A Palavra Pintada
Transcript of A Palavra Pintada
-
8/16/2019 A Palavra Pintada
1/59
TOM WOLF
Palavra
Pintada
Tradução
e
Lia lverg
a
yl
er
-
8/16/2019 A Palavra Pintada
2/59
Título original: The Painted Word
ISBN - 85-254-0140.4
(ISBN - 0.374-22878-7)
capa
Caules
revisão:
Suely Bastos, Manfredo Rotermund, Maria Clara Frantz .
W853p Wolfe, Tom
A palavra pintada Tom Wolfe; tradução de Lia Alverga
Wyler. - Porto Alegre: L PM , 1987.
120
p.
: il.; 21cm.
I. Artes plásticas - Estados Unidos - Pe r
íodo
contem
porâneo. I. Título.
CDD 735.2973
CDU 73(73) 19
Catalogação elaborada por Izabel A. Merlo, CRB 10/329.
Copyright © Tom W
ol
fe, 1975.
Nã
o é permitida a reprodução total ou parcial desta obra sem prévia auto
r l 7 , t ~ ç ã o da Editora.
lntlos os direitos desta edição reservados
à
L PM Editores S/
A.
l
-
8/16/2019 A Palavra Pintada
3/59
APALAVRA PINTADA
Mais uma correnteza cor-de-caldo-de-mariscos
começara a me envolver, tão morna e predizível
quanto
a
corrente
do
Golfo
..
uma
crítica
do
decano
das artes do Times,
Hilton
Kramer, sobre uma
expo
sição de
"Sete Realistas"
na Yale University,
sete
pintores
realistas ..
quando
fui
abruptamente sacudi-
do pela seguinte afirmação:
"O
realismo
não carece de adeptos, mas carece,
visivelmente, de
uma
t
eoria convincente.
E
dada
a
natureza
do nosso intercâmbio intelectua
l
com
as
obras de arte, carecer de uma
t
eoria convincente
é
carece
r de algo crucial - o
meio
pelo qual
a
noss a
exper
i
ência
de obras individuais
se
soma
à nossa
compreensão
dos
valores
que
elas
simbolizam".
Ora, você
pode
dize
r,
Meu Deus,
homem
Foi
isso
que
o sacudiu? Você renunciou
ao seu coma
beatífico por
causa de
uma
simpl
es marola
num
oceano de palavras?
Mas
eu
sabia o
que tinha diante dos
olhos.
Percebi
qu
e, sem fazer o
menor
esforço,
me deparava
com uma daquelas afirmações
pela
qual os
psicanalis
tas
e
os funcionários do
D
epartamento de Estado
,
que monitoram
a
impr
ensa de Moscou e
de
Belgrado,
estã
o
dispostos
a
suportar uma
vida
inteira
de
tédio:
ou
seja, a
obiter dieta
aparentemente
inócua, as
palavras
ditas casualmente que
entregam
todo
o
jogo.
O
que
via
diante
de mim
era
o
crítico-chefe do
The New
York
Times
dizendo:
na
observação
de
uma
pintura, hoj e,
"carecer
de
uma
t
eo
ria convin-
6
A p l vr pintada
cente
é
carecer
de algo crucial". Tornei a ler. Não
dizia é
"algo
desej.ável" ou "que
enri
quece"
ou
mesmo "
extremament
e
valioso"
. Não, a palavra e
ra
crucial.
Em
suma: francam
e
nte, nos
dias
que correm,
sem
uma
teoria
para
endossá-la,
é
impossível
ver
uma pintura.
Ali e
então,
tive
um
vislumbre
conhecido como
fenômeno ha
E a vida
oculta da
arte
contemporâ
nea
se revelou a
mim
pela
primeira
vez. As
brumas
se
dispersaram
As
nuven
s passaram Os argueiros , as
esca
mas,
a
vermelhidão
da
con
juntiva, as
agonias do
Murine
de
sa
par
ece
ram
Todos
esses
anos, eu e,
sem dúvida, i
ncontáveis
almas
afins,
nos
dirigimos às
ga
lerias de
Upper
Madi
son e Lower
Soho
e à Art
Gilda
Midway na rua
Cinqüenta
e Sete, aos
museus
Modem
Art, Whitney
,
Guggenhe
im, Bastard Bauhaus, New Brutalist,
Foun
tainhead
Baroqu
e, às mais despretensiosas
igrejas e
aos magníficos templos do Modernismo
.
Todos
esses
anos eu,
e
tantos outros, paramos diante
de mil, dois
mil, Deus-sabe-q
uanto
s
milhares
de
Pollocks, De
Koonings, Newmans,
Nolands
,
Rothkos, Rauschen
bergs,
Judd
s,
Johnses
, Olitskis, Louises, Stills,
Fran
z
Klines,
Frankenthalers,
Kellys e
Frank
Stellas,
ora
apertando
os olhos,
ora
arregalando-os,
ora nos
afas
tando, ora
nos
aproximando
-
esperando, esperan
do
, s
emp
re esperando
. .
ele .. ele entrar
em
fo
co,
ou
Marca de colírio vend ido nos Estados Unidos. (N. d T.)
7
-
8/16/2019 A Palavra Pintada
4/59
A PALAVRA PINTADA
seja, esperando o prêmio visual
(por tanto
esforço)
que devia estar ali, que todos (tout
e
monde sabia_m
estar ali - esperando que algo se irradiasse direta
mente das pinturas presas ãquelas paredes invariavel
mente alvíssimas, naquela sala, naquele momento,
para o meu quiasma ótico. Todos esses anos, em
suma, eu presumira que em arte, ao menos, ver é
crer. Ora omo fui míope Agora, finalmente, em
28 de abril de 1974, era capaz de ver. Entende ra a
frase ãs avessas o
tempo
todo. Não era "ver é crer",
seu bobalhão, mas "crer
é
ver", pois a Arte Moderna
se tornou inteiramente literária:
as pinturas e outras
ob
ra
s só existem para ilustrar o texto.
Como todas as revelações súbitas, esta
me
dei
xou aturdido. Como
pode
ria ser isso? Como poderia
a Arte Moderna ser literária? Todo estudan te de
história da arte aprende que o movimento modernis
ta
co
meçou,
por
volta de 1900, com total rejeição da
natureza literária da arte acadêmica, ou seja, do t ipo
de arte realista que se o
ri
ginou na Renascença e que
as várias academ ias nacionais ainda acatavam como a
última palavra.
Literário
tornou-se a palavra-chave para
tudo
que parecia irremediavelmente retrógrado na
Arte
Realista. provável que originalmente se referisse
ao gosto dos pintores do século X
IX
pela pintura de
cenas t iradas diretame
nte
da lit eratura, como por
exemplo a interpretação de Sir John Everett Millais
da noiva de Hamlet, Ofélia, flutuando morta (de
8
Kunstmuseum, em Berna. Coleção Hermann e Margrit Rupf.
Maisons a / Estaque (Casas em Estaque), de Georges Braque,
1908. Nro
sa o
bem casas, explicou Braque ; mas um certo
arranjo
de
cores e formas numa tela. ( Cubinhos'', disse
Matisse
ao
crítico Louis Vauxcelles, que denominou o novo
estilo de Braque Cubismo , considerando o termo um acha
do.) A Teoria começa aqui.
9
-
8/16/2019 A Palavra Pintada
5/59
A PALAVRA
PINTADA
costas), com um
ramo
de flores silvestres nas mãos
hirtas. Com o passar do
tempo
, literário passou a
definir a pintura realista em geral. A idéia era que
metad
e da força da pintura realista não advém do
artista
mas
dos sentimentos que o observador trans
porta para
a tela,
como uma
bagagem
mental. De
acordo
com esta teoria, a apreciação do
público que
freqüenta
museus, digamos,
por Le Semeur
(O
Semeador), de Jean
Fran
çois Millet,
pouco tem
a ver
com o
talento
de Millet,
ma
s
tem tudo
a ver
com as
id
éias
sentimentais
das
pessoas sobre
O obusto
Fazendeiro. Elas inventam
uma
historinha sob re .o
personagem.
Qual era o
oposto
da
pintura
literária? Ora, l'art
pour /'art,
a forma
pe
la
forma
, a cor pela cor. Na
Europa, antes de 1914,
os
artistas inventavam estilos
modernos
com fanática energia - Fauvismo, Futuris-
mo, Cubismo, Expressionismo, Orfismo, Suprematis
mo,
Vorti
cismo - mas
todos
partilhavam a mesma
premissa: doravante, ninguém pinta
sobre
alguma
coisa, querida tia", eu diria,
me apropriando da
legenda
de
uma famosa
caricatura na Punch. Pinta-se
simplesmente. A arte deve deixar de ser
um
espelho
que reflete o
homem ou
a
natur
ez
a.
Uma
pintura
deve for çar o observa
dor
a vê-la pelo
que é:
um
determinado
arranjo
de cores
e formas
numa
tela.
Os
artistas se
empenha
ram com energia na
tarefa
de teorizar.
Na ve
rdade, até gostaram dela. Georges
Braque, o pintor cuja
obra cunhou
a palavra Cubis
mo,
era
um grande formulador de p receitos:
10
palavra
pint d
O
pintor pensa
em
formas e cores. O objetivo
não é reconstituir um fato anedótico, mas constituir
um fato pictórico".
Hoje, essa idéia, esse protesto - pois era um
prot
es
to
quando
Br
aque
o disse -
torn
ou-se
uma
afirmação
ortodoxa.
Os artistas a repetem infinita
mente
, com convicção.
Quando
o
movimento de
Arte Minimalista foi reconhecido, em 1966,
Frank
Stella
tornava
a repeti-la.
"Minha pintura baseia-se no
fat
o
de que apenas
o
que
se
pode
ver nela está nela. na realid
ade
um
objeto
.. O
que
se
vê
é o
que
se vê".
Tanta
ênfase,
tanta
certeza Que pressão -
que
devoção uma idéia
pode
gerar em setenta e cinco
anos De qualquer
modo
, foi assim que
começou
a
Arte Moderna na Teoria da Arte. Braque
como
Frank
Stella, adorava teorizar; mas para Braque,
que
era
um
boêmio de
Montmartr
e
do
tipo primitivo, a
ar t
e vinha em primeiro lugar. Pode estar certo de
que
o
coitado
jamais
sonhou
que, no curso
de
sua exis
tência, essa ordem seria invertida.
11
-
8/16/2019 A Palavra Pintada
6/59
d nç p che
-
8/16/2019 A Palavra Pintada
7/59
T
dos
os principais movimentos modernos
à
exceção do Stijl Dadaísmo Construtivismo e
Surrealismo começaram antes da Primeira Guerra
Mundial e no
entanto
parecem
ter
surgido na déca
da de 20. Por quê?
Porqu
e foi na década de 20 que a
Arte Moderna se tornou socialmente chique em Paris
Londres Berlim e Nova Iorque. As pessoas elegantes
conversavam e escreviam sobre ela entusiasmavam-se
com ela e se inspiravam nela. Como digo se inspira
vam nela; a Arte Moderna obteve a definit iva aceita
ção social: os decoradores de interiores a copiavam
em Belgrávia e no 16eme arrondissement.
Especialistas em imitações dinheiro pu blicida
de grã-finos e e
hie
não devem ser levados em
conta
na histór ia da arte todos sabemos disso -
mas graças aos próprios artist as eles são. t u l m
S
-
8/16/2019 A Palavra Pintada
8/59
APALAVRA PINTADA
te a arte e a moda são um monstro de duas faces; os
artistas podem bradar
contra
a moda,
mas
não po
dem se distanciar dela. E a coisa se passou assim:
Por volta de 1900 o cenário do artista - o
espaço em que ele busca a honra, a glória, o confor-
to
, o Sucesso - mudara du
as
vezes. Na Europa do
século XVII o artista era, literal e psicologicamente,
o hóspede da aristocrac
ia
e da corte real (exceto na
Holanda); belas-artes e arte palaciana eram uma coisa
só. No século XVIII o cenário transportou-se para os
salons nas casas da burguesia abastada e da no breza
onde os membros da elit e social
am
antes da Cultuta
se reuniam regularmente com artistas e escritores
se
letos. O artista ainda era o Cavalheiro e não o
Gênio. Depois da Revolução Francesa,
os
artistas
começaram a abandonar os
sa/ons
e a se filia r aos
cénac/es
que eram fraternidades de almas af
ins
que
se reuniam em algum lugar como o Café Guerbois
ao invés de fazê-lo numa casa de cidade; em torno de
alguma figura romântica, de um artista, e não de um
grã-fino, alguém como
Victor
Hugo, Charles Nodier,
Théophile Gautier, ou, mais tarde, Edouard Manet.
O que mant inha os cénacles coesos era aquele alegre
esp írito de luta que
todos
chegamos a conhecer e a
amar: épat
z l
bourgeoisie choquem a classe média.
Principalmente com o cénacle de Gautier ... seus
coletes vermelhos, echarpes n
eg
ras, chapéus doidos,
pr
onunciamentos extravagantes, sedes exage
ra
das e
apetites vorazes... o retrato moderno do Artista
começou a se delinear : o espírito pob re porém livre,
16
d nç
p che
o plebeu que aspira a não pertencer a classe alguma,
a se libe
rtar
para sempre das peias da burguesia ambi
ciosa e hipócrita, a ser o que burgueses obesos mais
temiam, a ultrapassar quaisquer limites
qu
e estes
estabelecessem, a
olha
r o mundo de uma forma que
eles não conseguissem ver andar alto, viver
mo
desta
men
te, ma
nt
er-se sempre jovem - em suma, ser o
boêmio.
Por volta de 1900 e da era de Picasso, Braque
Cia., o jogo moderno do Sucesso na Arte estava
bem definido. Como pintor ou escultor o artista
produziria obras que intrigassem ou subvertessem a
confortável visão burguesa da realidade. Como indi
víduo - bem, isso já era mais complicado. Boêmio, o
a
rt i
st a agora deixava
os
salons da elite social - mas
não deixa
va
o
mundo
dela. Para fugir da burguesia,
nada melhor do que
ju
ntar as tintas e a palheta e
rumar para o Taiti, ou a Bretanha, que foi a primeira
parada de Gauguin. Mas, quem mais chegou ã Breta
nha? Ninguém. Os outros não foram além das
co
linas
de Montmartre e Montparnasse que ficam onde? -
ta lvez a uns três
quilômet
r
os
dos Champs Elysées. O
mesmo
ocorre nos Estad
os
Unidos: acredite, pode-se
conseguir todos os t
ubos
de
tinta
Winsort Newton
que se quiser em Cincinnati, mas os artistas conti
nuam mesmo assim a migrar para Nova Iorque ..
Pode-se vê-los seis dias por semana .. acabando de
sa ltar do ônibus do aeroporto de Carey, para se
enfileirar diante do escritório de imóveis da rua
Broome, vestindo jeans idênticos, botas de borracha
17
-
8/16/2019 A Palavra Pintada
9/59
APALA
VRA PINTADA
e
jaq
ue
ta
s acolcho
ad
as ..
â procura
é claro
da
inevi
tável água-furtada ..
Não por alguma
razão
o artista queria fica r a
uma
distância que pudesse
cobrir
a pé .. Instalava-se
logo ali
na
esquina pe r to
de
..
e
monde a esfera
social
tão
bem descrita
por
Balzac o
ambiente
daque
les que consid
eram importante
estar na moda
a órbita
daqu
eles
aristocratas
burgueses
ricos
edi to
res escritores
jorna
lis
tas
empresários
atores, que
querem estar onde acon
t ecem as coisas o mundo
glamo
ur
oso em
bora
exígUo daquela inv
enção da
metrópole
do
século X
IX t ut le monde. T0do
Mundo, como
n frase Todo
mundo
diz .. O
mu
nd
o elegante
nu
ma palavra ..
elegante , com
as
suas
nuan
ças de cu
ltur
a e
cin
ismo.
O artista ambicioso o artista
qu
e
almejava
o
Sucesso agora
tinha
que se dividir psicologicament e.
Cons
cient
emente devia se dedicar aos valores anti
burgueses dos cénacles quaisquer
qu
e fossem â
boêmia,
à vida de Bl
oo
msbur
y,
â vida
da margem
esquerda do Sena à vida
das
águas-fur
tadas de
Lo
wer Br
oadway,
à sordidez sagrada que isso tu do
representava, à silhueta negra e lúgubre
da
rota de
cam
inhões
de Lower M
anhattan
que à
ho
ra
que
a
pessoa se levanta
para
tomar café já
depositou
un s
t rês milím et
ros de
fuligem nos cadáveres das bar
atas
que
mo rr
er
am en
ve
nen
adas sobre
a
chapa
de fogarei
ro
elét rico... E
nã
o parava
aí, tinha que
se
dedicar
ao
cap
ri
ch
oso
deus Avant
-Gar
de. Tinha que manter
um
ol
ho
reverente
e
atento no
fio
da
lâmina
na po
n
ta
de
8
Acabando de
saltar do
ônibus
do
aeroporto
de
Carey
à
procura de águas-fu rtadas.
19
-
8/16/2019 A Palavra Pintada
10/59
A PALAVRA PINTADA
lança da mais recente investida da revolução vanguar
dista do século neste outono .. tudo isso para chegar
lá, para ser notado, para ser considerado na comuni
dade dos próprios artistas. E mais, tinha que ser
sincero nos seus esforços. Ao mesmo tempo, tinha
que manter o ou tro olho alerta para ver se alguém
em le monde estava observando. Será que já repara
ram em
mim
?
Será que ao menos já repararam no
novo
es
tilo
(em que eu e meus amigos estamos
trabalhando)? Será que nem ao menos
conhecem
o
Tensionismo
(ou Arte-Fatiada ou Niho ou Interioris
mo
ou Dimensionalismo ou que seja)? (Ei, vo·cês
aí)
.. porque, como
todo
artista sabia
no
recôndito
do ín
timo, não importava quantas vezes procurasse
fech
ar
os olhos e fingir que
não
era assim
(História
História - onde
es
tá o seu bálsamo?) o Su cesso só
era real
quando
era um sucesso em t e monde.
Ele podia fechar os olhos e ten tar acreditar que
o que importava era que ele sabia que seu
tra
baJho
era maravilhoso .. e que
os outros
artistas o
re
speita
va
m... e que, sem dúvida, a História registraria as
suas realizações .. mas, bem no fundo , ele sabia que
estava
m e n t
para si mesmo.
Quero ser
um
No
m
e
diab
os
-
ao menos isso, um nome, um nome
na boca dos curadores de museus, donos de galerias,
colecionadores, patronos, membros de conselhos,
membros de comitês, anfitriãs da cultura, seu séqui
to de intelectuais e jornalistas e as suas Time e
Newsweek - tudo bem -
até
isso - a Time e a
Newsweek - Ah, sim (pergunte às sombras de
20
A dança
apache
J
ac
kson Pollock e Mark Rothko ) - até
os
malditos
jornalistas
Na década de 60 , todo esse processo pelo qual /e
monde, os culturati, faziam o reconhecimento da
boémia e descobriam o jovem artista para o Sucesso
funcionava da forma mais gráfica possível. No início
de cada primavera, dois emissários do Museum of
Modern Art, Alfred Barr e Dorothy Miller, saíam do
museu em direção à rua Cinqüenta e Três Oeste, à
praça de Saint Mark, à Litt le Italy, à rua Broome e
visitavam as águas-furtadas dos artistas conhecidos e
desconhecidos, examinando tudo, conversando com
to
d
os
, procurando descobrir o que havia de novo e
expressivo, a fim de
mon
tar uma exposição no
ou
tono..
. e, b
om,
quero dizer, meu Deus - no
instante em que os dois punham os pés na
rua
Cinqüenta e Três para apanhar um táxi, uma espécie
de
radar boémio começava a r eg istrar a sua inves-
tida .. Eles estão chegando ... E se ouvia reboar
por
Lower Manhattan, como a Pulsação Cósmica dos
teosofistas, um coração
batendo em
uníssono:
Escolha a mim escolha a mim escolha a mim
escolha a mim escolha a mim escolha a mim escolha
a
mim
..
Ah, maldita
Uptown "'
Negue isso, a todo custo, se lhe perguntarem O
que a pessoa sente no coração mentiroso e o que a
pessoa diz são duas coisas diferentes
ptown designa a área de Nova Iorque, topog1aficamentc mais
elevada,
em
que
se
encontram as residências elegantes, os museus e as
galerias de arte, quase em
contrapo sição a Dowtown ou Lower
Ma
nhattan, onde moram mui
tos
artistas jovens. (N. do T.)
21
-
8/16/2019 A Palavra Pintada
11/59
A
ança
Boêmw, de Gustave Doré.
22
A dança apache
Assim foi
que
o
ritual
de acasalamento da arte
se desenvolv
eu no início
do século - em Paris
Roma
Londres Berlim Munique Viena e
pouco
tempo depois Nova Iorque. Conforme acabamos de
ver o ritual tem duas etapas:
I
A Dança Boêmia em
que
o artista mostra o
seu trabalho nos círculos coteries, movimentos nos
ismos de seu bairro na boêmia em si como
se
nada
mais lhe importasse; como se na realidade estivesse
armado
com
uma
faca
entre
os
den
tes para atacar o
mundo
elegante de
Uptown.
2
A Consumação
em que os
culturati daquele
mesmo mundo, le monde
fazem o reconhecimento
dos
vários movimentos novos e artistas novos da
boêmia selecionam aqueles
que
parecem mais esti
mulantes originais importantes por quaisquer pa·
drões - e os cumulam de
todos
os prêmios da fama.
Na altura da Primeira Guerra Mundial o proces
so
já
era o que nos cabarés parisienses da época se
conhecia como dança apache. O artista era a mulher
no número de dança
batendo
os pés ora desafiando
ora fingindo indiferença resistindo às tentativas de
aproximação de seu perseguidor com absoluto des-
prezo
.. muita agitação
de
braços e pernas ..
muita
fúria ... muitos gritos e fingimentos ..
até que
final-
mente,
com um último e poderoso berro maravilho
samente ambíguo-
dor êxtase ela se
submete
..
Paf paf paf paf paf
..
Como
conseguiu rapa
z
... e as
luzes
da
casa se acendem e Todos tout le monde,
aplaudem
..
23
-
8/16/2019 A Palavra Pintada
12/59
APALAVRA
PINTADA
O lucro do artista neste ritual é bastante óbvio.
Ele vai fazer jus exatamente ao que Freud diz serem
os objetivos do artista : fama, dinheiro e belas aman
tes. le monde, os culturati, os membros sociais do
número de dança? O que ganham com isso? Parte de
sua recompensa é privar
do
status
antigo e semi-sa
grado
de
Benfeitor das Artes. As artes sempre foram
a po
rta
de entrada da sociedade, e nas maiores
cidades de hoje as artes - os conselhos dos museus,
os
conselhos de artes,
as
campanhas para angariar
fundo s
as
inaugurações,
as
fes tas, as reuniões dos
comitês
- substituíram inteiramente as igrejas nesse
particular.
Mas
ainda há mais
Hoje há uma recompensa caracteristicamente
moderna
que o artista
avant-garde
pode
oferecer ao
seu benfeitor: ou seja, a sensação de que ele, a
e
xemplo
de seu companheiro artista, está desvincu
lado e distante da burguesia, da classe média... a
sensação de que ele pode ser oriundo da classe
média, mas
já
não se encontra
nela ...
a sensação
de
que
é um camarada·soldado, ou ao
menos
um aju
dante-de-o rdens ou um guerrilheiro-honorário na
marcha da vanguarda pela terra dos filisteus. Essa
é
uma necessidade peculiarmente moderna e
uma
re
denção peculiarmente moderna (do pecado do Ex
cesso de Dinheiro) e algo bastante comum entre as
pessoas ricas em
todo
o Ocidente, tanto em Roma e
Milão quanto em Nova Iorque. É
por
isso que
co
lecionar arte contemporânea, a última investida da
vanguarda, a última inovação, mal saída das águas-
4
A
d nç p che
furtadas, atrai especificamente aqueles que se sentem
mais
co
nstrangidos com a própria riqueza comer
cial... Estão vendo? Não sou igual a
eles
- aqueles
rotarianos , aqueles conselheiros de fundações,
aqueles jovens executivos, aqueles parasitas de mesa
de
bar,
broncos,
goyisheh,
caras de
suíno,
gravatas
de listras, que-ótimo-te-encontrar-seu-sacana, do
New York Athletic Club .. A arte
avant-garde,
mais
que
qualquer
outra,
elimina o Mamon e o Moloch do
dinheiro, adota jeans, suéter
de
gola rolê, e outros
louros e disfarces da elegância boêmia.
É
por
isso que
os
colecionadores de hoje não só
procuram a companhia, mas querem se sobressair
en tre eles, fazer noitadas e e
ntrar
para o círculo ..
dos artistas que protegem.
Querem
galgar aquelas
escadas vertiginosas que levam às águas-furtadas na
rua Howard e que sobem cinco lances sem um único
ângulo ou patamar - direto para o alto lembrando
algo tirado de um livro de aná lises de sonhos
-
subir
co
m o coração ricocheteando nas costelas
da
taqui
cardia produzida principalmente pelo esforço, mas
também
pela expectativa
de
que logo atrás
daque
la
porta no alto .. naquela água-furtada...
encon
tra-se
a
coisa verdadeira...
pinturas, esculturas, que indiscu
ti
velmente fazem parte do novo movimento, da nova
école,
da nova onda... algo não depreciável, pura
gue
rrilha , â prova de burguesia.
25
-
8/16/2019 A Palavra Pintada
13/59
O público não está
convidado
e
nunca
esteve)
-
8/16/2019 A Palavra Pintada
14/59
A
ora podemos começar a compreender
por
que, apesar dos modernistas, Braque
Cia.
terem completado quase todas as suas inovações esti
lísticas antes da Primeira Guerra Mundial, a Arte
Moderna parece pertencer
ao
período
pós-guerra.
Simplesmente por
que
a Dança Boêmia realizou-se
antes da guerra e a Consumação, depois dela. Não se
trata
do
que comumente se descreve como lapso en
tre
as
descobertas do artista e a aceitação do pú
blico . Público? O público não desempenha qual
quer papel nesse processo. O público não es tá convi
dado (recebe uma part icipação impressa depois).
Le monde os cu turati são tão pouco parte do
público , da massa, da classe média com o são os
artistas. Se fosse possível preparar um daqueles ma
ravilhosos diagramas sociométricos, que os sociólo
29
-
8/16/2019 A Palavra Pintada
15/59
A PALAVRA PINTADA
gos tentaram aperfeiçoar na década de 50,
traçando
num
mapa
o ro t eiro diário das pessoas-chave de uma
co munid
ade
- uma linha azul pa ra o
lí d
er da comu
nidade A aqui, uma vermelha para o líder B, uma
verde para o
líd
er C, um tracejado cas
tanh
o para o
bu rocrata
Y,
e assim
po
r diante - em
que
as linhas
começam a
se
deslocar e a
se
in t
erce
ptar aqui
e ali
como
um painel Sony enlouquec
ido
- se fosse
possível preparar um diagrama desses para o
mund
o
da
arte
,
co
ns
tatar
íamos
que
ele é fo
rmado
al
ém
de
artistas)
por
uns
750
cultur em
Roma
, 500 em
Milão,
1.750
em Par is,
1.250
em Londres,
2.000
em
Berlim, Munique e Dusseldor f, 3.000
em
Nova Ior
que, e ta lvez uns 1.000 espalhados pelo resto do
mu n
do
conh
ecido. Isto é o
mundo
da
ar t
e
I 0.000
almas ap roximadamente -uma mera aldeia - , res-
trito a
les be ux mondes
de
oito
cidades.
A id
éi
a de que o público aceita
ou
rejeita
q
ualquer
coisa em Arte M
od e
rna, a idé
ia
de
que
o
público escarnece, desp reza, não consegue com
pr
ee
nder, deixa es
mo r
ece r, aniqu
il
a,
ou
com ete qua l
que
r
outro
crime c
ontra
a Arte
ou
artista isolada
mente
é
ap
enas uma ficção romântica, um
sentimen
to
agridoce. O
jogo termi
na e os
tr
oféus são distri
buídos
antes de
o público saber o que
acont
eceu. O
público
que
com pra livros
em
br
oc
huras e encader
nações ao s milhões, o público
que
compra discos aos
bilhões e lota os estádios para assist ir a concertos, o
público que gasta 100 milh
ões
de dólares em um
ún
i
co filme - esse público influencia o gosto, a teor ia e a
30
Ainda sou
v
irgem.
(Cadê
o champanha?)
3
-
8/16/2019 A Palavra Pintada
16/59
APALAVRA P
INTADA
perspectiva artíst ica na
li t
eratura, na música e no
t
eatro,
embora haja elites palacianas que se aferram
um tanto desesperadamente a cada uma dessas áreas.
O mesmo nunca foi verdadeiro com relação
à
arte. O
público cujos números gloriosos são registrados nos
relatórios anuais dos museus, todos aqueles
estudan
tes e ônibus de turistas e mamães e papais e intelec
tuais fortu itos .. são apenas turistas, colecionadores
de autógrafos, basbaques, espectadores de desfiles,
quando se trata do jogo do Sucesso na Arte O
público se dep ara com um fait
accompli
e a já mencio
nada participação, em geral sob a forma de um artigo
ou fotos coloridas nas últimas páginas do
Tim
e Uma
participação, como digo. Nem mesmo os mais pode
rosos órgãos de imprensa, incluindo a Ti
me
a News
week e The New York Tim es são capazes de desco
brir um novo artista ou avalizar o seu mérito e fazer
com que alguém acredite. El es só podem veicular a
notícia,
dizer quais os ar tistas que a aldeia
beau
a
Cultureburg, descobr iu e avalizou. Só
podem
infor
mar os resultados.
Podemos agora começar também a per
ceber
que
a Arte Mod-erna recebeu todas as glórias da etapa de
Consumação depois da Primeira Guerra Mundial, não
porque tenha sido "finalmente compreendida ou
''finalmente apre·ciada", mas porque umas poucas
pes loas elegantes descobriram
usos pessoais
para ela.
Foi depois da Primeira Guerra Mundial que as pala
vras moderno e
modernista
entraram para o léxico
como
adjetivos estimulantes (algo como agora
em
a
32
O
público não está convidado
Geração
do
Agora
na década de 60). P
or
volta de
1920, em
/e monde
ser elegante era se r
moderno
e a
Arte M
oderna
e o novo espírito da avant-garde
estavam em perfeita ha rmonia
com
a moda. Picasso é
uma boa ilustração. Picasso não começou a se t
ornar
Pi
casso no mundo da
arte ou
na imprensa, até quase
os
quaren
ta anos, quando pintou o cenário para o
balé russo de Diaghilev em 1918, em Londres. Dia
ghilev Cia. foram um extraordinário
succes de
scandale
na Londres elegante. Os rodopios alucina
dos de Nijinsky, os trajes fantásti os era tudo tão
deliciosamente moderno que faltavam palavras para
descrever. Os cenários modernistas pintados por Pi
casso, André Derain, e (mais t arde) Matisse faziam
parte da agitação, e le mon e adorava isso.
A
Ar t
e ,
nas palavras de Osbert Lancaster, "vinha mais
uma v
ez
se aninhar e
ntr
e as duquesas."
Picasso, que já vivera na lendária água-furtada
sem luz elétrica e pintava à noite com um pincel
numa mão e uma vela na outra - Picasso agora se
hospedava no Savoy, tinha roupas feitas
em
Bond
Street e adjacências (inclusive uma casaca), compare
cia a todas
as
melhores festas (e
as
festas nunca
estiveram melhores), apresentava suas pinturas em
mostras muito bem
pr
omovidas e tornava-se uma
celebridade no mundo social - o qu e continuou
sendo, apesar das H
is
tórias sobre o Recluso Envelhe
cido, até os setenta anos.
De volta a Paris, o novo Picasso apareceu no
teatro
com
suas luvas de pelica, bengalas,
carto
las,
33
-
8/16/2019 A Palavra Pintada
17/59
Pablo Picasso
34
público não stá convidado
pelerines e trajes formais, cujos forros proporciona
vam vislumbres sedosos t odas as vezes que ele se vol
tava no saguão para conversar com um
dos
seus in
fernais amigos novos .. O nosso velho amigo Bra
que
sacudia a cabeça
tristemente
.. Pelo menos Derain ti
vera a decência de se
contentar
com um
terno de
sar
ja
azul quando
ele
era aclamado
em
Londres, e se
a-
pegara à companhia de boêmios locais nas horas
de
folga...
Mas
Picasso - Braque era
como
aquele incor
ruptível
membro do Cénacle de la rue des Quatre
Vents, Daniel D'Arthez, contemplando a decadência
de Lucien Chardon nas ilusões Perdidas de Balzac.
Com um suspiro Braque esperava pelo colapso imi
nente
do velho
companheiro
Pablo,
como
pinto
r e
como
ser humano .. Ao invés disso, aconteceu a coi
sa mais incrível Picasso continuava sua ascensão pa
ra
o Eldorado, para
uma
excepcional riqueza e para
muito
mais, para a condição santificada
de Picasso
para o
ponto
em que,
por
volta de 1950, era conhe
cido
em
todos
os
níveis de opinião, desde a
rt
News
até o
Daily News como
o
pintor
do século
XX. Quanto a Derain, com seu
terno
de sarja azul, e
Braque, com seus escrúpulos - os dois ve lhotes, qua
se com a mesma idade de Picasso, isto é, uns setenta
anos, eram lembrados
em
1950 principalmente
por
terem participado, na platéia, da monumental vitória
de Picasso.*
Não queremos incorrer na discussão sobre dife-
A História , a generosa história, melhorou consideravelmente a
po sição de Braque desde a sua morte em 1963
5
-
8/16/2019 A Palavra Pintada
18/59
APALAVRA PINT
D
renças de talento - mas eis aqui uma demonstração
clássica do arti sta
que
sabe se div idir psicologicamen
te
en
tr e a Dança Boémia e a Co nsumação, compara
do ao artista que se deixa pr
ender
para sem
pr
e na
Dança Boêmia. Isto
é
um risco sempre presente
no
ritual do acasalame
nto
artísti
co. A divisão
ps
icológi
ca
bem-sucedida exige que o artista seja um
ator
sincero e comprome tido com os dois papéis Muitos
artistas se dedicam tanto aos valores boêmios, inter
nalizam
tão
profundamente os sentime
nt
os antibur
gueses,
que
são incapazes de
se
livrar, de se soltar,
com aquele berro
ca
tárti
co o
r tase
paf
p
af
paf paf paf paf -
e se submet
er
graciosamente
à
boa
sor
te
o
ti
po de artista , e seu nome é Legião , que
se
mpre
comparece âs inaugurações do Museum of
Modern
Art
,
que
exigem traje formal,
usando
dinne
r-
jackett e calças jeans sujas de tinta .. Ainda sou
virgem Cadê o champanha?)
ó
e
tout
Nova orque
num
cavalo
cubista
-
8/16/2019 A Palavra Pintada
19/59
sim a Arte Moderna conheceu um extrao rdi
nário impulso na Europa durante a década
de
20. E os
s
tados Unidos? Um pin
to r
, Marsden Har
t ley, escreveu
em
192 1
que a
arte nos Estados Uni
dos é como
um remédio pa tenteado ou um aspir
ador
de
pó. Não
pode
almejar qualquer sucesso
até
que
noventa
milhões de pessoas saibam do
que
se
trata .
Quanta
amargura Na realidade, porém, sua percep
ção não
pode
ria es
tar
mais errada. m
pouco tempo
a
Arte
Moderna era um sucesso nos Estados Unidos
- assim
que
um
punhad
inho de gente descobriu do
que se tratava,
os 400
em oposição aos 90 milhões.
Eram nova-ior
quino
s ricos e elegantes, como os
Rockefellers e
os
Goodyears, que viram seus equiva
len tes em Londres aproveitando o chique e a agita
ção causada por Picasso, Derain, Matisse e
todos
os
39
-
8/16/2019 A Palavra Pintada
20/59
APALAVRA
PINTADA
outros do Le Moderne e quiseram impor tá-los para
si. E o fizeram. A Arte Mod erna chegou nos Estados
Unidos na década de
20
e não desembarcou como
um comando rebelde, mas como a Standard Oil.
Por
volta de 1929 ela já se firmara, institucionalizara de
maneira
ir
resistível:
sob
a forma de
museu
, o Mu
seum
of
M
odern
Art. Essa catedral da cultura não foi
bem o filho intelectual dos boêmios visionários. Para
ser mas preciso, foi
fundada
na sala de
estar
de John
D. Rockefeller Jr., na presença dos Goodyears, Blis
ses e Crowninshields.
Contra essa moda em e monde
os críticos
conservadores de Nova I
orque
se sentiram impoten-
tes. Sua própria base desaparecia. O decano do
grupo,
Royal Cortissoz, fez um esforço hercúleo,
porém. Escrevendo em 1923,
ã
época
do
debate
nacional sobre a imigração (que levou à Lei de
Imigração de 1924), ele comparou a invasão aliení
gena
do
modernismo europeu às hordas subversivas
de estrangeiros que desembarcavam dos navios. A
arte
de
Ellis lsland , ele a chamava, sem dúvida
pensando
que cunhara um rótulo devastador. Ora -
pode-se bem imaginar - , como as pessoas riram
do
pobre
sr. Co
rt i
ssoz
por
causa disso
Em meados da década de 30, a Arte Mod
erna já
era
tão
chique que as empresas a desfraldavam como
uma bandeira para
mostrar
que eram atualizadas e
esclarecidas, que representavam não
só uma
força no
• ilha ,
no pono de Nova Iorqu
e,
onde antig
amente os
im
igrant
es
permaneciam de quarentena. (N. da T.)
4
"Atrele sua carroça a uma estrela" - Ralph Waldo Emerson.
41
-
8/16/2019 A Palavra Pintada
21/59
APALAVRA PINTADA
comércio como também
na cultura. A Dole Pineap
ple Company enviou Georgia O'Keeffe e Isamu No
guchi
ao
Havaí para registrar suas impressões, e a
Container Corporation of
America
encomendou
qua
dros
abstratos de
Fernand
Léger, Henry
Moor
e e
outros. Isto abriu
caminho
para a longa
campanha
publicitária da
Contain
er
Corporation,
a série Gran
des
Idéias do Homem Ocidental, em que apresentava
uma
Grande Id
éi
a de alguém ilustre
no alto da
página;
uma
delas foi
"'Atrele
sua carroça a uma
estrela' - Ralph Waldo Emerson." Sob a frase, a
pintura de um cavalo
cubista
estrangulado por ama
banana.
Naturalmente o chique de
Le
od
erne
lançou
uma
pesada carga
nos ombros da
teoria. Cada novo
movimento, cada novo
ismo
da Arte
Mod
ern
a era
uma declaração dos artistas
de
que
possuíam uma
nova forma de ver
que
o resto
do mundo
(leia-se: a
burguesia) não podia compreender.
"Nós
compreen
demos ",
diziam os
culturati,
apartando-se assim do
r
ebanho.
Mas o que
inna namea
Cristo
estavam
vendo
esses artistas? Era
aí
que entrava a teoria.
Cem
anos ant
es, a Teoria da
Arte
fora
apenas
algo
que
enriquecia a conversa das pessoas sobre questões
culturais. Agora era
uma
necessidade absoluta.
Já
não
era música de fundo. Era o hormônio essencial
ao acasalamento ritual. Nós
só pedimos umas poucas
linhas de explicação
Vocês dizem que
Xícara Cober
ta de Pele Pires e Colher (Fur-Covered Cup, Saucer
and Spoon),
de Meret Oppenheim (a
piece de résis-
4
Nova
Iorque num cavalo cubista
tance
da mostra surrealista do Museum
of
Modem
Art em
dezembro
de
1936), é um
exemp
lo
do
princípio
surrealista
de
deslocamento? Vocês dizem
que
a
textura
de um material - a pele - foi
imposta
ãs
formas dos outros
- porcelana e metal - a fim
de
separar
o oral, o tátil e o visual
em
três
partes
criticamente
lesadas
mas
pela primeira vez subscons
cientemente
ind
ependente? btimo.
Colocar em pala
vras era compreender. Os dadaístas se diziam furio
sos
com essa acolhida obscena das próprias pessoas a
quem vinham atacando.
"Qualquer
obra de arte
que
possa ser entendida por um jornalista é
obra
de um
jornalista",
dizia Tristan Tzara em seu manifesto
Dada. "E daí?", vinha a resposta. ("Seu
rumeno
zi
nho
infeli
z.")
Até
mesmo uma
explicação das razões
por
qu
e não se podia aceitar alguma
coisa
inclusive
o
Dadaísmo
, era explicação suficiente pa ra aceitá-la.
No
entanto,
a Teoria não
se tornou
reconhecida,
triunfante, transcendente,
mais
importante
do
que
a
pintura
e a escultura em si,
até
depois
da
Segunda
Guerra
Mundial. A Teoria, esse carro de primeira
classe
no
Trem de Carga da
Hi
stó ria (para usar
uma
frase
da
época), foi atrasada
por uma pequena
ques
tão
que raramente aparece nas histórias da
arte
atuais,
como
se
por obra
daquilo
que os
freudianos
chamam
de "amnésia da infância".
Durante
mais de
dez anos, de 1930 a 1941 aproximadamente,
os
próprios
artistas na Europa e na América, interrom
peram o Movimento Moderno ..
como
se fora
para
sempre
.. Cancelaram-no Retomaram inesperada-
43
-
8/16/2019 A Palavra Pintada
22/59
APALAVRA PINT D
mente um realismo literário dos mais óbvios, um
gênero conhecido como Realismo Social.
A Esque
rda
fez isso para eles. Com efeito, os
políticos esquerdistas declararam: Vocês, artistas,
dizem que se dedicam a uma vida antiburguesa.
Bom, chegou a hora de pararem de fingir e partirem
para
a ação, transformar sua arte numa arma. Tradu
ção:
quadros de propaganda política. A influência
da
esquerda foi
tão
forte no
mundo artístico
da
década de
30
que o Realismo Social não se tornou
apenas
um
estilo, mas
o
estilo daquele
período.
Até
os mais
em
penhados modernistas se sentiram intimi
dados. Anos mais
tard
e, Barne
tt
Newman escreveu
que
os dogmáticos vociferantes, marxistas, Ieninis
tas
, stalinistas e trotskistas criaram uma prisão
intelectual que mantinha o indivíduo imobilizado".
Percebo hoje em dia uma incrível amnésia sobre essa
questão. Nada como esquecer Artistas
cujos
nomes
hoje não passam de notinhas de rodapé - William
Gropper, Ben Shahn, Ja
ck
Levine - foram i nt s
enquanto
a música marcial dos mimeógrafos ecoou
nos milhares de Comitês
de
Protesto.
Se qualque
r
crítico
importante
da época tivesse descartado Ben
Shahn,
f i n i n o ~ como
ilustrad
or
comercial, a
exemplo do que fez Barbara Rose recentemente,
teria provocado
uma
celeuma. Hoje ninguém se im
porta, porque
o Realismo Social se evaporou com a
atmosfera
política
que o gerou. Por volta de 1946 o
cenário se esvaziara para
dar
lugar
à
arte
dos
nossos
44
ova orque num cavalo cubista
dias - uma arte mais verdadeiramente literária do
que qualquer coisa que os fauvistas e
cu
bistas te
nham atacado em seus mais viol
entos
furores.
45
-
8/16/2019 A Palavra Pintada
23/59
G r e e n b ~ r g
Rosenberg
e p ntura plana
-
8/16/2019 A Palavra Pintada
24/59
nhuma
das
pintura
s expressionistas abstratas
que restaram
daquela
época florescente de
1946 a 196
e pouquíssimas
ainda são vistas exce
to em museus e quartos
de
hóspede nas casas de
praia de Long lsland fazendo companhia às camas
de metal
cujas juntas
não
encaixam o jarro de água
Russel
Wr
ight
que
sobr
ou
do apa relho
de jantar que
os recém-casados compraram para o primeiro aparta
mento depois da guerra e um rádio Emerson de
válvulas com
fa
i
xa
de
ondas curtas
.. nenh uma das
pinturas como digo nem mesmo as de Jackson
Pollock e Willem de Kooning podem ser considera
das um monumento tão perfei t o àquele
período
de
co ragem e confiança quanto as Teorias Quanto às
pinturas
e
gustibus o disputandum
es
t. Mas as
teorias
in
sisto eram
uma beleza.
49
-
8/16/2019 A Palavra Pintada
25/59
APALAVRA PINTADA
Teoria
s?
Eram mais que teorias, eram constru-
ções menta
is. Não, mais do que isso até .. eram ver-
dadeiros edifícios no fundo das órbitas .. castelos no
córtex
.. mezuzahs nas pirâmides de Betz .. cristali
nas .. comparáveis no seu bizarro requinte ao Esco
lasticismo medieval.
No
en
tanto, só poderemos
compreender
o fascí
nio exercido por essas teorias se tivermos presentes
as observações que fiz até o
momento:
l o mundo
da arte é uma aldeia;
2
parte da aldeia, le
monde
sempre volta os olhos para a outra, a boêmia, para
saber qual é a nova onda e está pronta para acreditar
nela; 3. a boêmia é formada de cénacles, escolas,
coteries, círculos, cliques. Conseqüe
nt
emente, se um
cénacle vier a dominar a b
oêm
ia, seus
pontos
de vista
poderão muito bem prevalecer na aldeia inteira (tam
bém conhecida como
mu
ndo da
arte ),
desde a
estação da rua Chambers
até
a rua Oitenta e Nove e a
Quinta Avenida.
E foi precisamente isso que aconteceu em Nova
Iorque depois da Segunda Guerra Mundial, na era do
Expressionismo Abstrato,
quando
Nova Iorque subs
tituiu Paris (como nos lembram freqüentement e) no
papel de sede
do
M
ode
rnismo.
Durante a Idade das Trevas- isto é, o interlúdio
da d éc
ada
de 30, em que reinou o Realismo Soc ial -
pequenos cénacles de modernistas mantinha viva a fé
na boêmia, abaixo da rua Quatorze. Formavam
um
movimento de resistência real para variar - sua
clandestinidade, desta vez, não se devia àquela amea-
50
Greenberg Rosenberg e a pintura
pla
ça metafísica, a burguesia, mas aos próprios compa
nheiros boêmios transformados
em
instrutores mili
tares, os já mencionados dogmatistas vociferantes
da esquerda. Até Franz Kline, o pintor abstrato dos
pintores abstratos, obedientemente produzia
pintu
ras de negros desempregados, ve teranos mutilad
os
e
oniprese
nt
es operários de camisas azuis ab
ertas
ao
peito e colarinhos maiores que as cabeças. Mas havia
aqueles que mantinham o Modernismo vivo ..
O cénacle mais influente revolvia em torno de
Hans Hofmann, um pintor alemão cinqüentão que
simplesmente não dava ouvidos aos instrutores mili
tares e dirigia sua escola de arte
em
Greenwich
Village como um posto avançado da filosofia de l art
pour
l art e da
pintura
abstrata. O
utro
cénacle se reu
nia no estúdio de um escultor, Ibram Lassaw; este in
cluía
Ad Reinhardt e Josef Albers e
com
o t
empo
transformou-se numa organização, a Arnerican Abs
tract
Artists. O A Triplo parecia animado principal
mente p ~ o rancor contra
/e monde,
e em particular
pelo Whitney Museum e o Mu seum of Modem Art,
por patrocinarem
obras
abstratas européias (e, caso
seja preciso acrescentar, não a deles). Um terceiro
círcu
lo de amigos, entre eles Adolph
Gott
li
eb, Mark
Rothko e Milton Avery, era conhecido como
O
s
Dez
.
Um quarto grupo se reunia em torno de John
Graham e incluía
De
Kooning, Arshile Gorky , Stuart
Davis e David Smith. Um quinto grupo era formado,
entre
outros, por Roberto Matta,
Willi
am Baziotes e
Jackson Pollock, este casado com
uma
participante
51
-
8/16/2019 A Palavra Pintada
26/59
Quando a superfície plana era Deu
s
Usando o empastô
me
tro.
52
Greenberg Rosenberg e a pinturo plana
do cénacle Hofmann Lee Krasner fechando assim o
círculo.
Todos esses círculos e cot
et
ies reuniram-se de
pois da guerra no cénacle des cénacles a New York
School ou a Te
nth
Street School c
ri
adoras
do
Expressionismo Abstrato . A maior parte de seus
co
mp
onentes atravessara penosamente a Depressão e
apresentava uma tendência à boêmia caracterizada
pela Alta Seriedade.
Dois dos principais locais de reunião o Subjects
da Artist School e o The Club fi
cav
am na rua Oito
Leste: o
ou
tro a Cedar Tavern era na praça Univer
sity. M
as
as galerias que mostravam
su
as obras como
a
Ar
ea
e a Hilda Carmel
fi
cavam na rua Dez e foi
esse o nome que pegou. No /e
monde
r à rua Dez
era como a peregrinação de sábado ao Soho hoje
em dia. De qualquer modo, este cénacle logo se
tornou tão grand e e
tã
o influente que as reuniões
regulares nas noit es de
se
xta-feira no The Club
passaram a ser reuniões dos cidadãos de todo o
mundo artístico de Nova Iorque atraindo
ma
r-
chands col
ec
ionadores d o r e ~ co mo Alfred Barr
críticos
e quase quaisqu
er
culturati que conseg
ui
s
sem en
trar
.
Os grandes teóricos que surgiram desse cénacle
des cénacl
es
foram Clement Greenberg e Harold
Rosenberg. Ambos estiveram ligados à lit eratura po
lí t ica de esquerda de Lower Manhattan na década de
30
e foram
se
t ornando cada vez mais teóricos
críticos, estetas na década de 40. Mais precisamen-
53
-
8/16/2019 A Palavra Pintada
27/59
APALAVRA PINT D
te, os dois tinham sido amigos de vanos artistas
abstratos mesmo durante o Gelo. Green berg fora
freqüentador assíduo do cén cle de Hofmann - e
eram essencialmente as idéias de Hofmann e a sua
ênfase na pureza pureza pureza que estavam prestes
a empolgar Cultureburg, através de Greenberg.
Um
dos segredos do espantoso sucesso de Greenberg e de
Ro senberg, então, é que eles não se pareciam com os
críticos de Uptown - não eram meros críticos:
falavam com a voz da boêmia .. e
naturalment
e
/e
mon e
os escutava.
Descrever a bem colocada plataforma do
alto
dà
qual falavam não é diminuir a genialidade caracterís
tica dos dois homens. Greenberg, especialmente,
irradiava um ar de absoluta autoridade. Não era um
indivíduo simpático à primeira vista. Falava ora aos
arrancos ora arrastado. Mas, por alguma razão, não
se conseguia deixar de prestar atenção. O mesmo
acont ecia com o seu estilo
de escrever: ele passava
das tautologias gôttingenianas mais complicadas, "es
sências", purezas , otichlidades", " fatores for
mais , "lógicas de reajustamento e Deus sabe o
que mais .. para gritos de desespero e indignação que
teriam constrangido Shelley. Num famoso ensaio em
Horizon em 1947, ele declarou que todo o futuro
da art e nos Estados Unidos
e ~ t v
nas
mãos
de
cinqüenta artistas corajosos, mas anônimos, sitiados
ao
sul da rua Trinta e Quatro e prestes a serem
aniquilados a qualquer
momento.
P
or
quem - pelo
quê? Ora, pelo tédio pavoroso da vida americana.
54
Greenberg Rosenberg e pintur pl n
O isolamento deles é inconcebivelmente esmagador ,
ininterrupto, comprometedor , dizia Greenberg.
Que alguém consiga produzir arte de um n ível
respeitável nessas cond ições é altamente improvável.
O que pod em cinqüenta fazer
cont
ra cento e q uaren
ta milhões?"
Cinqüenta contra 140 milhões Uma beleza; ele
tinha conseguido superar Marsdcn Hartley em seus
próprios termos; o relatório sobre o reconhecimento
do inimigo feito
por
Hartley nos idos de 1921
arrolava apenas
90
milhões. Era
tudo pura
re tórica ,
é
claro; a cantilena
antibu
rguesa da boêmia, que se
tornara
normal a
partir
de 1840, era a essa
altura
tão
natural
quanto
respirar e maravilhosamente destituí
da de qualquer
conteúdo ra
cional - e no
entanto
Greenberg sacou-a com .. bem, não só com autoridade
mas com autoridade
moral
Quando Greenberg fala
va, era como se não apenas o futuro da Arte est ivesse
em jogo mas a própria qualidade, a possibilidade em
si de uma civilização nos Estados Unidos. Sua fúria
parecia advir de uma implacável insistência na pure-
za Ele via o Modernismo caminhan
do
para uma
certa conclusão inevitável,
po
r sua própria lógica
in t
erna, da mesma forma
que
os marxistas viam a
civilização ocidental caminhando inapelavelm
ente
para
a ditadura do proletariado e o nirvana que
sob reviria. Aos
olhos
de Greenberg, o Trem de Carga
da História da Arte
tinha um
destino específico. Ele
exigia uma autocrítica , uma
''autodefinição
-
urna
auto
definição
com
requintes de vingança",
55
-
8/16/2019 A Palavra Pintada
28/59
APALAVRAPINfADA
dizia. Era hora de limpar finalmente os trilhos de
todo o entulho remanescente da pintura pré-moder
na. E qual era esse destino? Neste ponto Greenberg
não poderia ter sido mais claro: a Pintura Plana.
A teoria geral era a seguinte: conforme os cu bis-
tas e outros modernistas primitivos tinham percebi
do corretamente, um quadro não era uma janela pela
qual se espiava
â
distância. Os efeitos tridimensionais
eram pura ilusão
et ergo ersatz).
O quadro era uma
superfície plana
à
qual se aplicava tinta. Os primei
ros artistas abstratos tinham compreendido a impor
tância da pintura plana ao pintar simplesmente duás
dimensões, mas não tinham sabido ir além. Ainda
usavam a tinta de tal maneira que ela se dividia
nitidamente em linhas, formas, contornos e cores
exatamente como se fizera nos tempos pré-moder-
nos. Ha
via
necessidade de pureza - um estilo em que
as linhas, formas, contornos e cores,
tudo
se unifica
va sobre uma superfície plana.
Essa questão da pintura plana tornou-se bem
importante: uma obsessão mesmo. O problema do
que o artista podia ou não podia fazer sem violar o
princípio da Pintura Plana -
a
integridade do plano
do quadro", como
se
tornou
co
nhecido - inspirou
distinções tão sutis, hipóteses tão requintadamente
ínfimas tanta hostilidade e troca de alfinetadas e
faíscas, espirais lógicas de tanto brilho, ainda que as
espirais se tornassem cada vez mais apertadas e o
brilho cada vez menor .. que se comparariam admira
velmente
à
pergunta mais famosa que conhecemos
56
Greenherg, Rosenberg e a
pintura plana
do debate dos escolásticos: "Quantos anjos podem
dançar na cabeça de um alfinete?"
A maior parte da teoria até 1950 era de origem
greenbergiana. Entra em cena Rosenberg. Rosenberg
apresentou uma síntese maior, uma teoria que com
binava a pureza formal de Greenberg com algo
qu
e
andara faltando
na
ar te abstrata desde os primeiros
tempos do Cubismo Sintético e continuou faltando:
ou seja, a paulada emocional dos velhos quadros rea
listas pré-modernos. Essa era uma questão
que
preo
cupara Picasso na década de 30. Qualquer
retorn
o ao
realismo era impensável, é claro, mas Rosenberg ti
nha
uma
solução: a "Pintura de Ação" (Action Pain-
ting , que se tornou o termo mais famoso
do
perío
do (um fato que
não
agradou a Greenberg).
Num determinado momento a tela começou a
parecer aos pintores am ericanos, um após o outro,
uma arena na qual
repr
esentar", disse Rosenberg. O
que devia ser pintado na te
la
não era um quadro,
mas um acontecimento." A visão que Rosenberg
inspirou incendiou a imaginação do público por
algum tempo (o público mesmo ), bem como a da
maioria dos pintores, profi
ss
ionais e amadores, de
uma
forma que é
pou
co provável
que
se queira
lembrar. Era o Pintor de Ação .. era o artista prome
téico sufocado de emoção e sobrecarregado de t in
tas, atirando-se e atirando os pincéis à tela como se
estivesse travando um combate corpo-a-corpo com o
Destino. Ali ... ali ... ali naquelas furiosas pinceladas
contra a tela , naqueles borrões de id desacorrentado,
57
-
8/16/2019 A Palavra Pintada
29/59
A PALAVRA
PINTADA
era possível ver a próp ria emoção do artista - ainda
viva -
no produto
acabado.
(E
viram?
Toda
a
integridade pintura-plano
que
um
homem
racional
poderia desejar, linhas
que
são formas, formas
que
sã o
cores, e cores
que
são ambas.)
importante repetir
que Greenberg e Rosen
berg
não
criaram suas teorias do nada ou simples
mente
surgiram com elas um dia
como
se fossem
mandamentos
trazidos do
alto
do monte Verde ou
do monte Vermelho
(conforme
ce
rta
vez B. H.
Frie
dman
os chamou).
Como
tout /e monde com
pr
eendia, elas não eram apenas teorias, eram ..
notí-
cias quentes, diretamente
dos
estúdio
s,
do palco dos
acontecimentos . O famoso artigo de Rosenberg em
Art News sobre Pintura de Ação não
menciona
um
único artista pelo nom
e,
mas
tout /e monde
sabia
que quando
falava
de um pintor americano
após
o
ut ro que
adotavam aquele estil
o,
estava na realida
de falando de um
pintor amer
ic
ano
: seu amigo De
Ko
on
ing ..
ou
talvez de De Kooning e seu cénacle. O
hom em-chave de Greenberg,
como Todos
sabiam,
e
ra
seu
amigo
Pollock.
Greenberg
não
descobriu Jackson Pollock, nem
mesmo
criou sua f
ama,
como
posteriormente
se disse
muitas vezes. Foi a maldita Uptown que fez isso.
Escolha a mim Peggy Guggenheirn escolheu
Pollock. Ele era um
cub
ista boêmio, anônirno e sem
vintém. Ela era a sobrinha de Solomon (Guggenheim
Museum) Guggenheim e
o
centro do mais chique
círculo de arte de Uptown, em Nova Iorque , na
58
Greenberg Rosenberg e a pintura
plana
década de
40,
um círculo que contava com famosos
artistas
modernos
eu
r
opeus
(inclus
iv
e seu
marido
,
Max Ernst) que fugiam da guerra, intelectuais de
Uptown
, como Alfred Barr e Jam es
Johnson
Swee
n
ey
do Mu seum
of
Modern Art, e jovens protegés
boêmios
como
os
dois
membros
do cénacle de Pol
l
ock,
Baziotes e
Rob
ert Motherwell. Em um ano,
194 3, Peggy Guggenheim conheceu Pollock por in
termédio de Ba
ziotes
e M
ot
:herwell, deu-lhe
uma
remuneração mensal, no cami
nho
da "es
cr ita
automática sur
realista (ela adorava o Surreali
s-
mo),
instalou-o na rua Cinqüenta e Sete - a Rua
dos
Sonhos
em Uptown - com S'4a primeira
mostra
-
no salon modernista mais chique da história de Nova
Iorque, a galeria de Peggy,
Art
of This Cen tury
Ga
ll
ery,
com uma
maravilhosa Sala Surrealista,
onde
as telas e
ra montadas
etn
bastões
de beisebol
-
fez
Sw
eeney esc rever o prefácio do catálogo,
numa pro-
sa
co
lorida de
so
nhos róseos e
purpúreos
- e Barr
incorporou um dos
quadros
, A Loba The She Wolf),
na coleção permanente do Mu seum
of
Modern
Art
-
e M
otherwe ll
escreveu uma crítica delirante para a
Partisan
Review
- e Greenberg escreveu
uma crítica
superdelirante para The Nation ... e, bem, Greenberg
entrou na história, no mínimo, um po
uco
atrasado.
A Consumação
se
completara e Pollock já era um
Sucesso antes do
último quadro
ser pendurado, as
portas se abrirem e o primeiro Manhattan ser servido
(lembra dos Manhattans? na noite de inauguração.
Até certo
ponto,
Green berg foi apenas um repórter
com um apresen
tando
as últimas notícias.
59
-
8/16/2019 A Palavra Pintada
30/59
A PALAVRA PINTADA
Mas Greenberg fez algo mais que descobrir Pol
lock ou oficializá-lo. Usou o sucesso avalizado de
Pollock para firmar a Integridade do Plano do Qua
dro como a teoria - o avanço teórico de peso
einsteiniano - de toda a nova onda do
cénacle des
cénacles
da rua Dez.
A força de Pollock", dizia ele, "reside na
superfície enfática de seus quadros - que ele procu
ra manter e intensificar em todo aquele plano grosso
e fuliginoso que começou - porém, apenas começou
a
se
tornar o
ponto forte do
Cubismo
recente.
E
por toda a
bo
êmia ecoou a melodia ..
O plano grosso
e fuliginoso
me
enfeitiçou ..
É a tensão inerente à
Coleção
do
Museum o[ Modem
rt
em
Nova Iorque.
The She Wolf (A Loba), de Jackson Pollock, 1943. O quadro
que
o Museum of Modern
Art
comprou participando da
Consumação de Pollock. O estilo
é
um meio·termo entre o
Cubismo inicial de Picasso e o puro Abstracionismo com
borrões de tinta pelo qual Pollock é mais conhecido. O
plano grosso e fuliginoso me enfeitiçou .
60
Greenberg Rosenberg e a pintura plana
superfície plana recriada, construída, dizia Green
berg, que produz o vigor de sua
arte
..
A superfície
plana
re
criada construída
que
você tece tão
bem
..
a concentração na
textura
da superfície e sua quali
dades táteis .. Os
famosos borrões
de
tinta naquela
superfície plana .
Ah, a música ecoava E Clement Greenberg era
o compositor Outros artistas tomavam conhecimen
to de suas teorias e das de Rosenberg, às vezes pela
leitura dos periódicos - Partisan Review The Nation
Horizon - ínas a maior parte das vezes em conver
sas.
Com a demolição do The Club da rua Oito, os
artistas da boêmia agora
se
reuniam o
tempo
todo,
todos
os dias, e conversavam sem parar. Conversa
vam mais que dez clubes de carteado de Oceanside e
Cedarhurst juntos.
Greenberg também não negligenciava as conver
sas, apesar dos seus arrancos e do discurso pouco
elegante. Às vezes essas falhas combinavam perfeita
mente com a
convicção moral
que parecia irradiar
dos seus olhos. Um artista quarentão de Washington,
D.C., chamado Morris Louis, veio a Nova Iorque em
1953 para
tentar
descobrir
em
que consistia essa
nova onda, conversou longamente com Greenberg e
a experiência mudou sua vida. Ele regressou a
Wa-
shington e começou a pensar. Integridade
do
plano
do quadro, dissera o homem .. (Aposto qu e disse .. )
Louis sentiu um estalo e viu o futuro com grande
clareza. O próprio uso da tinta grossa fora um cri-
6
-
8/16/2019 A Palavra Pintada
31/59
A P L VR PINTADA
me
contra
a superfície plana, uma violação da inte
gridade do plan
o todos
esses
ano
s .. Mas
é
claro
Mesmo nas mãos de Picasso, a
tinta
comum podia
atingir a espessura de um ou dois
milímetros
acima
do
nível da tela E
quanto
ao novo Picasso - isto
é
Pollock meu Deus,
apanh
e só a régua
Então Louis usou a tela virgem e diluiu a tinta
até que a tela a absorvesse imediatamente após a
aplicação.Talvez pudesse colocar o quadro
no
chão,
se deitar em cima da tela, enviesar o olho corno um
passarinho e examinar a superfície da tela - conse
guira Não havia nada acima ou abaixo do plano dQ
quadro, exceto uns fiapos ultrarnicroscópicos de
algodão, mas que pessoa sensata poderia condená-lo
por isso ... Não,
tudo
agora existia
exatamente
no
plano do
quadro
e em nenhum
outro
lugar. A tinta
era o pl
ano
do quadro, e o plano do
quadro
era a
tinta. Ouvi falar em
per fcie plana?
bem,
tentem
fazê-la mais plana do
que
isso, seus nova-iorquinos
espertinhos Assim nasceu uma variante do Expres
sionismo Abstra
to
conhecido
como
Washington
School. Alguém de Marte ou de Chester, na Pensil
vânia, poderia aciden talmente ter olhado para a pin
tura
de Morris ou Louis e visto apenas
uma
série de
li
str
as
de aspecto um tanto aguado.
Mas a Washington School ou a
Tenth
Street
School não er
am
lugares para c riaturas vindas de fora
do
estado, a não ser que alguém as
ti
vesse alertado, a
não ser
que
alguém as tivesse informado a respeito
das teorias. m
pouco tempo
, essas teorias sobre a
62
Coleção
do
Museum
o Modem Art
Nova
I
orque
Third E/ement
(Terceiro Elemento), de Morris Louis, 1962.
Nenhum pintor jamais
tomou
a Palavra mais literalmente;
com a possível exceção de Frank Stella.
63
-
8/16/2019 A Palavra Pintada
32/59
APALAVRA PINTADA
integridade do plano do
quadro,
abstração, forma
pura e cor pura, pinceladas expressivas action), já
não pareciam meras teorias mas axiomas,
parte
do
dad
o, tão
básicas
quanto
teriam parecido antigamen
te
os
Quat
ro
Humo res do Corpo ao se considerar a
saúde humana. Ignorar essas coisas era
não ter
ouvi
do a Palavra.
A Palavra - exatamente. Uma curiosa
mudança
estava ocorrendo no
próprio
cerne da atividade do
pintor. Inicialmente o Modernismo fora uma reação
ao realismo do século X
IX
, uma abstração, um
diagrama do realismo, para usar uma expressão .de
John Berger, da mesma forma que uma planta baixa
é
o diagrama de
uma
casa. Mas esse Expressionismo
Abstrato da T
enth
Street School era
uma
reação ao
pr
óprio
Modernismo inicial, principal
mente
ao Cu
bismo. Era a abstração de uma abstração,
uma
pl
anta
baixa de uma planta baixa,
um
diagrama de
um
diagrama e um diagrama de um diagrama é metafí
sica. Qualquer um que experi
mente
fazer um diagra
ma de um diagrama descobr irá por quê. A m
etaf
í sica
pode
se r fasc inante -
tão
fascinante
quanto
a
Escolástica e suas legiões de anj os e almas. Ma s por
alguma razão essas cria t
ur
inhas etéreas são inap r
ee
n
síveis sem o uso da palavra. Em suma, a nova ordem
no
mundo
da arte era: primeiro você
encontra
a
Palavra, depois você vê.
Os
artistas não
par
eciam ter a menor idéia de
como a Teor ia estava se tornando básica. Eu me
pergunto
se os teóricos teriam. Todos, a
rt
istas e
64
Greenberg osenberg ea pintura plana
teóricos, falavam como se o seu objetivo consciente
fosse criar uma
arte
int eirame
nt
e imediata, lúcida,
despida de toda a
horríve
l bagagem histórica, uma
arte
sem mistérios, honesta como o plano integral do
quadro.
"A
estética está para os art istas
como
a
ornitologia está para os pássaros", dizia B
arnett
Newman numa frase
muito
repetida. E no entan to,
o próprio Newman era um dos teóricos mais incansá
veis da rua Oito, e sua obra demonstrava isso. Ele
passou os últimos vinte e dois anos de sua vida
estudando
os problemas (se
os
havia) de tr abalhar
com grandes áreas de
cor
divididas por listras .. numa
su
perf
í cie plana
de quadro.
Ninguém mais esta va imune
à
teoria. Pollock di
zia coisas
como
"C
é
zan
ne não criou teorias. Elas sur
giram depois". Era só provocação. O f
ato
era
que
as
teorias - de Greenberg - a propósito de Pollock -
estavam começando a afetar Pollock. Greenberg não
criara a reputação de Pollock,
mas
e
r
seu c
urador
,
zelador, lustrador e mecânico, e era fanático nessas
funções. A cada novo artigo Greenberg elevava
um
pouquinho mais o s u s de Pollock, de "um dos
mais fortes" artistas abstratos americanos que já
houve para
"o
mais f
or
te
pintor
de sua
geração" nos
Estados
Unidos e ainda "o mais vigoroso pintor da
atualidade americana" e finalmente incluindo-o nu
ma
compe
tição
acirra
da
com
J
ohn
Marin (John Ma
rin )
pelo título de "m a
i
or pintor ame
ricano do sé
culo XX".
Para os
poucos
dissidentes que restavam,
Uptow
n ou
Downtown,
que ainda faziam
uma
cara
65
-
8/16/2019 A Palavra Pintada
33/59
APALAVRA
PINTADA
séria e diziam que a obra de Pollock parecia horri
velmente "confusa ou caótica ou simplesmente
feia , Greenberg tinha uma maravilhosa resposta:
mas
é claro - toda a ob ra profundamente original
parece feia a princípio . Bom .. é
Está ..
certo
Numa época de vanguardismo,
quan
do
praticamente
todos em Cultureburg se lembravam de algum novo
ismo que não tinham
gostado
a princípio, esse
dito de Greenberg parecia urna percepção essencial
do Modernismo, o
aperçu
de ouro. Para os coleciona
dores, cu radores e mesmo alguns
marchands,
as
obras novas que pareciam genuinamente
feias...
co
meçaram a adquirir uma aura estranha e nova...
De qualquer fo rma, se Greenberg estava certo
quanto
ao lugar de Pollo
ck
no
mundo
da
arte
- e
Pollock n
ão
questionava
isso - , então devia
estar
certo também quanto às teorias. Então Pollock come
çou a conduzir seu trabalho na mesma d
ir
eção das
teorias. Avante Mais plano Mais Fuliginoso Mais
"globalmente uniforme M
as
menos buracos
(Greenberg achava que Po llock
por
vezes deixava
bu racos" no que poderia ser um "plano integra
do .) Greenberg passou a ir ao estúdio de Pollock e
fazer críticas
in loco.
Não demorou muito e Pollock começou a ter
dificuldades em determinar onde estaria a linha divi
sória ent re ele próprio - o velho Jack - e a sua
Reput ação ou se a linha de fato existiria. Pollock era
o caso clássico do artista irremediavelmente preso
entre a Dança Boêmia e a Co nsumação. Pollock
66
Greenberg
Rosenberg e a pintura plana
internalizara os costumeiros valores boêmios antibur
gueses
em
grandes sorvos d
ur
ant e a Depressão, quan
do ainda era um
boêmio
que vivia do aux mo-desem
prego e fazia biscates, tais
como pintar
gravatas a
mão (no breve período em que foram moda). A
Consumação veio
tão
ráp
ida - no ano de 1943 -
que Pollock nunca conseguiu se dividir psicologica
mente. Ficou preso a meio caminho. Essa era a
atitude arquetípica de Pollock : uma noite ele chega
bêbado à casa de Peggy Guggenheim, durante uma
festa de grã-finos. Então, tira as roupas em outro
cómodo
e entra no salão inteiramente nu e urina na
lareira. P
or
outro lado, nem naquela
noite
nem
depois, ele desistiu de ir à
casa de Peggy Gugge
nhe irn , onde havia
todos
aqueles grã-finos. Ele insi
s-
tia em r
ao velho
Stork
Club
ou
ao 21 sem gravata
para provar que de qualquer forma o admitiriam
graças
à
"minha reputação - e, se e
ra
admitido,
nunca deixava de se
embebedar
e se portar mal para
ser
posto
para fora. Tinham que aceitá-lo em Up
town, mas ele odiava gostar dessa aceitação.
A despeito de sua enonn e reputação, suas obras
não vendiam bem, e ele enfrentava dificuldades fi
nanceiras - o que satisfazia sua alma boêmia, por
um lado, mas também o fazia gritar (preso, como
estava, na porta de entrada): Se sou tão formidável
p r
que não sou rico? E isso nos leva aos problemas
que
os
colecionadores estavam começando a ter com
o Expressionismo Abstrato e os estilos.abstratos que
se seguiram, tais como o da Washington School. A
67
-
8/16/2019 A Palavra Pintada
34/59
APALAVRA PINTADA
maior ,parte do Modernismo in icial, e em particular o
Cubismo, era apenas parcialmente abstrato. As figu
ras na Joie
de
Vivre (Alegria de Viver) de Matisse,
que pareciam t ão escandalosamente abstratas em
1905,
ta
lvez não inspirassem tanta concupiscência
quanto
a que
encontramos
em
The Judgement
o
Paris (O Julgamento de Paris), de Max Klinger, mas
eram mulheres nuas do mesmo
jeito.
Para muitos
colec ionadores era suficiente
con
hecer a teoria geral
e o
fato
de que ali estavam nus pin
tados
à
"nova
m
ane
ira (Fauvista, Cubist
a,
Expressionista, Surrealis-
ta, ou o
que
fosse)". Porém, no caso
do Expr
essio
nismo Abstrato e dos movimentos que surgiram
depois, era
pr
eciso
te
r ... a Palavra. Não havia
outro
je ito. Não adiantava
nada contemplar uma pintura
sem
conhecer a
In
tegri
dad
e
do Plano do
Quadro e
os
teo remas associados.
Com que resolução tentaram Como
aper
tavam
os olhos e levavam os dedos às pálpebras procurando
focalizar com maior acuidade (como diz iam que
Greenberg fazia) ... como se esforçavam para interna
lizar as teorias, ao ponto de conseguirem sentir umas
duas
pontadinhas de
emoção, no momento exato
em
que
olhavam para
uma pintura abstraía
. . sem pri
me iro ter
que
repassar o t exto
menta
l
mente
. E
alguns
tinham
êxito. Mas todos t entavam SubHnho
is
to
à luz das terr íveis acusações que alguns a bstra
cionistas e seus teóricos hoje fazem aos col
ec
iona
dores... chamando-os de filisteus, noveaux-riches,
exibicionistas que apenas fingiam gostar de arte
l í8
Greenberg
Rosenberg e a pintura
plana
abstrata, mesmo em seu apogeu, na década de
50,
O
que
vale dizer: vocês não passavam de impostor
es
go rdos e burgueses. Nunca tiveram um único osso
antiburguês nos corpos
Ah,
ingratidão, ingrat idão ..
ars longa
memo
r
ia
bre vis... A verdade era que os colecionadores s6
queriam acreditar de todo coração, marchar com os
expressionistas
abstratos
na qualidade de ajudantes
de-guerrilha pela
terra
dos filisteus. Acreditavam,
junto com
os
art istas,
que
o Expressionismo Abstra
to
era
a forma final,
que
a pintura enfim se tornara
ex tra-atmosférica,
me
rgulhara no espaço, penetrara
num universo de formas puras e cores puras. Até
m esmo os marginais da
inte
lec
tualidade de
Culture
burg, os jornalistas da imprensa popular, noticiaram
de boa fé, sem risinho s de deboche. Em 1949, a
revista Life dedicou tr
ês
páginas a Pollock, duas
delas a cores, intituladas: "JACKSON POLLOCK :
Será o maior pint
or
vivo do s Estados Unidos?" O
artigo
todo
se
baseava, obviamente, na opinião de
Greenb erg, que a
ife
identificava como "um crítico
nova-iorquino excepcionalm ente culto".
Life, Time
e
Newsweek
continua
ram a
acompanha
r o
Exp
res
sionismo Abs
tr
ato, a
co
res,
com
o ocasional trocadi
lho inofensivo sobre
"Jack the
Dripper"* (Pollock),
que fala
pouco
e
"é
famoso
po
r sua pi
ntura"
, mas
• Trocadilho induzido pela semelhança entre (Jack) the Dripper -
"que deixa a tinta pingar e escorrer na tela" - e (Jack)
the
Ripper, o
famoso assassino estripador. (N. da T.)
9
-
8/16/2019 A Palavra Pintada
35/59
APALAVRA
PINTADA
apresenta ndo a mensagem clara de que isto é
que
era
important
e na
arte
contemporânea.
De fato, a imprensa era tão atenciosa que Ha
rold Rosenberg, e Pollock também, se perguntavam
por que o público comprava tão poucas obras ex
pressionistas abstratas. "Considerando a maneira
como são anunciadas e elogiadas", comentava Ro
senberg, ' 'a pintura de
va
nguarda não está vendendo
nada. Neste ponto, Rosenberg estava simplesmente
traindo
a cegueira do
mundo
da
arte com
relação às
próprias est
r