ALENTEJO - CONTOS & LENDAS in Tradição Serpa
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TRADIÇÃO – SERPA – Revista de 1899 – 1904
(in revista TRADIÇÃO de SERPA -1899 - 1904)
ed. Em Fac Símile, Câmara Municipal de Serpa, 1982, com a participação do Conde
de Ficalho. Recolha, em Elvas de 69 CONTOS, Thomaz Pires e outros, num total de
92? (15+ 4 + 4 +69) CONTOS E LENDAS
CONTOS POPULARES DO ALENTEJO
Colectânea de Contos publicados na revista TRADIÇÃO de SERPA -1899 - 1904)
PUBLICADO na internet para Almada, Alma Alentejana, 2009.08-09, em Joraga.net
http://www.joraga.net/contos/pags/53_12_Tradicao_Serpa.htm ...
Agora em livro – joraga.net 2014 Natal – 2015 Reis
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
2
http://ssebastiao.wordpress.com/2007/11/21/seroes-a-lareira/
http://alpalhaoonline.no.sapo.pt/paginas/museus.htm
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
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TRADIÇÃO – SERPA – Revista de 1899 – 1904
(in revista TRADIÇÃO de SERPA -1899 - 1904)
ed. Em Fac Símile, Câmara Municipal de Serpa, 1982, com a participação do Conde
de Ficalho. Recolha, em Elvas de 69 CONTOS, Thomaz Pires e outros, num total de
92 (15+ 4 + 4 +69) CONTOS E LENDAS
CONTOS POPULARES DO ALENTEJO
Colectânea de Contos publicados
na revista TRADIÇÃO de SERPA -1899 - 1904)
PUBLICADO na internet para Almada, Alma Alentejana, 2009.08-09, em Joraga.net http://www.joraga.net/contos/pags/53_12_Tradicao_Serpa.htm ...
Agora em livro – joraga.net 2014 Natal – 2015 Reis
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
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Ficha Técnica
Título: ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES
(in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
Autor(es) – vários, com relevância para A. Thomaz Pires
Digitalização e organização e propostas de intertextualidade – José Rabaça Gaspar
Ilustrações da internet devidamente creditadas
Divulgação, como ‗partilhadoconhecimento‘ – SCRIBD – 2015 JANEIRO
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
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Dedicatória
A todos os ALENTEJANOS
E AMIGOS do ALENTEJO…
e a todos os que se interessam pelos VALORES CULTURAIS
do ALENTEJO,
do PAÍS…
da HUMANIDADE…
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
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ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
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Apresentação
Esta ANTOLOGIA de –
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
nasce a partir de um trabalho organizado para
‗ALMA ALENTEJANA‘ - Laranjeiro
Agosto / Setembro de 2009
«No plano cultural e recreativo a Alma Alentejana tem como objectivos:
Contribuir para a preservação e divulgação da cultura Alentejana,
nomeadamente através do desenvolvimento e realização de actividades de carácter intelectual, cultural, recreativa,
de ocupação de tempos livres, desportivo e cívico;
A divulgação, o estudo, a defesa e a valorização
do património cultural do Alentejo, nos seus diferentes aspectos histórico, literário, artístico, monumental, musical e etnográfico.
O desenvolvimento de relações com todos os alentejanos, aprofundando as suas raízes coma terra de origem;
O desenvolvimento de relações de cooperação
com os órgãos autárquicos, colectividades, escolas, associações culturais, cívicas ou de outra natureza.
Em Julho de 2009, foram empossados novos Corpos Gerentes e uma das propostas a implementar,
como de resto todo o plano de actividades vindas da Direcção anterior, é umPLANO proposto pelas
CANTADEIRAS da ALMA ALENTEJANA,
à Divisão de Educação, em 30 de Abril de 2009 Plano cultural para as Escolas (Almada) – CANTE ALENTEJANO NAS ESCOLAS DE ALMADA
– incluindo a divulgação, conhecimento, ensino / aprendizagem e implementação dos valores culturais alentejanos, sem excluir o de outras regiões, tais como:
o Cante, a Poesia, Contos, Lendas, jogos tradicionais infantis lengalengas, o Humor Alentejano…;
disponibilidade para se deslocarem às Escolas interessadas, de acordo com um plano a combinar.
Propõe-se ainda a criação de um SITE ou a colaboração no SITE da rede Escolar, já existente. «No que se refere à Poesia, Contos e Lendas haverá um «manancial» que poderá ser fornecido por
membros da Alma Alentejana na sua área Cultural» o que se propõe com este PORTFÓLIO e outros do-cumentos a organizar.
A Direcção, com o seu vice-presidente para a Área Cultural, no seu propósito de implementar o mais possível o trabalho em equipa e a participação de todos os associados, propõe que se crie um grupo de
trabalho, para implementar esta e outras iniciativas, como a criação de uma Área Cultural – que já se
propôs se chamar-se animALENTEJO[2] – que se dedique à recolha, registo, catalogação, estudo, à preservação e divulgação da cultura Alentejana, através de diversas actividades, como a criação de um
Centro de Documentação, ciclos de estudos, palestras, e outros considerados oportunos e possíveis.» http://www.joraga.net/contos/pags/53_contos&lendas_alentejo.htm#_ftn3
Como se pode verificar, esta recolha digitalizada dos ‗CONTOS POPULARES‘ que foram publicados na Re-vista TRADIÇÃO – SERPA, entre 1899 – 1904, uma das 15 obras propostas para estudar e divulgar
CONTOS POPULARES do LENTEJO pretende ser o princípio de uma grande, interminável obra com a re-
colha deste IMENSO TESOURO da CULTURA ALENTEJANA… uma tarefa a pedir a colaboração de possí-veis interessados e considerem este trabalho um complemento importante do CANTE que foi considerado
pela UNESCO como PATRIMÓNIO IMATERIAL da HUMANIDADE, EM 27 DE Novembro de 2014…
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
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Esquema do trabalho com ligações à publicação na internet…
1. recolhidos por ANTÓNIO ALEXANDRINO:
Ano I - 1899 série I 2ª ed. 1982 Nº ordem Título Terra Página
1. I O Compadre Bernardo (e a comadre
morte...) Brinches 29 e 30
2. II O Lobo e a Zorra (... e a esperteza
da raposa...) Brinches 45.46 e 47
3. III Dois galegos encontrando-se(Galegos - para os alentejanos -
são todos os do Norte... Beiras...)
Brinches 47
4. IV O Pedro Malas-Artes (com muitas
versões populares...) Brinches 60.61.62.63
5. V O Lobo e as três fortunas (... mar-cador de extremas... alveitar de
bestas... batizador de porcos...)
Brinches 76 e 77
6. VI A morte de três galegos (afinal cada
um desdenha dos outros...) Brinches 77 e 78
7. VII O grão de milho («Se matar o boi
Lobato, eu lhe darei dinheiro para
três ou quatro...»
Brinches 95 e 96
8. VIII A Zorra e a Cegonha (Afinal quem é mis esperto? Ver fábulas...)
Brinches 111 e 112
9. IX O Era e não Era (uma mentira mai-
or que o Padre Nosso) Brinches 143-144,
10. X Três Galegos querendo falar à polí-
tica (A fala dos outros é estranha...) Brinches 190-191
Ano II 1900 11. XI O Zé Valente (... vai correr mundo...
cheio de aventuras...) Brinches 29-30 e 45-46
12. XII Animais fugindo à morte (o galo... o pato... o peru... o cão... o carneiro...
o gato... "a união faz a força"...)
Brinches 107-109
13. XIII O Diabo e a Sogra (Até o diabo foge
da sogra!!!) Brinches 142-143
e 191
Ano III 1901 14. XIV O Hortelão e o Moço (o aprendiz de
feiticeiro... o bago de romã muda em
zorra que come as galinhas...)
Brinches 45, 46 + 63,
64 + 77,78
15. XV O Monte da Má-Hora (Ver outras len-das... o irmão mais novo é o mais va-
lente...)
Brinches 138, 139, 140, 141 + 155,
156,157, 158
2. de Luiz Fredrico, 11 anos: in Ano III (1901)
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
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16. Era-Não-Era (Imensas versões em
cada região...) Odivellas do
Alentejo 124, 125
3. de D. Nicoláo Diaz y Pérez (Madrid) recolha de 1867: in Ano IV (1902)
17.
A Moura Salúquia (LENDA do se-culo XIII - Moura)
(Moura) Madrid 24, 25, 26 + 55,56,57
4. de Dr. Ladislau Piçarra, Serpa 1897: in Ano VI 18. O Milagre da Troncanita (Caso? -
Milagre? - Serpa) Serpa 25-
26 19. A Cobra da Quinta do Fidalgo (Lenda -
Ana a Fidalga - Serpa) Serpa 70-
71
5. de A. Rosa da Silva – Pedrógão do Alentejo LENDAS LOCAES in IV Ano 1902:
20.
Sino de S. Lourenço (Lendas lo-cais I)
Pedrogão do Alentejo
60
21.
As Pedras das Bruxas (Lendas locais II)
Pedrogão do Alentejo
60, 61
22.
As Mouras Encantadas (Lendas locais III)
Pedrogão do Alentejo
61
6. de Alfredo PRATT - in IV ano 1902 23. ―Os doze de Inglaterra‖ – (só
estudoe propostas? …) da Tradição
europeia?! ...
Lusíadas...
p. 17, 18, 20, 22,
23 + 33, 34, 36, 38
+ 65, 66, 68, 70 +
97, 98, 100 7. de A. Thomaz Pires (Contos Populares Alentejanos) Recolhas região de Elvas IV Ano (1902) 24. 1 Graças a Deus para sempre... ou o
Homem ruim - de barriga cheia... Elvas 141, 142
25. 2 A Fada Mouca (remeter para a Bruxa
e o Caldeirão... e A Galinha dos Ovos
de Ouro)
Elvas 142, 143
26. 3 A Priceza Encantada (Afinal, o rapaz bruto é que sabia responder...)
Elvas 143
27. 4 O Padre ridículo (era servido de gra-
ça, mas o estudante ganhou a apos-
ta...)
Elvas 156,
157, 158
28. 5 O Gallo (Queri dar o tesouro a quem mais o merecia... O Rei, não...)
Elvas 158
29. 6 A Raposa (que normalmente aparece
como a história do macaco do rabo
cortado - ou o macaco e a viola)
Elvas 159-159
30. 7 Letras e Tretas - uma mentira maior
que um Padre Nosso... Elvas 174, 175
31. 8 A viuva (a evocar a Viúva Alegre) Elvas 175, 176
V Ano (1903)
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
10
32. 9 A gulosa - (o pescador, o rei dos pei-
xes... e as 4 bonecas...) Elvas 14, 15
33. 10 A velha (como uma velha amarracada
se livra de um ladrão...) Elvas 15
34. 11 Quem tirou o olho à Rai-
nha?(Responde a Catharina: - "Bem
haja quem lh'o tirou, que fui eu".
Elvas 15,16
35. 12 O Boi barrabil (pode ser visto em ví-deo e animação...)
Elvas 31
36. 13 A sogra enganada (A violência famili-
ar!!!) Elvas 31, 32
37. 14 Faze tu bem, não cates a quem (o di-abo coxo)...
Elvas 32
38. 15 O sonho -(relacionado com o pássaro
verde... e à frente o nº17 –
O passarinho verde)
Elvas 40, 41
39. 16 O baguinho de milho - e outras ver-sões
Elvas 41, 42
40. 17 O passarinho verde (relacionar com o
nº 15 - O SONHO - e...) Elvas 42, 43
41. 18 O camponez - (ver tb. as Hidtórias do Oriente de Pearl S. Buck...
Elvas 43
42. 19 Não me cortes o cabelo que meu pai
me penteou - (com filme em 2002 e
mais análises...)
Elvas 43,44
43. 20 As pretas - (ver tb pistas para desen-
volver o tema...) Elvas 44
44. 21 O parvo - (... e o marido engana-
do...) Elvas 44, 45
45. 22 O baguinho de romã (e um aprendiz
de feiticeiro...) Elvas 45, 46
46. 23 O compadre Fachica - (o vizinho sa-
pateiro... da preta viúva...) Elvas 46
47. 24 Eu pequei com um moço (... com um velho e com um frade...)
Elvas 46,47
48. 25 Canta, surron, canta - (ou a Menina
dos brincos de oiro...) Elvas 47
49. 26 Fezes e postemas - (Ver o estranho destas palavras...)
Elvas 47
50. 27 As macacas (o marranita, afinal... é
que vence!!!) Elvas 60
51. 28 O diabo também não é mau… (até faz de advogado...)
Elvas 61, 62
52. 29 S. Benedicto (O Santo Mouro...) (Vi-
úva rica / solteira não fica) Elvas 62
53. 30 Os trez gallinhos (ouvir, ver e ca-
lar...) Elvas 62
54. 31 O gigante (e o COLHEREIRO - arte-
sanato...) Elvas 62, 63
55. 32 Os Gallegos (nome dado a todos do
norte - ver anteriores:III - Dois gal-legos; e X - Três Gallegos...)
Elvas 63
56. 33 O lavrador (Fantasmas: Quando nós
éramos vivos, andavamos aqui aos
figos)
Elvas 63, 64
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
11
57. 34 Ide aos sapatinhos (os ladrões disfar-
çados...) Elvas 64
58. 35 O copo d'oiro (a relacionar com «A
Taça do Rei de Tule»... e...) Elvas 71,72
59. 36 A bicha (e a menina que fazia ouro...) Elvas 72, 73 60. 37 O alveneu (o pobre pedreiro que o rei
queria fazer rico...) Elvas 73 74
61. 38 Os dois compadres (um rico e outro pobre...)
Elvas 74, 75
62. 39 O parvo (O manoel que namorava a
Maria...) Elvas 75 -
77 63. 40 Dona Vintes (Ver tb «A Maria Sabi-
da»...) Elvas 77, 78
64. 41 O Zé Estragado - (o soldado que en-
gana o diabo...) Elvas 78, 79
65. 42 O ladrão (Ver tb o Gigante: 54_31...) Elvas 140-
141 66. 43 O piolho (outras versões mais divul-
gadas, como o Piolho do Rei...) Elvas 142
67. 44 A preguiçosa (a remeter para a gas-
tronomia... e as voltas que dá o LI-NHO...)
Elvas 142,
143
68. 45 O príncipe porquinho (o Príncipe Por-
co... ilustrações de Paula Rego... sa-
patos de ferro hás-de romper...)
Elvas 143,
144
69. 46 O mouco (... os mal entendidos... e
Lázaro...) Elvas
70. 47 Os sete veados (que pode remeter
para a Branca de Neve e os Sete Anões?!!!)
Elvas 172,
173
71. 48 D. Buenos (e a princesa que fica es-
quecida... numa pedra... numa árvo-
re... a remeter para Branca Flor...
e...A Menina e a Preta...)
Elvas 173,
174
72. 49 Abre-te flor de liz (a remeter para
«Abre-te Sesamo... e os Compadres:
Rico e Pobre...)
Elvas 174
73. 50 O pirolito (... a mãe fez do pirolito um guisado e mandou a pirolita ir
levar o jantar ao pai...)
Elvas 174, 175
74. 51 Gri, alerta, ladra (o rapaz que
roubava o chouriço do jantar que levava...)
Elvas 175
75. 52 O Príncipe encantado (... o passari-
nho transformou-se em príncipe...) Elvas 175,
176 76. 53 Eu vi-te, tu não me viste (A princesa
presa numa torre... escava o sobrado com osso... escreve!!?... e encontra o
seu príncipe...)
Elvas 176
77. 54 O afilhado do Rei (... aos 13 anos,
como prometido... o jovem vai procu-rar o rei, mas... o careca é denuncia-
do pelo sinal...)
Elvas 9, 10,
11
78. 55 Os três encantos (Afinal os 3 rapazes,
noivos das 3 irmãs, eram reis encan-
Elvas 11,
12, 13
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
12
tados... e o irmão mais novo vai sal-
vá-las...) 79. 56 A filha do comerciante (O Príncipe
gostava de Rosa... mas casou com uma princesa... 3 vestidos depois...)
Elvas 13,
14, 15
80. 57 As três irmãs (...eram três irmãos e
três irmãs e...) Elvas
81. 58 A boneca (que "fazia" libras...) Elvas 28 82. 59 O sabor dos sabores (Afinal, a que
sabe a comida sem SAL?...) Elvas 28, 29
83. 60 Palmas verdes (...e o rei sympathisa-
va muito com a condessa, mas ella era muito honrada.)
Elvas 29
84. 61 O Príncipe encantado (Eram três ir-
mãs... o principe ficou encantado em
passarinho... e...)
Elvas 29-31
85. 62 Assim o dizem (O almoço era cachola de porco... mas... ficou-se com o pa-
lito...)
Elvas 46
86. 63 O Zé Pequenino (O Zé - Valentão-
afinal prende os Gigantes e vinga-se do irmão!!!)
Elvas 46, 47
87. 64 Dormitório (E disse à princesa: "Sa-
patos de Ferro heis de romper...") Elvas 47
88. 65 Desanda palitroques (... o guardana-po dava o de comer... a burra, di-
nheiro... os palitroques resolveram...)
Elvas 63, 62
89. 66 O tonel de vinho ("Uma cruz ao pé do
tonel vamos fazer, Para que coisa ma o vinho do tonel
não venha beber.")
Elvas 79
90. 67 A desmazelada (a mulher nem uma
açorda sabia fazer... mas, lá teve de
aprender...)
Elvas 79
91. 68 A menina apparecida (o rei perdido
assiste ao nascimento da que vai ser
a rainha... apesar de ele não que-
rer...
Elvas 94, 95
92. 69 O mateiro (O mateiro estava a cortar
o ramo errado... e até fica a saber
quando vai morrer... o burro é que
sabe.)
Elvas 95
Nota: Ver, ainda in TRADIÇÃO, a necessidade e oportunidade de outras selecções e colectâneas a fazer,
como ―Poesia Popular‖, ―CANTE‖, (modas com pauta), ―Lengalengas‖ etc. que possam interessar a Lin-guística, Sociolinguística e outros estudos relacionados com o Português e Literatura Infantil.
Escola do Magistério Primário, Beja, Maio Junho de 1986
Alma Alentejana, Almada, Agosto Setembro... Dezembro de 2009 Para divulgação em livro, Joraga.net, Corroios, Natal 2014, reis 2015
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
13
CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS I "O compadre Bernardo"
Por António ALEXANDRINO In Tradição I vol. Anno I, Nº 2, Fevereiro de 1899, Série I, pp. 29 e 30
(da Tradição oral - Brinches) [Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procuran-
do manter a grafia registada na época.] O COMPADRE BERNARDO e a COMADRE MORTE
(Ver tb Beira Baixa Adolfo Coelho)
(Beira Baixa) Adolfo Coelho - in Contos Populares Portugueses
I "O compadre Bernardo"
«Havia, numa aldeia que não era muito grande, um casal com tantos filhos que já tinham convidado todas as pessoas para padrinho de al-
gum deles…
Mas o chefe do casal, que se chamava Bernardo, tinha uma regra:
não podia ter como compadre ou comadre alguém por duas vezes…
E tiveram mais uma menina que era preciso baptizar…
Deitou-se Bernardo ao caminho disposto a convidar a primeira mu-
lher que encontrasse no caminho, mesmo desconhecida, e não fosse
madrinha de nenhuma outra irmã…
Já ao terceiro dia de jornada, encontrou no meio de uma charneca
donde só se via mato e céu, uma velha, muito velha desconhecida:
- Atão paa onde anda perdido, irmão?
- Não ando perdido… ando à procura duma madrinha para a minha fi-
lha… - Se não quiser ir mais longe, eu ofereço-me… mas é melhor saber o
eu nome, para poder decidir, caso queira escolher outra… eu sou a
Morte. Se aceitar lá estarei de hoje a oito dias para a baptiso… e logo
lhe deu um taleigo de dinheiro para as primeiras despesas…
Ia dizer… mas com o taleigo nas mãos, chegou a casa e logo a mu-
lher:
- Atão encontraste madrinha…
- Encontrei. Chama-se Morte!!!
A mulher ia a dizer… mas quando viu o taleigo: Oh, até podemos an-
dar uns tempos sem trabalhar!!! E aceitaram…
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
14
Chegou o dia aprazado. A Morte compareceu e de volta do caminho
da igreja, a comadre chamou o compadre de lado e completou o pre-
sente:
- Não tenha o compadre Bernardo grande cuidado que até pode fazer
de médico… Sempre que for chamado para um doente, eu lá estarei…
e se me vir ao fundo da cama, pode receitar o que quiser que a pes-
soa não morre…
E assim foi… e a fama do compadre Bernardo correu mundo… até
chegar aos ouvidos do rei que tinha uma filha muito doente… Ne-
nhum dos físicos chamados, nem os mais afamados davam com a cu-ra… um conselheiro do rei que já tivera uma filha com a doença da
princesa e chamara o compadre Bernardo recomendou-lho.
O compadre Bernardo compareceu e, mal entrou, ficou aterrado e
desmorecido (caiu-lhe a balsa em baixo…): a comadre Morte estava
presente e estava à cabeceira da cama da princesa…
De repente teve uma ideia: Pediu aos criados que virassem a cama
às avessas… e a princesa ficou curada…
A comadre Morte foi atrás dele e ameaçou: Isso não te ensinei eu.
Mais uma esperteza e tu serás o próximo…
Ele bem jurou que não repetiria, mas a ameaça ficou a pairar…
Chegou a casa, contou tudo à mulher… despediu-se e foi-se disfarçar:
- Se a comadre Morte por aqui passar diz que não sabes de mim há mais de três dias e que fui para fora…
Andou disfarçado por todo o lado e um dia até andou na retouça com
a rapaziada nova no meio do largo da igreja… apareceu a comadre e
perguntou à rapaziada:
- Ó rapaziada, não viram por aqui o meu compadre Bernardo?
E logo ele muito confiado no disfarce:
- Vimos, vimos… era aquele rapazola que deitou a fugir logo que a
comadre apareceu…
- AH sim?! É o mesmo. Como não está aqui o meu compadre Bernar-
do, levo aqui este velho pelado!!!»
ver versão brasileira in Jangada Brasil
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
15
CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
II - O Lobo e a Zorra
Por António ALEXANDRINO
In Tradição I vol. Anno I, Nº 2, Fevereiro de 1899, Série I, p. 45-47
(da Tradição oral - Brinches)
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Al-
mada), procurando manter a grafia registada na época.]
O Lobo e a Zorra
"Era uma vez uma zorra… um dia, ao passar por um monturo
encontrou umas botas velhas e
enfiou-as nas mãos para não se
enlamear… depois de muito an-
dar sem encontrar nada meteu-
se no mato e encontrou o com-
padre lobo…
- Ó comadre zorra, onde com-
prou essas botas?
- Fui eu que as fiz!
- Quanto custariam umas para
mim? -As minhas custaram três car-
neiros, duas ovelhas e quatro
borregos… para o compadre,
poderiam custar um boi, quatro
carneiros, três ovelhas e uns
cinco ou seis carneiros…
- OH, isso é muito caro…
- Como as patas do compadre
são muito grandes precisam de
mais cabedal!...
O lobo pensando que as botas o livrariam de alguma pua que o impe-
disse de caçar, aceitou e foi à procura das referidas cabeças de ga-
do…
… Logo que conseguiu foi entregá-los à zorra e combinaram a entre-
ga…
- uns quinze dias, - respondeu a zorra…
Passados os quinze dias o lobo foi à procura da comadre, mas não a
encontrou… Voltou ao outro dia e mais outro… e começou a desconfi-
ar que fora enganado… e jurou vingar-se…
"Andando a pensar no engano, um dia, por acaso, encontrou a coma-
dre:
- Então maldita comadre, as minhas botas?
- Não se zangue compadre. É que a pele do boi é muito rija e precisa
de mais uns dias para a cortimenta. - respondeu ela com muita doçu-
ra!!!
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
16
O lobo não acreditou e ameaçou-a. Ela deitou a fugir e meteu-se num
buraco, mas com tanta pressa que deixou o rabanzoilo de fora. O lo-
bo apanhou-lho e gritou:
- Agora não me escapas. Ficas assinalada.
Ao sair do buraco, a zorra aflita tenta descobrir como havia ela de se
confundir com as outras. Subiu a um outeiro e deu dois regougos e
apareceram todas as zorras daqueles sítios… Ela apresentou-se… dis-
se que era nova naqueles sítios e que lhes queria ensinar uma dança
muito divertida que tinha aprendido num país donde acabava de vir…
Para aprender a dança elas teria de atar todas os rabos umas à ou-tras… e logo que as viu atadas, a matreira da zorra gritou:
- Hoje já não posso ensinar mais que em além uma jolda (quadrilha)
de caçadores com uma matilha de podengos… Salve-se quem pu-
der!!!
Deitaram todas a correr e, na carreira desordenada foram arrancando
os rabos umas às outras
que era o que ela queria…
Um outro dia o lobo encon-
tra-a e grita:
- agora é que não me esca-
pas… és tu a única sem ra-
bo que eu arranquei. - Eu, compadre lobo?!!! Eu
sou nova aqui e donde eu
venho nenhuma zorra tem
rabo e as daqui também…
quer ver? - E convidou o
compadre para ir ao tal ou-
teiro… onde deu dois re-
gougos… e o lobo pode ver
então que era moda as zor-
ras não usarem rabo…
E aí o lobo lá se convenceu que não era aquela que o tinha engana-
do!!!
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
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CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
III - Dois gallegos encontrando-se (*)
Por António ALEXANDRINO
In Tradição I vol. Anno I, Nº 2, Fevereiro de 1899, Série I, p. 47
(da Tradição oral - Brinches) [Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
*Como é que os ALENTEJANOS chamam e ouvem os BEIRÕES…
(Cópia e adaptação para manter a grafia da pronúncia por joraga, para Alma Alentejana - Área Cultural - 2009.09)
Dois gallegos encontrando-se
"Era uma vez dois gallegos que marchavam no mesmo caminho, em
direcção opposta. Esbarrando um no outro, diz um delles:
- "O' xeu diabo! bóxê é txégo ou não entxêrga?"
- "Entxêrga é prima irmã da albarda!" respondeu o outro zangado.
- "Albarda xerá boxê!"-diz o primeiro ainda mais zangado "xe não
fôxe porquê já lh'eu cascaba!..."
- "Xe não fôxe porquê, já eu cascaba em bóxê!... Ó xeu diabo! quem
é bóxê?"
- "Eu xou filho da Biubinha e neto do Carcabian, que nan conhexe o
bem que lhe fájem nem o pan que lhe dan.) - "Oh! diabo! xeremos nós irmão,.,?!
- "Pois xeremos."
- "Então que notixias me dás do nóxo pae?"
-"O nóxo pae morreu;" - diz seccamente o gallego "caiu d'um coibal
abaixo e fez trinta réis de despeja.
- " E então a nóxa burra?"
- "A nóxa burra tambem morreu"- respondeu o gallego chorando.
- Oh! diabo! então choras por nóxa burra, e nan choras por nóxo
pae?!"
- A nóxa burra lebaba a gente a cabailo, e nóxo pae não; e a burra
custou dinheiro, e o pae não."
- Bem, n'êxe cájo: adeus, adeus! e até á oitra bista."
Da tradição oral Brinches)
ANTONIO ALEXANDRINO.
(*) Os laboriosos habitantes das nossas provincias da Beira, são co-
nhecidos, injustamente, no Alemtejo pelo nome de gallegos. L.P.
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
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Ver tb:in blogdaruanove
De Fernando Namora - Retalhos da Vi-
da de um Médico, transcrevem-se os
dois primeiros parágrafos do conto Um
Homem do Norte:
"O homem do Norte é, para o alenteja-
no, o galego. O galego que veio de
longe, com a sua iniciativa e a sua mi-
séria, desbravar as desoladas charne-cas do Sul. as vilas e as herdades cres-
ceram com a ajuda desses emigrantes,
e o alentejano, lento, inviolável, não
esquece mais o melindre de ter sido empurrado pela perseverança
dessa gente que veio de lugares onde um homem, de pernas alarga-
das, assenta um pé em cada courela. São galegos. Galegos que vie-
ram comer o pão e colher alguns dos frutos da planície imensa, das
distâncias sem limites, onde os olhos se dilatam de horizonte e a me-
lancolia cresce como os lagos trigo. Os alentejanos têm na memória
os matos que chegavam à soleira da porta, os minguados farrejiais
que ninguém pensava em alargar, mas não perdoam que outros te-
nham colaborado na conquista da terra. Ainda hoje, quando chegam os ranchos do norte, já raros, chegam como inimigos: o camponês
alentejano encara-os como competidores do salário, o comerciante
aborrece esses miseráveis que disputam um centavo, contentando-se
com broa e saramagos, que se assustam com a vizinhança de cafés e
cinemas; e até o lavrador, que deles precisa e os chamou, vê neles
uma raça de servos.
O médico, que é quase sempre do Norte, o professor, e sobretudo o
que veio nos tempos da conquista da planície e se fixou, gozando
uma posição à custa de nervos e economia, encontraram nos mais
inesperados momentos um insulto que representa uma nódoa des-
graçada: galegos!"
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
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CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
IV - O Pedro Malas-Artes
Por António ALEXANDRINO
In Tradição I vol. Anno I Nº 4, Abril de 1899, Série I, p. 47
(da Tradição oral - Brinches) [Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
O PEDRO MALAS-ARTES
"Um lavrador e uma lavradora,
que viviam num monte, viram
que precisavam de um moço
para os ajudar nos trabalhos do campo.
Diz a lavradora, um dia, para o
lavrador:
- Tu devias ir à vila procurar
um rapaz para nos aviar os
mandados, para ir ao mato e
ao poço, e para guardar os po-
ços… Vai mas não me tragas
nenhum que se chame Pedro.
Não queremos Pedros cá em
casa… de modo nenhum…
Mal chegou à vila o lavrador encontra um rapaz:
- Ó moço, tu queres concertar-
te lá para o nosso monte, para
aviar os mandados, para ir ao
mato e ao poço, e para guardar
os poços?…
- Quero, sim senhor.
- Como te chamas?
- Pedro.
- Oh! Diabo. Não me serves - e continuou caminho à procura de outro
rapaz…
Andou, andou e encontrou outro rapaz que era o mesmo disfarçado e
foi o mesmo… Procurou, procurou e, sempre que perguntava o nome: era Pedro…
- Oh! diado… Então nesta terra só há Pedros!!!
- E quantos moços o senhor procurar tantos Pedros há-de achar… -
pois era ele o Pedro Malas-Artes, exactamente aquele que a mulher
do lavrador não queria de maneira nenhuma…
- Mas que remédio! O que não tem remédio, remediado está. Queres
então vir tu para os serviços que eu procuro?
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
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- Quero, sim senhor, mas com uma condição: "Aquele que se zangar,
perde o que há-de ganhar"
- Trato feito. O que é preciso que faças bem o trabalho…
Chegaram ao monte e logo que a mulher soube o nome, logo se pôs
a barafustar… Mas como não havia outro com outro nome aceitaram -
"Pois ele sempre há-de fazer o que lhe mandarem". Como o rapaz
disse que sim, a lavradora mostrou-se conforme.
Logo no primeiro dia mandaram-no ao mato. Logo que ouviu a ordem
o moço tratou de arranjar quantas cordas podia e, mal chegou ao
mato, começou o enrolar as cordas todas à roda dele… a enrolar… a enrolar… e andou nisto horas e horas…
Os outros serviços esperavam e, fartos de esperar, diz o lavrador:
- Olha bem isto! Parece que o rapaz não vem de lá hoje. - e já para o
zangado: - Não tenho outro remédio senão ir à busca dele… mas
lembrou-se da contrata e lá foi para o mato em busca do rapaz.
Quando o encontrou naqueles preparos tentou perguntar, sem se
zangar, o que é que estava a fazer?
- Eu, senhor meu amo, ando enrolando o mato todo e assim que o
conseguir levo o mato todo lá para casa e não vai ser preciso voltar a
buscar mais. Isto é que é serviço!!!
Perante tamanho disparate, o lavrador ia a zangar-se, mas logo se
lembrou do que tinham acordado no acto de concertar… e lá teve que apanhar algum mato com o rapaz para levarem algum para casa…
Logo depois mandaram-no ao poço buscar água… Ele fez o mesmo:
apanhou quantas cordas podia e, chegando lá, pôs-se a enrolar o bo-
cal do poço…
Como nunca mais aparecia… lá foi o lavrador, ainda mais zangado,
mas sem o poder mostrar, pegou numa quarta e lá foi direito ao po-
ço. Ao ver outro disparate igual, perguntou e o moço respondeu:
- Atão não é melhor enrolar aqui o bocal do poço e arrastá-lo para
casa e já não é preciso vir buscar a água!!! O meu amo está zanga-
do?
- Não que ideia? E tu, estás?
- Não, de maneira nenhuma!!!
E lá tiveram que encher a quarta e levá-la para casa. Mandaram-no depois guardar os poços… - mas vê lá não os metas
nalgum atasqueiro!
O moço soltou os porcos, andou, andou e logo encontrou um grande
lamaçal. De que é que se havia de lembrar? Foi esconder os porcos
por detrás de uma altura, cortou-lhes os rabos e as orelhas e veio en-
terrá-las à vista no lamaçal, duas orelhas adiante e um rabo atrás e
correu ao monte a gritar que os poços estavam atascados. Logo cor-
reu o lavrador aflito e não via senão orelhas e rabos… Ia a zangar-se,
mas não podia… Tentou salvar um puxando as orelhas e os rabos
mas como estas lhe ficavam nas mãos, mandou o Pedro ao monte,
para pedir à lavradora que lhe desse as três enxadas maiores que lá
tivesse… Chego o moço ao monte e diz para a patroa:
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
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- Ó Senhora minha ama, o senhor meu amo que me desse as três ta-
leigas maiores com dinheiro que cá tiver… - Qual quê, não pode ser…
- ai não acredita? Atão enha aqui à porta e perguntamos se não são
ordens dele…
Chegaram à porta do monte, à vista do amo e gritou o Pedro: - Se-
nhor meu amo, atão não são as três maiores? - São as três maiores,
com mil diabos…
E a lavradora lá teve que dar as três… Logo que se apanhou com as
três taleigas, Pedro rasgou a fugir pelo outro lado do monte… encon-
trou uma ovelha… tirou-lhe as tripas e meteu-as por baixo da cami-sa… encontrou uma lavadeiras a lavar num barranco e pediu-lhes
uma navalha… elas tinham uma navalha… e ele rasgou a camisa di-
zendo à mulheres que as tripas pesavam muito e queria ficar mais le-
ve para fugir ainda mais que levava muitas pressas…
Quando o lavrador, já desesperado
de esperar, veio ao monte e a mulher
lhe conta o engano, deitou a correr
pelo caminho por onde o Pedro tinha
fugido… encontrou a ovelha morta,
mas não ligou com as pressas… e lo-
go a seguir encontrou as lavadeiras no barranco…
- Atão viram por aqui um rapaz assim
assim…
- Vimos, sim senhor… e até nos pediu
esta navalha emprestada para se li-
vrar das tripas que lhe pesavam mui-
to… e rasgou a barriga e logo caíram
essas tripas todas… e deitou a fugir
que nem um raio…
Então o lavrador pediu a navalha, por
favor, para fazer o mesmo e logo ali ficou estendido…
E assim, o Pedro Malas-Artes se viu livre do amo… e pode gozar o di-
nheiro que roubou… "
Pode ver versão do Algarve
Outras adaptações
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
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CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
V - O LOBO E AS TRÊS FORTUNAS
Por António ALEXANDRINO
In Tradição I vol. Anno I Nº 5, Maio de 1899, Série I, p. 76, 77
(da Tradição oral - Brinches) [Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
O LOBO E AS TRÊS FORTUNAS
Um dia, um lobo que já há três dias
não conseguia caçar nada para co-
mer, acordou resfriado e deu três
espirros… Pensou que seria bom au-
gúrio e disse para consigo:
- Hoje é o meu dia de sorte e parece
que vou ter três fortunas…
Logo que se pôs a caminho e deu
com dois carneiros guerreando…
Chegou-se a eles sem sentirem e passou-lhes um raspanete:
Que desordem é essa? Aqui já não há rei nem roque?
Ó senhor lobo… bem sabemos que nos mata e come, mas primeiro
resolva-nos aqui uma dúvida: es-
te meu amigo que é doutro reba-
nho diz que esta pastagem é do dono dele e aquela é que é do
meu dono, mas eu digo que
não… Ora o senhor lobo podia
ver se este marco está em endi-
reito com aquele além…
O lobo armado em marcador de extremas, pôs-se a olhar muito aten-
to, até que levou uma valente marrocada que o deixou sem senti-
dos…
Ao acordar da pancada, lá pensou que as três fortunas seriam mais
de azar… mas lá seguiu o seu caminho e logo avistou no meio de um
vale uma égua muito velha e magra e uma filha que andavam pas-tando… - Ora aí estará a minha primeira fortuna. A mãe está velha e
magra e a filha é muito nova para me fazer mal… Pediu desculpa á
égua e disse que teria de a matar pois há dias que não comia…
Aí a égua até disse que se lhe fizesse primeiro um favor, até lhe dava
a filha que seria um melhor petisco… e qual era o favor? Ora é só ti-
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
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rar um cravo ou uma pua que se me cravos na pata e não pára de
me incomodar…
- Ora, por tão pouco e tão bom petisco, vamos lá a isso - e mal se
armou em alveitar de bestas, levou
tamanho coice que lhe escangalhou
os queixos e ela e a filha correram
para casa do dono…
Ainda atordoado, passado um oitei-
ro, encontrou uma porca com baco-rinhos…
Ando tão dorido e com tanta fome,
senhora poça, que tenho de comer
os teus porquinhos…
Ó senhor lobo, eu nem me importo, mas ainda não foram baptiza-
dos… Se os senhor os baptizar… depois vai-os comendo e vão-lhe fa-
zer melhor proveito… É só subir para cima do bocal daquele poço, eu
vou-lhe dando os porquinhos um a um, você deita-lhes a água e pode
comê-los…
Mal o apanhou na borda do poço, armado em baptizador de porcos, a
porca deu-lhe tal trombada que ele caiu para dentro do poço… Ela fu-
giu com os filhos e ele teve muita sorte em conseguir sair do poço.
Em seguida encontrou uma vaca e reparou que tinha uma corda ata-
da na pata traseira… - Mas que sorte! Como as três fortunas me saí-
ram mal, eu chego ali, agarro a corda, enleio a vaca, a vaca cai e aí
está o meu almoço de três dias!
Agarrou a corda… e mal sentiu, a va-
ca deitou a correr e levou de arrojo
pelo chão a caminho da casa do do-
no até que a corda se partiu… e ele
ficou em mísero estado!!!
Mas ainda disse, lastimando-se:
"Quem te manda lobo ser marcadore
de extremas, alveitar de bestas e
baptizador de porcos? E, se a corda
não se parte, ou o nó não se desata,
inda ia morrer a casa do dono da va-
ca!"
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
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CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
VI - A MORTE DE TRÊS GALLEGOS
Por António ALEXANDRINO
In Tradição I vol. Anno I Nº 5, Maio de 1899, Série I, p. 77, 78
(da Tradição oral - Brinches) [Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
A MORTE DE TRÊS GALLEGOS
«Numa occasião vieram ao Alemtejo fazer azeite, tres gallegos (mes-
tres de lagar de azeite), que combinaram voltar juntos, á sua terra
(*).
Assim que cá chegaram, foi cada um para o seu lagar; mas como os lagares não acabassem a mo-
enda ao mesmo tempo, suc-
cedeu que o mestre do lagar
que fechou primeiro, foi a um
dos outros dois lagares, e dis-
se para o lagareiro:
- "O' camarada! einton queres
alguma cousja lá para a terra!
Sce quisjéres, eu martxo para
lá ámanhan."
Respondeu o outro:
- "Oh diabo! einton nós non combinámos boltar juntos?!"
"Pois é herdade, mas como sçabes, ficando eu cá, fásço mais des-
pêsja, e eu bim para ganhar - e non para gastar.
- "Pois sçim, mas olha: sce queres, ficas aqui comigo, e eu dou-te de
comer e dormir".
- "Pois bem, nêsce cásjo fico."
Passados dois dias, fechou tambem aquelle lagar, e em seguida mar-
charam ambos os gallegos caminho do lagar, onde se achava o ter-
ceiro gallego. Dirigindo-se a este, participaram-lhe que estavam de marcha para a terra. Mas elle, que não queria ficar só, disse aos dois
camaradas:
- "Fiquem mais tres ou quatro dias, até eu acabar; eu lhes dou de
comer, e dormimos aqui todos."
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
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Os outros dois camaradas acceitaram a proposta, e ali se conserva-
ram até fechar o lagar.
Depois, puzeram-se os tres gallegos a
caminho, quando o mais velho diz para
os outros:
- "O' rapazes! nós bâmos fâsjer uma
cousja:"
Perguntam os outros:
"Einton o que é, camarada?"
"E' non entrarmos em poboasções, ainda ascim, nalguma estalagem,
os ladrões non sçaiban que nós lebâmos dinheiro. E einton, o melhor
é dormirmos scempre no campo."
- "E' herdade, tem rasjão" - responderam os dois camaradas.
Como a jornada era grande e o pão se acabou ao fim de oito dias, os
gallegos passando por umas amoreiras carregadas de fructo já madu-
ro, subiu cada um para a sua arvore, afim de saciarem a fome, co-
mendo amoras. Nesse mesmo dia, escureceu-se-lhes num escampa-
do (descampado), onde havia tres azinheiras muito grandes. Diz o mais velho:
- "O' rapásjes! o melhor é sçubirmos cada um para scima da sçua
asjinheira por causja dos bitxos.
Effectivamente, cada um subiu para cima da sua azinheira; mas dahi
a pedaço chegou uma quadrilha de ladrões, que se foi pôr debaixo da
azinheira do meio. E estenderam uma manta no chão para contarem
o dinheiro que tinham roubado esse dia.
Quando se ia principiar a contar o dinheiro, diz o capitão para um dos
ladrões:
- "O' fulano! acende lá uma fogueira para se ver melhor."
Acendeu-se a fogueira, e como era de palha de centeio, desenrolou-
se uma grande chama e uma enorme fumaceira, a ponto que o pobre
gallego, que estava em cima da azinheira, teve de começar a me-
cher-se. Os ladrões, ouvindo barulho em cima da arvore, olharam e
viram o gallego todo afflicto. Mas não lhe perdoaram! Obrigaram-no a
descer, apanharam-lhe o dinheiro e depois mataram-no.
Nesta occasião, diz um dos ladrões: - "Caramba! Já havia muito tem-
po que não via um diabo com o sangue tão negro!"
Ouvindo isto, respondeu um dos outros gallegos:
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
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- "Pudéra! não ha de ter o sçangue negro, sce elle comeu
amóras!...."
Os ladrões olhando para a azinheira donde vinham estas palavras, vi-
ram outro gallego, que obrigaram da mesma forma a descer, para o
roubarem e matarem.
Quando o estavam matando, diz um outro ladrão:
- "Este diabo morreu por falar."
- (Por isço eu" -diz o terceiro gallego - "estou aqui muito caladinho."
- "Olá!" - disseram os ladrões -
"você tambem ahi está? … Pois
então venha cá para baixo, que
lhe queremos tambem fazer as
contas."
O pobre do gallego não teve mais
remedio senão descer da azinhei-
ra, e os ladrões fizeram-lhe o
mesmo que tinham feito aos ou-tros dois.
(Da tradição oral)
(Brinches).
ANTONIO ALEXANDRINO. (*) Os mestres de lagar d'azeite ou lagareiros eram antigamente, nesta região, individuos vindos das
nossas provincias do Norte. Ainda hoje se vêem desses homens em varios lagares da margem esquerda do Guadiana.
O mister de lagareiro, entre os habitantes da Beira, era - segundo a tradição - tão estimado, que os paes, ao lançarem a benção aos filhos, diziam: "Deus te taça arcebispo ou lagareiro no Alemtejo."
Na bôca do povo - e ainda a proposito de gallegos - corre a seguinte quadra:
"O gallego lá da Beira,
Baptisado na caldeira,
Com vergonha d'ir á missa, Com sapatos de cortiça,"
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
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CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
VII - "O Grão de Milho"
Por António ALEXANDRINO
In Tradição I vol. Anno I, Nº 6, Junho de 1899, Série I, pp. 29 e 30
(da Tradição oral - Brinches) [Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
O GRÃO DE MILHO
«Havia uma mulher casada e que vivia com um grande desgosto por-
que não tinha filhos.
Muitas vezes dava consigo a pensar: Quem me dera ter um filho,
mesmo que fosse só do tamanho de um grão de milho… E foi o que
veio a acontecer…
Um dia que ela não podia ir levar o
jantar ao marido que trabalhava no
campo e nem tinha por quem o man-
dar disse em desabafo:
Logo hoje que não posso e não tenho
ninguém… quem é que há-de levar o
jantar? O meu filho com certeza não
será capaz…
Ora essa! Então não sou?... Aparelhe
a Senhora minha Mãe a burra e logo vai ver…
A mulher albardou a burra, montou o filho em cima e pôs-lhe a cesta
do jantar adiante…
Vai então e depressa e diz ao teu pai que, logo que acabe o jantar,
venha um instante aqui a casa que +e um assunto urgente…
As pessoas que viam passar a burra, com um cesto em cima e sem
ninguém a segurar comentavam muito admiradas…
Quando chegou junto do pai, este olhou muito admirado e o rapaz
teve de gritar que estava ali… Então, o homem, lá foi tirar o cesto da
janta e desceu-o…
Ao meio-dia jantaram e no fim o rapaz deu-lhe o recado da mãe… Atão fica aí a tomar conta dos bois enquanto eu vou e volto… e so-
bretudo, não os deixes ir para aquele coival…
Ainda bem o homem não tinha partido, desatou a chover e o Grão de
Milho não encontrou melhor sítio para se abrigar e foi meter-se den-
tro duma couve…
Os bois, mal se viram sem guarda, logo se atiraram ao coival que era
mais apetitoso e um comeu a couve onde estava o Grão de Milho e
papou-o…
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
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Quando o pai chegou e viu os bois no coival, logo viu que dera asnei-
ra e desatou a bradar pelo filho… Este gritou da barriga do boi:
Ó pai, mate o nosso boi Lobato, que eu lhe darei dinheiro para três
ou quatro…
O pai lá se convenceu e matou o boi… e como habitual, deitaram as
tripas fora, onde ia o Grão de Milho.
Um lobo que passou enquanto os pais amanhavam o boi, comeu as
tripas e engoliu o Grão de Milho… logo a seguir, quando o lobo ia para
assaltar um rebanho, gritava o Grão de Milho: Ó pastor, aí vai lobo…
e assim o lobo ficou sem se poder governar… Esganado com fome o lobo teve de comer umas ervas ruins e apanhou uma diarreia… Com
a diarreia saiu o Grão de Milho e foi levar-se ao barranco…
Vendo-se finalmente livre, ao correr para casa, caiu a noite, e teve de
se refugiar numa gruta… Ora era essa uma gruta onde os ladrões iam
dormir e escondiam o que roubavam…
Daí a bocado chegou uma grande quadrilha com um roubo muito
grande e logo se puseram a contar o dinheiro. No fim puseram-se a
dividi-lo uma parte a cada um…
Então e para mim? Então e
para mim? Gritava o Grão
de Milho a cada volta… Aqueles valentões apanha-
ram tal susto que antes de
acabarem a repartição, de-
sataram fugir com o que
puderam e deixaram a mai-
or parte…
Ao outro dia, o Grão de Mi-
lho foi a casa, disse ao pai
para aparelhar três boas
bestas e fosse com ele… Lá foram à dita gruta… Carregaram as três
bestas com os sacos que encheram e o Grão de Milho lá ia dizendo:
Então pai, não lhe dizia: "Se matar o boi Lobato, eu lhe darei dinheiro
para três ou quatro?!" (da Tradição oral - Brinches)
António ALEXANDRINO
(Ver tb, por exemplo, no cantinho dos miudos
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
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CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
VIII - "A Zorra e a Cegonha"
Por António ALEXANDRINO
In Tradição I vol. Anno I, Nº 7, Julho de 1899, Série I, pp. 111 e 112
(da Tradição oral - Brinches) [Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
A ZORRA E A CEGONHA
"Uma vez, uma zorra que andava muito invejosa pois ouvia dizer em
toda a parte que as cegonhas eram muito espertas quis encontrar
uma para a enganar…
Nesse dia, encontrou uma cegonha num vale e convidou-a para ir
jantar com ela no dia do seu aniversário…
No dia combinado a cegonha apareceu
em casa da zorra e ela acabava de tirar
umas papas do lume e tiro-as para arre-
fecer… Logo que arrefeceram deitou-as
numa laje e convidou a cegonha a co-
mer dizendo que estava que nem "gin-
ja-marmelo" (o que quer dizer excelen-
tes…)
Puseram-se a comer, mas enquanto a
zorra lambia tudo, a cegonha, coitada,
só depenicava pois não conseguia apa-
nhar com o bico…
Tendo percebido que tinha sido enganada para a envergonhar, a ce-
gonha, sem se dar por achada, convidou a zorra para o seu aniversá-
rio que seria daí a uns dias… até já tinha encomendado em borregui-
nho para a festa! A zorra ficou logo com água a crescer na boca pois
há tempos que não apanhava um cordeiro tenrinho! …
Ora quando a zorra chegou a casa da comadre cegonha, esta tinha
preparado um apetitoso brorrego, mas serviu-o em salada, numa
"amentolia" (almotolia - muito afunilada em cima e larga em bai-
xo…)… Ora com esta habilidade, a cegonha, com o bico, comeu a car-
ne toda e a zorra que não podia meter a língua na amentolia, ficou a
ver navios…
Nem teve tempo para se mostrar zangada pois logo no fim do jantar armou-se uma valente trovoada e como a zorra se queria vingar,
perguntou o que era aquilo…
A zorra explicou: aquilo são "vodas del cielo" e eu vou para lá agora
pois há sempre comida com fartura. Quer a comadre vir comigo para
ver com seus próprios olhos!
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
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A zorra que tinha ficado esfomeada aceitou o convite e lá foi nas cos-
tas da cegonha… Quando se viu lá muito
alto começou a arrepender-se… Então a
cegonha, quando passava por cima de
um grande rochedo… fez uma volta mais
apertada e a zorra caindo a pique gritava
para o rochedo: "Arreda, arreda, roche-
do… arreda, arreda, penedo… arreda, ro-
cha que te parto… arreda, pedra que te
parto…
(da Tradição oral - Brinches)
António ALEXANDRINO
(Ver em Metáforas infantis;
e no Sótão da Inês
e Fábulas de La Fontaine - Livro I - Fábula nº 18...)
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
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CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
IX - "O Era e não Era"
Por António ALEXANDRINO In Tradição I vol. Anno I, Nº 9, Setembro de 1899, Série I, pp. 143 e 144
(da Tradição oral - Brinches) [Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
O ERA E NÃO ERA
"Havia numa aldeia dois compadres; um era muito rico e outro muito pobre. O rico não tinha família, e o pobre tinha dois filhos.
Um dos filhos, achava o pae que era parvo e o outro muito esperto.
Aquelle que o pae julgava parvo, pô-lo a guardar gado, e o outro,
queria que fosse padre. Mas, como, para fazer o filho padre, o pae
não tinha dinheiro, foi ter com o compadre rico e pediu-lho empres-
tado, dizendo que o filho lhe pagaria
em dizendo missa.
O compadre rico emprestou o dinheiro
ao compadre pobre, e o filho deste foi
para a escola.
Mas, desgraçadamente, o rapaz nunca foi capaz de passar do "livro de seis
vinténs"! Ora, o compadre rico, sa-
bendo disto, foi a casa do compadre
pobre e disse-lhe:
"Então, compadre! como hás-de (O povo pronuncia: há-des) tu agora
pagar o que me deves, se o teu filho nem ao menos foi capaz de pas-
sar do "livro de seis vinténs"?! Mas olha, há um meio de me pagares.
Sabes que meio é?"
"Eu não, senhor compadre" - respondeu o compadre pobre.
"Pois bem. Esse meio é arranjarem-me uma mentira que seja maior que o Padre-nosso. Dou-lhes para isso sete dias; e no fim desse tem-
po, se a tiverem arranjado, perdoo-te a dívida."
Em vista disto, o pae e o filho (esperto) puzeram-se a combinar que
mentira haviam d'arranjar. Estavam já no sexto dia, e não arranja-
vam nada, se o filho, que elle achava parvo, não viesse a casa essa
noite.
Esse filho, vendo-os muito tristes da sua vida, perguntou-lhes:
"Então, o que teem, que estão tão tristes?"
O pae contou-lhe o que havia, e elle respondeu:
"Bem. Não lhe dê isso cuidado, que eu vou a casa do meu padrinho.
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
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" No outro dia, foi logo a casa do padrinho, e, assim que lá chegou,
disse-lhe:
"Sabe, padrinho, o que eu venho cá fazer
hoje? Venho contar-lhe um caso."
"Era uma vez um era e não era, que an-
dava lavrando na serra, com um boi ca-
lhandro e outro carrapato, quando lhe foi
a noticia que o pae era morto e a mãe
por nascer.
Vae, o homem o que havia de fazer?
Poz os bois ás costas e o arado a comer.
"D'ali foi por um valle abaixo e encontrou
um ninho de cartáxo com cinco ovos de
bitárda (abetarda).
Deitou-os á burra preta e tirou-os a burra parda, saindo-lhe dois
leões, que nem galgões.
Um dia foi á caça com os seus galgões, e subindo um valle abaixo,
viu uma laranjeira carregada de romãs.
Foi acima della e colheu marmellos.
Veiu para baixo e apanhou maçãs.
Nisto, vem de lá o dono do meloal e diz lhe:
"Ó seu amigo!
quem lhe deu a Vócê licença de colher favas do olival que não é seu?"
E atirando-lhe com um tarrão (torrão), deu-lhe com um melão, que,
acertando-lhe na testa, lhe fez sangue num artelho.
D'ali foi contar umas colmeias, não as deu contadas.
Foi contar as abelhas, faltava-lhe uma.
Foi á busca da abelha, encontrou sete lobos comendo nella.
Assim que viu isto, atirou-lhes com uma machadinha que levava.
Os lobos fugiram, deixando ainda uma perna da abelha.
"Aquella perna, espremeu-a, e ainda lhe deu sete canadas de mel.
"Mas, como não tinha onde o metter, tirou um piolho e fez da pelle
um surrão e deitou-lhe o mel dentro.
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
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"Foi á busca da machadinha, não a encontrou, E puxando fogo ao
matto, ardeu o ferro e ficou-lhe o cabo; mas o barbeiro, trabalhando
sete dias e sete noites, saiu-lhe um anzol.
"Um dia foi á pesca e apanhou uma burra com
cangalhas e tudo.
"A burra, com o trabalho, fez-se-lhe uma ma-
tadura, e elle foi logo a casa do ferreiro para
lhe ensinar alguma coisa.
O ferreiro ensinou-lhe um alqueire de favas
torradas.
"Ora, com o calor das favas, a burra morreu,
tendo por isso de a levar para o almargem.
Dahi a tempos, passou por aquelle sitio e viu um faval nascido no
lombo da burra.
"Ficou muito admirado; e, quando foi tempo de ceifar o faval, foi lá e
encontrou-lhe dentro uma porca javarda com sete javardinhos.
Assim que a viu atirou-lhe logo com a fouce que levava, e o cabo tan-
chou-se-lhe no rabo. "A javarda. como se sentia ferida, começou a fugir para todos os la-
dos, de maneira que, com a foice ceifava, com as ventas limpava, e
com as patas debulhava.
"E o faval, padrinho, deu tantas favas, que vendeu sete quarteiros e
ainda mandou ao padrinho um presente, que era muito mais que as
que vendeu!"
- "Ó afilhado!" - respondeu o padrinho -
"isso é mentira! … "
- "Pois, padrinho, foi isso mesmo que eu
cá vim fazer, para lhe pagar o que meu
pae lhe devia."
(Da tradição oral) (Brinches).
ANTONIO ALEXANDRINO.
(Pode ver outras variantes em várias recolhas como... contos popula-
res do Alentejo)
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CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
X - "Três gallegos querendo falar à política"
Por António ALEXANDRINO In Tradição I vol. Anno I, Nº 12, Dezembro de 1899, Série I, pp. 190 e 191
(da Tradição oral - Brinches) [Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
"Três gallegos querendo falar à política"
"Era duma vez tres gallegos, que resolveram vir ao Alemtejo, para
aprender a falar á politica (Falar à politica, é uma expressão vulgar,
que significa: falar correctamente). No dia combinado, marcharam os homens. Encontrando uma cidade e
passando perto d'um jardim, viram nesse jardim tres individuos de
chapeu pinante (chapeu alto) a passear.
Diz logo um dos gallegos: "O' rapazjes, nós bâmos comesçar já por
aqui: porque no Alemtejo sção poucos os que sçabem, mas os que
sçabem... sçabem como aquelles que sçabem! E estes débem scaber.
Pois bóscês não bêem como elles andam bestidos?!."
"Os outros dois gallegos concordaram, e o que teve a lembrança en-
trou logo para o jardim e foi esconder-se detraz do tarôco (tronco)
duma arvore, á espera que os taes tres individuos passassem, a ver
se lhes ouvia dizer alguma coisa. Effectivamente, quando os indivi-
duos passaram ao pé daquella arvore, disse um delles: "Nós todos três".
O gallego. assim que ouviu estas palavras, não esperou por mais na-
da, marchou a correr para o logar onde estavam os companheiros e
disse-Ihes, endireitando-se todo:
- "O' rapazjes, eu já scêi diszer uma coisja."
- "Einton o que é, camarada?" -perguntaram-lhe os dois companhei-
ros.
- "Nós todos três" - respondeu elle.
Como este gallego já sabia dizer uma coisa, foi um dos outros collo-
car-se por traz da mesma arvore, e ouviu dizer a um dos mesmos in-
dividuos que andavam passeando no jardim: - "Por tres alqueires de sall". O gallego, ouvindo isto, partiu immediatamente para junto dos
companheiros e disse-Ihes:
"Eu tambem já scêi dizjer uma coisja, é: Por tres alqueires de sçal."
O terceiro gallego, então, querendo tambem aprender alguma coisa,
foi pôr-se atraz da arvore; e, quando os taes individuos por ali passa-
ram, disse um delles:
"Tem razão, senhores!".
O gallego, mal ouviu estas palavras, foi logo ter com os seus compa-
nheiros e disse-lhes: "Eu já scêi muito mais que bóscês!"
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
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Os outros, muito admirados, perguntaram-lhe porque?
E elle respondeu-lhes: "Scêi muito mais que bóscês, porque já scei
dizjer: Nós todos tres, por tres alqueires de sçal, tem rasjão, scenho-
res!"
O primeiro gallego, que tinha ido escutar dentro do jar-
dim, ouvindo isto, estava já resolvido a ir pôr-se no
mesmo sitio, mas como nesta occasião saissem do jar-
dim os tres individuos, disse um dos outros gallegos:
- "Bem. Nós aqui já nun fazjêmos nada, e por consce-
guinte, o melhor é irmos para oitra terra." Os homens effectivamente
marcharam, mas com tão pouca sorte que, na estrada por onde iam,
estava um homem morto, e, ainda para mais pouca sorte, chegaram
ao pé delle quasi ao mesmo tempo que a Justiça.
Um dos da justiça mandou logo aos gallegos fazer alto e perguntou
lhes:
- "Vocês sabem quem era este homem? e sabem quem o matou?"
Ora, como na justiça vinham
dois individuos de chapeu pinan-
te, e os meus gallegos queriam mostrar que tambem sabiam fa-
lar á politica, disse logo um del-
les:
- "Nós todos três". Continua o
outro: "E por tres alqueires de
sçal". Accrescenta o terceiro:
"Tem rasjão, scenhores!".
E' claro que a justiça, em vista destas declarações, metteu-os a todos
numa cadeia, e, ainda a esta hora, elles lá estarão amaldiçoando a
hora em que se lhes metteu na cabeça o aprender a falar á politica.".
(Da tradição oral)
Brinches - ANTONIO ALEXANDRINO.
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CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
XI - "O Zé Valente"
Por António ALEXANDRINO In Tradição I vol. Anno II, Nº 2, Fevereiro de 1900, Vollume II, pp. 29 e 30… e de-
pois Anno II Nº 3, Serpa, Março de 1900, pp. 45 e 46 (da Tradição oral - Brinches)
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
"O Zé Valente"
ERA uma vez uma viuva, que tinha um filho tão corajoso que contan-
do já dezasete annos d'edade, ainda não tinha encontrado coisa ne-
nhuma que lhe mettesse mêdo. Por isso, na aldeia só era conhecido
pelo nome de Zé-Valente.
Este rapaz era afilhado dum padre, a quem elle ajudava á missa.
Além disso tocava os sinos e fazia ou-
tros serviços.
O padre e padrinho, d'uma occasião,
querendo experimentar até onde chegava a valentia do afilhado, arran-
jou dois bonecos de palha de centeio,
vestiu-os de branco e poz um na tor-
re da egreja, agarrado ao badalo do
sino, fingindo que estava tocando ás
almas (Toque d'almas: coniste em nove hadaládas,
dadas no sino da freguezia, ás 8 horas da noite, d'inverno, e ás 9 horas da noite, de verão.), o ou-
tro, no meio da escada da torre. E elle, embrulhado num lençol, poz-
se á porta da egreja, mas do lado de dentro.
O rapaz quando viu que eram horas d'ir tocar ás almas, foi para a
egreja; e assim que abriu a porta viu logo um vulto branco. Olhou
para o vulto branco e disse-lhe: "O' amigo! desvia-te para o lado, que eu quero passar, para ir tocar ás almas."
o vulto não respondeu nem se mecheu. O rapaz tornou a dizer-lhe
que se disviasse, para elle passar; mas o vulto continuou na mesma.
O rapaz então, pregou-lhe uma valente cacheirada, com uma cachel-
ra de ferro, que elle nunca deixava, deitando o vulto a terra. Depois
de derrubar o vulto, subiu pela torre. Quando chegou ao meio das es-
cadas, viu outro vulto branco, e, cuidando que era o mesmo que elle
tinha derrubado á porta da egreja, disse-lhe:
"O' ladrão! já tu aqui estás?!" E immediatamente deu-lhe outra ca-
cheirada. Depois continuou a subir até chegar ao cimo da escada. Ahi, vendo um outro vulto, e suppondo que era ainda o mesmo, já
não lhe disse nada: pegou-lhe nas pernas e deitou-o da torre para
baixo. Em seguida, tocou ás almas e voltou para casa.
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
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No outro dia foi a casa do padrinho para ir a algum mandado, mas o
padre assim que o viu, disse-lhe:
"põe-te na rua, tratante, e não tornes mais a esta casa".
O rapaz ficou muito admirado, e, desconfiando que tinha sido o pa-
drinho que lhe tinha querido metter mêdo, foi para casa e contou á
mãe tudo o que lhe tinha acontecido. Depois disse: "Mãe, eu vou cor-
rer mundo e só volto quando tiver encontrado uma coisa, que me
metta medo". E antes que a mãe dissesse qualquer coisa, pegou na
cacheira e saiu.
Havia já uns poucos de dias que elle tinha saido de casa, quando uma
tarde, quasi ao pôr do sol, chegou a um monte onde pediu agasálho.
Mas o lavrador, como não lh'o podia dar, disse-lhe:
- "O' rapaz! tu vês aquelle monte, que está naquella altura, no meio
das brênhas?"
- "Vêjo, sim senhor" - respondeu o rapaz.
- "Pois bem, eu não posso dar-te o que me pedes, e se não queres
dormir ao frio, vai para além. Mas acautela-te, porque dizem, que quem lá vai, não torna."
- "Pois fez bem em me dizer isso, porque agora, ainda que me dei-
xasse aqui ficar, já eu não queria."
O lavrador disse depois á mulhér, que desse ao rapaz um pão, um
pedaço de toucinho, uma linguiça e uma tigéla de fogo, para elle fa-
zer a ceia. A mulhér do lavrador assim fez, e o Zé Valente, logo que
chegou ao monte, arranjou um braçado de lenha, acendeu o lume, e
tratou de fazer uma friginada (fritada) com a carne que levava.
Assim que poz a ceia ao lume, quando elle
ouve uma voz vinda de cima da chaminé, dizendo: "ái que caio… ái que caio…"
Zé Valente, ouvindo isto, pegou logo na
cacheira; olhou para cima e disse: "cái á
vontade, mas não me caias em cima da
friginada."
Assim que estas palavras foram ditas, caiu
um par de pernas, a que Zé Valente não
deu cavaco, continuando, a dar voltas á
carne, que estava dentro da tigéla.
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
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D'ahi a bocadinho, ouviu a mesma voz dizendo outra vez: "ái que
caio… ái que caio… " Deu a mesma resposta, e viu cair um corpo sem
cabeça (tronco), que se uniu ás pernas.
Zé Valente, então, disse: "Ora se tu has de cair todo, porque não
caes logo duma vez?"
Dito isto, caiu a cabeça, que foi unir-se ao corpo, transformando-se
este num gigante!
O gigante, encostando os cotovêllos aos joelhos e a cabeça às mãos,
disse para o Zé Valente: "Olha, eu sou uma alma penada, que só ti-
nha entrada no ceu, quando encontrasse uma pessoa que não tivesse
medo de mim; e como tu és essa pessoa, quero recompensar-te o
serviço que me fizeste. Além, naquelle canto, está enterrado um aza-
do cheio de peças de dez mil reis; cava com esse enxadão e leva-o."
ZÉ-VALENTE depois d'ouvir isto, levantou a cacheira e disse: "O' ami-
go! cava lá tu, que tens muito melhor corpo do que eu." O gigante,
em vista d'esta ameaça, pegou no enxadão e desatou a cavar até
descobrir o azado. O Zé Valente, assim que viu o azado, disse para o
gigante: "Bom, agora já te pódes ir embora, que já não me fazes fal-ta". O gigante desappareceu, e o Zé Valente deitou-se a dormir muito
descançadamente.
No outro dia, de madrugada, como era costume, o padre, o sacristão
e mais quatro homens que levavam a tumba, foram buscar o defunc-
to da "alma penada". Mas o padre, assim que entrou, levou uma va-
lente cacheirada, e o sacristão e os homens que levavam a tumba fu-
giram, imaginando que tinha sido a "alma do outro mundo" que tinha
batido no padre.
Nesse mesmo dia, quando o Zé Valente viu
que eram horas, marchou, e á tarde encon-
trou no meio duma serra muito fragosa, um palacete com a porta aberta. Bradou, e, co-
mo ninguem lhe respondesse, entrou, indo
dar a uma sala, onde estava uma mesa pos-
ta com tres talhéres, tres copos, tres garra-
fas com vinho e tres guardanapos. Como el-
le estava farto d'andar, chegou se à mesa e bebeu um copo de vinho
de cada garrafa. E disse depois comsigo: "Deixa-me ver se encontro
para aqui alguma cama para descançar um pedaço". E, desaldraban-
do uma porta, viu um quarto com tres camas e tres lavatorios, e cada
lavatorio com a sua toalha. As bacias eram muito finas e as toalhas
muito brancas.
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
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Zé Valente lavou as mãos nas tres bacias e limpou-se a todas as toa-
lhas, e deitou-se tambem nas tres camas.
Ao fim de pouco tempo do Zé Valente se ter deitado, entraram tres
individuos no palacio, e chegando a casa do jantar, diz um delles:
"Na minha garrafa falta um copo de vinho!"
Diz outro: "Na minha, falta outro copo!"
Diz o terceiro: "E na minha, tambem falta!"
Foram depois para o quarto, e diz um: "Na minha bacia lavou-se gen-
te!" Diz logo outro: "Na minha tambem se lavou gente!" Diz o tercei-ro: "E na minha, tambem!"
Quando foram deitar-se, diz um delles: "Na minha cama esteve gente
deitada!" Diz outro: "Na minha. tambem!" Respondeu então o Zé Va-
lente: "E nesta cá estou eu. Se alguem quizer dormir commigo, dur-
ma, porque eu é que já daqui me não levanto."
Os homens. admirados de tanta ousadia, perguntaram-lhe quem era
elle. Zé Valente respondeu simplesmente, que andava a ver se en-
contrava alguma coisa, neste mundo, que lhe mettesse medo. Os in-
dividuos depois disseram-lhe que elles eram tres principes, que an-
davam em guerra e que matavam muita gente, mas quando volta-vam, já encontravam tudo vivo, outra vez! Zé Valente, ouvindo isto,
respondeu: "Pois bem. A'manhã tambem eu vou para ver o que isso
é!"
No outro dia quizeram dar-lhe uma espada, mas elle não a acceitou,
dizendo, que tinha bastante com a sua cacheirinha. E marcharam to-
dos para o sitio da guerra. Assim que lá chegaram, começaram a pe-
leja. Nesse dia mataram muita gente, e voltaram os quatro muito
mais cedo para o palacio.
No outro dia, levantaram-se e foram outra vez para a guerra, e
quando lá chegaram não viram ninguem morto! DIZ, então, o Zé Va-
lente: "Olhem, eu hoje não vou para o palacio, quero ver o que isto
é!" Depois da peleja e do inimigo fugir, fizeram uma méda de cadaveres,
e Zé Valente ficou de guarda, em observação. Ahi por volta das dez
ou onze horas da noite, viu elle aproximar-se
uma velha com uma panella na mão. A velha
chegou-se á méda, puxou por um cadaver, un-
tou-lhe o pescoço com o que levava dentro da
panella e uniu a cabeça ao corpo, e o corpo poz-
se de pé. Zé Valente deixou a velha fazer esta
operação a mais dois ou tres cadaeres, depois
deu-lhe uma valente pancada, matou-a e pegou na panella. E voltou
para o palacio, chegando lá ainda antes de romper a manhã.
No outro dia os principes ainda queriam ir para a guerra, mas o Zé Valente disse-lhes: "Não é preciso, porque está tudo morto. Quem
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dava vida aos cadaveres era a velhaca duma velha, que lhes untava
os pescoços com o unto que está aqui nesta panella. E para verem se
é ou não verdade, cortem-me lá as guélas". Os principes não queri-
am, mas elle teimou tanto, que por fim fizeram-lhe a vontade. Mas,
depois, quando lhe foram untar o pescoço, com a atrapalhação em
que estavam, em logar de lhe porem a cara para a frente, puzeram-
lh'a para traz. Quando elle se viu assim, disse: "Bem. Agora já en-
contrei uma coisa de que tenho medo; por conseguinte, ponham-me
lá a cara ás direitas, para ir para casa da minha mãe, porque fiquei
de voltar logo que encontrasse uma coisa de que eu tivesse medo".
Os principes puzeram-lhe a cara ás direitas, e Zé Valente voltou para
casa da mãe, passando pelo monte onde lhe apparecera a alma pe-
nada, para levar o dinheiro que estava dentro do azado.
(Da tradição oral - Brinches) - ANTONIO ALEXANDRINO.
------------------- ADIVINHAS
O que é aquilo, que tem dentes e não come;
e tem barbas e não é homem?
Uma cabeça de alho
Qual é a coisa que sobe e desce
oiteiros
e está sempre no mesmo sítio?
Uma estrada
O que é aquillo, que quando maior
é, menos pesa?
Um buraco
O que é aquillo que quanto mais rôto está,
menos buracos tem?
Uma rede
O que é aquillo que tem corôa e
não diz missa, e tem pernas e não anda?
Uma trempe
(Panela de ferro)
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CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
XII - "Animaes fugindo à morte"
Por António ALEXANDRINO In Tradição I vol. Anno II, Nº 7, Serpa Julho de 1900, Volume II, pp. 107, 108 e 109
(da Tradição oral - Brinches)
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
Animaes fugindo à morte
"ERA uma vez um gallo; e como elle sabia que esta-
va em quinta-feira de comadres, receava não chegar
á quarta-feira de cinza. Por isso deixou os companhei-
ros, sem lhes dizer nada, e metteu-se por um cami-
nho, para ver se assim se livrava da faca.
Perto do caminho que o gallo levava, havia um monte (casa de cam-
po), e ao pé d'esse monte andava um rebanho de patos.
Um dos patos perguntou ao gallo:
- "O' compadre gallo, então para onde vai você,
sósinho?" Respondeu-lhe o gallo:
- "Oh! oh! então você não sabe em que altura do
anno a gente está?"
- "Espere," - disse o pato - "deixe-me cá fazer
bem as contas…"
Depois de ter pensado um pedaço, olhou para o gallo e disse-lhe:
- "Estâmos em quinta-feira de comadres!"
- "Exacto",- respondeu o gallo - de como eu tenho muita vontade de
cantar na quaresma, vou-me safando, ainda assim algum diabo não
se lembre de me cortar as güélas."
- "E eu vou com você, compadre, porque agora, no entrudo, tambem
costuma morrer muita gente da minha família.
O gallo, contente com a resolução do pato, disse-lhe:
- "Pois venha, compadre, que a união faz a força."
E marcharam ambos.
No outro dia, pela manhã, passaram por outro mon-
te, onde andava um rebanho de perus, e um des-
tes perguntou-lhes:
- "Ó compadre gallo e compadre pato, então para
onde vão logo de amanhecida?"
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
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Respondeu o gallo:
- "Não ha que ver, isto para aqui está tudo parvo. Então você tam-
bem não sabe em que altura do anno a gente está?"
O peru lá fez as suas contas, e respondeu:
- "Estâmos em sexta-feira de comadres!."
- "Exactamente," -disse o gallo - "e eu mais aqui o compadre pato,
como queremos chegar á quaresma, vâmos fugindo com as güélas á
faca."
- "E eu tambem vou, ainda assim…" - respondeu o peru.
E lá continuaram os tres a sua jornada. Mais adiante, encontraram
outro monte, e, no monturo, estava um cão, que
lhes perguntou:
- "O' compadre gallo, compadre pato e compadre
peru, então para onde vão perdidos?"
- "Nós não vâmos perdidos, compadre, nós o que
vâmos é fugindo com as güélas á faca, porque de-
pois d'amanhã é domingo gordo."
- "E eu tambem vou com vocês" - disse o cão-
"porque ainda agora roubei um pão, e o pateiro (caseiro do monte)
disse que me havia de partir o lombo com um cacête."
Os outros, é claro, ficaram muito contentes, porque já levavam na
companhia um defensor muito mais valente.
Mais adiante, encontraram um rebanho de carneiros, e um dos
que andava de ponta perguntou:
- "O' compadre gallo, compadre pato, compadre peru
e compadre cão, o que andam vocês fazendo aqui
por estes campos?"
Responde o gallo: - "Olhe, eu, o compadre pato e o
compadre peru, vâmos fugindo com as güélas á faca,
e o compadre cão com o lombo a um cacête."
- "Pois olhem," - diz o carneiro - "como na segunda-feira ha um ca-samento e eu não quero lá ir, quer dizer que vou com vocês, ainda
assim não me obriguem a ir á funcção."
E, juntando-se o carneiro aos outros animaes, puzeram-se de novo a
caminho.
No dia seguinte, viram num outro monte um gato dei-
tado á soalheira. O gato, apenas viu o cão, ouriçou-se
todo, mas o gallo acudiu logo dizendo:
- "O' compadre gato, não tenha medo que o compadre
cão não lhe faz mal. Bem basta o trabalho em que elle
e nós estamos mettidos! Olhe, eu, o compadre pato, o
compadre peru e o compadre carneiro, vamos fugindo com as güélas á faca; e elle com o lombo a um cacête."
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
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- "Se eu soubesse" - diz o gato - "que o compadre cão não me fazia
nada, tambem ia, porque hontem roubei a carne do jantar, e o patei-
ro disse que havia de dar-me um tiro."
O cão, ouvindo isto, disse para o gato:
- O' compadre, visto isso, póde vir foito, que não lhe faço mal."
O gato, ouvindo falar o cão com tanta franqueza, metteu-se tambem
na companhia, e lá continuaram todos a sua jornada.
Mais adiante, encontraram no caminho um alforge, e o
gallo disse: - Oh diabo! como havemos nós agora de levar este alfor-
ge?"
Responde o carneiro:
- "Como eu sou o que tem mais força, ponham-no lá ás
minhas costas, que eu o levo."
Mais adiante encontraram uma cabeça de lobo, e diz o cão:
- "O' compadre carneiro! deixe lá metter esta cabe-
ça ahi numa enxáca, porque isto póde servir-nos de
muito."
Effectivamente, ao chegarem a uma altura, viram uma matilha de lobos no meio dum valle. O car-
neiro, assim que avistou os lobos, ficou com muito
medo, mas o cão, que era valente e esperto, disse-lhe:
- "O' compadre! não tenha medo. Você quer ver como elles fogem
por essas chapadas (ladeiras) acima?"
Tirou a cabeça do alforge, deu dois latidos e mostrou-a aos lobos. Es-
tes logo que viram a cabeça dum seu similhante, desataram a correr,
e desappareceram immediatamente.
Nesse dia, poz-se o sol, estando: elles perto dum monte (casa) de
ladrões; e, como não viram ninguem por ali, diz o gato:
- "O' compadres, isto é d'inverno, e como eu não estou acostumado a
dormir ao relento, o melhor é entrarmos n'este monte".
A proposta do gato foi approvada, e os animaes resolveram-se todos
a entrar. Diz logo o gato:
- "Eu deito-me além na borralheira." Diz o carneiro: "E eu fico aqui
atraz da porta." Diz o gallo: "E eu vou além para aquelle puleiro."
- "Nesse caso," – disse o cão - "eu mais o compadre pato e o
compadre peru vâmos para aquella casa."
Mal elles tinham acabado d'occupar os seus logares, sentiram chegar
uma data d'homens á porta. E ouviram dizer a um delles: "Eu vou ver
se ainda ha para ali alguma brasa."
E, dizendo isto, dirigiu-se logo para a lareira. O gato, assim que o la-drão lhe chegou ao pé, deitou-se a elle e arranhou-lhe a cara toda.
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
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O ladrão, sentindo se ferido, principiou a andar ás apalpadélas, a ver
se encontrava alguma coisa com que podesse defender-se; mas como
sentia nos olhos uns algueiros (argueiros), começou a esfregá-los. E
o carneiro, vendo que elle não saía d'ali, deitou-se a elle ás marro-
cadas (marradas). O ladrão ainda conseguiu safar-se, mas depois de
bem moido. Os outros ladrões, quando viram o companheiro todo en-
sanguentado, ficaram admirados, e o capitão perguntou-lhe:
- "Então o que foi isso?!" - "Ih! Jesus! foi um ladrão dum cardador
que me deu com as cardas na cara, deixando-me a escorrer san-
gue; e quando eu andava á busca dalguma coisa com que podesse defender-me, um diabo dum alvanéo (pedreiro) deitou-me uma
colherada de cal para os olhos, que me ia cegando, e ainda não
contentes com isto, salta de lá um malhador… e já o diabo malha-
va bem! Se não encontro a porta tão depressa, matavam-me com
certeza, porque estão lá uns poucos, e a um diabo dum hespanhol,
só o que eu lhe entendia, era: grú grú grú… grú grú grú… Mas ainda
assim, do que eu tinha mais medo, era d'outro diabo, que só o que
dizia, era: tragam-m'o cá, tragam-m'o cá…
(Da tradição oral- Brinche. - ANTÓNIO ALEXANDRINO
------------------------------------ ADIVINHAS (só como exemplo):
O que é aquilo que quan-
to maior é menos se vê? A ESCURIDÃO
O que é aquilo que anda
à roda e não dispõe? A DOBADOIRA
O que é aquilo que se
aperta numa mão e não
cabe num caixão?
O varejão
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
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CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
XIII - "O Diabo e a sogra"
Por António ALEXANDRINO
(da Tradição oral - Brinches) In Tradição I vol. Anno II, Nº 9, Serpa, Setembro de 1900, Volume II, pp. 142, 143
e Anno II, Nº 12, Serpa, Dezembro de 1900, Volume II, p. 191. [Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
(img: in - blog.uncovering.org)
"o Diabo e a sogra"
"ERA uma vez uma estalajadeira que tinha uma filha muito namora-
deira, mas, desgraçadamente, para casar, ninguem a queria. Um bel-
lo dia, disse-lhe a mãe: "Ainda assim, tu não casarás, ainda que seja
com o diabo?!
Ora, o diabo sabendo d'isto, apresentou-se um dia na estalagem, fin-
gindo que era negociante, e começou a namorar a rapariga, pedindo-
a logo em casamento. Como a mãe lhe disse que sim, casaram d'ali a
pouco tempo. Está claro que o tratamento que elle dava á mulher, era como a pessoa (o diabo)! Effectivamente, quando elle saía a fazer
alguma jornada, á volta, encerrava-se n'um quarto com a mulher, ti-
rava a chave da porta, e lá vão estoiros para cima d'ella.
Em vista d'este mau tratamento, desconfiou a mãe que a filha estava
casada com o diabo. E um dia disse á filha:
- "Parece-me, filha, que tu estás casada com o diabo; e nós havemos
de saber isso com certeza."
Respondeu a filha:
- "Então como havemos nós de saber isso?"
- "Olha, pega n'este rosario de contas, e em elle se encerrando
comtigo, que te comece a bater, atira-lhe com o rosario para cima,
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
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porque se for o diabo, foge com certeza; e deixa o resto por minha
conta."
Effectivamente, no outro dia, quando o diabo chegou a casa, encer-
rou-se logo n'um quarto com a mulher. Mas a sogra, que andava des-
confiada, assim que elle fechou a porta, pegou n'uma garrafa e numa
rôlha e poz a bôca da garrafa ao buraco da fechadura da porta, que
era a unica saída que tinha o quarto.
A filha, como já estava avisada, assim que elle lhe deu a primeira
pancada, atirou-lhe logo com o rosário para cima. Mas como o diabo só podia fugir pelo buraco da fechadura, entrou, sem querer, para
dentro da garrafa.
A velha assim que o apanhou dentro da garrafa, rolhou-a muito bem
e foi deitá-la para umas moitas. Já se vê, que o diabo, vendo-se pre-
so, só o que fazia era gritar: "Quem me tira d'aqui, que o faço feliz!
quem me tira d'aqui, que o faço feliz!..."
Perto das moitas onde estava a garrafa, havia um caminho por onde
já ninguém passava, porque ouviam gritar, e não viam pessoa ne-
nhuma. Por acaso veiu ali dar um soldado, que perguntou qual era o
caminho mais curto para a terra aonde elle se dirigia. Todos lhe dis-
seram que havia um caminho, assim, assim, que era mais perto, mas
que ninguem ia por elle, porque estava lá um medo; e disseram-lhe que medo era.
O soldado, ouvindo isto, disse: "pois é mesmo por esse caminho que
eu hei d'ir". E marchou. Effectivamente, quando se approximou do tal
logar, ouviu as taes vozes que lhe tinham dito, e foi-se chegando pa-
ra ellas para ver o que era. Depois de buscar muito, encontrou dentro
d'uma moita uma garrafa, d'onde saíam as vozes. Muito admirado,
perguntou:
- "Então"que diabo é isto que está aqui dentro?!"
- "O' camarada, " - responde o diabo - "sou eu; sou o diabo que es-
tou aqui encerrado. Se me soltares, faço-te feliz."
- "Então quem diabo te engarrafou?" - perguntou o soldado, cada vez
mais admirado.
- "Foi minha sogra." - "Então, de que maneira me hasde tu fazer feliz?
- "Olha, vou metter-me no corpo d'uma princeza, e só de lá sáio
quando tu mandares; e como é uma princeza, com certeza que te
hão de dar tudo quanto pedires. E se quizeres pódes ficar rico."
O soldado, depois d'ouvir estas palavras, soltou o diabo, que lhe pe-
diu muito que não dissesse nada á sogra.
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
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Passados dias, o soldado ouviu dizer que a princeza estava muito do-
ente, e que ninguem atinava com a molestia. E, lembrando-se da fala
que tinha tido com o diabo, apresentou-se em palacio e disse:
- "Eu sou capaz de curar a princeza, mas para isso é preciso que me
dêem cá uma certa continha."
- "Dou-te o dobro do que tu pedes," - respondeu o rei - "se fores ca-
paz de a curar."
- Bem, deixem-me só no quarto com ella, e d'aqui a um quarto d'ho-
ra, ou ainda menos, está curada."
Em vista da promessa do soldado, consentiram em que elle ficasse só
com a princeza. Assim que o soldado se viu só, disse: "O' amigo! aqui
estou a ver se cumpres a tua palavra."
O diabo saiu immediatamente do corpo da princeza, e esta apresen-
tou-se logo curada, ficando todos pasmados do que viam.
O diabo foi dali metter-se no corpo doutra princeza, e o soldado, car-
regado de dinheiro, foi gosar dois meses de licença.
A segunda princeza, assim que o diabo lhe entrou no corpo, sentiu se
logo, é claro, muito doente; e corno constasse, que no reino de tal
havia um homem que já tinha curado uma princeza da mesma moles-
tia, pediram ao rei dessa nação que lhes mandasse esse homem.
O rei mandou logo chamar o soldado e contou-lhe o que havia. O sol-
dado não queria ir, mas o rei ordenou-lhe que marchasse, sob pena
de morte.
O soldado, então não teve outro remedio senão marchar. Chegado a
palacio, foi logo ao quarto da princeza, e, ficando só com ella, tratou
de pedir ao diabo que saisse. O diabo, depois de muito instado, res-
pondeu: "Eu não sáio porque não quero."
O soldado, ouvindo esta resposta, lembrou-se da sogra e disse ao rei:
"Vossa Real Magestade ha de ordenar que ámanhã, pela manhã, re-
piquem todos os sinos, se puchem todos os foguetes que estiverem
feitos, e salve toda a artilheria da cidade."
No outro dia, ao romper da manhã, o diabo, ouvindo tantos repiques,
tantos foguetes e tantos tiros d'artilharia, perguntou: - "O' soldado, então que novidades ha hoje na côrte?"
- "O que ha de ser…" - respondeu o soldado - "é a tua sogra que vem
chegando ao palacio."
O diabo, apenas ouviu falar na sogra, safou-se logo, dizendo ao sol-
dado; "Olha, amigo; arranja-te cá com ella, como puderes, que eu
vou-me embora para onde nunca mais oiça falar em tal mulher."
(Da tradição oral - Brinches) -ANTONIO ALEXANDRINO
Ver "O diabo e seus parentes" in Jangada Brasil in http://www.jangadabrasil.com.br/revista/abril65/pn65004a.asp
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
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CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
XIV - "O hortelão e o moço"
Por António ALEXANDRINO
(da Tradição oral - Brinches)
In Tradição I vol. Anno III, Nº 3, Serpa, Março de 1901, Volume III, pp. 45, 46; continua Anno III, Nº 4, Serpa, Abril de 1901, Volume III, pp. 63, 64; continua:
Anno III, Nº 5, Serpa, Maio de 1901, Volume III, pp. 77, 78.
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-gistada na época.]
O hortelão e o moço
"ERA uma vez um velho que tinha muitos filhos. E como elles ganha-
vam pouco, um dia os tres mais velhos disseram: "Nós vamos correr fortuna." Pediram a benção ao pae e marcharam juntos pelo mesmo
caminho.
Chegados a um certo ponto, viram que se apartavam tres caminhos.
Pararam, e o mais velho disse:
- "Eu, por ser o mais velho, vou pelo caminho da direita."
Diz o segundo:
- "E eu vou pelo do meio."
- "E eu, pelo da esquerda" - disse o terceiro.
E cada qual seguiu o seu caminho, depois de combinarem, que se ha-
viam de juntar todos os tres naquelle mesmo logar, dali a um anno.
O mais novo foi dar a uma horta. E o hortelão dessa horta tinha uma
filha muito bonita. O rapaz, assim que a viu, gostou logo muito dela, e foi pedir trabalho ao hortelão.
O hortelão olhou bem para elle e perguntou-lhe se elle sabia ler. O
rapaz sabia ler, mas respondeu que não sabia. O hortelão, como o
rapaz lhe disse que não sabia ler, concertou-o logo por um anno, pa-
ra môço da horta. in -submarino
Dahi a dias o hortelão precisou sahir. E como
o rapaz já namorava a filha, sem o pae saber,
pediu-lhe as chaves do quarto onde estavam as sementes A rapariga com medo do pae,
não lh'as queria dar, mas elle tanto a atten-
tou, dizendo-lhe que era para semear umas
flores, que ella sempre lh'as entregou. O ra-
paz, assim que apanhou as chaves, abriu a
porta e foi á gaveta onde estavam as semen-
tes, e encontrou lá um livro d'artes (bruxari-
as), que era do hortelão. O rapaz, vendo que as taes artes lhe podi-
am servir, tratou de as aprender todas muito bem, e logo que acabou
o anno despediu-se. O hortelão não queria de maneira nenhuma que
o rapaz se fosse embora; e para o rapaz se ir embora, foi preciso dar
a sua palavra d'honra ao hortelão que iria servi-lo no anno seguinte.
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
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Só assim conseguiu que o amo lhe fizesse as conta!. E o hortelão, em
logar duma soldada, deu-lhe duas.
O rapaz, em seguida, marchou direito ao ponto em que tinha combi-
nado juntar se com os irmãos, e foi o que chegou primeiro. Assim
que chegaram os outros dois, disse o mais velho:
- "Eu, como mais velho, devo receber tudo quanto vocês ganharam,
para entregar ao nosso pae."
O do meio disse logo que não queria, e o mais novo disse:
- "Cada um entregue o que ganhou."
O irmão mais velho, então, obrigou o mais novo a entregar-lhe tudo quanto levava.
QUANDO chegaram a casa, foram à presença do pae, e o filho mias
velho entregou-lhe o dinheiro, dizendo que era o ganho que elle tinha
tido durante o anno. O filho do meio fez o mesmo. E, como o filho
mais novo nada entregasse, o pae olhou para elle, e perguntou-lhe:
- " Então tu o que ganhaste?"
Diz o filho mais velho:
- "Esse maroto, tudo quanto ganhou, gastou-o em vinho e no jogo."
O pae, suppondo que isto era verdade, perdeu a cabeça e pô-lo no
meio da rua.
O rapaz, quando o pae o poz na rua, começou a chorar e a dizer que
tudo aquillo era mentira; e foi a poder de muitos pedidos da mãe que o pae o attendeu. Passados dias, o rapaz, vendo que o pae já estava
mais maduro (brando), chamou-o e disse-lhe:
- "Ó pae, traga a nossa burrinha e uma gôrpêlha (golpêlha), e verá
como traz muito dinheiro." O pae fez o que o filho lhe disse, e pelo
caminho disse ainda o rapaz:
- "Pae, eu faço-me num galgo, e toda a caça que se levantar, hei de
agarrá-la. No meio do matto ha d'apparecer o rei, que anda numa ca-
çaria com todos os vassallos; d'ao pé do rei ha de levantar-se uma
lebre, e eu, em a agarrando, vou empinar-me ao cavalho delle, para
lh'a entregar. O rei ha de ficar muito contente e ha de querer com-
prar-me. Vocemecê venda-me, mas peça muito dinheiro e diga-lhe
que a colleira não entra na venda."
Effectivamente aconteceu tal qual corno o rapaz tinha dito. O rei comprou o cão, e o velho ficou com a colleira. O rei continuou depois
a caçar, e, ao levantar-se uma lebre, o cão correu logo atraz della;
mas ao dispôr (transpôr) duma altura, o cão fez-se num rapaz e sen-
tou-se numa pedra. O rei, vendo que o cão não apparecia, foi á busca
delle, e, encontrando o rapaz sentado, perguntou- lhe:
- "O' rapaz, tu não viste passar aqui um galgo correndo atraz duma
lebre?" - "Eu não senhor" - respondeu o rapaz. - "Eu tambem só ago-
ra aqui cheguei."
O rei continuou a procurar o cão, e o rapaz foi para casa.
No outro dia, quando se levantou, pediu a benção ao pae e disse :
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
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- "Pae, nós agora vamos à feira. Eu faço-me num cavallo, e voceme-
cê venda-me mas diga que é com a condição do freio não entrar na
venda. Se vocemecê me vende com o freio mata-me." O pae e o filho
foram para a feira, e quando chegaram á corredoira já o tal hortelão
tambem lá estava.
O hortelão, assim que viu um cavallo tão bonito conheceu-o logo, e
chegando-se ao pé do velho, bateu-lhe com a mão no hombro e per-
guntou:
- "O' vélhóte, vócê quer vender o cavallinho?)
- " Quero sim senhor," - disse o dono - "mas ha de dar-me tanto (a importancia), e o freio não entra na venda."
- "Sem freio!..." - respondeu o hortelão - "nem dado eu o quero.
Agora com o freio, ainda m'obrigo a dar esse dinheiro."
O velho, vendo que era uma boa venda que fazia, não se importou
com a recommendação que o filho lhe tinha feito, e entregou o ca-
vallo com o freio.
O hortelão assim que se viu com as redeas na mão, fallou a dois ho-
mens e disse-lhes:
- "O' rapazes isto aqui é bater sem dó, como quem bate em centeio.
E não o deixem chegar á agua." Os homens, vendo que o cavallo era
muito bonito, só lhe bateram emquanto o dono esteve á vista. E ao
passarem ao pé dum pôço, o cavallo não fazia senão rinchar, e o que queria era chegar-se ao poço. Os homens, então, como já não avis-
tavam o dono, foram dar agua ao cavallo e tiraram-lhe o freio. O ca-
vallo, mal se viu sem o freio, fez-se num peixe e saltou para dentro
do pôço.
Mas o hortelão, que já vinha perto, vendo o cavallo fazer-se no peixe,
fez-se tambem num pica-peixe e saltou do mesmo modo para dentro
do pôço. O rapaz, sentindo-se perseguido, fez-se numa perdiz e
voôu. lmmediatamente o hortelão fez-se num gavião e começou a
voar atraz da perdiz. O rapaz, então, fez-se num annel e foi cahir no
collo duma rapariga que estava numa varanda, a pentear-se. in -artmajeur-
O hortelão, em vista disto, fez-se logo num tendei-
ro e sento-se ao lado da rapariga, dizendo-lhe que
lhe vendesse aquelle annel. A rapariga de maneira
nenhuma queria vender o annel. E o hortelão, ven-
do a teima da rapariga em não querer vender o
annel, disse-lhe:
- "Então troque-o por este par de brincos e mais este cordão." A ra-
pariga, então, disse que sim, e quando foi tirar o annel do dedo elle
partiu-se e fez-se numa roman já esbagulhada. O tendeiro depois
fez-se numa gallinha com pintos, e desataram a comer os bagos da
roman, um a um. Mas um dos bagos, que estava por traz do pé da cadeira, fez-se numa zôrra (rapoza) e comeu os pintos e a gallinha.
(Da tradição oral - Brinches) - ANTONIO ALEXANDRINO.
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
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CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
XVI - "O Monte da Má Hora"
Por António ALEXANDRINO
(da Tradição oral - Brinches) In Tradição I vol. Anno III, Nº 9, Serpa, Setembro de 1901, Volume III, pp. 138,
139, 140, 141; continua: Anno III, Nº 10, Serpa, Outubro de 1901, Volume III, pp. 155, 156, 157, 158
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
O Monte da Má Hora
"HAVIA, em tempo antigo, tres irmãos: o mais velho era muito me-
droso, o do meio, quasi valente, e o mais novo, muito valente. Um
dia, como elles não tinham que fazer, combinaram ir correr fortuna, e
em todos os trabalhos (afflições) em que. se vissem, o primeiro a af-
trontá-los seria o mais velho, depois o do meio, e, em ultimo caso, o
mais novo.
Depois de todos se comprometterem a cumprir o que tinham combi-
nado, marcharam. Em todos os montes aonde chegavam pediam tra-
balho, e, em não lh'o dando, continuavam o seu caminho. Um dia, era d'inverno, já quasi ao sol posto, chegaram a um monte, e, como
costumavam, pediram trabalho para o dia seguinte e gasalho para
essa noite.
O lavrador respondeu-lhes: - "Trabalho para os tres, tenho, agora
gasalho é que não posso dar a mais de dois. Mas se querem, eu te-
nho ali tres leões, um de vócês leva um, e póde ir dormir para aque-
lle monte que está além naquellas brenhas. Aquelle monte é o monte
da Má Hora, e dizem que quem lá vai, não torna. Mas em levando o
leão com certeza não lh'acontece mal nenhum."
Como era já muito tarde, e no dia seguinte tinham ali trabalho, accei-
taram a offerta do lavrador. E para o tal monte foi o irmão mais ve-
lho. Mas como elle era muito ruim, (medroso) foi chorando quasi todo
o caminho. Quando chegou á porta do monte, víu uma velha a pente-ar-se, e, fingindo que tinha coragem, porque levava o leão, disse pa-
ra a velha:
- "Salve-a Deus, ti'vélhóta! Então póde por esta noite dar-me gasalho
a mim e ao meu leão?
- "Ai menino," -disse-lhe a velha, já desdentada - "posso sim senhor,
nem só por esta noíte, por todas as que quizer. Mas pégue lá neste
cabello e vá prender o seu leão na cavelhariça."
O rapaz pegou no cabelo, atou-o ao pescoço do leão e prendeu-o.
E quando voltou, disse a velha, antes delle lhe chegar ao pé:
- "Cabellinho, cabellão-faze-te numa corrente - e enterra-te pelo
chão.
O cabello fez-se logo numa corrente, e a velha, quando o rapaz lhe chegou ao pé, disse-lhe:
- "Ai menino, vamos deitar uma mâlúta, (lucta) para vermos quem
tem mais força?" O rapaz, com muito medo, respondeu-lhe:
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
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- "Ora, ti'vélhota, então para que? pois não vê que eu sou um rapaz
novo, e que hei de ter muita mais força que vócemecê?"
- "E' o mesmo," - lhe disse a velha - "vamos lá experimentar."
O rapaz, como ella o derriçou (insistiu com ele) muito, sempre cahiu,
e começaram a luctar. Ora, como a vélha era o diabo, deitou logo a
baixo o rapaz, e assim que o apanhou no chão, pegou num cacete e
agora verás quem bate! …O rapaz fartou-se de bradar pelo leão, mas
como o cabello se tinha feito numa corrente, o leão não lhe poude ac-
cudir.
No outro dia, á tarde, como o rapaz não apparecia, foi o irmão do
meio. Aconteceu-lhe a mesma coisa. No dia seguinte, é claro, teve
d'ir o mais môço. A vélha, assim que o viu, deu lhe logo um cabello
para elle prender o leão que levava. Mas o rapaz, que era muito ex-
perto, não o atou ao pescoço do leão, deixou o leão solto. E, quando
voltou, a vélha fez-lhe a mesma sarrazina, até que se pegaram. O
rapaz, assim que se viu fraquejar, disse:
- "Valha-me aqui o meu leão." O leão apresentou-se ali immediata-
mente e arrancou o rapaz dos braços da vélha. Elle, assim que se viu
livre della, pegou num cacête e zurziu-a muito bem zurzida. E depois
d'estar farto de bater, olhou para ella e disse-lhe:
- "O' velha maldita, ou os meus irmãos apparecem já aqui, ou então mato-te, grande velhaca!"
- "Os teus irmãos" - respondeu a velha - "estão naquelle quarto."
O rapaz foi abrir a porta do quarto, e entretanto a velha desappare-
ceu.
No outro dia, pela manhan, quando os tres rapazes se levantaram,
viram na rua do monte uma mó, e como ali não havia nenhum moi-
nho, disse o irmão do meio:
- "Ainda assim, o que quererá aquillo dizer?"
- "Vamos saber já" - respondeu o irmão mais moço. E levantaram-na.
Debaixo da mó estava um grande poço. Como elles queriam ver o
que havia no fundo daquelle poço, foram ao monte arranjar cordas e
um cavanejo, para descerem lá abaixo.
Assim que arranjaram as cordas e o cavanejo, disseram os dois ir-mãos mais novos para o mais velho:
- "Mette-te lá dentro do cavanejo, que nós seguramos as cordas, e,
em tendo medo, toca este escálho (chocalho), para te tirarmos."
Mas como elle era muito medroso, assim que perdeu os irmãos de
vista, começou logo a tocar o escálho.
Os irmãos tiraram-no para fóra do poço, e depois metteu-se dentro
do cavanejo o irmão do meio. Este, como era mais corajoso, chegou
a descer até ao meio do poço, depois, suppondo que o poço não tinha
fim, tratou de tocar tambem o escálho. Os irmãos tiraram-no tam-
bem do poço, e por fim teve tambem o irmão mais moço de metter-
se dentro do cavanejó. E quando elle se metteu no cavanejo, disse
aos irmãos: - "Vocês, emquanto houver corda, deixem ir."
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
53
Chegou o rapaz ao fundo do poço e viu logo, em frente, uma porta, e
bateu. Veiu uma rapariga abrir-lh'a, que ficou muito admirada e ao
mesmo tempo assustada.
- "Ai senhor," - disse ella ao rapaz - "pelo amor de Deus, vá-se em-
bora, porque se o meu guarda o vê aqui, mata-o com certeza.
- "Então quem é o seu guarda?" - perguntou lhe o rapaz.
- "E' uma bicha-féra com sete cabeças."
- "Pois bem. Então que signal dá ella quando vem?"
- "Ai senhor! vem dando uns assobios muito grandes! …
- "Nesse caso, abra lá a porta, que eu é que a hei de matar a ella." A rapariga, então, já mais animada, abriu a porta, e elle poz-se por
traz, com um punhal na mão á espera da bicha-féra.
Etfectivamente, dahi a pouco, soaram os assobios. Elle, assim que os
ouviu, preparou-se melhor, e, quando ella tinha metade do corpo
dentro de casa, matou-a com uma punhalada. A rapariga, vendo que
o seu guarda já estava morto, olhou para o rapaz e disse-lhe:
- "Eu, senhor, sou uma princeza encantada, e emquanto não matas-
sem o meu guarda não podia ir para o palacio. E como foi o senhor
quem o matou, aqui tem este annel." E deu-lh'o.
Quando ella ia a sahir, lembrou-se das irmãs, e disse ao seu salvador
que ainda ali estavam duas irmãs suas tambem encantadas. O rapaz,
ouvindo isto, foi pelo corredor adeante, e quando viu outra porta, ba-teu tambem. Appareceu logo a princeza pedindo-lhe que se fosse
embora, senão o seu guarda que o matava.
- "Então quem é o seu guarda?" - perguntou-lhe o rapaz.
- "O meu guarda, senhor, é um leão."
- "Pois bem, não tenho medo. Abra-me lá a porta, que em elle vindo
mato-o com este punhal."
A princeza abriu a porta, veiu o leão, e o rapaz matou-o effectiva-
mente. Em recompensa a princeza deu ao rapaz outro annel e disse-
lhe que ainda ali estavam mais duas irmãs tambem encantadas. O
rapaz respondeu que não eram duas, era só uma, porque a mais ve-
lha já elle tinha desencantado.
Depois continuou pelo corredor, e quando viu a outra porta, bateu. A
princeza veiu abrir a porta, e assim que viu o rapaz, disse-lhe o mesmo que disséram as outras duas, "que se fosse embora, senão o
seu guárda que o matava." O rapaz perguntou-lhe quem era o seu
guarda, e ella respondeu-lhe que era o diabo. Assim que ella lhe falou
no diabo, disse elle logo:- "Oh! pois desse amigo mesmo é que eu
ando á busca, para ajustarmos umas contas já antigas. Abra-me lá a
porta, faça favor."
A princeza, vendo deante de si um homem tão valente, abriu imme-
diatamente a porta e levou-o a uma sala d'armas. Mostrou-lhe umas
espadas muito luzidias e outras muito ferrugentas. Depois da prince-
za mostrar tudo ao rapaz, disse-lhe: "
- "Elle, em vindo, ha de tratá-lo muito bem e ha de convidá-lo a jogar
á espada, mas o senhor finja que não sabe nada, e em logar de pegar nas espadas luzidias, pegue nas ferrugentas."
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Tal qual ella disse assim aconteceu. Veiu o diabo, cumprimentou mui-
to bem o rapaz e convidou-o logo para jogarem á espada. Como o di-
abo fazia pouco caso do jogo, o rapaz deu-lhe uma espaldeirada nu-
ma orêlha com tanta força, que lh'a cortou.
O diabo, assim que se sentiu ferido, e sem a orêlha, fugiu, e a prince-
za ficou immediatamente desencantada. A princeza deu depois ao ra-
paz um annel e disse-lhe que ainda ali tinha duas irmãs tambem en-
cantadas.
- "Já não ha nenhuma" - respondeu-lhe elle. - "E a Senhora Princeza
vai tambem já sahir." E metteu-a no cavanejo.
Os irmãos, depois de tirarem as tres princezas, ainda deitaram para
dentro do poço o cavanejo, mas elle, desconfiando que era para o
matarem, em logar de se metter no cavanejo, poz-lhe uma pedra
dentro.
Effectivamente, apenas elles ouviram o chocalho, puxaram pela cor-
da, mas quando viram que o cavanejo já vinha no meio do caminho,
largaram a corda de repente e foram-se embora para o palacio com
as princezas. O rapaz, então, para sahir, lembrou-se da orêlha do di-
abo e mordeu-a. O diabo appareceu immediatamente e pediu-lhe a
orêlha.
- "Dou-t'a,"-disse-lhe o rapaz - "mas é preciso que me tires já d'agui."
- "Pois sim," - respondeu o diabo "monta-te aqui ás minhas costas."
O diabo, assim que o tirou, pediu-lhe outra vez a orêlha, mas elle não
lha deu. D'ali foi o rapaz, de déu em déu, dar a uma casa d'ourives
onde pediu trabalho. O ourives, como n'aquella occasião precisava
d'um rapaz para lhe guardar umas cabras, disse que sim.
Uma bella tarde, quando o rapaz chegou a casa com as cabras, en-
controu o patrão e a patrôa muito tristes da sua vida, e perguntou-
lhes:
- "Então o que é isso que têem, que estão tão tristes? Aconteceu-lhes
alguma desgraça?
- "Ora," - disse o patrão - "o que há-de ser… foi o nosso rei que me
mandou dizer, que dentro de tres dias, tinha que lhe fazer um annel egual áquelle que a princeza mais velha levou para o encantamento.
E isto com pena de morte, se eu o não fizer. Mas como o hei-de eu
fazer, se nunca o vi?!..."
O rapaz, então, vendo a aflicção em que se achava o patrão, respon-
deu-lhe:
- "Se é só isso, não lhe dê cuidado, que tudo se há-de arranjar. Mas é
preciso pôr no meu quarto meio almude de vinho e meio alqueire de
nozes."
O ourives mandou logo comprar o vinho e as nozes e poz tudo no
quarto do rapaz. Lá por essa noite adeante, o rapaz mordeu a orelha
do diabo. E o diabo appareceu logo, dizendo-lhe:
- "Aqui estou, o que me queres?" - "Quero que comas essas nozes e bebas esse vinho."
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
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O diabo, apenas ouviu esta ordem, arca-se com as nozes e o vinho, e
mamou tudo. E quando acabou de comer e beber, perguntou ao ra-
paz se queria mais alguma coisa. O rapaz disse-lhe que não, que se
podia ir embora.
No outro dia, pela manhã, o rapaz apresentou o annel ao patrão. E o
patrão ficou tão contente, que já não queria que elle fosse guardar as
cabras. Mas o rapaz de maneira nenhuma quiz deixar d'ir, e, assim
que acabou d'almoçar, marchou com ellas.
Passados tres dias, aconteceu o mesmo. O rapaz, ao vir para casa,
encontrou outra vez os patrões muito tristes. Perguntou-lhes o que tinham.
- "Ora," -disse o patrão - "que ha-de ser? é a princeza do meio que
tambem quer um annel egual áquelle que levou para o encantamen-
to!..."
- "Ah!" - disse o rapaz - "não s'apoquente. Ponha no meu quarto ou-
tro meio almude de vinho e outro meio allqueire de nozes, e deixe o
resto por minha conta."
E' claro que no outro dia, deu-lhe o annel.
A princeza mais nova, como as irmãs já tinham os seus anneis, tam-
bem quiz o d'ella. E por conseguinte foi logo ordem para o ourives. O
ourrives, apenas recebeu a ordem, participou logo ao rapaz, e este
fez o mesmo que das outras vezes. O rei, com o contentamento de ter já as filhas desencantadas, e com
os seus anneis, fez uns grandes festejos, e convidou o ourives para
tambem assistir a elles.
Os festejos duraram tres dias, e houve cavalhadas. O rapaz, depois
dos patrões marcharem, mordeu a orelha do diabo, e quando este
lh'appareceu, disse-lhe:
- "Eu quero aqui já o melhor cavallo, o melhor fato e a melhor espada
que possa haver."
O diabo fez-se logo n'um cavallo baio e apresentou ao rapaz tudo
quanto elle tinha pedido. O rapaz depois vestiu-se, montou a cavallo
e foi para as cavalhadas. Quando elle entrou na praça, toda a gente
ficou admirada com tanta riqueza que elle levava; mas elle não deu
cavaco a ninguem. Deu tres voltas á praça, fez uma vénia ás prince-zas, atirou com um ramo de flores para o collo da princeza mais ve-
lha, e foi-se embora.
No outro dia, o patrão tambem o queria levar, mas elle disse que não
queria ir. O ourives, vendo que elle não queria ir de maneira nenhu-
ma, lá marchou com a mulher. E elle, assim que lhe pareceu, deu ou-
tra dentada na orelha do diabo. O diabo appareceu immediatamente,
e elle disse lhe
- "Eu quero aqui já tudo o que me deste hontem, mas ainda superi-
or."
O diabo fez-se logo num cavallo branco e apresentou lhe o resto que
elle pedia: um fato e uma espada. O rapaz vestiu-se, montou a ca-
vallo e marchou para as cavalhadas. O rei assim que o viu entrar na praça, mandou por sentinellas para o agarrarem quando elle fosse a
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
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retirar-se. Mas elle, assim que deu tres voltas á praça e fez a vénia
ás princezas e atirou com outro ramo de flores para o collo da prince-
za do meio, picou esporas ao cavallo; e quando os soldados o quize-
ram agarrar, já o tinham perdido de vista.
No outro dia, o ourives ainda teimou em querer levar o rapaz ás ca-
valhadas, mas elle que não, que não, e não foi. Mas depois do patrão
marchar, fez o mesmo que nos outros dias. Deu as mesmas tres vol-
tas á praça e atirou com outro ramo de flores para o collo da princeza
mais nova, e depois desappareceu.
D'ahi a tempos houve uma guerra, e quando elle soube, mordeu ou-tra vez a orelha do diabo, e quando este lh'appareceu, disse-lhe: "Eu
quero ir para a guerra, e, então, faze-te no melhor cavallo que possa
haver e apresenta me as melhores armas que houver." O diabo fez
logo o que elle lhe pediu, e marcharam para a guerra.
Quando lá chegaram, andava já tudo em fogo, mas elle chegou-se ao
pé do rei inimigo, tirou-lhe o estandarte e matou-o. Os inimigos, as-
sim que se viram com o seu rei morto, e sem estandarte, fugiram. E
elle, quando lhe pareceu, foi se embora, e no caminho disse ao diabo
que se fizesse num burro pôdre (muito ruim), e elle, o rapaz, fez-se
num velhinho.
D'ahi a pedaço, os irmãos, que tambem tinham ido á guerra, chega-
ram ao pé delle, e como o não conheceram, disseram-lhe: - "O' vélhóte! vócê tem que nos dar esse estandarte… "
- "Pois sim, senhores, tomem-no lá, que não quero isto para nada."
Mas antes de lh'o entregar, cortou as duas borlas, sem os irmãos ve-
rem, e metteu-as na algibeira.
O rei ficou muito contente por ter ganho a batalha, e quando as tro-
pas estavam formadas, em frente do palacio, passou o rapaz vestido
com o mesmo fato que elle trazia quando desencantou as princezas.
As princezas, assim que o viram, conheceram-no logo, e disseram:
"Pae, além está o rapaz que nos desencantou."
O rei mandou-o chamar immediatamente e disse-lhe que fizesse con-
ta de jantar no palacio, e á mesma mesa onde se sentavam os minis-
tros e conselheiros.
Veiu o jantar, e no fim disse o rei: - "Meus senhores, agora, cada um tem que contar a sua historia. Contaram todos a sua historia, e
quando o rapaz, que foi o ultimo, acabou de contar a sua vida, os ir-
mãos delle, que tambem estavam presentes, disseram:
- "Saiba Vossa Magestade que tudo aquillo é mentira." O rapaz, en-
tão, metteu a mão na algibeira, tirou as borlas de estandarte e disse:
- "Para provar que é verdade tudo o que disse, aqui estão estas bor-
las, e se ellas não forem as do estandarte que meus irmãos entrega-
ram a Vossa Magestade, peço que me fuzilem."
O rei, entusiasmado com tanta valentia, mandou buscar o estandarte,
e depois de ver que effectivamente as borlas lhe pertenciam, disse:
- "Pois bem, visto seres tão valente e tão leal, dou-te em casamento
a princeza que escolheres, e a teus irmãos, por serem tão ingratos, o premio que lhes dou é serem fuzilados amanhã, ao nascer do sol."
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
57
No outro dia, ao nascer do sol, os irmãos foram fuzilados, e dahi a
tres mezes casou elle com a princeza mais nova, e ainda a esta hora
lá estarão - comendo migas com pão.
Tradição oral - Brinches. - ANTÓNIO ALEXANDRIN0.
Relacionar com TORRE da MÁ HORA - Montemor-o-Novo http://clubevinhosportugueses.wordpress.com/2009/07/
"Cronologia:
O Castelo de Montemor-o-Novo é o recinto original da Vila medieval
de Montemor-o-Novo. Conquistado aos Mouros por D. Afonso Henri-
ques. D. Sancho I concedeu-lhe o 1.º Foral em 1203." …
"Progressivamente abandonado pela população a partir do Séc. XV; o
Castelo conserva hoje importantes testemunhos da história medieval
e moderna de Montemor-o-Novo: troços da muralha, Paço dos Alcai-
des, Igreja de Santiago, Igreja de S. João, Igreja de S. Maria do Bis-
po, Torre do Relógio, Porta da Vila, Torre e porta do Anjo, Torre da Má Hora, Convento da Saudação, entre outros."
In - http://www.sistermoon-belladonna.blogspot.com/ Março de 2008
A Lenda da Torre da Má Hora
Foto: Eu na porta da dita Torre da Má Hora
Como eu adoro o castelo de Montemor-o-Novo aqui vai uma lenda
sobre uma das suas portas e torre.
Quando D. Afonso Henriques se encontrava, com o seu exército, a si-
tiar a povoação islâmica de Montemor, uma noite, um mouro esque-
ceu-se de trancar aquela porta. O exército de D. Afonso Henriques,
reparando na falta do mouro, aproveita para atacar e tomar Monte-
mor, entrando por essa porta. O nome "Má-Hora" vem então da má-hora em que esse mouro se esqueceu da porta aberta.
Há erros que sao eternos.
Ver Conto de Manuel da Fonseca in ALDEIA NOVA:
http://contosdeaula.blogspot.com/2008/07/torre-da-m-hora.html
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
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CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
XV - "ERA-NÃO-ERA"
Por Luiz FREDERICO
(da Tradição oral, em Odivellas do Alemtejo)
(Serpa, 31-7-901)
In Tradição I vol. Anno III, Nº 8, Serpa, Agosto de 1901, Volume III,
pp. 124 e 125.
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Al-
mada), procurando manter a grafia registada na época.]
In - comcertezamente.wordpress -
ERA-NÃO-ERA (nota)
Ao meu afilhadinho
Candido Xavier da Franca
"ERA-Não ERA andava lavrando na serra
com um boi preto e outro calhandro.
Vieram-lhe novas que o pae tinha morrido e a mãe não tinha nascido.
Foi tão grande o seu prazer que pôz os bois a uma moita e o arado a
comer.
Vae por um vai'abaixo, encontra um ni-
nho de cartaxo, com ovos de bastarda. - Onde hei-de pôr os meus ovinhos?
Oh… debaixo da burrinha parda!
Sahiram-lhe dois galvões; e adonde ha-
viam de ir poisar?
Numa arvore que dava avelans.
E enregou a jogar-lhe pedras e a cairem
cebolas albarrans.
Foi vendel-as á villa a e fez um dinhei-
rão.
A' volta dá com um meloal e entra a
apanhar melões.
Vem de lá o dono e diz:
- Mancebo! que fazeis em faval alheio? Atirou-lhe um melão, acertou-lhe com um torrão no artelho,
e fez-lhe sangue tão vermelho que nem uma coalhada!
Seguindo o seu caminho, chegou ás suas colmeias e não deu conta-
dos os cortiços; foi contar as abelhas… faltava-lhe uma!
N'isto ouviu resmalhar em uma moita, e julgando que fosse a abelha,
jogou-lhe com o machado
Foi á busca do machado, mas não o encontrou.
Atiçou fogo na moita, queimou-se o machado e lá appareceu por fim
o cabo.
Voltou para traz e foi á do professor, "que lhe fizesse um machado.
Vae de lá o mestre ferreiro apresentou-lhe um anzol.
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
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Que se havia elle lembrar? Lembrou-se de ir á pesca.
Quando sente morder no anzol. Puxa a linha e trouxe…
um burro pelas orelhas, sem as ter!
Deixou o burro a comer, e foi ás colmeias outra vez.
Estava a moita feita em mel.
Tirou dois piolhos da cabeça, alvorou-os em dois coiros, e com elles
carregou o burro, depois de os encher de mel.
Ora a carga era muito pesada, e o burro ficou todo ferido.
O Era-Não-Era, dizendo mal á sua vida, foi ter com o alveitar.
O alveitar ensinou-lhe que pozesse em cima da chaga favas torradas. Vae elle, cuidando que o burro morria, pôz-lhe as favas mesmo cru-
as, por ser assim mais depressa, e lá o deixou no campo a pastar.
Passado um anno voltou ao campo, e viu um
grande faval nascido em cima do burro.
Tratou logo de ir buscar uma foice para ceifar
as suas favas;
mas quando ia começar o trabalho, viu lá
dentro um porco espinho.
Jogou-lhe com a foice, e o cabo entrou-lhe
pelo rabo, com licença dos senhores. Com o
rabo o porco ceifava, com as patas debulha-
va… in - blog.cantocidadao
e d'esta maneira o Era-Não-Era
recolheu uma grande seara.
(Da tradição oral, em Odivellas do Alemtejo.) Serpa, 31-7-901.
LUIZ FREDERICO.
Nota: Apresento aos pequeninos leitores d'estes contos, um escriptorsinho de 11 annos, que se estreia na 'Tradição. O Era-Não-Era alemtejano, como vão vêr, tem o
seu chiste particular. Eu sei d'outra variante, mais pequena e menos engraçada,
que ouvi no Algarve ha muitos annos. E' assim:
"Era Não Era andava lavrando. Deu noticia que o pai era morto
e a mãe por nascer, e foi tão grande o seu prazer que pôz os bois ás costas e o arado a comer. Foi por um caminho que não
sabia, á busca duma capa que não tinha. Encontrou uma amo-
reira e pôz-se a comer avelans. Vem de lá o dono e diz: - O'
seu maroto, que faz voce no faval alheio? Elle desceu ao tor-
rão, o outro atirou-lhe á cabeça um melão, e sahiu-lhe o san-
gue pelos calcanhares!"
MARIA VELLEDA.
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
60
LENDAs
I - "A MOURA SALUQUIA" (Lenda do século XIII)
Por Nicolás Díaz Pérez
Madrid In Tradição II vol. Anno IV, Nº 1, Janeiro de 1902, Volume IV, pp. 24, 25 e 26
Continua em Anno IV, Nº 4, Janeiro de 1902, Volume IV, pp. 55, 56 e 57
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
(Ver dez versões desta lenda - in - www.e-libro.net
A MOURA SALUQUIA
I
"HA uma curiosa lenda mui popular, que corre como tradição, sobre a
conquista do castello de Moura, entre os povos que banha o caudalo-
so Guadiana, terra a dentro de Portugal, e que velhos pastores e an-tigas caseiras referem ainda, nas largas noites de inverno, ao calor ir-
radiante das chammas que devoram os troncos seccos de asinho, sob
as grandes chaminés árabes das casas rústicas.
Ao successo dá-se por data o anno de 1226, e como acontecido no
castello de Moura, situado trés milhas a E. do rio Guadiana, por cima
de Serpa e entre Beja e Ficalho.
Ouvimol-a contar em o Natal de 1867, a uns pastores que tinham a
sua malhada nas margens do rio Ardila, que desemboca no Guadiana
antes de chegar a Moura.
O ancião que nos referiu esta lenda era da villa de Monsaraz e ouviu-
a varias vezes a um tio seu, prior de Mértola, e irmão de sua mãe,
como uma das tradições populares do paiz, ás quaes foi mui dado o
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
61
bom parocho que, como constante caçador, passava as noites nas
choças e nas granjas, referindo aos seus companheiros de caça e aos
camponezes que queriam ouvil-o, as suas historias portuguezas.
Eis aqui, pois, tão curiosa lenda, algo ornamentada por nós com al-
guns apontamentos historicos que a tornam mais interessante.
(imagem extra apoio sobre a presença árabe na Península)
Los almorávides entrarán en España el 30 de junio de 1086, poniendo
fin, momentáneamente, al avance cristiano y comprobando la enorme
debilidad de los gobernantes musulmanes de Al - Andalus.
La primera gran batalla tendrá lugar en Extremadura, Zallaqa o Sa-
grajas, el viernes 23 de octubre de 1086 (12 del Rayab del 479H). in - secciondehistoriadelateneo.blogspot.com/2008/09/extremadura-musulmana
II Na queda da monarchia das Aftasidas, que reinaram em Badajoz até
aos fins do século XI e cujo ultimo rei, Omar-Almotawaquil, morreu
alanceado nas margens do rio Bekayah (Caya), a uma legua de Bada-
joz, pelos sanguinarios almoravides, e depois os almohades, que não
foram mais humanos, uma oligarchia perturbadora imperou largos
annos em toda a parte occidental da Peninsula, denominada pelos
arabes o AI-Gharbyya; e desde Al-Karsr-ibn-Abu Danés, nome que
davam os almohades ás provincias extremenhas de hoje, até aos
confins do Guadiana e Douro, isto é, desde Andalusün (Andaluzia),
até Chalikia (Galiza), cada comarca foi regida ou governada com me-
lhor ou peor sorte, pelo mais forte, que, nomeado Arráez (Caudilho)
de outro Emir mais poderoso, a quem pagava tributos, fazia de se-nhor feudal entre os seus governados.
A comarca de Serpa, que comprehendia Moura, Mertola, Cacella, Ta-
vira, Moreanes, Ficalho e 32 povos mais em de redor, estava sub-
mettida ao mouro Buaçon, poderoso senhor, immensamente rico, que
havia pelejado na sua mocidade e agora descançava governando o
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
62
seu pequeno Estado. Do antigo castello romano, denominado Aroche,
em ruinas desde o seculo IX, fez elle uma linda fortificação, dando lo-
gar junto a seus muros a uma villa, que se denominou Moura, pelos
que a povoaram, em consequencia do successo que anima esta len-
da.
Tinha Buaçon uma filha, chamada Saluquia, que por sua for-
musura era o encanto de todos os jovens da comarca, e para
ella designou, como patrimonio em seu casamento, a villa e
castello de Aroche, que já começára a governar, como Alcaide-ça ou Caid do mesmo, desde 1224, segundo uns, ou desde
1219 segundo outros.
Enamorou-se de Saluquia um joven mouro chamado Al-
Brafama, senhor do castello de Yelmeña, (a que hoje chamam
Jerumenha), o qual moço, tido por mui valente, era respeitado
de todos os mouros e não menos temido pelos christãos. O ve-
lho Buaçon, pae da formosa Saluquia, associára-se várias ve-
zes, em emprezas bellicosas contra os christãos, ao Caid de
Yelmeña, e com sorte prospera umas vezes e outras adversa,
compartilhou com elle as contingencias da guerra.
A principio não levou a bem estes amores o velho Buaçon, que
sem dúvida sonhava para Saluquia algum principe de estirpe real; mas a Alcaideça de Aroche não era do mesmo parecer e
offereceu a sua mão ao joven Al-Brafama, a quem desde muito
queria para marido. Vencida, pois, a vontade do velho Buaçon,
concertaram os dois jovens as suas bodas para 29 de junho de
1226 (623 da Hegira), dia do Apostolo S. Pedro, muito cele-
brado pelos christãos com festas, nas quaes por egual toma-
vam parte os mouros.
Haviam começado antecipadamente para os fellah, ou aldeãos
lavradores de Aroche, estas festas, com motivo das que dedi-
cavam a S. João Baptista em 24 de junho; pois como é sabido,
mouros e christãos commemoravam juntos, em Hespanha e
Portugal, as festas do fogo, chamados pelo povo as Fogueiras
de S. João verdadeiras recordações do solstício estivo dos tempos pagãos da antiga Roma.
Tudo era alegria, n'aquelle anno entre os rumies (christãos) e
a gente do islam (mahometanos). Desde a vespera do Baptis-
ta, as fogueiras illuminavam os campos de Aroche, e ao res-
plendor das candeias que rodeavam os velhos muros do caste-
llo governado pela formosa Saluquia, bailavam as harasas (ra-
parigas) e beledies (camponezes) ao som de alegres canções,
em que o kitaból' agami (trovador) se fazia acompanhar das
güiatras (guitarras), guenberi (bandurras) e tars (pandeiros).
No dia 28, preparava-se a Alcaideça de Aroche para receber na
manhã seguinte, dia de S. Pedro, o seu promettido, que viria
cavalgando pelo largo albalate (caminho) da pinturesca Jel-manyah, acompanhado de um bom numero de cavalleiros e
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
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peões, quando uma noticia que lhe deram os beeédies de Aro-
che a encheu de negros presagios. Segundo estes campone-
zes, que regressavam de Sheberina (Serpa), tinham visto cru-
zar o caminho a um numeroso tropel de cavalleiros christãos,
armados e em som de guerra, que vinham como do castello de
Paymogo, commandados por D. Alvaro Rodrigues e seu irmão
D. Pedro, inimigos de Brafama. E não foram infundados os te-
mores de Saluquia, pois no dia seguinte amanheceu, o castello
de Aroche, cercado por 2000 cavalleiros christãos. Saluquia
subiu ao alto da Almocabar para d'alli dominar melhor os ar-redores do castello, observando com grande pena que as hos-
tes christãs começavam rijamente o ataque. Poz em movimen-
to toda a povoação; fez soar o atambar e o derbuya d'um a ou-
tro extremo do castello. De prompto se puzeram na defensiva
os seus governados; mas o inimigo era numeroso, e á primeira
investida apoderou-se do povoado que rodeava a fortaleza.
Saluquia, louca de terror, refugiou-se na Borch-Calat (torre de
menagem), para arengar aos que valentemente luctavam nos
ameiados muros. O seu esforco era inutil. Os christãos conse-
guem penetrar pela Bab-as-sheberine a (porta de Serpa), e
em turbulento tropel avançam castello acima, gritando: "Vic-
toria, victoria!" Os seus desejos eram fazer captiva a alcaide-ça, a formosa Saluquia; mas esta, comprehendendo-o assim,
arremessou-se por um ajimez da torre de menagem, ficando
morta nos pedregaes do fosso. Os christãos recolheram o cor-
po ensanguentado, que conduziram para o castello, e prepara-
ram-se para resistir ás hostes que acompanhassem O Caid de
Yelmeña, que não se fez esperar muito, pois ás trés horas da
tarde deu vista ao castello em companhia do ancião, pae de
Saluquia, ambos seguidos d'uns 25 cavalleiros; e apenas in-
formados do triste successo acontecido poucas horas antes,
cheios de pena, ardendo em ira e com as lagrimas nos olhos,
retiraram-se para Sheberina a deliberar entre si o que poderi-
am fazer para reconquistar Aroche e vingar juntamente a mor-
te da sua Alcaideça. E segundo as chronicas lu-sitanas, é fama que esta villa ficou desde en-
tão sob o dominio dos christãos, que, ao repo-
voarem-n'a, a denominaram Villa Nova de
Moura, em memoria, sem duvida, da celebre
Alcaideça da villa, a formosa Saluquia."
III
"Tal foi a lenda tradicional que na " Paschoa do
Natal de 1867 nos referiu o velho pastor por-
tuguez, na malhada próxima do rio Ardila.
ver: traje-antigo-alentejo.blogspot.com Evidentemente é esta lenda uma de tantas tradições christãs, tão communs na Pe-ninsula durante a Reconquista, como muito acertadamente sustenta A. Herculano
na sua Historia de Portugal '(V. o cap. II, pag. 485) 0 escriptor P. H. Serptores, na
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
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sua erudita Introducção aos Livros de Linhagens (V. a pag. 137) colloca-a entre as
tradições festivas dos escriptores burlescos, não obstante achar-se incluida na Mo-
narquia Lusitana, de Fr. Antonio Brandão.
Houve, sem embargo do inverosimil d'esta lenda, algum fundamento para ser con-
siderada veridica pelos auctores antigos. Bastou para isso a doação que a rainha
Dona Brites, filha bastarda de D. Affonso o Sabio, e esposa de D. Affonso III de
Portugal, estando já viuva e residindo em Sevilha, em 1824, fez do castello de Moura a um seu parente chamado D. Vasco Martins e Serrão, em paga dos serviços
que lhe prestára D. Vasco Martins e sua mulher, acompanhando-a em suas longas
jornadas por Portugal e Castella, e em attencão aos bons servicos feitos a D. Affon-
so III na conquista do Algarve pelos irmãos de D. Vasco Martins, grão mestre da Ordem de Santiago, e D. Fr. Alvaro Martins, e considerando outrosim como D. Pe-
dro Rodrigues e seu irmão D. Alvaro, avô o primeiro de D. Vasco Martins, "tomaram
o Castello de Moura à alcaideça d'elle, matando-lhe o esposo no caminho, o qual -
castello de Moura - teve e defendeu com os seus amigos e soldados emquanto o
não largou á ordem do Hospital por consentimento dos reis" Este documento, que, como diz muito bem o secretario do Archivo Real Gaspar Al-
varez de Lousada, é falso a todos os respeitos, foi a origem fundamental da lenda
Saluquia e a tomada do seu castello. Brandão primeiramente, e depois João Baptis-
ta Lavaña, ao commentarem a obra denominada Conde Dom Pedro, recolheram o documento de Dona Brites, acceitando-o como authentico e como tal correndo en-
tre historiadores e chronistas; e assim haveria passado até nossos dias se não fôra
José Anastacio de Figueiredo, que fez pública uma nota do erudito e paleographo
Alvarez de Lousada, na qual se declara, com muito boas razões, falso de toda a fal-sidade o citado documento de Dona Brites. Sem o concurso de Alvarez de Lousada,
e Figueiredo, a critica, bem reconhecida nos historiadores modernos, haveria des-
coberto a falsificação, pois basta para isso conhecer a confusão que reina na doa-
ção de Dona Brites e o facto de conhecer-se Moura em data muito anterior ao rei D. Affonso Henriques. Na obra denominada O Livro de Noa (contemporaneo da lenda
Saluquia), em A Chronica Gothorum e em Chronicom Lamocense, chama-se-lhe
Mauram e Maura, accrescentando-se que foi tomada Juntamente com Serpam.
Maura ou Moura (que de ambos os modos a encontràmos citada em cronicons anti-
gos) já existia com o mesmo nome no seculo XI, e portanto, anteriormente á lenda de Saluquía. O seu primitivo nome foi Aroche, no dizer do erudito João Baptista de
Castro na sua obra Mappa de Portugal, (Veja-se o tomo primeiro, pag. 13 do capi-
tulo II) onde escreve o seguinte: Aroche. Consta de muitos cipos que esta cidade
foi notavel. Sobre as suas ruinas se levantou depois a Villa de Moura, no Alemtejo, como provam os eruditos Fr. Manuel de Sá e A. Resende. De esta opinião são a
maioria dos escriptores anteriores ao seculo XVIII. E ha mais; entre os contempo-
raneos poderiamos fallar tambem de grande numero de elles que concordam com-
nosco quanto a julgar apocrypha a lenda de Saluquia. Ahi está, entre outros, o his-toriador senhor Conde de Ficalho, litterato que tanto honra as lettras portuguezas,
e que não desdenhou trazer esta curiosa tradição para o seu notavel trabalho de-
nominado Notas historicas ácerca de Serpa, que esta revista tem publicado.
Dá o senhor Conde algumas variantes no successo da Alcaideça Saluquia, compa-
rado o que d'elle' refere com a nossa lenda; mas o fundo é commum.
Escreve o senhor Conde:
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
65
"Uma rapariga mussulmana, chamada Saluquia, governava
militarmente, era alcaideça do
castello de Moura. Seu pae, por
nome Buaçon, poderoso senhor
moiro n'aquelles contornos, ha-
via levantado o castello das rui-
nas em que se achava, e havia-
lh'o dado para seu casamento,
como uma especie de dote. Ef-fectivamente, um moiro chamado Brafâma, senhor do castello
de Arôche, ajustou-se a casar com Saluquia, ou no desejo de
possuir o castello, ou seduzido pelos encantos pessoaes da
rapariga, porque nada nos impede de imaginar que ella fosse
multo bonita. No dia marcado para os desposorios, vindo
Brafâma de Arôche para Moura, dois ca-valleiros portuguezes
sairam-lhe ao caminho com os seus homens de armas e solda-
dos e mataram-no assim como a todos os moiros que o acom-
panhavam. Vestiram-se os portuguezes nos trajos moiriscos
dos mortos, e vieram a caminho de Moura, fingindo ao longo
da estrada escaramuças de alegria - uma especie de fantasia
arabe. Saluquia estava em uma alta janella do seu castello, esperando o namorado; viu vir de longe aquella comitiva de
festa; e só mesmo á chegada conheceu serem inimigos e
christãos. Desesperada e não querendo ficar captiva, lançou-
se da janella e caiu em baixo morta. Os portuguezes, n'aquelle
primeiro momento de confusão, entraram as portas e apode-
raram-se da fortaleza."
Tal é a lenda contada pelo senhor Conde.
IV
Como se vê, ha algumas variantes da que me referiu o velho pastor
das margens do rio Ardila.
Aqui Brafâma era senhor de Arôche, em vez de Paymogo. Os christãos aqui eram portuguezes; na outra não lhes sei a patria.
O casamento de Saluquia não se diz quando era; na outra lenda, era
no dia de S. Pedro; coisa muito natural, pois em todas as aventuras
cavalleirosas se lança mão do santoral para fixar o tempo. "Dia de
Santo Antão era": "Era dia dos Rêis"; "Domingo de Ramos era", "Era
dia de San Millan"; "Dia da Virgem era". Assim começam muitas
aventuras e não poucos romances. Alem d'isso, as festas de Corpus
Christi, como as de S. João ou S. Pedro, eram as escolhidas para cap-
tivar donzellas, e especialmente as de S. João. A Infanta Mariana ou
Julianesa captivaram os moiros na manhã de S. João, quando colhia
amoras e flores no jardim de seu pae. E se abrimos o Romancero, a
cada passo nos encontrâmos com estes começos:
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
66
"La mañana de Sant Joan
al tiempo que alboreaba;
gran fiesta hacen los moros
en la Vega de Granada…
(Wolf., num. 75.. cfr Duran, num. 80.)
"La mañana de San Juan
salen á coger guirnaldas
Zara, mujer del Rey Chico
con sus mas queridas damas. … (Duran, num. 12.)
E finalmente, nas lendas do senhor Conde, Brafâma é surprehendido
e morto ás mão dos christãos portuguezes; na outra do pastor,
Brafâma e Buaçon apenas conhecem de referencia a morte de Salu-
quia e a occupação de Moura pelos christãos; e retrocedem do campo
de éste para buscar em Serpa forças que lhes permittam reconquistar
o castello e vingar a morte da sua Alcaideca. Fóra de estas variantes,
as duas lendas são eguaes.
Opina o senhor Conde - e terminàmos já - com estas affirmações,
que nos parecem muito acertadas:
1.° Que a lenda da Alcaideça Saluquia é pura phantasia popular, co-mo ess'outra de Mavigerardo no castello de Almourol, assente em
meio das aguas do Tejo.
ver: castelosdeportugal.no.sapo
2." Que não era possivel a aventura de Moura no periodo de 1166 a
1232, quando todo o Alemtejo estava em poder dos moiros.
3.° Que D. Sancho II foi o verdadeiro conquistador
de todo o Alemtejo, sem negar a possibilidade de que em 1163 ou 1166 (Nobiliario de Dom Pedro,
Conde de Bar-cellos, nota E a pag. 104 e nota A a
pag. 334), Pedro Rodrigues de Gusmão ganhasse o
castello de Moura, para perdel-o no dia seguinte,
pois Serpa tambem foi ganha por D. Affonso Hen-
riques, como parte do Algarve conquistou D. San-
cho I, e os moiros os resgataram tão depressa co-
mo os tinham perdido. D. Sancho II - wikipedia
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
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Independente de estas investigações historicas, confessâmos que a
lenda de Saluquia é notavel e serve, mais do que outra coisa, para
dar idéa do espirito d'aquelles tempos, em que moiros e christãos
passavam a vida matando-se uns aos outros.
Novas investigações sobre o assumpto, de pennas mais doutas do
que a minha, talvez possam esclarecer alguns pontos duvidosos que
já encontra n'esta lenda o senhor Conde de Ficalho e que não pude
elucidar, com grande magua minha.
(Madrid)
NICOLAS DÍAZ Y PÉREZ. ---------------------------------
Notas:
Nicolás Díaz Pérez
(Badajoz, 1841-Madrid, 1889) Escritor y político español. Su actividad
republicana le llevó a refugiarse en Portugal. Es autor del Diccionario
histórico, crítico y bibliográfico de autores y artistas extremeños ilus-
tres (1884-1888).
Conde de Ficalho
in- biografiasyvidas.com/biografia
«Tres Melos integraron el grupo del "Loosers de la vida - vencidos da vida". De la izquierda para la derecha: el Conde de Sabugosa, el Conde de Ficalho y el Conde de
Arnoso con Eça de Queiós.
In http://alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/ficalho.htm
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
68
«Francisco Manuel de Melo Breyner (1837-1903), Conde de Ficalho,
historiador da botânica em Portugal, escreveu uma biografia de Gar-
cia de Orta e outra de Pêro da Covilhã. Foi também ficcionista, distin-
guindo-se com a obra Uma Eleição Perdida, publicada em 1888, que
contém a novela do mesmo nome e alguns contos regionais de ambi-
ente alentejano.»
OUTRAS VERSÕES DESTA LENDA DA MOUYRA SALÚQUIA
(Ver in - joraga.net/moura/ ver 10 mais uma LENDAS e mais 23- uma Edição de «Moura Salúquia -
AMCM - Associação das Mulheres do Concelho de Moura - Março 20059
Ver - Moura Salúquia em Banda Desenhada - com mais de 15 autores
divulgandobd.blogspot
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
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O MILAGRE DA TRONCANITA
LADISLAU PIÇARRA. (Relato de um caso invulgar em Serpa lembrado num ex-voto (pequeno quadro),
atribuído como milagre a Nossa e Senhora de Guadalupe)
In Tradição II vol. Anno VI, Nº 2, Serpa, Fevereiro de 1904, Volume VI, pp. 25 a 26 (Relato de um milagre atribuído à Senhora de Guadalupe)
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
O MILAGRE DA TRONCANITA
img - MRita Cortez - in Cancioneiro de Serpa, 1994, p. 342
(ver texto completo do texto mais abaixo)
AINDA ha bem poucos annos, via-se mendigar pelas ruas de Serpa
uma velhinha octogenaria, chamada Maria de Guadalupe Troncanita.
A velha Troncanita, como vulgarmente a designavam, tornára-se ce-
lebre, porque, em sua humilde pessoa, havia-se operado um grande
milagre, tão extraordinario esse milagre que ficára profundamente gravado na memoria do povo serpen-
se, e até figura numa das nossas se-
lectas escolares.
A historia do maravilhoso aconteci-
mento tive eu a dita d'ouvir da propria
bôca de Troncanita, em novembro de
1897, contando ella nessa occasião 88
annos d'edade approximadamente. Es-
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
70
sa historia contou-m'a a pobre velhinha muito commovida, com a voz
tremula e entrecortada de lagrimas. Evidentemente, as suas palavras
não occultavam o menor disfarce.
Passemos á interessante narração:
Teriam decorrido uns 39 annos, - disse-me a velha Troncanita, - fal-
leceu lhe uma filha casada, que deixou na orfandade uma creancita
do sexo masculino, tendo apenas 3 dias d'edade. A Troncanita, muito
afflicta por causa do seu infeliz netinho, pois não encontrava quem o amamentasse, de mãos postas e joelhos no chão, durante tres sema-
nas, pediu a Nossa Senhora de Guadalupe que "lhe deparasse uma
ama" para aquelle innocentinho. E com fé tão ardente foram proferi-
dos seus rogos, que um bello dia, estando Troncanita a lavar uns cu-
eiros do neto, no tanque da horta dos "Pisões", onde ella era hor-
telôa, sentiu os peitos apoiados, e, ordenhando-os immediatamente,
viu com grande pasmo que dambos esguichava em abundancia o leite
providencial.
Quando este facto succedeu, já havia onze annos que Troncanita ti-
nha dado á luz o ultimo filho, e, por conseguinte, desde ha muito que
o seu leite seccára. Nestas condições, é fácil de calcular o assombro
que um tal fenomeno produziria no espirito publico!
A noticia espalhôu-se rapidamente, e muita gente correu logo a casa
de Troncanita para certificar-se de visu de tão singular occorrencia.
Com effeito, a mystica e carinhosa avó lá estava alimentando o neto
com o seu proprio leite.
A secreção lactea nos seios apparentemente atrofiados de Troncanita,
era uma realidade que ninguem podia contestar; o que, porém, sur-
prehendia toda a gente, eram as circumstancias anormaes em que se
produzia aquella funcção organica. Comtudo, o facto ali estava paten-
te aos olhos de todos, e tão impressivo que passou - como era natu-
ralíssimo - á tradicão oral.
O mesmo acontecimento acha-se commemorado num pequeno
e modestissimo quadro, existen-
te na ermida da Guadalupe, cuja
pintura representa, dum lado N.
S. de Guadalupe com o menino
Jesus, e, do outro, Maria Tron-
canita aleitando o neto, tendo ao
pé de si um cão grande, que
sempre a acompanhava. Entre
estas duas pinturas, destaca-se
uma pequena gravura representando uma mesa sobre a qual se vê
um crucifixo.
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
71
Por baixo lê-se o seguinte distico:
- "Este quadro representa o portentoso milagre que fes N. S. de Gua-
dalupe em obsequio
de um menino que
ficou sem mãi a
poucos dias de ter
nasido, é neto de
Maria Troncanita, e
foi o dia des de ou-
tubro de 1868, que vendo o menino
sem sustento pediu de todo coração a N. S. a dita avô do menino
mulher de 50 annos, que lhe deparasse quem lhe desse de mamar, e
ao poco tempo foi tanta a abundancia de leite que teve a sua avô,
que já ficava satifeito." imgs - MRita Cortez - in Cancioneiro de Serpa, 1994, p. 343
http://www.joraga.net/contos/imgs/cLendas_Alentejo_imgs12_TradicaoSerpa/contoTSerpa_18_troncanita_exVoto_MRitaCortez3.jpg
(ver texto completo clicando na img do texto)
*
Convém notar que a lactaçâo de que vimos falando, não se limitou a
um fenomeno fugaz, que apparecesse e desapparecesse como que
por encanto; pelo contrario, manteve-se por um longo periodo de 14
mezes, que tantos foram os que durou a amamentação, e ao fim dos
quaes morreu a creanca.
Por mais extraordinario e anómalo que pareça este facto, não pode-
mos deixar de considerá-lo como authentico, visto que razão alguma
se nos apresenta em contrario. Todavia, não é caso unico, outros
identicos a sciencia registra. Apontam-se até alguns factos excepcio-
naes de mulheres que tiveram leite capaz de amamentar, embora es-
sas mulheres nunca tivessem concebido. No proprio homem tem-se manifestado já a secreção lactea. (*) Mas, nem por isso, o caso de
Troncanita deixa de ser muito interessante, revelando-se como um
effeito da suggestão religiosa.
Psychologicamente, explica-se pela incontestavel influencia que as
imagens e as ideias exercem sobre as funcções da vida vegetativa.
A ideia da amamentação que tão intensamente agitava Maria Tronca-
nita, é que, indubitavelmente, actuou por intermedio dos nervos so-
bre os elementos histologicos das glandulas mammarias, fazendo-as
segregar o almejado leite.
LADISLAU PIÇARRA. (*) J. Béclard - Traité Élémentaire de Physiologie, 7.é éditon, p. 706.
Pode consultar este autor elivro in BooksGoogle
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
72
LENDAS LOCAES
(Serpa)
Ladislau Piçarra
A COBRA DA QUINTA DO FIDALGO
In Tradição II vol. Anno VI, Nº 5, Abril de 1904, Volume VI, pp. 70
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Al-
mada), procurando manter a grafia registada na época.]
LENDAS LOCAES
"A COBRA DA QUINTA DO FIDALGO"
Mapa de Serpa e arredores
A NOROESTE da villa de Serpa, vindo mesmo bater-lhe nos muros,
estende-se uma larga porção de fertil terreno, cercado por uma solida
parede de pedra e cal. Esta boa propriedade, composta na sua maior
parte de terra limpa e d'algumas oliveiras, apresenta ao fundo, do la-
do occidental, um pequeno hortejo, restos duma horta que outr'ora
ali existiu. A mesma propriedade pertence á illustre casa Ficalho e
denomina-se a "Quinta do Fidalgo".
Noutros tempos foi esta quinta plantada de vinha, e a maneira como
tal vinha acabou, é, conforme se conta, devéras caprichosa. Pois diz-
se que, estando a dita quinta na posse do fidalgo Domingos de Mello,
succedeu que, em certo dia, um criminoso se refugiou na mencionada vinha, para evitar a acção da justiça.
Não lhe valeu, porém, o privilegio do abrigo, porque ali mesmo as
auctoridades o foram prender.
Domingos de Mello, indignado por lhe terem abusivamente invadido a
propriedade, mandou arrancar a vinha, que - diz a tradição -até esta-
va carregada d'uva.
Mas deixemos este curioso episodio, que trouxemos aqui accidental-
mente, e passemos á historia da cobra da quinta".
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
73
***
Na alma ingenua do povo serpense
ainda se abriga a crença de que,
na chamada "Quinta do Fidalgo",
existe uma cobra encantada, a
qual, de tempos a tempos, faz a
sua apparição perante os tran-
seuntes. A lenda deste imaginario
reptil é na verdade muito interes-
sante, e, por isso, merece ficar re-gistrada.
Eis a lenda:
A referida cobra apresenta uma grande cabelleira, os olhos são pretos
e muito lindos; usa "cabello á rainha" e vive junto dumas figueiras
componentes do supracitado hortejo.
Segundo o vulgo, trata-se aqui da transfiguração duma fidalga deno-
minada Anna.
A cobra pode desencantar-se, mas para isso é necessario proceder a
uma prática assaz desagradavel e melindrosa. Essa prática consiste
no seguinte:
A pessoa que pretender realisar o desencanto, tem de bradar por An-
na, que é, como já dissémos, o nome da fidalga encantada. A cobra, ouvindo este nome, ha d'apparecer sob a fórma dum touro dando
grandes urros e querendo marrar. Se a pessoa que bradou por Anna
não tiver medo, o touro retirar-se-ha, para voltar dahi a pouco trans-
formado num cão preto. Se a mesma pessoa não se assustar por ver
o cão preto, este ir-se-ha embora, e em seguida virá a cobra, que se
lhe enroscará em volta da cintura e lhe dará um beijo na cara.
Ora, para que o encanto seja quebrado, é absolutamente necessario
que a pessoa que levou o beijo continue a mostrar-se foita, aliaz é
morta pela cobra.
Diz ainda a tradição, que a mencionada cobra apparece na manhã de
S. João com um thesouro d'ouro e prata, para entregar á pessoa que
a desencantar; e que, quando ella apparece a alguem, em sonhos,
diz: - "Eu não engano ninguem, quem tiver foiteza póde vir desencantar-
me."
***
Como prova de que ainda hoje existe a crença popular a que nos
vimos reportando, vamos descrever um facto succedido ha poucos
annos. E' a historia duma rapariga, que julgou ver a celebre cobra na
occasião em que seguia para a ceifa.
Foi o chorado conde de Ficalho, insigne collaborador desta revista,
quem nos communicou o interessante caso que seguidamente publi-
câmos:
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
74
Em certa madrugada de verão, acompanhada de sua irmã e doutra
rapariga, caminhava M. U., de 15 annos, natural de Serpa, pela es-
trada de circumvallação, na parte que margina a quinta da "Fidalga".
Ao passarem a ponte do Pancáio, ouviram, M. U. e as companheiras,
uma voz medonha, sahida dum vulto tendo cabeça de gente, o qual
estava collocado junto do muro da referida quinta.
M. U. em razão do grande susto que apanhou, tolheram-se-lhe os
movimentos, queria correr e não podia, ao passo que as duas com-panheiras rasgaram a fugir, gritando pelas outras ceifeiras do mesmo
rancho, que marchava mais adiante. Por fim as duas raparigas que
tinham debandado, houveram por bem esperar pela sua infeliz com-
panheira, que, com enorme difficuldade, lá se foi arrastando até ao
chafariz que fica quasi defronte das taes figueiras, atraz menciona-
das. Mas, attingido esse funesto ponto, em vez de M. U. proseguir no
seu caminho, quiz a fatalidade que os seus passos fossem embarga-
dos pela horrenda visão duma "cobra muito grossa com a cabeça
duma pessoa". Nesse momento, M. U. perdeu os sentidos e caiu
prostrada no chão. As duas companheiras, agarradas a ella, começa-
ram a gritar até acudir gente. A victima da lugubre visão, amparada
por duas pessoas, foi depois conduzida ao loca da ceifa, onde ceifou todo o dia, mas chorando sempre.
A' noite, quando regressava a casa, ao passar pelo mesmo sitio onde
lhe apparecera a cobra, começou a gritar e desmaiou novamente, não
rolando sobre o sólo, porque alguns homens que tambem vinham na
sua companhia, a sustiveram.
Após esta tragica occorrencia, M. U. ficou tranzida de susto, que não
a deixava, principalmente de noite.
O facto que acabamos de narrar, é, como os leitores bem vêem, um
caso d' apparição, similhante aos que temos aqui publicado.
M. U., conforme tivemos occasião d'averiguar, é uma nevrotica here-
ditaria. E, segundo ella propria nos confessou, era sua avó quem lhe
falára muito da famosa cobra encantada, ensinando lhe a maneira de
a desencantar.
Em conclusão: M. U. quiz ganhar o fantastico thesouro d'oiro e prata,
e o resultado foi pôr em evidencia, atravez da sua morbida sensibili-
dade, a romantica superstição popular, que em singelo estylo dei-
xâmos consignada.
LADISLAU PIÇARRA.
-------------------------------
Ver também outras versões da lenda da Fidalga Ana, encantada em cobra in Arquivos de Serpa - por João Cabral
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
75
e «A Serpente do Rio Anas, por João Cabral, site da Universidade de
Coimbra, Instituto de Estudos Jornalísticos.
------------------------------
Ver ainda as versões in cancioneiro de Serpa, de Maria Rita Ortigão
Pinto Cortez, ed. Câmara Municipal de Serpa, 1994, pp. 346 a 349:as
duas versão sobre "
A origem do nome de Serpa":
- A Serpe do Rio Ana:
que habitava nuns penedos na margem do rio ANA (Guadiana)…
Existem duas lendas
sobre as origens de
Serpa e do seu no-
me. Segundo uma delas,
uma delas provém
de uma grande ser-
pente alada que em tempos remotos ha-
bitava nuns penedos
na margem do rio
Ana ou Anas, mais tarde chamado Gua-
diana pelos mouros.
A dita Serpe era se-
nhora de toda esta região, e também
sua protectora, cor-
rendo em auxílio do
povo da charneca
sempre que algum perigo o ameaçava.
Por isso, quando es-
ses homens concen-traram as suas habi-
tações no cimo de
um monte próximo,
criando um núcleo que foi crescendo
até se transformar
numa povoação im-
portante, eles de-
ram-lhe o nome de Serpa e colocaram
uma serpente alada
no seu brasão d ar-
mas.
A segunda lenda sobre a fundação de Serpa é narrada a seguir…
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
76
- Lenda de Serpínea
Não se sabe ao certo em que época foi fundada Serpa. Ela já existia
com este nome no tempo dos Ro-
manos, e durante a dominação
áradbe chamou-se Sheberina. Diz
uma lenda que esta vila foi funda-
da pelos Túrdelos, um povo da an-
tiga Bética, proveniente dos Pire-
néus1.
Havia um rei dos Túrdelos, Cófilas,
que tinha uma filha de rara beleza
chamada Serpínea. Esta era re-
questada por rolante, rei dos Cel-
tas, de quem não gostava e cuja
proposta de casamento recusou,
preferindo Orosiano, príncipe de
um reino vizinho. Rolarte, despei-
tado, atacou esse reino, matando
Orosiano, e jurou obter Serpínea,
viva ou morta.
Cófilas resolveu fazer uma expedição para o Ocidente, procurando
instalar-se longe dos Celtas e conseguir uma aliança com os Fenícios,
que sabia frequentarem o litoral da Península. Acompanhado dos
seus homens e levando a filha
consigo, chegaram uma tarde a
uma colina verdejante e arboriza-
da, no sopé da qual se estendia
uma imensa planície. Serpínea
gostou tanto do local, que pediu
ao pai para ali armarem o acam-
pamento nessa noite, e para ali
fundarem uma cidade que viesse a ser a nova capital da Turdetânia.
Nessa noite, Cófilas teve um so-
nho profético, em que o Ocidente
e o Oriente se uniriam em Serpí-
nia.
No dia seguinte os construtores
lançaram mão à obra, e assim
1 * Na narração desta lenda, baseei-me em “Serpínea e a Fundação de Serpa” de C. Gonçalves Serpa.
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
77
nasceu Serpe. Daqui, Cófilas partiu para novas expedições, dominan-
do toda a região vizinha, e fundou outras cidades a Ocidente, atra-
vessando o rio Ana, e encontrando-se finalmente com os Fenícios,
que nos seus navios subiam este rio até ao ponto em que vieram a
fundar Mirtilis. Estabeleceu-se um tratado de amizade, e embreve
Serpínea ficava noiva do belo príncipe fenício Polípio. Porém, este te-
ve que partir novamente em viagem, prometendo à inconsalável Ser-
pínes regresasr depressa, para o casamento.
O rei Cófilas mandou construir para a filha, que era exímia caçadora, um castelo na serra que se estendia ao Sul de Serpe, onde ela passa-
va longas temporadas, passeando pelo campo e caçando. O palácio
ficava situado na margem duma ribeira. Chamava-se Castelo das Lo-
endreiras, e possuía lindos jardins.
Foi ali que o cruel Rolarte, nunca es-
quecido do seu juramento, foi atacar
os guerreiros de Cófilas, pretenden-
do raptar Serpínea. Esta, prevenida
pela sua aia fiel que desconfiava de
uns mercadores celtas recém-
chegados, mandou pedir reforços a Serpe.Polípio também chegou provi-
dencialmente, salvando a noiva do
seu perseguidor que, ferido de mor-
te, foi arrastado pelas águas da ri-
beira.
Serpíne e Polípio casaram, o que foi
motivo de grandes festejos. Porém,
não puderam ficar aqui para sempre.
Um dia, despediram-se da terra on-
de tinham sido tão felizes, e embar-
caram em Mirtilis a caminho da longínqua Fenícia, onde viveram lon-
gos anos, muito felizes.
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
78
LENDA LOCAES
(Pedrógão do Alemtejo)
A. Rosa da Silva
B. I - O Sino de São Lourenço In Tradição II vol. Anno IV, Nº 4, Abril de 1902, Volume IV, pp. 61
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
II - A Pedra das Bruxas
III - As Mouras Encantadas
in - pedrogaodoalentejo.olx.pt
LENDAS LOCAES
O Sino de São Lourenço
"A QUINHENTOS metros approximadamente da toca a Galliana, que
já descrevemos aqui, e a jusante do rio Guadiana, ha um sitio em
que o mesmo rio se espráia bastante, fazendo logo em seguida uma
curva muito pronunciada. A' margem direita d'esta curva, dá-se o
nome de "Vargens de S. Lourenço", e, por occasião das grandes chei-
as, parte da corrente, batendo contra os rochedos que orlam a curva,
retrocéde, e observa-se então o phenomeno da agua correr para ci-
ma, impellindo para a terra quaesquer objectos que vão agua abaixo.
As duas margens que circumdam a mencionada curva, apertam-se de
modo a formar um estreito, e a margem direita é constituida por um
enorme rochedo quasi perpendicular ao rio. Pois bem, precisamente
em cima d'este rochedo, existe uma ermida em ruinas, denominada
ermida de São Lourenço, cuja historia se perde na noite dos tempos.
Ha todavia a crença de que, em epocas passadas, vivia ali um monge
de barbas brancas e habito pardo.
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
79
Distante da ermida uns cincoenta metros, ha um logar no rochedo
onde se vêem tres pedras salientes, sendo duas verticaes e uma ho-
risontal. Esta ultima fórma com as duas primeiras um arco muito ir-
regular chamado o campanario. E, segundo a tradição, é neste cam-
panario que estava o sino da ermida.
Em consequencia dum cataclismo, que se deu ao morrer o tal monge
das barbas brancas, o sino cahiu ao rio, que n'este sitio é profundis-
simo, e lá ficou. E' frequente ouvir dizer-se aos habitantes d'esta al-
deia, que, desde então, em todas as manhãs de São João, sôa debai-
xo d'agua o celebre sino de São Lourenço.
Não sei porque, pertencendo o sino a São Lourenço, fossem as ma-
nhãs de São João as preferidas para o mesmo sino se fazer ouvir!...
Eis uma singeila lenda, que, apesar de ninguem crêr n'ella, vae pas-
sando tradicio-nalmente de paes a filhos.
(Pedrogao do Atemtejo).
A. ROSA DA SILVA.
--------------------------------
In
crookscape.blogspot.com
«I only know, in Portugal, a similar example of quern stones, virtually
unpublished: the granite rock shelter of Toca da Galiana, on the left bank of the Guadiana river, just in front of the Chalcolithic settlement
of Sala nº 1 (Pedrógão, Vidigueira).»
Posted by Manuel Calado at Thursday, December 14, 2006
In cesdies.net/historia-e-geografia-miticaAbrigo numa das margens do Guadiana.
Manuel J. Gandra ©
ABRIGOS COM ARTE RUPESTRE EM PORTUGAL Subsídio para o seu
roteiro
TOCA DA GALIANA (Pedrógão, Vidigueira)
Ver também: http://www.jf-pedrogao.pt/his_aspectos_historicos.php
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
80
LENDA LOCAES
(Pedrógão do Alemtejo)
A. Rosa da Silva
B. II - As Pedras das Bruxas In Tradição II vol. Anno IV, Nº 4, Abril de 1902, Volume IV, pp. 61
I - O Sino de São Lourenço III - As Mouras Encantadas
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
LENDAS LOCAES
Witch of Endor - wikipedia
As Pedras das Bruxas
"N'esta povoação tambem se
acredita em bruxas. E, perto
d'aqui, existem até umas pe-
dras denominadas "Pedras das
Bruxas". Estas pedras formam
uma lapa em que se pódem
abrigar tres ou quatro pesso-
as. Diz a tradição, que era nesta lapa que as bruxas se
reuniam em seus conciliabu-
los, e alta noite faziam uma
inferneira tocando adufes,
pandeiros e bailando danças macabras. D'ali saíam depois aptas a
passarem por baixo da silva e por cima da oliveira.
Não vae longe o tempo em que era frequente encontrar-se, nas di-
versas encruzilhadas, vestigios de ter-se ali desembruxado uma cre-
anca. Esses vestígios constavam de varias peças de vestuario feitas
em tiras, e de grande porção de trovisco, o qual devia egualar o peso
da creança. A este processo de desembruxar creanças, dava-se o
nome de "pesagem a trovisco", e era indispensavel que a operação
fosse praticada por uma Maria e por um Manuel. Outras vezes, o exorcismo consistia em passar a creança por um
grande biscoito feito com farinha tirada de 7 alguidares, cinza de 7 la-
res e agua de 7 fontes.
No acto da passagem devia dizer-se:
- "Toma lá Manuel
- Deita cá Maria
- Em louvor de Deus
e da Virgem Maria."
E prompto. Ficava a creança desembruxada!
Hoje, felizmente, está menos arreigada no espirito do povo a crença
nos bruxedos, e só de tarde em tarde apparece um caso de bruxaria. (Pedrogao do Alemtejo). A. ROSA DA SILVA.
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
81
LENDA LOCAES
(Pedrógão do Alemtejo)
A. Rosa da Silva
B. III - As Mouras Encantadas In Tradição II vol. Anno IV, Nº 4, Abril de 1902, Volume IV, pp. 61
I - O Sino de São Lourenço II - A Pedra das Bruxas
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
LENDAS LOCAES
As Mouras Encantadas
"Junto desta aldeia, existe no meio d'um ferragial uma enorme pedra
denominada "Penedo Gordo". Este penedo, de configuração irregu-
larmente oval, apresenta um aspecto imponente e causa a admiração dos forasteiros, que pela primeira vez o vêem. A elle anda tambem
ligada a sua lenda, conforme vamos referir:
No interior do mencionado penedo, habita uma moura encantada, a
qual, já farta d'esperar pelo seu desencantamento, costuma sahir na
noite de São João, em figura d'uma grande cobra, á procura de quem
lhe quebre o encanto. E como ainda não encontrou ninguem que, em
a vendo, não fugisse, não se sabe em que consiste o seu encante.
Por isso, a pobre da moura lá continúa carpindo as suas maguas den-
tro do grande pedregulho.
De mouras encantadas, temos aqui abundancia. Eis os sitios onde el-
las residem:
Figueira Redonda, Pedras do Texugo, Oliveira da Cobra, Penedo Ra-
chado e, um pouco mais distante, Figueira da Nevoa. Nada menos de seis residencias!
Tal era a tendencia dos meus antigos conterraneos para o maravilho-
so, que em toda a parte viam, ou suppunham ver, coisas sobrenatu-
raes.
Para não fatigar o leitor com a descripção de lendas, que mais ou
menos se assemelham, citarei apenas um caso, na verdade extraor-
dinario, que ha tempo succedeu no Penedo Rachado.
O dito Penedo fica entre o Pedrogão e o rio Guadiana. E' um pouco
mais pequeno que o Penedo Gordo, e está lascado d'alto a baixo, em
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
82
virtude d'uma faisca electrica. D'ahi lhe vem a designação de - racha-
do.
Eis o caso:
Uma tarde, pelo tempo da ceifa, sumiu-se uma menina de tres annos.
Os paes (que ainda existem) e mais familia, todos em grande afflic-
ção fizeram as maiores diligencias no resto da tarde e durante a noite
inteira para encontrar a creança, a qual, só na manhã do dia seguin-
te, se lhe deparou, dormindo em cima do tal penedo. Até hoje ainda
se não poude explicar como a menina poude apparecer sobre aquelle
rochedo. A familia attribue o facto a milagre de Santo Antonio, a quem tinham
encommen-dado a creança;
o leitor attribuil-o-ha ao acaso;
e eu, para romantisar o acontecimento, prefiro attribuil-o á. Moura!
(Pedrogáo do Atemtejo).
A. ROSA DA SILVA.
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
83
6. de Alfredo PRATT - in IV ano 1902
Os doze de Inglaterra
(Lusíadas, Canto VI, 43 - 69 - é o sétimo episódio inserido na
Obra como:
1º Batalha do Salado - Canto III, 107 - 117;
2º Inês de Castro, Canto III, 118 - 135; 3º Aljubarrota, Canto IV, 28 - 44;
4º Velho do Restelo, Canto IV, 94 - 1004;
5º Veloso, Canto V, 30 - 36;
6º Adamastor, Canto V, 41 - 48; inclui a 4ª profecia;
7º Doze de Inglaterra, Canto VI, 43 - 69; (Clicar para LER)
8º São Tomé, Canto X, 108 - 119.
I
"Os doze de Inglaterra" - (algumas notas só para estudo e propostas?
…
por Alfredo PRATT - in IV ano 1902 que se estende por 4 volumes, de
Fevereiro a Julho de 1902, que ocupam 16 páginas desta Revista «A
TRADIÇÃO»: Anno IV - Nº 2, Fevereiro de 1902, Volume IV: p. 17, 18, 20, 22, 23
+ Anno IV - Nº 3, Março de 1902, Volume IV: 33, 34, 36, 38 +
Anno IV - Nº 5, Maio de 1902, Volume IV: 65, 66, 68, 70 +
Anno IV - Nº 7, Julho de 1902, Volume IV: 97, 98, 100
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-gistada na época.]
OS doze de Inglaterra
HOJE em dia já não resta a menor duvida de que é uma lenda aquella
velha historia de doze portuguezes que, pelo facto de terem vencido
em Inglaterra outros tantos inglezes, se ficaram chamando os doze
de Inglaterra. Contam-na Luiz de Camões nos Lusíadas, pela bocca
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
84
de Fernão Velloso, e Jorge Ferreira de Vasconcellos na sua Memoria
dos cavalleiros da Tavola Rednda. A este serviu ella para melhor en-
tretecer um capitulo do citado volume; áquelle deu-lhe amplo pretex-
to para um dos mais formosos episodios do seu glorioso poema, ain-
da que pese a José Agostinho de Macedo. Não reprova, porém, o ton-
surado escriptor a citada historieta, pelo facto de ella ser fabulosa.
Nada de isso. Elle expressa-se assim:
"Ora consideremos nos Luziadas o Episodio dos doze de Inglaterra.
Em quanto á versificação, ás imagens, ao andamento, á força icasti-ca, ou representativa, nada ha mais perfeito, apontado, e acabado
em todo o Poema; em quanto á indole do Episodio, e á relação que
deve conservar com a acção principal, nada ha mais defeituoso, pois
nem d'ella dimana, nem a ella se refere. Não ha coiza acontecida no
tempo da acção, não foi executada por nenhum dos seus agentes
principaes, ou accessorios; em huma palavra, assim como foi aquella
historia a contada, podia ser outra, pois entre os contadores e os ou-
vintes houve sua deliberação; Leonardo Ribeiro queria huma coiza,
Fernão Velloso queria outra, e prevaleceu o parecer de Fernão Vello-
so. Seja embora verdadeira, ou fabulosa esta Historia de andante ca-
vallaria, porque d'ella nenhum vestigio apparece em nossas Historias,
e apenas nos Annaes de Flandres escriptos por Manuel Sueiro, aliás o infeliz Indio Manuel Fernandes de Villa Real, se acha alguma noticia
d'esta aventura; isso não he do caso, e não ha razão que a possa
unir, ou fazer depender da acção do Descobrimento da India. He hu-
ma parte absolutamente estranha inserida n'aquelle corpo; e mais
desculpa tem as turpitudes da Ilha encantada, e os sentimentos ma-
goados de Isetis no martyrio do Apostolo S. Thomé, porque em fim
tudo isso se refere ao Heroe, e mais agentes subalternos da acção,
do que a destacada Historia dos doze de Inglaterra."
(in CENSURA DOS LUZIADAS, por José Agostinho de Macedo - Lisboa. Anno de 1820. Tomo II, pag. 49 e 50.)
Onde Camões e Jorge Ferreira a foram buscar é que não está por em
quanto averiguado. Pinheiro Chagas, inclinando-se a crer que ambos
elles a houvessem copiado de alguma velha chronica desconhecida ou
de alguma tradição meio olvidada, escreve o seguinte:
"Nada nos autorisa a acreditarmos na veracidade do facto; mas o que
elle nos symbolisa bem é o espirito aventuroso dos Portuguezes que n'essa epoca appareciam por toda a parte onde havia façanhas a pra-
ticar, justas onde combater. Na Allemanha, na Inglaterra, em Flan-
dres, em França, as chronicas extrangeiras nos mostram n'esse tem-
po cavalleiros Portuguezes a quebrarem lanças por Deus e por sua
dama. Se desapparecem depois, mais talvez do que deviam, dos
campos de batalha da Europa, é porque o seu amor das aventuras
encontra amplo alimento nos descobrimentos, e nas conquistas".
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
85
1
Ora, no tempo de D. João I é que predominava essencialmente in-
flammado o espirito cavalleiresco. Os seus proprios filhos, de entre os
quaes D. Duarte, D. Pedro, e D. Henrique, ardiam em desejos de ser
armados cavalleiros.
2
(HISTORIA DE PORTUGAL, desde os tempos mais remotos até á ac-
tualidade, excripta, segundo o plano de F. Diniz, por uma sociedade
de homens de lettras. Lisboa. Vol. II, pag. 325. Nota 2. "Ser armado cavalleiro equivalia, sem tirar nem pôr, ao acto de rece-
ber o grau da cavallaria. Isto vinha a ser uma cousa de grande im-
portancia.
…
… p 100 (no final):
"Salienta-se tambem o vulto gigantesco de D. Alvaro Vaz de Almada
por ter sido elle aquelle mesmo cavalleiro e amigo dedicado que,
quando D. Pedro, seu velho camarada, lhe perguntou se estava re-
solvido a acompanhal-o na morte como sempre o acompanhara na
vida, respondeu que era essa a sua firme resolução e que não tinha
outro desejo que lhe fosse mais caro. Então elle e D. Pedro juraram juntamente não sobreviverem um ao outro. Este facto, porém, não fi-
cou por aqui, porque para tornarem mais solemne e santo o seu ju-
ramento ambos elles commungaram e repetiram sobre a hostia aque-
lla concordia. Este foi o ultimo lampejo da cavallaria expirante. Ora
por isto e pelo que nos diz Pinheiro Chagas, se vê que as idéas exal-
tadas de cavallaria e de mysticismo, predominavam nos mais nobres
espiritos da epocha, dando assim ao sentimento da amisade um ca-
racter ethereo e grandioso que hoje parece pertencer exclusivamente
ao amor."
…
ALFREDO DE PRATT.
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
86
Ver também in: jaimemb.no.sapo.pt/murais/
Descrição:
(Os Lusíadas contados às crianças e lembrados ao povo, adaptação
em prosa de João de Barros – Livraria Sá da Costa)
Descrição:
(in Os Lusíadas contados às crianças e lembrados ao povo, adaptação
em prosa de João de Barros – Livraria Sá da Costa)
"Iam os nossos portugueses, nesse momento, descansados e bem
dispostos.
E tão descansados, tão descuidados dos possíveis perigos, que o nos-
so conhecido Veloso, marinheiro engraçado e esperto, a pedido dos
seus companheiros começou a contar, para os distraír, a famosa his-
tória de Magriço ou dos «Doze de Inglaterra». Encostado à amurada do navio, à luz das estrelas, e enquanto a frota cortava as ondas se-
renas, Veloso falava, alegremente. E dizia:
«No tempo de D. João I, quando o reino de Portugal já estava sosse-
gado e liberto dos espanhóis, deu-se na Inglaterra uma grande ques-
tão entre doze damas e doze cavaleiros.
«Tanto se envenenou essa questão, que por fim os cavaleiros decla-
raram que as damas nem o nome de damas mereciam.
«Grande injúria, já se sabe, injúria que elas não podiam perdoar. Mas
não ficou aí o feio caso! Mais afirmaram os fidalgos ingleses que se
alguém quisesse defender as damas do insulto recebido, ali estavam
todos para matar com lança e espada os audaciosos que a tal se atrevessem.
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
87
«E a verdade é que, entre os seus compatriotas, nenhum se atreveu
a aceitar o desafio, receosos da valentia, da importância e do nome
que tinham os cavaleiros insultadores...
«As pobres damas, coitadas! choravam e maldiziam a sua triste sor-
te!
«Não sabendo como se poderiam vingar da ofensa recebida, foram
pedir conselho e ajuda ao Duque de Lencastre, guerreiro inglês que tinha combatido com os portugueses contra Castela, e cuja filha, D.
Filipa, casara com D. João I.
«O Duque de Lencastre, logo lhes aconselhou que chamassem cava-
leiros da nossa terra para as desagravar, tanta ousadia, boa educa-
ção e coragem tinha conhecido e apreciado nos portugueses.
«E indicou-lhes imediatamente o nome de doze bravos, seus amigos
de Portugal, capazes de combaterem e morrerem por elas.
«Mandam as senhoras inglesas um emissário a Lisboa, trazendo car-
tas de cada uma das damas par a cada um dos nossos valentes por-tugueses.
«Chegam as cartas, com a notícia espantosa. E tanta indignação cau-
sou entre nós a conduta dos doze ingleses, que até o Rei D. João I
desejava ir castigá-los...
«Mas o Rei é o Rei: - tem de governar o seu povo, e não sai da sua
terra quando lhe apetece...
«Arma-se um navio no Porto e embarcam nele os fidalgos lusitanos.
«Mas só onze, embarcaram. O mais valente, chamado Magriço, deci-
diu ir por terra, prometendo, no entanto aparecer no momento pró-
prio. Queria dar o seu passeio, antes de chegar a Inglaterra. «Um belo dia, os onze portugueses desembarcam em Londres, onde
são muito bem recebidos e tratados.
«Aproxima-se a hora do combate. Ninguém tem medo, dos nossos.
Só uma coisa os preocupa: - a demora de Magriço, que anda não se
sabe por onde.
«Parára na Flandres, e por lá se divertia, sempre lembrado, no entan-
to, do dia do torneio... Ou não fosse ele um leal e honrado português!
«Mas o dia do torneio alvoreceu, e Magriço ainda não estava em Lon-
dres! A dama, a quem ele vinha defender, veste-se de luto, certa já
de que não teria paladino.
«Vai a côrte inglesa toda para o campo de combate. O Rei senta-se
no seu trono e as outras pessoas à volta dele.
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
88
«Os cavalos dos combatentes espumam já.
«O sol rutila nas lanças. A ansiedade de todos é enorme.
«Mas do lado dos ingleses há doze cavaleiros, e do nosso lado - só
onze!...
«Onde estaria, perguntam todos, o descuidado Magriço?
«De repente, grande alvoroço se produz e toda a gente olha para a
entrada do campo.
«É Magriço que entra, montado no seu cavalo, vestido e pronto para
o combate.
«Cumprimenta o Rei, fala às damas, abraça os companheiros, que re-jubilam, e toma lugar ao lado deles.
«A sua dama logo ali mesmo se enfeita com luxuosos arminhos, que
são adornos de festa.
«Dá sinal a trombeta do combate e os cavaleiros espoream os cava-
los, largam as rédeas, abaixam as lanças.
«Faísca a terra sob as patas dos animais, que mordem os freios de
ouro. O chão parece tremer todo, sacudido.
«O coração de quem olha os cavaleiros estremece, tão violenta é a
luta.
«O aço das armas torna-se vermelho com o sangue do inimigo.
«Uns, caíndo, parecem voar dos cavalos até ao chão...
«Outros, derrubados e arrastados, açoitam com os penachos dos el-mos as ancas dos ginetes...
«Morrem alguns. O resto fica ferido. E, depois de porfiada peleja, os
portugueses vencem inteiramente os adversários, com aprumo e ga-
lhardia raras.
«A soberba inglesa sofreu assim um duro golpe, mas as damas fica-
ram desafrontadas da injúria sofrida, graças à coragem e audácia dos
nossos, que não hesitaram em bater-se pela honra alheia...
«Mais uma vez triunfou o espírito guerreiro e cavalheiresco, e a força
invencível da gente da nossa terra. O Duque de Lencastre, para lhes
agradecer, albergou no seu palácio os portugueses. E, enquanto eles
não regressaram a Portugal, todos os dias lhes ofereceu divertimen-
tos, bailes e jantares, onde nunca faltavam as doze damas. À volta,
segundo contam, ainda Magriço e um seu companheiro tiveram al-guns desafios, o primeiro na Flandres e o segundo na Alemanha. Não
deixavam nunca de pôr à prova a sua valentia e destreza no manejo
das armas...»
Queria Veloso continuar a sua narração, quando o mestre do navio
lhe pediu, e aos seus ouvintes, para estarem alerta...É que se anun-
ciava já a tempestade que Baco projectara desencadear.
De facto, uma nuvem negra corria sobre a frota, e o vento crescia
com enorme violência."
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
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7. de A. Thomaz Pires (Contos Populares Alentejanos) Recolhas região de Elvas
IV Ano (1902)
CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
I - "Graças a Deus - ou - O Homem Ruim" (Recolha da Tradição oral)
Por A. Thomaz Pires
Elvas
In Tradição II vol. Anno IV, Nº 9, Setembro de 1902, Volume IV, pp. 141, 142 e 143
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter
a grafia registada na época.]
in - emagrecendocomsaude-tina.blogspot
Graças a Deus ou O Homem Ruim…
Graças a Deus para sempre,
Tenho a barriga cheia e toda a minha gente.
"Havia n'outro tempo um homem muito ruim para a mulher e filhos,
e por isso os fazia passar fomes, batia-lhes, não lhes dava falla,
emfim, a pobre mulher vivia n'um tormento constante.
Tinha elle por costume ser o primeiro que aviava o seu prato, com
pouca comida, e principiava logo a comer, de fórma que, quando a
mulher estava aviando o prato do terceiro ou quarto filho, já elle ti-
nha acabado, e então tirava o prato que tinha o resto do jantar, que
guardava n'um armario, e dizia, á maneira das santas graças:
Graças a Deus para sempre,
Tenho a barriga cheia e toda a minha gente.
A mulher, coitadinha, tinha de comer só pão, para que os filhos co-
messem o que ella tinha podido tirar do prato, mas que era pouco para tantos. E elle como n'aquella occasião comia pouco, depois vinha
comer sósinho o que tinha guardado. Assim succedia todos os dias e
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
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a todas as comidas, até que um dia appareceu ali um compadre a
quem a mulher, cheia de desgosto, contou o que o marido lhe fazia e
a má vida que lhe dava, devido ao seu mau genio.
O compadre teve muito dó d'ella e dos filhos e prometteu-lhe que o
havia de ensinar.
Veio depois o marido e fez muitas festas ao compadre, convidando-o
para ficar em sua casa, etc., etc.
Chegou a hora de jantar e o dono da casa fez o costume; mas quan-
do foi tirar o prato para ir guardar, depois de recitar a oração costu-
mada, diz-lhe o compadre: - Espere lá, compadre; se vocemecê tem a barriga cheia, a minha e a das crianças estão despejadas; e como
vocemecê me convidou para ficar na sua casa, não ha de ser para eu
passar fomes. - O outro envergonhou-se de tornar a assentar-se e foi
para o trabalho, e o compadre e a familia comêram a fartar.
Depois disse para a comadre:
- "Vocemecê não faça ceia, e deixe o resto por minha conta".
Chegou a noite, e depois de terem estado um bocado á lareira a con-
versar, foram-se todos deitar, mas no meio da noite o dono da casa,
que não podia com fóme, chamou a mulher e disse-lhe:
- "O' mulher, plamôrdeus, vae-me fazer alguma coisa para comer,
que não posso estar com fome".
- "Ai hóme! o que te hei-de fazer a estas horas? - "Faz-me umas papas".
Levantou-se a pobre mulher, reanimou o lume e pôz o tacho da agua
a ferver com a farinha, mas quando estavam quasi promptas, o com-
padre que tinha ficado na cosinha "para dormir mais quente", atira
com as meias sujas para dentro do tacho que, estando mal seguro,
tombou, e entornaram-se as pápas!
- "Ai compadre que me desgraçou!"
- "Então a comadre não estava fazendo barrella?
- "Não senhor, eram umas papas para o meu marido. Então o que lhe
hei de agora dizer?"
- "Ora, conte-lhe o meu engano." A mulher foi para o quarto contar
ao marido o que se passou, mas elle que tinha muita fome diz-lhe:
- "O' mulher, tem paciencia, vae fazer-me um bolo de amassadura, e coze-o no borralho."
- "Ora como hei de fazer isso, se o nosso compadre está lá na cosi-
nha, e se me vê ao lume faz-me alguma pirraça."
- "Anda lá, experimenta."
A mulher fez o bolo e foi cosêl-o; mas o compadre assim que a viu,
veio assentar-se ao lume, dizendo que não podia dormir com frio, e
pegando na tenaz, diz-lhe:
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
91
- "Agora vou contar-lhe
a minha historia: Olhe,
comadre, o meu pae era
rico, mas nós quando
elle morreu, eramos 14
irmãos, de maneira que
teve de entrar a justiça
em casa, por causa das
partilhas. Que desgraça
nos succedeu, minha comadre, Foi tudo dividido assim: bocado a um, bocado a outro; a um as panellas, a outro os tachos, a outro os pra-
tos, por fim era já tão grande a barafunda, que cada um tirava o que
podia." - E a cada quinhão de que faltava fazia um risco fundo com a
tenaz no bolo, com a cinza, que era impossivel comer-se!
A pobre mulher, por mais que diligenciava evitar que elle estragasse
o bolo, nada poude conseguir, em vista do enthusiasmo com que elle
fazia os quinhões, e quando viu o estado em que elle o pôz, disse:
- "Ai, compadre da minha alma! que era um bolo para meu marido!"
- "Ai, comadre, porque não m'o disse? E eu julgava que era o for-
mento que vocemecê estava fazendo!
- "Então agora o que lhe hei de eu dizer?
- "Ora, diga-lhe que dormiu e que o gato o comeu."
A mulher isso lhe disse. O marido ficou desesperado, e como não po-
dia ficar assim, resolveu pôr ás costas a albarda da burra e ir para o
faval, comer favas cruas. Assim fêz, mas o compadre, que o sentiu,
pega n'uma espingarda e vae atraz d'elle, e quando o apanhou a co-
mer as favas dispara um tiro. O homem assim que isto ouve começa
a gritar: - "O' compadre, não atire que sou eu!"
O outro fez-se muito admirado e procurou-lhe o que estava ali fazen-
do coberto com a albarda? Que elle tinha disparado pensando que era
um rapôsa que estivesse comendo as favas.
- "E' que como hontem não jantei como costumo e nem ciei, não pos-
so dormir com fome, e vocemecê tem estragado o que minha mulher
tem ido fazer para eu comer, e por isso me vi obrigado a comer fa-
vas." - "Ora muito bem; pois isso que lhe fiz hoje foi para avaliar o que a
sua mulher e os seus filhos passam com a sua maldade de os fazer
passar fóme. Agora que já sabe o que isso custa, deve emendar se e
deixar que a sua familia encha a barriga."
O homem serviu-lhe a lição, e d'ahi em diante, comiam todos a satis-
fazer, e elle já não dizia:
Graças a Deus para sempre,
Tenho a barriga cheia e toda a minha gente.
(Elvas)
A. THOMAZ PIRES.
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
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CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
II - " A "fada mouca"
Por A. Thomaz Pires
Elvas In Tradição II vol. Anno IV, Nº 9, Setembro de 1902, Volume IV, pp. 141, 142 e 143
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
nunocastelo.com/abruxaeocaldeirao
- a remeter para outras histórias...
A "fada mouca
"Era uma vez uma velhinha muito mouca, mais mouca, que a minha
avó!
Esta velhinha foi um dia ao campo buscar um feixe de lenha, e en-
controu um rapazito com um cesto no braço, mas como era muito cu-
riosa perguntou-lhe:
- "D'onde vindes rapazinho?"
- "Venho d 'Inglaterra.
- "Debaixo da terra?! Oh! louvado seja Deus! E o que trazeis nessa
cestinha?"
- "Um presunto."
- "Um defunto! Oh! louvado seja Deus! E o que trazeis na vossa mão?"
- "Uma canna verde."
- "Uma canella d'elle! Oh! louvado seja Deus!"
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
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O rapaz poz-se a rir dos disparates que dizia a mouca, pelo que ella
ficou muito zangada e lhe disse:
- "Visto que te ris de mim, eu te fado para que em toda a tua vida
não possas dizer senão:
Cócorócó que estou nos ovos!
E assim succedeu! Até que o rapaz; desgostoso de não poder dizer
mais palavra nenhuma, se matou!
E seja Deus louvado,
Está meu conto acabado.
(Elvas)
A. THOMAZ PIRES.
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a remeter também, por exemplo, para:
In - blogs.esecs.ipleiria.pt/interescolas/2008/11/10/a-galinha-dos-ovos-de-ouro/
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
94
CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
III - "A princeza encantáda"
Por A. Thomaz Pires
Elvas In Tradição II vol. Anno IV, Nº 9, Setembro de 1902, Volume IV, pp. 141, 142 e 143
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-gistada na época.]
vivea5.blogspot.com/2008/10/princesa-que-no-sabia-espirrar
Agrupamento Vertical de Escolas Ordem de Sant'Iago - EB1 nº5 de Setúbal
A princeza encantáda
"Havia n'outro tempo um rei e tinha uma filha muito sábia, que d'isso
tinha grande ufania.
Um dia disse ella ao rei que mandasse deitar um brado para toda a
gente vir a palacio responder ao que ella dissesse. Assim se fez, mas com a promessa de que, se fosse mulher que res-
pondesse bem, teria uma terça, e se fosse homem casaria com a
princeza.
Com tão boa promessa veio toda a gente ao palacio, mas ninguem
sabia responder.
Faltava ainda um lavrador, que disse para um creado que appare-
lhasse a egua, para ir responder á princeza.
O criado que era muito bruto, mas ladino, diz-lhe:
- "O' sr. meu amo, deixe-me ir a mim tâmêm!
- "O' alarve, o que le has de tu responder?
- "Não sei, mas tenho cá uma aquella que hei de le saber responder."
O lavrador riu-se muito, mas disse que sim; e o rapaz foi-se vestir de lavado e pôr o seu fato domingueiro, mas passando por uma méda de
lenha tirou uns poucos de paus que metteu no bolso e o mesmo fez a
um ovo que uma gallinha acabava de pôr".
Reparando n'isto, o lavrador diz-lhe:
(- Para que serve isso?)
- "Ande lá sr. meu amo que tudo serve."
Montaram-se os dois, cada um em sua egua, e foram caminho do pa-
lacio.
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
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O lavrador, no meio do caminho, teve uma necessidade; apeou-se e
foi satisfazel-a. E depois o creado tirou do bolso um lenço de sêda,
apanhou tudo e guardou, como tinha feito á lenha, dando a mesma
resposta ao amo - "de que tudo servia".
Chegaram, e o lavrador foi o primeiro a ir ouvir a princeza, mas nada
soube dizer, e mandou o rapaz, visto que eram admittidas pessôas de
todas as classes.
A princeza abriu uma porta e disse:
- "Eu sou um fogo.
- "Asse-me lá este ovo" - disse o rapaz, apresentando-lhe a seguir a lenha e o presente que trazia no lenço."
- "Não tenho lenha."
- "Aqui estão uns pausinhos."
- "Você é um sujo."
- "Aqui tem uma próva."
A princeza ficou desesperada por ser aquelle bruto a unica pessoa
que lhe tinha sabido responder; mas como a palavra do rei não volta-
va atraz, casou com elle.
E quem lá se viu~
E' que lá se achou
Beijinhos e abraços
Para quem o contou.
(Elvas) A. THOMAZ PIRES.
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remeter também para:
bichosdeconto.blogspot
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CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
IV - "O Padre Ridículo"
Por A. Thomaz Pires
Elvas In Tradição II vol. Anno IV, Nº 10, Outubro de 1902, Volume IV, pp. 156, 157, 158 e 159
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
stiletto.blog.br/images/stories/padres.jpg
O Padre Ridículo
"ERA uma vez um padre muito ridículo, e por isso em chegando pro-ximo os fins dos mezes, arranjava sempre uma questão com os cria-
dos rapazolas que o serviam, e despedia-os sem lhes pagar; e assim
ía sendo servido de graça.
Um dia um estudante fez uma aposta com os companheiros - de que
era capaz de roubar o padre. Os outros apostaram que não; e elle
para ganhar a aposta vestiu-se com fato muito velho, e á noite foi a
casa do padre saber se queria um criado, accomodando-se com todas
as condições que elle lhe impôz.
O padre estava assentado e mais a sua ama, a um bello lume de le-
nha, e disse ao rapaz que fosse tambem para ali.
O rapaz foi, e passado pouco tempo, diz-lhe o padre:
- "Então como me chamam por ahi a mim?" - "Chamam-lhe o sr. padre prior."
- "Fortes parvos! Eu chamo-me papa-deuses."
O rapaz fez-se muito admirado.
- "E então a esta senhora?"
- "Ama do sr. prior."
- "Sucia de bestas! Esta é a Fugritatis."
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
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Nova admiração do rapaz.
- "E isto?" - dizia elle indigitando o gato.
- "E' um gato."
- "Não; é o papa-ratos."
- "E isto?"
- "E' lume."
- "Não. São alumiantes."
- "E aquillo?"
- "São umas escadas."
- "Qual historia; são escrimonias." - "E o que está nos paus da chaminé?"
- "São chouriços e paios."
- "Não digas tolices. São papas e cardeaes"
- "E isto?"
- "E' agua."
- "Não; isto chama-se - abundantes."
em: - Forcalhos2/enchidos02.jpg
O rapaz tomou muito sentido em todos os nomes, e d'ali a pedaço
diz:
- "Ora eu queria pedir um favor a V. S.ª"
- "Então o que é?"
- "E' que eu tenho sezões, e já estou com o frio (e n'isto batia com os
dentes uns nos outros) e então se me deixasse dormir aqui, eu mes-
mo na lareira me deito.
O padre teve dó e deu a licença pedida. D'ali a pouco a ama, que já tinha acabado de passar as contas, e
dormindo no entrevalo dos padre-nossos e das ave-marias, lembrou
ao padre que eram horas de se deitarem.
O padre que tambem já tinha completado a sua conta, despejando a
longos tragos a borracha de vinho e comido o ultimo bocadinho de
lombo assado no espêto ao bello lume, e encontrando-se tão quente
por fóra como por dentro, resolveu ir deitar-se, deixando o rapaz ao
lume a curtir a sezão, e lembrando-lhe que pela manhã tinha de ir
ajudar-lhe á missa.
- "Vá vossa mercê descançado, que a essa hora já me tem passado a
trabuzana, e estou leve como um coelho."
Tanto que o rapaz ouviu ressonar o padre e a ama, tirou a carne toda que estava na chaminé para am sacco que achou, e pôz diante da
porta do quarto quantas cadeiras e mezas achou; atou uma porção
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
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de estôpa ao rabo do gato, que principiou a dar berros quando elle
com um tição de lume lhe deitou fogo; e pondo o sacco da carne ás
costas, foi bater á porta do quarto dizendo:
- "O' pápa-deuses! tira-te dos braços da Fugritatis, vae accudir ao
papa-ratos que vae pelas escrimonias acima, cheio de alumiantes;
accode-lhe com abundantes, que eu cá vou carregado de pápas e
cardeaes.
Quando o padre, depois de ter quebrado o nariz nas cadeiras que es-
tavam á porta do quarto, poude entrar na cosinha, ficou desesperado
por aquelle marôto lhe ter roubado os seus bellos paios e chouriços. Mas por mais que procurou nunca soube quem tinha sido o esperta-
lhão que o enganou, ganhando assim a aposta que tinha feito.
Seja Deus louvado
E o meu conto acabado,
Que não é bonito,
Mas é bem contado.
(Elvas)
A. THOMAZ PIRES.
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
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CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
V - "O Gallo"
Por A. Thomaz Pires
Elvas
In Tradição II vol. Anno IV, Nº 10, Outubro de 1902, Volume IV, pp. 156, 157, 158 e 159
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
http://www.acreditesequiser.net/2007/12/02/o-galo-gigante/
O Gallo
Era uma vez um gallinho que andava a esgaravatar n'um campo e achou uma bolsa cheia de dinheiro!
Principiou a pensar a quem daria o dinheiro, que melhor o recompen-
sasse, e decidiu que o levaria ao rei, e partiu caminho do palacio com
a bolsa ao pescoço.
No caminho encontrou uma raposa que lhe disse:
- "Aonde vás, gallinho?
- "Vou levar esta bolsa de dinheiro ao rei."
- "Eu tambem quero ir."
- "Mette-te aqui para o meu rabo."
Lá se metteu a raposa. Foi mais adiante e encontrou um montão de
pedras, e perguntam-lhe:
- "Onde vás, gallinho?"
- "Vou levar esta bolsa de dinheiro ao rei." - "Nós tambem vamos."
- "Mettam-se aqui para o meu rabo."
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
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Encontrou mais uma ribeira e um enxame de abelhas, que lhe pedi-
ram para ir com elle e que o gallo mandou metter no rabo.
Assim chegou ao palacio, cheio de todas aquellas coisas, e pediu para
ir entregar a bolsa ao rei. Este recebeu o dinheiro e mandou-o metter
no gallinheiro.
Ficou o gallo todo zangado, porque esperava grande recompensa em
troca da bolsa, e para se vingar dei-
xou sair do rabo a raposa, e esta
comeu as gallinhas todas!
O gallinho pôz-se em cima do galli-
nheiro a cantar:
Qui-quiri-qui!
Venham ver o que eu fiz!
Vieram a ver e não havia nenhuma
gallinha.
Disse o rei: em: www.arionaurocartuns.com.br/infantil9.shtml
- "Mettam o gallinho dentro de um pote."
Assim se fez, e elle assim que lá se viu, deitou fóra do rabo as pedras
e partiu-se o pote. E o gallinho põz-se a cantar:
Qui-quiri-qui!
Venham ver o que eu fiz!
Foram dizer ao rei o que havia e elle mandóu-o metter n'um forno
bem aceso.
O gallinho assim que o metteram lá, largou a ribeira e apagou-se o
fogo.
O galinho poz-se a cantar em cima do telhado.
Qui-quiri-qui !
Venham vêr o que eu fiz! O rei, já desesperado, disse:
- "Tragam cá esse
maroto, que lhe quero
sujar em cima. Mas
assim que o rei se
despiu, o gallinho lar-
gou as abelhas, que
se pegaram todas ao
corpo do rei, que já escorria sangue por
todos os lados, e levaram-no para a cama
quasi morto. O rei mijando - Pintura a óleo sobre tela - 50x50 http://margemdois.blogspot.com/2007_08_01_archive.html
Depois deram outra vez a bolsa de dinheiro ao gallo com a condição
de se ir logo embora, visto elle fazer tanta maldade.
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
101
O gallinho assim fez; e quando chegou á sua terra distribuiu o dinhei-
ro pelos pobresinhos, que era mais bem empregado do que no rei.
Seja Deus louvado
Está meu conto acabado.
(S. Vicente) –
(Elvas)
A. THOMAZ PIRES.
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Imagens do GALO e seus adjuvantes:
Galo
Raposa
Montão de pedras
Ribeiro
Enxame de abelhas
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
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CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
VI - "A rapoza"
Por A. Thomaz Pires
Elvas In Tradição II vol. Anno IV, Nº 10, Outubro de 1902, Volume IV, pp. 156, 157, 158 e 159
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
eb1-vila-nova-paiva/raposa
wook.pt/ficha/o-macaco-de-rabo-cortado
A rapoza
"Era uma vez uma rapoza que foi a casa de um barbeiro e disse-lhe
assim:
- "Ó sr. barbeiro, corte-me aqui o meu rabo que está cheio de pio-
lhos. O barbeiro cortou-lhe o rabo.
No outro dia volta lá a rapoza:
- "O' sr. barbeiro, qué d'elle o meu rabo?"
- "O teu rabo atirei-o para o telhado."
- "Ai sim?... pois levo-lhe uma navalha."
Foi a casa de um oleiro:
- "O' sr. Oleiro, aqui tem esta navalha para raspar as suas tigelas."
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
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No outro dia foi lá:
- "Então a minha navalha?"
- "A tua navalha partiu-se."
- "Pois roubo-lhe uma tigela."
Foi a uma horta:
- "Ó sr. Hortelão, aqui tem esta tigela para refogar as suas bringe-
las."
No outro dia voltou á horta:
- "Onde está a minha tigela?"
- "A tua tigela quebrou-se." - "Ai sim?... pois furto-lhe estas bringelas."
Foi a casa de um moleiro:
- "O' sr. Moleiro, aqui tem estas bringellas para o seu jantar."
Passados dias foi lá:
- "Então as minhas bringelas?"
- "As bringelas, comi-as."
- "Pois levo-lhe um sacco de farinha."
Foi a casa de uma mestra:
- "Sr.ª mestra, aqui tem esta farinha para fazer bolinhos ás suas me-
ninas."
No outro dia foi lá:
- "Então a minha farinha?" - "Fiz bolos para as meninas."
- "Ai sim?... pois levo-lhe uma menina."
Levou a menina e foi a casa de um violeiro :
- "Sr. Violeiro, aqui tem esta menina."
O violeiro foi levar a menina a casa da familia.
No outro dia vae a rapoza:
- "Sr. violeiro, onde está a minha menina?"
- "A tua menina morreu."
- "A' sim?... pois levo-lhe uma viola."
Roubou-lhe a viola e foi para cima de um telhado, e pôz-se a cantar
assim:
Eu de rabo fiz navalha,
De navalha fiz tigela,
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
104
De tigela fiz bringela,
De bringela fiz farinha,
De farinha fiz menina.
De menina fiz viola,
Torrum tum tum,
Que me vou embora!
(Elvas)
A. THOMAZ PIRES.
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ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
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Esta lengalenga normalmente aparece como a do macaco do rabo
cortado… ver por exemplo:
Por Rosa+Silva - Fábrica Viúva Lamego
cronicas-portuguesas.blogspot.com
historiasparaouvir.blogs.sapo.pt
eb1-socorro.rcts.pt
ebemoniz.prof2000
EB1Gandra
oc0708t17.blogspot.com
youtube.com
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ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
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CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
VII - "Letras e Trêtas"
Por A. Thomaz Pires
Elvas
In Tradição II vol. Anno IV, Nº 11, Serpa, Novembro de 1902, Volume IV, pp. 174, 175, e 176
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
a remeter tb. para: Contos Tradicionais Portugueses (Volume I de IV) recolhidos e comentados por Car-
los de Oliveira e José Gomes Ferreira, Iniciativas Editoriais, Lisboa (sd) Edição Especial para a Livraria
FIGUEIRINHAS - Porto, p. 3
Letras e Trêtas
"ERAM d'uma vez uns lavradores que tinham dois filhos; um era es-
tudante e o outro era cabreiro. Como o anno fosse mau pediram um
moio de trigo emprestado ao compadre priôr, que era padrinho do fi-
lho que estudava; mas quando colheram a seara não pagaram o tri-
go, e assim foi correndo o tempo.
Sempre que iam á missa, desfaziam-se em desculpas com o padre por não terem ainda pago, e elle dizia-lhes sempre que arranjassem
a sua vida e que pagassem quando podessem. Mas no outro domingo
repetia-se a scena, até que afinal o padre, já farto de os aturar, disse
um dia ao pae: "Olhe compadre, diga ao meu afilhado que arranje
uma mentira do tamanho do Padre-nosso, que já lhes perdôo a divi-
da."
O velho ficou louco de contente e foi para casa dizer ao filho que, vis-
to elle ter tantas letras, arranjasse a mentira quanto mais depressa
melhor, para a ir dizer ao sr. padrinho, como elle desejava; mas o
rapaz por mais que estudou, por mais que contava as palavras das
mentiras que armava, não conseguia fazer uma do tamanho do Pa-
dre-nosso; n'umas sobravam, n'outras faltavam, até que declarou ao
pae que não podia satisfazer o empenho do padrinho.
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
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O pae ficou triste e muito zangado com o rapaz, dizendo que de nada
lhe aproveitava o que o padrinho gastava com elle, visto não ser ca-
paz de arranjar uma mentira.
N'um domingo em que estavam fallando sobre o caso, quando o ou-
tro filho veio a casa, disse este:
"Olha a grande coisa! Ter que arranjar uma mentira do tamanho do
Padre-nosso! Maior sou eu capaz de a arranjar, e ir dizel-a ó padrinho
se vocemecê quizer!"
- O que dizes tu filho?! lhe diz a mãe. Pois tu astréveste?
- "Astrêvo sim senhora! Ora dê-me vocemecê licenca e lá verá." - "Eu sei lá filho! Tu és amodos que assim tão brutinho, para ires fal-
lar com aquella gente…"
- "Deixe lá mãe que uma pessoa, com'ó outro que diz, tamem não é
tão parvo como ós da cidade pensam; ora verá."
Com estas e outras razões convenceu a mãe e o pae, e no domingo lá
foi elle caminho da egreja para dizer ao sr. padrinho a mentira en-
commendada.
O padre, que já estava prevenido, logo que acabou de dizer a missa
foi para a sacristia, com um amigo a quem contou o caso, esperar o
rapaz. Este não se fez esperar e de chapeu na mão e acariciando a
cabeça, como vulgarmente se usa no campo, chegou ao pé do padri-
nho, poz as mãos, pediu-lhe a benção e depois disse:
"Pois meu padrinho, eu tinha um colmeal tão grande! tão
grande! que nem sabia o conto ós corticos! Um dia puz-me a
contar as abelhas e faltava-me uma! Fui por esse mundo em
pergunta da minha abelha e vae sr. padrinho (e n'isto batia
uma forte palmada na perna do padre) estavam quinze lobos a
comel-a! Eu atiro-lhes com uma ameixa (e traz - nova palma-
da) e matei-os todos! Mas só deixaram uma perninha da abe-
lha. Pégo a torcel-a (outra palmada) não deitou nada; coméço
a destrocel-a e deitou dez almudes de mel! (e nova palmada
no padre, que já se encolhia!). Ora aqui estava eu sem ter on-
de deitar o mel! Fui ao monte buscar um burro, com licença de
meu padrinho, (e traz - palmada) e carreguei o mel, mas pe-
sava tanto que fez uma ferida nas ancas ó burro! Fui a casa de um alveitar que deitou na ferida um alqueire de favas! Ai meu
padrinho! (e mais palmada - o padre já suava!) fez-se um ervi-
lhal que apanhava tres leguas de grandeza. Cahe-me nelle um
porco-espinho que não se lhe viam de longe senão as unhas!
Atiro-lhe com uma foice, espeto-lhe (com sua licença) o cabo
no rabo e (palmada na perna do padre), ó meu rico padrinho,
aquillo é que era bonito ver o porco!... Com as pernas ceifava,
com a foice debulhava, com a bocca pregava cada assopro que
cahia a palha para o chão e as ervilhas levava-as o vento!
Quando se foram a medir deitaram dois moios de trigo e um
poucochinho e foi assim que meu pae poude pagar ó meu pa-
drinho… "
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
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O pobre priôr, que tinha a perna derreada pelas palmadas, levantou-
se logo e disse ao rapaz que estava perdoada a divida, com tanto que
elle acabasse já a mentira, que era bem maior do que o Padre-nosso.
O rapaz foi logo levar a boa nova á mãe, que ficou louca de contente
e convencida de que
Muitas vezes as trétas
Vaem mais que as letras.
E seja Deus louvado,
Está meu conto acabado.
Quem lá se viu E' que lá se achou.
Beijinhos e abraços
P'ra quem o cantou.
(Elvas)
A. THOMAZ PIRES.
------------------------------------------- Ver outras versões, por exemplo:
«A ENFIADA DE PETAS» por Teófilo Braga
Ficha Bibliográfica (visualização ISBD)
[649095]
BRAGA, Teófilo, 1843-1924 Contos tradicionaes do povo portuguez : com um estudo sobre a novellistica
geral e notas comparativas / Theophilo Braga. - Porto : Livr. Universal, [19--]. - 2 v. em 1 ; 20 cm http://purl.pt/230
CDU 398.2=1(469) - PP. 187 E 188
Biblioteca Nacional Catálogo de obras digitalizadas - Contos tradicionais - 127 registos:
http://catalogo.bn.pt/
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
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CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
VII - "A viuva"
Por A. Thomaz Pires
Elvas In Tradição II vol. Anno IV, Nº 11, Serpa, Novembro de 1902, Volume IV, pp. 174, 175, e 176
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
ver in - fundacaocultural.ba.gov.br - 1947
A VIÚVA
"HAVIA n'outro tempo uma mulher casada que tinha uma filha ainda
pequena. Ella era muito amiga de festas e de bailes, mas como o ma-
rido era muito doente não podia sair e ir aos divertimentos, e por isso
tomou-lhe uma zanga tal que não o podia ver.
Peorou o homem e já não se levantava e ella não queria saber d'elle.
Só de vez em quando, para as visinhas ouvirem, lhe dizia muito de ri-
jo:
"Lourenço, queres um caldinho?"
"Quero sim mulher".
Ella então dizia-lhe devagarinho:
"Tem paciencia meu rico filho, meu rico menino, que agora não há".
Depois dizia para a filha:
"Zefa! vae ajudar a ver morrer teu pae, que no domingo ha festa e
tua mãe, se elle morrer, com certeza já lá vae".
Morreu o homem mesmo no domingo, e a mulher estava toda triste
por ter de chorar o marido e não poder ir á festa. Tanto se lamentou
por isto que uma visinha disse-lhe que ficava chorando emquanto ella
ia, mas que lhe daria em troca um al-queire de centeio.
Acceitou a viuva a proposta e foi logo vestir-se e arranjar-se e mar-chou depois para a festa, que devia terminar com baile.
A carpideira toda a noite andou á roda do defunto, que estava esten-
dido num esteirão, e ella fingindo que chorava, dizia:
"Aqui ando eu,
A chorar o alheio,
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
111
Por alqueire de centeio.
Ai meu bello marido morto!
Sirva-te isto de conforto!"
Assim levou a carpideira toda a noite, emquanto a viuva se estava di-
vertindo, com a consciencia tranquilla, vis-
to que o seu dever outra o estava desem-
penhando.
Chegou o dia e a viuva voltou para casa
justamente quando a carpideira, repetindo
a lamentação, dizia:
"Aqui ando eu
Chorando o alheio,
Por um alqueire de centeio!
E sabe Deus se será bem cheio!"
«carpideiras»
Ouvindo isto, a viuva, tocando as castanholas e dançando em volta
do marido, rcspondeu logo:
"Cheio e recheio!
Calcado e recalcado!
E ainda por cima
Um grande punhado.
E zus câ tã truz !
E zás câ tâ traz!
Bem hajam as festas! E mais quem as faz!"
(Elvas)
A. THOMAZ PIRES.
A Viúva Alegre - Joel Calheiros
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CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
IX - "A gulosa"
Por A. Thomaz Pires
Elvas In Tradição II vol. Anno V, Nº 1, Serpa, Janeiro de 1903, Volume V, pp. 14, 15, e 16
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
A GULOSA
"ERA d'uma vez um pescador que tinha uma mulher muito gulosa, de fórma que nunca fazia jantar para o marido, mas ella andava sempre
a fazer coisinhas boas para comer, e o marido comia só pão com
azeitonas ou fructa.
Um dia que o homem estava dizendo
muito mal á sua vida por Deus lhe
ter dado uma mulher assim, sendo
elle tão trabalhador, quando puxou a
rêde viu um peixe muito grande,
mas quando elle o ia a apanhar, diz-
lhe o peixe: in tuttyblog
"Não me toques, que sou o rei dos peixes e venho aqui para te valer
nas tuas afflicções, visto que ainda ha pouco tanto te lastimavas."
"E' verdade - disse o pescador - sou muito infeliz, porque trabalho to-
do o anno e nunca tenho, ao menos um dia, um jantarsinho que me
aqueça o estomago, porque a minha mulher não m'o quer fazer."
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
113
Remeter para - minerva.uevora.pt
"Pois bem - lhe diz o peixe - aqui tens estas quatro bonecas, põe uma
a cada canto da cosinha sem ella ver, e deixa que ámanhã já has de
ter ceia." E o peixe desappareceu.
O pescador, tanto que foram horas, foi para casa e sem a mulher vêr
collocou as bonecas, comeu alguma coisa com pão e foi-se deitar; e
no outro dia levantou-se e saiu, como costumava.
Ella, quando lhe pareceu, levantou-se tambem, accendeu o lume e
pôz a agua para o café; depois fritou uns ovos e quando estava o al-
moço feito assentou-se ao lume e disse:
"Estende-te, perna,
No rio está quem te governa; Elle, se se quizer aquecer,
Vá beber vinho á taberna."
Começou a almoçar, mas assim que metteu o comer na bocca, ouve
uma voz que dizia:
"O que é aquillo?"
"E' comer!"
"Sem o marido?"
"Pois se a mulher é uma gulosa!
A mulher teve um grande susto.
Andou vendo por toda a casa, mas não viu nada.
Ainda com receio, mas mais tranquilla, voltou a querer almoçar, mas
tornou a ouvir as mesmas vozes:
"O que é aquillo?"
"E' comer!"
"Sem o marido?"
"Pois se a mulher é uma gulosa!
D'esta vez não quiz mais saber do almoço e foi a fugir com medo! A
fome apertava-a, por isso resolveu ir fazer umas batatas para a ceia,
quando viesse o marido, e assim fez. A' noite, assim que elle veio, foi ella logo sair-lhe ao encontro, dizen-
do-lhe:
"Anda marido, vem ceiar, que tu deves estar com vontade."
O marido ficou muito admirado, mas não fez perguntas. Comeram
bem e no outro dia, quando elle saiu, recommendou-lhe ella
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
114
- "que viesse cedo, que lhe teria uma boa ceia."
Pensando, porém, que tivesse sido allucinação sua, tentou novamen-
te almoçar á chaminé; mas, tal qual como no outro dia, ouviu as
mesmas vozes e as mesmas perguntas. Emendou-se então. Nunca mais comeu sem estar o marido, e viveram muito bem.
em: viajandonospensamentos.zip.net/arch2004-05-02...
Passado tempo o pescador levou as bonecas ao rei dos peixes, para
elle emprestar a outro que precisasse d'ellas para o mesmo fim, -
porque o que ha mais é gente gulosa.
(Elvas)
A. THOMAZ PIRES.
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
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CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
X - "A velha"
Por A. Thomaz Pires
Elvas In Tradição II vol. Anno V, Nº 1, Serpa, Janeiro de 1903, Volume V, pp. 14, 15, e 16
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
Velha "amarracada" in - alentejanando.weblog
A VELHA
"Era d'uma vez uma velhinha, muito velha, muito amarraccada, que andava sempre a pedir esmola, fazendo uma grande lamuria: -o que
não tinha ninguem, que era muito desgraçadinha, etc., etc.
Mas dizia-se que a velha tinha dinheiro, e por isso, n'um dia, um la-
drão, emquanto ella foi á fonte, entrou-lhe em casa e metteu-se de-
baixo da cama.
A velha quando voltou viu-lhe um pé. Esteve para gritar, mas teve
medo de que elle a matasse e por isso deixou a porta aberta e ajoe-
lhando-se em frente de um crucifixo que tinha, pôz-se de mãos pos-
tas a dizer:
"O' meu Senhor! eu quando era moça namorava um rapaz muito bo-
nito! (e dizia isto levantando a voz); depois meu Senhor, casei com
elle, e quando vim para casa tirou-me o veu! Que vergonha, meu Se-
nhor! (e isto ainda mais alto). Depois tirou-me o vestido, as saias, as botas, Ai! ai! ai! que vergonha! (e gritava mais ainda).
Os visinhos que ouviram aquelles gritos, accudiram a ver o que era, e
a velha assim que sentiu gente em casa, sem mudar de posição, gri-
tava. "Vão debaixo da cama que lá está o ladrão!"
Os visinhos foram a ver e lá estava o homem que levou uma bella
sova; e assim se livrou a pobre velha de ser roubada e morta.
(Elvas) - A. THOMAZ PIRES. Remeter para - colegioabsolutoanglo.com.br
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
116
CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
XI - Quem tirou o olho á rainha?"
Por A. Thomaz Pires
Elvas In Tradição II vol. Anno V, Nº 1, Serpa, Janeiro de 1903, Volume V, pp. 14, 15, e 16
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
Quem tirou o olho á rainha?
"Era uma vez uma mulher que tinha duas filhas e todos os dias ia á
missa. As filhas, uma era Catharina e outra Mariquinhas.
Um dia disse para a Catharina: "Vamos á missa", e ella disse: "Vá vo-
cemecê, que eu tenho fome e a missa não enche barriga".
Foi mãe e a outra filha á missa. Catharina tinha fome e foi á varanda
que dava para o jardim do rei, que tinha uma pereira que dava para
a varanda; as peras ainda estavam verdes e ella, com a fome que ti-
nha, mesmo verdes as comia, e viu vir a rainha com um açafate de
flores e outro de doces e chegar a um tampo de pau e espalhar as
flores pelo chão e tirar o tampo e sahir um cão que parecia o demo-
nio e estar a metter os doces na boca do demonio.
Catharina deu-lhe tamanha zanga que atirou com uma pera ao olho da rainha e l'ho tirou. A rainha, com as dores, metteu o demonio para
dentro e foi gritando que lhe tinham tirado o olho.
A mãe de Catharina e a irmã vinham da missa muito assustadas e
disseram para a Catharina: "Ai, que tiraram um olho á rainha!"
- "Bem haja quem lh'o tirou, que fui eu!"
- "Cala-te, Catharina, que estamos perdidas!"
- "Mãe, que estamos ganhadas!"
O rei mandou deitar um pregão para ver quem tinha tirado o olho á
rainha; ninguem sabia quem tinha tirado o olho á rainha.
O rei vestiu-se de pobre e andou pedindo pelas portas a vêr se ouvia
alguma conversa; foi bater á porta de Catharina, pediu uma esmola e
ouviu a mãe e as filhas a dizer quem tinha tirado o olho á rainha, e
pediu que lhe dessem gasalho aquella noute, porque não sabia onde era a casa dos pobres.
A mãe disse-lhe:
- "Perdõe por amor de Deus, tenho duas filhas e não posso deixal-o
cá dormir, nem lhe posso dar esmola porque somos muito pobres".
Mas o rei não fazia senão teimar que o deixassem entrar, que estava
muito molhado. Catharina, com era muito decidida, disse para o po-
bre:
- "Entre, pobresinho, a minha mãe não quer senão missa, e caridade
não tem nenhuma".
O pobre entrou e foi-se pôr ao lume e disse:
- "Ai, assim que cheguei a esta terra, ouvi uma má noticia: dizem que
tiraram um olho á rainha".
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
117
Responde a Catharina:
- "Bem haja quem lh'o tirou, que fui eu".
A mãe dizia-lhe:
- "Cala-te, Catharina, que estamos perdidas".
- "Cale-se, mãe que estamos ganhadas".
O rei, assim que isto ouviu, já não podia parar, levantou-se e disse:
"Nada, já vejo que não posso aqui estar" - e agradeceu e sahiu.
Foi logo para o palacio e no outro dia mandou chamar as tres.
A mãe e a Mariquinhas choravam muito, mas a Catharina ria-se.
- "Venha cá a mãe: Então você sabe quem foi que tirou o olho á rai-nha?"
- "Saberá Vossa Real Magestade que não"
- "Então vá-se embora.
Venha cá a Mariquinhas: Sabes quem tirou o olho á rainha?
- "Saberá Vossa Real Magestade que não; eu fui á missa com minha
mãe e não soube de nada."
- "Venha cá a Catharina. Tu sabes quem tirou o olho á rainha?"
- "Eu vou contar a Vossa Real Magestade" e depois contou e o rei dis-
se:
- "Se fôr verdade o que tu dizes, caso comtigo e mando matar a rai-
nha".
Foi o estado do rei todo atraz e ella disse ao rei que mandasse fazer um lume ao pé do tampo de pau, e ella chegou e tirou o tampo e
sahiu o diabo e foi para o lume e rebentou.
Depois o rei e aquella gente toda voltaram para mandarem matar a
rainha e já ella se tinha atirado ao mar.
Depois, o rei casou com Catharina, que dizia á mãe e á irmã:
"Se não tirasse o olho
Não era eu rainha".
(Elvas)
A. THOMAZ PIRES.
Ver também Contos Populares Alentejanos recolhidos da tradição oral, António
Thomaz Pires. Colectânea, edição crítica e introdução de Mário F. Lages, 2ª edição aumentada, Lisboa,
2004, 198 p. (Estudos e Documentos, 11) - ISBN 972-9045-01-1 in UCP - Universidade Católica Portuguea:ucp.pt/site/resources
remeter também para Lewis Carroll
triplov.com/contos
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118
CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
XII - "O Boi Barrabil"
Por A. Thomaz Pires
Elvas In Tradição II vol. Anno V, Nº 2, Serpa, Fevereiro de 1903, Volume V, pp. 31 e 32
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
Ver in videos.sapo.pt
O Boi Barrabil
"Era uma vez um rei, que tinha um boieiro que muito estimava por ser muito verdadeiro; dizia o rei que o boieiro não sabia mentir e di-
ziam os vassallos que elle uma vez pelo menos havia de faltar á ver-
dade, ao que o rei retrucava - que não.
Havia na boiada um boi que o rei estimava muito e se chamava o boi
barrabil. Quando o boeiro ia falar ao rei, este perguntava sempre:
"Como está o boi barrabil?" Ao que respondia o boieiro sempre, - que
estava bom. Os fidalgos tinham inveja de que o rei tratasse tão bem
o homem, e começaram a querel-o indispôr com o rei; disseram que
elle havia de arrancar o coração do boi barrabil e pregar uma mentira
ao rei dizendo que o boi tinha morrido, - ao que o rei dizia que era
impossível elle mentir, que havia de dizer a verdade.
Depois combinaram os fidalgos em ir uma das fidalgas estar com o
boieiro e dizer-lhe que gostava muito do boi barrabil, etc., etc., e que lhe queria o coração. O homem ficou muito admirado da exigencia e
disse-lhe que isso não fazia elle, e ella
- respondeu: "pensa n'isso e eu cá volto ámanhã."
O homem ficou pensativo em vista da formosura da fidalga, mas em
todo o caso no outro dia tornou lhe a dizer - que não, que isso não
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
119
fazia elle. Ella disse-lhe: "pensa bem, que eu ámanhã torno a vir e
has de por força dar-me o coração do boi barrabil.
No outro dia não poude o homem ser superior áquella exigencia, tirou
o coração ao boi e entregou-o á fidalga.
Ver in videos.sapo.pt
Depois d'ella se retirar começou a pensar no que tinha feito e como havia de dizer ao rei que o boi estava morto:
- "Pela manhã vou falar ao rei e digo-lhe: Salve Deus a Vossa Mages-
tade.
- "Adeus, homem, então como estás?"
- "Eu bom, muito obrigado."
- "E o nosso boi barrabil?"
- "Ora, o nosso boi barrabil ia por uma ladeira abaixo, escorregou,
cahiu e morreu; - mas nada, isto é mentira, isto não digo eu, vou-lhe
dizer antes: Altura, alvura e formusura fez com que eu tirasse o cora-
ção ao boi barrabil: - bem, esta mentira está bem. E deitou-se a
dormir.
No outro dia foi falar a Sua Magestade e na fórma do costume disse-
lhe: - "Salve Deus a Vossa Magestade."
- "Adeus, homem, como estás, e o nosso boi barrabil?"
- "Ora o nosso boi barrabil… o nosso boi barrabil…"
- "Então o que é, homem?"
- "Ora, saberá Vossa Magestade, altura, alvura e formosura fizeram
com que eu tirasse o coração ao boi barrabil. Então disse o rei aos fi-
dalgos:
- "Ganhei, o homem não sabe mentir, pensando que me pregava
mentira, disse a verdade."
(Elvas)
A. THOMAZ PIRES. Ver também –
Contos Populares Alentejanos recolhidos da tradição oral, António Thomaz Pires. Colectânea, edição crí-
tica e introdução de Mário F. Lages, 2ª edição aumentada, Lisboa, 2004, 198 p. (Estudos e Documentos, 11) - ISBN 972-9045-01-1
in UCP - Universidade Católica Portuguea:ucp.pt/site/resources
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
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CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
XIII - "A sogra enganada"
Por A. Thomaz Pires
Elvas In Tradição II vol. Anno V, Nº 2, Serpa, Fevereiro de 1903, Volume V, pp. 31 e 32
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
almocreve-por-alvaro-pecegueiro-in-estudo-do-meio-3.ano
In azinhalalgarve.files.wordpress.com
A sogra enganada
"Era uma vez um almocreve, casado havia pouco tempo, e a mãe
prometteu-lhe uma récua de machos se elle desse uma sova na mu-
lher, para lhe ter respeito. Elle dizia que não tinha motivos para lhe
bater, e dizia-lhe a mãe: "Motivos sempre ha; olha, em ella indo fa-zer a açorda, quando ella pizar o alho e saltar para o chão, ella há-de
apanhal-o e deital-o para o gral, e então começas a ralhar e das-lhe
uma sova."
Bem; elle no outro dia foi ver quando ella estava a pizar o alho, sal-
tou-lhe effectivamente, mas ella em logar de o apanhar foi buscar o
outro e disse: "Por causa de um alho não se desmancha uma alha-
da.". E d'esta maneira elle não lhe disse nada.
No outro dia foi a casa da mãe e esta perguntou se já tinha dada a
sova, ao que elle respondeu que não, e contou o que se tinha passa-
do.-"Pois olha, amanhã vae á praça, compra uns peixes e leva-os pa-
ra casa, vae-te embora, não lhe digas como o queres e á noite,
quando vieres, se ella os tiver fritos, diz lhe que os querias assados; e ahi tens jà um motivo para lhe bateres."
Elle assim fez: comprou os peixes, trouxe-os e não lhe disse nada. El-
la quando viu o que elle tinha trazido ficou muito afflicta, porque não
sabia como elle gostava; poz-se a pensar e disse para consigo: faço-
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
121
lhos de differentes maneiras. Quando eram quasi horas de vir o mari-
do pôz a meza, como era costume, e pôz os pratos com os peixes e
tapou os pratos.
Quando veio, foram a cear; ella destapou um dos pratos e elle disse:
- "Então, fritos?" - e ella respondeu: "Encomo os querias, assados?"
- "Ora, assados!"
"Então como os querias?
- "Cozidos".
Ella destapou um dos pratos e disse:
- "Aqui os tens cozidos"
E elle: "Ora já vejo que é impossível o que a minha mãe quer!" e ex-
plicou-lhe o que era.
- "'E só isso? então arranja-se bem; olha, põe a albarda do burro no
meio da casa e com um pau começa a bater-lhe; eu grito muito e
chóro, fingindo que eu é que eu que estou levando a sova".
Assim fizeram; os visinhos, que ouviram aquelle lavarinto, começa-
ram a bater-lhe á porta, mas elle não quiz abrir. Foram chamar a
mãe, que viesse accudir á nora, que o marido a ia matar. Veio logo a
mãe e começou muito zangada a dizer-lhe que abrisse a porta. Elles
esconderam a albarda e a mulher deitou-se no meio da casa, fingindo
que estava muito doente.
Aberta a porta, a mãe começou a ralhar muito com elle e disse-lhe:
"Pegue em sua mulher e leve-a para a cama, e venha comigo para
trazer uma gallinha para lhe fazer caldos. E com a gallinha veio o di-
nheiro para os machos.
(Elvas)
A. THOMAZ PIRES.
em: www.humortadela.com.br/humor/0/view.php?cnl=c...
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
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CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
XIV - "Faze tu bem Não cates a quem."
Por A. Thomaz Pires
Elvas
In Tradição II vol. Anno V, Nº 2, Serpa, Fevereiro de 1903, Volume V, pp. 31 e 32
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
i.zdnet.com/blogs
"Faze tu bem Não cates a quem."
"Era uma vez um homem muito rico e não se assentava á mesa sem
lá ter um pobre. Um dia não apparecia nenhum pobre e o diabo côxo
do inferno foi bater á porta e pediu uma esmola.
- O' pobresinho, veio a boa hora, entre.
E para se seguir o costume da casa, o criado foi lavar os pés ao po-
bre; viu que elle tinha os pés redondos, e disse para o amo - que vis-
se com quem se assentava à mesa, pois que o pobresinho tinha pés de cabra.
O amo disse: - "Deixa, faze tu bem, não cates a quem."
Veio o pobresinho, comeu muito bem e depois de acabar de jantar
disse:
- "Sempre lhe quero dizer que em se vendo n'alguma afflição brade
pelo diabo côxo do inferno."
Houve depois muitas guerras e prenderam o homem; esteve na pri-
zão muitos annos, e lembrando se do tempo em que fazia tanto bem
aos pobres, recordou-se do diabo côxo do inferno. Bradou por elle e
appareceu-lhe logo, dizendo:
- "Então ainda agora é que te lembraste de mim? Monta-te ás minhas
costas e dize: anda diabo para diante, que eu te livro da prizão." E assim foi.
(Elvas)
A. THOMAZ PIRES.
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
123
Universidade Católica Portuguesa http://www.ucp.pt/site/resources/documents/CEPCEP/coleccao11.pdf
Contos Populares Alentejanos recolhidos da tradição oral, António Thomaz Pires. Colectânea, edição crí-tica e introdução de Mário F. Lages, 2ª edição aumentada, Lisboa, 2004, 198 p. (Estudos e Documentos,
11)
ISBN 972-9045-01-1
purl.pt
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
124
skoob.com.br/meus_livros
Uma ideia de 1641 - VER:
Sinopse
Nesta obra, o estudante Cléofas descobre um Diabo Coxo encerrado
na redoma de um mágico e o liberta. Agradecido, o diabinho leva seu
libertador pelos ares, parando em muitas cidades espanholas e mos-
trando o que ocorre em cada uma delas. A ação ocorre toda em terri-
tório espanhol, embora o autor evoque também deuses da mitologia
greco-romana. Datado de 1641, O Diabo Coxo (El Diablo Cojuelo), escrito por Luis
Vélez de Guevara (1579-1644) é um texto cômico à primeira vista.
Parece uma grande sátira contra a sociedade da época. Na verdade,
pode até sê-lo, mas é antes de tudo uma crítica irônica e mordaz
contra os costumes sedimentados e estagnados pela falsidade e hipo-
crisia de uma sociedade que não admite aberturas, que cerceia novas
experiências e saltos pioneiros para formas inovadoras, com relação
ao comportamento moral e social.
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
125
CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
XV - "O Sonho"
Por A. Thomaz Pires
Elvas
In Tradição II vol. Anno V, Nº 3, Serpa, Março de 1903, Volume V, pp. 40 a 47 (série de 12 contos)
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
O Sonho
"ERA uma vez um rei que tinha tres filhas e todos os dias lhes per-
guntava o que tinham sonhado, e uma vez a mais nova disse-lhe que tinha sonhado que ainda havia de ser rainha, dar beijamão, e que
havia de recusar a mão ao pae.
O pae, assim que a filha lhe disse isto, nunca mais a poude ver, e
pensou em matal-a.
Um dia mandou preparar um trem, mandou metter a filha dentro e
disse ao creado que a levasse para um escampado e que a matasse e
que lhe levasse a lingua d'ella.
Ella levava um canzinho. Ao chegar ao escampado, o creado mandou-
a descer do trem e disse-lhe:
- Real senhora, o seu pae manda-me matal-a, mas eu tenho muita
pena de a matar e não a mato; mato antes o canzinho e levo-lhe a
lingua.
Ella disse: - Mata-me.
Mas elle matou o cão, tirou-lhe a lingua e foi-se embora, deixando a
princeza no escampado. O pae quando recebeu a lingua ficou muito
satisfeito.
A princeza anoitecia e amanhecia nos campos e um dia metteu-se
n'um bosque muito fechado onde não havia senão bichos, e tão farta
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
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estava de viver que ia ter mesmo com os bichos para a tragarem;
mas os bichos cheiravam-n'a e fugiam d'ella, e ella dizia:
- Sou tão má que até os bichos fogem de mim!
Uma noite viu ao longe uma luz e foi direito a ella. Foi ter a um pala-
cio e, como estava a chover, entrou e escondeu-se de traz do portão.
A' hora da meia noite viu entrar um gigante muito feio, e ella teve
tanto medo que tapou a cara.
O gigante assim que entrou, disse:
- Cheira-me aqui a carne humana; e disse-lhe: Levanta-te.
E ella levantou-se, e depois ajoelhou e pediu-lhe perdão. - Quem te trouxe aqui? - A minha desgraça, - respondeu ella.
- E quem és tu?
Ella cantou-lhe o que se tinha passado com o pae. E depois o gigante
mandou-a subir e levou-a a uma casa onde havia todas as qualidades
de comida e fêl-a comer.
Depois levou-a a um quarto com uma cama preparada e disse-lhe:
- Este quarto é o da menina; aqui ninguem lhe ha de tocar; a menina
fica sendo minha filha e amanhã lhe digo o serviço que ha de fazer. E
foi-se embora.
No outro dia quando se levantou appareceu-lhe o gigante e disse-lhe
que fosse almoçar.
Depois do almoço disse-lhe que lhe queria dar um serviço a fazer e levou-a a uma casa que estava rodeada de gaiollas de passarinhos.
- O serviço que te dou a fazer, é tratar d'estes passarinhos todos,
mas cautela não deixes fugir algum.
Estava lá um de que ella gostou muito, e levava horas esquecidas a
brincar com elle; mas um dia fugiu-lhe e ella teve um grande desgos-
to; chorou todo o dia e á noite veio o gigante e disse-lhe:
- Que tens tu, estás doente?
- Não, meu pae, não estou doente, o que tenho é um grande desgos-
to porque o passarinho verde fugiu.
- Não tenhas desgosto, que eu é que lhe dei licença; mais tarde tu o
verás.
Um dia chegou um cavalheiro ao palacio e bateu á porta.
Ella disse-lhe que não lhe abria a porta porque não estava lá o pae. Depois veio o pae e levou o cavalheiro para a sala, chamou-a a ella e
disse-lhe:
- Este senhor vem a pedir-te para casar, é o principe de tal parte.
Depois trataram do casamento; o gigante era rei de sete reinados e
no dia do casamento deu quatro á filha e fez convite para todos os
reis irem ao casamento.
No dia do casamento o principe apresentou-se todo vestido de verde
e ella lembrou-se do passarinho que tinha fugido, o qual passarinho
era o principe que estava ali encantado.
O principe e a princeza, que já eram reis, subiram, depois do casa-
mento, ao throno, e todos os convidados foram beijar a mão á rai-
nha, onde tambem foram as irmans d'ella e o pae, e quando este ia a
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
127
beijar a mão, ella recusou a mão ao pae, e a elle deu-lhe um desmaio
e cahiu das escadas do throno, e depois aclarou-se tudo.
Seja Jesus louvado, que é meu conto acabado.
(Elvas)
A. THOMAZ PIRES.
(Relacionar à frente com o nº 17 - O Passarinho Verde - e...)
lengalengas.wordpress-o-passaro-verde/Editorial Caminho
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CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
XVII - "o passarinho verde"
Por A. Thomaz Pires
Elvas
In Tradição II vol. Anno V, Nº 3, Serpa, Março de 1903, Volume V, pp. 40 a 47 (série de 12 contos)
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
in - passarinhoverdeartesanato
o passarinho verde
"Era uma vez um rei e uma rainha e tinham uma filha que nunca quiz
namorar; não tinha distracção nenhuma, mais que ir todos os dias ao
mirante: um dia viu vir um bando de passarinhos onde vinha um pas-
sarinho verde, que, poisando no mirante começou a brincar com a
princeza.
A princeza estava-se penteando e o passarinho roubou-lhe a fita do cabello e voou.
A princeza riu muito. No outro dia, ainda mais cedo, já ella estava no
mirante, á espera do passarinho, que veio, poisou no mirante, pôz-se
de brincadeira com a princeza, roubou-lhe o pente e fugiu.
Ao terceiro dia roubou-lhe o lenço, e nunca mais appareceu em ne-
nhum dia.
A princeza começou com um grande desgosto e nunca mais sahiu do
quarto.
O rei mandou deitar um bando (brado?), que toda a pessoa que fi-
zesse rir a princeza lhe dava uma tença.
Ninguem fazia rir a princeza; um dia foi lá um velho que andou á ro-
da da cama da princeza a fazer-lhe graças para ella se rir, mas a princeza, já muito zangada, mandou pôr o velho fóra do quarto.
Quando o velho foi para casa, disse lhe a velha, que era a sua mu-
lher:
- "Então, fizeste rir a princeza?"
- "Nem rir, nem chorar."
- "Então vou lá eu amanhã".
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
129
A velha no outro dia foi, e no caminho encontrou um muro com mui-
tos buracos á roda.
- "Que diantre será aquillo?" disse a velha, "deixa-me ir a ver o que é
aquella novidade, para levar á prmceza".
Chegou ao muro, assomou, olhou lá para baixo e viu vir um bando de
passarinhos onde vinha um verde, a dizer:
"Fita, lenço e pente,
Quem me dera agora ver
Quem de mim está ausente;
Tres vezes trema o palacio, E o palacio não tremeu."
A velha ouviu isto e foi-se embora. Chegou lá ao palacio, pediu licen-
ça para entrar e depois andava á roda da cama a dizer graças, e a
princeza sem se rir, até que a velha se lembrou do muro e disse:
- "Real Senhora, vou-lhe contar uma coisa", e esteve-lhe a contar o
que viu.
A princeza começou-se a rir e a dizer:
- "Conta, bôa velha".
Começaram logo a tocar os sinos com a alegria da princeza fallar.
Depois a princeza disse para a velha:
- "Leva-me lá, ao tal muro". E foram lá.
Depois a princeza olhou para baixo e viu vir o bando dos passarinhos
onde vinha o verde a dizer:
"Fita, lenço e pente,
Quem me dera agora ver
Quem de mim está ausente;
Tres vezes trema o palacio,
E o palacio não tremeu."
E a princesa morreu
Ou estará presente?"
- "Estou presente" disse a princeza.
Ouviu-se depois um estalo muito grande e o passarinho desencantou
se e appareceu um principe que casou com a princeza, e a velha ficou no palacio.
(Elvas)~
A. THOMAZ PIRES.
-------
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
130
Ver atrás o outro conto desta série - 38 TPires15 - O SONHO:
joraga.net/contos
----------------- Ver relacionando, uma possível
LEITURA do Passarinho Verde: gramadosite
A lenda do passarinho verde
Não importa se o passarinho é verde, amarelo ou rosa. Depois que ele passa, de
repente, fica tudo azul! A expressão é tão antiga quanto sutil, mas geralmente quem viu passarinho verde está, digamos, "muito bem, obrigado", na vida afetiva.
Reza a lenda que, antigamente, românticos rapazes adestravam um periquito verde
da espécie psitacídeo para que ele levasse no bico uma carta de amor para a mu-
lher amada. O pássaro servia para burlar a vigilância dos pais ranzinzas da moça,
que desfilava depois pela casa com aquela cara de quem viu passarinho verde... Quando a pessoa parece deslumbrada, como se tivesse visto algo muito raro (como
um passarinho verde, por exemplo!), todos ao redor já ficam se perguntando: o
que teria acontecido de tão bom que a deixa tão feliz? Hummm... a gente sabe que
tem gente por aí que já está sonhando com o passarinho verde só de pensar! A fisionomia de quem viu o tal do passarinho verde é inconfundível: os olhos bri-
lham, o sorriso brota fácil no rosto e a disposição para a vida - e até para a rotina -
é incrível! O cuidado consigo mesmo e a auto-estima vão lá para cima. A cor verde
significa esperança e boas notícias, como aquelas que o periquito levava no bico para as apaixonadas, nos tempos de amores proibidos.
Tudo bem que hoje em dia quase tudo é permitido, mas ainda tem muito passari-
nho verde solto por aí! Essa ave é rara e nem sempre sobrevoa o mesmo céu todos
os dias. Por isso, atreva-se! a segurar o passarinho na gaiola para não deixar o
tempo fechar na sua vida afetiva! Que a satisfação nas relações amorosas reflete nas outras áreas da vida cotidiana
ninguém pode negar. A insatisfação também. Então, não dá para vacilar. Sabe o di-
tado aquele: "Mais vale um pássaro na mão do que dois voando"? Pois é... tem
passarinho verde pousando por aí? Saiba que ele pode ficar até mais verde se for bem cuidado! Use sua criatividade para alçar vôos mais altos...
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
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CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
XVIII - "o camponez"
Por A. Thomaz Pires
Elvas
In Tradição II vol. Anno V, Nº 3, Serpa, Março de 1903, Volume V, pp. 40 a 47 (série de 12 contos)
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
A Nobreza - planetaeducacao
o camponez
"Era d'uma vez um camponez, que estava n'uma herdade. O rei an-
dava á caça e perguntou-lhe de que vivia:
- Vivo do meu trabalho, com doze vintens por dia; devido os em tres
partes, a primeira com os meus velhos paes, que já não podem tra-
balhar, a segunda com o meu sustento e de minha mulher, e a tercei-
ra dou-a a juros, isto é, aos meus filhos.
O rei gostou da resposta e disse ao camponez que não dissesse a ninguem como dividia os doze vintens, sem ver cem vezes a cara do
rei.
Elle assim prometteu.
Já no palacio o rei mandou chamar os fidalgos e perguntou se eram
capazes de saber quem era o homem que dividia todos os dias os do-
ze vintens que ganhava em tres partes, e como os dividia.
Os fidalgos começaram a dar voltas á imaginação até que descobri-
ram quem era o homem e foram ter com elle. Elle não queria dizer de
maneira nenhuma como dividia os doze vintens; mas os fidalgos tan-
to teimaram que elle disse:
Só declaro isso se me derem cem moedas d'ouro.
Os fidalgos não tiveram mais remedio senão dai-as, e elle disse como dividia os doze vintens.
Foram para o palacio e disseram ao rei.
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
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O rei mandou logo chamar o camponez:
- O' maroto! então tu descobriste-te, sem veres cem vezes a cara do
rei?
- Vi-a, vi-a, em cem moedas d'ouro que os fidalgos me deram.
- E's muito esperto, disse o rei. E perguntou-lhe que tença queria?
E elle respondeu:
- Quero que cada homem que tenha medo das mulheres me dê cinco
réis.
- Oh homem! tu queres só isso?
- Quero, sim Senhor, quero, e heide-me governar. - Pois mando lançar o pregão.
fotosblogue -CarruagemdeGaladoCondedasGalveias1820
O homem começou a enriquecer com a dança dos cinco réis e já an-
dava de carruagem.
Um dia estava o rei á janela e passou elle. O rei mandou parar a car-
ruagem e elle entrou, e o rei perguntou-lhe:
- Como pódes tu estar assim, só com 5 réis de cada homem que te-
nha medo das mulheres?
Depois o homem começou a contar-lhe que no caminho vira uma
princeza muito bonita… N'isto ia passando a rainha e o rei disse:
- Fala baixo, baixo, que vem ahi a rainha.
- Ai, tambem Vossa Real Magestade? Ora salta para cá 5 réis.
numisgaia.com/cubecart
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
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E o rei deu-lhos, e o homem ainda continúa na dança de apanhar 5
réis a cada marido que tem medo da mulher.
(Elvas)
A. THOMAZ PIRES.
-------------------------------
Ver também in Histórias Maravilhosas do Oriente, de Pearl S. Buck:
1º conto "A história de Wali Dâd o de coração simples"
ou o "Segador de Erva…" que ganhava conco meios dinheiros por dia… e poupava meio dinheiro… até que… http://www.alfarrabista.com/edicao-detalhe.php?idEdicao=1025960
Pearl S. Buck - Ganhou o Prémio Pulitzer de 1932, recebeu o Nobel
de Literatura de 1938.
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
134
CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
XVI - "o baguinho de milho"
Por A. Thomaz Pires
Elvas
In Tradição II vol. Anno V, Nº 3, Serpa, Março de 1903, Volume V, pp. 40 a 47 (série de 12 contos)
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
druidadovento.blogspot
O Baguinho de Milho
"Era uma vez uma mulhér e um homem que queriam ter um filho
ainda que não fosse senão do tamanho de um bago de milho, e a
mulher teve um filho d'esse tamanho, fazendo-lhe assim Deus a von-
tade. Um dia o filho quiz ir levar o jantar ao pae e a mãe deixou-o, e
elle foi com a cestinha.
Chegou lá, entregou o jantar ao pae, e elle, o baguinho de milho, foi-
se pôr em cima de uma couve, mas veio um boi e comeu-o. E depois elle começou a gritar lá de dentro da barriga do boi:
- Pae, mate o boi, que eu dou-lhe dinheiro para tres ou para quatro.
O pae matou o boi e sahiu o baguinho.
E depois o baguinho foi-se a correr mundo, e chegou lá a uma casa
onde estavam uns ladrões e disse o capitão:
- Fechem bem as portas não ouça alguem.
E começaram a repartir o dinheiro dos roubos. O baguinho pôz-se no
meio da mesa.
Um dos ladrões deu-lhe um encontrão, foi ter a uma parede o bagui-
nho de milho e pôz-se aos gritos:
- Não me empurre, não me empurre!
E pôz-se outra vez no meio da mesa. Feitos os repartimentos, disse o baguinho de milho:
- Ainda falta um quinhão.
Respondeu o capitão:
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
135
- Ainda falta um quinhão? Elles já todos teem.
Mas pôz uma bolsa em cima da mesa para quem a quizesse apanhar.
Diz o baguinho de milho:
- Não é para quem a quizer apanhar, que é para mim.
E depois foram jantar.
Elle tambem quiz jantar e deram-lhe de jantar. Depois o baguinho de
milho metteu-se dentro da bolsa e foi rebolando para casa da mãe a
dizer ao pae que elle bem lhe tinha dito que lhe arranjava dinheiro
para tres ou quatro bois.
Depois ficaram muito contentes, e está o meu conto acabado.
(Elvas)
A. THOMAZ PIRES.
--------------------------------
Ver também:
Ministério da Educação - Caderno de Histórias - Poesias - Lengalengas - Adivinhas – Canções
recursos/actividades_prescolar
CENTRO DE ESTUDOS DOS POVOS E CULTURAS DE EXPRESSÃO PORTUGUESA
Contos Populares Alentejanos recolhidos da tradição oral, António Thomaz Pires. Colectânea, edição crí-tica e introdução de Mário F. Lages
2ª edição aumentada, Lisboa, 2004, 198 p. (Estudos e Documentos, 11) - ISBN 972-9045-01-1
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136
CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
XIX - "Não me cortes o cabello Que meu pae me penteou."
Por A. Thomaz Pires
Elvas
In Tradição II vol. Anno V, Nº 3, Serpa, Março de 1903, Volume V, pp. 40 a 47 (série de 12 contos)
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
Não me cortes o cabello Que meu pae me penteou.
"Era uma vez um homem e uma mulher e tinham uma filha, e o ho-
mem e a mulher foram á missa, e a mãe disse para a filha que ficas-
se para guardar os figos e que não os deixasse apanhar dos passari-
nhos. A filha foi para a varanda a guardar os figos e deixou comer um
e metade d'outro.
Quando veio a mãe, ella estava a chorar.
- Então quantos figos comeram os passaros?
- Comeram um e metade d'outro.
- Deixa estar que não m'as ficas perdendo.
Fez uma cova no quintal e disse para a filha que se mettesse ali den-
tro pois queria semear um batatal do tamanho d'ella. Ella metteu-se, e a mãe deitou-lhe terra para cima e ali ficou.
Veio depois o marido:
- Então a Maria?
- Foi para a mestra.
No outro dia:
- Então a Maria?
- Foi a um mandado.
Um dia o marido disse para um creado:
- Vae ao quintal colher herva para os cavallos.
O creado foi e começou a ceifar.
Chegou lá a um ponto e ouviu de debaixo da terra:
Não me cortes o cabelo
Que meu pae me penteou, A minha mãe me arrastou,
N'esta cova me deitou,
Por via d'um passarinho.
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
137
O creado foi a contar ao amo; o amo mandou cavar ali e appareceu-
lhe a filha.
Perguntou-lhe quem a tinha ali mettido.
Ella confessou a verdade, e elle mandou atar a mãe da rapariga ao
rabo d'um cavallo e correu com elle por montes e valles.
Está o meu conto acabado.
(Elvas)
A. THOMAZ PIRES. --------------------------
Em filme de Margarida Gil, 2002
cinema.sapo
«"Não me cortes o cabelo que o meu pai me penteou" é uma colagem de dois con-
tos tradicionais presentes na antologia de Contos Tradicionais Portugueses organi-zada por Carlos de Oliveira e José Gomes Ferreira; O primeiro com o mesmo nome
e o segundo chamado "A dona Maria ".
A situação de partida é de uma extrema crueldade, própria aliás dos contos tradici-
onais. Uma mãe mata a própria filha que depois renasce em forma de fantasma pa-
ra (não) casar com o príncipe.»
----------------------------------------
Pode Ver este conto ilustrado e Ouvir em:
kids.sapo.pt/brincar/historias/contos
Ver ainda:
estacaocapixaba
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138
CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
XX - "As pretas"
Por A. Thomaz Pires
Elvas
In Tradição II vol. Anno V, Nº 3, Serpa, Março de 1903, Volume V, pp. 40 a 47 (série de 12 contos)
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
retalhosdearte
As pretas
"Era d'uma vez duas pretas e moravam juntas. Uma tinha um filho e
a outra uma filha. Depois os filhos foram crescendo e diz uma das
pretas para a outra:
- Os nossos filhos já estão muito crescidos e parece mal andarem a
brincar os dois juntos e então tu ficas aqui e eu vou morar para muito
longe.
E lá foi a comadre Cizerina com sua filha Juliana a morar para muito
longe.
O Manel, o filho da outra preta, nunca mais quiz comer.
Dizia-lhe a mãe:
- Anda, Manel, toma um caldinho.
- Nan quér, qu ê quér morrê.
A mulher viu-se tão afflicta, que foi a casa da comadre Cizerina e dis-se-lhe que fosse lá um bocadinho a ver se o Manel bebia o caldinho.
A comadre Cizerina foi e levou su filha Juliana, e esconderam-se as
duas em quanto a mãe do Manel lhe foi dar o caldinho.
- Anda, Manel, toma este caldinho.
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
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- Nan quér, qu'ê quér morrê.
- Anda, Manel, toma o caldinho que está ali a comadre Cizerina com
su filha Juliana.
Elle deu uma gargalhada e disse:
- Sempre vocemecê está fazendo rir a gente; dê cá o caldinho.
Tomou o caldinho e pôz-se bom; e aqui está como se preparou o ca-
samento do Manel com Juliana, a filha da comadre Cizerina.
(Elvas)
A. THOMAZ PIRES.
-------------------------
Pode desenvolver com:
Minerva Universidade de Évora
http://www.uarte.mct.pt/activ/africa15/desenhar/index.asp
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140
CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
XXI - "O parvo"
Por A. Thomaz Pires
Elvas
In Tradição II vol. Anno V, Nº 3, Serpa, Março de 1903, Volume V, pp. 40 a 47 (série de 12 contos)
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
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O parvo
"Era uma vez uma mulher que tinha um filho que era parvo. Um dia
não tinha nada que comer e tinha lá uma carga de lenha e um pato, e
deu-os ao filho para vender e disse-lhe:
- Pede tanto pela lenha como pelo pato.
O filho assim fez. Chegou lá a uma villa, estava uma mulher d'um
almocreve e o almocreve tinha ido fazer uma viagem, e ella tinha lá um hospede que era um padre.
E depois a mulher quiz comprar o pato e perguntou ao rapaz quanto
queria por elle.
- O mesmo que pela lenha.
- Mas quanto queres tu pela lenha?
- O mesmo que por o pato.
O padre disse á mulher que lhe désse o que lhe parecesse. E depois o
rapaz começou a chorar, e diz-lhe a mulher:
- De que estás a chorar?
- Ainda não comi do meu pato.
- Oh rapaz, então tu vendeste o pato e queres comer do pato?
- Mas é que eu ainda não me aqueci á minha lenha.
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
141
http://www.imagensporfavor.com/tag/1/pato+danalt.htm
Depois o padre disse:
- Deixe-o ficar para ahi, elle é parvo.
Ficou e estava n'aquella lamuria: "Ainda não comi do meu pato; ain-da não me aqueci à minha lenha".
Veio o marido, e diz assim a mulher, antes de lhe abrir a porta:
- Então agora como ha de ser isto?
Diz-lhe o padre:
- Ora, escondo-me aqui para este entreforro.
-E então o rapaz?
- Vae tambem.
revistadesafios.blogspot
O rapaz lá no entreforro continuou na mesma lamuria e o homem cá
fóra dizia:
- Parece que temos coisa má em casa.
E a mulher dizia:
- E' verdade, já ha bocadinho que estou a ouvir isto e não posso sa-
ber o que é. Olha, se queres vou chamar além o padre, o nosso com-
padre.
- Pois sim, vae.
E esteve contando ao compadre o que tinha em casa.
O padre veio e andou benzendo as casas e chegou ao entreforro onde
estava o outro padre com o rapaz.
O padre sahiu do buraco com o rapaz ás costas e o outro correu atraz
d'elle com um pau para bater-lhe, mas o padre aparava as pancadas nas costas do rapaz, que berrava como uma cabra, e safou-se da ca-
sa; e o rapaz lá foi para casa da mãe todo choroso.
E está o meu conto acabado.
(Elvas)
A. THOMAZ PIRES.
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CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
XXII- "O baguinho de romã"
Por A. Thomaz Pires
Elvas
In Tradição II vol. Anno V, Nº 3, Serpa, Março de 1903, Volume V, pp. 40 a 47 (série de 12 contos)
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
in - pequenos-jornalistas
O baguinho de romã
"Era uma vez um homem muito velho e tinha um filho que era muito
intelligente e queria ir aprender; depois foi para casa de um homem a
aprender artemagía, e o homem foi fazer uma viagem por muitos di-
as.
O rapaz chamava-se João e o homem entregou-lhe as chaves das ca-
sas todas e disse-lhe:
- Abre as portas todas menos aquella, porque se lá vaes, morres. Elle assim que o mestre se foi embora foi a primeira que abriu e viu
uma casa cheia de livros.
"Há livros e livros! - Toda a gente sabe… Quase se poderia até brincar - (parafraseando a velha história de: há pássaros, passarões, passarinhos, passaroucos, aves de gaiola e papagaios e cucos, milharucos e
pardais cada vez há mais) - dizendo que: há livros, livrinhos, livrecos, calhamaços, cartapácios, enciclo-
pédias, alfarrábios, dicionários, missais, almanaques, incunábulos, manuais, e outros tantos mais … mas… a verdade é que para cada um de nós há quase sempre - um livro especial."
in - paula-travelho
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
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Emquanto o mestre para lá esteve, estudou de noite e de dia e jà sa-
bia tudo. Veio o mestre, elle estava sentado ao sol na varanda e dis-
se-lhe:
-Então, João, que fizeste?
- Estive sentado ao sol.
Depois foi o homem fazer outra viagem ainda por mais dias e elle fez
se n'um pombo e foi a casa do pae esteve-lhe dizendo para o ir bus-
car a casa do mestre; que elle havia de lhe apresentar uma cesta
com uma gallinha e muitos pintos e conhecer d'ali o filho. Que o que
estivesse mais encolhidinho, que esse era o filho. Veio o mestre e disse-lhe:
- Então, João, que fizeste?
- Ora, estive sentado ao sol.
No outro dia foi o homem buscar o filho, e elle apresentou-lhe a cesta
e disse-lhe:
- Se conheces d'ahi o teu filho, leva-o, e senão o conheces fico com
elle.
- Oh senhor! então eu trouxe-lhe o rapaz e apresenta me pintos? Eu
não quero pintos, quero o rapaz.
E olhava para os pintos a ver se via o que estava encolhidinho. Esta-
va muito encolhido debaixo da aza da gallinha. Depois elle disse, o
homem:
- E' aquelle. O mestre tirou-o de dentro da cesta e levou-o lá dentro e
fez-se n'um rapaz.
O homem ficou muito contente e levou-o para casa. E elle disse para
o pae:
- Ganha muito dinheiro comigo porque eu já sei a arte toda.
in - carva55.files.wordpress
Fez-se n'um cavallo, o rapaz, e disse para o pae que o fosse vender á
feira e que lhe tirasse sempre o freio.
Andava lá o mestre, conheceu logo o cavallo e quiz compral-o.
E o homem queria-lhe tirar o freio, mas o mestre não quiz.
Levou-o lá para a cavallariça, com o freio, e deixou-o para lá ficar.
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
144
E depois foi lá um homem a dar agua aos outros cavallos e deu-lhe
tambem a elle e tirou-lhe o freio.
Veio de lá o mestre todo zangado e vê o cavallo feito n'um rapaz; ia a
correr para o apanhar e o rapaz fez-se n'uma rã e saltou logo para a
agua; o mestre fez-se n'um sapo para o ir apanhar; elle fez-se n'um
pombo e foi voando; o mestre fez-se n'uma aguia para o ir apanhar,
e elle fez-se n um annel e foi cahir no collo da princeza.
in - entaotoma.wordpress
A princeza ficou louca de contente e o mestre teve de se ir embora
desgostoso.
A princeza levou o anel para o quarto e tirou-o do dedo. Fez-se logo
n'um rapaz e a princeza ia a gritar e elle disse-lhe que não gritasse,
que elle que sabia muita arte.
E depois a princeza disse- lhe:
-Já não te vás d'aqui embora; cá te ha de vir de comer, não te ha de
faltar nada.
Depois o rei adoeceu. Foram lá muitos medicos. O mestre, que sou-
be, foi tambem, feito medico. Depois disse: - Ponho o rei bom se me der um anel que a princeza traz na mão es-
querda.
O rei disse-lhe que sim, e pôz-se logo bom. A princeza não queria dar
de maneira nenhuma o anel. Foi para o quarto e disse ao rapaz o que
succedia. E elle disse:
- Não se assuste; primeiro finja que não o quer dar e depois atire
comigo ao chão, com o anel, com muita força.
in - apor.wordpress.jose-de-sousa-moura-girao
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
145
No outro dia foi o mestre, o medico: Que queria o anel. Ella primeiro
não o queria dar, depois atirou-o ao chão com muita forca e fez-se o
anel n'uma romã muito aberta, e o mestre fez-se n'uma gallinha com
muitos pintos e comeu a romã, e esqueceu-lhe um baguinho; o ra-
paz, só do baguinho, fez-se n'uma raposa, e comeu a gallinha e os
pintos.
E o rei deu-lhe como recompensa casar com a princeza.
E casou, e estão muito satisfeitos, ainda hontem á noite lá fui tomar
chá, e tão certo como estar o meu conto acabado.
(Elvas)
A. THOMAZ PIRES.
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
146
CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
XXIII- "O compadre Fachica"
Por A. Thomaz Pires
Elvas
In Tradição II vol. Anno V, Nº 3, Serpa, Março de 1903, Volume V, pp. 40 a 47 (série de 12 contos)
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
O compadre Fachica
"Era uma vez um preto e uma preta. Eram muito ricos, e o preto
morreu. Na frente da preta morava um sapateiro e assim que o preto
morreu o sapateiro quiz apanhar
dinheiro á preta. A' noite estava a
preta sentada á chaminé e ouviu
gemer lá em cima.
- Quem é que 'tá ahi?
- Sô eu.
- Quem é tu?
- Sô o compadre Fachica.
- Entã que qués tu? - Trinta mê rés ó vizinhe' sapatêr.
in - cafe-portugal.blogspot
- Vá tu alma escançar, que ámanhã vô pagar ó vezinllo sapatêr.
Pela manhã foi a preta e disse:
- Entã, vézinhe sapatêr, mê Fachica devia cá algum tinta mê rés?
- Devia, sim senhora, mas isso não é pressa.
- Pôs aqui tem, qu'ê na quer qu'o mê Fachica 'teja nas penas do pru-
gatoire.
Na outra noite foi outra vez o sapateiro para cima da chaminé a ge-mer, e que queria que se levasse 30 mil réis ao vizinho sapateiro. E a
preta foi pagar no dia seguinte.
Na terceira noite a mesma dança, mas a preta, escamada, brada para
o alto da chaminé:
Tanto tinta mê rés,
Tanto tinta mê rés,
O' tu alma vá p'r'ó cé'
O' vá p'r'ó infern'
Já nan pago más dinhêr'
O' vizinhe sapatêr'.
in - eb23-diogo-cao
(Elvas)
A. THOMAZ PIRES.
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
147
CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
XXIV - "Eu pequei com um moço"
Por A. Thomaz Pires
Elvas In Tradição II vol. Anno V, Nº 3, Serpa, Março de 1903, Volume V, pp. 40 a 47 (série de 12 contos)
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
in - refoias.net/galeriaFotosAvulsas/monchiqueLinhoTear
Eu pequei com um moço
"Era uma vez um homem e uma mulher que trabalhavam n'um tear.
A mulher era muito beata, todos os dias se ia confessar. Um dia o marido fez-se frade e foi-lhe ouvir a confissão. E ella disse:
Accuso-me, padre,
Que pequei com um moço,
Que pequei com um velho,
Que pequei com um frade.
E depois a mulher quando foi para casa já encontrou o marido metti-
do no tear. Foi-se despir para se metter tambem no tear, e começa o
marido:
Eu pequei com um moço,
Eu pequei com um velho,
Eu pequei com um frade,
E dá-lhe que dá-lhe.
A mulher embatucou e ficou muito triste. Foi a casa de uma visinha buscar um raminho de salsa, e veio de lá com o recado ensinado.
Quando voltou continuava o marido:
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
148
E dá-lhe que dá-lhe,
Eu peguei com um moço,
Eu pequei com um velho,
Eu pequei com um frade.
E ella:
Então tu não foste moco?
Então tu não és velho?
E hoje não foste frade?
Ah! velho, velho, velho,
Que te metto n'um chinello!
(Elvas)
A. THOMAZ PIRES.
in - musicantiga- FradesSecXV
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
149
CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
XXV - "Canta, surron, canta"
Por A. Thomaz Pires
Elvas In Tradição II vol. Anno V, Nº 3, Serpa, Março de 1903, Volume V, pp. 40 a 47 (série de 12 contos)
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
Canta, surron, canta
"Era urna vez uma hespanhola que tinha uma filha, e a filha foi á
fonte buscar uma bilha d'agua e
deixou lá um anelsinho de oiro;
depois foi buscal-o. Encontrou lá
um pobresinho que a metteu
n'um surrão. Depois o pobresinho
foi a pedir com o surrão ás cos-
tas. Chegava ás portas e dizia:
Canta, surron, canta,
Sinó te matarê.
Respondiam lá de dentro do sur-
rão: in - portalsaofrancisco-literatura-infantil-contos-tradicionais
Num surron voy metida,
Num surron morirê,
Por um anelito d' oro,
Que nel pilar quedê.
- Esmola ao pobresinho, dizia o homem.
Chegou lá a uma venda, e a vendedeira, ouvindo o cante, mandou
entrar o pobresinho. Deu-lhe muito de comer e muito vinho e o velho
deixou-se dormir. A vendedeira foi descoser o surrão e encontrou a menina, que contou tudo. O velho foi preso, e a menina foi para casa
da mãe.
Está meu conto acabado e meu dinheiro ganhado.
(Elvas)
A. THOMAZ PIRES.
Ver outra versão - brasileira? - de África? …
portalsaofrancisco.contodtradicionais
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
150
CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
XXVI - "Fezes e postemas"
Por A. Thomaz Pires
Elvas In Tradição II vol. Anno V, Nº 3, Serpa, Março de 1903, Volume V, pp. 40 a 47 (série de 12 contos)
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
catalogo.rcbp.dglb.pt
Fezes e postemas
"Era uma vez um homem e uma mulher. A mulher comprava paios e
morcellas, comprava coisas boas, e quando vinha o marido mettia tu-do no oratorio, debaixo do manto de Nossa Senhora, e dizia ao mari-
do que não comia senão meia duzia de amendoas em cada semana,
uma amendoa por dia. O homem acreditava.
Um dia foi a casa de uma visinha e contou o que se passava.
Diz-lhe a visinha:
- Olhe, faça-se vossamercê morto, e esteja a ver o que ella faz.
Elle assim fez. E depois a mulher tudo era olhar para Nossa Senhora
e dizer:
Fezes e postemas
Só aquella gloriosa o sabe.
E conforme podia, lá ia buscar bocados de paio debaixo do manto de
Nossa Senhora e comia-os.
Até que o marido salta da cama, agarra n'um pau, e ai pai!
(Elvas)
A. THOMAZ PIRES.
Definições:
In wikipedia-Fezes
"Fezes ou excrementos é o material restante após a digestão e absorção dos alimentos pelo tubo diges-tivo dos animais, expelido pelo ânus (ou cloaca) no ato de defecar. A palavra faeces (em latim) é o plu-
ral para o significado de "resíduos". Não existe a forma singular da palavra em português."
In Grande Dicionário da Língua Portuguesa: "Sedimento, borra, resíduos, … // Canseiras, cuidados, trabalhos, desgostos; tristezas; amarguras…
Popular… por vezes há um mau uso como plural de FÉ!!!
Postemas ou apostemas:
1. Abcesso. - 2. Fig. Mancha, nódoa, vício.
infopedia.pt:"fezes: "nome feminino plural - excrementos ou matérias fecais - borra ou sedimento de um - líquido partículas
que se separam dos metais durante a sua fusão; escória - figurado, pejorativo ralé, escória da socieda-
de" - (Do lat. faeces, "id.")
infopedia.pt: "postema [e] - nome feminino - MEDICINA abcesso com pus abundante; apostema"
(De apostema)
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
151
CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
XXVII - "As Macacas"
Por A. Thomaz Pires
Elvas
In Tradição II vol. Anno V, Nº 4, Serpa, Abril de 1903, Volume V, pp. 60 a 64 (série de 8 contos)
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
farm1.static.flickr.com
Ver criatividade com histórias e contos…
aventurasdobau.blogspot.com
As Macacas
"ERA d'uma vez um rei que tinha tres filhos e um d'elles era marrani-
ta ("pessoa que tem corcunda", in DLP, Porto Editora).
Todos queriam casar, mas o pae disse
que fossem correr mundo, e que, dos
tres, casaria aquelle que trouxesse a
bacia mais bonita.
Partiram e chegaram lá a um ponto on-
de havia tres estradas e cada um foi pa-ra seu lado.
O marranita foi andando, andando, e foi
ter a um palacio. Vieram abrir-lhe a
porta muitas macacas, e uma muito pe-
quenina não o largou mais. Puzeram a
mesa para o marranita comer, mas elle
poz se a chorar. Diz-lhe a macaquinha: adoratual.files.wordpress.com-corcunda-de-notredame
- Então porque está a chorar? - Ora meu pae quer que eu lhe leve a bacia mais bonita que houver.
- Não chore, aqui tem o caco das gallinhas.
E quando elle se foi embora metteram-
lhe o caco das gallinhas no alforge.
Chegou lá ao sitio e já vinham os outros
irmãos com umas bacias muito bonitas,
e o marranita muito triste porque só le-
vava o caco das gallinhas. overmundo.com.br
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
152
Foram os tres para o palacio. Estava lá muita gente, muitos fidalgos.
O primeiro que se apresentou foi o mais velho,
depois foi o outro e o terceiro foi o marranita.
Apresentaram as bacias, sendo a do mais velho
de bronze e a do outro de prata, mas o marra-
nita não se atrevia a apresentar o caco das gal-
linhas.
mercadolivre.com.br
O rei teimou com elle, zangou-se, e o marranita viu-se obrigado a
saccar o caco das gallinhas que se transformou n'uma formosa bacia
d'oiro. O rei disse para os outros que quem casava era o marranita.
Elles responderam que não, pois ainda faltava a toalha.
Pois que fossem novamente correr mundo e que casaria quem trou-
xesse a melhor toalha.
O marranita correu logo ao tal palacio
das macacas, e a macaquinha deu lhe a
rodilha da chaminé.
Chegou o marranita ao sitio e já lá esta-
vam os irmãos com toalhas muito ricas.
Foi tirar a rodilha da chaminé para a
mostrar aos irmãos e encontrou uma
toalha côr da rosa. sandramartins.com.br/TOALHA_LAVABO
Foram para palacio. Todas as toalhas eram bonitas, mas a do marra-
nita era a melhor.
- Não ha remedio, disse o rei, quem casa é o marranita.
E encarregou o de escolher noiva e de a apresentar em palacio dentro
de tres dias.
O marranita correu logo a casa das macacas, para ellas lhe escolhe-
rem a Noiva.
-Vou eu, disse a macaquinha.
Poz-se à porta um carro de cortiça e elle metteu-
se dentro com a macaquinha, e as outras maca-
cas e ursos tudo a tocar em instrumentos atraz do
carro.
Chegaram ao tal sitio e estavam lá os irmãos e fi-
zeram grande mangação d'elle.
static.blogstorage /Carrada-de-Cortica
Elle zangou-se, apeou-se do carro e foi beber agua á fonte; quando
se voltou, já não viu os irmãos, mas viu tudo transformado: as maca-
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
153
cas e os ursos eram princezas e principes e a macaquinha era a prin-
ceza mais bonita.
Os dois irmãos iam a caminho do palacio dizendo:
"Ora o rnarranita, a trazer uma companhia de macacas!"
imaginacaoativa.wordpress-azulejos-portugueses-seculo-xvii
"Na azulejaria portuguesa, estas figuras esculpidas foram transformadas em um motivo decorativo mui-
to utilizado não apenas no século XVII mas no seguinte também." "Exemplo de uma Macacaria, "o casamento da galinha", existente no Palácio Fronteira, Lisboa. Todos os
personagens representados, exceptuando a noiva, são macacos."
E riam muito; mas ficaram com grande inveja quando viram chegar o
marranita com a sua noiva, no meio de muitos principes e princezas e
n'um carro todo d'oiro, e serem recebidos pelo rei com grandes hon-
ras.
Casou o marranita, e acabou-se o conto das macacas.
(Elvas)
A. THOMAZ PIRES.
---------------------------------- A remeter para o Corcunda de Notre Dame:
pt.wikipedia.org/wiki/Notre-Dame_de_Paris
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CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
XXVIII - "O diabo também não é mau…"
Por A. Thomaz Pires
Elvas In Tradição II vol. Anno V, Nº 4, Serpa, Abril de 1903, Volume V, pp. 60 a 64 (série de 8 contos)
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
O diabo também não é mau…
"Era d'uma vez um sapateiro muito pobre e um dia comprou uma
cautella e sahiu-lhe a sorte grande.
O homem ficou muito contente e mandou construir um palacio com uma escada de 365 degraus.
viajeaqui - imagens/galeria-piramide-kukulcan
O homem que a fez enganou-se e fez 366 degraus.
Depois foi um pintor a pintar as escadas com as imagens de todos os
santos, mas chegou ao ultimo degrau e não sabia o que havia de pin-
tar, sobrava lhe um degrau, e foi ao amo a perguntar lhe o que havia
de fazer.
- Que pintasse o diabo, respondeu o homem.
O pintor assim fez, pintou o diabo. Depois um criado ia todos os dias acender uma lanterna ao santo d'esse dia; chegou ao ultimo degrau e
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
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foi perguntar ao amo se queria que pozesse a lanterna tambem ao
diabo.
O amo disse que sim, pois o diabo não fazia mal a ninguem, e o cria-
do pôz a luz ao diabo.
Ainda sobrava muito dinheiro ao homem da sorte grande e quiz fazer
uma viagem.
Arranjou um companheiro e foi. Esteve por lá muitos annos com o
companheiro e d'uma vez, quando ia d'uma terra para outra, disse-
lhe o companheiro:
- Então não trouxe nada para comermos? - E' verdade, esqueceu-me.
- Então vamos aqui a uma estalagem.
Perguntaram se havia alguma cousa para se comer, e disseram-lhes
que havia só uns ovos.
- Pois venham os ovos.
Estiveram comendo, e não os pagaram por esquecimento. Quando
chegaram lá áquella terra lembraram-se de que não tinham pago os
ovos.
- Deixal-o, á volta pagaremos.
Quando voltaram foram á mesma estalagem e estiveram a comer, e
quando acabaram disseram para o estalajadeiro:
- Não nos conhece, não é verdade? - Não conheço.
- Então não se lembra de uns sujeitos que ha dias aqui estiveram a
comer ovos fritos?
- Lembro-me, é verdade.
- Pois esquecemo-nos de pagar então os ovos, e agora queremos pa-
gal-os.
Disse-lhe o estalajadeiro:
- E os senhores trazem dinheiro que chegue?
- A quantia não deve ser tão grande, que não nos chegue o dinheiro.
O homem pediu um desproposito pelos ovos.
Elles ficaram assustados e o estalajadeiro disse:
- Então, dos ovos sahem os pintos, e as pintainhas, estas em che-
gando a gallinhas põem ovos de que nascem outros pintos e pintai-nhas, e assim por duvante, de maneira que cada ovo dá um rendi-
mento por hi além.
O da sorte grande não quiz pagar, e veio para a cidade.
O estalajadeiro foi-se a queixar.
Passados dias um recado ao homem para ir ao tribunal.
Elle foi muito encolhido, e estiveram-lhe dizendo que no outro dia ao
meio dia devia de lá estar para uma audiencia e que levasse um ad-
vogado para o defender.
Elle sahiu do tribunal e encontrou um homem muito bem preparado,
muito bem arranjado, que era o diabo em pessoa. Esteve-o cumpri-
mentando e disse-lhe: "Que soube que estava mettido n'um processo
e que ia procurar um advogado, e elle que se offerecia." O homem
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
156
acceitou. No outro dia ao meio dia foi o homem para o tribunal, e o
advogado sem apparecer; o juiz já muito zangado, disse:
- Bem, fica a audiencia para amanhã, á hora do meio dia.
eagorajose.com/blog-advogado-do-diabo
N'isto entrou o advogado e o juiz perguntou-lhe porque se tinha de-
morado. E elle disse: que sabia que a audiencia era ao meío dia, mas
tivera uma desordem com os criados e por isso não podera vir mais
cedo". Eu lhe conto o caso: "Eu mandei cozer grãos para o jantar; os
grãos não se queriam cozer e os meus criados tambem não os queri-
am comer, e foi por isso que eu fiz uma briga, até que mandei seme-
ar os grãos."
Diz-lhe o juiz:
- Então, grãos depois de cozidos, semeiam-se?
- E ovos depois de fritos deitam pintos?
- E' verdade, está o homem livre, pode-se ir embora. E o homem agradeceu ao diabo, e este disse que lhe tinha accudido
por fazer tanto caso d'elle como fazia dos Santos.
(Elvas)
A. THOMAZ PIRES.
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
157
CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
XXIX - "S. Benedicto"
Por A. Thomaz Pires
Elvas
In Tradição II vol. Anno V, Nº 4, Serpa, Abril de 1903, Volume V, pp. 60 a 64 (série de 8 contos)
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
S. Benedito - o Santo Negro - O Santo Mouro…
cantodapaz.com.br/-sao-benedito-santo-mouro
S. Benedicto
"Havia uma viuva rica que tinha uma filha, e desejava casal-a. Para
isso ia todos os dias á egreja a rezar por muitas horas diante da ima-
gem de S. Benedicto, advogado dos casamentos d'aquella terra.
O sacristão começou a reparar na grande devoção da viuva e pensou
logo em ser pedido ao santo para casamento.
novaaguia.blogspot
Um dia foi collocar-se detraz do santo para escutar a supplica da viu-
va e ouve:
-S. Benedicto, dá um bom marido a minha filha e casa-a depressa.
O sacristão diz de traz do santo, em voz sumida:
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
158
- Casa-a com o sacristão.
- Oh santo bemdito! Muito agradecida! Um anno inteiro has-de ter a
lampada accesa por minha conta.
No dia immediato mandou chamar o sacristão e offereceu-lhe a filha
em casamento, o que elle acceitou ás mãos ambas.
No dia em que a filha fazia um anno de casada, entra a viuva egreja
adentro, chega ao altar do santo e diz-lhe em voz alta:
"Santo Benedicto,
Santo Marau
o que tu precisavas Era umas azas de pau.
"Santo Benedito,
Santo Pandilha,
Como tens a cara
Assim deste marido
A minha filha".
O sacristão tinha jogado a fortuna da viuva.
(Elvas)
A. THOMAZ PIRES.
"E lá foi tudo p'ró galheiro…" "Foi tudo por água abaixo…"
kirux.files.wordpress-viuva-rica-solteira-nao-fica
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
159
CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
XXX - "Os tres gallinhos"
Por A. Thomaz Pires
Elvas
In Tradição II vol. Anno V, Nº 4, Serpa, Abril de 1903, Volume V, pp. 60 a 64 (série de 8 contos)
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
estadao.com.br-galinhosdebarcelos
Os tres gallinhos
"Era uma vez uma mulher casada com um
almocreve, e o almocreve foi fazer uma via-
gem. e ella convidou para lá um frade, e a
mulher tinha tres gallinhos. O frade foi-se
embora e quando veio o marido, estavam a
cear, e começou o primeiro gallinho:
joraga.net/gilvicente/imgs_Almocreve
"Esta noite dormiu cá um frade;
Esta noite dormiu cá um frade".
fabulas1.blogspot.com-galo-desacertado
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
160
A mulher, no outro dia, logo que o marido se foi embora matou o gal-
linho.
O marido foi para outra viagem e o frade teve novo convite.
Quando o marido regressou, á noite, á ceia, começa o segundo galli-
nho:
"A meu irmão mataram-n'o
Por dizer as verdades;
A meu irmão mataram-n'o
Por dizer as verdades".
No outro dia, é claro, o gallinho pateou.
"Mulher Beata, Mulher Velhaca" proverbiospedra.blogspot.com
A' terceira viagem do marido, novo convite ao frade, e ao regressar o
almocreve, á hora da ceia, começa o terceiro gallinho:
"Quem aqui houver de morar
Ha de ouvir, ver e calar;
Quem aqui houver de morar,
Ha de ouvir, ver e calar".
(Elvas)
A. THOMAZ PIRES.
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
161
CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
XXXI - "O gigante"
Por A. Thomaz Pires
Elvas
In Tradição II vol. Anno V, Nº 4, Serpa, Abril de 1903, Volume V, pp. 60 a 64 (série de 8 contos)
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
livrariaresposta.com.br
O gigante
(e o Colhereiro)
"Era uma vez um colhereiro e tinha tres fi-
lhas e foi buscar madeira a um carvalho;
appareceu-lhe um gigante e deu lhe muito
dinheiro e disse-lhe que a primeira pessoa
que encontrasse em casa que lh'a havia de
levar.
www.sebiexpress.ch/expressinho.htm
Encontrou a filha mais velha, levou-a ao gigante e este levou-a para
um palacio e poz-lhe um cordão ao pescoço e disse-lhe que abrisse
todas as portas menos uma. O gigante foi para uma caçada e ella foi
logo abrir a porta prohibida e viu dentro da casa muita gente morta;
fez-se-lhe logo o cordão todo negro.
Tornou a fechar a porta e quando o gigante veio, viu-lhe logo o cor-
dão negro, matou-a e metteu-a na tal casa.
Quando o homem foi outra vez a buscar madeira appareceu-lhe o gi-
gante e deu-lhe outra bolsa com dinheiro. O homem perguntou-lhe pela filha.
- Está muito triste; devia trazer-lhe a outra filha para a restrahir.
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O homem levou a segunda filha, e a esta succedeu o mesmo que á
mais velha, foi morta pelo gigante.
Depois foi a filha mais moça; mas essa quando o gigante se foi em-
bora e lhe disse que abrisse todas as portas menos aquella, tirou o
cordão do pescoço. Viu lá muita gente morta e muita gente ferida e
esteve curando as irmans que ainda não estavam mortas.
O gigante demorou-se muitos dias na caçada e as irmans iam melho-
rando; estavam já quasi boas quando regressou o gigante. Não lhe
viu o cordão negro e ficou contente
- Bem, temos mulher, disse o gigante, - e foi para outra caçada e ao voltar, tambem não lhe viu o cordão negro. Começou a gostar muito
d'ella, a fazer-lhe todas as vontades e um dia ella pediu-lhe para ir
levar um pote d'assucar a casa do pae.
Ella metteu a irmã mais velha no pote, e lá foi o gigante com o pote
ás costas, e ella foi para o mirante e dizia-lhe de lá:
- Eu bem te vejo, - e elle olhava para traz e ria-se para ella.
Chegou lá a casa do pae entregou o pote de assucar e veio-se embo-
ra.
Passado tempo levou segundo pote d'assucar em que ia a segunda
irmã. E depois ella, a mais nova, mandou fazer uma boneca, vestiu a
com o seu fato e pô-la lá no mirante - e pediu ao gigante que fosse
levar um pote de macarrão ao pae; metteu-se dentro do pote e ia di-zendo lá dentro:
- Eu bem te vejo.
O gigante olhava para o mirante, via a
boneca e julgava que era ella. Entregou o
pote de macarrão e veio a correr. Quan-
do cá chegou foi ao mirante e encontrou-
se com a boneca. Zangado, foi a casa do
homem buscar a filha mais moça para
casar com ella, mas o pae e as filhas já
tinham abalado para fóra da terra com
medo do gigante. em: www.josepardal.com/site/blog/
E conto acabado, dinheiro ganhado.
(Elvas)
A. THOMAZ PIRES.
------------------------------- Ver também: O COLHEREIRO
Adolfo Coelho "Contos Populares Portugueses"
truca.pt/raposa_textos/historia_100_colhereiro
virtualandmemories.blogspot.com/2009/08/artes...
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
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CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
XXXII - "Os gallegos"
Por A. Thomaz Pires
Elvas
In Tradição II vol. Anno V, Nº 4, Serpa, Abril de 1903, Volume V, pp. 60 a 64 (série de 8 contos)
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
cyberteca.files.wordpress.natal_evolucao1
Os gallegos
"Era d'uma vez uns poucos de gallegos e fizeram uma procissão a S.
Nicolau, e quando iam no meio da procissão esqueceram-se do nome
do santo. Começaram uns a dizer:
- Será pescada? Será atum? Será bacalhau?
- Sim, sim, sim, bacalhau, S. Nicolau.
Vá a procissão adiante, que já lembrou o nome do santo.
(Elvas)
A. THOMAZ PIRES.
capuchinhos.org/siteantigo/vocacional/sal_terra/frei_matias2
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
164
Ver também nesta série de CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS:
1. "Dois Galegos" por A. Alexandrino
2. "Três Gallegos a falar à política" - por A. Alexandrino
Anedotas alentejanas (AlentejANEDOTAS):
ANEDOTA - em: www.wook.pt/.../anedotas-alentejanas/a/id/225890:
«Estavam dois Alentejanos e um galego. Um dos alentejanos diz as-
sim: - O pensamento é a coisa mais rápida do mundo, basta uma pessoa
pensar e já está.
Vai outro e diz assim:
- Não, a coisa mais rápida do mundo é a electricidade. Basta uma
pessoa ligar o interruptor e acende-se logo a luz.
Vai o galego e diz:
- Não senhora, estão todos enganados. A coisa mais rápida do mundo
é a caganeira. Veja lá que eu esta noite não tive tempo para pensar
nem tão pouco para acender a luz e caguei-me todo.
Anedotas ALENTEJANAS na Internet:
http://www.joraga.net/pags/77altjanedotas.htm
anedotas.aborla.net
amar-ela.com/anedotas-alentejanas
orgulhoseralentejano.paginas.sapo.pt
tudoben.com/diversao/anedotas
miguelroque.com.sapo.pt/anedotas
loucuraerisosemjuizo.planetaclix.pt/alentejanos
anedotas.rir.com.pt/anedota_de_alentejanos
portugal-tchat.com/forum/4952-anedotas-alentejanas
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
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CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
XXXIII - "O lavrador"
Por A. Thomaz Pires
Elvas
In Tradição II vol. Anno V, Nº 4, Serpa, Abril de 1903, Volume V, pp. 60 a 64 (série de 8 contos)
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
O lavrador
"Era uma vez um lavrador e uma lavradora. O lavrador era muito
medrozo e tinha umas passas de figo que não queria que lh'as tiras-
sem.
Andavam lá uns homens que lhe queriam tirar as passas de figo, e
embrulharam-se n'um lençol com uma cabaça á cabeça, um chocalho
ao pescoço e uma luz dentro da cabaça, e começaram a cantar:
"Quando nós eramos vivos
Comiamos d'estes figos, Agora que somos finados
Comeremos d'estes passados."
viamaohoje.com.br/-/fantasmas
O homem assim que ouviu isto foi a correr para a mulher, com medo.
A mulher veio e vieram os criados e quando lá chegaram já não viram
nada, nem passas nem finados.
(Elvas)
A. THOMAZ PIRES.
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
166
Ver mais: Tradições Populares Portuguesas
In cvc.instituto-camoes-etnologia/opusculos
Opúsculos de José Leite de Vasconcelos
http://cvc.instituto-camoes.pt/bdc/etnologia/opusculos/
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
167
CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
XXVII - "Ide ós sapatinhos"
Por A. Thomaz Pires
Elvas
In Tradição II vol. Anno V, Nº 4, Serpa, Abril de 1903, Volume V, pp. 60 a 64 (série de 8 contos)
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
musicantiga.com.sapo.pt/images/FradesSecXV
Ide ós sapatinhos
"Era uma vez uns homens que estavam vestidos de frades e passou
ali um rapaz que ia á terra e levava dinheiro escondido nos sapatos.
Os frades falaram-lhe e disseram lhe que se levasse algum dinheiri-
nho que o levasse bem escondidinho, por causa dos ladrões. E depois elle disse que o levava bem escondido, que o levava nos sa-
patos. O rapaz despediu-se e foi-se embora.
Chegou lá adiante e encontrou uns ladrões e os frades fingidos come-
çaram de cá a dizer aos collegas:
"O' ladrõesinhos,
lde ós sapatinhos."
Os ladrõesinhos sovaram o rapaz, tiraram-lhe o dinheiro e manda-
ram-n'o p'ra S. Barzabu.
(Elvas)
A. THOMAZ PIRES. Ver também
Tradições populares - lengalengas - ditados e provérbios populares - adivinhas - anedotas (in Escola eb1-repiade)
eb1-repiade-n2.rcts.pt/proverbios
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
168
CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
XXXV - "O Copo d'oiro"
Por A. Thomaz Pires
Elvas In Tradição II vol. Anno V, Nº 5, Serpa, Maio de 1903, Volume V, pp. 71 a 79 (série de 7 contos)
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
fotos.sapo.pt
O Copo d'oiro
"Era uma vez um rei e uma rainha e viviam desgostosos porque não tinham filhos, e pediram a Deus que lhes desse um filho e que, quan-
do o filho tivesse 18 annos, iria elle proprio a Roma sósinho pagar
uma promessa. Foram ouvidos por Deus e ficaram muito contentes
quando nasceu um principe.
Quando elle se ia aproximando dos seus 18 annos começaram os
paes a andar tristes porque o filho tinha de ir sósinho a pagar a pro-
messa.
O principe reparou na tristeza dos paes e um dia perguntou-lhes por-
que andavam tristes e elles contaram tudo. O principe disse que não
estivessem tristes, que elle de boa vontade iria cumprir a promessa.
Chegado aos 18 annos preparou-se para ir a Roma, e a rainha, quan-
do elle se despediu, deu-lhe um copo d'oiro e deu-lhe tres peras, di-zendo-lhe que não as partisse sósinho, que as partisse acompanhado,
e que só aceitasse por companheiro da viagem aquelle que lhe desse
o bocado maior e nunca acompanhasse com aquelle que lhe desse o
bocado mais pequeno.
O principe, quando sahiu de casa, no meio do caminho encontrou um
homem ao pé d'uma fonte e pediu-lhe que partisse uma das peras, e
o homem deu-lhe a parte mais pequena e não acompanhou com es-
se; encontrou outro junto de outra fonte e que lhe fez o mesmo, e á
ultima pera encontrou, junto de outra fonte, outro homem e este
deu-lhe o bocado maior e foi com este que elle acompanhou.
Fizeram-se amigos e foram ambos para Roma.
Em todas as hospedarias ficaram sempre no mesmo quarto, e quando
foi da ultima hospedaria, á hora da ceia, o príncipe tirou o copo d'oiro
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
169
para beber agua e a dona da casa não tirava os olhos de cima do co-
po, e o companheiro reparou n'isso.
E quando elles disseram que queriam dormir juntos, disse a dona da
casa que não era costume n'aquella hospedaria dormirem duas pes-
soas no mesmo quarto, e elles ficaram muito tristes.
Cada um foi para o seu quarto, e pela noite adiante ella foi ao quarto
do principe, matou o e tirou lhe o copo; depois escondeu o cavallo, e
ao principe levou-o para uma estrumeira a enterrar.
Pela manhã, quando o companheiro se levantou e perguntou por elle,
ella disse-lhe que tinha marchado, e elle ficou muito admirado e não acreditou.
Foi d'ali a casa do juiz, contou-lhe o que se tinha passado e a sua
desconfiança de que havia crime por causa do copo d'oiro que era de
muito valor.
O juiz disse-lhe que isso que se arranjava bem; que elle conhecia a
mulher e lhe mandaria pedir uns copos emprestados, e assim fez.
A mulher, á primeira vez mandou uns copos de vidro, e como o juiz
pediu mais copos ella mandou-lhe outros de crystal, e como o juiz
pedisse ainda mais copos mandou-lhe uns de prata e entre elles um
d'oiro, que era o tal.
O homem assim que o viu conheceu-o logo. A dona da casa foi logo
prêsa e obrigada a dizer onde estava o principe e o seu cavallo. Confessou tudo e o homem foi a desenterrar principe, e mesmo as-
sim morto montou-o e segurou-o no cavallo do mesmo principe e fo-
ram a pagar a promessa.
Quando chegaram á egreja ficou o principe á porta montado no seu
cavallo e elle foi a fazer oracão como se fosse o seu amigo, e deu-lhe
vontade de olhar para traz e viu o principe a fazer oração e chorava,
e conheceu ser isto um grande milagre, voltando depois ambos para
suas casas.
Quando se despediram o principe deu-se a conhecer e queria levar o
companheiro para o palacio, mas elle não aceitou, porque tambem ia
para companhia de seus paes, que eram lavradores.
O principe disse-lhe que se n'algum tempo precisasse d'elle que o
procurasse no reino de tal. Passados annos os paes do companheiro morreram, e elle ficou muito
pobre, e lembrou-se do offerecimento do principe.
Dirigiu-se ao palacio, disse que queria falar com o principe, este co-
nheceu-o e valeu-lhe em tudo, assentando-o á sua mesa e tratando-o
como irmão e não consentiu que elle sahisse mais do palacio onde fi-
cou vivendo
(Elvas)
A. THOMAZ PIRES.
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Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
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Ver temas relacionados… (Pode ver um extracto do texto de Fialho e os textos de Antero e Gomes Leal, clicando AQUI, em VER
TEXTOS...
aaalb.esdg.pt-images/fialho_de_almeida
A TAÇA DO REI DE TULE
pracadapoesia.blogspot.com
A canção do Rei de Tule
Imagem in - alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/ Nova balada do Rei de Tule
linguaportuguesa9ano-principezinho
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
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UM ANEXO com 3 TEXTOS a relacionar com
O Copo d'oiro
(Pode voltar ao COPO de OIRO)
CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
XXXV - "O Copo d'oiro"
Por A. Thomaz Pires
Elvas
In Tradição II vol. Anno V, Nº 5, Serpa, Maio de 1903, Volume V, pp. 71 a 79 (série de 7 contos)
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-gistada na época.]
fotos.sapo.pt
VER (A TAÇA DO REI DE TULE de Fialho d'Almeida
- um extracto)
aaalb.esdg.pt-fialho_de_almeida
A taça do rei de Tule
"O rei de Tule era velho, e sobre velho, en-
fermiço e triste. Sentindo avizinhar-se a
morte, distribuiu pelos filhos as suas terras e riquezas. E ficou sozinho e pobre num an-
tigo roqueiro castelo - o mar batia por bai-
xo, minando cavernas e invadindo as mas-
morras de entorno aos cataventos das tor-
res, gritavam as aves do temporal, e por sa-
las de armas e corredores ainda a desoras
ressoavam as passadas duma corte dispersa
aos quatro ventos, vendo o rei sem territó-
rio. O trôpego monarca, chamando as forças
que lhe restavam, vestiu-se dos seus vesti-
dos de gala, coroou ele mesmo os velhos longos cabelos com a sua
coroa de ferro, e arrancando do seio uma taça preciosa, disse ao pa-jem lhe vazasse um velho vinho do Reno. Triste é dizer a mágoa que
o rei exprimia ante essa taça que a amante lhe dera, à volta de mon-
tear, a primeira vez que os dois tinham falado a sós. E o rei, que en-
tão era mimoso adolescente, curvado sobre o palafrém da amante,
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
172
jurara nunca profanar a taça em brindes libertinos, nos festins do seu
castelo roqueiro.
O pajem deitou-lhe vinho, ao largo era já noite no mar - ele, erguen-
do o braço trémulo, bebeu vagarosamente, e havia nos seus olhos
cansados, como no seio duma gruta marinha, ossadas de antigas e
abrasadoras paixões.
Mas embalde o licor lhe circulava nos pergaminhos do corpo, à mira
de incender-lhe reminiscências da mocidade.
E atirou a taça ao mar, do varandim rendilhado, por que ninguém
mais, bebendo por ela, viesse a conhecer os segredos daquele amor de balada, feito de suspiros e raios de lua, perfumes de laranjeira e
baques de coração espezinhado.
A taça oscilou ligeiramente nas águas, fez umas reviravoltas antes de
seguir mar em fora, como uma gôndola deserta que procura o gon-
doleiro.
E o rei considerava em voz triste - quem mesmo velho pudera guar-
dar-te dia e noite, taça de amor por onde os meus lábios beberam os
vinhos generosos, por essas noites perladas dos ecos das serenatas,
dos perfumes festivais das rosas, e da embriaguez dos profundos
amores? ...Abandonaram-me os meus cavaleiros e não me queixo,
fugiram-me os cortesãos e estou tranquilo: só a ideia de te deixar me
atormenta, pois tu guardas inteira e palpitante a história do meu co-ração."
[...]
Fialho de Almeida, O País das Uvas (excerto),
Lisboa, Ulisseia, 1987
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
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Antero de Quental
pracadapoesia.blogspot
A Canção do Rei de Tule
Era uma vez um bom rei
Em Tule - essa ilha distante,
Ao morrer, deixou-lhe a amante Um copo de oiro de lei.
Era um copo de oiro fino Todo lavrado a primor;
Se fosse o cálix divino
Não lhe tinha mais amor. Seus tristes olhos leais
Não tinham outra alegria:
E só por ele bebia Nos seus banquetes reais.
Chegada a hora da morte
Põs-se o rei a meditar Grandezas da sua sorte,
Seus reinos à beira-mar.
Deixava um rico tesoiro,
Palácios, vilas, cidades;
De nada tinha saudades, A não ser do copo de oiro.
No castelo da devesa, Naquelas salas sem fim,
Mandou armar uma mesa
Para o último festim.
Convidou sem mais tardar
Os seus fiéis cavaleiros,
Para os brindes derradeiros No castelo à beira-mar.
Então, vazando-a de um trago, E com entranhada mágua,
Pôs nas ondas o olhar vago
E atirou a taça à água.
Viu-a boiar suspendida,
'Té que as ondas a levaram Os olhos se lhe toldaram,
E não bebeu mais na vida!
Antero de Quental (1870-1871)
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Gomes Leal
Imagem in - alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/
Nova balada do Rei de Tule
Num país nada vizinho...
Em Tule, até mui distante, Houve outrora um rei farsante,
Um rei amigo do vinho. Quando a sua amante fiel
Mimosa e cheia de graça,
Morreu, deixou-lhe uma taça, Que semelhava um tonel.
Era tamanha a grandeza
Da taça que nada iguala. - Ficava sempre, ao esgotá-la,
El-rei debaixo da mesa. Quase sempre ao lusco-fusco,
De noite, até horas mortas,
Folgava, as pernas já tortas, Este rei velho e patusco!
E noite d'agreste vento, Na sua mais alta torre,
Pensando em que tudo morre,
Tratou do seu testamento. A sua amizade cega
Legava a todos dinheiro.
E a seu filho e seu herdeiro Seu reino, seu povo... e a adega.
Da sua amizade em prova,
A todos dava uma graça.
Só aquela enorme taça Levava El-Rei para a cova!
Um dia, os altos barões, Fez juntar, para uma orgia,
Numa sala onde curtia
As suas indigestões.
E ali, depois de libar... Passados curtos momentos,
Começou a ver, aos ventos,
Os seus castelos dançar.
Assoma, trocando o pé,
De taça em punho, à janela, Mas nisto, tropeça... e ela
Vai levada da maré.
E afunda-se... mas tal revés
Tomba o rei morto de mágoa. - Era esta a primeira vez
Que a taça se enchia d'água!
Gomes Leal, Claridades do Sul,
Mem Martins, Publicações Europa-América, 1999
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CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
XXXVI - "A bicha"
Por A. Thomaz Pires
Elvas
In Tradição II vol. Anno V, Nº 5, Serpa, Maio de 1903, Volume V, pp. 71 a 79 (série de 7 contos)
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
boteclando.zip.net/images
A bicha
"Era d'uma vez um homem que era viuvo, e tinha uma filha chamada
Mariquinhas, que era muito bonita.
O homem trabalhava no campo, e a filha ia todos os dias levar-lhe o
jantar.
Um dia ella foi mais cedo a levar-lh'o, e o homem tinha encontrado
um cacho d'uvas no campo e não era tempo de uvas, e deu o cacho
d'uvas á filha.
A fillla não o quiz comer e arrecadou-o. O pae pensava que ella que o
tinha comido, mas ella tinha-o mettido dentro d'uma gaveta, e a po-
der de tempo esqueceu-se que tinha alli o cacho.
Uma vez lembrou-se e foi abrir a gaveta para ver o cacho e encon-
trou uma bicha pequenina ainda. Deixou-a crescer, não a quiz matar.
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
176
cuba.no.sapo.pt-cuba-talhas
Ja estava tão grande que não cabía na gaveta e metteu-a no pote do
vinho, e todos os dias lhe ia levar de comer.
O pae um dia disse que já era tempo de se fazer o vinho, e que fosse
a filha arranjar o pote.
karolpoerner-visuais-sobre-adao-e-eva
Ella foi a chorar para o pé da bicha logo que o pae sahiu, e a bicha
disse que não se ralasse, que ella que se ia embora; mas que antes d'isso lhe havia de metter as mãos na bocca, e que em se vendo n'al-
guma afflicção que chamasse pela bicha.
Ella metteu-lhe as mãos na bocca e foi-se lavar, e começou logo a
agua a transformar-se em sumo.
Um dia disse ella para o pae que convidasse as primas e a familia to-
da para irem lá jantar.
O pae disse-lhe que sim, e a familia foi lá jantar.
Quando se iam ássentar á mesa disse a Mariquinhas que era costume
lavarem-se as mãos antes de jantar.
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
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Todos as foram lavar, deixando a agua muito preta; foi a Mariquinhas
a lavar-se e transformou se logo a agua em ouro.
As primas ficaram todas muito contentes. Já todas queriam tambem
fazer ouro.
Depois do jantar pozeram-se á janella, e ia passando pela rua o cria-
do do rei, que comprava ouro, e a Mariquinhas, que já tinha muito
ouro, chamou o homem e vendeu o, mas faltava ainda algum para o
peso, e foi buscar uma bacia, lavou-se e fez o ouro que faltava. O
criado do rei ficou todo admirado e foi contar o caso ao rei.
O rei quiz conhecer a menina e foi com o criado; este subiu e o rei fi-cou na rua, pois tinha entregado uma carta ao criado para entregar á
menina.
Esta leu a carta e mandou a resposta. E o rei quiz casar com a Mari-
quinhas e foi pedil-a. As primas tinham muita inveja.
Depois de tratado o casamento e depois da noiva estar muito bem
vestida, as primas tiraram-lhe os olhos e a mais feia d'ellas é que foi
casar com o rei, e levou arrecadados os olhos da Mariquinhas.
O rei não gostava d'ella, e começou-lhe a perguntar quando era que
fazia ouro. - E' para a lua nova, respondeu ella. Chegou a lua nova e
perguntou-lhe quando fazia ouro. - E' para o quarto crescente. Che-
gou o quarto crescente, e tornou-lhe a perguntar. E ella disse:
- Ainda não é agora, é para o quarto minguante. A Mariquinhas estava sem olhos, mas não se lembrava da bicha, até
que um dia lá se lembrou d'ella, chamou pela bicha e ella appareceu-
lhe logo, e esteve contando á bicha o que lhe tinha acontecido. A bi-
cha disse-lhe que ainda ella havia de casar com o rei.
em: artes-viagens-sabores
- Eu agora faço-me n'um homem, disse a bicha, bato tres vezes com
esta varinha de condão n'esta arvore, para apparecer cheia de peras.
É appareceu cheia de peras. Colheu-as e foi vendel-as.
Chegou lá ao palacio e perguntaram-lhe porquanto vendia as peras. Elle disse que não as vendia, que as dava em troca de olhos. Foram
tirar os olhos ao gato e deram-nos ao homem. Elle foi para casa e
disse:
- Mariquinhas, ainda aqui não trago os teus olhos, porque a tua prima
foi tirar os olhos ao gato e deu-mos.
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
178
abolsamia.pt
Pediu outra vez á arvore maçans, e foi vender maçans.
Tornou lá a chegar ao palacio, e perguntaram-lhe por quanto vendia
as maçans. Elle disse o mesmo, que as dava em troca de olhos.
Deram-lhe os olhos de Mariquinhas.
Elle foi muito contente para casa e põe os olhos á Mariquinhas, e com
a varinha de condão fez construir uma casa em frente do palacio do
rei, e ainda mais bonito que o palacio, casa para onde foi viver a Ma-
riquinhas, e o homem, isto é, a bicha, o criado d'ella.
O rei ficou admirado d'aquella casa tão bonita, e perguntou ao criado
da Mariquinhas se podia lá ir, uma tarde. O criado disse que sim, e o
rei foi. A menina andou-lhe mostrando as casas todas e depois convidou o
rei para jantar.
O rei acceitou o convite e foram ambos lavar as mãos, e a Mariqui-
nhas transformou a agua em ouro.
Elle ficou admirado e a Mariquinhas esteve-lhe contando tudo que lhe
tinham feito.
O rei foi para o palacio, matou todos os que lá estavam e veio casar
com a Mariquinhas, e no dia do casamento desappareceu o criado da
Mariquinhas e ninguem mais o viu.
(Elvas)
A. THOMAZ PIRES.
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
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Ver sugestão -
educacaodeinfancia.com/e-peras-e-peras-e-peras-e-macas
"Esta é uma óptima música, para falar com as crianças das frutas, da
sua diversidade e nomes."
Refrão:
E pêras e pêras e pêras e maçãs
Ameixas e uvas
Marmelos e romãs (Bis).
1)
Eu fui á quinta das peras (e pêras)
Eu fui lá colher maçãs (e pêras)
Veio de lá o homem das uvas:
Oh rapaz , olha as romãs.
(Refrão)
2)
Ao almoço me dão peras (e pêras)
Ao jantar peras me dão (e pêras) Ai meu Deus, que já não posso
Com as pêras que me dão.
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180
CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
XXXVII - "O alveneu"
Por A. Thomaz Pires
Elvas
In Tradição II vol. Anno V, Nº 5, Serpa, Maio de 1903, Volume V, pp. 71 a 79 (série de 7 contos)
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
em: equipedeobra.com.br/
O alveneu
"Era uma vez um alveneu (pedreiro de alvenaria) que andava sempre
a cantar:
"Trá-la-ri-ló-lé, Meu bem!
Quem nasceu para dez réis,
Nunca chegou a vintém".
Uma vez andava o rei á caça e ouviu a cantiga do homem e mandou-
o ir ao palacio. O homem foi, e o rei, levando-o a uma casa onde ha-
via muito dinheiro, mandou-o carregar de tudo quanto elle quizesse.
Elle assim fez. Depois desappareceu-lhe o dinheiro de casa sem saber
como isso tinha sido.
Foi outra vez para o campo a cantar a mesma cantiga. Veio o rei e
mandou-o novamente ir ao palacio e de lá trouxe todo o dinheiro que
quiz. Tornou-lhe outra vez a desapparecer o dinheiro de casa.
A' terceira vez que veio do palacio ia a entrar em casa e morreu. E vae o rei, n'esse mesmo dia, encontrou no seu caminho um escrip-
tinho que dizia:
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
181
"Eu a fazel-o pobre,
Tu a fazel-o rico,
Ahi o tens morto,
Agora ressuscita-o".
(Elvas)
A. THOMAZ PIRES.
Pode ver o conto do rei astuto e os dois pintores – em ruadajudiaria.com de nuno guerreiro josué
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
182
CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
XXXVIII - "Os dois compadres"
Por A. Thomaz Pires
Elvas In Tradição II vol. Anno V, Nº 5, Serpa, Maio de 1903, Volume V, pp. 71 a 79 (série de 7 contos)
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
Os dois compadres
"Era d'uma vez dois compadres, um era muito rico e o outro muito
pobre, e este, querendo apanhar dinheiro ao rico, disse para a mu-
lher:
- Olha, tu compras uma perdiz, eu vou á caça com o compadre e levo
de cá um dos coelhos que ahi temos, e lá na caçada dou-lhe um re-
cado para elle te vir cá trazer, que é para tu cosinhares a perdiz, e
depois o compadre ha de querer comprar-me o coelho e eu peço mui-
to dinheiro por elle.
http://www.divertire.com.br/educacional/sopadepalavras/
Assim foi; lá na caçada disse para o coelho:
- Olha, tu vae lá a minha mulher e diz-lhe que arranje uma perdiz
guizada, e que faça conta com o nosso compadre.
Deu um sopapo no coelho e o coelho bateu a fugir.
O compadre já estava ancioso de vir para casa a ver se o coelho tinha
dado o recado. Chegaram cá e diz o homem para a mulher:
- Então já tens a perdiz guizada? O nosso coelhinho trouxe cá o reca-do?
- Pois não havia de trazer! A perdiz está prompta, e fiz conta com o
nosso compadre.
Diz o compadre, que era rico:
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
183
- Compadre, venda-me o seu coelho.
- Isso é que eu não vendo, que elle faz-me os meus mandadinhos to-
dos.
- Compadre, venda-me o coelho, que eu dou-lhe muito dinheiro por
elle.
Vendeu-lhe o coelho; já se sabe, um d'aquelles que tinha na coelhei-
ra.
A primeira vez que o compadre rico mandou o coelho a um recado,
nunca mais lhe aprareceu.
Quando se ia acabando o dinheiro ao compadre pobre, disse este pa-ra a mulher:
- Temos de ver se arranjamos outra marosca para apanharmos bagos
ao nosso compadre. Olha, tu arranjas a burra velha, eu junto-lhe di-
nheiro com a ração, e depois dizemos que ella faz muito dinheiro e
que já somos muito ricos.
em: cravoecaneladegabriela.blogspot.com/2009_05_0...
Assim foi. Um dia, na caçada, o compadre rico reparou que a burra
fazia dinheiro.
- Compadre, venda-me a burra. - Isso não vendo eu, que já estou muito rico e quando preciso de di-
nheiro ella é que m'o dá. Não vendo. E não se lembra do coelho?
Vendi-lh'o por uma bagatella e deixou-o logo fugir!
- Compadre, venda-me a burra.
Tanto teimou, que elle vendeu-lh'a e por muito dinheiro. Foi o com-
padre rico para casa, esteve arranjando a cavallariça e deitou uma
boa racão á burra. Mas a burra não fazia' dinheiro. Passados dias foi
ter com o compadre:
- Vossê enganou-me com a burra.
- Eu é que sou um grande tolo em lhe vender as cousas; não sabe
tratar com ellas e depois diz que o engano. E' boa!
Ia-se outra vez acabando o dinheiro ao homem e diz para a mulher: - Olha, tu arranjas um papo de peru, e mette-lhe dentro as tripas do
mesmo peru, e põe o papo á cintura debaixo do avental, e eu dou te
uma navalhada, no papo, está bem de ver, e tu cahes logo morta e
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
184
com as tripas de fóra, toco depois n'uma gaitinha que vou comprar e
tu levantaste logo ao som da gaitinha.
Convidou o compadre para ir á caça.
- O' mulher, arranja ahi o alforge, n'um instante.
- Não basta ser todos os dias esta sécca, senão n'um instante.
- Cala-te, cala-te, mulher, não me respingues.
- E ainda me hei-de calar? Pois não quero.
Arma-se uma grande briga e elle deu-lhe a navalhada. As tripas sal-
taram logo e a mulher cahiu redondamente. O compadre ficou todo
affiicto: -- Oh compadre! o que vossê fez! matou sua mulher.
- Não tem duvida, tenho aqui uma gaita que dá vida a mortos. Come-
çou a tocar a gaitinha e a mulher levantou-se logo. Poz-se logo o
compadre rico a dizer:
- Compadre, venda-me a gaita.
- Qual vender, nem qual diabo!
http://www.gaitadefole.com/desenhos/devil3.jpg
E tudo era lembrar-lhe o coelho e mais a burra. Por fim vendeu a gai-
tinha.
Foi o compadre rico para casa, armou uma grande briga com a sua
mulher e desata-lhe uma navalhada na barriga.
A mulher cahiu logo morta e elle poz-se a tocar a gaitinha, mas a
mulher não se mexia.
Veio a justiça. Elle põz-se a contar o succedido com o compadre po-
bre, e levaram este preso. No caminho os guardas quizeram descançar, amarraram o preso a
uma arvore e deitaram-se a dormir a sésta.
em: pulpitocristao.com
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
185
Veio um pastor com uns carneiros e esteve-lhe a perguntar o que
era.
- Ora, querem por força que eu case com a princeza, mas eu não
quero, e digo que não quero, e por isso me levam prêso.
Diz-lhe o pastor:
- Anda, casa com a princeza, escusas de ir a morrer.
E diz-lhe o homem:
- Queres tu vir para o meu logar que eu vou para o teu?
- Pois quero.
E mudaram. Depois o pastor amarrado á arvore começou a dizer: - Eu já quero, eu já quero.
- Já queres o que?
-Já quero casar com a princeza.
- Ora essa! Explica lá o teu dito.
E elle confessou tudo.
- Bem, disse a justiça, solte-se lá o homem e que vá em paz.
Elle marchou. O outro ia muito satisfeito com os carneiros. Encontrou
o compadre rico, que lhe perguntou:
- Então tu nunca foste preso?
- Eu não, pois se a minha gaita dá vida a mortos, como hei-de eu ser
prêso?
- Então esses carneiros, quem t'os deu? - Ora, arranjei-os eu.
- Mas como?
- Olha, anda comigo que eu te ensino como nascem carneiros.
mundodeimagens-locais-ribeira-da-asseca-e-o-pego-do-inferno
Levou-o para o pé d'um pego, onde a agua era muito funda, e per-
guntou-lhe se queria um carneirinho ou um carneirão.
Elle disse queria um carneirão. Pegou n'elle e diz:
"Cada mergulhinho
Um carneirinho,
Cada mergulhão
Um carneirão."
E atirou com elle para dentro do pégo, e safou-se com o rebanho, que foi vender logo na feira de S. Matheus.
(Elvas)
A. THOMAZ PIRES.
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
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CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
XXXIX - "O parvo"
Por A. Thomaz Pires
Elvas
In Tradição II vol. Anno V, Nº 5, Serpa, Maio de 1903, Volume V, pp. 71 a 79 (série de 7 contos)
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
em: cocanha.blogspot
O parvo
Era uma vez uma mulher que tinha um filho parvo e chamava-se Ma-
noel, e morava ao pé de outra mulher que tinha uma filha chamada
Maria.
O Manoel ia todas as manhãs visitar a Maria: - Adeus, sôra Maria.
-Adeus, sôr Manel.
- Minha rosa branca.
- Meu fino papel.
E ia-se embora o Manoel, sem dizer mais nada. Um dia disse para a
mãe que queria casar com a sôra Maria, e foi-lhe perguntar se queria
casar com elle.
Voltou o Manoel muito triste, porque tinha levado cabaço.
E a mãe disse-lhe: Olha, diz-lhe palavrinhas doces.
No outro dia foi:
- Adeus, sôra Maria. - Adeus, sôr Manel.
- Minha rosa branca.
- Meu fino papel.
- Olhe: Assucar, marmellada, abobora, tudo palavrinhas doces.
- Fóra, estupido!
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
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E o Manoel veio ainda mais triste para casa.
E a mãe disse-lhe:
"Não arranjaste nada, já vejo.
Olha, diz-lhe palavrinhas assim cá de dentro."
No outro dia foi:
- Adeus, sôra Maria.
- Adeus, sôr ManeJ.
- Minha rosa branca.
- Meu fino papel.
-Olhe: Bofe, coração, figado, tripas, tudo palavrinhas cá de dentro.
- Fora, bruto!
E o Manoel voltou muito triste para casa.
Diz-lhe a mãe:
"Olha, amanhã vae á missa, por onde vires entrar muita gente entra
tu tambem, e faz o que vires fazer."
Chegou á egreja e vendo toda a gente a metter as mãos na pia da
agua benta metteu as suas tambem e começou a revolver a agua, e
disse:
"Ah! já comeram as sopas e deixaram o caldo; pois que beba o caldo
quem comeu as sopas."
E foi-se ajoelhar atraz d'uma beata. A beata, de vez em quando beijava o chão, e elle beijava-o tambem.
Atraz d'elle estavam uns rapazes que o picaram quando ia beijar ou-
tra vez o chão, e elle mette a mão ao bolso, tira uma sovela e põe-se
a picar a velha, dizendo: "Pica, que já cá picam."
Depois deram uma grande sova ao Manel, que veio muito triste para
casa; mas estava lá a Maria, que lhe disse ter-se resolvido a casar
com elle, e ficou muito contente.
E disse-lhe a mãe:
- Temos de arranjar os bolos para o casamento; olha, pega n'este
sacco de trigo e diz ao moleiro que tire de cada alqueire um selamim;
não te esqueças.
- Não esqueço, - e foi dizendo caminho adiante:
- De cada alqueire um selamim; de cada alqueire um selamim. Estavam ali uns homens a semear trigo, e elle continuando:
-De cada alqueire um selamim…
Os homens deram-lhe uma grande descompostura.
- Então o que hei de dizer? - perguntou Manel.
- Deus queira que saia todo.
E elle foi dizendo pelo caminho:
- Deus queira que saia todo; Deus queira que saia todo.
Encontrou um homem com dois ôdres d'azeite e um d'elles estava rô-
to, e o azeite ia-se entornando. E elle:
- Deus queira que saia todo.
O homem deu-lhe uma grande sova.
- Então o que hei de eu dizer? - Deus queira que não saia nenhum.
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
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- Sim sr., cá vou dizendo: Deus queira que não saia nenhum; Deus
queira que não saia nenhum.
Foi ter a um atasqueiro onde estavam dois homens, que não se podi-
am d'elle tirar. e elle:
- Deus queira que não saia nenhum…
Um d'elles lá se poude salvar e veio medil-o a pontapés.
- Então o que hei de eu dizer?
- Quem tirou um, que tire o outro.
- Sim sr., cá vou dizendo: Quem tirou um, que tire o outro; quem ti-
rou um, que tire o outro. Vinha um pobre homem sem um dos olhos, pela estrada. E o Manel:
- Quem tirou um, que tire o outro, quem tirou um, que tire o outro…
Sova no caso.
- Então que hei de eu dizer?
- Não diga nada, vá calado até ao moinho.
Chegou lá, poz o sacco no chão, não disse nada e veio-se embora.
Chegou a casa e diz-lhe a mãe: "D'este o recado ao moleiro?"
- Eu não dei recado, nem dei nada, levar é que levei muito, fiz de
tambor por essa estrada fóra, e arrenego do casorio.
(Elvas)
A. THOMAZ PIRES.
Ver adaptação (?):
ielt.lusowebsites
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
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CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
XL - "Dona Vintes"
Por A. Thomaz Pires
Elvas
In Tradição II vol. Anno V, Nº 5, Serpa, Maio de 1903, Volume V, pp. 71 a 79 (série de 7 contos)
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
Dona Vintes
"Era uma vez um homem que tinha vinte filhas, e a mais moça cha-
mava-se Dona Vintes.
O pae era mercador, e, tendo de ir para uma terra muito longe, com-
prou um vestido côr de rosa a cada uma das filhas, e disse-lhes que na sua ausencia, visto que não tinham parentes, não abrissem a por-
ta a ninguem, e que os vestidos haviam de dizer-lhe como ellas se
portavam.
em: tonssons.blogspot.com/
A casa tinha uma varanda que dava para o jardim do rei, e no jardim
havia uma craveira muito bonita.
Uma vez estava a Dona Vintes na varanda, e o principe, o filho do rei,
que gostava muito d'ella, perguntou-lhe se queria um cravo da sua craveira, e ella respondeu que não precisava dos seus cravos.
O principe tratou de ver a maneira como havia de apanhar a Dona
Vintes.
Disse para um criado que se vestisse de velha e elle metteu-se n'uma
arca fechada por dentro, e o criado, levando a arca a cabeça, bateu á
porta da casa onde moravam as vinte filhas, dizendo que era a avó
d'ellas.
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
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Appareceu a mais velha de todas e foi dizer á Dona Vintes, que esta-
va a avó á porta, e ella respondeu: se não tinha ouvido o que o pae
tinha dito, que não tinham parentes nenhuns.
A velha, como a não deixavam entrar, pediu que lhe deixassem ao
menos ficar a arca, e que viria quando o pae voltasse da viagem.
Disseram-lhe que sim e ficou a arca em casa.
A Dona Vintes era sempre a ultima a deitar se, por ser a menos pre-
guiçosa das suas irmans, e antes de se deitar contava-as a todas;
mas n'essa noite, contando-se a si, contou vinte uma.
Levantou-se muito cedo e foi pôr-se ao pé d'uma janella que dava para o jardim do rei.
Quando o principe se levantou, viu a Dona Vintes ao pé da janella:
- Dona Vintes, por aqui?
- Mais de admirar é Vossa Alteza e veja o que vae no seu jardim.
Foi-se o principe a assomar e ella pegou-lhe pelas pernas e atirou-o
para o jardim.
O principe ficou muito doente.
Passados tempos as irmans de D. Vintes appeteceram comer peras
do jardim do rei.
D. Vintes fez umas escadas de corda, desceu por ellas e colheu 19
peras, e o principe, que estava escondido para ver se a podia apa-
nhar, quando ella ia a subir pegou-lhe pelo tacão de um sapato, e el-la, assim que se sentiu presa, largou o sapato e subiu mais que de-
pressa.
D'outra vez as irmans appeteceram laranjas do jardim do rei e D.
Vintes foi buscal-as, e, ao subir pela escada de corda, o principe pe-
gou-lhe na saia e ella rasgou esse pedaço da saia e subiu mais que
depressa.
D'outra vez as irmans appeteceram maçans do jardim do rei, e o
principe pegou-lhe pela trança do cabello, e ella cortou a trança e fu-
giu com as macans.
As irmans adoeceram todas, e Dona Vintes disse ao principe que ti-
nha de ir buscar gallinhas ao gallinheiro do rei, e elle disse-lhe que
sim.
Queria o principe que ella entrasse primeiro no gallinheiro, mas ella fel-o entrar a elle.
Trouxe as gallinhas e deixou o principe fechado no gallinheiro.
Depois cada uma das irmans teve uma creança, e D. Vintes metteu
todas as creanças na mesma arca em que tinha ido o principe, que ao
tempo estava doente, pôz a arca á cabeça e foi apregoar junto do pa-
lacio do rei:
Quem quer comprar estas flores
Para o principe, que 'stá mal d'amores?
Uma das criadas do palacio, assim que ouviu o pregão, foi chamar a
rainha, e a rainha mandou chamar a pregoeira, para ver as flôres.
Dona Vintes pôz-se á procura da chave da arca, mas não lhe appare-
ceu, e pediu que lhe deixassem ficar alli a arca.
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
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Depois chegou o pae de D. Vintes e pediu que lhe mostrassem os
vestidos côr de rosa, e Dona Vintes foi buscar o seu vestido e mos-
trou ao pae vinte vezes o mesmo vestido e o pae ficou muito conten-
te.
O principe, assim que soube que tinha chegado o pae da Dona Vintes,
foi pedil-a, e o pae disse que era impossivel um principe casar com
uma rapariga pobre.
O principe teimou e o pae deixou casar a filha, e ella mandou fazer
uma boneca de alcorce2 e á noite deitou-a na cama, no logar d'ella, e
metteu se debaixo da cama. O principe, com um cutello na mão para a matar, pôz-se-lhe a dizer
se não se lembrava do que lhe tinha feito, e ella puchava por um cor-
del para a boneca dizer que sim com a cabeça; se não se lembrava
quando o mettera no gallinheiro, - e a boneca disse que sim, e assim
que ella disse que sim, elle matou-a e saltou-lhe um bocado d'alcorce
para a boca, e elle abraçou-se á boneca, dizendo:
Dona Vintes, Dona Vintes,
Tão doce na morte,
Tão amarga na vida,
Quem tal, crime fez
Merece já morrer.
E ia-se tambem matar, quando a Donna Vintes lhe salta debaixo da cama.
Seja Deus louvado, que é meu conto acabado.
(Elvas)
A. THOMAZ PIRES.
Ver - A Maria Sabida - Contos Populares de Évora,
na Revista Lusitana
cvc.instituto-camoes.pt/bdc/etnologia/revistalusitana
2 ―…mandou fazer uma boneca de alcorce…‖ ‗alcorce‘ o mesmo que ‗alcorça‘ Massa feita de açúcar, goma
adragante e clara de ovo (e se pretender amêndoa) que serve para enfeitar bolos ou fazer "capa" para
doce de ovos e outros.
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
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CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
XLI - "O Zé Estragado"
Por A. Thomaz Pires
Elvas
In Tradição II vol. Anno V, Nº 5, Serpa, Maio de 1903, Volume V, pp. 71 a 79 (série de 7 contos)
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
em: unicaeminha
O Zé Estragado
Era de uma vez um rei e uma rainha que não tinham filhos e viviam
muito desgostosos por isso, e um dia a rainha pediu aos céus que ti-
vesse um filho ou por Deus ou pelo Diabo.
E teve uma filha pelo Diabo.
Quando a filha chegou aos 18 annos teve uma doença de morte e an-
tes de morrer pediu ao pae que lhe mandasse sempre guardar a se-
pultura por uma sentinella, todas as noites.
O rei, que era o pae, assim lh'o prometteu, e assim o cumpriu; mas de cada noite ella comia uma sentinella, e iam assim sendo dizimados
os soldados do rei.
Um dia pertenceu a ir de sentinella um soldado a quem chamavam o
Estragado, mas este resolveu desertar a não ir de guarda á sepultura,
que era na egreja principal.
Ia a caminho da deserção quando encontrou um pobresinho, que era
Nosso Senhor, e que lhe disse que fosse a guardar a sepultura da
menina, que ella que o não comia, e que se pozesse elle detraz do al-
tar-mór, que ahi não lhe succedia perigo.
Elle assim fez. A' meia noite sahiu a princesa da sepultura e disse:
"Sentinella, apparece! Selltinella apparece! Ai! que meu pae já não
me faz o que me prometteu!"
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
193
E assim esteve a bradar até á uma hora em que recolheu á sepultura.
em - cordis.com.br
O soldado, de manhã cedo sahiu para o quartel, e foi grande a admi-
ração da soldadesca por não ter sido comido o Zé Estragado.
De tarde o mesmo soldado foi a passear e encontrou o mesmo pobre-
sinho, que lhe disse que se pozesse na pia da agua benta quando lhe tocasse outra vez a ir de sentinella á menina.
Quando lhe tocou a vez, elle assim fez. A' meia noite sahiu a princeza
da sepultura a dizer:
"Soldado apparece! Soldado apparece!"
E andava pela egreja em altos brados e quando d'uma vez chegou a
princeza perto da pia da agua benta o Zé Estragado começa a lançar-
lhe para cima agua da pia e ella, a princeza, transforma-se logo no
proprio Diabo e lança a correr, a correr pela egreja, até que se sumiu
pelo buraco da fechadura da porta grande.
Seja Deus louvado, está o meu conto acabado.
(Elvas)
A. THOMAZ PIRES.
---------------------------- Ver recolha de
edição crítica e introdução de Mário F. Lages
CENTRO DE ESTUDOS DOS POVOS E CULTURAS DE EXPRESSÃO PORTUGUESA
Contos Populares Alentejanos recolhidos da tradição oral, António Thomaz Pires. Colectânea, edição crítica e introdução de Mário F. Lages
2ª edição aumentada, Lisboa, 2004, 198 p. (Estudos e Documentos, 11)
ISBN 972-9045-01-1 (com 114 contos…) - ucp.pt/site/resources/documents/CEPCEP
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CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
XLII - "O Ladrão"
Por A. Thomaz Pires
Elvas
In Tradição II vol. Anno V, Nº 9, Serpa, Setembro de 1903, Volume V, pp. 140 a 144 (série de 4 contos)
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
Em - Projecto Ler e Sentir
leresentir.wordpress.com/historias-nos-dedos-das-nossas-maos/
O LADRÃO
"ERA d'uma vez um homem que tinha tres filhas, foi fazer uma via-
gem e disse ás filhas que não abrissem a porta a ninguem.
Foi lá um ladrão vestido de velha. As duas mais velhas queriam abrir
a porta, mas a mais moça não queria, lembrando-se da recommen-
dacão do pae. A velha tanto teimou que as raparigas mais velhas sempre abriram a
porta.
Entrou a velha e sentou-se á chaminé. Deram-lhe de cear e depois de
ter ceado disse a velhinha:
"Em paga de tão boa ceia ha de cada uma das meninas comer um fi-
guinho".
Eram tres figos de somno. As duas mais velhas comeram-n'os e a
mais moça fingiu que o comia. As irmans, como já estavam com mui-
to somno, foram-se deitar.
Ella como viu que as irmans já se tinham ido deitar, foi tambem dei-
tar-se, mas deitou-se mesmo vestida e fingiu que dormia.
Depois sentiu passos, e o ladrão já estava a emmalar tudo e accen-
deu uma mão de finado e foi com ella á cama das duas irmans a dei-tar-lhes pingos na cara.
Quando o ladrão vinha a descer as escadas para apitar aos outros la-
drões, a mais moça levantou-se, foi a correr atraz d'elle e fechou-lhe
a porta da rua.
E elle disse-lhe de lá:
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
195
"Abre-me a porta".
E ella: "Não abro".
E elle: "Então dá me a mão de finado".
E ella: "Diz-me primeiro com que a hei de apagar, e mette a mão por
baixo da porta".
E o ladrão disse: "Apaga-a com vinagre".
Ella assim fez. E o ladrão metteu a mão por baixo da porta e ella cor-
tou-lhe a mão com um machado.
E as irmans não deram por cousa nenhuma. Passados tempos veio o
pae e perguntou se tinham aberto a porta a alguem. Disseram-lhe que, não.
Depois um dia o ladrão pôz uma mão de ferro, calcou umas luvas
brancas e foi a casa do homem pedir uma das filhas para casar com
elle.
A mais moça disse logo que não queria, porque conheceu o ladrão.
A mais velha quis. Casaram, e quando iam para casa o ladrão descal-
çou a luva e mostrou-lhe a mão de ferro e disse-lhe que não era a el-
la que elle queria apanhar, era sim á sua irman mais moça, que o ti-
nha feito manêta.
Levou-a para um palacio, entregou-lhe as chaves e disse-lhe:
"Abre todas as portas, excepto aquella". Mas antes d'isto poz-lhe um
cordão ao pescoço e metteu-lhe nos dedos muitos anneis. Ella assim que elle sahiu, a primeira porta que abriu foi aquella, e
mudou-se logo o cordão em sangue.
O ladrão veio e assim que viu o cordão disse: "Abriste a porta!" e ma-
tou-a logo.
Depois foi ter com o pae e pediu a segunda filha, visto a primeira ter
morrido.
Com a segunda filha succedeu o mesmo.
Foi pedir a terceira filha. Ella a principio não queria, mas depois ce-
deu.
Casaram e já no palacio o ladrão disse o mesmo á sua nova mulher:
Que abrisse todas as portas menos a tal; e lançou-lhe o cordão ao
pescoço e poz-lhe os anneis nos dedos.
Ella, assim que elle sahiu, tirou o cordão e foi abrir a porta. Viu lá muitos doentes e entre elles um principe; esteve tratando de
todos e depois, ás horas de vir o seu homem, pôz o cordão, e o ho-
mem que não viu o cordão ensanguentado, julgou que ella não tinha
aberto a porta e ficou muito contente.
Estava lá entre os doentes o tal principe, e ella com o andar dos tem-
pos pôl-o bom de todo e agradou-se muito d'elle, e elle d'ella, até
que um dia ajustaram fugir d'aquelle palacio os dois.
Mas o principe disse á rapariga que recolhesse em dois saccos algu-
mas pedras e alguma areia.
Ella assim fez, e n'uma manhã fugiram em dois cavallos que foram
buscar á cavallariça do palacio.
Já iam a grande distancia quando viram vir um gigante, que era o la-drão, montado n'um cavallo branco a correr a toda a brida; e vae o
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
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principe diz para a rapariga, que despejasse o sacco da areia, e fez-
se logo uma grande montanha d'areia entre elles e o gigante.
Mas ao fim d'algumas horas de caminho lá apparece outra vez o gi-
gante no cavallo branco a descer a montanha a galope, e diz o princi-
pe para a rapariga:
"Despeja o sacco das pedras" e fez-se logo uma grande montanha de
penhas entre elles e o gigante, e nunca mais o viram.
Chegados ao palacio do principe casaram e tiveram muitos filhos… e
ainda faz quarta feira tres semanas que eu lá fui tomar chá.
(Elvas)
A. THOMAZ PIRES.
----------------------------------- Ver também - nesta colecção - XXXI - "O gigante"
joraga.net/contos/Tradicao_Serpa_54_TPires31_oGigante
Biblioteca Nacional Digital - Contos Tradicionais
http://purl.pt/230/1/l-81262-p/l-81262-p_item1/P181.html
A Mão do Finado - de Alexandre Dumas
in - instituto brasileiro arte e cultura
http://www.ibacbr.com.br/?dir=acervo&pag=biblioteca&opc=01056
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
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CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
XLIII - "O piolho"
Por A. Thomaz Pires
Elvas
In Tradição II vol. Anno V, Nº 9, Serpa, Setembro de 1903, Volume V, pp. 140 a 144 (série de 4 contos)
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
Estórias de Luzia Teresa - por Altimar Pimentel
http://books.google.pt/o+piolho+do+rei
O piolho
Era uma vez um rei que tinha uma filha, e o pae disse para a filha:
"Cata-me aqui um bocadinho".
E ella disse: "Os reis não teem piolhos". Mas sempre o catou e lá en-
controu um, e disse:
"Piolho de rei não se mata". Metteu o piolho numa gaiolla, e elle foi crescendo, crescendo, e já es-
tava d"um grande tamanho, e o rei disse que se tinha de matar o pio-
lho, e a filha disse que dos ossos se havia de fazer uma cadeirinha
para ella subir para a cama e uma escada para o pae subir para o
throno, e quem adivinhasse de que era feita a cadeira e mais a esca-
da, que havia de casar com ella.
O pae disse que sim e mandou deitar um pregão para toda a gente
que adivinhasse ir lá ao palacio.
Uma vez estava a princeza com uma das aias á janella e estava di-
zendo para a aia:
- Ora quem será capaz de adivinhar que dos ossos d'um piolho se fez
uma cadeira e uma escada?
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
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Ia passando por debaixo da janella um velho. Ouviu e correu logo pa-
ra palacio.
Perguntaram-lhe de que era feita a cadeira e a escada, e elle respon-
deu a tudo.
Depois o pae não queria que a princeza casasse com o velho, mas el-
la quiz, para cumprir a sua palavra.
Casou e depois foi a correr mundo com o velho.
Já ia farta do velho e chegou lá a um poço e disse-lhe:
- Olha, vê lá que bonito é este poço.
Elle foi a olhar e ella deitou-o para dentro do poço, e poz se a dizer de cima:
- Já estou livre do espirito de pobre.
E o ecco respondeu, e ella imaginava que era o velho que lhe falava
lá de baixo. Depois disse:
- Ainda não estou livre; vou-me a fingir muda.
Foi lá para umas montanhas.
De uma vez veio o rei á caça.
Esteve-lhe falando, perguntando quem era o pae, quem era a mãe e
ella não lhe respondia.
E o rei disse:
- Já sei que és muda; agora levo-te para palacio, no fim de sete an-
nos se falares caso comtigo, se não falares não caso.
Passaram os 7 annos e ella ainda não tinha falado.
O rei casou com outra, e era permittido a toda a gente fazer um doce
para o casamento do rei.
A muda fez tambem o doce e disse:
- Já estou livre do espirito de pobre.
Como viu que não lhe respolldeu ninguem (já não ouvia o eco) disse:
- Já estou livre, já estou.
Vestiu-se ainda mais bonita que a noiva e pôz-se á porta do palacio a
esperar os noivos.
Assim que a rainha chegou disse para a que se fazia muda:
Menina das montanhas!
Que fato, que danhas?
Respondendo a que se fazia muda:
Que senhora tão assanhada,
Assim que chega logo fala;
Ha sete annos estou eu aqui
E só hoje minha bocca abri.
Depois o rei, mandou a rainha embora para a sua terra e casou com
a princeza que se fazia muda.
Está o meu conto dito, seja Deus bemdito.
(Elvas)
A. THOMAZ PIRES.
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
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CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
XLIV - "A preguiçosa"
Por A. Thomaz Pires
Elvas
In Tradição II vol. Anno V, Nº 9, Serpa, Setembro de 1903, Volume V, pp. 140 a 144 (série de 4 contos)
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
animaisamazonia.blogspot.com/2008/06/bicho-preguia
A preguiçosa
Era duma vez uma mulher e tinha uma filha que era muito preguiço-
sa, não queria fazer nada, ou antes, só queria fazer papas e comêl-
as.
Ver receitas… - receitas de Miss Slim
receitaslightmissslim-xarem-com-ameijoas-feito-pela-minha-mame
A mãe zangava-se muito com ella, e batia-lhe, mas era o mesmo que
nada, não queria trabalhar.
Defronte havia uma estalagem e a dona era muito amiga da mãe da
rapariga, e ás vezes dizia a esta que não fosse preguiçosa, mas a ra-
pariga não fazia caso.
Costumava ir para a estalagem um negociante que começou a repa-rar que a vizinha batia muito na rapariga e perguntou á dona da esta-
lagem porque era aquillo.
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
201
E ella disse-lhe:
- Porque trabalha muito, porque não quer senão estar a fiar, e a mãe
não quer que ela trabalhe tanto, porque é muito fraca.
O homem ficou muito indignado e disse que se a rapariga quizesse
casar com ele, que a livrava d'aquelle martyrio; que ia fazer uma via-
gem e que a incumbia de lhe falar a semelhante respeito e lhe daria a
resposta quando elle voltasse.
Assim que elle marchou foi dizer á rapariga que o hospede queria ca-
sar com ella e a rapariga disse que sim, que casava.
Quando veio o hospede perguntou se já tinha fallado á rapariga e o que tinha dito.
- Que não se lhe dava de casar, mas que não queria sahir da terra.
E elle disse que estava bem, pois ia fixar a sua residência ali; que ia
fazer outra viagem e quando voltasse se fazia o casamento.
Quando voltou, arranjou uma casa, mobilou-a e um dos quartos
guarneceu-o todo de estrígas de linho, fechou-o e guardou á chave.
No dia do casamento foi mostrar a casa e quando abriu a porta
d'aquelle quarto disse para a mulher: - que ali tinha para se entreter,
mas que não queria que o fiasse todo.
D'ahi a dias teve que ir fazer uma viagem e quando se despediu da
mulher disse: que não queria que fiasse muito.
E ela quando viu que eram vesperas de o marido voltar foi buscar uma estriga de linho para ver se podia fiar, mas era coisa que não
sabia.
ensarilhar o linho...
http://eb1felgueirasresende.blogspot.com/
Poz o linho na roca e foi fazer uma tachada de papas, trouxe-a para o meio da casa, sentou-se no chão, mergulhou a roca nas papas e co-
meçou a lambel-as e a dizer:
"Isto assim poderá ser que se fie bem".
E foi a querer rodar o fuso mas não sabia.
Defronte, na dita estalagem, estava um hospede, homem muito rico,
e casualmente viu aquelle ensaio.
Chamou a estalajadeira, que lhe explicasse o que era aquilo?
A estalajadeira explicou lhe e o homem disse que queria lá ir, e foi
com a estajaladeira.
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
202
Esteve fallando com a mulller, que lhe explicou a sua affiicção, por-
que tinha uma casa cheia de linho e não sabia como havia de fiar al-
gum antes que o marido viesse.
O homem disse á estalajadeira que mandasse vêr quem fiava linho
na terra, para se fiar todo.
Foi ella logo e mandou uma porção para cada lado, de maneira que,
quando o negociante veio estava o linho todo fiado e posto nos seus
logares, mas depois a visinha e a mãe lembraram-se de que elle
compraria outra porção egual águella e ficaria ella nas mesmas diffi-
culdades; por isso no dia em que o marido veio mandaram-n'a metter na cama, cingiram-n'a toda de nozes, e disseram-lhe que quando elle
viesse e a fosse abraçar lhe dissesse:
-Ai! não me toques, não me toques! que tenho os ossos todos des-
conjuntados! E elle ficou todo affiicto e disse:
--Queres apostar que fiaste muito? E ella muito lastimosa respondeu:
-Vae lá vêr, vae lá vêr!
tascar o linho...
joraga.net/feiradecastro-linho
Elle foi, viu tudo fiado, ficou muito zangado e ralhou com ella, pois
não queria que fiasse uma brutalidade d'aquellas!
E disse á visinha que fosse chamar um medico para a tratar, e que
explicasse ao medico o que tinha sido para elle saber.
Veio o medico e disse que a doente precisava de muito socego, e de
não trabalhar mais, se o marido queria ter mulher.
E seja Deus louvado, está o meu conto acabado.
(Elvas)
A. THOMAZ PIRES.
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
203
CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
XLV - "o príncipe porquinho"
Por A. Thomaz Pires
Elvas
In Tradição II vol. Anno V, Nº 9, Serpa, Setembro de 1903, Volume V, pp. 140 a 144 (série de 4 contos)
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
O Príncipe Porco e a Primeira Noiva, Paula Rego, 2006
O Príncipe Porco Casa com a Terceira Irmã, Paula Rego, 2006 (outra versão)
mariatrapo.blogspot
O Príncipe e a Sedução do Príncipe de Paula Rego
www.casadashistoriaspaularego
alexandrepomar.typepad.com/alexandre_pomar
O príncipe porquinho
"Era d'uma vez um rei e uma rainha, e a rainha teve um filho, mas do
feitio d'um porquinho, e ficaram os paes muito desgostosos. Manda-
ram-n'o crear fóra do palacio, ás escondidas, e a fim de tempos o
principe porquinho casou com a filha d'um alfaiate, e esta, uma noite,
quando o principe porquinho dormia, tirou-lhe a pelle e lançou-a n'u-
ma fugueira.
E diz lhe o principe porquinho:
Agora, se me quizeres vêr,
Sapatos de ferro has de romper.
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
204
E desappareceu. E ella mandou fazer uns sapatinhos de ferro e foi a
correr mundo em procura do principe.
Um dia ella chegou a casa da Lua e perguntou-lhe pelo principe por-
quinho.
A Lua disse que quem sabia d'elle era o Vento, e que tosse da parte
d'ella ter com o Vento e para signal deu-lhe uma noz que tinha den-
tro uma roca d'oiro.
Ella foi a casa do Vento e o Vento disse-lhe que quem sabia do princi-
pe porquinho era o Sol, que fosse da parte d'elle ter com o Sol, e pa-
ra signal deu lhe uma castanha que tinha dentro uma gallinha com pintos d'oiro.
Ella foi a casa do Sol e o Sol disse-lhe onde estava o principe porqui-
nho e ensinou-lhe o caminho do palacio onde elle estava, e deu-lhe
uma boleta que tinha dentro uma dobadoira d'oiro.
Ella chegou defronte do palacio e pôz-se a trabalhar com a dobadoira.
As criadas do palacio foram dizer á rainha que estava ali uma menina
a dobar oiro fino n'uma dobadoira d'oiro.
A rainha mandou-lhe a dizer se queria vender a dobadoira e ella dis-
se:
- Dou-a de graça se me deixarem ir ao quarto do príncipe.
E tirou os pintainhos d'oiro da cesta e pôz-se-lhes a dar de comer.
As criadas foram dizer á rainha. A rainha quiz comprar os pintainhos, e ella:
- Dou-os de graça com a dobadoira se me deixarem ir ao quarto do
principe.
E tirou a noz e pôz-se a fiar na rouca d'oiro. A rainha quiz comprar
tudo, dubadoira, roca, gallinhas e pintos, e ella disse:
- Dou tudo, tudo, de graça, se me deixarem ir ao quarto do principe.
A rainha, a poder de tanto, disse que sim, e ella foi.
Entrou no quarto, e a poder de muitas lagrimas e de muitos pedidos
fez as pazes com o principe, que já não era um principe porquinho,
mas um principe de verdade, e viveram muito felizes.
(Elvas)
A. THOMAZ PIRES
Ver Também:
UTAD - Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro repositorio.utad.pt/bitstream/10348/70/4/msc_cdsfernandes_anexo.pdf
Universidade de Évora – Minerva
minerva.uevora.pt/publicar/conto-corvo.htm
Casa de Sarmento - Universidade do Minho
csarmento.uminho.pt/docs/ndat/rg/RG100_09.pdf Provérbios Portugueses e Brasileiros:
hkocher.info/minha_pagina/port/port
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
205
Alguns exemplos in TRADIÇÃO – SERPA
PROOVERBIOS & DITOS
(Continuados da pag. 80)
CDLXXXII
O que faz o ladrão é a occasião.
CDLXXXIII
O mundo é uma bola: tanto anda como desanda.
CDLXXXIV
Sardinha que o gato leva, gualdida vae ella.
CDLXXXV
Nós é coisa atada.
CDLXXXVI
Não anda, que está coxo d'uma banda.
CDLXXXVII
Ninguém faça mal á espera que lhe venha bem.
CDLXXXVIII
Não vás a boda nem a baptisado para onde não fores convidado.
CDLXXXIX
Não ha divida que se não pague, se o devedor não morre.
(Continua)
(Da tradição oral, em Serpa)
M. DIAS NUNES
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
206
CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
XLVI - "O Mouco"
Por A. Thomaz Pires
Elvas
In Tradição II vol. Anno V, Nº 10, Serpa, Outubro de 1903, Volume V, pp. 160
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
mal-entendidos… que podem dar pancadaria…
files.cbecteologia.webnodemal_entendido
O Mouco
Era d'uma vez um homem que era mouco, estava n'uma herdade, e,
vendo vir outro homem, disse:
Alem vem um homem que me hade perguntar d'onde eu sou, e eu
digo-lhe:
De Barcellos.
Hade-me perguntar por onde é o caminho, e eu digo-lhe:
Alem por aquelles outeiros abaixo.
Hade-me perguntar que fundura tem este poço e eu digo lhe: Este pau até ao nó.
Chegou o homem e disse:
- Guarde-o Deus, camarada.
- De Barcellos, disse o mouco.
- Não lhe digo isso, digo-lhe que o guarde Deus.
- Além por aquelles oiteiros abaixo.
- Olhe que lhe metto este pau pela bocca.
- Este pau até ao nó.
O homem, zangado com as respostas, deitou a bater no mouco e dei-
xou-o como um S. Lazaro.
(Elvas)
A. THOMAZ PIRES
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
207
LÁZARO
astrothon.com/PinturaSanLazaroResucitado
VER LENDAS de LÁZARO: http://www.astrothon.com/Planetas/SubPlanetas1189801624It006
São Lázaro, o amigo de Jesus
«São Lázaro, o amigo de Jesus, teve a sorte de ser o protagonista de um dos milagres maiores de Jesus Cristo, já que foi ressuscitado pelo
Senhor depois de quatro dias de haver falecido.
O Evangelho conta que Lázaro era irmão de Marta e Maria, residindo
a família em Betânia, próximo de Jerusalém.
Doente de mal da pele, corre na região a notícia da morte de Lázaro,
amigo de Jesus.
Nessa ocasião, Jesus, acompanhado dos apóstolos pregava ao povo
às margens do rio Jordão.
Ao ter notícia da morte do amigo, Jesus desloca-se, com os apósto-
los, para Betânia. A viagem demorada fez com que Jesus e os discí-
pulos só lá chegassem quatro dias após Lázaro ser sepultado, estan-
do o corpo em franca decomposição.
Conta São João (Evangelho XI e XII, II) que, ao chegar a Betânia, Je-sus, sempre acompanhado dos apóstolos e de enorme massa popu-
lar, dirige-se ao túmulo de Lázaro e, diante de todos, inclusive de
Marta e Maria, mandou abrir a laje e, em voz forte e segura, orde-
nou: "Lázaro, levanta-te e caminha".
Diz a lenda que Lázaro se levantou da catacumba e, ainda envolto
nas faixas mortuárias, o rosto coberto com o véu funerário, cami-
nhou.
Grande milagre o da ressurreição de Lázaro, concorrendo para en-
grandecer mais ainda a figura de Jesus, mas acendendo maiores
ódios nos fariseus.
A lenda registra Lázaro, mais tarde, residindo na Provença com as
duas irmãs. Lá está em Marselha, em veneração, a cabeça de São Lá-zaro, santificado como verdadeiro mártir, ele que chegou a primeiro
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
208
bispo da cidade. Em outra versão Lázaro e suas irmãs vão para Chi-
pre onde ele se torna bispo de Kition ou Lamaka. As suas supostas
relíquias teriam sido transladadas para Constantinopla e varias igre-
jas e capelas foram erigidas em sua honra na Síria.
A Basílica de São Lázaro, santo padroeiro de Lanarka, construída em
890 DC era um templo cristão do quinto século no qual existia um
sarcófago com a com a inscrição: "Lazarus, o amigo de Cristo". Isto
reforça a tradição que ele viveu sua "segunda vida ressuscitado" em
Kition, Lanarka.
Da análise dessas duas passagens da lenda parece haver confusão de nomes. Talvez duas criaturas sofrendo do mesmo mal, recebendo a
segunda, por semelhança, o mesmo nome da primeira e, por exten-
são, dado o nome de Lázaro a todo portador da moléstia maldita.
A devoção a Lázaro era muito comum na igreja antiga. Na Idade Mé-
dia São Lázaro tornou-se o padroeiro dos leprosos pela associação er-
rada feita com seu homônimo narrado na parábola de Lucas - Lázaro
e do Rico.
Conta a parábola: Um nababo esbanjava o dinheiro em luxo e ban-
quetes. Enquanto isso, um pobre infeliz, coberto de chagas, - Lázaro,
impedido de apanhar as migalhas dos festins, é enxotado por todos,
que se repugnam do aspecto deplorável da figura chaguenta. Só os
cães dele se aproximam, lambendo-lhe as feridas. (Daí a crença po-pular de que qualquer ferida, lambida por um cão, fecha sem mais
remédio).
A morte, porém, pôs termo aos males do infeliz. Afirma a lenda
evangélica que recebeu compensação, a alma subiu aos céus, ao seio
de Abraão, aos páramos de Deus.
Os tesouros do nababo não impediam que ele morresse e descesse
ao inferno.
De lá, registra textualmente a parábola, teria o rico, abraçado pelo
fogo do inferno, rogado:
- Abraão, tende piedade de mim, manda que Lázaro com a ponta do
seu dedo molhe a minha língua, porque sofro terrivelmente no meio
destas chamas.»
astrothon.com/Planetas/SubPlanetas
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
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CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
XLVII - "Os sete veados"
Por A. Thomaz Pires
Elvas
In Tradição II vol. Anno V, Nº 11, Serpa, Novembro de 1903, Volume V, pp. 172 a 176 (série de 7 con-
tos)
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-gistada na época.]
santohuberto.com/galeria_foto/647veado
Os sete veados
"ERA d'uma vez um homem e uma mulher que tinham sete filhos e
ao fim de tempos deu-lhes Nosso Senhor uma filha, e os sete rapazes
ficaram indignados pelo nascimento da irmã, e a ponto de abalarem
de casa e irem a correr mundo.
A filha foi crescendo, crescendo, e um dia a mãe, zangando-se com
ella, disse-lhe:
- Por tua causa andam sete moços como sete perolas por esse mundo
passando trabalhos.
- A filha pediu á mãe que lhe dissesse o que queriam dizer aquellas
palavras e ella contou-lhe o que se tinha passado; e disse a filha:
- Pois vou eu em procura dos meus irmãos.
Os paes não a queriam deixar ir; mas ella disse que queria ir tambem
passar os trabalhos que os seus sete irmãos estavam passando por sua causa, e, pedindo, a benção aos paes, pôz-se a caminho.
Foi andando, andando; era quasi noite e encontrou uns casarões ve-
lhos onde se recolheu, e como era cuidadosa, pôz-se a arranjar as
casas, a fazer as camas e a pôr tudo na ordem. N'isto sentiu rumor e
vendo entrar sete homens muito mal trajados, teve um grande susto
e escondeu-se. Os homens ao repararem no arranjo da casa admira-
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
210
ram-se e procurando quem tinha sido a arranjadeira encontraram a
rapariga toda a tremer, anichada a um canto.
Metteram-n'a em confissão e ella contou tudo, e então conheceram
os homens que estavam em frente da sua irmã, e começaram a tra-
tal-a mal, excepto o irmão mais novo, que ao ouvir-lhe dizer que
queria passar trabalhos juntamente com elles, teve muito dó e pediu
aos irmãos que a consentissem na sua companhia.
Os irmãos cederam, mas de má vontade, e com a condição de lhes
servir de criada e de todas as noites, ao voltarem das rusgas, lavar
os pés a todos, e recommendaram muito á irmã que nunca fosse buscar agua a uma fonte que estava ao lado dos casarões, e que to-
masse n'isto multo sentido. A irmã assim o prometteu.
Grutas do Poço Velho – Cascais
agendaculturaldecascais.blogspot-grutas-do-poco-velho
Ora a razão porque os homens não queriam utilisar-se da agua d'essa
fonte, era porque, quando elles sahiram de casa dos paes, arvora-
ram-se n'uma companhia de ladrões, e entre muitos roubos e assas-
sinatos que fizeram, roubaram e mataram um gigante que vivia
n'aquelles casarões, e no sitio em que o gigante foi morto, e em que
se espalhou o sangue, appareceu a fonte, a tal de que não queriam
servir-se.
Todas as noites a rapariga lavava os pés aos irmãos quando elles re-
colhiam, e lavava-Ih'os com agua quente; mas d'uma vez quiz pôr a
agua ao lume e conheceu que não a havia no pote e ficou afflicta, mas disse comsigo:
- Ora vou buscal-a ali á fonte, elles não sabem se lhes lavo os pés
com essa agua ou com outra.
Foi buscal-a e pôz a agua ao lume.
Vieram os irmãos, e, antes de cearem, a irmã foi lavar-lhes os pés"
começando pelo mais velho. E assim que ella começou a lavar-lh'os,
transforma-se o homem n'um veado e abalou.
Os outros perguntaram logo onde fora ella buscar a agua, e ella con-
fessou.
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
211
Zangaram-se muito, ella ficou toda aterrada, e os irmãos, que quize-
ram todos correr a sorte do mais velho, obrigaram-n'a a lavar-lhes os
pés na mesma agua.
Ella obedeceu a chorar, lavando os pés aos cinco irmãos mais velhos,
que se transformaram logo em veados e desappareceram, e ao irmão
mais novo não queria de modo nenhum lavar-lh'os, mas elle tanto
teimou, tanto, que não teve mais remedio senão lavar-lh'os tambem,
e transformando-se logo em veado, desappareceu como os outros.
E aqui ficou a pobre rapariga sósinha com a sua grande desgraça, e
pensou em matar-se.
holosgaia.blogspot
Levou a noite inteira a chorar e a lamentar-se; mas de manhãzinha appareceu-lhe o irmão mais novo, transformado em veado, e esteve-
a acariciando, mostrando ter muito dó d'ella; e todos os dias vinha o
veadinho trazer-lhe de comer.
Passaram tempos, e um dia appareceu por ali um principe á caça, e
vendo a menina agradou-se muito d'ella, porque era muito bonita, e
ella agradou-se do principe, e todas as tardes o principe ia ter com a
menina, até que por fim se dispôz a casar com ella e levou-a para o
palacio.
Ella tinha contado tudo ao irmão mais novo, que levou a bem o ca-
samento e lhe disse que á boquinha de todas as noites iria ao jardim
do palacio para a vêr e para fallar com ella.
Fez-se o casamento com grande pompa; mas as pessoas da côrte
não gostaram que o principe fosse casar com uma aventureira e pu-zeram-se a tramar contra a princeza, e logo que souberam que ella
todos os dias, ao lusco-fusco, ia sósinha a certo ponto do jardim e ahi
se demorava a conversar com alguem, avisaram o principe de que lhe
era falsa.
O principe espreitou tres vezes e conheceu que era certa a desconfi-
ança dos fidalgos.
De combinação com o rei seu pae, resolveu o principe que morresse
enforcada.
Foi logo mettida n'uma torre e no dia seguinte mandou o rei deitar
pregão de que a princeza ia a enforcar.
Reuniu-se muito povo de roda da forca esperando a princeza, e
quando esta chegou sentiu-se ao longe um grande estrugido, e o rei disse:
- Esperem, esperem, que todos te em direito a gosar do espectaculo,
e vem além gente a todo o escape.
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
212
Esperaram e viram vir sete veados; saltou o primeiro sobre a forca e
transformou-se logo n'um homem; saltaram mais cinco sobre a forca
e em homens se mudaram; e o ultimo veado, que era o mais peque-
no, esse teve de saltar tres vezes para se desencantar.
A princeza gritou para os sete irmãos, que a rodearam, e tudo o ir-
mão mais novo aclarou na presença de toda a côrte, e o motivo por-
que a irmã ia todos os dias ao jardim á hora do lusco-fusco.
Está o meu conto acabado, seja Deus louvado.
(Elvas)
A. THOMAZ PIRES
Remeter para "Branca de Neve e os Sete Anões":
http://marinaw.com.br/2003/03/
Nomes adoptados em Português - Brasileiro, no 1º filme da Walt Disney (22 de dezembro de 1937):
Dunga (Imberbe - Sem Barba - mudo), Dengoso (Teimoso), Soneca (Dorminhoco), Atchim (Constipado)
Feliz, Zangado e Mestre
Nomes em inglês lançados pela Walt disney: Biggy, Blabby, Dirty, Gabby, Gaspy, Gloomy, Hoppy, Hotsy, Jaunty, Jumpy, Nifty e Shifty. Atchim (no
original, Sneezy) foi o último anão a receber seu nome, já que até dias antes da estréia o nome do per-sonagem seria apenas Jumpy, mas o nome acabou sendo alterado de última hora para o nome que co-
nhecemos até hoje.
http://planetadisney.blogspot.com/2007/12/especial-branca-de-neve-e-os-sete-anes.html "Um dos maiores desafios de Branca de Neve era encontrar uma personalidade definida para cada um
dos sete anões. Os irmãos Grimm haviam-lhe conferido pouca definição na sua fábula original, e eles só
ganharam nomes, pela primeira vez, numa antiga montagem teatral, onde foram batizados de Flick, Glick, Blick, Snick, Plick, Whick e Queen.
Finalmente, o nome Mestre (Doc, no original) foi escolhido para o líder do grupo porque passava a idéia de uma pessoa amigável numa posição de autoridade; Atchim (no original, Sneeze) foi inspirado no ator
Billy Gilbert, que se havia tornado célebre por seu espirro hilário em vários filmes precedentes; Feliz
(Happy, no original) era um contraponto perfeito para Zangado (Grumpy); Soneca (Sleepy) e Dengoso (Bashful) eram nomes que davam margem a inúmeras possibilidades de idéias simpáticas e engraça-
das."
webcine.com.br/notaspro/npbranev
gpdesenhos.com.br/paginas/disney/osseteanoes
Em vídeo no Youtube - youtube.com/watch?v=22Qpq5IPNXM
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
213
CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
XLVIII - "D. Buenos"
Por A. Thomaz Pires
Elvas
In Tradição II vol. Anno V, Nº 11, Serpa, Novembro de 1903, Volume V, pp. 172 a 176 (série de 7 con-
tos)
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-gistada na época.]
Branca+Flor
D. Buenos
"Era uma vez uma menina muito bonita e essa menina pediu ao pae
para ir ao jardim.
O pae disse-lhe que não fosse porque era já tarde, mas ella teimou e
foi.
Ao depois perdeu-se no caminho e levou um dia e uma noite perdida.
Viu uma luzinha lá muito ao longe e foi direita a ella.
Chegou a uns pardieiros onde viviam duas velhas:
- Querem cá uma criadinha?
- Queremos.
E ficou. No dia seguinte perguntou:
- O que vou eu agora a fazer? - Olha, vaes agora ao campo a encher esta canastra de pennas de
passarinhos vivos.
Ella foi com a canastra, sentou-se n'uma rocha e pôz-se a chorar.
Appareceu-lhe um principe e disse-lhe:
- Então o que é isso menina?
- São duas mulheres que querem que eu encha esta canastra de
pennas de passarinhos vivos.
- Isso arranja-se; toucou uma buzina, vieram os criados do principe e
passadas algumas horas encheu-se a canastra de pennas de passari-
nhos vivos.
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
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E o principe disse á menina:
- Olha, se as duas feiticeiras te disserem que foi o D. Buenos, diz-lhe
assim:
Diabo levem a vocês,
E os anjos levem a mim,
Se eu já hoje vi D. Buenos,
Ou D. Buenos viu a mim.
No outro dia as duas velhas disseram á rapariga que fosse ao campo
com uma azada e que havia de trazel-a esfregada que parecesse oiro.
Accudiu-lhe outra vez o principe, e os criados esfregaram a azada que ficou como se fosse d'oiro; e o principe disse á menina:
- Olha que esta noite as tuas feiticeiras hão de querer incendiar-te a
cama, e tu não durmas; leva toda a noite aos ais.
Pela noite adiante, as camas que appareceram incendiadas foram as
das duas feiticeiras e ellas morreram no brazido.
Pela manhãsinha appareceu o principe á menina e disse:
- Olha, eu vou pedir ao meu pae para me deixar casar comtigo, tu fi-
cas aqui esperando assentada na rocha em que te vi da primeira vez,
que eu venho buscar-te para ires para o palacio.
A menina desatou a chorar e a dizer:
- Não me deixes aqui, porque te vaes esquecer de mim.
- Que estás a dizer? - Vaes; logo que te deixes dormir em palacio, esquéces-te de mim.
O principe prometteu que não fecharia os olhos em quanto a não vie-
sse buscar.
Mas ao chegar a palacio deu-lhe um grande somno e dormiu.
Esqueceu-se logo da pobre menina, que se chamava Guiomar.
Passados tempos havia tres dias de torneio no palacio do rei, e a Gui-
omar conseguiu entrar no jardim.
No torneio havia uma vaquinha que não queria andar e o principe tu-
do era tocar lhe para que se mexesse, até que uma menina do lado
diz:
Anda, anda, torneirinha,
Não queiras mais ateimar,
Não sejas como D. Buenos, Que se esqueceu de Guiomar.
Q principe pôz as mãos na cabeça, lembrou-se da sua princeza, viu a
menina e levou-a á presença do rei e da côrte, dizendo que ali estava
a prenda do seu coração - e casou com ella.
Conto acabado, dinheiro ganhado.
(Elvas)
A. THOMAZ PIRES
-------------------------------------
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
215
Ver também in.
"CENTRO DE ESTUDOS DOS POVOS E CULTURAS DE EXPRESSÃO PORTUGUESA Contos Populares Alentejanos recolhidos da tradição oral, António
Thomaz Pires. Edição crítica e introdução de Mário F. Lages
Lisboa, 1992, 157 p. (Estudos e Documentos, 4) ISBN 972-9045-01-1"
ucp.pt/site/resources/documents/CEPCEP/coleccao11
notas:
wikipedia-Brancaflor
"Brancaflor Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Brancaflor (Francês: Blanchefleur) é o nome de várias personagens das histórias do
Ciclo Arturiano.
No Romance do Graal de Chrétien de Troyes, Brancaflor é a senhora do Castelo da
Bela Guarida (Beaurepaire), cujos habitantes vivem infelizes em virtude de estarem sitiados pelas tropas do Rei Clamadeu. Perceval, pelo qual Brancaflor se apaixona,
consegue derrotar Clamadeu, libertar o castelo e restituir a alegria aos seus habi-
tantes.
Na obra Parzival de Wolfram von Eschenbach, Brancaflor (ali chamada Condwira-murs) torna-se mulher de Perceval, de quem tem dois filhos: Kardeiz e Lohengrin.
Brancaflor é também o nome da mãe de Tristão na obra Tristão e Isolda."
Ver Também - A Menina e a Preta – cvc.instituto-camoes.pt/bdc/etnologia/revistalusitana
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
216
… Ver ainda, também - Branca Flor – in
Contos Tradicionais Portugueses, Iniciativas Editoriais, Lisboa, Edição especial para Livraria Figueirinha - Porto - volume IV, pp. 965 - 976 (por D. Ana de Castro Osório). Ver, no final, pp. 975 e 976:
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
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CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
XLIX - "Abre-te flor de liz"
Por A. Thomaz Pires
Elvas
In Tradição II vol. Anno V, Nº 11, Serpa, Novembro de 1903, Volume V, pp. 172 a 176 (série de 7 con-
tos) - [Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a
grafia registada na época.]
em: bengalas.blogspot.com/
Abre-te flor de liz
"Era d'uma vez dois compadres, um pobre e outro rico.
O compadre pobre, um dia, foi ao campo e junto de umas pedras viu
uns ladrões carregados de muitas riquezas, e escondeu-se.
E ouviu dizer a um d'elles: Abre-te, flor de liz. E viu uma das pedras abrir-se e entrarem todos os ladrões pelo buraco e fechar-se depois a
pedra.
Passado algum tempo abriu-se outra vez a pedra e sahiram todos os
ladrões, deixando lá as riquezas, e fechou-se a pedra á voz de um
d'elles: Fecha-te, flor de liz.
Deixou-os afastar e quando já os não via chegou elle á pedra e disse:
Abre-te flor de liz. A pedra abriu-se, elle entrou pelo buraco e disse:
Fecha-te flor de liz.
A pedra fechou-se e elle foi lá baixo e encontrou grandes riquezas.
Encheu-se de todo o dinheiro que poude carregar, e dando ordem á
pedra para se abrir e depois para se fechar, veio para sua casa já fei-
to um grande senhor. Passados dias contou tudo ao compadre rico, e este pediu-lhe por tu-
do quanto havia que lhe dissesse onde era o sitio da pedra. O com-
padre disse lhe e elle foi lá sósinho: Abre te flor de liz! e a pedra
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abriu-se; elle desceu e disse: Fecha.te flor de liz! e a pedra fechou-
se.
Foi lá baixo e encheu-se de riquezas, mas quando quiz sahir não se
lembrou do nome da pedra, e tudo era: Abre-te couve! Abre-te, co-
entro! Abre-ta alface! …
E a pedra moita.
La ficou, e depois vieram os ladrões, deram com elle e mataram-n'o.
(Elvas)
THOMAZ PIRES Ver Ali-Baba e os 40 ladrões (das Mil e Uma Noites):
wikipedia.org/wiki/Ali_Baba - donatien.files.wordpress.com/2007/05/alibaba
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
219
Ver também In - eb1-deixa-resto.rcts.pt/html/contostradiconis
HISTÓRIA DO COMPADRE RICO E DO COMPADRE POBRE
«Moravam numa aldeia dois compadres. Um era pobre e o outro rico, mas muito
miserável. Naquela terra era uso todos quantos matavam porco dar um lombo ao abade. O compadre rico, que queria matar porco sem ter de dar o lombo, lamen-
tou-se ao pobre, dizendo mal de tal uso. Este deu-lhe de conselho que matasse o
porco e o dependurasse no quintal, recolhendo-o de madrugada, para depois dizer
que lho tinham roubado. Ficou muito contente com aquela ideia e seguiu à risca o que o compadre pobre lhe
tinha dito. Depois deitou-se com tenção de ir de madrugada ao quintal buscar o
porco. Mas o compadre pobre, que era espertalhão, foi lá de noite e roubou-lho. No
dia seguinte, quando o rico deu pela falta do porco, correu a casa do compadre po-bre e muito aflito contou-lhe o acontecido. Este, fazendo-se desentendido, dizia-
lhe: "Assim, compadre! Bravo! Muito bem, muito bem! Assim é que há-de dizer pa-
ra se esquivar de dar o lombo ao abade!"
O rico cada vez teimava mais ser certo terem-lhe roubado o porco; e o pobre cada
vez se ria mais, até que aquele saiu desesperado, porque o não entendiam. O que roubou o porco ficou muito contente e disse à mulher: "Olha, mulher, desta
maneira também havemos de arranjar vinho. Tu hás-de ir a correr e a chorar para
casa do compadre, fingindo que eu te quero bater; levas um odre debaixo do fato,
e quando sentires a minha voz, foges para a adega do compadre e enquanto eu es-tou falando com ele, enches o odre de vinho e foges pela outra porta para casa." A
mulher, fingindo-se muito aflita, correu para casa do compadre, pedindo que lhe
acudisse, porque o marido a queria matar. Nisto ouviu a voz do marido e correu pa-
ra a adega do compadre, e enquanto este diligenciava apaziguar-lhe a ira, enchia ela o odre. Tinha-lhe esquecido, porém, um cordão para o atar, mas tendo uma
ideia gritou para o marido: "Ah! Goela de odre sem nagalho!" O marido, que enten-
deu, respondeu-lhe: "Ah, grande atrevida!... Que se lá vou abaixo, com a fita do
cabelo te hei-de afogar!" Ela, apenas isto ouviu, desatou logo o cabelo, atou com a fita a boca do odre e fugiu com ela para casa. Desta maneira tiveram porco e vinho
sem lhes custar nada, e enganaram o avarento do compadre.»
In - wook.pt/ficha/historia-do-compadre-pobre-e-do-compadre-rico
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CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
L - "O pirolito"
Por A. Thomaz Pires
Elvas
In Tradição II vol. Anno V, Nº 11, Serpa, Novembro de 1903, Volume V, pp. 172 a 176 (série de 7 con-
tos) - [Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a
grafia registada na época.]
http://conversasimagens.no.sapo.pt/noddy.jpg - http://merdock-litoral.blogspot.com/2008/01/o-
pirolito.html
O pirolito
Era d'uma vez uma mulher que tinha um filho e uma filha, elle era o
pirolito e ella a pirolita; mandou os dois, um para a escola e o outro
para a mestra, e o que chegasse primeiro a casa ganhava um bocadi-
nho de pão e queijo.
Chegou primeiro o pirolito e disse-lhe ella:
- Olha, põe alem uma mesa, um alguidar debaixo e uma faca, e põe-
te em cima da mesa a dormir a sésta.
Elle assim fez. Depois a mãe quando o sentiu a dormir, matou o, e
fez d'elle um guizado.
Veio a pirolita. - Mãe, já veio o pirolito?
- Ainda não; toma lá um bocadinho
de pão e queijo e vae levar o jantar
a teu pae, mas não espreites, nem
proves.
Ella chegou lá muito adiante e quiz
ver o que era o jantar; viu o pirolito
e começou a chorar.
bichafemea.com/blog/picnic-basket
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
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Chegou ali Nossa Senhora e perguntou-lhe porque chorava.
Ella contou-lhe, e Nossa Senhora disse:
- Não chores; em teu pae estando a jantar há de te chamar para co-
meres tambem, mas tu dize-lhe que não tens vontade, e depois d'elle
jantar reune os ossinhos e deita-os para o rio.
http://raparigadaslaranjas.blogs.sapo.pt/
Ella fez o que Nossa Senhora lhe disse; deitou os ossinhos para o rio,
e sahiu de lá o pirolito todo cheio de laranjas, e foram os dois irmãos
para casa.
Diz lhe agora a mãe:
- Pirolito, dás-me uma laranja? - Não, que me mataste.
Diz-lhe agora o pae:
- Pirolito, dás-me uma laranja?
- Não, que me comeste.
Diz-lhe agora a pirolita:
- Pirolito, dás-me uma laranja?
- Toma-as lá todas, que me salvaste.
A tua bocca cheia de anjinhos e a minha de confeitinhos.
(Elvas)
THOMAZ PIRES
Pode ver ainda: http://www.ucp.pt/site/resources/images/CEPCEP/est-doc%2011.jpg
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
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bdalentejo.net/BDAObra/obras/66/BlocosPDF/bloco12-109_118.pdf
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
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Ver ainda, também in - http://www.joraga.net/mertola/pags/20lendas2mito.htm
Várias referências ao hediondo crime de canibalismo, cometido por Tântalo, que
veio a sofrer um terrível castigo: "O suplício de Tântalo"!!!
"TANTALO e NÍOBE
«Tântalo, como filho de Zeus, era muito mais considerado pelos deuses do que
qualquer outro descendente mortal do Senhor do Olimpo - convidavam-no para a sua mesa, saboreava a ambrosia e o néctar, que
só ele podia partilhar com os imortais. Mais ainda:
honraram com a sua presença um banquete que
Tântalo ofereceu no seu palácio e condescende-
ram em conviver com ele na Terra. Em troca des-ses favores, ele agiu de modo tão medonho que
não houve ainda nenhum poeta que conseguisse
explicar cabalmente a sua conduta. Mandou matar
seu filho Pélope, cozinhá-lo num grande caldeirão e servi-lo aos deuses. Aparentemente tal acto te-
ria sido consequência de uma paixão de ódio que
nutria por eles e que o dispôs a sacrificar o filho, a
fim de lhes fazer sentir, o horror de serem cani-bais; mas também se põe a hipótese de ter queri-
do mostrar-lhes da maneira mais espantosa e
chocante, sem dúvida, quão fácil era para ele de-
sapontar as divindades temíveis, veneradas e humildemente adoradas. Com este escarnecer dos
deuses e a sua desmedida autoconfiança, Tântalo
nunca sonhou que os convidados descobrissem a
espécie de alimento que lhes apresentava. In ‗MITOLOGIA, de Edith Hamilton, entre as páginas pp. 357 – 362
Fora um louco! Os Olimpianos estavam a par do que se passava. Retiraram-se,
pois, do banquete execrando e insurgiram-se contra o criminoso que o havia ideali-
zado. O seu castigo ia ser de tal ordem, declararam, que ninguém, depois dele, ao ter conhecimento do sofrimento a que fora condenado, ousaria insultá-los de novo.
O superpecador foi colocado num poço, no Hades, mas sempre que na sua ator-
mentadora sede se inclinava para beber não conseguia chegar à água, pois ela de-
saparecia, infiltrando-se no chão, enquanto ele se curvava; quando se levantava, lá
aparecia a água novamente. Por sobre o poço pendiam árvores de fruto carregadas de pêras, de romãs, de maçãs rosadas, de doces figos. Todas as vezes que esticava
a mão para apanhar um fruto o vento punha os ramos fora do seu alcance, fazen-
do-os subir muito alto nos ares. Assim ficou para a eternidade, a garganta imortal
sempre sedenta, a fome no meio da abundância, incapaz de a satisfazer. Os deuses restituíram Pélope à vida, mas tiveram de lhe moldar um ombro de mar-
fim. Uma das deusas, uns dizem que Deméter, outros, Tétis, teria comido inadver-
tidamente do repugnante manjar; no momento em que os membros do rapaz fo-
ram repostos no seu lugar, deu-se pela falta de um ombro. Esta história detestável parece ter sido transmitida de geração em geração em toda a sua forma brutal e
crua, sem qualquer tentativa de aligeiramento; os gregos das épocas posteriores,
no entanto, protestaram contra ela, pois não era do seu agrado. O poeta Píndaro
chamou-lhe:
Conto envolto em mentiras reluzentes contra a palavra da verdade. Que não se fale de actos de canibalismo entre os deuses bem-aventurados!»
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CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
LI - "Gri. alerta. ladra. - Aun que seya el mismo Dios."
Por A. Thomaz Pires
Elvas In Tradição II vol. Anno V, Nº 11, Serpa, Novembro de 1903, Volume V, pp. 172 a 176 (série de 7 con-tos) - [Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a
grafia registada na época.]
Camponesa - Van Gogh 1885
http://sound--vision.blogspot.com/2009_09_01_archive.html
Gri. alerta. ladra.
Aun que seya el mismo Dios.
"Era de uma vez um homem que estava
n'uma quinta e a dona da quinta era hes-
panhola e tinha um rapaz, tambem hespa-
nhol, para levar todos os dias o jantar ao
homem, e o rapaz tinha um cão chamado
Gri. O rapaz quando ia levar o jantar, no
caminho assentava-se n'uma pedra e pu-
nha-se para o cão:
Gri, alerta, ladra,
Aun que seya el mismo Dios.
E dava volta á panella em que ia o jantar, e
dizia:
- Quien viene alla? Gravanços? Pase ade-
lante, que és gente redonda. artists-posters-uk.blogspotmuchacho-mexicano
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
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Outra volta á panella:
- Quien viene alla? Morcilla? Pase adelante, que és gente morena.
Outra volta á panella:
- Quien viene alla? Tocino? No temas, que no te bulo.
Outra volta:
- Quien viene alia? Lloriço? (Chorizo) Preso, como tres e dos seren
cinco.
bairrodooriente.blogspot_archive
Tantas vezes comeu o lloriço, que o homem foi falar com a ama e es-
teve-lhe contando que tudo lhe mandava no jantar menos chouriço.
A hespanhola disse-lhe que espreitasse o rapaz.
- Pois vou fazer isso, disse o homem.
Um dia deu com o rapaz sentado na tal pedra e a revolver a panella.
Escondeu-se detraz d'umas arvores e esteve espreitando.
Quando o rapaz chegou ao lloriço, e o prendeu como tres e dos seren
cinco, salta o homem detraz da arvore e diz:
- Larga o preso, larga o preso! e começou a tocar a fogo na freguezia
do espinhaço do rapaz.
(Elvas)
A. THOMAZ PIRES http://www.ucp.pt/site/resources/documents/CEPCEP/coleccao4.pdf
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226
CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
LII - "O principe encantado"
Por A. Thomaz Pires
Elvas In Tradição II vol. Anno V, Nº 11, Serpa, Novembro de 1903, Volume V, pp. 172 a 176 (série de 7 con-tos) - [Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a
grafia registada na época.]
http://marcosrafaelli99.blogspot.com/
O principe encantado
"Era d'uma vez um homem e uma mulher que tinham tres filhas, e a
mais moça foi a correr mundo.
Chegou lá a um palacio que estava todo de preto.
Entrou e não viu ninguem.
Ficou lá. Só quando estava a comer é que vinha sempre um passari-
nho a poisar-lhe no hombro, e não via mais ninguem.
O passarinho era um principe encantado, mas ella não o sabia.
Um dia ouviu uma voz perguntando-lhe se ella queria ver o pae, a mãe e as irmans.
Ella disse que sim, e a voz disse-lhe que fosse a um espelho, e n'elle
viu a mãe, o pae e as irmans. Depois a voz perguntou-lhe se ella
queria ir ver a familia. Disse que sim.
Appareceu-lhe um cavallo e a voz disse-lhe:
- Ahi tens esse cavallo para ires ver a tua familia, mas olha que te
has de lá demorar sómente uma semana; ao fim da semana, ao pri-
meiro grito que o cavallo der, has-de estar a despedir-te da tua fami-
lia, ao segundo grito has de vir a descer as escadas, e ao terceiro has
de estar a montar-te.
Ella assim o prometteu.
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
227
Chegou a casa do pae, e esteve contando á mãe tudo que lhe succe-
dia no palacio onde fôra ter, e a mãe perguntou-lhe se todas as noi-
tes não sentia na cama do palacio uma coisa fria.
Ella disse que sim. Perguntou-lhe se não tinha phosphoros. Ella disse
que não. Deu-lhe uma caixa de phosphoros e disse-lhe que quando
sentisse aquella frialdade, accendesse um phosphoro.
No fim da semana o cavallo deu os tres gritos, e ella despediu-se da
familia e marchou, amontada no cavallo.
Chegou ao palacio, e como era já noite, foi-se deitar.
Pela noite adiante sentiu uma coisa fria no seio. Accendeu um phos-
phoro e viu o passarinho a dormir na cama, e sem querer, deixou
cahir um pingo do phosphoro na cabeça do passarinho.
guisalla.files.wordpresspequeno-principe
O passarinho soltou um grito e transformou-se n'um principe, que
disse:
- Mesmo agora me quebraste o encanto, e em paga, vou casar
comtigo.
Seja Deus louvado, que é o conto acabado.
(Elvas) A. THOMAZ PIRES
http://www.aulas-fisica-quimica.com/imagens/fosforo.jpg
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228
CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
LIII - "Eu vi-te, Tu não me viste"
Por A. Thomaz Pires
Elvas In Tradição II vol. Anno V, Nº 11, Serpa, Novembro de 1903, Volume V, pp. 172 a 176 (série de 7 con-tos) - [Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a
grafia registada na época.]
apaixonadosporletramento.blogspot
Eu vi-te,
Tu não me viste
"Era d'uma vez um rei e uma rainha que não tinham filhos e viviam
muito desgostosos por isso, mas um dia, a poder de muitas promes-
sas, teve a rainha uma filha muito bonita, mas ao fim de tres annos,
uma velha roubou a filha á rainha, entregou-a a uma ama e metteu
ambas n'uma torre, e todos os dias ia levar-lhes de comer, e a comi-
da que levava, ou de carne ou de peixe, era sempre sem ossos e sem
espinhas.
Torre de Londres -filosofodepijama.blogspot
Passaram muitos annos e um dia a menina encontrou um ossinho no
jantar.
Escondeu o ossinho, e logo que poude poz-se, ás escondidas, a furar
com elle o sobrado por debaixo da cama.
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
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Tanto escarafunchou, tanto escarafunhou, que fez um buraco, e viu lá
em baixo um quarto todo illuminado e um principe deitado na cama.
O geógrafo, de Vermeer
scielo.br/img/revistas/pp.gif
Dos lencóes da sua cama fez a menina uma escada e foi lá baixo.
O principe tinha lá penna e papel, e ella depois de fazer o seu nome,
escreveu:
Eu vi-te,
Tu não me viste.
E foi se para o seu quarto pela escada dos lençóes.
O principe quando no outro dia viu o papel escripto, ficou todo admi-
rado.
Na segunda noite a menina fez o mesmo.
Na terceira noite o principe fazia-se dormido e quando ella estava a
escrever, apanhou-a e disse-lhe:
Eu apanhei te,
E não me fugiste.
E apanhada ficou para toda a vida porque
o principe, passados tres dias, pediu licen-
ça ao pae e casou com ella.
(Elvas).
(Continua)
A. THOMAZ PIRES
Ariel (já sem a cauda de sereia) e o Príncipe casaram… e foram felizes para sempre…
em: asprincesasdisney.blog.dada.net
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CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
LIV - "O Afilhado do Rei"
Por A. Thomaz Pires
Elvas
In Tradição II vol. Anno VI, Nº 1, Serpa, Janeiro de 1904, Volume VI, pp. 9 a 15 (série de 4 contos)
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
O Afilhado do Rei
"Na era dos affonsinos havia dois homens, um tinha um filho e o ou-
tro uma filha.
Os rapazes (jovens) já tinham 17 annos e namoravam-se, mas era por cartas, e um dia a rapariga mandou-lhe dizer para elle lhe ir falar
das dez para as onze.
O rapaz foi, mas tinha em casa um tio que era padre e só recolhia ahi
pela meia noite, e o rapaz era a primeira vez que sahia de casa, as-
sim, fóra de horas.
Estava o rapaz a falar com a rapariga e passou o tio; o sobrinho em-
buçou-se, mas ao tio não lhe escapou.
No outro dia o tio perguntou ao irmão se tinha sahido alguem na noi-
te antecedente d'aquella casa. O pae disse que não e o padre retru-
cou que tinha visto o rapaz na rua.
Sóva no rapaz, que, zangado, mandou dizer á rapariga que, se queria
fugir, arranjasse as suas coisas para aquella noite, que elle lá estaria, á meia noite em ponto, á porta d'ella com um cavallo.
em: vanuzapantaleao.blogspot
A rapariga disse que sim, e á meia noite fugiram.
Foram andando, andando, andando e chegaram a uma fonte; desce-
ram, estiveram bebendo agua e comendo alguma coisa.
Era já manhãsinha e avistaram uma terra e foram até lá.
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
231
No caminho atravessaram uma herdade muito grande e muito bonita
e elles foram procurar ao dono da herdade se a queria vender.
Disse-lhes que sim e compraram-n'a e mandaram fazer n'ella um pa-
lacete.
E o rei de Madrid costumava ir ali todos os annos fazer uma caçada e
não tinha visto ali palacete algum; admirou-se muito de ver umas ca-
sas tão bonitas e foi lá e dormiu no palacete aquella noite.
E depois o dono da casa convidou-o para ser padrinho do filho que ti-
nha nascido havia poucos dias. O rei disse que sim.
No outro dia foi o baptisado e o rei pintou o retrato d'elle no hombro esquerdo do afilhado e disse aos paes que em o seu afilhado tendo
13 annos que o apresentassem em palácio.
Foi-se embora o rei, e foi correndo o tempo.
Já tinha 13 annos o rapaz e o pae deu-lhe dinheiro para fazer a via-
gem e disse-lhe muito sério, que se encontrasse algum coxo ou al-
gum careca que voltasse para traz.
O rapaz topou com um coxo e veio para casa mais que depressa.
O pae riu muito e disse-lhe que não fizesse caso, que fosse.
rudeg.zip.net/images/careca
E foi, e lá caminho adiante encontrou um careca; esteve para voltar
para traz, mas não quiz que o pae se risse d'elle outra vez.
Diz-lhe agora o careca:
- Onde vae, meu menino?
- Vou ali a Madrid.
- Eu tambem quero ir.
- Mas atraz do cavallinho.
E foram. Chegaram lá muito longe e disse o careca:
- Olhe, eu agora durmo até á meia noite e o meu menino dorme da
meia noite até pela manhã, que eu acordo-o.
Pela manhã já o careca estava montado no cavallinho quando acor-
dou o rapaz.
-- Então o que é isso? - Então, até aqui veio o meu menino no cavallinho e agora vae ao
contrario.
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
232
O rapaz foi a pé; estava muito calor e tinha muita sêde, chegou lá a
um poço, e o careca diz:
- Tem sêde? Olhe eu ato a corda do cavallo á sua cintura, o menino
desce ao poço e bebe lá e quando matar a sêde eu puxo-o pela cor-
da, e depois vou eu beber da mesma maneira.
O rapaz tinha medo, mas a sêde era tanta, que se astreveu.
O careca nunca lhe fez mal e tirou-o do poço, mas antes de o tirar
obrigou-o a dizer, por juramento, que nunca havia de contar a pessoa
alguma, e durante toda a sua vida, o que o careca lhe tinha feito e ti-
nha para fazer.
Chegaram lá a Madrid e o careca foi-se apresentar ao rei como seu
afilhado e o rapaz como seu criado.
O rei já se não lembrava e diz assim:
- Ora! logo tive um afilhado careca!
Um dia havia lá toques no palacio, e o rapaz sabia tocar muitos ins-
trumentos e disse para os outros criados:
- Ora, se me emprestassem um instrumento eu ia aqui a tocar e ha-
via de dar brado.
Trouxeram-lhe um cornetim, e elle poz-se a tocar ao som dos toques
lá de cima, e tocava muito bem e só soava lá em cima o toque do cornetim.
O rei mandou logo saber quem era que tocava.
Disseram-lhe que era o criado do seu afilhado e o careca ficou ban-
zando e disse logo ao rei que o seu criado lhe dissera que era capaz
de ir desencantar a princeza real á torre das aguas vermelhas.
O rei chamou logo o rapaz e disse-lhe que havia de ir desencantar a
pinceza.
O rapaz foi para a cavallariça a chorar.
Ouviu uma voz que lhe perguntou por-
que estava assim esmorcido.
Elle disse:
Então eu não vejo ninguem! E disse-lhe a voz:
"Anda lá, não tenhas medo, conta as
tuas magoas".
E elle contou.
Diz-lhe agora a voz:
"Vae perguntar ao rei se te arranja tres
embarcações, uma de assucar, outra de
carneiros e outra de trigo".
blog-de-historia.blogspot/pequenas-batalhas-navais-iii-trafaria
O rei disse-lhe que sim, e o rapaz voltou a chorar para a cavallariça.
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
233
Diz-lhe a voz: "Não chores, olha, tu vaes mar fora e á primeira terra
que encon-tras desembarcas, e depois hade apparecer-te o rei das
moscas e tu diz-lhe:
O rei de Madrid aqui lhe manda de presente esta embarcação de as-
sucar para os seus vassallos; e tu arrecada o que te der o rei das
moscas.
Depois na segunda terra hade apparecer-te o rei das aguias e tu diz-
lhe:
O rei de Madrid aqui lhe manda de presente esta embarcação de car-
neiros para os seus vassallos; e tu arrecada o que te der o rei das
águias.
Depois na terceira terra hade apparecer-te o rei das formigas e tu
diz-lhe:
O rei de Madrid aqui lhe manda de presente esta embarcação de trigo
para os seus vassallos; e tu arrecada o que te der o rei das formi-
gas".
O rapaz partiu muito choroso, e assucedê-lhe tudo quanto a voz lhe disse.
Ora o rei das moscas deu-lhe uma aza, o rei das aguias deu-lhe uma
penna e o rei das formigas não lhe deu nada, mas disse-lhe:
Quando te vires n'alguma afflicção, brada por mim".
O rapaz perguntou ao rei das formigas se ainda era muito longe a
torre das aguas vermelhas.
O rei disse-lhe que já ficava perto e ensinou-lhe o caminho.
Chegou o rapaz á torre das aguas vermelhas, onde havia um gigante
que estava de posse da princeza real.
E disse o rapaz: E então o que heide eu agora fazer?
N'isto viu a princeza de traz de umas grades da torre e elle disse-lhe
cá de longe ao que vinha. E ella disse-lhe que tomasse cautela com o gigante, mas que este á
hora do meio dia deixava-se dormir e por mais que o chamassem não
acordava.
O rapaz chamou o rei das formigas e disse-lhe que á hora do meio
dia queria que se fizesse um buraco na parede da casa em que esta-
va a princeza para ella lhe cahir nos braços.
O rei das formigas chamou toda a sua gente e fizeram logo o buraco
e a princeza cahiu nos braços do rapaz.
A princeza disse que não se ia d'ali embora sem que lhe trouxessem
uma garrafa que estava no ultimo andar da torre.
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
234
O rapaz chamou pelo rei das aguias e disse-lhe o que queria. O rei
das aguias foi buscar a garrafa e apresentou-a no bico ao rapaz.
Depois a princeza disse que tinha muito medo que quando o gigante
acordasse e a não encontrasse na torre elle viesse a correr atraz
d'ella.
(Ver história: Águia ou Galinha?)
wiki.softwarelivre/Blogs/BlogPostVicenteAguiar
O rapaz chamou o rei das moscas e disse-lhe que com todas as suas
artes livrasse a princeza do gigante.
E os dois foram para as embarcações e partiram logo.
O gigante quando acordou viu o buraco na torre mas já não viu a
princeza, nem rastros d'ella.
Poz se a gritar como um furioso, mas o rei das moscas com todo o seu exercito pôz-se a zumbir de roda d'elle e a picarem-lhe os olhos e
a entrarem-lhe pelo nariz, pelos ouvidos, pela bocca, até que o suffo-
caram de todo.
Já o rapaz e a princeza estavam em Madrid e a princeza foi ao seu
gabinete a lavar-se e a vestir-se para se apresentar ao pae, que ella
era a filha do rei, e o rapaz foi para a cavallariça onde já não encon-
trou o seu lindo cavallinho e pôz-se a chorar.
Houve grandes festas no palacio pela chegada da princeza, e a prin-
ceza levava uma cadellinha.
O careca assim que soube que o rapaz tinha trazido a princeza jurou-
lhe pela pélle, e d'uma vez pediu ao padrinho para o deixar ir a uma
caçada com o seu criado, o rapaz, já sê vê. Foi, chegou lá muito longe e deu um tiro no rapaz deixando-o morto
no campo.
Ora a cadellinha da princeza andava sempre atraz do rapaz, e na ca-
çada não se tirou do pé d'elle, e depois de o vêr morto ali ficou.
Só lá muito de noite é que veio apparecer á princeza, a ganir muito e
a empinar-se todo para ella.
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
235
A princeza disse:
"Já sei, morreu o teu dono." E ordenou á gente do palacio que prepa-
rassem archotes e a acompanhassem da parte do rei.
A cadellinha ia adiante e elles seguindo a cadellinha.
Chegaram lá ao sitio e viram o rapaz morto, e a princeza mandou que
se retirasse toda a gente, e como tinha levado o frasco da torre das
aguas vermelhas, pôl-o á bocca do rapaz. O rapaz voltou logo a si
porque o frasco continha esprito da vida.
E a princeza obrigou o rapaz a contar tudo quanto lhe tinha aconteci-
do com o careca para saber o motivo que havia para elle o matar.
O rapaz não queria em vistas do juramento que tinha feito de nada
dizer até ao fim da sua vida.
A princeza disse-lhe que não tivesse escrupalos, porque elle já tinha
morrido e a vida que tinha agora só a ella a devia.
O rapaz contou tudo. Vieram para palacio. A' hora do jantar pergun-
tou a princeza ao pae que qualidade de homem era aquelle? e apon-
tou para o careca.
- E' meu afilhado.
- Mas todos os seus afilhados teem o retrato de meu pae no hombro esquerdo e veja o meu pae se o careca o tem.
O careca não queria despir o casaco, mas o rei tanto se zangou que
elle com medo declarou logo que não tinha no hombro tal retrato.
E diz-lhe agora a princeza:
- Como hasde tu tel-o, se quem o tem é aquelle a quem chamavas
teu criado e que tu mataste na floresta?
O careca ficou a tremer como varas verdes.
E' chamado o rapaz e descobrindo-lhe o rei o hombro viu o seu retra-
to.
O rei mandou matar o careca e dos ossos mandou fazer uma cadeira
para se sentarem a princeza e o rapaz, que ficou em pouco tempo principe porque casou com a filha do rei.
E conto grande,
paga dobrada,
venha ella.
(Elvas).
A. THOMAZ PIRES
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236
CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
LV - "Os tres encantos"
Por A. Thomaz Pires
Elvas
In Tradição II vol. Anno VI, Nº 1, Serpa, Janeiro de 1904, Volume VI, pp. 9 a 15 (série de 4 contos)
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
em: meta75.blogspot.com/
Os tres encantos
"ERA de uma vez uma viuva que tinha tres filhas e eram muito po-
bres, lavavam roupas. Appareceram ali um dia tres rapazes muito
bem vestidos, que eram tres encantos.
Um d'elles gostou muito da mais velha e foi pedil-a.
Ella não queria, porque era muito pobre e o que havia de ser da mãe,
que ficava só com as duas irmans; mas tanto teimou o rapaz que por
fim casaram, e elle ao partir para a sua terra deu tanto dinheiro á so-
gra que esta não foi capaz de o arrojar pela casa.
Já não lavavam roupas, e as visinhas tinham muita inveja. Os ladrões foram lá uma noite, fizeram um buraco no telhado, rouba-
ram o dinheiro e aqui ficou a família outra vez pobre.
Foi o segundo rapaz pedir a rapariga do meio.
Succedeu o mesmo, a rapariga não queria, mas no fim casou-se, está
claro, e o marido deu á sogra tanto dinheiro ou mais do que o outro.
Veio outra vez a inveja dos visinhos e mais os ladrões, e a familia fi-
cou outra vez pobre.
Foi o terceiro rapaz pedir a rapariga mais moça.
Tudo na quinta da mesma, casamento e invejas, somentes não houve
d'esta vez ladrões, que o dinheiro estava escondido na terra por cau-sa das duvidas.
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
237
A viuva tinha ainda um filho muito pequenino e quando chegou a
homem disse para a mãe:
Vou-me a vêr as minhas irmans, que não houve mais noticias d'ellas,
nem dos maridos.
A mãe, com a vontade que tinha de saber das filhas, deixou-o ir.
E aqui vae agora o irmão á cata das irmans.
Andando, andando chegou ao palacio da mais velha. A irmã conhe-
ceu-o logo e disse-lhe que o marido era o rei dos leões e, se o visse,
que o matava.
Elle pediu que o escondesse ali para um cantinho, e que dissesse ao rei dos leões que não lhe fizesse mal.
Escondeu-se.
Veio o rei dos leões e disse:
- O' mulher! cheira aqui a sangue humano!
Ella disse que era o irmão que ali estava.
E elle disse:
- Então se é teu irmão é meu cunhedo, e diz lhe que appareça, que
não lhe faço mal.
Appareceu o rapaz e houve grandes festas em palacio, pela visita do
Irmão.
Passados dois dias decidiu se o rapaz a visitar a segunda irmã.
Ora o rapaz ao sahir da casa da viuva tinha encontrado no caminho uma velhinha com um feixe de lenha á cabeça e tendo dó d'ella disse
que elle lhe levava o feixe.
A velhinha agradeceu muito e viu-se livre da carga até á sua cabana,
e, chegando ali, entrou e trouxe lá de dentro umas botas de encante
e offereceu-as ao rapaz dizendo-lhe que aquellas botas o haviam de
pôr na altura em que elle quizesse.
Indo o rapaz andando, andando, chegou á torre em que estava a se-
gunda irmã, e pediu ás botas que o posessem á porta do quarto da
irmã para elle bater e apparecer-lhe ella.
Assim foi; appareceu-lhe a irmã e disse-lhe que o seu marido era o
rei dos peixes e que se o visse comia-o.
Elle disse que se ia esconder e que lhe pedisse que não lhe fizesse
mal. Ella assim fez, escondeu-o.
Veio o rei dos peixes e disse o mesmo: que cheirava a sangue huma-
no.
Ella pediu pelo irmão e o rei dos peixes disse que apparecesse e se o
outro o tinha obsequiado, aquelle ainda o obsequiou mais.
Foi depois o rapaz visitar a terceira Irmã. Aconteceu lhe o mesmo; as
botas pozeram-n'o á porta do quarto e veio a irmã e disse-lhe:
-Olha, o meu marido é, por encante, o rei de todos os bichos, e se te
vê, come-te.
Elle disse que não n'o havia de comer, e o que queria vêr era se lhe
quebrava o encante.
E ella disse que só havia um meio de quebrar esse encante e o dos dois cunhados - o rei dos leões e o rei dos peixes - era carregar uma
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
238
espingarda com uma pedra e quando o visse de bocca aberta atirar o
tiro direito á bocca.
Elle assim fez e o rei dos bichos morreu e ao morrer este morreram
os outros dois, e as tres raparigas recolheram as riquezas todas e vi-
eram com o rapaz para casa da mãe e ainda hoje vivem muito feli-
zes.
E a certidão está em Tondella,
quem quizer vá lá vêl-a.
(Elvas).
A. THOMAZ PIRES
Ver também in:
http://www.ceg.ul.pt/publicacoes.asp?id=313&tab=3
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
239
CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
LVI - "A filha do commerciante"
Por A. Thomaz Pires
Elvas
In Tradição II vol. Anno VI, Nº 1, Serpa, Janeiro de 1904, Volume VI, pp. 9 a 15 (série de 4 contos)
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
ziario.wordpress.com/o-principe-e-a-rosa/
A filha do comerciante
"Era d'uma vez um commerciante que tinha uma filha muito bonita e
morava ao pé do palacio do rei, e o rei tinha um filho que era o prin-
cipe.
A filha do commerciante chamava-se Rosa e na
casa havia uma varanda que dava para o jardim
do rei.
Todas as tardes ia a Rosa á varanda regar as flo-
res, onde havia uma flor que se chamava verdia-
na. E o principe, lá do jardim, dizia-lhe sempre:
- Quantas flores tem a verdiana?
E a Rosa respondia: - Tantas como estrellas tem o ceu.
E o principe tinha uma grande paixão pela
Rosa, que sempre se lhe mostrava esquiva.
Um dia o principe encarregou uma criada
velha de ir a casa do commerciante fallar
com a Rosa e convencel-a para ir ao jar-
dim.
indoleromantica.blogs.sapo.pt
A Rosa não queria ir, mas a velha teve tantas artes que a convenceu.
A Rosa disse que só iria ás 11 horas da noite. E assim foi.
Quando lá chegou estava o principe no jardim e convidou-a a beber
um copo de licor com elle, E ella respondeu:
- Então para isto é que me mandou cá vir?
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
240
E foi-se com a velha, mas o principe quando ella se retirava deu-lhe
um beijo por debaixo do veu.
No ontro dia foi a Rosa á varanda, e começou o principe:
- Quantas folhas tem a verdiana?
E ella:
-Tantas como estrellas ha no ceu.
E elle:
- E o beijinho debaixo do veu?
E ella foi-se toda zangada.
No outro dia foi outra vez a velha a casa do commerciante, e a Rosa foi outra vez ao jardim, onde o principe lhe offereceu de novo um co-
po de licor.
Ella não quiz e o principe deu-lhe um belisco.
E ella disse:
- Ui! velha, vamo-nos embora.
Na tarde d'aquelle dia o principe, do jardim:
- Quantas folhas tem a verdiana?
E ella:
-Tantas como estrellas ha no ceu.
E elle:
- Ui! velha, vamo-nos embora.
E ella retirou-se toda zangada e nunca mais foi á varanda. O principe começou a entristecer e depois disse assim:
- Para que hei-de eu estar a pôr me triste? Eu não posso casar com
ella, que não é pessoa real; vou casar com a princeza, que tanto me
quer.
E casou.
As festas do casamento duraram tres dias e
tres noites e houve muitos convidados e to-
dos elles haviam de dormir as tres noites no
palacio.
E o commerciante e a filha foram convidados
tambem, por parte de visinhos.
E a Rosa pediu ao pae que lhe arranjasse
tres vestidos muito ricos dos que não tivesse a princeza.
O pae arranjou-lh'os. http://noivaneurotica.spaces.live.com/blog/
No primeiro dia das festas a princeza não tirava os olhos do vestido
de Rosa e disse-lhe:
- Venda-me o seu vestido.
E ella:
- Não lh'o vendo, dou-lho; mas ha de me deixar dormir esta noite no
quarto do príncipe. E a princeza consentiu e foi dormir na camara destinada á filha do
commerciante.
E disse a Rosa ao príncipe n'aquella noite, que bem sabia que elle
gostava muito da filha do commerciante, que tinha muitos ciumes
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
241
d'ella e que só ficaria satisfeita se elle fosse dar-lhe uma sova á cama
em que ella dormia.
O principe, para fazer a vontade á sua noiva, foi dar a sova na filha
do commerciante, mas em quem elle a deu foi na princeza, que se
calou muito bem calada.
No outro dia a Rosa vestiu o segundo vestido, e a princeza quiz que
lh'o vendesse, e ella:
- Não lh'o vendo, dou-lh'o, se me deixar tambem dormir esta noite no
quarto do principe.
Succedeu o mesmo, e nova sova na pobre da princeza. Terceiro dia, terceiro vestido e terceira dormida de Rosa no quarto do
principe, e agora ella exigiu-lhe que fosse á cama da filha do com-
merciante e lhe cortasse o troço do cabello.
No outro dia appareceu a princeza sem troço e o principe ficou muito
admirado e desconfiado do caso, e depois de muito pensar perguntou
aos convidados com quem havia de elle casar, com quem o comprou,
ou com quem o vendeu?
Os convidados disseram:
- Com quem o comprou.
E vae elle casou com a Rosa e mandou embora a princeza, que o
vendera pelos trapos dos tres vestidos.
Conto acabado, seja Deus louvado.
(Elvas).
A. THOMAZ PIRES
Hans Christian Andersen
- nonio.eses.pt/contos/andersen
- amigosda7.blogspot.com
getcoloringbooks.com/
images/fairy_tales
singrandohorizontes.blogspot
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242
CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
LVII - "As tres irmãs"
Por A. Thomaz Pires
Elvas
In Tradição II vol. Anno VI, Nº 1, Serpa, Janeiro de 1904, Volume VI, pp. 9 a 15 (série de 4 contos)
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
molwick.com/pt/contos/r-cuentos-amor
As tres irmãs
"Era d'uma vez um homem pobre e que tinha tres filhos e tres filhas,
e um dia disse aos filhos que fossem correr mundo em busca de tra-
balho, que elle não os podia sustentar.
Elles assim fizeram. Chegaram lá a uma encruzilhada, onde havia
tres estradas, e cada um foi para seu lado.
fotos.sapo.pt
O mais velho foi ter a um palacio, onde havia uma moura encantada,
e a poder de muitas artes poude desencantar a moura e fez-se se-
nhor do palacio e das terras, ficando rico.
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
243
cr1ciclo2.no.sapo.pt/images
O do meio encontrou na estrada uma velhinha, que era Nossa Senho-
ra, e como a velhinha estava a fiar, pediu-lhe que o ensinasse.
A velhinha assim fez e da roca ia sahindo fio de oiro e a poder de tan-
to fiar e de tanto vender fio de oiro ficou o rapaz pôdre de rico em
poucos mezes.
em: alguresdedentrodemim.blogspot.com/
O mais moço encontrou na estrada um velhinho, que era o Padre
Eterno, e offereceu-se-lhe para ser seu criado.
O velhinho acceitou; levou-o para uma herdade e ensinou lhe a culti-
var as terras, e a poder de tempo e com boas colheitas, por sua con-ta, chegou tambem a ser muito rico.
E aqui estão os tres irmãos cada um com a sua riqueza.
Um dia tiveram os tres o mesmo pensamento, e foi mandarem ás ir-
mãs um presente.
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
244
Firmal: "Broche para segurar a roupa… Alfinete trabalhado…"
em: purl.pt/230/1/l-81263-p/l-81263-p_item1/P63.html
O mais velho mandou á irmã mais velha um firmal de prata; o do
meio mandou á segunda irmã uma toalha de fio de ouro; e o terceiro
mandou á irmã mais moça um annel de oiro, que tinha uma fava que
deitava luz.
As irmãs ficaram doidas de alegria e espalhou-se logo na terra a noti-cia dos presentes.
lembrafesta.com.br/loja/
Foi muito povo a vêr e o que mais espantava era o annel que deitava
luz.
As duas irmans mais velhas começaram a ter inveja da mais moça e
resolveram atirar com o annel para o fundo do mar logo que lh'o po-
dessem furtar, e assim o fizeram.
Um dia o rei determinou ir a vêr os presentes e mandou dizer ao pae
das raparigas que ia jantar com elle.
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
245
O pae ficou todo assarapantado, as filhas mais velhas ficaram todas
contentes, e a mais moça ficou toda chorosa porque havia tres dias
que não sabia do annel e não o podia apresentar ao rei.
Quem fazia o serviço da cosinha era a filha mais moça e o pae orde-
nou-lhe que apresentasse ao rei um jantar decente e bem cosinhado.
Estava a pobre da rapariga toda lavada em lagrimas a escamar um
grande peixe ao canto da chaminé, vae abrir a barriga do peixe e sal-
ta-lhe de dentro o annel.
oglobo.globo.com/ciencia/mat/2008/02/07/cientistas_criam_peixe_
transparente_para_estudar_desenvolvimento_de_cancer
Ficou estarrecida. Arrecadou o annel e continuou com o serviço, ago-
ra já bastante contente e a cantar.
Veio o rei e foi para a mesa com o homem e com as duas filhas mais
velhas, e no fim do jantar quiz vêr os presentes.
Viu o firmal de prata, viu a toalha de fio de oiro e perguntou depois pelo annel.
Responderam logo as duas irmans mais velhas:
-O annel desappareceu.
Responde a mais nova, vindo da cosinha:
- Desappareceu, mas Nosso Senhor mandou-m'o dentro da barriga
d'um peixe e eil-o aqui.
As irmans ficaram desesperadas.
O rei percebeu tudo e disse que quem estava tão bem com Deus de-
via fazer feliz a pessoa com quem casasse e por isso escolhia desde
já a menina do annel para rainha.
E casou com ella.
Deus louvado, conto acabado.
(Elvas).
A. THOMAZ PIRES.
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Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
246
http://lendasdeportugal.no.sapo.pt/
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Provérbios & Dictos
(Continuado de pag. 144 do volllme V)
CDXC
Você, é (de) estribaria.
CDXCI
O homem, para ser homem, deve ter feitos de alarve.
CDXCII
Feliz ao jogo, infeliz nos amores.
CDXCIII
Guardado está o boccado para quem o ha-de comer.
CDXCIV
O homem, para ser homem, deve cheirar a tabaco, vinho e alho.
CDXCV
Já morreu o afilhado por quem eramos compadres.
CDXCVI Gato escaldado, de agua fria tem medo.
CDXCVII
Um burro carregado de livros é doutor.
CDXCVIII
Uns comem as ameixas, outros debota-se-lhes os dentes.
CDXCIX
Coitado de quem morre; quem cá fica logo se governa.
D
Por cuidar morreu um burro.
DI
Por novas vos não canceis - que ellas serão velhas, vós as sabereis.
DII Quanto maior é a trovoada, mais depressa espalha.
…
(Da Tradição de Serpa)
M. Dias Nunes
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
247
CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
LVIII - "A BONECA"
Por A. Thomaz Pires
Elvas
In Tradição II vol. Anno VI, Nº 2, Serpa, Fevereiro de 1904, Volume VI, pp. 28 a 31 (série de 4 contos)
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
quebra-nozes-BONECA-DE-TRAPOS
A BONECA
"ERA uma vez uma mulher e tinha uma filha e a mãe fazia meias, e
depois diz-lhe a mãe:
- Filha, vae hoje a vender este par de meias e compra um queijo.
E a filha foi e vendeu as meias, e em logar de comprar o queijo com-
prou uma boneca. E aquella boneca fazia libras.
A maior pepita de ouro - Austrália, 1869
valorreal.blogs.sapo.pt
E depois a filha levantou se pela manhã muito admirada de vêr tantas
libras e foi chamar a mãe:
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
248
- Venha cá vêr se eu não fiz bem em comprar a boneca em logar do
queijo.
A mãe ficou muito contente, e, já se vê, d'ahi em diante a mãe e a fi-
lha appareciam muito bem arranjadas.
E diziam as visinhas:
- Então o que fizeram, que andam agora com tanto luxo?
E ellas diziam:
-Temos cá uma boneca que faz libras.
E uma das visinhas pediu a boneca em-
prestada. Ellas emprestaram-lh'a; mas a boneca,
na casa da visinha nunca fez libras, e a
visinha zangada atirou com a boneca para
o quintal proximo, que era o quintal do
principe.
E a boneca apanhou-se ás pernas do
principe e não houve poderes para a ar-
rancar d'ali.
kathiaseib.pbworks/meninaboneca
O rei mandou deitar um pregão: Quem fosse capaz de tirar a boneca
das pernas do principe, sendo mulher casava com elle, sendo homem
recebia uma tença.
E depois a Maria, que tinha comprado a boneca, foi lá e disse para a
boneca:
- Anda cá, minha menina.
E ella foi e começou logo a fazer libras no collo da Maria.
E o principe casou com ella.
E seja Deus louvado.
(Elvas) A. THOMAZ PIRES
contosdainfancia.blogspot
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
249
CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
LIX - "As tres irmãs"
Por A. Thomaz Pires
Elvas
In Tradição II vol. Anno VI, Nº 2, Serpa, Fevereiro de 1904, Volume VI, pp. 28 a 31 (série de 4 contos)
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
natureinaction_patos
"Pato aqui, pato ali.
Filha de rei a guardar patos,
E' coisa que nunca vi."
O sabor dos Sabores
"Havia um rei que tinha tres filhas e um dia chamou-as e perguntou á
mais velha:
- Por onde me queres tu, minha filha?
- Pela alma, respondeu ella.
E perguntou á segunda:
- E tu?
- Pelo coração.
E fez a mesma pergunta á terceira filha, que lhe respondeu:
"Eu quero tanto ao meu pae como ao sabor dos sabores". O pae zangou-se com esta resposta, porque entendeu que não era
querer-lhe bem, e mandou-a pôr fóra do palacio.
Ella arranjou as suas joias e o seu fato e foi a correr mundo.
Chegou lá a outro reino, foi a palacio do rei e perguntou se precisa-
vam de uma creada; disseram lhe que sim e mandaram-na guardar
patos.
Ella, quando ia para o campo, estendia no chão as suas joias e punha
se a olhar pa-ra ellas muito triste.
Os patos, como viam luzir, começavam a picar, e ella punha-se com
um pausinho a apontar e a dizer:
"Pato aqui, pato ali.
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
250
Filha de rei a guardar patos,
E' coisa que nunca vi."
Depois matava um e levava-o para o palacio, e todos os dias matava
um.
O principe, admirado de tanta morte nos patos, foi espreital-a, e co-
mo lhe visse as joias e ouvisse as palavras, disse:
"Tato! temos princeza!"
E quando foi para palacio contou tudo ao pae, e disse que queria ca-
sar com a princeza.
Quando a rapariga chegou ao palacio foi mettida em confissão pelo rei, e ella contou tudo.
Perguntou-lhe o rei se queria casar com o principe, e ella disse que
sim, mas que o pae d'ella havia de ser convidado para o casamento,
e que a comida que o pae havia de comer ella é que a queria fazer.
Assim foi, e em todas as comidas não deitou sal.
O rei de tudo que começava a comer de nada gostava, e ficou sem
jantar.
Diz-lhe agora a filha: "Vossa real magestade porque não comeu?"
E respondeu o rei: "Pois que gosto tem a comida sem sal?
- Então porque me pôz fóra do palacio por eu lhe dizer que lhe queria
tanto como o sal, que é o sabor dos sabores?"
http://testesdeportugues.blogspot.com/2008/04/o-sabor-dos-sabores.html
O pae arrependeu-se muito do mal que tinha feito á filha, que não o
tinha offendido; mas ficou muito contente por a ver casada com o
principe. Colori, colorado, está meu conto acabado.
(Elvas)
A. THOMAZ PIRES
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
251
Ver Também - O Sal e a Água - Teófilo Braga - Contos Tradicionais do Povo Português - (1883):
abrilemmaio.no.sapo.pt LF/CapaLF
o sabor dos sabores
por Miguel Castro Caldas, com Arlete, António Aires, César Almeida, Jaime, José Moreira. abrilemmaio.no.sapo.pt/Textos-LF03-MCC
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
252
CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
LX - "Palmas verdes"
Por A. Thomaz Pires
Elvas
In Tradição II vol. Anno VI, Nº 2, Serpa, Fevereiro de 1904, Volume VI, pp. 28 a 31 (série de 4 contos)
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
oglobo.globo.com/blogs/arquivos_1939-camacomdossel
Palmas verdes
"Era de uma vez um conde e uma condessa e o rei sympathisava
muito com a condessa, mas ella era muito honrada.
Um dia mandou o conde em serviço a outra terra, e ao conde pare-
ceu-lhe isto historia, porque nos outros dias já tinha ido elle, em vez
de outros, ao mesmo serviço. E não foi e escondeu-se.
A' noite a condessa foi-se deitar e depois de a apanhar dormida de-
baixo dos cortinados, que eram de damasco ás parras verdes, foi elle o conde e deitou com um peneiro farinha á roda da cama, e sahiu.
Foi o rei e a condessa estava a dormir e não o sentiu. Apartou os cor-
tinados, esteve a olhar para a condessa e depois sahiu.
No outro dia veio o conde e vê pégadas de homem na farinha; e a
condessa a dormir.
Elle não disse nada; mas d'ahi em deante os seus dias eram muito
tristes e os d'ella ainda mais, porque o conde nunca mais quiz comer
com ella e nem mesmo queria dirigir lhe a palavra.
Um dia contaram ao rei como elles viviam e o rei convidou os dois
para irem jantar a palacio.
Elle disse que ia, mas ella não, porque estava doente.
O rei teimou e obrigou os a ir. Foram; jantaram, e quando foi ás sau-des deitaram todos os tres as saudes, sendo assim; a primeira foi a
da condessa:
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
253
Já fui querida e estimada,
Agora não o sou nem serei,
Porque ou porque não,
Isso é que eu não sei.
O conde:
Eu na minha vinha entrei,
Rasto de ladrão achei,
Se provou ou não das uvas,
Isso é que eu não sei.
O Rei: Eu é que fui o ladrão,
Eu na tua vinha entrei,
Parras verdes levantei,
Com esta me cortem as guelas
Se nas uvas eu toquei.
(Elvas)
A. THOMAZ PIRES
quevedoportwine.com/pt/vineyards
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
254
CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
LXI - "O principe encantado"
Por A. Thomaz Pires
Elvas
In Tradição II vol. Anno VI, Nº 2, Serpa, Fevereiro de 1904, Volume VI, pp. 28 a 31 (série de 4 contos)
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
cultureba.com.br/irmas
O principe encantado
"Era d'uma vez tres irmans que sahiram da sua terra; mas na terra
para onde foram havia o costume de cada pessoa fazer o seu fato, e
ellas não sabiam costurar; queriam dar os seus vestidos a fazer e não
havia quem tomasse conta d'elles, e decidiram por fim ir morar para
outra terra.
No caminho foram ter a uma estalagem e perguntaram se havia al-
gum quarto para ellas. A estalajadeira disse que não, que tinha tudo cheio; mas, se quizes-
sem, havia na frente umas casas para onde podiam ir, mas que appa-
recia lá um medo.
Ellas disseram:
- Não tem duvida. E foram.
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
255
E á noite disseram as duas mais mocas: Vamo-nos a deitar. E disse a
mais velha: Vão vocês, que eu ainda fico.
E ficou; estava quasi a escabeçar com somno e: ouviu dizer:
Eu cáio, ou não cáio? E assim que ouviu isto foi-se a fugir e metteu-
se na cama com as duas irmans.
bibliotecajonas.zip.net/images/fantasma
Na outra noite ficou a do meio. Aconteceu-lhe o mesmo
E na noite do outro dia ficou a mais moça.
Quando ouviu dizer: Eu caio, ou não cáio? respondeu: Pois cae para
ahi.
img.mercadolivre.com.br
E pela chaminé abaixo cahiu um mólho de chaves.
E ella disse: - Chaves? N'algumas fechaduras hão de servir.
E foi abrindo portas e mais portas d'aquella casa, até que chegou a
uma casa onde havia uma cisterna, e sahiu d'ella um preto, que dis-
se:
- Foste muito valente! E's capaz de fazer outra coisa?
- Então o que é?
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
256
- E' montares-te nas minhas costas e irmos por essa cisterna abaixo.
- Pois vamos.
Foram-se cisterna abaixo e lá ao fundo chegaram a um palacio; en-
traram, mas a rapariga não viu ninguem, em nenhuma das salas, e
nos outros dias tambem ninguem viu, senão o preto.
E todas as noites, antes de se deitar, tinha á cabeceira da cama um
copo de doce, que comia, e dormia-se logo a somno solto.
Um dia disse ao preto que tinha saudades das suas irmans e que ia
vêl-as.
O preto não queria, mas ella tanto teimou, que conseguiu. E diz-lhe agora o preto: "Ha de ser com uma condição: hade-se de-
morar só tres dias e ao fim de tres dias hade ouvir tres assobios, ao
primeiro assobio hade-se despedir de suas irmans, ao segundo hade
estar á porta da casa da cisterna e ao terceiro havemos de vir cister-
na abaixo".
Ella assim o prometteu. Veiu ás costas do preto, cisterna acima, e foi
ter com as irmãs.
Muita festa para a festa, e contou tudo, tudo, quanto lhe tinha succe-
dido.
Diz-lhe agora a irmã mais velha: "Olha, quando te fores, não comas o
doce que te põem á cabeceira da cama, não te durmas e põe-te á es-
pera". Ao fim dos tres dias soaram os tres assobios e aqui vem ella para o
palacio ás costas do preto.
N'essa noite foi-se deitar, mas não comeu o doce e esperou, fazendo-
se dormida.
Passado algum tempo sentiu chegar uma pessoa e metter-se na ca-
ma d'ella.
Deixou-se estar, mas depois accendeu uma véla para ver quem era.
Era um principe, e toda a tremer, deixou cahir um pingo da véla na
cabeça do pzincipe, que estava a dormir.
peregrinacultural.files.wordpress.com/passarinho-no-galho
Acordou o principe e disse:
"Mesmo agora me encantaste; e transformou-se n'um passarinho e
fugiu."
Ella ficou toda atarantada.
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
257
Ao depois, a uma das janellas do quarto do rei d'aquella terra appa-
recia todos os dias um passarinho a cantar assim:
"Se elrei soubesse
Que eu era filho d'elle
Sopinhas de mel
Me dava a comer."
Os criados tanta vez ouvirem isto, que foram dizel-o á rainha.
Um dia a rainha escondeu se debaixo da cama do rei e esperou o passarinho.
Veiu elle e cantou:
Se el-rei soubesse
Que eu era filho d'elle,
Sopinhas de mel
Me dava a comer.
"Se elrei soubesse
Que eu era filho d'elle
Sopinhas de mel
Me dava a comer."
E diz ella:
"Não o sabe o rei,
Mas sabe-o a rainha;
Anda cá, meu filho,
Que te faço as sopinhas"
(Bolachas com mel - Sopinhas de mel!!!)
receitasdaromy.blogspot.com
Veiu o passarinho; a rainha mandou vir sopinhas de mel, e ao comel-
as quebrou-se o encanto ao passarinho e transformou-se no principe.
Houve grandes festas no palacio e o principe foi buscar a rapariga
com quem dormiu tantas noites e casou com ella.
Conto acabado, dinheiro ganhado.
(Elvas).
A THOMAZ PIRES.
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
258
files.nireblog.com/blogs/jeovashama/files/passaro_uirapuru
Ver Tb. por exemplo em:bagosdeuva.blogspot.com/2008_04_01_archive.html
Proverbios & Dictos
(Continuado de pag. 16)
DXXV
Queres? se diz aos doentes.
DXXVI
Quem tem bocca não manda assoblar.
DXXVII
Quem não tem bocca é que falla.
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
259
DXXVIII
Quem mexe no mel sempre lambe.
DXXIX
Agua não quebra osso.
DXXX
A cada canto um espirito santo.
DXXXI Aldeia-cadeia.
DXXXII
P'ra quem não gosta ha de sobra.
DXXXIII
Pé velhaco não precisa sapato.
DXXXIV
Perna feia não precisa meia.
DXXXV Primeiro nós, depois vós.
DXXXVI
Primeiro falta a bocca do que a sopa.
DXXXVII
Por bem fazer, mal haver.
DXXXIX
P'ra pouca saude, mais vale nenhuma.
DXL
Se não fosse a bota cortava-lhe a perna.
DXLI
São carnaduras - umas moles, outras duras.
DXLII
Levantar mais cedo para dizer a missa mais tarde.
(Da Tradição oral de Serpa)
M. Dias Nunes
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260
CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
LXII - "Assim o dizem"
Por A. Thomaz Pires
Elvas
In Tradição II vol. Anno VI, Nº 3, Serpa, Março de 1904, Volume VI, pp. 46 a 47 (série de 3 contos)
"…fressura de porco"…
em: mota_34.blogs.sapo.pt
Assim o dizem
"Era uma vez um homem e uma mulher e tinham uma comadre.
O homem, um dia, foi á praça comprar uma fressura de porco para a
mulher lhe fazer uma cachola para o almoço.
Estava a cachola ao lume, entra a comadre:
- Ai, que bem que cheira o seu almoço! vamos a proval-o?
- Pois sim, comadre.
Mas tanto provaram, tanto provaram, que o comeram todo.
E disse a mulher: - Ai, comadre! que hei-de dizer a meu marido!? Comemos o almoço
todo!
- Deixe, comadre, não se apoquente, que eu arranjo isso bem; olhe,
quando vier o compadre e lhe perguntar pelo o almoço, a comadre
diz-lhe:
- Que tal vens tu hoje da cabeça? Então não almoçaste já? Até, por
signal, que tambem almoçou cá a nossa comadre!
E depois entro eu e acabo de o convencer.
Veiu o marido para o almoço e a mulher pespegou-lhe o recado que a
comadre lhe ensinára.
O homem zangou-se muito e a mulher chamou a comadre:
- Então, não quer lá vêr? o meu homem diz que ainda não almoçou!
- Ora essa! até eu almocei com vossemecês, e o almoço era cachola. Boa vae ella!
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
261
(ensopado... sopa de cachola, mulhanga de porco…)
enciclopedia.com.pt/articles
O homem fez que se conformou, pegou n'um palito, metteu o na boc-
ca e foi-se pôr á janella, com cara de poucos amigos.
Passou um conhecido e disse-lhe:
- Olá! Com que então já almoçaste!
- Assim o dizem… assim o dizem… - respondeu o homem.
(Elvas).
A THOMAZ PIRES.
Pobre camponês…
http://umblogeperas.blogspot.com/
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262
CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
LXIII - "O Zé Pequenino"
Por A. Thomaz Pires
Elvas
In Tradição II vol. Anno VI, Nº 3, Serpa, Março de 1904, Volume VI, pp. 46 a 47 (série de 3 contos)
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
GIGANTES, ANÕES E OLHARAPOS
Contos da Tradição Portuguesa (compilação de Manuel J. Gandra)
cesdies.net/historia-e-geografia-mitica/fsp/Gigantes-anoes-olharapos
O Zé Pequenino
"Eram d'uma vez dois irmãos, e um chamava-se Zé Pequenino.
Foram a correr mundo; andaram, andaram, e foram ter a casa d'um
gigante, e o gigante era casado e tinha tres filhas.
E depois elles deitaram-se na cama das filhas do gigante, puzeram na
cabeça os capacetes d'ellas e deitaram as raparigas no chão.
Lá pela noite adeante disse a giganta para o gigante:
- Temos gallos em casa.
E o marido disse:
- Ai, temos? Então espera.
E foi buscar um alguidar e uma faca, e n'este intrementes os rapazes
safaram-se. E o gigante quando veiu matou as filhas, em vez de matar os gallos,
que eram os rapazes.
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
263
Elles, os rapazes, foram andando, e o Zé Pequenino é que levava os
tres capacetes.
Passaram á porta do rei, e a criada disse:
- Ai, real senhor, vae ali o Zé Pequenino com um capacete mais lindo!
O rei mandou-o chamar:
- Então, que queres pelo teu capacete?
- Um bocado de pão e murcella.
E o rei mandou-lhe dar a murcella
e pão, e o Zé Pequenino foi-se em-
bora. No outro dia passou la com o se-
gundo capacete e o rei comprou-
lh'o por um bocado de pão e chou-
riço; e no terceiro dia o rei com-
prou o terceiro capacete por um
bocado de pão e farinheira. material.fumeirodearganil.com
E depois o irmão do Zé Pequenino foi dizer á rainha que o Zé Peque-nino tinha dito que era capaz de ir matar o gigante e a giganta.
A rainha chamou o Zé Pequenino,
que teimou que não tinha dito nada.
Mas tanto embirrou a rainha que o
Zé pequenino decidiu-se a ir buscar o
gigante e a giganta n'um trem de fer-
ro.
Chegou lá e disse que ia da parte do
rei para virem ambos a palacio, e
que ali estava o trem para irem.
O gigante e a giganta entraram para
o carro e o Zé Pequenino fechou o
trem e morreram os gigantes. img.mercadolivre.com.br
Chegou cá com elles e mandaram-n'os enterrar, e a rainha perguntou
ao Zé Peguenino o queria que se fizesse ao irmão, e elle disse que o
arrojassem ao rabo de um cavallo.
E arrojaram-n'o.
Conto acabado, dinheiro ganhado.
(Elvas).
A THOMAZ PIRES
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
264
CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
recolhidos da Tradição oral)
LXIV - "DORMITORIO"
Por A. Thomaz Pires
Elvas
In Tradição II vol. Anno VI, Nº 3, Serpa, Março de 1904, Volume VI, pp. 46 a 47 (série de 3 contos)
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
portodoceu.terra.com.br/artesimbolismo/bdneve
DORMITORIO
(Sapatos de Ferro heis de romper...)
"Era d'uma vez uma princeza que tinha um vestido encarnado, e es-
tavam a cahir pastinhas de neve e dizia ella:
- Muito bem diz o branco no encarnado.
E respondeu uma voz:
- Melhor diz vossa alteza nos braços do rei.
E ella:
- Muito bem diz o branco no encarnado.
E a voz:
- Se quereis ver o Dormitorio, oito pares de sapatos de ferro heis de
romper.
E a princeza arranjou os sapatos e foi correr mundo. Chegou a casa do Sol e perguntou onde parava o Dormitorio.
- Muito longe! Olhe, leve esta bolota para fazer chá ao Dormitorio.
ipt.olhares.com/data/big
E recebeu a bolota.
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
265
Foi ter a casa da lua.
- Onde pára o Dormitorio?
- Muito longe! Olhe, leve esta castanha para fazer chá ao Dormitorio.
olhares.aeiou.pt/o_ourico_e_a_castanha
Foi ter a casa das estrellas.
- Onde pára o Dormitorio?
- Muito longe! Olhe, leve esta noz para fazer chá ao Dormitorio.
aguarelas.blogs.sapo.pt/arquivo/nozes
E foi andando, andando; chegou lá muito adiante e encontrou uma
casa.
Estava lá uma preta que tinha dado veneno ao Dormitório para elle
morrer.
A princeza fez o chá da bolota, deu-o ao Dormitorio e elle poz-se me-
lhor; deu-lhe o chá da castanha e estava quasi bom, e depois deu-lhe
o chá da noz e poz-se bom de todo.
novahistorianet.blogspot/escravido-e-resistncia-no-brasil
Diz-lhe agora o Dormitorio :
-Tu casas comigo e has-de dizer o que queres que se faça á preta.
- Dos olhos um espelho, dos dentes um pente, e dos ossos uma ca-
deira.
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
266
Assim o fizeram; mas quando a princeza se foi ver ao espelho disse o
espelho:
- Ai, meus olhinhos! e partiu-se o espelho.
Quando se foi pentear, disse o pente:
- Ai, meus dentinhos! e partiu-se o pente.
E quando se ia a deitar na cama, subida na cadeira, disse a cadeira:
- Ai, meus ossinhos! e partiu-se a cadeira.
Deus louvado, conto acabado.
(Elvas). A THOMAZ PIRES. Ver História dos Sapatos de Ferro
csarmento.uminho.pt/docs/ndat/rg/RG100_09.pdf
Página 10 e 11
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
267
CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
LXV - "Desanda Palitroques"
Por A. Thomaz Pires
Elvas
In Tradição II vol. Anno VI, Nº 4, Serpa, Abril de 1904, Volume VI, pp. 62 a 63
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
(Camponeses )
ogoblin.com.br/Mulheres-Camponesas
Desanda Palitroques
"Era d'uma vez um velho e uma velha; viviam muito pobres, porque
o velho já não podia trabalhar, e um dia a velha zangou se com elle e elle, apaixonando-se, foi para o campo e encontrando um homem
que lhe perguntou se queria ir guardar gado, disse-lhe que sim, e foi-
se com elle.
Ao fim d'um anno pediu ao amo para vir ver a mulher e entregar-lhe
o dinheiro que tinha ganho.
O amo consentiu n'isso, deu-lhe um guardanapo e disse-lhe:
- Quando tiveres fome, não tens mais que dizer: - Guardanapo, com-
põe-te.
rainhasdolar.com/media/1/perni
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
268
No meio do caminho, o velho, como tivesse fome, estendeu o guar-
danapo e disse:
- Guardanapo, compõe-te. E logo ali appareceu muito de comer.
O velho ficou muito contente, e disse:
- Bom! Já não preciso guardar gado.
Foi andando e foi ter a uma estalagem, dizendo á estalajadeira que
lhe guardasse aquelle guardanapo, mas que não dissesse: "Guarda-
napo, compõe-te".
Logo que o velho sahiu, a filha da estalajadeira disse para a mãe:
"Vamos experimentar o guardanapo, e vêr o que isto é: - Guardanapo, compõe-te!
E appareceu comida e mais comida.
- Bom! - disseram ellas - Já não precisamos accender lume para
darmos de comer a quem nol-o pedir.
E ficaram com o guardanapo.
Quando o velho veiu, deram-lhe outro.
O velho, quando chegou a casa, perguntou á mulher o que tinha para
a ceia.
E ella disse-lhe:
- O que hei-de eu ter? Uns feijões!
-Aventa lá com isso, mulher, que trago ceia melhor.
Ella não queria, mas elle tanto teimou, que a velha teve de aventar os feijões.
E elle começou para o guardanapo:
- Guardanapo, compõe-te! Guardanapo, compõe-te!
E nada de apparecer comida.
A velha ficou desesperada e pôz o velho na rua.
E aqui vae o velho outra vez para casa do amo a guardar gado.
Ao fim d'um anno quiz ir outra vez ver a mulher e o amo deu-lhe uma
burra e disse-lhe:
- Quando tiveres precisão de dinheiro, não tens mais do que dizer:
"Burra, faz dinheiro".
ceticismo.net/wp-content/uploads/dinheiro-em-arvore
No caminho quiz experimentar o caso, e a burra fez bastante dinhei-ro.
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
269
Foi ter á mesma estalagem, deu a burra aguardar, mas com a re-
commendação de que não lhe dissessem: "Burra, faz dinheiro".
Succedeu-lhe o mesmo que quando foi do guardanapo - trocaram-lhe
a burra.
E aqui vem o velho a caminho de casa com a burra trocada.
Chegou lá e diz para a mulher:
- Já somos ricos. Queres vêr? E começa a dizer:
- Burra, faz dinheiro. Mas a burra não fazia coisisima nenhuma.
E a velha, cada vez mais desesperada com tantos enganos, põe o ve-
lho na rua. E lá foi o pobre do velho outra vez para casa do amo a guardar gado.
Ao fim de outro anno quiz o velho tornar a casa para ver a mulher e o
amo deu-lhe um sacco com dois paus dentro e disse-lhe:
- Quando te vires n'alguma affiicção, não tens mais do que dizer para
o sacco: "Desanda palitroques".; e quando não queiras que elles ba-
tam mais, dizes: "Palitroques ao sacco".
blog.uncovering.org/archives/blog.uncovering.org_luta_luckykuke
No meio do caminho, o velho quiz experimentar, e ao dizer:
"Desanda palitroques", saltam os paus de dentro do sacco e come-
çam a bater em tudo quanto encontravam; depois de se fartar de ver
bater, disse: "Palitroques ao sacco", e aqui veem elles metter-se no
sacco.
Disse o velho para comsigo: "Agora é que me vou a castigar a estala-
jadeira, que me ficou com o guardanapo e com a burra.
Chegou á estalagem e disse.: - Guardem-me cá este sacco, mas não lhe digam: Desanda palitro-
ques.
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
270
A estalajadeira e mais a filha, como das duas vezes se tinham sahido
bem, assim que o velho deu costas, disseram:
"Desanda palitroques", e aqui começaram os paus a bater-lhes for-
temente; n'isto veiu o velho e ellas pediram-lhe por tudo quanto ha-
via que as livrasse d'aquella pancadaria de crear bicho, e elle disse-
lhes:
- Só accudo se me apresentarem o meu guardanapo e a minha burra.
- Pois sim, senhor, disseram ellas, com tanto que nos livre d'isto.
Depois o velho disse:
- Palitroques ao sacco. E os paus deixaram de bater, e o velho foi para casa muito contente
com as suas prendas.
Bateu á porta, a mulher não lh'a queria abrir, julgando que a ia en-
ganar pela terceira vez; mas tanto lhe pediu que ella cedeu; e expe-
rimentaram as duas primeiras prendas, que deram bom resultado.
A velha ficou muito contente, porque já estava rica, e ficaram viven-
do como Deus com os anjos.
Os visinhos assim que viram aquella fartança, foram accusar o velho
de ladrão.
Foi preso o velho e condemnado á morte.
Quando já estava rodeado da justiça e de muito povo para o verem
enforcar, elle pediu que lhe deixassem vir de casa um sacco que lá ti-nha; disseram-lhe que sim, e logo que o sacco chegou, gritou o ve-
lho:
- "Desanda palitroques!"
E começaram os paus a bater n'aquella gente toda; houve muitas
pernas partidas e braços e cabeças quebradas, e começaram todos a
pedir que os livrassem d'aquella pancadaria, e o velho disse:
- Só se me perdoarem a morte, porque estou innocente; a riqueza
que tenho deu-m'a meu amo, que era S. Pedro.
A justiça disse que sim, e o velho gritou:
- "Palitroques, ao sacco!"
Logo que os paus se metteram no sacco, pôl-os ás costas e foi-se
caminho de casa a viver com a sua velhota.
Colori, colorado, está meu conto acabado.
(Elvas).
A THOMAZ PIRES.
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
271
CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
LXVI - "O Tonel de Vinho"
Por A. Thomaz Pires
Elvas
In Tradição II vol. Anno VI, Nº 5, Maio de 1904, Volume VI, p. 79
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.] cozinhadajanita.blogspot.com/vinho-sem-sufoco
O Tonel de Vinho
"Era d'uma vez um homem e urna mulher e tinham uma comadre. O homem trabalhava no campo e tinha em casa um tonel de vinho.
A mulher e a comadre todos os dias faziam uma merenda e iam bus-
car urna garrafa de vinho ao tonel, e tantas vezes foram até que o
despejaram.
A mulher, assim que o viu despejado, começou a dizer: "Comadre,
que conta hei-de eu dar do vinho a meu marido?"
E a comadre disse: "Eu arranjo isso."
Foi para casa, arranjou uma capa de cabaças, mascarrou a cara e as
mãos e foi para o campo onde o compadre trabalhava. Subiu a um oi-
teiro, pôz a capa e começou a chamar o homem:
inconfidenciamineira.com/wp-content/Fantasmas
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
272
"Miguel, Miguel,
Aqui está quem te bebeu
O vinho do teu tonel."
E batia com as cabaças umas nas outras. E o homem, como tantas
vezes ouvisse chamar, olhou e viu aquella phantasma negra; julgou
que era o demonio e ficou todo assustado.
Foi para casa a tremer de medo e disse para a mulher: "Appareceu-
me o demonio lá fóra e disse-me que tinha bebido o vinho do nosso
tonel."
- Que dizes, marido? Isso será verdade?
- Vamos vêr.
baixaki.com.br/imagens/adega-de-vinho-ilha-da-madeira-portugal
Foram e estava despejado. E o homem disse:
"Uma cruz ao pé do tonel vamos fazer,
Para que coisa ma o vinho do tonel não venha beber."
(Elvas).
A THOMAZ PIRES.
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
273
CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
LXVII - "A desmazelada"
Por A. Thomaz Pires
Elvas
In Tradição II vol. Anno VI, Nº 5, Maio de 1904, Volume VI, p. 79
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
bestupid.files.wordpress.com/_preguica-copy
A desmazelada
"Era d'uma vez um homem que casou com uma mulher que não sabia
fazer nada, nem mesmo uma açorda.
(Açorda Alentejana:
"É fácil fazer, /dá pouco trabalho. /É água a ferver, /coentros e alho.
Coentros e alho /E água a ferver /Dá pouco trabalho /É fácil fazer.") Ver muitas receitas - gastronomia:
tiarute.blogs.sapo.pt/arquivo/2005
Para a obrigar a fazer o comer, arranjou o homem um casaco de mu-
lher e disse para a companheira:
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
274
"Obriga este casaco a fazer o almoço, que eu ás 8 horas venho almo-
car."
A mulher dizia para o casaco:
"Casaco faz o almoço, porque d'aqui a pouco vem o teu dono."
E o casaco não se movia. Chegou o homem, e, como não havia almo-
ço feito disse para a mulher:
"Veste lá o casaco, que lhe quero dar uma sova."
A mulher vestiu o casaco, e o marido começou a zurzil-o, e a mulher:
"Ai, marido, que me dóe! Ai, marido, que me doe!"
E elle: "Não é comtigo, é com o casaco; e em eu vindo a casa, ao meio dia,
o jantar ha de estar prompto, diz isto ao casaco."
guiadicas.net/quais-sao-os-pratos-tradicionais-da-ceia-de-natal
Aconteceu o mesmo; mas á terceira vez não foi preciso bater no ca-
saco, porque a ceia já estava feita.
Colori colorado, conto acabado.
(Elvas).
A THOMAZ PIRES.
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
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CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
LXVIII - "A menina apparecida"
Por A. Thomaz Pires
Elvas
In Tradição II vol. Anno VI, Nº 6, Junho de 1904, Volume VI, pp. 94 e 95
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
4.bp.blogspot.com/sonho
A menina apparecida
"Era d'uma vez um rei muito moço e um conde, foram passeiar e tan-
to passearam que veio a noite. Viram ali uma casa com luz, foram
bater á porta e pediram ao dono da casa para os deixar lá ficar, e o
homem disse: "Fiquem, senhores, mas eu não tenho cama para descançarem, tenho
só uma, mas a minha mulher está n'ella muito doente."
"Dê-nos umas cadeiras"; e sentaram- se ao lume de lenha.
Pela noite adeante nasceu uma menina e disse uma voz:
"Esta que nasceu ha-de reinar"
E o rei disse para o conde:
"Não ouviste?"
"Ouvi, real senhor."
"Ora esta!" E de manhã, quando o homem veio dizer que lá tenham uma creadi-
nha ás suas ordens, o rei disse:
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
276
"Vae baptisar a creanca".
E o homem disse:
"Então ainda esta noite nasceu! e não tenho padrinho".
- "O padrinho é este senhor".
E baptisaram-n'a e foi padrinho o conde.
E o rei disse:
"A menina vae comnosco".
O homem não queria deixal-a ir, mas o rei disse:
"Sou o rei, mando n'ella". E os paes lá ficaram muito tristes.
No caminho o rei disse para o conde:
"Mata a tua afilhada".
O conde disse:
"Não mato, se queria que a matasse não dissesse para eu ser padri-
nho".
E levava uma cinta encarnada, enrolou a crença na cinta e dependu-
rou-a d'uma arvore.
Passaram dois almocreves e disse um: "Olha uma cinta encarnada e a mim que me faz tanta falta!"
Foi tiral-a e encontrou a creança.
- "Olha! tão bonita! levo-a para casa, que não tenho filhos."
pararaioo.blogspot.com/2008_08_01
Quando a creança chegou aos oito annos mandaram tirar-lhe o retra-
to e o pae foi vendel-o por muitas terras, dizendo que era o retrato
da menina apparecida n'uma cinta encarnada.
O conde comprou um retrato e foi mostral-o ao rei, e o rei disse:
"Dize ao homem que traga a criança."
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
277
Elle não queria leval-a, mas pela força sempre a levou.
O rei mandou fazer um caixão, metteram n'elle a creanca e o rei dis-
se-lhe:
"Levas ahi comer para sete annos."
E deitaram o caixão no meio do mar.
Ao fim de sete annos veio o caixão acima.
Defronte estava a tia do rei á janella, viu o caixão no mar e mandou
buscal-o.
Abriu o caixão e encontrou uma menina muito bonita; e mandou par-ticipar ao sobrinho que tinha seis aias e agora sete, uma muito bonita
que tinha vindo do mar dentro d'um caixão.
E o rei disse: "Ainda não morreste, raça do diabo!"
E foi visitar a tia para ver a rapariga e levou sete anneis todos eguaes
e deu um a cada aia e aquella que perdesse o annel morreria.
O rei andava sempre atraz da rapariga e lá um dia foi ella lavar-se,
tirou o annel e esqueceu-se d'elle.
Quando veio buscal-o já não o encontrou.
rlv.zcache.com/ring_to_sea_poster
Tinha-o tirado o rei e foi atiral-o ao mar.
Veio a rapariga perguntar ás outras e disseram-lhe que não tinham
visto o annel.
O rei adoeceu, tinha muito fastio e a aia disse á tia do rei que talvez
uma postinha de peixe lhe abrisse o appetite. "Lembras-te bem" - disse a tia, e mandou comprar peixes e de dentro
da barriga d'um sahiu o annel.
Logo que o rei o soube, disse:
"Então para que hei de estar com mais coisas? Caso com ella e que
reine."
E casou.
(Elvas).
A THOMAZ PIRES.
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
278
CONTOS POPULARES ALEMTEJANOS
(recolhidos da Tradição oral)
LXIX - "O mateiro"
Por A. Thomaz Pires
Elvas
In Tradição II vol. Anno VI, Nº 6, Junho de 1904, Volume VI, pp. 94 e 95
[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia re-
gistada na época.]
em: comentariosdejoinville.blogspot.com/2008_03_0...
O mateiro
"Havia um homem que era mateiro e muito bruto.
Um dia estava a cortar uma pernada e passou outro homem e disse-
lhe: "Vossê vae cahir; está a cortar o ramo onde tem os pés."
O mateiro não fez caso e continuou a cortar, até que caiu o ramo e
mais elle.
Levantou-se e foi a correr atraz do homem que o tinha prevenido e disse-lhe:
"Vossê, homem, é Deus, adivinhou quando eu cahia, e agora hade-
me dizer quando eu morro."
O homem, por brincadeira, disse-lhe: "Vossê morre quando o seu
burro zurrar tres vezes a seguir."
(ver as vozes dos animais…)
http://culturapopular.no.sapo.pt/
http://culturapopular.no.sapo.pt/sons_ani/sons/burro.au
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
279
Voltou o mateiro para o mato, carregou o burro e foi caminho de ca-
sa.
Quando ia no meio do caminho o burro zurrou uma vez, um pouco
mais adiante zurrou outra vez e quando se ia approximando de casa
zurrou terceira vez e o homem disse:
"Bom, agora é que eu vou morrer."
E deixou-se ficar ali sentado á espera da morte.
O burro foi caminho de casa, e a mulher, como não visse o marido,
foi á procura d'elle.
Encontrou-o no sitio, sentado e á espera da morte, e disse p'r'á mu-lher:
"Vae chamar um padre, porque estou morto."
- "Credo, homem, estás morto e fallas? Anda d'ahi, vamos para ca-
sa."
- "Não vou d'aqui senão para o campo santo."
Em vista da teima, a mulher foi chamar o padre.
Com o padre veio muita gente para levarem o homem.
Estavam em consultas porque lado haviam de ir, por haver uma ribei-
ra a passar, e o mateiro levanta a cabeça e diz:
"Quando eu era vivo
Passava por alem,
Agora que sou morto Passem por cá bem."
Os homens zangaram se e deixaram-n'o só.
entrelinhasdaescrita.blogspot/contos-para-rir-e-se-tentssemos-criar
Por fim o mateiro foi caminho de casa a reinar com a sua mulher e
mais o seu burro.
Deus louvado, conto acabado.
(Elvas).
A THOMAZ PIRES.
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
280
prof2000.pt/users/filipe/pessoal/conta_um_conto/Proverbios
Proverbios & Dictos
(Continuado de pag 80)
DCXVIII Homem ambicioso não é preguiçoso.
DCXIX
O que não mata, engorda.
DCXX
Para amigos, mãos rôtas.
DCXXI
O bom jogo tudo consente.
DCXXII
- Com que sonhas, porco? - Com alande.
DCXXIII
O gato come o que está mal guardado.
…
M. Dias Nunes
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
281
(alguns) CONTOS E LENDAS DO ALENTEJO NA WEB…
- http://www.joraga.net/contos/index.htm;
- http://orgulhoseralentejano.paginas.sapo.pt/lend_alet.htm;
http://www.joraga.net/eAlentejo/
http://www.cantoalentejano.com/
http://www.youtube.com/watch?v=2V5z-g10H2I
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
282
http://divulgandobd.blogspot.com/2009/07/albuns-imprevisiveis-e-
dificeis-de.html
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
283
APRESENTAÇÃO
AUTORES[3] e OBRAS com CONTOS e LENDAS do ALENTEJO – uma lista de 15 aconsultar…
Obras e sugestões de José Rabaça Gaspar – lista de 3 TRILOGIAS publicadas e uma TRILOGIA de inédi-tos.
Alguns dados sobre AUTORES e OBRAS a consultar (pode ir ao índice) ou (em baixo):
01 – AJGoncalves -Monografia da Vila de Almodôvar, António J. Gonçalves 02 – CGSerpa – SERPÍNEA e a FUNDAÇÃO de SERPA, por C. Gonçalves de Serpa,
03 – FernaoLopes – Crónicas de D. João I, Fernão Lopes
04 – FFrazão – LENDAS PORTUGUESAS de Fernanda Frazão 05 – FVMachado – Monografia de Vila Verde de Ficalho, Francisco Valente Machado
06 – GMarques – LENDAS DE PORTUGAL, Gentil Marques
07 – JRLobato – AMARELEJA – Rumo à sua História, Padre João Rodrigues Lobato 08 – JRoque – Alentejo Cem por Cento, Joaquim Roque
09 – MJDelgado – A Etnografia e o Folclore no B. Alentejo, Manuel Joaquim Delgado 10 – MRitaOPC – CANCIONEIRO DE SERPA, por Maria Rita Ortigão Pinto Cortez
11 – MSaluquia – Lendas da Moura Salúquia, ed. Moura Salúquia – AMCM
12 – TRADIÇÃO – SERPA – Revista de 1899 – 1904 13 – VMoutinho – in LENDAS DE PORTUGAL, Viale Moutinho
14 – www - Lendas do Alentejo na WEB 15 – JRGaspar – 3 Trilogias[4] relacionadas com o Alentejo, publicadas e 1 Trilogia de inéditos e suges-
tões de José Rabaça Gaspar – Vice-presidente para a Área cultural
LISTA DE AUTORES E OBRAS Notas (para consultar OBRA ir ao índice ou anterior)
CONTOS E LENDAS DO ALENTEJO em Diversas Obras e Autores, para estimular a recolha, estudo e di-vulgação dos Valores Culturais do ALENTEJO – 01 – AJGoncalves - Monografia da Vila de Almodôvar, António J. Gonçalves (ver catálogo da BN), Ed. Associação Cultural e Desportiva da Juventude Almodovarense, - Jogos Tradicionais, pp. 1007-114;
LengaLengas, pp. 87-92; Lendas, Contos e Fábulas pp. 122-131, 02 – CGSerpa – SERPÍNEA e a FUNDAÇÃO de SERPA, por C. Gonçalves de Serpa, 1962. 03 – FernaoLopes – Crónica de D. João I, Fernão Lopes – episódios em Évora e Beja – e outros a estudar relacionados com Almada e Alentejo… 04 – FFrazão – LENDAS PORTUGUESAS de Fernanda Frazão, ed. Amigos do Livro, s/d, 1986? – V Volume – 18 Lendas 05 – FVMachado – Monografia de Vila Verde de Ficalho, Francisco Valente Machado, ed. Da Bibli-oteca Museu de Vila Verde de Ficalho, 1980 – um conto como exemplo e o título de mais 15 e mais epi-
sódios de tempo de D. João I 06 – GMarques – LENDAS DE PORTUGAL, Gentil Marques, Editorial Universus, Porto, de 1962 a
1966, nos I, II, III, IV e V volumes – 16 Lendas
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
284
07 – JRLobato – AMARELEJA – Rumo à sua História, Padre João Rodrigues Lobato, ed. Do Autor,
Gráfica Eborense, 1980, 5 lendas + história… 08 – JRoque – in Alentejo Cem por Cento, Joaquim Roque, Subsídios para o estudo dos costumes, tradi-
ções, etnografia e folclore regionais – Edição do autor – 1940 – vários. 09 – MJDelgado – A Etnografia e o Folclore no Baixo Alentejo, Manuel Joaquim Delgado, ed. Da
Assembleia Distrital de Beja, 1985, no V Capítulo, 32 contos 10 – MRitaOPC – CANCIONEIRO DE SERPA, por Maria Rita Ortigão Pinto Cortez, Ed. Da Câmara Municipal de Serpa, 1994 – além de cerca de 300 modas ilustradas e com pauta musical, ver CONTOS,
LENDAS E PROVÉRBIOS, da pág 321 a 354… 11 – MSaluquia – Lendas da Moura Salúquia, ed. Moura Salúquia – AMCM (Associação das Mulhe-
res do concelho de Moura), 2005, com 24 versões da mesma lenda por 24 autores diferentes… 12 – TRADIÇÃO – SERPA – Revista de 1899 – 1904, ed. Em Fac-símile, Câmara Municipal de
Serpa, 1982, com a participação do Conde de Ficalho e outros, 69 contos 13 – VMoutinho – LENDAS DE PORTUGAL, Viale Moutinho, in Diário de Notícias SA, 2003, 42 lendas. 14 – in www – http://www.joraga.net/contos/index.htm; http://orgulhoseralentejano.paginas.sapo.pt/lend_alet.htm
- outras…
OBRAS E SUGESTÕES DE JOSÉ RABAÇA GASPAR 15 – JRGaspar – 3 TRILOGIAS publicadas (pode ver ver): A MAR, por José d‘A MAR (denómio de José Rabaça Gaspar), ed. eLibro, Abril de 2003, 100 p. Nestes poemas com a influência de Camões, Torga e Borges, é proclamada a subversão: O MAR é A MAR que
envolve o Alentejo! A ILHA – Ilha do Pessegueiro – as LENDAS – enC(o)antadas em redondilhas, por José d‘A MAR (denó-mio de José rabaça Gaspar), ed. eLibro, Agosto de 2003 – com 80 páginas de redondilhas com lendas
inventadas da Ilha do Pessegueiro… Litoral alentejano… A FEIRA – A Feira de Castro – A/s Feira/s em vãs redondilhas, por José Penedo de Castro (denómio de
José Rabaça Gaspar), ed. eLibro, Outubro de 2003, com 150 p. ―Um cigano andarilho de FEIRAS que
tenta mostrar com palavras e imagens para ―recriar em cena‖o movimento e o colorido destes centros de Encontros e desEncontros... (ver também) A COBRA – Lenda/s de Beja – A Lenda do Touro e da cobra emBALADAS & o enCANTO das FONTES, por José Penedo (denómio de José Rabaça Gaspar) ed. eLibro, Dezembro de 2003, 184 p. com 10 versões
da Lenda do touro e da cobra, mais 5 lendas, em verso e poemas e quadras sobre as fontes, desde a
poesia medieval ao cancioneiro popular... A SERPE – Serpa encantada em Lendas envolvidas por ANA o RIO, por José Penedo de Serpa (deNómio
de José Rabaça Gaspar), ed. eLibro, Fevereiro de 2004, com várias versões de Lendas de Serpa e várias recolhas da Lenda de Serpínea. A MOURA – A MOURA AMOR A MORTE ou a Utopia da CONVIVÊNCIA IMPOSSÍVEL, José Penedo de Mou-
ra (deNómio de José Rabaça Gaspar), ed. eLibro, Maio de 2004, 10 versões mais uma da Lenda da Mou-ra Salúquia inseridas posteriormente na obra da Moura Salúquia AMCM em 2005. GRITOS NA SOLIDÃO – Décimas de Inocêncio de Brito, Poeta Popular de São Matias, Beja, por José Rabaça Gaspar e outros, ed. eLibro, Junho de 2006, Inocêncio de Brito —1853?-1938?— foi um notável
Mestre na Arte de versar em Décimas ―construindo‖ importantes temas com um profundo fundamento
como a Morte, a Guerra, a Mulher… e a solidão do Alentejo…
POETAS POPULARES DO CONCELHO DE BEJA – organização de José Rabaça Gaspar, coord. Conce-
lhia da Direcção Geral de Apoio e Extensão Educativa, Associação para a Defesa do Património Cultural da Região de Beja, Divisão Sócio-Cultural da Câmara Municipal de Beja. - Beja: Câmara Municipal, 1987
(1989). - 200 p. ; 27 cm BN L. 41152 V. BN L. 41152 V. BN L. 42799 V. (ver tb)
PRESÉPIO - Auto de Natal da Freguesia de São Matias – Beja, recolha e recriação de José Rabaça
Gaspar e Casa do Povo de São Matias, publicado em parte na Revista Arquivo de Beja Vol. XV – série III – DEZ 2000, agora com 110 p. AUTO que tem sido representado desde tempos imemoriais pela POPU-
LAÇÃO DA ALDEIA DE SÃO MATIAS, freguesia do Concelho de BEJA, com elementos para refazer um
AUTO que julgamos adequado aos tempos de hoje, para um REGRESSO AO FUTURO.
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
285
- 1 TRILOGIA de inéditos: À disposição para poderem ser pedidos através do recanto das letras LENDAS DE BEJA – O TOURO E A COBRA e Outras Lendas, recolha e inéditos de José Penedo (deNómio de José Rabaça Gaspar), vol. Inédito de 200 páginas com 10 versões da Lenda do Touro e da Cobra e
outras Lendas…. LENDAS DE BEJA – O TOURO E A COBRA E OUTRAS LENDAS E MITOS, JRG, com o de-
Nómio de José Penedo, conta e/ou reconta Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras lendas e mitos – que se pode OUVER na voz do Povo e nas Letras das Estrelas. Em Word e PDF – 314 e 436 páginas –
em estudo para tentar publicação em formato de papel a pedido… Mas que, desde já, pode ser enviado
pelo autor… (ver também)
CANTES AO MENINO – Janeiras, Boas Festas e Reis, uma recolha de José Rabaça Gaspar, – (68 pági-
nas) (Uma recolha (72 registos) de um TESOURO invulgar e precioso do Cancioneiro Religioso Popular do Alentejo, com uma originalidade, riqueza melódica e variedade espantosas que tem qualquer coisa de
diferente em cada terra… em cada zona… quase em cada monte… Este trabalho parte de uma listagem e recolha de letras enviadas por FaiAlentejo, de José Francisco Pereira, e Lugar ao Sul de Rafael Correia,
recorrendo depois a diversa bibliografia ali indicada, completada com as gravações de Manual Aleixo de
S. Matias Beja.
A Condessinha de Aragão – Ano: 2008 - Tamanho: 792 KB - Formato: PDF (Ver também online) A CONDESSINHA de ARAGÃO Breve nota inicial A CONDESSINHA de ARAGÃO, que terá nascido de um RIMANCE medieval, aparece-nos em diversas versões que vão de um simples jogo a uma dança, teatro…
versado e musicado de diferentes maneiras… Parece que terá sido adoptado como tradição popular, em diversas regiões, para celebrar diversas festas ou celebrações cíclicas ao longo de um calendário marca-
do pelas estações ou festas, como o São Martinho, Carnaval ou relacionada com as festas locais… Atre-
vo-me a apresentar aqui uma série de recolhas e uma adaptação feita por mim pois me pareceu que as-sim se adaptaria melhor ao jogo das «escolhas» de cada uma das filhas da Condessa e a desafiar a pe-
renidade e criatividade dos mais ousados do que eu.
Ver ainda trabalhos publicados in Revista Arquivo de Beja: O Touro e a Cobra, IAC/D, Décimas, Mou-
ra, Gritos, Presépio; … inSERPA INFORMAÇÃO: Serpa enCANTADA em LENDAS; in Jornal Jor-nal Terras do CANTE: IAC/D e Deixando Deixas – DÉCIMAS; in Jornal HÁ TANTA IDEIA PERDIDA,
da Confraria do Pão: Deixando Deixas, com Décimas estudos e reflexões…
Notas: [1] Este documento intitula-se PORTFÓLIO, pois, devido ao desenvolvimento que irá ter sobre cada autor e obra, em breve estará online em:
http://www.joraga.net/contos/pags/53_contos&lendas_alentejo.htm - ilustrado e com os textos que for possível digitalizar. Assim, este é o resumo do PORTFÓLIO que estará online dentro de um mês.
Mesmo este DOCUMENTO, SE FOR FORNECIDO ONLINE, dá acesso a úteis e numerosas ligações à Inter-
net que o complementam. [2] Há cerca de dois anos e meio, elaborei, a pedido de Joaquim Avó e Luís Moisão, na sequência do Cur-so Estudos sobre o Alentejo, com a USALMA, um PORTFÓLIO volumoso, para implementar esta valência
cultural na AA em parceria com as Autarquias, Associações locais e de todo o Alentejo.
IAC/D (Instituto Alentejano de Cultura / Desenvolvimento), nome inicial ou CEPA – poderá ser outro
nome, como Centro de Estudos do Património do Alentejo, ligado ao trabalho rural e a uma das riquezas
patrimoniais notáveis no Alentejo. [3] Nota importante: com a preocupação de incluir os autores que dedicaram trabalhos directamente re-lacionados com o ALENTEJO, é fácil verificar que resta ainda um MANANCIAL imenso dos GRANDES
AUTORES que têm OBRAS NOTÁVEIS, que não podem ser ignorados, sobre Literatura Tradicional
como: o Mestre José Leite de Vasconcelos (obra imensa); Teófilo Braga (4 vols); Carlos de Oliveira e José Gomes Ferreira (4 vols); Adolfo Coelho; Consiglieri Pedroso; Adolfo Simões Müller; Maria
Laura Bettencourt Pires…, sem falar nos Mestres de âmbito internacional como Selma Lagerlöff, os Irmãos Grimm, Perrault… as Mil e Uma Noite…
[4] As duas primeiras TRILOGIAS publicadas pela editora eLibro, foram oferecidas pelo autor à Biblioteca da Alma Alentejana, por ocasião do seu 10º aniversário, em Abril 2006. Serviram de base à Área de Es-
tudos sobre o Alentejo, que funcionou em parceria com a USALMA (Universidade Sénior de Almada), no
ano lectivo 2006 / 2007, coordenada por mim, com nove temas, nove aulas, e as restantes dezenas por Luís Moisão. Os livros, creio que estão por lá ―escondidos‖, como alguns milhares de outros, numa BI-
BLIOTECA que não está organizada, nem funciona. Seria importante uma PARCERIA com os Serviços Culturais da Freguesia do Laranjeiro e/ou da Câmara Municipal de Almada e/ou Escolas vizinhas, para
que a nossa BIBLIOTECA pudesse ser devidamente organizada, com os livros devidamente catalogados
na rede de Bibliotecas e pudesse abrir ao público, com bibliotecário/a e animador/a Cultural. Ali deveria estar, devidamente organizado e catalogado, o espólio de Vítor Paquete, um ilustre e respeitado conhe-
cedor dos valores culturais do Alentejo, falecido há uns anos e não devidamente reconhecido. Há muito a fazer neste campo e em ordem aos projectos futuros relacionados com a Quinta Pedagógica, onde de-
verá ser integrada, com a dignidade devida, a Biblioteca e a sede do possível IAC/D (Instituto Alentejano
de Cultura / Desenvolvimento, e/ou animALENTEJO, e/ou CEPA (Centro de Estudos do Património do
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
286
Alentejo). Acabamos de perder (a AA) um espólio, Bibliografia relacionada com os Grupos Corais Alente-
janos, de José Francisco Pereira, que ofereceu à Biblioteca da Baixa da Banheira. Eu próprio, com várias centenas, perto de um milhar de livros relacionados como Alentejo, em especial, Poesia – Décimas, Con-
tos Lendas, Cancioneiros e Monografias etc. correm o risco de serem ―destinados ao lixo‖ se a família
não tiver utilidade a dar. Como estes casos, quantos alentejanos e não só, gostariam de deixar a suas obras se soubessem que seriam devidamente apreciados e valorizados.
ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
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Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
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ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
289
trabalho realizado
por @ JORAGA
Vale de Milhaços, Corroios, Seixal 2014 DEZEMBRO - NATAL / 2015 JANEIRO – ANO NOVO e REIS
JORAGA
Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
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ALENTEJO - CONTOS E LENDAS POPULARES - (in Revista TRADIÇÃO de SERPA – 1899 – 1994)
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Digitalização, organização e referências intertextualidade – José Rabaça Gaspar
292
(in revista TRADIÇÃO de SERPA -1899 - 1904)
ed. Em Fac Símile, Câmara Municipal de Serpa, 1982, com a participação do Conde
de Ficalho. Recolha, em Elvas de 69 CONTOS, Thomaz Pires e outros, num total de
92? (15+ 4 + 4 +69) CONTOS E LENDAS
CONTOS POPULARES DO ALENTEJO Colectânea de Contos publicados
na revista TRADIÇÃO de SERPA -1899 - 1904)
PUBLICADO na internet para Almada, Alma Alentejana, 2009.08-09, em Joraga.net
http://www.joraga.net/contos/pags/53_12_Tradicao_Serpa.htm ...
Agora em livro – joraga.net 2014 Natal – 2015 Reis