A Pedagogia Do Oprimido - Paulo Freire
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A PEDAGOGIA DO OPRIMIDO
As minhas mem6rias de
Paulo Freire
Ne st e t ex to , it tnedida q ue rela te 0 trabalbo que desenuolm com P aulo F reire
no Chile, vou apresentando a sua teoria que escutei, que aprendi com ele e que
utilize i no m eu trabalbo com os -inquilinos. ou os trabalhadores rurais do V ale
C entral do C hile. 0 titulo do m eu trabalbo tenta contextuaiizar a opressdo
experimentada pot F reire no exiiio, opressdo essa que mais tarde eu proprio
experim entei e que e um objecto central do m eu estudo
1 . Uma noite!
Eramos um grupo de sete ou oito pessoas
Era de noite e as camponeses tinham de sair de casa e vir para a sala de
aulas
Eramos sete ou oito, seis deles calados de olhar tranquilo sobre a mesa
Inquilinos/ chilenos, picunche>, huillinche, au com uma certa ascendencia
iberica Tinham as maos no colo, as chapeus na cabeca e uma manta (poncho)
sabre a corpo
• P ro fe sso r C ate dr atic o d e A ntro po lo gia S oc ia l e d e A ntr op olo gia da E du ca ca o S oc ial e d e C ie nc ia s da
Educacao
1 Revisao do tex to portug ues p O! Iren e C ortesao Costa
2 Jornaleiro n ative pag o com terra
3 D esignacao do c ia nativo Raueo au A raucano (para as castelhanos) que em m apudungum (lingua
m apu che) sig nifica g en te d o N orte
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Entao eu p erg un te i: -O s vossos filh os va o a escclar- , e e les , o lho s fixos namesa , responderam com u rn -S im. monoss il abico E ra diffcil falar , d i ff c il conver-
sa r E e u p erg un te i e nta o: "A q ua li- e e le s re sp on de ram : , A d o fu nd o-
Silencio
E e u p erg un te i: "E as m hos do pa trao , tam bem vaO /, E les reag iram viva-
men te : -N ao , nao, nem pensar! E les vao a u rn colegio bo rn , la longe , em
S an tiag o. L a on de n em caste lhan o fa lam ! "
Is to fo i d ito com o rgu lho e brilho n os o lh os
E u in sis ti: -Ma s, de certeza , as vo sso s m hos tarnbem ap re nd em o utra s lin-
guas-
-N ao , o s no sso s filho s nao , sao m uito bu rros" responder am do is com
raiva
"Burros? ' , perguntei E n ta o u rn re sp on de u: -P eito s p or n6s! E p ara q ue ?n
•P ara q ue sa ib am tra ba lh ar, p ois - , d iz 0 m ais calado , ao qua l eu dirijo a p ro -
v oc ac ao : -B urro c omo 0 senhor que nem sab e cas te lhano ", d igo Ele r esponde :
-O s m eu s p ais nao m e tinham deixado ir a esco la , tive que ir traba lha r com eles-
.E p ara eles- acrescento -P orq ue h av ia que trabalhar para 0 patrao, sim senhor-
d iz-me Com energia -Nao sabe que se nao dessem os ao pa i 0 no sso tem po p aratra ba lh ar n as te rra s d o s en ho r, a pai , a m ae enos i amos para a rua?"
-I r para a rua, il p a ra a ru a, se r d esp ed id o/-, p erg un to , e to dos d izem : -Poisl-
-Entao 0 patrao e rna pessoa! .. e scapa-se da m inha boca
-Nao, e le a te dava p rendas para as no ssas m ulheres , e pao as sextas-feiras-
-P rendas e pao , d e p r es e nt el-
-Sim-
- D e p re se n te -, s ub lin h o
S ilen cio . C alam -se P ensam C alo -m e tam b em
Silencio
P ego no g iz, escrevo . ,,0 patrao e bo rn - D esenho um a Figura de hornem
com um a au reo la na cab eca e d igo "0 S ao P atrao -, e tod os riem as g arg alh adas
quando eu re ite ro a san tid ade do hom em
E sse hom em que ia "para as "Uropas to do s os ano s ..Iionde -eu nunca
tinha co lo cado o s pes" com o conc luem depo is d e duas horas d e co rnpara r-
m os a vid a de les com a do p rop rie ta r io do la tif iin d io , 0 -p a trao , dono do
fundo-
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Eassim , pe la no ite den tro , a te irem tom ando con sc iencia de com o foram
u sa do s e a bu sa do s Urn ressonar d iz-m e q ue u rn ja dorm e, e fecham os a sessao
2 . , A s noites
E stes e ram os conceito s-chave da ep is tem olog ia ru ral, d iscu tido s nas ses-
soes de d eb ate : trab alho , sa lario , le i, viag en s, laze r, filh os , esco la , avioes , fam i-
lia , en tre ou tros Genealog ia de les p r6prio s e do proprie tario , con texto em que
viviam e 0 do prop rie ta rio ; descan so d eles, e 0 do proprietario: s in d ic a to , d ir ei -
to s, cadeia , po lic ia ; D eus; o rdem , d iscip lina ; igualdade; a le i do rna is fo rte e a
estra teg ia do m ais fraco : 0 m edo e a Iibe rdade, tecno log ia ; an im ais e com o os
curar; com o fug ir d a m aqu in aria que bate e parte as ossos
M e toda com parative , na ob se rvacao partic ipan te do convivio quo tid iano
nas casas deles, de no ire a no ire , em periodo s pro longados de conviv io
M etodo re la tive , quer para eles en tenderem quer para eu en tender
R elativ iza ca o d o se ntir m a is fo rte , 0 e tnocen trism o, esse nosso ideal, que naon os p errn ite a c orn un ic ac ao h iera rq uic am e nte o rg an iza da
E as no ite s E as no ite s que perm itiam essas sessoes de debate e transferen -
cia de en tender a rea l con tex tualizado de cada u rn , d esses com patrio tas separa-
dos pe la H ist6ria da fo rm acao do seu estra to soc ia l
E ssas no ires, quando reun iam os sob arvo res do m ato , com os hom ens das
m ulheres com quem eu fa lava du ran te 0 d ia , enquan to andava e andava pe los
cam inhos ru rais E ssas m ulheres que davam cM e pergun tavam a vida
O s hom ens apareciam quando n inguem os pod ia ver, chapeu sob re a cara ,
le nc os p ara d is fa rc ar 0 queixo
o medo a d ivind ad e da le i p olic ia l do p atrao , a d ivindade que a pessoa do
p atrao rep resen ra va : p ro prie ta rio d e te rra s e p esso as
E ssa frase , que tan to ouvi duran te m eses de trab alho de cam po , p ro ib ia que
se iden tilicassem uns ao s O utIO S,N em falavam , porque -sabe-se la se 0 senhor ,
au qua lquer um , nao va i con ta r isto ao pa trao , depo is , "pu i iahor-, d isse -m e
um a vez um em sua casa
Eu , in experien te , pe rceb i que e les n ao sab iam que tinham d ire ito a terra,
q ue pod iam denun cia r 0 patrao e ficar com as qu in tas do latifiind io , se rem co -
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p rop rie ta rie s e acab arem com a g rande poder ab so lu tis ta fundado e in s titu ido
pe la invasao ib er ica do secu lo X VI
E u , in experien te pe la m inha id ade e pe la cu ltu ra de c lasse que cresc eu
com igo , tam bem nao sab ia
E les , in experien tes em pen sa r que pod iam ag ir e avancar p a ra a exp lo racao
con jun ta da te rra p rop ria In experien tes no conhec im en to da le i que perm itia
essa rnudanca Inexperien tes d a m udanca e tem ero so s da pun icao d iv ina e te r-
r en a , c ala vam
In sp irado , leva a passea r p e la zona 0 B ispo , m eu am igo , sem m itra , an e l oub acu lo , d e p re to ou de roxo Leve i tam bern o s pad res pa ra d ize rem m issa as
pessoas , no m eio de las e na sua lingua na ta l, se ra usatem la tim , a lingua
R om an a U n iv er sa l
In sp irado s, ag im os du ran te ho ras , p e la m ao de Pau lo Fre ire , a s su as id e ias
e g es to s, p ro cu ran do u m a a ltem a tiva po ssive l p ara h ab ito s h is to rico s c ris ta liza -
do s no tem po , p e lo tem po , estru tu rado s no id ea l d as cu ltu ras ru ra l e u rb ana
P rim eiro fo ram as no ires dos ano s 60, d epo is d a epoca de Sua E xce lenc ia , 0
P res id en te da R epub lica D r. S a lvado r A llende Inqu ilino s , cam poneses , que r
hu illich e , ou p icunchc , ou m apuche , ou m estizo , quer ch ileno s gene ticam en te
m istu rado s, ou ch ileno s com urn certo ancestra l ib erico , n enhum deles con se -
g uia p erceb er q ue tin ha p od er p olitico
A rig id ez cu ltu ra l d a H isto ria n ao 0 p e rm i ti a, p a ra 0 n oss o d ese sp ero , fe ito
se ren id ad e n o re la tiv ism o cu ltu ra l d o trab alh o d e cam p o
3. Os conceitos
Pau lo co stum ava in sis tir que dev iam ser u sado s o s conce ito s das pessoas
N ao o s das teo ria s d as c ienc ias
N os , o s seu s e tnocen trico s d isc ipu lo s , n ao con segu iam os com preender que
a cam pones, au a m em bra de u rn b a irro de la ta , ou do S ind ica to de a lgum a
in du stria fo sse cap az d e te l teo ria
A teo ria e ra fru to d a exp erien cia
Qua l e ra en tao a teo ria do s inqu ilino s? "A vida", d izia P au lo , "a v id a e a
experiencia- E e da v id a que sao re tirado s o s conce ito s , no conviv io com as
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pessoas: n o ver, ouv ir e ca la r , a te sabe r b em 0 que se fa la e 0 con teudo da
conversa E sse con teudo da conve rsa e 0 que se deve debate r
A lite rac ia d e ho je , a an tiga a lfabe tizacao n a qu al tan to s traba lham os no
m undo todo , con siste em fo rnecer a s p esso as o s texto s qu e m an ipu lam no seu
quo tid iano A lire rac ia nao e 0 le r e 0 e sc re ve r d o a lfa be to A lfa be tiza r e deixar
e sc la rec ido - co nsc ien te - , n a m en te po pu la r, 0 que a m en te popu la r ta la quo -
tid ianam en te , sem da r p or isso A o ra lidade deba tida e a m e lh o r a pre nd iz ag em
pa ra a accao
D e tod as as frases do P au lo a te ago ra invo cadas no texto , es ta fo i a m elho r,
a m ais pedagog ics p ara no s, pa ra o s a lfabe tizados do m undo A eo ;;:ao en ten -
de r 0 fun e ion am en to da te rra , qu e e v is ta e traba lhad a pe lo co stum e, m ais do
que pelo hab ito de d eb a te r
o hab ito fo i d u ran te secu lo s fazer sem deba te r, fazer po r ve r, e 0 que nao
se e xp lie a n ao fic a e on sc ie nte
o d eb ate fo rm a a c on sc ie nc ia
In fe lizm en te e ssa con sc ienc ia nao esta em vos , acrescen tava 0 P au lo , n em
no m etoda teo rico E is to , p o r causa d a fo rm a pela qua l a s vo ssos pa is eosseu s am igos vo s re fre iam a espon tane id ade e as in ic ia tivas E 0 que e prec i so
ap rend er pa ra depo is re la tiv izar E 0 re la tiv ism o para vos e ouv ir , ver e ca la r
N un ca ve r, ou vir, ca la r , sen tir , p ensar , ag ir - po rq ue 0 h ab ito vo s trava . A cien -
c ia n ao m ob iliza n ingu ern , nao e band eira de lu ta , m as , sim , do vosso lu to pe la
pe rd a do s afec to s, do lu to ru ra l e popu la r pe la p erda do sabe r rep rodu tivo
E assim fo i q ue fo rn os sepa rand o 0 no sso ideario soc ia l d o popu la r 0 id ea-
rio popu la r nao era soc ia l, n em pod ia te r e sse luxo de p artilh a r, c apaz de d eses-
tabi l izar 0 trab alho ca rid osam en te perm itid o pe lo pa trao E ra a ltam en te in div i-
d ua l, p ara p od er estra teg izar co m po rtam e nto s co m n ovo s rec urso s, a se re rn u sa-
dos em silenc io , ou no silenc io do s la res , pa ra g anha r, a traves d e um a m aio r
p roducao , a favo r do senho r E ste era u rn p rocesso a lta rn en te genea log ico , d a
m em oria do qu e o s pa is e os avo s tinh am , p ara tran sm itir ou tra vez
Em grande silenc io , ap rend iam os a v iver com eles , e a fazer um a lis ta dos
tem as consc ien te s n as pa lavras , e dos n ao consc ien te s no ag ir , p ara d epo is
d eb ate r. P rim e ir o, c om 0 Pau lo enos ; depo is , com os g rupo s qu e estu davam os
Isto qu ando eu ap rend i qu e es tu da -lo s e ra ouvi-lo s sem com anda r E deb ater
d ep ots d e o bs erv ar, o uv ir , c ala r, se ntir, p en sa r, d eb ate r, a gir
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t 1 . lCA{: ,{O
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4 ..o deba te
E ra se m pre 0 re su ltado da corre lacao en tre a genea log ia do s ind iv iduo s e
do que tinha acon tec ido no tem po dos seu s an tepassados
N ao era su fic ien te traca r 0 genog ram a, esc revendo para cada geracao de
pesso as os aco ntecim en to s h is to rico s re levan tes qu e fo rm aram 0 con tex to d a
v id a da p esso a o u pesso as co nh ecidas
N ao era su fic ien te tam bem traca r o s genog ram as do s prop rie ta rie s d as
in diis tria s o u la tifiin dio s, p ara fa ze r c om p ara ra co es d e g en ealo gia s e m g en og ra -
m as co ntextu alizad os, sem os co m en ta r P orq ue 0 c ome n ta ri o d o a lf ab e ti za d or ,
do investig ador , do p ro fesso r d as esco las ou g rupo s de deb a tes o rg an izado s
pe lo P ais fo ra (P au lo no B rasil, n a Tanzan ia , no C hile ; eu no C hile , na E scoc ia ,
n a Franca, em E span ha , n a G aliza , n a In gla terra e em P ortug al esp ec ia lm en te ),
n ao era fo rn en ta r ra iva nem od io , n em desrespeito pa r s l e p e lo s ou tro s Isso
e ra a lga irnpo ssive l d e gem em pessoas que tinham um a h ie ra rqu ia v in eada de
em o coes e d e estra to s so cia is , am o r ao s p ro gen ito res e am ar ao s descen den tes ,
em ocao que era a m etafo ra do pao , d a roupa , d a pro teccao .
P ao , roupa e segu ranca que estavam adstr ito s ao p rop rie ta rio do s ben s
pe las p rop rias p essoas cu ja m em oria ind iv idua l rep roduzia a H isto ria ouv id a
aos avo s, qu e co ntavam 0 que o s seus avos j a tin ham d ito
D ezenas de ano s de fae to s rep roduzido s iguais , sem pre com um senho r no
poder S enho r que sab ia iso la r-se e igno ra r a v isao e ouvido s do povo Senhar
que era tem ido , e po r isso am ado , pa ra que a sua m ao nao Fosse ba te r no s
pob res , que ficavam sem roupa E dos senho res s6 era bom fa la r p a ra o s des-
m istific ar, n a m e did a q ue 0 deb ate com para tive m ostrava de quem era a van ta -
g em , qua l e ra e de quem era a perda
Ensina r ra iva nao 56 nao era po ssive l, m as tam bem nao era p recise H avia
j a ra iva h is to rica n as p essoas con tra s i p ro pria s , co ntra o s m ais p rox im o s, h is to -
lia s que nao queriam en tender U m a au senc ia de id en tid ade en tre 0 mo tiv o d a
ra iva e a re lacao ou in te raccao que a cau sava
A prend i que s6 as c riancas e ra rn capazes de d ize r quem era 0 cu lpado da
rn ise ria , quando b rin cavam E ap rend i que a festa , 0 ca rn aval, a p ro c issao , a
ritu al in te ra ctiv o p erm i tia a s p es so as d es ab af ar er n e d efin ir 0 perfil d e quem faz
de dono , e no que e que faz A prend i-o de Pau lo , que sem pre m o d isse
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SOCIEDADE & CUl TURA S
5. A s mulheres
Eram as m ais espon taneas Falavam sem m edir as pa lavras 0 seu esta tu to
de seres in ferio res , a ssum ido cedo na v ida, de se res do pecado , do dem onic ,
do m undo e da carne , a fac to de se rem bruxas, que necessitavam de se r bati-
das e m an tidas a d istanc ia - excep to para p roc ria r sem dese jo com a m ulher
sacram en tal e pa ra apagar 0 desejo com a am ante e a prostitu ta - con fo rm e
defendia 0 C oncilio de Tren to do Secu lo XVI, que tinha escara funchado nas
m e nte s c at6 lic as c olo niz ad ora s e c olo niz ad asM u lheres situ adas con jun tu ra lm en te nu ma situ acao p rivileg iada para fa lar
m al dos ou tros , pa ra os rnexerico s, p ara as conversas de ana lise do perfil do s
do nos, p ara transfe rir a inforrnacao A prendem os cedo que estas eram as pes-
soas que sab iam qua is as m en tira s ou verdades , m as este saber vinha-lh es po r
en tenderem con tex tos observados sem pre pelo lade de fo ra
M ais de m il senhoras andaram nos curses que , com a m etodo log ia
criad a, o rg an izam os du ran te a epoca em que estive no Ch ile , no tem po de
Al lende
L a iam elas, a s sessoes da nossa E sco la C am ponesa , o rgan izada no campus
ru ra l d a nossa U nivers idad e C at61 ica d o C hile ; e , o rgu lhosas de serem u niversi-
tarias , co locavam a tiara academ ics com o um a alg em a A lgem a que as Iazia
fa la r. D eb atfam os co m elas 0 co nce ito trab alh o e 0 c on ce ito ig ua ld ad e p era nte
o sexo m ascu lino
D e trabalho , n em queriam dizer, filar po rque era m uito pesado Quan to
aos seres m ascu linos , e ra rn ton tos po rque nem reparavam que elas m andavam
e eles ca lavam : a com ida era com elas: as criancas c riadas po r e las ; 0 t rabalho
a fazer aceite por e las
A vertigem que em 1973 m e levou ou tra vez fo ra do Ch ile queim ou os
m eus reg is tos e os qu ilom etro s de fita que , com Blanca Iturra e N ilsa Tap ia , a s
m inhas assis ten tes , fizem os M as ficou a m em oria que m e perm ite esc rever
esta s linhas. E ssa m em 6ria sin te tiza -se no d ito ; e na lem branca das rnu lhe res a
d izer: -O ica la , D on Rau l, nao fale m ais , que ja nem quem volta r a casa H aja
D eus, pa ra que as paredes exp ludam e tudo venha ao chao !".
E de do is m aridos que um dia m e d isserarn : -Entao, 0 senhor e 0 professor
d a m inha m ulher? M al ra io0
parta l A n tes , era eu a m andar, agora tenho que
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SOCIEDADE & CUi I URAS
c o ns ulta -la p a ra tude- Enquanto 0 ou tr o a c re sc en tav a: -Ainda bern , D on Rau l,ja nao sou 56 eu a ter que pensar em tudo-
o P au lo tin ha-m e en sin ad o a b ase ; a p esq uisa m ateria lizo u-m e as id eia s
o te rra m oto so cia l q ue 0 neo lib era lism o lancou no C hile a 11 de Setem bro
de 197.3 acabou com a experienc ia de dois anos Quer P au lo Fre ire quer eu
tivem os que sa ir . Fom os deitados fo ra : de po r ser e strangeiro , eu po r ser ch i-
len o es tran geira do , co nh eced or d e id eias, rn uito g rad uad o, tra id or d e c lasse , d a
m i nh a c la ss e
D eitado fora pe lo Pa i, pe la jun ta d ita to ria l, p e las esp inga rdas que iam fuzi-
la r as ide ias que m udam 0 m undo, ao fuzila rem as pessoas C onsegu im os
fug ir: Pau lo pela Em baixada Sueca ; eu pelo g rande P ai que tive , Jack Goody,
e 0 m eu refo rrnado B ispo C arlo s Gonzalez, esse que ia de p re to vis ita r as
populacoes
N asceu -m e um a filha , a filh a do s im bo lo da vida renovada , co rnpanheira
d es te c on tin ua do e xilic
M u lheres nossas, que to rnararn con ta de nos
6 " Os homens
Iirn idos M uito tirn idos P ara esconder a frag ilid ade usavam tres co isas : 0
s ilenc io no Iar; a b ebedeira com os am igos e a p rocu ra de ou tras m ulhe res nao
vincu ladas a des pe lo ritu a l, p e la le i ou pela m atern idade
A te que Ihes nasc ia u rn m ho de ou tra m ulher E passavam a alirnen ta-lo ,
co m a o utra m ulh er, a leg itim a, d isso co nsc ie nte Iimidos
M as tim idos apenas Po rque cedo estavam ja a traba lhar a ho rta da casa ,
para depo is irem traba lhar a te rra dos senho res e a segu ir a te rra com un ita ria
ou a co lec tiva com o e pr6p ria do u rn inqu ilin e
Ven tu ra tinha po r hab ito sa ir de m anha ate a no ite , a regar, la em
Huilqu ilem u , no s itio onde ficavam as - ago ra suas - te rras , enquan to
M argarida , a sua m u lher, p reparava a com ida do d ia e tra tava dos an im a is
domes t i cos
A m inha vida com des ens inou -m e a traba lha r conce ito s ru ra is , da fo rm a
que 0P au lo tin ha d efin ido n as n ossa co nversas
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SOCIEDADE & CUlIURAS
E ensinaram a ler 0 tex to q ue 0 q u otid ia no te cia
Fo i e ssa amizade que naseeu de m orar em casa deles, no Hu ilqu ilem u de
Ialca, Vale C entra l do C hile , que m e fez im ped i-Io s de realizarern os seus p Ia-
nos: fa rto s de nao poderern te r nas suas vidas 0 uso da teenolog ia para 0 t raba-
lh o p ro d utiv o das terras, iam , M argarida - gu iando 0 seu hom em Ventu ra - e
este , com os ou tros todos, devo lver ao E stado as te rras exp ropriadas ao senhor
Sorte tive em saber, en tender a desventura dos que viviam com o proprietaries-
-p roduto res e , usando as suas palavras simples, pedir para nao irem
Voltaram E eu pereeb i, com alegria, qu e tinh a a pren did o, tin ha co la bo rad o
desta fo rm a, a nao a ce ita r q u e um a derro ta p op ular se tom asse pu blica
o que m e esqueci nesse dia fo i 0 que 0 Paulo t inha dito m il vezes: 0
poder po litico esta na ap rec iacao do povo e nao na estru tura do poder Isto
embora 0 poder tivesse arm as e a conjun tura do tem po , in im igos com arm as
m elhores Porque 0 poder era constitu ido par ideo log ias sem experienc ia dos
fa cto s In tim o s d as c on sc ie nc ia s pragmaticas do quo tid iano Lem bre i-m e d isto e
escrevi 0 artigo - rna is u rn - gue a nossa Revista Chi le Hoy, com a M arta
Honnecker, pub licou : "A Reforrna A graria , um a m ed ida im possivel: a grevedos "conchenchos'<
Os hom ens tim idos tinham a [o rca para defender o s seus in te resses
N a p nsa o, V en tu ra d isse -m e:lsto e assim , porgue D eus esta zangado par
n os re vo lta rm o s co ntra 0 pat rao, 0 seu represen tan te-, e eu , tim ido de m edo,
ped i para e le ca la r, indo contra as ideias do Paulo : nunca abd icar de ensinar
com as fae tas A g ir
M as ag ir sem debate? A con juntu ra tinha m udado
Ventu ra viveu a m atar a fam e
E u escrevo hoje, 25 anos depo is
D esde as trin ta e tres anos que sou ou tro , sem m ais ra iz do que este texto
P au lo v olto u a su a te rra , p ara 0 B rasil, e fico u p ara a H isto ria
O s hom ens, fracos Som os todos fracos quando hi outro que m anda
Os m eus hom ens eram fracas an tes, du ran te , depois
Fraqueza, fru to da fa lta de en tender 0 debate , do peso da cultu ra , da fa lta
de estru tu ra po litica que acom panhe ou tra frase do Paulo Fre ire .
4 I nt erm ed ia ri es d os p ro d ut os a gr ic ol as
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SOcIEDADE & CULIURAS
U m oprim ido que fez pedagog ia , com o d igo no m eu com en ta rio m ais ii
frente.
Oprim ido , po rgue esteve exilado duas, ou m ais vezes e po rque a seu con -
texto op rirn ia a seu esp irito . um a fam ilia toda a sen tir sau dades da P atria
U rn op rim ido que fez ped agog ia , en tendendo a seu con tex to de rivado de
ou tro con texto , e co rnp reensao de si p rop rio e dos O urIOS
A su a m eto do lo gia e - viva com o es ta na sua ob ra - re tira r um a pa iavracen tra l do vocab u lario usado no quo tid iano , para to rna-la exp lic ita n a cons-
c ien cia h is to ric a da pessoa e dos seus pares
U ma pedagog ia de exp lic ita r a que es ta consc ien te , m as sem palav ra para
en tender 0 que se d iz. rem a ver com a p sicana iise , com o fo i exp resso pa r e le
p ro prio , s erv in do -se d ela c om o mode lo :
Freud tirava d os son hos e das pa lavras as rem in escen cia s que tinham ficado
g ua rd ad as n o in co ns cie nte
Fre ire re tirava a pa lav ra e a con textu alidade da H isto ria e d a experienc ia : apedagog ia de to rnar consc ien tes o s fac to s , qu e se ja rn dados para quem os
produz
P ara e sta m e to d olo g ia , e p re cise sa be r H is to ria , E co nom ia , C ie nc ia P olitic a,
A n tro p olo gia , C ie nc ia d a E d uc ac ao , S o cio lo g ia
C om o Fil6so fo e A nnopo logo , Fre ire u sou a teo ria para con stru ir , jun to com
a sua equ ipa , sem inaries de d eba te . D ebate que e le o rien tava , enquan to de i-
xava fa la r o s qu e viviam no cam po , ob servando sem in terv ir
N ao e so a su a ob ra em livro s a im po rtan te a seu traba lho , o b servado e
partic ipado par tan to s de nos, que e a m elho r texto que dele li
P au lo Fre ire tinha a capac idade de vira r p ara den tro da consc ien c ia da pes-
soa a ques tao que a pessoa co locava
Com o se eu pe rgun tasse : ·0 que e 0 povoz- e P au lo re sp on de ria : -Qual e 0
povo qu e tu conhecesr- E ntao eu com ecaria a h ie ra rqu izar exp erienc ias a linha -
da s no seu saber e tno cen trico , e P au lo a desa linha-las com com paracoes re tira -
das d a sua p rop ria exp erienc ia A te que 0 c on ce ito fic av a a rru m ad o c on fo rm e
a saber d e quem pergun tou
U ma pedagog ia do ap r im ido , ap rend ida no seu convivio com as hab itan -
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SOC IEDADE & CU l IU RAS
tes das fave las de Sao Paulo , B rasil; e da m ultip licidade de estudantes de
diversas cu ltu ras do m undo , que lhe confidenc iavam as suas em ocoes juvenis,
irracionais
8..As ideias
As ide ias que exp rim o no texto sao 0 m ais puro da m inha m em oria
A nos volvidos, nao tem sido facil, para m im , separar P au lo Freire de M eyerFo rtes, de Jack Goody, os m eus m estres E deles que eu proprio tenho desen-
volvido - a partir dessas ped ras - 0 meu traba lho pessoa l Ian to que nem con -
s ig o d is tin gu ir 0 m eu trabalho do deles, os m eus m estres, esses que rnoram no
altar dos m eus ancestra is e que t ransmito no trabalho com as m inhas equ ipas
de d iv er so s s iti os do m undo
o terramoto soc ia l de 1973 , no Pais denom inado C hile , afastou-nos para
sempre
Picamos a saber um do OU tIO ,m as nunca ma is tiv ern os0
prazer de nos verFaz um ano, enquan to reestudava , 25 anos depois, um a aldeia galega, avi-
sam -m e da sua m orte
Escrevi um obituario
E ra um 1Q de M aio de 1997 0 d ia ju sto para morrer, esse hom em que
lutou, ep iste mo lo gic am en te , p elo s trab alh ad ore s, p ara d ar ideias aos que lu ta-
yam p olitica m en te p or eles.
Bstranho , m as enquanto escrevo a lernb ranca do que com ele ap rendi,
reco rdo -m e da Ieo log ia da Libertacao E ssa m esm a teo log ia que apl icarnos no
Ch ile de A llende - quando Ii estive -, no m ovim ento C ristaos para a
Social i smo E que , retornado a Europa , tenho fa lado aos cristaos de ca, e que
m e permit iu trazer as cen tenas de ch ile n os que 0 P r ime ir o M in is tr o Britanico
dos anos 70 (J C allaghan ) m e pedira para in screver num a lista Quer P au lo
Fre ire q ue r eu p erte nc em o s a cultu ra de am ar-se a si proprio para am ar 0 pro-
x im o , e ssa cu ltu ra c rista a q ua l, n o O cid en te , to do s p erten cem o s
Foi d ai que P au lo Freire retirou 0 seu m aterial m ais pr imar io, p ar a c on str uir
a sua o b ra te oric a, em pro l do soc ia lism o
A s ide ias estao vivas em nos e em rnilhares de pessoas que fabricaram 0
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SOCIEDADE & CUL I URAS
seu p rop rio tex to m en tal a partir da ·5 ila bd rio p am A l fa be tiza », q ue e sc re ve u
no inicio do seu trabalho, no Brasil do s ano s 60
Quan tas , ho je em d ia , n em sab em ° que ap renderam com Pau lo Fre ire ,
que en trou na Historia p ela po rta la rg a e g ran de, e sg ota da p OI ta nta procura de
ta nta p ess oa
P au lo F reire foi-se ernbora, esgotado par tan ta p rocura de tan ta pessoa ,
essa admiracao que mara
E ss a a dm ira ca o que mata para en te rra r a sem en te que floresce F reire , a
raiz alern do conee ito la tin a de Iib e rd ade que 0 fez trabalhar tam bem no
P ortu ga l d e A b ril
P a rede, 25 de A bril de 1998
Correspondencia Ratil Iturra, tnstuuto Superior de Ciencias e do Trabalbo e
da Empresa, Auenida das Forcas Armadas, 7600 Lisboa
e-mail [AUTARO@mail telepac pt
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E ainda , a ob ra de P au lo Fre ire