A Teoria Dos Tropos e a Insustentavel Leveza Do Ser
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Draft B – C. F. Costa / UFRN
A TEORIA DOS TROPOS E A INSUSTENTÁVELLEVEZA DO SER
Qualquer mundo possível e, é claro, o nosso,é totalmente constituído de seus tropos.
D. C. Williams
Há vários nomes para o tema desse artigo: propriedades concretizadas,
qualidades particularizadas, acidentes individuais, bites de qualidades,
particulares abstratos e ainda outros. Mas o mais usual é a palavrinha tropo,
que pelo menos tem a vantagem de ser pequena.
A teoria dos tropos é uma aquisição ontológica bastante recente. Emborao conceito de tropo tenha existido no mínimo desde Aristóteles, somente nos
últimos cinqüenta anos filósofos tiveram a idéia de tomar os tropos como as
pedrinhas de construção ontológicas fundamentais do mundo, tentando
resolver os tradicionais problemas dos universais e da natureza dos
particulares concretos somente através deles1. De fato, meu palpite é o de
que a teoria dos tropos é tão revolucionariamente simples em seus aspectosfundamentais, que ela será capaz de produzir em ontologia uma revolução
similar à introdução de novas teorias fisicalistas na solução do problema
mente-corpo na segunda metade do século vinte. Infelizmente, como as
novas teorias da relação mente-corpo, a teoria dos tropos tem se ramificando
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em uma variedade crescente, cada uma tentando realizar ao seu próprio
modo a tarefa de pesar valores ontológicos quase imperceptíveis. No que se
segue, ao invés de fazer o duro trabalho de discutir essas versões, escolherei
o caminho mais fácil de introduzir e colocar em discussão e defender algumas idéias básicas.
Introduzindo Tropos
Primeiro: o que são tropos? Tropos são primitivos, e como tais, eles não
podem ser propriamente definidos. No entanto, uma coisa fundamental sobre
tropos é que eles são propriedades localizadas no espaço e no tempo, onde otermo ‘propriedade’ deve ser entendido no mais amplo sentido possível,
incluindo relações e espécies naturais. Exemplos de tropos podem ser a cor
vermelha da torre Eiffel, a sua forma, o seu peso, a sua dureza, a sua altura
etc. Outros tropos são o grito de um hipopótamo particular chamando a
fêmea e o odor particular exalado por uma margarida. Tropos diferem de
particulares concretos como a torre, o hipopótamo e a margarida. Mesmo
assim eles são particulares, posto que estão localizados no espaço e no
tempo. Tropos são usualmente compostos de tropos, e algumas composições
de tropos são altamente complexas, como, por exemplo, uma performance
da quinta sinfonia de Beethoven. E tropos podem ser objetos de percepção
seletiva: ao olharmos para o oceano podemos nos concentrar
alternativamente em sua cor, nas formas de suas ondas, ou em seus sons.
Como todos os particulares, tropos têm condições de identidade. Pareceque a condição de identidade fundamental é a sua localização espaço-
temporal sob certo modo epistêmico de acesso e avaliação. Por exemplo: o
par de sapatos que eu estou usando agora é marrom. A propriedade do
sapato direito de ser marrom é um tropo, uma vez que está localizada em
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meu sapato direito, e a propriedade do sapato da esquerda de ser marrom
pode ser considerada outro tropo, uma vez que está localizada em meu
sapato esquerdo. Como os sapatos têm diferentes localizações espaciais,
temos ao menos dois tropos de marrom. A maciez do couro de meu sapatoesquerdo é também um tropo que tem mais ou menos a mesma extensão de
sua cor marrom. Isso significa que esse marrom e essa maciez são o mesmo
tropo? Não, posto que eles são perceptualmente acessados de modos
diferentes, no caso, por sentidos diferentes. Para a próxima questão de saber
o quanto o tropo de marrom do meu sapato esquerdo pode ser subdividido,
uma resposta razoável seria: até onde ainda formos capazes de distinguir acor marrom. Quanto tempo o tropo de marrom do meu sapato esquerdo irá
durar? Provavelmente não mais do que o próprio sapato. Um tropo dura
enquanto ele permanecer essencialmente o mesmo sem deixar de manter a
sua continuidade temporal.
Menciono essas coisas porque um entendimento inadequado pode
facilmente dar azo a tentativas de desacreditar as condições de identidade
dos tropos, por exemplo, empurrando a precisão para além dos seus limites
contextualmente razoáveis. A vaguidade de nossas condições de identidade
para os tropos é uma conseqüência direta de nossas práticas lingüísticas,
sendo tais condições fortemente baseadas em convenções e apenas
suficientemente precisas para servirem aos nossos propósitos.
Como os tropos estão localizados no espaço e no tempo, eles são
particulares existentes. Pois existência é a comprovadamente contínuaaplicabilidade de um predicado a um particular, que no caso do tropo é uma
propriedade espaço-temporalmente localizável. Alguns tropos podem ser
experienciados de forma isolada, por exemplo, o perfume da margarida, o
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som do vento. Outros não. Tropos visuais e táteis, por exemplo, devem ter
alguma forma, e todos os tropos devem ter certa duração no tempo.
São formas espaciais e durações temporais tropos? Bom, essas coisas não
parecem poder existir sem estarem associadas com tropos, uma forma comuma cor, um volume com o seu peso, uma duração no tempo com um
agregado de tropos persistindo em sua existência etc. Keith Campbell,
discordando de D. C. Williams, não admite que formas sejam tropos, devido
a sua dependência de outros tropos. Mas isso parece insuficiente. Afinal, por
que os limites espaciais e temporais dos tropos não poderiam ser tropos, se
eles também são descritíveis como propriedades espaço-temporalmentelocalizáveis? Chamemo-los, pois, de tropos limitadores.
Tropos e universais
A teoria dos tropos é importante porque promete uma nova solução para
pelo menos dois perenes problemas ontológicos: o problema dos universais e
o problema dos particulares concretos.
Começo com o problema dos universais, que ontologicamente colocado
se entende como a questão de se saber como é possível que muitos
particulares diferentes possam compartilhar da mesma propriedade, e
lingüisticamente colocado se entende como a questão de como podemos
aplicar o mesmo predicado a muitos particulares diferentes. Filósofos
realistas sugeriram que isso só é possível porque um predicado designa um
universal, entendido como um objeto abstrato em que particulares de algummodo participam, ou, como é usualmente dito, exemplificam ou instanciam
o universal. Assim, para o realista dizemos que essa rosa e esse morango são
vermelhos porque eles participam do universal ‘vermelho’, ou porque eles
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exemplificam ou instanciam o universal. A solução traz consigo dificuldades
profundas que não poderão ser consideradas aqui.
Para resolver o problema dos universais apelando para os tropos
precisamos introduzir a idéia de similaridade exata, que também é um primitivo. Filósofos como D. C. Williams2 e Keith Campbell3 conceberam o
universal como uma classe de tropos similares. Assim, a palavra ‘vermelho’
se refere à classe de todos os tropos de vermelho, que é unida pelo fato de
que tais tropos são idênticos uns com os outros. Para Williams, quando nós
dizemos “Essa rosa é vermelha”, queremos dizer que essa rosa tem um tropo
de vermelho que pertence à classe dos tropos de vermelho. E quando nósdizemos que o vermelho é uma cor, o que queremos dizer é que a classe de
todos os tropos de vermelho está incluída na classe de todos os tropos de cor.
Contudo, há problemas com esse modo de ver. Primeiro, há um problema
com o tamanho: uma classe pode tornar-se maior ou menor; mas um
conceito não pode mudar o seu tamanho, pois um conceito não tem tamanho.
Segundo, o que é uma classe? Se não é um tropo, mas um objeto abstrato,
parece que estamos abandonando as vantagens da teoria. Terceiro, podemos
desenvolver objeções concernentes ao status ontológico das similaridades e
ao problema da similaridade entre as similaridades. Suponhamos, para
começar, que similaridades são tropos. Nesse caso, se temos o conjunto de
tropos similares T1, T2, T3 e T4, podemos dizer (usando ‘=’ para abreviar
similaridade): T1 = T2, T2 = T3, T3 = T4 etc. Mas aqui surge um problema.
De modo a construir uma classe de tropos similares precisamos saber que o primeiro tropo de similaridade é similar ao segundo tropo de similaridade, e
que o segundo é similar ao terceiro etc. Mas como sabemos disso? Bom,
como não pode ser por apelar para uma idéia abstrata de similaridade, deve
ser por apelar para um terceiro tropo de similaridade. Assim, a similaridade
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entre T1 e T2 é similar à similaridade entre T2 e T3, e essa similaridade entre
as duas similaridades é um novo tropo de similaridade. Como a mesma
questão pode ser colocada com respeito à similaridade entre os tropos de
similaridade desse segundo nível e assim por diante, parece que caímos emuma espécie de regresso piramidal, que pode ser parcialmente 4 representado
no esquema seguinte:
(1) T’’1 =...
T’1 = T’2 =...
T1 = T2 = T3 = T4…
Mesmo que não seja infinito esse regresso parece suficientemente
esmagador para o intelecto humano. Além disso, não parece que ele seja
algo realmente experienciado.
Na tentativa de ultrapassar essas dificuldades, quero propor uma
concepção algo diferentes dos universais, inspirada pelo tipo de tratamento
que filósofos empiristas como Berkeley deram a nossas idéias, de modo a
assegurar a sua unidade. A luz desse tratamento sugiro que um universal
possa ser definido como:
Um tropo T* qualquer tomado como modelo, ou qualquer outro tropo
similar a ele.
Aceitando essa definição, o problema do tamanho desaparece, pois é
indiferente à definição quantos tropos são similares a T*. O segundo
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problema também desaparece, pois nessa análise nenhuma menção precisa
ser feita ao conceito de classe. Quando alguém profere a sentença “Essa rosa
é vermelha”, a pessoa quer dizer que essa rosa tem um tropo Tr que é similar
ao tropo Tr* tomado como um modelo na memória do falante, o qualremonta à sua experiência de coisas vermelhas (não penso em T* como
sendo um único: qualquer T pode ser tomado como T* e o modelo usado
pelo ouvinte não será o mesmo usado pelo falante, podendo variar). E
quando o falante profere a sentença “Vermelho é uma cor” ele quer dizer
que sempre que nos for dado um tropo de vermelho, ele será também um
tropo de cor. Finalmente, o terceiro problema também parece desaparecer, pois não precisamos comparar uma similaridade com a outra, mas somente
os tropos T1, T2... Tn individualmente com o tropo T*. Ao invés do regresso
piramidal, o esquema toma uma forma mais razoável:
(2) T1 = T*
T2 = “
T3 = “
T4 = “ ...
Alguém poderá notar que essa solução não elimina totalmente o
problema. Afinal, suponha que queiramos saber se T1 é similar a T4? Se
precisamos nos valer de um modelo T*, isso é feito por comparação com
esse modelo, como no esquema seguinte:
T1 = T* = T4
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Certamente, surge aqui a questão de se saber se a primeira similaridade é
similar à última similaridade, o que nos força a recorrer a uma similaridade
de segunda ordem. Apesar disso, a atual solução é mais econômica do que a
inicialmente considerada. Pois segundo a primeira solução, considerandoque T1 = T2 = T3 = T4 chegávamos à conclusão de que T1 = T4 pela lei da
transitividade, mas precisávamos justificar a aplicação dessa lei pelo recurso
a uma pirâmide de similaridades de ordens superiores.
Existe um outro caminho pelo qual precisamos recorrer a similaridades
de ordem superior. Afinal, se similaridades são tropos, o universal
‘similaridade’ precisa ser construído de tal modo que certo tropo desimilaridade, que pode ser chamado de Ts*, seja admitido como modelo para
os outros tropos de similaridade. Nosso esquema será:
(3) Ts1 = Ts*
Ts2 = “
Ts3 = “...
Ora, sendo as similaridades tropos, então parece que podemos ter tropos
de similaridade de segunda ordem referidos pelos signos de similaridade que
estão entre Ts1 and Ts*, entre Ts2 e Ts*, e assim por diante – chamemo-los
Tss1, Tss2 etc. De maneira a fazer referência ao universal composto por
essas similaridades de similaridades precisaremos de um novo tropo modelar
de similaridade de similaridades, que será Tss*. É fácil predizer que poderíamos criar um número indeterminado de ordens superiores de tropos
de similaridade dessa maneira.
Uma resposta razoável a esta suposta objeção é a de que a conseqüência
predita é inofensiva. Nada nos impede de parar quando não encontramos
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mais vantagem explanatória em prosseguir. Como H. H. Price notou, as
mesmas conseqüências resultam da adoção do realismo5: a idéia da idéia na
filosofia de Platão nada mais é do que uma idéia de segunda ordem.
Provavelmente Platão, ao criticar a sua doutrina das idéias, fez (talvezimplicitamente) uma idéia de sua idéia da idéia. Mas ele não precisaria
prosseguir neste procedimento indefinidamente, posto que há um ponto para
além do qual as razões explanatórias cessam.
Finalmente, vale a pena observar que a similaridade não precisa ser vista
como um tropo como os outros. Considere, por exemplo, as condições de
similaridade para a similaridade. Elas devem pressupor vaguidade eextensões espaciais extremamente variáveis. Muitos diriam que a
similaridade não ocupa espaço nem tempo. Mas não estou certo disso.
Quando considero a similaridade entre as cores de dois sapatos que estou
vendo na vitrina da loja, a similaridade entre essas coisas parece estar de
algum modo por aqui mesmo e não, digamos, lá fora ou em lugar algum. E
quando alguém considera as similaridades entre a forma de nossa galáxia e a
forma da galáxia de Andrômeda, a similaridade deve ter algo a ver com toda
a região do universo na qual elas se encontram, pois tal similaridade não
existiria se esses gigantescos aglomerados de estrelas não existissem.
Talvez devêssemos agora ser lembrados que a similaridade tem a ver com
lógica e que, tal como o espaço e o tempo, a lógica estaria além do reino dos
tropos. Contudo, a lógica já foi considerada como algo que só não parece
empírico por ser inerente à realidade empírica como um todo. É possívelsugerir que a similaridade seja também um tropo limitador, que vige entre as
constantes lógicas e os tropos perceptíveis mais típicos.
Comparemos agora a presente solução para o problema dos universais
com as tradicionais soluções realista e nominalista.
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Para o realista, propriedades universais devem ser objetos abstratos não-
empíricos, acessíveis somente ao intelecto. Isso nos força à admissão da
existência de dois mundos, nosso mundo empírico e ainda um outro mundo
com um infinito número de entidades abstratas, entidades para as quais nãotemos critérios de identidade, posto que elas não são espaço-temporalmente
localizadas. Mais além, ele é deixado com o aparentemente insolúvel
problema de como explicar a relação entre as entidades abstratas
extramundanas e os particulares que deles participam e que os instanciam.
Por outro lado, a solução nominalista é uma espécie de reação reativa
contra o realismo, limitada pelas mesmas assunções. O nominalistaconsistente “resolve” o problema dos universais através de uma contra-
intuitiva negação da existência das propriedades; para ele há apenas
particulares nus e predicações são flatus vocis sem referência real. Mas essa
parece ser uma estratégia de avestruz… com a qual ele se recusa a fazer face
aos problemas.
A teoria dos tropos, ao invés, não duplica os mundos como o realismo
nem nos força ao contra-senso. Em seus princípios, ao menos, ela está em
perfeito acordo com o senso comum. Se você perguntar ao homem comum
onde as propriedades estão, ele irá responder apontando para o azul do céu,
para a solidez da mesa, e comprovando a frieza de um cubo de gelo pelo
tato. Somente anos de doutrinação filosófica poderão ser bem sucedidos em
condicionar a sua mente a ver essas coisas de modo diferente.
Tropos e particulares concretos
O segundo grande problema é o de como construir particulares concretos
com base em tropos. Para D. C. Williams, um particular concreto é uma
soma de tropos6. Tropos podem ser associados de modo a formar agregados
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de tropos e, eventualmente, particulares concretos. O conceito-chave aqui é
o de co-ocorrência (concurrence7): a mesmidade da localização espaço-
temporal dos tropos. Esse conceito de co-ocorrência pode ser analisado
como composto de dois outros, a co-localização e a co-temporalidade. A co-localização dos tropos é a sua localização em certa região do espaço, sem
levar em consideração quando eles se encontram nessa região. Assim, duas
pessoas que tomam turnos em dormir em uma mesma cama não deixam de
ser co-localizadas nessa região do espaço. A co-temporalidade de tropos é a
sua existência durante um mesmo intervalo de tempo. Assim, o monte
Roraima e eu somos co-temporais, mas não somos co-localizados. A co-ocorrência dos tropos surge quando eles são co-localizados e co-temporais,
ou seja, quando eles existem simultaneamente durante certo intervalo de
tempo em certa região espacial. A co-ocorrência dos tropos é a co-
temporalidade de tropos co-localizados.
Agora, um particular concreto, como uma cadeira, deve ser totalmente
constituído por tropos de peso, dureza, cor, forma etc. que estão relacionados
uns aos outros minimamente através de co-ocorrência (i.e. por co-
localização co-presente). A vantagem dessa concepção é que ela nos permite
abandonar o velho e supérfluo conceito de substância entendido como um
substrato oculto das propriedades. O particular concreto evidencia-se como
uma alcachofra, que consiste somente em suas folhas, que são os tropos. É
preciso notar, contudo, que pode haver sentidos da palavra ‘substância’
resgatáveis através de uma ontologia dos tropos. Se a substância for entendida como aquilo que existe em si mesmo e sem a necessidade de outra
coisa, parece que ela pode ser aproximada com o conceito de um sistema de
tropos co-ocorrentes essenciais a um tipo de objeto material.
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Uma ingênua, mas instrutiva objeção contra essa maneira de ver é que
nesse caso toda predicação se torna tautológica: o proferimento “As suas
unhas são vermelhas” é tautológico porque vermelho é predicado de um
sujeito que já possui tropos de vermelho como constituintes 8. Essa objeção éfácil de ser refutada. Para tal precisamos apenas distinguir tropos essenciais
de inessenciais. Tropos essenciais a um objeto material são aqueles que
consideramos como necessariamente pertencentes a ele, sendo referidos a
ele em sua definição. Diversamente de dureza e forma, os tropos de
vermelho de suas unhas não pertencem a elas necessariamente. Portanto,
esses tropos não são constitutivos do objeto referido pelo termo singular ‘suas unhas’ e a sentença não é tautológica.
Uma outra dificuldade, apontada por Cris Daily, nasce do fato de que a
teoria dos tropos é vulnerável a argumentos de regressão análogos aos
usados contra os objetos abstratos assumidos pelo realismo. No caso de
particulares concretos, Cris Daily mostrou que é possível construir, contra a
idéia de co-ocorrência, o seguinte argumento. Suponha que um particular
concreto fosse constituído somente pelos tropos T1, T2 e T3. Como a relação
de co-ocorrência não pode ser uma entidade abstrata, ela deve ser um tropo.
Chamemo-la de relação Tc. Nesse caso parece que nós temos um novo
particular concreto, constituído por T1, T2, T3 e Tc. Ora, para dar conta desse
particular precisamos de uma nova co-ocorrência para T1, T2, T3 e Tc, a
qual poderá ser chamada de Tc’. Mas a adição de Tc’ gera um novo
particular, que requer uma nova co-ocorrência e assim infinitamente9.Uma resposta a essa objeção poderia tomar uma forma similar àquela que
filósofos realistas aplicaram em defesa de suas próprias entidades abstratas.
Para o realista platônico as formas ou idéias possuíam um status sui- generis,
sugerido pelo fato delas resistirem à autopredicação10. Assim, embora o
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vermelho se autopredique, pois o vemelho é vermelho, e o grande também,
pois o grande é grande, nem a idéia de vermelho é vermelha nem a de
grandeza é grande. Ora, a co-ocorrência também parece se autorpredicar,
pois ela não é co-ocorrente (se fosse, a que seria ela co-ocorrente?). Domesmo modo, a co-localização não se co-localiza, a co-temporalidade não se
co-temporaliza, nem a similaridade é similar. Por ser a co-ocorrência um
tropo limitador sui- generis, diferente dos outros, podemos argumentar que
não faz sentido demandar um tropo adicional de co-ocorrência para garantir
a co-localização e co-temporalidade de um agregado de tropos.
O ponto importante que precisa ser notado é que, embora possamos ser obrigados, em defesa da teoria dos tropos, a aplicar estratégias semelhantes
àquelas que foram usadas em defesa das teorias realistas dos universais, nós
estamos fazendo isso de um modo totalmente inexpensivo, nem pressupondo
nem multiplicando entidades questionáveis. A teoria dos tropos é, pois, uma
promessa de se encontrar um fim para mais de dois mil anos de especulação
ontológica em torno de coisas tão misteriosas como idéias platônicas,
particulares nus e substâncias ocultas.
NOTAS:
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1 O trabalho originador da ontologia dos tropos deve ser creditado a D. C. Williams emseu artigo “The Elements of Being,” publicado na Review of Metaphysics, vol. 4, pp. 2-18 e 171-92, 1953. Ele foi o primeiro a propor seriamente a construção de todo o mundotendo somente tropos como elementos ontológicos fundamentais. Desde então adiscussão sobre tropos tem crescido incessantemente.2
D. C. Williams, “The Elements of Being” in, P. V. Inwagen & D. W. Zimmerman: Metaphysics: the Big Questions (Brownwell: Oxford 1998), pp. 45-46.3 Keith Campbell, “The Metaphysics of Abstract Particulars,” in S. Laurence & CynthiaMacdonald (eds.): Contemporary Readings in the Foundations of Metaphysics
(Brownwell; Oxford 1998), 357-9.4 Digo parcialmente porque estou desconsiderando as identidades T1 = T3 e T2 = T4.5 Ver H. H. Price, Thinking and Experience (Hutchinson University Press: Oxford1953), chap. 1. A objeção considerada tem sua origem em Bertrand Russell. Ver seu The
Problems of Philosophy (Oxford University Press: Oxford 1980 (1912)), p.55. Para umaresposta diferente, ver Keith Campbell, Abstract Particulars (Brownwell: Oxford 1990),
pp. 34 ff.6 “The Elements of Being”, ibid. pp. 44-45.7 O termo inglês ‘concurrence’ significa cooperação ou conjunção. Como não háequivalente em português, preferi criar o termo ‘co-ocorrência’. ‘8 Michael Loux: Metaphysics: A Contemporary Introduction (Routledge: London 1998),
p. 103.9 Cris Daily: “Tropes” in, D. H. Mellor & A. Oliver: Properties (Oxford UniversityPress: Oxford 1997), p. 157.10 Ver Gregory Vlastos, “The Third Man Argument in the Parmenides”, Philosophical
Review 63 (1954) pp. 319-349.