A Relação existente entre os Princípios Constitucionais do Processo e o Anteprojeto do novo CPC

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O trabalho se propõe a discorrer sobre os princípios constitucionais dispostos nos primeiros onze artigos do Anteprojeto do Novo Código Civil. Trata-se da adoção de uma tendência que no Brasil vinha tomando proporções cada vez maiores desde a promulgação da Carta Cidadã de 1988, conhecida como constitucionalização do processo. Trata-se de interpretar e aplicar o direito processual (no nosso caso o civil) com a observância dos princípios e garantias processuais elencados na Constituição.

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A Relao existente entre os Princpios Constitucionais do Processo e o Anteprojeto do novo CPC: Uma pequena anlise sobre os primeiros onze artigos deste.

O Anteprojeto do Novo Cdigo de Processo Civil, at nesta data em trmite no Congresso Nacional, traz inovaes no presentes no Cdigo atual em vigor, datado de 1973. A principal inovao, sem sombra de dvidas, a positivao de alguns princpios constitucionais do processo, localizada em seus primeiros 11 artigos, determinando que, ao processo civil, devero ser observados, disciplinado e interpretado conforme os "valores e garantias fundamentais da Constituio da Repblica Federativa do Brasil. Trata-se da adoo de uma tendncia que no Brasil vinha tomando propores cada vez maiores desde a promulgao da Carta Cidad de 1988, conhecida como constitucionalizao do processo. Trata-se de interpretar e aplicar o direito processual (no nosso caso o civil) com a observncia dos princpios e garantias processuais elencados na Constituio. uma ruptura histrica, a transformao do estado liberal extremamente privatista (que tinha o Cdigo Civil como a expresso mxima do direito) para o estado garantidor dos direitos e garantias fundamentais, no qual o interesse social tem prevalncia sobre o interesse privado. Desta forma, a Constituio, por seus valores e princpios elevados, que se fundamenta no princpio da dignidade da pessoa humana e que tem por objetivo perseguir a construo de uma sociedade livre, justa e solitria, e por servir de fundamento de validade para todo o ordenamento jurdico (Supremacia da Constituio) no poderia deixar de influenciar a produo de normas processuais materialmente coerentes com os seus ditames. Primeiramente, cabe relembrar que o ordenamento jurdico vigente veda a autotutela como meio de satisfao e realizao do direito frente a uma pretenso resistida. Cabe ao Estado, pois, o exerccio da jurisdio, "uma das funes do Estado, mediante ao qual este se substitui aos titulares dos interesses em conflito para, ________________________________________________________________________ Andr Felipe Silva Torres, bacharelando em Direito e ps-graduando lato sensu em Direito Processual Civil pela Universidade Regional do Cariri - URCA.

imparcialmente, buscar a pacificao do conflito que os envolve" (GRINOVER, A.P.; CINTRA, A.C.; DINAMARCO, C.R, 2006, p. 145). O instrumento de que se utiliza o Estado para aplicar a jurisdio o processo. Por fim, o direito processual simplificadamente prescreve normas instrumentais com o escopo de atingir a realizao e satisfao dos direitos das pessoas. Em verdade, trata-se de matria de ordem pblica, de grande importncia, e que pode resultar na privao de bens ou mesmo a liberdade do indivduo. Ora, por tratar de matria de tamanho relevo, imprescindvel que o direito processual tenha por pressupostos os princpios e garantias fundamentais, decorrentes do Estado Democrtico de Direito. Entre os princpios constitucionais processuais, podemos destacar alguns, quais sejam o devido processo legal, juiz natural, inafastabilidade da jurisdio e acesso justia, publicidade, motivao das decises judiciais e celeridade processual. Tais princpios encontram-se expressamente no Captulo I do Anteprojeto do Novo CPC, ou implicitamente em outros dispositivos mais especficos, que remontam observncia dos princpios e garantias processuais constitucionais. Vejamos a seguir o teor do contido no Captulo I do Anteprojeto, denominado Dos Princpios e das Garantias Fundamentais do Processo Civil, tecendo algumas pequenas consideraes, de forma a proceder uma correlao entre o disposto na Constituio e no Novo CPC:Art. 1 O processo civil ser ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e os princpios fundamentais estabelecidos na Constituio da Repblica Federativa do Brasil, observando-se as disposies deste Cdigo.

O artigo primeiro, bem generalista, "positiva" na legislao ordinria o que, em tese, deve ser observado na interpretao, aplicao e disciplina de qualquer diploma infraconstitucional, que a observncia e a coerncia substancial com os princpios fundamentais estabelecidos na Constituio Federal. O processo, portanto, no deve ser visto como um fim em si mesmo, mas como instrumento eficaz de promover a prpria dignidade da pessoa humana; "mtodo por meio do qual se realizam valores constitucionais" (Anteprojeto do Novo Cdigo de Processo Civil - Exposio de Motivos). O devido processo legal, por exemplo, garantia ao indivduo de se ver privado de seus bens ou a liberdade somente aps pronunciamento judicial, depois de esgotadas todas as

fases de exerccio dos poderes e faculdades processuais, como o contraditrio e a ampla defesa; enfim, que se estabelea um processo. Ademais, "o exerccio da jurisdio s se torna legtimo com a observncia das garantias do devido processo legal" (GRINOVER, A.P.; CINTRA, A.C.; DINAMARCO, C.R, 2006, p. 88).Art. 2 O processo comea por iniciativa da parte, nos casos e nas formas legais, salvo excees previstas em lei, e se desenvolve por impulso oficial. Art. 3 No se excluir da apreciao jurisdicional ameaa ou leso direito, ressalvados os litgios voluntariamente submetidos soluo arbitral, na forma da lei.

Nestes artigos, h menes ao direito fundamental de ao e a garantia da inafastabilidade do controle jurisdicional; tambm h de se interpretar o princpio da inrcia do poder jurisdicional. De fato, pelo exerccio da ao que o indivduo pode invocar a prestao jurisdicional para tutelar o seu direito ou o bem da vida considerado. O Poder Judicirio, em regra, s pode se manifestar aps devida provocao da parte, para que instaure a relao jurdica processual. A partir da, o processo assume feio pblica, no apenas de atender ao interesse privado, mas um interesse social maior, de pacificao social. por isso que provocado, o processo se desenvolve mediante impulso oficial. O pleno direito de ao se verifica quando ao judicirio dado conhecer de toda e qualquer leso ou ameaa a direito, e de nunca se eximir de dar a soluo para a lide apresentada. Em outras palavras, no prerrogativa da lei limitar o acesso ao judicirio, bem como no preciso esgotar instncias administrativas para se ento invocar a tutela jurisdicional. H uma ressalva quanto aos litgios submetidos conveno de arbitragem entre as partes. Seria demasiado longo e exaustivo este trabalho, e extrapolaria seus fins se analisssemos a arbitragem do ponto de vista constitucional. A doutrina e jurisprudncia dominante afirmam que a arbitragem plenamente admitida em um Estado Democrtico de Direito. Ressaltamos que mesmos os princpios e garantias constitucionais so relativos, quando h confronto entre eles, devendo algum "ceder para a aplicao mais especficas de outros" (SAMPAIO Jr., J.H, Apostila Princpios Constitucionais do

Processo, 2010), dependendo do caso concreto.Art. 4 As partes tm direito de obter em prazo razovel a soluo integral da lide, includa a atividade satisfativa. Art. 5 As partes tm direito de participar ativamente do processo, cooperando entre si e com o juiz e fornecendo-lhe subsdios para que profira decises, realize atos executivos ou determine a prtica de medidas de urgncia. .......................................................................................................... Art. 8 As partes tm o dever de contribuir para a rpida soluo da lide, colaborando com o juiz para a identificao das questes de fato e de direito e abstendo-se de provocar incidentes desnecessrios e procrastinatrios.

Estes artigos correlacionam-se com o inciso LXXVIII do art. 5 da Constituio Federal, acrescentado pela EC n 45/2004, no mbito das reformas do Judicirio, tornando-se, ento clusula ptrea pela incorporao do mesmo como garantia individual. assegurado, pois, direito a obteno da soluo do litgio em prazo razovel, bem como os meios que garantam a celeridade da tramitao do processo. Talvez seja este o ponto que mais preocupou a comisso de juristas responsveis pela elaborao do Anteprojeto do Novo CPC. No artigo 4, foi inserida a expresso "includa a atividade satisfativa", no sentido de promover maior efetividade no processo de execuo e na execuo de sentena no processo de conhecimento. Para a eficcia desta disposio que se configura como garantia constitucional, no entanto, preciso dotar o procedimento de instrumentos cleres, e a excluso de recursos meramente protelatrios, a permisso de recorribilidade em momento posterior (fazendo com que haja apenas um recurso que agravem diversas decises, e no um agravo a cada deciso), um tratamento diferenciado para incidentes, entre diversos outros. O Anteprojeto do Novo CPC inovou muito em relao ao ordenamento processual civil anterior, e estas inovaes com certeza sero objeto de muitas controvrsias futuras. difcil harmonizar estes instrumentos com os princpios do contraditrio e da ampla defesa, mas possvel. O Novo CPC tambm disciplinar demandas repetitivas de forma especial.

Nos outros dois artigos destacados, a celeridade processual, garantia do indivduo, depende deste tambm para que de fato seja observada. Decorrem diversos outros corolrios, como o da boa-f e lealdade processual, que se prestam a garantia maior de efetividade e celeridade do processo.Art. 6 Ao aplicar a lei, o juiz atender aos fins sociais a que ela se dirige e s exigncias do bem comum, observando sempre os princpios da dignidade da pessoa humana, da razoabilidade, da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficincia.

Comando destinado ao juiz, que utiliza a vontade do direito objetivo para pr fim lide. Este artigo guarda uma correlao com o prprio mecanismo de defesa da Constituio, o dever de controle de constitucionalidade das leis. A Lei Maior traz em seu bojo disposies que devem influenciar e servir como parmetro de validade de todo o ordenamento jurdico. Desta forma, cabe a juiz, na aplicao da lei, a consonncia e coerncia desta com os princpios e garantias estabelecidos na Constituio Federal, notadamente o princpio da dignidade da pessoa humana, norteador e fundamento da Repblica. O princpio da razoabilidade, embora implcito no texto da Constituio, est de acordo com o esprito e do regime constitucional, sendo admitido em nosso Estado democrtico em consequncia da regra de expanso do 2 do art. 5 da CF. Tal princpio possui diversas facetas, e uma delas proporcionar a adequao da lei aos fins sociais a que ela se dirige. Ademais, a Comisso de juristas optou por "copiar" (inclusive na mesma ordem) da Constituio os princpios constitucionais da Administrao Pblica, que renderiam comentrios substanciosos, integrando a aplicao e interpretao do Processo Civil Carta Magna.Art. 7 assegurada s partes paridade de tratamento em relao ao exerccio de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos nus, aos deveres e aplicao de sanes processuais, competindo ao juiz velar pelo efetivo contraditrio em casos de hipossuficincia tcnica. ..........................................................................................................

Art. 9 No se proferir sentena ou deciso contra uma das partes sem que esta seja previamente ouvida, salvo se se tratar de medida de urgncia ou concedida a fim de evitar o perecimento de direito. Art. 10. O juiz no pode decidir, em grau algum de jurisdio, com base em fundamento a respeito do qual no se tenha dado s partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matria sobre a qual tenha que decidir de ofcio.

O artigo 7 do Anteprojeto contm, em suas entrelinhas, o princpios da isonomia, e que, evidentemente, dever ser aplicado ao processo, como condio de legitimidade deste. Peo vnia para transcrever lio esclarecedora de Daniel Roberto Hertel:"Modernamente, o princpio da isonomia deve ser compreendido no apenas sob o seu aspecto formal. Muito mais do que isso, deve ser compreendido sob o prisma substancial, de modo a tratar-se os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual, na exata medida das suas desigualdades. (...). A isonomia substancial deve ser um instrumento de realizao da justia social e de mitigao das disparidades existentes na sociedade. " (HERTEL, 2004)

Compete, pois ao juiz, a verificao da igualdade entre as partes, inclusive zelando para que a parte hipossuficiente tenha plenas condies de postular e defenderse, em condies equivalentes parte contrria. Tambm h previso expressa da observncia do princpio do contraditrio, inclusive em matria de ordem pblica. Em caso de medida de natureza urgente ou cautelar (presente o periculum in mora), h a possibilidade de decises inaudita altera parte. Esta uma situao excepcional, pois o perigo da demora em conceder manifestao parte contrria pode implicar srios danos de natureza material. O contraditrio, no entanto, no deixar de ser observado, porm proporcionado em outro momento, inclusive podendo gerar a reversibilidade da medida.Art. 11. Todos os julgamentos dos rgos do Poder Judicirio sero pblicos, e fundamentadas todas as decises, sob pena de nulidade. Pargrafo nico. Nas hipteses previstas neste Cdigo e nas

demais leis, pode ser autorizada somente a presena das partes ou de seus advogados.

Por fim, o Anteprojeto do Novo CPC, em seu art. 11, expressa os princpios constitucionais da publicidade e da motivao. A publicidade das decises judiciais, do complexo de atos do processo, enfim, de toda e qualquer atividade do Poder Judicirio so condies necessrias para o exerccio do controle popular do Poder Judicirio. Ora, deste controle que se verifica a observncia da imparcialidade do juiz, do respeito ao devido processo legal com todas as suas varincias, da celeridade processual, enfim, verifica-se a legitimao poltica e jurdica da deciso judicial. evidente que "a publicidade ampla e irrestrita pode ser consideravelmente danosa a alguns valores essenciais tambm garantidos pelo texto constitucional" (NEVES, 2010, p. 69), reclamando nestes casos a restrio de publicidade dos atos processuais, conforme o pargrafo nico do Anteprojeto. Quanto motivao das decises judiciais, tambm expressa no art. 93, IX, da Lei Maior, trata-se de garantia individual e de pressuposto de legitimidade/constitucionalidade. A fundamentao necessria, do ponto de vista lgico, decorrente do regime imposto pelo devido processo legal, para que a parte sucumbente, insatisfeita com a deciso adotada, possa impugn-la especificamente. Tambm se presta para os rgos jurisdicionais de 2 Grau analisar se tal deciso acertada ou equivocada, autorizado pelo princpio do duplo grau de jurisdio. A motivao tambm se presta para o controle popular do Poder Judicirio, conforme os termos do pargrafo anterior. Daniel Amorim A. Neves conclui resumindo:"Uma deciso sem a devida fundamentao contm vcio srio, porque, alm de afrontar texto constitucional expresso, impede o acesso da parte sucumbente aos tribunais, impede a atuao desse rgo na reviso da deciso e, pior do que tudo isso, permite que se faam ilaes a respeito da imparcialidade e lisura do julgador, o que altamente prejudicial para a imagem do Poder Judicirio." (NEVES, 2010, p. 67).

Enfim, procurou-se demonstrar, neste trabalho, as relaes existentes entre os Princpios Constitucionais do Processo, dispostas no texto constitucional e os dispositivos do Anteprojeto do Novo Cdigo de Processo Civil, tecendo-se algumas

consideraes sobre estes princpios. Trata-se, em verdade, de trazer ao Processo Civil, matria de ordem pblica e na qual prevalece o interesse pblico sobre o particular, uma interpretao e aplicao mais luz dos princpios constitucionais, que legitimam o Estado Democrtico de Direito. Esta nova interpretao/aplicao/organizao do Processo Civil dentro desta tica mais uma etapa da constitucionalizao do direito, qual seja, a produo de normas jurdicas substancialmente coerentes e integradas ao que prescreve a Constituio da Repblica Federativa do Brasil. Destaco que o Anteprojeto apenas positiva o que um dever-ser do Poder Judicirio, do Ministrio Pblico, das partes e seus procuradores, do amicus curiae, enfim, de toda a sociedade brasileira: observncia Supremacia da Constituio e de seus princpios e garantias fundamentais, pressuposto de toda a ordem jurdica nacional. REFERNCIAS BRASIL. Congresso Nacional. Senado Federal. Anteprojeto do Novo Cdigo de Processo Civil. Braslia: Presidncia do Senado Federal, 2010. BRASIL. Constituio (1988) Constituio da Repblica Federativa do Brasil. Braslia: Senado Federal, 2008. CINTRA, A.C.; GRINOVER, A.P.; DINARMARCO, C.R. Teoria Geral do Processo. 22 ed. So Paulo, Malheiros, 2006. HERTEL, Daniel Roberto. Reflexos do princpio da isonomia no direito processual. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n 761, 04.08.2005. Disponvel em . Acesso em 22.12.2010. NEVES, Daniel Amorim Assuno. Manual de Direito Processual Civil. 2 ed. So Paulo, Mtodo, 2010. SAMPAIO Jr., Jos Herval. Apostila Princpios Constitucionais do Processo. 2010.