A Suspensao Provisoria Do Processo
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Cludia Isabel Ferraz Dias Matias
A suspenso provisria do processo: o regime
legal presente e perspectivado
Dissertao apresentada Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra no mbito do
2. Ciclo de Estudos em Direito, na rea de Especializao em Cincias Jurdico-Forenses
Orientadora: Dra. Cludia Santos
Coimbra, 2014
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ndice
ndice de Abreviaturas ................................................................................................... 3
1. Introduo .............................................................................................................. 4
2. A Suspenso Provisria do Processodefinio e previso legal ........................... 5
3. Anlise do regime legal vigente .............................................................................. 9
3.1 Anlise dos pressupostos legais de aplicao do regime geral da suspenso
provisria do processo consagrados no artigo 281. do CPP ....................................... 9
3.2 A Impugnabilidade da deciso de suspenso provisria do processo ................... 14
3.3 A Impugnabilidade da deciso de no suspenso do processo crime ................... 15
3.4 Anlise dos regimes especiais de suspenso provisria do processo ................... 18
3.4.1 O regime especial da suspenso provisria do processo nos crimes de
violncia domstica .............................................................................................. 18
3.4.2 O regime especial da suspenso provisria do processo nos crimes contra a
liberdade e a autodeterminao sexual de menor................................................... 19
3.4.3 O regime especial da suspenso provisria do processo nos crimes de furto
ocorridos em estabelecimento comercial ............................................................... 21
3.5 As injunes e regras de conduta aplicveis ....................................................... 22
3.6 Os efeitos da suspenso provisria do processoartigo 282., n. 3 e 4 do CPP . 25
3.7 A suspenso provisria do processo e os processos especiais, sumrio e abreviado
................................................................................................................................ 27
3.7.1 A suspenso provisria no processo sumrio................................................ 27
3.7.2 A suspenso provisria no processo abreviado ............................................. 29
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. 2
4. As controvrsias sobre a suspenso provisria do processo ................................... 30
4.1 A suspenso provisria do processo como manifestao de um princpio da
Legalidade Aberta .................................................................................................... 30
4.2 A questo sobre a admissibilidade de recurso da deciso do Ministrio Pblico
que no suspende provisoriamente o processo penal ................................................ 37
4.3 A possibilidade de recurso do despacho judicial de no concordncia com a
aplicao da suspenso provisria do processo ......................................................... 41
5. O regime legal perspectivado no plano de iure constituendo ................................. 54
6. Concluso ............................................................................................................ 61
Bibliografia ................................................................................................................. 63
Jurisprudncia ............................................................................................................. 65
Relatrios .................................................................................................................... 67
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ndice de Abreviaturas
CPPCdigo de Processo Penal
CPCdigo Penal
CRPConstituio da Repblica Portuguesa
DLDecreto-Lei
DRDirio da Repblica
RMPRevista do Ministrio Pblico
STJSupremo Tribunal de Justia
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Mestrado em Cincias Jurdico-Forenses. A suspenso provisria do processo: o regime legal presente eperspectivado.
Cludia Isabel Ferraz Dias Matias 4
1. Introduo
O presente trabalho tem por objecto o estudo de um instituto jurdico de natureza
processual penal: a suspenso provisria do processo.
A suspenso provisria do processo um instituto processual que permite que a tramitao
do processo penal seja suspensa sob condio de o arguido cumprir determinadas regras de
conduta ou injunes. A suspenso provisria do processo exemplo paradigmtico da
evoluo que o moderno Direito Processual Penal portugus tem sofrido no sentido de se
aproximar das solues legais tpicas dos sistemas penais de tipo anglo-saxnico.
Apesar da existncia de vasta jurisprudncia e bibliografia publicada sobre esta matria,
muitas das questes jurdicas que se colocam a propsito da suspenso provisria do
processo permanecem em debate, sem que se tenham ainda alcanado concluses
definitivas. Por outro lado, parece-nos que algumas das solues que foram j avanadas
para algumas questes devem ser repensadas.
Pretendemos com este trabalho no s analisar o regime legal actual desta figura
processual de forma a debatermos as questes controvertidas que se colocam a propsito
da suspenso provisria do processo e a alcanarmos as respostas mais adequadas e justas
para essas questes, mas tambm reflectir sobre este instituto para traarmos um quadro
evolutivo do mesmo no plano de iure constituendo.
Assim, o presente estudo apresenta-se dividido em duas partes: uma primeira parte
dedicada anlise do regime legal actualmente vigente, que permitir compreender o
regime e a articulao dos preceitos legais para, a partir da, tirarmos concluses sobre as
querelas doutrinrias e/ou jurisprudenciais que se colocam a propsito deste instituto; e
uma segunda parte dedicada quela que entendemos dever ser a evoluo futura do
instituto, deixando aqui os nossos contributos para uma eventual nova alterao legislativa
do instituto.
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Mestrado em Cincias Jurdico-Forenses. A suspenso provisria do processo: o regime legal presente eperspectivado.
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2. A Suspenso Provisria do Processo definio e previso legal
Em que consiste a suspenso provisria do processo? uma soluo processual, imbuda
do esprito dos sistemas de oportunidade, para crimes de reduzida gravidade, em que o
Ministrio Pblico, com o acordo do arguido e do assistente e com a homologao do juiz,
suspende provisoriamente a tramitao do processo penal e determina a sujeio do
arguido a regras de comportamento ou injunes durante um determinado perodo de
tempo. Se tais injunes forem cumpridas pelo arguido, o processo arquivado; se no
forem cumpridas, o Ministrio Pblico revoga a suspenso, isto , deduz acusao e o
processo penal prossegue os seus ulteriores termos.
Este instituto vem consagrado nos artigos 281. e 282. do CPP1. Como estes dois preceitos
esto sistematicamente enquadrados e foram pensados para a fase de inqurito do processo
comum, existem ainda vrias referncias no Cdigo ao instituto tendo em vista regular a
sua aplicao na fase de instruo do processo comum ou no mbito dos processos
especiais artigos 307. (suspenso provisria do processo na fase processual de
instruo), 384. (suspenso provisria do processo no mbito do processo sumrio), 391.-
B, n. 4 (suspenso provisria do processo no mbito do processo abreviado).
Existem ainda regimes especiais de suspenso provisria do processo em legislao avulsa.
O n. 1 do artigo 56. do Decreto-Lei n. 15/93 de 22 de Janeiro (Legislao de combate
droga), revogado pela Lei n. 38/2009 de 20 de Julho, continha um regime especial de
suspenso provisria do processo para os crimes relacionados com estupefacientes e
substncias psicotrpicas2. Por sua vez, tambm o artigo 9. da Lei n. 36/94 de 29 de
Setembro (Legislao que institui medidas de combate corrupo e criminalidade
1O CPP foi aprovado pelo Decreto-Lei n. 78/87 de 17 de Fevereiro e entrou em vigor apenas em 1 de
Janeiro de 1988 por fora do disposto na Lei n. 17/87 de 1 de Junho.2Dispe o artigo 56. do Decreto-Lei n. 15/93 de 22 de Janeiro, na redao introduzida pela Lei n. 38/2009de 20 de Julho, sob a epgrafe Suspenso Provisria do Processo: 1 - (Revogado). 2 - Na aplicao dasuspenso do processo, para alm das regras de conduta a que se refere o n. 2 do artigo 281. do Cdigo deProcesso Penal, impor-se- ao arguido, verificado o estado de toxicodependncia, o tratamento ouinternamento em estabelecimento apropriado, aplicando-se o disposto no artigo 47.. 3 - So apreendidas edeclaradas perdidas a favor do Estado as substncias e preparaes que tiverem servido ou estivessemdestinadas a servir para a prtica dos crimes.
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econmica e financeira) prev um regime especial de suspenso provisria do processo
para o crime de corrupo activa3.
A Lei Tutelar Educativa, Lei n. 166/99 de 14 de Setembro, consagra nos artigos 84. e85.4um regime especfico de suspenso provisria do processo na fase de inqurito do
processo tutelar educativo, processo que iniciado quando um menor, com idade
compreendida entre os 12 e os 16 anos, pratica um facto que qualificado pela lei como
crime e que determina a aplicao de uma medida tutelar educativa.
Este instrumento processual aflora as ideias de diverso do processo e de oportunidade, na
medida em que visa a resoluo do conflito jurdico-penal fora do sistema formal de
aplicao da justia penal e constitui uma alternativa deduo de acusao.
A suspenso provisria do processo um instituto que integra a categoria das designadas
solues de consenso do conflito penal. Na verdade, o CPP trata de forma processualmente
diferente a pequena e mdia criminalidade face criminalidade grave. Dentro da pequena e
mdia criminalidade, o CPP oferece dois tipos de tratamento para o conflito penal: por um
lado, as solues de conflito, que se pautam pela simplicidade e celeridade e de que so
exemplos paradigmticos os processos sumrio e abreviado e, por outro lado, as solues
de consenso, onde predominam a conciliao, o compromisso entre os intervenientes e a
paz jurdica e de que so exemplos paradigmticos o arquivamento por dispensa da pena, o
processo sumarssimo e a suspenso provisria do processo. Designam-se por solues de
consenso na medida em que pressupem o acordo de vrios sujeitos processuais, havendo
tambm quem as designe como formas negociadas de justia.
3Prev o artigo 9. da Lei n. 36/94 de 29 de Setembro, sob a epgrafe Suspenso Provisria do Processo,que 1- No crime de corrupo activa, o Ministrio Pblico, com a concordncia do juiz de instruo, pode
suspender provisoriamente o processo, mediante a imposio ao arguido de injunes e regras de conduta,se se verificarem cumulativamente os seguintes pressupostos: a) Concordncia do arguido; b) Ter o arguidodenunciado o crime ou contribudo decisivamente para a descoberta da verdade; c) Ser de prever que ocumprimento das injunes e regras de conduta responda suficientemente s exigncias de preveno que nocaso se faam sentir. 2 - correspondentemente aplicvel o disposto nos artigos 281., n. 2 a 5, e 282. doCdigo de Processo Penal.4 A Lei Tutelar Educativa, na seco III, intitulada Suspenso do processo, dedica dois artigos aotratamento da suspenso provisria do processo no mbito dos processos tutelares educativos, os artigos 84.(Regime) e 85. (Termo). O artigo 84., n. 1 dispe que 1- Verificando-se a necessidade de medidatutelar o Ministrio Pblico pode decidir-se pela suspenso do processo quando, sendo o facto qualificadocomo crime punvel com pena de priso de mximo no superior a cinco anos, o menor apresente um planode conduta que evidencie estar disposto a evitar, no futuro, a prtica de factos qualificados pela lei comocrime. ().
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So apontadas diversas vantagens s solues de consenso: a rapidez na resoluo dos
conflitos, a resposta adequada ao recurso em massa justia penal (aliviam os Tribunais do
conhecimento das bagatelas penais), a reduo da estigmatizao social do agente, a mais
fcil reintegrao do agente na sociedade, a mais adequada resposta ao interesse da vtima.
A justia negociada no obedece apenas a uma lgica de produtividade e eficincia, mas
serve tambm uma lgica de realizao da justia numa sociedade moderna em que o
modelo estadual repressivo perde legitimidade5.
A suspenso provisria do processo permite cumprir as funes de realizao da justia e
de proteco subsidiria do direito penal, alcanando a mesma finalidade que a da pena,
mas sem que o arguido se submeta estigmatizao inerente ao julgamento e imposio
de uma pena.
Alm disso, traz ganhos acrescidos em matria de economia processual e eficincia do
sistema pois quanto maior for a possibilidade de suspender o processo sem que haja
julgamento e se possvel sem que haja instruo, maior o xito do processo penal na
realizao das suas finalidades, mais clere e menos oneroso para o errio pblico.
No obstante as mltiplas vantagens que a figura apresenta, a prtica tem demonstrado,
contudo, que a presso estatstica dos inquritos findos, aliada a critrios de produtividade
judiciria (despachar casos), tem determinado um subaproveitamento do instituto. No
s o facto de o processo ficar suspenso nos servios, mas tambm o facto de a suspenso
provisria do processo exigir o cumprimento de um maior nmero de formalidades do que
a deduo de acusao e o facto de as diligncias de inqurito serem delegadas em rgos
5Perante estas mltiplas vantagens, h j quem defenda uma hierarquizao nas formas de tratamento da
pequena e mdia criminalidade, afirmando que o Ministrio Pblico deve optar prioritariamente e sempre quepossvel (isto , sempre que se verifiquem os respetivos pressupostos legais) pelas solues de consenso, soptando pelas solues de conflito quando no seja possvel o recurso a solues de consenso. Claramenteeste sentido, Joo Conde Correia em CORREIA, Joo Conde, Questes prticas relativas ao arquivamento e acusao e sua impugnao, Porto, Publicaes Universidade Catlica (2007), p. 74, afirmando que ()terminado o inqurito, o Ministrio Pblico dever () quando tiver recolhido indcios suficientes daprtica de um crime e de quem foram os seus autores equacionar as solues alternativas acusao e sdepois disso, caso esses mecanismos sejam inaplicveis, proceder elaborao daquela. A acusao oltimo recurso. Existe uma clara hierarquia nestes institutos. Se o Ministrio Pblico concluir pelaverificao positiva dos respectivos pressupostos legais dever arquivar/suspender. () Em sntese: oMinistrio Pblico s pode suspender se no puder arquivar e s pode acusar se no puder arquivar nemsuspender. A ideia que aqui preside a de que se deve privilegiar a opo que significa uma menorinterveno estatal e uma maior rapidez na resoluo do conflito criminal.
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de polcia criminal tm levado a que se opte pela deduo de acusao em detrimento da
soluo consensual.
De facto, em 1996 os processos suspensos provisoriamente representavam apenas 0,2%das pendncias (575 processos) e em 2005 ascendiam a um pouco mais de 1,2% do total
(2649 processos). O nmero de processos crime findos com deduo de acusao muito
superior ao nmero de processos suspensos provisoriamente (82130 processos contra 3543
processos em 2005). Verifica-se que a grande maioria dos inquritos suspensos
provisoriamente findam por arquivamento nos termos do artigo 282., n. 3 do CPP (cerca
de 66,3% em 2005), ou seja, cumprindo o arguido as injunes e regras de conduta que lhe
foram impostas.6Nos dados das estatsticas criminais relativas aos anos de 2005 a 2010, a
aplicao da suspenso provisria do processo sobe continuamente. Mesmo assim, em
2010, para um total de 77911 inquritos em que foi deduzida acusao, s 10352 foram
suspensos provisoriamente.78
6 Informao constante do relatrio Processos crime na fase de inqurito: a suspenso provisria doprocesso (1994-2005), publicado em Maio de 2009 na base de dados da Direco-Geral da Poltica daJustia referente s Estatsticas Oficiais da Justia - www.siej.dgpj.mj.pt7 Informao recolhida no Acrdo do STJ de 10/04/2013, processo n. 224/06.7GAVZL.C1.S1, RelatorSantos Cabral, disponvel em www.dgsi.pt.8Para uma anlise detalhada das estatsticas sobre a aplicao da suspenso provisria do processo ao longodos vrios anos e das explicaes para a subutilizao da figura, vide NARCISO, Francisco Mendona,Papis pintados com tinta? A aplicao da suspenso provisria do processo pelos magistrados doMinistrio Pblico, RMP 123 (2010), pp. 83-107.
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3. Anlise do regime legal vigente
Nos termos da actual redaco do artigo 281. do CPP9, se, durante o inqurito, tiverem
sido recolhidos indcios suficientes de se ter verificado um crime (punvel com pena de
priso no superior a cinco anos ou com pena diferente de priso) e de quem foi o seu
agente, o Ministrio Publico determina, com a concordncia do juiz de instruo, do
arguido e do assistente, a suspenso provisria do processo crime, desde que se verifiquem
cumulativamente os pressupostos elencados no n. 1 do artigo e mediante a imposio ao
arguido das injunes ou regras de conduta previstas no n. 2 do preceito legal.
O Tribunal Constitucional foi chamado por diversas vezes a pronunciar-se sobre a
inconstitucionalidade do regime consagrado no artigo 281. do CPP, tendo considerado que
o instituto da suspenso provisria do processo, tal como est previsto actualmente neste
preceito, no viola nenhuma norma nem princpio constitucionais10.
Analisemos, ento, o regime geral da suspenso provisria do processo consagrado no n. 1
do artigo 281. do CPP.
3.1 Anlise dos pressupostos legais de aplicao do regime geral da suspenso
provisria do processo consagrados no artigo 281. do CPP
O instituto em anlise aplica-se a crimes punveis com pena de multa, sem limite de valor,
ou com pena de priso no superior a 5 anos.
Assim, a suspenso provisria do processo s poder ser aplicada se ao respectivo crime(ou crimes) no for aplicada pena cujo limite mximo seja superior a 5 anos de priso.
Embora a lei seja omissa neste ponto, nada parece obstar suspenso no caso de concurso
de crimes, desde que a moldura penal abstracta do conjunto no seja superior a 5 anos.
9Redaco do Decreto-Lei n. 78/87 de 17 de Fevereiro, com as alteraes introduzidas pela Lei n. 59/98 de25 de Agosto, pela Lei n. 7/2000 de 27 de Maio, pela Lei n. 48/2007 de 29 de Agosto, pela Rectificao n.100-A/2007 de 26 de Outubro e pela Lei n. 20/2013 de 21 de Fevereiro.10 Vide, a este propsito, os Acrdos do Tribunal Constitucional n. 7/87, 244/99, 67/2006 e 144/2006,disponveis emwww.tribunalconstitucional.pt.
http://www.tribunalconstitucional.pt/http://www.tribunalconstitucional.pt/http://www.tribunalconstitucional.pt/http://www.tribunalconstitucional.pt/ -
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Dizer que o instituto s se aplica a crime punvel com pena de priso no superior a 5 anos
o mesmo que dizer, em caso de concurso, que a pena abstractamente aplicvel ao arguido
no pode ser superior a 5 anos. Assim, no caso de concurso de crimes em que a moldura
penal no ultrapasse os 5 anos de priso, a suspenso provisria do processo pode ser
aplicada a todos os crimes.
A Procuradoria-Geral da Repblica fixou como orientao geral, no captulo I da Directiva
n. 1/2014 de 24 de Janeiro11, que o instituto da suspenso provisria do processo
tambm aplicvel aos casos em que se indicia suficientemente um concurso de crimes
punvel com pena de priso superior a 5 anos mas em que a pena de cada um deles no
excede esta medida. Ou seja, no entendimento da Procuradoria-Geral, o instituto pode ser
aplicado em caso de concurso de crimes, desde que cada crime individualmente
considerado no seja punvel com uma moldura penal superior a 5 anos de priso. Parece-
nos que a orientao fixada pela Procuradoria-Geral vai longe de mais na interpretao
literal do preceito ao admitir que o instituto possa ser aplicado a um concurso de crimes em
que a moldura penal abstracta do conjunto excede a pena de priso de 5 anos.
Pode colocar-se a questo de saber se o Ministrio Pblico pode aplicar a suspenso
provisria do processo quando est em causa um crime (ou um concurso de crimes) cujamoldura penal abstracta seja superior a cinco anos, mas que, pelo recurso ao mecanismo do
artigo 16., n. 3 do CPP, tenha sido reduzida a cinco anos.
Fernando Torro12considera que sim, afirmando que no existe qualquer diferena entre
ser-se acusado por crime cujo limite mximo de 5 anos de priso se encontre estabelecido
a priori na lei ou ser-se acusado por crime cujo limite mximo de 5 anos de priso
estabelecido pelo Ministrio Pblico ao abrigo do disposto no artigo 16., n. 3 do CPP.
11Directiva n. 1/2014 da Procuradoria-Geral da Repblica, publicada em DR, II Srie, n. 17, de 24/01/2014,que fixa orientaes gerais e especficas tendo em vista uniformizar a actuao do Ministrio Pblico naaplicao da suspenso provisria do processo.12 TORRO, Fernando Jos dos Santos Pinto, Admissibilidade da suspenso provisria nas situaesprevistas pelo artigo 16., n. 3 do CPP - Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge de FigueiredoDias, in Boletim da Faculdade de Direito vol. III, Coimbra Editora, Coimbra (2010), pp. 1205 e ss.
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Opinio contrria tem Paulo Pinto de Albuquerque13, que considera que este artigo apenas
diz respeito faculdade que o legislador deu ao Ministrio Pblico de em determinados
casos retirar a competncia do tribunal colectivo e atribu-la ao tribunal singular. Tambm
em sentido contrrio se pronunciou o Tribunal da Relao de Guimares14, afirmando que
a suspenso provisria do processo s se aplica a crimes com moldura penal abstracta no
superior a 5 anos e que a declarao do Ministrio Pblico no convola uma pena abstracta
superior a 5 anos numa pena abstracta de 5 anos, mas condiciona apenas a pena concreta a
aplicar.
A Procuradoria-Geral da Repblica debruou-se sobre esta questo na Directiva n. 1/2014
de 24 de Janeiro e fixou como orientao geral nesta matria que o instituto no aplicvel
aos crimes punveis com pena de priso de durao superior a 5 anos, salvo nos casos
expressamente previstos na lei, mesmo que o magistrado do Ministrio Pblico entenda
que, no caso concreto, a pena concreta no deveria exceder os 5 anos de priso.
Um dos pressupostos materiais da suspenso provisria do processo, previsto na alnea a)
do n. 1 do artigo 281. do CPP, o consentimento do arguido. O consentimento deve ser
livre e esclarecido e, sempre que a lei o impuser, prestado na presena do defensor. O
consentimento tem de ficar de alguma forma registado nos autos, pois sem a suamanifestao inequvoca no possvel aplicar a suspenso dado que a suspenso implica
sempre uma compresso dos direitos do arguido. O consentimento do arguido visa no s
legitimar a imposio de injunes que restringem os seus direitos fundamentais, mas
tambm permitir uma participao auto-responsabilizadora do arguido (efeito no
repressivo e ressocializador).
Um outro pressuposto material da suspenso provisria do processo, igualmente previsto
na alnea a) do n. 1 do artigo 281. do CPP, o consentimento do assistente. Na verdade, a
vtima, constituda assistente no processo, pode ter interesse na suspenso provisria do
processo e dar o seu acordo aplicao do instituto, seja porque no deseja a punio
formal do culpado, mas a reparao dos seus danos, seja porque no est interessada em
enfrentar as penosas etapas do sistema de justia formal.
13 ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, Comentrio do Cdigo de Processo Penal, Universidade CatlicaEditora, 4. edio, Lisboa (2011).14Acrdo do Tribunal da Relao de Guimares de 10/12/2007, processo n. 2168/07-2, Relator FernandoMonterroso, disponvel emwww.dgsi.pt.
http://www.dgsi.pt/http://www.dgsi.pt/http://www.dgsi.pt/http://www.dgsi.pt/ -
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O preceito legal refere-se apenas ao consentimento do assistente, devendo questionar-se se
necessrio, para a aplicao do instituto, o consentimento do ofendido (que no se
constituiu assistente no processo) ou se este irrelevante. Snia Fidalgo 15 e Fernando
Torro16entendem que o acordo exigido nos termos desta alnea o acordo do assistente e
defendem que a vtima s poder participar na aplicao do instituto se se constituir
assistente. No mesmo sentido se posiciona a Procuradoria-Geral da Repblica na Directiva
n. 1/2014 de 24 de Janeiro. Em sentido contrrio, Joo Conde Correia 17entende que, no
obstante o artigo 281. do CPP s pressupor o consentimento do assistente, a vtima
tambm ter uma palavra a dizer. Para este autor, o juiz deve proferir despacho de no
concordncia com a suspenso provisria do processo por preterio de um pressuposto se
a vtima no constituda assistente no for questionada sobre a suspenso provisria doprocesso ou se no concordar com essa soluo. Parece-nos que o legislador deveria alterar
este requisito, exigindo o acordo do ofendido, ainda que este no se tenha constitudo
assistente.
A suspenso provisria do processo pressupe, portanto, um consenso alargado entre
Ministrio Pblico, juiz de instruo, arguido e assistente, se este existir.
Em quarto lugar, como refere a alnea b) do n. 1 do artigo 281. do CPP, necessrio queo arguido no tenha sido anteriormente condenado pela prtica de um crime da mesma
natureza, ou seja, por um crime relativo ao mesmo bem jurdico, ou, tendo sido condenado,
que j tenha decorrido o tempo necessrio para que esse(s) antecedente(s) seja(m)
eliminado(s) do registo criminal. No mbito do revogado regime especial da criminalidade
relacionada com o consumo de estupefacientes (artigo 56. do DL n. 15/93 de 22 de
Janeiro) no era exigido este requisito, podendo o processo crime ser suspenso
provisoriamente mesmo que o arguido tivesse antecedentes criminais da mesma natureza.
Outro pressuposto material, previsto na alnea c), a ausncia de aplicao anterior de
suspenso provisria de processo por crime da mesma natureza. Se o arguido, que j
15FIDALGO, Snia, O consenso no processo penal: reflexes sobre a suspenso provisria do processo e oprocesso sumarssimo, RPCC n. 2 e 3, ano 18 (2008), p. 283.16TORRO, Fernando Jos dos Santos Pinto, A Relevncia Poltico-Criminal da Suspenso Provisria doProcesso, Coimbra, Almedina, 2000, pp. 202-203.17CORREIA, Joo Conde, Questes prticas, pp. 90-91 e Bloqueio Judicial Suspenso Provisria doProcesso, Porto, Universidade Catlica Editora (2012), p. 98, nota de rodap 152.
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elucidativas as palavras de Carlos Adrito Teixeira que passamos a reproduzir: () no
mbito deste instituto, a determinao da culpa uma formulao provisria, inacabada
(o processo pode vir a prosseguir e ocorrer at uma abolvio) e indiciria. A indiciao
de culpa aproxima-se da estabelecida no momento da deduo da acusao ou no da
determinao da priso preventiva. () Assim, atenta a matriz em que se funda o
princpio da culpa (inviolabilidade da pessoa humana), a ideia de reintegrao social do
agente, qual vertente social daquele princpio, e a incompleta clarificao de culpa
permitem salvaguardar a presuno de inocncia ().18
Por ltimo, e de acordo com o previsto na alnea f) do mesmo artigo, a suspenso
provisria do processo s se aplica se for de prever que o cumprimento das injunes e
regras de conduta sejam suficientes para satisfazer/acautelar as exigncias de preveno
que no caso se fazem sentir. Quanto preveno geral positiva ou de integrao, parece
que a confisso livre, integral e sem reservas do arguido e a imposio de injunes sero
resposta suficiente para as exigncias comunitrias. Por outro lado, a ausncia de
antecedentes criminais, a ausncia de anterior suspenso provisria do processo, a no
aplicabilidade de uma medida de segurana de internamento e a imposio da prpria
injuno parecem dar resposta adequada preveno especial.19
3.2 A Impugnabilidade da deciso de suspenso provisria do processo
O actual n. 6 do artigo 281. do CPP refere expressamente que a deciso final de
suspenso provisria do processo, tomada pelo Ministrio Pblico, no susceptvel de
impugnao. Este preceito legal no se refere ao despacho do juiz de instruo, mas sim
deciso do Ministrio Pblico, que passvel de impugnao hierrquica, e visa imprimir
celeridade na aplicao do instituto da suspenso provisria do processo.
Na verdade, o n. 6 do artigo 281. trata de uma questo de legitimidade processual ou de
interesse em agir: se o arguido e o assistente concordaram com as injunes ou regras de
conduta impostas pelo Ministrio Pblico e deste consenso brotou uma deciso de
18 TEIXEIRA, Carlos Adrito, Suspenso Provisria do Processo: fundamentos para uma justiaconsensual, RMP 86 (2001), pp. 113-114.19 Relativamente anlise dos pressupostos de aplicao da suspenso provisria do processo, videCORREIA, Joo Conde, Questes prticas, pp. 90-93.
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suspenso provisria do processo (que supe, desde logo, que o juiz tambm concordou
com a proposta do Ministrio Pblico), nem o arguido, nem o assistente tm interesse em
impugnar a deciso, sob pena de admitirmos a possibilidade de os sujeitos processuais
incorrerem numa espcie de "venire contra factum proprium", lanando mo de um meio
de reaco em contradio com o comportamento anteriormente assumido no processo. A
inimpugnabilidade da deciso resulta da existncia de um consenso alargado entre todos os
intervenientes no processo.
Saliente-se, contudo, que o legislador no estabeleceu um regime de inimpugnabilidade
absoluta. Pois vejamos.
Nos casos em que o Ministrio Pblico decide suspender provisoriamente o processo,podem verificar-se dois cenrios: o Ministrio Pblico suspende provisoriamente o
processo penal e verificam-se no caso concreto todos os requisitos previstos no n. 1 do
artigo 281. do CPP ou o Ministrio Pblico suspende provisoriamente o processo penal
fazendo uma interpretao errnea de algum dos pressupostos de aplicao ou
incumprindo algum desses pressupostos legais de aplicao do instituto. Relativamente
primeira das hipteses, a deciso de suspenso do Ministrio Pblico, tomada em
conformidade com os respectivos critrios legais estipulados no n. 1 do artigo 281., no susceptvel de impugnao hierrquica - artigo 281., n. 6 do CPP. No que diz respeito ao
segundo cenrio traado, a deciso de suspenso provisria do processo do Ministrio
Pblico, porque no foi tomada em conformidade com os pressupostos legais, susceptvel
de impugnao - interpretao a contrariodo n. 6 do artigo 281. do CPP. O teor literal do
n. 6 do artigo 281. do CPP, na medida em que inclui a expresso em conformidade com
o n. 1, exclui a inimpugnabilidade absoluta. Efectivamente, se o legislador pretendesse
impedir qualquer recurso, ter-se-ia limitado a referir que a deciso de suspenso no susceptvel de impugnao. Portanto, nem toda a deciso do Ministrio Pblico no sentido
de aplicar a suspenso provisria do processo inimpugnvel.
3.3 A Impugnabilidade da deciso de no suspenso do processo crime
O regime da suspenso provisria do processo mais complexo do que parece.
Distingamos, antes de mais, as situaes em que o Ministrio Pblico se decide pela
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suspenso provisria do processo daquelas em que se decide pela no suspenso do
processo, isto , daquelas em que deduz acusao contra o arguido.
A deciso de no suspenso do processo pode surgir em cenrios distintos. Um primeirocenrio que podemos traar aquele em que o Ministrio Pblico pretende suspender o
processo, mas fica impossibilitado de aplicar o instituto porque o juiz de instruo no
subscreve o acordo a que chegou com o arguido e com o assistente. Neste contexto se
discute se admissvel recurso da posio do juiz de instruo de no concordncia com a
suspenso provisoria do processo (questo analisada no ponto 4.3).
Num segundo cenrio, o Ministrio Pblico decide, ele prprio, no suspender o processo.
Tal pode suceder porque o Ministrio Pblico no pode legalmente recorrer ao instituto eno lhe resta alternativa que no seja deduzir a acusao. Pense-se, por exemplo, no caso
de um crime cuja moldura penal no permite a aplicao da suspenso provisria do
processo. No entanto, tal sucede frequentemente quando o Ministrio Pblico, tendo a
possibilidade de aplicar a suspenso provisria do processo, opta (discricionariamente) por
no o fazer e deduz acusao contra o arguido. , perante este segundo cenrio, que se
discute i) se o Ministrio Pblico tem o dever ou a faculdade de suspender provisoriamente
o processo sempre que esta figura seja legalmente aplicvel ao caso concreto (questoanalisado no ponto 4.1) e ii) se possvel reagir contra a prpria deciso (discricionria) do
Ministrio Pblico de no aplicao da suspenso provisria do processo, nomeadamente
requerendo-se a abertura da instruo (questo abordada no ponto 4.2).
Na fase de instruo tambm podemos traar diversos cenrios. O primeiro dos cenrios
aquele em que o arguido requereu a suspenso provisria do processo ao juiz de instruo
e este pretende suspender provisoriamente o processo penal, mas o Ministrio Pblico no
concorda com tal suspenso. Faltando o acordo do Ministrio Pblico, o juiz dever
pronunciar o arguido, no sendo possvel reagir contra a discordncia do Ministrio
Pblico. E faz sentido que no se possa recorrer ou impugnar a posio assumida pelo
Ministrio Pblico, pois o primeiro dos requisitos da suspenso provisria do processo o
de que o Ministrio Pblico, que representa uma das posies em conflito (a do interesse
pblico), esteja disposto a chegar a um compromisso com o arguido por entender que se
verificam todos os pressupostos legais para suspender o processo.
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Um segundo cenrio aquele em que o arguido e o Ministrio Pblico (e o assistente, se o
houver) pretendem, na fase de instruo, que o processo seja suspenso provisoriamente e o
juiz de instruo discorda desta possibilidade, pronunciando o arguido. Neste caso, a
deciso do juiz de pronunciar o arguido em detrimento da aplicao da suspenso
provisria do processo no recorrvel por fora do disposto no n. 1 do artigo 310. do
CPP. Na verdade, faz sentido que no se possa recorrer desta deciso: em primeiro lugar,
se o Ministrio Pblico pretendia suspender provisoriamente o processo deveria t-lo
proposto no final do inqurito; em segundo lugar, a irrecorribilidade da deciso funda-se na
existncia de dois juzos adversos suspenso provisria do processo, um primeiro por
parte do Ministrio Pblico e um segundo por parte do juiz de instruo.
Em 2010, o Tribunal Constitucional foi chamado a pronunciar-se sobre a questo da
irrecorribilidade do despacho de no concordncia do juiz na fase de instruo e concluiu,
no seu Acrdo n. 235/201020, no ser inconstitucional a interpretao das disposies
conjugadas dos artigos 281., n. 5 (actual n. 6), 307., n. 2, 310., n. 1, e 399. do CPP
no sentido de que irrecorrvel a deciso de denegao da aplicao do instituto da
suspenso provisria do processo quando inserta na deciso instrutria de pronncia. O
Tribunal Constitucional defendeu que a Constituio no impe a recorribilidade de todos
os despachos proferidos no processo penal, s impondo a garantia do recurso no caso de
decises penais condenatrias (ou de decises que condicionam de algum modo a
liberdade e os direitos fundamentais do arguido), concluindo que, como o despacho de
pronncia no tem natureza de deciso condenatria, mas expresso de um juzo
indicirio e provisrio, no inconstitucional a interpretao de que se no possa recorrer
desse despacho21.
20 Acrdo do Tribunal Constitucional n 235/2010 de 16/06, processo n. 986/09, publicado no DR, II Srie,de 22/10/2010.21Discordando da deciso do Tribunal Constitucional, Rui Manuel Moura Ramos declarou no seu voto devencido: Dissenti do presente acrdo essencialmente por no poder fazer decorrer a conformidadeconstitucional da irrecorribilidade de uma deciso (que em princpio no poderia deixar de ser consideradacomo recorrvel, face s consequncias que tem para a situao do arguido) da sua mera insero num actoprocessual (a deciso instrutria de pronncia) ele prprio irrecorrvel. Na verdade, as razes que tornamconstitucionalmente aceitvel a irrecorribilidade deste acto em certas circunstncias (a existncia deindcios comprovados, de modo coincidente, em duas fases do processo, pelo Ministrio Pblico e pelo juizde instruo) no se comunicam deciso relativa suspenso provisria do processo, que nele possa vir aser inserida. Independentemente do acerto da qualificao desta deciso como uma deciso sobre umaquesto prvia para o efeito de a sujeitar norma do artigo 310., n. 1, do CPP, o certo que a questo da
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3.4 Anlise dos regimes especiais de suspenso provisria do processo
3.4.1 O regime especial da suspenso provisria do processo nos crimes de violncia
domstica
O ento n. 6 (actual n. 7) do artigo 281. do CPP foi substancialmente alterado com a
reviso legislativa de 2007 e passou a prever um regime especial de suspenso provisria
do processo para o crime de violncia domstica previsto e punido no artigo 152. do CP
que um crime de natureza pblica. A consagrao da possibilidade de suspenso
provisria do processo funciona como um mecanismo amenizador da natureza pblica
deste ilcito criminal.
Este regime especial, actualmente consagrado no n. 7 do artigo 281. do CPP, prev que o
instituto se aplica ao crime de violncia domstica no agravado pelo resultado uma vez
reunidos os seguintes requisitos legais: i) requerimento livre e esclarecido da vtima (no
sendo necessrio que o ofendido se constitua assistente); ii) concordncias do arguido, do
Ministrio Pblico e do juiz de instruo; e iii) verificao de dois dos pressupostos
contemplados no n. 1 do artigo 281. do CPP: a ausncia de anterior condenao por crime
da mesma natureza e a ausncia de suspenso provisria do processo por crime da mesma
natureza.
suspenso provisria do processo sempre se distingue das demais questes prvias a que se refere estepreceito por, ao contrrio do que com estas em princpio sucede, no poder voltar a ser colocada aotribunal no mbito do processo, que se encontra constitucionalmente obrigado a assegurar ao arguido todas
as garantias de defesa..Segundo Moura Ramos, submeter a possibilidade de recurso da deciso que nega aaplicao do instituto ao regime consagrado no artigo 310. do CPP seria fazer depender a admissibilidade derecurso da existncia de uma alterao (no substancial) dos factos descritos na acusao, levando a que emcertos casos existisse a possibilidade de recurso e noutros casos concretos no. De acordo com esta posio,no se aplica o disposto no artigo 310. do CPP deciso que nega a aplicao da suspenso provisria doprocesso, mas sim o regime que resulta da conjugao dos artigos 281. e 307., n. 2 com o artigo 399. doCPP. O n. 6 do artigo 281. do CPP dispe que a deciso de suspenso, em conformidade com o n. 1, no susceptvel de impugnao, o que quereria dizer a contrario sensu que, de acordo com o princpio geralconsagrado nos artigos 399. do CPP e 32., n. 1 da CRP, a deciso do juiz que denegue a suspensoprovisria do processo seria passvel de recurso. Porque o artigo 307., n. 2 do CPP remete para todo oclausulado do artigo 281. sem fazer qualquer excluso, nem utiliza a expresso com as devidasadaptaes, a mesma soluo valeria para a deciso do juiz de instruo que nega a aplicao do instituto nafase de instruo.
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Rui do Carmo e Snia Fidalgo entendem que o Ministrio Pblico e o juiz de instruo no
podem afastar a aplicao do instituto por ter existido um grau de culpa elevado ou por as
exigncias de preveno no se mostrarem suficientemente acauteladas no caso,
entendimento que estendem ao regime especial de suspenso provisria do processo
previsto no n. 8 do artigo 281. do CPP. J Paulo Pinto de Albuquerque discorda desta
posio e considera que os requisitos de ausncia de um grau de culpa elevado e de
preveno devem ser aplicveis neste regime, embora o legislador os tenha omitido.22
O artigo 15. da Lei n. 61/91 de 13 de Agosto foi, portanto, tacitamente revogado pela
previso, em 2007, do crime de violncia domstica e pelo novo regime de suspenso
provisria do processo consagrado em 2007 para o crime de violncia domstica no
agravado pelo resultado.
O n. 5 do artigo 282. do CPP, tambm ele fruto da alterao legislativa de 2007,
complementa este regime ao dispor que, nestes casos, a durao da suspenso pode ir at
aos cinco anos.
3.4.2 O regime especial da suspenso provisria do processo nos crimes contra a liberdadee a autodeterminao sexual de menor
O n. 8 do artigo 281. do CPP prev um outro regime especial de suspenso provisria do
processo, desta feita para processos por crimes contra a liberdade e autodeterminao
sexual de menor no agravados pelo resultado (crimes cuja pena mxima pode ir at aos 15
anos de priso e que assumem na sua generalidade natureza pblica).
A aplicao do instituto a este tipo de crime depende da verificao dos seguintesrequisitos: i) concordncias do arguido, do Ministrio Pblico e do juiz de instruo
relativamente aplicao do instituto; ii) ausncia de anterior condenao por crime da
mesma natureza; iii) ausncia de suspenso provisria do processo por crime da mesma
natureza; iv) concluso do Ministrio Pblico de que a aplicao da suspenso provisria
do processo do interesse da vtima, ou seja, que a aplicao do instituto acautela o
22CARMO, Rui do,A suspenso provisria do processo no Cdigo de Processo Penal revistoAlteraes eclarificaes, Revista do CEJ, 9 (2008), pp. 329-330 e nota de rodap 25; FIDALGO, Snia, Ob. Cit., p. 291.
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superior interesse da criana ou jovem. O prazo mximo da durao da suspenso
igualmente de cinco anos (artigo 282., n. 5 do CPP).
O Procurador Rui do Carmo alerta para a desarmonia existente entre este regime e oprevisto no artigo 178. do CP: os n. 3 e 4 do art. 178. do Cdigo Penal continuam a
referir-se suspenso provisria do processo nestes crimes, existindo desarmonia entre a
sua redaco e a do n. 7 [actual n. 8] do artigo 281. do Cdigo de Processo Penal:
neste, exigida a ausncia de anterior condenao do arguido ou de aplicao de
suspenso provisria do processo por crime da mesma natureza; no Cdigo Penal to-s
exigido () que no tenha sido aplicada anteriormente medida similar (suspenso
provisria do processo, portanto!) por crime da mesma natureza. O legislador do Cdigo
Penal [queria] () ser mais exigente nestes crimes ao formular este pressuposto, que
acresceria aos do regime geral que antes da () reviso [de 2007] apenas previa, quanto
a anteriores procedimentos, a ausncia de antecedentes criminais (mesmo que respeitantes
a crimes de diferente natureza). Mas, em face da alterao introduzida [em 2007] no
Cdigo de Processo Penal, o texto da norma do Cdigo Penal pode induzir ideia
contrria.23 Ou seja, contrariamente sua inteno, com a alterao, em 2007, do texto
do artigo 281. do CPP, o legislador acabou por estabelecer no artigo 178., n. 3 do CP
requisitos menos exigentes (ausncia de aplicao anterior de suspenso provisria do
processo por crime da mesma natureza) do que os estabelecidos no n. 8 do artigo 281. do
CPP (ausncia de condenao e de suspenso provisria do processo anteriores por crime
da mesma natureza).Rui do Carmo defende uma interpretao sistemtica e correctiva da
norma do CP no sentido de os pressupostos de aplicao do artigo 178. do CP serem
coincidentes com os exigidos no n. 8 do artigo 281. do CPP.
Quid juris se o assistente (o ofendido maior de 16 anos ou o representante legal deofendido menor de 16 anos) discordar da aplicao do instituto? Rui do Carmo e Paulo
Pinto de Albuquerque defendem que a vontade do assistente no crime contra a liberdade e
autodeterminao sexual no pode valer menos que a vontade de qualquer outro assistente
em relao a qualquer outro crime, cuja concordncia requisito indispensvel para a
aplicao do instituto. Assim, apesar de o n. 8 do artigo 281. no remeter para o requisito
previsto na alnea a) do n. 1 do artigo 281. do CPP, a concordncia do assistente, estes
23CARMO, Rui do, Ob. Cit., pp. 330-331.
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autores defendem que necessrio que se verifique este requisito para que se possa aplicar
o regime especial contemplado neste n. 8. Tambm neste sentido se posiciona a
Procuradoria-Geral da Repblica no ponto 1) do captulo XI da Directiva n. 1/2014 de 24
de Janeiro.
E quid juris se o ofendido, com capacidade para decidir o que melhor para si, no se
constituiu assistente, mas discorda da aplicao do instituto? Parece-nos que ter em conta
o interesse da vtima relevar a vontade da vtima que, embora menor, j tenha
capacidade para compreender a situao e consiga decidir se o melhor para si suspender
o processo.
Os dois regimes especiais que analismos, referentes aos crimes de violncia domstica eaos crimes contra a liberdade e autodeterminao sexual de menor, visam, em primeira
linha, os interesses da vtima, funcionando como um sucedneo da desistncia de queixa.
Estes regimes funcionam como uma vlvula de escape do sistema perante a natureza
pblica dos crimes em causa.
3.4.3 O regime especial da suspenso provisria do processo nos crimes de furto ocorridosem estabelecimento comercial
A Lei n. 20/2013 de 21 de Fevereiro introduziu um novo regime especial de suspenso
provisria do processo para crimes de furto praticados sob determinadas circunstncias.
Este novo regime, contemplado no n. 9 do artigo 281. do CPP, prescinde do requisito da
concordncia do assistente previsto no n. 1 do mesmo artigo, restringindo o consenso ao
Ministrio Pblico, arguido e juiz, e a sua aplicao depende da verificao dos seguintes
pressupostos: i) o furto ocorrer em estabelecimento comercial; ii) durante o perodo de
abertura ao pblico; iii) o objecto do furto ser coisa mvel de valor diminuto; iv) ter
existido recuperao imediata do objecto furtado; e v) no existir comparticipao sob a
forma de co-autoria (interpretao restritiva da expresso legal salvo quando cometida
por duas ou mais pessoas).
No que toca aos crimes de furto ocorridos em estabelecimento comercial, durante o
perodo de abertura ao pblico, quando a coisa furtada seja de valor diminuto, se tenha
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verificado a recuperao imediata dos bens subtrados e o delito em causa no tenha sido
cometido por mais do que uma pessoa, a particularidade do regime da suspenso provisria
do processo reside na dispensa da concordncia do assistente. O objectivo do legislador o
de retirar da disponibilidade das grandes superfcies comerciais a possibilidade de, ao
abrigo de polticas de preveno da pequena criminalidade, por vezes demasiados
rigorosas, impedirem a possibilidade de o arguido beneficiar da suspenso provisria do
processo, quando esto em causa interesses econmicos de diminuta relevncia24.
3.5 As injunes e regras de conduta aplicveis
O n. 2 do artigo 281. do CPP contm um elenco exemplificativo de injunes e regras de
conduta susceptveis de serem aplicadas ao arguido no mbito da suspenso provisria do
processo.
As injunes e regras de conduta consistem na imposio ao arguido de um facere ou de
um non facere, ou seja, de uma conduta activa ou passiva que condicione a normal
actividade do arguido. Segundo a classificao de Maria Amlia Vera Jardim 25, as
injunes so obrigaes de resultado que podem ser cumpridas de forma instantnea eextinguem-se imediatamente com o seu cumprimento. J as regras de conduta so
obrigaes de comportamento ou de conduta, ou seja, so regras de cumprimento
continuado, de carcter positivo ou negativo. Segundo esta classificao, constituem
injunes os comportamentos previstos nas alneas a) a c) do n. 2 do artigo 281. do CPP e
regras de conduta os previstos nas alneas d) a l) do n. 2 do mesmo preceito.
As injunes e regras de conduta que so impostas ao arguido tm por funo a reposio
do bem jurdico violado numa tripla vertente: reparam a vtima (alneas a) e b) do n. 2),
reparam o Estado (alnea c) do n. 2) e ressocializam o delinquente (alneas d) a l) do n. 2).
As injunes e regras de conduta no revestem a natureza jurdica de penas, embora sejam
medidas funcionalmente equivalentes, tratando-se de sanes a que no est ligada a
24Por se tratar de uma bagatela penal, o artigo 207., n. 2 do CP veio estabelecer que o crime de furto decoisas mveis expostas de valor diminuto que ocorra em estabelecimento comercial, durante o perodo deabertura ao pblico, e desde que estas sejam imediatamente recuperadas, um crime de natureza particular.25 JARDIM, Maria Amlia Vera, Trabalho a favor da comunidade a punio em mudana, Coimbra,Almedina (1988), p. 239.
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censura tico-jurdica da pena (pois visam atingir fins de preveno e nunca de
retribuio), nem a correspondente comprovao da culpa (a sua aplicao baseia-se na
existncia de uma culpa indiciria). Alm disso, no podem ser qualificadas como penas na
medida em que a sua aplicao no pode ser coercivamente imposta, mas depende sempre
da vontade do arguido, que pode a todo o tempo renunciar ao seu cumprimento. Assim,
nem as injunes e regras de conduta so penas, nem a suspenso provisria do processo
um despacho condenatrio, continuando o arguido a beneficiar da presuno de inocncia
mesmo aps a aplicao daquelas26.
O juiz de instruo fiscaliza a legalidade e adequao das medidas propostas pelo
Ministrio Pblico e verifica se as mesmas no ofendem a dignidade do arguido (artigo
281., n. 4 do CPP).
Trs notas finais relativamente s injunes e regras de conduta previstas no n. 2 do artigo
281. do CPP.
A primeira nota prende-se com a injuno ou regra de conduta prevista na alnea m) do n.
2 do artigo 281. do CPP: qualquer outro comportamento especialmente exigido pelo
caso. Ora, a alnea m) do n. 2 do artigo 281. do CPP consagra uma clusula aberta que
permite a aplicao de injunes e regras de conduta no expressamente prevista na lei,
tornando o leque de medidas enunciadas no n. 2 meramente exemplificativo.
J se questionou se esta clusula aberta inconstitucional por violao do princpio da
legalidade das medidas restritivas da liberdade (artigo 27., n. 1 e 2 da CRP e 18., n. 3 da
CRP). H doutrina que critica esta alnea e considera esta clusula inconstitucional. o
caso de Teresa Beleza27, para quem esta possibilidade claramente inconstitucional. No
mesmo sentido se pronuncia Frederico Costa Pinto28. O Tribunal Constitucional veio, no
entanto, esclarecer todas as dvidas no Acrdo n. 144/200629, afirmando que a referida
clusula aberta compatvel com a Constituio na medida em que i) no so oponveis ao
26ANDRADE, Manuel da Costa, Consenso e Oportunidade (reflexes a propsito da suspenso provisriado processo e do processo sumarssimo), in Jornadas de Direito Processual Penal. O novo Cdigo deProcesso Penal, CEJ, Coimbra, Almedina (1995), pp. 353-355.27BELEZA, Teresa,Apontamentos de Direito Processual Penal, Lisboa, AAFDL (1992), I, p. 110.28PINTO, Frederico Lacerda Costa,Direito Processual Penal, Lisboa, AAFDL (1998), p. 137.29 Acrdo do Tribunal Constitucional n. 144/2006 de 22/02, processo n. 1096/04, disponvel emwww.tribunalconstitucional.pt.
http://www.tribunalconstitucional.pt/http://www.tribunalconstitucional.pt/http://www.tribunalconstitucional.pt/ -
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arguido injunes que possam ofender a sua dignidade (artigo 284., n. 4 do CPP) e que ii)
qualquer injuno que venha a ser imposta ao abrigo daquela clusula carece sempre do
acordo do arguido e est sempre sujeita ao controlo do juiz de instruo.
Saliente-se que a injuno de no cometer qualquer ilcito de natureza penal no decurso de
certo prazo no uma injuno vlida nos termos da alnea m) do n. 2 do artigo 281. do
CPP, uma vez que, mediante a aplicao de uma injuno desta natureza, apenas se estaria
a exigir ao arguido um comportamento que a lei exige a todo o cidado e no um
comportamento especialmente exigido pelo caso.
Uma segunda nota refere-se injuno de proibio de conduzir veculos com motor
consagrada recentemente, pela Lei n. 20/2013 de 21 de Fevereiro, no n. 3 do artigo 281.do CPP.
O n. 3 do artigo 281. do CPP prev que o Ministrio Pblico tem obrigatoriamente de
aplicar a injuno de proibio de conduo de veculos a motor sempre que determinar a
suspenso provisria do processo por crimes para os quais esteja legalmente prevista pena
acessria de proibio de conduzir veculos com motor, ou seja, para os crimes previstos
no n. 1 do artigo 69. do CP. Assim, sempre que tenha sido promovida a aplicao da
suspenso provisria do processo num inqurito em que esteja em causa i) um crime de
homicdio ou de ofensa integridade fsica cometidos no exerccio da conduo de veculo
motorizado com violao das regras de trnsito rodovirio; ii) um crime de conduo
perigosa de veculo rodovirio (artigo 291. do CP); iii) um crime de conduo de veculo
em estado de embriaguez ou sob a influncia de estupefacientes ou substncias
psicotrpicas (artigo 292. do CP); iv) um crime cometido com utilizao de veculo e cuja
execuo tiver sido facilitada de forma relevante pela utilizao do mesmo; ou v) um crime
de desobedincia por recusa de submisso ao teste de lcool ou estupefacientes, o
Ministrio Pblico ter obrigatoriamente de aplicar a injuno de proibio de conduzir
veculos com motor, singular ou cumulativamente com outras injunes, como, por
exemplo, a entrega de certa quantia monetria ao Estado ou a instituies de solidariedade
social, a prestao de trabalho socialmente til, ou a frequncia de programas, aces de
formao ou consultas.
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Esta previso legal surgiu porque o Ministrio Pblico, no sendo competente para aplicar
penas, nem principais, nem acessrias, no podia aplicar a pena acessria de proibio de
conduzir quando entendesse ser de aplicar o instituto da suspenso provisria do processo
a crimes como o do artigo 292. do CP. Assim, se o Ministrio Pblico aplicasse a
suspenso provisria do processo, via-se o arguido livre da pena acessria de proibio de
conduzir. Mas se a sua conduta constitusse uma mera contra-ordenao, porque a taxa de
lcool no sangue no era igual ou superior a 1.2g/l, o arguido teria de suportar uma coima e
a inibio de conduzir. Desta contradio de regimes resultava que o arguido era mais
penalizado por uma contra-ordenao do que por um crime.
Finalmente, uma terceira nota para as injunes e regras de conduta aplicveis no caso de
existirem vtimas do crime.
Segundo a orientao geral fixada pela Procuradoria-Geral da Repblica na Directiva n.
1/2014 de 24 de Janeiro, no caso de crimes com vtima, as obrigaes impostas ao arguido
devero contemplar a reparao dos danos patrimoniais e/ou morais sofridos pela vtima
com a prtica do crime, devendo o Ministrio Pblico ouvir a vtima sobre a injuno
escolhida.
3.6 Os efeitos da suspenso provisria do processo artigo 282., n. 3 e 4 do CPP
Se o arguido cumprir as injunes e as regras de conduta, o Ministrio Pblico arquiva o
processo, no podendo o mesmo ser reaberto (artigo 282., n. 3 do CPP). A aco penal
extingue-se, formando-se caso julgado material e o objecto do processo no pode ser
reapreciado por fora do princpio ne bis in idem.
Pelo contrrio, se o arguido no cumprir as injunes e regras de conduta que lhe foram
impostas ou cometer crime da mesma natureza pelo qual venha a ser condenado, o
processo penal prossegue e as prestaes feitas no podem ser repetidas (artigo 282., n. 4
do CPP). A entidade competente para ouvir o arguido e sancionar o incumprimento ser o
Ministrio Pblico na fase de inqurito que deduzir acusao e o juiz de instruo
criminal na fase de instruoque proferir despacho de pronncia do arguido.
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A revogao da suspenso provisria do processo no automtica, sendo sempre
precedida da audio do arguido (artigos 498., n. 3 e 495., n. 2 do CPP) e sendo sempre
necessrio verificar se existiu culpa do arguido no incumprimento das medidas aplicadas.
Neste sentido se pronunciam Fernando Torro30 e Snia Fidalgo31, que defendem que o
incumprimento a que se refere o n. 3 do artigo 282. do CPP deve ser um incumprimento
culposo semelhana do que sucede com o artigo 55. do CP, a propsito do
incumprimento dos deveres e regras de conduta no contexto da suspenso da execuo da
pena de priso.
O regime legal aplicvel em caso de incumprimento por parte do arguido levanta diversos
problemas de natureza prtica. Qual o regime aplicvel se o incumprimento for parcial?
possvel modificar as injunes impostas em funo do incumprimento do arguido?
Para Fernando Torro32, as injunes impostas no podem ser posteriormente modificadas,
pois a possibilidade de modificao foi declarada expressamente inconstitucional pelo
Acrdo do Tribunal Constitucional n. 7/87 de 9 de Janeiro, por ofensa do direito
segurana jurdica consagrado no artigo 27., n. 1 da CRP.
No entanto, Joo Conde Correia33 defende que as injunes aplicadas podem ser
modificadas, por aplicao analgica do disposto no artigo 55. do CP. O autor reconhece,
contudo, que esta interpretao tem como grande obstculo o facto de o TC (Ac. n. 7/87
de 9 de Janeiro ()) ter declarado inconstitucional o art. 281., n. 4 (redaco original)
que permitia a modificao das injunes e regras de conduta, at ao termo do perodo de
suspenso, sempre que acorressem circunstncias relevantes ou de que s posteriormente
tivesse havido conhecimento, por ofensa do direito segurana [jurdica] consagrado no
n. 1, do art. 27. da CRP.34Porm, o autor afasta este obstculo afirmando: De todo o
modo, () face constatao do incumprimento das injunes () parece ser prefervel
aplicar este regime revogao, pura e simples, da suspenso e consequente deduo de
acusao. O que o TC queria evitar era a violao da segurana jurdica do arguido nos
casos em que ele cumprisse. Se isto no est em causa, se a opo a revogao da
30TORRO, Fernando Jos dos Santos Pinto, A Relevncia, p. 230.31FIDALGO, Snia, Ob. Cit., pp. 289-290.32TORRO, Fernando Jos dos Santos Pinto, A Relevncia, p. 231.33CORREIA, Joo Conde, Questes prticas, p. 101.34Idem, p. 101, nota de rodap 90.
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suspenso ou a sua manuteno com alteraes, parece ser legtimo (e mais benfico para
o arguido) optar pela segunda hiptese.35
A Procuradoria-Geral da Repblica emitiu recentemente orientaes nesta matria Directiva n. 1/2014 de 24 de Janeiro , tendo fixado que i) no decurso do perodo da
suspenso provisria do processo, em caso de alterao de circunstncias ou de
incumprimento pelo arguido que no ponha em causa os objetivos do instituto no caso
concreto, o Ministrio Pblico pode readaptar o plano de conduta imposto e que ii) se essa
readaptao implicar alterao da natureza ou do contedo essencial das injunes e regras
de conduta fixadas ou o prolongamento da durao da suspenso, ter de ser obtida a
concordncia do juiz de instruo.
3.7 A suspenso provisria do processo e os processos especiais, sumrio e abreviado
O legislador consagrou a possibilidade de suspenso provisria do processo no mbito dos
processo especiais sumrio e abreviado (artigos 384. e 391.-B, n. 4 do CPP) para aliar a
celeridade ao consenso.
3.7.1 A suspenso provisria no processo sumrio
Nos casos em que possvel o julgamento do arguido em processo sumrio, podemos
distinguir duas fases na tramitao do processo: uma fase preliminar do processo ou fase
pr-judicial, no mbito da qual o Ministrio Pblico pode efectuar diligncias (artigo 382.,
n. 2 a 4 e 384., n. 2 do CPP), e uma fase judicial, que se inicia com a apresentao do
detido ao juiz para julgamento em processo sumrio. No termo da fase pr-judicial, o
Ministrio Pblico pode, alternativamente, apresentar o arguido ao tribunal para
julgamento em processo sumrio, deduzir acusao em processo comum ou abreviado,
proferir despacho de arquivamento do processo ou suspender provisoriamente o processo.
Decorre do disposto nos artigos 384., n. 1 e 281., n. 1 promio do CPP que o Ministrio
Pblico deve obrigatoriamente ponderar a aplicao da suspenso provisria do processo
35Idem, p. 101, nota de rodap 90.
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antes de acusar em processo sumrio. Assim, se o Ministrio Pblico verificar, nesta fase
pr-judicial, que se encontram reunidos todos os pressupostos legais, previstos no artigo
281. do CPP, de aplicao da suspenso provisria do processo, promover a aplicao do
instituto, se o arguido, o assistente e o juiz de instruo concordarem. Nesta fase pr-
judicial aplica-se o regime geral que resulta do artigo 281. do CPP.
O regime legal consagrado no n. 1 do artigo 384. do CPP, na redaco introduzida pela
Lei n. 20/2013 de 21 de Fevereiro, visa a aplicao da suspenso provisria do processo
na fase pr-judicial do processo sumrio, ou seja, antes de iniciada a fase da audincia de
julgamento em processo sumrio, conforme resulta do disposto no artigo 382., n. 5 in fine
do CPP (ex viartigo 384., n. 3 do CPP). J na redaco originria do artigo 384. do CPP
no estava em causa a possibilidade de o Ministrio Pblico optar pela suspenso
provisria do processo na fase pr-judicial, mas sim a possibilidade de a suspenso ocorrer
na prpria fase de audincia de discusso e julgamento, pois s assim o preceito legal teria
sentido til.
E se at alterao legislativa de 2010 a competncia para determinar a suspenso
provisria do processo competia ao juiz - discutindo-se, antes da reviso ao CPP de 2010,
se tal competncia era do juiz de julgamento ou do juiz de instruo criminal36
-,
36Antes da alterao legislativa introduzida pela Lei n. 26/2010 de 30 de Agosto, o legislador permitia noartigo 384. do CPP que, uma vez autuado o processo como processo sumrio, o juiz de julgamento,oficiosamente, pudesse propor a aplicao da suspenso provisria do processo, desde que reunisse oconsentimento do Ministrio Pblico, do arguido e do assistente. No entanto, esta norma suscitou acontroversa questo de saber se, quando o arguido no cumpria a injuno aplicada, o juiz de julgamentopodia revogar a suspenso provisria do processo e proceder ao julgamento do arguido ou se devia declarar-se impedido de realizar o julgamento na medida em que, ao aplicar a suspenso provisria do processo,antecipou um juzo sobre a culpa do arguido e a realizao do julgamento violaria o princpio do acusatrio.
Para salvaguardar o princpio do acusatrio, o legislador veio, em 2010, esclarecer que compete ao juiz deinstruo criminal concordar ou discordar da suspenso provisria do processo sumrio (artigo 384., n. 2CPP, na redaco da Lei n. 26/2010). No entanto, esta exigncia de concordncia do juiz de instruoburocratizou a aplicao do instituto e levou a que o juiz de instruo se tornasse dominus de um processoque pode estar na fase de julgamento. A ideia do legislador ao consagrar esta soluo era a de evitar que ojuiz de julgamento ficasse impedido de realizar o julgamento subsequente revogao da suspensoprovisria do processo (artigo 40., al. e) do CPP). O Tribunal Constitucional foi chamado a pronunciar-sesobre a inconstitucionalidade do artigo 384. do CPP, na redaco dada pela Lei n. 26/2010, nos Acrdosn. 7/2012, 69/2012 e 74/2012, disponveis em www.tribunalconstitucional.pt, e concluiu que a norma doartigo 384., n. 2 do CPP, na interpretao segundo a qual ao juiz de instruo criminal que cabe proferirdeciso de suspenso provisria do processo, requerida pelo arguido aps o incio da audincia de discussoe julgamento em processo sumrio, sem oposio do Ministrio Pblico, no padece deinconstitucionalidade.
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actualmente a competncia para suspender provisoriamente o processo sumrio do
Ministrio Pblico.
3.7.2 A suspenso provisria no processo abreviado
Contrariamente ao artigo 384. do CPP, o artigo 391.-B, n. 4 do CPP no regulou o
procedimento para aplicao da suspenso provisria do processo abreviado, limitando-se
a remeter para o regime geral do artigo 281. do CPP. A remisso legal para o artigo 281.
do CPP e a recente alterao legislativa do regime do artigo 384. do CPP apontam para
que tambm em processo abreviado a competncia para suspender o processo seja doMinistrio Pblico, ainda que condicionada concordncia do juiz de instruo.
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4. As controvrsias sobre a suspenso provisria do processo
4.1 A suspenso provisria do processo como manifestao de um princpio da
Legalidade Aberta
A primeira questo que se suscita a propsito deste instituto , sem dvida, a mais terica e
consiste em saber de que modo que se pode compatibilizar a suspenso provisria do
processo com o princpio da legalidade da promoo do processo penal.
A interveno estadual na resoluo do conflito criminal pode pautar-se por um de dois
princpios: ou por um princpio da oportunidade, que significa que as decises relativas
investigao do crime e necessidade de julgamento so tomadas segundo um juzo de
convenincia, ou, diversamente, por um princpio de legalidade, que significa a
obrigatoriedade de o Estado iniciar a investigao criminal logo que obtenha a notcia de
um crime e de submeter a questo a julgamento sempre que na investigao obtenha
indcios suficientes de que um determinado agente praticou um dado crime. O princpio da
oportunidade amplamente aceite nos pases de tradio jurdica anglo-saxnica (Estados
Unidos e Inglaterra), enquanto que o princpio da legalidade acolhido como regra nos
pases onde existe um Ministrio Pblico de modelo europeu continental (Portugal,
Espanha, Itlia, Alemanha ou ustria).37
Em Portugal, a interveno estadual na resoluo do conflito criminal pauta-se
essencialmente por um princpio de legalidade da promoo processual. Assim, dispe o
artigo 219., n. 1 da CRP que Ao Ministrio Pblico compete () exercer a ao penal
orientada pelo princpio da legalidade (). Este princpio conserva a garantia de que
todos so tratados de forma igual perante a Lei.
O CPP acolhe o referido princpio da legalidade, que assume uma dupla vertente: i) a
aquisio de uma notcia de um crime determina sempre a abertura do correspondente
inqurito (artigo 262., n. 2 do CPP); ii) a recolha de indcios suficientes da prtica do
crime e do seu agente obriga o Ministrio Pblico a deduzir acusao contra o infrator
(283., n. 1 do CPP). Portanto, decorre do Princpio da Legalidade que a abertura do
37SANTOS, Cludia Maria Cruz, O Crime de Colarinho Branco, Coimbra, Coimbra Editora (2001), p. 227.
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inqurito e a deduo de acusao constituem deveres (e no meras faculdades ou direitos
potestativos) do Ministrio Pblico, que, se no forem cumpridos, podem determinar a
responsabilidade disciplinar e criminal (artigo 369. do CP) dos magistrados38.
No direito portugus no existe, partida, espao para um puro princpio da oportunidade,
no sentido de que o Ministrio Pblico pode decidir livremente, discricionariamente se vai
investigar ou acusar. Sucede que os princpios enunciados no so realidades estanques e,
por vezes, os ordenamentos jurdico-penais abrem as portas a novas tendncias. Este
fenmeno particularmente visvel com a abertura dos modelos europeus continentais
ideia de diverso, que significa basicamente a possibilidade de resoluo do conflito
criminal de forma diversa do processo normal de aplicao da justia penal. A ideia de
diverso anda frequentemente associada ao princpio da oportunidade, pois s pode haver
diverso se o titular da ao penal tiver alguma margem de discricionariedade para
desafetar o caso ao seu processamento normal39.
Surge, ento, a discusso sobre se determinadas actuaes do Ministrio Pblico no sentido
de divertir o processo podem ser consideradas manifestao do chamado princpio da
oportunidade ou se ainda decorrem de vinculao legal, estando ainda abrangidas por um
Princpio da Legalidade (entendido em moldes mais amplos e mais flexveis).
Esta discusso ocorre, paradigmaticamente, a propsito do instituto da suspenso
provisria do processo, que constitui uma forma de diverso (com interveno) do
processo penal.
A questo sobre se a aplicao da suspenso provisria do processo depende de um juzo
de oportunidade do Ministrio Pblico ou se decorre de vinculao/obrigao legal
amplamente discutida na doutrina e na jurisprudncia.
No fundo, trata-se de saber se a deciso do Ministrio Pblico acerca da suspenso
provisria do processo, tomada na fase final do inqurito, se pauta por uma ideia de
oportunidade (caso em que o Ministrio Pblico ter a liberdade de optar por suspender o
processo, sendo o seu juzo de oportunidade insindicvel, ou seja, a deciso de divertir o
38SANTOS, Cludia Maria Cruz, Ob. Cit., pp. 227-228.39TORRO, Fernando Jos dos Santos Pinto,A Relevncia, p. 127.
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processo ou de acusar constituiria um poder discricionrio, mas no arbitrrio40, do
Ministrio Pblico, podendo este escolher a opo que melhor realiza o interesse pblico,
atravs de critrios poltico-administrativos) ou pelo princpio da legalidade (caso em que o
Ministrio Pblico ter o dever de suspender o processo, uma vez reunidos no caso
concreto todos os pressupostos da suspenso provisria do processo enunciados na Lei).
Tudo se resume a saber se o Ministrio Pblico tem a faculdade/poder ou o dever legal de
suspender provisoriamente o processo, no caso de se verificarem os pressupostos legais de
aplicao da suspenso provisria do processo. O problema surge sobretudo quando o
Ministrio Pblico decide no suspender provisoriamente o processo e, no entanto, esto
verificados, no caso concreto, os pressupostos legais de aplicao do instituto.
Alguns autores, como Pedro Caeiro41, Rui do Carmo42, Mrio Monte43 e Joo Conde
Correia44, entre outros, consideram que a suspenso provisria do processo no uma
manifestao do princpio da oportunidade, mas sim expresso de um chamado princpio
de legalidade aberta. Para estes autores, a suspenso provisria do processo constitui um
desvio / limite ao princpio da legalidade, na medida em que cessa o dever de o Ministrio
Pblico acusar apesar de estarem reunidos os indcios suficientes de que um determinado
agente praticou um crime. No entanto, segundo este entendimento, a deciso, tomada peloMinistrio Publico, de no acusar e de proceder suspenso provisria do processo no
resulta de um juzo de convenincia do titular da aco penal, mas resulta de uma
imposio legal - a verificao de todos pressupostos do instituto - e, nessa medida, a
deciso de proceder suspenso provisria do processo reconduz-se ainda a uma ideia de
vinculao legal (legalidade aberta).
As solues que revelam alguma margem de disponibilidade do processo na conformao
do seu desfecho, como o caso da suspenso provisria do processo, no so expresso de
40 O juzo do Ministrio Pblico no seria arbitrrio pois a deciso discricionria no seria tomada pormotivos de convenincia pessoal, mas tendo em vista a prossecuo do interesse pblico e as orientaesfixadas em matria de poltica criminal.41CAEIRO, Pedro, Legalidade e oportunidade: A perseguio penal entre o mito da justia absoluta e oftiche da gesto eficiente do sistema, RMP 84 (2000), pp. 38 ss.42CARMO, Rui do, Ob. Cit., pp. 321 a 336.43 MONTE, Mrio Ferreira, Do Princpio da Legalidade no Processo Penal e da possibilidade deintensificao dos espaos de oportunidade, RMP 101 (2005), p. 69.44CORREIA, Joo Conde,Bloqueio Judicial, p. 121.
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uma oportunidade pura e absoluta, sendo esta entendida como um exerccio discricionrio
de actuao ou como livre arbtrio. S se trataria de oportunidade propriamente dita se o
Ministrio Pblico pudesse livremente optar por no investigar ou no acusar, apesar de
estarem reunidos os pressupostos para o fazer. No entanto, nos termos do artigo 281. do
CPP, o Ministrio Pblico no pode por si s decidir aplicar o instituto, pois a aplicao do
instituto processual depende sempre do acordo dos sujeitos processuais e do cumprimento
de determinados pressupostos. No existe aqui uma verdadeira possibilidade de opo.
Trata-se de aplicar obrigatoriamente uma soluo processual divertida quando esto
reunidos no caso todos os requisitos legais da mesma, ou seja, trata-se de uma
discricionariedade vinculada.
Nesta linha de entendimento, Rui do Carmo defende que a suspenso provisria do
processo no deve ser entendida como uma faculdade do Ministrio Pblico, mas sim
como um dever, como uma deciso vinculada, que se [reconduz] a um princpio de
legalidade aberta, estando o Ministrio Pblico (e o juiz de instruo, na fase de
instruo) vinculado sua aplicao verificados os pressupostos legalmente definidos e
afirma que o atual corpo do n. 1 do art. 281. veio diz-lo expressamente, [tendo a
reviso de 2007 ao CPP substitudo] a expresso pode o Ministrio Pblico decidir-se
pela suspenso do processo pela () o Ministrio Pblico determina a suspenso
do processo45.
Os defensores deste entendimento argumentam que a alterao do texto do n. 1 do artigo
281. do CPP, introduzida pela Lei n. 48/2007 de 29 de Agosto, teve em vista a
eliminao do carter facultativo da utilizao da figura pelo Ministrio Pblico, passando
este a determinar a obrigatoriedade de se proceder suspenso desde que estejam
preenchidos os respetivos requisitos legais. Invocam em defesa desta tese os trabalhospreparatrios da reforma de 2007 do CPP (Acta n. 22 da Unidade de Misso para a
Reforma Penal) que referem precisamente esta inteno legislativa.
Contudo, antes mesmo da reviso do CPP de 2007, j a doutrina avanava argumentos em
defesa desta tese.
45CARMO, Rui do, Ob. Cit., pp. 321 a 336.
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institutos, alm de se introduzir um espao de oportunidade (tendencialmente) irrestrito,
porventura, de duvidosa sufragao constitucional.48
Portanto, segundo esta posio, o dever legal de acusar cessa por emergir um dever legalde suspender provisoriamente o processo. O Ministrio Pblico s pode acusar se no
poder suspender, existindo um clara hierarquia entre os institutos.
*
No entanto, outros autores consideram que, apesar de o ordenamento jurdico-penal
portugus adoptar como princpio base o princpio da legalidade, tambm nele existem
afloramentos de uma verdadeira oportunidade, afloramentos que so visveis nas formas
divertidas de resoluo do conflito criminal, designadamente na figura da suspenso
provisria do processo.
Se bem interpretamos, Ana Lusa Santos Pinto parece defender esta posio quando afirma
que a suspenso provisria do processo constitui um afloramento deste princpio da
oportunidade, pois o Ministrio Pblico pode optar por aplicar a medida de suspenso
provisria do processo, verificadas certas circunstncias, mas tambm pode optar por no a
aplicar, mesmo que tais circunstncias se verifiquem. Segundo a autora, o MinistrioPblico tem margem de liberdade para decidir sobre a aplicao da suspenso provisria
do processo, devendo, contudo, pautar-se por critrios de objectividade e imparcialidade.
No entanto, pginas frente, a autora relativiza a sua posio (parecendo mesmo entrar em
contradio), quando afirma que a possibilidade de o Ministrio Pblico suspender o
processo no uma simples faculdade, mas sim um poder-dever, isto , um poder
juridicamente vinculado.49
E existe jurisprudncia recente que defende que a deciso do Ministrio Pblico depende
de um seu juzo de oportunidade, sendo, por isso, insindicvel. Neste sentido se
pronunciou o Tribunal da Relao do Porto no seu Acrdo de 20/06/201250, na parte em
que refere: () nasequncia da filosofia implementadora desta justia penal negociada e
48TEIXEIRA, Carlos Adrito, Ob. Cit., p. 110.49 PINTO, Ana Lusa Santos, A celeridade do processo penal: o direito deciso em prazo razovel,Coimbra Editora (2008), pp. 114-115 e 123.50 Acrdo do Tribunal da Relao do Porto de 20/06/2012, processo n. 90/11.0GFPRT.P1, RelatorJoaquim Gomes, disponvel emwww.dgsi.pt
http://www.dgsi.pt/http://www.dgsi.pt/http://www.dgsi.pt/http://www.dgsi.pt/ -
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tendo presente que o Ministrio Pblico o titular do exerccio da ao penal (219., n. 1
Constituio; 48. C.P.Penal), a opo pelo instituto de suspenso provisria do processo
reside essencialmente no direito potestativo daquela magistratura em acionar o mesmo,
ainda que sob o impulso prvio do arguido ou do assistente. Isto significa que em nenhum
momento o tribunal pode catalisar a suspenso provisria do processo e muito menos
impor essa reao heterocompositiva ao Ministrio Pblico.
Tambm neste sentido se pronunciou o Tribunal da Relao de Coimbra no Acrdo de
01/06/201151, afirmando que O instituto da suspenso provisria do processo () uma
demonstrao no processo penal do () princpio da oportunidade, no competindo ao
juiz de julgamento apreciar sobre a oportunidade ou no da aplicao do instituto ().
Como tal, a no aplicao daquele instituto pelo Ministrio Pblico () no sindicvel
pelo juiz (), nem consubstancia qualquer nulidade ou irregularidade do processo,
porquanto representa um juzo de oportunidade efetuado pelo Magistrado titular do
inqurito.
*
Em nosso entendimento, esta ltima posio doutrinal e jurisprudencial no de acolher. O
instituto constitui um tmido afloramento do princpio da oportunidade, aquilo a que se
pode chamar de uma oportunidade regulada, sem a configurao e a amplitude
discricionria dos institutos de direito anglo-saxnico. A aplicao do instituto depende da
verificao de certos pressupostos materiais e formais previstos na lei, logo no uma
soluo arbitrria ou discricionria, mas sujeita ao princpio da legalidade.
Alis, a suspenso provisria do processo inspirou-se no instituto americano da plea
bargaining, mas distingue-se dela em vrios aspetos. A discricionariedade do Ministrio
Pblico uma discricionariedade vinculada, porque est condicionada observncia de
requisitos / pressupostos fixados na Lei. certo que a Lei utiliza no regime legal da
suspenso provisria do processo conceitos de contedo indeterminado, como culpa
diminuta e exigncias de preveno, pelo que a determinao dos conceitos no deixa
51Acrdo do Tribunal da Relao de Coimbra de 01/06/2011, processo n. 159/10.9GBPMS.C1, RelatorBelmiro Andrade, disponvel emwww.dgsi.pt
http://www.dgsi.pt/http://www.dgsi.pt/http://www.dgsi.pt/http://www.dgsi.pt/ -
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de trazer margem a uma certa discricionariedade, mas esta discricionariedade ser muito
restrita.
Por tudo isto, pelos argumentos atrs invocados, nomeadamente o argumento (literal)resultante da alterao legislativa de 2007 letra do artigo 281. do CPP, alterao que
veio esclarecer a obrigatoriedade de utilizao da figura quando estejam verificados no
caso os seus pressupostos, e ainda por um argumento sistemtico, segundo o qual o esprito
do sistema penal o de alargar o mbito de aplicao da suspenso provisria do processo,
como bem demonstram a evoluo legislativa do artigo 281. do CPP e as Leis de Poltica
Criminal, se concorda com a posio que defende que estamos perante uma manifestao
de um princpio de legalidade aberta.
4.2 A questo sobre a admissibilidade de recurso da deciso do Ministrio Pblico
que no suspende provisoriamente o processo penal
Intrinsecamente relacionada com esta questo, surge uma outra: a de saber se as partes,
arguido e assistente, tm a possibilidade de, em sede de instruo, reagir deciso do
Ministrio Pblico de no promoo da suspenso provisria do processo.
A doutrina e a jurisprudncia que defende que o instituto da suspenso provisria do
processo uma demonstrao do princpio da oportunidade, entende, consequentemente,
que a no aplicao do instituto por parte do Ministri