Acervo Paulo Freire
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… Paulo Freire Antes que os homens falassem, eles já interpretavam o mundo. Depois de falar, muito tempo depois, é que inventaram a escrita, uma “codificação da fala”. Referimo-nos aqui, é claro, à escrita fonética, em que as letras representam “sons”, fonemas. Parece um nadinha dizer isso assim – por trivial que pareça. Mas não é tanto assim. O que o argumento esconde é que a invenção da escrita corresponde a certas necessidades do próprio contexto histórico e social . Essas necessidades, no entanto, se perdem no esquecimento depois que o “código” foi estabelecido. A escrita [fonética] foi inventada como uma lembrança grafada de uma fala e, de certo modo, ela concorre em sentido contrário da memória, como “tradição oral”. Se nos permitem um resumo grosseiro do argumento, apenas para pontuar a nossa discussão, perguntaríamos o seguinte: qual é a interpretação de mundo que essa escrita codifica? De quem é esta fala que deve ser lembrada ipsis litteris? Que usos a palavra escrita assume, ao ser inventada?
Pensando uma
prática educativa para o ensino médio
a partir de Paulo Freire
Notas de trabalho sobre o documentário “Paulo Freire
Contemporâneo”
Eduardo Amaral
Pensando uma prática educativa para o ensino médio a partir de Paulo Freire: Notas de trabalho sobre o documentário “Paulo Freire Contemporâneo”
Eduardo Amaral*
O Ministério da Educação, através da Secretaria
de Educação à Distância, mantém a programação
da TV Escola, que visa à formação de professores.
Tive a oportunidade de participar do programa
Acervo, que na ocasião veiculou o documentário
“Paulo Freire Contemporâneo”. O que se segue é a
proposta de trabalho que redigi a partir do
documentário. (EA, 2007)
* Eduardo Amaral é professor de Filosofia na rede pública estadual de São
Paulo. Autor do blog “a propósito…”: http://edu74.wordpress.com/
… Paulo Freire
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Introdução e proposição do trabalho
É sabido de todos que um dos grandes desafios do ensino médio tem sido o
de fazer dos alunos bons leitores, isto é, que tenham uma boa compreensão
de textos entre os vários gêneros discursivos, bem como consigam
escrever razoavelmente textos, com coerência e correção, observadas as
regras gramaticais e ortográficas da língua portuguesa. E tanto maior o
desafio quanto mais diagnosticamos que, por inúmeras razões possíveis, os
alunos têm chegado do ensino fundamental com um sem número de
dificuldades, quer na compreensão de textos, quer na escritura. Não
discutiremos aqui tais razões possíveis para esse quadro – trata-se aqui
meramente de uma constatação. A questão que se nos coloca, no entanto, é
o que fazer com tais alunos, cuja habilidade em ler e escrever encontra-se
muito aquém do que esperávamos que estivessem.
Tais dificuldades incidem em todas as disciplinas e repercutem no que os
alunos conseguem reter delas ou desenvolvê-las. Afora o fato de que, em
muitos casos, é pela linguagem escrita que avaliamos nossos alunos. Tanto
é assim que alunos que tenham maior fluência ou domínio da linguagem
escrita tendem a ter melhor desempenho em nossas provas.
A proposta de trabalho que desenvolveremos aqui quer apresentar um
caminho possível de como lidar com isso, de modo interdisciplinar. As
sugestões que faremos, a partir da exibição do vídeo documentário “Paulo
Freire Contemporâneo”1, dirigem-se a dois momentos complementares:
um primeiro momento, nas reuniões pedagógicas, pois acreditamos que os
professores, antes de qualquer trabalho com os alunos, devam também
discutir o vídeo, trabalhar com ele em vista de sua própria formação e para
o planejamento conjunto das atividades a serem desenvolvidas com os
alunos, que é o segundo momento do trabalho.
Para falar de Paulo Freire. Dispensamos aqui uma longa apresentação de
nosso personagem – apresentação que o documentário responde por si só
e de modo muito mais tocante do que poderíamos fazer agora.
Pretendemos apenas chamar a atenção para alguns aspectos abordados no
vídeo, decorrentes da elaboração teórica de Paulo Freire e sobretudo da
1 O vídeo-documentário Paulo Freire Contemporâneo está disponível no site da Tv Escola do Ministério da Educação: http://goo.gl/2bW6h
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prática de sua ação educativa e que nos interessarão estrategicamente
para elaborar uma proposta de trabalho. A seguir, alguns comentários e
sugestões de trabalho para a discussão entre os professores.
A leitura do mundo antecede a leitura da palavra
Antes que os homens falassem, eles já interpretavam o mundo. Depois de
falar, muito tempo depois, é que inventaram a escrita, uma “codificação da
fala”. Referimo-nos aqui, é claro, à escrita fonética, em que as letras
representam “sons”, fonemas.
Parece um nadinha dizer isso assim – por trivial que pareça. Mas não é
tanto assim. O que o argumento esconde é que a invenção da escrita
corresponde a certas necessidades do próprio contexto histórico e social1.
Essas necessidades, no entanto, se perdem no esquecimento depois que o
“código” foi estabelecido. A escrita [fonética] foi inventada como uma
lembrança grafada de uma fala e, de certo modo, ela concorre em sentido
contrário da memória, como “tradição oral”. Se nos permitem um resumo
grosseiro do argumento, apenas para pontuar a nossa discussão,
perguntaríamos o seguinte: qual é a interpretação de mundo que essa
escrita codifica? De quem é esta fala que deve ser lembrada ipsis litteris?
Que usos a palavra escrita assume, ao ser inventada? — Claro está que não
se trata de uma necessidade vivida da mesma forma por todos, mas refere-
se primordialmente a um determinado grupo/classe social, que detém
autoridade (também no sentido de “autoria”) sobre o “código”. Ora, isso
tem a ver com o processo histórico de inclusão e de exclusão de
grupos/classes sociais do “universo letrado”2, considerando variáveis sociais
e econômicas que facilitam ou dificultam em muito a aprendizagem do
próprio código, como o acesso à educação formal (escolarização), acesso
aos livros e documentos escritos, etc.
Em algum momento do vídeo, Paulo Freire afirma que a alfabetização é por
ele considerada como uma codificação da experiência concreta dos
1 Sabemos das repercussões da palavra escrita para o mundo grego. Para um panorama mais geral do problema, cf. HAVELOCK, Eric A. A Revolução da Escrita na Grécia Antiga e suas consequências. São Paulo/Rio de Janeiro: Ed. Unesp/Paz e Terra, 1996. 2 Uma primeira sugestão é que os professores de História incorporem essa temática em seus planos de aula. O assunto pode ser encontrado em vários livros de História da Educação. O tema, precisamente, é o fio condutor da ótima e de saborosa leitura de Mario Alighiero Manacorda, História da Educação: da Antiguidade aos nossos dias. São Paulo: Cortez, 7ªed.,1999.
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educandos. E eis um dos primeiros fundamentos nos quais a prática
educativa proposta por Freire se desenvolve. No entanto, ao que tudo
indica, essa ‘fala codificada como escrita’ se refere a uma determinada
experiência – a de um determinado grupo/classe social, muito específico.
Trocando em miúdos, não foi a “fala popular” que a primeira escrita
expressou, tampouco foi a experiência dos que vem de baixo (sejam
escravos ou trabalhadores, ou digamos de modo genérico: “o povo”) que
esta escrita quis codificar.
Etimologia como ferramenta de trabalho
Em resumo e para melhor explicitar o ponto do argumento, digamos que a
palavra escrita veicula uma interpretação do mundo, que não pode ser
tomada como se fosse “natural” – mas sim, social e histórica. Os nomes que
as coisas receberam, quem foi que os deu? Por quê? Por que esses nomes e
não outros? Porque já havia uma interpretação – o que nos dá pistas
qualquer pesquisa etimológica das palavras que costumamos empregar.
Pois o sentido que damos às palavras, por vezes, é bastante diverso
daquele que a sua etimologia ensina. Donde o segundo momento do
“método”, que é tematizar as palavras, perceber nelas o seu sentido
originário, por assim dizer.
Tomemos uma palavra, daquelas sempre presentes nas cartilhas e de uso
mais corriqueiro, que poderia ser insuspeita: CASA. Como proceder a partir
dela? Em primeiro lugar, a mera discussão do seu significado, pode dar
margem a boas discussões com os alunos.
a) O que é que chamamos de CASA? Qual é a coisa que esse nome nomeia?
Poderemos reparar que usamos o nome indistintamente para vários
objetos diferentes entre si. Casa, de alvenaria, telhado, janela, na qual
existem dormitórios, cozinha, área, quintal, varanda… Ou outra casa,
um cômodo apenas, feita de restos de tábuas de madeira, em palafitas
sobre as margens de algum córrego. Ou seja, dizemos CASA
indistintamente para qualquer habitação, seja ela como for. O primeiro
passo é fazer com que os alunos pensem sobre os diferentes tipos de
habitação, por exemplo. Tentar entender porque é que são tão
diferentes.
b) Uma consulta a um dicionário etimológico ou, o que aqui indicamos, o
Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, rico em análises
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etimológicas, pode nos dar boas pistas de como a palavra foi abarcando
todos estes objetos.
c) Se formos pesquisar a origem desta palavra, portanto, veremos que
ela não era o nome para “qualquer habitação”. A palavra CASA é de
origem latina, CASA mesmo, mas designava uma habitação rústica,
‘popular’ por assim dizer: “choupana, cabana, casebre, arribana”.
d) Em oposição à palavra casa, a língua latina possuía outra palavra,
DOMUS, que aí sim é aquilo que entendemos por esse nome “casa” hoje
em dia. DOMUS, de onde vem a palavra ‘domicílio’, quer dizer ‘casa,
morada, habitação’, explica o dicionário. E ‘domicílio’ tem a ver com
‘domínio’: é o lugar que está sob meu domínio, domínio privado, espaço
privado.
e) É que a noção que a palavra latina carrega remete a outra, ainda
seguindo as pistas do dicionário: ‘ec(o)-’, que é o mesmo antepositivo
da palavra ecologia ou economia, por mais diferentes que pareçam ser
em seu significado.
ec(o)-
antepositivo, do gr. oîkos,ou ‘casa, habitação; bens, família’
A palavra OÎKOS, da língua grega, se refere a um conjunto de coisas que
aprendemos a chamar por nomes diferentes. Significa ‘casa’ (que em
um sentido bastante amplo poderemos entender o sentido da palavra
ecologia), mas também todos os ‘bens’ (bens materiais, o que
chamamos de ‘bens de consumo’) que a casa possui: a geladeira, o
fogão, a mesa, o armário, as camas… tudo isso são as ‘posses’, os bens
do ‘proprietário da casa’. Então, OÎKOS designa tudo que é de posse de
alguém, o que é ‘propriedade privada’ e que portanto está sob domínio
de alguém, e portanto, o terreno em que a casa foi construída, bem
como todas as terras que são de posse do proprietário de terras são da
sua OÎKOS. Por extensão de sentido, ainda, toda riqueza e tudo o que
pela riqueza se pode obter são também designados por OÎKOS (e eis a
economia!).
f) Mas poderemos ainda estranhar que no dicionário, ao lado de ‘casa’ e
‘bens’, apareça também a palavra ‘família’ na explicação desse
antepositivo ‘ec(o)-’. Pois a família, para os gregos antigos, é também
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parte da OÎKOS, tanto quanto os cavalos, que são propriedade do senhor
das terras, são da OÎKOS. Ele é o senhor de tudo. A relação que se
mantém entre os membros da família e o senhor (ou ‘chefe de família’)
é uma relação de mando, de domínio, tanto quanto o proprietário
manda e domina todos os seus bens. — Não é esta uma boa imagem
para explicitar as relações privadas e familiares entre os povos
antigos?
g) Ora, então a palavra CASA que empregamos carrega o sentido de
propriedade privada (o “lar” e tudo o que o lar comporta) – sentido
que tem a ver com uma experiência muito específica, que é a do
‘senhor’. [Percebam ainda que a cada palavra de que lançamos mão,
como essa: “senhor”, um novo leque de sentidos se abre? Os usos que
damos a palavra “Senhor”, “Sr.”…] Para quem não seja proprietário
sequer de seu próprio lar, ou que seu lar não seja tal como
reconheçamos como sendo uma CASA, não pode entender o uso que faz
dessa palavra, ou entenderá como sendo algo estranho a ele, algo que
foge de sua própria experiência – que eventualmente pode ser a
experiência dos ‘despossuídos’, dos sem-posses, sem-domicílio, sem-
casa, sem-família.
Quando Freire diz que a alfabetização é um processo criador quer tocar
neste ponto. Seria preciso que tais necessidades que concorreram para a
invenção da escrita fossem de algum modo revividas pelo educando –
como se, para aprender o código fosse preciso também “recriá-lo”. Mas
recriá-lo a partir de sua experiência concreta, de como interpreta tal
experiência, para só depois codificá-la como escrita e reconhecê-la como
leitura.
Portanto, tal escrita e os métodos de seu ensino não dialogam em princípio
com a experiência concreta destes educandos, dos filhos do “povo”, de
modo que, para eles, a alfabetização se torna um processo difícil e muitas
vezes absolutamente ineficaz, por não corresponder a nada de sua
experiência concreta, tampouco de sua “experiência vocabular”1. — Ocorre
que, nas nossas escolas ensinamos as palavras que fogem do universo
1 Reparemos, no vídeo, o zelo em colher “de casa em casa” as palavras que compõe “universo vocabular” de Angicos (RN), para servirem de “palavras geradoras”: palavras de uso corrente, de uso do “povo” a quem se destina a ação pedagógica, a partir das quais os alunos terão acesso ao código de “todos os fonemas da língua portuguesa”.
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vocabular de nossos alunos, que não têm sequer uso oral delas ou para elas –
e portanto não precisariam em circunstâncias nenhumas serem escritas pelo
jovem educando, a não ser na escola. Não se trata, obviamente, de abrir mão
do que a escola pode e deve mesmo ensinar em termos de “novos
vocabulários” que são incorporados aos corpos de cada disciplina, mas
apenas para atentarmo-nos a esse abismo que há entre a fala do povo e a
palavra escrita, que é a palavra escolar.
De que experiência partir?
Uma escola pública recebe os mais diferentes públicos – portanto, a
experiência concreta dos educandos é mais ou menos variada. O exemplo
que o vídeo nos apresenta é da escola rural Jaguaquara, na região do Jequié
(BA). Por se tratar de uma escola rural, a experiência que a escola lança
mão é a da lavoura, experiência comum entre as 600 crianças e suas
respectivas famílias. No entanto, aqui em nosso trabalho, pensamos em
uma escola de ensino médio, na zona urbana. O grau de generalidade do
público, no entanto, vai em sentido inverso à concretude que se espera desta
experiência, que é variável, sempre a depender de quem a ação educativa se
dirige.
Cumpre lembrar, por outro lado, que Paulo Freire desenvolveu seu
trabalho tendo em vista aqueles jovens e adultos que não estiveram na
escola ou que abandonaram-na1. O público a que se visava era portanto de
adultos analfabetos. Reparemos ainda, no documentário, quando se discute
o MOVA (Movimento de Alfabetização): o público a que se dirige a ação
educativa é mais uma vez bastante determinado, no caso, os chamados
“catadores de lixo”, ou os “catadores de material reciclável”, como eles
aprendem a se chamar. A experiência concreta é pois bastante
determinada: trata-se do próprio trabalho destes educandos e as relações
em que, por este trabalho, eles se reconheçam. — Não é o caso de nossos
alunos, no ensino médio regular, ou ao menos não é assim na maior parte das
vezes. Nossos alunos nem são tão adultos, nem “tão analfabetos” e, assim,
não se trata aqui de propor um processo de alfabetização, como se nada
soubessem escrever ou ler.
1 Tratava-se de um Plano Nacional de Alfabetização de Adultos em plena década de 60.
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Portanto, uma dificuldade nos apresenta desde já, quanto à escolha dos
temas que serão trabalhados. Serão os temas próprios da juventude em
geral? Inserção no mercado de trabalho, drogas, sexualidade… são vários
temas possíveis. Todavia, queremos apresentar um outro tema possível,
que pode até abarcar todos os demais, que é a experiência concreta do
próprio processo de escolarização destes educandos, bem como a
escolarização de seus pais, avós, de sua família e, por que não?, também a
experiência de seus professores. Junto à escolarização, é necessário também
tematizar a experiência com a palavra escrita. Tomar essa questão, as
relações com a escola e com o universo letrado, como um problema a ser
pensado e refletido também por eles, estudantes.
Atividades com os alunos
1 “A escola de outrora”
Uma das passagens mais tocantes do documentário “Paulo Freire
Contemporâneo” é justamente a fala dos educandos que, com orgulho e
emocionados, narram o que a capacidade de ler, que aprenderam
tardiamente, como isto mudou a vida deles, o modo de encarar o mundo e
mesmo se expressar, de falar com as pessoas. Como a capacidade de ler e
escrever lhes deu uma certa segurança. O medo que antes sentiam ao ir em
qualquer repartição pública ou ao banco…
Caso perguntemos aos alunos sobre seus pais, quantos deles chegaram a
estudar até na faculdade, qual será a proporção? Então, quantos estudaram até
o ensino médio? Ou até só o fundamental? Só o pai ou a mãe também? – Então,
um primeiro passo do trabalho é um levantamento sobre o grau de
escolaridade dos pais dos alunos. Mas poderemos também perguntar sobre os
avós, paternos e maternos. Perceberemos como a proporção muda
sensivelmente. Não será raro que alunos digam que eles nem sabiam ler e
escrever.
O objetivo do levantamento é para que os alunos percebam que eles, no
ensino médio, já tenham mais escolaridade senão que seus pais, mais do
que os avós. Isso porque a escolarização, no Brasil, é acontecimento
recente – se entendermos por escolarização o acesso universal à educação
formal que se dá na escola. Para conferir, basta pesquisarmos os índices e
gráficos sobre a escolarização nos sites como IBGE ou em livros e revistas
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especializados em educação, para saber como isto tem evoluído nos
últimos 100 anos (desde o início da República), ou nos últimos 50 anos (o
professor de Geografia que esteja trabalhando com dados demográficos
poderá orientar o trabalho).
Próximo passo é discutir livremente com os alunos as hipóteses que eles
tenham sobre essa constatação e que eles registrem essas hipóteses em
seus cadernos. Tal procedimento prepara o passo seguinte, que pode ser
desenvolvido na disciplina de História. Trata-se de elaborar com os alunos
um roteiro de perguntas para uma entrevista, para verificar se essas
hipóteses correspondem a interpretação que disso dão os seus pais e avós,
que serão primeiramente os entrevistados, sobre sua escolarização ou falta
dela. Dizíamos, há pouco, que a escrita [fonética] foi inventada como uma
lembrança grafada de uma fala e, de certo modo, ela concorre em sentido
contrário da memória, como “tradição oral”. É da tradição oral que
podemos partir, daquilo que se fala, de memória. O recurso de que
lançamos mão, de entrevistas, é justamente o usado em História Oral, que
parte dos relatos, da memória e das interpretações que os entrevistados
dão de sua própria história1.
Para sermos mais objetivos no trabalho, será necessário que os alunos
entrevistem alguém que não tenha escolaridade ou que não esteja
alfabetizado. As perguntas tentarão levar o entrevistado a buscar possíveis
motivos para que ele tenha abandonado a escola ou nunca tivesse ido a ela.
Por outro lado, perguntar também sobre o que ele imagina sobre os
“ganhos” que poderia ter caso soubesse ler e escrever. Qual a falta que isso
faz? Qual a importância de saber ler – sentida por aquele que não sabe.
O passo seguinte é que “transcrevam” estas entrevistas – que registrem por
escrito as falas, essas vozes de que ouviram sobre o processo de
escolarização. Que percebam a importância de registrar por escrito essas
falas, caso contrário elas se perderiam por completo no esquecimento.
Para finalizar, a exibição do vídeo-documentário para os alunos, para que
comparem os depoimentos do vídeo aos depoimentos que eles colheram.
1 Há um longo preparo para uma atividade dessa. Indicamos o Guia de História Oral, elaborado pela equipe do “Museu da Pessoa” [http://www.museudapessoa.net/], disponível neste link: http://goo.gl/rh1O8
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2 “A escola e os professores”
Nossa memória de professores ainda carrega as marcas daquele tempo em
que fomos alunos. Ocorre que, porque sabemos ler, não nos lembramos
mais dos encantos da primeira palavra que lemos. Por escrevermos, não
nos lembramos do prazer que foi escrever a primeira palavra. Afastamo-
nos do prazer e maravilhamento infantil que há em ler e escrever. Há ainda
um maravilhamento ao descobrir um sentido oculto nas palavras, como há
prazer em escrever as palavras a que nos ligamos afetivamente. No
documentário, é o próprio Paulo Freire quem narra a ocasião em que o
educando foi à lousa e escreveu o nome da esposa: NI-NA, NINA. “É
escrevendo o nome da minha mulher que eu posso reescrever o nome do
meu país”.
Outro trabalho a ser desenvolvido pelos alunos partiria da “nossa
memória” – que possamos socializar com eles o que era a escola em que
estudamos, como eram os professores, como a escola era organizada. Mas
sobretudo — o que nos levou a estudar o que estudamos e nos tornarmos
professores. O prazer que eventualmente temos entre as palavras de
nossas disciplinas, com as descobertas que tivemos ainda na escola e que
nos marcaram a ponto de nos mantermos estudando.
Cada grupo de alunos pode escolher uma disciplina, ou um professor, para
realizar a entrevista. Uma atividade assim tem como objetivo fazer com
que os alunos percebam que o professor não é um “sabe-tudo”, mas
também se formou, estudou, como ele, aluno. Cria-se assim uma relação
mais horizontal (mais um princípio de Paulo Freire) entre professor e
aluno. Depois da entrevista, de novo registro escrito.
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3 “Nomes e coisas”
Se interpretamos o mundo antes de ler e escrever – poderemos dar novos
sentidos para as palavras ou criar novas palavras para aquilo que
sentimos? A atividade aqui, em Língua Portuguesa, tematizará as
palavras. E se as palavras fossem “coisas”? É certo que as palavras
nomeiam coisas – os substantivos são os seus nomes: essa MESA, esta
CADEIRA, essa CANETA, aquela CASA… Mas essas palavras que não se referem a
coisa alguma, a nada que seja palpável, concreto, material? Uma coisa como
SAUDADE ou AMIZADE ou AMOR? E se essas palavras designassem “coisas”?
Como elas seriam? Ou ainda, se elas fossem nomes de pessoas? Eis a força
dos mitos gregos, em que tais palavras assumiam o nome de deuses: como
Eros (ou “amor”, em grego, e Cupido para a mitologia romana).
Um bom exercício de criação de sentido é a poesia – versificada ou não, o
que aqui pouco importa. Trata-se antes do exercício de fabulação, de criar
uma história para apresentar o sentido da palavra. Há vários motes para
trabalhar com os alunos, desde as letras de canções que eles mesmos
costumam ouvir, até os poemas mais consagradas da literatura.
Eis alguns exemplos de temas que podemos desenvolver com os alunos1:
“Se recebo um presente dado com carinho por pessoa de quem não gosto –
como se chama o que sinto?”
[Clarice Lispector]
Ou ainda este:
“Amor é fogo que arde sem se ver
é ferida que dói e não se sente
é um contentamento desconte
é dor que desatina sem doer.”
[Camões]
1 Boas sugestões encontramos no Livro Didático Público, da Secretaria de Estado da Educação do Paraná, que pode ser encontrado na internet. De lá, tiramos algumas destas sugestões, do trabalho das professoras Luciana Cristina Vargas Cruz e Maria de Fátima Navarro Lins Paul, p.77. http://goo.gl/erK45
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E mais um poema de Manoel de Barros, que na sua didática, nos ensina
como ainda podemos nos maravilhar com as palavras…
UMA DIDÁTICA DA INVENÇÃO, VII
“No descomeço era o verbo.
Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo, lá
onde a criança diz: Eu escuto a cor
dos passarinhos.
(...)
se a criança muda a função de um verbo, ele delira.
E pois.
Em poesia que é voz de poeta, que é a voz
de fazer nascimentos.
O verbo tem que pegar delírio.”
[Manoel de Barros]
Uma vez que os alunos entrem em contato com a criação deles mesmos,
quanto ao sentido que podem dar às palavras, de como a experiência deles
pode ser expressa numa história fabulosa – o passo seguinte é tematizar as
palavras, como criação de alguém que também quis expressar algum
sentido, alguma experiência ali. Um dos recursos que dispomos, como
ilustramos, é o da análise etimológica. Todas palavras são “criação”. Todas
elas criação de alguém, de quem se esquece, mas a palavra, em sua história,
permanece.
4 “Nomes e coisas – 2”
Em Biologia há todos aqueles nomes estranhos. Mas poderiam não ser. A
atividade que propomos é que os alunos agrupem vários “bichos” em uma
classificação que eles mesmos criem. Trata-se assim de uma Novíssima
Classificação Inventada dos Bichos. Assim, por exemplo, poderia haver uma
categoria de “bichos que fazem barulho”, outra dos “bichos que fazem sons
que quase não podemos ouvir” e mais a dos “bichos que não fazem som
algum” – em que as várias espécies podem fazer parte, pouco importando
aqui a classificação científica mais apropriada. Mas estas categorias têm
nomes muito complexos. Então, a partir da etimologia, ou da mera
invencionice, criaremos nomes para tais categorias, em uma única palavra.
… Paulo Freire
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Exemplos: os ‘sonzeiros’, ‘sonzinos’ e os ‘sensons’. Certamente, tais nomes
fariam mais sentido para os alunos do que aqueles que damos em biologia.
Os alunos poderiam elaborar murais ilustrados com as classificações a que
chegaram.
Mas reparem o sentido da atividade. Trata-se antes de interpretar o
mundo, depois nomeá-lo, codificá-lo em palavra. Não é diferente com a
taxonomia na biologia. Há nela já uma interpretação – e as classificações de
que lançam mão é mais ou menos adequada a depender do que se
interpretou. Assim, consideramos nos vários exemplos de seres vivos que
fazer som ou não fazer não é coisa muito proveitosa para o estudo deles,
mas sim o fato de terem ou não ossos. Assim, temos os grupos de seres
ossudos e não-ossudos. Mas não é bem “osso”… mas as vértebras – que é
isso? Por que é importante saber se o bicho tem isso, vértebra? Se é
importante, então classificaremos os seres entre os vertebrados e
invertebrados. E por aí, vai.
O raciocínio vai ao encontro destes passos – primeiro, interpretar o
mundo. Depois, dar nomes e escrevê-lo. Ainda tematizar (problematizar)
os nomes que inventamos, para buscarmos melhores nomes, para dizer
enfim exatamente o que queremos dizer.
À guisa de conclusão
Pretendemos aqui, menos que orientar um trabalho, oferecer várias
alternativas para que os próprios professores pensem em seus caminhos.
Embora sejam marcadas as disciplinas, várias das sugestões que demos
podem ser desenvolvidas de outro modo por outras disciplinas.
É porque também a prática da docência é um exercício de liberdade e
criação. Mas criação com o outro, o educando – que ele também carece
criar seus caminhos.
Ao problematizarmos o “universo escolar” pretendemos também que não
tomemos as dificuldades dos alunos como natural ou pela índole deles –
mas para dizer que a escola também é uma criação, e deve ser recriada no
dia-a-dia, a partir dos caminhos de ensino e aprendizagem que oferece.
Paulo Freire criticava a escola – como instituição que nasce de uma classe
social e impõe padrões e saberes e métodos que nada sabem da
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experiência concreta de seus alunos. Mesmo a experiência da escolarização
– em que nossos alunos aprenderam a ler mal, a escrever pior, a copiar e
não pensar, nem criar – deve ser problematizada. Pois a aprendizagem, ler
o mundo e o mundo das palavras, há nisso um grande prazer e uma grande
felicidade. Pensemos nisso e façamos da escola um lugar feliz. Eis o que a
prática da ação educativa freiriana nos ensina: a sermos mais — mais
homens, mais educadores e, por isso, mais felizes.
Sugestões de leituras:
Obras de Paulo Freire
A Importância do Ato de Ler.
São Paulo: Cortez/Autores Associados, 23ªed., 1989.
Pedagogia do Oprimido.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 23ªed., 1996.
Sobre Paulo Freire:
Página do Instituto Paulo Freire, Brasil: http://goo.gl/Q3oJC
Página do Mandato do Deputado Federal Ivan Valente [PSOL-SP]
sobre Paulo Freire: http://goo.gl/JtZQT