A Prostituta Respeitosa
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842 S25 I pAutor: Sartre, Jean Paul,Ttulo: A Prostituta respeitosa :ililililililililililililililililililtilililililil'';,#,
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A PROSTITUTA RESPETOSAPea em um ato e dois quadros
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JEAN-PAUL SARTRETiaduoMaria Lcia Pereira
A PROST]TIJTA RESPEITOSAPea em um ato e dois quadtos
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Titulo original em francs: Itt putain respectu?usc@ Editons Nagel, 1984Tntduto: Maria Lcia PereiraCapa: Francis RodriguesCo ntpos io : Sidhanta Produes GrficasEtluipc EdiroralCoordcnado : Beatriz MarchesiriCopidesqtte: Niuza M. GonalvesRevsao: Vilma A. AlbinoRegina Ferreira de Castilho
Dados Intemacionais de Catalogao na publicao (CIp)(Cmara Brasileira do Livro, Sp, Brasil)Sartre, Jean-Paul, 1905-1980.A prostituta respeitos : Pea em urn ato e doisquadros / Jean-Paul Sartre ; traduo de Maria LciaPereira. - Campinas, SP: Papirus, 1992.(Coleo em cena)1. Teatro francs I. Ttulo. II. Srie.
92-O243 cDD-842.91. lndices para catlogo sistemtico:
l: Teatro : Sculo 20 : Literatura francesa 842.91ISBN 85-308-0186-5aDIREITOS RESERVADOS PARA.A LINGUA PORTUGUESA
@ M. R. Comacchia;& Cia. Ltda.!E yi'#:i: gJr*:'3",',i;1i*Filial - Fone: (011) 57O-28j7 - So paulo - BrasilPAPIRUSProibida a reproduo total ou parcial por qualquer nreio de impresso, em forma iclntica,resumida ou modificada, em lrgua portugues ou qualquer outro idioma.
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A Michel e Zette Leiris
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PERSCNAGENSLIUIEFREDO SENADORO NEGROJOHNJAMESVrios homens
I ? HOMEM2: HOMEM
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PRIMEIRO QUADRO
Um quarto numa cidade do Sul dos Estados Unidos.Um div. direita, uma janela; esquerda, umaporta (do banheiro). Ao fundo, uma pequenaante-sala que d para a porta de entrada.
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CENA I
g
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I
LlUlE, depois O NEGROAntes que a cortina se abra, rudo de tempestadeno palco. Liuie est sozinha, vestida vontade,passando um aspirador. Soa a campainha. EIahesita, olha em direo porta do banheiro. Acampainha soa novamente. EIa desliga o aspiradore vai entreabrir a porta do banheiro.
LIUIE( meia-voz)Esto tocando a campaia. No saia da. (Vaiabrir. O negro aparece no batente da porta. Eurn negro alto e gordo, de cabelos brancos. Est
13ENAl
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visivelmente tenso.) Que ? O seor deve ter seenganado de endereo. (Pausa.) Que que oseor quer? Vamos, fale.
O NEGRO(Em tom splice)Por favor, senhora, por favor.
Ltut.EQue ? (Obsenta-o melhor.) Espere. No vocque estava no trem? Conseguiu escapar deles?Como que achou o meu endereo?
O NEGROEu procurei a seora, dona; eu procurei aseora por toda parte. (Fazum gesto para entrar.)
Por favorl|utE
No entre. Tem alguem aqui comigo. Afinal,que que voc quer?14 JEAN-PAUL SARTRE
O NEGROPor favor.
LIUIEQue que voc est querendo? Dieiro?
O NEGRONo, seora. (Pausa.) Por favor, diga a eleque eu no fiz nada.
LIUIEDtzer a quem?
O NEGROAo juiz. Diga, dona. Por favor, diga a ele.
LIUIENo direi absolutamente nada.
OENAl 15
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PROSTITUTAO NEGRO
Por favor.LIUIE
De jeito neum. J teo problemas suficientesna mia prpria vida, para ter de, ainda porcima, agentar os dos outros. V embora.O NEGRO
A seora sabe que no fiz nada. Eu fiz algumacoisa?LIUIE
No, voc no fez nada. Mas eu no vou atrsdo juiz. Teo nojo de juzes e tiras.
C NEGRODeixei a mia mulher e os meus filhos eandei em crculos a noite inteira. No agento mais.
16 JEAN-PAUL SARTRE
LIAESaia da cidade.
O NEGROEles esto vigiando as estaes.
LIUIE
Quem est vigiando?O NEGRO
Os brancos.
LIUIEQue brancos?
O NEGROTodos os brancos. A seora no saiu hoje dema?
CENAl 17
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.t iI PROS UTA
LIUIENo.
C NEGROA rua est cheia de gente. Jovens e velhos;conversam mesmo sem se coecerem.
LIUIEQue que voc est querendo dizer?
O NEGROQue s me resta coner em crculos at que meapanhem. Quando brancos que no se coecemcomeam a conversar entre si, sinal de que umnego vai morrer. (Pausa.) Diga que eu no fiznada, dona. Diga ao juiz; diga ao pessoal dojornal. Talvez eles imprimam. Diga, dona, diga!Diga!
18 JEAN"PAUL SARTRE
LIUIE
|utENo grite. Tem algum aqui comigo. (Pausa.)Nem pense nessa histria de jornal. Este no omomento de me fazer notar. (Pausa.) Se meobrigarem a testemuar, prometo que vou dizera verdade.
O NEGROA seora dir a eles que eu no ftz nada'!
LIUIEDirei.
O NEGROA seora jura, dona?
Juro, sim.
CENAl 19
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UTO NEGRO
Jura por Deus?
LIUIEAh, v se foder! Estou prometendo, e basta.(Pausa.) Agora v embora! Anda!
O NEGRO(Bruscarnente)Por favor, me esconda.
LIUIEEsconder voc?
O NEGROA seora no quer, dona? No quer?
20
II
i
I
l
JEAN-PAUL SARTRE CENAl
LIUIEEsconder voc? Eu? Ora! (Ela lhe bate com aporta na cara.) Chega de historia. (Vira-se parao banheiro.) Pode sair.
Fred sai em manga de camisa, semcolarinho nem gravata.
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CENA 2
E
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LIZIE, FREDFRD
Que foi?
LIUIENada.
FREDPensei qre era a polcia.
CINA2
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TALIUIE
A polcia? Voc tem alguma coisa que ver coma polcia?FRED
Eu no. Acho que o negcio era com voc.LIUIE(Ofendida)
Ora essa! Nunca roubei um tosto de ningum!
FREDE nunca esteve metida com a polcia?
LIUIEEm todo caso, nunca por roubo. (s voltas conto aspirador. Rudo de tempestade.)
Ei!
FRED(Irritado conx o barulho)
LIUIE(Gritando para se fazer ouvir)Que , meu bem?
FRED(Gritando)Pare com esse barulho.
LIUIE(Gritando)J estou acabando. (Pausa.) Eu sou assim mesmo.
FRED(Gritando)Como?
CENA2 2726 JEAN-PAUL SARTRE
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LIUIE(Gritando)Estou dizendo que sou assim.
FRED(Grito.ndo)Assim como?
LIUIE(Gritando)Assim mesmo. Na ma seguinte, mais forteque eu: preciso tomar um bao e passff o aspirador.Larga o aspirador.
FRED(Apontando para a cama)Por enquanto, cubra isso.
LIUIE
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Isso o qu?JTAN.P/1UL SARiRE
FRED
FREDA cama. J disse para cobri-la" Cheira a pecado.
LIUIEPecado? De onde que voc tira essas coisas?Voc pastor?
FREDNo, por qu?
LIUIEVoc faia igualzio Bblia. (Olha para ele.)No, voc no pastor; voc se trata demais.Mostre os seus anis. (Com admirao.) Ah, me
conta, me conta! Voc rico?
Sou.
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LIZZIE
Muito rico?FRED
Muito.LIUIE
Ainda bem. (Passa os braos ent volta do pescoodele e oferece-lhe os ldbios.) Acho que ser rico rnuito melhor para um homem. Inspira confiana.EIe hesita em beij-la e depois d-lheas costas.
FREDCubra a cama.
LtTftEEst bem! Vou cobri-la. (Cobre-a e ri para simesma.) "Cheira a pecadol" Eu nunca pensarianisso. Olha aqui, , o seu pecado, meu bem. (Gesto
30 JTAN.PAUL SARTRE CTNA2
l
rlc Fred.) Sim, sim: meu, tambm. Mas eutt:nho tantos pecados na conscincia... (Senta-sena cama e fora Fred a sentar-se perto dela.)Vcnha. Venha se sentar sobre o r?osso pecado. Foirrrn belo pecado, hein? Um pecadio. (Ri.) Masno abaixe os olhos. Eu ihe dou medo? (Fredaperta-o bruscamente contra sl.)) Voc est mernachucando! Est me machucando! (Ele a solta.)Voc mesmo um cara esquisito! Voc no pareceestar bem, no. (Pausa.) Me diga o seu nome.No quer dizer? No me agrada no saber o seunome. Vai ser a primeira vez que me aconteceisso. E raro que eles digam o sobrenome, e atconsigo entender por qu. Mas o nome! Como que voc quer que eu distinga um dos outros seno souber os nomes? Vamos, me conte, meu bem!
FREDNo.
LIUIEEnto voc ser o seor sem nome. (Levanta-se.)Espere. Vou terminar a arumao. (Muda alguns
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objetos de lugar.) A. A. Est tudo em ordem.As cadeiras em volta da mesa: mais distinto.Voc no coece algum que venda gravuras?Eu gostaria de pr umas figuras na parde. Temuma l na mala, uma bonita, cham-se A bilhaquebrada: tem uma mocia, e a coitada quebroua bilha. francesa.
t
cara encontrei um quarto num bairro bonito. Vocno vem? Voc no gosta da sua cidade?FRED
Gosto dela vista da mia janela.LIUIE(Bruscamente)
Ser que no d aza ver um negro logo que agente acorda?
Por qu?LIUIE
Eu... tem um passndo na calada de l.FRED
Que bilha?FI?ED
JEAN"PAUL SARTREI .1
LIUIESei 1: a bilha dela. Ela devia ter uma bilha. Eugostaria de uma velha av para fazer par com ela.Que estivesse tricotando ou contando uma histriapara os netos. Ah! Vou abrir as cortinas e a janela.(Executa a a0) O tempo est bom! Mais umdia que comea. (Espreguia.) Ah, como eu mesinto bem: o tempo est bom, tomei um bombanho, fiz utn arnorzinho gostoso! Como estoubern, como me sinto bem! Vea ver a miavista, venha! Tenho uma bela vista. S rvores,olha que bonita. Me diga, eu no tive sorte? De sao o
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Sempre d azar ver negros. Os negrosdemnio. (Pausa.) Feche a janela.C t N A 2CPSC;.clNv[r.]osCJ
BIEt IOTECdACKSO'I DE FtGUC,tft i:00
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LIUIEAE. para areJar um pouco.
FREDJ disse para fechar a janela.cortinas. Acenda a luz. Isso. E puxe as
rlizcndo. Eu encontro o sol l fora. (Levanta-se,wti atrj ela e a olha.)
LIUIE(Vagamente inquieta)Que h?
FREDNada. Me d a mia gravata.
LIUIEEst l no baeiro. (Ela sai. Fred abrerapidantente as gavetas da mesa e remexe. Liuievolta corn a gravata.) Pronto, aqui est elal Espere.
(Faz o n para ele.) Sabe, eu no gosto de clientesque vm e logo se vo, pois tenho de ficar semprevendo caras novas. Meu ideal seria virar um hbitode trs ou quatro pessoas de uma certa idade, umna tera, um na quinta, e outro no final de semana.Vou lhe dizer uma coisa: voc jovem, mas dotipo srio, embora s vezes caia em tentao.
LIUIEPor qu? Por causa dos negros?
Imbecil.LIUIE
O sol est to bonito.FRED
Nada de sol aqui. Quero que o seu quarto fiquecomo estava essa noite. Feche a .janela, estou34 JEAN-PAUL SARTRE CENA2 35
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SI iABom, no vou dizer mais nada. pense nisso. Voce lindo. Me beije, bonito, me beije, este o seucastigo. Voc no quer me beijar?EIe a beija brusca e brutalmente edepois a empurra.
Puf!
Voc o demnio.LIUIE
Hein?
FREDVoc o demnio.
LIUIEA Bblia outra vez! Escuta, qual o seu problema,hein?
36 JEAN-PAUL SARTRE
FREDNeum. Eu estava brincando.
Brincadeiras estraas as suas. (Pausa.) Ficousatisfeito?
FREDSatisfeito com qu?
LIUIE(Imita-o, sorrindo)Satisfeito com qu? Como voc tolo, menino.
FREDAh! Ah, sim... muito satisfeito. Satisfeitssimo.
Quanto que voc quer?CINA2 37
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LIUIEQuem que est falando nisso? Estou lheperguntando se ficou satisfeito, e voc bem quepoderia me responder gentilmente. eue h, hein?No ficou realmente satisfeito? Oh, isso mesurpreenderia, sabe!? Me surpreenderia mesmo.
FRED
Cale a boca.
FREDSim, voc estava bbada.
LIUIEJ disse que no.
FREDSeja como for, eu estava. No me lembro de nada.
LIUIEQue pena! Fui tirar a roupa no baeiro e quandovoltei parajunto de voc, voc ficou todo corado,no se lembra? Eu at disse: "Olha o meupimentol". Voc no se lembra de que quis apagara luz e me amou no escuro? Achei isso gentil erespeitoso. Voc no se lembra?
FREDNo.
CTNA2
LIUIEVoc me abraava to forte, to forte! E depoisme disse baixio que me amava.
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FREDVoc estava bbada.
LIUIENo, eu no estava bbada.
JTAN-P/lUL SARTRE8
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TALIUIE
E quando fizemos de conta que ns ramosdois recm-nascidos no mesmo bero? Disso voclembra, no?FRFD
J disse para calar a boca. O que se faz noitepertence noite. De dia, no se fala mais nisso.LIUIE(Desafiadora)
E se eu tiver prazer em falar nisso? Eu estavabrincando, sabe.FRED
Voc estava brincando! (Vai at ela, acaricia-lhesuavemente os ombros e fecha as mos ent voltado pescoo dela.) Voc sempre deve ter vontadede brincar quando pensa ter enganado um homem.(Pausa.) Eu esqueci a Sua noite. Esqueci
completamente. Consigo rever o dancing e s. Oresto voc que lembra, s voc. (,perta o pescoodela.)
LIUIEQue que voc est fazendo?
FREDApertando o seu pescoo.
LIUIEEst me machucando.
FREDSo voc. Se eu apertasse o seu pescoo s maisum pouquinho, no haveria mais ningum no mundopara lembrar essa noite. (Ele a solta.) Quanto que voc quer?
4140 JEAN-PAUL SARTRE (]ENA2
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LIUIESe voc esqueceu, porque eu trabalhei mal.No quero que voc pague um servio mal feito.
FREDChega de histria: quanto?
LIUIEEnto escute: estou aqui desde anteontem, evoc o primeiro que me visita. Ao primeiro eudou de graa, para dar sorte.
FREDNo preciso dos seus presentes.
Coloca uma nota de dez dlares sobrea nlesa.LIUIE
Eu no quero a sua grana, mas vou ver quanto que voc acha que eu valho. Espere, vou adivinhar!42 JEAN-PAUL SARiRE (lENA2 43
(l>cga a dinheiro e fecha os olhos.) Quarentatltilares? No, demais; e depois seriam duasnotas. Vinte dolares? Tambm no? Ento, maisde quarenta dlares, cinqenta, cem' (Duranteesse tempo todo, Fred olha para ela rindosilenciosarnente.) T bom, vou abrir os olhos.(Olhando a nota.) Voc no se enganou?
FREDAcho que no.
LIUIEVoc sabe o que voc me deu?
FRFD
LIUIEPegue de volta. Imediatamente! (Ele recusaconx um gesto.) Dez dlares! Dez dolares! Uma
Sei.
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moa como eu, foder com voc por dez dlares!Voc j olhou para as minhas pernas? (Eta asmostra.) E os meus seios, voc viu? Por acasoso seios de dez dlares? Pegue a sua nota e do fora, antes que eu fique furiosa. Dez dlares! Osenhor me beijava o corpo todo, o seor queriasempre mais uma, o senhor pediu que lhe contassemia intncia, e hoje cedo o seor resolveuficar de mau humor e encher meu saco como seme pagasse por ms: quanto custa tudo isso?Quarenta? No! Trinta, no! Vinte, no! Dezdlares I I !
TREDPor uma porcaria, at que muito.
LIUIEVoc que um porco! De onde que vocsaiu, seu caipira? Sua me devia ser uma putamuito orgulhosa, se no ensinou voc a respeitaras mulheres.
44 JEAN.PAUL SARTRT 45
\S
FRED
Voc no vai calar a boca?LIUIE
Uma puta orgulhosa! Uma puta orgulhosa!FRED(Com voz neutra)
Um conselho, garota: no fale muito das mesdos nossos rapazes se no quiser ser estrangulada.LIUIE(lndo para cima dele)
Pois ento me estrangule! Me estrangule paravoc ver!
Calma! (Liuieevidente intenoCENA2
FRED(Recuando)peSa um vaso na mesa (on (rde quebr-lo na cahc:u lclc.)
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A PROSTITUTAAqui esto mais dez dlares, mas se acalme. Seacalme ou mando prender voc.
LIUIEVoc mandaria me prender?
FREDEu mesmo.
LIUIEVoc?
FREDEu.
LIUIEisso me surpreenderia.
46 JEAN-PAUL SARTRT
LIUIE
47
RTSPIITOSAFRED
Sou filho do Clarke.LIUIE
Que Clarke?FRED
O senador.LIUIE
Verdade? Pois eu sou a filha do Roosevelt.FRED
Voc viu a cara do Clarke nos jornais?
Vi... e da?CENA2
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UTAFRED
Aqui est. (Mostra uma foto.) Estou ao ladodele, ele est com a mo no meu ombro.LIUIE(Subitamere calma)
No diga! Como est bem o seu pai! Deixe-mever. (Arranca-lhe a foto das maos.)FRED
J chega.LIUIE
Como ele est bem. Ele parece to justo, tosevero! E verdade o que dizem dele, que temuma boa lbia? (EIe nao responde.) O .jardim de vocs?
FRED
Parece sersentadas, soSua casa fica
LIUIEto grande! E as garotas que estosuas irms? (Ele no responde.)no alto da colina?
FREDFica.
LIUIEEnto, quando toma o caf da ma, voctoda a cidade da sua janela?
FREDVejo.
LIUIEE, na hora das refeies, tocam o sino parachamar vocs? Voc bem que poderia me responder.
VE
48 JEAN-PAUL SARTRE OENA2 4g
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FREDNo, tocam um gongo.
LIUIE(Extasiada)Um gongol Eu entendo voc. Se eu tivesseuma casa e uma famlia dessas, teriam de mepagar para eu dormir foru. (Pausa.) Me desculpepelo que falei sobre a sua me; eu estava comraiva. Ela tambm aparece na foto?
FREDJ proibi voc de falar nela.
LIUIEEst bem. (Pausa.) Posso the perguntar umacoisa? (Ele nao respondc.) Se o amor no lheagrada, que e que voc veio fazer aqui? (EIe naoresponde.) Enfim! J que voc est aqui, voutentar me acostumar com as suas maneiras.
50 JEAN.PAUL SARTRF
Pausa. Fred, diante do espelho, passao pente no cabelo.FRED
Voc veio do Norte?LIUIE
Vim.FRED
De Nova lorque?
LIUIE
Que que voc tem com isso?
FREDVoc falou de Nova Iorque agora h pouco.
CINA2 51
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ltutETodo mundo pode falar de Nova lorque, e issono prova nada.
FREDPor que que voc no ficou por l?
LIUIEEu estava de saco cheio.
FREDAlgum problema?
LIUIEClaro: eu atraio problemas, tem gente que assim. Voc est vendo esta serpente? (Ela lhemostra a pulseira.) Ela d azar.
52 JEAN-PAUL SARiRE
FRED
E por que que voc ainda a usa?LIUIE
J que est comigo, teo de ficar com ela.Parece que a vingana da serpente tenvel.FRED
Foi voc que o negro quis estuprar?
O qu?FRED
Voc no chegou anteontem pelo expresso dasseis?
53
Sim.
CENA2
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Ento foi vocFRED
mesma.
LIUIENingum quis me estuprar. (Ri com um poucode amargura.) Me estuprar! Pode?
FREDFoi voc, o Webster me contou ontem, nodancing.
LIUIE
Webster? (Pausa.) Ento isso!FRED
LIUIEPor isso que os seus olhos estavam brilhando!Isso te excita, hein? Seu sujo! Com um pai to bom!
FREDImbecill (Pausa.) Se eu tivesse pensado quevoc dormiu com um negro...
LIUIEE da?
FREDEu tenho cinco empregados de cor. Quandome telefonam e um deles pega no aparelho, ele o
limpa antes de me entregar.tulE(Com um assovio de anirao)
Estou vendo!54 55
O qu?JTAN-PAUL SARTRE CENA2
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FRED(Suavemente)Nos no gostamos muito de negros por aqui.Nem de brancas que se divertem com eles.
LIUIEChega. Eu no tenho nada contra eles, mas nogostaria que tocassem em mim.
FREDQuem sabe? Voc o Demnio. O negrotambm o Demnro... (Bruscamente.) E ento? Ele quisestuprar voc?
LIUIEQue que voc tem com isso?
FREDDois deles entraram na sua cabine e se atiraramem cima de voc. A voc pediu socorro, e uns
56 JEAN-PAUL SARRE CFNA2 57
brancos vieram ajudar. Um dos negros puxou anavalha, e um branco atirou nele. O outro negroescapou!
LIAEFoi isso que o Webster the contou?
FRED
LIUIEOnde e que ele ficou sabendo disso?
FREDA cidade inteira s fala nisso.
LIAEA cidade inteira? Eu sou mesmo sortuda. Vocno tem mais nada parafazer, hein?
Foi.
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LIUIEAbsolutamente no. Os dois negros estavamtranqilos e conversavam um com o outro; elesnem sequer olharam para mim. Depois, quatrobrancos subiram e dois deles comearam a meagarar. Eles tiam acabado de gaar uma partida
de rugby e estavam bbados. Disseram que aliestava cheirando a preto e quiseram atirar os negrospara fora do trem. Os outros se defenderam comopuderam; no final, um branco levou um soco noolho, da que ele puxou o revlver e atirou. Foiisso. O outro negro saltou do trem, pois estvamoschegando estao.
FREDEle coecido. Mas no perde por esperar.(Pausa.) Quando chamarem voc ao .juiz, essaa histria que voc vai contar?
FREDAs coisas se passaram conforme eu disse?
58 JEAN-PAUL SARIRE
Que que voc tem
Responda.
LIUIE
Eu no vou aoiuiz. Teo horror a complicaes.FRED
Voce vai ter deLIUIE
Mas no vou. No quero me meter com a polcia.
FREDEles viro procurar voc.
CENA2
t'I ril
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ilr PROSTITUiALIUIE
Ento eu direi o que v. (pausa.)
Voc est
Eoque
Voc vaifavor de um
FREDse dando conta do que
LIUIEque eu vou fazer?
FREDtestemuar contra umpreto.
vai fazer?
branco e aLIUIE
Mas o branco que culpado!FRED
Ele no culpado.60 JEAN.PAUL SARIRE CENA2
LIUIEPois se ele matou, ento e culpado.
FREDCulpado de qu?
LIUIEDe haver matado!
FREDMas foi um negro que ele matou.
LIUIEE da?
FREDSe se culpado cadavezque se mata um negro...
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ULIUIE
Ele no tia o direito.
Que direito?LIUIE
Elc no tinha o direito.FRED
Esse seu direito coisa l do Norte, no? (Pausa.)Culpado ou no, voc no pode fazer com queum cara da sua raa seja punido.LIUIE
Eu no quero que ningum seja punido. Apenasvo me perguntar o que foi que eu vi, e eu voucontar. Pausa. Fred avana em direo a ela.62 JEAN-PAUL SARTRI CENA2
FREDQue h entre voc e esse negro? Por que quevoc est protegendo ele?
LIUIEEu nem mesmo coeo ele!
FREDVamos, responda!
LIAEEu s quero dizer a verdade!
FREDA verdade! Uma puta de dez dlares que querdizer a verdade! No existe verdade: existembrancos e pretos, e pronto. Dezessete mil brancos,vinte mil pretos. Aqui, ns no estamos em Nova
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Iorque: no temos o direito deThomas meu primo.
LIUIEO qu?
FRED
Thomas, o cara que matou: ele meu prirno.LIZZIE(Assustadn)
Ah.
FREDEle um homem de bem. Isso no significa lgrande coisa para voc, mas ele um homem debem.
JEAN.PAUt SARRE4
brincar. (Pausa") LIUIEUm homem de bem que se esfregava o tempotodo em mim e ficava tentando levantar a miasaia. Me poupe desse homem de beml No meadmira que vocs sejam da mesma famlia!
FRED(Levantando a mo)Droga! (Contm-se.) Voc o Demnio: como Demnio, s se pode fazer o mal. Ele levantoua sua saia, atirou num negro sujo, grande coisa!Esses so gestos que'a gente faz sem pensar,coisa sem importncia. Thomas um chefe, eissooqueinteressa.
LIUIEPode ser. Mas o negro no fez nada.
FREDUm negro sempre fez alguma coisa.
CENA2 65 rll1it,
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ti
l
rl
TALIUIE
Eu jamais entregarei um homem aos megaas.FRED
Se no for ele, ser Thomas. De qualquer maneia,voc entregar um deles. Cabe a voc escolher.
LIUIEA est. Estou atolada at o pescoo para mudar.(Para o bracelete.) Porcaria, nojenta, voc ssabe fazer isso. (Joga -o no chao.)
FREDQuanto que voc quer?
LIUIENo quero nem um tosto.
JEAN-PAUL SARTRE6
FRED
Quientos dolares.LIUIE
Nem um tosto.
FREDVoc precisaria de muito mais que uma noitepara gaar quientos dlares.
LIUIEhincipalmente se eu me meter com gentepo-dura como voc. (Pausa.) Ento foi por issoque voc fez sinal para mim ontem noite?
Claro.
CENA2 67
FRED
-
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LIUIEEnto foi por isso. Voc falou: a est a mocinha,vou acompanh-la at em casa e ela decide o quefazer. Ento foi por issol Voc tocava nas miasmos mas estava gelado, pois estava pensando:como que eu vou convenc-la? (pausa.) Masme digal Diga l, meu garotinho... se voc subiupara me propor a sua tramia, no precisava dormircomigo. Hein? Por que e que voc dormiu comigo,seu sujo? Por que que dormiu comigo?
Pare de chorar! Vamos, Lizze! Lizzie! Sejarazov el! Quientos dlares !LIUIE(Soluando)
Eu no sou razovel. No quero os seusquientos dolares. No quero prestar falsotestemunho! Quero voltarpara Nova lorque, queroir embora! Quero ir embora! (Tocam a cantpainha.EIa pdra imediatamente, Tocant nais uma vez.Enr voz baixa.) Que ? Cale-se! (Longo toque.)No vou abrir. Fique tranqilo. (Batem porta.)
UMA VOZAbra. Polcia.
LIUIE(Em voz baixa)Os tiras. Isso tia de acontecer. (Ela mostra obracelete.) por causa dela. (Abaixa-se e coloca-o
FREDE eu sei?
LIUIE(Despenca, chorando, nunLa caCeira)Sujo! Sujo! Sujo!
FREDQuinhentos dolares!de Deus! Quientos
68
Pare de chorar, pelo amordlares! Pare de chorar!JIAN-PAUL SARTRE CTNA2 69
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71
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PROSTIiUTAnovamente no brao.) Agora prefervel que elaesteja comigo. V se esconder.
Batidas porta.A VOZ
Polcia!
LIUIESe esconda. Entre no baeiro. (Ele nem semexe. Ela o empurra com toda a fora.) Anda,vamos!
A VOZVoc est a, Fred? Fred? Voc est a?
Estou! (E/eespantada.)70
FREDa empurra, e ela olha para ele
LIUIEEnto foi por isso!
Fred vai abrir, John e James entram.
JEAN-PAUL SARIRE CENA2 rtifli
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CENA 3
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Os mesmos, JOHN e JAMESA porta de entrada permanece aberta
IOHNPolcia. Voc Lizzie Mac Kay?
LIUIE(Sem ouvi-lo, continua a olhar para Fred)Foi por isso!
75ENA3
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LIUIE(Ela se controla)Com que direito vocs esto me intenogando?Que que que vieram fazer na minha .urri (Johnmostra seu distintivo.) Qualquer um pode usarum distintivo. Vocs so chapas do senhor aqui efizeram uma combinao para me fazer contar.
(s a c u di n dlo?r'lr," o n r o)Responda quando eu perguntar.
LIUIEHein? Sim, sou eu.
JOHNSeus documentos.
John esfrega uma licena na cara dela.76 JEAN.PAUL SARTRF CENA3 77
JOHNVoc sabe o que isso?
LIUIE(Mostrando James)E ele?
JOHN(Para James)Mostre a sua licena. (James a mostrl, Liuiea olha, vai at a mesa sem dizer nada, tira unsdocumentos e os entrega a eles. Apontando paraFred.) Voc o trouxe para casa, ontem? Vocsabe que a prostituio um delito?
LIUIEVocs tm certeza de que tm o direito deentrar na casa dos outros sem mandado? Notemem que eu lhes cause algum aborrecimento?
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JOHNNo se preocupe conosco.perguntando se voc trouxe ele(Pausa.) Estamospara a sua casa.
FRED(Sem olhar para ela, para os dois)Eu as tirei do banco ontem de ma, e outrasvinte e oito da mesma srie. s verificar osnmeros.
LIUIE(Violentamente)Eu recusei elas. Eu recusei as suas notas sujas.Eu joguei elas na cara dele.
JOHNSe voc as recusou> que que elas esto fazendoem cima da mesa?
LIUIEMe ferrei. (OIha para Fred com uma espciede espanto e com uma voz quase doce.) Ento foipor isso? (Para os outros.) E ento? Que quevocs querem de mim?
LIUIEEIa mudou depois que os policiaisentraram. Ficou mais dura e ntaisvulgar.No precisa esquentar a cabea. E claro que eutrouxe ele at aqui. S que fiz amor de graa.Est satisfeito?
FREDVocs encontraro duas notas de dez dlaresem cima da mesa. So mias.
LIUIE
7g8Prove.
JEAN.PAUL SARTRE CTNA3
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JOHNSenta a. (Para Fred.) Voc contou para ela?(Fred faz um sinal com a cabea.) J disse parasentar. (Joga-a numa poltrona.) O juiz concordaem soltar Thomas se tiver seu testemunho porescrito. Ns o redigimos para voc, e s vocassinar. Amanh, voc ser interrogadaregularmente. Sabe ler? (Lizzie dt de ontbroi, elelhe estende um papel.) Leia e assine.
A PROSTIUIA
LIUIEIsso falso, do comeo ao fim.
JOHNPode ser. E da?
LIUIEEu no vou assinar.
JTAN.PAUL SARIRili
80
RTSPEITOSAFRED
Prendanr ela. (Para Lizzie.) So dezoito meses.LIUIE
Dezoito meses, sim. E, quando sair, eu te esfolovivo.FRED
No se eu puder impedir. (Eles se olham.) Vocsdeviam telegrafar para Nova Iorque. Creio queela teve uns problemias por l.LIUIE(Com admirao)
Voc sujo como uma mulher. Eu jamais poderiapensar que um cara pudesse ser to sujo.JOHN
Decida-se. Ou voc assina, ou eu te levo pracadeia.81]INA3
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FREDNo quer mentir, vagabundal E o que quevoc fez a noite inteira? Quando voc me chamvade meu querido, meu amor, meu homenzinho,no estava mentindo? Quando suspirava, para mefazer acreditar que eu estava ihe dando pazet,
voc no estava mentindo?
LIUIEIsso resolveria tudo para voc, no e? No, euno estava mentindo. (Eles se olham. Fred desviaos olhos.)
LIUIEPrefiro a cadeia. No quero mentir.
FREDVamos acabar corn isso. Aqui est a minhacaneta. Assine.
82 JEAN"PAUL SARIRE CENA3 83
LIUIEPode ficar com ela.
Silncio. Os trs homens estoentbaraadas.FRED
Vejam so! Vejam s onde que estamosl omelhor cara da cidade, e sua sorte depende deuma garota. (Anda para I e para cd e depois sevolta bruscamente para Liuie.) Olhe para ele.(Mostra-the untafoto.) Voc j viu muitos homensnessa porcaria de vida. H muitos como ele? Olheesta testa, este queixo, olhe as medalhas no uniformedele. No, no: no desvie os olhos. Yate o fim:esta a sua vtima, voc precisa olhar para ela defrente. Veja como ele tem um ar juvenil, comoparece orgulhoso, como bonito! Fique tranqila,pois, quando ele sair da priso, daqui a dez anos,vai e.star mais alquebrado que um velho, j tetperdido os cabelos e os dentes. Pode ficar satisfeita,pois foi um belo trabalho. At aqui, voc batiacarteiras; desta vez, voc escolheu o melhor eest roubando uma vida, a vida dele' E a, notem nada a drzefl Est podre at os ossos? (Pe-na
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de joelhos.) De joelhos, sua puta! De joelhosdiante do retrato do homem que voc quer desonrar!Clarke entra pela porta que elesdeixarant aberta.
JTAN.PAUL SARTRE-/
CENA 4
-qtt
84
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JOHN
Os mesmos, mais o SENADORSENADOR
Solte ela. (Para Liuie.) Levante-se.
oi.
ol!CEI'I A4 8i
r-IIi
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U TASENADOR
ot. 01.
n"l?li.,,EsteosenadorClarke.
SENADOR(Para Lizzie)
LIUIE
ol!
ot!
SENADORMuto bem, j fizemos as apresentaes. (Othapara Liuie.) Ento esta a tal mocia. parecemuito simptica.
88 JEAN.PAUL SARRE CENA4 89
FRED
Ela no quer assinar.SENADOR
E tem toda razo! Vocs vo entrando na casadela sem ter direito a isso. (Sobre um gesto deJohn, com fora). Sem o menor direito, vocs abrutalizam e querem faz,-la falar contra a suaconscincia. Estas no so maneiras americanas.O negro estuprou voc, mia filha?
LIUIENo.
SENADORPerfeito. Isso fica claro. Olhe nos meus olhos.(Olha para ela.) Tenho certeza de que no estmentindo. (Pausa). Pobre Mary! (Aos outros.)Pois bem, rapazes, vamos. No temos mais nadaafazer aqui. S nos resta pedir desculpas seorita.
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TA
SENADORMary? Emia irm, a me desse desafortunadoThomas. Uma pobre velhia que vai morrer porisso. Adeus, mia filha.
LIUIE(Com voz estrangulada)
LIUIEQuem Mary?
Senador!
SENADORPois no, mia filha.
LIAE
90 JEAN-PAUL SARIRELamento.
SENADORLamentar o qu, j que voc disse a verdade?
LIAELamento que a verdade... seja esta.
SENADORNeum de ns dois pode fazer nada a respeitoe ningum tem o direito de the pedir um falsotestemuo. (Pausa.) No. No pense mais nela.
LIUIEEm quem?
SENADORNa mia irm. Voc no estava pensando namia irm?
CTNA4 91
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SENADOREu consigo ver claramente o que se passa comvoc, mia filha. euer que eu diga o que andapela sua cabea? (Imitando Liaie.). .Se eu aisinasse,o senador iria ao encontro dela e dira: LtzzieMac Kay uma boa menina; e elaquem est lhedevolvendo o seu filho." E ela ,or.iriu entre aslgrimas e diria: "Lizzje Mac Kay? Jamaisesquecerei este nome". ..8 quanto a mim, queno teo famlia,que o destino baniu da sociedae,haveria uma velhia rnuito simples que pensariaem mim 1 na sua casa grande, havera uma meamericana que me adotaria no seu corao. " pobreLzzre, no pense mais nisso
LIUIEEstava.
LIUIEOs cabelos dela so brancos?
SENADOR
Completamente brancos. Mas o rosto permanecejovem. Se voc coecesse o sorriso dela... Elanunca mais sorrir. Adeus. Ama voc dir averdade ao juiz.LIAE
O senror j vai?ENADOR
Pois , j vou. Estou indo para a casa dela.Devo relatar-lhe a nossa conversa.LIUIE
Ela sabe que o seor est aqui?SENADOR
Foi a pedido dela que eu vim.OTNA42 93IAN-PAUL SARTRE
i TA
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LIUIEMeu Deus! E ela est esperando? E o senhorvai dizer a ela que eu me neguei a assinar. Comoela vai me detestar!
SENADOR(Pegando-a pelos ombros)Mia pobre criana, eu no gostaria de estarno seu lugar.
LIUIEQue histria! (Ao bracelete.) Voc, porcaria, a causa de tudo.
SENADOR
JEAN.PAUL SARiRE-t',
94
Como?
LIAENada. (Pausa.) No ponto em que as coisas
esto, um azar que o negro no tea me estupradopra valer.SENADOR(Comovido)
Mia filha.LIUIE
(Tlistemente)Isso teria dado tanto prazer ao seor e mecustado to pouco!
SENADORObrigado! (Pausa.) Como eu gostaria de ajudJa.(Pausa.) Infelizrnente, a verdade a verdade'
LIUIE(Tristemente)isso mesmo.
CENA4 95
I
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SENADORE a verdade que o negro no estuprou voc.
LIUIE(Com a nrcsma expresso)Isso mesmo.
SENADORSm. (Pausa.) claro que, a, trata-se de umaverdade de primeiro grau.
LIUIE(Sem entender)De primeiro grau...
SENADORSim. Estou querendo dizer... uma verdade...popular.
JEAN.PAUL SARTRE6
LIUIEPopular? Mas no a verdade?
SENADORSim, sim, e a verdade. S que... existem vriasespcies de verdade.
LIUIEO seor acha que o negro me estuProu?
SENADORNo, no, ele no estuprou voc. De um certoponto de vista, ele absolutamente no a estuprou.
Mas, veja bem, eu sou um homem velho que jviveu muito, que se enganou com freqncia e,h alguns anos, vem se enganando um poucomenos. E tenho uma opinio muito diferente dasua sobre tudo isso.97ENA4
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LIUIEMas que opinio?
SENADORComo que eu posso lhe explicar? Veja bem:imaginemos que a Nao americana 1he aparecessede repente. Que que ela lhe diria?
LIUIE(Apavorada)Supoo que ela no teria l grande coisa parame dizer.
SENADORVoc comunista?
LIUIE
JEAN-PAUL SARIRE8No, que horror!
CINA4
SENADOREnto, ela tem muito para lhe dizer. Ela diria:"Lizzie, chegou a hora de escolher entre dois dosmeus filhos. E preciso que um ou outro desaparea.
Que que se faz num caso assim? Fica-se com omelhor. Pois bem, vamos ver qual o melhor.Voc quer?"LIUIE
Quero sim. Oh, perdo! Pensei que era o seorque estava falando.SENADOR
Estou falando em nome dela. (Retomando-)"Lizzie, para que serve esse negro que voc estprotegendo? Ele nasceu ao acaso, sabe Deus onde.Eu o alimentei, e o que que ele me d em troca?Absolutamente nada, ele vai tocando a vida, furta,canta e compra ternos rosa e verde. E meu filhoe eu o amo igual a meus outros filhos. Mas perguntoa voc: ele leva vida de homem? Eu nem sequerperceberia a sua morte."
99
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LIUIEComo o seor fala bem!
SENADOR(Emendando)"O outro, ao contrrio, esse Thomas, matouum preto, e isso no est certo. porm tenhonecessidade dele. E cem por cento americano,descendente de uma de nossas famlias mais antigas,fez seus estudos ent Harvard, um oficial _preciso de oficiais -, emprega dois mil operriosna sua fbrica - haver dois mil desempiegadosse ele vier a moffer -, um chefe, uma slidamuralha contra o comunismo, o sindicalismo e osjudeus. Ele tem o dever de viver, e voc, o deverde conservar-lhe a vida. Isso tudo. Agora,escolha. "
LIUIEComo o seor fala beml
SENADOREscolha!
LtutE.(Num sobressalto)Hein? Ah, sim... (Pausa.) O seormeconfundiu,nem sei mais onde que estou.
SENADOROlhe para mim, Lizzie. Voc confia em mim?
LIUIESim, senador.
ENADORVoc acha que eu posso aconselh-la a cometeruma m ao?
100 JTAN-PAUL SARTRF CENA4 101
IA
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LIUIENo, senador.
SENADOREnto voc deve assinar. Aqui est a miacaneta.
LIUIEO seoracha que ela vai ficarsatisfeita comigo?
SENADORQuem?
LIUIEA sua irm.
LIUIESer que ela vai me mandar flores?
SENADORTalvez sim.
LIUIEOu uma foto dela autografada.
SENADOR bem possvel.
LIUIEVou pendur-la na parede. (Pausa. EIa anda,agitada.) Que historia! (Vokando-se para osenador.) Que que o seor far com o negro,se eu assinar?la vai
102
SENADORcomo a uma filha.
JEAN-PAUL SARTRT 103am-la
CENA4
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SENADORO negro? Ora! (Segura_a pelos ontbros.) Sevoc assinar, a cidade inteira vai adot_la. A cidadeinteira. Todas as mes da cidade.
meu sobrio, em nome dos dezessete mil brancosda nossa cidade, em nome da nao americanaque eu represento nesta localidade. Sua testa. (E/ea beija na testa.) Vamos, rapazes. (Para Liuie.)Verei voc noite: ainda temos que conversar. (Sci.)
FRED(Saindo)Adeus, Lizzie.
LIAEAdeus. (EIes saem. Ela fica arrasada, e depoisprecipita-se para a porta.) Senador, senador! Euno quero! Rasgue o papell Senador! (Ela voltapara o palco e pega o aspirador maquinalmente.)A nao americana! (Liga a tomada.) Teo aimpresso de que eles me enrolaram!
Ela ntanobra furiosamente oaspirador.
SENADORE voc ^1._hu que uma cidade inteira podeenganar-se? Uma cidade inteira, com seus pastorese vigrios, com seus mdicos, uuog, e artistas,com seu prefeito e seus assessores e suas sociedadesbeneficentes? Voc acha?
Mas...
No, no, no.
Me d a sua moEu lhe ,gruA. .rn104
LIUIE
LIUIE
SENADOR(Fora-a a assinar.) pronto.nome da mia irm e do
JIAN.PAUL SARRE CENA4CORTINA
105
T'il.l
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I
SEGUNDO QUADRO
O ntesnto cenrio, doze horas depois' As lmpadasesto acesas, as ianelas abertas para a noite'Rumores que aumentam num crescendo. O negroaparece na janela, apia-se no peitoril e saltaporo o cmodo deserto. Vai at o meio do palco''Lizzie sai do banheiro, vai at a plrta de entradae a abre.
i
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CENA I
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LlTZlE, o SENADOR, O NEGRO (escondido)LIAE
(O senador entro.) E ento?SENADOR
Thomas est nos braos da me,transmitir-lhe seus agradecimentos.
Ela est feliz'
e eu vim
CENAl 111
OS TA
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SENADORFelicssima!
LIUIEEla chorou?
SENADORChorou? Por qu? Ela uma mulher forte.
LIUIEO seor disse que ela choraria.
SENADORFoi um modo de dizer.
LIUIEPor essa ela no esperava, hein? Ela pensavaque eu era uma mulher m e testemuaria afavor do negro.
112
SENADOR
Ela j havia entregue tudo a Deus.LIUIE
Que que ela pensa de mim?
SENADOR
Ela the agradece.LlTflE
Ela no peguntou como eu era?SENADOR
No.LIUIE
Ela acha que eu sou uma boa moa?
CENAlJEAN.PAUL SARTRE/ 113
PROSTITUIA
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SENADOROlhe para mim,Lizzie. (Segura-a pelos ombros.)Voc continuar a fazer isso? Voc no vai quererdecepcion-la, vai?
SENADOREla pensa que voc cumpriu o seu dever.
LIUIEAh, sim...
SENADOR
E espera que voc continue a fazer isso.LIUIE
Sim, sim.
/JEAN.PAUL SARTRE14
llulENo tenha receio. No posso voltar atrs noque eu disse, ou eles me metem na cadeia- (Pausa.)Que gritos so esses?
SENADORNo nada.
LIAENo agento mais ouvir isso. (Vai fechar aporta.) Senador?
SENADORSim, mia filha.
LIUIEO seor tem certeza de que no nos enganamos,de que eu frz o que devia?
crNAl /. 115
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uutENo estou me reconhecendo mais; o seor meembrulhou; o seor pensa rpido demais paramim. Que horas so?
LIUIEQue que vo fazer com ele? (O senador dde ontbros, os gritos aumentam. Lizzie vai at ajanela.) Mas que gritos so esses?,H homenspassando com tochas eltricas e ces. E uma paradamilitar noturna? Ou ento... Me diga o que isso,senador! Diga!
SENADOR(Tirando unxa cartt do bolso)Mia irm me encaregou de the entregar isto.
LIUIE(Com vivacidade)Ela me escreveu? (Rasga o envelope, tira deleuma nota de cem dlares, procura uma carta no
envelope e, no a encontrando, atnassa o envelopee o atira no cho. Sua voz muda.) Cem dlares.Vocs devem estar satisfeitos: seu filho me prometeuquientos, vocs fizeram uma bela economia.
SENADORCerleza absoluta.
SENADOROnze.
LIUIEAinda faltam oito horas para o dia chegar. Sintoque no vou conseguir pregar o\ho. (pau.sa.) Asnoites so to quentes quanto os dias. (pausa.) Eo negro?
SENADORQue negro? A}r, sim, ele est sendo procurado.
116 JEAN-PAUL SARTRF CTNAl 117 -
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SENADORMinha filha.
LIUIEAgradea senhora sua irm. Diga a ela queeu teria preferido um jarro ou meiai de niln,algo que ela tivesse se dado ao trabalho de escolher.!as o que importa a inteno, no e? (pausa.)Vocs me enganaram direitio.
Eles se olharn. O senador aproxima_se.
SENADOREu lhe agradeo, mia filha. Vamos conversarum pouquinho, s ns dois. Voc est atravessandouma crise moral e precisa do meu apoio.
agora, eu preferia os velhos, porque eles tm umar respeitvel, mas comeo a me perguntar se noso ainda mais complicados que os outros.
SENADOR(Divertido)Complicados! Eu gostaria que os meus colegaspudessem ouvi-la! Que temperamento delicioso! ulgo em voc que suas confuses no afetaram!(Ete a acaricia.) Sim, sim, algo- (EIa consente,
passiva e com desprezo.) Eu voltare. No precisame acompanhar.Ele sai. Liuie fica Parada no lugar'Mas pega o dinheiro, amassa-o, ioga-ono cho, deixa-se cair numa cadeirae explode em soluos. Da lado defora, os gritos aProximam-se'Ouvem-se tiros ao longe. O negrosai tlo esconderijo. Planta-se nafrentedela. Ela ergue a cabea e unt grito'LIUIE
Preciso sobretudo de grana, mas penso que oseor e eu vamos nos entender. (rorro.l Xte118 JEAN-PAUL SARTRT CENAl 119
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CENA 2
g
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LITZIE, O NEGROLIUIE
Hal (Pausa. Levanta-se.) Eu tia certeza deque voc viria. Tia certeza-Por onde voc entrou?O NEGRO
Pela janela.
LIUIEQue que voc quer?
CENA2 123
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O NEGROQue a seora me esconda.
LIUIEJ disse que no.
O NFGROA seora est ouvindo eles, dona?
LIUIEEstou.
O NEGROComeou a caa-
Que caa?124 JEAN.PAUL SANI 125
O NEGROA caa ao negro.
LIUIEgsr. (Lottga pausa.) Voc tem certeza de queno viram voc entrar?
O NEGROTeo.
LIAEQue que eles faro se Pegarem voc?
O NEGROA gasolina.
LIUIEQu?
ENA2
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C NEGRO-A gasolina. (Faz um gesto explicativo.) Elesvo pr fogo em mim.
O NEGROEles pensam qre eu fiz mal seora, dona.
LIUIEEstou vendo. (Vai at a janela e fecha ascortinas.) Senta a. (O negro deixa_se cair rtumacadeira.) Voc tia que vir at a mia casa?isso no vai acabar nunca? (Eta vai at ele, quaseanteaadora.) Eu tenho honor dessas histrias,
est entendendo? (Batendo o p.) Horror! HorroriHonor!
E da?LIUIE
126 JEAN-PAUL SARTRF 121
O NEGROEles no viro me Procurar aqui'
LIAEVoc sabe Por que esto te caando?
O NEGROPorque eles acham que eu frzmal seora'
uaYSabe quem disse isso a eles?
O NEGRONo.
LIUIEFui eu. (Longo silncio' O negroe/4.) Que que voc acha disso?
CENA2
olha para
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O NEGROPor que que a senhora fez isso, dona? Ah,por que que a seora fez isso?
LIUIEEu tambm gostaria de saber.
O NEGROEles no vo ter piedade: vo me chicotear nosolhos e despejar seus gales de gasolina em cimade mim. Ah, por que que a senhora fez isso?Eu no fiz mal senhora.
LIUIEAh, sim, voc me fezmal. Voc no sabe quantomal voc me fez. (pausa.) Voc no est comvontade de me estransular?
O NEGROMuitas vezes eles foram as pessoas a dizer ocontrrio do que elas pensam.
LIUIESim. Muitas vezes. E quando no podem forar'embrulham elas com sua lbia' (Pausa') E ento?Voc no vai me estrangular? Voc um bomcarter. (Pausa-) Vou te esconder at amanh noite. (Ete faz wn ntovintento') No toque emlm no gtto de pretos. (Gritos e tiros do ladode fora.) stao se aproximando' (Ela vai at ajarleh, 'afasta as cirtinas e olha para a rua')Estamos fritos.
O NEGROQue que eles esto fazendo?
LlTllEPuseram sentinelas nas duas pontas da rua eesto dando busca.iJut u' tu'u'' Voc prelisava;t para c? Com ceezaalgum viu voc entrndon.tiu tuu. (Eta otha novaitente') Pronto' Sobroupara ns. Eles esto subindo'
O NEGROQuantos so?
(lENA228 JEAN.PAUL SARTRT 129
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LIUIECinco ou seis. Os outros ficaram esperandoembaixo. (EIa vai at ele.) Pare de tremer. parede tremer, por Deus! (Pausa. Para seu bracelete.)Porcaria de serpente! (Joga-o no chao e pisa nele.)Droga! (Para o negro.) Voc precisava vir aqui?(Ele se letanta e faz um movimento para sair.)Fique. Se voc sair, est tudo acabado.
O NEGROOs telhados.
LIUIECom essa lua? Pode ir se quiser servir de alvopara eles. (Pausa.) Vamos esperar. Eles tm derevistar dois andares antes do nosso. J lhe dissepara parar de tremer. (Longo silncio. Ela andapara I e para c. O negro fica arrasado nacadeira.) Voc no tem armas?
O NEGROAh, no.
130 JEAN-PAUL SARTRE 131
LIUIEBem.
EIa remexe numa Saveta e tira untrevlver.O NEGRO
Que que a seora est querendo faze, dona?
LIUIEVou abrir a porta para eles e pedir que entrem.Faz vinte e cinco anos que eles me enrolam comsuas velhas mes de cabelos brancos e os herisde guerra e a nao americana. Mas eu enendi.Eles no vo continuar me enrolando. Vou brira porta e dizer a eles: "Ele est a. Est a masnofeznada;me affancaram um falso testemuo.Juro por Deus que ele no fez nada".
O NEGROEles no vo acreditar na seora.
CENA2
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LIUIEPode ser. Pode ser que no acreditem; ento
voc aponta o revlver pra eles e, se no foremembora, voc atira.O NEGRO
Viro outros.LIUIE
Ento voc atirar nos outros tambm. E, sevoc vir o filho do senador, trate de acertar nele,pois foi ele quem tramou tudo. Ns estamosencurralados, no estamos? De qualquer maneim, a nossa itima histria, porque, estou lhe dizendo,se eles te encontrarem aqui em casa, no dou umtosto pela minha pele. Ento melhor morrercom bastante companhia. (Estende o revlver paraele.) Pegue! Estou dzendo para pegar!O NEGRO
No posso, dona.
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LIUIEO qu?
O NEGROEu no posso atirar em brancos"
llulERealmente! Eles vo se importar muito com isso.
O NEGROSo brancos, dona.
LIUIEE da? Porque so brancos eles tm o direitode te sangrar como um porco?
So brancos.
CENA2
II
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I
132 JEAN.PAUL SARTRE
O NEGRO
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LIUIEBesteira! Olha, voc se parece comigo, toimbecil quanto eu. Enfim, se todo mundo est deacordo...
O NEGROPor que a seora no atira, dona?
LIUIEJ lhe disse que sou uma imbecil. (Ouvem-sepassos na escada.) A esto eles. (Rr,so breve.)Essa boa. (Pausa.) Se esconda no baeiro. Eno se mexa. henda a respirao. (O negro obedece,Lizzie espera. Toque de campainha. Ela faz osinal da cruz, pega o bracelete e vai abrir. Homenscom espingardas.)
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JIAN.PAUL SARTRE
CENA 3
a\t2
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LlUlE, Trs homensPRIMEIRO HOMEM
Estamos procurando o negro.LIUIE
Que negro?
PRIMEIRO HOMEMAquele que estuprou uma mulher no trem eferiu o sobrio do senador com uma navalha.
CENA3 137
OS TA
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LIUIEPelo amor de Deus, no aqui na mia casa
que vocs tm de procur-lo. (pausa.) Vocs noesto me recoecendo?
SEGUNDO HOMEMSim, sim, sim. Eu vi a seora descer do tremanteontem.
LIUIEPerfeito. Pois foi a mim que ele estuprou, vocsesto entendendo? (EIes cochicham entre si. Olhampara ela com olhos cheios de espanto, de cobiae de uma espcie de horror. Recuam ligeiramenti.)Se ele vier aqui, vai ter o que merece. (Eles riem.j
UM HOMEMA seora no tem vontade de v-lo enforcado?
138 JEAN.PA(UL SARTRI CENA3 139
LIUIEVeam me buscar quando ele for encontrado.
UM HOMEMNo vai demorar, benzio; a gente sabe queele est escondido nesta rua.
LIUIEBoa sorte.
EIes saem. EIa fecha a porta. Colocao revIver em cima da mesa.
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CENA 4
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LlZZlE, depois O NEGROLIUIE
Pode sair. (O negro sai, aioelha-se e beija abarra da saia dela.) J disse para no tocar emmim. (Olha para ele.) Yoc, tem de ser mesmoum cara esquisito para ter uma cidade inteiraatrs de voc.O NEGRO
Eu no frznada, dona, e a seora sabe disso.CENA4 143
A PROSTITUTA
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LIUIEEles dizem que um negro sempre fez algumacoisa.
O NEGROEu nunca fiz nada. Nunca. Nunca.
LIUIE(Passando a nto na testa)J nem sei mais onde que eu estou. (pausa.)Mesmo assim, uma cidade inteira no pode estartotalmente enganada. (Pausa.) Merda! No estouentendendo mais nada.
O NEGRO assim, dona. E sempre assim com os brancos.
LIUIEE voc, voc tambm se sente culpado?
O NEGROSim, dona.
LIAEE, no entanto, voc no feznada.
O NEGRONo, dona.
LIUIEMas que que eles tm, afinal,gente sempre fique do lado deles?
O NEGROEles so brancos.
pafa que a
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LIUIEMas eu tambm sou branca. (pausa. Rudo de
passos do lado de fora.) Esto descendo. (Ela seaproxinta dele instirttivamente. Tiente, ntas eleIhe pe a nto ent volta dos ontbros Os passosdinnuem. Silncio. Ela se solta bruscamente.) Eento? Ser que estamos sozios? Estamosparecendo dois rfos. (Tocam a campainlta. EIesouvem em silncio. Tocanr mais uma vez.) Seesconda no baeiro . (Batidas na porta de entrada.O negro se esconde. Lizzie vai abrir.) CENA 5
g
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FRED, LIAIE
LIUIEVoc ficou louco? Por que que est batendona mia porta? No, no vai entrar, no. Jestou cheia de voc. V embora, v embora, seusujo, anda, suma! (Ele a empurra, fecha a porta
e a segura pelos ombros. Longo silncio.) E ento?
Voc o demnio!CENAS
FRED
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PROSiIUTA
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LIUIEFoi para dizer isso que voc queria pr a mia
porta abaixo? Que cabea! De onde que vocsaiu? (Pau,sa.) Vamos, responda!FRED
Pegaram um negro. Mas no era o certo. Mesmoassim, lincharam ele.
E da?FRED
Eu estava com eles.Lizzie assovia.
LIUIEEstou vendo. (Pausa.) Pode-se dizer que vocficou impressionado com o linchamento de umnegro.
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FRED
Quero voc pra mim.LIAE
O qu?FRED
Voc o demnio! Botou um feitio em mim.Eu estava 1 no meio deles, com o meu revlverna mo, e o negro se balanando num galho.Olhei para ele e pensei: eu quero aquela mulher.Isso no natural.LIUIE
Me larga. J disse para me largar.FRED
Que que voc tem? Que que voc fezcomigo, feiticeira? Eu estava olhando para o negroJIAN.PAUL SARTRE CENA5 151
UT
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e enxerguei voc. Vi voc balanando acima daschamas. A atirei.LIUIE
Seu nojento! Me solta! Me solta! Voc umassassino!FRED
Que que voc fez comigo? Est grudada emmim como meus dentes a mias gengivas. Eu tevejo em toda parte, vejo o seu ventre, seu ventresujo de cadela, sinto o seu calor nas mias mos,o seu cheiro nas mias narinas. Eu corri at aquie no sabia se era para te matar ou para te pegar fora. Agora eu sei. (Ele a solta bruscamente.)Contudo eu no posso ficar sofrendo por umaputa. (Volta-se novamente para eta.) E verdade oque voc me disse hoje de ma?LIUIE
O qu?152
FREDJure que verdade! Jurel (Torce-lhe o pulso.
Ouve-se barulho no banheiro.) Que foi isso? (E/eescuta.) H algum aqui.
FREDQue eu lhe dera prazer?
LIUIEMe deixe em paz.
LIUIEVoc ficou louco. No tem ningum.
FREDTem. No baeiro. (EIe se dirige ao banheiro.)
JEAN-PAUL SARIRF CENA5 153
OS UTA
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LIUIEVoc no vai entrar l.
FREDVoc sabe que tem algum l.
LIUIE o meu cliente de hoje. Um cara que paga.Est satisfeito?
FREDUm cliente? Voc no vai ter mais clientes.Nunca niais. Voc mia. (pausa.) euero ver acara dele. (Grita.) Saia da!
LIUIE(Gritando)No saia. uma armadilha.
FREDMa I dita filha da puta. (Emp ur r a- a vi o I e nt am ent e,
vai at a porta e abre-a. O negro sal.) Ento esse o seu cliente?LIUIE
Eu o escondi porque querem the fazer mal.No atire. Voc sabe muito bem que ele inocente.(Fred puxa do revIver. O negro tonm impulsobruscamente, d-lhe um etnpurro e sai. Fredcorre atras dele. Liuie vai at a porta de entradapor onde ambos desapareceram e pe-se a gritar.)LVAE
Ele inocente! inocente! (Dois tiros. Elavolta, conx unxa expresso dura. Vai at a mesa,pega o revlver. Fred retorna. Ela se volta paraele, de costas para o pblico, mantendo sua armaescondida nas costas. EIe ioga a sua em cinta dam/sa.) E ento, conseguiu? (Fred no responde.){om. Pois bem, agora a sua vez. (Aponta orpvlver para ele.)
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FI-?EDLizzie! Eu teo me.
Filipinas, no Novo Mxico. Voc ousar atirar naAmrica toda?LIUIE
Se voc avanar, eu acerto voc.
FREDAtire! Atire ento! Como v, voc no consegue.
Uma garota como vocno pode atirar num homemcomo eu. Quem voc? Que que voc fez nomundo? Pelo menos voc coeceu o seu av?Eu sim, teo o direito de viver: h rnuitas coisaspor fazer, e contam comigo para isso. Me d esserevlver. (Ela o entrega a ele, que o pe nobolso.) Quanto ao negro, ele corria depressa demais:no consegui acert-lo. (Pausa. Passa o braopelos ontbros dela.) Instalarei voc na colina, dooutro lado do rio, numa linda casa com um parque.Voc passear no parle; ntas est proibida desair: sou muito ciurnnto. Irei v-la trs vezes porsemana, tarde da noite: s teras, s quintas e nosfins de semana. Voc ter empregados negos emais dieiro do que jamais soou possuir, mas
LIUIECale a boca! Esse golpe vocs j me aplicaram.
FRED(Avanando lentamente para cima dela)O primeiro Clarke desmatou uma flo;esta inteirasozia e matou dezesseis ndios antes de perecernuma emboscada; o filho dele construiu esta cidadequase toda; ele era ntimo de Washington e morreuem Yorktown, pela independncia dos EstadosUnidos; meu bisav era o chefe dos Vigilantes,em So Francisco, e salvou vinte e duas pessoasdurante o grande incndio; meu av voltu a seestabelecer aqui, mandou escavar o canal do
Mississipi e foi governador do Estado. Meu pai senador; eu serei senador depois dele; sou seunico herdeiro homem e o ltimo com o sobrenomeda famlia. Ns fizemos este pas, e a sua histria a nossa histria. Houve Clarke no Alasca, nas156 JEAN-PAUL SARTRF CENA5 157
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ter de satisfazer a todos os meus caprichos. Eterei muitos caprichos! (Eta se abandona um pouconos braos (ele.) verdade que eu lhe dei prazer?Responda. verdade?
LIUIE(Cansada)Sim, verdade.
FRED(Esbofeteando_a)Ento, tudo entrou nos eixos. (pausa.) Eu mechamo Fred.
CORTINA -----:-----
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