Ação Rescisória e Súmula Stj 401

13
Ano 1 (2015), nº 3, 1023-1035 AÇÃO RESCISÓRIA E A SÚMULA 401 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Marcelo Carita Correra * Sumário: Introdução; 1 Da ação rescisória; 2 Da coisa julgada; 3 Da coisa julgada fracionada e o termo inicial do prazo para interposição da ação rescisória; 4 Conclusão; 5 Referências. Resumo: O presente artigo pretende analisar, diante da Súmula 401 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o termo inicial do prazo para interposição de ação rescisória. A análise principal será o possível efeito do prazo em dobro para recurso da Fa- zenda Pública (artigo 188 do Código de Processo Civil), quan- do somente o particular é sucumbente. Para completa explana- ção do tema, houve a abordagem dos conceitos de coisa julga- da material e formal, coisa julgada fracionada e trânsito em julgado. Houve, ainda, abordagem dos principais aspectos da ação rescisória, bem como da natureza do prazo para interposi- ção. Por fim, foi objeto de análise a eventual influência do inte- resse recursal da Fazenda Pública vencedora no termo inicial do prazo para interposição da ação rescisória. Palavras-Chave: Processo Civil. Ação Rescisória. Prazo. Ter- mo Inicial. Decadência. Fazenda Pública. Súmula 401 do Supe- rior Tribunal de Justiça. Coisa Julgada. MOTION FOR ANNULLING JUDGMENT AND THE JU- DICIAL PRECEDENT 401, FROM SUPERIOR COURT OF JUSTICE * Procurador Federal, exerceu a advocacia privada em São Paulo/SP. Bacharel em Direito pela PUC-SP, Especialista em Direito Tributário pela PUC-SP, ER da Procu- radoria Geral Federal em Santo André/SP

description

Ação rescisória

Transcript of Ação Rescisória e Súmula Stj 401

  • Ano 1 (2015), n 3, 1023-1035

    AO RESCISRIA E A SMULA 401 DO

    SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIA

    Marcelo Carita Correra*

    Sumrio: Introduo; 1 Da ao rescisria; 2 Da coisa julgada;

    3 Da coisa julgada fracionada e o termo inicial do prazo para

    interposio da ao rescisria; 4 Concluso; 5 Referncias.

    Resumo: O presente artigo pretende analisar, diante da Smula

    401 do Superior Tribunal de Justia (STJ), o termo inicial do

    prazo para interposio de ao rescisria. A anlise principal

    ser o possvel efeito do prazo em dobro para recurso da Fa-

    zenda Pblica (artigo 188 do Cdigo de Processo Civil), quan-

    do somente o particular sucumbente. Para completa explana-

    o do tema, houve a abordagem dos conceitos de coisa julga-

    da material e formal, coisa julgada fracionada e trnsito em

    julgado. Houve, ainda, abordagem dos principais aspectos da

    ao rescisria, bem como da natureza do prazo para interposi-

    o. Por fim, foi objeto de anlise a eventual influncia do inte-

    resse recursal da Fazenda Pblica vencedora no termo inicial

    do prazo para interposio da ao rescisria.

    Palavras-Chave: Processo Civil. Ao Rescisria. Prazo. Ter-

    mo Inicial. Decadncia. Fazenda Pblica. Smula 401 do Supe-

    rior Tribunal de Justia. Coisa Julgada.

    MOTION FOR ANNULLING JUDGMENT AND THE JU-

    DICIAL PRECEDENT 401, FROM SUPERIOR COURT OF

    JUSTICE

    * Procurador Federal, exerceu a advocacia privada em So Paulo/SP. Bacharel em

    Direito pela PUC-SP, Especialista em Direito Tributrio pela PUC-SP, ER da Procu-

    radoria Geral Federal em Santo Andr/SP

  • 1024 | RJLB, Ano 1 (2015), n 3

    Abstract: This article intends to analyze the deadline for the

    motion for annulling judgment. In this scenario, the possible

    influence of the special deadline for Public Treasury (Article

    188 of the Code of Civil Procedure), is the focus, especially

    when the citizen is the only defeated party. For a full explana-

    tion, the analysis of the formal, material and fractional res judi-

    cata concepts was carried out, as well as the main aspect of the

    motion for annulling judgment and the nature of the motion

    deadline. Finally, this article intends to analyze the interest of

    suit, when there is just one defeated party on the main proceed-

    ings.

    Keywords: Civil Procedure. Motion for Annulling Judgment.

    Period. Deadline. Laches. Public Treasury. Judicial Precedent.

    Superior Court of Justice.

    INTRODUO

    presente artigo pretende abordar uma relevante

    questo na prtica forense. Trata-se do termo

    inicial do prazo para interposio da ao resci-

    sria.

    Conforme se verifica do atual Cdigo de

    Processo Civil (CPC), h prazo decadencial para a referida

    interposio.

    A legislao processual vigente, dominada pelos dispo-

    sitivos voltados aos processos individuais entre partes iguais,

    clara quanto ao referido prazo e o incio da contagem.

    Contudo, quando a Fazenda Pblica parte no processo

    original, a clareza da legislao processual substituda por

    dvidas.

    A questo que se coloca : o prazo em dobro para re-

    curso da Fazenda Pblica influencia no termo inicial do prazo

  • RJLB, Ano 1 (2015), n 3 | 1025

    para interposio da ao rescisria, quando somente o particu-

    lar sucumbente?

    H mais. Seria possvel falar em coisa julgada fraciona-

    da, ou a coisa julgada seria nica para todas as partes envolvi-

    das no processo?

    So essas as questes que o presente artigo pretende

    analisar. Haver uma sumria explanao sobre a ao rescis-

    ria e o instituto da coisa julgada.

    Cabe destacar que a finalidade ltima do presente artigo

    obter concluses para que os membros das carreiras da Ad-

    vocacia Pblica possam analisar, com segurana, a possibilida-

    de de alegao de decadncia em ao rescisria movida pelo

    particular, quando somente este sucumbente.

    1 DA AO RESCISRIA

    Fredie Didier Junior e Leonardo Jos Carneiro da Cu-

    nha, com o poder da sntese, demonstram o conceito e as prin-

    cipais caractersticas da ao rescisria: A ao rescisria ostenta a natureza de ao autnoma, vol-

    tando-se contra a deciso de mrito transitada em julgado,

    quando presente pelo menos uma das hipteses previstas no

    art. 485 do CPC. [...] A ao rescisria serve ao desfazimento

    da coisa julgada material, quer por motivos de invalidade (art.

    485, II e VI, p. ex.), quer por motivos de injustia (art. 485,

    VI e IX, p. ex.). No se deve, pois, estabelecer uma relao

    necessria entre os defeitos processuais e a ao rescisria,

    pois esta tem espectro mais amplo. Trata-se, em verdade, de

    uma ao constitutiva negativa ou desconstitutiva, porquanto

    visa ao desfazimento da coisa julgada material anteriormente

    formada em outro processo. Como toda ao, a rescisria de-

    ve preencher as condies da ao e o procedimento deve ob-

    servar os pressupostos processuais1.

    Portanto, a ao rescisria uma ao autnoma, que

    1. JUNIOR, Fredie Didier; CUNHA, Leonardo Jos Carneiro da. Curso de Direito

    Processual Civil. 3 Volume. 5. ed. Salvador: JusPodivm, 2008. p. 341/342.

  • 1026 | RJLB, Ano 1 (2015), n 3

    pretende desconstituir a coisa julgada material. Possui requisi-

    tos especficos, que esto arrolados no art. 485 do Cdigo de

    Processo Civil. Note-se que o art. 485 rol taxativo e, dessa

    forma, no admite ampliao.

    Em resumo, a ao rescisria tem cabimento quando

    existir: (i) uma deciso de mrito transitada em julgado e (ii)

    estiverem presentes os requisitos do art. 485 do CPC.

    Alm dos requisitos j expostos, h, ainda, a necessida-

    de da observncia do prazo fixado no art. 495 do CPC. Referi-

    do artigo determina: O direito de propor ao rescisria se extingue em 2 (dois) anos, contados do trnsito em julgado da

    deciso. Primeiramente, preciso ressaltar a natureza do prazo

    estabelecido pelo art. 495 do Cdigo de Processo Civil. Referi-

    do prazo decadencial. Afinal, trata-se do exerccio de um

    direito potestativo.

    Fredie Didier Junior e Leonardo Jos Carneiro da Cu-

    nha evidenciam a natureza decadencial do prazo: Ora, j se viu que a ao rescisria tem natureza de ao des-

    constitutiva ou constitutiva negativa. Significa, ento, que seu

    ajuizamento decorre do exerccio, pela parte autora, de um di-

    reito potestativo desconstituio da coisa julgada. O prazo

    de seu ajuizamento , portanto, decadencial. E, sendo assim,

    no se prorroga, nem se suspendem, nem se interrompe2.

    Porm, a anlise, at o momento, no permite concluir

    qual o termo inicial do prazo decadencial em ao rescisria

    movida pelo particular contra a Fazenda Pblica, quando so-

    mente aquele sucumbente.

    Ser preciso, ainda, analisar o instituto da coisa julgada

    e as peculiaridades do prazo recursal para a Fazenda Pblica.

    2 DA COISA JULGADA

    2JUNIOR, Fredie Didier; CUNHA, Leonardo Jos Carneiro da. Curso de Direito

    Processual Civil. 3 Volume. 5. ed. Salvador: JusPodivm, 2008. p. 359.

  • RJLB, Ano 1 (2015), n 3 | 1027

    O instituto da coisa julgada tem sede constitucional,

    conforme se verifica do artigo 5 da Magna Carta: Art. 5 Todos so iguais perante a lei, sem distino de qual-

    quer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros

    residentes no Pas a inviolabilidade do direito vida, liber-

    dade, igualdade, segurana e propriedade, nos termos

    seguintes:

    [...]

    XXXVI - a lei no prejudicar o direito adquirido, o ato jur-

    dico perfeito e a coisa julgada;

    Tereza Arruda Alvim Wambier e Jos Miguel Garcia

    Medina, ao tratarem da coisa julgada, explicitam: [...] trata-se de princpio agregado ao Estado Democrtico de

    Direito, porquanto para que se possa dizer, efetivamente, este-

    ja este plenamente configurado imprescindvel a garantia da

    estabilidade jurdica, de segurana e orientao e realizao

    do direito. Assim considerado o princpio, nota-se que irre-

    levante sua meno expressa, na Constituio Federal, acerca

    da coisa julgada muito embora a Constituio Brasileira o faa, no art. 5, inc. XXXVI, no sentido de no se permitir

    lei retroagir para atingir a coisa julgada porquanto est um-bilicalmente ligada ao Estado Democrtico de Direito

    3.

    Rodolfo de Camargo Mancuso ainda mais preciso ao

    tratar da coisa julgada: A coisa julgada , neste contexto, simples tcnica de que se

    pode valer o legislador, quando entender oportuno sob o ponto de vista da convivncia social e da estabilidade de cer-

    tas relaes jurdicas - que determinados tipos de julgados

    permaneam imutveis e projetem essa imutabilidade erga

    omnes. Prova disso que em muitos casos no se d a forma-

    o da coisa julgada material: nos feitos de jurisdio volun-

    tria (CPC, art. 1.111); mesmo que nos de jurisdio conten-

    ciosa, se a sentena no apreciou o mrito (CPC, art. 267);

    nas sentenas que resolvem sobre relaes jurdicas continua-

    tivas, sujeitas clusula rebus sic stantibus (ex. aes de ali-

    mentos, Lei 5.478/68, art. 15); no campo penal, onde existe a

    possibilidade de reviso criminal a qualquer tempo (CPP, art.

    3WAMBIER, Tereza Arruda Alvim; MEDIANA, Jos Miguel Garcia Dogma da

    Coisa Julgada. 1. ed. So Paulo: RT, 2003. p. 22.

  • 1028 | RJLB, Ano 1 (2015), n 3

    622)4.

    possvel, portanto, conceituar a coisa julgada, como o

    instituto de direito constitucional que confere imutabilidade

    deciso judicial, como forma de realizar o imperativo de segu-

    rana e estabilidade do sistema jurdico. Note-se que, ao legis-

    lador ordinrio, somente vivel afastar a incidncia do institu-

    to da coisa julgada quando os princpios da segurana e estabi-

    lidade no forem afetados. o caso, por exemplo, da sentena

    que extingue o processo sem julgamento de mrito (art. 267 do

    CPC).

    Mas em que momento fixada a imutabilidade das de-

    cises jurdicas, ou seja, quando se d a coisa julgada? A res-

    posta : quando ocorrer a precluso mxima, isto , a coisa

    julgada formal, tambm chamada de trnsito em julgado.

    O instituto da coisa julgada somente vai incidir sobre

    determinada deciso judicial, quando no houver a possibilida-

    de de nenhum outro recurso por qualquer das partes.

    A Lei de Introduo ao Direito Civil Brasileiro, no 3

    do art. 6, traz expresso o conceito aqui explicitado: Chama-se coisa julgada ou caso julgado a deciso judicial de que j no

    caiba recurso. Nesse ponto, possvel formular, sumariamente, o con-

    ceito de coisa julgada formal e material. A coisa julgada formal

    se d quando foram esgotados todos os recursos cabveis (seja

    pela sua efetiva utilizao, seja pela perda do prazo). A coisa

    julgada material ocorre quando o mrito da deciso judicial

    torna-se imutvel. Portanto, a coisa julgada formal etapa ne-

    cessria para a existncia da coisa julgada material.

    Fredie Didier Junior, Paula Sarno Braga e Rafael Oli-

    veira fazem importante sntese do tema em debate: A coisa julgada formal a imutabilidade da deciso judicial

    dentro do processo em que foi proferida, porquanto no possa

    mais ser impugnada por recurso seja pelo esgotamento das

    4 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ao Popular. 2. ed. So Paulo: RT, 1996. p.

    240/241.

  • RJLB, Ano 1 (2015), n 3 | 1029

    vias recursais, seja pelo decurso do prazo do recurso cabvel.

    Trata-se de fenmeno endoprocessual, decorrente da irrecor-

    ribilidade da deciso judicial. Revela-se, em verdade, como

    uma espcie de precluso, constituindo-se na perda do poder

    de impugnar a deciso judicial no processo em que foi profe-

    rida. Seria a precluso mxima dentro de um processo jurisdi-

    cional. Tambm chamada de trnsito em julgado. [...]

    A coisa julgada material a indiscutibilidade da deciso judi-

    cial no processo em que foi produzida e em qualquer outro.

    Imutabilidade que se opera dentro e fora do processo. A deci-

    so judicial (em seu dispositivo) cristaliza-se, tornando-se

    inaltervel. Trata-se de fenmeno com eficcia en-

    do/extraprocessual. Perceba-se que, contudo, que a coisa jul-

    gada formal um degrau necessrio, para que se forme a coi-

    sa julgada material. Em outros termos, a coisa julgada materi-

    al tem como pressuposto a coisa julgada formal5.

    Aps a definio de coisa julgada e trnsito em julgado,

    preciso analisar a possibilidade da existncia da coisa julgada

    fracionada.

    3 DA COISA JULGADA FRACIONADA E O TERMO INI-

    CIAL DO PRAZO PARA INTERPOSIO DA AO RES-

    CISRIA

    Fredie Didier Junior e Leonardo Jos Carneiro da Cu-

    nha, com o poder da sntese, explicitam sobre o termo inicial

    da ao rescisria: A partir do trnsito em julgado da deciso final, inicia-se a

    contagem do prazo do ajuizamento da ao rescisria. Ora, a

    coisa julgada material opera-se quando a deciso no est

    mais sujeita a qualquer recurso (CPC, art. 467).

    [...]

    Ocorre, porm, conforme visto no captulo sobre a teoria ge-

    ral dos recursos, que a data do trnsito em julgado correspon-

    de data do trnsito em julgado da ltima deciso. Com efei-

    5JUNIOR, Fredie Didier; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de

    Direito Processual Civil. 2 Volume. 5. ed. Salvador: JusPodivm, 2007. p. 479.

  • 1030 | RJLB, Ano 1 (2015), n 3

    to, o prazo previsto no art. 495 do CPC somente flui quando

    possvel parte ajuizar a ao rescisria. No particular, incide

    o princpio da utilidade, segundo o qual nenhum prazo pode

    ter curso quando impossvel sua utilizao6.

    A questo aqui colocada no apresenta qualquer pro-

    blema, quando se trata de uma relao processual clssica entre

    dois indivduos em situaes idnticas.

    Contudo, a questo torna-se complexa quando, na rela-

    o processual original, houver a participao da Fazenda P-

    blica e somente o particular restar sucumbente.

    O art. 188 do CPC estabelece: computar-se- em qu-druplo o prazo para contestar e em dobro para recorrer quando

    a parte for a Fazenda Pblica ou o Ministrio Pblico. Verifica-se, portanto, que o termo final para interposi-

    o de recursos contra o julgado diferente para o particular e

    para a Fazenda Pblica.

    Mas, quando se opera o trnsito em julgado na situao

    em comento e, consequentemente, o incio do prazo para inter-

    posio da ao rescisria? H o chamado trnsito em julgado

    fracionado, que imputa termos iniciais diversos para o particu-

    lar e para a Fazenda Pblica (termo final do prazo de recurso

    de cada parte), ou haveria somente um termo inicial, consubs-

    tanciado na coisa julgada unitria (termo final do prazo para

    interposio de recurso por qualquer uma das partes)?

    O Tribunal de Justia de So Paulo, ao julgar ao res-

    cisria envolvendo servidores municipais, reconheceu, diante

    da sucumbncia exclusiva dos servidores, a coisa julgada fraci-

    onada com prazos distintos para interposio da ao rescis-

    ria: De fato, verifica-se que os autores decaram do direito de

    propor a presente ao rescisria, nos termos do art. 495 do

    Cdigo de Processo Civil. O v. Acrdo rescindendo (fls.

    122/126), proferido em 28 de fevereiro de 2007, foi publicado

    no Dirio Oficial de Justia em 28 de maro de 2007 (fls.1

    6JUNIOR, Fredie Didier; CUNHA, Leonardo Jos Carneiro da. Curso de Direito

    Processual Civil. 3 Volume. 5. ed. Salvador: JusPodivm, 2008. p. 360/361.

  • RJLB, Ano 1 (2015), n 3 | 1031

    128), uma quarta-feira, de modo que o v prazo para interposi-

    o de eventual recurso teve incio no dia seguinte, 29 de

    maro, chegando ao fim em 12 de abril, quinta-feira e dia de

    expediente forense normal. Assim sendo, em 13 de abril de

    2007 o v. Acrdo transitou em julgado, sendo o dia seguinte,

    portanto, o 'Mies a quo' do prazo decadencial de dois anos pa-

    ra a propositura de ao rescisria. Destarte, o prazo para o

    ajuizamento da presente ao extinguiu-se em 14 de abril de

    2009, porm a inicial foi protocolizada apenas em 27 de abril,

    vale dizer, 13 dias aps a consumao do prazo.

    [...]

    E nem mesmo se alegue que o prazo recursal, no caso em tela,

    seria de 30 dias em razo do prazo em dobro que o art. 188 do

    Cdigo de Processo Civil concede Fazenda Pblica para re-

    correr, pois o Municpio de So Paulo saiu-se inteiramente

    vencedor do julgamento da apelao, cujo v. Acrdo, vale

    lembrar, deu provimento ao recurso do Municpio e julgou

    improcedente a ao. Assim, somente os autores da ao ori-

    ginria teriam eventual interesse em recorrer do v. Acrdo,

    de modo que o prazo para o trnsito em julgado era mesmo de

    15- dias7.

    O Tribunal de Justia de So Paulo, ao adotar termo

    inicial distinto para Fazenda Pblica e particular, ressaltou o

    fato de que, por ter sido vencedora em sua integralidade, a Fa-

    zenda Pblica no tinha interesse recursal. Logo, no poderia o

    particular, para fins de trnsito em julgado e termo inicial de

    ao rescisria, computar o prazo recursal da Fazenda Pblica.

    Verifica-se, portanto, que o Tribunal de Justia adotou,

    expressamente, a teoria que admite a existncia de trnsito em

    julgado fracionado.

    Contudo, esse entendimento no prevalece nos tribunais

    superiores. O julgado acima descrito foi submetido ao Superior

    Tribunal de Justia (STJ), por meio de agravo em recurso espe-

    cial (AREsp 79082). O STJ, em deciso monocrtica confir-

    mada pela Turma, deu provimento ao recurso dos servidores

    para afastar a alegao de decadncia. Afirmou o STJ: 7TJ/SP. Ao Rescisria n 994.09312654-5. Rel. Oswaldo Luiz Palu. Julgado em

    14/04/2010.

  • 1032 | RJLB, Ano 1 (2015), n 3

    O termo inicial do prazo decadencial de dois anos para a pro-

    positura, por particular, de ao rescisria, disposto no art.

    495 do CPC, a data do trnsito em julgado da ltima deciso

    proferida na causa, o que, na hiptese em que a Fazenda P-

    blica tenha participado da ao, somente ocorre aps o esgo-

    tamento do prazo em dobro que esta tem para recorrer, ainda

    que o ente pblico tenha sido vencedor na ltima deciso pro-

    ferida na demanda. Sendo a ao una e indivisvel, no h

    como falar em fracionamento de qualquer das suas decises, o

    que afasta a possibilidade do seu trnsito em julgado parcial.

    Por efeito, o prazo para propositura de ao rescisria somen-

    te se inicia aps o trnsito em julgado da ltima deciso pro-

    ferida na causa. Quanto data do referido trnsito em julgado,

    deve-se asseverar que, se uma das partes possui o privilgio

    de prazo em dobro para recorrer (art. 188 do CPC), to-

    somente aps o esgotamento deste que se poder falar em

    coisa julgada, ocasio em que comear a fluir o prazo para

    ambas as partes pleitearem a resciso do julgamento. Alm

    disso, mesmo que se alegue a inexistncia de interesse recur-

    sal da parte vitoriosa e, por consequncia, a irrelevncia do

    prazo dobrado para o trnsito em julgado da deciso, no

    possvel limitar o interesse em interpor recurso apenas parte

    perdedora da demanda, j que at mesmo a parte vitoriosa

    pode ter, ainda que em tese, interesse recursal em impugnar a

    deciso judicial que lhe foi favorvel8.

    O STJ, portanto, afastou a existncia de trnsito em jul-

    gado fracionado e adotou a teoria unitria de trnsito em julga-

    do. Ou seja, existe apenas um trnsito em julgado (trmino do

    prazo para interposio de recurso por qualquer das partes) e

    apenas um termo inicial para cmputo do termo inicial da ao

    rescisria.

    Em outro julgado, o STJ foi ainda mais incisivo sobre o

    tema: Nesse diapaso, se uma das partes possui o privilgio de pra-

    zo em dobro, to-somente aps o escoamento deste que se

    poder falar em coisa julgada, ocasio em que comear a flu-

    ir o prazo para ambas as partes pleitearem a resciso do jul-

    8STJ. AREsp 79082/SP. Rel. Arnaldo Esteves Lima. Julgado em 25/06/2012.

  • RJLB, Ano 1 (2015), n 3 | 1033

    gamento. Precedentes do STJ e STF9.

    O Tribunal Superior utilizou o entendimento fixado na

    Smula 401 do prprio STJ, que determina: o prazo decaden-cial da ao rescisria s se inicia quando no for cabvel qual-

    quer recurso do ltimo pronunciamento judicial. Porm, ex-plicitou que no h que se falar em trnsito em julgado fracio-

    nado.

    Ressalte-se que o argumento utilizado pelo Tribunal de

    Justia de So Paulo para fixar o fracionamento da coisa julga-

    da, falta de interesse de recurso da Fazenda Pblica vencedora,

    no foi acolhido pelo STJ, na medida em que o referido tribu-

    nal entende que a ao una e indivisvel, sendo, portanto, sem

    influncia a existncia de prazos diversos, ou de interesse re-

    cursal por parte da Fazenda Pblica vencedora.

    Em sntese, segundo o STJ, no h que se falar em fra-

    cionamento do trnsito em julgado e, consequentemente, no

    h que se falar em termo inicial distinto para interposio da

    ao rescisria. Portanto, segundo o STJ, o termo inicial do

    prazo para interposio de ao rescisria o prazo final para

    interposio de recurso por qualquer das partes, incluindo o

    prazo em dobro para recurso da Fazenda Pblica.

    4 CONCLUSO

    A ao rescisria uma ao autnoma, que pretende

    desconstituir a coisa julgada material. Possui requisitos espec-

    ficos, que esto arrolados no art. 485 do Cdigo de Processo

    Civil, em rol taxativo.

    O prazo para interposio da ao rescisria de 2

    (dois) anos a contar do trnsito em julgado material. Trata-se

    de prazo decadencial.

    A coisa julgada, conceito fundamental para fixar o ter-

    mo inicial do prazo para interposio da ao rescisria, divi-

    9STJ. REsp 551.812/RS, Rel. Min. Felix Fischer, Quinta Turma, DJE 10/5/04.

  • 1034 | RJLB, Ano 1 (2015), n 3

    de-se em coisa julgada material e formal. A coisa julgada for-

    mal, etapa necessria para a existncia da coisa julgada materi-

    al, ocorre quando no mais existir qualquer recurso possvel

    das partes. A coisa julgada material ocorre quando o mrito

    torna-se inquestionvel.

    Nos casos em que a Fazenda Pblica parte, h inci-

    dncia do art. 188 do CPC, determinando o prazo em dobro

    para recorrer.

    Segundo o STJ, mesmo que a Fazenda Pblica reste

    vencedora e somente o particular seja sucumbente, o trnsito

    em julgado uno e indivisvel. Assim, o termo inicial do prazo

    para interposio da ao rescisria a data final do prazo para

    interposio de recurso, por qualquer das partes, incluindo o

    prazo em dobro para recurso do ente pblico.

    Ou seja, restou afastada a tese da possibilidade de fraci-

    onamento da coisa julgada, com adoo da teoria do trnsito

    em julgado unitrio.

    O STJ reafirmou a jurisprudncia fixada na Smula 401

    do prprio tribunal, explicitando sua aplicao no caso em que

    as partes envolvidas possuem prazos distintos para recurso.

    Os membros da Advocacia Pblica devem atentar para

    o entendimento do STJ, evitando adotar a teoria da coisa julga-

    da fracionada para fundamentar a alegao de decadncia.

    D 5 REFERNCIAS

    ASSIS, Araken de. Manual dos Recursos. 6 ed. So Paulo:

    RT, 2014.

    BUENO, CASSIO SCARPINELLA. Curso sistematizado de

  • RJLB, Ano 1 (2015), n 3 | 1035

    direito processual civil: teoria geral do direito proces-

    sual civil. 4 ed. Volume I. So Paulo: Saraiva, 2010.

    _________________________. O Poder Pblico em Juzo. 5

    ed. So Paulo: Editora Saraiva, 2009.

    DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 23

    ed. So Paulo: Editora Atlas. 2010.

    DINIZ, Maria Helena. Cdigo Civil Anotado. 12 ed. So Pau-

    lo: Saraiva. 2006.

    ________________. Lei de Introduo s Normas do Direito

    Civil Brasileiro Interpretada. 17 ed. So Paulo: Sarai-

    va. 2012.

    GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. 17 ed. So

    Paulo: Saraiva. 2012.

    GONALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 5 ed.

    Volume II. So Paulo: Saraiva. 2008.

    JUNIOR, Fredie Didier; CUNHA, Leonardo Jos Carneiro da.

    Curso de Direito Processual Civil. Volume III. 5. ed.

    Salvador: JusPodivm, 2008.

    _________________; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Ra-

    fael. Curso de Direito Processual Civil. Volume II. 5.

    ed. Salvador: JusPodivm, 2007.

    JUNIOR, Nelson Nery; NERY, Rosa Maria de Andrade. Cdi-

    go de Processo Civil Comentado. 14. ed. So Paulo:

    RT, 2014.

    MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ao Popular. 2. ed. So

    Paulo: RT, 1996.

    MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, 18 ed., So

    Paulo, Atlas, 2005.

    RIZZI, Srgio. Ao Rescisria. So Paulo. RT. 1979.

    SILVA, Jos Afonso da. Curso de Direito Constitucional Posi-

    tivo. 27 ed. So Paulo: Melhoramentos, 2006.

    WAMBIER, Tereza Arruda Alvim; MEDINA, Jos Miguel

    Garcia. Dogma da Coisa Julgada. 1. ed. So Paulo:

    RT, 2003.