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Conhecimento em Destaque, Serra, ES, v. 03, n. 02, fev./jun. 2014. 1
ALUNOS - SUJEITOS DA APRENDIZAGEM: A IMPORTÂNCIA DA LEITURA DO
MUNDO ANTES DA LEITURA DA PALAVRA
Isaac Pinto da Silva 1
RESUMO
Apresenta uma revisão teórica sobre a importância da leitura, objetivando destacar que enquanto sujeitos da aprendizagem é importante que o professor e a escola considerem, no processo de aprendizagem da criança a leitura que ela possui possui do mundo antes da leitura da palavra. A criança é um sujeito interativo que aprende mediante a interação com o outro (outras crianças e/ou adultos), constrói conhecimentos num movimento que vai do coletivo (social/interação com o outro) para o individual (toda síntese individual carrega as experiências construídas coletivamente). A criança deve escrever na escola para comunicar, transmitir uma ideia, expressar um sentimento ou pensamento, passar uma mensagem, registrar. É na infância que a criança tem o melhor tempo disponível para ouvir e fazer uma leitura sem compromissos e descontraída, movida pela curiosidade, pelo prazer, pelo descobrir. A formação de um leitor ativo deve começar na educação infantil e estender-se por toda a vida escolar. Devemos oportunizar a criança de ter contato com obras primas e leitura de boa qualidade. A leitura só será um processo válido se a criança descobrir o prazer nas histórias que lhes são contatadas e nos livros a ela oferecidos. Nesta perspectiva, o referencial teórico destaca a importância da leitura, situando-a como instrumento de integração, expondo seus objetivos. Num segundo momento, apresenta a alfabetização como o primeiro contato do aluno com a leitura da palavra. Finaliza a contextualização apresentando a leitura do mundo na concepção de Freire, Yunes, Cagliari e outros autores.
Palavras chave: Aprendizagem. Leitura do mundo. Leitura da palavra.
1. INTRODUÇÃO
A leitura amplia o mundo do leitor e contribui para seu enriquecimento pessoal. Ela
sempre teve papel de grande intervenção na sociedade, fazendo com que o leitor 1Mestrando em ciências das religiões Faculdade Unidas de Vitória - F.U.V. Especialista em Docência do Ensino Superior, Psicopedagogia, Educação de Jovens e Adultos e Gestão em Educação Ambiental pelo Centro de Ensino Superior Fabra. Atualmente é docente no Centro de Ensino Superior Fabra. Contato: [email protected].
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seja envolvido em situações que o possibilite adquirir conhecimentos, desenvolver
raciocínio, e participar ativamente da vida social. Assim, estimula a necessidade da
compreensão e da interação, permitindo ao leitor que desenvolva sua visão de
mundo.
A importância da leitura e da escrita se revela a partir dos usos e dos valores que a
mesma adquirira na sociedade. A interpretação de texto é um importante
instrumento para a libertação do indivíduo e a leitura deve trabalhar concepções de
mundo e de problemáticas atuais, cujo conhecimento e reflexão podem contribuir
para construção de uma escola voltada para a cidadania.
O ato de ler além de possibilitar o leitor compreender a significação da obra do autor
interfere em seu grau de conhecimento e em suas experiências anteriores, além
disso, quanto mais informação tiver sobre o que vai ler, maiores são as
possibilidades de alcançar a compreensão podendo, assim, mudar a sua
interpretação de acordo com seus objetivos e necessidades.
Os professores, no dia-a-dia da sala de aula, devem desenvolver através dos
diversos meios e recursos, o hábito da leitura na criança, pois assim estará
contribuindo para a formação de um cidadão crítico e capaz de entender e
transformar o mundo no qual está inserido. Nessa perspectiva, este artigo tem por
objetivo demonstrar a importância da leitura do mundo antes da leitura das palavras
para os alunos enquanto sujeitos da aprendizagem.
Os procedimentos metodológicos são fundamentados na metodologia Chizzotti
(2001) pesquisa descritiva, que expõe as características de determinada população
ou fenômeno, ou seja, a leitura do mundo antes da leitura das palavras. E
bibliográfica na medida em que o aprofundamento e o foco da análise foram
desenvolvidos com base em livros, revistas, teses, dissertações e artigos que
fundamentem cientificamente o que se pretende estudar.
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2. A IMPORTÂNCIA DA LEITURA
Devido aos diferentes níveis de compreensão da leitura, o professor precisa estar
atento às possibilidades de implementar esse trabalho, aproveitando esses meios de
comunicação, as leituras trazidas pelos alunos para expandir e ampliar os seus
significados. Para a maioria dos pais, a educação começa quando a criança tem
acesso à escola porque contam com auxílio de profissionais, ou seja, dos
professores. Essa ideia é uma concepção errada, pois na literatura muitos autores
destacam que o interesse pela leitura tem formação nos primeiros anos de vida. O
incentivo da família através de histórias infantis, trava-línguas, adivinhas e canções
de ninar são importantes para que a criança possa se sentir estimulada em seu
ambiente e movida a valorizar a leitura. A criança brinca com as palavras,
propiciando uma rica fonte para a imaginação, sendo assim transportada para
mundos diferentes.
Segundo Vygotsky (apud FREITAS, 2002, p.93),
Percebe-se assim a presença de uma função social da fala, desde os primeiros meses da criança. Aos dois anos de idade, a criança começa a perceber o propósito da fala e que cada coisa tem um nome. A fala começa a servir ao intelecto e o pensamento começa a ser verbalizado. Desse momento em diante a criança passa a sentir a necessidade das palavras, tenta aprender os signos: é a descoberta da função simbólica da palavra.
O brincar faz com que a criança aprenda a viver e pensar. Para Vygotsky (apud
ANDALÓ, 2000, p.8) “o desenvolvimento da inteligência e, consequentemente, do
pensamento e da linguagem, acontece pela interação da criança com o ambiente e
com outras pessoas que a estimule”.
Nas primeiras situações de aprendizagem, o professor atua como mediador, criando
oportunidades para que os alunos tenham autonomia de apropriação de um
conhecimento ou de uma prática. Na concepção de Curto, Murillo e Teixidó (2000,
p.92) destacam que “a criança não aprende espontaneamente, nem por si mesmas.
Aprendem reflexivamente, porque alguém as põe em situação de pensar”. O
professor é o personagem principal da aprendizagem de seus alunos, portanto, é
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sua competência escolher uma metodologia de ensino que desenvolva estratégias
para ensinar, tornando o conhecimento verdadeiro: “saber, saber fazer, ser”.
A aprendizagem é um ato que não acontece ao mesmo tempo do ensino, pois ás
vezes o que é ensinado não é tão importante para quem aprende. O individuo toma
posse do que está sendo ensinado de acordo com sua história de vida. Segundo
Barbosa (1990, p.138), “quando uma criança não encontra utilidade na leitura, o
professor deve fornecer-lhes outros exemplos, e quando não se interessa pela
leitura, é o professor quem deve criar situações mais envolventes”.
A leitura é um processo ativo, em que o aluno trabalha tanto quanto o professor. No
ambiente escolar o papel do professor é oferecer experiências valiosas em relação
ao uso da escrita e leitura, oportunizando as crianças que não tiveram essa vivência,
visto que as que tiveram oportunidade de fazer parte de um ambiente repleto de
livros e de leitores terão mais resultado em sua aprendizagem.
O conhecimento prévio ajuda a criança a se desenvolver mais que do que as outras
que não o possuem. O professor deve dar seqüência nas atividades de
sistematização, pois apresentam um grau de desenvolvimento útil para um ensino
mais exclusivo sobre a leitura e escrita. Para Neves (1998, p.160),
Ensinar a ler é também dar acesso aos meios expressivos necessários para que o aluno leia não apenas os seus contemporâneos, dialogando com eles dentro de um universo comum de questões, problemas e descobertas, mas também os antigos, até com os fundadores da língua, para que ele possa perceber que a língua portuguesa que ele lê é produto do trabalho de homens como ele, que a tornou capaz de expressar o que precisaram que ela expressasse.
Ensinar a ler é fazer com que o aluno tenha consciência de que é necessário
aprender toda escrita do seu contexto, exemplo: nomes de ruas, supermercados,
letreiros de ônibus, nomes de banco, jornal, etc. A leitura promove a interação e
integração do leitor com o mundo e o professor é a melhor figura para efetivar essa
tarefa.
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2.1. LEITURA: INSTRUMENTO DE INTERAÇÃO
Ler não consiste em codificar e decodificar palavras, mas construir sentido para o
que se lê. A leitura é um processo de interação entre o leitor e o texto e na
concepção de Rizzo (1998, p.23), ler significa extrair o pensamento do autor,
“compreender a mensagem, captar ideias, é um processo permanente, ativo e
interativo de análise e síntese, que tem por objetivo compreender um texto e através
dele o que propõe, surge ou instiga”.
A leitura é um processo interativo, pois o leitor utilizando desses conhecimentos
constrói o significado do texto. Numa visão mais ampla, Villardi (1999, p.4) afirma
que ler é “construir uma concepção de mundo, é ser capaz de compreender o que
chega por meio da leitura, analisando e posicionando-se criticamente frente às
informações colhidas, é um dos atributos que permitem exercer a própria cidadania”.
A leitura é uma expansão do mundo do leitor, pois é através dela que busca um
conhecimento maior que nos insere nas diversas culturas. Para Villardi (1999), ler é
fundamental na formação acadêmica do aluno e do cidadão. Desta forma, o ato de
ler abre o caminho da consciência, pois a leitura leva à reflexão e esta à
transformação.
Em uma leitura onde não há compreensão de ideias, será melhor uma mera
reprodução de palavras ou trechos veiculados pelo autor do texto. Infelizmente, esse
tipo de leitura é uma constante nas escolas brasileiras. Mostrar o valor da leitura ao
educando através de um processo bem estruturado significa uma possibilidade de
repensar o real através da compreensão profunda dos aspectos que o compõem.
Conforme destaca Silva (1997, p.79) “a leitura fornece ao sujeito uma nova
capacidade de se compreender, oferecendo-lhe uma nova maneira de ser no mundo
pelo qual ele se engrandece, ou seja, encontra novas formas de existir e conviver
socialmente”.
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A leitura promove a imaginação; o vocabulário e a capacidade de expressão; a
paciência; resgate da cidadania; aprendizagem de obras; a autoestima; um olhar
crítico; profissionais mais capacitados e competências; integração social; amplia
horizontes e desenvolve um olhar crítico e possibilita formar uma sociedade
consciente.
2.1.1 Objetivos da leitura
Segundo Prado (2003) os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s) demonstram
que o desenvolvimento da leitura está apoiado na existência de uma biblioteca
escolar. A biblioteca deve estar permanentemente aberta aos alunos, ter regras de
empréstimos e leituras bem liberais e ser agradável e atraente.
Em realidades carentes, a biblioteca se encontra deficitária ou nem existe na escola.
Assim, professores, diretores e alunos devem promover ações para mudar esse
quadro, através de campanhas junto à comunidade ou acionando programas e
projetos governamentais, como por exemplo, programa salas de leitura, ciranda de
livros e campanha junto à comunidade, festas, quermesses, rifas e outros recursos
para garantir fundos.
O trabalho envolvendo a biblioteca escolar, na concepção de Prado (2003), tem o
objetivo de criar autonomia nos alunos, respeitando a faixa etária é possível um
trabalho diferenciado na biblioteca, como descrito no Quadro 1.
Faixa etária
Objetivos da leitura
4 a 6 anos
Dar oportunidade as crianças de acesso a atividades lúdicas, o professor deverá ler histórias curtas e simples, pois as crianças nessa idade tem mais dificuldade para prestar atenção.
6 e 7 anos
Nessa fase as crianças devem manusear os livros da biblioteca, a leitura deverá ser em voz alta, o professor deverá complementar a leitura com atividades de compreensão, desenhos ou dramatização.
7 e 8 anos
O professor poderá desenvolver atividades em que as crianças trabalhem em grupo, permitir que os alunos entrem em contato com obras de referência como enciclopédias e dicionários, as crianças deverão começar a trabalhar com leitura de jornais e revistas.
9 e 10 anos
A leitura individual deverá ser implementada pelo professor, sem deixar de lado o trabalho em grupo e as obras de suspense são bem aceitas nessa fase. Os alunos já
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têm autonomia para realizarem pesquisa em livro, procurar por autor, título e assunto de duas fontes diferentes.
11 e 12 anos
Na pré-adolescência os alunos se interessam por histórias de terror, aventura e romances, as meninas apresentam mais maturidade em relação aos meninos, os alunos produzem texto.
13 e 14 anos
Na adolescência as atividades em grupo nem sempre serão produtivas, é natural que fiquem dispersos por causa da idade.
Quadro 1 - Faixa etária e os objetivos da leitura Fonte: Prado (2003).
Pennac (apud PRADO, 2003, p.58), dizia às crianças: “se eu fosse vocês, a primeira
coisa que pediria à professora ao entrar na sala de aula, seria: leia uma história para
nós. Não existe melhor maneira de começar um dia de trabalho”. Podem, ainda,
promover debates sobre livros, chamando escritores, que entrem em contato com
grupos teatrais, que organizem apresentações dos alunos, que articulem programas
de leitura, que organizem gincanas e oficinas culturais, etc..
3. ALFABETIZAÇÃO: PRIMEIRO CONTATO COM A LEITURA DA S
PALAVRAS
No Congresso Brasileiro de Leitura, realizado em Campinas, em 1981, Paulo Freire
(2001) afirmou em seu texto de abertura,
A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não pode prescindir da continuidade da leitura daquele (A palavra que eu digo sai do mundo que estou lendo, mas a palavra que sai do mundo que eu estou lendo vai além dele). (...) Se for capaz de escrever minha palavra estarei, de certa forma transformando o mundo. O ato de ler o mundo implica uma leitura dentro e fora de mim. Implica na relação que eu tenho com esse mundo.
Aquisição do conhecimento tem como um de seus principais requisitos a
aprendizagem da leitura seja dentro ou fora do espaço escolar. Na análise de
Cagliari (1998, p. 148), “a leitura é imprescindível, é grande auxiliar da reflexão, da
meditação, do voltar-se para dentro de si” e acrescenta que no contexto da
alfabetização seu processo inicia logo no primeiro doía de aula, ainda que a criança
desconheça a maioria das letras.
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Em sua sabedoria ou teoria, Freire (1992, p. 76) desaconselha o uso de cartilha no
início da alfabetização do aluno, porque considera que, “ler um texto é algo sério
(...) é aprender como se dão as relações entre as palavras na composição do
discurso. É tarefa de sujeito crítico, humilde e determinado”, explica que implica que
o leitor penetre na intimidade do texto para aprender sua mais profunda significação.
O contato individual do aluno com o texto, segundo Freire (1992, p. 75) torna a
leitura mais eficiente e contribui para que ele busque desvendá-lo dentro do ritmo
que o próprio aluno determina, além disso, nesse primeiro contato, “o educador pode
e deve ler o texto, para que eles percebam a pronúncia das palavras e comecem a
tomar um contato mais expressivo com o que está escrito e como é lido”.
Essas colocações despertam questionamentos quanto a qualidade da alfabetização
nas escolas brasileiras. Nessa perspectiva, Araújo, Luzio (2005, p.5) entendem que
“melhorar o processo da alfabetização é contribuir para o desenvolvimento das
habilidades centrais do aluno: codificação e decodificação do sistema gráfico; o
domínio entre fonema e grafema, e a consciência fonológica e fonêmica [...]”.
Na sociedade brasileira, o acesso à leitura tem características de ser um privilégio
de classe. Nessa perspectiva, é importante destacar que a alfabetização constitui
uma ação/reflexão, exige vínculo da prática com a sua compreensão e Gadotti (apud
VARGAS, 2000, p. 14) faz a seguinte ressalva: “o ato de ler é incompleto sem o ato
de escrever. [...] Ler e escrever não apenas palavras, mas ler e escrever a vida, a
história. Numa sociedade de privilegiados, a leitura e a escrita são um privilégio”.
Emília Ferreiro, Ana Teberoski, Luiz Carlos Cagliari, entre outros, já provaram
através de seus estudos e pesquisas a complexidade que envolve o processo de
ensinar a ler e escrever. Assim, Ferreiro (apud LIMA, 2007, p. 79) afirma,
[...] quando eu digo escrita, entendendo que não falo somente de produção de marcas gráficas por parte das crianças; mas de interpretação dessas marcas gráficas. [...] algo que também supõe conhecimento acerca deste objeto tão complexo – a língua escrita –, que se apresenta em uma multiplicidade de usos sociais.
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Em um primeiro momento, a alfabetização significa dominar a escrita e a leitura da
escrita. Mas como destaca Emília Ferreiro (1992), para que a criança seja
alfabetizada é necessário passar por algumas etapas em seu desenvolvimento,
estar preparada para a aquisição da leitura e da escrita (fase pré-escolar ou período
preparatório). Na mesma linha de pensamento, Goulart (2006, p.73) explica:
Aprender a ler e a escrever demanda conhecer não só vários assuntos, mas saber registrá-los de formas socialmente legitimadas e valorizadas. A tradição é uma preocupação intensa com a mecânica da escrita, isto é, com a análise da língua e com o desenho e soletração das palavras, principalmente nas séries iniciais do Ensino Fundamental. O letramento está associado aos muitos conhecimentos que se desenvolveram a partir da escrita e com a escrita, como grandes campos de saber: ciência, arte, filosofia, religião. Estes conhecimentos se organizam de modos diferentes, com textualidades diferentes e estão associados a conteúdos diferentes.
O processo de alfabetização, segundo Freire (2001, p.37) supõe a correlação de três
leituras associadas ao mundo: leitura do mundo, leitura da palavra, leitura da
palavra-mundo, pois,
[...] a realidade social, objetiva, que não existe por acaso, mas como produto da ação dos homens, também não se transforma por acaso. Se os homens são os produtores desta realidade e se esta, na “inversão da práxis”, se volta sobre eles e os condiciona, transformar a realidade opressora é tarefa histórica, é tarefa dos homens
Este processo triplo de leitura, na concepção de Freire (2001, p.39) implica na
valorização do sujeito nesses mundos que agregam “pessoas, natureza, objetos,
experiência pré-teórica, história e cultura, tornando-os conscientes de si, do mundo,
interpretar criticamente a realidade e intervir nela, construir um futuro melhor”.
Saber escrever e ler é importante para conhecer os discursos das várias áreas de
conhecimento, já que cada uma dessas áreas apresenta saberes específicos, mas
que se integram a outros.
4 A LEITURA DO MUNDO
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Em seu livro “A importância do ato de ler”, Paulo Freire relata como a leitura
aconteceu em sua vida, e das situações que a leitura ganhou significado em seu
mundo particular. Para ele a decifração da palavra fluía naturalmente. Assim, Freire
(2001, p.15), afirma “fui alfabetizado no chão do quintal de minha casa, à sombra
das mangueiras, com palavras do meu mundo e não do mundo maior dos meus
pais. O chão foi meu quadro-negro; gravetos, o meu giz”.
Na concepção de Freire (2001), a “leitura do mundo precede a palavra”, fazemos
nossa leitura de mundo muito antes de aprendermos a ler e escrever. Considera que
as primeiras vivências com o mundo são importantes para nos possibilitar uma
leitura crítica do mundo. Antes da leitura da palavra essas situações concretas
ajudarão ampliar a capacidade de leitor que compreenderá a realidade e
necessidade para exercer a cidadania.
Freire (2001, p.17), analisa que viveu intensamente a importância do ato de ler e de
escrever com seus alunos do curso ginasial e que “os alunos não tinham que
memorizar mecanicamente a descrição do objeto, mas apreender a sua
significação”. A memorização mecânica da descrição do objeto não se constitui em
conhecimento do objeto.
Assim, a leitura não é um ato mecânico e de memorização, mas dinâmica, de dar
significação e conhecer o objeto, de maneira que os alunos expressem sua opinião,
estabeleçam relação entre aprendizagem de seu mundo. Para Freire (2001, p.19)
(...) a alfabetização de adultos como um ato político e um ato de conhecimento, por isso mesmo como um ato criador. Para mim será impossível engajar-me num trabalho de memorização mecânica do bá-bé-bi-bó-bu, dos lá-lé-li-ló-lu. Daí que também não pudesse reduzir a alfabetização ao ensino puro da palavra, das sílabas ou das letras.
Em síntese, Freire (2001), através de seus ensinamentos, deixa claro que antes da
criança ser capaz de ler os signos escritos, o mais importante para ela é seu mundo,
que é cheio de significados. Isso acontece através de suas vivências e
conhecimento. “Ninguém ignora tudo. Ninguém sabe tudo. Todos nós sabemos
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alguma coisa. Todos nós ignoramos alguma coisa”. Pensava-se que a criança
chegava à escola sem nenhuma experiência de vida, mas não podemos negar essa
bagagem rica e variada que ela traz.
O educando chega à escola com experiências de aprendizagens que são ignoradas
pelo professor. A criança, mesmo não reconhecendo os símbolos do alfabeto, já "lê"
o seu meio, estabelecendo relações entre significante e significado. É importante
avaliar o nível de entendimento da criança, o nível social e cultural em que ela vive.
É impossível apreender a realidade concreta desse processo sem se dar conta de
que ele envolve a elaboração da língua escrita, além da existência de fatores
cognitivos e afetivos presentes que podem interferir na sala de aula. Freire (1986, p.
11) já dizia que a “leitura do mundo precede a leitura da palavra [...] linguagem e
realidade se prendem dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançado por
sua leitura critica implica a percepção das relações entre o texto e contexto”.
Mesmo não tendo o conhecimento da leitura e da escrita, o conhecimento que a
criança tem do mundo, obtido das suas relações com a família, amigos, ambiente no
qual está inserido, é capaz de identificar s elementos que estimula à primeira leitura
e, depois à interpretação do texto.
Mas, neste caso, é importante de alfabetizar o indivíduo, uma vez que ele já possui
conhecimento do mundo? Freire (apud BARRETO, 1998, p. 77) responde afirmando
que a alfabetização é importante para “que as pessoas que vivem numa cultura que
conhece as letras não continuem roubadas de um direito: o de somar à ‘leitura’ que
já fazem do mundo a leitura da palavra, que ainda não fazem”.
Em sua análise da importância do ato de ler, Freire (1986, p.19) destacou que “o ato
de ler, não se esgota na decodificação pura da palavra escrita ou da linguagem
escrita, mas que se antecipa e se alonga na inteligência do mundo”.
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O segredo da alfabetização é a leitura e ensinar alguém a ler e a compreender a
escrita é o objetivo maior do professor na alfabetização. De acordo com Cagliari
(2006, p.169) “além de ter um valor técnico para a alfabetização, a leitura é ainda
uma fonte de prazer, de satisfação pessoal, de conquista, de realização, que serve
de grande estímulo e motivação para que a criança goste da escola e de estudar”.
O indivíduo possui um nível intelectual que tem valor relativo à possibilidade de ler e
escrever e para que isso ocorra, basta apenas ter um estímulo ambiental. A
imaginação da criança exercita a realidade através das fantasias, mas precisa de um
ambiente estimulador da leitura, organizado pelo educador, para proporcionar ao
aluno o alcance, com sucesso, da alfabetização.
Uma das características da importância da leitura é considerar as percepções da
realidade que cerca a criança. Nesse contexto, Yunes (2003, p.37) acrescenta a
necessidade de “observar as transformações das práticas sociais e as formas de
conceber essas práticas que também se modificam” e destaca que ler significa,
Uma descoberta, mudar de horizontes, interagir com o real, interpretá-lo, compreendê-lo e decidir sobre ele. Ler é, pois interrogar as palavras, duvidar delas; ampliá-las. Deste contato, desta troca nasce o prazer de conhecer, de imaginar, de inventar a vida. O ato de ler é um ato de sensibilidade e da inteligência, da compreensão e da comunhão com o mundo: expandimos o estar no mundo, alcançamos esferas de conhecimento antes não experimentadas e, no dizer de Aristóteles, nos comovemos e ampliamos a condição humana.
Um dos principais instrumentos de comunicação da escola sempre foi a escrita. O
livro é considerado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência
e Cultura (UNESCO) um instrumento fundamental para o aperfeiçoamento humano
e suma importância para a educação. Segundo Zilberman; Bordini (1989, p.14), “os
Estados são obrigados, devido uma carta da UNESCO, a desenvolver uma política
de proteção ao livro, no que diz respeito a ser editado e produzido”.
Professores, pesquisadores e órgãos representativos do Estado começam no final
da década passada a se preocuparem com a leitura e o livro no Brasil. É importante
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ressaltar que através de medidas isoladas não ocorrerá o desenvolvimento de ações
subsidiárias por parte do Estado pela valorização da leitura e do livro. Segundo
Zilberman e Bordini (1989, p.15):
[...] uma política de leitura só se justifica se for efetivada atendendo a objetivos quanto aos contextos do processo ensino-aprendizagem, produção de material impresso, avaliação da qualidade do material impresso, pesquisas, capacitação e aperfeiçoamento dos professores neste campo e desenvolvimento de sistemas de distribuição e acesso ao material impresso.
Com a maioria das crianças e jovens demonstrando pouco interesse pela leitura, o
mercado se abre para a venda de livro infanto-juvenil, cujo objetivo é desenvolver o
hábito da leitura. Contudo, é preciso uma triagem em relação à literatura infanto-
juvenil, para que a mesma seja de qualidade.
É necessário que a criança tenha a oportunidade de ter acesso a uma leitura
recreativa e desafiadora, desenvolvendo o prazer em ler, pois todo o texto artístico
investe na imagem simbólica do mundo a ser revelado, tornando um desafio na
medida em que o leitor intervém no texto lido, estabelecendo uma relação ativa de
perguntas-respostas, encontrando na obra as respostas vivenciais, levantando os
questionamentos e
abrindo as novas perspectivas.
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A prática da leitura não é uma constante em todas as famílias, por isso a escola
deve recorrer a estímulo para introduzir o hábito da leitura em seu educando. Esse
incentivo deve ser iniciado no período da alfabetização onde a criança terá seu
primeiro contato com o livro, passando a descobrir o mundo através das letras.
A aquisição da leitura e da escrita deve acontecer através da utilização de um
conjunto de procedimentos: métodos, técnicas e recursos, que possibilitem aos
educandos adquirirem habilidades em relação ao uso desse código. O trabalho do
professor quanto à alfabetização tem-se centralizado na busca do melhor ou mais
eficaz método. Contudo, o professor não deve menosprezar o conhecimento que a
criança adquiriu do mundo, antes mesmo de chegar à escola.
Devemos lembrar que a alfabetização é um processo inicial do aluno no
conhecimento da leitura e da escrita e o professor tem um compromisso de garantir
aos alunos o domínio da prática da leitura, trabalhando a significação da leitura
como instrumento de interação de maneira lúdica e prazerosa, mas respeitando as
diferenças individuais de cada criança. Sendo assim, a leitura trabalhada de forma
mecânica fará com que o leitor durante o seu período escolar se torne apenas um
aprendiz não tomando gosto pelo ato de ler. A escola deverá oferecer mecanismos e
situações para que os alunos possam aprender a ler, proporcionando ao educando
acesso a bons livros.
É importante que o professor tenha conhecimento do conteúdo a ser ensinado,
reflita sobre sua prática docente e seja modelo de leitor, proporcionando múltiplas
alternativas de integração do aluno com os textos escritos, modificando sua rotina
pedagógica e fazendo com que a leitura constitua uma estratégia para oportunizar
ao cidadão fazer a sua leitura de mundo e permitir que possa avaliar e não apenas
aceitar tudo que lhes é oferecido.
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REFERÊNCIAS
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