AGROFLORESTA - UFSCar · milhares de anos pelas populações tradicionais das regiões tropicais e...
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AGROFLORESTA
Fernando Silveira Franco
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MATANÇA
Cipó-caboclo tá subindo na virola chegou a hora do pinheiro balançar sentir o cheiro do mato, da imburana descansar, morrer de sono na sombra da barriguda De nada vale tanto esforço do meu canto pra nosso espanto tanta mata haja vão matar tal Mata Atlântica e a próxima Amazônica arvoredos seculares, impossível replantar
Que triste sina teve cedro nosso primo desde menino que eu nem gosto de falar depois de tanto sofrimento seu destino virou tamborete, mesa, cadeira, balcão de bar Quem por acaso ouviu falar da sucupira parece até mentira que o jacarandá antes de virar poltrona, porta, armário ir morar no dicionário, vida eterna, milenar
Quem hoje é vivo corre perigo e os inimigos do verde, da sombra o ar que se respira e a clorofila das matas virgens destruídas bom lembrar
Que quando chegar a hora é certo que não demora não chame Nossa Senhora só quem pode nos salvar É caviúna, cerejeira, baraúna, imbuia, pau-d´arco, solva, juazeiro, jatobá Gonçalo-alves, paraíba, itaúba, louro, ipê, paracaúba, peroba, maçaranduba Carvalho, mogno, canela, imbuzeiro, catuaba, janaúba, aroeira, araribá Pau-ferro, angico, amargoso, gameleira, andiroba, copaíba, pau-brasil, jequitibá.
(Augusto Jatobá)
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”A vida da terra depende da vontade humana. A terra será o que os
homens nela farão. Nós vivemos, desde agora, este momento
histórico decisivo da evolução terrestre”
Rudolf Steiner (março 1921)
1 – INTRODUÇÃO
Atualmente a humanidade se esforça para satisfazer as necessidades de
uma população crescente, usando os recursos naturais disponíveis. Com a
diminuição contínua e acelerada das matas nativas para dar espaço à ampliação da
fronteira agrícola, os agricultores e outros usuários têm encontrado dificuldades de
acesso à fontes de madeira. Esta tendência tem conscientizado os agricultores e a
sociedade como um todo sobre o papel desempenhado pelas árvores na
propriedade rural e sobre seus reflexos na vida cotidiana, levando à redescoberta
de práticas de cultivo e utilização das mesmas como parte integral da economia a
nível da propriedade.
Entre as formas tradicionais de uso da terra, a Agrossilvicultura ou Sistemas
Agroflorestais surgem como capazes de melhorar as condições atuais, podendo
fornecer bens e serviços, integrados a outras atividades produtivas da propriedade.
Como exemplo pode-se citar: cercas vivas usadas para delimitação da propriedade;
sombra para cultivos e animais; proteção de cultivos e solos; produção de "adubo
verde"; lenha; madeira; forragem para gado; alimentos e produtos medicinais
para uso humano; manutenção dos cursos d’água; assim como melhoria da estética
da propriedade.
O objetivo deste curso é contribuir para a conservação dos recursos
disponíveis e da biodiversidade através do ideal do desenvolvimento sustentado,
apresentando os Sistemas Agroflorestais como uma forma de uso da terra com
grande potencial para atingir tais metas. Longe da pretensão de ensinar alguma
nova técnica, o curso pretende apresentar conceitos, princípios, exemplos e levantar
questões sobre a viabilidade técnica, econômica e ecológica dos Sistemas
Agroflorestais que possam ser utilizados pelos agricultores, visando a melhoria das
condições de vida aliada a conservação do meio ambiente.
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2 - CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO
Os Sistemas Agroflorestais, Agrossilvicultura ou Agrofloresta não constituem
uma simples técnica agrícola ou florestal que objetiva apenas um aumento da
produção. Mais do que isso, representam um novo enfoque de desenvolvimento
rural, uma nova perspectiva de modelo do uso da terra.
Paradoxalmente, os sistemas agroflorestais são formas antigas de uso da
terra e, ao mesmo tempo, modernas. Antigas porque vêm sendo praticadas há
milhares de anos pelas populações tradicionais das regiões tropicais e hoje
continuam sendo usadas por um número surpreendentemente grande de
agricultores, notadamente pequenos agricultores. E modernas, pela sua adequação
ao ideal de desenvolvimento sustentável. Aí se destacam as suas vantagens sociais
(adequação à realidade da grande maioria dos agricultores do Brasil), econômicas
(alta produtividade, baixo risco de prejuízos, etc.) e ambientais (maior proteção do
solo e dos recursos hídricos, maior eficiência, menor consumo de energia, etc.), que
combinados, resultam numa maior sustentabilidade da produção rural.
O termo sistema agroflorestal ou agrossilvicultura ou agrofloresta é um
nome usado para descrever sistemas antigos e muito praticados de uso da terra,
nos quais as árvores são consorciadas no espaço ou no tempo com culturas
agrícolas e/ou animais. Pode-se dizer que este tipo de prática agrícola constitui uma
combinação integrada de árvores, arbustos, culturas agrícolas e/ou animais, com
enfoque na produção e no sistema como um todo e não apenas no produto. Vários
outros conceitos têm sido elaborados por diversos autores, podendo ser citados:
Os sistemas agroflorestais (SAF's) são formas de uso e manejo dos recursos
naturais nos quais espécies lenhosas (árvores, palmeiras, arbustos) são utilizados
em associação deliberada com cultivos agrícolas ou com animais no mesmo
terreno, de forma simultânea ou em uma sequência temporal.
Agrossilvicultura é um sistema viável de uso da terra, o qual além de
aumentar o rendimento da área, combina a produção de culturas (incluindo culturas
arbóreas) e espécies florestais/animais simultaneamente ou em sequência na
mesma unidade de área, e ainda emprega práticas de manejo compatíveis com as
práticas culturais da população local.
Agrossilvicultura é um nome coletivo para sistemas de uso da terra onde
espécies arbóreas são cultivadas em associação com culturas agrícolas e/ou
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animais em um arranjo espacial, em rotação ou ambos, existindo interações tanto
ecológicas quanto econômicas entre os componentes do sistema.
Da definição de sistemas agroflorestais, é possível extraírem-se várias idéias
básicas:
a) Os sistemas agroflorestais constituem uma modalidade de uso da terra que
pode incluir combinações de atividades florestais, agrícolas e pecuárias.
b) Os sistemas agroflorestais integram árvores com culturas agrícolas, e/ou,
animais, com o objetivo principal de reduzir o risco e aumentar a produtividade total.
O homem do campo, ao longo do tempo, sempre tem usado a consorciação de
culturas como uma maneira de minimizar os riscos de uma perda total de sua
produção. O aumento da produtividade, considerado como meta pela maioria dos
planejadores das agências de desenvolvimento regional, pode não ser o benefício
mais importante proporcionado pela adoção de sistemas agroflorestais para a
maioria dos proprietários rurais. As pesquisas na área de sociologia revelam que o
homem do campo freqüentemente está interessado tanto na diversificação de
cultura e redução de custos, quanto no aumento da produção.
c) Em sua forma ideal, os sistemas agroflorestais são mais estáveis e
capazes de manter a sua produtividade por um período mais longo de tempo que os
sistemas de monocultivo. A adoção de sistemas agroflorestais pode promover um
fluxo de caixa mais regular e mais estável para os proprietários rurais,
principalmente para aqueles que têm dificuldades de armazenamento e de
comercialização de seus produtos. Por outro lado, a característica dos sistemas
agroflorestais de manter sua produtividade ao longo do tempo é, talvez, mais uma
assertiva de uma situação desejável do que propriamente de uma situação real. A
literatura pertinente freqüentemente refere-se à hipótese de que a utilização de
sistemas agroflorestais apropriados melhora as propriedades físicas do solo,
mantém sua matéria orgânica e promove ciclagem de nutrientes.
d) O uso integrado de árvores e cultivos agrícolas pode resultar numa
utilização mais eficiente de água, nutrientes e radiação solar do que é possível em
monocultivos florestais ou agrícolas. Uma das características biológicas vantajosas
dos sistemas agroflorestais é de que as árvores usam porções de terra, que as
plantas agrícolas geralmente não usam, resultando em uma maior produção de
biomassa total. Na realidade, as árvores competem com as outras culturas por luz,
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água e nutrientes, mas existe uma premissa inerente na maioria das definições de
sistemas agroflorestais de que o efeito das árvores é positivo.
Devido às suas formas e hábitos de crescimento, as árvores influenciam os
outros componentes do sistema agrícola. Suas copas afetam a chegada dos raios
solares e da chuva e o movimento do ar, enquanto que suas raízes ocupam
grandes volumes de solo. A absorção de nutrientes e a redistribuição destes com os
restos vegetais e com a queda de folhas, e as possíveis associações com micróbios
do solo podem alterar o ambiente de cultivo, desta forma as árvores podem
aumentar a produtividade de um determinado local (FIGURA 1).
É conveniente destacar que estes sistemas são muito variáveis e flexíveis:
existem numerosas práticas, com utilização de diferentes espécies que se podem
encontrar em condições ambientais diferentes em todo mundo. Além disso, os
sistemas agroflorestais podem aproveitar-se em diferentes escalas, de acordo com
o tamanho da propriedade e o nível sócio-econômico de seus proprietários. Neste
último aspecto, tem se encontrado que a utilização de práticas agroflorestais pode
ser efetiva desde o nível de pequeno agricultor, até as plantações florestais ou
fazendas de gado pertencentes a grandes empresas.
FIGURA 1 - Aspectos ecológicos envolvidos nos sistemas agroflorestais
Os sistemas agroflorestais têm sido classificados de acordo com: (i)
sua estrutura no espaço; (ii) seu desenho através do tempo; (iii) a importância
relativa e a função dos diferentes componentes; (iv) os objetivos da produção; e
. Radiação solar
. Evapotranspiração
. Temperaturas
- Matéria orgânica
- Ciclo de Nutrientes
- Controle de erosão
- Infiltração de água
CHUVA
VENTO
QUEDA DE
FOLHAS
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(v) as características sociais predominantes. Existe uma classificação que é
baseada no tipo de componentes incluídos (cultivos perenes ou anuais, animais,
etc..) e a associação (espacial, temporal) que existe entre os componentes. Esta
classificação é descritiva ao nomear cada sistema, pois, além dos componentes, se
obtém uma idéia de sua fisionomia e suas principais funções e objetivos, sendo
apresentada, com alguns exemplos, a seguir:
I - Sistemas Agroflorestais Seqüenciais
a) Agricultura migratória ("shifting cultivation")
b) Sistema "taungya"
II - Sistemas Agroflorestais Simultâneos
a) Árvores com culturas perenes
b) Árvores com culturas anuais
c) Pomar caseiro ("home garden")
d) Sistema agrossilvipastoril
i. Árvores em pastagens
ii. Pastoreio em plantações florestais
III - Cercas - vivas e Quebra - ventos
3 - EXEMPLOS DE SISTEMAS AGROFLORESTAIS
3.1.Pomares caseiros mistos
Os pomares caseiros mistos constituem práticas agroflorestais muito antigas,
são geralmente caracterizados pelo uso intensivo de espécies arbóreas de uso
múltiplo, arbustos, culturas alimentares e animais em um mesmo local ao mesmo
tempo. Estes sistemas são utilizados para suprir as necessidades básicas de
famílias ou comunidades pequenas, tais como: alimento, lenha para energia,
madeira para usos múltiplos e vários outros produtos, ocasionalmente vende-se
alguns excedentes de produção.
Em geral estes são altamente diversificados, apresentando uma complexa e
estratificada estrutura vertical. No estrato superior é geralmente ocupado por
espécies que produzem madeira, lenha, frutas, forragem, sombra e alimentos em
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forma de castanhas comestíveis, flores e folhas. O estrato médio pode produzir
café, cacau, mamão, banana, ou frutas e temperos de arbustos ou árvores de
pequeno porte. No estrato inferior pode consistir de feijões e leguminosas, raízes
comestíveis, gramíneas ou leguminosas para forragem, e uma variedade de plantas
herbáceas medicinais ou ornamentais (FIGURA 2).
FIGURA 2 - Perfil de um pomar caseiro misto.
3.2. Árvores em associação com cultivos perenes
Geralmente são representados por sistemas de exploração comercial de côco
ou palmito consorciado com culturas anuais e plantações de árvores madeiráveis
com café e cacau.
Os cultivos de café e cacau constituem a base para muitos sistemas
agroflorestais. Em alguns países da América Central e alguns locais no Brasil, a
estrutura vertical típica em sistemas com café tem três estratos (FIGURA 3):
- o café;
- árvores de sombra e frutíferas como a Erythrina, Ingá, Laranja, Banana, Manga e
Abacate.
- árvores de madeira como o Cedro, Louro, Sobrasil, Eucalipto, Grevilea.
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O cacau geralmente é plantado em locais férteis de baixa altitude. No Brasil,
tradicionalmente, o cultivo é feito embaixo da sombra de várias espécies de árvores
nativas de matas que são raleadas para o plantio. As principais árvores
consorciadas com cacau são: Côco, Guaraná, Pimenta do reino, Banana,
Seringueira, Dendê, Cravo da Índia, Pupunha, Castanheira, Guandu e espécies
madeiráveis, fornecendo em todas estas combinações, rendimentos econômicos
satisfatórios na produção total por área ocupada.
FIGURA 3 - Perfil de um sistema agroflorestal com café.
Em muitas ocasiões, a escolha de um sistema com árvores para sombra está
ligado à necessidade de diversificar a produção, ou seja, abastecer de madeira,
lenha, frutas, etc., ou fornecer uma segurança contra flutuações de mercado, além
das vantagens ecológicas de tais sistemas.
CEDRO
ABACATE
INGÁ
MANGA LARANJA
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3.3. Árvores em associação com culturas anuais
Nestas associações, as interações dos cultivos anuais com o componente
arbóreo são similares as do caso anterior. Estes sistemas são utilizados com
espécies anuais tolerantes à sombra, no entanto, em sistemas de cultivo em faixas
que pertencem a esta mesma categoria, podem ser utilizadas espécies que não
toleram sombra. Alguns exemplos de culturas são milho, feijão, soja, amendoim,
tubérculos e raízes.
O sistema de cultivo em faixas pertence a este grupo e consiste na
associação de árvores ou arbustos (geralmente fixadores de nitrogênio) intercalados
em faixas com os
cultivos anuais. As árvores e os arbustos são podados periodicamente para evitar
competição por luz com as culturas e para utilizar os resíduos da poda como adubo
verde para melhorar a fertilidade do solo ou como forragem de alta qualidade, um
benefício adicional é o controle de ervas invasoras (FIGURA 4).
O sistema de consórcio de árvores com culturas anuais constitui uma opção
para aumentar a fertilidade dos solos a um custo muito baixo. Além disso, se obtém
outros benefícios como sombra e maior proteção para o solo. Apesar das vantagens
levantadas, é necessário lembrar que o espaço utilizado pelas árvores diminui o
rendimento das colheitas em termos de peso de produto por unidade de superfície
de terreno, pode haver competição por água e nutrientes e a alta demanda por
mão-de-obra na implantação e manutenção do sistema representam limitações que
devem ser estudadas. Possivelmente um dos maiores potenciais destes sistemas é
a sua utilização em locais com relevo acidentado, onde as faixas de árvores
plantadas em curvas de nível contribuem para diminuir a erosão.
Outro sistema agroflorestal que enquadra neste grupo é o chamado sistema
“Taungya”, onde as culturas agrícolas de ciclo curto são associadas, por um tempo
limitado, a um plantio uniforme de uma ou mais espécies madeireiras e essas ao
crescerem, formam uma floresta de rendimento.
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FIGURA 4 - Sequência temporal de um sistema de cultivo em faixas.
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O objetivo final do sistema é a produção de madeira para serraria, celulose e
papel ou outros tipos de produtos como compensados, lenha e carvão vegetal. Este
sistema foi desenvolvido com a finalidade de diminuir o custo de estabelecimento de
florestas plantadas destinadas a produzir madeira. A espécie florestal é plantada
junto com as culturas agrícolas (milho, arroz, feijão), e se aproveita das capinas,
limpezas e de uma eventual aplicação de adubos feitos em benefício das culturas e
quando concluída a última safra agrícola, é o momento em que a espécie arbórea já
alcança uma boa altura e começa a sombrear pelo fechamento das copas (FIGURA
5). O lucro gerado pela venda dos produtos agrícolas paga uma grande parte do
custo do plantio das espécies madeireiras.
Este sistema foi inventado por engenheiros florestais ingleses há mais de
noventa anos e foi utilizado na Índia, Birmânia e Indonésia, sendo depois introduzido
na Nigéria e em outros países africanos. No Brasil, tem sido utilizado principalmente
como meio de baratear a formação de florestas de eucaliptos por empresas
florestais. Tendo sido testado por uma empresa siderúrgica de Minas Gerais, a
viabilidade deste sistema nos programas de fomento florestal. Um potencial da
utilização deste sistema seria para regiões já desmatadas, onde poderia ajudar o
agricultor a formar pequenos bosques para a produção de lenha, carvão vegetal,
madeiras roliças para construção, moirões, além de espécies madeireiras de alto
valor comercial para serraria.
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FIGURA 5 - Sequência temporal de um sistema “Taungya”
3.4 - Sistemas Agrossilvipastoris
Os sistemas agroflorestais pastoris (ou agrossilvipastoris) são associações de
árvores madeiráveis ou frutíferas com animais e culturas agrícolas. São praticados
em diferentes níveis, desde as grandes plantações de árvores para fins comerciais e
industriais com a inclusão de gado, até o pastoreio de animais como complemento à
agricultura de subsistência. Neste sistemas ocorrem diversas interações entre os
componentes, das quais pode-se citar: se a carga animal é alta, a compactação do
solo pode afetar o crescimento das árvores e outras plantas associadas; as árvores
proporcionam um ambiente favorável para os animais (sombra, ambiente mais
agradável, etc..); os animais podem participar na disseminação de sementes, ou
escarificá-las, o que favorece a germinação. O uso de árvores pode contribuir para
melhorar a produtividade e a sustentabilidade dos sistemas existentes, através do
aumento no rendimento do pasto associado, ou alimentação dos animais que
comem frutos ou folhagem das árvores. Do ponto de vista econômico, o
sistema pode favorecer com o aumento e diversificação da produção. Dois tipos
destes sistemas muito utilizados são as associações de árvores com pastos e o
pastoreio em plantações florestais e frutíferas, sendo chamados sistemas
silvipastoris.
COLHEITA
DA MADEIRA
PLANTIO DA CULTURA
AGRÍCOLA
CULTURA AGRÍCOLA COM AS
MUDAS DAS ÁRVORES
PLANTAÇÃO
FLORESTAL COM A
CULTURA AGRÍCOLA
FLORESTA ADULTA
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Nas associações de árvores com pastos, o objetivo principal é o gado, de
forma secundária se obtém uma produção de madeira, lenha ou frutos. Os animais
se alimentam com ervas; folhas, frutos, ramos e outras partes das árvores; com
pasto que cresce embaixo das árvores de forma natural ou pastagens que são
plantadas entre as árvores.
Na América Central uma prática comum, ao cortar parcelas de uma floresta
para dar lugar à pastagens, deixar árvores de madeira valiosas como Cedro, Louro,
etc. Desta maneira, as árvores que ficam na parcela são utilizadas para sombra e
refúgio para o gado e depois são aproveitadas, a lenha e a madeira.
No pastoreio em plantações florestais e frutíferas, o objetivo principal é a
madeira ou os frutos das árvores, mas a presença dos animais pode possibilitar o
controle de plantas daninhas, além de se obter um produto animal durante o
crescimento da plantação. Para o manejo destes sistemas deve-se atentar para os
seguintes aspectos:
- Se os animais se encontram em uma plantação floresta ou de frutas, se
deve cuidar para que não causem injúrias e desfolias às árvores e danos à colheita;
- Se é plantada uma forrageira em uma plantação florestal, o sombreamento,
ou competição por água e nutrientes podem reduzir a taxa de crescimento da
forrageira;
- Certas espécies forrageiras podem afetar o crescimento das árvores;
Um exemplo de sistema que podemos chamar de Agrossilvipastoril, são os
denominados “faxinais” praticados no sul do país pelos agricultores onde são
associados em um local no mesmo tempo, árvores de pinheiro do Paraná e erva
mate; mandioca ou milho e são utilizadas para a criação de porcos que ficam
soltos nestas áreas a se aproveitam de restos de culturas, pinhão e outras
plantas.
3.5. Cercas vivas e quebra-ventos
Uma cerca viva é uma linha de árvores ou arbustos que delimitam uma
propriedade ou diferentes locais dentro de uma propriedade. Um quebra-vento
consiste em linhas de árvores que protegem pastagens, culturas agrícolas ou
árvores contra o vento; um quebra-vento pode ao mesmo tempo ser uma cerca-viva
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(FIGURA 6). Além destes serviços, são produzidos forragem, lenha, madeira, frutos,
flores para mel, postes, etc.
Nas cercas vivas se utilizam numerosas espécies de acordo com as
condições climáticas e culturais. No Brasil pode-se citar o uso de Grevilea nas
plantações de café no Paraná e São Paulo.
As vantagens do uso de cercas vivas podem ser resumidas da seguinte maneira :
- Rendem diversos produtos de valor econômico, como alimento humano,
forragem, produtos medicinais, lenha, postes para cercas;
- Protegem as culturas e animais contra o vento;
- Servem como barreira para controlar a erosão e têm um efeito benéfico para o
solo;
- Geralmente duram muito tempo;
- Tem custo relativamente baixo.
Os quebra-ventos contribuem com a produção agrícola em áreas extensas,
especialmente onde a proteção às culturas é indispensável. Neste caso, os efeitos
positivos são devidos à redução da perda de umidade do solo e diminuir a
temperatura, principalmente em regiões semi-áridas e áridas. Alguns locais usam
quebra-ventos de três estratos e cinco linhas de Eucalipto, Leucena e outras
espécies para proteger o solo durante a época seca, em plantações de algodão,
milho, feijão, etc..
FIGURA 6 - Uso de árvores como quebra vento e cerva viva.
3.6. Agrofloresta
Buscando apresentar neste trabalho a maior abrangência possível em termos
de modalidades diferentes de sistemas agroflorestais será apresentado a seguir
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alguns aspectos da agrofloresta, um sistema que vem sendo utilizado em diversas
partes do país. Este sistema tem sido apresentado por alguns autores com um
povoamento permanente que, visto de longe parece ser uma floresta tropical nativa,
por ser bastante diversificada, ou seja envolve muitas espécies arbóreas e
arbustivas, entre as quais, espécies silvestres e agrícolas perenes, para produção
de madeira para diversos usos e alimentos, tanto para subsistência quanto para
venda. Estes sistemas podem se tornar um instrumento para alcançar importantes
objetivos sócio-econômicos e ecológicos, como: a fixação dos agricultores à terra,
aumento da renda familiar, recuperação de áreas degradadas, proteção do solo e
de cursos d’água e na manutenção da biodiversidade.
Um dos principais exemplos deste sistema, sendo considerado um de seus
precursores é a experiência desenvolvida no sul da Bahia pelo produtor e
pesquisador informal Ernst Götsch, a seguir apresentada.
A experiência agroflorestal de Ernst Götsch parte de um conceito de
agrossilvicultura mais ousado, na medida em que toma como modelo para os seus
sistemas agroflorestais a dinâmica e a biodiversidade dos ecossistemas da Floresta
Atlântica. O ponto de partida de seu trabalho é a floresta tropical úmida, entendida
como um “organismo” extraordinariamente complexo e dinâmico, capaz de
interações e influências mútuas surpreendentes entre seus componentes.
Um dos principais processos observados é a sucessão na vegetação natural
que pode ser entendida como uma sequência de modificações na composição das
associações de comunidades vegetais e animais num determinado ecossistema, ao
longo tempo. Trata-se de um processo de auto-organização, de especialização e de
maturação que se caracteriza pela ocupação progressiva de espaços, onde
espécies ou agrupamento de espécies de rápido crescimento, altas taxas de
multiplicação e vida curta (espécies pioneiras) são substituídas por outras de vida
mais longa, crescimento mais lento, menor taxa de renovação e menor necessidade
de luz (espécies secundárias e clímax), típicas de estágios mais avançados de
sucessão. A lógica da proposta de Ernst é produzir os mecanismos que participam
da sucessão nos ecossistemas da Floresta Atlântica, otimizando-os de modo a
acelerar a formação de sistemas agroflorestais biodiversificados. Desta forma as
espécies cultivadas (mandioca, abacaxi, cacau, banana, árvores de madeira) são
implantadas de modo a desempenhar as mesmas funções ecofisiológicas realizadas
pelas plantas nas respectivas fases da sucessão, para isso torna-se importante o
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ordem em que as plantas são introduzidas no sistema. Outro fenômeno de
importância vital é o relacionamento entre plantas, ou seja espécies de estágios
pioneiros e intermediários da sucessão são capazes de influenciar (estimulando ou
inibindo) o desenvolvimento das plantas vizinhas. A partir deste fato, desenvolveu-se
práticas de manejo visando potencializar os efeitos positivos e eliminar os negativos.
A primeira intervenção é a limpeza seletiva, que é a eliminação apenas das
espécies pioneiras que já perderam a sua função estimuladora do sistema, isto se
dá a partir do momento em que entram na fase de envelhecimento. Com isto
também se obtém o efeito de adubação, uma vez que todo o material eliminado é
depositado sobre o solo. As podas rejuvenecedoras, por sua vez são podas
drásticas e periódicas das espécies consideradas pioneiras (mandioca, ingá,
crindiúva, etc..), um pouco antes de começarem a amadurecer, visando restaurar a
função estimuladora do crescimento devido a brotação. A experiência tem
demonstrado que as duas práticas trazem maiores benefícios do que a adubação
química.
A principal situação em que tem sido implantado este sistema por Ernst são
em solos depauperados, com infestação de vegetação típica como o sapé e outras,
desta forma será descrito o procedimento adotado nestes casos.
Depois de roçada a área com facão e podadas drasticamente as árvores e
arbustos eventualmente existentes, as primeiras plantas cultivadas são introduzidas
com os seguintes espaçamentos: mandioca, 1x1m; guandu 0,5x0,5m; feijão de
porco 0,5x0,5m; ingazeiro uma a cada 5m2
; jaqueira 8x8m; etc..Estas plantas
desempenham as mesmas funções que as pioneiras nativas, devido a sua
rusticidade. Depois de quatro meses, são feitas as limpezas seletivas e as podas,
sendo este procedimento repetido a cada quatro ou seis meses, e com o
desenvolvimento do sistema as práticas passam das espécies arbustivas para as
arbóreas. A partir do oitavo mês, as demais espécies vão sendo gradativamente
introduzidas no sistema, de acordo com estágio de recuperação do solo,
observando-se a ordem seqüencial das espécies em termos da sucessão e suas
funções ecofisiológicas em cada um dos seus estágios: bananeira 2x2m ou 3x3m;
pupunha 6x3m; cacau 4x4m; cupuaçu 4x4m; citrus, anonáceas, bem como espécies
nativas como o jacarandá, jequitibá, pau d’alho, sapucaia, etc..Com a melhoria das
condições químicas, físicas e biológicas do solo, pelo manejo descrito, muitas das
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sementes de plantas nativas existentes no solo ou trazidas por pássaros e outros
animais vão ajudando a compor a agrofloresta.
Nas páginas seguintes são apresentados esquemas explicativo da sequência
temporal de um sistema agroflorestal testado no Sul da Bahia, as figuras foram
feitas por Jorge Luíz Vivan, Eng. Agrônomo da EMATER – RS.
O mesmo sistema visto de cima
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Vale lembrar que os modelos desenvolvidos por Ernst Götsch refletem a realidade
específica do seu ecossistema (sul da Bahia), não podendo ser transferíveis, mas
sim os princípios que regem os seus sistemas. Esses princípios, sem dúvida são
ferramentas valiosas para a transformação de áreas degradadas em sistemas
agroflorestais produtivos, podendo proporcionar alternativas de renda e alimentação
para agricultores ao mesmo tempo que conservam os recursos como solo, água e
biodiversidade.
4 - VANTAGENS E DESVANTAGENS
A introdução do componente florestal em culturas agrícolas pode
apresentar um série de vantagens e desvantagens, dependendo da
espécie e da condição do local.
Como vantagens podem ser citadas:
- Ação compensatória - devido à maior eficiência na utilização dos fatores de
produção (água, luz, nutrientes) e às menores perdas e custos, o sistema
agroflorestal como um todo tem maior produção, mesmo quando a produtividade de
uma determinada espécie é inferior, se comparada ao seu plantio em monocultura.
A produção da cultura consorciada compensa a menor produtividade da dita
espécie. Nos plantios em monocultura, existem lacunas em vários nichos, surgindo,
então, as chamadas ervas daninhas. Quando elas aparecem em um sistema, é sinal
de que está ocorrendo desperdício dos fatores de produção. A água, a luz e os
nutrientes estão sendo utilizados por espécies que além de não produzirem bens
comercializáveis, ainda dão despesa. Além disso, existem consórcios onde a
produtividade é ainda maior do que na monocultura um exemplo é o do cacau
sombreado e intercalado com seringueira e banana. O cacau consorciado produz
mais do que em monocultura, além dos frutos serem de melhor qualidade. Num
sistema ideal de consórcio, todos os fatores de produção devem ser canalizados
para as espécies de maior valor econômico.
- Menor incidência de pragas, doenças e ervas daninhas - a diversidade é a
palavra chave. Em decorrência, tem-se menor custo de manutenção e melhor
qualidade e valor do produto final.
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- Menor variabilidade na produção, maior estabilidade ecológica do sistema,
menor risco econômico, melhor alimentação dos agricultores - mais adequados
para produtores mais vulneráveis às flutuações na produção como, por exemplo,
pequenos agricultores de café, devido aos ciclos de alta e baixa de preço ditado
pelo mercado internacional do produto.
- Os SAF’s ajudam a manter ou a melhorar a capacidade produtiva da terra - As
árvores “adubam” a terra e com freqüência, melhoram a estrutura física do solo. Na
sombra das árvores acumula-se maior quantidade de matéria orgânica, a camada
superficial do solo resseca menos, pouco endurece e as amplitudes térmicas são
menores do que as observadas em solos descobertos. Graças a essas
características, a camada superficial do solo, na sombra de árvores, é
biologicamente mais ativa, ou seja, há presença de minhocas e outros animais em
maior quantidade e diversidade. A esse respeito os melhores resultados são obtidos
com o uso de leguminosas e outras plantas “adubadoras” e a implantação de SAF’s
com composição bem diversificada. Muito depende, das espécies perenes
escolhidas para compor o sistema, por exemplo a espécies leguminosas acumulam
nitrogênio em suas folhas, podendo o plantio e manejo dessas espécies substituir a
aplicação de fertilizantes nitrogenados que o pequeno agricultor, muitas vezes, não
possui recursos para comprá-lo.
- Maior proteção do solo contra erosão - maior cobertura do solo, proteção dos
mananciais.
- Melhor utilização dos custos de preparo de área ( derrubada, aração) e
adubação - consequentemente, menores custos de implantação de povoamentos
florestais, uma vez que há receita com as culturas anuais e aproveitamento dos
insumos e tratos culturais.
- Maior produtividade.
- Melhor distribuição da mão-de-obra ao longo do ano - as épocas de safra e
entressafra em monoculturas geram um problema social e administrativo de falta e
de sobra de mão-de-obra. Em áreas de produção agroflorestal, as atividades de
implantação, manejo e manutenção podem ser distribuídas ao longo de um período
de tempo bem maior do que no caso de cultivos anuais ou bianuais, para isso deve
se realizar um bom planejamento desta atividades.
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- Melhor qualidade de vida para os agricultores - através da melhoria das
condições de trabalho, da alimentação, da renda líquida familiar e da qualidade
ambiental.
- Facilidade de implantação - sistemas seqüenciais de derruba-cultivo-pousio.
Geralmente, a implantação é por sementes e não por mudas.
- Os SAF’s podem preencher um papel muito importante na recuperação de
áreas em via de degradação - Para tal efeito, utilizam-se consórcios agroflorestais
que, nesse caso serão formados por espécies pouco exigentes quanto à qualidade
do solo e capazes de melhorar a terra. Seria o caso, por exemplo citado por Jean
Dubois, onde se cultiva em primeiro lugar o feijão de porco, e em seguida implantar
um consórcio do tipo “amendoim-coqueiro-cajueiro-ingá”; neste consórcio, o ingá é
plantado bastante denso e submetido a podas freqüentes; o amendoim. além de
gerar um produto alimentício de valor, tem a vantagem de melhorar a capacidade
produtiva do solo. Quando o processo de degradação é bastante avançado, torna-se
necessário reflorestar com espécies pioneiras adaptadas a esta condição. Essas
espécies pioneiras são por exemplo: guandu, crindiúva, papagaio, capoeira branca,
fedegoso, etc..Uma vez parcialmente recuperada a fertilidade do solo, a área poderá
ser aproveitada para a produção agrícola ou agroflorestal.
As desvantagens seriam:
- Dificuldade de manejo - difícil combinação de todas as atividades: mecanização,
tratos culturais (pulverizações, podas, etc..) e colheita.
- Dificuldade no planejamento - maior complexidade devido às interações do
sistema e aos diferentes ciclos de vida das espécies. Muitas vezes, não se
conhecem as interações entre as espécies, se ocorre alelopatia, etc..
- Eventualmente, maior incidência de pragas e doenças - no caso de um
consórcio de espécies que sejam hospedeiras de uma mesma praga ou que sejam
atacadas pela mesma doença. Ex: milho e Erythrina.
- Falta de pesquisas em SAF’s no Brasil - a grande maioria das pesquisas é
direcionada para monoculturas.
- O componente florestal pode diminuir o rendimentos das culturas agrícolas a
pastagens dentro de SAF’s - Os efeitos benéficos dos SAF’s dependem das
espécies escolhidas para formarem o componente florestal. Dependem, também da
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qualidade do manejo, por exemplo, da periodicidade das podas e dos desbastes e
dos requerimentos em termos de recursos (nutriente, água, luz) da cultura e da
espécie arbórea de modo a existir pouca competição entre ambos.
5 - BIBLIOGRAFIA
ALTIERI, M.A. Agroecologia: as bases científicas da agricultura alternativa, Rio de Janeiro, PTA/FASE, 1989, 249 p.
COPIJN, A. N. Agrossilvicultura sustentada por sistemas agrícolas
ecologicamente eficientes, FASE, Rio de Janeiro, 1988, 46p.
FRANCO, F.S. Diagnóstico e Desenho de Sistemas Agroflorestais para duas
Microbacias Hidrográficas no Município de Araponga, Zona da Mata de Minas
Gerais, UFV, Viçosa, 1995, 110p. (Tese M.S.) NOWOTNY, K. e NOWOTNY, M.P. Agrossilvicultura baseada na dinâmica e na
biodiversidade da Mata Atlântica, Alternativa - Caderno de Agroecologia, AS-PTA, Rio de Janeiro, n° 2, 11-20, 1993.
VIANA,V. Conceitos sobre Sistemas Agroflorestais, In: Dossiê sobre Sistemas Agroflorestais no Domínio da Mata Atlântica, AS-PTA, Rio de Janeiro, 1992, 63p.
VIVAN, J.L. Pomar ou Floresta: princípios para o manejo de Agroecossistemas, AS-PTA, Rio de Janeiro, 1993, 96p.
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HISTÓRIA : De pergunta em pergunta
Esta história aconteceu de verdade, lá pelo século passado. Num país chamado Inglaterra, com um cientista de nome complicado. O nome dele era Thomas Huxley, mas a gente pode entender mais se só chamar o homem de professor Tomás. Ele era um naturalista – estudava a natureza e toda a sua beleza. E um dia foi chamado para resolver um mistério, que era mesmo um caso sério. Num lugar lá no campo estava acontecendo uma coisa muito esquisita. É que a região nunca ficava pobre nem ficava rica. Quando tudo ia melhorando, o gado ia engordando, o povo ia prosperando, qualquer coisa acontecia. E a riqueza sumia. Quando tudo ia empobrecendo, o gado ia emagrecendo, o povo ia adoecendo, tudo de ruim ia acontecendo, de repente melhorava. E a pobreza se acabava. Mas nunca ficava bem. Nem ficava mal também. Para poder dar um jeito, era preciso entender direito. Para não acontecer mais. Então chamaram o professor Tomás. Ele não sabia por onde começar. Saiu por ali e resolveu conversar. Desandou a perguntar – Como é que é a sua família? Há quanto tempo vocês moram aqui? – Onde é que nasceu sua avó? De onde vieram seus amigos? – Aqui é sempre gostoso ou no inverno é diferente? Qual é o seu trabalho? – Que dia tem feira? – Sempre foi assim?
Não queria esquecer nada. Ficava numa perguntação danada. E reparava em tudo, o tal professor Tomás: - De que é que as crianças brincam? Vocês gostam de bichos? – O que é que eles comem? E de plantas vocês gostam? – aqui tem muita festa? Batizado? Aniversário? Casamento? Tanto perguntou que parou. Todo mundo ficou achando que ele cansou. E aí ele mudou. Foi pesquisar documento. Na biblioteca, na igreja, no registro civil. Até nas gavetas de quem deixou, mesmo que fosse reclamando:
- Uma coisa dessas, onde já se viu? Para decifrar o mistério, ficava até passeando pelo meio do cemitério. Até que descobriu. Reparou que, quando o lugar era rico, tinha muita gente casando e muita gente nascendo. Quando as coisas pioravam, as pessoas se mudavam. Tinha menos batizados, tinha menos casamentos. Tudo isso ele aprendeu com as perguntas e os documentos. O resto foi com pensamento. Viu que quando o pasto ficava feio, a região ficava pobre. Produzia pouco leite porque o gado não estava bem alimentado Tinha pouco dinheiro e pouco trabalho. Ai os fazendeiros mandavam embora os empregados.
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E os homens iam procurar trabalho na cidade. Acabavam casando por lá e não voltavam pro seu lugar. E nesse lugar, o que acontecia? Os rapazes iam embora e as moças ficavam sem ter com quem namorar. Naquele tempo ainda era muito atrasado: moça tinha só que se casar, não podia estudar nem sair pra trabalhar e de sua vida cuidar. Sem ter a quem querer bem, queriam tratar de alguém. E arranjavam um gato para fazer companhia. A aldeia ficava com uma gataria... Mas o gato é bicho caçador. E de noite eles saiam pra caçar. Caçaram ratos do campo. Quando tinha muito gato, sobrava muito pouco rato. Só que esse tipo de rato só ficava feliz comendo uma planta com deliciosa raiz. Com mais gato tinha menos ratos e sobrava mais dessa planta pelo mato Essa planta, por sua vez, tinha uma folha bem tenra, Um verdadeiro tesouro para certo tipo de besouro. Besouro de brilho lustroso, que logo saia guloso para comer de sobremesa uma flor que era uma beleza. Flor de trevo açucarada. Voando de flor em flor, o pólen ele ia levando Esse pólen, que levava, em outra flor se misturava. Dessa forma, uma semente se formava. Uma nova planta nascia. O campo todo de trevos se cobria. E era o melhor pasto que havia. Depois disso que é que vinha? Será que você adivinha? O gado ficava lindo. De outros lugares, muitos homens vinham vindo. Tinham muito que trabalhar. E começavam a namorar. Ai, casavam, as famílias criavam e as moças, nos gatos nem pensavam. Começavam tudo ao contrário. Menos gatos, mais ratos. Mais ratos, menos raízes. Menos raízes, menos folhas. Menos folhas, menos besouros. Menos besouros, menos trevos. Com coisas indo assim, o pasto ficava ruim. O gado emagrecia. E tudo de novo acontecia. Mas o cientista era bem esperto. E lodo deu um conselho que fez tudo dar bem certo.
- Vida de planta, gente, animal tem que ser entrelaçada para não acabar mal.
Para a situação melhorar, é bom cada família aqui ter um gato pra criar. Assim fez o pessoal, E tinha razão o professor Tomás: a região não ficou pobre nunca mais. De: Gente bicho planta: O mundo me encanta (6
o edição, 1984) Ana Maria Machado/Walter
Ono, Editora Nova Fronteira S. A