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ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ACERCA DA VARIÁVEL ANOS
DE ESCOLARIZAÇÃO NA COMUNIDADE PESSOENSE
Cristiane da Silva Baltor (URCA)
Resumo: Os estudos de variação sociolinguística, desenvolvidos por Labov, na segunda metade da
década de 60, insistiram na relação língua-sociedade-heterogeneidade, comprovando que a variação
encontrada na língua falada não é um caos; ao contrário, é perfeitamente sistematizável, pois os processos
variáveis são condicionados por fatores tanto de ordem linguística quanto social e todos os fenômenos são
passíveis de análise e sistematização. Assim, ao considerar que há várias possibilidades de o indivíduo
dizer a mesma coisa de forma diferenciada, a investigação acerca da linguagem oral tem sido
intensificada, tendo em vista que essa modalidade apresenta características de jamais ser estável ou
uniforme e se comportar bem diferente do que estabelecem as gramáticas normativas. Partindo desses
pressupostos, este artigo apresenta um levantamento da variável anos de escolarização em alguns
trabalhos de cunho variacionista voltados para a comunidade pessoense, a fim de delinear um dos
aspectos do perfil do falante nessa comunidade. Essa variável foi escolhida por ser apontada pela
literatura como a mais atuante entre as variáveis sociais, sendo utilizada, em geral, para distinguir o estilo
de fala padrão do não-padrão. As pesquisas buscaram respaldo teórico-metodológico na teoria da variação
(LABOV, 1966, 1972), utilizando-se do corpus pertencente ao Projeto Variação Linguística no Estado da
Paraíba - VALPB (HORA, 1993), cujos informantes, num total de 60 (sessenta), estão estratificados por
sexo, faixa etária e anos de escolarização.
Palavras-chave: Variação linguística; Anos de escolarização; Comunidade pessoense
1. Introdução
A comprovação de que a língua é um organismo vivo, sujeito a variações e
mudanças, tem proporcionado inúmeros estudos que descrevem o perfil linguístico dos
falantes de uma comunidade. Assim, a investigação acerca da linguagem oral tem sido
intensificada, tendo em vista que essa modalidade apresenta características de jamais ser
estável ou uniforme e se comporta bem diferente do que estabelecem as gramáticas
normativas.
Foi Labov, na segunda metade da década de 60, quem insistiu na relação língua-
sociedade-heterogeneidade e instituiu a Sociolinguística Variacionista ou Teoria da
variação como modelo teórico-metodológico, cujo princípio fundamental é comprovar
que a variação encontrada na língua falada não é um caos, como era diagnosticado por
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correntes anteriores; ao contrário, é perfeitamente sistematizável, pois fatores
linguísticos e sociais condicionam os processos variáveis.
O conhecimento do modelo teórico-metodológico laboviano (Labov, 1966,
1972) tem contribuído para o desenvolvimento de inúmeros estudos descritivos que
objetivam delinear o perfil do falante de uma comunidade. A pesquisa ora apresentada,
por exemplo, insere-se nesse arcabouço teórico, à medida que concebe a língua como
um fato social, inerente ao indivíduo, dinâmica e heterogênea, e considera o fator social
anos de escolarização como ponto de partida para delinear um dos aspectos do perfil do
falante da comunidade pessoense, buscando fazer um encaixamento social dessa
variável na referida comunidade.
Partimos da hipótese de que quanto maior for o nível de escolarização, maior
será o conhecimento do falante em relação à língua que utiliza e, principalmente, mais
perceptível será o prestígio de determinadas formas em detrimento de outras,
influenciando sua escolha por uma das variantes.
Dividimos este artigo em seções, ao longo das quais apresentamos a
fundamentação teórica que norteia o trabalho e a metodologia utilizada, com ênfase nos
métodos empregados para a coleta dos dados, tecemos breves comentários acerca do
fator social anos de escolarização, buscando fazer um encaixamento social da variável
na comunidade investigada e, por fim, apresentamos as considerações finais e a
bibliografia consultada.
2 A pesquisa sociolinguística
A língua, entendida como um sistema de signos que possibilita a comunicação, é
considerada como o mais importante objeto ativo nas relações humanas. Até meados da
década de 60, os estudos linguísticos concebiam-na de forma homogênea, sem
interferência do meio extralinguístico, sem alterações, portanto. Posições teóricas como
as de Chomsky (1975) corroboram esses pressupostos, abstraindo de seus estudos a
variação linguística, considerada, até então, como um desvio provocado pelo uso da
linguagem.
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A partir da consolidação da idéia de dinamismo da língua, começam a ser
desenvolvidas pesquisas que procuram incorporar o aspecto social aos estudos
linguísticos. Nessa perspectiva é que Labov, na década de 60, tendo como base os
estudos desenvolvidos na ilha de Martha’s Vineyard sobre a centralização dos ditongos
(ay) e (aw) no inglês falado, instituiu a sociolinguística variacionista como modelo
teórico-metodológico, cujo princípio fundamental é a heterogeneidade linguística,
advinda do contato da língua com a sociedade.
A elaboração de trabalhos sociolinguísticos centra-se na possibilidade de o
falante dizer a mesma coisa de forma diferenciada. Essas formas são denominadas de
variantes e, a um conjunto delas, chamamos de variáveis. Dessa maneira, trabalhos
pautados sob a ótica do modelo teórico-metodológico laboviano (Labov, 1966, 1972)
geralmente observam a língua de um ponto de vista dinâmico, exposta a processos de
variação e mudança. Assim, essa teoria tem uma grande preocupação com os aspectos
sociais, capturados na língua falada, levando em conta seus fatores inerentes (sexo e
faixa etária) e adquiridos (anos de escolarização, classe social, entre outros).
Para representar os processos variáveis, a sociolinguística tem na quantificação
uma arma para sistematizar as variações encontradas na língua e essa quantificação
representa um avanço nas técnicas descritivas. A partir dela, os investigadores
examinam a probabilidade de ocorrência de determinado fenômeno em determinado
ambiente linguístico e social.
Conforme Milroy e Milroy (1997), essa ferramenta permite, ainda, a
investigadores fazer declarações precisas entre falantes e grupos de falantes em uma
determinada comunidade.
Por avaliar quantitativamente a ação dos fatores linguísticos e sociais que
condicionam ou inibem uma regra variável, avaliando o seu efeito sobre o fenômeno
variação/mudança em um determinado sistema linguístico, a teoria da variação é
também rotulada por alguns de sociolinguística quantitativa (Tarallo, 1985).
A partir desse novo modelo surge a distinção entre os termos mudança e
variação, já que antes o primeiro era aplicado aos dois processos. Para Weinreich,
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Labov e Herzog (1968, p. 183-187), um modelo de língua que acomodasse os fatos de
uso variável, com seus determinantes sociais e estilísticos, não somente conduziria a
descrições mais adequadas da competência linguística, como também produziria uma
teoria da mudança da língua que superasse os paradoxos com os quais os linguistas
históricos vinham-se debatendo há mais de meio século. Assim, estabeleceram os cinco
problemas primordiais que devem ser tratados por qualquer teoria de mudança
linguística. São eles:
i) Os fatores restritivos: determinam os possíveis fatores (sociais e
linguísticos) que podem nortear uma variação ou mudança.
ii) O encaixamento linguístico: observa que apenas o aspecto
linguístico é insuficiente para dar conta da mudança e da variação e propõe a
interação do sistema linguístico com o social.
iii) A avaliação: estabelece que à medida que a mudança vai
ganhando espaço na comunidade, os indivíduos iniciam seus julgamentos
sociais a respeito das variantes, positiva ou negativamente;
iv) A transição: explica como se dá, passo a passo, a mudança de
uma estrutura para outra, procurando responder como e por quais caminhos a
língua muda.
v) A implementação: procura detectar em que parcela da sociedade
localiza-se o foco irradiador da mudança linguística.
Essas questões podem ser respondidas por meio de um levantamento exaustivo
do vernáculo coletado, principiando pela descrição da variável, depois pela análise dos
fatores condicionantes, do encaixamento da variável no sistema linguístico e social da
comunidade e, por fim, pela avaliação se a variável em estudo é um caso de variação ou
mudança (Silva, 1996, p. 16-17).
Através do esclarecimento desses problemas, podemos descrever um
determinado fenômeno variável, isto é, podemos mapear o comportamento linguístico
da comunidade com relação ao fenômeno enfocado, seja ele de qualquer natureza
gramatical, estabelecer um intercâmbio com outras culturas, comparar os seus
resultados com estas e, dessa forma, levar ao conhecimento de todos a realidade
sociolinguística dessa comunidade.
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3 Metodologia
À luz do modelo teórico-metodológico laboviano, que privilegia a fala
espontânea, objeto de estudo da sociolinguística variacionista, o material linguístico
aqui apresentado foi extraído do corpus do Projeto Variação Linguística no Estado da
Paraíba – VALPB (HORA, 1993) – que consta de uma amostra de 60 entrevistas,
estratificados em função das seguintes características sociais: sexo (Masculino – 30
informantes; Feminino – 30 informantes); anos de escolarização (Nenhum – 12
informantes; 1 a 4 anos – 12 informantes; 5 a 8 anos – 12 informantes; 9 a 11 anos –
12 informantes; Mais de 11 anos – 12 informantes) e faixa etária (15 – 25 anos – 20
informantes; 26 – 49 anos – 20 informantes; 50 anos ou mais – 20 informantes).
Os informantes que constituem o corpus foram selecionados de forma aleatória.
Primeiramente foram sorteados nove bairros e, em seguida, duas ruas por bairro, onde
foi aplicado um total de 500 formulários. A partir da lista nominal dos informantes
selecionados pelos formulários, foram escolhidos 60 para a amostragem final.
Os critérios adotados para a seleção dos informantes foram os seguintes:
a) ser natural de João Pessoa ou morar nesta cidade desde os cinco anos de
idade;
b) nunca ter passado mais de dois anos consecutivos fora de João Pessoa.
As falas foram captadas de forma que fosse minimizado o efeito negativo da
presença do entrevistador-pesquisador tão bem colocado por Labov (1972, p. 209)
quando faz referência ao “paradoxo do observador”. Segundo ele, o objetivo da
pesquisa linguística na comunidade de fala deve ser observar como as pessoas falam
quando elas não estão sendo sistematicamente observadas, mas só podemos obter estes
dados através da observação sistemática.
Isto significa, resumidamente, que o informante deve falar de forma que não se
sinta observado, sob pena de não falar naturalmente. Dessa maneira, os temas presentes
nas gravações do Projeto VALPB são, em sua maioria, questões voltadas para o
interesse de cada informante, de acordo com as informações contidas em questionários
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anteriormente aplicados. São narrativas de experiência pessoal, ocasionando, dessa
forma, uma maior desenvoltura e espontaneidade no ato de fala.
Como pode ser observado em Tarallo (1985, p. 22):
Os estudos de narrativas de experiência pessoal têm demonstrado que, ao
relatá-las, o informante está tão envolvido emocionalmente com o que relata
que presta o mínimo de atenção ao como. E é precisamente esta a situação
natural de comunidade almejada pelo pesquisador-sociolinguista.
Os dados coletados, após uma primeira observação, foram codificados e, em
seguida, submetidos a um programa computacional chamado VARBRUL (PINTZUK,
1988). Esse pacote de programas trabalha estatisticamente os dados, fornecendo a
frequência e o índice de aplicação de uma regra condicionada por restrições linguísticas
e/ou sociais.
Mesmo sabendo da importância de programas computacionais na realização da
análise estatística dos dados, cabe diretamente ao pesquisador coletar, codificar,
armazenar e estabelecer grupos de fatores que condicionam a ocorrência de determinado
fenômeno e analisar os dados à luz da teoria variacionista.
O programa computacional tem um papel coadjuvante no processo de análise,
enquanto o pesquisador detém o papel principal nesse processo. Assim, percebemos que
os números são de grande importância para a pesquisa sociolinguística, mas de nada
valem se o pesquisador não souber analisá-los, nem tampouco os relacionar
corretamente aos processos linguísticos.
Após a transcrição, os dados do VALPB foram revisados, codificados, digitados
e armazenados em programa computacional, constituindo, assim, o banco de dados de
língua falada da comunidade pessoense e tornando possível seu uso por parte de
pesquisadores, não só da área de Sociolinguística, mas também de outras áreas.
4. O fator anos de escolarização na comunidade pessoense
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A literatura pertinente aponta a escolarização como a mais atuante entre as
variáveis sociais. Ela atua como um poderoso condicionante na escolha das variantes,
distinguindo o estilo de fala padrão do não-padrão, mostrando que essa forma não-
padrão está sempre ligada ao aspecto inovador e estigmatizado, combatido pela
instituição educacional, o que vem a estabelecer que, quanto mais anos de escolarização
tiver o falante, maior a sua consciência do uso da forma considerada padrão. (Scherre,
1996, p. 337-50).
Segundo Votre (1994, p. 75),
a forma estigmatizada tende a despertar uma reação negativa na maioria dos
usuários da língua, é objeto de crítica aberta por parte dos usuários das
formas prestigiadas e é registrada como problemática nas gramáticas
escolares e nos manuais de ensino e estudo da língua.
Assim, a estigmatização das formas não-padrão leva os indivíduos com mais
anos de escolarização a manter a forma linguística padrão, visto que ela é a tradução do
status elevado, de melhores oportunidades de bons empregos e de uma ascensão social
mais rápida. As formas não-padrão, por outro lado, expressam o inverso dessa
perspectiva.
Partindo dessas considerações, apresentamos um levantamento da variável anos
de escolarização em alguns trabalhos de cunho variacionista desenvolvidos na
comunidade pessoense, a fim de delinear um dos aspectos do perfil do falante nessa
comunidade.
Iniciamos a discussão apresentado uma breve descrição do comportamento
linguístico do objeto direto anafórico, o qual se configura sob quatro possibilidades:
Um sintagma nominal cujo núcleo não é um pronome de
terceira pessoa – SN Pleno: “Eu tenho um pouco de música. Tenho que
ta ouvindo sempre. Atualizar as música” (AFB)
Um pronome pessoal representado pelas formas ele(s),
ela(s) – Pronome Lexical: “O povo ainda vai eleger ele (= presidente)
novamente” (MSFMF)
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A elipse de um objeto de terceira pessoa em cadeia
anafórica – Objeto Nulo: “As pessoas se reúnem aos sábados e vai
comprar __. (= alimento)” (JEEB)
Um pronome pessoal representado pelas formas o(s), a(s)
e suas variantes lo(s), la(s), no(s), na(s) – Clítico Acusativo: “Eu a vi
ontem na escola” (MSFMF)
Esse fenômeno está diretamente relacionado ao tempo de escolarização dos
falantes, tendo em vista que na perspectiva da gramática tradicional, que tem como
aliada a língua escrita difundida em sala de aula e transformada em dogma pela escola, a
estrutura que envolve o pronome lexical é totalmente rejeitada, uma vez que os
pronomes retos funcionam, em regra, como sujeitos da oração.
Vejamos o que nos aponta uma gramática tradicional a respeito dessa variante:
Na fala vulgar e familiar no Brasil, é muito frequente o uso do ele(s)/ ela(s)
como objeto direto em frases do tipo: Vi ele/ Encontrei ela. Embora esta
construção tenha raízes antigas no idioma, pois se documenta em escritores
portugueses dos séculos XIII e XIV, deve ser hoje evitada. (Cunha; Cintra,
2001, p. 281)
No entanto, percebemos que na língua falada, resultante de situações mais
naturais, este processo é largamente utilizado. A esse respeito, podemos observar Penna
(2002, p. 67), quando nos diz que
a prática do emprego do pronome de terceira pessoa, como objeto direto, no
dia a dia, no português do Brasil, mostra-se contrária às prescrições das
gramáticas normativas: o que se observa é o uso do pronome lexical ele e
suas flexões em função acusativa, na língua oral e escrita, formal e informal.
Em relação ao uso do clítico, Camara Júnior (1972, p. 35-6) assevera que
a língua coloquial do Brasil refuga, aliás, a forma acusativa o, a, os, as,
preferindo-lhe ele (-a, -es, -as) em função acusativa. As crianças alertadas
pela preparação anterior ao exame contra esse vulgarismo empregam sempre
nas redações o, a, os, as, mesmo quando o pronome objeto é ao mesmo tempo
sujeito de um infinito integrante. Por isso só encontrei esporadicamente a
construção, que é a usual na língua cotidiana, “sem ver eles mandarem”.
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No Português do Brasil, a perda dos clíticos de terceira pessoa tem-se mostrado
evidente, a ponto de configurar uma gramática com características próprias e implantar
o uso do “ele” na função de objeto, diferente do Português Europeu, que conserva o
clítico acusativo em seu sistema linguístico, não admitindo um pronome pessoal na
referida função.
No entanto, as escolas parecem ignorar tal fato, reforçando o mito da
agramaticalidade da língua falada à medida que insiste em apresentar como parâmetro a
apenas norma culta, sem qualquer reflexão sobre a língua em uso e as possíveis
mudanças que a permeiam. Assim, a língua é observada num estado de dicionário,
imóvel e imparcial, e à medida que aumenta o nível de escolarização dos indivíduos
aumenta também o preconceito linguístico com relação às variantes não-padrão.
No corpus investigado, das 367 ocorrências desse processo variável, apenas 13
se referem à variante clítico acusativo (todas pertencentes à fala de universitários). As
demais ocorrências se dividem entre as variantes SN pleno (82 casos), pronome lexical
(102) e objeto nulo (170), o que nos leva a concluir que o objeto nulo, está substituindo
o clítico acusativo de forma categórica.
Podemos afirmar, então, que os resultados desta pesquisa evidenciam a
influência da escola no processo de variação do objeto direto anafórico. A menor
probabilidade de ocorrência do pronome lexical está correlacionada ao maior tempo de
exposição à escola, isto é, os falantes sem nenhum ano de escolarização privilegiam
essa variante, enquanto que, no discurso dos universitários, há uma preferência por
estruturas menos estigmatizadas: SN pleno e objeto nulo.
Fernandes (1996), em seu estudo sobre o uso de nós e a gente na fala pessoense,
confere à variável anos de escolarização o primeiro lugar entre as variáveis sociais. Os
resultados foram muito aproximados tanto para o uso do pronome nós quanto para o uso
de a gente, sendo que os informantes que se apresentam entre 9 a 11 anos de
escolarização lideram o emprego da norma culta, seguidos dos universitários.
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Segundo a autora, a escolarização do falante tem pouco peso na escolha de uma
variante ou outra, já que a variante inovadora, a gente, além de não ser estigmatizada,
encontra-se em larga expansão no discurso interativo de modo geral.
Anjos (1999), em seu estudo sobre a concordância verbo-sujeito, afirma que o
fator anos de escolarização é o fator social mais influente na variação estudada, pois
revela o caráter estigmatizante da classe mais escolarizada diante da menos
escolarizada.
Através de seus resultados podemos perceber a estreita relação entre os anos de
escolarização e a concordância verbal. Como era esperado, falantes com mais anos de
escolarização tendem a realizar a concordância verbo-sujeito, enquanto que falantes
com menos anos tendem a apagar as marcas explícitas de plural; já os situados nas
faixas intermediárias situam-se próximos ao ponto de neutralidade, evidenciando
fortemente a influência da escola sobre o comportamento linguístico dos falantes.
Em Pedrosa (2000), essa variável aparece como a primeira entre as sociais. A
autora afirma que os universitários evitam utilizar variações de ordem que favoreçam
ambiguidades e que possam prejudicar a sua comunicação. Desta forma, privilegiam o
uso da ordem não-marcada (sujeito-verbo).
Em Silva (2001), o fator anos de escolarização foi escolhido pelo VARBRUL
como o mais favorecedor, entre os sociais e os linguísticos, do emprego do verbo ter
existencial, que é a variável inovadora.
De acordo com a autora, os falantes com menos escolarização tendem a utilizar
mais essa forma inovadora, decrescendo nos falantes que se apresentam entre 5 a 8 anos
de escolarização, à medida que aumenta relativamente nos falantes mais escolarizados.
Esses resultados se mostram interessantes na medida em que os informantes com 5 a 8
anos de escolarização apresentam-se como menos influentes na aplicação do ter
existencial, confirmando que o acesso às regras gramaticais na escola, que se inicia
exatamente nessa fase, determina o comportamento dessa variante.
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Marques (2001), em seu estudo sobre a variação da produção intervocálica da
fricativa sonora lábio-dental /v/, constata que a variante não-padrão é usada em larga
escala pelos falantes situados nas três primeiras faixas de escolarização, ou seja, falantes
com nenhum ano de escolarização, 1 a 4 anos e com 5 a 8 anos. Já os situados na faixa
compreendida pelos secundaristas e pelos universitários utilizam a variante inovadora
de forma muito sutil.
A autora atribui a queda da variante não-padrão nas duas faixas superiores de
escolarização ao amadurecimento linguístico que os falantes dessas faixas apresentam e
também ao fato de esse fenômeno, apesar de não ser contemplado pela programação
escolar, encontrar-se sujeito às correções dos professores.
Lucena (2001), em seu estudo sobre o comportamento da preposição para,
afirma que o fator anos de escolarização foi apontado como o mais relevante na
variação estudada. Conforme o previsto, há uma ocorrência maior da variante padrão
para no discurso dos informantes universitários. Os informantes analfabetos, por outro
lado, praticamente desconhecem a existência da variante padrão.
Diante desses resultados, podemos afirmar que a variável anos de escolarização
exerce grande influência sobre o comportamento linguístico dos falantes desta
comunidade. Entretanto, essa variável não apresenta um resultado categórico em todos
os estudos aqui representados. Isso nos leva à seguinte conclusão:
- Há casos de variáveis estigmatizadas, nos quais a escola
influencia no sentido de eliminá-la, o que é confirmado pelo fato de os
falantes mais escolarizados serem os que menos empregam a variante não-
padrão estigmatizada;
- Há casos de variáveis não estigmatizadas, nos quais a escola não
exerce influência direta no sentido de eliminá-las, deixando-as transitarem
livremente entre os falantes de todas as camadas de escolarização;
- Há casos de variáveis não estigmatizadas, nos quais a escola,
ainda que não priorize, através de programa, sua eliminação, encontra-se
atenta e disposta a efetuar a devida “correção”.
5 Considerações finais
Estamos, portanto, diante de resultados que parecem refletir o caráter
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heterogêneo desta comunidade. Enquanto determinados fenômenos condicionados pela
influência da escolarização movimentam-se em sentido à norma culta, entendida como
padrão, outros movimentam-se em sentido à norma não-padrão. Já outros permanecem
próximos à zona de neutralidade, ainda que por tempo indeterminado.
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Recebido Para Publicação em 30 de outubro de 2011. Aprovado Para Publicação em 23 de novembro de 2011.