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Universidade Federal do Rio de Janeiro
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais
ADULTÉRIO CONSENTIDO:
gênero, corpo e sexualidade na prática do swing
Olivia von der Weid
2008
ii
ADULTÉRIO CONSENTIDO:
gênero, corpo e sexualidade na prática do swing
Olivia von der Weid
Dissertação de mestrado apresentada ao Programa
de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia –
PPGSA, da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, como parte dos requisitos necessários à
obtenção do título de Mestre em sociologia (com
concentração em antropologia)
Orientadora: Mirian Goldenberg
Rio de Janeiro
Março de 2008
iii
ADULTÉRIO CONSENTIDO: gênero, corpo e sexualidade na prática do swing
Olivia von der Weid
Orientadora: Mirian Goldenberg
______________________________ (Profa. Dra. Mirian Goldenberg, IFCS, UFRJ) _______________________________ (Prof. Dr. Luiz Fernando Dias Duarte, MN /UFRJ) _______________________________ (Prof. Dr. Peter Fry, IFCS/UFRJ)
Rio de Janeiro Março de 2008
iv
von der Weid, Olivia Adultério consentido/ Olivia von der Weid - Rio de Janeiro: UFRJ/PPGSA, 2008 xii,130f.:il.;31cm Orientadora: Mirian Goldenberg Dissertação (mestrado) – UFRJ/IFCS/Programa de Pós- graduação em Sociologia e Antropologia, 2008. Referências Bibliográficas f.126-130 1. Antropologia. 2. Antropologia Urbana. I. Goldenberg, Mirian. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia. III. Título.
v
“No nosso casamento pode haver o adultério,
mas o adultério consentido, que é o swing. O
swing é o adultério consentido”
depoimento de um pesquisado
vi
RESUMO
Adultério consentido: gênero, corpo e sexualidade na prática do swing
Olivia von der Weid
Orientadora: Mirian Goldenberg
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em
Sociologia e Antropologia, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade
Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção
do título de Mestre em Sociologia (com concentração em Antropologia).
A pesquisa tem como objetivo discutir questões referentes às relações afetivo-
sexuais entre homens e mulheres na sociedade atual a partir da experiência de casais
adeptos da prática do swing, também conhecida por troca de casais. Procuro
compreender principalmente as concepções nativas sobre casamento, sexualidade,
infidelidade e, também, as regras de uma relação swinger, destacando as diferenças de
gênero existentes. O swing cria um novo modelo de casamento? Ou reforça os
modelos já existentes? Através de uma análise do discurso e do comportamento dos
casais adeptos da troca e suas interações eróticas, procuro perceber quais as
representações de gênero que estão sendo construídas ou reproduzidas no meio.
Entender o comportamento e as relações de casais adeptos do swing traz à tona
questões importantes sobre a forma como compreendemos a liberdade sexual, a
infidelidade, a homossexualidade, a dominação masculina, entre outros temas.
Palavras-chave: Gênero, sexualidade, corpo, casamento, troca de casais.
Rio de Janeiro
Março de 2008
vii
ABSTRACT
Consented adultery: gender, body and sexuality among swingers
Olivia von der Weid
Orientadora: Mirian Goldenberg
Abstract da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em
Sociologia e Antropologia, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade
Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção
do título de Mestre em Sociologia (com concentração em Antropologia).
This research has as its goal discuss concerns referring to the sexual-affective
relationships between men and women in our society trough the swinging adept
couples experience, also known as couples swap. I bring into the account, manly, the
natives conceptions of marriage, sexuality, infidelity and, also, the rules of a swinger
relationship, highlighting in them the gender conceptions. Does the swinging create a
new marriage model? Or instead, does it reinforce pre-existing models? Trough a
discourse and a behavior analysis of the swinging adept couples and their erotic
interactions, I try to grasp what are the gender representations which are being
produced or re-produced among them. Understanding the swinging adept couples
relationships and behaviors helps to shed light over important questions concerning
the way we understand the sexual freedom, the infidelity, the homosexuality, the male
domination, among others.
Key-words: gender, sexuality, body, marriage, swinging.
viii
Agradecimentos
Antes de tudo, devo dizer que tenho uma gratidão profunda à minha querida
orientadora, Mirian Goldenberg. Através de seus valiosos ensinamentos aprendi muito
sobre esta arte de fazer pesquisa. Seu entusiasmo, seu incentivo, suas leituras
cuidadosas de cada página e muitas outras além das que aqui estão escritas, foram
fundamentais para o desenvolvimento desta pesquisa. Nestes seis anos de parceria
aprendi muito com a sua paixão e dedicação pelo que faz, com o seu olhar atencioso e
exigente, com a sua determinação em dar sempre o melhor de si em tudo o que
realiza. E agradeço acima de tudo o carinho, a possibilidade desse encontro de vida,
para mim tão especial.
Outras pessoas tiveram uma importância fundamental no processo de
elaboração desta dissertação, na minha formação em Ciências Sociais e,
particularmente, em Antropologia. Agradeço ao professor Peter Fry pelos importantes
comentários, pelas provocações valiosas e ótimas sugestões ao longo do curso de
metodologia de pesquisa. Agradeço à antropóloga Laura Moutinho, pela leitura
atenciosa de partes deste trabalho, pelos comentários e idéias debatidos na ANPOCS,
na jornada e na defesa do projeto e por disponibilizar uma bibliografia significativa
produzida na área de sexualidade. Devo um agradecimento à professora Yvone
Maggie por seu entusiasmo na leitura das primeiras páginas do que veio a ser esta
dissertação, pelo brilhante senso crítico e grandes idéias discutidas na defesa do
projeto.
Gostaria de agradecer ao professor Luiz Fernando Dias Duarte, pelo excelente
curso que tive a oportunidade de assitir no Museu Nacional. Suas aulas me abriram
um caminho de reflexão e um novo olhar para o processo de desenvolvimento da
cultura ocidental e, particularmente, da sexualidade. A visão ampla deste processo,
dos valores envolvidos, e suas correlações nas diferentes esferas da vida social, foi
uma descoberta instigante e reveladora para mim.
Agradeço a Marcelo Silva Ramos pelo seu acompanhamento nas primeiras
etapas desta pesquisa. Por sua leitura crítica dos trabalhos de iniciação científica, por
sua paciência, por insistir na importância de um texto claro e objetivo. E por sua
presença, essencial para mim na primeira entrevista que realizei para esta pesquisa.
Gostaria de agradecer às instituições que tornaram viáveis o desenvolvimento
desta pesquisa. Ao Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia, pelo
ix
ambiente estimulante de aprendizado e constante troca de informações. Ao CNPq e à
FAPERJ, pelas bolsas de estudo, sem as quais teria sido muito mais penoso levar a
frente este projeto.
A disponibilidade, o interesse e a abertura das pessoas que entrevistei, ao
falarem de temas tão íntimos, foi um incentivo essencial, sem o qual esta pesquisa
dificilmente poderia ter sido realizada. Agradeço a relação de confiança estabelecida,
a simpatia e a receptividade. Sou grata, especialmente, a Ana e André, por terem
aberto portas e se mostrarem dispostos a ajudar em todos os momentos que precisei.
Quero agradecer o apoio e o carinho de pessoas importantes no processo de
desenvolvimento desta dissertação e na minha vida. Marisol Goia, que além da
amizade verdadeira e profunda, do acompanhamento dos dilemas acadêmicos e
pessoais e das muitas trocas de idéias, teve o trabalho exaustivo e cuidadoso de leitura
e correção do texto que se segue. À amiga Mariana Massena, pelo carinho, pelo
acompanhamento de todos os passos de pesquisa e pelas longas e entusiasmadas
conversas.
Agradeço a Bianca Arruda, Leonardo Campoy e Eduardo Dullo, pela relação
de amizade que estabelecemos, pelo apoio, incentivo e reciprocidade neste “rito de
passagem” acadêmico. Tenho uma gratidão especial por Igor de Vetyemy, amigo de
muitos anos, que além de se disponibilizar a me acompanhar na primeira ida a uma
casa de swing, teve um trabalho impecável e atencioso na elaboração das plantas desta
casa. Agradeço a Marina Sodré, por ouvir tantas idéias, por me ajudar e me incentivar
nesta pesquisa e na vida.
Um processo importante durante a minha passagem pelo curso de mestrado do
PPGSA foi a oportunidade de organizar, em 2007, junto com outros colegas, a
primeira Jornada Conjunta de alunos do PPGSA-IFCS, PPGAS-MN e IUPERJ-
UCAM. Compartilho com eles de uma experiência enriquecedora pelo intercâmbio
estabelecido entre os alunos, pela possibilidade de diálogo inter-institucional e pelas
longas tardes e noites de discussão e união de pessoas com idéias diferentes, mas com
um objetivo comum. Agradeço aos colegas da comissão de organização desta jornada:
Antônio Brasil, Bernardo Curvelano, Bianca Arruda, Bruno Marques, Carla Soares,
Eduardo Dullo, Gabriel Banaggia, José Vitor Regadas, Leonardo Campoy e Vitor
Grunvald. Agradeço ainda ao professor Emerson Giumbelli, coordenador do PPGSA
no ano de 2007, com quem tive um contato mais direto, pelo importante apoio e
incentivo à idéia.
x
Agradeço à Cláudia, Denise e Ângela, funcionárias do PPGSA-IFCS, pela
disponibilidade e ajuda nas burocracias acadêmicas e, especialmente, pelo apoio e
bom humor. Tenho uma grande gratidão por Amália Oliveira, pela ajuda nas etapas
finais e no processo de impressão desta dissertação, mas especialmente pela atenção e
carinho que teve neste e em todos os momentos que precisei.
Outras pessoas merecem um agradecimento carinhoso, não só pela
importância que tiveram nestes anos de mestrado, mas pela importância que têm em
minha vida. Agradeço ao meu pai, Jean Pierre von der Weid, por ter sempre
acreditado e apoiado as minhas escolhas e meus caminhos. Por seu particular
incentivo ao desenvolvimento desta pesquisa, por seu entusiasmo com meus passos
acadêmicos e profissionais e, acima de tudo, pela relação verdadeira e amorosa que
temos. À minha mãe, Nahyda Franca, por estar sempre ao meu lado, por sua presença,
atenciosa e interessada, nas vezes em que apresentei partes deste trabalho em jornadas
ou seminários e por esta ligação, tão especial e carinhosa, que temos na vida. À minha
irmã, Aline von der Weid, pela relação de amizade, incentivo e admiração que
desenvolvemos ao longo da vida. Pelo seu cuidado e pelo seu carinho.
Agradeço a Clara Andrade, Fernanda Miranda, Igor de Vetyemy, Maria Souto,
João Gabriel Souto, Nara Ferreira, Tiago Lessa Bastos e Ludmila Olivieri, minha
outra família, por esses dez anos de encontro e de uma amizade tão verdadeira e
especialmente importante para mim.
Devo um especial agradecimento a Eduardo Costa, pelos momentos
maravilhosos, pelo apoio nas horas difícies e nos dilemas emocionais. Pela presença
amorosa fundamental neste período da minha vida.
Agradeço, ainda, à minha querida avó, Heloísa Bevilaqua Penna Franca, que
sempre foi uma referência de amor e afeto tão importante para mim. Por sempre ter
acompanhado de perto minha trajetória educacional e pessoal. Pelo seu entusiasmo,
sensibilidade e paixão pelas pequenas e grandes coisas deste mundo.
xi
Sumário
INTRODUÇÃO 1
CAPÍTULO I: O swing como um tema de pesquisa 7
I.1. A estigmatização do pesquisador no estudo de temas estigmatizados 7
I.2. Gênero e juventude no trabalho de campo 8
I.3. Entre razão e emoção 11
I.4. Primeira ida a uma casa de swing: uma descrição densa 13
I.5. A primeira entrevista 22
I.6. Os casais 22
CAPÍTULO II: A prática do swing: um panorama 30
II.1. O swing no Brasil 33
II.2. Swing: “à vera” ou “à brinca”? 37
II.3. Em busca de um perfil? 41
II.4.Swing: dentro ou fora da ordem? 45
II.5. Três é ímpar: a situação dos solteiros 50
CAPÍTULO III: Swing à brasileira 56
III.1. Masculino e feminino: antes e depois 57
III.2. Antagonismos equilibrados na prática do swing 64
III.3. O swing, o “mundo liberal” e a sacanagem 65
III.4. Casa de swing ou clube de swing? 69
CAPÍTULO IV: Gênero, corpos e práticas sexuais 74
IV.1. A “atividade” como princípio masculino 74
IV.2. Práticas sexuais e a “questão” do gênero 79
IV.3. Corpos vestidos 84
IV.4. Corpos despidos 85
IV.5. O corno e a puta 90
IV.6. Swing e dominação masculina 95
xii
CAPÍTULO 5: Swing: o adultério consentido 98
V.1. Sexo, amor e casamento 98
V.2. “Swing social clube” 104
V.3. Fantasia e transgressão 107
V.4. Intensidade e controle 112
V.5. Swing = adultério consentido? 117
CONSIDERAÇÕES FINAIS 122
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 126
Introdução
Em março de 2003, quando iniciei esta pesquisa, ainda na graduação, uma das
questões que me inquietavam e que já vinha analisando em trabalhos de iniciação
científica, era uma aparente contradição entre um ideal de fidelidade e os anseios por
liberdade sexual nos relacionamentos atuais. Interessava-me pensar sobre como as
pessoas lidam, por um lado, com a lógica do amor e da monogamia que parece permear
os casamentos e as relações afetivo-sexuais, com o imperativo do desejo, da experiência
sexual e da liberdade, que, por outro lado, também se encontra fortemente presente na
sociedade atual. Outro ponto de interesse eram as diferenças de gênero na vivência
destas questões. Será que existiriam relações onde haveria uma vivência mais “livre” do
desejo? Homens e mulheres vivem esta “liberdade” da mesma forma?
Foram estes questionamentos iniciais, resultantes em grande parte da pesquisa
“Perdoa-me por te trair: um estudo antropológico sobre a infidelidade feminina”1, que
me levaram à prática da troca de casais, também conhecida como swing2, como um
possível objeto de investigação antropológica. Apesar de descobrir naquela pesquisa
que uma porcentagem relativamente alta de mulheres é infiel (47% contra 60% dos
homens), ficava intrigada com as justificativas de homens e mulheres para sua
infidelidade. O discurso feminino está muito mais relacionado a uma falta na relação (de
carinho, de atenção, de sexo), do que à vontade ou desejo. Outro tipo de discurso, que
justifica a infidelidade como fruto da atração sexual, também foi encontrado, mas em
um número menor de respostas (Goldenberg, 2004, von der Weid, 2004).
Diante destes resultados, comecei a me questionar sobre a forma como as
mulheres lidam com a sexualidade, se existiriam relações onde o desejo sexual pudesse
ser vivido de forma mais livre. Antes do swing, pensei em estudar relacionamentos
“abertos”, onde a fidelidade sexual não fosse uma exigência. Uma dificuldade para levar
esse estudo adiante foi apresentada por minha orientadora: o problema de encontrar
casais que vivessem uma relação estável deste tipo. Nesta mesma época li uma
1 VON DER WEID, O. Perdoa-me por te trair: um estudo antropológico sobre a infidelidade feminina. Revista Habitus, Rio de Janeiro, Vol. 2, n. 1, p. 49-59, 2004. <www.habitus.ifcs.ufrj.br> 2 Vale enfatizar que os termos swing, relação swinger, casais swingers são usados aqui como categorias nativas, utilizadas pelos pesquisados como auto-classificação e como classificação da prática que realizam em casas de swing, sendo esta também uma categoria nativa.
2
reportagem3 sobre casais que praticavam swing. Até este momento não tinha
informações sobre esta prática e não conhecia casais swingers.
Fiz, então, uma pesquisa inicial na internet sobre swing e descobri sites de
diferentes tipos. Muitos eram sites pornográficos, alguns de casas de swing e outros de
casais que falavam sobre a prática. Nos textos dos sites era possível perceber uma certa
apologia da relação swinger, supostamente mais liberal e mais honesta que um
relacionamento comum, já que os casais não precisavam esconder suas fantasias de se
relacionar sexualmente com outras pessoas.
Esta pesquisa tem como objetivo refletir sobre as relações afetivo-sexuais entre
homens e mulheres, principalmente no que diz respeito ao casamento, sexualidade e
identidade de gênero, a partir da experiência de casais adeptos da prática do swing.
Procuro compreender quais as motivações femininas e masculinas para
buscarem a prática da troca de casais e quais as regras que delimitam o que é permitido
e o que é proibido em seus relacionamentos. O swing cria um novo modelo de
casamento? Ou reforça os modelos já existentes?
Busco também compreender as concepções dos praticantes de swing sobre
infidelidade. Outro foco de atenção são as práticas sexuais masculinas e femininas no
swing e o que elas dizem sobre as concepções de gênero presentes em nossa sociedade.
Através de uma análise do discurso dos casais swingers, procuro entender quais as
representações de gênero que estão sendo construídas ou reproduzidas no meio. Que
atributos ou características contribuem para tornar um homem ou uma mulher
desejáveis no meio swinger?
Ao realizar um estudo sobre a prática da troca de casais procuro compreender as
mudanças e permanências nas representações de gênero e nos ideais de conjugalidade
presentes na cultura contemporânea. Busco entender as formas “alternativas” de
conjugalidade que podem ser verificadas em nossa sociedade, procurando pensar de que
maneira a prática do swing contribui para uma discussão mais ampla sobre infidelidade,
casamento e sexualidade nos relacionamentos afetivo-sexuais.
Entender o comportamento e as relações de casais adeptos do swing traz à tona
questões importantes sobre a forma como compreendemos a liberdade sexual, a
dominação masculina, a homossexualidade, entre outros temas. A prática e o
comportamento destes casais são bons pontos de partida para se refletir sobre os
3 O Globo, “Swing do bem”, 22 de fevereiro de 2003.
3
modelos e as contradições que envolvem a construção de uma identidade de gênero na
sociedade contemporânea.
Venho coletando dados e material de pesquisa desde maio de 2003, quando
comecei a pesquisar o tema. O material pode ser classificado em três fontes principais:
observação participante, entrevistas e material de mídia (impressa e internet).
Estive presente em 19 encontros realizados por casais praticantes de swing em
duas casas especializadas. A participação nos encontros aconteceu durante o período de
setembro de 2003 a maio de 2004, em uma casa de swing na Zona Sul do Rio de Janeiro
e em outra no Centro. Cada encontro tinha cerca de uma hora de duração e totalizaram
aproximadamente 20 horas. Antes e depois dos encontros participava de conversas
informais com os pesquisados e a cada vez que ia a um encontro, permanecia na casa
aproximadamente duas horas e meia. Estes encontros aconteciam semanalmente e eram
promovidos por um dos casais entrevistados, que foram os meus principais informantes.
Os encontros eram denominados de “Swing Social Clube” e no início eram orientados a
partir de alguns temas: “Etiqueta Swing”, “Jogos de Adultos”, “Amor e Sexo”, “O
bissexualismo no swing”, “O swing e o segredo”, “O swing e a rejeição”, “O swing e o
sexo anal”, “O swing e o casamento”, “O swing e a traição”, “O swing e a amizade” e
“O swing e a performance”.
Nos anos de 2003 e 2004 realizei onze entrevistas, sendo que dez foram feitas
com praticantes de swing da cidade do Rio de Janeiro que freqüentavam os encontros
que observei. A outra entrevista, a primeira realizada para esta pesquisa, foi feita com
um casal morador da cidade de Campinas, estado de São Paulo. Cada entrevista teve
duração aproximada de 1 hora e 30 minutos. O tempo de duração total foi de 15 horas.
Fiz duas novas entrevistas em outubro de 2006 e março de 2007. Entrevistei
novamente o principal casal informante, que havia se separado há poucos meses e que
apresentaram o swing como um dos motivos que influenciou a decisão da separação.
O material de imprensa analisado contém reportagens do Jornal do Brasil, O
Globo, O Dia, Correio Brasiliense, Jornal do Comércio e Tribuna da Imprensa. Entre as
revistas: Istoé, Época, Playboy, Marie Claire, Nova, Geração (JB), Reality Magazine e
Ele Ela.
Foi feito o acompanhamento regular de um blog4, mantido por um dos casais na
internet desde maio de 2002 e atualizado regularmente até maio de 2005. Os textos são
4 www.fantasiasdecasados.com.br
4
escritos pelo próprio casal e tratam, em geral, de temas relacionados à prática do swing.
Na internet foi feita uma pesquisa por reportagens que tratam do tema. Também são
analisados textos e publicações de páginas pessoais de casais adeptos da prática e de
casas de swing.
Esta dissertação está organizada em cinco capítulos. No primeiro capítulo, “O
swing como um tema de pesquisa”, busco fazer uma reflexão mais aprofundada sobre a
minha entrada como antropóloga neste campo e as dificuldades e desafios enfrentados
ao longo da pesquisa. Ao refletir sobre o caminho trilhado e as soluções encontradas
pretendo tornar evidente a subjetividade do pesquisador e os limites entre tema de
pesquisa, pesquisadora e informantes em um trabalho de campo.
A polêmica em torno da minha decisão de escolher a prática do swing como um
tema de pesquisa antropológica, as reações ao meu redor, são fontes importantes de
reflexão sobre a forma como gênero e sexualidade são compreendidos em nossa cultura.
Procuro, ainda no capítulo I, fazer uma descrição detalhada dos primeiros passos de
pesquisa - a primeira visita a uma casa de swing, a primeira entrevista – e uma breve
apresentação dos casais entrevistados.
No capítulo 2, “A prática do swing: um panorama”, parto de alguns dados mais
gerais para contextualizar a prática do swing no mundo ocidental e no Brasil. A partir de
definições encontradas entre os próprios entrevistados, em matérias da mídia e em
artigos sobre o tema, procuro delimitar a prática e o grupo pesquisado, em contraste
com outras formas “alternativas” de experimentar a sexualidade e as relações afetivo-
sexuais. Faço, em seguida, uma análise sociológica do grupo levando em consideração o
perfil sócio-econômico, a profissão, a idade e os casamentos anteriores.
Ainda no capítulo 2, procuro refletir sobre uma relação swinger em oposição ao
que seria considerado um modelo tradicional de casamento. O discurso dos
entrevistados e reportagens veiculadas na mídia a respeito do tema evidenciam um jogo
de acusações e anonimato que permite refletir sobre quais práticas podem ser reveladas
e quais devem permanecer ocultas em nossa sociedade. Finalmente, a análise da
inserção de um terceiro elemento em uma prática de casais, a figura do(a) solteiro(a),
evidencia as regras vigentes no meio e os mecanismos utilizados pelos casais para
controlar os possíveis problemas decorrentes da inserção deste novo elemento.
O terceiro capítulo, “Swing à brasileira”, tem como inspiração as obras de
alguns autores que procuraram pensar a formação de uma cultura sexual e de gênero no
Brasil. Neste capítulo, as contribuições de Gilberto Freyre, Roberto DaMatta e Richard
5
Parker foram importantes para pensar algumas características encontradas no ambiente
swinger, tais como as diferenças sexuais e de gênero entre homens e mulheres
praticantes, a existência de um suposto “mundo liberal” que englobaria a prática, as
oposições encontradas entre tradição e vanguarda, monogamia e poligamia ou a
particular maneira de conceber e organizar o espaço de uma casa de swing. A intenção
não foi fazer um levantamento dos principais autores que pensaram uma cultura sexual
e de gênero no Brasil, mas a contribuição dos autores citados mostrou-se relevante para
uma compreensão dos dados de pesquisa. Outros autores essenciais para se discutir
sexualidade e gênero no Brasil, como Peter Fry e Mirian Goldenberg, foram referências
importantes em outros capítulos desta pesquisa.
O capítulo 4, “Gênero, corpos e práticas sexuais”, tem como foco a construção
do feminino e do masculino a partir do discurso de casais adeptos do swing. Que tipos
de comportamento demarcam o que é ser homem e ser mulher neste universo? De que
forma essas identidades se relacionam com o desempenho de determinados papéis
sexuais? Procuro comparar a construção de uma identidade sexual masculina com a
feminina, tentando compreender como as semelhanças e diferenças nestas identidades
nos ajudam a pensar sobre o que significa ser homem e ser mulher na cultura brasileira.
Neste capítulo discuto a forma como as pessoas se vestem para ir a uma casa de
swing e o significado da roupa neste meio. Outro ponto se refere à valorização de
determinado ideal de aparência e beleza e as diferenças nos usos, preocupações e formas
de um corpo feminino e de um corpo masculino. Busco discutir também sobre as
práticas sexuais “incentivadas” e “proibidas” e o que isso pode dizer sobre a construção
da masculinidade e da feminilidade no Brasil. Dois personagens míticos no imaginário
brasileiro, a figura do corno e da puta, são também pontos de partida para uma
discussão da construção de gênero entre os pesquisados.
No quinto e último capítulo, “Swing: o adultério consentido”, procuro
compreender um casal swinger e a forma como se articulam amor, sexo e prazer neste
relacionamento. Pretendo refletir sobre como a oposição entre sexo e amor mostra-se
central para a construção e a preservação de seus relacionamentos e como, em seus
discursos, aparece uma lógica da intimidade e da cumplicidade em contraste, ao mesmo
tempo que articulada, a uma lógica da satisfação dos desejos sexuais. Faço também uma
reflexão sobre as relações de amizade entre os casais entrevistados e da importância que
este vínculo adquire no universo pesquisado.
6
No capítulo 5, busco analisar os diferentes aspectos que aparecem relacionados
no discurso sobre prazer dos adeptos da troca de casais: a fantasia, a transgressão, a
intensidade e o controle. Finalmente, procuro entender qual a concepção nativa sobre
infidelidade e de que maneira o swing também pode ser pensado como uma tentativa de
“prevenção” ou controle deste problema nos relacionamentos afetivo-sexuais.
7
Capítulo 1: O swing como um tema de pesquisa
“Estou consciente de que se trata de uma interpretação e que por mais que tenha
procurado reunir dados “verdadeiros” e “objetivos” sobre a vida daquele universo, a
minha subjetividade está presente em todo o trabalho”
Gilberto Velho
A estigmatização do pesquisador no estudo de temas estigmatizados
Quando escolhi o swing como um tema de pesquisa certamente tinha alguma
idéia da polêmica em torno do assunto. Invariavelmente as pessoas reagem de maneira
“inflamada” ao tópico. Como lembra Goldenberg (2004), a compreensão do outro que
buscamos em antropologia ajuda não só na compreensão de nós mesmos, mas revela
também aspectos obscuros, ocultos, silenciados de nossas próprias vidas e da cultura em
que estamos inseridos.
Lembro-me de uma discussão em um encontro de família. Em uma tentativa de
encontrar algum casal que praticasse swing para entrevistar, perguntei para uma tia se
conhecia alguém. Ela tinha 30 anos e é do meio artístico. Não conhecia ninguém e mais
tarde o assunto foi lembrado por minha mãe. Gerou um misto de curiosidade e crítica.
Todos associavam o swing com “suruba”, “bacanal”, “putaria”. Era unânime a premissa
de que uma casa de swing é uma espécie de bordel e de que a mulher só aceita este tipo
de prática para satisfazer o homem. Alguém disse que os casais que praticam não são
normais e este tipo de comportamento poderia ser considerado patológico.
Um diálogo com a minha avó materna me deu o primeiro indicativo de algo que
estava começando a enfrentar, o estigma do tema contaminando o pesquisador
(Goldenberg, 2004). Ela não conseguia entender o motivo de eu querer estudar um tema
desses, que para ela “era tudo putaria”. Perguntou se tinha sido a minha orientadora
quem o sugeriu e eu respondi que não. Sua conclusão foi a de que, então, eu era
“pervertida” e “safada”.
Muitas pessoas fazem essa associação e suas reações ao tema da minha pesquisa
fizeram com que me sentisse algumas vezes como se estivesse “difamando” o meu
nome ao optar por estudar este assunto. Não entendiam porque eu, aluna, filha, neta “tão
inteligente”, fui escolher a troca de casais como objeto de pesquisa. Goldenberg (2004),
8
em seu estudo sobre mulheres amantes de homens casados, revela como a ambigüidade
da situação vivida pelas “Outras” pesquisadas contamina a própria identidade do
pesquisador. As dúvidas que aparecem em torno da figura da Outra são transferidas para
quem pesquisa o assunto: “por que o interesse pelo tema?”, “será que ela é ou foi a
Outra?”. De maneira semelhante, fui questionada algumas vezes: “por que estudar
swing?”, “você já fez ou tem vontade de fazer swing?”.
Existe também a associação do swing ao sexo por prazer, a uma maior liberdade
sexual, a casais modernos e com a “cabeça aberta”. Este outro imaginário que permeia o
swing aparecia explicitamente na curiosidade de algumas pessoas, principalmente as
mais jovens. As mulheres se mostraram curiosas e diziam ter vontade de conhecer uma
casa de swing. Algumas amigas me consideraram corajosa por fazer uma pesquisa como
essa. Foi interessante observar as reações dos meus conhecidos homens na época em
que fazia a pesquisa. Falar do estudo já despertava o interesse pelo swing e uma certa
curiosidade por mim também. Alguns se ofereceram para ir comigo a uma casa de
swing, caso um dia eu precisasse de companhia masculina. Lembro-me de um que
insistiu especialmente neste ponto. Mesmo falando que nunca tinha feito swing, que
estava apenas fazendo uma pesquisa, sentia que me associavam a uma imagem de
mulher liberal, contestadora ou sexualmente livre.
Gênero e juventude no trabalho de campo
Dentro do ambiente swinger também experimentei reações diversas. Lembro-me
especialmente de uma noite quando fui a um dos encontros e deixei o lugar exausta e
confusa. Desde o início tentei manter uma postura que imaginava adequada ao meu
papel de pesquisadora. Apenas queria deixar claro que estava ali pesquisando,
observando, fazendo entrevistas. Mas até chegar neste lugar, que, posteriormente,
consegui conquistar, foi como se estivesse o tempo todo provando que a minha pesquisa
não era apenas uma desculpa para entrar no meio e experimentar o swing.
No início sentia como se estivesse acontecendo um jogo, onde o objetivo dos
meus pesquisados era me iniciar nessa prática. Nas brincadeiras, nos gestos ou até
mesmo com perguntas diretas buscavam saber o que eu achava do swing, do bi
feminino, se não tinha vontade de fazer, sugeriam que eu poderia me tornar uma
“rolinha” (mulher solteira que freqüenta casas de swing). Eu precisava me defender
dessas investidas, reafirmar as minhas intenções e a minha postura, preocupando-me,
9
também, em não parecer agressiva para que não interpretassem as minhas negativas
como uma postura preconceituosa.
Nos primeiros encontros eu era a “novidade”. Uma jovem estudante interessada
em pesquisar troca de casais, fazendo perguntas sobre infidelidade, fantasias sexuais,
participando dos encontros. Todos, ou quase todos, eram extremamente simpáticos,
atenciosos. Não foram poucas as brincadeiras que ouvi. Fui apresentada como “a nossa
antropóloga” que “ainda” não faz swing, entre risos e comentários de que estavam todos
torcendo pelo dia em que eu resolvesse fazer. No princípio, esses comentários me
incomodavam bastante e era um pouco cansativo porque precisava ficar prestando
atenção em tudo o que fazia ou falava, nos meus gestos, para onde estava olhando, para
não dar margem a nenhuma brincadeira ou interpretação equivocada e não passar uma
imagem dúbia.5
Acredito que estava passando por uma espécie de teste. Aos poucos, fui
ganhando a confiança e um lugar especial naqueles encontros. À medida que percebiam
que eu não cedia às provocações e mantinha a minha postura “séria”, foram se
acostumando, e eu também, e se estabeleceu uma relação de respeito mútuo.
As brincadeiras continuaram, mas fui relaxando pouco a pouco, na medida em
que fui conquistando o meu espaço. Já não as encarava como um desafio, eram apenas
brincadeiras. No fim, não precisava nem responder e até ria de algumas, como na vez
em que falaram que o dia em que eu defendesse minha tese seria o dia em que eu faria
swing.6
5 Um dos trechos do meu diário de campo, do dia 18 de setembro de 2003 revela esta tensão: Hoje algumas pessoas fizeram questão de vir falar comigo depois do encontro. Eu gostei, me senti parte, me senti reconhecida e respeitada, senti que tinha um lugar. Eles não desistem de querer me “conquistar” para o swing. Acho que é um jogo, faz parte da fantasia deles talvez. Tem uma coisa de querer te seduzir, de querer que você entre na deles. Dependendo do dia eu não me incomodo tanto, desconverso, rio e às vezes até gosto desse jogo de me sentir desejada. Mas quando estou mais cansada fico achando chato ter que ficar mudando de assunto, dando explicações ou reafirmando a minha posição. Depende sempre do meu estado no dia. Acaba que a minha posição ali mexe um pouco no imaginário, ser uma personagem a ser conquistada, mas que ao mesmo tempo se coloca como proibida. É uma posição ambígua, que pode ser favorável e me deixa à vontade em certas ocasiões ou bastante desconfortável em outras. É preciso estar sempre lidando com essas situações. Porque entre a brincadeira e a intimidade e o convite, o estar sendo testada e sondada, o limite é muito tênue. 6 Outras anotações do diário, dessa vez do dia 20 de novembro de 2003: Estou me sentindo mais à vontade no ***, mais em casa, jogando com as brincadeirinhas, até curtindo algumas “cantadas”, relaxando um pouco a postura de pesquisadora que estava me prendendo, me deixando tensa. Acho que isso está acontecendo agora porque a relação já se estabeleceu. As pessoas já sabem quem eu sou, o que estou fazendo ali. Muitas já foram entrevistadas, sentiram como era o meu trabalho, me respeitam mais e não me olham com uma postura duvidosa e provocativa. Brincam, dão indiretas, mas respeitam. Eu já aceito as brincadeiras numa boa, rio, entendo que faz parte do jogo, mas já percebi que não preciso responder ou ficar nervosa. A melhor tática é achar graça e ficar na minha, não falar nada. Eles mesmos mudam de assunto ou dizem que só estão brincando e pronto, tudo continua como antes.
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Vale de Almeida (1995) mostra, em “Senhores de Si”, que ser um pesquisador
do gênero masculino influenciou a realização de sua etnografia sobre masculinidade na
aldeia portuguesa de Pardais. Ser homem e solteiro permitiu que tivesse acesso mais
fácil a determinados informantes e determinados locais de sociabilidade, o que
conseqüentemente, gerou determinada interpretação. De maneira semelhante, acredito
que o fato de ser mulher e, na época que iniciei a pesquisa, com 21 anos, em um
ambiente como uma casa de swing, trouxe conseqüências determinantes para a maneira
como se desenvolveu o meu trabalho de campo.
O fato de ser mulher me fez tomar algumas precauções que provavelmente um
homem não tomaria. Estar acompanhada na primeira ida a uma casa de swing, e na
primeira entrevista, são bons exemplos. A antropóloga Moreno (1996), ao relatar sua
experiência de estupro em campo, revela como o medo da violência e do assédio sexual
é algo que restringe os movimentos, inclusive físicos, das mulheres durante o trabalho
de pesquisa. A autora considera que o antropólogo arquetípico é homem e a teoria se
constrói com base em um mundo supostamente livre de gênero. Mas, no campo, essa
ilusão de uma identidade neutra de gênero entra em colapso. A possibilidade de
violência sexual, implícita ou explícita, restringe os movimentos e as atividades das
mulheres em muitos contextos sociais, questão com a qual a maioria das mulheres
antropólogas precisa lidar, enquanto homens antropólogos não precisam. Moreno
ressalta que para a mulher é sempre necessário, em todo lugar, encarar o espectro da
violência sexual de um modo diferente daquilo que os seus colegas homens precisam
combater.
A minha preocupação ao ingressar no campo não alcançou tais dimensões, mas
não posso negar que uma presença masculina no início serviu como uma espécie de
proteção. Outro fator que se agregava a esse temor essencialmente feminino era o fato
de o sexo ser um tema explicitamente abordado pela pesquisa. Ao mesmo tempo em que
concordava que tomar alguns cuidados não seria nenhum exagero, não queria adotar
uma postura preconceituosa em relação aos pesquisados. Fazer swing não os tornava
mais “perigosos” do que outros possíveis informantes.
Acredito ser importante realçar que pertencer ao gênero feminino e ser uma
jovem pesquisadora me abriram um caminho bastante particular de aproximação dos
pesquisados, com suas vantagens e desvantagens. Sempre fui recebida com simpatia e
interesse por parte dos casais. Apesar de todos terem as suas precauções em relação à
preservação de suas identidades, a disponibilidade para conversar ou dar entrevistas era
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quase sempre imediata, tanto da parte das mulheres quanto dos homens. Ao mesmo
tempo, precisei lidar durante a maior parte do trabalho de campo com insinuações e
“cantadas” por parte dos casais, tanto dos homens quanto das mulheres, e também dos
solteiros que freqüentavam a casa. Desenvolvi as minhas estratégias para lidar com
estas investidas e elas nunca se tornaram um empecilho para a continuação do trabalho.
Entre razão e emoção
Além das reações das pessoas de dentro do meio swinger, e de fora dele,
também tive que lidar com minhas questões pessoais relacionadas ao tema e ao contato
com os pesquisados. DaMatta (1978) ao descrever o processo que chama de
“anthropological blues” revela como subjetividade e emoção se insinuam no trabalho de
campo. O autor ressalta a importância de se recuperar o lado extraordinário das relações
entre pesquisador e nativo. Considera que se este é o lado menos rotineiro e o mais
difícil de ser apreendido em uma situação antropológica, é justamente porque se
constitui no aspecto mais humano de nossa disciplina.
Wacquant (2002), em sua etnografia sobre lutadores de boxe em Chicago,
ressalta a importância de se considerar o agente social como um ser de carne, de nervos
e de sentidos, um “ser que sofre” e que é parte do universo que o faz e que, em
contrapartida, contribui para fazer, com todas as fibras de seu corpo e de seu coração.
Durante o trabalho de campo a relação que estabeleci com os meus pesquisados
foi aos poucos se alterando. No início, estava bastante preocupada em como manter uma
postura objetiva, livre de preconceitos, séria, respeitosa. Com o desenvolvimento do
trabalho fui me aproximando de alguns casais e vi nascerem vínculos de amizade e
confiança. Esta situação me levou a uma contradição que questiono se é passível de ser
superada, não só por mim mesma naquele contexto específico, mas pela própria
antropologia. Alguém que está dentro e fora, cujo distanciamento e postura
compreensiva abrem um caminho de aproximação com as pessoas, mas que é, também,
o mesmo caminho que acaba por afastá-las.
Wacquant considera que a sociologia deve se esforçar para capturar e restituir a
dimensão carnal da existência, partilhada, em diferentes graus de visibilidade, por todos
e por todas, através de um trabalho metódico e minucioso de descrição e registro, de
decodificação e escrita capaz de “capturar e transmitir o sabor e a dor da ação, o som e a
fúria do mundo social que as abordagens estabelecidas das ciências do homem colocam
12
tipicamente em surdina, quando não os suprimem completamente”. O autor questiona
esse “distanciamento antropológico”, revelando um envolvimento tal com seu “objeto
de pesquisa” que chegou a cogitar a possibilidade de abandonar sua carreira
universitária para se tornar um dos profissionais do boxe, mantendo assim a relação de
amizade com seus companheiros do gym e o técnico, a quem passou a considerar um
segundo pai.
Nunca cheguei ao ponto de cogitar a possibilidade de “passar para o outro lado”,
mas em certos momentos questionei profundamente minha postura de pesquisadora.
Quais são os limites dessa relação e da diferença que ela coloca entre o antropólogo e os
“outros”?
No meu diário de campo, em 24 de março de 2004, registro este questionamento:
Nas últimas entrevistas tenho vivido situações de maior aproximação com as pessoas, talvez por ter sido na casa delas. Presenciei momentos mais íntimos, partilhei o espaço em que vivem todos os dias, conheci filhos, parentes, lanchei e vi televisão, usei o banheiro da casa, ouvi histórias que vão muito além do swing, problemas e preocupações outros que não se relacionam com a pesquisa. Esses momentos contribuíram para, de certa forma, humanizá-los. Pude senti-los mais como pessoas e não apenas isso, me preocupei com seus problemas, me sensibilizei com suas atitudes, me percebi mobilizada. É estranho, é como se tivesse me tornando uma amiga, alguém em quem podem confiar. Vejo que têm um carinho por mim, sinto esse carinho. Nas pequenas coisas, como a preocupação de um dos casais em saber se cheguei bem em casa quando deixei seu apartamento à noite, o imã de geladeira que ganhei como lembrança por ter visitado e conhecido seu filho recém nascido de um mês, o convite para outras visitas que não tenham ligação com a pesquisa. Ou ainda a preocupação de uma entrevistada de que sua casa estivesse arrumada para me receber, a explicação detalhada para que não me perdesse na volta pra casa, o lanche e a sugestão de que retornasse ou ao menos ligasse para saber como ia a gravidez. Tive vontade de levar um presente para o bebê, mas não o fiz. Esse distanciamento me confunde, me sinto às vezes desumana e impessoal nessa posição que eu mesma me coloquei. É ambíguo, porque foi a partir dessa postura de pesquisadora que alcançei um espaço no grupo, o espaço que tenho hoje. E ao mesmo tempo esse lugar, depois de um certo momento, quando já estava delimitado o meu espaço, passou a me prender, me limitar. Percebo-me condicionada a certas atitudes que não necessariamente são as que teria se não estivesse sob as amarras de pesquisadora. Até que ponto estou sendo verdadeira? Não só com eles, mas comigo mesma? Outro dia sonhei com pessoas dali. Estavam presentes no meu sonho! Isto significa um envolvimento grande com a pesquisa, mas não só com ela, com as pessoas que fazem parte dela. São pessoas que de uma
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certa forma estão no meu cotidiano, invadem meus sonhos. São pessoas, não personagens, não objetos.
Primeira ida a uma casa de swing: uma descrição densa
Antes de fazer minha primeira entrevista decidi que era fundamental conhecer o
ambiente de uma casa de swing. Considero importante descrever detalhadamente a
primeira visita porque questões que se apresentaram neste momento reapareceram ao
longo do trabalho e são aprofundadas nos próximos capítulos. As principais dizem
respeito aos uso e significado da roupa nestes ambientes, a forma de aproximação entre
os casais, o papel do olhar nesta aproximação, a organização do espaço em uma casa de
swing, o papel feminino na escolha dos casais para a realização da troca. A “explosão
de significados” deste momento inicial da pesquisa foi um instrumento fundamental
para a análise do campo.
Convidei um amigo, Igor, que já havia se oferecido para ir comigo. Fomos no
dia 13 de setembro de 2003, um sábado. Minha primeira preocupação foi em relação à
roupa que eu deveria usar. Achava que as minhas não eram apropriadas, por serem
muito joviais ou pelas cores serem fortes demais. Buscava uma blusa lisa, elegante e
discreta. Queria algo que me fizesse passar despercebida, um traje neutro. Imaginava
que nesses lugares as mulheres estariam mais arrumadas, com roupa sexy, mas o meu
objetivo era ser o mais discreta possível. Nada de decotes ou roupa colada. O dia estava
chuvoso e acabei vestindo uma calça social preta e blusa de manga comprida cor telha.
Combinamos que naquela noite seríamos um casal de jovens namorados, com
um ano de relação. Outra dúvida se apresentou em relação à minha postura. Deveria
dizer que estava ali motivada pela minha pesquisa? Decidi que sim, que se alguém
perguntasse falaria que estava realizando uma pesquisa e que meu “namorado” estava
ali para me acompanhar.
Eu e meu amigo passamos pelos seguranças da entrada e subimos por uma
escadinha até uma porta de vidro. Na porta tinha uma placa que dizia ser “proibida a
entrada de menores de 18 anos”. Cruzamos a porta e chegamos na recepção. Atrás de
um balcão, estava um homem que deveria ter em torno de 40 anos, e ao lado, uma
mulher com cerca de 30 anos, loira. A sala era bem iluminada, pequena. O homem da
entrada perguntou se era a nossa primeira vez em uma casa de swing, dissemos que sim.
Ele falou que em função da chuva, talvez a casa não ficasse cheia. Perguntou se
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queríamos entrar mesmo assim e informou que havia cerca de 20 casais lá dentro. A
mulher nos convidou a dar primeiro uma olhada, mas nós estávamos decididos a ficar.
O homem passou então a descrever as atrações do lugar: a casa oferecia sauna, seca e a
vapor, boate, quartos individuais e quarto coletivo e naquela noite teria show de strip-
tease. O preço era R$40,00 o casal e mais R$30,00 de consumação. Entregou-nos a
chave de um armário.
Passamos por uma porta no final da recepção, à esquerda, entramos por um
corredor e vimos a sala dos armários, onde havia chinelos e roupões. Seguimos pelo
corredor e logo à frente, à direita, havia uma escada um pouco estreita com uma
pequena placa: “boate”. Resolvemos não subir e continuamos pelo corredor. No final,
avistamos uma porta com a placa: “saunas”. Estava vazio e as saunas desligadas. Um
pouco antes da porta da sauna, uma nova placa: “quarto escuro”. Uma porta de treliça
de madeira, separava o corredor do quarto. No quarto, um grande sofá, que circundava
as paredes e parecia de couro. Do lado direito, mais ao fundo, uma porta com mais uma
placa: “massagista”. Naquele momento, os dois ambientes estavam vazios.
Resolvemos subir para a boate. O espaço não era muito grande, tinha nove
mesas e sofás de couro em forma de L. Todas as mesas estavam ocupadas. Reparei que
não tinha nenhuma cadeira para as pessoas sentarem em frente às outras, todos
precisavam sentar no grande sofá, o que os obrigava a ficarem virados para o meio,
onde era a pista de dança. Parecia uma organização que estimulava o olhar para as
mesas ao redor, para a pista de dança e para o palco. Atrás das mesas, no espaço das
paredes, um grande espelho. No canto do espaço, à direita, um bar, com um balcão e
alguns bancos redondos em frente. No lado oposto ao bar, um pequeno palco, com um
espaço para o DJ no canto. As músicas que tocavam eram as que tocam em qualquer
boate, pop-rock e dance, músicas da moda na época. As pessoas pareceram ter, em
média, 40-50 anos. Reparei que mais jovens, havia apenas dois casais.
Como não tinha lugar nas mesinhas fomos nos sentar no bar e pedimos uma
cerveja. Um casal que estava ao nosso lado perguntou se era a primeira vez que
estávamos ali. Ele era baixo, parecia ter 45 anos e ela, 35 anos, magra, com um vestido
preto tipo tubinho e salto alto. A dinâmica da conversa me pareceu estranha, o homem
sempre conversando mais com o Igor e a mulher comigo.
Resolvemos ir para o terceiro andar e deixamos o casal na boate. Subimos e
perto da escada havia um homem que ficou nos observando. Não vi nenhuma mulher do
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lado dele e ele nos olhava de forma interessada. Seu olhar era tão fixo que nos deixou
constrangidos. Descemos e voltamos para a boate.
Tomamos um chopp e sentamos nos bancos do bar novamente, pois as mesinhas
estavam cheias. Depois de um tempo subimos de novo para tentar ver como era o
terceiro andar. Estava vazio e tinha uma série de quartos, com portas de madeira,
trancas na porta e camas de casal com lençol branco e um espelho grande, nenhuma
decoração. O último quarto era bem maior, sem tranca e com uma cama enorme, onde
cabiam pelo menos 3 casais.
Resolvemos descer e o Igor foi ao banheiro. Enquanto esperava no corredor,
passou uma mulher totalmente nua, segurando as roupas. Ela tinha cerca de 30 anos.
Vinha um homem atrás dela, mas estava vestido. Fiquei um pouco desconcertada, sem
saber o que fazer.
Subimos novamente para a boate e conseguimos uma mesa. Aquele primeiro
casal nos viu na mesa e se sentou do nosso lado. Eles perguntaram se estávamos
gostando do lugar, dissemos que sim. Eles falaram que mais tarde as pessoas iriam para
as saunas ou para os quartos. O homem disse que eles nunca tinham feito a troca de
casal propriamente dita. Disse que era uma vantagem do swing poder olhar para outras
pessoas sem ter ciúmes. Ele falava o tempo todo com o Igor. A mulher olhava para mim
e me perguntou se eu sentia ciúmes. Eu disse que não sabia. Ela contou que às vezes
sentia. O marido disse que amava uma única mulher, que era ela, mas que se divertia
nas casas de swing. Contou que eram casados e moravam em Niterói – Itaipu.
Uma voz anunciou o show de strip-tease. Avisou que iam começar com a
performance masculina. As luzes diminuíram e um homem surgiu na porta de entrada
da boate todo vestido de preto, com uma máscara que cobria o rosto todo, só mostrando
os olhos. Ele era bastante forte, com um corpo musculoso. Durante o show foi tirando a
roupa, passando perto das mulheres sentadas nas mesas e se insinuando para elas. Era a
primeira vez que eu assistia a um show de strip-tease. Uma mulher - que vestia uma
blusa vermelha bem decotada e aparentava 50 anos - passou a mão ousadamente pelo
corpo do stripper. No fim, ele ficou só de cueca – vermelha - dançando
provocativamente para as mulheres. Depois, ele tirou a cueca, mas ficou com a mão na
frente, escondendo o pênis. Só mostrou o pênis para aquela mulher de vermelho, mas
tudo bastante rápido. No fim, pegou as roupas e desceu as escadas.
Logo depois, a mesma voz anunciou as strippers femininas. Eram duas: Aline e
Vanessa. A mulher ao meu lado comentou, em tom de brincadeira, “começou a
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desigualdade logo aí, por que são duas mulheres e só um homem?”. As strippers
entraram com muito menos roupa do que o homem. As duas estavam de máscara, mas a
boca ficava de fora. Estavam de bota preta e com um corpete que deixava os seios
aparecendo. Usavam uma calcinha “fio dental”. Uma delas estava com um chicote e
durante a apresentação fazia o papel de quem manda e castiga. Tinha os cabelos mais
curtos, pretos, era mais magra e musculosa e seus seios eram menores, mais masculina.
A outra era loira, cabelos longos, seios grandes. Diferentemente da performance
masculina, onde o stripper só tirou toda a roupa no fim, elas logo ficaram nuas, só de
botas, fazendo várias insinuações, bem mais explícitas do que as dele. A de chicote
passava a mão pelos seios da outra, ficaram em várias posições que sugeriam o ato
sexual e elas se abraçavam muito.
O casal nos disse que iam para a sauna, e perguntaram se nós já tínhamos ido.
Sentimos uma proposta para um algo mais nesta pergunta e resolvemos disfarçar e
tomar alguma coisa no bar. Ficamos sentados ali e um pouco depois subimos para eu ir
ao banheiro. Quando voltei, Igor disse que havia um casal, segundo ele, “bonitinhos e
jovens”, que tinham entrado em um dos quartos e deixado a porta aberta, sugerindo que
entrássemos também. Voltamos para o bar da boate quando anunciaram que ia ter o
“apagão” (a mesma voz que anunciou o strip-tease) e que ia durar duas músicas.
Apagaram as luzes e tudo ficou em uma completa escuridão. Ficamos ali no canto,
achando que nada aconteceria, mas o casal ao lado, que eu sequer havia visto antes,
começou a se encostar em mim e no Igor.
Quando as luzes se acenderam, o salão estava quase vazio. Reparei em um casal
que estava perto do bar. Ele era mais velho, muito gordo, alto. Ela tinha o cabelo
pintado de loiro, um pouco abaixo dos ombros, e estava com um vestido muito curto.
Estavam dançando de forma sensual, principalmente a mulher. No outro canto, um casal
mais jovem olhava bastante para o nosso lado. A moça fez um gesto nos chamando para
sentar com eles. Fomos. Depois que sentamos reparei que a configuração das pessoas na
mesa era semelhante à que ocorreu com o casal anterior: eu e a moça no meio, os
homens ao lado das mulheres. Pensei que era uma espécie de “etiqueta” não sentar
direto ao lado do sexo oposto do outro par. Eles perguntaram se era a nossa primeira ida
a uma casa, disseram que também era a primeira vez deles e que estavam com um casal
de amigos. A moça disse que namoravam há dois anos, que era estudante de História da
Universidade de Ouro Preto, e que o rapaz fazia Direito no Rio. Eu contei que fazia
Ciências Sociais e resolvi falar sobre a pesquisa. Disse que estava ali para observar
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como as coisas aconteciam, que o Igor tinha vindo para me acompanhar. Eles falaram
que esses amigos deles já tinham ido muitas vezes a casas de swing e que ficaram
incentivando a vinda deles, ao menos para conhecer. A moça falava muito mais do que
o rapaz. Ela disse que era de uma cidade pequena, que os pais tinham uma cabeça
fechada, mas que ela não. Comentaram que a boate, para eles, parecia uma boate
comum, como todas as outras. Continuamos um pouco a conversa, mas depois
decidimos deixá-los e ir dar uma volta, ver o que estava acontecendo no andar de baixo.
Descemos a escada, eu na frente, e cruzamos com um homem grisalho, em torno
de 45 anos. Ficou me olhando muito fixamente, parou um tempo o olhar na altura dos
seios e depois perguntou se já estávamos indo embora. Respondemos que não e ele
disse que se quiséssemos, estaria lá em cima no bar, esperando. Achei diferente ser
olhada dessa forma, explicitamente, com um “namorado” ao meu lado. Ali, os homens,
com suas mulheres ao lado, olham para as mulheres dos outros e as mulheres olham
para os maridos das outras explicitamente. Sensação curiosa e nova para mim.
Continuamos a descer a escada e o Igor sugeriu que fôssemos para a sauna.
Entramos na sauna seca, a luz era bastante fraca. Estávamos de roupão, eu não quis tirar
a roupa toda. Do outro lado, havia um casal, estavam se beijando e o homem estava se
masturbando. Logo depois saímos e nos vestimos. Subimos e sentamos no sofá em
frente a uma mesinha perto do bar. O casal de jovens nos viu e veio conversar de novo.
A moça falava muito mais e ele quase não participava da conversa. Ela perguntou o que
eu estava querendo com a pesquisa. Tentei explicar que queria entender a lógica do
swing, como as coisas funcionam, compreender o comportamento dos casais. Ela falou
que para ela aquele era um espaço para as pessoas descobrirem que sexo é diferente de
amor, que uma relação só sobrevive ao tempo se tiver sexo com outras pessoas. Em
seguida perguntou: “é esse o resultado que você quer para a sua pesquisa, não é?”. Não
respondi. Foi a primeira vez que apareceu a separação sexo/amor, que voltou a ser
repetida inúmeras vezes pelos meus pesquisados. Ela quis saber há quanto tempo eu e o
Igor namorávamos e eu respondi um ano. Ela disse que ela e o namorado se amavam,
que não tinham ido para aquela casa com a intenção de acontecer nada, mas que
estavam abertos. Falou que tinha sido muita coincidência termos nos encontrado e ser a
primeira vez dos dois casais. Então, perguntou: “e aí, o que vocês acham?”. Eu disse
que nós só tínhamos ido para lá por causa da pesquisa, que não tínhamos nem pensado
na possibilidade de acontecer nada. Ela ficou dizendo que eles também não, mas que
aquela poderia ser uma boa oportunidade, já que estávamos na mesma situação. O Igor
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disse que realmente não tínhamos nem pensado no assunto. Ela insistiu dizendo que
para eu fazer a pesquisa tinha que experimentar, que “quem está na chuva é para se
molhar”. Ela disse que o sonho do namorado dela era ter uma namorada bi, aliás, “o
sonho de todo homem, né?”. Falou também que nunca tinha feito, nunca tinha
experimentado, mas que estava aberta para isso, que os homens poderiam ficar só
olhando. Nessa hora, ela olhou para o Igor e ele disse que ela estava certa, que as
mulheres é que decidiam, passando a decisão para mim. Eu disse que não queria, que na
verdade nós não estávamos abertos para isso, não estávamos prontos e, além do mais, já
estávamos pensando em ir embora. Ela falou que era uma pena e nos passou os nomes e
telefone deles, sugerindo que, se mudássemos de idéia, poderíamos encontrá-los.
Antes de irmos embora subimos para dar uma olhada no terceiro andar. Alguns
quartos estavam fechados e no final do corredor, em frente ao quarto maior, havia dois
casais, as mulheres ajoelhadas, fazendo sexo oral nos homens, que estavam em pé.
Dentro do quarto tinha um casal na posição conhecida por “69”. Eu e Igor entramos no
quarto ao lado, que tinha tranca, para fazer minhas anotações, mas logo bateram na
porta. Demos um tempo e fomos embora. Na porta dos quartos com tranca tinha uma
placa que dizia: “atenção, proibido forçar a porta ou bater insistentemente sem o
consentimento do casal”.
Na saída, o recepcionista perguntou se tínhamos gostado da casa. Dissemos que
sim e ele nos deu um vale para o sábado seguinte, onde estaríamos isentos da entrada e
só teríamos que pagar a consumação.
22
A primeira entrevista
Após esta primeira ida a uma casa de swing, consegui um contato, através da
internet, para entrevistar o primeiro casal, que se tornou meu principal informante no
meio, que chamarei ao longo do trabalho de Ana e André. Eles mantinham um blog,
“Fantasias de Casados”, onde discutiam a prática e outros temas e convidavam os
leitores a uma ida a uma casa de swing, onde organizavam a festa “Swing Social Clube”
e os “Encontros de mulheres liberais”. No blog havia um endereço de email e foi através
dele que consegui o contato. Nos emails trocados, soube que o encontro das mulheres
liberais era um bate-papo sobre temas relacionados ao swing. Tinha o propósito de
descontrair o clima antes da festa e discutir alguns temas polêmicos (“o swing e a
traição”, “o swing e o ciúme”, “bissexualismo no swing”, são alguns deles). Além de
uma troca de experiências pessoais, buscavam iniciar os novatos no meio.
Escrevi sobre a pesquisa e perguntei se os dois poderiam dar uma entrevista.
Surpreendeu-me a rápida resposta positiva e ainda o convite para participar de um dos
“Encontros de Mulheres Liberais”. Por não saber o que esperar de um universo
desconhecido e também pela insegurança de estar realizando minha primeira entrevista
como pesquisadora, decidi que iria acompanhada neste primeiro encontro. Perguntei ao
antropólogo Marcelo Silva Ramos, um amigo e também pesquisador que, junto com a
antropóloga Mirian Goldenberg, ajudava na orientação dos bolsistas de iniciação
científica, se me acompanharia. Sua presença foi fundamental e me deixou mais
tranqüila em relação à minha primeira entrevista.
Neste dia não houve o encontro das mulheres e a entrevista com Ana e André
durou 1h e 40 minutos. Os dois, além de bastante simpáticos, mostraram-se
completamente disponíveis para colaborar com o prosseguimento da pesquisa.
Permitiram que a entrevista fosse gravada, apenas pediram que se mantivesse o
anonimato. Consegui mais um contato para uma possível entrevista e o convite para
retornar na próxima semana, quando os encontros seriam realizados.
Os casais
Casal 1: Ana e André
23
A primeira entrevista com os dois foi feita em setembro de 2003. Em outubro de
2006 entrevistei André novamente e em março de 2007 voltei a entrevistar Ana. À
época da primeira entrevista, estavam casados há 2 anos e 4 meses e haviam se
conhecido há 4 anos pela internet. Divorciaram-se em junho de 2006. No blog que
mantiveram na internet falavam principalmente sobre a prática do swing, mas também
abordavam assuntos como a situação política da época, futebol, dicas de filmes, entre
outros. O blog era principalmente uma iniciativa dele, que disse gostar de escrever. Os
dois mencionaram gostar muito de cinema, assistiam a filmes em cartaz e do festival do
Rio. Viagens e gastronomia eram outros de seus interesses.
Em 2003, praticavam swing há 2 anos e iniciaram-se na prática juntos, por
iniciativa dele. Disseram ter se relacionado no swing com aproximadamente 20 casais.
Moravam no bairro da Tijuca e a renda familiar era de R$ 8.000,00.
Ana tinha 31 anos, estava no primeiro casamento e não tem filhos. Completou o
ensino superior e trabalha na área de recursos humanos de uma empresa privada. Antes
de casar com André, diz ter tido 5 parceiros sexuais. Sua família é espírita e quando a
entrevistei novamente ela disse que havia voltado a se aproximar da religião. Tem carro
e, após a separação, comprou um apartamento no bairro de Vila Isabel.
André tinha 45 anos, ensino superior completo, economista, casado pela terceira
vez. Teve 3 filhos no primeiro casamento e 2 no segundo. Os dois primeiros casamentos
duraram aproximadamente 10 anos cada um. Disse que desde os 20 anos não sabia o
que era ser solteiro, saiu de um casamento para entrar no outro. Não disse o número de
parceiras sexuais antes do relacionamento com Ana, mas afirmou que foram muitas.
André tem carro e moto. Ele se diz motoqueiro, gosta de fazer viagens de longas
distâncias de moto. Após a separação, estava morando em um apart hotel no bairro do
Recreio.
Casal 2: Beatriz e Bernardo
Este casal namorou 2 anos e 7 meses e eram casados há 1 mês. Eram da cidade
de Teresópolis e tinham se mudado recentemente para a cidade do Rio de Janeiro,
morando de aluguel em um apartamento em Copacabana. A renda dos dois era de R$
1.700,00 mensais. Praticavam swing há 2 meses e disseram ter se relacionado com 4
casais neste período.
24
Beatriz tinha 19 anos, casada pela primeira vez, com ensino superior incompleto.
Trancou a faculdade de direito no segundo semestre e trabalhava como auxiliar
administrativa. Bernardo foi o seu primeiro parceiro sexual.
Bernardo tinha 20 anos, casado pela primeira vez, com ensino superior
incompleto, tendo começado e trancado 3 faculdades. Tem formação técnica em
informática e trabalhava como assistente de gerência de uma empresa. Disse que antes
de Beatriz teve muitas relações sexuais, mas não disse o número de parceiras. Afirma
que desde os 12 anos se interessava por sexo, tendo colecionado fotos, vídeos, revistas e
visitado inúmeros sites pornográficos na internet. Na entrevista diz que já viu tudo o que
tinha que ver sobre sexo. Bernardo tinha um carro que ganhou do avô, mas disse arcar
ele mesmo com as despesas de seguro e manutenção.
Casal 3: Carolina e Cláudio
O casal tinha 29 anos de relacionamento e 24 anos de casados. Moravam em
Copacabana e quando perguntados sobre a renda familiar, Cláudio respondeu
ironicamente: “salário a gente ganha salário mínimo”. Faziam swing há 3 anos e se
relacionaram com cerca de 15 casais. Têm 2 filhos, maiores de idade. Os filhos não
sabem que os pais são adeptos da prática. Foi o casal que mais apresentou preocupações
em relação ao anonimato e ao fato da entrevista ser gravada.
Carolina tinha 44 anos, o segundo grau completo e trabalha como comerciária.
Carlos tinha 53, com ensino superior incompleto, fez 3 anos de faculdade de engenharia
e trabalha como autônomo. Os dois ressaltaram bastante o aspecto da diversão que o
swing trouxe para suas vidas, e as amizades estabelecidas com outros casais. Gostavam
de ir à praia na Reserva, um local onde casais adeptos do swing costumam freqüentar.
Casal 4: Daniela e Diogo
O casal era casado há 6 anos e faziam swing há 5 anos e meio. Moravam na Ilha
do Governador. Antes de tornarem-se adeptos da prática, já haviam experimentado o
menáge com mulheres. Tiveram um relacionamento com uma mulher, que durou três
meses. Ela passava os finais de semana com eles e chegaram a pensar na possibilidade
de morarem os três juntos. Segundo os dois, não deu certo porque Daniela ficou com
ciúmes, “sua cabeça ainda não estava preparada para aceitar a idéia de um casamento a
25
três”. Não souberam responder com quantos casais se relacionaram sexualmente depois
que se iniciaram no swing, disseram “com muita gente”. A renda dos dois era de R$
2.000,00.
Daniela tinha 27 anos, com segundo grau completo e formação técnica.
Trabalhava na área da saúde. Antes do relacionamento com Diogo, teve um noivo, seu
único parceiro sexual até então. Ela se considera bissexual e diz que só descobriu o
prazer com o sexo a partir de seu relacionamento com Diogo. Antes de entrar para o
meio swinger era católica e freqüentava a igreja. Não tinha filhos.
Diogo tinha 35 anos e era militar. Estava no quarto casamento e já praticava
swing com a esposa anterior. Disse que quando terminou o seu último casamento já
buscou em Daniela uma pessoa que aceitasse a prática do swing, uma pessoa com quem
pudesse viver suas fantasias sexuais. Não soube dizer quantas parceiras sexuais teve
antes de Daniela, mas afirmou serem muitas. Tem um filho, na época com 10 anos, do
primeiro casamento.
Casal 5: Emília e Emanuel
Moradores do bairro do Flamengo, com renda mensal de R$ 20.000,00. Casados
há 2 anos e meio e adeptos do swing há 1 ano e meio. Relacionaram-se com cerca de 10
casais. Emanuel disse que a iniciativa para o swing foi dele, “mas que foi por uma
fração de segundos”. Afirmou que com eles não foi como os outros casais, onde em
geral o homem passa um tempo convencendo a esposa a experimentar a prática. Foram
duas semanas desde a primeira conversa até a primeira visita a uma casa de swing.
Disseram que as primeiras idas a casas de swing “não foram legais, não corresponderam
às expectativas porque era muita gente e as coisas aconteciam muito rápido”. Optaram,
então, por experimentar sexo com uma mulher e contrataram uma garota de programa.
Tiveram duas experiências deste tipo que consideraram satisfatórias. Não têm filhos
juntos.
Emília tinha 38 anos, ensino superior completo e é funcionária pública. Foi
casada duas vezes antes de se casar com Emanuel. Seus casamentos anteriores duraram
11 e 2 anos. Tem uma filha, na época com 15 anos, do primeiro casamento. Disse que
antes de se casar com Emanuel teve entre 10 e 15 parceiros sexuais.
Emanuel tinha 44 anos, ensino superior completo e é engenheiro. Trabalha na
iniciativa privada. Foi casado 3 vezes antes de Emília. Seus relacionamentos duraram 4,
26
7 e 6 anos. Não teve filhos. Não soube dizer o número de parceiras sexuais antes de
Emília, mas disse terem sido muitas.
Casal 6: Fernanda e Felipe
Os dois eram namorados há 1 ano e adeptos do swing há 6 meses. Sobre a renda
mensal, Felipe respondeu: “classe média normal”. No swing, disseram ter se
relacionado com 4 “casais mesmo” e mais 6 solteiros. Antes de se relacionar com
Fernanda, Felipe já tinha falado sobre swing com 3 mulheres, mas nenhuma aceitou a
idéia.
Fernanda tinha 22 anos, estava fazendo faculdade de enfermagem. Nunca casou
e nem teve filhos. Perdeu a virgindade aos 19 anos e teve 4 parceiros sexuais antes de
Felipe.
Felipe tinha 41 anos, ensino superior completo e trabalhava na área de teatro e
eventos. Foi casado uma vez, por 3 anos e meio e não teve filhos. Perdeu a virgindade
aos 15 anos e, em um primeiro momento, afirmou ter tido mais de 500 parceiras sexuais
antes de Fernanda. Depois falou em 300.
Casal 7: Gabriela e Guto
Moradores do Grajaú, estavam casados há 4 anos e faziam swing há 4 meses. A
renda mensal é de R$ 3.000,00. No swing disseram ter se relacionado com cerca de 30
casais. Antes de praticarem swing, experimentaram o menáge duas vezes com garotos
de programa. Gabriela disse que Guto tinha vontade de vê-la se relacionando com outro
homem. Disseram que gostavam muito de sexo e que a parte sexual de seu casamento
sempre tinha sido muito boa. Gabriela disse gostar quando tinha mais de um homem ao
mesmo tempo e que Guto gostava de vê-la se relacionando com vários homens.
Gabriela tinha 23 anos, segundo grau completo e trabalhava em telemarketing.
Estava no seu primeiro casamento e não tinha filhos. Antes do relacionamento com
Guto, teve um parceiro sexual. Disse que na sua relação anterior não sentia prazer e não
gostava de sexo.
Guto tinha 34 anos, ensino superior incompleto e trabalhava como autônomo,
com comunicação visual. Teve um casamento anterior que durou 5 anos, sem filhos.
Antes de se relacionar com Gabriela disse que teve 60 parceiras sexuais.
27
Casal 8: Heloísa e Henrique
Moradores de Botafogo, casados há 3 anos, faziam swing há 1 ano e meio.
Conheceram-se pela internet e antes de Heloísa, Henrique teve experiências com casais,
como homem solteiro, na residência do casal ou em motéis, mas não em casas de swing.
Disse que saía com casais há mais de 10 anos. Heloísa tinha acabado de dar à luz ao
primeiro filho dos dois, que estava com um mês. A renda mensal girava em torno de 10
salários mínimos. Têm uma casa na Barra, onde passam férias e alguns finais de
semana. Gostavam de pedalar e fazer passeios na Floresta da Tijuca.
Heloísa tinha 29 anos, segundo grau completo e trabalhava como secretária. No
momento da entrevista estava de licença-maternidade. Foi casada uma vez por 10 anos e
o seu ex-marido foi seu único parceiro sexual antes de Henrique. Perdeu a virgindade
aos 16 anos. No swing, só se relacionava sexualmente com mulheres. Disse que sempre
teve a fantasia de vê-lo se relacionando com outras mulheres.
Henrique tinha 38 anos, ensino superior completo, trabalhava como analista de
sistemas. Teve um casamento anterior, que durou 4 anos. Perdeu a virgindade aos 14
anos e disse não ter idéia de quantas parceiras sexuais teve antes de Heloísa. Disse que
tinha a fama de ser “bem dotado”.
Casal 9: Irene e Ivan
Casados há 4 anos, faziam swing há 2. Moravam em um condomínio no bairro
da Abolição. Irene diz que a iniciativa para o swing partiu dela, que começou a se
comunicar com outros casais em uma sala de bate papo na internet. Ele se interessou e
fez uma pesquisa por sites específicos para casais e sites de casas de swing. A renda
mensal dos dois era de R$ 5.000,00.
Irene tinha 34 anos, ensino superior completo e trabalhou na área da saúde, mas
na época estava trabalhando com vendas. Foi casada por 7 anos e teve 3 filhos com o
primeiro marido, com idades entre 10 e 15 anos. Duas filhas moravam com ela e com
Ivan e o filho morava com o pai. Perdeu a virgindade aos 18 anos e antes de Ivan teve 2
parceiros sexuais. No swing, disse ter se relacionado com 15 homens.
Ivan tinha 35 anos, ensino superior completo, trabalhava na área de esportes. Foi
casado por 10 anos, mas não teve filhos. Perdeu a virgindade aos 19 anos e antes do
28
relacionamento com Irene, teve 4 parceiras sexuais. No swing, tinha se relacionado com
6 mulheres. Irene disse que o swing foi muito bom para os dois porque deu a
oportunidade de terem outros parceiros sexuais já que, tanto um quanto o outro, tinham
tido poucas experiências sexuais anteriores.
Casal 10: Júlia e Jonas
Estavam namorando há 9 meses e, juntos, iam a casas de swing há 7 meses.
Antes de conhecer Júlia, Jonas já freqüentava casas de swing há 14 anos. Ela morava
em São Conrado e ele em Ipanema. A renda mensal de Júlia era em torno de R$
4.000,00 e a de Jonas em torno de R$ 7.000,00.
Júlia tinha 41 anos, ensino superior incompleto, tendo iniciado e trancado 3
faculdades. Trabalhava no comércio. Não tem filhos e teve um casamento anterior de 7
anos. Falou que a relação sexual com o seu ex-marido “era muito fraca”. Perdeu a
virgindade aos 18 anos e antes do atual relacionamento teve uma média de 20 parceiros
sexuais. Júlia dizia que não gostava de freqüentar casas de swing, que só ia por causa de
Jonas, porque ele gostava. Só se relacionou com um homem solteiro no swing. Antes de
namorar com Jonas teve uma relação de 2 anos e meio com um homem casado.
Jonas tinha 48 anos, ensino superior completo, trabalhou na área de aviação e
estava aposentado. Nasceu em Santa Catarina, teve 2 casamentos anteriores que
duraram 7 anos cada um. Tem uma filha, na época com 10 anos, do primeiro casamento.
As duas ex-mulheres praticavam swing com ele. Júlia disse que Jonas era extremamente
ciumento na relação com ela.
Casal 11: Laura e Lucas
Moravam na cidade de Campinas, no Estado de São Paulo. Eram casados há 14
anos, faziam swing há 8. A renda mensal dos dois girava em torno de R$ 4.000,00.
Quando se iniciaram no swing ainda não havia a facilidade da internet. Colocaram um
anúncio em uma revista procurando outras pessoas para se relacionarem sexualmente.
Disseram ter recebido em torno de 300 cartas como resposta. A primeira experiência foi
um menáge, com um homem.
29
Laura tinha 34 anos, ensino superior completo e trabalhava como economista.
Lucas tinha 41 anos, ensino superior completo e trabalhava na área de computação.
Disseram ter se relacionado com mais de 50 casais.
30
Capítulo 2 - a prática do swing: um panorama
Também denominada de troca de casais, a origem da prática do swing não
parece ser conhecida com exatidão. Alguns autores a relacionam com a troca de esposas
(Bartell, 1972, Bergstrand & Williams, 2000). Identificada nos Estados Unidos nos anos
1950, a troca de esposas, ou “wife swapping”, acontecia nas chamadas “festas de
chaves”, onde os maridos depositavam as chaves de seus carros em um recipiente
localizado no centro de uma sala e as mulheres sorteavam uma chave ao acaso para
passar a noite com o homem sorteado.
Gould (1999), um jornalista investigativo americano, associa a origem do swing
nos Estados Unidos aos pilotos da força aérea americana e suas esposas durante a
Segunda Guerra Mundial. Em uma pequena comunidade, a taxa de mortalidade entre os
pilotos era extremamente elevada. Segundo o autor, os pilotos desenvolveram laços
estreitos de amizade, com a implicação de que, caso o companheiro de front morresse
ou fosse dado como perdido, os outros maridos cuidariam e protegeriam suas esposas
como se fossem as suas próprias, tanto emocionalmente quanto sexualmente. Embora
haja controvérsias sobre a origem da prática, informações obtidas no site Wikipédia7
apontam que, em geral, se entende que o swing começou entre comunidades militares
americanas na década de 1950.
Ainda de acordo com a Wikipédia, uma das primeiras organizações de swingers
teve início nos anos 1960, na Califórnia, na área da baía de São Francisco, considerada
sexualmente liberal, sob o nome de Sexual Freedom League. Nos dias de hoje existe
uma organização que se tornou internacional, a NASCA (North American Swing Club
Association), cujo objetivo é estimular a disseminação de informações sobre a prática e
o estilo de vida dos swingers.
Bartell (1972), em estudo sobre a prática no final da década de 1960 e início dos
anos 1970 nos Estados Unidos, aponta que o adepto do swing americano daquela época
era branco, de classe média, morador do subúrbio e com uma idade média de 29 anos
para as mulheres e 32 para os homens.
Gould (1999) relata que convenções do estilo de vida swinger acontecem 12
vezes por ano em 8 estados americanos, monopolizando resorts inteiros por 4 dias a
cada convenção. De acordo com o autor, uma convenção recente reuniu 3.500 pessoas
7 http://en.wikipedia.org
31
de 437 cidades e 7 países diferentes. Sobre o perfil dos participantes, Gould indica que
um terço tinha diploma de pós-graduação, quase um terço tinha votado no partido
republicano nas últimas eleições nos Estados Unidos e 40% se dizem protestantes,
católicos ou judeus.
Nos dias atuais, em países de língua inglesa, a prática é conhecida por swinging
lifestyle, e os adeptos buscam se diferenciar da antiga denominação de “troca de
esposas” (wife swapping), termo considerado androcêntrico e ultrapassado por não
abranger toda a gama de atividades sexuais nas quais os swingers podem tomar parte. A
Wikipédia indica cinco atividades que podem estar incluídas na prática do swing:
exibicionismo, relacionar-se sexualmente com o seu parceiro enquanto é assistido por
outros; voyeurismo, assistir a relação sexual de outras pessoas; soft swing ou troca leve,
beijar, trocar carícias ou fazer sexo oral com uma terceira ou quarta pessoa, o que pode
ser feito em trio, em grupo ou literalmente trocando de casais; full swap ou troca
completa, ter sexo com penetração com outra pessoa além do parceiro, o que é
comumente reconhecido como swing, apesar de não ser necessariamente o tipo mais
comum; sexo grupal, todas as atividades envolvendo múltiplos parceiros no mesmo
ambiente.
Uma notícia do ABC News8 indica que, de acordo com estimativas do Instituto
Kinsey e de outros pesquisadores, nos Estados Unidos mais de 4 milhões de pessoas são
praticantes de swing. O site “swing lyfestyle”9 oferece uma lista de clubes de swing em
todos os estados norte americanos. Em Nova Iorque são 91 clubes listados, enquanto o
estado da Califórnia conta com 129.
É possível encontrar na internet muitos artigos estrangeiros sobre a prática do
swing em diferentes países, mas principalmente nos Estados Unidos, Inglaterra e
França. Alguns artigos datam dos anos 1970, entre pesquisadores da temática da
sexualidade10. Artigos mais recentes falam das transformações sofridas pela prática ao
longo dos anos, da questão da AIDS e de doenças sexualmente transmissíveis (DST), da
prática bissexual feminina no swing, da relação entre a indústria do turismo e práticas
como o swing e do comportamento de swingers nos dias de hoje como um estilo de vida
e uma alternativa ao casamento tradicional11.
8 Reportagem do dia 6 de setembro de 2006, intituada “The lifestyle – real life wife swaps”. A notícia pode ser acessada pelo site www.abcnews.go.com 9 www.swinglifestyle.com 10 Henshel, 1973; Denfeld & Gordon, 1970; Cole & Spanier, 1975; Butler, 1979. 11 Jenks (1998), Worthington (2005), Dixon (2000), Rubin (2001), Powell (2006).
32
Já foram feitos alguns filmes que têm como tema a troca de casais. Um dos mais
conhecidos é o documentário do diretor David Schisgall, The Lifestyle: swinging in
America, do ano de 2000. Outro documentário, chamado pelo fundador da Organização
Lifestyle de “a mais completa e honesta explicação do lifestyle que eu já vi até agora”,
chama-se PlayCouples e foi lançado em 2003, sob a direção de Michael A. Bloom. Há
ainda o filme holandês “Swingers”, que conta as primeiras experiências de um casal
praticante de swing.
Em 1998 realizou-se na cidade de Toulouse, na França, sob a direção do
sociólogo Daniel Welzer-Lang, o primeiro seminário europeu sobre o Échangisme
(nome francês para designar a prática do swing), com a colaboração das universidades
de Toulouse, Barcelona e Rovira i Virgili (Tarragona). Welzer-Lang (1998) estima entre
200.000 e 400.000 pessoas a população swinger francesa. Rettore (1998) e Karottki
(1998) também contribuíram para este seminário dando um panorama da prática do
swing na Itália e em Barcelona. Karottki aponta a existência de 10 clubes de swing na
cidade de Barcelona.
Não foi possível, na presente dissertação, explorar em profundidade a produção
internacional sobre o tema, devido a dificuldade de acesso a tais materiais na íntegra,
mas esta é uma possibilidade para futuras pesquisas.
Um ponto que gostaria de ressaltar nesta contextualização do swing no mundo
ocidental é a inserção desta prática em um mercado sexual e turístico mais amplo. Ao
redor deste tipo de comportamento encontram-se não apenas os clubes de swing, mas o
consumo de produtos relacionados à indústria pornográfica, como revistas, produtos de
sexy-shop, filmes etc. Muitos eventos e encontros swingers, principalmente
internacionais, são realizados em resorts, hotéis, cruzeiros, spas. Existem várias
agências de turismo internacionais que trabalham com roteiros especiais para casais
adeptos da prática, promovendo viagens em diferentes países. México, França e Caribe
são destinos bastante procurados.
De acordo com Gould (1999), os swingers têm a sua própria indústria de viagens
e mais de uma dúzia de resorts 4 estrelas localizados no México e no Caribe. Ainda
segundo o autor, existem mais de 400 clubes formalmente associados em 24 países e
milhares de clubes informais ao redor do mundo.
Um bom exemplo da dimensão que a prática vem tomando é a produção,
organização e divulgação do Swingfest 2008, um grande evento a ser realizado entre os
dias 31 de julho e 3 de agosto de 2008, no Westin Diplomat, um resort 5 estrelas
33
localizado em Hollywood, Flórida. O evento vem sendo divulgado desde junho de 2007,
através de site próprio12 e notícias na internet. O encontro é chamado pelos
organizadores da maior festa e convenção do estilo de vida swinger do mundo e o preço
da entrada é de U$ 300 por casal. A host do evento será a atriz americana Mary Carey,
famosa por sua participação em séries da tv americana. Para este encontro, com duração
de 4 dias, estão sendo esperadas 10.000 pessoas.
O swing no Brasil
No Brasil, diferente do que encontrei no cenário internacional, os locais onde se
realiza a prática da troca de casais recebem a denominação de casa de swing, ao invés
de clube. Optei por esta denominação para falar dos locais brasileiros onde se pratica o
swing, exceto quando aparece de outra maneira no discurso dos entrevistados ou no
material da mídia. A escolha por tal denominação será discutida no capítulo 3.
Não existe uma informação precisa sobre a quantidade de casas de swing
existentes no Brasil ou sobre o número de adeptos. Esta prática também se realiza em
âmbito privado, em festas particulares ou em motéis, por exemplo. A mídia tem
contribuído para a maior divulgação de práticas como o swing, além de facilitar a
comunicação entre os adeptos. Através da internet tornou-se mais fácil o contato entre
casais praticantes e o celular é garantia de privacidade e sigilo.
Ao realizar uma pesquisa na internet sobre o swing no Brasil obtive acesso a
inúmeras páginas relacionadas ao tema. As publicações vão desde páginas pessoais de
casais (homepages), diários eletrônicos (blogs) e matérias de revistas e jornais até sites
de casas específicas para adeptos de swing e sites pornográficos. Através de dois destes
sites para casais13 obtive informações que indicam a existência de 55 casas de swing no
Brasil. Percebe-se uma concentração acentuada nas regiões Sul e Sudeste, onde estão
localizadas 47 das 55. Nestas regiões se destacam os estados de São Paulo e Rio de
Janeiro, que juntos somam um total de 31 casas de swing.
12 www.swingfest.com 13 www.portaldoswing.com.br e www.portaldoscasais.com.br
34
Uma hipótese para a maior densidade das casas de swing nas duas maiores
metrópoles do país passa pela discussão de Simmel (2005) sobre a condição do
indivíduo nas grandes cidades. Segundo o autor, os habitantes da cidade grande, como
uma defesa contra os excessos de estímulos e a velocidade dos acontecimentos na
metrópole, desenvolvem uma atitude espiritual que pode ser caracterizada como reserva.
Uma reserva que se traduz não apenas em indiferença, mas em uma leve aversão, uma
estranheza e repulsa mútuas. Estas, reserva e indiferença mútuas, seriam condições que
garantiriam a liberdade e a independência dos indivíduos. Neste sentido pode-se
compreender a maior concentração de casas de swing em cidades como São Paulo e Rio
de Janeiro, onde práticas como a troca de casais podem existir no anonimato, com a
garantia da impessoalidade e do sigilo daqueles que a praticam.
Uma das dificuldades que me deparei em fase inicial da pesquisa foi encontrar
um lugar apropriado para a realização das entrevistas. Tendo em vista a garantia do
anonimato dos entrevistados, precisava de um local que não fosse muito barulhento, ou
seja, não poderia ter música (ao vivo ou ambiente) e muito menos pessoas ao redor, já
que o teor das entrevistas era extremamente privado. A solução encontrada para a maior
parte dos casos foi realizar as entrevistas na própria casa de swing onde aconteciam as
festas, em horário anterior ao início do evento. Em outros casos, em fase mais avançada,
Casas de swing - Brasil
2 1
2 1 1 1
4 4
6
2
20
11
0
5
10
15
20
25
BA PE CE PA DF MS PR RS SC MG SP RJ
35
entrevistei os pesquisados em suas próprias residências e uma entrevista foi realizada
em um shopping center.
Na cidade do Rio de Janeiro, que de acordo com os sites citados conta
atualmente com 11 casas de swing, pode-se verificar uma concentração maior de casas
nas Zonas Oeste e Centro, com quatro estabelecimentos em cada uma. Reproduzo
abaixo a lista atual das casas de swing cariocas, mas antes gostaria de fazer algumas
colocações sobre a abertura e fechamento destes estabelecimentos. A primeira casa de
swing que visitei para a pesquisa localizava-se no Jardim Botânico, nas dependências de
uma terma. As festas de swing já não acontecem mais no local, apesar da terma ainda
funcionar. Outras três casas em funcionamento na época (em 2003) também fecharam:
Paraíso dos Casais, Par ou Ímpar e Cravo e Canela. Esta última era conhecida por ser a
única casa que se localizava na Zona Norte. A casa onde foi feita a maior parte da
pesquisa de campo também não existe mais. Neste meio tempo, entre 2003 e 2007, pelo
menos outras 4 novas casas foram inauguradas. Pode-se perceber que é grande a
rotatividade neste tipo de ramo.
Casas de swing – Rio de Janeiro
CASA BAIRRO
Henry Club Barra da Tijuca
Adrenalina Club Rio Centro – Jacarepaguá
Rio Tropical Club Jacarepaguá
Paris Café Recreio
Mistura Certa Centro
Hotel Ibiza Centro
Club New York Centro
Aquarius Liberal Club Centro
2 A 2 Copacabana
Sensual Fashion Club Copacabana
Fresnesy Botafogo
36
A internet é um veículo importante para a divulgação da prática do swing e
grande parte dos contatos entre os casais é feito por meio de anúncios em sites
especializados e pela criação de páginas pessoais na rede. Essa é uma mudança que
parece ser relativamente recente, uma vez que o casal 11, Laura e Lucas, revelam que
quando se iniciaram na prática do swing os contatos eram feitos através de anúncios em
revistas especializadas, como a Private, por exemplo. Em uma matéria da revista Nova,
edição de maio de 2002, os idealizadores do site “Swingers do Brasil” dão seu
depoimento revelando que em seis anos o número de assinantes do site passou de 1 mil
para 23 mil.
Segundo um dos casais entrevistados, Ana e André, uma de suas primeiras
atitudes em direção ao swing foi colocar um anúncio em um site na internet. Através
dele, receberam e-mails que resultaram no primeiro encontro com outros casais adeptos
da prática. As novas possibilidades de comunicação virtual, via mecanismos como
MSN, Skype, Orkut e outros, auxiliam ainda mais a aproximação e a abordagem entre
casais adeptos. Através da webcam e da conversa com microfone, os casais podem se
conhecer antes do primeiro encontro e de alguma maneira controlar os riscos de uma
primeira vez mal sucedida. De acordo com os pesquisados, entretanto, a melhor maneira
para um casal se iniciar na prática é visitar uma casa de swing. Acredito que a própria
abertura de casas de swing e sua divulgação é um processo que se intensificou com o
desenvolvimento e a assimilação social das novas tecnologias (computador, internet,
celular).
Além do material virtual disponível nos sites da internet que tratam sobre o
tema, começam a surgir alguns livros e material impresso que abordam a prática do
swing. Otavio Frias Filho, diretor do jornal Folha de São Paulo, em seu livro “Queda
Livre” publicado em 2003, relata experiências que classifica de “investigações
participativas” em sete “ensaios de risco”. Em um deles, intitulado “casal procura”,
descreve suas aventuras em visita ao mundo do “sexo transgressivo”, entre idas a casas
de swing e experiências de casais sadomasoquistas. Sob o pseudônimo de Belle, surge
em 2007 um livro publicado no Brasil de uma mulher que relata suas experiências como
praticante de swing14. Para esta pesquisa, não encontrei nenhuma referência
bibliográfica de pesquisadores (antropólogos, sociólogos, psicólogos) que tenham
escrito sobre o tema no Brasil.
14 BELLE. Swing: a vida real de uma praticante da troca de casais. São Paulo: Matrix, 2007.
37
Recentemente, em cartaz nos cinemas no mês de janeiro de 2008, o filme
“Mulheres, sexo, verdades e mentiras”, dirigido por Euclydes Marinho, faz uma rápida
abordagem da prática do swing como uma opção adotada por casais que desejam viver
suas fantasias sexuais.
Swing: “à vera” ou “à brinca”?
No meio swinger pode-se perceber uma disputa pelo que é o verdadeiro e pelo
que não é.
Klesse (2006), em estudo sobre o poliamor, demonstra como a definição e a
demarcação das fronteiras desta prática envolve a noção de distinção de outras práticas,
sendo a principal delas o swing. O discurso dos adeptos do poliamor é um discurso de
“não-monogamia responsável”, sendo o amor o tema central nas definições da prática.
Ser adepto do poliamor abriria a possibilidade de se manter múltiplas e intensas relações
de intimidade com mais de um parceiro, sob um acordo de não-exclusividade. A ênfase
no amor e na amizade para a conceitualização do poliamor vem acompanhada de uma
menor ênfase na sexualidade. De acordo com o autor, a ambigüidade das fronteiras
entre amizade, parceria e relações amorosas é um importante aspecto do poliamor. A
honestidade e o consenso entre aqueles que resolvem aderir à prática são características
percebidas por Klesse como essencias nos discursos sobre o poliamor, o que os
aproxima dos praticantes de swing, sendo que o consenso é resultado de um processo de
negociação.
A palavra “responsável” na definição do poliamor como uma prática não-
monogâmica já coloca de imediato a diferenciação de práticas que seriam “não
responsáveis”, ou “promíscuas”, como aparece no depoimento dos entrevistados de
Klesse. Os discursos enfatizam que a diferença entre os adeptos do poliamor e os
praticantes de swing é que os primeiros teriam poucos parceiros e um “interesse
honesto” em construir uma relação íntima de longa duração, enquanto os segundos
estariam interessados apenas em sexo casual, em uma aproximação não íntima, fortuita
e arbitrária, sexo por prazer. Uma outra diferença, para eles, é que o swing estaria
enraizado na heterossexualidade, principalmente para os homens, o que não ocorreria
com o poliamor.
O autor indica que a tentativa de distinção dos adeptos do poliamor é uma
estratégia argumentativa que procura demonstrar que a acusação de promiscuidade que
38
recai sobre todas as práticas alternativas ao convencional não se aplica a eles. Klesse
lembra que a cultura gay masculina tem sido patologizada, dentro e fora do movimento
gay, por não enfatizar suficientemente a intimidade e os laços emocionais. Da mesma
forma, os discursos do poliamor tendem a estabelecer padrões exclusivos para o que
deveria ser considerado uma prática sexual ética, o que acaba reforçando a
marginalização de identidades e práticas sexuais como a dos swingers, por exemplo, que
“buscam sexo por prazer”, têm um número “não-razoável” de parceiros sexuais, ou não
desejam relações íntimas de longo prazo. A dicotomia que se estabelece neste caso seria
entre o “bom poliamor” e o “mau swinger”.
Outras diferenciações ocorrem no âmbito interno da prática do swing.
Internacionalmente, os clubes de swing aceitam pessoas de todas as idades e tipos
físicos. No final dos anos 1990, entretanto, começou a surgir, em Londres, festas em
clubes de swing que determinavam a idade máxima de 40 anos para os freqüentadores15.
Conhecido como “swing seletivo”, as festas selecionam a entrada por idade e aparência,
sendo necessário que o casal aspirante a freqüentador envie fotografias para os
organizadores. As festas seletivas são referidas como “exclusivas” ou “elitistas” pelos
seus próprios organizadores.
A idade média dos freqüentadores de festas seletivas é um pouco abaixo dos 30
anos, enquanto nas festas tradicionais a média de idade é de 40 anos. Os swingers
“tradicionais” criticam o swing “seletivo” argumentando que é anti-ético discriminar. O
crescimento do recente interesse pelo “swing seletivo” aumenta a competição entre os
adeptos. Os casais que se identificam com o swing “tradicional” argumentam que não
são “Ken e Barbie”, rejeitando o que percebem como uma ideal superficial de juventude
e aparência física.
O que pude observar no caso do Rio de Janeiro é que, apesar de não existirem
festas seletivas, o público que freqüenta as casas de swing se divide por “tribos”. A
primeira casa de swing que visitei, por exemplo, foi classificada por meus informantes
como uma casa de público “mais velho”. No ano 2000 surgiu um grupo no meio
swinger carioca, o Bonde das Ninfas, que se distingue dos casais swingers
“tradicionais” com uma apologia à juventude, beleza e à prática bissexual feminina. O
15 Algumas destas festas na Inglaterra: Fever Parties, Lounge Parties, Belle Baise. Maiores informações sobre estas festas podem ser encontradas nos sites: www.feverparties.com ; www.loungeparties.com ; www.baise.co.uk
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texto encontrado em seu site16 justifica o surgimento do grupo como uma reação a um
preconceito dos casais tradicionais em relação a sua idade, práticas sexuais e vínculo
afetivo:
O BDN surgiu como uma brincadeira de jovens casais que vieram da cultura GLS feminina e se tornou uma forma de auto defesa contra os casais mais experientes, do meio swinger propriamente dito, que sempre que se encontravam em clubes de casais, acabavam por rotular os futuros fundadores do BDN perante os freqüentadores já conhecidos, como um grupo de ninfetos com preferência pelo bissexualismo feminino, onde alertavam qualquer casal que estes jovens não deveriam receber atenção, pois não eram “confiáveis” como os casais realmente casados e “vividos” como eles.
O site informa que o grupo conta atualmente com 617 membros, entre casais
(não necessariamente casados) e mulheres solteiras, não sendo aceita a entrada de
homens solteiros no grupo. Define o perfil do grupo como “casais bonitos, com esposas
lindas de mente e corpo e de preferência bissexuais!”. O texto termina com um “ditado
popular liberal para reflexão”: “os feios que me desculpem, mas beleza é fundamental e
inteligência é afrodisíaco...”. Uma das minhas entrevistadas fala sobre as suas
impressões deste grupo:
Criaram esse bonde das ninfas, quase todas são loiras, novinhas, os caras são novos, as meninas são novas, e eles não se misturam e é quase como se fosse assim uma sociedade Rosa Cruz, pra você entrar é uma coisa difícil. Porque não é qualquer um que faz parte do Bonde das Ninfas. Sabe? Tem que seguir, tem que estar dentro daquele critério lá deles, eles têm que aprovar, tem que ser menina nova, é cheio de coisas. (Ana)
André, um dos meus pesquisados, fez uma diferenciação entre os adeptos da
troca de casais: aqueles que fazem swing “à vera” e os que fazem swing “à brinca”. A
expressão “à vera”, de acordo com sua explicação, viria da expressão “de verdade”,
seriam os casais que são adeptos da troca de casais proprimente dita, no seu
entendimento casais mais tradicionais, que não aderem a outros tipos de práticas
comuns no meio, como o menáge, por exemplo. Já os swingers “à brinca” seriam os que
fazem “de brincadeira”, os que experimentam além do swing propriamente dito, as
variações da prática.
16 www.bondedasninfas.com.br
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Ana menciona que grande parte do público que vai a uma casa de swing não
chega a realizar a troca de casais, mas vai por curiosidade, para ver:
Tem muita gente que vai e não faz nada. A grande maioria vai e não faz nada. São poucos os casais que vão e chegam junto, que realmente chegam lá e transam com outros casais, que vai pra uma festa de solteiros e fica com os solteiros, entendeu? São poucos, a maioria não. Pela minha experiência, pelos clubes que eu freqüento, a grande maioria vai pra olhar, pra dançar, se exibir, mas na hora do vamos ver, foge da raia. (Ana)
Este ponto leva a mais uma diferenciação do público que freqüenta casas de
swing, um público que é fixo, que é adepto da prática e vai a casas com certa
regularidade e um outro que é rotativo, que vai apenas por curiosidade, mas que não faz
realmente a troca de casais. Aparece aí uma oposição entre fazer X olhar, que acaba por
ser complementar, uma vez que uma das fantasias dos casais adeptos da prática é o
exibicionismo. É importante deixar claro que as pessoas que entrevistei são adeptas da
prática e freqüentam ou freqüentaram com regularidade as casas de swing.
Uma matéria da revista TPM17 sobre o tema distingue os casais adeptos do
swing, alguns casados há anos, dos outros freqüentadores que vão atrás do que a
repórter chama de “balada liberal”: “Todo mundo já foi – pelo menos uma vez, ‘para
conhecer’ – ou já ouviu falar de alguma casa de swing. Está na moda. Como já esteve o
karaokê da Liberdade, em São Paulo, ou o buraco da Lacraia, no Rio”.
Além das casas de swing, parece que alguns lugares estão entrando nesta
“moda” citada na reportagem, recebendo a visita de um público classe média
“moderninho”, atrás de lugares “alternativos”. A ocupação de bares na vila Mimosa,
tradicional zona de prostituição no Rio de Janeiro e as festas recentes produzidas no
motel Paris18, reduto de prostituição na praça Tiradentes, são alguns exemplos, além das
mencionadas visitas a casas de swing. Pode-se interpretar esta crescente curiosidade de
um público a respeito de tais lugares a partir do que Duarte (1999) diz sobre a
sistemática exploração do corpo humano como sede de uma busca indefinida pela
exacerbação da sensibilidade, o refinamento ou a intensificação do prazer. Observa-se,
na sociedade atual, uma valorização das experiências sensoriais novas, que
acrescentariam algo à via do aperfeiçoamento.
17 Revista TPM, julho de 2007, ano 06, N 67. 18 Tais festas são chamadas SexArt.
41
Vale lembrar o sucesso de “Bruna Surfistinha”, ex-garota de programa que
relatou suas experiências sexuais em um livro que entrou na lista dos mais vendidos do
Brasil, tendo vendido 220.000 cópias19. Agências de viagens estão incluindo em alguns
de seus tours pela cidade do Rio de Janeiro visitas a casas de swing, sendo que o
público que procura estas visitas guiadas é formado não apenas por estrangeiros, mas,
principalmente, por casais cariocas que querem conhecer uma casa.
O swing tem sido tema de alguns programas de TV, principalmente nas redes de
canais fechados. O GNT apresentou, em junho de 2007, uma série de 5 episódios
intitulada “casais modernos”, dentro da programação “noites quentes”. A prática do
swing também foi tema do programa da Oprah, além de ter virado assunto para uma
série do canal HBO20. Uma hipótese que poderia explicar a curiosidade e a procura por
tais lugares por um público que aparentemente não quer e não pretende tornar-se adepto
do swing é a influência da mídia para uma certa “naturalização” destas práticas. A
exibição de programas que mostram a prática do swing, como se comportam os casais
adeptos e onde a prática é realizada acaba tornando, o que era considerado exótico, mais
familiar e mais próximo, estimulando o “turismo” e a “visita” a estes locais.
Em busca de um perfil?
Quem são as pessoas que praticam swing? Quais os hábitos e comportamentos
dos entrevistados? Acredito ser difícil traçar um perfil dos praticantes de swing, até
porque não se pode falar em homogeneidade entre aqueles que procuram este tipo de
prática. Entretanto, algumas informações sócio-econômicas dos pesquisados são
interessantes para pensar o lugar social e cultural destes indivíduos na nossa sociedade.
Trabalhei algum tempo com a noção de “camadas médias urbanas”, pensando
que os praticantes de swing fariam parte de um setor da sociedade que compartilharia
uma visão de mundo e um estilo de vida considerados de vanguarda, tendo o hedonismo
como um de seus valores principais (Velho, 1987).
Entretanto, ao longo da pesquisa, fui percebendo que não estava falando
exatamente deste ethos e que, apesar das aproximações, existiriam diferenças
fundamentais. Entre os entrevistados há moradores de bairros da Zona Sul, como 19 SURFISTINHA, Bruna. O doce veneno do Escorpião. São Paulo: pandabooks, 2005. 20 A série chama-se “Swingers Party”, com 3 temporadas de 10 episódios cada. Foi lançada em 2006 nos EUA. No Brasil, em novembro de 2007 estava sendo exibida a segunda temporada no canal HBO, tendo sido exibida também no GNT.
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Botafogo, Copacabana e São Conrado. Mas, também, moradores da Zona Norte - como
Abolição, Tijuca ou Grajaú - e ainda Zona Oeste - Barra ou Recreio. Nove dos dez
casais entrevistados no Rio de Janeiro, à exceção do casal mais jovem, iam para a casa
de swing de carro. Entre as profissões, encontram-se engenheiro, funcionária pública,
analista de sistemas, jornalista. E ainda enfermeiras, militares, secretárias, autônomos,
gerentes de loja, comerciários. Um dos entrevistados, quando perguntado sobre sua
renda familiar, respondeu da seguinte forma:
Classe média média. Não seria classe média alta, nem classe média baixa, classe média média, se é que existe classe média média né, mas é classe média média, se não existir, pode botar classe média baixa. Mas é uma coisa assim, a gente não passa fome, dá para sair, tá endividado no cartão de crédito, como todo mundo... (Felipe)
Uma hipótese sobre a origem social de praticantes de swing é a de que seriam
pessoas que ascenderam socialmente, mais bem sucedidas do que a geração de seus
pais. Uma camada média ascendente.
Uma outra questão que levanto é que parece que aqueles que têm algo a perder
em serem reconhecidos neste tipo de ambiente – os que ocupam posições importantes
em seus empregos, os que têm maior reconhecimento público – não freqüentam uma
casa de swing. Acredito até que possam ser adeptos da prática, mas através de festas
privadas, viagens internacionais ou conhecimento direto de outros casais via internet. O
público que freqüenta uma casa de swing seria um público que não correria grandes
riscos, já que ir com freqüência a estas casas, mesmo com variação de local, é viver o
perigo constante de ser descoberto. O depoimento de Júlia fundamenta esta hipótese:
Eu sou gerente de uma loja, uma loja que eu só atendo classe A, A, A, eu tenho as minhas funcionárias que me respeitam muito, eu morro de medo de chegar num lugar desses e encontrar uma cliente minha, encontrar uma funcionária minha, eu vou perder a moral. (Júlia)
Um ponto interessante que apareceu nas entrevistas e nas conversas informais
com os pesquisados é que haveria uma diferença do público que freqüenta casas de
swing no Rio de Janeiro e em São Paulo e também na própria infra-estrutura das casas
paulistas. Aparece nos discursos a idéia de que em São Paulo o ambiente swinger é mais
43
sofisticado e moderno. Pesquisando no sites das casas de swing paulistas e cariocas,
algumas diferenças podem ser notadas. Júlia também fala sobre esta diferença:
Ele sempre diz que em São Paulo é outro nível, que o nível é muito melhor, tanto de aparência quanto de inteligência mesmo. Eu não sei se eu sou uma pessoa muito seletiva porque eu já morei fora, eu estudei, eu trabalho com um público de uma classe mais elevada, então eu estranho, eu me sinto um peixe fora d água nesses lugares. (Júlia)
Em São Paulo o preço da entrada para casas de swing é um pouco mais elevado,
em torno de R$ 80,00 para o casal, enquanto no Rio de Janeiro, em algumas casas, o
casal pode entrar pagando R$ 30,00. Além disso, os sites das casas paulistas me
pareceram mais bem elaborados e de melhor qualidade do que os das casas cariocas. O
bairro paulista de Moema, considerado um bairro de classe média alta, concentra pelo
menos seis21 das principais casas de swing da cidade. O depoimento de um casal
entrevistado, que já freqüentou casas em São Paulo, ressalta aspectos da infra-estrutura
das casas paulistas:
Pergunta: vocês costumam ir à São Paulo? Emília: a gente já foi 2 vezes. Nossa os clubes lá... Emanuel: são maravilhosos, as instalações... Emília: nossa, outra coisa. Emanuel: é, o negócio é assim de outro mundo. Emília: muito melhor do que aqui. Emanuel: tem uns clubes, esse Nefertitti em São Paulo... Emília: é maravilhoso. Nossa senhora, que coisa, demais, demais... Emanuel: parece uma boate de Nova Iorque. Emília: vários ambientes assim, grande, com cabines, labirintos, uma coisa assim... som, bebidas de tudo quanto é tipo que você pensar... Emanuel: muito legal, conforto. Emília: muito legal, nota 10.
Esta é uma questão que merece atenção futura e que, em função do limite de
tempo e de recursos financeiros, não foi possível investigar para esta pesquisa.
Um aspecto que varia entre os casais que freqüentam casas de swing é a idade.
Entre os onze casais entrevistados tenho desde um casal jovem, que na época tinha 19
(mulher) e 20 anos (homem) e um mês de casados, até um casal com 53 (homem) e 44
anos (mulher) e 24 anos de casados. Mas apesar de tal variação, algumas recorrências 21 Casas de swing localizadas em Moema: Enigma, Image Night, Inner Club, Marrakesh, Nefertitti, e CasaBlanca.
44
são notáveis no que se refere à faixa etária dos entrevistados, como pode ser observado
no quadro abaixo.
Idade
0
1
2
3
4
5
6
7
18 a 25 26 a 30 31 a 35 36 a 40 acima de 40
mulhereshomens
Oito das onze entrevistadas têm até 35 anos de idade, sendo que cinco têm
menos de 30. A idade mais avançada encontrada entre as mulheres foi a de 44 anos.
Nove dos onze homens têm mais de 35 anos, sendo que cinco têm mais de 40. A idade
mais avançada para os homens foi de 53 anos. As idades indicam que as mulheres
entrevistadas são mais jovens do que seus parceiros, com uma diferença que chega a 19
anos em um dos casos. Dois entrevistados abordam esta questão etária na entrevista: “é
mais fácil você encontrar um cara muito mais velho e uma menina muito mais nova”
(Jonas) e “a maioria ainda tem o cara mais velho, né, tentou fazer com uma, tentou
fazer com outra” (Diogo).
No que se refere ao casamento e ao divórcio, oito dos onze homens tiveram
casamentos anteriores ao atual relacionamento e dois estavam no primeiro casamento.
Destes oito, quatro tiveram um casamento anterior, dois tiveram dois casamentos e dois
foram casados três vezes anteriormente. Entre as mulheres, quatro foram casadas
anteriormente, cinco estavam no primeiro casamento e duas nunca casaram, estavam em
uma relação de namoro com os parceiros atuais. Das que foram casadas, três tiveram um
casamento e uma teve dois casamentos anteriores. Apenas dois casais tinham filhos, um
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casal com um filho e o outro com dois. Três homens tinham filhos de casamentos
anteriores, um deles tinha 5 filhos (de dois casamentos), os outros dois tinham um. Duas
mulheres têm filhos de casamentos anteriores, uma tinha uma filha, a outra tinha três
filhos, sendo que dois moravam com ela e o atual marido.
Em relação à aparência, não encontrei nada em particular que os diferenciasse de
pessoas que não são adeptas da prática. As mulheres são, em geral, mais jovens do que
os homens e parecem se preocupar mais com a forma física, questão que será tratada
com maior profundidade no capítulo 4. Dez das onze mulheres que entrevistei tinham
cabelos longos, enquanto todos os homens usavam cabelo curto. Três mulheres
pintavam o cabelo de loiro, uma de ruivo. Dois homens tinham cabelos grisalhos e
outros dois eram calvos.
Swing: dentro ou fora da ordem?
Gilberto Freyre, em março de 1980, concedeu uma entrevista à revista Playboy,
onde revelou sua opinião a respeito de diversos comportamentos sexuais. Quando
perguntado sobre o que pensava de práticas como o sexo grupal e a troca de casais -
segundo o repórter, em moda na época - Freyre respondeu da seguinte forma:
Eu temo que essas práticas favoreçam muito o acanalhamento, mas acho que são admissíveis. O ménage à trois, por exemplo, quando os três conhecem o assunto e se toleram mutuamente, numa espécie de consórcio, é perfeitamente admissível e é até uma espécie de homenagem.
Em 2004, O Globo publicou a matéria “Os Novos Libertinos”22, que tratava da
prática do swing, com depoimentos de alguns casais (que preferiram não revelar suas
identidades) e com algumas fotografias tiradas em casas de swing, todas sem mostrar o
rosto. Na semana seguinte uma leitora se manisfestou da seguinte forma em resposta à
reportagem:
Há assuntos, como o que foi abordado na reportagem “Os novos libertinos”, que nós leitores preferíamos desconhecer. É assunto para o cantinho de alguma página, com muita discrição. Os conceitos estão todos errados. Tenta-se perverter o bem com o mal e torná-los a mesma coisa. Atividades como essas não podem ser chamadas de programa familiar. Não queremos que nosso país regrida séculos, aos tempos da Grécia libertina e corrompida.
22 Reportagem publicada na Revista do jornal O Globo, no dia 05 de setembro de 2004.
46
Muitos homens se tornaram mártires para libertar esses povos da profunda corrupção carnal e espiritual em que se encontravam.23
Entre os casais que entrevistei todos se preocupavam com a preservação de suas
identidades, identificando-se na internet através do uso de apelidos. “Fora do meio
swinger ninguém sabe, nunca. Só os outros swingers sabem. Familiares, irmão, primos,
pais, ninguém sabe” (Lucas). Um dos grandes receios dos pesquisados é encontrar em
uma casa de swing alguma pessoa conhecida. Segundo uma entrevistada:
As pessoas têm preconceito, as pessoas olham para você como se você fosse um E.T., como se você fosse uma promíscua, como se você fosse uma... sei lá, uma puta que dá para todo mundo, as pessoas não encaram como uma fantasia, não encaram como a sua sexualidade, com o que você está a fim de fazer. (Ana)
Em coluna intitulada "O swing visto de fora", encontrada no site
erotikafantasy24, um casal critica as reportagens sobre o tema veiculadas na mídia, as
quais, segundo o casal, costumam abordar o swing como "um mundo de libertinagem,
sordidez, amoral, onde tudo o que importa é fazer sexo".
A frase de abertura da página de uma casa de swing na internet25 parece
apresentar uma defesa para as acusações de transgressão que o meio e os casais adeptos
recebem: “Este website é dedicado exclusivamente ao swing, portanto não existe
nenhum tipo de promiscuidade ou prostituição”.
Becker (1977), em estudo sobre o comportamento desviante, afirma que os
grupos desviantes de uma sociedade constroem uma “racionália”, uma ideologia que
fornece razões aos indivíduos para permanecerem com seu comportamento. Segundo o
autor, tal ideologia contém, muitas vezes, um repúdio ao mundo convencional e às
regras nele vigentes.
A “racionália” swinger parece refletir um valor muito presente na atualidade, o
hedonismo, aqui entendido como uma busca pelo prazer e pela valorização do
indivíduo. Procura-se, a partir da crítica a padrões de comportamento tradicionais,
edificar novas formas de relacionamento, condizentes com os desejos e vontades
pessoais (Simmel, 2001). Pode-se interpretar neste sentido o depoimento de Lucas sobre
sua opção pela prática do swing em contraste com o que consideram ser o cotidiano de 23 Carta publicada na Revista do jornal O Globo, no dia 12 de setembro de 2004. 24 www.erotikafantasy.com.br 25 www.2a2.com.br
47
casais “comuns”. Sua identidade swinger é construída em oposição ao que seria a
conduta “normal” em relação à sexualidade na sociedade atual:
Com o tempo, o que ia acontecer com o nosso casamento? 15 anos [há 8 anos fazem swing] . Dizem que a primeira crise é aos 7, nós já vivemos duas vezes isso e mais 1. A qualidade de vida que nós temos como um casal swinger é incomparável a de um casal que não seja. É um casamento sem mentiras. Você quer acabar com o meu final de semana? Diz que a minha mulher vai viajar. Com outros casais o marido comemora: oba, a censora, a controladora não está aqui. Eu espero que passe um filme bom na TV. Estando com minha mulher eu tenho a possibilidade de estar todo final de semana com uma mulher casada, mãe de família, bonita e limpa, diferente. Já se eu estou sozinho...26 (Lucas)
Praticar swing aparece no discurso dos seus adeptos como uma forma de viver o
desejo livremente. Os praticantes se consideram como parte de um “mundo liberal”. É o
que sugere a chamada para o website de uma casa de swing27: “Elegante, sensual,
discreto e de vanguarda, assim como você”. Este argumento que marca a diferenciação
que os swingers fazem da sua forma de relacionamento em relação ao modelo
tradicional, parece vincular-se à noção de perfectibilidade, apontada por Duarte (1999)
ao discutir a sexualidade contemporânea. A perfectibilidade se expressa na idéia de que
a espécie humana é dotada de uma capacidade de se aperfeiçoar indefinidamente,
percebida em expressões como o desenvolvimento, a transformação ilimitada, a
vanguarda. Neste sentido, pode-se identificar no discurso dos entrevistados a respeito de
sua prática, que consideram “inovadora”, esta preeminência de um estilo de vida que
privilegia o novo sobre o “tradicional”, identificada por Duarte como um dos aspectos
presentes desde o século XVIII na caraterização de um dispositivo da sexualidade.
O medo de sofrer acusações de promiscuidade e imoralidade presente no
discurso dos entrevistados e a evidente depreciação da prática expressa na carta ao
jornal citada anteriormente podem ser interpretados a partir da concepção de Douglas
(1976) sobre pureza e perigo. As práticas sexuais destes casais estariam na fronteira do
que se concebe como sexualidade legítima de um casal em nossa sociedade. Estando nas
margens, a troca de casais se apresenta perigosa e os discursos que acusam este tipo de
prática aparecem como uma maneira de reafirmar e demarcar a ordem. 26 Se, de um ponto de vista macro, como aponta Duarte (2003), o Romantismo, apesar de representar uma resistência e denúncia aos valores do Universalismo,
48
Velho (2002) afirma que a acusação de desvio contém sempre uma dimensão
moral que aponta para uma crise de certos padrões que dão sentido a um estilo de vida
em uma sociedade. Para o autor, o desviante funciona como um delimitador de
fronteiras, permitindo que a sociedade se descubra pelo que não é ou não quer ser.
Velho revela que a lógica do discurso acusatório parte de uma divergência política e
chega à caracterização de certos comportamentos como nocivos a toda a vida social,
classificando-os como moralmente condenáveis.
É possível pensar, ainda com Velho, que um dos grandes paradoxos da
sociedade moderna é gerar diferenciação e ao mesmo tempo não conseguir conviver
com ela, a não ser por meio de mecanismos discriminatórios. O resultado desse
processo seria o que o autor chama de coerção normalizadora, uma produção
ininterrupta de indivíduos considerados desviantes.
O medo de sofrer acusações parece fazer com que os praticantes de swing
tenham um zelo especial pela preservação de suas identidades. Os swingers, fora de
uma casa especializada, agem como pessoas “normais” e prezam pelo anonimato. Em
declaração para a revista Época28, Fabrício (nome fictício) revela “Jamais contamos a
qualquer amigo ou parente. A sociedade entende mais a traição do que o swing”.
No meio swinger, os apelidos são freqüentes e o casal é conhecido por nomes
que eles inventam. Da mesma forma que a Outra, como mostrou Goldenberg (1997), os
swingers procuram manter seu comportamento oculto, não deixando que contamine
outros campos de sua vida.
Quando perguntado sobre os aspectos negativos da prática do swing, Lucas
respondeu: "negativo é não poder defender lá fora uma visão sua. Você ouve coisas do
tipo ‘gay tem que morrer’, ‘mulher que trai é puta’, ‘homem que trai é garanhão’ e
você tem que concordar com todas essas besteiras". Heilborn (1996) afirma que a
identidade social dos indivíduos é entendida como um conjunto de marcas sociais que
os posicionam frente a um determinado mundo social. Segundo a autora, na cultura
ocidental esta identidade social mostra-se diretamente vinculada à identidade sexual.
Acredito, como Velho (1981), que existe uma certa variação nas leituras que os
indivíduos ou subgrupos podem fazer de uma cultura. Aqueles que sofrem a acusação
de desviantes não estão fora da cultura, mas fazem uma leitura divergente. O autor
28 Época, 07 de julho de 2003.
49
lembra ainda que não é em todas as áreas que essa divergência dos valores dominantes
aparecerá, existindo aquelas em que o indivíduo agirá como qualquer cidadão “normal”.
É interessante notar que, no caso do swing, a possível acusação de desvio
recairia sobre a prática em si e não diretamente sobre os indivíduos adeptos. Como
mantêm o seu comportamento em sigilo e não fazem nenhuma demarcação pública em
termos de reivindicações sociais ou de uma identidade política, suas identidades
individuais permanecem protegidas pelo anonimato. A prática é desviante, mas não
indivíduos determinados, pois estes são invisíveis para o restante da sociedade.
A discussão de Butler (2003) ajuda a pensar sobre o que se estabelece como
norma social e de que maneira comportamentos que estão fora desta norma se
relacionam e ajudam a reforçar a ordem. A autora aponta que o Estado se tornou o meio
através do qual o desejo e a sexualidade são reafirmados, conhecidos, declarados
publicamente e imaginados como permanentes, duradouros. Através do casamento, o
desejo pessoal é mediado publicamente, tornando-se um tipo de sexo público
legitimado.
Para Butler, os agentes sexuais que funcionam fora da esfera do vínculo do
casamento constituem possibilidades sexuais que nunca serão elegíveis a se traduzir em
legitimidade. As opções fora do casamento estariam se tornando excluídas como
imponderáveis, o sexualmente irrepresentável, um lugar não cooptado pela
normatividade.
A autora sugere que dentro da sexualidade inteligível haveria zonas
intermediárias, formações híbridas de legitimidade e ilegitimidade. Este seria o lugar do
“quase reconhecível” e, para Butler, o que perturbaria a distinção entre legitimidade e
ilegitimidade são essas práticas sexuais que não aparecem de imediato como coerentes
no léxico de legitimação disponível.
Mas o swing poderia ser situado dentro da zona de ilegitimidade descrita por
Butler? Esta é uma prática que efetivamente ameaça ou contesta o casamento?
Mantendo sua prática no anonimato, sugiro que os praticantes de swing talvez
tenham encontrado uma forma de se tornarem sexualmente representáveis. Os casais
não estão propondo formas não-monogâmicas de conjugalidade ou um arranjo afetivo-
sexual entre mais de duas pessoas, ultrapassando a fronteira reconhecida pelo Estado do
que significa casamento. Para o mundo público e legal, não abrem mão do sexo público
legitimado e seu reconhecimento universal, conservando o “ilegítimo” em segredo. As
próprias casas de swing, locais onde se pratica a troca de casais, podem ser vistas como
50
uma possibilidade mais ou menos legítima de se viver essa “diversidade” sexual sem
colocar em questão o vínculo do casamento.
É interessante destacar que, entre os casais pesquisados, os filhos não sabem da
prática dos pais. O que pode ser visto como uma evidência de que não estão contestando
a norma ou propondo uma alternativa ao casamento, pelo menos não uma que possa ser
ensinada aos filhos.
Mesmo não contestando publicamente a forma legítima de conjugalidade – o
casamento – a prática do swing traz à tona o problema de como gerir o desejo dentro
dessa norma compulsória de relação afetivo-sexual. Os swingers dizem estar buscando
soluções mais condizentes com suas vontades individuais, sem abrir mão de uma
relação amorosa estável.
O swing, nesse jogo de adequação e inadequação, parece estar,
concomitantemente, dentro e fora da ordem.
Três é ímpar: a situação dos solteiros
Nem todos os casais adeptos do swing praticam apenas a troca de casais. Muitos
também realizam o ménage, masculino ou feminino, prática sexual onde participam o
casal e mais uma terceira pessoa, homem ou mulher. As casas de swing do Rio de
Janeiro costumam ter, em sua programação semanal, um ou dois dias específicos onde é
permitida a entrada de pessoas solteiras.
Nas entrevistas, pude perceber que, para alguns casais, o ménage é uma das
situações que mais gera excitação. Realizar a fantasia de se relacionar sexualmente com
duas mulheres ao mesmo tempo (no caso feminino com dois homens) é uma das
possibilidades que esta prática permite.
Qual homem que não gostaria de estar numa boate onde ele pudesse no mesmo dia conhecer, bater papo e transar com sua mulher e transar com outra mulher? O homem que disser para você que não gosta disso vai estar mentindo, é hipócrita”. (Guto)
Outra entrevistada, Carolina, acrescenta: “no ménage masculino já eu gosto que
ele esteja junto, porque eu me sinto assim poderosa com dois homens a minha
disposição”.
51
Um elemento que parece causar excitação no ménage é a possibilidade de
assistir o parceiro se relacionando com outra pessoa. Muitos homens dizem ter prazer ao
ver suas parceiras mantendo relações com outros homens e, apesar de em menor
número, as mulheres também respondem que gostam de ver a performance sexual de
seus parceiros com outras mulheres.
O que me excita, é quando ela fica com tesão pelo outro cara. O legal do swing é você ver o seu parceiro ficar com tesão, sentir que tá gostando, não é fazer para te agradar, não tem graça. Você ver a trepada, a mulher participando, gostando, tomando iniciativa, é isso que dá tesão. (André)
Já uma entrevistada diz:
Eu senti muito tesão de ver ele transando com outra pessoa. É como se eu me visse do lado de fora, pudesse ver tudo. Porque quando você está transando com uma pessoa, principalmente nós, a gente não consegue ver muita coisa, porque a gente ou está de costas ou está de frente, se tá de frente não está vendo nada. Eu não, eu podia analisar, ver todas as posições, ver tudo isso e me deu muito tesão e daí a gente continuou. (Daniela)
No entanto, a inserção dessa terceira ponta do triângulo não se dá sem conflitos.
Percebe-se que a presença do solteiro, homem ou mulher, gera um certo desequilíbrio,
pois uma vez que não tem um parceiro ou parceira para trocar e, portanto, “nada a
perder”, este indivíduo representaria uma ameaça à estabilidade do casal.
Enquanto só existe casal você sabe que naquele outro casal tem um sentimento entre aquelas pessoas, existe um vínculo, existe um compromisso entre eles. Então se resume única e exclusivamente a uma troca pelo prazer. Quando existe a figura da pessoa solteira, feminina ou masculina, ela não tem envolvimento com ninguém, não tem compromisso com ninguém, então você está se expondo a acabar tendo um sentimento ou algum vínculo com aquela pessoa. É muito mais arriscado quando rola o parceiro solteiro do que quando rola o casal. (Ivan)
Para eles, todo cuidado é pouco e certas precauções são tomadas pelos casais
adeptos do ménage a fim de protegerem seus relacionamentos. Uma das atitudes
adotadas neste sentido foi a criação de encontros com o objetivo de ensinar aos solteiros
as regras de comportamento em relação a um casal praticante de swing. De acordo com
o que se relatou nestes encontros, muitos solteiros não sabem o limite entre o assédio e a
52
falta de respeito. A mentalidade do homem solteiro, para os swingers, é a de que seria
vantajoso ir a uma casa de swing por ser “uma grande suruba com preço reduzido”. Os
casais comentam que alguns pensam que porque pagaram têm o direito “transar” com
qualquer mulher.
Os encontros organizados em dia de ménage têm o claro objetivo de ensinar para
os solteiros as regras de convivência dos casais e a maneira como devem proceder em
uma casa de swing. Os temas focalizados são: respeito à vontade do casal, a melhor
forma de abordagem, a importância da sedução na hora da conquista.
Procura-se deixar claro que a presença dos solteiros em casas de swing é uma
concessão dos casais e, portanto, eles precisam se adaptar às suas vontades e às suas
regras. Os homens ressaltam que numa casa de swing estão acompanhados de suas
mulheres, os solteiros que freqüentarem não vão encontrar “putas” em tais lugares. A
mulher é quem determina se alguma coisa vai ou não acontecer com o solteiro
interessado. Segundo os pesquisados, o solteiro não escolhe a mulher que quer se
relacionar numa casa de swing, ele é escolhido. Uma das premissas colocadas sugere ser
fundamental saber aceitar um “não” e aprender a lidar com a rejeição.
Embora o desequilíbrio gerado pela presença da terceira pessoa possa ser
causado tanto pelo homem quanto pela mulher sozinha (conhecidos no meio como
“rolinho” ou “rolinha”), nota-se que a freqüência masculina como solteiro é muito mais
significativa do que a feminina. Portanto, as casas criam mecanismos de controlar este
número maior de homens solteiros e favorecer o de mulheres solteiras. Em geral só
deixam entrar, nas noites de ménage, homens ou mulheres que estiverem acompanhados
de casais. Esta regra, porém, não é tão rígida para as mulheres. Algumas casas ainda
limitam a entrada de homens nestas noites pela quantidade de casais que já ingressaram.
O preço para homens solteiros costuma ser muito mais elevado do que para as solteiras.
Em alguns lugares a chamada “rolinha”, se estiver acompanhada de um casal, não
precisa pagar ingresso. Uma das casas de swing divulga os seguintes preços29:
29 Em novembro de 2004
53
Outra casa, em noite de ménage, apresenta seus preços10, juntamente com um texto
relativo aos homens solteiros:
Ingresso por Casal - R$ 50,00 Solteira – R$ 15,00 (Ingresso Ilimitado) *Solteiro - R$ 120,00 - (Ingresso Limitado e com reserva) *Reservamos as quintas-feiras para a realização de mais esta fantasia. Aceitamos solteiros/homens (somente às quintas-feiras), porém com algumas restrições/regras, tais como: Serem sócios da casa e/ou amigos de casais e/ou estarem acompanhados de casais e/ou conhecidos do staff do 2A2 com o perfil adequado e em número restrito. Não será permitida nenhuma atitude deselegante ou inadequada por parte dos solteiros. Todos são devidamente informados que a casa pertence aos casais e orientados para que a educação, gentileza e a discrição sejam a máxima do comportamento”.
É fácil notar que, quando se trata da entrada de solteiros em uma casa de swing,
a presença feminina é bem vinda e inclusive facilitada, enquanto a masculina sofre
certas restrições. A ressalva em relação aos homens solteiros parece acontecer por duas
razões: a quantidade de homens que procuram estes lugares e a forma como se
comportam.
Um quadro com as estatísticas dos anúncios publicados em um site de casais
swingers na internet30 é interessante para pensar esta questão:
30 http://www.swing.com.br/portug.htm - tabela de 28 de setembro de 2004
54
Procurando... Anúncios
Casal – Casais 1653
Casal – Mulheres 1095
Casal – Homens 523
Mulher – Casais 36
Mulher – Mulheres 60
Mulher – Homens 31
Homem – Casais 1572
Homem – Mulheres 1440
Homem – Homens 67
Um dado que chama atenção é que o número de mulheres que toma a iniciativa
de colocar um anúncio nesse tipo de site é significativamente menor do que o número
de homens. Enquanto os homens têm um total de 3079 anúncios, as mulheres têm
apenas 127. A única categoria que apresenta um perfil masculino e feminino semelhante
é a de quem está buscando alguém do mesmo sexo: mulheres têm 60 anúncios deste
tipo, enquanto homens têm 67. A quantidade total de anúncios de homens sozinhos se
aproxima bastante da de casais, que têm um total de 3271 anúncios. Percebe-se que o
número de casais que procuram mulheres é praticamente o dobro do que os que
procuram homens (1095 contra 523), o que reforça a idéia de que as mulheres são mais
bem vindas neste meio do que os homens. A quantidade de homens que procuram casais
é significativamente superior à de mulheres (aproximadamente 43 vezes maior),
demonstrando – ao lado das observações feitas sobre a freqüência das casas em dias de
ménage - que a procura por este tipo de prática é muito maior entre homens sozinhos do
que entre mulheres.
Nos encontros, apesar de argumentarem que as regras de abordagem e conduta
em uma casa de swing valem tanto para homens quanto para mulheres sozinhas, os
casais se dirigem o tempo todo aos indivíduos do sexo masculino, sugerindo que o
problema do mau comportamento de pessoas solteiras está muito mais relacionado aos
homens do que às mulheres.
Em um dos encontros ouvi um relato de uma freqüentadora, solteira, que disse
que os próprios homens solteiros têm preconceito com as mulheres sozinhas que
freqüentam esses lugares. No imaginário de alguns deles tais mulheres estariam mais
55
próximas da acusação de “galinhas” ou “putas”, por se disporem a ir desacompanhadas
a uma casa de swing. A mulher reclamava que os homens solteiros precisavam respeitar
não só as casadas, mas também as solteiras, ressaltando que não podiam achar que “a
mulher, só porque está solteira numa casa de casais, vai transar com todo mundo”.
Tanto a diferença quantitativa quanto a qualitativa (tipo de conduta) entre
mulheres e homens solteiros que freqüentam estas casas podem ser relacionadas a uma
determinada moral sexual vigente em nossa sociedade que estimula que os homens
tenham um grande número de parceiras sexuais, enquanto as mulheres devem ser mais
controladas, já que podem sofrer a acusação de serem promíscuas. O homem que se
relaciona sexualmente com muitas mulheres é considerado “garanhão”, enquanto a
mulher com o mesmo comportamento é “galinha” (DaMatta, 1997).
Neste capítulo pretendi levantar algumas questões para se compreender o
contexto de práticas sexuais como a troca de casais. Partindo de um panorama geral
sobre o swing, busquei levantar dados e características do swing praticado no Brasil,
para então discutir o perfil de seus praticantes e dos casais entrevistados. Procurei
analisar como este tipo de comportamento pode ser pensado em relação ao que é
considerado “norma” em nossa sociedade e as acusações que permeiam a prática e seus
adeptos. Finalmente, através da figura da pessoa sozinha que decide freqüentar o meio,
alguém de fora que se insere em um ambiente “de casais”, busquei compreender quais
as regras e normas que permeiam a prática e quais as estratégias utilizadas para garantir
um comportamento considerado “adequado” no meio.
56
Capítulo 3: swing à brasileira
“A força, ou antes, a potencialidade da cultura brasileira parece-nos residir
toda na riqueza dos antagonismos equilibrados”
Gilberto Freyre
Gilberto Freyre, em “Casa Grande e Senzala” e em “Sobrados e Mucambos”,
menciona a existência em Pernambuco, em 1842, de uma aldeia onde era comum a
prática da troca de mulheres, em um “verdadeiro comunismo sexual”. Ao descrever as
práticas sexuais dos indígenas, Freyre identifica a prática da poligamia, correspondendo
não apenas ao desejo sexual, mas também aos interesses do homem caçador, pescador
ou guerreiro de cercar-se dos valores econômicos vivos e criadores que eram
representados pelas mulheres.
Uma remota origem nacional da prática do swing? Difícil responder. No Brasil,
a prática do swing está presente principalmente nas grandes cidades e, apesar de não se
ter uma idéia exata do número de adeptos, a partir de seu comportamento podemos
tentar entender questões relativas à construção da sexualidade e do gênero na cultura
contemporânea.
Neste capítulo pretendo pensar a prática do swing na sociedade brasileira tendo
como referência as obras “Casa Grande & Senzala” e “Sobrados e Mucambos”, de
Gilberto Freyre, “Carnavais, Malandros e Heróis” e “A Casa e a Rua”, de Roberto
DaMatta e “Corpos, Prazeres e Paixões”, de Richard Parker. Partindo das refexões
desenvolvidas pelos autores sobre a formação de uma cultura sexual no Brasil e as
características especialmente brasileiras de simbolizar e ordenar os espaços, procuro
compreender a ambigüidade que cerca o imaginário sobre o swing e o próprio
comportamento dos casais adeptos. Pretendo também analisar a perspectiva destes
autores em relação às diferenças sexuais entre homens e mulheres, a fim de melhor
compreender como estas diferenças aparecem entre os casais praticantes de swing. Os
conceitos desenvolvidos por Freyre, DaMatta e Parker são essenciais para compreender
como o comportamento de casais praticantes de swing no Brasil aciona
concomitantemente uma imagem ligada a conservadorismo e transgressão no que diz
respeito às suas práticas sexuais.
57
Masculino e feminino: antes e depois
Uma das principais idéias desenvolvidas por Freyre em “Casa Grande &
Senzala” para se compreender a formação da sociedade brasileira é a de que nossa
cultura resulta de dois contrários que se equilibram. Representados principalmente pela
casa grande e a senzala, ou pelo senhor e o escravo, estes dois lados da balança não são
simplesmente opostos e na cultura brasileira não se verifica a simples sobreposição de
um pelo outro. Antes disso, o que podemos observar é a convivência, na mesma
sociedade, de traços tão diversos e valores aparentemente antagônicos.
A partir deste conceito desenvolvido por Freyre - a singular capacidade de fundir
traços tão diversos e muitas vezes antagônicos em uma mesma cultura - e de suas
colocações a respeito das diferenças entre homens e mulheres na formação da sociedade
brasileira, procuro pensar algumas caracteríscas encontradas nos casais praticantes de
swing.
A importância que Freyre (2003) dá à sexualidade na formação do Brasil não se
restringe ao seu início, mas se exacerba através do sistema de colonização que aqui se
desenvolveu: escravocrata, monocultor e patriarcal. Para Freyre, a vida sexual da
sociedade brasileira foi “corrompida” pela escravidão, primeiro de índios, depois de
negros. Para o autor não há escravidão sem depravação sexual, seria algo da essência
mesma do regime. O próprio interesse econômico dos proprietários favoreceria a
depravação, criando um desejo imoderado de produzir o maior número possível de
crias. Dentro de tal atmosfera moral, criada pelo interesse econômico dos senhores,
como se poderia esperar que a escravidão atuasse senão no sentido “da dissolução, da
libidinagem, da luxúria?”, pergunta o autor.
O sistema econômico da monocultura e do trabalho escravo criou um ambiente
de intoxicação sexual, onde os senhores brancos reinavam absolutos, superexcitados
sexualmente. Seus corpos são descritos por Freyre como tendo se tornado
exclusivamente o membrum virile, apenas o sexo arrogantemente viril.
Em contraste, no regime patriarcal desenvolvido no Brasil, Freyre descreve a
mulher como inteiramente subordinada ao desejo e ao mando do pater familias. Tanto a
escrava negra quanto a esposa branca existiriam apenas para satisfazer as vontades do
senhor. As meninas brancas viviam sob a mais dura tirania dos pais, depois substituída
pela dos maridos, em um ambiente de completo recolhimento. Criadas sob vigilância
constante, as esposas eram completamente submissas ao marido.
58
Em trabalho posterior, Freyre (2006) irá mostrar como a extrema especialização
ou diferenciação dos sexos é conveniente à exploração da mulher pelo homem,
característica de organizações sociais do tipo patriarcal-agrário. Para o autor, é através
dessa diferenciação exagerada que se justificará o chamado padrão duplo de moralidade
que daria ao homem todas as liberdades de gozo físico do amor e limitaria a mulher a ir
para a cama com o marido, sempre que este assim o desejasse. Seguindo esta lógica,
aparece a rígida separação entre mulheres honestas e mulheres “da vida”, observada na
época inclusive em produtos especialmente utilizados por um ou outro tipo de público
feminino.
Freyre argumenta que as mulheres que porventura tornaram-se administradoras
de fazendas e senhoras de engenho, exerceram o mando patriarcal com quase o mesmo
vigor dos homens. Apesar de estarem no comando, a lógica do regime patriarcalista
continuou a mesma. A mulher, em tais casos, torna-se sociologicamente um homem
para fins de dirigir a casa, chefiar a família, administrar a fazenda.
O autor atribui aos fatores sócio-culturais de sociedades patriarcais e
escravocráticas a extrema diferenciação e especialização do sexo feminino em “belo
sexo” e “sexo frágil”. Especialização que resultou em restrições muitas vezes
deformadoras do próprio físico. Restrições que limitaram sua influência sobre a vida
pública a repercussões de sentimento e de dengo. Limitaram suas atividades à esfera
doméstica. Especialização observada nas roupas, no tipo de alimentação e de vida, cujo
objetivo era o maior domínio social e melhor gozo sexual do homem. Como resultado, a
mulher da casa grande ou do sobrado no Brasil tornou-se um ser artificial, “uma doente,
deformada no corpo para ser a serva do homem e a boneca de carne do marido”.
Freyre ressalta que o culto à mulher, refletido na literatura, nas artes, nas
etiquetas, é muitas vezes um culto a um corpo especializado para o amor físico, onde
são exaltados os seios salientes e redondos, a cintura estreita, os pezinhos mimosos, as
mãos delicadas. Tudo que exprimisse e acentuasse sua diferença física do homem. Este
culto, sugere o autor, seria melhor descrito como um culto narcisista do homem
patriarcal, do sexo dominante, que se serve do oprimido para lhe aumentar a
volutuosidade e o gozo. O homem patriarcal exalta a mulher macia, frágil, pretendendo
adorá-la, mas na realidade para se sentir mais sexo forte, sexo nobre, mais sexo
dominador.
Como estes padrões de comportamento feminino e masculino descritos por
Freyre podem ajudar a refletir sobre a prática do swing nos dias atuais?
59
Através das entrevistas e nas conversas informais que tive ao longo do trabalho
de campo, pude observar que, ao se iniciarem na prática do swing, as mulheres
aprendem um certo tipo de conduta que a princípio é identificada como masculina. Nas
palavras de uma entrevistada: “é criação. É muito mais difícil uma mulher romper
certos dogmas do que um homem né? Você é educada para ser casta e o homem é
educado para ser galinha, não é verdade isso? Então para ela romper isso é muito
difícil” (Heloísa). Algumas mulheres relataram em um dos encontros que em suas
primeiras idas a uma casa de swing sentiram-se inseguras, tiveram ciúmes e que o
começo foi muito difícil. Já para os homens o discurso é que o impulso sexual seria algo
natural, “nascem com essa coisa de sexo, desde pequenos, os pais acabam estimulando”
(frase ouvida durante o encontro “O swing e o casamento”). No encontro foi dito que a
mulher é educada para querer o príncipe encantado, casar com o homem que ama e ficar
a vida toda com ele.
Nove dos onze casais que entrevistei disseram que a iniciativa para o swing
partiu do homem. Alguns afirmam que demoraram um ano ou mais para convencerem
suas mulheres a experimentarem a prática, como é o caso de um dos entrevistados:
“Mais ou menos com um ano de namoro eu toquei no assunto do swing e foi um ano e
meio de luta para conseguir” (Bernardo). Em diálogo de um casal entrevistado sobre a
iniciativa para a prática, colocou-se a seguinte idéia:
Guto: toda a vez que a gente estava transando eu ficava jogando, incrementando, entendeu? para ver se ela se empolgava. As primeiras vezes eu senti que ela ficou meio contrariada, meio puta mesmo... Gabriela: no começo eu não gostava muito não, ouvia e fazia de conta que não estava ouvindo, achava falta de respeito. Aí depois eu comecei a gostar. Guto: essa cantada de pé de ouvido levou quase um ano, e ela se empolgando, quando eu vi ela já tava completamente dominada pela idéia.
A iniciativa para o swing, na maioria dos casos pesquisados, parte do homem. A
mulher diz que aos poucos vai se adaptando a um desejo masculino. É como se, para
entrar em um mundo onde o que impera é a lógica do sexo por prazer, sem
envolvimento afetivo - aspectos que caracterizariam uma cultura masculina (Simmel,
2001) - a mulher tivesse que aprender a se comportar como um homem. Como as
senhoras de engenho que ao ocuparem posições de mando não alteravam a lógica da
dominação patriarcal, a mulher entra para um ambiente swinger seguindo um
60
imaginário de prazer considerado masculino. A iniciativa é do homem, o que não quer
dizer que não existam exceções à regra, como pode ser visto no seguinte relato:
Pergunta: mas pelo que você observou nesse tempo, como é essa coisa do convencimento? Ana: é do homem, do homem. Pergunta: do homem convencer? Ana: o homem. A grande maioria das vezes. Não vou dizer que não tenham mulheres que você vê que elas estão lá muito mais pra curtir do que o marido. Tem. Mas percentualmente eu diria pra você que 80% são os homens que vão e levam as suas mulheres, tem muitas mulheres que você vê que não estão curtindo, algumas sim, e a maioria não.
Freyre (2003) mostra a dificuldade que as sinhazinhas tinham na casa grande
para viverem aventuras amorosas ou sexuais. Não havia tempo de explodirem em seus
corpos de meninas grandes paixões lúbricas. Constantemente sobre a vigilância de
pessoas mais velhas, as meninas casavam-se muito cedo, com maridos dez, quinze e às
vezes vinte anos mais velhos. A diferença de idade entre homens e mulheres pode ser
observada entre muitos casais que aderem ao swing. Entre os onze casais que
entrevistei, todos os homens são mais velhos do que suas parceiras. Em dois casos a
diferença é de apenas um ano. Nos outros esta distância aumenta, indo desde seis até
dezenove anos de diferença. Segundo um entrevistado “normalmente você vai encontrar
casais que o homem é mais velho que a mulher e tem uma experiência, uma
ascendência muito grande sobre a mulher” (André).
Um certo domínio masculino sobre a mulher aparece nestes casos, apesar de
muito distante daquele exercido pelo senhor sobre sua esposa em tempos patriarcais.
Nas entrevistas, relata-se que há mulheres que dizem estar se submetendo ao desejo do
marido de praticar swing por medo de ficarem sozinhas. E isso aparece especialmente
no caso de casais a mulher é muito mais jovem. Tanto em tempos coloniais quanto nos
dias de hoje a idade parece significar um poder maior, de controle em um caso, de
convencimento no outro. André aborda esta questão da seguinte maneira:
Pode ser que ela tenha muito prazer, mas mesmo que ela não tenha ela vai fazer para não perder o relacionamento. E os homens usam isso de uma forma canalha, nós somos canalhas por natureza, todo homem é canalha, não tem ‘ah, sou bom’, não é bonzinho, o cara é bonzinho até certo ponto, mas tem aquela veia, o sangue podre do canalha, do cafajeste igual a mim, não tem jeito. Então se o cara estiver mal intencionado, ele pega uma menina
61
nova e leva, cansei de ver vários. O homem mais velho que a mulher e ela é influenciada, totalmente influenciada pelo companheiro. (André)
Um aspecto abordado por Freyre (2006) em sua análise da relação entre homens
e mulheres na época do império, o culto ao corpo feminino como marca de uma
ostentação narcisista do homem, pode ser interessante para se pensar como o corpo
feminino aparece no meio swinger. Segundo Freyre, a moda, o penteado, as roupas
utilizadas pelas senhoras brancas funcionavam não só como um sinal de distinção entre
mulheres e homens como também entre mulheres, distinguindo as de classe superior das
de classe inferior: as negras mucamas. Em outro trabalho, Freyre (1997) revela que, nas
sociedades burguesas, a forma de apresentação das mulheres casadas em público
constitui um meio de seus maridos se afirmarem prósperos ou socioeconomicamente
bem situados. Para afirmarem o prestígio social dos maridos, as esposas ostentavam não
só a beleza de rosto e de corpo, como de penteados, roupas, adornos.
Pode-se sugerir que, no swing, a ostentação narcisista do homem não apareceria
somente em uma esposa com penteados chiques e roupas caras, mas em um corpo que
se apresente como sexualmente desejável. Uma ostentação que certamente não se
restringe ao ambiente swing, como podemos observar no erotismo explícito de
propagandas, outdoors, anúncios de revistas que usam e abusam da imagem e do corpo
feminino, como foi observado por Freyre (1997).
No swing, este “apresentar-se desejável” está presente não apenas na forma
física, como também nas roupas, podendo incluir uma certa postura exibicionista. As
mulheres que observei durante o trabalho de campo têm uma preocupação especial com
o vestuário, usam vestidos ou blusas justos e decotados, saias curtas, roupas que
valorizam os seios, a bunda, as pernas. Elas escolhem cuidadosamente a lingerie da
noite e algumas fazem shows de strip-tease. Nos sites de casais, nos anúncios presentes
nas páginas de casas de swing na internet e nos blogs, o corpo feminino está em
evidência, em poses sensuais e nus explícitos, enquanto o masculino se restringe a um
segundo plano quase inexistente.
Hoje analisando de fora, engraçado porque você começa a ter uma outra visão, você vê como a mulher é tratada como objeto. Objeto assim pra satisfazer o seu marido, objeto pro seu marido dar a sua mulher pra um outro homem. Eu acho que tem um pouco dessa coisa de “olha como a minha mulher é gostosa que você está comendo”. (Ana)
62
No entanto, a análise da prática do swing não pode se limitar à idéia de
dominação masculina.
Sete das onze mulheres que entrevistei relataram que tiveram poucas
experiências sexuais antes de praticar swing (até dois parceiros), duas perderam a
virgindade com o atual parceiro e quatro tinham se relacionado com apenas um homem
além do parceiro. Elas disseram que após se iniciarem na prática do swing
experimentaram relações sexuais com homens variados e que esta possibilidade abriu
portas para um maior conhecimento do próprio prazer.
Ter experimentado “de tudo” - sexo com outro homem na presença do marido,
ver o parceiro se relacionando com outra mulher, sexo com dois, três, oito homens na
mesma noite, relações sexuais com mulheres – contribuiu, segundo elas, para um auto-
conhecimento maior das potencialidades de seu corpo. A possibilidade de experimentar
relações sexuais com outros homens e mulheres permitiria um conhecimento maior de
seu desejo.
Eu acho que eu despertei sexualmente. Eu era muito travada, eu me liberei sexualmente. Me liberei sexualmente até pra dizer o que eu quero e o que eu não quero. Hoje nada me espanta, nada me assusta, sexualmente eu sei o que eu gosto, o que me dá prazer. Depois que eu experimentei várias coisas eu tenho até discernimento pra dizer “ah isso aqui é um cara que tem um... que me satisfaz”. Porque eu sei o que eu quero de uma outra pessoa e eu sei o que eu posso, eu sei o que o sexo tem pra me oferecer. (Ana)
Uma outra entrevistada diz:
Antes de entrar nesse meio eu era uma pessoa assim muito pudica, sabe? eu freqüentava a igreja, eu era católica e o sexo para mim tinha pouco tempo, então ainda não tinha me descoberto, eu só me descobri realmente depois que estive com ele. (Daniela)
Para elas, ser desejada por outros homens e mulheres além do marido e
experimentar este desejo concretamente é uma espécie de poder que aumenta a auto-
confiança. É o que pode ser observado nos seguintes depoimentos de duas mulheres:
Antes da coisa do swing eu era muito travada com a minha libido, com a minha sexualidade, com o meu lado mulher. Eu não usaria um salto enorme
63
com um vestido curto e querer chamar a atenção dos homens e me sentir gostosa e tentar seduzir alguém. Hoje isso eu faço. (Ana) Antes de ter um contato com o meio swing eu era uma pessoa muito introvertida, fechada, não conseguia olhar para a cara das pessoas, eu tinha medo de falar com as pessoas, de chegar nas pessoas, e esse meio me fez com que eu chegasse nas pessoas, eu me tornei muito extrovertida, falo muito mais do que eu falava antes. Hoje em dia eu chego, falo, eu brinco. (Daniela)
Para compreender este ponto, é interessante destacar o que Duarte (1999) diz a
respeito de dois dos temas presentes nas figuras contemporâneas da sexualidade: o
fisicalismo e a experiência. Segundo o autor, o fisicalismo seria a consideração da
corporalidade em si como uma dimensão auto-explicativa do humano. A corporalidade
humana seria dotada de sua própria lógica, a ser descoberta, possuindo implicações
imediatas sobre a condição humana. É através da experiência em relação ao mundo
exterior, por intermédio dos sentidos, que serão construídas novas formas de relação
com o mundo. É interessante observar no depoimento das entrevistadas que, através de
um conhecimento e de uma experimentação maior do seu corpo, chegam a uma
“descoberta de si mesmas” que não necessariamente diz respeito ao corpo ou ao prazer
em si, mas a uma forma de se ver e se colocar no mundo (extroversão, confiança, auto-
estima).
Freyre (2006), ao descrever os banhos de rio, banhos quentes ou a prática do
cafuné entre as senhoras de sobrado e suas mucamas, identifica aproximações com atos
lésbicos. Para o autor, os prazeres - inconscientes ou não - de ser despida e vestida,
penteada, de ter o corpo ensaboado, exugado com toalhas finas, se aproximariam de
uma luxúria lésbica. Pensando no meio swinger, dez das onze mulheres que entrevistei
tiveram relações com outras mulheres. Estando acompanhadas de seus maridos, e
muitas vezes incentivadas por eles, a mulher adepta do swing tem a liberdade de
experimentar a prática sexual com pessoas do mesmo sexo. Três delas enfatizaram que
gostam especialmente destas relações.
Esta possibilidade, de sentir prazer sexual com outras mulheres, parece ser uma
descoberta decorrente da prática do swing, já que oito dizem que antes de começarem a
freqüentar o meio nunca tinham tido este tipo de experiência. Para Ana “dá prazer. Se
você está lá deitada, de olho fechado, tem uma pessoa fazendo sexo oral em você, te
64
dando um beijo na boca, independente de ser homem ou mulher aquilo é gostoso, é
prazeroso”.
A maior parte das mulheres que aderem à prática do swing, pelo menos dez das
onze que entrevistei, o fazem incentivadas pelo desejo do marido. A lógica que vigora
no meio não difere muito da patriarcal, onde a exibição de corpos femininos serve a
uma exibição do poder masculino. No entanto, a solução desta equação não parece ser
simplesmente a oposição entre dominação e submissão, senhor e escravo, algoz e
vítima. Como resultado, talvez inesperado, aparece uma mulher que se diz mais dona do
seu corpo e do seu desejo, com mais poder e muito mais prazer.
Antagonismos equlibrados na prática do swing
Por um lado, pode-se enxergar o swing sob uma ótica patriarcal, como um
comportamento herdado de uma cultura essencialmente machista, onde o homem
manda, a mulher obedece, o homem é o sujeito do desejo, a mulher é o objeto. Estes
aspectos estariam mais diretamente presentes na iniciativa masculina para o swing, no
convencimento das mulheres a aderirem à prática e na forma como o corpo feminino
aparece no meio.
Por outro lado, alguns elementos presentes no swing parecem fugir a essa lógica.
Um dos pontos desta lógica patriarcal, ressaltado por Freyre (2006), é a rígida separação
entre mulheres honestas e “mulheres da vida”. Parker (1991) menciona essa questão ao
descrever a cultura sexual no Brasil contemporâneo, diferenciando as mulheres
“comíveis” das mulheres honestas. Os praticantes de swing, ao mencionarem as razões
de adesão à prática, dizem que buscam unir a mulher da casa e a mulher da rua (a
esposa e a prostituta) em uma só mulher.
Outro aspecto que também se aproximaria de um modelo mais moderno de
conjugalidade é a descoberta da mulher como sujeito de seu próprio prazer.
Nesse sentido, a reflexão de Figueira (1985) pode ser útil. O autor aponta que as
transformações vividas com o advento da modernidade parecem não se dar de maneira
imediata e também não aniquilam, de uma hora para outra, antigos valores. Apesar das
mudanças, muitos estereótipos sobre os sexos continuam presentes. Figueira indica que
as pessoas lidam internamente com um modelo tradicional de família e de casamento,
mesmo que estejam vivenciando formas vanguardistas de conjugalidade. Essa
convivência não pressupõe a erradicação da forma tradicional e nem a integração das
65
duas formas, mas a presença, no mesmo indivíduo, de “mapas” contraditórios. Esta
seria talvez uma maneira mais psicologizada de descrever o conceito de antagonismos
em equilíbrio elaborado por Freyre. Tradição e modernidade, valores aparentemente
opostos, parecem se equilibrar na prática do swing e conviver em aparente harmonia.
Dentro deste equilíbrio, é possível identificar outras oposições que coexistem no
ambiente. Uma delas seria a oposição entre monogamia e poligamia, que através de uma
separação entre afetivo e sexual, se equilibrariam no comportamento dos adeptos do
swing. Os casais entrevistados acreditam que são afetivamente monogâmicos, uma vez
que o vínculo amoroso seria apenas com o respectivo cônjuge. No entanto, teriam um
comportamento poligâmico no que diz respeito às práticas sexuais, já que, sob o
consentimento do parceiro, mantêm relações sexuais com outras pessoas sem vínculo
afetivo. Portanto, pode-se pensar que coexiste, nestes casais, uma monogamia afetiva
com uma poligamia sexual.
Uma outra oposição diretamente vinculada a esta última, e uma espécie de
condição para que esta ocorra, seria entre amor e sexo. Esta separação aparece
explicitamente no depoimento dos entrevistados ao descreverem sua entrada para o
mundo do swing. Uma concordância entre os casais é de que no ambiente swinger se faz
sexo, enquanto amor só se faz em casa com o(a) parceiro(a). Segundo um entrevistado
“no swing não tem sentimento. Sentimento de amizade, mas de amor não” (Cláudio).
Aqui, as oposições amor X sexo, mulher da casa X mulher da rua se equilibram, mas o
equilíbrio só é possível por meio da idéia de consentimento. Para os pesquisados, “com
consentimento, tudo é permitido” (André). É como se, ao dar consentimento, um
possível controle é garantido. É o consentimento que parece garantir o tênue equilíbrio
de contrários no swing.
Vale lembrar a reflexão de DaMatta (1985) a respeito da ambigüidade no
triângulo amoroso de “Dona Flor e seus dois maridos”. Para o autor, no mundo
individualista em que vivemos invariavelmente lemos a ambigüidade como algo
terrível, monstruoso, perigoso, como um pecado a ser exorcizado pelas leis. DaMatta,
porém, lembra da face positiva do ambíguo, que permite reunir desejo e lei, descoberta
e rotina, liberdade e controle, sexo e casamento, excesso e restrição. Ambigüidade que
está presente entre os casais pesquisados.
O swing, o “mundo liberal” e a sacanagem
67
Uma matéria da revista Marie Claire31 serve como exemplo da diversidade de
práticas que são realizadas em casas de swing: “sob a etiqueta ´swing´, além da literal
troca de casais, existem práticas diversas: voyeurismo, sexo a três, homossexualidade
feminina e sexo grupal”. Nem todos os casais aderem, na prática, à troca de parceiros.
Existem aqueles que preferem só olhar, outros que trocam carícias, mas só se
relacionam sexualmente com seu parceiro, os que só gostam de serem vistos e ainda
aqueles que realmente são adeptos da troca e de outras práticas.
A própria idéia de praticar swing faria parte do que Parker denomina como
transgressão, ao quebrar as regras e regulamentos dados pela ideologia de gênero e pelo
discurso da sexualidade. No ambiente swing muitas práticas consideradas proibidas são
vistas como positivas, mas a diferença para aquilo que Parker descreve é que essas
práticas excedem o limite imposto pelas quatro paredes do quarto de um casal. As
trasgressões aqui incluem a presença de outras pessoas, expressando-se em práticas
como assistir o parceiro se relacionando sexualmente com outra pessoa, sexo no mesmo
ambiente com outros casais, a própria troca de parceiros, o ménage feminino ou
masculino, o chamado gang-bang32, entre outras.
Voltando à definição de Parker sobre sacanagem, onde a liberdade do mundo
público invade o mundo privado, acredito que no swing haveria um movimento que vai
um pouco além deste. O privado, depois de ter sido invadido pelo mundo público, ou
seja, inserido na lógica da sacanagem, invade novamente um outro mundo que é
relativamente público, é um compartilhar da relação sexual que inclui a presença de
outras pessoas, em geral completamente desconhecidas. Ao mesmo tempo, esta esfera
pública estaria protegida pelo anonimato da prática.
Parker se refere à sacanagem como um mundo do proibido, que é, ao mesmo
tempo, desconhecido e perigoso. Para os praticantes de swing, o aspecto do sigilo e do
risco de ser “descoberto” também torna a prática mais excitante. Como lembra Parker a
respeito da sacanagem, os prazeres encontrados neste mundo tornam-se ainda mais
profundos por conta do perigo que se enfrenta para alcançá-los.
Outro ponto que merece atenção diz respeito a uma idéia que está muito presente
no meio: a de um mundo liberal. Fui percebendo, ao longo da pesquisa, que o swing
estaria englobado por uma espécie de mundo maior que seria este “mundo liberal”. Nem
todos os adeptos do swing fariam parte deste mundo, que inclui práticas sexuais que
31 Marie Claire, novembro de 2002, edição 140. 32 Quando a mulher tem relações sexuais em série com vários homens, um atrás do outro.
68
podem ir muito além da troca de casais propriamente dita. Neste mundo liberal estariam
incluídas a realização de fantasias específicas, como, por exemplo, a da mulher sair
sozinha com outro homem para depois contar para o marido. Expressões como “vida
liberal”, “essência liberal”, “potencial liberal”, “perfil liberal”, “ambiente liberal” são
recorrentes nas entrevistas.
Na verdade o liberal, a idéia que se tem de liberal, são pessoas que tem uma vida sexualmente liberal, pode ser menáge, pode ser swing, pode ser suruba, pode ser de ir lá só para assistir. Se você for pegar na raiz mesmo, swing, é aquela pessoa que faz troca de casais, só que a coisa não é tão simples assim, você pode cair no meio de uma suruba, você pode ir e só ficar olhando e não fazer nada e ser considerado um casal liberal. Entendeu? Para mim um casal liberal é um casal que se permite sexualmente tudo e que não fica encanando do outro estar fazendo alguma coisa. (Ana)
A mesma pesquisada indica que nem todos que praticam swing poderiam ser
considerados parte deste mundo liberal. Ser liberal seria algo temporário para algumas
pessoas, uma fase da vida, enquanto que, para outras, seria algo definitivo, da
personalidade do indivíduo.
Eu acho que eu não tenho uma essência liberal, eu passei por uma fase liberal entre aspas, e agora eu não estou mais. No caso do Andre (ex marido da entrevistada) ele sempre teve uma vida que não foi liberal e aí a gente teve uma vida liberal e ele está continuando, porque? Porque a essência dele é liberal. Eu acho que é importante você saber o que você quer para você. (Ana)
Ser parte de um mundo liberal estaria relacionado à vivência de fantasias
sexuais, a uma experimentação sexual maior, que se aproximaria da dimensão da
transgressão e da experiência erótica no sentido apontado por Parker, por ser algo que se
constitui em oposição ao mundo da convenção. Ser parte deste mundo também pode
estar vinculado a um mercado pornográfico, envolvendo a esfera do consumo.
Freqüentar casas de swing, festas de fetiche, ou contratar serviços de prostituição,
freqüentar a praia em local onde se reúnem casais adeptos do swing, homossexuais e
simpatizantes, seriam alguns exemplos. Fazer uso de produtos de sex-shops, visitar sites
da internet, também estariam inseridos nesta esfera. O sexo não estaria restrito ao
âmbito das quatro paredes, se espalharia por um ambiente mais amplo, porém
controlado pela dimensão do anonimato.
70
Pode-se pensar em uma festa de swing (realizada em geral nestas casas
especializadas) como um momento de carnavalização, onde, segundo DaMatta (1985),
estaria aberta a possibilidade do diálogo entre categorias divergentes que no mundo
diário estão subordinadas pelas hierarquias. Carnavalizar seria, neste sentido, criar um
espaço ambíguo, formar triângulos, relacionar pessoas, categorias e ações sociais que,
normalmente, estariam soterradas sob o peso da moralidade sustentada pelo Estado.
Focalizando a idéia ressaltada pelo autor de se estudar o que está “entre” as
coisas para compreender a sociedade brasileira – uma sociedade relacional – gostaria de
refletir sobre o swing, a prática em si e os locais onde se realiza, como um espaço
simbólico entre a casa e a rua.
A associação imediata ao se pensar sobre a prática do swing, onde está em
evidência o sexo casual com indivíduos anônimos, é relacioná-la ao universo da rua. Em
uma casa de swing, como na rua, reinam os imprevistos, os acidentes e as paixões. A
prática pode ser relacionada a valores modernos onde a lógica é a da individualização,
da impessoalidade, o “cada um por si”. Na rua, como lembra DaMatta (1983), as
relações têm um caráter indelével de escolha. Os casais adeptos do swing, ao aderirem à
prática, adotam apelidos que mantém anônimas suas identidades. Ao entrarem no
mundo perigoso da rua, onde torna-se mais frouxo o controle social, local de luta e
malandragem, procura-se defender a sua identidade da casa, através da adoção de
apelidos que garantem o sigilo e a impessoalidade.
Porém, toda a atmosfera de surpresa e falta de controle que ronda a prática sofre
significativas alterações ao se observar o funcionamento de uma casa de swing. O clima
de movimento, novidade e ação ainda são parte do ambiente, mas uma observação mais
acurada revela tentativas de controle e organização das ameaças características da rua.
A porta de entrada é o primeiro local onde alguma ordem se insinua: em geral só é
permitida a entrada de casais. Para os solteiros, a entrada se restringe a certos dias
específicos da semana. A presença de casais “armados” (homem acompanhado de uma
prostituta) é altamente indesejável e os casais procuram maneiras, seja na roupa ou no
comportamento, de identificar os “armadores” e afastá-los. Um esforço claro de
diferenciação, para que as pessoas não sejam tomadas pelo que não são. A mulher,
mesmo que no mundo do movimento e do mais pleno anonimato da rua, é esposa e não
pode ser confundida com “mulher da vida”. Esta tentativa de diferenciação fica clara no
discurso de Júlia ao falar de uma casa de swing carioca:
71
Eu acho que casal é casal. O 2A2, em Copacabana, tem muito homem com aquelas prostitutas de Copacabana. Por isso que eu também não achei legal. Porque aí foge da proposta da coisa que é você conhecer casais que já estão juntos há muito tempo, entendeu, então eu acho que não é a proposta do lugar. (Júlia)
No grupo que entrevistei e no material de mídia aparecem as regras de
convivência e de respeito à vontade do casal como fundamentais para o bom
funcionamento das festas. Algumas regras adotadas são: a abordagem sutil, saber
receber e entender um “não” ou só se aproximar de alguém na presença de seu(a)
parceiro(a). Nos dias onde a entrada dos solteiros é permitida procura-se explicitar ainda
mais tais regras, em uma tentativa de garantir que o “ninguém conhece ninguém” não se
transforme, como no mundo da rua, no “ninguém é de ninguém” (DaMatta, 1985).
Lembrando a idéia de gradação ou continuum na ordenação dos espaços da casa
e da rua, apontada por DaMatta (1983), é interessante analisar a divisão espacial de uma
casa de swing. Uma matéria da revista Marie-Claire33 descreve da seguinte maneira a
entrada e os ambientes de uma casa de swing:
A arquitetura das casas de swing é semelhante. Logo depois do balcão de recepção, o espaço se abre para uma área social como a de uma boate convencional: mesas para quatro e duas pessoas, bar com balcão, pista de dança, telão de vídeo e palco para shows.
A recepção é como o hall de entrada da casa, passagem do mundo exterior para
o interior. Segue-se a boate, com as mesas ou sofás e o bar, podendo ser comparada à
sala de visitas, local onde as pessoas se encontram e se conhecem, espaço intermediário
entre a casa e a rua. A divisão dos espaços em uma casa de swing parece seguir a lógica
do maior ou menor grau de intimidade permitida, possível ou abolida do universo da
casa descrito por DaMatta.
Para passar aos ambientes mais íntimos, onde as relações sexuais efetivamente
acontecem - o equivalente aos quartos de dormir – é preciso atravessar um corredor ou
subir uma escada, a ponte entre o público e o privado, como mostrei no capítulo 1. No
espaço dos quartos, há ambientes com níveis variados de privacidade, quartos com
tranca na porta, quartos com janelas de treliça ou de vidro e o quarto coletivo, como
observei na minha visita a uma casa de swing. A mesma matéria descreve: 33 “Swing: sexo sem limites”, Marie Claire, novembro de 2005.
72
Do aquecimento à prática sexual, a clientela escolhe em qual canto quer ficar. As cabines, projetadas para exibicionistas e voyeurs, são salas de tamanho médio ocupadas por gente que não se importa em transar sob o olhar alheio. Algumas são envidraçadas, parecendo um aquário enorme. Outras têm janelas com cortinas - o interessado em exibir o que acontece lá dentro pode abri-las, há a opção das cabines privês (as mais sem graça), com sofá para até quatro pessoas.
As janelas dos quartos aparecem neste caso com a função especialmente
ambígua de união do mundo exterior com o interior, entre os que praticam o swing e os
que desejam “ver” o movimento, a comunicação entre o de dentro e o de fora. Sobre
esta oposição básica na sociedade brasileira entre o “ver” e o “fazer”, acredito que o que
acontece no swing se aproxima da complementariedade observada por DaMatta (1983)
tanto na relação entre a casa e a rua - através das janelas e determinados espaços da casa
– quanto no que ocorre no carnaval, onde existem as pessoas que fazem coisas e as que
simplesmente olham.
Algumas relações criadas no mundo swing tornam-se vínculos de amizade.
Muitos passam a freqüentar as casas de pessoas que conheceram em uma casa de swing,
viajam com eles e seus parentes e filhos, fazem programas “caretas” como ir ao cinema
ou sair para jantar. Com a formação de um novo grupo de amigos, que compartilham do
mesmo tipo de prática sexual, algumas vezes as antigas amizades são postas de lado,
passando a ser percebidas como pouco interessantes.
Você quando abre o seu leque e entra nesse mundo você vê que são assim muitas pessoas, centenas de casais, com histórias, com famílias, com tudo, quer dizer, você não se sente tão assim à margem da sociedade. Muito pelo contrário, você cria uma nova sociedade para você e você acaba esquecendo um pouco, os amigos, digamos assim, caretas entre aspas. Você acaba querendo só ficar naquele meio, que é um meio que você tem liberdade de conversar sobre o que você quiser, falar sobre as suas intimidades. (Daniela)
As duas denominações usuais dos espaços onde se realizam as festas de troca de
casais, casa de swing ou clube de swing, são especialmente reveladoras da ambigüidade
dos valores envolvidos. Por um lado, relações de amizade e às vezes até de parentesco34,
ligadas ao corpo e ao sangue que, como lembra DaMatta (1983), devem ocorrer e ser
engendradas pelo espaço da casa. Por outro lado, as relações naquele ambiente também
34 A irmã de uma das entrevistadas também chegou a freqüentar festas de casais.
73
implicam escolha e vontade, como as exemplificadas pelo autor em associações
voluntárias como um clube, sendo parte do mundo público, do domínio da rua. Dessa
forma, de maneira singular, os ambientes onde se pratica o swing parecem articular
aspectos da casa com características da rua.
É o próprio DaMatta (1985) que fornece uma das chaves para se compreender
esta aparente contradição e mistura de valores presentes em uma casa (ou um clube) de
swing. De acordo com o autor, estamos diante de um sistema social que se funda na
relação, no elo, no intermediário que promove a dinâmica social, gerando zonas de
conversação entre posições polares. O valor fundamental deste sistema é misturar,
juntar, confundir, conciliar, descobrir a mediação, ficar no meio, incluir e nunca excluir.
No caso brasileiro, para DaMatta, as mediações dos conflitos engendram uma
prática de gradações e intermediações que permitem o que surge como exótico, pois não
abandonamos o passado e conseguimos abraçar com todas as forças o futuro. Assim, os
casais pesquisados conseguem ser ao mesmo tempo tradicionais e vanguardistas, estar
em casa e estar na rua. É a estranha força dos antagonismos em equilíbrio.
74
Capítulo 4: Gênero, corpos e práticas sexuais
“As pessoas podem ser heterossexuais de muitas maneiras. Assim como os estudos
de gays e lésbicas passaram a ser estudos de homossexualidades, o estudo da
heterossexualidade precisa ser reinterpretado como o estudo de uma
ampla gama de estilos de vida sexual”
John H. Gagnon
Neste capítulo procuro discutir a construção da masculinidade e da feminilidade
a partir da experiência dos casais praticantes de swing.
No caso das mulheres praticantes de swing, a feminilidade não parece estar
diretamente relacionada a uma determinada prática sexual. Elas parecem ter uma
liberdade maior para atravessar certas barreiras sem ter sua identidade de gênero
questionada. O feminino está presente nas roupas, no corpo, mas não especificamente
em uma prática sexual.
Um dos imaginários sobre o swing é o de que nele participam casais modernos e
liberais. Poderia-se acreditar que os homens que aderem a esta prática lidam mais
“naturalmente” ou criativamente com certos impedimentos relacionados à sexualidade
masculina.
No entanto, talvez porque estejam desafiando outras regras relativas à
conjugalidade e à sexualidade presentes em nossa cultura (a fidelidade sexual, a
monogamia), a preocupação destes homens em demarcar sua masculinidade parece
especialmente acentuada. É interessante notar que a estreita relação entre ser homem e a
posição de ativo sexual parece estar significativamente presente entre os praticantes de
swing.
A “atividade” como princípio masculino
Ao longo das entrevistas, durante a observação participante e em conversas
informais com os casais pesquisados, um dos primeiros pontos que observei é que
existem certas regras de conduta em uma casa de swing. Entre estas regras encontra-se:
ser honesto como outro casal a respeito de suas preferências, o respeito pela vontade do
outro casal e ainda “não desejar a mulher (ou o homem) do próximo, quando o próximo
75
não está próximo”. Tais comportamentos parecem fazer parte de uma “etiqueta”
swinger, como enfatizado foi por Ana: “tem muito essa coisa da etiqueta né? Os casais
que freqüentam têm muito essa coisa da etiqueta, de ter cuidado com o outro para não
ser inconveniente”.
Estas regras aparecem de maneira sutil e nenhuma é tão explícita quanto a que se
destaca na fala de André: “atualmente no swing só tem uma regra que meio que todo
mundo respeita que é: não tem homossexualismo masculino”.
Para refletir sobre esta questão, é interessante pensar sobre como a
masculinidade, na sociedade brasileira, se constrói a partir da negação da passividade.
Fry (1982), ao estudar as representações sobre a sexualidade em Belém, indica que é em
torno da distinção entre atividade e passividade que as noções de masculino e feminino
são construídas. O ato de penetrar e de ser penetrado adquire, através dos conceitos de
atividade e passividade, o sentido de dominação e submissão. Assim, “homem” é aquele
que penetra, e mesmo que este papel ativo seja desempenhado em uma relação sexual
com outro homem, não estaria sacrificando a masculinidade. O autor aponta ainda para
uma mudança de sentido no comportamento homossexual no Brasil a partir da década
de 1970, que começa especialmente em alguns setores sociais como as camadas médias
urbanas. Com a figura do “entendido” (ou gay, como surgiu nos Estados Unidos)
representando qualquer homem que se relacione ativa ou passivamente com outro
homem, o mundo masculino deixou de se dividir entre homens másculos e homens
efeminados e passou a ser dividido entre heterossexuais e homossexuais.
Misse (2005) também chama a atenção para as conotações pejorativas e
estigmatizantes que recaem sobre o passivo sexual em nossa cultura. A virilidade estaria
ligada a características como força, proteção, autoridade, independência, todas
refletindo uma postura masculina ativa. No que se refere à sexualidade, o heterossexual
masculino rejeita qualquer atribuição de passividade e se considera ativo em todas as
situações, fugindo do caráter “desacreditado” que recai sobre o sujeito passivo em nossa
sociedade.
Nos casais pesquisados nota-se claramente uma distinção entre homens e
mulheres no que se refere a suas práticas sexuais. Os homens dizem que não apenas não
se relacionam sexualmente com outros homens, como evitam qualquer contato físico
com outros homens que tenha alguma conotação sexual. Em um encontro cujo tema era
“Bissexualismo no swing”, discutiu-se esta questão. Um dos presentes perguntou se
alguma mulher tinha o desejo de ver dois homens se relacionando sexualmente. A
76
reação neste momento foi imediata, todos falando ao mesmo tempo, rindo e fazendo
brincadeiras, dizendo que isto seria “viadagem” e que não eram “gays”. Após esta
explosão inicial, iniciou-se uma discussão onde enfatizavam que no swing não existe o
bissexualismo masculino, mas que não podiam ser preconceituosos com quem
apresentasse este desejo. Um dos homens presentes afirmou:
Não que eu goste de bi ou que eu faça o bi, eu não sinto vontade, eu não sinto prazer com homem, mas acho que não pode existir o preconceito contra aqueles que sentem e que querem. Ninguém é obrigado a fazer nada, mas não pode discriminar.
Percebe-se que os homens pesquisados mantêm uma certa postura que pode ser
pensada como “politicamente correta” de respeito ao desejo “homossexual”, mas que é
sempre do outro, nunca dele próprio. Alguns lembraram situações em que o homem do
outro casal tomou alguma iniciativa para um contato físico, mas sempre enfatizando que
imediatamente recusaram. A fala de André neste mesmo encontro mostra uma posição
freqüente no meio:
Não podemos ter preconceito, estamos em cima de um telhado de vidro que nos separa da sociedade, temos que entender as opções, respeitar. É muita hipocrisia se eu, que sou swingueiro, discriminar um cara que é gay, eu tenho que entender, tenho a obrigação de respeitar. (André)
Entretanto, nas entrevistas, ressalta-se constantemente a negação do
“homossexualismo masculino” e admite-se que haveria certo preconceito em relação ao
tema no meio swinger. Cláudio disse: “os homens que fazem swing não aceitam isso”.
Kulick (1998), ao escrever sobre as travestis de Salvador, ajuda a pensar sobre
esta questão da atividade e passividade, e como, no Brasil, ser masculino está
diretamente relacionado a uma postura sexualmente ativa. Para o autor, o status
masculino de um homem depende especialmente do que ele faz na cama. Um homem é
aquele que assume sempre o papel do “penetrador”. Entre as travestis que pesquisou,
um namorado só era considerado realmente homem se não apresentasse nenhum
interesse pelo pênis da namorada travesti, desempenhando sempre a posição de ativo.
Kulick ressalta que a masculinidade é o resultado de interesses e atos específicos, um
homem classificado como homem não pode se interessar pelo pênis de outro homem.
77
Entre os meus pesquisados, um único homem, o mais jovem que entrevistei,
apresentou postura diversa dos outros e ao longo da conversa admitiu seu desejo por
outros homens. Porém, disse viver este desejo de forma escondida, já que no meio
swinger sua vontade não seria aceita:
Aqui no swing tem a regra geral, as mulheres são bi e os homens são hetero, exclusivamente, e eu não concordo com isso. Aí é posição minha, mas é uma coisa que eu não posso mudar porque os caras são muito machistas, extremamente machistas, entendeu? ninguém aqui sabe da minha opção: eu tenho vontade também de transar com homens. (Bernardo)
É interessante observar que o mesmo pesquisado se refere apenas ao órgão
sexual masculino, o estímulo para ele seria o “falo”, como se o órgão tivesse uma
existência própria, separada do resto do corpo.
Já tive transas com homens na minha adolescência, três vezes, e fora aquela iniciação que todo garoto começa, aprende a se masturbar com outro garoto. Então tive um tempo de crise, pô será que eu sou gay, será que eu sou gay, eu sou capaz de falar que não quero, mas eu quero... aí eu resolvi e hoje eu tenho vontade de transar com homens. Mas é uma coisa engraçada porque eu não tenho tesão pela figura masculina, a figura masculina não me atrai, só o falo. Uma coisa... você deve saber disso, deve ter algum estudo, se não tem vai ter, mas não sei, é só o falo. Agora aqui dentro isso não rola. Nem mesmo tocar no assunto, o pessoal tem muito preconceito. (Bernardo)
O preconceito existente no meio contra a demonstração do desejo masculino por
pessoas do mesmo sexo, parece ser o que demarca a masculinidade. De acordo com
Kulick, o status de homem não é algo dado na nossa cultura, mas deve ser produzido
através de desejos apropriados que se manifestam por práticas apropriadas. Para o autor,
é na cama que o gênero é verdadeiramente estabelecido. Parker (1991) diz que a ameaça
da penetração anal, seja simbólica ou real, define as estruturas latentes dos
relacionamentos masculinos em nossa cultura, e a defesa contra os ataques fálicos de
outros homens se torna uma constante preocupação durante as interações comuns da
vida cotidiana.
Podemos pensar que os homens que praticam swing estariam de certa forma
desafiando uma das grandes ameaças à masculinidade: o papel de corno. Como lembra
Parker (1991), a traição feminina na cultura brasileira, ao mesmo tempo fere e
transforma o homem. O autor enfatiza que esta traição constitui uma investida violenta,
78
um ataque frontal à identidade masculina do homem, e quando levada a cabo com
sucesso poderia reduzi-lo ao equivalente moral do “viado”. Dessa forma, ao serem tão
enfáticos em sua postura contrária à prática de relações com outros homens, os
praticantes de swing talvez estejam tentando reafirmar sua posição de homens, uma vez
que só apresentariam um comportamento de risco em relação à possibilidade de serem
acusados de “cornos”.
Para entender a posição dos entrevistados é interessante lembrar da discussão de
Fry e MacRae (1985) a respeito do surgimento de uma identidade gay. No novo modelo
de classificação das identidades sexuais, baseado em relações igualitárias, postula-se a
aceitação de relações afetivo-sexuais entre indivíduos semelhantes. Ao invés de dividir
o mundo entre masculino e feminino, entre ativo e passivo, a divisão passa a ser entre
hetero e homossexuais. O que os autores indicam é que o movimento homossexual, ao
defender a adoção de uma identidade gay, acaba por defender a adoção de uma
identidade também imposta de fora com suas regras pré-estabelecidas, sendo a principal
delas a que restringe a possibilidade de relações de homens com outros homens. E vice
versa, acrescentaria, uma vez que para os pesquisados, a manutenção de uma identidade
heterossexual implica a “obrigatoriedade” de relações sexuais apenas com indivíduos do
sexo oposto, caso contrário, correm o risco de ter sua masculinidade questionada sob
acusações de “gay” ou “viado”.
O medo de ser acusado de “gay” ou de ter sua posição sexual questionada está
muito presente no meio swing. Os anúncios da internet que incluem fotografias quase
sempre retratam as mulheres, em posições diversas e algumas vezes se relacionando
com mulheres, mas raramente os homens. Quando há uma fotografia masculina, em
geral é um ‘close’ do pênis ou uma fotografia com a parceira. Um argumento
apresentado pelos entrevistados para o fato de quase não existirem fotografias de
homens nos anúncios está relacionado ao receio de atraírem outros homens. Este receio
está bem exemplificado na fala de Diogo: “às vezes a gente fica com aquela
preocupação né, se eu botar muita foto minha o cara vai pensar que eu sou gay...”.
Cláudio disse: “o homem também vai atrair gay, vai atrair um monte de coisa”.
Fry (1982) aponta que a própria figura do bissexual, que supostamente resolveria
o problema da rigidez, é mal vista tanto por hetero quanto por homossexuais, que o
entendem como alguém que é “de fato” um “homossexual” sem a “coragem” de
“assumir-se”. A figura do bissexual permaneceria, portanto, como “marginal”. No
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swing esta marginalidade do “bi” é interessante para se pensar as práticas sexuais
masculinas.
Um dos meus informantes disse que a prática do “bi masculino” acontece “por
baixo dos panos”. A existência desta prática aparece no discurso dos entrevistados sob a
forma de acusação ou “fofoca”.
Ele é um cara bissexual, que não é assumido. Mas eu conheço gente que viu ele numa suruba chupando o pau de um cara, escondido. E o cara viu e me contou. Mas, ele não assume. Nesse meio o cara chega e fala, vi fulano e tal... mas oficialmente não é. (André)
Neste ponto cabe lembrar a “máxima” citada por Fry e MacRae (1985) ao
refletirem sobre as práticas sexuais entre o travesti e seu cliente: “na prática, a teoria é
outra”. A respeito de regras, os autores enfatizam que quebrar uma regra é
fundamentalmente reconhecê-la, pois é a exceção que comprova a regra. No swing, a
existência de práticas bissexuais aparece no depoimento dos entrevistados sobre a forma
de acusação, como exceção, e o sujeito destas práticas é sempre “outra pessoa” que
transgride a regra geral, amplamente citada e reconhecida por todos: “não tem
homossexualismo masculino”.
Práticas sexuais e a “questão” do gênero
Diferentemente dos homens, dez das onze mulheres entrevistadas já tinham se
relacionado com mulheres no swing e pelo menos cinco se dizem “bissexuais”. Nas
palavras de Ana: “bi feminino eu diria para você que quase 90% da população swinger
faz bissexualismo feminino. É permitido e não está ligado à homossexualidade”.
É interessante notar como praticar o bissexualismo no swing não é algo que
questione o “ser feminino” da mulher. Ao contrário dos homens, a feminilidade não está
sendo posta à prova. A mulher parece ter maior liberdade para ultrapassar certas
barreiras sexuais. A construção ou negação da feminilidade não passa pela prática
sexual. Talvez o fato de estar ali acompanhada de seu marido ou namorado já seja
suficiente para garantir sua posição de mulher.
Ao longo do trabalho de campo ouvi muitas vezes que a grande fantasia sexual
de todo homem é “transar” com duas mulheres. Mais do que uma possibilidade, as
mulheres são estimuladas pelos maridos a experimentarem o “bi” feminino. Este ponto
80
fica claro na fala de Ana: “acho que incentivado... Porque assim, primeiro tem essa
fantasia de todo homem, né? A maioria dos homens tem essa fantasia dele e mais duas
mulheres. A mulher eu acho que ela tem isso muito mais elaborado na cabeça dela”.
Muitas vezes a mulher, quando experimenta a relação com outra mulher no
swing, tem como referência o desejo do marido. O prazer estaria relacionado com a
presença e o olhar do homem. O depoimento de duas entrevistadas ajuda a pensar sobre
essa questão:
A mulher quando é bi ela não é sapatão, ela troca carinho, beijo, ou troca carícias, porque até mesmo o meu marido gosta, a maioria das mulheres que trocam carícias com certeza é porque o marido também gosta de ver. (Gabriela) Se eu sei que ele vai sentir prazer, isso me instiga, entendeu, então quando ele, conversando comigo, disse que adorava ver uma mulher com outra mulher aí eu comecei a abrir mais a cabeça, começou a me dar vontade de querer fazer para ver como é que é. (Fernanda)
Outra pesquisada indica que relações com outras mulheres no swing seria algo
que complementaria a sua relação sexual com seu marido:
Eu gosto do bi, mas é aquela coisa, não que necessariamente tenha que rolar o bi, que eu tenha que ficar com alguma outra garota, se tiver que rolar vai ser bem aceito, mas não necessariamente tem que ser aquilo, porque na verdade eu gosto que role o bi, mas eu gosto que nos finalmentes eu venha a ter relações com ele. Porque o bi para mim é um complemento. (Emília)
A descoberta desse lado da sexualidade nem sempre acontece no swing – quatro
entrevistadas disseram que antes de experimentarem a troca de casais já tinham se
relacionado sexualmente com mulheres. Uma das entrevistadas, que se diz “bi ativa”, só
se relaciona sexualmente no swing com mulheres e relata da seguinte maneira as suas
preferências:
Eu gosto da pessoa quando é uma pessoa, uma mulher quente. Tipo bem putona mesmo, que fale o que sente, o que quer, que tá gostando, que peça que faça assim ou assado, mete assim, bota assado, bate, puxa, eu gosto assim. (Heloísa)
81
Outra entrevistada, que no swing tem relações sexuais com homens e com
mulheres, dá o seguinte depoimento sobre o seu desejo por mulheres:
Se eu gosto de mulher? adoro. Se um dia nós viermos a nos separar e eu vier a ter uma relação com um homem que não pense assim como ele, para mim ia ser muito difícil, ter uma relação que eu não pudesse realizar as minhas fantasias. Porque mesmo já tendo realizado, continua sendo uma fantasia. Eu não me imagino mais não podendo transar com uma mulher. (Daniela)
Ativa ou passivamente, por vontade própria ou por um incentivo inicial do
marido, a mulher tem a possibilidade de experimentar uma relação com outra mulher,
sem sofrer acusações no meio. Na entrevista com um dos casais, travou-se o seguinte
diálogo:
Ana: a maioria das mulheres que fazem swing tem contato entre si. Pode ser com sexo oral, pode ser beijando na boca, pode ser só fazendo uma carícia, pode ser qualquer coisa. Mas assim, a maioria, não vou falar pelos outros, mas a maioria que eu conheço não anda na rua e olha para uma mulher e imagina... André: não, não é sapatão. Ana: é uma coisa que... a tua sexualidade não está ligada na mulher, acontece de na hora dar tesão, rola normalmente, assim, não tem um preconceito. E a maioria gosta. É o que eu estou te falando, se você perguntar é bom? É. Mas a minha sexualidade não é homossexual. Não sei se dá para entender, é tudo meio complicado...
Fry (1982), ao discutir a construção social das identidades sexuais e afetivas,
utiliza-se de um modelo que se baseia em quatro componentes básicos: 1) sexo
fisiológico – refere-se aos atributos físicos através dos quais se distinguem machos e
fêmeas; 2) papel de gênero - definido culturalmente, diz respeito ao comportamento,
traços de personalidade e expectativas sociais associadas ao papel masculino ou
feminino; 3) comportamento sexual – é o comportamento sexual esperado de uma
determinada identidade; 4) orientação sexual – refere-se ao sexo fisiológico do objeto de
desejo sexual. No caso dos praticantes de swing tal modelo mostra-se útil para perceber
as diferenças entre as práticas sexuais masculina e feminina aceitas e encontradas no
meio e o maior leque de possibilidades para a mulher.
82
Identidade Homem Mulher Mulher bi Mulher bi
1. sexo fisiológico Macho Fêmea Fêmea Fêmea
2. papel de gênero Masculino Feminina Feminina Feminina
3. comportamento
sexual
Ativo Passiva Passiva Ativa
4. orientação sexual Heterossexual Heterossexual Heterossexual/
homossexual
Heterossexual/
homossexual
Entre os homens, o comportamento sexual e a orientação sexual encontrados são
exclusivamente ativo e heterossexual. Já entre as mulheres encontra-se uma variedade
de práticas sexuais que, de acordo com os depoimentos das entrevistadas, não afetam
seu papel feminino. Em uma casa de swing as mulheres podem ser tanto passivas e
heterossexuais quanto passivas com homens e com mulheres. Uma terceira
possibilidade para o caso feminino são as mulheres que podem ser passivas ao se
relacionarem com homens, mas passivas ou ativas em suas relações sexuais com
mulheres. A atividade e passividade das mulheres nas relações sexuais com mulheres se
refere basicamente ao sexo oral. A mulher “bi ativa” é aquela que gosta de fazer sexo
oral em mulheres e a “bi passiva” é aquela que gosta apenas de receber.
É possível, portanto, encontrar três tipos de mulheres em uma casa de swing,
tendo como referência as práticas sexuais com pessoas do mesmo sexo: as que não se
relacionam com mulheres (entre as minhas entrevistadas, apenas uma disse não se
relacionar com mulheres), as que só se relacionam com mulheres de forma passiva (seis
das onze mulheres que entrevistei) e as que se relacionam com mulheres de forma ativa
ou passiva (quatro das mulheres entrevistadas). O diálogo de um casal é ilustrativo:
André: ela, por exemplo, não sente tesão ativamente por outra mulher. Ana: mas na situação, quando rola... André: ela se deixa... Ana: é até bom. Por exemplo, quando você está ali e beija uma mulher, é bom? É. A mesma coisa que um homem.
Neste sentido, a prática sexual das mulheres no swing poderia ser considerada
mais próxima da proposição do relatório Kinsey, analisado por Gagnon (2006), ao
compreender a sexualidade não como uma divisão entre dois grupos distintos e polares,
83
heterossexuais e homossexuais, mas como contínua e flexível, onde os indivíduos
poderiam mover-se de um lugar para o outro neste continuum.
Entre as mulheres, portanto, diferentemente do que ocorre no caso masculino, a
prática bissexual é vista com uma certa naturalidade e parte tanto do incentivo de seus
parceiros, quanto da iniciativa delas próprias. Praticar o bissexualismo no swing não
“contamina” a identidade de gênero feminina. Apesar de se relacionarem sexualmente
com outras mulheres, não adotam uma identidade homossexual. Como afirma Fry
(1982), a discriminação dos machos em duas categorias estanques, heterossexuais e
homossexuais, que, segundo o autor, é de certa maneira reforçada pelo movimento
homossexual, aparece reproduzida no meio swing, o que não ocorre no caso das
mulheres. Seu comportamento sexual não se enquadra nos termos de uma oposição
binária hetero X homo e acaba, de certa forma, ultrapassando o dualismo.
Essa dupla moral em relação à prática bissexual no meio swing – a feminina é
aceita e a masculina é recusada – também pode ser observada no texto dos anúncios
publicados pelos casais em sites de casas de swing. Apresento a seguir dois anúncios
onde essa posição fica bastante clara. Nos dois anúncios havia fotografias de duas
mulheres sugerindo a prática do “bi feminino”.
Somos um casal jovem, bonito e cheios de desejos e fantasias. Gostamos da transa no mesmo ambiente, bi feminino e se houver afinidades algo mais. Definitivamente não para homens desacompanhados, SM, HM e todo e qualquer tipo de aberração. Odiamos as trocas de e-mails intermináveis e casais indecisos que só nos fazem perder tempo. E-mails com fotos e telefone é indispensável.
Um grande abraço a todos!!!35
Somos um casal de bem com a vida, nos amamos muito e desejamos conhecer casais que curtam fazer amizades, sem envolvimento financeiro. Não topamos SM, drogas, HM e homens sós (por favor não insistam). Somos fumantes e bebemos socialmente. O bi feminino será sempre bem vindo!! A troca de casais pode acontecer se houver afinidades. Só serão respondidos e-mails com fotos.
Mil beijos!!!!!!!
Durante as entrevistas e nas conversas dos encontros (principalmente no
encontro “O bissexualismo no swing”), ouvi o argumento, de homens e mulheres, que a
justificativa para não acontecer o “bi masculino” é visual, seria mais “grosseiro” e 35 HM: “Homossexualismo Masculino”. SM: “Sado-Masoquismo”.
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visualmente estranho dois homens se relacionando sexualmente. Mas o depoimento de
uma entrevistada, ao falar de suas fantasias, contradiz essa idéia:
A minha maior fantasia, que eu sei que por enquanto ele não vai realizar, era vê-lo fazendo sexo com outro homem né (risos), coisa que eu sei que ele não
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fazer nada. Aí quando existe uma roupa muito ousada, você já sabe que a pessoa está ali porque quer fazer. Quando existe uma roupa assim uma saia, uma coisa mais light, você sabe que a pessoa está lá, mas quer manter a postura, então de repente pode rolar, mas é uma coisa que ela quer mais discrição, ela vai ficar num canto... Você começa a interpretar a personalidade de cada um na roupa que cada um expõe ali naquele dia. (Ivan)
Segundo os entrevistados, a mulher que está de calça em um ambiente como este
procura alguma forma de proteção. Como era um assunto recorrente nas entrevistas e
nos encontros, passei a notar que uma estratégia, no início inconsciente, que usei era
estar sempre de calça. Os próprios pesquisados percebiam este costume e chegaram a
comentá-lo comigo.
Na fala de um entrevistado aparece o fascínio que certo tipo de roupa exerce
sobre os praticantes de swing: “só a roupa que ela botou para vir pra cá, só o fato dela
estar preparada para vir pra cá, botando uma sainha ou esse vestido que ela está hoje,
que eu adoro, isso já é excitante para mim” (Felipe). Outra entrevistada disse: “a gente
vai a casas de casais eu gosto de estar arrumadinha, uma roupa mais sexy, uma saia
curtinha, um salto bonito, uma calcinha nova” (Heloísa).
Quando se trata dos homens, a mesma preocupação e cuidado com a aparência
não parece estar presente. A maioria veste os mesmos trajes que usaria em um outro
evento social qualquer: calça e camisa, no máximo social. Um entrevistado disse: “o
homem não, o homem é básico. Calça e camisa, calça e camisa, calça e camisa, às
vezes muda sapato ou tênis, calça e camisa, não tem como, não tem, é característica,
né?” (Ivan).
Existe uma prescrição de que à mulher cabe uma preocupação maior com a
aparência, com o físico, enquanto o homem precisa se restringir ao básico, não se
preocupando com roupas (ou ao menos demonstrando despreocupação). Pensando os
casais com as idéias de Butler (2003), poderia-se dizer que estão mantendo, pelo menos
no que diz respeito à aparência física e ao comportamento, uma identidade de gênero
“inteligível”, onde há uma coerência e uma continuidade com as normas de
inteligibilidade socialmente instituídas e mantidas.
Corpos despidos
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O que contribui para um casal ser mais “desejável” do que outro? Quando se
trata de escolher os parceiros para a realização da troca, percebe-se que alguns critérios
entram em jogo e um certo tipo de casal parece ter alguma vantagem. No discurso dos
entrevistados pode-se notar que, na hora da escolha, determinados fatores também estão
envolvidos.
Tem casais que só querem estar com outros casais do tipo perfeitinhos, bonitinhos de corpos, rostinhos bonitos. Se tem uma certa idade, casais acima de 40, não curtem sair, acha que não vai ser legal, prefere pessoas da mesma idade, saradão, malhadão, bundinha empinada, peitinho bonitinho. (Heloísa)
Apesar de afirmarem que na hora da seleção contam atributos como a “cabeça” e
a “conversa”, características como a beleza e a juventude parecem colaborar para um
casal ser mais disputado no meio. Nas palavras de Henrique: “todo mundo diz que
beleza não põe mesa, eu digo que beleza não põe mesa, mas convida para sentar. Você
vai lá para ver qual é, de repente não é, de repente não pinta”. Outra entrevistada disse
que o assédio acontece “principalmente se for um casal jovem” (Gabriela).
No swing, o corpo parece ter um valor semelhante ao do sistema de referência
erótico descrito por Parker (1991): como um objeto de desejo e fonte de prazer.
Observa-se uma valorização explícita do potencial erótico dos corpos, caracterizado em
termos de sua beleza e sensualidade. Essa lógica acaba gerando uma divisão dentro do
swing, entre aqueles que são desejáveis e os que não são. Os primeiros teriam uma
possibilidade maior de escolha dos parceiros sexuais, enquanto os últimos acabariam se
relacionando entre si. Diretamente vinculados a esse ideal de sedução estariam a beleza,
a magreza e a juventude. Uma entrevistada descreve da seguinte maneira a forma como
funcionam as escolhas eróticas no swing:
As pessoas se juntam por tribo. Tem cara que você vê que escolhe. Só que também tem aqueles grupos, por exemplo tinha uma menina lá que ela tinha 25 anos, mas assim, uma pessoa que não se cuidava, não tinha o corpo bonito, não era bonita, então acaba que ela se envolvia com pessoas mais ou menos parecidas, porque um cara que é todo gostoso, a maioria das vezes quer uma mulher gostosa. Uma mulher que se cuida, eu sou uma pessoa que eu me cuido, eu vou à academia, faço dieta, eu faço um monte de coisas, então eu também não quero chegar lá e ficar com um cara que eu olhe e fale ‘pô nada a ver’, eu acho que eu posso conseguir uma coisa melhor. Até porque eu não estou indo lá para arrumar um namorado. (Ana)
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Dois atributos que parecem contar negativamente na hora da conquista são o
peso e a idade. Pelas entrevistas pode-se notar que um casal mais velho, acima de uma
certa faixa etária, teria mais dificuldade para se relacionar sexualmente com outros
casais. De acordo com um entrevistado:
Às vezes tem um casal que a gente olha assim, sabe? São mais velhos e tal, não é questão de preconceito, nada, é questão... como é uma coisa de tesão, de prazer, nós não estamos discriminando, o casal chega aqui a gente conversa, conversa indiscriminadamente com os novos, com os velhos, com os feios e com os bonitos. Mas para fazer sexo, entendeu, essa coisa de você... aí não é por discriminação, é questão de tesão. Então às vezes tem um pessoal coroa e tal, acho que a gente vai ficar coroa um dia, a gente pensa pô, mais aí vamos procurar um clube de coroa. (risos) A gente, por exemplo, não se atrai por pessoas mais velhas, a gente tem essa coisa, entendeu, não se atrai. Não é uma regra que existe entre a gente, pode até acontecer dela transar com um cara mais velho ou eu transar com uma mulher mais velha, mas de antemão não é a nossa preferência. (Emanuel)
Uma entrevistada disse que para um casal mais velho seria mais difícil
relacionar-se com casais mais jovens: “Ou vai ter alguma coisa com um casal da
mesma idade ou um pouco mais, se for para ter alguma coisa com um casal mais novo,
com certeza não vai rolar” (Heloísa).
Um casal onde o homem é mais velho do que a mulher, às vezes 15 anos mais
velho, e a mulher é jovem, em torno de 30 anos, por exemplo, teria mais chances de se
relacionar sexualmente com outros casais do que um casal onde tanto o homem quanto a
mulher têm mais de 45 anos. O que contaria negativamente para o casal na hora da troca
não parece ser tanto a idade do homem, mas sim da mulher.
No swing, as mulheres parecem estar mais preocupadas com sua forma física do
que os homens. Segundo um entrevistado: “eu não sei porque nesse meio tem muito
casal em que a mulher é muito bonita e o cara não é lá essas coisas, muito gordo,
obeso, sei lá” (Diogo). Outra entrevistada disse:
Não é nem aquele cara assim maravilhoso, mas é lógico que eu não quero assim transar com um cara, ninguém se imagina transando com um cara gordo, esquisito, não sei o quê, mas atributos físicos, um cara assim mais proporcional, sem barriga. Eu acho que a maioria, 99% das mulheres são mais exigentes do que os homens nessa coisa. (Emília)
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Esses dois atributos, o peso e a idade, também contam negativamente nas
relações entre mulheres. Para uma entrevistada: “é difícil eu me relacionar com
mulheres, porque nos locais que a gente vai geralmente são mais velhas ou são gordas.
Geralmente eu me atraio por jovens e que sejam bonitinhas também” (Fernanda). No
discurso dos entrevistados observa-se um tipo específico de corpo mais desejável do
que outros, pessoas gordas e com uma idade mais avançada seriam menos atraentes
sexualmente.
O corpo mais valorizado no swing, como objeto de desejo e fonte de prazer, se
aproxima do corpo distintivo descrito por Goldenberg & Ramos (2002). Segundo os
autores, os indivíduos que possuem corpos “em forma”, trabalhados, sarados, malhados,
teriam a sensação de pertencimento a um grupo de “valor superior”. No swing esta
identificação e distinção aparecem explícitamente na escolha de parceiros para se
relacionar sexualmente.
Se você está ali pela sacanagem, pela coisa do sexo, pela coisa da carne, você vai querer um cara... é que nem boate, você está numa boate, você vai olhar para aquele feio? Aí passa um deus grego na sua frente e olha pra você, você vai querer o quê? O deus grego. A mesma coisa no swing, eu também vim aqui só para me divertir, só para me dar bem, entendeu? Não estou falando que você só olha para os bonitos, mas você olha para as pessoas que fisicamente te dizem alguma coisa. Chega numa festa você vai olhar para quem te interessa, “ah não, tadinho, vou lá dar pro feio”, o feio que vá comer outra feia, o feio que vá ficar com quem ele quiser. Não vou dizer que eu nunca fiquei com homens que depois eu falei ‘putz, nada a ver’, mas eu acho que eu era bastante seletiva. (Ana)
Menos preocupados com a beleza e a forma física que parece permear o
universo feminino nestes ambientes, os homens parecem se preocupar muito mais com a
sua performance sexual. O medo masculino é o de falhar na hora “H”. Nos encontros,
esta questão foi bastante discutida e chegou a se dizer que só os mentirosos nunca
“broxaram”. No swing, esta preocupação ficaria ainda mais evidenciada nos homens
que estão indo pela primeira vez, porque, segundo eles, o nervosismo e a adrenalina são
os principais inimigos de uma boa ereção.
Um entrevistado relata uma de suas primeiras idas a uma casa de swing da
seguinte maneira:
Eu tinha aquela expectativa bem machista mesmo, achava que ia chegar, ia ser uma suruba geral, todo mundo comendo todo mundo, eu ia cair,
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mergulhar e ia ser uma farra geral. Na verdade não foi isso, eu me descobri um macho totalmente diferente do que eu achava que eu era. Até pela minha idade nova eu não estava habituado a certas fisiologias do meu próprio corpo, entendeu? então eu achava que ia chegar aqui e ia ser super desinibido e na verdade não fui. Então no primeiro swing foi muito bom porque eu estava só com ela, no segundo que eu já entrei “uhh, vamos lá”. Não rolou, não rolou porque eu não consegui ficar ereto, não consegui ficar excitado, quer dizer, excitado eu tava, mas eu não tava ereto, não tava... cheguei à conclusão de que quando a oferta é muita a gente não sabe para onde atirar, eu acho que é problema de focalização. (Bernardo)
Cecla (2004) ajuda a pensar sobre o discurso do entrevistado ao descobrir que
seu pênis não é “infalível”. O autor argumenta que o homem trata o seu pênis como se
fosse uma máquina, e faz parte da crise do macho descobrir que o órgão não é um
princípio autônomo, mas pertence ao seu próprio corpo. DaMatta (1997), em sua
reflexão sobre a construção da masculinidade no Brasil, revela que uma das fantasias
mais aterrorizantes para os homens é o risco da falha ou da impotência sexual. Isso
porque, segundo o autor, o pênis representa o órgão central e explícito do masculino, o
traço distintivo da condição de “homem”. O medo de “virar broxa” traria à tona a
“problemática masculina”.
O que se observa é que ser homem parece sempre passar pela necessidade de se
provar que é homem. E a prova é demonstrar que não é homossexual e não é passivo
(Badinter, 1995). Preocupar-se demais com a forma física e a aparência em uma casa de
swing significaria correr o risco de ser acusado de “feminino”. A possibilidade de falhar
na hora “H” é motivo de preocupação porque colocaria em jogo a qualidade de
“macho”. Este, entretanto, é um aspecto que se questiona no swing, mesmo que entre
piadas e ironias, talvez por não ser um problema tão incomum assim.
Sobre esse assunto, relata-se no blog de um casal36:
Quem nunca falhou? Ou melhor, qual o homem que nunca se preocupou com o desempenho quando está com uma mulher pela primeira vez? Falando sério? Por mais que a gente seja seguro, que o bicho funcione como um relógio, que a testosterona ande a mil, sempre há o fantasma de, na hora H, nosso amigo de fé, irmão camarada não se apresentar para o serviço. É bem provável que esta sacanagem aí já tenha acontecido com muita gente boa neste blog. Bom, se quando a gente está apenas com mais uma pessoa na cama e acontece isso já é ruim, imagine quando tem quatro ou seis ou oito? A broxada no swing muitas vezes é difícil de administrar. Geralmente os casais mais esclarecidos tratam o assunto melhor e sabem que isso se resolve sempre no segundo encontro.
36 www.fantasiasdecasados.com.br
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Para além da preocupação com o desempenho sexual, outro ponto que parece ser
um problema, tanto para homens, quanto para mulheres praticantes de swing, é o
tamanho do pênis. Barasch (1997) aponta que a crença de “quanto maior, melhor” ainda
atormenta muitos homens. Para a autora, é possível que, na fantasia de algumas
mulheres, o tamanho do pênis gere excitação. Seguindo esta lógica, pode-se supor que
os homens que possuíssem um órgão sexual mais “avantajado” seriam mais procurados
no meio swing. Entretanto, o que pude perceber nos encontros é justamente o contrário.
As mulheres parecem não gostar quando o pênis do homem é muito grande e algumas
disseram que colocam limites para o tamanho na hora de se relacionar sexualmente.
Este aspecto também foi observado por Goldenberg (2004) em artigo onde analisa os
usos do corpo pela juventude carioca. A autora destaca que possuir o pênis grande
aparece como defeito para duas pesquisadas, o que parece contrariar as expectativas
masculinas sobre o tema. No entanto, os homens parecem ter medo da competição,
como relata o jornal O Dia37: “As dimensões anatômicas são um dos maiores problemas
dos swingueiros, que falam abertamente das aventuras coletivas na mesa. "Tem cara
com quem não deixo minha mulher transar, não", brinca o engenheiro Eduardo, 42
anos”.
Fry e MacRae (1985) ressaltam uma diferença intrínseca nas sexualidades
masculinas e femininas, tanto homo quanto heterossexuais, ao indicarem que as
mulheres dariam menos ênfase à genitalidade do que os homens. O que se pode
observar no swing é que a sexualidade da mulher aparece distribuída pelo corpo como
um todo, por todas as partes que são exibidas em fotografias ou que se insinuam nas
roupas justas e sensuais. A dos homens parece focalizada em uma parte específica, o
pênis, mas não um pênis qualquer, e sim um que apresente um bom funcionamento, que
seja “operante”. As próprias categorias classificatórias em oposição (“broxa” X
“ereto”), utilizadas para se referir à performance sexual masculina, mostram o tipo de
sexualidade que está sendo valorizada.
O corno e a puta
37 O Dia, 24 de agosto de 2003.
91
Gostaria de refletir sobre dois “personagens” que constituem o universo sexual e
de gênero brasileiros, a puta e o corno, e que parecem rondar de maneira particular o
meio swinger.
Parker (1991) destaca que no Brasil, homem e mulher se definem não somente
um em relação ao outro, mas também com referência a uma série de figuras adicionais
que incorporam uma complexa ordem de possibilidades, positivas ou negativas, de
machos e fêmeas. Para o autor, a representação do homem é construída não apenas em
oposição à mulher, mas também em sua relação com figuras como o machão, o corno, a
bicha ou viado. Da mesma forma, a mulher precisaria ser compreendida não apenas em
oposição ao homem, mas através de figuras como a virgem, a piranha ou a sapatão.
Parker entende que a figura do homem brasileiro incorpora valores
tradicionalmente relacionados ao papel de macho, entre eles força e poder, virilidade e
potência sexual. O homem, como machão ou pai, deve ser compreendido em contraste
com as figuras do viado e do corno. Na concepção do autor, o viado e o corno
representariam tudo aquilo que o verdadeiro homem não pode ser.
Para Parker, a traição por parte da mulher fere e ao mesmo tempo transforma o
homem, constituindo um ataque frontal à sua identidade masculina. A possibilidade de
que a própria mulher possa traí-lo a qualquer hora seria um dos fantasmas do homem
brasileiro e, neste sentido, ela representa uma ameaça, um perigo constante.
É interessante notar como a figura do corno entre os praticantes de swing
apresenta uma imagem ambígua que envolve prazer e perigo. Por um lado, a prática do
swing aparece para os homens como uma tentativa de controlar essa eterna ameaça
feminina, a de ser traído a qualquer momento. No discurso de um entrevistado a traição
por parte da mulher aparece não como mera uma possibilidade, mas como uma verdade
incontestável.
Tem um outro ingrediente. O medo de ser corno oficial, corno sem saber é grande e leva alguns homens a fazer a mulher, assim, desfrutar de... todo mundo sabe que um dia a mulher vai trair. Essa é a máxima. Um dia ela trai, nem que seja daqui a 10 anos, ela vai te trair. Porque dificilmente uma pessoa consegue se sentir atraída pela mesma pessoa a vida inteira. Chega uma hora, daqui a algum tempo que vai chegar uma pessoa que vai te dizer alguma coisa, além dele. E os homens têm medo disso, entendeu? De você estar sozinha numa situação e chegar alguém no seu ouvido e te levar. Então para não te dar o motivo de fazer, o cara te dá essa oportunidade de fazer com a anuência dele. (André)
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Desta forma, ao dar a chance da mulher de ter relações sexuais com outros
homens com a sua concordância, procura afastar o medo de ser “corneado”. O perigo,
neste caso, reside não no ato em si - a relação de sua mulher com outro homem - mas no
seu caráter oculto, escondido, incontrolável. O homem aparece como uma vítima em
potencial.
Por outro lado, permitir que a sua mulher se relacione sexualmente com outros
homens, gera uma espécie de fascínio. Pelo menos cinco dos meus entrevistados
relataram que este é o seu maior prazer na prática do swing. Dois entrevistados disseram
que tal prazer é maior inclusive do que relacionar-se sexualmente com duas mulheres ao
mesmo tempo, o que, para muitos, é a grande fantasia sexual masculina. Segundo um
entrevistado “a grande maioria das vezes o tesão maior é do homem vendo a mulher
transar, isso aí é... A maioria das vezes é o homem que gosta de ver a sua mulher
transar” (André).
Este prazer parece ser despertado justamente pelo perigo, pela ameaça de
“perder” a mulher, uma espécie de desafio constante à própria potência e virilidade. Ao
ver a mulher tendo prazer com outro homem se sente desafiado a melhorar ainda mais a
sua própria performance sexual, para provar que é merecedor de tê-la como sua esposa.
Eu tenho muita segurança no meu desempenho como homem com ela, na nossa relação afetiva e eu tenho a certeza absoluta de que tudo que alguém faça com ela eu posso fazer melhor. É até um desafio para mim. Cada vez que ela transa com um cara eu procuro, quando chego em casa, fazer melhor. (André)
Estabelece-se, assim, uma competição entre homens, entre machos, que
procuram provar que são os melhores. Poderia-se ver, nesta competição, reflexos de um
possível desejo sexual pelo outro homem. No entanto, no discurso dos pesquisados não
aparece esta questão.
Pode-se pensar que o prazer derivado de ver a sua mulher com outro homem é
uma prova de poder masculino, através da exibição da performance sexual e corporal de
sua esposa. O fato de ela ser considerada uma mulher atraente e sensual aumentaria o
seu poder, uma vez que ele é o “escolhido”, ele é o “dono” do objeto de desejo de todos.
É o que aparece no depoimento de uma entrevistada: “porque eu acho que o tesão dele
era assim, ‘ah tem alguém comendo a minha mulher, ela é gostosa, mas ela é minha’.
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Eu acho que a fantasia dele passava por aí. Acho que no fundo ele tinha uma fantasia
meio de ser corno” (Ana).
O prazer gerado seria uma espécie de combinação de poder e perigo. O
depoimento de uma entrevistada exemplifica bem esta idéia: “ele falou que quando o
homem chega perto de mim, dá um frio na barriga dele, uma sensação de ciúme e que
isso reaviva o nosso relacionamento, que ele sente uma coisa forte por mim nesses
momentos” (Júlia).
Aparece ainda no discurso dos entrevistados, um outro lado da fantasia, o de
“cantar” e se relacionar sexualmente com uma mulher casada, sem que esta atitude se
traduza em brigas ou desentendimentos entre homens. A mesma entrevistada descreve a
fantasia de seu parceiro no swing:
Mexer com a mulher do outro, entendeu, sem que haja algum problema, algum mal estar. E já percebi que ele gosta sempre das mulheres que estão acompanhadas com os seus maridos ou namorados né, geralmente ele não gosta de mexer com mulher sozinha. Ele gosta sempre de mulher que está casada, está acompanhada. (Júlia)
A prática do swing seria uma forma de evitar e se precaver contra a
desmoralização e emasculação simbólica de que nos fala Parker (1991). Os praticantes
de swing apresentam, dessa maneira, uma relação ambígua com a figura do corno. Ao
mesmo tempo que surge como uma acusação potencial a todos os homens adeptos da
troca de casais, já que permitem que suas mulheres se relacionem com outros homens,
também encontram prazer e desafio no “perigo” de serem trocados.
Em momento anterior, falei da presença dos chamados “casais armados” em
certas casas de swing e a imagem negativa que tal casal adquire entre os praticantes. A
idéia é que a troca com estes casais não seria uma troca justa, uma vez que o homem só
paga a prostituta para acompanhá-lo, mas não para se relacionar sexualmente com
outros homens. A imagem que se tem destes homens pode ser associada à do malandro,
aquele que vai a uma casa para “comer a mulher dos outros”, mesmo que não possua
nada para oferecer em troca (DaMatta, 1983). A tentativa de afastar estes casais também
pode ser vista como uma busca de diferenciação por parte das esposas, que não querem
ser confundidas com a prostituta.
A “puta” aparece no depoimento das entrevistadas ao falarem da acusação e do
preconceito da sociedade em relação à sua prática. O depoimento de uma entrevistada
94
reforça esta idéia: “as pessoas olham para você como se você fosse um E.T., como se
você fosse uma promíscua, como se você fosse uma... sei lá, uma puta que dá para todo
mundo” (Ana).
Pode-se verificar, no entanto, a presença de outro imaginário, desta vez cercado
de positividade, relacionado ao potencial erótico que a figura da puta parece despertar
entre as mulheres. Para Parker (1991), a confirmação da masculinidade e da virilidade
dos seus parceiros e ao mesmo tempo a negação do controle dos homens sobre o seu
comportamento sexual, tem como efeito a produção de um certo encantamento com esta
personagem. A puta representaria uma mulher sexualmente mais livre para viver seus
desejos e fantasias sexuais, uma mulher que gosta de sexo e procura valorizar e exibir o
seu corpo. Esta representação se expressa de maneira mais explícita no depoimento das
entrevistadas, em “brincadeiras”, ou na própria maneira de se vestir.
No blog de um casal38 encontrei uma frase que me ajudou a refletir sobre as
roupas e os comportamentos de algumas mulheres nas casas de swing: "toda mulher
sadia tem a fantasia de ser uma puta!". O uso de vestidos curtos, de minissaias, saltos
alto e o costume de algumas mulheres de fazer strip-tease em um pequeno palco
(chamado de “queijo” e especialmente localizado para este fim em casas de swing),
pode ser um indicativo da sedução que a figura da prostituta exerce sobre aqueles
indivíduos.
Muitas atitudes das mulheres praticantes de swing se relacionam com as
apontadas por Gaspar (1988) em seu estudo sobre as garotas de programa. Na descrição
do comportamento das mulheres nas boates para arranjar um programa, a autora
menciona a dança como forma de sedução e erotização do corpo, a apresentação sobre o
“queijo”, o strip-tease feminino, as relações sexuais entre mulheres, o uso de salto alto.
Todos estes comportamentos também podem ser vistos nas casas de swing. As roupas
que as mulheres vestem procuram valorizar as mesmas partes que as garotas de
programa estudadas por Gaspar buscavam com o uso da lycra: as pernas, as nádegas e
os seios. Algumas praticantes de swing contam que, em algumas noites, tiveram
relações sexuais com oito ou dez homens diferentes.
Já aconteceu de eu chegar num clube e dar para 8 homens. Porque naquela noite eu estava com muita vontade de fazer sexo, mas eu não queria fazer
38 http://casalbambamepedrita.blig.ig.com.br/
95
sexo com o meu marido, eu tava a fim de fazer sexo com outros homens, eu queria conhecer vários homens. (Irene)
Uma reportagem do jornal O Dia39 destaca:
Da história da comerciante Nara, de 44 anos, casada há 24, dois filhos, um neto, que há dois anos decidiu realizar o desejo de transar com outros homens na frente do marido à enfermeira Liliane, 26, que já encarou oito relações na mesma noite para deleite próprio e do companheiro.
A prática do swing aparece como uma espécie de desafio ao imaginário que
cerca estas duas personagens liminares: o corno e a puta. Um homem que sabe e permite
que sua mulher se relacione sexualmente com outros homens pode certamente ser
acusado de corno. Uma mulher que se veste em trajes curtos, justos e sensuais, que se
exibe e faz strip-tease em um palco e se relaciona sexualmente com muiots homens em
uma noite é a perfeita “piranha” descrita por Parker (1991).
O universo controlado de uma casa de swing permite que certos aspectos
apontados por Parker sobre a sexualidade tanto feminina (o controle e a limitação),
quanto masculina (cujo potencial sexual precisa ser constantemente construído e
sustentado contra a constante ameaça de desvio que a figura do corno representaria),
sejam subvertidos. O medo de “ser corneado” não deixa de aparecer. A prática do swing
funcionaria como uma espécie de atenuante desta ameaça, ao mesmo tempo em que
produziria efeitos eróticos “inesperados”. De maneira semelhante, a figura da puta não
deixa de ser indesejada, como a presença de uma profissional, pela troca desequilibrada
que produz, ou como fator de acusação, mas reaparece de outra forma nas roupas, nas
práticas e nas fantasias sexuais dos adeptos de swing.
Swing e dominação masculina
Nos anúncios publicados nos sites das casas de swing e nas páginas pessoais, os
casais procuram parceiros para a realização da “troca”. Nestes anúncios, a maioria com
fotografias, o corpo feminino aparece como forma de propaganda do casal, uma espécie
de “cartão de visitas”. Segundo os entrevistados, no swing a mulher “é quem faz a
ponte”, “é o chamariz” e seu corpo é utilizado nestes anúncios como “vitrine”. Para um
39 A reportagem data do dia 24 de agosto de 2003.
96
entrevistado, a mulher “é mais um objeto de desejo, é o chamariz. E ela é chamariz
tanto para a mulher do outro casal quanto para o homem. Se botar um homem não né,
vai ser chamariz para o outro homem” (Emanuel).
DaMatta (1985), ao analisar o romance “Dona Flor e seus dois maridos”, aponta
para o aspecto relacional básico que o feminino assume na estrutura ideológica
97
ali, naquele espaço, pode-se sugerir que, de alguma maneira, burlam essa norma, ao
experimentarem a relação sexual com vários homens ou com outras mulheres sem que
isso signifique uma ameaça ao seu casamento.
Utilizando as idéias de Bourdieu (2003), pode-se pensar que o corpo feminino
no swing está subordinado à dominação masculina. O autor argumenta que a exibição
do corpo da mulher, combinando um poder de atração e sedução, exerce a função de
honrar os homens de quem ela depende ou aos quais está ligada. Esta lógica parece estar
presente na forma como os corpos femininos aparecem no meio swinger. As mulheres
se exibem em roupas curtas e sensuais, tiram fotografias nuas para os anúncios da
internet e fazem strip-tease. Os maridos assistem, orgulhosos, ao espetáculo de suas
parceiras.
Analisando as práticas sexuais do meio, o sujeito do desejo no swing parece ser
claramente o homem. São eles que convencem suas parceiras a participar, que realizam
a fantasia de se relacionar sexualmente com duas mulheres e ainda outra grande fantasia
que aparece entre os entrevistados: a de ver a sua mulher se relacionando com outro
homem. Acredito, entretanto, que seria um tanto simplista interpretar a atitude destas
mulheres como uma simples reprodução do modelo de submissão patriarcal, não tendo
vontade própria, apenas realizando o desejo do marido por medo de perdê-lo.
A lógica da prática do swing aparenta ser a da dominação masculina. Mas por
trás dos panos, há também uma experimentação feminina maior e aparentemente mais
livre do que a masculina, no sentido de romper com certas barreiras sexuais impostas
socialmente. O homem parece muito mais prisioneiro deste modelo de masculinidade
hegemônica que, segundo Vale de Almeida (1995), não sendo atingível por nenhum
homem, exerce sobre todos os homens um efeito controlador, através da incorporação,
da ritualização das práticas de sociabilidade cotidianas e de uma discursividade que
exclui todo o campo emotivo considerado feminino.
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CAPÍTULO 5 – Swing: o adultério consentido
Sexo, amor e casamento
"Amor e Sexo"
Rita Lee/Roberto de Carvalho/Arnaldo Jabor
Amor é um livro - Sexo é esporte Sexo é escolha - Amor é sorte Amor é pensamento, teorema
Amor é novela - Sexo é cinema Sexo é imaginação, fantasia
Amor é prosa - Sexo é poesia O amor nos torna patéticos
Sexo é uma selva de epiléticos
Amor é cristão - Sexo é pagão Amor é latifúndio - Sexo é invasão
Amor é divino - Sexo é animal Amor é bossa nova - Sexo é carnaval
Amor é para sempre - Sexo também
Sexo é do bom - Amor é do bem Amor sem sexo é amizade Sexo sem amor é vontade Amor é um - Sexo é dois Sexo antes - Amor depois
Sexo vem dos outros e vai embora
Amor vem de nós e demora
Esta música serviu de tema para o 6º Encontro de casais liberais que acompanhei
ao longo do trabalho de campo, intitulado “o amor e o sexo”. Este é um tema recorrente
para os casais que praticam swing, uma vez que alegam que uma das premissas para
aderirem à prática é saber separar amor e sexo. No blog40 do casal, na chamada para este
dia, aparece o seguinte texto:
A gente resolveu, por acaso, ouvindo a Rita Lee no caminho para o trabalho, que o tema no encontro de amanhã será “O amor e o Sexo”. Na verdade esse tema é algo extremamente recorrente no blog, já que o swing nada mais é do que saber ou tentar separar uma coisa da outra.
40 www.fantasiasdecasados.com.br
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Os casais entrevistados dizem que ao se relacionarem com outras pessoas em
casas de swing estão praticando somente o ato sexual, enquanto o ato amoroso, o “fazer
amor”, reserva-se apenas ao(a) parceiro(a). O swing, para uma entrevistada, “é o sexo e
acabou? Acabou, não fica nada, a gente não leva nada para casa a não ser a
experiência e a aventura que a gente viveu” (Carolina). Relacionar-se sexualmente com
outras pessoas seria uma resposta a uma demanda exclusivamente fisiológica, com o
objetivo da satisfação momentânea.
O sexo é o casual, aquela forma bruta, que o teu corpo precisa, necessita, é uma coisa fisiológica, você necessita do sexo, você necessita de outras pessoas para ter prazer e para dar prazer. É completamente diferente você fazendo sexo com uma pessoa que realmente você ama e fazendo um sexo casual, é completamente diferente. (Irene)
Bauman (2004), ao refletir sobre a liquidez dos relacionamentos modernos,
chama atenção para o avanço do isolamento do sexo em relação a outros domínios da
vida. Espera-se que o sexo seja auto-sustentável e auto-suficiente, para que seja julgado
unicamente pela satisfação que possa trazer por si mesmo. O autor argumenta que as
atuais agonias do homo sexualis são as mesmas do homo consumens. O que
caracterizaria o consumismo não é o acúmulo de bens, mas usá-los e descartá-los em
seguida, a fim de abrir espaço para novos bens e usos. O que mede o sucesso na vida do
homo consumens é a rotatividade e não o volume de compras. Bauman acredita que a
“purificação” do sexo permite que a prática sexual seja adaptada aos avançados padrões
de compra/locação da lógica do consumo.
O autor questiona se é possível isolar o encontro sexual dos demais propósitos
da vida. Considerando a união sexual de curta duração na vida dos parceiros, argumenta
que nenhum episódio estaria a salvo de suas conseqüências e que a incerteza nunca se
dissipa de modo completo e irrevogável. Analisando a prática da troca de casais na
França, Bauman aponta que, como uma estratégia para enfrentar o espectro da incerteza
dos episódios sexuais, o échangisme, termo francês para a troca de casais, teria uma
vantagem sobre o sexo casual, já que a preocupação contra conseqüências indesejáveis
é, nesse caso, um dever e uma preocupação compartilhada por todos os envolvidos no
encontro. Dessa forma, para o autor, as convenções do échangisme podem evitar a
espera para satisfazer os desejos, encurtar a distância entre o impulso e a satisfação, e
evitar que um parceiro exija mais benefícios do que o encontro episódico permite. No
100
entanto, Bauman pergunta se seria possível encontrar, em um clube de swing,
intimidade, alegria, ternura, afeição e amor, questionando se o sexo em si é tão
importante como parece ser para estes casais.
Para os meus pesquisados, o swing não surge apenas como uma forma de
satisfação de impulsos momentâneos, uma maneira menos arriscada de se consumir o
prazer e descartá-lo. Os casais dizem obter com o swing resultados em seus próprios
casamentos que associam à esfera do amor e da intimidade. Ver o outro se relacionando
e ser visto, participar dessa interação como observador ou ativamente, traria
conseqüências para a relação a dois no sentido de aumentar a liberdade, a intimidade e
melhorar a própria relação sexual do casal. Em uma entrevista, um casal afirma:
Ivan: a gente passou a se observar mais e ter mais possibilidades. Irene: e a se proporcionar mais prazer. O respeito aumentou, a admiração, a gente passa a perceber mais quem está do nosso lado. Você passa a prestar mais atenção em você mesma e nele também, principalmente nele. Aí com certeza fica muito mais gostoso, muito mais prazeroso, porque você vai buscar fazer o melhor de você e dar o melhor que você tem para o seu parceiro, então isso acrescenta demais.
Respeito, admiração, cuidado com o outro, conhecimento do próprio prazer e
uma melhor relação sexual do casal são ganhos que aparecem no discurso dos
entrevistados como uma das conseqüências da prática do swing. Não depoimento de
outro casal, casados há 24 anos e praticantes de swing há 3, surge esta idéia de
aprimoramento do casamento:
Carolina: mudou tudo para muito melhor. Mudou que o sexo ficou melhor... Cláudio: a gente passou a se conhecer melhor. Os nossos limites, as coisas que nós temos dentro da gente de vontades, restrições... Carolina: fantasias sexuais, a gente conseguiu realizar melhor as nossas fantasias porque a gente começa a fantasiar e tem a liberdade de falar, tem a liberdade de poder concretizar, que é o que é melhor. Fantasiar e falar é um passo, agora você concretizar é um bem maior né? Cláudio: e concretizar sendo para os dois é a grande dificuldade e quando você consegue, isso é que é legal.
O casal swinger parece compartilhar dos valores descritos por Heilborn (1993)
para a conjugalidade igualitária - simetria nas atribuições e ênfase no cuidado da relação
e seus humores – que a autora identifica como uma aproximação do masculino da
experiência feminina. Os aspectos da confissão e da cumplicidade como prova da
101
relação de confiança no outro, apontados por Heilborn (2004) como aspectos que
reforçam a idéia de feminização da relação, parecem essenciais entre os casais adeptos
do swing. Nas palavras de um entrevistado: “o swing é muito bom pro casal que está
bem, que tem uma relação estável, sexualmente muito boa, ativa, satisfatória para os
dois, o swing é fantástico, é um elemento de união maior para aumentar a cumplicidade
do casal” (André).
A confissão e a cumplicidade, neste caso, estão presentes nos desejos e fantasias
sexuais do outro e ainda nas próprias relações sexuais que ocorrem em uma casa de
swing, durante a realização da troca de casais ou até mesmo no relato de uma “cantada”
que receberam na rua.
Hoje eu posso olhar uma mulher na rua e dizer “nossa, que mulher gostosa, fiquei a fim de comer ela”, entendeu? E ela a mesma coisa. A intimidade, essa liberdade que a gente tem hoje de expressar nosso tesão. Eu tenho a certeza absoluta que eu não sou o único homem do mundo que ela vai sentir tesão para sempre, e ela a mesma coisa. Então a gente usa a nossa relação para elaborar isso, botar no outro plano e não ter que ficar escondido, não ter a hipocrisia. No swing não pode ter hipocrisia. (André)
Na busca por diversificar suas relações sexuais para além do casal, os praticantes
de swing parecem se aproximar da lógica de ordenação do mundo público gay discutida
por Heilborn (1993), fundada em relações múltiplas e muitas vezes anônimas. Fry e
MacRae (1985) já enfatizaram o aspecto fugaz das relações entre homossexuais
masculinos, que muitas vezes não ultrapassam um único encontro. Pensando em termos
de erotização da relação, os casais swingers estariam mais próximos dos casais gays,
mas sem deixar de lado a valorização da duração do casamento. É como se valorizassem
a estabilidade da relação conjugal ao mesmo tempo em que enaltecem a “caça sexual”.
Se a conjugalidade igualitária celebra uma feminização da relação, a prática do
swing parece também celebrar uma masculinização da relação, principalmente no que
diz respeito à diversificação das relações sexuais. É ilustrativo lembrar um depoimento
de uma entrevistada: “transei com mais homens casada do que quando era solteira”
(Ana).
Os casais swingers articulam, portanto, dois eixos ao mesmo tempo – o de
feminização do relacionamento, através do cuidado com a relação, e o de
masculinização, que se expressa na busca pela diversificação de parceiros sexuais. Seus
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casamentos apresentariam características que Heilborn (1993) identifica tanto no casal
lésbico, quanto no casal heterrossexual ou no casal gay.
Giddens (1992) destaca a importância que a intimidade adquire nos
relacionamentos atuais. Para o autor, a projeção no amor romântico cria uma sensação
de totalidade com o outro, intensificada pelas diferenças de gênero. Giddens considera
que a abertura em relação ao outro, que caracterizaria a intimidade no amor confluente,
vai contra a identificação projetiva romântica. O amor confluente, para Giddens, seria
um amor ativo, contingente, entrando em choque com as categorias “para sempre” e
“único” do amor romântico.
Nos depoimentos dos pesquisados pode-se observar não apenas a importância da
intimidade para o estabelecimento e fortalecimento do vínculo entre o casal, mas ainda
outro ponto mencionado por Giddens como essencial para a caracterização do amor
confluente: a introdução da ars erotica no cerne do relacionamento conjugal. A
realização do prazer sexual recíproco transforma-se em um elemento chave na
manutenção ou dissolução do relacionamento.
No encontro “amor e sexo” foi ressaltado que a “graça” da prática do swing é
que ela seja realizada com a sua esposa ou com o seu marido, com a pessoa que se ama
ao lado, e não com outra pessoa qualquer. Segundo eles, “fazer swing com outra pessoa
não tem a menor graça”. As razões desta afirmação apontam justamente para a questão
da intimidade e ainda da descoberta ou intensificação do prazer sexual com o parceiro.
Um entrevistado conta as mudanças que o swing trouxe para o seu casamento: “o fator
positivo foi esse, foi para mim a cumplicidade e o aumento do tesão. As melhores
trepadas que a gente tem é quando chega de uma casa de swing. As melhores transas é
quando a gente chega daqui...” (André).
A exclusividade sexual não é a maneira pela qual os casais swingers protegem o
compromisso com o outro. Esta exclusividade, entretanto, não deixa de aparecer, ainda
que sob nova roupagem. É justamente na separação entre sexo e amor que se encontra a
exclusividade nas relações swingers.
Cabe destacar a diferenciação feita pelos entrevistados entre seus casamentos e o
que seria um “casamento aberto”. Eles ressaltam que em um relacionamento swinger o
consentimento e a permissão entre os parceiros para que as relações sexuais com outras
pessoas ocorram é um aspecto central.
103
As pessoas quando falam de casamento aberto, que é o que eu entendo, é aquele casamento assim, eu estou com você, você está comigo e a gente tem permissão para ficar com outras pessoas. Eu não acho que a gente tinha um casamento aberto, porque a gente tinha um pacto de falar o que queria fazer e o outro dar a permissão ou não. (Ana)
Para os casais swingers é importante que o(a) parceiro(a) participe e seja
cúmplice também da escolha da outra pessoa com quem irão se relacionar sexualmente.
Para além da escolha, é importante que participe da própria relação sexual, seja por estar
presente fisicamente, seja através do relato detalhado do desenrolar do encontro sexual.
Compartilhar com o(a) parceiro(a) esta experiência é o foco principal, o que
incrementaria sua relação amorosa.
Os entrevistados afirmam que o swing aumenta a cumplicidade, a intimidade e o
tesão entre o casal. Segundo uma entrevistada “o nosso sexo com amor é o nosso sexo
que a gente faz na nossa casa e que é infinitamente melhor, sempre” (Ana). Um outro
entrevistado disse: “geralmente quando a gente transa numa casa de swing, quando
chega em casa a gente faz amor” (Cláudio).
De acordo com um casal:
André: a gente hoje separa o sexo do amor com a maior facilidade. Eu estou muito a vontade para sentir tesão por pessoas que eu não amo. E o tesão e o amor tá muito ligado na mídia, as pessoas dizem ‘ah sexo só com amor’, porra nenhuma, isso é hipocrisia, não tem isso. Ana: se o sexo fosse só com amor não tinha tanto motel, não tinha tanta gente transando...
Através da oposição entre sexo e amor, os casais acreditam se manter exclusivos
amorosamente, ainda que sexualmente “polígamos”. Dessa forma, resolveriam as
exigências da sexualidade episódica, mantendo o vínculo do relacionamento (Bauman,
2004). A separação entre sexo e amor permitiria manter a estabilidade e a permanência
de uma relação conjugal, através do ideal de uma exclusividade amorosa, e, ao mesmo
tempo, trazer para dentro do relacionamento a diversificação das relações sexuais.
O “fazer amor” é associado ao cuidado, ao carinho, ao sentimento, à
cumplicidade, enquanto o “fazer sexo” com outra pessoa em uma casa de swing,
responderia aos impulsos do corpo e do desejo. Um entrevistado diz, a respeito da
separação entre amor e sexo:
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E qual é essa diferença, que é tão complicada? A diferença, pelo menos pro meu ponto de vista eu vejo o seguinte, quando existe carinho, respeito, zelo, atenção, existe cumplicidade. Aí você pode dizer que vai rolar amor, que é o ato sexual com esses complementos todos. Quando não existe esses complementos, só existe o ato sexual, é só sexo. O que estou fazendo é uma questão fisiológica, eu vou satisfazer o meu corpo. Mas com o meu companheiro, com a minha parceira, a gente está satisfazendo não só o corpo, a gente está satisfazendo os nossos sentimentos, as nossas vontades, a gente está se realizando, porque a gente está fazendo aquilo com a pessoa que a gente gosta. (Ivan)
Pode ser interessante pensar esta diferenciação entre sexo e amor para os
praticantes de swing a partir do que Duarte (2004a) afirma a respeito dos valores
românticos e de sua permanência, sob a forma de um neo-romantismo, em nossa
cultura. O autor aponta como uma das dimensões do romantismo o valor da totalidade,
que adquire uma conotação de unidade. Referida a esta dimensão está a categoria
singularidade, que remete à idéia de que todo ente pode ser considerado uma
individualidade, um entre muitos outros, ao mesmo tempo em que é uma singularidade,
uma unidade de totalidade em si. Trazendo estas idéias para pensar sobre a separação
entre sexo e amor no swing, pode-se sugerir que é através de um ideal de amor que se
singulariza o(a) parceiro(a) na prática da troca de casais. Fazer sexo igualaria a todos,
cada indivíduo em uma casa de swing é um entre muitos outros possíveis parceiros
sexuais, mas o amor singulariza, pois é capaz de transformar um indivíduo em especial
em uma unidade de totalidade em si.
“Fazer amor” é considerado pelos entrevistados como superior e especial,
enquanto “fazer sexo”, ainda que desejável, responde a necessidades “fisiológicas”. A
justificativa para se fazer sexo com outras pessoas é a de que ele serve para aumentar a
intimidade e melhorar a relação afetiva e sexual no casamento, ou seja, incrementaria o
“fazer amor”.
As razões apresentadas para a adesão à prática, as mudanças identificadas pelos
casais em seus relacionamentos e as vantagens do swing para o casamento
invariavelmente remetem a uma lógica do amor, do aumento da cumplicidade e da
intimidade, enquanto a experimentação sexual e a vivência do desejo estariam em um
segundo plano, submetidas a este sentimento mais “nobre”.
“Swing Social Clube”
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Estas duas imagens foram tiradas de um blog41. As festas produzidas e
organizadas por este casal recebiam o nome de “Swing Social Clube” e uma das
atividades que aconteciam na noite eram os “Encontros de mulheres liberais”. A idéia
de “sinta-se em casa” expressa um aspecto importante observado entre os casais
pesquisados, a criação de uma rede social, incluindo laços de amizade para além do
ambiente das casas ou festas de swing.
Nas conversas nos dias de encontro, ouvi relatos de viagens em conjunto,
incluindo a presença dos filhos de alguns casais, menções a saídas para outros
programas, onde o sexo não estava incluído (como casas de dança, cinema ou jantares,
por exemplo). Alguns casais passaram o ano novo de 2003 para 2004 juntos, tendo
viajado para o mesmo lugar, um indício da estreita amizade que criaram. No
depoimento de um casal destaca-se:
Cláudio: na realidade você acaba conhecendo pessoas e vira amizade e a pessoa acaba dando o endereço e sem a gente precisar pedir... a gente tem amigos que a gente freqüenta a casa já há um tempão. Carolina: é, conhece a família inteira... conhece a minha família e eu conheço a deles. Cláudio: conhece filhos e a gente também conhece filhos e quando está com os filhos ninguém... amigo, pessoa normal entendeu? ninguém fala em swing.
41 www.fantasiasdecasados.com.br
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A amizade que se estabelece entre os casais é apontada como de um tipo
especial, que envolve ou envolveu relações sexuais. Esta possibilidade aumentaria o
grau de intimidade e a cumplicidade da relação de amizade. No depoimento de outro
casal entrevistado aparece esta questão:
Daniela: a gente conheceu pessoas maravilhosas... Diogo: pode-se dizer que a gente ficou apaixonado assim, por alguns casais... Daniela: tem casais assim que a gente fica apaixonado mesmo... Diogo: porque a gente entranha tanto na vida deles, eles entranham tanto na nossa vida, né, a gente tem uma liberdade tão grande, que passa até a não fazer mais sexo, mas tem uma intimidade... Daniela: uma cumplicidade, uma intimidade assim muito boa.
Outro ponto interessante que aparece neste depoimento é o de que o
desenvolvimento do vínculo de amizade pode contribuir, dependendo do casal, para
diminuir o interesse sexual. Tornar-se amigo, tornar-se íntimo, seria um fator que
“inibiria o tesão”. Outro entrevistado também se refere a esta questão: “o que acontecia,
se reunia todo mundo, ia pra uma suruba e a gente acabava não se envolvendo,
porque? Primeiro que não dá pra transar com amigo, tem gente que consegue, eu não
consigo. Fiquei amigo demais, sabe? não rola e ela também não” (André).
O desenvolvimento de relações afetivas de intimidade, que se transformam em
amizade, aparece como um ganho inesperado da entrada para o swing. Em seus
depoimentos, os casais invariavelmente mencionam os amigos conquistados como um
dos principais aspectos positivos que o swing trouxe para suas vidas. A imagem que
tinham antes de aderirem à prática está relacionada a encontros eróticos fortuitos, a
aventuras sexuais episódicas, mas em seus discursos o estabelecimento de laços
contínuos e o conhecimento de pessoas com interesses em comum é extremamente
valorizado.
Eu encontrei no swing uma coisa que eu não estava esperando que é a amizade das pessoas, na minha idéia era uma coisa muito... era só sexo, aquela coisa de fantasias eróticas. Para mim isso ia chegar em uma época em que “ah, não tem nada a ver, não quero mais isso”, e no entanto você cria um grupo de amigos. O mais legal de tudo realmente foi o grupo de amigos que a gente fez. (Carolina)
107
Outra entrevistada disse: “no swing eu fiz um casal de amigos verdadeiros, que
eu considero pra caramba que são eles dois, freqüentam, conhecem a minha mãe,
entendeu?” (Ana).
Apesar da amizade poder ser vista como um problema para alguns casais que
buscam o sexo casual em casas de swing, ela aparece como uma das motivações para se
freqüentar o meio. Ir a uma casa de swing representa outras possibilidades além do
sexo: a dança, a música, a conversa com os amigos. Este lado social se apresenta não
apenas em uma casa de swing, mas em outros ambientes freqüentados por casais
adeptos da prática.
Carolina: a gente era muito voltado para a casa, para a família, então a gente estava meio que esquecido. A gente ia para o trabalho, casa... e agora não, agora a gente pensa na gente, tá um dia de sol, “ah, vamos para a praia, vamos encontrar com o pessoal”, a gente tem disposição para sair de noite, porque sabe que vai encontrar as pessoas, que vai conversar. Cláudio: e nem sempre a gente quando procura a praia ou clube não vai com intenção de... se acontecer aconteceu. E se acontecer é com quem interessa. Carolina: a gente acaba indo mais por divertimento. Cláudio: a gente vai hoje mais por divertimento do que para procurar sexo.
Percebe-se, então, que a troca de casais, ao menos entre os pesquisados, envolve
importantes elementos além de uma troca exclusivamente sexual. Com o surgimento do
aspecto “social”, a troca passa a ser não apenas de casais, mas entre casais. Sem perder
de vista o objetivo erótico dos que praticam o swing, aparece, também, como um ganho
secundário, a amizade conquistada no meio.
Fantasia e transgressão
“O swing é um mundo onde você pode tudo, mas não é obrigado a nada”
depoimento de um entrevistado
Através das leituras de reportagens e de sites, e das informações que obtive no
trabalho de campo, pude perceber que outros comportamentos sexuais, além da troca de
casais propriamente dita, são encontrados no meio swinger. Existem diferentes tipos de
casais que freqüentam este meio, com interesses variados. Alguns são adeptos do
voyeurismo, outros do exibicionismo. O ménage feminino (duas mulheres e um
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homem) e o ménage masculino (dois homens e uma mulher) também são
comportamentos comuns.
Tem vários tipos de casais, tem casais que gostam só de ver, tem casais que não aceitam a troca, tem casais que só aceitam fazer no mesmo cômodo com outro casal, mas que não gostam nem que encoste, tem casais que só gostam que encoste, mas nada mais do que isso... (Ana)
Parker (1991) chama atenção para a fantasia, construída com pensamentos e
imagens, como expressão ideal da lógica cultural que organiza o erótico. Segundo o
autor, como todo o imaginário erótico, o enfoque da fantasia será a satisfação dos
desejos. Sobre essa questão, é interessante o que um entrevistado disse a respeito do
swing:
Na verdade é uma fantasia nossa, nós não estamos atrás de outros relacionamentos, nós estamos atrás de fantasia. Então na verdade o que a gente vem buscar aqui são personagens dessa fantasia, pode ser qualquer personagem. Dentro desses personagens você idealiza algumas coisas, já que é uma fantasia e você está liberado para fantasiar, para sonhar, então você também tem todo o direito de selecionar, não quero esse personagem com esse biotipo, eu quero um outro, com outro tipo, então é por aí. (Felipe)
Nem todos os casais têm o mesmo perfil quando se trata de realizar fantasias
sexuais. Em sua entrevista, André indica que existem casais que se satisfazem com o
swing ou com alguma fantasia específica, mas que, para outros, a fantasia já realizada
deixa de ser estimulante após algum tempo e busca-se, então, a realização de novas
fantasias, em um jogo onde vai se ampliando o limite da transgressão. De acordo com
Campbell (1995), um determinado estímulo, se não se transforma, rapidamente deixa de
ser estimulante e, como consequência, perde a sua possibilidade de gerar prazer. Nesse
sentido, a capacidade de se experimentar prazer repetidamente com sensações derivadas
de uma certa atividade será ameaçada caso haja uma exposição excessivamente
freqüente a ela ou excessivamente longa. É interessante como esta idéia do autor
aparece exemplificada nas palavras de André:
Existem dois grupos de swingueiros. Tem os swingueiros convictos e que não têm expectativa de nada fora do swing. Vão ser sempre swingueiros. Eu conheço casais que fazem swing há 20 anos e são felizes da vida. Agora da grande maioria que eu conheci, o swing, ele é assim, é um estágio da vida do
109
casal. Ele começa como um alimento, como um ingrediente, como um aditivo, passa a ser parte da rotina e depois desaparece, porque cai na mesmice, é aquele mais do mesmo. (André)
A reflexão de Campbell sobre o hedonismo moderno se mostra essencial para se
compreender esta busca por prazer entre os praticantes de swing, a elaboração constante
de novas fantasias e a sensação inevitável de insatisfação que aparece em seus
discursos. Segundo Campbell, um dos aspectos fundamentais que caracterizam o
hedonismo moderno seria a fantasia ou devaneio. Para o autor, o próprio desejo se torna
uma atividade prazerosa. Querer, ao invés de ter, se torna o foco principal de quem
procura o prazer. O dilema aparece na constatação de que os prazeres atuais provindos
de uma experiência real não são comparáveis àqueles que se encontram na imaginação.
Não necessariamente por uma questão do impacto da realização, mas sim pela perfeição
que a fantasia adquire na imaginação, mas que dificilmente pode adquirir quando
consumada na realidade. A consumação do desejo, nesse sentido, será necessariamente
uma experiência de desilusão, a fantasia perfeita em contraste com a realidade, o que
tem como resultado o reconhecimento de que algo se perdeu.
A busca pelo swing é justificada pelos entrevistados como uma procura por
aumentar o prazer e por satisfazer as fantasias sexuais do casal. Após três anos do início
da pesquisa, voltei a entrevistar um dos casais, que se separou, e pude perceber a
concretização, no que diz respeito à sexualidade, do ciclo de desejo-aquisição-uso-
desilusão-renovação-desejo, descrito por Campbell. André descreveu da seguinte forma
o seu cansaço em relação às festas de swing:
Com relação às festas, por exemplo, chegou uma hora que aquele ambiente cansou para nós. Esgotou. A gente não estava tendo mais nenhum prazer em participar daquelas festas naquele molde. Era sempre mais do mesmo. Eu sempre gostei de coisa nova, de novidade, e ela também, então a gente começou a ir, virou monotemático demais. A gente ia sempre e via as mesmas pessoas, falava as mesmas coisas, era novidade para os outros, mas para a gente não era mais. Pra mim, eu que montei a festa, montei a estrutura, que criei aquela coisa toda, começou a ficar chato, porque eu estava me repetindo. (André)
Um dos resultados deste ciclo descrito por Campbell parece ser o de que o
prazer acaba exigindo doses cada vez maiores. Neste ponto cabe lembrar Simmel (2005)
que, ao descrever o comportamento dos habitantes das grandes cidades, destaca a
indiferença como uma consequência da atitude blasé, uma defesa contra os excessos de
110
estímulos e a velocidade dos acontecimentos na metrópole. No discurso do entrevistado,
pode-se perceber este relativo anestesiamento e a sensação de ansiedade e insatisfação
permanentes.
Fizemos uma viagem para Camboriú e fomos a dois clubes de swing lá. Exatamente a mesma coisa que a gente estava vendo aqui, de você não conseguir se excitar com o ambiente mais. Falta novidade. Eu acho que o swing, para a grande maioria das pessoas, ele é uma grande novidade durante um tempo. Eu me lembro da primeira vez que eu fui a um clube, eu olhava aquelas coisas e me excitava só em ver. Eu sentava do lado do casal que estava se tocando e ficava de pau duro. E depois com o tempo ficou banal demais. Essa coisa pra nós ficou muito costume. Então, por exemplo, eu estava numa festa com um monte de gente pelada, a maioria das pessoas transando e eu não tinha o menor tesão, não conseguia me excitar. E ela também não. Então a gente falou “pô, não dá pra fazer por fazer”. A gente montava a festa, organizava, todo mundo transava e a gente não. (André)
Campbell indica que, após a sensação de frustração advinda da concretização da
fantasia, o devaneio será levado adiante e será associado a um novo objeto de desejo de
forma que os prazeres ilusórios possam ser, mais uma vez, re-experimentados. A
alternativa adotada pelo casal entrevistado foi justamente a de recorrer à imaginação
para criar novas fantasias.
Mesmo não me excitando ir nas festas, eu continuei liberal e querendo, aí nós começamos a procurar outras formas pra nos excitar. Então a gente começou a fazer uma coisa canalha, mas que era o que dava tesão... liga pro cara e propõe sair com ele dizendo que eu não sabia, pra ver se ele topa. E o cara topou. E ela começou a sair com ele, ele achando que eu não sabia, mas eu sabia. Quer dizer o pato na história era ele. Ele achava que estava saindo com ela e me traindo e não, a gente combinava, ela botava o celular pra eu ouvir, aquela história toda, e isso começou a dar tesão. (André)
Para Campbell, as combinações possíveis da fantasia são ilimitadas, mas a chave
para a sua elaboração se encontra na lógica da transgressão. Duarte (2004b) também
enfatiza o aspecto da transgressão na obtenção do prazer nas sociedades
contemporâneas. No swing, a fantasia é construída não só com pensamentos e imagens,
mas envolve a dimensão da vivência. Sair da esfera do imaginário e entrar no mundo da
experiência parece resultar, para os pesquisados, em uma constante elaboração de novas
fantasias e, conseqüentemente, novas transgressões.
111
Um dos aposentos que invariavelmente está presente nas casas de swing é o
chamado “quarto coletivo”. Gostaria de fazer uma analogia entre o quarto coletivo e o
boudoir, descrito por Moraes (1994), destacando as semelhanças e diferenças entre
praticantes de swing e libertinos.
Moraes (1994) descreve o boudoir como a unidade mínima do espaço sadiano,
de concentração da luxúria e síntese da libertinagem, local de excessos, onde acontecem
as orgias, flagelações, assassinatos, todas as volúpias. O boudoir representaria o
interstício entre o social e o pessoal, onde os novos regimes dos prazeres e das
satisfações são testados. Seria um pequeno aposento, onde os devassos encontrariam a
privacidade para realizar a intimidade libertina.
Em uma casa de swing existem outros espaços além do quarto coletivo.
Comparável ao banquete na sociedade setencentista, a boate pode ser descrita como o
lugar da sociabilidade, onde, ainda vestidos, os casais se encontram, se conhecem,
conversam, dançam, comem e bebem. As mesas em geral circundam o espaço de
maneira a facilitar o contato entre os casais, todos podem ver e serem vistos. Além da
boate existem os quartos individuais, que possuem portas com trancas, onde dois casais
(ou mesmo apenas um) podem entrar e se isolar na intimidade das quatro paredes, um
local privado. Já o quarto coletivo é o lugar das “surubas”, onde muitos casais e
solteiros (nos dias em que a casa permite sua entrada), interagem sexualmente. O espaço
da “sacanagem”, onde tudo é permitido, nada é obrigatório. A mesma economia de
objetos apontada por Moraes (1994) no boudoir pode ser encontrada ali. Ao invés da
otomana, a cama king size, os espelhos que circundam o ambiente e a não obrigação da
presença de todos.
Moraes (1994) aponta a apatia como o princípio fundamental da libertinagem.
Envolvendo as noções de distância, deslocamento e afastamento, é somente através da
apatia que seria possível chegar ao absoluto prazer. Ela permite isolar as experiências
sensíveis das convenções morais, dando lugar à sensibilidade superior do crime. Esta
indiferença e desligamento das exigências da vida em sociedade são condições
espirituais necessárias para o alcance da felicidade, que, para os libertinos, é temporal,
material e corporal, está ligada à noção de intensidade.
No swing, as práticas sexuais realizadas em um quarto coletivo não se parecem
com as de um boudoir, onde eram cometidos assassinatos, incestos, mortes lentas, com
o fim de aumentar a sensibilidade dos órgãos e incrementar os prazeres da libertinagem.
Entretanto, se traduzirmos para um contexto contemporâneo, percebe-se que é também
112
necessário um certo grau de distanciamento das convenções morais em um quarto
coletivo. Ali homens e mulheres assistem seus parceiros se relacionando com outra
pessoa, as mulheres fazem sexo com vários homens e com várias mulheres, ao mesmo
tempo ou em série. Um lugar onde são praticados os “vícios privados”, inaceitáveis
socialmente.
Há, entretanto, um aspecto fundamental que diferencia o boudoir de um quarto
coletivo. O desligamento do boudoir se dá através da completa separação entre
indivíduo e sociedade, onde o objetivo último é a felicidade. No quarto coletivo, o
distanciamento se expressa através da separação entre amor e sexo, com o objetivo
último do prazer, mas o desligamento em relação à sociedade não é completo, uma vez
que se mantém o vínculo matrimonial.
A diferença fundamental e possível contradição dos casais swingers é justamente
a de querer realizar esta busca pelo prazer e satisfação enquanto casal, não só
preservando, mas também valorizando o vínculo do casamento. A experiência swinger
não é radical como a libertina, pois não segue os desejos até as últimas consequências.
O casal é o limite e a experiência do prazer é vivida somente se permitida pelo(a)
parceiro(a). Neste sentido, o quarto coletivo parece ser parcialmente romântico, ao
tentar preservar o laço afetivo da experiência amorosa, e parcialmente libertino, em sua
procura pelo prazer sexual.
Intensidade e controle
Um aspecto possível de ser observado na prática do swing, e que diz respeito à
concepção sobre o prazer, é a importância da intensidade da experiência. Esta
intensidade está diretamente relacionada aos corpos no sentido de experimentação, de ir
até ou além do limite. Nem todos os casais apresentam este tipo de comportamento, mas
ele está presente na prática do gang-bang, por exemplo, quando uma mulher tem
relações em série com vários homens, um depois do outro. Uma analogia com o uso das
drogas e seus efeitos pode ser interessante para compreender esta dimensão do prazer.
Vargas (1998), em seu estudo sobre o consumo de drogas legais e ilegais, revela
um processo de “analgesia coletiva” na sociedade contemporânea. O autor enfatiza que
o ideal médico do “bem estar”, ao lado da luta contra a morte e pela cura das doenças,
demanda uma luta pela eliminação da dor e do sofrimento. No processo de
medicalização da dor, o próprio corpo deve se calar e, paralelamente a uma incitação ao
113
consumo medicamentoso de drogas legais, os limiares de suportabilidade do sofrimento
são reduzidos drasticamente, tendendo-se à supressão da própria experiência da dor.
Neste processo de “analgesia coletiva”, a saúde é reduzida à insconsciência do próprio
corpo, uma espécie de anestesiamento.
Vargas aponta que em “sociedades analgésicas” há um aumento da demanda por
estímulos cada vez mais poderosos para as pessoas terem a impressão de que estão
vivas. O autor argumenta que a experiência do consumo não medicamentoso de drogas
coloca em jogo modos intensivos de produção dos corpos, onde o vigor do instante da
vida se impõe sobre a duração da vida em extensão. Acredito que algumas práticas
observáveis no meio swing têm por característica este uso intensivo dos corpos, não
pelo consumo de drogas, mas através de uma certa “experimentação sexual”. O relato
de uma entrevistada, expressa o aspecto da intensidade do uso dos corpos que procuro
destacar aqui:
Já aconteceu de eu chegar num clube e dar para 8 homens. Porque naquela noite eu estava com muita vontade de fazer sexo, mas eu não queria fazer sexo com o meu marido, eu tava a fim de fazer sexo com outros homens, eu queria conhecer vários homens. Realmente eu dei para 8 homens e depois eu fiquei assim “meu Deus, como eu consegui”, mas eu precisava me experimentar, eu precisava saber o meu limite, ver até aonde eu poderia ir. (Irene)
A comparação com o uso de drogas aparece na entrevista de um dos casais em
torno da idéia de vício. A freqüência a uma casa de swing, de acordo com eles, pode se
tornar um vício. Tornar-se “viciado”, no depoimento do casal, aparece muito mais como
uma característica masculina do que feminina. À mulher caberia o papel de manter o
equilíbrio do casal, apontando os momentos em que se tornaria necessário um
afastamento do meio (ou do vício).
Henrique: a gente às vezes até tem que viajar um pouco, para sair desse vício, porque isso é uma cocaína. Pergunta: você acha que se torna um vício? Henrique: ah torna. Se ela não fosse o meu grande freio, eu era muito mais viciado nisso. Pergunta: mas vicia em que sentido? Henrique: porque de repente aquilo deixa de ser o tempero e você quer aquilo como o teu prato diário, e aquilo tem que ser o tempero. Heloísa: tem que ser que nem uma pimentinha, que se botar demais vai estragar.
114
Henrique: aí ela é o meu ponto de equilíbrio disso, ela diz não, está demais. Muda, isso muda o nosso relacionamento. Mas o legal é quando a gente viaja, até mesmo passar o final de semana no Recreio, a gente não entra em contato com o meio, a coisa volta a fluir mais normalmente. Sem dúvida nenhuma isso muda, você cria uma certa dependência da coisa, eu sinto isso. É errado? É errado, mas é uma cocaína. Porque a cocaína ela te dá uma dependência química, e isso é quase que uma dependência química, é a tua química mesmo né, porque a gente é tudo química, tudo é hormônio, glândulas. 42
Este depoimento também chama a atenção para uma dimensão que aparece
relacionada ao prazer para estes casais: a do swing como uma experiência intensa para
os sentidos. Em uma casa de swing, especialmente em certos aposentos como o quarto
coletivo ou o labirinto43, diversos estímulos ocorrem concomitantemente, podendo
afetar os cinco sentidos: olfato, tato, visão, audição e paladar.
Na prática do swing o olhar é a experiência que mais se destaca, e a figura do
voyeur é muito comum. De acordo com uma pesquisada, a maioria dos casais que vai a
casas de swing não chegam a realizar a troca, vai somente para olhar.
No swing o prazer voyeur aparece explicitamente no comportamento dos casais
que freqüentam uma casa apenas para olhar, mas também inclui o prazer de ser visto. O
exibicionismo e o voyeurismo são práticas que se complementam e influenciam o
comportamento dos casais. De acordo com uma entrevistada:
Você vê que as mulheres quando transam fazem muita mise-en-scène, sabe? Se eu vou dar um gemido, o meu gemido é mais alto, se eu vou transar, eu vou ter uma performance, eu vou caprichar mais. Eu mesma já fiz isso várias vezes, não vou dizer pra você que não fiz. Claro, porque você está ali em um ambiente que está todo mundo te vendo, que você está se expondo, que você está se exibindo, que você está se mostrando pra um outro homem que não é o seu marido do dia a dia que te conhece, você quer o que? Você quer mostrar que você é gostosa, que você é poderosa... eu acho que isso é do humano, principalmente quando você está em evidência. (Ana)
Outro ponto diretamente ligado à questão da intensidade do prazer advindo da
prática do swing é a tentativa de controlar este prazer e moldá-lo a padrões considerados
“adequados”, não apenas socialmente, mas, especialmente, para os próprios casais. É
42 Seria muito interessante pesquisar o consumo (ou não) de drogas neste meio. Mas esta questão não foi analisada no presente trabalho. 43 Labirinto é o nome que se dá a determinados ambientes em casas de swing onde há um corredor escuro com uma parede que o divide ao meio. Nesta parede existem buracos de diferentes tamanhos e as pessoas, nuas, se tocam através destes buracos, sem saber exatamente quem está do outro lado.
115
interessante pensar este aspecto do controle a partir do que Elias e Dunning (1992)
afirmam sobre a busca da excitação em sociedades contemporâneas. Segundo os
autores, nas sociedades industriais mais avançadas tanto as situações sociais de crise da
humanidade quanto as paixões foram sendo submetidas a um controle rigoroso.
Explosões incontroladas de forte excitação tornaram-se menos freqüentes e, mesmo nas
situações de grandes crises da vida privada dos indivíduos, os fortes sentimentos que daí
emergem são escondidos na intimidade do círculo mais íntimo. Nas sociedades
contemporâneas a excitação e a emoção “compensadora” são limitadas por restrições
“civilizadoras”.
Para os autores, é nas atividades miméticas de lazer que os indivíduos podem
compensar a restrição das emotividades na vida ordinária e viver a excitação de forma
controlada. Elas se constituirão em um enclave para desencadear, dentro de um quadro
social aprovado, um comportamento moderadamente excitado em público. Através
destas atividades nossa sociedade satisfaz a necessidade de experimentar em público a
explosão de fortes emoções, um tipo de excitação que não coloca em risco a relativa
ordem da vida social.
De acordo com Elias e Dunning, grande parte das atividades de lazer desperta
emoções que estão relacionadas com outras que as pessoas experimentam em outras
esferas - medo, compaixão, ciúme, ou ódio, por exemplo – mas de uma maneira que não
é seriamente perigosa como muitas vezes é na vida real. Na esfera mimética, segundo os
autores, estas sensações perdem o seu “ferrão”, tornam-se prazerosas. Um argumento
que surge entre os casais que entrevistei é o de que, quando sentem ciúme, tentam
transformá-lo em “tesão”. Este seria um complemento que tornaria a situação ainda
mais excitante, principalmente para os homens. Para um entrevistado:
Eu sentia um ciúme que eu transformava em tesão. Era assim, combustível pro tesão esse ciúme, de saber que ela estava com o cara e imaginar o que eles estavam fazendo, falando, fora do meu controle e eu transformava isso em tesão. Isso era uma coisa que eu gostava muito, que me mantinha assim, excitado. (André)
Elias e Dunning apontam que, nas atividades miméticas, as emoções - ou os
sentimentos desencadeados por elas - estão relacionadas às emoções que se
experimentam em situações de vida real, transpostas e combinadas por uma espécie de
prazer. Na prática do swing, a emoção que se busca reviver novamente, em analogia ao
116
que acontece na vida real, parece ser a da sedução. Um dos grandes prazeres
mencionados pelos entrevistados é o jogo de conquista entre um homem e uma mulher.
Em um depoimento, um entrevistado coloca que a diferença para os homens na prática
do swing é:
a novidade, o desconhecido. A oportunidade de causar boa impressão com uma conversa inicial envolvente, com uma abordagem física marcante e com a possibilidade de satisfazer uma mulher que não seja a sua companheira de vida de há tanto tempo. Para as esposas a diferença é a de viver novamente a gostosa sensação de ser conquistada, seduzida e a de ter perto de si um homem determinado a agradar, em satisfazer os desejos e anseios dela para só depois pensar nos dele. (Lucas)
Um dos argumentos de Elias e Dunning é o de que, na sociedade ocidental, a
grande excitação inerente ao encontro dos sexos foi limitada a uma forma muito
específica, onde a paixão brutal e a excitação constituiriam um grande perigo. A maior
excitação possível socialmente reconhecida - simbolizada pelo conceito de amor - ao ser
ajustada à ordem social, é restrita, em princípio, a uma única experiência na vida de
cada pessoa. Elias e Dunning chamam atenção para o papel que cumpre a representação
do amor em boa parte dos produtos da esfera mimética em nossa sociedade (filmes,
livros, comerciais de tv), com o intuito de proporcionar a renovação da excitação
específica associada à ligação de um homem e de uma mulher.
Acredito que o swing pode ser interpretado como uma maneira de reafirmar este
grande “laço” entre o casal. Os autores argumentam que uma característica comum dos
tipos miméticos é a produção de tensões de um tipo específico, o desenvolvimento de
uma “tensão-excitação” agradável, uma peça fundamental da satisfação. Na prática da
troca de casais, a grande “tensão-excitação” que está sendo posta em jogo é o risco de
ser efetivamente trocado. Este risco, no entanto, é supostamente controlado por uma
série de restrições que envolvem a prática e, principalmente, pelo acordo do casal em
participar do jogo. É como se experimentassem ali a possibilidade de manterem relações
sexuais com outras pessoas, mas de maneira controlada, limitando o risco da separação
e também evitando a infidelidade tão temida. A tensão oriunda desta situação gera
prazer e o ápice da satisfação acontece na reafirmação do vínculo amoroso entre o casal.
Desta maneira, a prática do swing permite que se experimente uma agradável
excitação, o prazer sexual com outras pessoas, que pode ser desfrutado sem ter como
117
consequência as suas perigosas implicações sociais e individuais: o fim do casamento
monogâmico ou a separação do casal.
Swing = adultério consentido?
Em “A vontade de saber”, Foucault (2005) busca revelar o regime de poder –
saber – prazer que sustenta o discurso sobre a sexualidade. Ao contrário do que coloca a
“hipótese repressiva” sobre a existência de uma interdição e censura no que diz respeito
ao sexo, o autor argumenta que a partir do século XVIII assistimos a uma verdadeira
explosão discursiva em torno e a propósito do sexo.
Foucault destaca a centralidade que a confissão, como uma técnica de produção
de verdade, alcançou no Ocidente. Difundida amplamente na justiça, na medicina, na
pedagogia, nas relações familiares, nas relações amorosas, na esfera mais cotidiana e
nos ritos mais solenes, a obrigação da confissão se tornou tão profundamente
incorporada que não é mais percebida como efeito de um poder que coage os
indivíduos. Focault enfatiza que não se trata apenas de dizer o que foi feito – o ato
sexual – e como, mas sim de reconstituir nele e ao seu redor os pensamentos e as
obsessões que o acompanham, as imagens, os desejos, as modulações e a qualidade do
prazer que o contém. Para o autor, na sociedade ocidental, é na confissão que se ligam a
verdade e o sexo, pela expressão obrigatória e exaustiva de um segredo individual.
Através desta incitação permanente ao discurso, costruiu-se em torno do sexo
um grande aparelho para produzir a verdade. O sexo estaria oculto, transforma-se em
um segredo a ser revelado. A sexualidade precisa ser conhecida, desvendada,
dominada44. Através da confissão encontra-se uma fala a respeito dos sentimentos, das
fantasias, dos sonhos.
A partir do que Foucault afirma sobre a construção da sexualidade enquanto
verdade do sujeito e a centralidade da confissão nesse processo, é possível pensar a
idéia de infidelidade para os praticantes de swing. Relacionar-se sexualmente com outra
pessoa além de seu próprio parceiro não constituiria uma traição para os casais
entrevistados. É importante, no entanto, enfatizar que existem regras e limitações sobre
este comportamento sexual. A principal delas é que a relação com outra pessoa só pode
acontecer com o consentimento do parceiro. Nas palavras de um entrevistado: “no nosso
44 Duarte (2004b) também se refere ao processo de “desentranhamento” da sexualidade como uma nova dimensão do humano, que se intensifica principalmente a partir do século XVIII.
118
casamento pode haver o adultério, mas o adultério consentido, que é o swing. O swing
é o adultério consentido” (André). O que pode ou não ser feito varia de casal para casal
e segundo André “se for negociado, não tem regra”, mas “tem que falar na hora, antes
de acontecer”. Outro entrevistado disse: “acontece de sair sozinho? Acontece. Mas
nesse caso de sair sozinho há o consentimento da outra parte de saber que a pessoa
está saindo sozinha” (Ivan).
Ser infiel, para eles, é quebrar o acordo existente, é fazer algo fora do previsto,
mentir ou esconder do parceiro. A infidelidade, portanto, seria a “traição da confiança,
do combinado”. Para uma entrevistada, “a partir do momento que você esteja fazendo
uma coisa que o outro não está de acordo, é traição” (Gabriela). Outra entrevistada
disse que ser infiel é “se relacionar com outra pessoa sem o seu parceiro saber”
(Emília). Para eles, a traição “não precisa ser relação sexual”, fazer sexo com outra
pessoa não é sinônimo de infidelidade. Porém, quando essa relação envolve algo além
do sexo casual, quando é “sexo com sentimento”, aí sim se estabeleceria um caso de
traição. Segundo uma entrevistada: “Para a gente a traição é do que foi combinado
entre nós dois. Se a gente combinou que não e o outro fez, então você traiu a confiança
que eu tinha em você e o combinado entre a gente, não é a traição física” (Ana).
Observa-se, novamente, no discurso dos pesquisados a separação entre sexo e
amor. Para uma entrevistada:
Eu estou assistindo o meu marido com outra mulher, mas ele não está me traindo, porque eu estou assistindo e eu estou consentindo. Ele ali está fazendo sexo com ela, não está fazendo amor. Comigo ele faz amor, com ela ele faz sexo e no caso, aí ele não vai estar me traindo. Porque é completamente diferente você fazer sexo com uma pessoa que realmente você ama e fazer um sexo casual, completamente diferente. (Irene)
O acordo em torno do qual se define a relação com outras pessoas não é o
mesmo para todos os casais. Para um casal não há problema se um dos dois sair com
outra pessoa sem a presença do parceiro. Essa saída é combinada previamente e vivida
como parte da fantasia dos dois. Já para outro casal não é permitido fazer nada sem a
presença do parceiro. Cada casal estabelece seus princípios e demarca suas fronteiras.
Goldenberg (2000) sugere que liberdade e reciprocidade são as categorias que
representam melhor as intensas transformações que originaram os atuais arranjos
119
afetivo-sexuais. Para a autora, homens e mulheres, ao invés de reproduzirem modelos
sociais, procuram nos dias de hoje “inventar” suas formas de parcerias amorosas.
Um dos pontos que parece essencial para se entender o que é e o que não é
traição para os pesquisados é compreender que a relação com outras pessoas numa casa
de swing é considerada estritamente sexual, movida pelo desejo, mas sem envolvimento
afetivo. A traição é justamente quando esse lado afetivo se apresenta: “infidelidade é
quando rola sentimento” (Carolina) e no swing “não pode existir amor” (Cláudio).
Torna-se difícil, entretanto, delimitar o que é considerado amor ou sentimento e
o que significa apenas satisfação de desejo nas relações com outras pessoas. Quais os
gestos e atitudes que indicariam um envolvimento afetivo? Este limite parece variar de
acordo com o casal e também se modifica ao longo do tempo. Cada um combina com
seu parceiro o que aceita ou não aceita que o outro faça. As regras do jogo mudam de
jogador para jogador. Um entrevistado coloca que inicialmente não se permitiam beijar
na boca de outras pessoas.
São regras que a gente vai aprendendo. Quando a gente começou era proibido beijo. Aí um dia depois ela virou para mim e falou “faltou alguma coisa”, eu disse “o que você acha que faltou?”, “ah, sem beijo não dá não, horrível”. Entendeu, então você vai evoluindo. (Henrique)
O mesmo entrevistado disse: “existem regras, com certeza existem regras. Ela
não gosta de eu ficar de cochicho no ouvido de outra mulher”. (Henrique).
Procurar outra pessoa para se relacionar sexualmente, desde que seja com o
consentimento do parceiro, não se constituiria uma traição para os entrevistados. O
importante é que tudo seja negociado. Revelar tudo ao outro - o que aconteceu durante
uma “transa” numa casa, as fantasias sexuais, a “cantada” que se levou na rua - mostra-
se essencial para o casal praticante de swing, uma forma de tornar a união ainda mais
sólida. A idéia de “fidelidade confessional”, desenvolvida por Salem (1989) em seu
estudo sobre o “casal igualitário”, pode ajudar a compreender este tipo de
comportamento dos pesquisados. Segundo a autora, a confissão atuaria como um
mecanismo compensatório, como uma forma de inclusão do cônjuge numa experiência
da qual, a princípio, havia sido excluído.
Em “A vontade de saber”, Foucault (2005) mostra de que maneira essa incitação
ao discurso sobre o sexo, aparentemente um movimento de liberalização, é, ao
contrário, uma forma de controle dos comportamentos, parte de um dispositivo de
120
poder. Essa revelação dos desejos por parte dos casais swingers e sua busca incessante
de realização das fantasias são vistas como parte de uma atitude liberal, mas também
podem ser percebidas como uma maneira de controlar a sexualidade do outro,
procurando controlar inclusive a possibilidade de ser traído.
Goldenberg (2000) indica que a fidelidade é valorizada pelos casais por ela
pesquisados não com base em prescrições morais, mas sim por uma disposição
consciente de pessoas que se amam, exigem direitos iguais no campo da sexualidade e
têm medo de acabar com um relacionamento amoroso em função de uma aventura. Já os
casais praticantes de swing consideram que a possibilidade de viverem aventuras
sexuais de forma negociada dentro do próprio casamento tornaria uma eventual traição
de um dos parceiros ainda mais grave. Entre os entrevistados, a fidelidade, mais do que
valorizada, parece ser uma condição essencial para a preservação do casamento.
Mesmo que represente uma forma alternativa de se vivenciar uma relação
afetivo-sexual, aparentemente mais livre, a prática do swing também envolve controle e
regras rígidas. Ao contrário do que ocorre no “casamento extraconjugal”, analisado por
Béjin (1987), onde os coabitantes admitem certas infidelidades, considerando-as
passageiras, os casais praticantes de swing encaram a possibilidade de uma traição
como uma atitude inadmissível. Segundo um entrevistado, a infidelidade é resolvida “na
bala”: “o swingueiro não trai, a traição entre swingueiro é pior do que entre casal que
não faz swing. Porque o casal que não faz swing tem a desculpa, o álibi, de que não tem
liberdade, nós não” (André). Outro entrevistado disse: “entre os swingueiros, não tem
essa coisa de sair para dar um pulinho de cerca ali, sozinho, não. É pecado mortal,
gravíssimo” (Emanuel).
Pode-se, assim, pensar a prática do swing também como uma alternativa adotada
pelos casais para se prevenirem contra a infidelidade. Ao controlar a sexualidade do
parceiro consentindo que ele mantenha relações sexuais com outras pessoas, os
swingers acreditam estar se protegendo da tão indesejada situação de traição. Essa idéia
está presente no depoimento de uma entrevistada:
Eu já fui muito traída em outros relacionamentos, né? A principal razão da minha separação do primeiro casamento é que eu peguei o meu marido na minha cama com outra mulher e hoje eu assisto o meu marido na minha cama com outra mulher e não me incomodo. (Irene)
O marido acrescenta: “é porque antes era às escuras, hoje não” (Ivan).
121
Um slogan encontrado em um blog45 de um casal adepto do swing também
sintetiza esta idéia:
Em frases como “a prática do swing é uma forma de experimentar novas
sensações sem apelar para a traição”46 pode-se notar que o swing representa para os
seus praticantes uma espécie de proteção contra a infidelidade conjugal. Nas palavras de
um entrevistado: “se eu quisesse ter relação paralela eu não fazia swing, eu fazia como
na minha relação anterior, que eu não fazia swing e tinha mulheres na rua, tinha
amantes e tal” (André). Bauman (2004), ao abordar o échangisme na França, aponta as
vantagens que esta prática possuiria sobre o simples adultério: uma vez que todos são
participantes, nenhum dos envolvidos é traído e nenhum deles tem seus interesses
ameaçados.
A infidelidade é desafiada e subvertida pelos praticantes de swing, desde que a
prática ocorra dentro de uma série de regras e restrições que controlam o que é ou não é
permitido ou consentido pelo casal.
Não parece tão fácil derrubar esse grande problema que permeia as relações
afetivo-sexuais: a infidelidade. Para Goldenberg (2006), hoje em dia talvez seja mais
comum encontrar homens e mulheres infiéis do que fiéis, mas esse tipo de
comportamento, apesar de sua freqüência, continua sendo percebido como um problema
gravíssimo e inaceitável, inclusive para aqueles que o praticam. No caso do swing,
mesmo mudando os termos que definem a infidelidade, o problema permanece.
45 http://casalbambamepedrita.blig.ig.com.br/ 46 http://www.comprazer.net/
122
Considerações finais
Ao longo destes cinco anos em que minha atenção esteve, de uma forma ou de
outra, voltada para o estudo do swing, observei diferentes reações diante de um assunto,
senão incômodo, no mínimo polêmico. Nem sempre revelei meu tema de pesquisa a
alguém apresentado em um evento qualquer, a fim de evitar a inevitável enxurrada de
perguntas ou a exaltada curiosidade que provocava. Mas para os que revelava, íntimos
ou desconhecidos, do mundo acadêmico ou não, sempre observei uma certa polarização
extrema.
Para alguns, o swing é um mundo machista, de dominação masculina e mulheres
submissas. Nada mais do que o velho e conhecido comportamento tradicional. Para
outros, uma experiência ousada, libertária e inovadora. Uma tentativa moderna de viver
um relacionamento.
O que observei nessas reações, foi uma necessidade de classificar, de opor, de
escolher um lado ou outro. No entanto, o que encontrei no comportamento dos
pesquisados, nas questões e reflexões surgidas ao longo da pesquisa, foi justamente a
ambigüidade. Aprendi muito sobre a contradição, o inclassificável, sobre estar entre
dois lugares e não pertencer, de maneira definitiva, a nenhum deles. Aprendi, também, a
me posicionar assim diante do mundo, por mais difícil que seja encontrar essa postura,
que por tantas vezes soa provocadora para aqueles que esperam uma certeza, uma
resposta ou um veredicto final.
Uma parte curiosa da pesquisa foi perceber o quanto existe de subjetivo na
postura de uma pesquisadora em campo e o quanto esta subjetividade se reflete na
maneira como a pesquisa se desenvolve. Nos momentos iniciais esta foi uma
preocupação que me levava a muita tensão e cansaço. Acredito que, qualquer que seja o
tema de pesquisa, a postura do pesquisador diante do tema e dos pesquisados exerce
uma influência determinante no trabalho. Mas em uma pesquisa cujo tema envolve,
direta ou indiretamente, o comportamento sexual, a postura a ser adotada tornou-se um
foco de atenção e de preocupação maior. Que fascínio é este que o sexo exerce e que,
apesar de excessivamente discutido, mostrado, revelado, continua na esfera do proibido
ou do mistério?
Outra observação interessante foi a de que mesmo o ambiente acadêmico carece
de relativismo. A associação entre pesquisador e objeto de estudo é mais comum do que
eu imaginava e, ao longo da pesquisa, precisei desenvolver formas diversas de enfrentar
123
a “estigmatização do pesquisador no estudo de temas estigmatizados”. O interessante é
que, no caso do swing, o estigma parece estar mais relacionado à própria prática do que
a seus praticantes, uma vez que estes, através de mecanismos diversos como os
apelidos, o uso do celular e da internet, mantém suas identidades anônimas para o resto
da sociedade.
Qual a relevância de estudar um grupo que, à primeira vista, parece tão
minoritário, exótico e oculto por trás de casas sem nome na porta ou letreiros na
entrada? Acredito que o esforço de compreender este grupo, seu comportamento e seu
discurso, para além do seu possível exotismo, permitiu refletir sobre questões
importantes sobre gênero e sexualidade na cultura brasileira.
Em um ambiente de suposta liberdade sexual, onde homens e mulheres, casados,
relacionam-se sexualmente com outros casais, algumas premissas e regras fundamentais
buscam estabelecer limites a essa liberdade e adequá-la a padrões aceitáveis para os
participantes. O swing é como um jogo. Uma “recreação sócio-sexual”47. E, como todo
jogo, tem suas regras que devem ser respeitadas.
A principal delas diz respeito ao consentimento, ao acordo entre o próprio casal
e com os outros casais – “você pode tudo, mas não é obrigado a nada”. Pode-se pensar
que o swing é uma tentativa para controlar um dos principais fantasmas que aparecem
nos relacionamentos conjugais: a infidelidade. Praticar o “adultério consentido” seria
uma maneira de se proteger contra o adultério não-consentido – “se você pode fazer na
minha frente, por que fazer escondido?”
Esse “poder tudo” esbarra em uma das principais “proibições” - talvez a única –
que, explícita ou implicitamente, encontrei no meio swinger: “não tem
homossexualismo masculino”. Ao tentar compreendê-la, pude perceber como, no Brasil,
a construção da masculinidade é fortemente baseada no desempenho de determinado
comportamento sexual. Provar que é “homem de verdade”, defender essa postura ativa,
inclui se comportar de determinada maneira e não de outra, se vestir de certa forma e
não ter sua imagem exposta ou exibida em fotografias para não ser acusado ou
confundido com um ‘gay’. Já no caso feminino, ser mulher não depende de se relacionar
sexualmente apenas com homens. Entre as praticantes de swing, relacionar-se com
mulheres é muito comum e ter tido esta experiência não coloca em dúvida sua
feminilidade nem para elas mesmas, nem para os outros.
47 Um dos nomes encontrados em textos da internet ou matérias da mídia para designar a prática.
124
Em um universo de liberdade controlada, as mulheres acabam ultrapassando
certas restrições que se encontram no mundo social: a de se relacionar sexualmente com
vários homens em uma mesma noite ou de experimentar relações sexuais com mulheres.
Romper com determinadas barreiras aparece, em seus discursos, como uma descoberta
que tem como resultado um conhecimento maior do próprio corpo e desejo. Os homens
parecem muito mais presos ao seu papel de “macho dominador”, enquanto as mulheres
parecem mais livres para experimentar papéis e lugares que, se vividos abertamente na
sociedade, correriam o risco de sofrer acusações e preconceitos. Neste sentido, pode-se
pensar que o homem é uma das grandes vítimas da dominação masculina e parece muito
mais resistente, ou talvez tenha mais dificuldade, para romper com esta lógica.
No que diz respeito ao corpo, a mulher parece estar muito mais preocupada em
ser e parecer desejável, na roupa que veste, no tipo físico determinado, enquanto a
preocupação do homem em relação ao seu corpo parece estar centrada em um único
aspecto: o pênis. Não exatamente no órgão em si, mas em seu funcionamento. Não
muito diferente do que parece ocorrer nos relacionamentos em geral, no meio swing, as
mulheres costumam ser mais jovens do que os homens. O que observei neste meio é que
a própria vantagem ou desvantagem de um casal para se relacionar com outros casais
parece estar muito mais centrada na idade e na aparência física da mulher do que nas do
homem.
Foi curioso perceber as divisões e diferenciações existentes em um meio em que
se busca por maior liberdade. A separação entre poliamor e swing, em uma esfera mais
global, entre swingers à vera e swingers à brinca, entre aqueles que fazem e os que
olham, entre a tribo dos mais velhos, dos mais magros, dos mais jovens ou dos mais
desejáveis, foram diferenciações que parecem limitar bastante esta procura por
liberdade.
Um outro ponto interessante diz respeito à vivência de fantasias sexuais. Percebi
que o swing, para alguns, é apenas uma das fantasias em uma série de muitas outras.
Com o passar do tempo, para certos casais (não todos), o swing deixa de ser um
estímulo, não é mais tão excitante, e novas fantasias são criadas e buscadas. A lógica do
desejo, fantasia, consumo, frustração e novos desejos, presentes na sociedade de
consumo aparece aqui associada à esfera da sexualidade.
Apesar de estarem dispostos a viver uma maior liberdade sexual em seus
relacionamentos, os pesquisados pretendem manter uma fidelidade amorosa. A proposta
swinger incluiria uma “poligamia sexual”, com a preservação de uma “monogamia
125
amorosa”. A separação entre sexo e amor parece ser um dos princípios fundamentais
para aqueles que aderem à prática. Os limites entre o sexual e o afetivo, entretanto, nem
sempre são claros e o que pode e o que não pode é, mais uma vez, parte de uma
negociação de cada casal.
Os casais swingers procuram satisfazer as suas fantasias sexuais transgredindo,
dentro de um limite determinado, certas convenções sociais sobre sexo e casamento. No
entanto, por meio da separação entre sexo e amor e sob o domínio do consentimento, o
swing pode acabar reafirmando as convenções existentes.
Realizar este estudo me permitiu refletir sobre temas que vão muito além do
universo swinger, que não se referem exclusivamente à troca de casais: os dilemas entre
sexo e amor em um relacionamento afetivo-sexual; a busca por satisfação de desejos
paralela a uma preocupação com a estabilidade da relação amorosa; a dominação de
gênero presente mesmo em formas alternativas de casamento e sexualidade; a maior
liberdade feminina para viver experiências sexuais que não questionam sua identidade
como mulher. Um dos pontos mais interessantes foi a possibilidade de discutir o valor
da fidelidade entre os praticantes de swing e a ambigüidade existente entre liberdade e
controle. Acredito que as contradições que aparecem ao tentar entender a prática do
swing - nas oposições entre tradicional X vanguarda, controle X liberdade,
conservadorismo X subversão - são também expressões da forma conflituosa como se
vive a sexualidade, o casamento, a infidelidade e a própria identidade de gênero nos dias
atuais.
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