Questionamentos das Audiências Públicas, da Linha 17 Ouro do ...
A reorganização dos serviços sanitários do Império em 1886 ... · Então, neste artigo...
Transcript of A reorganização dos serviços sanitários do Império em 1886 ... · Então, neste artigo...
A reorganização dos serviços sanitários do Império em 1886: a questão dos vinhos
falsificados e dos gêneros alimentício como um imperativo
MARIANA DA HORA ALVES1
1.0 – Introdução
A história das políticas públicas e das instituições de saúde ao longo século XIX tem
sido objeto de diferentes estudos. Considerando a saúde ou a doença, a um só tempo como
fenômeno político, biológico e social essas linhas de pesquisas buscam analisar, sobretudo as
políticas públicas e privadas destinadas a salvaguardar a sociedade dos efeitos das doenças,
como também abordam a correlação do desenvolvimento de diferentes teorias biomédicas, ao
longo do tempo, às ações políticas no campo da saúde. Em períodos de surtos epidêmicos,
quando a necessidade impera, as barreiras entre público e privado desmoronam e a doença
transforma-se em experiência social onipresente, que o Estado, os médicos e outros atores
sociais buscam controlar, às vezes com êxito, outras vezes não.
O presente artigo busca problematizar a reorganização dos serviços sanitários do
Império em 1886 e tem em vista compreender as controvérsias concernentes às práticas e
teorias biomédicas e o posicionamento dos diversos atores políticos, econômicos e sociais,
que contribuíram para a formulação e adoção do novo código sanitário.
Parto da assertiva que em 3 de fevereiro de 1886, pelo decreto nº 9.554, foi instituída a
reorganização dos serviços sanitários do Império. Criou-se o Conselho Superior de Saúde
Pública, composto por membros de órgãos do governo e de instituições da capital do Império
que interferiam em algum grau na saúde da população – inclusive a Academia Imperial de
Medicina a Faculdade de Medicina2. A função desse Conselho era elaborar pareceres e propor
soluções acerca das questões de higiene e salubridade em todo território do Império. Outra
disposição importante do decreto de fevereiro de 1886 foi a separação dos serviços sanitários
1 Mestranda em História das Ciências e da Saúde pela Casa de Oswaldo Cruz - Fundação Oswaldo Cruz. COC/FIOCRUZ. Bolsista pela mesma instituição. Orientador Prof. Dr. Jaime Larry Benchimol.
2 O Conselho Superior de Saúde era formado pelo: ministro do Império, inspetor Geral de Higiene, inspetor-geral de Saúde dos portos, cirurgião-mor do Exército, diretor da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, cirurgião-mor da Armada, inspetor da Alfândega, presidente da Câmara Municipal, inspetor das Obras Públicas, presidente da Academia Imperial de Medicina, diretor do Hospital da Misericórdia, dois engenheiros do Ministério do Império, um lente de farmacologia da Faculdade de Medicina e um secretário. As sessões do Conselho poderiam contar com eventuais convidados. (Gazeta de Notícias, 20 de março de 1886, nº 79, p.2)
2
dos portos e o terrestre – ambos desde 1851 sob a jurisdição da Junta Central de Higiene
Pública3: o primeiro ficou a cargo da Inspetoria Geral de Saúde dos Portos e o segundo, da
Inspetoria Geral de Higiene.
Decerto, a mudança na legislação nem sempre representa modificações nos hábitos e
costumes. No universo das práticas novos regulamentos podem, ou não redundar em
transformações concretas. Identificar as forças e processos que levaram à modificação da
legislação e de aparelhos do Estado é fundamental para compreender em que medida as novas
disposições alteraram na prática, as formas de fiscalização dos espaços públicos e privados,
dos gêneros alimentícios, das embarcações, enfim, de tudo o que pudesse apresentar risco à
boa saúde da população e da cidade como um todo.
A partir de uma análise crítica inicial das fontes primárias4 é possível perceber que o
empreendimento de organizar um novo código sanitário foi movido por duas destacadas
forças motrizes: a necessidade de formular uma legislação precisa com relação à fiscalização
dos gêneros alimentícios, em especial os vinhos e os preparados farmacêuticos e delinear
medidas eficazes para fiscalização dos portos a fim de impedir que a pandemia do cólera
reinante desde 1882, chegasse aos portos brasileiros. Nesse ponto entende-se que o cerne das
discussões giravam em torno das medidas quarentenárias e das políticas que o Brasil adotaria
para enfrentar o grande pânico criado em cima da expectativa da possível chegada do cólera.
Nesse artigo influirei maior atenção às mudanças de ordem prática que pude observar
acerca da fiscalização dos gêneros alimentícios, no esforço de compreender como o modus
operandi da fiscalização do comércio de gêneros foi modificado com advento da medicina
experimental e dos laboratórios de análise química. Um capítulo a parte, mas que estava
intrinsecamente relacionado a esse processo foi a demissão, em 26 de janeiro de 1886, da
Junta Central de Higiene Pública. As controvérsias políticas desse evento que envolveram
3 O decreto nº 828, de 29 de setembro de 1851(p. 2-5) incorporou a Inspeção de Saúde dos Portos e Inspeção de Vacinação, o serviço de polícia sanitária e de fiscalização do exercício da medicina “debaixo da direção da Junta Central de Higiene Pública”.
4 Aqui refiro-me de uma forma geral ao regulamento de 1886; as atas das reuniões da Inspetoria Geral de Higiene; relatórios anuais dos inspetores gerais e dos presidentes de províncias acerca do estado sanitário do Império; periódicos de grande circulação como O Paiz, Gazeta da Tarde, Gazeta de Notícias, Folha Nova, Revista Illustrada e ainda os periódicos médicos como União Medica e O Brazil-medico; os Annaes da Academia de Medicina; Annuario Medico Brasileiro; Revista dos cursos praticos e theoricos da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro.
3
disputas de poder entre os membros da Junta de Higiene, em especial do seu presidente
Domingos Freire e o ministro do Império, Barão de Mamoré; interesses comerciais; proteção
de uma incipiente indústria nacional de vinhos artificiais e de afirmação de teorias científicas
cujo foco foi discutir a proibição, ou não, dos vinhos artificiais5 foi o pano de fundo para a
demissão da instituição e a subsequente reorganização dos serviços sanitários, em fevereiro de
1886.
A historiografia referente ao último quartel do século XIX e das primeiras décadas do
século XX lançou luz sobre a cidade e seus habitantes e o processo modernizador que
transformou a vida urbana nas grandes capitais. No contexto de processo industrial, de
dissolução das relações escravistas, do aumento do fluxo migratório e de modernização dos
meios de transporte e comunicação e de outros equipamentos e serviços urbanos, são clássicos
hoje certos estudos a respeito das habitações populares e da evolução da cidade do Rio de
Janeiro com tônica no sanitarismo, nas práticas higienistas e no processo civilizador (Abreu,
1988; Benchimol, 1990; Carvalho, 1995; Rocha, 1995). Ainda nesse período, historiadores
como Edler (1992), Benchimol (1999) e Gomes (2013) buscaram desmistificar a ideia
constituída de que a ciência experimental e os postulados da bacteriologia só tomam forma,
no Brasil, a partir das primeiras décadas do século XX com Oswaldo Cruz a frente desse
processo. Além disso, são mais expressivos os estudos que remontam o processo de
institucionalização da medicina, da higiene e da profissão médica durante a primeira metade
do século XIX, com a fundação das primeiras instituições médicas brasileiras6 e os que
buscam compreender o processo de centralização dos serviços sanitários do Império com a
criação, em 1850 da Junta (Central) de Higiene Pública (Delamarque, 2011; Fernandes, 1999;
Ferreira (1996); Fonseca, 2008; Pimenta, 2004).
5 Vinho é o líquido alcoólico resultante da fermentação do suco da uva. “Como esse líquido não é sempre
uniforme em suas propriedades, que dependem das proporções dos elementos que entram em sua composição, daí é necessário indicar-lhe a espécie, dizendo vinho de Lissa, Madeira, Porto, Constança, Xerez, Malaga, Jurançon, Champagne, Rheno, Bordeaux, etc.” (PAZ, 1886, p.V).
6 “Junta Vacínica da Corte (1811); Academias Médico-cirúrgicas do Rio de Janeiro e de Salvador (1813);
Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro (1829); Academia Imperial de Medicina (1835); o Instituto Homeopático (1843), o Instituto Vacínico (1843) e a Junta Central de Higiene Pública (1850)” (Ferreira, 1996, 10)
4
No entanto percebo a existência de uma lacuna na narrativa histórica sobre os serviços
de saúde pública no Brasil. A reorganização dos serviços sanitários em 1886, geralmente é
citada como um dado inócuo, sem que haja reflexão a respeito dos sujeitos e políticas
envolvidas nesse processo. Somente o fato da Junta de Higiene ter sido demitida, não justifica
tamanha reorganização. Esse episódio em específico, só explica a nomeação de novos
médicos7 para ocupar os cargos da antiga Junta, que com o regulamento de 1886, passou a ter
nova estrutura e titulação, sendo denominada Inspetoria Geral de Higiene. De forma alguma o
evento que envolveu disputas que se tornaram públicas, entre Domingos Freire e Barão de
Mamoré são capazes de dar conta de explicações plausíveis para a reorganização geral dos
serviços sanitários do Império.
Nesse sentido, avento a hipótese, que cada fez mais se confirma que esta reorganização
é fruto de um projeto muito maior, que não buscava somente atender a questões de cunho
nacional como, por exemplo, a concessão de maior autoridade administrativa, como há
tempos os órgãos de saúde pública reivindicavam; nem tampouco é fruto de um
desentendimento político pontual entre autoridades científicas e o ministro do Império.
Suponho que a reorganização dos serviços sanitários do Império em 1886, pensada desde
1884, estava intimamente ligada a questões de caráter internacional que envolviam tanto a
questão da regulamentação da vida portuária que convergia na tentativa de universalização
dos códigos marítimos e modernização das práticas quarentenárias, levando-se em
consideração o tempo de incubação das doenças cuja etiologia vinham sendo redefinam, afim
de melhor atender à saúde pública e de interferir em medida menor, na dinâmica do comércio,
quanto ao esforço de coibir o comércio de gêneros ilícito e de má fé, alinhando-se as práticas
já adotadas por países como a França. Nesse contexto a análise química dos gêneros
alimentícios, dos preparados medicinais e das águas dos mares, baías e lagoas, rios e fontes,
no Brasil, torna-se um assunto importante na agenda sanitária do Governo que buscava,
sobretudo, afinar-se com as práticas de controle já executadas por alguns países europeus e
assim, modificou a legislação sanitária, imprimindo um novo código cujo um dos objetivos
era melhor legislar a respeito da fiscalização e controle da qualidade do comércio de gêneros.
7 João Batista dos Santos, o Barão de Ibituruna foi nomeado o diretor da Junta Central de Hygiene Pública e posteriormente Inspectoria Geral de Hygine, já José Souza Lima, Francisco Marques de Araújo Goés, Bento Gonçalves Cruz e José Ricardo Pires de Almeida foram nomeados membros da Junta. (Ibituruna, 1887, p.3)
5
Então, neste artigo procurarei esboçar respostas que ainda estão em construção, a
questionamentos como: por que a Junta Central de Higiene Pública foi demitida em janeiro de
1886? Por que os serviços sanitários do Império foram reestruturados em fevereiro de 1886 e
um novo código sanitário foi adotado? Quais as principais prerrogativas do código sanitário
de 1886? O código sanitário adotado no Império estava afinado com as discussões de caráter
internacional acerca da fiscalização dos gêneros alimentícios e de proteção de irrupção de
epidemias através dos portos?
2.0 – A criação de uma agenda sanitária para o Brasil: da medicina dos miasmas à
medicina dos micróbios
Por força das revoluções liberais e da decadência das monarquias absolutistas
européias, a transmigração da corte portuguesa para o Brasil, em 1808, transformou aquela
colônia no centro administrativo do Império português.
A instalação da corte no Rio de Janeiro “rompeu o equilíbrio da cidade” – escreve
Benchimol (1990, p. 21-27). Urbanisticamente, não se encontrava preparada para, que, em
menos de duas décadas, tivesse seu contingente habitacional duplicado. A abertura dos portos
às nações amigas contribuiu para o aumento do fluxo de pessoas, mercadorias e
consequentemente das doenças. Tornou-se imperiosa a adoção de medidas que promovessem
o saneamento da capital voltada principalmente para a atividade portuária.
Nesse contexto foi criada no Brasil, uma rede de instituições educacionais8,
administrativas e culturais, que transformaram a antiga colônia, não apenas em “sede
provisória da monarquia portuguesa, mas sim em um centro produtor e reprodutor de cultura e
memória” (Schwarcz, 1993, p.32).
As transformações subsequentes nas esferas administrativa, econômica e cultural desse
evento já foram extensamente trabalhadas pela historiografia. Abordarei aqui, de uma forma
resumida os desdobramentos desse processo no tocante à saúde e à medicina ao longo do
século XIX, com o objetivo de demonstrar o processo de criação de uma agenda sanitária para
o país e das primeiras instituições de pesquisa, de institucionalização da medicina e da
8 Lilia Schwarcz (1993, p.31) aponta que no período colonial o ensino na colônia portuguesa era controlado pelos jesuítas restringindo-se apenas às escolas elementares. Os centros de pesquisas e formação superior inexistiam.
6
profissão médica e da coexistência de diferentes teorias médicas uma vez que a forma de
percepção e construção da doença no âmbito das ciências biomédicas sofreu considerável
modificação ao longo do oitocentos. Da década de 1830 até 1860 a grande controvérsia
científica sobre as formas de contaminação opôs contagionistas e os anticontagionistas
(Ackerknet, 1948), estes imbuídos pelo neo-hipocratismo enquanto que em fins da década de
1870 e início de 1880 observa-se o desenvolvimento e instituição da microbiologia,
parasitologia e zoologia médica a partir de estudos empreendidos por Louis Pasteur, Robert
Koch e muitos outros investigadores na Europa, nas Américas e em outras partes do mundo; a
reorganização dos currículos das escolas médicas, inclusive a do Rio de Janeiro, a expansão
da medicina experimental no Brasil e descoberta de novos elementos e constituição de novos
paradigmas no campo das ciências químicas.
As três primeiras décadas do século XIX foi marcada pelo processo de
institucionalização e profissionalização da medicina. Foi o momento de instauração das
primeiras instituições médicas em território luso brasileiro como, por exemplo, a fundação da
Escola de Cirurgia da Bahia (1808) e a Escola Anatômica, Cirúrgica e Médica do Rio de
Janeiro (1811)9 e criação da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro10, de tentativa de
demarcação das artes legítimas e oficias de cura frente às populares, uma vez que as “camadas
subalternas” como cirurgiões barbeiros, sangradores, curandeiros, parteiras, boticários
também participavam desse quadro, contando com o licenciamento oficial conferido pela
Fisicatura-mor. Este processo foi acirrado depois da independência do Brasil, em 1822,
quando cada vez mais o país buscou a emancipação das instituições médicas portuguesas.
Nessa conjuntura, como escreve Pimenta (2004, p.68)
As mudanças na regulamentação são evidentes. Em 1828 foi extinta a Fisicatura-
mor – órgão do governo responsável pela fiscalização e regulamentação de todas as
9 Em 1813, as Escolas Cirúrgicas foram reorganizados à luz do projeto do Dr. Manuel Luis Alvaro de Carvalho, que preconizava a fundação de três academias médico-cirúrgicas: no Rio de Janeiro (1813), Bahia (1816) e em São Luís do Maranhão, esta nunca criada. A transformação da Escola em Academia implicou maior institucionalização dos cursos médicos e, em certa medida, a hierarquização da profissão médica. No entanto, essas modificações no estatuto da instituição de ensino não significaram a proibição imediata, por parte da Fisicatura-mor, do licenciamento de profissionais não diplomados, como cirurgiões barbeiros, cirurgiões sangradores e parteiras. Em 1829 fundou-se da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro, organizada aos moldes da Academia francesa. O grupo de médicos em torno da Sociedade conseguiu emplacar a reforma do ensino médico em 1832, que transformou as Academias da Bahia e do Rio de Janeiro em Faculdades de medicina diplomando médicos, farmacêuticos e parteiras. 10 Em 1835 foi transformada em Academia Imperial de Medina. Ver sobre isso em Ferreira, 1996.
7
atividades relacionadas às artes terapêuticas. Os curandeiros e os sangradores foram
desautorizados, excluídos do conjunto de atividades legais. As parteiras foram
desqualificadas para uma posição subalterna e tiveram as suas atividades
apropriadas, o que serviu à expansão do mercado para os médicos.
As atribuições desse órgão foram transferidas, em 1828, para as câmaras municipais e
ao cargo destas ficou incumbido o controle de todos os serviços sanitários, iniciando o que
Fonseca (2008, p. 39) compreende pelo processo de descentralização Imperial.
Ao mesmo tempo, como analisa Ferreira (1996) ao longo das décadas de 1830 e 1840
os médicos compilados em torno da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro e da Faculdade
de Medicina do Rio de Janeiro, fizeram o esforço de criar uma agenda sanitária para Brasil, de
delimitar as doenças que aqui reinavam no sentido de promover uma “leitura original” do
estado sanitário do país, bem como discutiam quais eram as razões pelas quais as epidemias,
que estavam no centro das controvérsias entre contagionistas e anticontagionistas e grassavam
na Europa de forma epidêmica, não chegavam ao Brasil, que não obstante sua condição de
país ‘tropical’ o tornava em tese vulnerável a essas doenças. Delamarque (2011, p. 13)
também demonstra que esse período foi marcado por amplos debates tanto na Academia
Imperial de Medicina, quanto na Câmara dos Deputados a respeito da necessidade de
sistematização dos serviços sanitários do Império uma vez que, as municipalidades os
prestavam de forma negligente. Em diferentes momentos propuseram a criação de um
Conselho Superior de Saúde, com o fim, de melhor assistir e precaver a sociedade das
doenças pestilenciais (2011, p. 13). A década de 1840 foi representada pela gradativa
desmunicipalização dos serviços sanitários, passando eles à esfera do Ministério de Negócios
do Império11.
O decênio de 1850, sobretudo depois da grande epidemia de febre amarela no verão de
1849-1850, foi singular por se empreender a centralização dos serviços sanitários do Império.
A criação em caráter emergencial da Comissão Central de Saúde (1849) e posteriormente a a
Junta (Central) de Higiene Pública (1850), representou pela primeira vez a sistematização de
medidas higiênicas e a fiscalização mais intensa, sobretudo sobre os medicamentos e estado
sanitário dos gêneros postos à venda. Sobre seu comando foi instituída a prática de polícia
sanitária em terra e em mar; foi sistematizado contratos de limpeza das praias, ruas e espaços
públicos; foram efetuadas estatísticas de mortalidade; foi organizado e melhor articulado o
sistema de vacinação e revacinação anti-variólica. Isto é, a criação da Junta, segundo
11 A esse respeito ver os capítulos um e dois da dissertação de mestrado de Delamarque (2011).
8
Benchimol (1990) e Machado et all (1978), delimitam a institucionalização de um novo tipo
de medicina: a medicina social que é calcada em práticas preventivas incidentes não
diretamente sobre o corpo mas sobre os meios de existência, isto é, ar, fermentos, água e
muitas outras coisas que conformam as condições de vida, especialmente nas cidades, uma
vez que doenças epidêmicas são atribuídas aquilo que cerca o indivíduo que vive no meio
urbano (Foucault, 1979, p. 90).
Então, a história da saúde pública e a organização da profissão médica ao longo do
século XIX, ganhou diferentes configurações conforme diferentes contextos políticos,
econômicos, sociais e diversificadas tessituras das relações no campo das ciências
biomédicas. Até a década de 1860 o paradigma reinante era a medicina dos miasmas, de
caráter ambientalista. Ao final da década de 1870, a medicina foi atravessada por novas
teorias que ambicionavam tornar-se o novo paradigma dominante, teorias relativas a
microrganismos como agentes específicos de doenças, de base experimental que lançam luz
sobre diferentes formas de lidar com a saúde e a doença. O ambiente não deixa de ter
importância, uma vez que age sobre a fisiologia dos microrganismos. Nesse contexto de
decolagem do novo paradigma, e de reforma nas bases curriculares das faculdades de
medicina aos moldes germânicos (Edler, 1992) pretendo compreender o papel do Laboratório
de Higiene, ligado a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, especialmente no controle dos
gêneros alimentícios, como novidade no campo da higiene pública.
3.0 - A exoneração da Junta Central de Higiene Pública e a questão dos vinhos
falsificados: analise crítica inicial.
Pelo que parece, o que levou à exoneração do químico e bacteriologista Domingos
Freire do cargo de presidente da Junta e dos outros médicos que compunham o quadro de
funcionários foi um evento específico, a questão dos vinhos artificiais (Benchimol, 1999, p.
110). Este episódio precisa ser melhor investigado. Julgo leviano atrelar tamanha
reorganização somente aos desentendimentos entre Freire e o Barão de Mamoré12, ministro
dos Negócios do Império, cuja pasta estava a Junta subordinada.
O controle da qualidade dos gêneros alimentícios e da alimentação pública, durante o
século XIX, sempre esteve na agenda das ações do governo, no entanto, a maneira de
inspecionar as possíveis adulterações e irregularidades nos produtos mudou conforme as
12 A respeito dos motivos que levaram a exoneração da Junta, ver a discussão nos Annaes da Assembléia Legislativa Provincial do Rio de Janeiro, sessão de 27 de agosto de 1886, p.20.
9
conjunturas político-institucionais e os avanços nas ciências biomédicas. Juliana Teixeira
Souza (2011), em estudo sobre fiscalização do comércio de gêneros na Corte Imperial entre
1849-1889, afirma que era comum, no Rio de Janeiro, a prática de falsificar ou vender
produtos impróprios para o consumo. As penalidades para essas práticas estavam inscritas nos
códigos de postura da Câmara Municipal – seria multado qualquer indivíduo que cometesse
esse tipo de delito, podendo ele estar sujeito à prisão em caso de reincidência, o que não
coibia a prática dos delitos.
A inspeção da qualidade dos gêneros era função dos fiscais de freguesia. Estes
avaliavam a condição dos alimentos, embora não dispusessem de nenhuma habilitação
específica para exercer tal atividade. Precisavam apenas saber ler e escrever, a profissão em si
não exigia nada além do bom senso nas avaliações. Isso não significa que o juízo dos ficais
não fossem passíveis de contestação. Os protestos eram comuns, e para atestar a competência
dos julgamentos,
os fiscais procuravam reforçar a validade de seus pareceres, em geral buscando o
apoio da população consumidora. Particularmente nas ocasiões que eram chamados
a esclarecer sua conduta diante a uma autoridade superior, costumavam mencionar o
testemunho da população para amparar seu julgamento, na expectativa de que a
aprovação dos cidadãos lhes fosse suficiente para atestar sua competência. (Souza,
2011, p.1040)
Nesse cenário o fiscal de freguesia mantinha estreito relacionamento com a freguesia
local, ouvia as queixas da população e agia em função de denúncias. A sua figura
representava um ponto de articulação entre Câmaras Municipais e as demandas sociais. Ter
uma rede de sociabilidade e ser bem quisto a nível local era fundamental para legitimar a
competência no exercício daquela função, uma vez que a todo instante era contestado pelos
comerciantes, insatisfeitos com as multas aplicadas.
Em 184113com a reformulação do Código do Processo Criminal foi estabelecido que a
Secretaria de Polícia da Corte ficaria encarregada de providenciar, entre outras coisas, o
cumprimento dos assuntos de polícia previstos no Código de Posturas, incluindo a polícia dos
mercados. A disputa de autoridade entre a Secretaria e a vereança das Câmaras é uma história
a parte, que se insere na conjuntura de centralização do poder pretendida pelo regresso
conservador, durante a década de 1840, com a consequente tentativa de esvaziamento das
funções camarárias.
13 Lei nº 261, de 3 de dezembro de 1841.
10
O Código de Posturas de 1832, na seção destinada à Saúde Pública, estabelecia que às
Câmaras cabia a administração dos enterros, cemitérios, hospitais e o enfrentamento das
moléstias contagiosas, como também, o controle da venda de medicamentos, alimentos, do
asseio de currais e matadouros, do funcionamento das fábricas, cabendo-lhe ainda
providenciar o aterramento das áreas pantanosas. Como observa Souza (2011, p.1042)
tratava-se, portanto, de aspectos estreitamente relacionados à produção, ao comércio e a
ocupação do espaço. Os vereadores tinham “jurisdição sobre pontos estratégicos da economia
da maior e mais rica cidade da América do Sul”.
Com a criação da Junta de Higiene Pública, em 1850, as funções pertinentes à saúde
pública inscritas no Código de Posturas de 1832 passam à jurisdição deste órgão. A
administração da coisa pública ligadas ao ramo da saúde passou a ser função da Junta, mas o
poder de penalização e licenciamento, continuaram na instância das Câmaras, no entanto esta
dependia do parecer científico daquela. Permaneceram na verdade duplicidades, assimetrias e
uma dependência mútua, no qual, era necessária a ação conjunta de ambas as instituições.
Esta foi razão de constantes conflitos ao longo da segunda metade do século XIX, o diálogo
entre municipalidades e a Junta se estabelecia de forma conflituosa. Os presidentes da
instituição em diversos relatórios reclamavam que as Câmaras Municipais não cumpriam as
suas funções, que era necessário esse suporte ou ainda, que sem a ação conjunta de nada
serviam os pareces da Junta de Higiene.
O esvaziamento de poder das Câmaras foi objeto de diversas discussões no Senado e na
Câmara dos Deputados, que por vezes questionavam a legalidade da institucionalização da
Junta Central de Higiene Pública14.
Da criação desta, à reorganização do sistema sanitário do Império em 1886, não é
possível identificar grandes alterações no que tange às funções práticas concernentes à saúde
pública no Brasil. Mantiveram-se as principais incumbências: apresentar pareceres sobre o
estado sanitário, fiscalizar o bom estado da saúde da população, da cidade e dos alimentos,
licenciar preparados medicinais e zelar pela saúde do porto. Ocorreu sim, maior
especialização no âmbito da fiscalização e com a criação do Conselho Superior de Saúde em
1886, parece ter-se diálogo mais amplo e eficaz entre as diversas esferas administrativas que
de alguma forma interferiam na saúde pública. A separação dos serviços prestados em terra e
em mar conferiu maior autonomia a essas instâncias, que alinhadas aos avanços da ciência da
14Delamarque (2011, p. 74-82) aborda a discussão que remetia a inconstitucionalidade da Junta.
11
higiene e da medicina após a década de 1870, modernizaram a arte de fiscalizar, controlar e
vigiar. A higiene pública passou a ter o suporte do laboratório de Higiene da Faculdade de
Medicina, que produzia laudos acerca da qualidade dos vinhos e dos gêneros alimentícios que
adentravam o país pelas alfândegas, assim como daqueles fabricados localmente. Se antes
esses juízos eram formulados por fiscais de freguesias e confirmados através da asserção do
povo, agora é o laboratório e o laudo químico que dão o veredicto final.
Nesse sentido, a medicina experimental permeou os estatutos do novo código sanitário.
Essa talvez seja a grande diferença entre os decretos de 1850 e 1886: as múltiplas
delimitações legais concernentes à fiscalização e polícia sanitária praticamente se
mantiveram; o que se modificou foi a calibragem e fundamentação médico-científica de
muitas dessas ações e a maneira de enfrentar as epidemias. Foi exatamente por esses motivos
que, durante a década de 1880, se discutiu a necessidade de reorganizar os serviços sanitários
do Império.
4.0 - O advento do Laboratório de Higiene da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro:
do olho vigilante ao laudo químico
Ao noticiar a inauguração do Laboratório de Higiene da Faculdade de Medicina do Rio
de Janeiro, no final de 1883, a Gazeta de Notícias (12/01/1884, p.1), declarou que não se
tratava somente de fornecer aos alunos da faculdade mais um campo de estudos práticos,
tratava-se também de servir aos interesses da população. Ao fazer a análise dos gêneros
alimentícios habilitaria as autoridades a punirem comerciantes “que especulam com a
credulidade e a boa fé do consumidor, para lhe vender gêneros falsificados” muitos nocivos à
saúde. Este tipo de serviço prestado à população estava em ascensão na Europa. O laboratório
municipal de Paris, já vinha prestando esse serviço, desvendando, através de análises
químicas, a nocividade de diversos gêneros que antes passavam desapercebidos ao olho nu.
Em 4 de outubro de 1883, Domingos Freire foi nomeado novo presidente da Junta
Central de Higiene Pública, assim, “teve suas funções ampliadas: além de complementar, com
a prática, as lições ministradas na faculdade, passou a cuidar da análise dos gêneros
alimentícios comercializados na cidade”(Benchimol,1999, p.33). Foi nessa gestão, que teve
início a tão controvertida questão dos vinhos artificiais/falsificados15. A Junta de Higiene
15 Vinhos artificiais são aqueles não produzidos pela fermentação do suco da uva, e sim, pela fermentação do
suco de outras substâncias. No Brasil, era comum produzir vinho artificial a partir da fermentação do suco da cana, que, depois de destilada, fornecia a cachaça. No entanto eram adicionados uma série de compostos químicos e até mesmo misturados a vinhos de uva para imitar o sabor e o aroma deste.
12
cobrava medidas mais enérgicas do governo contra a comercialização dos produtos, acusados
de serem nocivos à saúde, por desenvolverem doenças cerebrais e o aumento exponencial das
moléstias gástricas, ocupando elas lugar progressivo no quadro das enfermidades mais
comuns que ceifavam as vidas de habitantes do Rio de Janeiro (Paz, 1886, p.2).
O consumo de vinhos era comum no regime dietético da sociedade oitocentista,
prescrito como terapêutica para diversas doenças. Sendo assim o cuidado com a qualidade dos
produtos postos à venda deveria ser de responsabilidade do Governo. Para a Junta de Higiene,
a saúde da população deveria ficar acima dos interesses de mercado, não devendo ficar
exposta ao proveito pessoal dos criminosos que, ao venderem produtos falsificados,
colocavam em risco a saúde da sociedade.
A “caça” a esses produtos, o controle da comercialização e toda uma controvérsia
científica, começaram, pelo que parece, em maio de 1884, quando a turma da Comissão
Vacínica da Glória apreendeu uma carroça com cinco pipas de vinhos artificiais que saia da
fábrica de vinhos artificiais do Sr. Schumann & C., localizada na Rua do Passeio. As
mercadorias foram enviada para o depósito público a fim de serem submetidas ao devido
exame químico analítico da Junta de Higiene, ou da Comissão Especial nomeada pelo
ministro de Império, Barão de Mamoré. Junto com as pipas, foi apreendida uma tabela com o
preço dos vinhos, cujo título era “vinho branco imitando perfeitamente o francês”. Mediante
prova tão clara, de que a fábrica promovia falsificações, a turma da Glória enviou um parecer
ao ministro do Império requerendo as seguintes providências:
1º proibição completa de todas as fábricas de vinhos artificiais de todo e qualquer
gênero e espécie; 2º instituição de um laboratório de higiene municipal à disposição
das classes comercial e industrial para o exame de produtos alimentares sólidos e
líquidos, como se faz na Europa; 3º nomeação de uma comissão especial de médicos
peritos químicos para o exame de tais produtos; e que finalmente fosse intimado
todos os fabricantes de vinhos nacionais, para dentro de 48 horas, apresentassem
seus títulos de privilégios e licenças legais para semelhante comércio reprovado, diz
a turma, pela higiene e moralidade pública (Gazeta de Notícias, 21 de maio de 1884,
p. 1)
Ao invés de serem cumpridas, ou ao menos discutidas essas disposições, as pipas de
vinhos foram restituídas por ordem superior à companhia Schumann & C., antes mesmo de
serem submetidas à análise química. Em nota, os proprietários da empresa declararam que as
denúncias contra vinhos seriam esclarecidas futuramente, quando submetessem seus produtos
Vinhos falsificados eram os vinhos artificiais vendidos com rótulos de vinhos importados, ou até mesmo como produtos naturais. Isto é, nem todo vinho artificial era falsificado, desde que viesse indicando sua natureza artificial, caso contrário era considerado falsificado.
13
aos exames, provando, assim, que não eram nocivos à saúde. A Gazeta afirmava que nos
periódicos choveram críticas à Comissão Vacínica da Glória. Deu-se a entender que o
governo, e parte da impressa era de posição a favor das lastimáveis falsificações que
colocavam em risco a saúde da população, protegendo assim, negócios fraudulentos e de má
fé, que, ao invés de fabricar ou vender vinhos feitos diretamente do suco da uva, consumiam
xaropadas com os mais diversos ingredientes – melaço, água, açúcar e diferentes ácidos e
substâncias químicas como: os ácidos tartárico, acético, tânico, o alume, os sulfatos de ferro e
de chumbo, os carbonatos de potássio e de soda e ainda variados de materiais corantes.
A grande questão posta dali para frente pelos defensores da repressão aos vinhos
artificiais e/ou falsificados era que pelo mero fato de serem artificiais, isto é, produzido com
substâncias e não pelo processo natural de fermentação, já era suficiente para justificar a
proibição do consumo, uma vez que não cumpria a função dietética prescrita pelo regime
higiênico. Por outro lado, o ministro do Império, ao defender a indústria nacional em
ascensão, considerava que o fato de os vinhos artificiais não cumprir a utilidade higiênica e
terapêutica dos naturais, não era motivo suficiente para proibir a comercialização, uma vez
que as análises químicas não encontravam, em muitos deles, substâncias nocivas à saúde da
população (Paz, 1886, p. 18).
A alimentação pública tornou-se importante quesito na agenda governamental. A
questão dos vinhos falsificados e o debate público a esse respeito intensificaram-se ao longo
do ano de 1885. Entre outubro e dezembro de 1885 no O Paiz, na Gazeta de Notícias e na
Gazeta da Tarde, encontramos abundantes notícias sobre o dia a dia da discussão. A
discussão foi levada à Academia Imperial de Medicina e aí debateu-se como na Europa,
sobretudo como o Comitê de Higiene da França, lidava com a questão. A Junta Central de
Higiene Pública não conseguiu estabelecer um acordo com o Ministério dos Negócios do
Império, tendo sido acusada de desacato a autoridade ao enviar para O Paiz , em 1º de
novembro de 1885, uma carta no qual esclarecia os motivos pelos quais considerava os vinhos
artificiais nocivos e denunciava os diversos pedidos enviados ao Governo Central, solicitando
providencias com relação a esta questão sem que houvesse a devida resposta ou atenção por
parte dos Negócios do Império.
No dia 5 de novembro foi publicado no Diario Official, um “aviso censura” à carta
publicada no O Paiz, o ministro Barão de Mamoré, alegava que a Junta tornou público um
assunto que competia somente ao governo. Além disso, acusava que a carta publicada não
14
apreciava os motivos legais para que fosse considerada ilegal a produção e comercialização de
vinhos artificiais. Assim a Junta estaria ultrapassando as barreiras de sua função, uma vez que
a decisão final competia ao governo, a alçada da instituição era fornecer o suporte científico,
como por exemplo, as análises químicas dos gêneros.
Por conta dessa disputa em torno dos vinhos a Junta foi demitida, admitindo, porém o
governo “a indeclinável necessidade de coibir abusos que infelizmente já se têm dado e
podem reproduzir-se”. Declarava-se ainda que no projeto do novo regulamento para o serviço
sanitário teriam sido “incluídas disposições que, preenchendo sensíveis lacunas dos
regulamentos atuais, cercam a saúde publica, neste particular como a outros respeitos, das
garantias que reclama tão elevado interesse social” (Paz, 1886, p. 18-19). Isto é, o governo
admite que o novo regulamento trataria de forma mais específica a questão da regulamentação
dos gêneros alimentícios, a fim de inibir o comércio de má fé e salvaguardar a saúde da
população. O meio prático de controle de qualidade passaria a ser o laudo químico conferindo
maior cientificidade e aperfeiçoando o modo de certificar as impurezas e os elementos
químicos prejudiciais à saúde.
5.0 – Conclusão
Então a demissão da Junta, que envolveu a disputa de poder entre autoridades públicas
(Freire e Barão de Mamoré), não explica o estabelecimento, em 1886, de um novo
regulamento sanitário para o Império. A questão dos vinhos falsificados deu a tônica a uma
discussão mais ampla sobre a necessidade de um regimento que melhor regulamentasse a
comercialização de gêneros alimentícios e outros aspectos da vida econômica e social.
Acredito que o regulamento de 1886 veio incorporar diversas reivindicações explícitas
colocas pari passu à ascensão da medicina experimental. Se durante a vigência da Junta, em
particular na gestão do bacteriologista Domingos Freire, a principal justificativa para coibir a
comercialização dos vinhos artificiais era a transgressão ao regime dietético e a produção de
doenças cerebrais e gástricas, o regulamento de 1886 e as discussões empreendidas no seio
dos órgãos destinados a discutir sobre a saúde da população, definiu com maior precisão o
que se pretendia combater: o grande vilão passou a ser o ácido salicílico, e não somente os
vinhos falsificados, mas todos os produtos alimentares que contivessem essa substância em
qualquer quantidade, seguindo disposições adotadas na Europa com relação ao assunto
(decreto nº 9554, de 3 de fevereiro de 1886, arts. 82,83 e 84). Nesse sentido pode-se observar
esse deslocamento quanto à forma de fiscalização, se antes era o olho vigilante dos fiscais de
15
freguesia que atestavam a boa ou má procedência dos gêneros, a partir de 1886, oficialmente
passa ser o laudo químico, isto é o laboratório.
6. 0 - Bibliografia:
ACKERKCHT, Erwin H. Anticontagionism between 1821 and 1867. In: The Bulletin of the
History of Medicine, v.22, p. 562-593, 1948.
ABREU, Mauricio de Almeida. A evolução urbana do Rio de Janeiro. 2ª ed. Rio de
Janeiro: IPLANRIO/ZAHAR, 1988.
BENCHIMOL, Jaime Larry. Pereira Passos um Haussmann Tropical: a renovação
urbana da cidade do Rio de Janeiro no início do século XX. Rio de Janeiro: Secretaria
Municipal de Cultura, Turismo e Esportes, Departamento Geral de documentação e
Informação Cultural, Divisão de Editoração, 1990.
___________________.Dos micróbios aos mosquitos: febre amarela e a revolução
pausteriana no Brasil. – Rio de Janeiro : Editora Fiocruz/ Editora UFRJ, 1999.
CARVALHO, Lia de Aquino. Contribuição ao estudo das habitações populares: Rio de
Janeiro: 1866-1906. – 2. Ed. – Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, Dep. Geral
de Doc. E Inf. Cultural, Divisão de Editoração, 1995.
CUNNINGHAM, Andrew. Transforming plague: the laboratory and the identity of
infectious disease”. In: CUNNINGHAM, Andrew; WILLIAMNS, Perry (eds). The
Laboratory Revolution in Medicine.Cambridge, Cambridge University Press, 1992.
DELAMARQUE. Elizabete Vianna. Junta Central de Higiene Pública: Vigilância e
Política Sanitária (antecedentes e principais debates). Dissertação de mestrado. Casa de
Oswaldo Cruz- Fiocruz, 2011.
EDLER, Flavio. As reformas do Ensino médico e a profissionalização da medicina na
Corte do Rio de Janeiro1854-1884. Dissertação de mestrado. Faculdade de Filosofia, Letras
e Ciências Humanas da USP, 1992.
FERNADES, Tania Maria. Vacina Antivariólica: ciência, técnica e o poder dos
homens(1808-1920). – Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 1999.
FERREIRA, Luiz Otávio. O Nascimento de Uma Instituição Científica: o Periódico
Médico Brasileiro da Primeira Metade do Século XIX. Tese apresentada ao Departamento
de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas como requisito à obtenção
do título de doutor. – São Paulo, 1996
_______________________Os periódicos médicos e a invenção de uma agenda sanitária
para o Brasil (1827-43). In: História, Ciências, Saúde – Manguinhos, VI(2): 331-51, jul.-out.
1999.
FONSECA, Maria Rachel Fróes. A Saúde Pública no Rio de Janeiro Imperial. In:História
da saúde no Rio de Janeiro: instituições e patrimônio arquitetônico. / org. Ângela Porto,
Gisele Sanglard, Maria Rachel Fróes da Fonseca, et al. – Rio de Janeiro ; Editora FIOCRUZ,
2008. FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. – Rio de Janeiro : Edições Graal 1979. GOMES, Ana Carolina. Uma ciência moderna e imperial: a fisiologia brasileira no final do
século XIX (1880-1889). – 1. Ed. – Belo Horizonte, MG : Fino Traço; Campinas Grande, PB :
EDCUEPB; Rio de Janeiro : Ed. FIOCRUZ, 2013.
16
HARRISON, Mark. Disease, diplomacy and internacional commerce: the origins of
international sanitary regulation in the nineteeth century”. In: Jorurnal of Global History,
vol1, p.197-217, 2006.
IBITURUNA, João Batista dos Santos, Barão de. Relatório dos trabalhos da Inspetoria
Geral de Hygiene apresentado a Illmº e Exmº Sr. Conselheiro Senador Barão de
Mamoré, Ministro Secretário do Estado de Negócios do Império. – Rio de Janeiro :
Imprensa Nacional, 1887. (Arquivo Nacional, código de chamada: OR4025 Ed. Bib)
LUZ, Madel Terezinha. Medicina e ordem política brasileira: políticas e instituições de
saúde (1850-1930). – Rio de Janeiro : Edições Graal, 1982.
MACHADO,R.;LOUREIRO,A.; LUZ, R. & Muricy, K. Danação da norma: medicina
social e construção da psiquiatria no Brasil. Rio de Janeiro, Grall, 1978.
MAIO, Marcos Chor. Raça, Doença e Saúde Pública no Brasil: um debate sobre o
pensamento higienista do século XIX. In: Raça como questão: história, ciência e identidade
no Brasil/ Marcos Chor Maio e Ricardo Ventura Santos (orgs.). – Rio de Janeiro : Editora
FIOCRUZ, 2010.
PAZ, Arthur, Fernandes Campos da. A questao dos vinhos: os vinhos falsificados. – Rio de
Janeiro, Typographia Perseverança do Hospício n. 85, 1886.
PIMENTA, Tânia Salgado. Transformações no exercício das artes de curar no Rio de
Janeiro durante a primeira metade do Oitocentos. In: História, Ciências, Saúde
Manguinhos, vol. 11 (suplemento 1): 67-92, 2004.
ROCHA, Oswaldo Porto. A era das demolições: cidade do Rio de Janeiro: 1870-1920. – 2.
Ed. – Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, Dep. Geral de Doc. E Inf. Cultural,
Divisão de Editoração, 1995.
ROSENBERG, Charles E.; GOLDEN, Janet. Framing Disease: studies in cultural history.
New Brunswick; Rutgers University Press, introduction, 1997.
ROSEN, George. Uma história da saúde pública. – São Paulo : Hucitec : Editora da
Universidade Estadual Paulista; Rio de Janeiro : Associação Brasileira de Pós Graduação em
Saúde Coletiva, 1994
SANTOS, Myrian Sepúlveda dos. Lazareto da Ilha Grande: isolamento, aprisionamento e
vigilância nas áreas de saúde e política (1884-1942). In:História, Ciências, Saúde
Manguinhos. –Rio de Janeiro, v.14, n.4, p.1173-1196, out.-dez. 2007.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e a questão
racial no Brasil – 1870-1930. – São Paulo : Companhia das Letras, 1993.
SCHWARTZMAN, Simon. Formação da comunidade científica no Brasil. – São Paulo :
Ed. Nacional; Rio de Janeiro : financiadora de Estudos e projetos, 1979.
SOUZA, Juliana Teixeira. Carne podre, café com milho e leite com água: disputas de
autoridade e fiscalização do comércio de gêneros na Corte imperial, 1840-1889. In:
História, Ciência, Saúde– Manguinhos, Rio de Janeiro, v.18, n.4, out-dez., p. 1039-1056,
2011.