte de Mrio de An-drade. Florianpolis, Letras Contemporneas, 2007.___. Um Jeca nos Vernissages: Monteiro Lobato e o Desejo de uma Arte Nacional no Brasil. So Paulo, EDUSP, 1995.FABRIS, Annateresa. Modernismo: nacionalismo e engajamento, em AGUI-LAR, Nelson. (org.). Bienal Brasil sculo XX. (catlogo) So Paulo, Fundao Bienal, 1994.FAUSTO, Boris. Histria do Brasil. So Paulo, EDUSP, 1996, 4 ed.MACHADO, Lourival. Retrato da Arte Moderna do Brasil. So Paulo, Departa-mento de Cultura, 1947.___. Testemunho reconfirmado, s.l., s.d. [1962]. Acervo Lourival Gomes Ma-chado.Depoimento sobre Clima, Antonio Candido. Disponvel no site: . Acesso em 12 abr. 2010.CANDIDO, Antonio e CASTELLO, Jos Aderaldo. Presena da literatura brasi-leira: histria e crtica. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2006, 15 Ed.