A NOÇÃO DE ALMA NO DE ANIMA DE ARISTÓTELES
Transcript of A NOÇÃO DE ALMA NO DE ANIMA DE ARISTÓTELES
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
Instituto de Filosofia e Ciecircncias Sociais
Departamento de Filosofia
DOUGLAS VIEIRA RAMALHO
A NOCcedilAtildeO DE ALMA NO DE ANIMA DE ARISTOacuteTELES
RIO DE JANEIRO
2017
DOUGLAS VIEIRA RAMALHO
A NOCcedilAtildeO DE ALMA NO DE ANIMA ARISTOacuteTELES
Monografia apresentada ao Departamento de
Filosofia do Instituto de Filosofia e Ciecircncias
Sociais da Universidade Federal do Rio de
Janeiro como parte dos requisitos para
obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Licenciado em Filosofia
Orientadora Profordf Drordf Carolina de Melo Bomfim Arauacutejo
RIO DE JANEIRO
2017
DOUGLAS VIEIRA RAMALHO
A NOCcedilAtildeO DE ALMA NO DE ANIMA ARISTOacuteTELES
Monografia apresentada ao Departamento de Filosofia do Instituto de Filosofia e Ciecircncias
Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos para obtenccedilatildeo do
tiacutetulo de Licenciado em Filosofia
Aprovada por
__________________________________________
Profordf Drordf Carolina de Melo Bomfim Arauacutejo UFRJ Orientadora
__________________________________________
Prof Dr Raphael Zillig UFRGS
__________________________________________
Profordf Drordf Carla Francalanci UFRJ
RIO DE JANEIRO
Janeiro de 2017
Ao Luan
Agradecimentos
A Carolina Arauacutejo por ter me apresentado o De Anima em um curso de 20141 pela
disponibilidade ao meu interesse em aprofundar o estudo na psicologia aristoteacutelica pela
atenta orientaccedilatildeo na iniciaccedilatildeo cintiacutefica e na escrita desta monografia e mais que tudo pelo
paradigma intelectual que eacute para quem tem o prazer de dialogar com suas hipoacuteteses e
objeccedilotildees Ao Raphael Zillig pela orientaccedilatildeo durante a missatildeo de estudos realizada na UFRGS
em agosto e setembro de 2016 e cujos comentaacuterios luacutecidos sobre a obra e exegese aristoteacutelica
foram fundamentais para que eu descortinasse uma visatildeo de caminhos intelectuais e
acadecircmicos Agrave Carla Francalanci pelo seminaacuterio sobre o De Anima e Ivana Costa pelo
minicurso Psicologiacutea Antigua que ampliaram meu horizonte de compreensatildeo da psicologia
aristoteacutelica Agrave Inara Zanuzzi e Priscilla Spinelli pelo curso tri sobre phantasiacutea na UFRGS
igualmente aos colegas Pedro Capra Filipe Oliveira e Mariano Arauacutejo pela interlocuccedilatildeo
constante Ao Rodrigo Guerizoli pela presteza e sensibilidade na viabilizaccedilatildeo da minha ida e
estadia em Porto Alegre Agraves comentadoras e comentadores da filosofia aristoteacutelica sem os
quais dificilmente pensaria o que pensei entenderia o que entendi argumentaria o que
argumentei em especial ao Eli Diamond que gentilmente me enviou uma coacutepia de seu
instigante livro Mortal Imitations of Divine Life The Nature of the Soul in Aristotlersquos De
Anima no qual me baseei vaacuterias vezes para a interpretaccedilatildeo que assumi nesta monografia
igualmente ao Matt Wood por ter feito estabelecido a ponte de comunicaccedilatildeo Ao Luan
Reboredo pela cumplicidade entre ladrotildees pela impiedosa revisatildeo dos textos ndash todo e
qualquer erro distraccedilatildeo ou falta de clareza eacute pela minha teimosia com suas notas ndash pela
criteriosa percepccedilatildeo intelectual pelo cuidado e pelos cafeacutes da manhatilde ndash vamos lembrar de
comprar mais tapioca Aos philoacutei Edil Carvalho Claacuteudia Barbosa Matt Wood Esther
Santos Luan Reboredo Flora Mangini Felipe Ayres Nelson M Neto Luciana Shontag
George Matias Andreacute Braga e Camila Rauber pelo diaacutelogo e praacutetica filosoacutefica no Seminaacuterio
de Estudos Claacutessicos ndash vamos cultivar este precioso espaccedilo gente Aos amigos pela procura
na ausecircncia e acolhida na presenccedila Agrave minha famiacutelia pelas quizumbas quiziacutelias otaacutes e
tapurus Ao teatro pela caixa de areia e efemeridade em especial a Andreacutea Terra e Casa Maria
de Magdala Agrave cidade de Porto Alegre pelo frio insuportaacutevel pelo vento interminaacutevel pelas
ruas floridas pelo sol laranja pelo ceacuteu anil pela carne saborosiacutessima pelo fandango pelo
chimarratildeo pela Housing pela Casa Frasca pela Casa de Pelotas pela gente de um
comunitarismo valentatildeo pelos amigos e amigas e vizinhos pela discriminaccedilatildeo pela dor de
dente e infecccedilatildeo pela solidatildeo pelo silecircncio pelo esvaziamento e pela saudade que hoje sinto
sempre que sonho perder o aviatildeo de volta para o Rio A Paquetaacute pelo sentido de lugar Ao Rio
pelo sentido de sentir A Niteroacutei pelo sentido de lar Agrave Hannah Arendt pela Condiccedilatildeo
Humana que determinou minha compreensatildeo de poliacutetica Ao Aristoacuteteles pelo De Anima que
determinou minha incompreensatildeo da vida
Esta monografia eacute resultado da pesquisa de iniciaccedilatildeo cientiacutefica Substacircncia enquanto Forma
psycheacute no De Anima II de Aristoacuteteles inserida no projeto PROCAD 2013 PPGLMUFRJ-
UFG-UFRGS entitulado Substacircncia evoluccedilatildeo e formulaccedilatildeo de uma noccedilatildeo filosoacutefica sob
financiamento da Coordenaccedilatildeo de Aperfeiccediloamento de Pessoal do Niacutevel Superior (CAPES)
Este agradecimento costuma ser meramente formal Poreacutem em tempos de ataques temeraacuterios
a direitos duramente conquistados reconhecer a importacircncia do financiamento puacuteblico da
inovaccedilatildeo cientiacutefica e da pesquisa acadecircmica para o desenvolvimento justiccedila e soberania de
uma naccedilatildeo grande como a brasileira se torna um dever poliacutetico a ser exercido
o que estremecia em mim terreno do corpo onde estaacute a raiz da alma
Joatildeo Guimaratildees Rosa
RESUMO
Esta monografia trata da noccedilatildeo de alma que Aristoacuteteles desenvolve ao longo do De Anima II
1-3 Em DA II 1 Aristoacuteteles enuncia uma definiccedilatildeo geral de alma como forma do corpo
Nessa definiccedilatildeo pela forma seu objetivo eacute formular uma noccedilatildeo dos vaacuterios tipos de alma (a
vegetativa a animal e a humana) Poreacutem ela natildeo enuncia a alma como causa de vida nos
seres viventes Diante disso eacute enunciado em DA II 2 a definiccedilatildeo pelas capacidades na qual a
alma eacute princiacutepio das capacidades que denotam o viver Nela as capacidades determinam os
diversos tipos de vida a vida vegetativa que decorre da nutriccedilatildeo a animal da percepccedilatildeo e a
humana da razatildeo Com isso em DA II 3 Aristoacuteteles enuncia a definiccedilatildeo seriada na qual os
tipos de alma se dispotildeem em seacuteries ordenadas hierarquizadas em que a anterior subsiste na
posterior em potecircncia mas natildeo o contraacuterio Como se vecirc haacute um conflito entre a primeira e as
outras duas definiccedilotildees pois a definiccedilatildeo pela forma eacute uma noccedilatildeo geral que nem enuncia a alma
como causa de vida nem sua disposiccedilatildeo seriada Assim enquanto os comentaacuterios de Putman
Ackrill Bolton Nussbaum Everson CodeampMoravicsik interpretam a definiccedilatildeo pelas
capacidades como a noccedilatildeo aristoteacutelica de alma em detrimento da definiccedilatildeo pela forma
Polansky e Diamond enxergam unidade teoacuterica e argumentativa entre as trecircs A hipoacutetese
sustentada nesta monografia se alinha com o segundo grupo argumentando que a definiccedilatildeo
pela forma eacute insuficiente para enunciar os tipos especiacuteficos de vida e sua disposiccedilatildeo seriada
poreacutem eacute a fundamentaccedilatildeo ontoloacutegica das outras duas definiccedilotildees
Palavras Chave Aristoacuteteles Alma Definccedilatildeo Forma Capacidades
Lista de Abreviaturas das Obras de Aristoacuteteles Utilizadas
Cat ndash Categorias
DA ndash De Anima
Fiacutes ndash Fiacutesica
Met ndash Metafiacutesica
Sumaacuterio
Apresentaccedilatildeo 11
1 A taacutebua de definiccedilatildeo 13
2 A noccedilatildeo de alma em Aristoacuteteles 19
21 Definiccedilatildeo pela Forma 19
22 Definiccedilatildeo pelas Capacidade 29
23 Definiccedilatildeo Seriada 34
3 Conclusatildeo 37
4 Bibliografia 39
i
12
APRESENTACcedilAtildeO
O De Anima eacute o tratado no qual Aristoacuteteles investiga a natureza da alma e como ela eacute
causa de vida nos seres viventes Para esse fim Aristoacuteteles discute com aqueles que trataram
do assunto antes dele enuncia a sua proacutepria noccedilatildeo de alma e por fim como esta noccedilatildeo
explica cada uma das capacidades que denotam o viver Para dar conta deste projeto
psicoloacutegico Aristoacuteteles elabora sua noccedilatildeo em trecircs grandes momentos O primeiro em De
Anima I 2-5 Aristoacuteteles levanta as endoacutexai dos seus predecessores discutindo a validade de
suas teses e apontando o que considera inconsistente Como resultado disso Aristoacuteteles
sustenta que a alma eacute um princiacutepio imoacutevel de movimento nos seres viventes e uma unidade
Mas eacute soacute no segundo momento em DA II 1-3 que Aristoacuteteles enuncia em seus proacuteprios
termos o que considera ser a alma Por fim num terceiro momento a partir de DA II 4
Aristoacuteteles teoriza sobre cada uma das capacidades da alma
Nesta monografia proponho me debruccedilar sobre a noccedilatildeo de alma presente no DA II 1-
3 Como veremos em DA I 1 satildeo elencadas as aporias proacuteprias agrave investigaccedilatildeo e definiccedilatildeo da
alma A partir daiacute Aristoacuteteles apresenta gradualmente a sua proacutepria noccedilatildeo de alma ao longo
do De Anima Especificamente em DA II 1 e 2 satildeo enunciadas duas definiccedilotildees uma definiccedilatildeo
pela forma e outra pela capacidade A primeira caracteriza a alma como forma do corpo
enquanto a segunda atribui agrave alma o princiacutepio das capacidades que denotam vida Enquanto a
definiccedilatildeo pela forma nos oferece uma noccedilatildeo geral que enuncia o gecircnero de ser da alma a
definiccedilatildeo pela capacidade explica como a alma eacute princiacutepio de vida Entretanto haacute um terceiro
enunciado em DA II 3 que parece eliminar a validade da definiccedilatildeo pela forma e validar apenas
a definiccedilatildeo pela capacidade Trata-se da definiccedilatildeo seriada segundo a qual haacute diversos tipos de
alma que se dispotildeem em uma seacuterie hierarquicamente ordenada na qual a anterior subsiste na
posterior mas natildeo o contraacuterio Aristoacuteteles declara que a definiccedilatildeo pela forma enquanto uma
noccedilatildeo geral de alma eacute absurda Pois ela natildeo explica os tipos de alma e a causa de se disporem
em sucessatildeo Isto levou uma seacuterie de comentadores a compreenderem a definiccedilatildeo pela
capacidade como a noccedilatildeo aniacutemica de Aristoacuteteles jaacute que ela enunciaria os tipos de alma em
disposiccedilatildeo seriada
Diante disso argumento que a definiccedilatildeo pela forma eacute tatildeo relevante para a noccedilatildeo de
alma quanto a noccedilatildeo pela capacidade Como se veraacute na seccedilatildeo 2a) a definiccedilatildeo pela forma faz
da alma a atualidade primeira do corpo e princiacutepio de determinaccedilatildeo das funccedilotildees vitais Como
consequecircncia do seu caraacuteter atual a alma eacute aquilo a partir do qual as capacidades se dispotildeem
no corpo Ao entrarem em atividade atraveacutes dos oacutergatildeos do corpo elas se atualizam Neste
13
sentido tanto a definiccedilatildeo pela forma quanto a definiccedilatildeo pela capacidade satildeo mutuamente
necessaacuterias para uma noccedilatildeo de alma que atenda ao projeto psicoloacutegico aristoteacutelico
Para tanto apresento na primeira seccedilatildeo o horizonte conceitual e teoacuterico mediante o
qual Aristoacuteteles investiga a alma Atraveacutes das vaacuterias aporiacuteai elencadas em DA I 1 se delimita
tanto o fim que a investigaccedilatildeo persegue quanto a seus limites conceituais de teorizaccedilatildeo Em
seguida trato das endoxai presentes em DA I 2-5 como recurso metodoloacutegico para se extrair
das teses predecessoras algumas noccedilotildees miacutenimas sobre a alma Na seccedilatildeo seguinte abordo as
trecircs noccedilotildees jaacute apresentadas acima Como se veraacute ao iniacutecio de DA I 1 e 2 Aristoacuteteles ainda faz
duas revisotildees metodoloacutegicas deixando bem claro qual aspecto da investigaccedilatildeo se objetiva
tratar Especificamente em 2a) sobre DA II 1 remonto o argumento que resulta na definiccedilatildeo
pela forma comentando qual sua implicaccedilatildeo ontoloacutegica para a alma e como ela se desdobra
nas noccedilotildees aniacutemicas de atualidade primeira e princiacutepio de determinaccedilatildeo Em seguida
apresento a definiccedilatildeo pelas capacidades como princiacutepio de vida em DA II 2 Com isso indico
como a noccedilatildeo de vida e alma estatildeo associadas e como Aristoacuteteles argumenta para uma ser
evidecircncia da outra fazendo desta a causa daquela Adiante apresento a definiccedilatildeo seriada em
DA II 3 e como ela potildee em crise a definiccedilatildeo pela forma Por fim explicito como muitos
comentadores se localizaram em meio ao problema e argumento como as trecircs definiccedilotildees estatildeo
em uma unidade conceitual na qual todas satildeo relevantes para o projeto psicoloacutegico de
Aristoacuteteles
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1 A TAacuteBUA DA DEFINICcedilAtildeO
A fim de apresentar os problemas proacuteprios ao estudo da alma e delimitar seu campo de
investigaccedilatildeo Aristoacuteteles apresenta em DA I 1 uma taacutebua de definiccedilatildeo onde elenca os
elementos para definir a alma e a abordagem para a sua pesquisa Primeiro Aristoacuteteles
circunscreve em que paracircmetros conceituais a noccedilatildeo se estabelece Em seguida se apresenta o
meacutetodo que orienta a busca por esse enunciado Deste modo os elementos de definiccedilatildeo que
compotildeem a lista satildeo o gecircnero de ser da alma1 o seu modo de ser
2 e por fim sua unidade
3 Jaacute
como abordagem decide-se pela ordem loacutegica da definiccedilatildeo4 para se analisar a independecircncia
das suas partes5 de modo a determinar o primeiro passo a se investigar em cada uma e
finalmente conhecer sobre a sua separabilidade6
Logo ao iniacutecio de De Anima I 1 Aristoacuteteles enuncia qual o objetivo geral de
seu projeto investigativo
ἐπιζητοῦμεν δὲ θεωρῆσαι καὶ γνῶναι τήν τε φύσιν αὐτῆς καὶ τὴν οὐσίαν εἶθ ὅσα
συμβέβηκε περὶ αὐτήν ὧν τὰ μὲν ἴδια πάθη τῆς ψυχῆς εἶναι δοκεῖ τὰ δὲ δι ἐκείνην
καὶ τοῖς ζῴοις ὑπάρχειν
Buscamos considerar e conhecer sua natureza e substacircncia bem como todos os seus
atributos dentre os quais uns parecem ser afecccedilotildees proacuteprias da alma enquanto outros
parecem subsistir nos animais graccedilas a ela DA I 1 402a7-10 (Trad Gomes dos Reis)
Investigar a natureza (phyacutesis) da alma consiste em pesquisar seu gecircnero de ser Jaacute
conhecer sua substacircncia (ousiacutea) eacute conhecer seus atributos (symbeacutebekos) as caracteriacutesticas que
1 πρῶτον δ ἴσως ἀναγκαῖον διελεῖν ἐν τίνι τῶν γενῶν καὶ τί ἐστι λέγω δὲ πότερον τόδε τι καὶ οὐσία ἢ ποιὸν ἢ
ποσόν ἢ καί τις ἄλλη τῶν διαιρεθεισῶν κατηγοριῶν ldquoEm todo caso eacute preciso decidir primeiro a qual dos
gecircneros a alma pertence e o que eacute ndash quero dizer se ela eacute algo determinado e substacircncia ou se eacute uma qualidade
uma quantidade ou mesmo alguma outra das categorias jaacute distinguidasrdquo DA I 1 402a22-25 (Trad de Gomes dos
Reis) 2 ἔτι δὲ πότερον τῶν ἐν δυνάμει ὄντων ἢ μᾶλλον ἐντελέχειά τις ldquoe ainda se estaacute entre os seres em potecircncia ou
antes se eacute uma certa atualidaderdquo DA I 1 402a27 (Trad de Gomes dos Reis) 3 σκεπτέον δὲ καὶ εἰ μεριστὴ ἢ ἀμερής καὶ πότερον ὁμοειδὴς ἅπασα ψυχὴ ἢ οὔ εἰ δὲ μὴ ὁμοειδής πότερον εἴδει
διαφέρουσα ἢ γένει ldquoEacute preciso examinar tambeacutem se ela eacute divisiacutevel em partes ou natildeo e se toda e qualquer alma eacute
de mesma forma e no caso de natildeo ser de mesma forma se a diferenccedila eacute de espeacutecie ou de gecircnerordquo DA I 1
402b1-3 (Trad de Gomes dos Reis) 4 εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον
ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν
ἄλλο κατηγοροῖτο ldquoEacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma uacutenica
definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a de cavalo catildeo homem
divindade sendo neste caso o animal considerado universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo
ocorrendo para qualquer outro atributo comum que for predicadordquo DA I 1 402b4-9 (Trad de Gomes dos Reis) 5 ἔτι δέ εἰ μὴ πολλαὶ ψυχαὶ ἀλλὰ μόρια πότερον δεῖ ζητεῖν πρότερον τὴν ὅλην ψυχὴν ἢ τὰ μόρια χαλεπὸν δὲ
καὶ τούτων διορίσαι ποῖα πέφυκεν ἕτερα ἀλλήλων καὶ πότερον τὰ μόρια χρὴ ζητεῖν πρότερον ἢ τὰ ἔργα αὐτῶν
ldquoAleacutem disso no caso de serem muitas as partes e natildeo as almas deve-se primeiro investigar a alma como um
todo ou suas partes Tambeacutem eacute difiacutecil definir quais dentre estas satildeo por natureza distintas entre si e se eacute uacutetil
investigar primeiro as partes ou suas funccedilotildeesrdquo DA I 1 402b9-12 (Trad de Gomes dos Reis) 6 ἀπορίαν δ ἔχει καὶ τὰ πάθη τῆς ψυχῆς πότερόν ἐστι πάντα κοινὰ καὶ τοῦ ἔχοντος ἢ ἔστι τι καὶ τῆς ψυχῆς ἴδιον
αὐτῆς ldquoHaacute ainda a dificuldade de saber se as afecccedilotildees da alma satildeo todas comuns agravequilo que possui alma ou se
haacute tambeacutem alguma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma tatildeo somenterdquo DA I 1 403a3-5 (Trad de Gomes dos Reis)
15
nos datildeo uma noccedilatildeo da alma segundo suas afecccedilotildees (patheacute) Entre os seus atributos alguns
parecem ser exclusivamente afecccedilotildees da alma jaacute outros parecem ser comuns agrave alma e ao
corpo portanto atributos um ser animado (zoacuteois) Por afecccedilatildeo devemos compreender a
determinaccedilatildeo na mateacuteria (loacutegoi eacutenyloi)7 de maneira que os atributos da alma e do corpo seratildeo
comuns a ambos Jaacute a afecccedilatildeo proacutepria agrave alma eacute a que natildeo se daacute pela determinaccedilatildeo na mateacuteria
mas por si mesma Entre os atributos da alma a capacidade de pensamento parece ser a que
atende esse requisito A menos poreacutem que dependa de imagens para sua atividade Assim
nem mesmo o pensamento seria uma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma8 Em suma a investigaccedilatildeo da
alma consiste em saber sua natureza sua essecircncia e as afecccedilotildees que lhe satildeo atribuiacutedas sejam
elas proacuteprias ou comuns ao corpo no qual ela se instancia
Aristoacuteteles parte entatildeo para o primeiro elemento da definiccedilatildeo a se estabelecer
πρῶτον δ ἴσως ἀναγκαῖον διελεῖν ἐν τίνι τῶν γενῶν καὶ τί ἐστι λέγω δὲ πότερον τόδε
τι καὶ οὐσία ἢ ποιὸν ἢ ποσόν ἢ καί τις ἄλλη τῶν διαιρεθεισῶν κατηγοριῶν
Em todo caso eacute preciso decidir primeiro a qual dos gecircneros a alma pertence e o que eacute
ndash quero dizer se ela eacute algo determinado e substacircncia ou se eacute uma qualidade uma
quantidade ou mesmo alguma outra das categorias jaacute distinguidas DA I 1 402a22-25
(Trad de Gomes dos Reis)
O primeiro dos pressupostos sobre os quais se deveraacute responder eacute o gecircnero de ser da
alma Filopono9 comenta que Aristoacuteteles tem em vista platocircnicos pitagoacutericos e Xenoacutecrates
para os quais a alma eacute substacircncia harmonia e nuacutemero respectivamente Nas Categorias10
7 εἰ δ οὕτως ἔχει δῆλον ὅτι τὰ πάθη λόγοι ἔνυλοί εἰσιν ldquoSe assim eacute as afecccedilotildees satildeo evidentemente formas
implicadas na mateacuteriardquo DA I 1 403a24 (Trad Gomes dos Reis) 8 εἰ δ ἐστὶ καὶ τοῦτο φαντασία τις ἢ μὴ ἄνευ φαντασίας οὐκ ἐνδέχοιτ ἂν οὐδὲ τοῦτ ἄνευ σώματος εἶναιldquoNatildeo
obstante se tambeacutem o pensar eacute um tipo de imaginaccedilatildeo ou se ele natildeo pode ocorrer sem a imaginaccedilatildeo entatildeo nem
mesmo o pensar poderia existir sem o corpordquo DA I 1 403a8-10 (Trad Gomes dos Reis) 9 ὧν ἐστι καὶ Ξενοκράτης ἀριθμὸς γάρ φησί κινῶν ἑαυτόν ἐστιν ἡ ψυχή ὁ δὲ ἀριθμὸς ὑπὸ τὸ ποσόν εἰ δὴ
τοῦτο ἔλεγεν ἐκεῖνος καὶ μὴ ἄλλο τι διὰ τούτου ᾐνίττετο οἱ δὲ ὑπὸ τὸ ποιόν ὧν εἰσιν καὶ οἱ ἰατροὶ κρᾶσιν εἶναι
λέγοντες τοιοῦτοι δ ἂν εἶεν καὶ οἱ ἐντελέχειαν λέγοντες τοιαύτην μαθησόμεθα γάρ πῶς φησιν αὐτὴν
ἐντελέχειαν ὁ Ἀριστοτέλης οἱ δὲ λόγον λέγοντες τῶν στοιχείων δόξαιεν ἂν ὑπὸ τὸ πρός τι ἀνάγειν τὸ γὰρ
διπλάσιον ἢ ἡμιόλιον ὑπὸ τὸ πρός τι τινὸς γὰρ διπλάσιον ἀμφίβολον οὖν τέως τὸ γένος ldquoAlguns a classificam
sob o tiacutetulo de substacircncia outros sob quantidade Dentre eles Xenoacutecrates que afirma que a alm eacute o nuacutemero
movendo por si mesmo e o nuacutemero eacute dado sob quantidade se for isto que ele quer dizer ao inveacutes de algo
distinto do que por essas palavras ele se refere obscuramente Outros dizem que isto pertence a qualidade Em
meio a isto estatildeo os meacutedicos que dizem que eacute a mistura dentre os quais haacute tambeacutem os que dizem que eacute uma
atualidade pois aprenderemos com Aristoacuteteles chama a alma de atualidade Aqueles que dizem que eacute uma
proporccedilatildeo dos elementos pareceriam entitulaacute-la sob a ltcategoria dogt relativo pelo duplo ou a metade
pertencerem agrave categoria do relativo pois o duplo eacute de algo Assim sendo entatildeo o gecircnero permanece
controversordquo PHILOPONUS Com DA 32 32 ndash 337 (Trad da traduccedilatildeo de P J Eijk) 10Οὐσία δέ ἐστιν ἡ κυριώτατά τε καὶ πρώτως καὶ μάλιστα λεγομένη ἣ μήτε καθ ὑποκειμένου τινὸς λέγεται μήτε
ἐν ὑποκειμένῳ τινί ἐστιν οἷον ὁ τὶς ἄνθρωπος ἢ ὁ τὶς ἵππος δεύτεραι δὲ οὐσίαι λέγονται ἐν οἷς εἴδεσιν αἱ
πρώτως οὐσίαι λεγόμεναι ὑπάρχουσιν ταῦτά τε καὶ τὰ τῶν εἰδῶν τούτων γένη ldquoSubstacircncia entendida em
sentido proacuteprio primeiro e supremo eacute a que natildeo se predica de um sujeito e natildeo existe nalgum sujeito por
exemplo um homem um cavalo Substacircncias segundas satildeo as formas (ou espeacutecies) nas quais estatildeo incluiacutedas as
que satildeo ditas substacircncias primeiras e tambeacutem os gecircneros destasrdquo Cat 5 2a11 (Trad Lucas Angioni)
16
Aristoacuteteles compreende a substacircncia primeira como entes particulares enquanto o gecircnero e
forma satildeo substacircncias segundas Sabe-se que Aristoacuteteles inverte esta noccedilatildeo de substacircncia em
Metafiacutesica Z onde substacircncia primeira eacute identificada com a forma11
que eacute priorizada em
relaccedilatildeo ao composto e agrave mateacuteria Portanto as noccedilotildees de substacircncia quantidade e qualidade
que Aristoacuteteles trabalha na definiccedilatildeo de alma no DA I 1 estariam mais proacuteximas das Cat que
da Met Z Eacute o que somos levados a acreditar se considerarmos que esta mesma formulaccedilatildeo
ocorre mais adiante em DA I 5 410a16-2112
Nesta e naquela passagem Aristoacuteteles quer saber
se a alma eacute uma substacircncia particular e determinada ou seja um objeto de predicaccedilatildeo que natildeo
se predica de outrem
Passemos para o segundo elemento que deve estar presente numa definiccedilatildeo de alma
ἔτι δὲ πότερον τῶν ἐν δυνάμει ὄντων ἢ μᾶλλον ἐντελέχειά τις
e ainda se estaacute entre os seres em potecircncia ou antes se eacute uma certa atualidade DA I
1 402a27 (Trad de Gomes dos Reis)
A diferenccedila que os conceitos de potecircncia (dyacutenamis) e atualidade (entelekheacuteia) fazem eacute
sobre o estatuto material ou formal da alma Pois se a alma for de natureza material entatildeo eacute
em potecircncia e sujeita ao movimento Entretanto se for de natureza formal seraacute uma certa
atualidade e princiacutepio de determinaccedilatildeo e atividade Gomes dos Reis13
observa que atualidade
eacute colocada em termos vagos (ldquouma certa atualidaderdquoenteleacutekheia tiacutes) o que indica que soacute faz
sentido falar em atualidade enquanto forma especiacutefica quando instanciada em uma mateacuteria de
um tipo uma alma x que se instancia em um corpo de um tipo x
Outro elemento de definiccedilatildeo da alma eacute sua unidade
σκεπτέον δὲ καὶ εἰ μεριστὴ ἢ ἀμερής καὶ πότερον ὁμοειδὴς ἅπασα ψυχὴ ἢ οὔ εἰ δὲ
μὴ ὁμοειδής πότερον εἴδει διαφέρουσα ἢ γένει
Eacute preciso examinar tambeacutem se ela eacute divisiacutevel em partes ou natildeo e se toda e qualquer
alma eacute de mesma forma e no caso de natildeo ser de mesma forma se a diferenccedila eacute de
espeacutecie ou de gecircnero DA I 1 402b1-3 (Trad de Gomes dos Reis)
11 ἕκαστόν τε γὰρ οὐκ ἄλλο δοκεῖ εἶναι τῆς ἑαυτοῦ οὐσίας καὶ τὸ τί ἦν εἶναι λέγεται εἶναι ἡ ἑκάστου
οὐσίαldquoCom efeito a coisa individual natildeo parece ser diferente da proacutepria substacircncia e dizemos que a essecircncia eacute
justamente a substacircncia da coisa individualrdquo Met Z 6 1031ordf17-18 (Trad Giovanni Reale)
εἶδος δὲ λέγω τὸ τί ἦν εἶναι ἑκάστου καὶ τὴν πρώτην οὐσίαν ldquoPor forma entendo a essecircncia de cada coisa e sua
substacircncia primeirardquo Met Z 7 1032b1-2 (Trad Giovanni Reale) 12 ἆρ οὖν ὅσα τῶν οὐσιῶν ἐκ τούτων μόνον πῶς οὖν γινώσκει καὶ τῶν ἄλλων ἕκαστον ἢ φήσουσιν ἑκάστου
γένους εἶναι στοιχεῖα καὶ ἀρχὰς ἰδίας ἐξ ὧν τὴν ψυχὴν συνεστάναι ἔσται ἄρα ποσὸν καὶ ποιὸν καὶ οὐσία ἀλλ
ἀδύνατον ἐκ τῶν τοῦ ποσοῦ στοιχείων οὐσίαν εἶναι καὶ μὴ ποσόνldquoOra seraacute a alma composta somente daqueles
elementos que satildeo comuns agraves substacircncias Como entatildeo conhece ainda cada um dos outros Ou se diraacute que haacute
elementos e princiacutepios particulares a cada gecircnero e que a alma eacute constituiacuteda de todos eles A alma seria entatildeo
quantidade qualidade e substacircncia Mas eacute impossiacutevel que a substacircncia seja composta dos elementos da
quantidade e natildeo seja quantidade ela mesmardquo DA I 5 410a16-21 (Trad Gomes dos Reis) 13 2006 148-149
17
Aqui reside um dos problemas mais comprometedores sobre a investigaccedilatildeo
psicoloacutegica aristoteacutelica a) A alma eacute divisiacutevel ou indivisiacutevel b) cada parte da alma teria uma
forma proacutepria c) Caso seja divisiacutevel as almas se diferenciam em gecircnero ou espeacutecie
Segundo Polansky14
Aristoacuteteles resolve esta bateria de problemas supondo que um ser
vivente tem sua proacutepria alma cujas partes correspondam agraves funccedilotildees sendo estas partes
divisiacuteveis pelos tipos de vida (vegetativa animal humana) A divisibilidade das partes se daacute
de acordo com a capacidade aniacutemica que eacute viver segundo uma atividade e se distinguiria em
gecircnero (a vida perceptiva) ou espeacutecie (catildees cavalos e homem) Isto que garantiraacute a
indivisibilidade da alma ao longo dos tipos de vida segundo suas capacidades Assim
Aristoacuteteles consegue ter um enunciado formal que garanta a unidade geneacuterica fazendo dos
tipos de vida como espeacutecies de seres vivos e as capacidades suas diferenccedilas especiacuteficas
Definido isto deve-se inquirir sobre a amplitude da definiccedilatildeo
εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ
καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι
οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν ἄλλο κατηγοροῖτο
Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma
uacutenica definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a
de cavalo catildeo homem divindade sendo neste caso o animal considerado
universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo ocorrendo para qualquer outro
atributo comum que for predicado DA I 1 402b4-9 (Trad de Gomes dos Reis)
Ateacute aqui Aristoacuteteles se debruccedilava sobre os elementos que devem compor a definiccedilatildeo
de alma Daqui adiante a questatildeo passa a ser qual a abordagem de pesquisa para se formular
esta definiccedilatildeo E um primeiro ponto se refere agrave abrangecircncia da definiccedilatildeo Dado que a alma
pode ter partes sendo estas partes divisiacuteveis ou natildeo a definiccedilatildeo deve ser geral e abranger todo
gecircnero de alma ou deve haver uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie de alma Para Polansky15
a
existecircncia de gecircneros eacute questionaacutevel pois parecem ser universais Noacutes natildeo encontramos um
universal tal qual Soacutecrates e Caacutelias pois estes satildeo particulares Tambeacutem natildeo encontramos um
gecircnero de alma tal qual catildees e cavalos pois estes satildeo espeacutecies Deste modo uma definiccedilatildeo
geneacuterica ofereceria apenas uma noccedilatildeo comum segundo as espeacutecies de alma sem
necessariamente enunciar suas as espeacutecies Portanto esta questatildeo contrasta duas noccedilotildees de
definiccedilatildeo da alma a particular (kathrsquo hekaacutesten) e universal (tograve kathoacutelou) Esta tensatildeo
enunciada aqui persistiraacute nas questotildees posteriores ainda neste capiacutetulo mas se evidenciaraacute
mais fortemente nos enunciados de alma presentes em DA II 1-3 Em siacutentese o problema
consiste em saber se a definiccedilatildeo de alma deve ser pelo seu gecircnero ou sua espeacutecie
14 2007 34-35 15 2008 45
18
ἔτι δέ εἰ μὴ πολλαὶ ψυχαὶ ἀλλὰ μόρια πότερον δεῖ ζητεῖν πρότερον τὴν ὅλην ψυχὴν ἢ
τὰ μόρια χαλεπὸν δὲ καὶ τούτων διορίσαι ποῖα πέφυκεν ἕτερα ἀλλήλων καὶ πότερον
τὰ μόρια χρὴ ζητεῖν πρότερον ἢ τὰ ἔργα αὐτῶν
Aleacutem disso no caso de serem muitas as partes e natildeo as almas deve-se primeiro
investigar a alma como um todo ou suas partes Tambeacutem eacute difiacutecil definir quais dentre
estas satildeo por natureza distintas entre si e se eacute uacutetil investigar primeiro as partes ou
suas funccedilotildees DA I 1 402b9-12 (Trad de Gomes dos Reis)
Na medida em que a alma eacute composta de partes que correspondem agraves suas
capacidades se decide se a investigaccedilatildeo abordaraacute primeiramente suas partes ou a alma como
um todo aleacutem de como investigar a capacidade ou a funccedilatildeo caso as capacidades sejam
distintas Ou seja eacute preciso decidir se a investigaccedilatildeo se inicia pela percepccedilatildeo ou pelo animal
ἀπορίαν δ ἔχει καὶ τὰ πάθη τῆς ψυχῆς πότερόν ἐστι πάντα κοινὰ καὶ τοῦ ἔχοντος ἢ
ἔστι τι καὶ τῆς ψυχῆς ἴδιον αὐτῆς
Haacute ainda a dificuldade de saber se as afecccedilotildees da alma satildeo todas comuns agravequilo que
possui alma ou se haacute tambeacutem alguma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma tatildeo somente DA I 1
403a3-5 (Trad de Gomes dos Reis)
Apoacutes uma exaustiva exposiccedilatildeo do que deve compor a definiccedilatildeo de alma
Aristoacuteteles elenca o uacuteltimo requisito de sua investigaccedilatildeo o grau de separabilidade da alma ou
de alguma de suas partes As capacidades de movimento reproduccedilatildeo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo e
imaginaccedilatildeo parecem ter sua ocorrecircncia no composto de corpo e alma que eacute o ser vivente
Entretanto haacute na teoria aristoteacutelica do intelecto sua face passiva e ativa conforme formulou a
tradiccedilatildeo sendo a ativa de natureza separada e imortal16
Isto faria desta parte do intelecto uma
afecccedilatildeo proacutepria da alma sem ocorrecircncia conjunta com o corpo Filopono17
comenta que este eacute
um problema determinante para a composiccedilatildeo da definiccedilatildeo de alma Se a alma tem afecccedilotildees
proacuteprias e separadas do corpo a definiccedilatildeo dispensaraacute o corpo de seu enunciado Se pelo
contraacuterio as afecccedilotildees aniacutemicas tecircm ocorrecircncia corpoacuterea entatildeo a definiccedilatildeo de alma deve
conter o corpo em seu enunciado
O que se conquista enfim com esta taacutebua de definiccedilatildeo em De Anima I 1 Que
investigar a natureza da alma eacute responder a seu gecircnero de ser o que implica em saber se a
16χωρισθεὶς δ ἐστὶ μόνον τοῦθ ὅπερ ἐστί καὶ τοῦτο μόνον ἀθάνατον καὶ ἀΐδιον ldquoSomente isto [o intelecto]
quando separado eacute propriamente o que eacute e somente isto eacute imortal e eternordquo DA III 5 (Trad Gomes dos Reis) 17 εἰ μὲν οὖν ὡς ὀργάνῳ χρῆται τῷ σώματι ἰδίᾳ ἔχουσα τὰς ἐνεργείας οὐ δεῖ προσχρήσασθαι τῷ σώματι πρὸς
τὸν ὁρισμόν οὐ γὰρ συμπληροῖ τὴν οὐσίαν τοῦ τέκτονος τὸ σκέπαρνον εἰ δὲ ἐν τῷ σώματι ἔχει τὸ εἶναι ὡς
εἶναι τὰς ἐνεργείας τοῦ συναμφοτέρου ἀνάγκη προσχρήσασθαι ἐν τῷ ὁρισμῷ τῷ σώματι ὥσπερ ἐπὶ τοῦ θυμοῦ
ἐλέγομεν ἀναγκαία οὖν ἡ τούτων λῆψις οὐκ εὐχερὴς δέ ltπάθηgt δὲ κοινότερον τὰς ἐνεργείας τῆς ψυχῆς
ἐκάλεσε ldquoSe usa o corpo como instrumento e tem suas atividades peculiares a si mesmo natildeo haacute qualquer
necessidade de se remeter ao corpo na definiccedilatildeo ndash pois um machado natildeo completa a essecircncia de um carpinteiro ndash
mas se a alma tem seu ser no corpo e suas atividades pertencem ao composto eacute necessaacuterio tambeacutem se remeter
ao corpo na definiccedilatildeo tal qual como nos referimos em relaccedilatildeo ao iacutempeto Estabelecer essas coisas entatildeo eacute
necessaacuterio poreacutem natildeo eacute faacutecil Afecccedilatildeo eacute o termo mais geral que ele usa para as atividades da almardquo
PHILOPONUS Com DA 4429-35 (Trad da trad de P J Eijk)
19
alma eacute potencialmente ou em atualidade Isto posto se a alma eacute como uma substacircncia e
portanto una ou separaacutevel e caso seja em partes se satildeo divisiacuteveis ou natildeo Aleacutem disso se a
definiccedilatildeo deve abranger diversos tipos de alma ou se haacute uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie Por
fim se sua investigaccedilatildeo parte das partes ou do todo
20
2 A NOCcedilAtildeO DE ALMA EM ARISTOacuteTELES
A noccedilatildeo de alma em Aristoacuteteles obedece trecircs momentos de elaboraccedilatildeo Um primeiro
ao longo da discussatildeo das endoxai de seus predecessores em DA I 2-5 Em outro quando
argumenta por conceitos metafiacutesicos e formula a noccedilatildeo geral de alma em DA II 1 Aleacutem de
um uacuteltimo a partir de DA II 2 quando se formula uma outra noccedilatildeo de alma pelas
capacidades Esta trajetoacuteria visa (i) levantar as teses que foram elaboradas sobre o assunto
visando extrair certos princiacutepios verdadeiros Com estes princiacutepios (ii) se expotildee a noccedilatildeo
geral Mas esta noccedilatildeo que responde sobre o ser da alma natildeo indica os tipos especiacuteficos de
vida Portanto (iii) eacute preciso inquirir por outra abordagem e provar que a alma eacute princiacutepio das
capacidades que manifestam vida no ser pois atraveacutes dessas capacidades explicamos esses
distintos modos de viver Como se veraacute esta travessia responde agrave taacutebua de definiccedilatildeo de DA I
1 e Aristoacuteteles ara todo o terreno sobre o qual ele ergue sua psicologia
21 A DEFINICcedilAtildeO PELA FORMA
Aristoacuteteles conclui seu levantamento das endoxai em DA I 2-5 com duas noccedilotildees
relativas agrave alma que ela eacute una18
e imoacutevel19
Somente no iniacutecio do livro seguinte em DA II 1
ele apresenta sua noccedilatildeo onde o objetivo traccedilar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos)
que abarque as vaacuterias formas de vida
18 φαίνεται δὲ καὶ τὰ φυτὰ διαιρούμενα ζῆν καὶ τῶν ζῴων ἔνια τῶν ἐντόμων ὡς τὴν αὐτὴν ἔχοντα ψυχὴν τῷ
εἴδει εἰ καὶ μὴ ἀριθμῷ ἑκάτερον γὰρ τῶν μορίων αἴσθησιν ἔχει καὶ κινεῖται κατὰ τόπον ἐπί τινα χρόνον εἰ δὲ
μὴ διατελοῦσιν οὐθὲν ἄτοπον ὄργανα γὰρ οὐκ ἔχουσιν ὥστε σώζειν τὴν φύσιν ἀλλ οὐδὲν ἧττον ἐν ἑκατέρῳ
τῶν μορίων ἅπαντ ἐνυπάρχει τὰ μόρια τῆς ψυχῆς καὶ ὁμοειδῆ ἐστιν ἀλλήλοις καὶ τῇ ὅλῃ ἀλλήλοις μὲν ὡς οὐ
χωριστὰ ὄντα τῇ δ ὅλῃ ψυχῇ ὡς οὐ διαιρετῇ οὔσῃ ἔοικε δὲ καὶ ἡ ἐν τοῖς φυτοῖς ἀρχὴ ψυχή τις εἶναι μόνης γὰρ
ταύτης κοινωνεῖ καὶ ζῷα καὶ φυτά καὶ αὕτη μὲν χωρίζεται τῆς αἰσθητικῆς ἀρχῆς αἴσθησιν δ οὐθὲν ἄνευ ταύτης
ἔχει ldquoEacute manifesto ainda que as plantas ndash e dentre os animais alguns insetos ndash quando secionadas continuam a
viver como se tivessem a mesma alma especificamente ainda que natildeo numericamente pois cada uma das partes
tem sensaccedilatildeo e move-se localmente por algum tempo Se natildeo sobrevivem natildeo resulta em absurdo algum pois
natildeo mantecircm oacutergatildeos aponto de conservar a sua natureza Em cada uma das partes poreacutem estatildeo todas as partes da
alma e nenhuma a menos E elas satildeo da mesma espeacutecie entre si e em relaccedilatildeo agrave alma inteira ndash as diversas partes
satildeo inseparaacuteveis uma das outras embora a alma inteira seja divisiacutevel Parece que o princiacutepio encontrado nas
plantas eacute tambeacutem um certo tipo de alma pois eacute apenas compartilhada por animais e plantas e ela existe
separada do princiacutepio perceptivo embora sem ela nada possa ter percepccedilatildeordquo 411b19-411b30 19ὅτι μὲν οὖν οὔθ ἁρμονίαν οἷόν τ εἶναι τὴν ψυχὴν οὔτε κύκλῳ περιφέρεσθαι δῆλον ἐκ τῶν εἰρημένων ldquoQue a
alma natildeo pode ser harmonia nem locomover-se em ciacuterculo fica claro a partir do que foi ditordquo 408ordf29-30 (Trad
Gomes dos Reis)
ὅτι μὲν οὖν οὐχ οἷόν τε κινεῖσθαι τὴν ψυχήν φανερὸν ἐκ τούτων εἰ δ ὅλως μὴ κινεῖται δῆλον ὡς οὐδ ὑφ
ἑαυτῆς Eacute evidente a partir disso tudo que natildeo eacute possiacutevel que a alma se mova ldquoE se de todo modo natildeo se move eacute
claro tambeacutem que natildeo se move por si mesmardquo 408b30-31 (Trad Gomes dos Reis)
φανερὸν οὖν ἐκ τῶν εἰρημένων ὡς οὔτε τὸ γινώσκειν ὑπάρχει τῇ ψυχῇ διὰ τὸ ἐκ τῶν στοιχείων εἶναι οὔτε τὸ
κινεῖσθαι αὐτὴν καλῶς οὐδ ἀληθῶς λέγεται ldquoEacute manifesto entatildeo a partir do que foi dito que nem o conhecer
subsite na alma por ela ser composta dos elementos nem eacute uma maneira certa ou verdadeira dizer qua a alma eacute
movidardquo 411a24-26 (Trad Gomes dos Reis)
21
Τὰ μὲν δὴ ὑπὸ τῶν πρότερον παραδεδομένα περὶ ψυχῆς εἰρήσθω πάλιν δ ὥσπερ ἐξ
ὑπαρχῆς ἐπανίωμεν πειρώμενοι διορίσαι τί ἐστι ψυχὴ καὶ τίς ἂν εἴη κοινότατος λόγος
αὐτῆς
Tendo dito o suficiente sobre as opiniotildees a respeito da alma fornecida por nossos
predecessores retomemos como que do comeccedilo e tentemos definir o que eacute a alma e
qual seria seu enunciado mais geral 412a1-6 (Trad Gomes dos Reis)
A busca pelo enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) visa uma definiccedilatildeo de alma
comum agraves diversas formas de vida Em meio agrave pluralidade de modos de vida a alma eacute aquilo
a partir do qual essa pluralidade se unifica num gecircnero de ser ndash o dos seres viventes
(empsykhon) Aristoacuteteles compreende que uma noccedilatildeo puramente geneacuterica natildeo explica as
formas especiacuteficas do objeto de estudo Entretanto o enunciado geral responde agrave primeira
parte da taacutebua de definiccedilatildeo como notaremos no decorrer da definiccedilatildeo pela forma que seraacute
enunciada Com eles Aristoacuteteles alicerccedila conceitualmente as outras definiccedilotildees que seratildeo
formuladas nos outros capiacutetulos
Assim entatildeo Aristoacuteteles inicia seu argumento
λέγομεν δὴ γένος ἕν τι τῶν ὄντων τὴν οὐσίαν ταύτης δὲ τὸ μέν ὡς ὕλην ὃ καθ αὑτὸ
οὐκ ἔστι τόδε τι ἕτερον δὲ μορφὴν καὶ εἶδος καθ ἣν ἤδη λέγεται τόδε τι καὶ τρίτον
τὸ ἐκ τούτων ἔστι δ ἡ μὲν ὕλη δύναμις τὸ δ εἶδος ἐντελέχεια καὶ τοῦτο διχῶς τὸ
μὲν ὡς ἐπιστήμη τὸ δ ὡς τὸ θεωρεῖν
Dizemos que um dos gecircneros dos seres eacute a substacircncia E substacircncia primeiro no
sentido de mateacuteria ndash que por si mesmo natildeo eacute algo determinado ndash e ainda no sentido
de figura e forma ndash em virtude do que jaacute se diz que eacute algo determinado ndash e por fim
no sentido de composto de ambas A mateacuteria por sua vez eacute potecircncia ao passo que a
forma eacute atualidade e isto de dois modos seja como ciecircncia seja como inquirir DA II
1 412a6-11(Trad Gomes dos Reis)
Aristoacuteteles parte de teses presentes em seu tratado de filosofia primeira a Metafiacutesica
Laacute ele investiga o ser enquanto ser que tem muitos significados mas todos convergem para
um soacute20
O que responde a estes diversos significados do que eacute o ser ao ti estiacute eacute a
substacircncia21
(ousiacutea) Satildeo substacircncias a mateacuteria (hyacutele) a forma (morpheacute) e o composto de
ambas ( tograve ek touacutetoon) 22
Apesar da mateacuteria ser indeterminada23
permanece na mudanccedila e eacute
20 διὸ καὶ ἡμῖν τοῦ ὄντος ᾗ ὂν τὰς πρώτας αἰτίας ληπτέον Τὸ δὲ ὂν λέγεται μὲν πολλαχῶς ἀλλὰ πρὸς ἓν καὶ μίαν
τινὰ φύσιν Por isso tambeacutem noacutes devemos apreender as causas primeiras do ente enquanto ente ldquoEnterdquo se diz de
muitas maneiras mas em relaccedilatildeo a algo uacutenico e a uma natureza uacutenicardquo Met G 1-2 1003ordf31-32 (Trad Lucas
Angioni) 21τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν ldquoE
sendo o ente dito de muitos modos eacute evidente que o ente primeiro eacute o que eacute entre todos o que designa a
substacircnciardquo Met Z 2 1028b13-15 (Trad Lucas Angioni) 22 αὗται δ εἰσὶν αἱ αἰσθηταί αἱ δ αἰσθηταὶ οὐσίαι πᾶσαι ὕλην ἔχουσιν ἔστι δ οὐσία τὸ ὑποκείμενον ἄλλως μὲν
ἡ ὕλη (ὕλην δὲ λέγω ἣ μὴ τόδε τι οὖσα ἐνεργείᾳ δυνάμει ἐστὶ τόδε τι) ἄλλως δ ὁ λόγος καὶ ἡ μορφή ὃ τόδε τι
ὂν τῷ λόγῳ χωριστόν ἐστιν τρίτον δὲ τὸ ἐκ τούτων οὗ γένεσις μόνου καὶ φθορά ἐστι καὶ χωριστὸν ἁπλῶς τῶν
γὰρ κατὰ τὸν λόγον οὐσιῶν αἱ μὲν αἱ δ οὔ ldquoE agora devemos reexaminar as substacircncias que satildeo admitidas por
todos E essas satildeo as substacircncias sensiacuteveis Todas as substacircncias sensiacuteveis tecircm mateacuteria E substacircncia eacute o
substrato o qual em certo sentido significa a mateacuteria (chamo mateacuteria o que natildeo eacute algo determinado em ato mas
22
objeto de predicaccedilatildeo caracteriza-se como o substrato (hypokeiacutemenon) do composto Para ser
determinada a mateacuteria depende da forma que lhe confere ser (ti estiacute) Assim toda mateacuteria
determinada pela forma seraacute um composto Por isso Aristoacuteteles defende que uma boa
definiccedilatildeo das substacircncias compostas eacute a que enuncie a determinaccedilatildeo da forma na mateacuteria24
Em suma a substacircncia eacute o gecircnero primeiro de ser sendo esta tanto mateacuteria quanto forma
assim como o composto de ambas
A indeterminaccedilatildeo da mateacuteria e a determinaccedilatildeo da forma estatildeo intrinsecamente
relacionadas aos conceitos correlatos de potecircncia (dyacutenamis) e atualidade (enteleacutekheia) na
filosofia primeira de Aristoacuteteles A mateacuteria eacute indeterminada pois natildeo eacute algo em ato mas em
potecircncia na medida que eacute passiacutevel de determinaccedilatildeo pela forma Aristoacuteteles assinala que ser
em potecircncia significa ter o princiacutepio de movimento (kiacutenesis) ou de modicaccedilatildeo (metaboleacute) seja
por causa extriacutenseca ou intriacutenseca25
A mateacuteria portanto eacute potecircncia pois traz em si o princiacutepio
de ser movida ou modificada por si mesma ou por um outro isto Potecircncia tambeacutem estaacute
algo determinado soacute em potecircncia) num segundo sentido significa a essecircncia e a forma (a qual sendo algo
determinado pode ser separada pelo pensamento) e num terceiro sentido significa o composto de mateacuteria e de
forma (e soacute este estaacute submetido agrave geraccedilatildeo e agrave corrupccedilatildeo e eacute separado em sentido proacuteprio enquanto das
substacircncias entendidas segundo a forma algumas satildeo separadas outras natildeo satildeo)rdquo H 1042a24-31 (Trad Giovani
Reale) 23 λέγω δ ὕλην ἣ καθ αὑτὴν μήτε τὶ μήτε ποσὸν μήτε ἄλλο μηδὲν λέγεται οἷς ὥρισται τὸ ὄν ἔστι γάρ τι καθ οὗ
κατηγορεῖται τούτων ἕκαστον ᾧ τὸ εἶναι ἕτερον καὶ τῶν κατηγοριῶν ἑκάστῃ (τὰ μὲν γὰρ ἄλλα τῆς οὐσίας
κατηγορεῖται αὕτη δὲ τῆς ὕλης) ὥστε τὸ ἔσχατον καθ αὑτὸ οὔτε τὶ οὔτε ποσὸν οὔτε ἄλλο οὐδέν ἐστιν οὐδὲ δὴ
αἱ ἀποφάσεις καὶ γὰρ αὗται ὑπάρξουσι κατὰ συμβεβηκός ldquoChamo mateacuteria aquilo que por si natildeo eacute algo
determinado nem uma quantidade nem qualquer outra das determinaccedilotildees do ser Existe de fato alguma coisa da
qual cada uma dessas determinaccedilotildees eacute predicada alguma coisa cujo ser eacute diferente do ser de cada uma das
categorias Todas as outras categorias com efeito satildeo predicadas da substacircncia e esta por sua vez eacute predicada
da mateacuteria Assim este termo por si natildeo eacute nem algo determinado nem quantidade nem qualquer outra
categoria e natildeo eacute nem sequer as negaccedilotildees destas porque as negaccedilotildees soacute existem de modo acidentalrdquo Met Z 3
1029ordf20-26 (Trad Giovani Reale) 24 οἱ δὲ ἀγγεῖον σκεπαστικὸν χρημάτων καὶ σωμάτων ἤ τι ἄλλο τοιοῦτον προτιθέντες τὴν ἐνέργειαν λέγουσιν οἱ
δ ἄμφω ταῦτα συντιθέντες τὴν τρίτην καὶ τὴν ἐκ τούτων οὐσίαν (ἔοικε γὰρ ὁ μὲν διὰ τῶν διαφορῶν λόγος τοῦ
εἴδους καὶ τῆς ἐνεργείας εἶναι ὁ δ ἐκ τῶν ἐνυπαρχόντων τῆς ὕλης μᾶλλον) ὁμοίως δὲ καὶ οἵους Ἀρχύτας
ἀπεδέχετο ὅρους τοῦ συνάμφω γάρ εἰσιν ldquoAo contraacuterio os que a definem dizendo que eacute um refuacutegio para
proteger coisas e corpos ou alguma outra coisa desse tipo dizendo o que eacute a casa em ato enfim os que unem
ambas as definiccedilotildees experimenta substacircncia no terceiro significado como composto de mateacuteria e forma Eacute claro
que a definiccedilatildeo dada pelas diferenccedilas refere-se agrave forma e ao ato enquanto a definiccedilatildeo dada a partir dos
elementos refere-se prioritariamente agrave mateacuteria Semelhantes a estas eram as definiccedilotildees que Arquita aprovava
elas referiam-se ao conjunto de mateacuteria e formardquo H 2 1043ordf17-21 (Trad Giovani Reale)
φανερὸν δὴ ἐκ τῶν εἰρημένων τίς ἡ αἰσθητὴ οὐσία ἐστὶ καὶ πῶς ἡ μὲν γὰρ ὡς ὕλη ἡ δ ὡς μορφὴ καὶ ἐνέργεια
ἡ δὲ τρίτη ἡ ἐκ τούτων ldquoDo que foi dito fica claro o que eacute a substacircncia sensiacutevel e qual eacute seu modo de ser ela eacute
por um lado mateacuteria por outro forma e ato e num terceiro sentido o conjunto de mateacuteria e de formardquo Met H
2 1043a26-28 (Trad Giovani Reale) 25 ἡ μὲν οὖν ὅλως ἀρχὴ μεταβολῆς ἢ κινήσεως λέγεται δύναμις ἐν ἑτέρῳ ἢ ᾗ ἕτερον ἡ δ ὑφ ἑτέρου ἢ ᾗ ἕτερον
(καθ ἣν γὰρ τὸ πάσχον πάσχει τι ὁτὲ μὲν ἐὰν ὁτιοῦν δυνατὸν αὐτό φαμεν εἶναι παθεῖν ὁτὲ δ οὐ κατὰ πᾶν
πάθος ἀλλ ἂν ἐπὶτὸ βέλτιον) ldquoPotecircncia portanto significa em primeiro lugar esse princiacutepio de mudanccedila ou de
movimento que se encontra em outra coisa ou na propria coisa enquanto outra e em segundo lugar significa o
princiacutepio pelo qual uma coisa eacute mudada ou movida por outra ou por si mesma enquanto outrardquo Met Δ 12
1019ordf19-23 (Trad Giovani Reale)
23
relacionada ao princiacutepio de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo26
Na medida em que as coisas satildeo
constituiacutedas de um determinado modo elas trazem em potecircncia a manutenccedilatildeo de si diante da
accedilatildeo de outra coisa como a parede que natildeo quebra se batida com um copo de vidro ou trazem
em potecircncia a degeneraccedilatildeo tal qual um copo de vidro que quebra quando lanccedilado contra a
parede Jaacute a forma eacute atualidade (enteleacutekheia) tanto como ciecircncia quanto inquirir ou seja
enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) e atividade (energeia) Atualidade enquanto disposiccedilatildeo significa
a jaacute detenccedilatildeo de determinada capacidade mas sem sua atividade Ser apto a caminhar mas
estar sentado por exemplo Jaacute ato enquanto atividade significa o exerciacutecio dessa disposiccedilatildeo
Ser apto a caminhar e estar caminhando
οὐσίαι δὲ μάλιστ εἶναι δοκοῦσι τὰ σώματα καὶ τούτων τὰ φυσικά ταῦτα γὰρ τῶν
ἄλλων ἀρχαί τῶν δὲ φυσικῶν τὰ μὲν ἔχει ζωήν τὰ δ οὐκ ἔχει ζωὴν δὲ λέγομεν τὴν
δι αὑτοῦ τροφήν τε καὶ αὔξησιν καὶ φθίσιν ὥστε πᾶν σῶμα φυσικὸν μετέχον ζωῆς
οὐσία ἂν εἴη οὐσία δ οὕτως ὡς συνθέτη
E haacute a opiniatildeo de que sobretudo os corpos satildeo substacircncia entre os quais se encontram
os corpos naturais que satildeo princiacutepios dos demais Dos corpos naturais alguns tecircm
vida outros natildeo e dizemos que a vida eacute a nutriccedilatildeo por si mesmo o crescimento e o
decaimento Assim todo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido
de substacircncia composta DA II 1 412a11-16 (Trad Gomes dos Reis)
Aristoacuteteles retorna a uma tese geral amplamente adotada por ele segundo a qual dentre
as substacircncias as sensiacuteveis satildeo as mais aceitas27
por serem mais evidentes aos sentidos O que
26 ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ τοῦ πάσχειν ἔτι ὅσαι ἕξεις καθ ἃς ἀπαθῆ ὅλως ἢ ἀμετάβλητα ἢ μὴ ῥᾳδίως ἐπὶ τὸ χεῖρον
εὐμετακίνητα δυνάμεις λέγονται κλᾶται μὲν γὰρ καὶ συντρίβεται καὶ κάμπτεται καὶ ὅλως φθείρεται οὐ τῷ
δύνασθαι ἀλλὰ τῷ μὴ δύνασθαι καὶ ἐλλείπειν τινός ἀπαθῆ δὲ τῶν τοιούτων ἃ μόλις καὶ ἠρέμα πάσχει διὰ δύ
ναμιν καὶ τῷ δύνασθαι καὶ τῷ ἔχειν πώς ldquoO mesmo vale para a potecircncia passiva Aleacutem disso chamam-se
potecircncias todos os estados em virtude dos quais as coisas satildeo absolutamente impassiacuteveis ou imutaacuteveis ou natildeo
facilmente mutaacuteveis para pior De fato as coisas quebram-se degeneram-se dobram-se e em geral destroem-se
natildeo porque tecircm potecircncia mas porque natildeo tecircm potecircncia a e porque carecem de alguma coisa ao contraacuterio satildeo
impassiacuteveis relativamente a todo estes tipos de afecccedilotildees as coisas que dificilmente ou pouco satildeo afetadas por elas
por causa de sua potecircncia e de seu poder e por determinadas condiccedilotildees em que se encontremrdquo Met Δ 12 1019ordf
26-32 (Trad Giovani Reale) 27 Οὐσία λέγεται τά τε ἁπλᾶ σώματα οἷον γῆ καὶ πῦρ καὶ ὕδωρ καὶ ὅσα τοιαῦτα καὶ ὅλως σώματα καὶ τὰ ἐκ
τούτων συνεστῶτα ζῷά τε καὶ δαιμόνια καὶ τὰ μόρια τούτων ἅπαντα δὲ ταῦτα λέγεται οὐσία ὅτι οὐ καθ
ὑποκειμένου λέγεται ἀλλὰ κατὰ τούτων τὰ ἄλλα ldquoSubstacircncia em certo sentido se diz dos corpos simples por
exemplo o fogo a terra a aacutegua e todos os corpos como estes e em geral todos os corpos e as coisas compostas
a partir deles como os animais e os seres divinos e suas partes Todas essas coisas satildeo ditas substacircncias porque
natildeo satildeo predicadas de um substrato mas tudo o mais eacute predicado delasrdquo Met Δ 1017b10ndash14 (Trad Giovani
Reale)
Τὸ ὂν λέγεται πολλαχῶς καθάπερ διειλόμεθα πρότερον ἐν τοῖς περὶ τοῦ ποσαχῶς σημαίνει γὰρ τὸ μὲν τί ἐστι
καὶ τόδε τι τὸ δὲ ποιὸν ἢ ποσὸν ἢ τῶν ἄλλων ἕκαστον τῶν οὕτω κατηγορουμένων τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου
τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν (ὅταν μὲν γὰρ εἴπωμεν ποῖόν τι
τόδε ἢ ἀγαθὸν λέγομεν ἢ κακόν ἀλλ οὐ τρίπηχυ ἢ ἄνθρωπον ldquoO ser tem muitos signficados como
estabelecemos anteriormente no livro dedicado aos diversos significados dos termos De fato o ser signfica de
um lado essecircncia e algo determinado de outro qualidade ou quantidade e cada uma das outras categorias
Mesmo sendo dito em tantos signficados eacute evidente que o primeiro dos significados do ser eacute a essecircncia que
indica a substacircncia (De fato quando perguntamos a qualidade de alguma coisa dizemos que eacute boa ou maacute mas
natildeo que tem trecircs cocircvados ou que eacute homemrdquo 1028a10ndash16 (Trad Giovani Reale)
24
Aristoacuteteles chama aqui de corpos naturais (physikoacuten) corresponde aos compostos que datildeo
origem aos artificiais e com a abstraccedilatildeo das suas unidades a objetos matemaacuteticos Mas natildeo
satildeo elementos ou partes sem unidade como o olho ou a raiz da aacutervore Pois eacute o animal que
deteacutem o olho e a aacutervore que deteacutem a raiacutez Sendo assim os corpos naturais se diferenciam
entre os que vivem e os que natildeo vivem Estes que natildeo vivem satildeo os corpos artificiais os
corpos celestes e o cadaacutever Um corpo morto seraacute de animal senatildeo por homoniacutemia pois natildeo
tem como atividade o viver E o viver eacute nutrir-se eacute crescer e eacute decair Donde Aristoacuteteles
conclui que ldquotodo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido de substacircncia
compostardquo Os seres viventes (empsykhon) satildeo substacircncias compostas de mateacuteria (corpo) e
forma (alma) tendo como atividade o viver
ἐπεὶ δ ἐστὶ καὶ σῶμα καὶ τοιόνδε ζωὴν γὰρ ἔχον οὐκ ἂν εἴη σῶμα ἡ ψυχή οὐ γάρ
ἐστι τῶν καθ ὑποκειμένου τὸ σῶμα μᾶλλον δ ὡς ὑποκείμενον καὶ ὕλη ἀναγκαῖον
ἄρα τὴν ψυχὴν οὐσίαν εἶνα ὡς εἶδος σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν ἔχοντος
E uma vez que essa substacircncia tambeacutem eacute um corpo de tal tipo ndash que tem vida ndash a
alma natildeo eacute corpo pois o corpo natildeo eacute um dos predicados do substrato antes ele eacute
como o substrato e a mateacuteria Necessariamente entatildeo a alma eacute substacircncia como
forma de um corpo natural potencialmente vivo 412ordf16-21 (Trad Maria Ceciacutelia
Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo proacutepria)
Finalmente Aristoacuteteles tece sua uacuteltima premissa e enuncia uma primeira definiccedilatildeo de
alma Dado que os corpos naturais dotados de vida satildeo compostos hilemoacuterficos cabe eliminar
qualquer possibilidade da alma ser corpo O argumento eacute conciso Haacute substacircncias que satildeo um
corpo dotado de vida Este corpo vivo natildeo eacute alma Mas substrato (hypokeimeacutenon) e mateacuteria
(hyacutele) do composto E como tal eacute objeto de predicaccedilatildeo da forma Portanto a alma natildeo pode
ser corpo pois ela que o predica
Em Met Z 3 escreve Aristoacuteteles que o substrato eacute aquilo que eacute predicado pelas coisas
enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outra28
Jaacute a substacircncia eacute aquilo que predica o
substrato mas que natildeo eacute predicada pelas outras coisas Sendo assim inerem no substrato
determinaccedilotildees como quantidade afecccedilotildees accedilotildees e potecircncias Poreacutem raspadas as
determinaccedilotildees o que resta eacute o substrato primeiro mateacuteria Contudo como jaacute enunciado
ὁμολογούμεναι μὲν αἱ φυσικαί οἷον πῦρ γῆ ὕδωρ ἀὴρ καὶ τἆλλα τὰ ἁπλᾶ σώματα ἔπειτα τὰ φυτὰ καὶ τὰ μόρια
αὐτῶν καὶ τὰ ζῷα καὶ τὰ μόρια τῶν ζῴων καὶ τέλος ὁ οὐρανὸς καὶ τὰ μόρια τοῦ οὐρανοῦ ἰδίᾳ δέ τινες οὐσίας
λέγουσιν εἶναι τά τ εἴδη καὶ τὰ μαθηματικά ldquoSubstacircncias admitidas por todos satildeo as fiacutesicas como fogo terra
aacutegua ar e os outros corpos simples ademais as plantas e suas partes do ceacuteu Alguns filoacutesofos ao contraacuterio em
funccedilatildeo de suas opiniotildees particulares afirmaram que substacircncias satildeo as Formas e os Entes matemaacuteticosrdquo Met H
1042a7ndash11(Trad Giovani Reale)
28 τὸ δ ὑποκείμενόν ἐστι καθ οὗ τὰ ἄλλα λέγεται ἐκεῖνο δὲ αὐτὸ μηκέτι κατ ἄλλου ldquoO Substrato eacute aquilo de
que satildeo predicadas todas as outras coisas enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outrardquo Met Z 3 1028b36 ndash
1029a1 (Trad Giovani Reale)
25
acima Aristoacuteteles compreende a mateacuteria como algo indeterminado Apesar disso haacute algo da
qual todas as outras determinaccedilotildees satildeo predicadas E sendo a substacircncia um algo separado
que predica a mateacuteria ou seja que referencia e determina a mateacuteria substacircncia e mateacuteria natildeo
podem ser idecircnticas O que este argumento nos ajuda a compreender eacute o pressuposto
metafiacutesico sobre o qual Aristoacuteteles identifica o corpo com o substrato impossibilitando que
este seja identificado com a alma Ou seja a substacircncia que predica o corpo
Portanto se o corpo eacute substrato material do composto orgacircnico vivo segue-se
necessariamente que a alma eacute a substacircncia formal Aristoacuteteles enuncia entatildeo seu perseguido
enunciado mais geral a alma eacute substacircncia como forma de um corpo natural potencialmente
vivo A alma enquanto substacircncia do composto vivo eacute substacircncia no sentido de forma Com
este enunciado Aristoacuteteles responde o primeiro ponto do elenco de questotildees a serem
abordadas numa investigaccedilatildeo da alma a saber a qual gecircnero de ser pertence a alma
Para a alma ser forma de um corpo potencialmente vivo ndash e ser potencialmente vivo eacute
dispor de oacutergatildeos passiacuteveis de realizaccedilatildeo das atividades proacuteprias ao viver ndash significa ser o
princiacutepio estruturante e configurador das funccedilotildees (eacutergon) de vida Assim a alma eacute o princiacutepio
e causa determinante do ser atraveacutes das atividades proacuteprias ao viver em um corpo de tal tipo
Portanto a alma configura a realidade das substacircncias compostas viventes sendo aquilo a
partir e em vista do que a vida se daacute
Aristoacuteteles abre caminho para a responder sua taacutebua de definiccedilotildees de DA I 1 A
primeira delas eacute configurar a relaccedilatildeo entre a alma e o corpo fundamentando a noccedilatildeo de
inseparabilidade entre uma e outro Pois ser a forma de um composto demanda que a alma se
atualize apenas se instanciada em um estofo material e seja seu princiacutepio de ser Em siacutentese a
alma eacute como a substacircncia e o corpo eacute como o substrato da substacircncia composta viva que eacute o
ser vivente
Seguindo as noccedilotildees jaacute traccediladas anteriormente Aristoacuteteles desdobraraacute outras duas
caracteriacutesticas proacuteprias agrave alma atualidade primeira e princiacutepio de determinaccedilatildeo do corpo Jaacute
que a alma eacute forma e forma eacute atualidade entatildeo a alma eacute atualidade deste corpo
potencialmente vivo como se lecirc logo em seguida
ἡ δ οὐσία ἐντελέχεια τοιούτου ἄρα σώματος ἐντελέχεια αὕτη δὲ λέγεται διχῶς ἡ
μὲν ὡς ἐπιστήμη ἡ δ ὡς τὸ θεωρεῖν φανερὸν οὖν ὅτι ὡς ἐπιστήμη ἐν γὰρ τῷ
ὑπάρχειν τὴν υχὴν καὶ ὕπνος καὶ ἐγρήγορσίς ἐστιν ἀνάλογον δ ἡ μὲν ἐγρήγορσις τῷ
θεωρεῖν ὁ δ ὕπνος τῷ ἔχειν καὶ μὴ ἐνεργεῖν προτέρα δὲ τῇ γενέσει ἐπὶ τοῦ αὐτοῦ ἡ
ἐπιστήμη διὸ ἡ ψυχή ἐστιν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν
ἔχοντος
E a substacircncia eacute atualidade Portanto eacute de um corpo de tal tipo que a alma eacute
atualidade Mas esta se diz de dois modos ndash primeiro como ciecircncia segundo como o
26
inquirir Eacute claro entatildeo que a alma eacute atualidade como ciecircncia pois ao subsistir a alma
haacute tanto o sono como a vigiacutelia e a vigiacutelia eacute algo anaacutelogo ao inquirir o sono a possuir
a ciecircncia mas natildeo a exercecirc-la e no que concerne a um mesmo indiviacuteduo a ciecircncia eacute
a primeira atualidade de um corpo natural que tem em potecircncia vida DA II 1 412a21-
28 (Trad Gomes dos Reis)
Como jaacute estabelecido em 401a6-11 a atualidade se diz segundo a disposiccedilatildeo e a
atividade Aqui disposiccedilatildeo (heacutexis) estaacute para a ciecircncia (epistecircme) como atividade (energeacuteia)
estaacute para inquirir (theoreicircn) Portanto disposiccedilatildeo eacute a obtenccedilatildeo de dada capacidade sem
executaacute-la enquanto atividade eacute sua execuccedilatildeo
Aristoacuteteles conclui seu argumento especificando a alma como uma atualidade primeira
(enteleacutekheia proteacute) Charlton29
propotildee que o termo ldquoprimeirordquo (proteacute) se refira agrave atualidade no
primeiro sentido ou seja enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) O que parece plausiacutevel pois o texto
aristoteacutelico nos diz que a alma eacute atualidade como ciecircncia (phanerograven oucircn hoacuteti hocircs episteme)
Aleacutem disso nas discussotildees preliminares sobre a capacidade perceptiva Aristoacuteteles discorre
um pouco mais sobre as diferenccedilas entre atualidade em termos de disposiccedilatildeo e atividade
διαιρετέον δὲ καὶ περὶ δυνάμεως καὶ ἐντελεχείας νῦν γὰρ ἁπλῶς ἐλέγομεν περὶ
αὐτῶν ἔστι μὲν γὰρ οὕτως ἐπιστῆμόν τι ὡς ἂν εἴποιμεν ἄνθρωπον ἐπιστήμονα ὅτι ὁ
ἄνθρωπος τῶν ἐπιστημόνων καὶ ἐχόντων ἐπιστήμην ἔστι δ ὡς ἤδη λέγομεν
ἐπιστήμονα τὸν ἔχοντα τὴν γραμματικήν ἑκάτερος δὲ τούτων οὐ τὸν αὐτὸν τρόπον
δυνατός ἐστιν ἀλλ ὁ μὲν ὅτι τὸ γένος τοιοῦτον καὶ ἡ ὕλη ὁ δ ὅτι βουληθεὶς δυνατὸς
θεωρεῖν ἂν μή τι κωλύσῃ τῶν ἔξωθεν ὁ δ ἤδη θεωρῶν ἐντελεχείᾳ ὢν καὶ κυρίως
ἐπιστάμενος τόδε τὸ Α ἀμφότεροι μὲν οὖν οἱ πρῶτοι κατὰ δύναμιν ἐπιστήμονες
ltὄντες ἐνεργείᾳ γίνονται ἐπιστήμονεςgtἀλλ ὁ μὲν διὰ μαθήσεως ἀλλοιωθεὶς καὶ
πολλάκις ἐξ ἐναντίας μεταβαλὼν ἕξεως ὁ δ ἐκ τοῦ ἔχειν τὴν ἀριθμητικὴν ἢ τὴν
γραμματικήν μὴ ἐνεργεῖν δέ εἰς τὸ ἐνεργεῖν ἄλλον τρόπον
Eacute preciso ainda fazer distinccedilotildees no que diz respeito agrave potecircncia e agrave atualidade Pois ateacute
agora falaacutevamos disso de maneira simples Por um lado haacute aquele que conhece no
sentido em que diriacuteamos ser o homem conhecedor por estar entre os que conhecem e
possuem conhecimento e haacute em outro sentido aquele que dizemos ser conhecedor
por jaacute saber a gramaacutetica (e cada um deles eacute em potecircncia mas natildeo da mesma maneira
o primeiro por que eacute de tal gecircnero e mateacuteria o outro porque se quiser pode inquirir
nada externo o impedindo) E haacute por fim aquele que estaacute inquirindo e em atualidade
conhecendo em sentido proacuteprio este ldquoArdquo determinado Os dois primeiros satildeo
conhecedores em potecircncia um por ter-se alterado via aprendizagem e por passar
vaacuterias vezes de uma das disposiccedilotildees contraacuterias a outra o outro de outro modo por
passar do ter a percepccedilatildeo sensiacutevel30 ou a gramaacutetica sem exercitaacute-lo ao estar em
exerciacutecio DA II 5 417a21-b2 (Trad Gomes dos Reis)
O ser humano eacute configurado de modo a realizar certas atividades como a nutriccedilatildeo a
percepccedilatildeo e a inquiriccedilatildeo Entretanto a pura organizaccedilatildeo fiacutesica natildeo basta para que elas sejam
realizadas Assim somente quando a funccedilatildeo proacutepria de determinada disposiccedilatildeo fiacutesica entra
em atividade eacute que aquilo que eacute em potecircncia se torna uma atualidade No caso acima a
capacidade de inquirir Mas toda capacidade exige um objeto para entrar em atividade E o
29 1980 p 174 30 A tradutora optou por substituir o termo ldquoarithmetikegravenrdquo por ldquoaiacutesthesinrdquo Cf GOMES DOS REIS 2012 p 84
27
que era uma potecircncia de aprendizado para o inquiridor torna-se uma atualidade pela atividade
da sua inquiriccedilatildeo Deste modo haacute trecircs instacircncias que vatildeo da potecircncia agrave atualidade Na
primeira o ser vivente eacute dotado da capacidade de aprender a inquirir Na segunda esta
disposiccedilatildeo eacute posta em atividade tendo um objeto para se inquirir Na terceira eacute a atividade
dessa capacidade aprendida ou adquirida que se tem uma atualidade plena No primeiro caso
eacute claramente uma capacidade segundo uma disposiccedilatildeo No segundo caso jaacute temos um estado
de atualidade na medida em que haacute o exerciacutecio dessa capacidade proacutepria ao ser vivente
Aristoacuteteles chama isso de potecircncia pois em relaccedilatildeo agrave terceira instacircncia aquele modo de
atualidade eacute ainda suscetiacutevel de alteraccedilatildeo E quando essa nova capacidade a gramaacutetica eacute
adquirida pela atividade desta nova capacidade de inquirir possiacutevel apenas pela sua
disposiccedilatildeo na fisiologia do ser vivente a capacidade se atualiza plenamente
Assim a alma eacute atualidade primeira de um corpo potencialmente vivo enquanto
princiacutepio de atividade das capacidades proacuteprias ao viver presentes como disposiccedilatildeo que a
forma engendra neste corpo Isto fica mais evidente em DA II 1 412b5-9
εἰ δή τι κοινὸν ἐπὶ πάσης ψυχῆς δεῖ λέγειν εἴη ἂν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος
φυσικοῦ ὀργανικοῦ διὸ καὶ οὐ δεῖ ζητεῖν εἰ ἓν ἡ ψυχὴ καὶ τὸ σῶμα ὥσπερ οὐδὲ τὸν
κηρὸν καὶ τὸ σχῆμα οὐδ ὅλως τὴν ἑκάστου ὕλην καὶ τὸ οὗ ἡ ὕλη τὸ γὰρ ἓν καὶ τὸ
εἶναι ἐπεὶ πλεοναχῶς λέγεται τὸ κυρίως ἡ ἐντελέχειά ἐστιν
Se eacute preciso enunciar algo comum a toda e qualquer alma seria que eacute a primeira
atualidade do corpo natural orgacircnico E por isso inclusive natildeo eacute preciso investigar se
alma e corpo satildeo uma unidade ndash tampouco se a cera e a figura o satildeo e em suma nem
se a mateacuteria de cada coisa e aquilo de que eacute mateacuteria ndash pois jaacute que se diz unidade ser
de muitos modos o mais apropriado deles eacute a atualidade (Trad Gomes dos Reis)
O corpo eacute dotado de oacutergatildeos partes que viabilizam a atividade das capacidades
proacuteprias ao viver E eacute a atividade das capacidades atraveacutes dos oacutergatildeos que se confere unidade
entre corpo e alma nesse composto orgacircnico vivo Assim Aristoacuteteles responde sobre a
unidade entre alma e corpo enunciada na taacutebua de definiccedilotildees Natildeo por acaso como corolaacuterio
agraves noccedilotildees de alma como forma e atualidade Aristoacuteteles declara
οὐσία γὰρ ἡ κατὰ τὸν λόγον τοῦτο δὲ τὸ τί ἦν εἶναι τῷ τοιῳδὶ σώματι καθάπερ εἴ τι
τῶν ὀργάνων φυσικὸν ἦν σῶμα οἷον πέλεκυς ἦν μὲν γὰρ ἂν τὸ πελέκει εἶναι ἡ οὐσία
αὐτοῦ καὶ ἡ ψυχὴ τοῦτο χωρισθείσης δὲ ταύτης οὐκ ἂν ἔτι πέλεκυς ἦν ἀλλ ἢ ὁμ
ωνύμως νῦν δ ἔστι πέλεκυς οὐ γὰρ τοιούτου σώματος τὸ τί ἦν εἶναι καὶ ὁ λόγος ἡ
ψυχή ἀλλὰ φυσικοῦ τοιουδί ἔχοντος ἀρχὴν κινήσεως καὶ στάσεως ἐν ἑαυτῷ
Pois ela eacute a substacircncia segundo a determinaccedilatildeo ou seja o que era para ser de um
corpo de tal tipo Se um instrumento fosse um corpo natural ndash por exemplo o
machado ndash a sua substacircncia seria a que eacute ser para o machado e isto seria a sua alma
Separado disso ele natildeo seria mais um machado exceto por homoniacutemia Mas na
verdade eacute um machado pois a alma natildeo eacute a determinaccedilatildeo e o que eacute o que eacute para um
corpo desse tipo mas sim um corpo natural tal que tenha em si mesmo um princiacutepio
28
de movimento e repouso DA II 1 412b10-17 (Trad Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo
proacutepria)
Como jaacute explicitado no enunciado de alma enquanto substacircncia como forma em
412a20 a alma eacute este princiacutepio determinante do ser do composto Ou seja o princiacutepio
organizador das suas disposiccedilotildees e propriedades que determinaratildeo o ser proacuteprio de um corpo
natural capaz de viver A identificaccedilatildeo entre alma e forma se desdobraraacute na identificaccedilatildeo de
alma e o que era para ser31
(tograve tiacute ecircn eicircnai)
Dado que a alma eacute forma e atualidade do corpo Aristoacuteteles estabelece que ela eacute seu
princiacutepio de determinaccedilatildeo das propriedades relevantes que daratildeo o caraacuteter essencial do ser
vivente E eacute evidente como o texto nos mostra e Hamilyn32
sustenta que a determinaccedilatildeo da
essecircncia se daacute segundo sua funccedilatildeo (eacutergon) O ser do machado eacute cortar na medida em que a
funccedilatildeo proacutepria do machado eacute cortar assim como a do olho eacute ver O ser do ser vivente eacute viver
31 A locuccedilatildeo eacute razatildeo de grande controveacutersia na tradiccedilatildeo de comentaacuterios ao texto aristoteacutelico Natildeo entrarei nos
pormenores da discussatildeo mas tomarei a traduccedilatildeo o que era para ser em sua literalidade assim como Angioni
tendo em vista o contexto no qual se pretende compreender seu emprego ldquoTrata-se de uma substantivaccedilatildeo com
o artigo neutro (lsquotorsquo) da pergunta lsquoo que afinal era o ser para tal coisarsquo (lsquoti en to einai toutoirsquo lsquotiacute ecircn tograve eicircnai
toutoirsquo) ndash Aristoacuteteles frequentemente substantiva segmentos de sentenccedilas e expressotildees que em si mesmas
constituem perguntas gramaticalmente completas isso ocorre na designaccedilatildeo das categorias (ldquoo qualrdquo ldquotograve poicirconrdquo
etc) na designaccedilatildeo de algumas das quatro causas (lsquoo que moveu primeirorsquo lsquoo em vista de quersquo) e em outras
expressotildees lsquo(lsquoo por quecircrsquo lsquotograve diagrave tiacutersquo ou lsquotograve dioacutetirsquo) O infinitivo lsquoserrsquo eacute o mesmo que consta na expressatildeo lsquoser +
dativorsquo e que designa a essecircncia da coisa isto eacute o conjunto de propriedades e caracteriacutesticas que deveriam ser
enumeradas no enunciado que define o que a coisa eacute Trata-se do mesmo infinitivo que comparece em 1041a32
1041b28 e 1042b27 (e natildeo se trata do infinitivo que poderia eventualmente ser entendido como existencial tal
como em 1041a15) O imperfeito ldquoerardquo por sua vez consiste num resquiacutecio de um uso dialeacutetico pelo qual o
interlocutor remetia a alguma definiccedilatildeo anteriormente dada destinada a funcionar como paracircmetro para a
discussatildeo ulterior (para referecircncias quanto ao uso desse imperfeito ver nossa dissertaccedilatildeo de mestrado p 89
nota 208) A pergunta original seria lsquoo quecirc era o ser para tal coisarsquo mas isso quer apenas dizer lsquoo quecirc fora
estabelecido (anteriormente na presente discussatildeo) como ser para tal coisarsquo Com o haacutebito a expressatildeo teria
perdido o significado interrogativo que originalmente possuiacutea e teria se tornado um jargatildeo para designar a
essecircncia Em vista disso lsquoto ti en einairsquo poderia ser traduzido ou parafraseado como lsquoaquilo que fora
estabelecido como caracteriacutesticas essenciais de tal coisarsquo A lsquoanterioridade causal da formarsquo muita vez alegada
como chave para a compreensatildeo do jargatildeo eacute compatiacutevel com o significado da expressatildeo mas natildeo explica a
origem do imperfeitordquo (Angioni 2005 102) 32 ldquoAristotlersquos selection of a tool an axe to provide an analogy with the ensouled body reveals how close to the
surface in this discussion is the notion of function The substance or essence of an axe is its function without
which it would not be an axe Like the Greeks in general Aristotle had no difficulty in thinking of a natural body
as having a function too (cf Nicomachean Ethics 1097b22ff) this is part of his general teleology But as he
goes on to point out there are differences also between an axe and a natural body which spoil the analogy This
is the force of the words lsquoBut as it is an axersquo ndash the essence of a axe is not its soul since it does not have one not
being a living thingrdquo ldquoA seleccedilatildeo do Aristoacuteteles de um instrumento um machado prova um analogia com os
coporpos animados revela como o que estaacute em voga eacute a discussatildeo eacute a noccedilatildeo de funccedilatildeo A substacircncia ou
essecircncia de um machado eacute sua funccedilatildeo sem a qual ele natildeo seria um machado Assim como os Gregos
Aristoacuteteles natildeo teve dificuldades em pensar o corpo natural como tambeacutem dotado de funccedilatildeo (cf Eacutetica a
Nicocircmaco 1097b22ss) isto eacute parte da sua teleologia Mas como ele segue pontuando haacute diferenccedilas igualmente
entre um machado e um corpo natural que prejudicam a analogia Eacute o que sugerem as palavras Mas eacute como um
machadorsquo - a essecircncia do machado natildeo eacute sua alma jaacute que ele natildeo tem uma natildeo eacute um ser viventerdquo (HAMLYN
1993 85) (Trad proacutepria)
29
e isto eacute garantido pela alma A locuccedilatildeo o que era para ser como indica Gomes dos Reis33
pode ser compreendida como uma continuidade da forma do ser vivente perante o devir que
lhe eacute proacuteprio ao longo da sua vida
Com isso Aristoacuteteles traccedila suas noccedilotildees preliminares da alma em DA II 1 Haacute ao final
do capiacutetulo algo digno de nota Aristoacuteteles se refere a tudo isto como um rascunho e esboccedilo
de definiccedilatildeo34
Poderiacuteamos entender que estas proposiccedilotildees satildeo insuficientes para o projeto
psicoloacutegico aristoteacutelico E satildeo mesmo em certa medida Pois em relaccedilatildeo agrave taacutebua de
definiccedilatildeo Aristoacuteteles soacute respondeu as noccedilotildees relativas agrave substacircncia atualidade e unidade da
alma Apesar disso como argumentarei na sessatildeo seguinte todo o arcabouccedilo conceitual e
argumentativo aqui esboccedilado sustentaraacute a noccedilatildeo de alma como princiacutepio das capacidades que
denotam vida Aleacutem do mais se lembrarmos que nas primeiras linhas do capiacutetulo Aristoacuteteles
se comprometia tatildeo somente em buscar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) para a
alma eacute inegaacutevel que ele foi bem sucedido Se ao fim de DA I ele tem claro que a alma eacute
princiacutepio imoacutevel de movimento e una em DA II 1 satildeo apresentados os argumentos positivos
para estas duas teses A alma eacute de estatuto formal portanto imoacutevel e princiacutepio organizador
das propriedades do ser Enquanto forma eacute atualidade e assim o princiacutepio de atividade das
capacidades proacuteprias ao ser Enquanto substacircncia eacute o que era para ser do ser vivente e entatildeo
o princiacutepio determinante do que este ser vivente eacute E esta determinaccedilatildeo seraacute dada pela funccedilatildeo
proacutepria das suas capacidades que soacute seratildeo plenificadas com as atividades no oacutergatildeo
correspondente Este enunciado e o que se desdobra dele eacute um rascunho e esboccedilo de definiccedilatildeo
pois natildeo nos explica satisfatoriamente por que a alma eacute princiacutepio das formas especiacuteficas de
vida Aristoacuteteles reconhece isso e segundo um paracircmetro geomeacutetrico de definiccedilatildeo mudaraacute o
curso da investigaccedilatildeo sobre a alma
33 ldquoA expressatildeo to ti ecircn einai pode ser a generalizaccedilatildeo de uma construccedilatildeo com ocorrecircncias nos tratados por
exemplo to [pelekei] einai o ser [para o machado] o ser [para a carne] que seraacute traduzida por sua vez como a
locuccedilatildeo ldquoo que eacute ser para o machadordquo e assim por diante Como reconstruiacute-la eacute um assunto polecircmico Haacute um
verbo no imperfeito (a expressatildeo literalmente diz algo como o lsquoo que era a serrsquo) que poderia ser interpretado
como uma ecircnfase na continuidade da forma a despeito do devirrdquo 2012 208 34τύπῳ μὲν οὖν ταύτῃ διωρίσθω καὶ ὑπογεγράφθω περὶ ψυχῆς ldquoE isto basta como um esquema do esboccedilo de
definiccedilatildeo de almardquo DA II 1 413a10-11 (Trad Gomes dos Reis)
30
22 A DEFINICcedilAtildeO PELAS CAPACIDADES
DA II 2 se inicia com um impasse a noccedilatildeo geral oferece o gecircnero de ser da alma mas
natildeo a enuncia como causa de vida nos seres viventes Diante disso Aristoacuteteles faz uma
revisatildeo metodoloacutegica na investigaccedilatildeo de alma tomando como paradigma o exemplo de
definiccedilatildeo pela causa de um objeto geomeacutetrico
Ἐπεὶ δ ἐκ τῶν ἀσαφῶν μὲν φανερωτέρων δὲ γίνεται τὸ σαφὲς καὶ κατὰ τὸν λόγον
γνωριμώτερον πειρατέον πάλιν οὕτω γ ἐπελθεῖν περὶ αὐτῆς οὐ γὰρ μόνον τὸ ὅτι δεῖ
τὸν ὁριστικὸν λόγον δηλοῦν ὥσπερ οἱ πλεῖστοι τῶν ὅρων λέγουσιν ἀλλὰ καὶ τὴν
αἰτίαν ἐνυπάρχειν καὶ ἐμφαίνεσθαι νῦν δ ὥσπερ συμπεράσμαθ οἱ λόγοι τῶν ὅρων
εἰσίν οἷον τί ἐστιν ὁ τετραγωνισμός τὸ ἴσον ἑτερομήκει ὀρθογώνιον εἶναι
ἰσόπλευρον ὁ δὲ τοιοῦτος ὅρος λόγος τοῦ συμπεράσματος ὁ δὲ λέγων ὅτι ἐστὶν ὁ
τετραγωνισμὸς μέσης εὕρεσις τοῦ πράγματος λέγει τὸ αἴτιον
E jaacute que a partir de coisas natildeo claras embora mais manifestas advecircm clareza e maior
inteligibilidade segundo o enunciado deve-se tentar desta maneira novamente
discorrer sobre a alma pois natildeo somente eacute preciso que o enunciado definidor
esclareccedila os fatos ndash como o faz a maioria das definiccedilotildees ndash mas ainda conter e
expressar a causa Os enunciados das definiccedilotildees na verdade satildeo como conclusotildees O
que eacute por exemplo a quadratura Eacute fazer equivaler um retacircngulo equilaacutetero a um
retacircngulo qualquer Mas tal definiccedilatildeo eacute o enunciado da conclusatildeo e o que diz por sua
vez que a quadratura eacute a descoberta de uma meacutedia proporcional enuncia a causa DA
II 2 413a11-20 (Trad Gomes dos Reis)
Novamente Aristoacuteteles nos relembra a ideia de que as apreensotildees sensiacuteveis satildeo mais
manifestas (phaneroteacuteron) que as apreensotildees inteligiacuteveis As inteligiacuteveis satildeo mais claras
(sophoacutes) pois satildeo formas apreendidas com a razatildeo e menos suscetiacuteveis ao engano Ao
contraacuterio das apreensotildees sensiacuteveis que satildeo mais manifestas Muito embora os pressupostos
que permitiram deduzir o estatuto ontoloacutegico da alma no capiacutetulo anterior sejam mais claros
eles enunciam o vivente como um ser animado enquanto um fato mas natildeo enunciam a alma
como causa do viver Portanto DA II 2 se dedicaraacute a investigar a alma como causa de vida
nos seres viventes a partir do que eacute mais manifesto ao que eacute mais claro
Aristoacuteteles se utiliza de um teorema para explicar que o termo meacutedio de um silogismo
apresenta a causa de um fato Num silogismo dado uma premissa maior que enuncie o fato e
tem como outro fato a conclusatildeo a premissa menor enuncia a causa pois eacute onde se encontra o
porquecirc da conclusatildeo Responder que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois ldquoTodo homem eacute mortalrdquo natildeo
enuncia a causa da mortalidade de Soacutecrates soacute o mero fato de coincidentemente ldquoSoacutecratesrdquo e
ldquoTodo homemrdquo serem mortais Poreacutem se respondemos que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois
ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo e ldquoTodo homem eacute mortalrdquo entatildeo foi enunciado a causa da mortalidade
de Soacutecrates Em sua estrutura claacutessica a premissa maior ldquoTodo homem eacute mortalrdquo a premissa
menor ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo a conclusatildeo ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo
31
Fica a questatildeo de como este novo criteacuterio se aplica agrave definiccedilatildeo E sobre a alma o
corpo e a vida
λέγομεν οὖν ἀρχὴν λαβόντες τῆς σκέψεως διωρίσθαι τὸ ἔμψυχον τοῦ ἀψύχου τῷ
ζῆν πλεοναχῶς δὲ τοῦ ζῆν λεγομένου κἂν ἕν τι τούτων ἐνυπάρχῃ μόνον ζῆν αὐτό
φαμεν οἷον νοῦς αἴσθησις κίνησις καὶ στάσις ἡ κατὰ τόπον ἔτι κίνησις ἡ κατὰ
τροφὴν καὶ φθίσις τε καὶ αὔξησις
Retomando o princiacutepio da investigaccedilatildeo digamos entatildeo que o animado se distingue do
inanimado pelo viver E de muitos modos se diz o viver pois dizemos que algo vive
se nele subsiste pelo menos um destes ndash intelecto percepccedilatildeo sensiacutevel movimento
local e repouso e ainda o movimento segundo a nutriccedilatildeo o decaimento e o
crescimento DA II 2 413a20-24 (Trad Gomes dos Reis)
Aristoacuteteles enuncia uma premissa maior e outra menor
[premissa maior] Todo ser dotado de alma vive
[premissa menor] Viver eacute ser dotado de intelecto percepccedilatildeo nutriccedilatildeo movimento
local e repouso decaimento e crescimento
Eacute proacuteprio agrave alma atribuir vida Viver eacute ser dotado de uma das capacidades
mencionadas Assim todo corpo natural que apresente uma dessas capacidades vive35
Portanto as plantas vivem pois se nutrem crescem e decaem por si proacuteprias
διὸ καὶ τὰ φυόμενα πάντα δοκεῖ ζῆν φαίνεται γὰρ ἐν αὑτοῖς ἔχοντα δύναμιν καὶ
ἀρχὴν τοιαύτην δι ἧς αὔξησίν τε καὶ φθίσιν λαμβάνουσι κατὰ τοὺς ἐναντίους τόπους
οὐ γὰρ ἄνω μὲν αὔξεται κάτω δ οὔ ἀλλ ὁμοίως ἐπ ἄμφω καὶ πάντῃ ὅσα ἀεὶ
τρέφεταί τε καὶ ζῇ διὰ τέλους ἕως ἂν δύνηται λαμβάνειν τροφήν
Por isso parece inclusive que todas as plantas vivem pois eacute manifesto que tecircm em si
mesmas uma potecircncia e um princiacutepio deste tipo por meio do qual ganham
crescimento e decaimento segundo direccedilotildees contraacuterias pois natildeo crescem apenas para
cima e natildeo para baixo mas similarmetne em ambas e em todas as direccedilotildees e assim eacute
para as que se nutrem constantemente e vivem ateacute o fim enquanto puderem obter
alimento DA II 2 413a25-31 (Trad Gomes dos Reis)
Assim como os animais vivem jaacute que satildeo dotados de nutriccedilatildeo e percepccedilatildeo
τὸ μὲν οὖν ζῆν διὰ τὴν ἀρχὴν ταύτην ὑπάρχει τοῖς ζῶσι τὸ δὲ ζῷον διὰ τὴν αἴσθησιν
πρώτως καὶ γὰρ τὰ μὴ κινούμενα μηδ ἀλλάττοντα τόπον ἔχοντα δ αἴσθησιν ζῷα
λέγομεν καὶ οὐ ζῆν μόνον
O viver subsiste nos seres vivos por conta deste princiacutepio e o animal constitui-se
primordialmente pela percepccedilatildeo sensiacutevel Pois dizemos que satildeo animais ndash e natildeo
apenas que vivem ndash tambeacutem os que natildeo se movem nem mudam de lugar mas
possuem percepccedilatildeo DA II 2 413b1-4 (Trad Gomes dos Reis)
Com isso temos a conclusatildeo do silogismo psicoloacutegico aristoteacutelico
[conclusatildeo a] Plantas e animais satildeo animados
E desta uma outra
35 Como jaacute antecipara em DA II 1 412a11-16 citado na paacutegina 16
32
[conclusatildeo b] Plantas e animais satildeo vivos
Portanto assim como todo retacircngulo teraacute quadratura por causa da sua proporccedilatildeo com
um retacircngulo quadrilaacutetero todo corpo seraacute um ser vivente por ser dotado de alma Entretanto
uma ldquoquestatildeo de aluno bobordquo seria perguntar para Aristoacuteteles de onde vecircm essas duas
premissas Ao conectar alma e vida sem explicar esta uacuteltima poderia levar a investigaccedilatildeo
aristoteacutelica agrave obscuridade precisamente onde se deveria ter mais clareza Entatildeo para que
Aristoacuteteles garanta a alma como causa da vida mortal ele endossaria os pressupostos dos seus
predecessores e portanto distinguiria o animado do inanimado pelo movimento e pela
percepccedilatildeo36
Polansky apesar disso natildeo esclarece afinal quais os argumentos que sustentam
a associaccedilatildeo entre alma e vida Se limitando apenas agraves implicaccedilotildees argumentativas desse
pressuposto
Contudo se assumirmos que Aristoacuteteles endossa a tese de seus predecessores segundo
a qual o animado se distingue do inanimado pelo movimento e percepccedilatildeo37
e que a nutriccedilatildeo eacute
a capacidade mais baacutesica entre os seres animados38
e por fim que a nutriccedilatildeo e a percepccedilatildeo
satildeo uma forma de movimento39
somos levados a crer que o argumento consiste em
[P1] viver eacute ao menos nutriccedilatildeo crescimento e decaimento
[P2] nutriccedilatildeo crescimento e decaimento satildeo um tipo de movimento (do tipo por si)
[P3] tudo o que se move por si eacute animado
[P4] a alma eacute um princiacutepio imoacutevel de movimento
[C1] logo tudo o que vive eacute animado
36 Cf Nota seguinte 37 τὸ ἔμψυχον δὴ τοῦ ἀψύχου δυσὶ μάλιστα διαφέρειν δοκεῖ κινήσει τε καὶ τῷ αἰσθάνεσθαι παρειλήφαμεν δὲ
καὶ παρὰ τῶν προγενεστέρων σχεδὸν δύο ταῦτα περὶ ψυχῆς ldquoOra haacute a opiniatildeo de que o animado difere do
inanimado em dois aspectos o movimento e a percepccedilatildeo sensiacutevel E em relaccedilatildeo agrave alma satildeo mais ou menos
esses dois que recebemos de nossos predecessoresrdquo DA I 1 403b25-28 (Trad Gomes dos Reis) 38 ὥστε πρῶτον περὶ τροφῆς καὶ γεννήσεως λεκτέον ἡ γὰρ θρεπτικὴ ψυχὴ καὶ τοῖς ἄλλοις ὑπάρχει καὶ πρώτη
καὶ κοινοτάτη δύναμίς ἐστι ψυχῆς καθ ἣν ὑπάρχει τὸ ζῆν ἅπασιν ldquoPor conseguinte deve-se primeiro tratar do
alimento e da geraccedilatildeo pois a alma nutritiva subsiste tambeacutem com as outras sendo a primeira e a mais comum
potecircncia da alma segundo a qual subsiste em todos o viverrdquo DA II 4 415A22-25 (Trad Gomes dos Reis) 39 ἔστι δὲ καὶ ἀλλοίωσις καὶ αὔξησις κατὰ ψυχήν ἡ μὲν γὰρ αἴσθησις ἀλλοίωσίς τις εἶναι δοκεῖ αἰσθάνεται δ
οὐθὲν ὃ μὴ μετέχει ψυχῆς ὁμοίως δὲ καὶ περὶ αὐξήσεώς τε καὶ φθίσεως ἔχει οὐδὲν γὰρ φθίνει οὐδ αὔξεται
φυσικῶς μὴ τρεφόμενον τρέφεται δ οὐθὲν ὃ μὴ κοινωνεῖ ζωῆς ldquoMas inclusive a alteraccedilatildeo e o crecimento
existem segundo a alma pois haacute a opiniatildeo de que a percepccedilatildeo sensiacutevel eacute uma certa alteraccedilatildeo e aquele que natildeo
participa da alma nada percebe de maneira similar ocorre tambeacutem em relaccedilatildeo ao crescimento e decaimento pois
nem decai nem cresce naturalmente aquele que natildeo eacute nutrido e nada que natildeo compartilhe da vida se nutrerdquo DA
II 4 415b23-28 (Trad Gomes dos Reis)
E mais adiante enunciando a percepccedilatildeo Aristoacuteteles eacute categoacuterico ἡ δ αἴσθησις ἐν τῷ κινεῖσθαί τε καὶ πάσχειν
συμβαίνει καθάπερ εἴρηται δοκεῖ γὰρ ἀλλοίωσίς τις εἶναι ldquoA percepccedilatildeo sensiacutevel consiste em ser movido e ser
afetado como dissemos pois haacute a opiniatildeo de que ela eacute uma certa alteraccedilatildeordquo DA II 4 416b35-36 (Trad Gomes
dos Reis)
33
Note que [P1] e [P2] seriam premissas autoevidentes Em [P3] Aristoacuteteles partiria
dos mesmos pressupostos que as endoxai de seus predecessores enquanto [P4] resultaria da
anaacutelise criacutetica dessas endoxai ao longo de DA I 3-5 Aristoacuteteles natildeo nos elucida claramente de
onde ele tira as evidecircncias de [P1] e [P2] ou seja por que essas capacidades tais satildeo
movimentos por si e portanto denotam vida Quanto a [P3] Fiacutes VIII40
nos indica que esta eacute
uma tese que Aristoacuteteles abraccedila mas tambeacutem sem explicar suas razotildees O mais plausiacutevel
parece ser que este eacute um fenocircmeno autoevidente amplamente aceito que dispense justificaccedilatildeo
Diferentemente eacute o caso de [P4] cuja justificativa pode se sustentar na criacutetica aristoteacutelica agraves
noccedilotildees democritianas de que a alma eacute um princiacutepio de movimento que se move em DA I 3
corroborada pela noccedilatildeo de alma enunciada em DA II 1 segundo a qual a alma eacute forma logo
atualidade e portanto princiacutepio de determinaccedilatildeo das funccedilotildees proacuteprias ao ser vivente
Olhando por essas lacunas que o argumento aristoteacutelico conteacutem sua tentativa de
enunciar a alma como causa de vida parece fragilizada Entretanto fato eacute que a vida eacute
explicada pela alma no contexto do pensamento helecircnico Entatildeo conceder a Aristoacuteteles este
pressuposto parece um miacutenimo que o leitor contemporacircneo precise fazer Aleacutem disso vale
lembrar que em Met Z 17 Aristoacuteteles defende ser ldquonecessaacuterio que o dado e a existecircncia da
coisa sejam previamente conhecidosrdquo41
e que portanto o que se investiga eacute ldquopor que alguma
coisa pertence a outrardquo42
Deste modo cabem aqui questotildees como ldquopor que os corpos
vivemrdquo ou ainda ldquopor que se atribui vida a corpos dotados de capacidades taisrdquo E natildeo ldquopor
que o animado se diferencia do inanimado pelo viverrdquo como o formulado no iniacutecio desta
digressatildeo Talvez a fragilidade aparente se decirc pois aqui se toque as Colunas de Heacutercules da
psicologia aristoteacutelica
Retomando a braccedilada dos remos se a tese de que a vida se manifesta pela capacidade
de movimento eacute confirmada quando Aristoacuteteles enuncia uma nova noccedilatildeo de alma como
40 οὐδεμιᾶς γὰρ ἐν ἡμῖν ἐνούσης κινήσεως ἐνίοτε ἀλλ ἡσυχάζοντες ὅμως κινούμεθά ποτε καὶ ἐγγίγνεται ἐν ἡμῖν
ἐξ ἡμῶν αὐτῶν ἀρχὴ κινήσεως κἂν μηθὲν ἔξωθεν κινήσῃ τοῦτο γὰρ ἐπὶ τῶν ἀψύχων οὐχ ὁρῶμεν ὁμοίως ἀλλ
ἀεὶ κινεῖ τι αὐτὰ τῶν ἔξωθεν ἕτερον τὸ δὲ ζῷον αὐτό φαμεν ἑαυτὸ κινεῖν ldquoPor vezes acontece que natildeo haja
movimento em noacutes [entes animados] e que de nosso repouso noacutes sejamos postos em movimento e agraves vezes o
princiacutepio do movimento surge em noacutes e de noacutes sem que nada de outro nos mova de fora Natildeo vemos nada
parecido no caso dos seres inanimados pois eles sempre satildeo movidos por algo outro que reside fora deles Dos
animais noacutes dizemos que eles movem a si mesmosrdquo Fiacutes VIII 2 252b18-23 (Trad Daniel Nascimento)
ὁρῶμεν δὲ καὶ φανερῶς ὄντα τοιαῦτα ἃ κινεῖ αὐτὰ ἑαυτά οἷον τὸ τῶν ἐμψύχων καὶ τὸ τῶν ζῴων γένος ταῦτα δὲ
καὶ δόξαν παρεῖχε μή ποτε ἐνδέχεται κίνησιν ἐγγίγνεσθαι μὴ οὖσαν ὅλως διὰ τὸ ἐν τούτοις ὁρᾶν ἡμᾶς τοῦτο
συμβαῖνον (ἀκίνητα γάρ ποτε ὄντα κινεῖται πάλιν ὡς δοκεῖ) ldquoVemos claramente que existem coisas que se
movem a si mesmas como por exemplo os entes animados e o gecircnero dos animais e por causa disso pensamos
que pode ser possiacutevel que o movimento seja gerado sem que antes tenha existido de qualquer forma pois noacutes
vemos isso acontecer com eles (estarem imoacuteveis em determinado momento e moverem-se novamanete tal como
parece)rdquo Fis VIII 6 259b1-6 (Trad Daniel Nascimento) 41 δεῖ γὰρ τὸ ὅτι καὶ τὸ εἶναι ὑπάρχειν δῆλα ὄντα Met 17 1041a15 42ἄλλο γὰρ οὕτω κατ ἄλλου ἐστὶ τὸ ζητούμενον Met 17 1041a25-26
34
conclusatildeo do raciociacutenio iniciado em DA II 2 temos esta nova formulaccedilatildeo segundo as
capacidades que denotam o viver
νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον εἰρήσθω μόνον ὅτι ἐστὶν ἡ ψυχὴ τῶν εἰρημένων τούτων ἀρχὴ καὶ
τούτοις ὥρισται θρεπτικῷ αἰσθητικῷ διανοητικῷ κινήσει
Por ora eacute suficiente dizer apenas isto que a alma eacute princiacutepio das capacidades
mencionadas ndash nutritiva perceptiva raciocinativa e de movimento ndash e que por elas eacute
definida DA II 2 413b11-13 (Trad Gomes dos Reis)
Esta noccedilatildeo eclode como corolaacuterio da argumentaccedilatildeo anterior Com ela Aristoacuteteles
conquista um importante ponto do seu projeto psicoloacutegico a saber que a noccedilatildeo de alma
explique as distintas formas de vida atraveacutes das capacidades Isto levaraacute a uma gama de
comentadores contemporacircneos a valorizarem esta definiccedilatildeo em detrimento da definiccedilatildeo pela
substacircncia apresentada em DA II 1 Os que assim interpretam43
reduzem a definiccedilatildeo de alma
agrave noccedilatildeo de princiacutepio das funccedilotildees que denotam vida Esta interpretaccedilatildeo natildeo eacute totalmente
equivocada na medida em que textualmente Aristoacuteteles afirma isto Poreacutem ela eacute imprecisa
pois ignora o estatuto ontoloacutegico da alma Como vimos na seccedilatildeo anterior a alma eacute substacircncia
como forma (tegraves psycheacutes ousiacutean eicircnai hocircs eicircdos) do corpo e portanto seu princiacutepio
organizador que lhe confere o viver E enquanto forma do corpo a alma eacute sua atualidade
primeira (enteleacutekheia proteacute) Ou seja princiacutepio formal o qual o corpo se desenvolve em vista
do viver Pois a alma de um lado traz em si as disposiccedilotildees (heacutexeis) necessaacuterias agrave vida e
determina o que este corpo orgacircnico era para ser (tograve tiacute ecircn eicircnai) mediante suas funccedilotildees (eacuterga)
e atividades (eneacutergeiai) de viver Essas funccedilotildees satildeo as capacidades (dynaacutemeis) que
caracterizam os tipos de vida nos seres seu modo proacuteprio de viver Sendo assim a capacidade
nutritiva eacute proacutepria agrave vida vegetativa a perceptiva proacutepria agrave animal e a intelectiva agrave humana
Como se vecirc a definiccedilatildeo pelas capacidades tem sua origem e fundamento na definiccedilatildeo
pela forma Por outro lado esta soacute ganha capilaridade na definiccedilatildeo pela capacidade jaacute que sua
noccedilatildeo geral natildeo define a alma como causa de cada tipo de vida nem princiacutepio das
capacidades proacuteprias ao viver Deste modo uma interpretaccedilatildeo da noccedilatildeo aristoteacutelica de alma
que ignore como ambas noccedilotildees se sustentam mutuamente eacute parcial e suscetiacutevel de engendrar
mais problema que o proacuteprio texto jaacute apresenta
Com isso concluiacutemos De Anima II 2 compreendendo que a alma eacute causa de vida jaacute
que eacute princiacutepio das atividades proacuteprias ao viver Diante da noccedilatildeo geral e como ela se
particulariza nas distintas capacidades resta ainda observar um uacuteltimo ponto que Aristoacuteteles
43Putman (1975) Ackrill (1975-6) Bolton (1978) Nussbaum (1978) Everson (1995) CodeampMoravicsik
(1992) Para uma noccedilatildeo geral das diversas correntes de interpretaccedilatildeo da psicologia aristoteacutelica no seio das
discussotildees de filosofia da mente ver Diamond (2015) Caston (2006) e Irwin (1991)
35
trabalharaacute no capiacutetulo seguinte a saber a disposiccedilatildeo seriada hierarquicamente das diversas
formas de vida
23 A DEFINICcedilAtildeO SERIADA
A tese geral de que a alma eacute forma do corpo sofre uma nova reavaliaccedilatildeo em DA II 3
Como se veraacute adiante Aristoacuteteles surpreendentemente declara que toda busca por um
enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) de alma eacute ridiacuteculo (geloicircon) jaacute que esta noccedilatildeo natildeo
permite a compreensatildeo de que as diversas espeacutecies de vida (vegetativa animal e humana) satildeo
dispostas em uma seacuterie ordenada e hierarquizada de acordo com sua capacidade especiacutefica
Como a leitura das formas de vida dispostas em uma seacuterie ordenada eacute um problema que
precisa ser respondido por quem quer que se debruce sobre a noccedilatildeo aristoteacutelica de alma esta
seccedilatildeo argumentaraacute como a noccedilatildeo de almas seriadas natildeo invalida a noccedilatildeo formal de alma
enunciada em DA II 1
DA II 3 poderia ser tematicamente dividido em duas partes Numa primeira de
414ordf29-414b20 Aristoacuteteles dispotildee a hierarquia das capacidades que denotam vida Se em DA
II 2 ele enunciou as capacidades aqui se argumenta como uma estaacute em relaccedilatildeo de
anterioridade agrave outra e portanto disposta hierarquicamente de modo coextensivo agraves formas
de vida Assim se o movimento segundo nutriccedilatildeo crescimento e decaimento seraacute proacuteprio a
uma forma de vida a vegetativa a adiccedilatildeo da capacidade perceptiva seraacute proacutepria agrave vida
vegetativa e animal Agrave medida que se adicione outras capacidades como o intelecto abrange-
se a vida humana44
Esta hierarquizaccedilatildeo suplementar das capacidades a seu enunciado permite
que Aristoacuteteles encampe a tese de que os tipos de vida satildeo dispostos em seacuteries ordenadas
avanccedilando para a segunda parte do capiacutetulo
δῆλον οὖν ὅτι τὸν αὐτὸν τρόπον εἷς ἂν εἴη λόγος ψυχῆς τε καὶ σχήματος οὔτε γὰρ
ἐκεῖ σχῆμα παρὰ τὸ τρίγωνον ἔστι καὶ τὰ ἐφεξῆς οὔτ ἐνταῦθα ψυχὴ παρὰ τὰς
εἰρημένας γένοιτο δ ἂν καὶ ἐπὶ τῶν σχημάτων λόγος κοινός ὃς ἐφαρμόσει μὲν
πᾶσιν ἴδιος δ οὐδενὸς ἔσται σχήματος ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ ταῖς εἰρημέναις ψυχαῖς διὸ
γελοῖον ζητεῖν τὸν κοινὸν λόγον καὶ ἐπὶ τούτων καὶ ἐφ ἑτέρων ὃς οὐδενὸς ἔσται τῶν
ὄντων ἴδιος λόγος οὐδὲ κατὰ τὸ οἰκεῖον καὶ ἄτομον εἶδος ἀφέντας τὸν τοιοῦτον
(παραπλησίως δ ἔχει τῷ περὶ τῶν σχημάτων καὶ τὰ κατὰ ψυχήν ἀεὶ γὰρ ἐν τῷ ἐφεξῆς
44 Τῶν δὲ δυνάμεων τῆς ψυχῆς αἱ λεχθεῖσαι τοῖς μὲν ὑπάρχουσι πᾶσαι καθάπερ εἴπομεν τοῖς δὲ τινὲς αὐτῶν
ἐνίοις δὲ μία μόνη διασαφητέον δὲ περὶ αὐτῶν ὕστερον νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον () εἰρήσθω ὅτι τῶν ζώντων τοῖς
ἔχουσιν ἁφὴν καὶ ὄρεξις ὑπάρχει περὶ δὲ φαντασίας ἄδηλον ὕστερον δ ἐπισκεπτέον ἐνίοις δὲ πρὸς τούτοις
ὑπάρχει καὶ τὸ κατὰ τόπον κινητικόν ἑτέροις δὲ καὶ τὸ διανοητικόν τε καὶ νοῦς οἷον ἀνθρώποις καὶ εἴ τι
τοιοῦτον ἕτερον ἔστιν ἢ τιμιώτερον ldquoDentre as potecircncias da alma como dissemos todas as mencionadas
subsitem em alguns seres em outros soacute algumas delas e em alguns apenas uma E mencionamos como
potecircncias a nutritiva a perceptiva a desiderativa a locomotiva e a raciocinativa Ora nas plantas subsiste
somente a nutritiva mas em outros seres tanto esta como a perceptiva () Por ora eacute suficiente dizer isto que
entre os seres vivos que possuem tato tambeacutem subsiste desejo No que se refere agrave imaginaccedilatildeo natildeo estaacute claro e
devemos examinaacute-la posteriormente Em alguns seres vivos aleacutem disso subsiste tambeacutem a capacidade de se
locomover e em outros ainda a de raciocinar e o intelecto ndash por exemplo nos homens e em algum outro se
houver de tal qualidade ou mais valiosordquo DA II 3 414a29-414b20 (Trad Gomes dos Reis)
36
ὑπάρχει δυνάμει τὸ πρότερον ἐπί τε τῶν σχημάτων καὶ ἐπὶ τῶν ἐμψύχων οἷον ἐν
τετραγώνῳ μὲν τρίγωνον ἐν αἰσθητικῷ δὲ τὸ θρεπτικόν) ὥστε καθ ἕκαστον
ζητητέον τίς ἑκάστου ψυχή οἷον τίς φυτοῦ καὶ τίς ἀνθρώπου ἢ θηρίου διὰ τίνα δ
αἰτίαν τῷ ἐφεξῆς οὕτως ἔχουσι σκεπτέον ἄνευ μὲν γὰρ τοῦ θρεπτικοῦ τὸ αἰσθητικὸν
οὐκ ἔστιν τοῦ δ αἰσθητικοῦ χωρίζεται τὸ θρεπτικὸν ἐν τοῖς φυτοῖς
Eacute claro que poderia da mesma maneira haver entatildeo um enunciado uacutenico tanto de
figura como de alma Pois nem no primeiro caso existe figura aleacutem do triacircngulo e
daquelas que o sucedem nem neste caso existe alma aleacutem das mencionadas A
respeito das figuras tambeacutem eacute possiacutevel formular um enunciado comum que se aplique
a todas sem ser proacuteprio a nenhuma e o mesmo ocorre com as almas mencionadas Por
isso tanto neste como em outros casos eacute ridiacuteculo procurar um enunciado comum ndash
pois a nenhum dos seres seraacute um enunciado proacuteprio nem estaraacute de acordo com a
forma apropriada e indivisiacutevel ndash deixando-se de lado o enunciado deste tipo (E as
coisas concernentes agrave alma estatildeo em situaccedilatildeo parecida agravequela das figuras pois tanto
no caso das figuras como no caso dos seres animados o anterior sempre subsiste
naquilo que o sucede por exemplo o triacircngulo no quadrado o poder de nutrir-se no
de perceber) Assim deve ser investigado de acordo com cada caso o que eacute a alma
de cada um ndash por exemplo o que eacute a alma da planta do homem ou da besta E deve
ser examinado a causa de ser disposto assim em sucessatildeo Pois sem a nutritiva natildeo
existe a capacidade perceptiva embora nas plantas a nutritiva exista separada da
perceptiva DA II 3 414b20-415a6 (Trad Gomes dos Reis)
A analogia entre figura do triacircngulo e a alma vegetativa permite esclarecer qual a
relaccedilatildeo de sucessatildeo entre uma capacidade e outra O triacircngulo eacute a figura geomeacutetrica plana
mais baacutesica de todas A composiccedilatildeo de dois triacircngulos forma um quadrilaacutetero A composiccedilatildeo
de trecircs triacircngulos forma um pentaacutegono e assim sucessivamente Ou seja da mesma maneira
que o triacircngulo subsiste em potecircncia no quadrilaacutetero e este no pentaacutegono a nutriccedilatildeo subsiste
em potecircncia na percepccedilatildeo e esta no intelecto Portanto se a capacidade nutritiva eacute proacutepria agrave
vida vegetativa a perceptiva agrave animal e a intelectiva agrave humana entatildeo igualmente a vida
vegetativa subsiste na animal e a animal na humana Sendo assim da mesma maneira que se
faz necessaacuteria uma definiccedilatildeo proacutepria ao triacircngulo ao quadrilaacutetero e ao pentaacutegono deve-se
buscar um enunciado proacuteprio a cada uma dessas formas de vida para que se sustente como a
alma eacute princiacutepio de cada tipo de vida e natildeo somente da vida em geral Pois um enunciado que
decirc a noccedilatildeo da alma que cubra todas as formas de vida mas que natildeo toque particularmente em
uma natildeo cumpre seu fim argumentativo que eacute explicar a razatildeo da alma ser causa de vida no
ser vivente como se segue
ὅτι μὲν οὖν ὁ περὶ τούτων ἑκάστου λόγος οὗτος οἰκειότατος καὶ περὶ ψυχῆς δῆλον
Eacute claro entatildeo que o enunciado de cada uma destas capacidades eacute tambeacutem o mais
apropriado a respeito da alma DA II 3 415a13-14 (Trad Gomes dos Reis)
Levando-se em conta que Aristoacuteteles se dedicaraacute em todo o restante do De Anima
investigando cada uma das capacidades e seus desdobramentos para uma noccedilatildeo de alma
37
podemos ser levados a crer que Aristoacuteteles elege este como o melhor criteacuterio para uma
definiccedilatildeo de alma
Haacute portanto um grande problema a ser encarado aqui que consiste na resposta a uma
das questotildees elencadas em DA I 145
a saber se eacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma enquanto
tal ou uma para cada tipo de ser vivente Pelo caminho que segue a discussatildeo tende-se a uma
resposta de que seraacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma para cada forma de vida Entretanto
Aristoacuteteles jaacute problematizara se mesmo que haja uma noccedilatildeo uacutenica para catildees cavalos e
homens a de animal esta noccedilatildeo uacutenica eacute universal posterior anterior ou nada em relaccedilatildeo aos
itens
Seguindo o texto de DA II 3 a nutriccedilatildeo eacute a capacidade sobre a qual se erguem todas as
outras ateacute a capacidade de pensamento Dado que um corpo eacute dotado de nutriccedilatildeo e portanto
vivente por causa da alma e a seu turno dado que a alma eacute forma e atualidade primeira do
corpo e portanto princiacutepio organizador das capacidades que denotam o viver novamente a
definiccedilatildeo pela forma sustenta ontologicamente a definiccedilatildeo pelas capacidades e por
concomitacircncia a definiccedilatildeo seriada
Assim a criacutetica que Aristoacuteteles faz agrave noccedilatildeo mais geral de alma enunciada em DA II 1
natildeo eacute razatildeo suficiente para seu descarte no seu projeto psicoloacutegico Com efeito se a noccedilatildeo de
alma como forma eacute insuficiente para explicar por que a alma eacute princiacutepio de vida em cada tipo
de ser vivente como sustentado ao iniacutecio de DA II 2-3 ela eacute justamente a noccedilatildeo ontoloacutegica
para que responde pela sua atualidade e determinaccedilatildeo das propriedades relevantes do ser deste
corpo dotado de oacutergatildeos Assim se as noccedilotildees de alma como forma e princiacutepio das capacidades
satildeo intercambiantes como argumentei anteriormente e se a definiccedilatildeo estaacute diretamente
atrelada agrave hierarquia dessas capacidades entatildeo a proacutepria noccedilatildeo de alma seriada depende
logicamente da noccedilatildeo de alma como forma Sendo assim o enunciado geral eacute redimensionado
em DA II 3 pela disposiccedilatildeo seriada da alma a um princiacutepio loacutegico-ontoloacutegico mediante o qual
esta ciecircncia comum a muitas coisas pode se realizar
45 εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον
ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν
ἄλλο κατηγοροῖτο Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma uacutenica
definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a de cavalo catildeo homem
divindade sendo neste caso o animal considerado universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo
ocorrendo para qualquer outro atributo comum que for predicadordquo DA I 1 402b4-9 (Trad Gomes dos Reis)
38
3 CONCLUSAtildeO
Como se apresentou nesta monografia Aristoacuteteles enuncia sua noccedilatildeo de alma em
momentos distintos Um primeiro a partir da discussatildeo com as teses predecessoras Nela o
que se conquista eacute que a alma eacute imoacutevel e origem de movimento nos seres viventes Depois
atraveacutes de um enunciado geral para os diversos tipos de vida que a define como forma do
corpo Um terceiro que enuncia a alma como causa de vida e a define como princiacutepio das
capacidades que denotam o viver E por fim um quarto enunciado que a apresenta como
disposta em seacuterie ordenada segundo suas capacidades Na medida que o enunciado geral se
mostra insuficiente para o projeto psicoloacutegico traccedilado e as outras definiccedilotildees parecem melhor
corresponder a este objetivo a unidade enunciativa entre as diversas definiccedilotildees aparenta ser
vulneraacutevel Natildeo por menos como foi abordado ao longo deste texto tende-se a salientar uma
das definiccedilotildees e desconsiderar a outra Esta natildeo parece ser a interpretaccedilatildeo que melhor
compreenda a psicologia aristoteacutelica Como argumentado observar a definiccedilatildeo pelas
capacidades sem a definiccedilatildeo pela forma esvazia ontologicamente a noccedilatildeo de que a alma eacute
princiacutepio de vida A alma como forma do corpo eacute o enunciado mediante o qual a garante
como atualidade primeira e portanto princiacutepio das caracteriacutesticas e funccedilotildees proacuteprias ao ser
vivente Por outro lado como o proacuteprio Aristoacuteteles enuncia a definiccedilatildeo pela forma daacute uma
noccedilatildeo que abarca todas as formas de vida mas natildeo enuncia a alma como causa do viver nem
que as diversas almas satildeo dispostas em seacuterie ordenada Satildeo nestes dois pontos que a definiccedilatildeo
pela capacidade se torna igualmente relevante para o projeto psicoloacutegico aristoteacutelico Sem ela
seriam inviaacuteveis todos os outros capiacutetulos nos quais Aristoacuteteles enuncia discorre e formula a
atividade das capacidades proacuteprias ao ser vivo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo imaginaccedilatildeo intelecto e
movimento segundo deslocamento Por estas razotildees uma interpretaccedilatildeo que conjugue as duas
definiccedilotildees no interior do projeto psicoloacutegico aristoteacutelico parece ser a que contemple melhor o
horizonte teoacuterico que a investigaccedilatildeo erige
Haacute um alguns aspectos que esta monografia deixa pelo caminho Na seccedilatildeo 1 Taacutebua de
Definiccedilatildeo foram elencados os diversos elementos de definiccedilatildeo da alma e como se faria a
inquiriccedilatildeo O primeiro grupo foi respondido ao longo da seccedilatildeo 2 A Noccedilatildeo de Alma mas o
segundo natildeo O segundo grupo de elementos da taacutebua seraacute dissertado por Aristoacuteteles nos
capiacutetulos posteriores ao DA II 3 quando ele se debruccedila sobre cada uma das capacidades
Como esta monografia pretende abordar apenas as definiccedilotildees sem dar interpretaccedilatildeo total do
tratado entatildeo soacute pode responder parte da taacutebua das definiccedilotildees Aleacutem disso a interpretaccedilatildeo das
definiccedilotildees de um modo consistente precisaria ser verificada na sua aplicaccedilatildeo sobre o restante
39
do tratado Em outras palavras eacute preciso verificar se esta interpretaccedilatildeo dificulta ou facilita a
interpretaccedilatildeo das outras teses da psicologia aristoteacutelica por exemplo a tese da percepccedilatildeo que eacute
definida como a recepccedilatildeo das formas sem mateacuteria Nas interpretaccedilotildees de Polanski e Diamond
comentadores paradigmaacuteticos para a abordagem adotada a coordenaccedilatildeo dos enunciados
definitoacuterios daacute conta das diversas formulaccedilotildees de capacidades e suas funcionalidades ao longo
do tratado Fico devendo portanto explicitar como a posiccedilatildeo que assumo se aplica nas
diversas capacidades enunciadas pelo Aristoacuteteles
Com isso conclui-se este trabalho com a compreensatildeo que ele eacute limitado Haacute nele
problemas proacuteprios agrave interpretaccedilatildeo de um texto conciso e arrojado como eacute o De Anima
Ainda assim espera-se que os erros ou imprecisotildees eventuais natildeo comprometam seu escopo
exegeacutetico Espera-se tambeacutem que esta monografia possa se converter em trabalhos futuros que
fomente a discussatildeo relativa ao De Anima no contexto filosoacutefico brasileiro Da mesma forma
que ela foi provocada pela traduccedilatildeo e comentaacuterios da Professora Doutora Maria Ceciacutelia
Gomes dos Reis Se este trabalho for bem sucedido nessas pretensotildees jaacute teraacute cumprido sua
funccedilatildeo
40
4 BIBLIOGRAFIA
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AQUINO T Commentary on Aristotlersquos De Anima Trad Kenelm Foster e Sylvester
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ARISTOacuteTELES De Anima Introduccedilatildeo traduccedilatildeo e notas de Maria Ceciacutelia Gomes dos Reis
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Giovanni Reale Traduccedilatildeo de Perine 2ordf ed Vol I Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola
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_____________ Metafiacutesica Ensaio introdutoacuterio texto grego com traduccedilatildeo e comentaacuterio de
Giovanni Reale Traduccedilatildeo de Perine 2ordf ed Vol II Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola
2005
_____________ Metafiacutesica Ensaio introdutoacuterio texto grego com traduccedilatildeo e comentaacuterio de
Giovanni Reale Traduccedilatildeo de Perine 2ordf ed Vol III Satildeo Paulo Ediccedilotildees
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_____________ Metafiacutesica IV e VI Traduccedilatildeo introduccedilatildeo e notas de Lucas Angioni
Claacutessicos de Filosofia Cadernos de Traduccedilatildeo N14 Campinas
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_____________Metafiacutesica VII e VIII Traduccedilatildeo introduccedilatildeo e notas de Lucas Angioni
Claacutessicos de Filosofia Cadernos de Traduccedilatildeo N11 Campinas
IFCHUNICAMP 2005
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DOUGLAS VIEIRA RAMALHO
A NOCcedilAtildeO DE ALMA NO DE ANIMA ARISTOacuteTELES
Monografia apresentada ao Departamento de
Filosofia do Instituto de Filosofia e Ciecircncias
Sociais da Universidade Federal do Rio de
Janeiro como parte dos requisitos para
obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Licenciado em Filosofia
Orientadora Profordf Drordf Carolina de Melo Bomfim Arauacutejo
RIO DE JANEIRO
2017
DOUGLAS VIEIRA RAMALHO
A NOCcedilAtildeO DE ALMA NO DE ANIMA ARISTOacuteTELES
Monografia apresentada ao Departamento de Filosofia do Instituto de Filosofia e Ciecircncias
Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos para obtenccedilatildeo do
tiacutetulo de Licenciado em Filosofia
Aprovada por
__________________________________________
Profordf Drordf Carolina de Melo Bomfim Arauacutejo UFRJ Orientadora
__________________________________________
Prof Dr Raphael Zillig UFRGS
__________________________________________
Profordf Drordf Carla Francalanci UFRJ
RIO DE JANEIRO
Janeiro de 2017
Ao Luan
Agradecimentos
A Carolina Arauacutejo por ter me apresentado o De Anima em um curso de 20141 pela
disponibilidade ao meu interesse em aprofundar o estudo na psicologia aristoteacutelica pela
atenta orientaccedilatildeo na iniciaccedilatildeo cintiacutefica e na escrita desta monografia e mais que tudo pelo
paradigma intelectual que eacute para quem tem o prazer de dialogar com suas hipoacuteteses e
objeccedilotildees Ao Raphael Zillig pela orientaccedilatildeo durante a missatildeo de estudos realizada na UFRGS
em agosto e setembro de 2016 e cujos comentaacuterios luacutecidos sobre a obra e exegese aristoteacutelica
foram fundamentais para que eu descortinasse uma visatildeo de caminhos intelectuais e
acadecircmicos Agrave Carla Francalanci pelo seminaacuterio sobre o De Anima e Ivana Costa pelo
minicurso Psicologiacutea Antigua que ampliaram meu horizonte de compreensatildeo da psicologia
aristoteacutelica Agrave Inara Zanuzzi e Priscilla Spinelli pelo curso tri sobre phantasiacutea na UFRGS
igualmente aos colegas Pedro Capra Filipe Oliveira e Mariano Arauacutejo pela interlocuccedilatildeo
constante Ao Rodrigo Guerizoli pela presteza e sensibilidade na viabilizaccedilatildeo da minha ida e
estadia em Porto Alegre Agraves comentadoras e comentadores da filosofia aristoteacutelica sem os
quais dificilmente pensaria o que pensei entenderia o que entendi argumentaria o que
argumentei em especial ao Eli Diamond que gentilmente me enviou uma coacutepia de seu
instigante livro Mortal Imitations of Divine Life The Nature of the Soul in Aristotlersquos De
Anima no qual me baseei vaacuterias vezes para a interpretaccedilatildeo que assumi nesta monografia
igualmente ao Matt Wood por ter feito estabelecido a ponte de comunicaccedilatildeo Ao Luan
Reboredo pela cumplicidade entre ladrotildees pela impiedosa revisatildeo dos textos ndash todo e
qualquer erro distraccedilatildeo ou falta de clareza eacute pela minha teimosia com suas notas ndash pela
criteriosa percepccedilatildeo intelectual pelo cuidado e pelos cafeacutes da manhatilde ndash vamos lembrar de
comprar mais tapioca Aos philoacutei Edil Carvalho Claacuteudia Barbosa Matt Wood Esther
Santos Luan Reboredo Flora Mangini Felipe Ayres Nelson M Neto Luciana Shontag
George Matias Andreacute Braga e Camila Rauber pelo diaacutelogo e praacutetica filosoacutefica no Seminaacuterio
de Estudos Claacutessicos ndash vamos cultivar este precioso espaccedilo gente Aos amigos pela procura
na ausecircncia e acolhida na presenccedila Agrave minha famiacutelia pelas quizumbas quiziacutelias otaacutes e
tapurus Ao teatro pela caixa de areia e efemeridade em especial a Andreacutea Terra e Casa Maria
de Magdala Agrave cidade de Porto Alegre pelo frio insuportaacutevel pelo vento interminaacutevel pelas
ruas floridas pelo sol laranja pelo ceacuteu anil pela carne saborosiacutessima pelo fandango pelo
chimarratildeo pela Housing pela Casa Frasca pela Casa de Pelotas pela gente de um
comunitarismo valentatildeo pelos amigos e amigas e vizinhos pela discriminaccedilatildeo pela dor de
dente e infecccedilatildeo pela solidatildeo pelo silecircncio pelo esvaziamento e pela saudade que hoje sinto
sempre que sonho perder o aviatildeo de volta para o Rio A Paquetaacute pelo sentido de lugar Ao Rio
pelo sentido de sentir A Niteroacutei pelo sentido de lar Agrave Hannah Arendt pela Condiccedilatildeo
Humana que determinou minha compreensatildeo de poliacutetica Ao Aristoacuteteles pelo De Anima que
determinou minha incompreensatildeo da vida
Esta monografia eacute resultado da pesquisa de iniciaccedilatildeo cientiacutefica Substacircncia enquanto Forma
psycheacute no De Anima II de Aristoacuteteles inserida no projeto PROCAD 2013 PPGLMUFRJ-
UFG-UFRGS entitulado Substacircncia evoluccedilatildeo e formulaccedilatildeo de uma noccedilatildeo filosoacutefica sob
financiamento da Coordenaccedilatildeo de Aperfeiccediloamento de Pessoal do Niacutevel Superior (CAPES)
Este agradecimento costuma ser meramente formal Poreacutem em tempos de ataques temeraacuterios
a direitos duramente conquistados reconhecer a importacircncia do financiamento puacuteblico da
inovaccedilatildeo cientiacutefica e da pesquisa acadecircmica para o desenvolvimento justiccedila e soberania de
uma naccedilatildeo grande como a brasileira se torna um dever poliacutetico a ser exercido
o que estremecia em mim terreno do corpo onde estaacute a raiz da alma
Joatildeo Guimaratildees Rosa
RESUMO
Esta monografia trata da noccedilatildeo de alma que Aristoacuteteles desenvolve ao longo do De Anima II
1-3 Em DA II 1 Aristoacuteteles enuncia uma definiccedilatildeo geral de alma como forma do corpo
Nessa definiccedilatildeo pela forma seu objetivo eacute formular uma noccedilatildeo dos vaacuterios tipos de alma (a
vegetativa a animal e a humana) Poreacutem ela natildeo enuncia a alma como causa de vida nos
seres viventes Diante disso eacute enunciado em DA II 2 a definiccedilatildeo pelas capacidades na qual a
alma eacute princiacutepio das capacidades que denotam o viver Nela as capacidades determinam os
diversos tipos de vida a vida vegetativa que decorre da nutriccedilatildeo a animal da percepccedilatildeo e a
humana da razatildeo Com isso em DA II 3 Aristoacuteteles enuncia a definiccedilatildeo seriada na qual os
tipos de alma se dispotildeem em seacuteries ordenadas hierarquizadas em que a anterior subsiste na
posterior em potecircncia mas natildeo o contraacuterio Como se vecirc haacute um conflito entre a primeira e as
outras duas definiccedilotildees pois a definiccedilatildeo pela forma eacute uma noccedilatildeo geral que nem enuncia a alma
como causa de vida nem sua disposiccedilatildeo seriada Assim enquanto os comentaacuterios de Putman
Ackrill Bolton Nussbaum Everson CodeampMoravicsik interpretam a definiccedilatildeo pelas
capacidades como a noccedilatildeo aristoteacutelica de alma em detrimento da definiccedilatildeo pela forma
Polansky e Diamond enxergam unidade teoacuterica e argumentativa entre as trecircs A hipoacutetese
sustentada nesta monografia se alinha com o segundo grupo argumentando que a definiccedilatildeo
pela forma eacute insuficiente para enunciar os tipos especiacuteficos de vida e sua disposiccedilatildeo seriada
poreacutem eacute a fundamentaccedilatildeo ontoloacutegica das outras duas definiccedilotildees
Palavras Chave Aristoacuteteles Alma Definccedilatildeo Forma Capacidades
Lista de Abreviaturas das Obras de Aristoacuteteles Utilizadas
Cat ndash Categorias
DA ndash De Anima
Fiacutes ndash Fiacutesica
Met ndash Metafiacutesica
Sumaacuterio
Apresentaccedilatildeo 11
1 A taacutebua de definiccedilatildeo 13
2 A noccedilatildeo de alma em Aristoacuteteles 19
21 Definiccedilatildeo pela Forma 19
22 Definiccedilatildeo pelas Capacidade 29
23 Definiccedilatildeo Seriada 34
3 Conclusatildeo 37
4 Bibliografia 39
i
12
APRESENTACcedilAtildeO
O De Anima eacute o tratado no qual Aristoacuteteles investiga a natureza da alma e como ela eacute
causa de vida nos seres viventes Para esse fim Aristoacuteteles discute com aqueles que trataram
do assunto antes dele enuncia a sua proacutepria noccedilatildeo de alma e por fim como esta noccedilatildeo
explica cada uma das capacidades que denotam o viver Para dar conta deste projeto
psicoloacutegico Aristoacuteteles elabora sua noccedilatildeo em trecircs grandes momentos O primeiro em De
Anima I 2-5 Aristoacuteteles levanta as endoacutexai dos seus predecessores discutindo a validade de
suas teses e apontando o que considera inconsistente Como resultado disso Aristoacuteteles
sustenta que a alma eacute um princiacutepio imoacutevel de movimento nos seres viventes e uma unidade
Mas eacute soacute no segundo momento em DA II 1-3 que Aristoacuteteles enuncia em seus proacuteprios
termos o que considera ser a alma Por fim num terceiro momento a partir de DA II 4
Aristoacuteteles teoriza sobre cada uma das capacidades da alma
Nesta monografia proponho me debruccedilar sobre a noccedilatildeo de alma presente no DA II 1-
3 Como veremos em DA I 1 satildeo elencadas as aporias proacuteprias agrave investigaccedilatildeo e definiccedilatildeo da
alma A partir daiacute Aristoacuteteles apresenta gradualmente a sua proacutepria noccedilatildeo de alma ao longo
do De Anima Especificamente em DA II 1 e 2 satildeo enunciadas duas definiccedilotildees uma definiccedilatildeo
pela forma e outra pela capacidade A primeira caracteriza a alma como forma do corpo
enquanto a segunda atribui agrave alma o princiacutepio das capacidades que denotam vida Enquanto a
definiccedilatildeo pela forma nos oferece uma noccedilatildeo geral que enuncia o gecircnero de ser da alma a
definiccedilatildeo pela capacidade explica como a alma eacute princiacutepio de vida Entretanto haacute um terceiro
enunciado em DA II 3 que parece eliminar a validade da definiccedilatildeo pela forma e validar apenas
a definiccedilatildeo pela capacidade Trata-se da definiccedilatildeo seriada segundo a qual haacute diversos tipos de
alma que se dispotildeem em uma seacuterie hierarquicamente ordenada na qual a anterior subsiste na
posterior mas natildeo o contraacuterio Aristoacuteteles declara que a definiccedilatildeo pela forma enquanto uma
noccedilatildeo geral de alma eacute absurda Pois ela natildeo explica os tipos de alma e a causa de se disporem
em sucessatildeo Isto levou uma seacuterie de comentadores a compreenderem a definiccedilatildeo pela
capacidade como a noccedilatildeo aniacutemica de Aristoacuteteles jaacute que ela enunciaria os tipos de alma em
disposiccedilatildeo seriada
Diante disso argumento que a definiccedilatildeo pela forma eacute tatildeo relevante para a noccedilatildeo de
alma quanto a noccedilatildeo pela capacidade Como se veraacute na seccedilatildeo 2a) a definiccedilatildeo pela forma faz
da alma a atualidade primeira do corpo e princiacutepio de determinaccedilatildeo das funccedilotildees vitais Como
consequecircncia do seu caraacuteter atual a alma eacute aquilo a partir do qual as capacidades se dispotildeem
no corpo Ao entrarem em atividade atraveacutes dos oacutergatildeos do corpo elas se atualizam Neste
13
sentido tanto a definiccedilatildeo pela forma quanto a definiccedilatildeo pela capacidade satildeo mutuamente
necessaacuterias para uma noccedilatildeo de alma que atenda ao projeto psicoloacutegico aristoteacutelico
Para tanto apresento na primeira seccedilatildeo o horizonte conceitual e teoacuterico mediante o
qual Aristoacuteteles investiga a alma Atraveacutes das vaacuterias aporiacuteai elencadas em DA I 1 se delimita
tanto o fim que a investigaccedilatildeo persegue quanto a seus limites conceituais de teorizaccedilatildeo Em
seguida trato das endoxai presentes em DA I 2-5 como recurso metodoloacutegico para se extrair
das teses predecessoras algumas noccedilotildees miacutenimas sobre a alma Na seccedilatildeo seguinte abordo as
trecircs noccedilotildees jaacute apresentadas acima Como se veraacute ao iniacutecio de DA I 1 e 2 Aristoacuteteles ainda faz
duas revisotildees metodoloacutegicas deixando bem claro qual aspecto da investigaccedilatildeo se objetiva
tratar Especificamente em 2a) sobre DA II 1 remonto o argumento que resulta na definiccedilatildeo
pela forma comentando qual sua implicaccedilatildeo ontoloacutegica para a alma e como ela se desdobra
nas noccedilotildees aniacutemicas de atualidade primeira e princiacutepio de determinaccedilatildeo Em seguida
apresento a definiccedilatildeo pelas capacidades como princiacutepio de vida em DA II 2 Com isso indico
como a noccedilatildeo de vida e alma estatildeo associadas e como Aristoacuteteles argumenta para uma ser
evidecircncia da outra fazendo desta a causa daquela Adiante apresento a definiccedilatildeo seriada em
DA II 3 e como ela potildee em crise a definiccedilatildeo pela forma Por fim explicito como muitos
comentadores se localizaram em meio ao problema e argumento como as trecircs definiccedilotildees estatildeo
em uma unidade conceitual na qual todas satildeo relevantes para o projeto psicoloacutegico de
Aristoacuteteles
14
1 A TAacuteBUA DA DEFINICcedilAtildeO
A fim de apresentar os problemas proacuteprios ao estudo da alma e delimitar seu campo de
investigaccedilatildeo Aristoacuteteles apresenta em DA I 1 uma taacutebua de definiccedilatildeo onde elenca os
elementos para definir a alma e a abordagem para a sua pesquisa Primeiro Aristoacuteteles
circunscreve em que paracircmetros conceituais a noccedilatildeo se estabelece Em seguida se apresenta o
meacutetodo que orienta a busca por esse enunciado Deste modo os elementos de definiccedilatildeo que
compotildeem a lista satildeo o gecircnero de ser da alma1 o seu modo de ser
2 e por fim sua unidade
3 Jaacute
como abordagem decide-se pela ordem loacutegica da definiccedilatildeo4 para se analisar a independecircncia
das suas partes5 de modo a determinar o primeiro passo a se investigar em cada uma e
finalmente conhecer sobre a sua separabilidade6
Logo ao iniacutecio de De Anima I 1 Aristoacuteteles enuncia qual o objetivo geral de
seu projeto investigativo
ἐπιζητοῦμεν δὲ θεωρῆσαι καὶ γνῶναι τήν τε φύσιν αὐτῆς καὶ τὴν οὐσίαν εἶθ ὅσα
συμβέβηκε περὶ αὐτήν ὧν τὰ μὲν ἴδια πάθη τῆς ψυχῆς εἶναι δοκεῖ τὰ δὲ δι ἐκείνην
καὶ τοῖς ζῴοις ὑπάρχειν
Buscamos considerar e conhecer sua natureza e substacircncia bem como todos os seus
atributos dentre os quais uns parecem ser afecccedilotildees proacuteprias da alma enquanto outros
parecem subsistir nos animais graccedilas a ela DA I 1 402a7-10 (Trad Gomes dos Reis)
Investigar a natureza (phyacutesis) da alma consiste em pesquisar seu gecircnero de ser Jaacute
conhecer sua substacircncia (ousiacutea) eacute conhecer seus atributos (symbeacutebekos) as caracteriacutesticas que
1 πρῶτον δ ἴσως ἀναγκαῖον διελεῖν ἐν τίνι τῶν γενῶν καὶ τί ἐστι λέγω δὲ πότερον τόδε τι καὶ οὐσία ἢ ποιὸν ἢ
ποσόν ἢ καί τις ἄλλη τῶν διαιρεθεισῶν κατηγοριῶν ldquoEm todo caso eacute preciso decidir primeiro a qual dos
gecircneros a alma pertence e o que eacute ndash quero dizer se ela eacute algo determinado e substacircncia ou se eacute uma qualidade
uma quantidade ou mesmo alguma outra das categorias jaacute distinguidasrdquo DA I 1 402a22-25 (Trad de Gomes dos
Reis) 2 ἔτι δὲ πότερον τῶν ἐν δυνάμει ὄντων ἢ μᾶλλον ἐντελέχειά τις ldquoe ainda se estaacute entre os seres em potecircncia ou
antes se eacute uma certa atualidaderdquo DA I 1 402a27 (Trad de Gomes dos Reis) 3 σκεπτέον δὲ καὶ εἰ μεριστὴ ἢ ἀμερής καὶ πότερον ὁμοειδὴς ἅπασα ψυχὴ ἢ οὔ εἰ δὲ μὴ ὁμοειδής πότερον εἴδει
διαφέρουσα ἢ γένει ldquoEacute preciso examinar tambeacutem se ela eacute divisiacutevel em partes ou natildeo e se toda e qualquer alma eacute
de mesma forma e no caso de natildeo ser de mesma forma se a diferenccedila eacute de espeacutecie ou de gecircnerordquo DA I 1
402b1-3 (Trad de Gomes dos Reis) 4 εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον
ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν
ἄλλο κατηγοροῖτο ldquoEacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma uacutenica
definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a de cavalo catildeo homem
divindade sendo neste caso o animal considerado universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo
ocorrendo para qualquer outro atributo comum que for predicadordquo DA I 1 402b4-9 (Trad de Gomes dos Reis) 5 ἔτι δέ εἰ μὴ πολλαὶ ψυχαὶ ἀλλὰ μόρια πότερον δεῖ ζητεῖν πρότερον τὴν ὅλην ψυχὴν ἢ τὰ μόρια χαλεπὸν δὲ
καὶ τούτων διορίσαι ποῖα πέφυκεν ἕτερα ἀλλήλων καὶ πότερον τὰ μόρια χρὴ ζητεῖν πρότερον ἢ τὰ ἔργα αὐτῶν
ldquoAleacutem disso no caso de serem muitas as partes e natildeo as almas deve-se primeiro investigar a alma como um
todo ou suas partes Tambeacutem eacute difiacutecil definir quais dentre estas satildeo por natureza distintas entre si e se eacute uacutetil
investigar primeiro as partes ou suas funccedilotildeesrdquo DA I 1 402b9-12 (Trad de Gomes dos Reis) 6 ἀπορίαν δ ἔχει καὶ τὰ πάθη τῆς ψυχῆς πότερόν ἐστι πάντα κοινὰ καὶ τοῦ ἔχοντος ἢ ἔστι τι καὶ τῆς ψυχῆς ἴδιον
αὐτῆς ldquoHaacute ainda a dificuldade de saber se as afecccedilotildees da alma satildeo todas comuns agravequilo que possui alma ou se
haacute tambeacutem alguma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma tatildeo somenterdquo DA I 1 403a3-5 (Trad de Gomes dos Reis)
15
nos datildeo uma noccedilatildeo da alma segundo suas afecccedilotildees (patheacute) Entre os seus atributos alguns
parecem ser exclusivamente afecccedilotildees da alma jaacute outros parecem ser comuns agrave alma e ao
corpo portanto atributos um ser animado (zoacuteois) Por afecccedilatildeo devemos compreender a
determinaccedilatildeo na mateacuteria (loacutegoi eacutenyloi)7 de maneira que os atributos da alma e do corpo seratildeo
comuns a ambos Jaacute a afecccedilatildeo proacutepria agrave alma eacute a que natildeo se daacute pela determinaccedilatildeo na mateacuteria
mas por si mesma Entre os atributos da alma a capacidade de pensamento parece ser a que
atende esse requisito A menos poreacutem que dependa de imagens para sua atividade Assim
nem mesmo o pensamento seria uma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma8 Em suma a investigaccedilatildeo da
alma consiste em saber sua natureza sua essecircncia e as afecccedilotildees que lhe satildeo atribuiacutedas sejam
elas proacuteprias ou comuns ao corpo no qual ela se instancia
Aristoacuteteles parte entatildeo para o primeiro elemento da definiccedilatildeo a se estabelecer
πρῶτον δ ἴσως ἀναγκαῖον διελεῖν ἐν τίνι τῶν γενῶν καὶ τί ἐστι λέγω δὲ πότερον τόδε
τι καὶ οὐσία ἢ ποιὸν ἢ ποσόν ἢ καί τις ἄλλη τῶν διαιρεθεισῶν κατηγοριῶν
Em todo caso eacute preciso decidir primeiro a qual dos gecircneros a alma pertence e o que eacute
ndash quero dizer se ela eacute algo determinado e substacircncia ou se eacute uma qualidade uma
quantidade ou mesmo alguma outra das categorias jaacute distinguidas DA I 1 402a22-25
(Trad de Gomes dos Reis)
O primeiro dos pressupostos sobre os quais se deveraacute responder eacute o gecircnero de ser da
alma Filopono9 comenta que Aristoacuteteles tem em vista platocircnicos pitagoacutericos e Xenoacutecrates
para os quais a alma eacute substacircncia harmonia e nuacutemero respectivamente Nas Categorias10
7 εἰ δ οὕτως ἔχει δῆλον ὅτι τὰ πάθη λόγοι ἔνυλοί εἰσιν ldquoSe assim eacute as afecccedilotildees satildeo evidentemente formas
implicadas na mateacuteriardquo DA I 1 403a24 (Trad Gomes dos Reis) 8 εἰ δ ἐστὶ καὶ τοῦτο φαντασία τις ἢ μὴ ἄνευ φαντασίας οὐκ ἐνδέχοιτ ἂν οὐδὲ τοῦτ ἄνευ σώματος εἶναιldquoNatildeo
obstante se tambeacutem o pensar eacute um tipo de imaginaccedilatildeo ou se ele natildeo pode ocorrer sem a imaginaccedilatildeo entatildeo nem
mesmo o pensar poderia existir sem o corpordquo DA I 1 403a8-10 (Trad Gomes dos Reis) 9 ὧν ἐστι καὶ Ξενοκράτης ἀριθμὸς γάρ φησί κινῶν ἑαυτόν ἐστιν ἡ ψυχή ὁ δὲ ἀριθμὸς ὑπὸ τὸ ποσόν εἰ δὴ
τοῦτο ἔλεγεν ἐκεῖνος καὶ μὴ ἄλλο τι διὰ τούτου ᾐνίττετο οἱ δὲ ὑπὸ τὸ ποιόν ὧν εἰσιν καὶ οἱ ἰατροὶ κρᾶσιν εἶναι
λέγοντες τοιοῦτοι δ ἂν εἶεν καὶ οἱ ἐντελέχειαν λέγοντες τοιαύτην μαθησόμεθα γάρ πῶς φησιν αὐτὴν
ἐντελέχειαν ὁ Ἀριστοτέλης οἱ δὲ λόγον λέγοντες τῶν στοιχείων δόξαιεν ἂν ὑπὸ τὸ πρός τι ἀνάγειν τὸ γὰρ
διπλάσιον ἢ ἡμιόλιον ὑπὸ τὸ πρός τι τινὸς γὰρ διπλάσιον ἀμφίβολον οὖν τέως τὸ γένος ldquoAlguns a classificam
sob o tiacutetulo de substacircncia outros sob quantidade Dentre eles Xenoacutecrates que afirma que a alm eacute o nuacutemero
movendo por si mesmo e o nuacutemero eacute dado sob quantidade se for isto que ele quer dizer ao inveacutes de algo
distinto do que por essas palavras ele se refere obscuramente Outros dizem que isto pertence a qualidade Em
meio a isto estatildeo os meacutedicos que dizem que eacute a mistura dentre os quais haacute tambeacutem os que dizem que eacute uma
atualidade pois aprenderemos com Aristoacuteteles chama a alma de atualidade Aqueles que dizem que eacute uma
proporccedilatildeo dos elementos pareceriam entitulaacute-la sob a ltcategoria dogt relativo pelo duplo ou a metade
pertencerem agrave categoria do relativo pois o duplo eacute de algo Assim sendo entatildeo o gecircnero permanece
controversordquo PHILOPONUS Com DA 32 32 ndash 337 (Trad da traduccedilatildeo de P J Eijk) 10Οὐσία δέ ἐστιν ἡ κυριώτατά τε καὶ πρώτως καὶ μάλιστα λεγομένη ἣ μήτε καθ ὑποκειμένου τινὸς λέγεται μήτε
ἐν ὑποκειμένῳ τινί ἐστιν οἷον ὁ τὶς ἄνθρωπος ἢ ὁ τὶς ἵππος δεύτεραι δὲ οὐσίαι λέγονται ἐν οἷς εἴδεσιν αἱ
πρώτως οὐσίαι λεγόμεναι ὑπάρχουσιν ταῦτά τε καὶ τὰ τῶν εἰδῶν τούτων γένη ldquoSubstacircncia entendida em
sentido proacuteprio primeiro e supremo eacute a que natildeo se predica de um sujeito e natildeo existe nalgum sujeito por
exemplo um homem um cavalo Substacircncias segundas satildeo as formas (ou espeacutecies) nas quais estatildeo incluiacutedas as
que satildeo ditas substacircncias primeiras e tambeacutem os gecircneros destasrdquo Cat 5 2a11 (Trad Lucas Angioni)
16
Aristoacuteteles compreende a substacircncia primeira como entes particulares enquanto o gecircnero e
forma satildeo substacircncias segundas Sabe-se que Aristoacuteteles inverte esta noccedilatildeo de substacircncia em
Metafiacutesica Z onde substacircncia primeira eacute identificada com a forma11
que eacute priorizada em
relaccedilatildeo ao composto e agrave mateacuteria Portanto as noccedilotildees de substacircncia quantidade e qualidade
que Aristoacuteteles trabalha na definiccedilatildeo de alma no DA I 1 estariam mais proacuteximas das Cat que
da Met Z Eacute o que somos levados a acreditar se considerarmos que esta mesma formulaccedilatildeo
ocorre mais adiante em DA I 5 410a16-2112
Nesta e naquela passagem Aristoacuteteles quer saber
se a alma eacute uma substacircncia particular e determinada ou seja um objeto de predicaccedilatildeo que natildeo
se predica de outrem
Passemos para o segundo elemento que deve estar presente numa definiccedilatildeo de alma
ἔτι δὲ πότερον τῶν ἐν δυνάμει ὄντων ἢ μᾶλλον ἐντελέχειά τις
e ainda se estaacute entre os seres em potecircncia ou antes se eacute uma certa atualidade DA I
1 402a27 (Trad de Gomes dos Reis)
A diferenccedila que os conceitos de potecircncia (dyacutenamis) e atualidade (entelekheacuteia) fazem eacute
sobre o estatuto material ou formal da alma Pois se a alma for de natureza material entatildeo eacute
em potecircncia e sujeita ao movimento Entretanto se for de natureza formal seraacute uma certa
atualidade e princiacutepio de determinaccedilatildeo e atividade Gomes dos Reis13
observa que atualidade
eacute colocada em termos vagos (ldquouma certa atualidaderdquoenteleacutekheia tiacutes) o que indica que soacute faz
sentido falar em atualidade enquanto forma especiacutefica quando instanciada em uma mateacuteria de
um tipo uma alma x que se instancia em um corpo de um tipo x
Outro elemento de definiccedilatildeo da alma eacute sua unidade
σκεπτέον δὲ καὶ εἰ μεριστὴ ἢ ἀμερής καὶ πότερον ὁμοειδὴς ἅπασα ψυχὴ ἢ οὔ εἰ δὲ
μὴ ὁμοειδής πότερον εἴδει διαφέρουσα ἢ γένει
Eacute preciso examinar tambeacutem se ela eacute divisiacutevel em partes ou natildeo e se toda e qualquer
alma eacute de mesma forma e no caso de natildeo ser de mesma forma se a diferenccedila eacute de
espeacutecie ou de gecircnero DA I 1 402b1-3 (Trad de Gomes dos Reis)
11 ἕκαστόν τε γὰρ οὐκ ἄλλο δοκεῖ εἶναι τῆς ἑαυτοῦ οὐσίας καὶ τὸ τί ἦν εἶναι λέγεται εἶναι ἡ ἑκάστου
οὐσίαldquoCom efeito a coisa individual natildeo parece ser diferente da proacutepria substacircncia e dizemos que a essecircncia eacute
justamente a substacircncia da coisa individualrdquo Met Z 6 1031ordf17-18 (Trad Giovanni Reale)
εἶδος δὲ λέγω τὸ τί ἦν εἶναι ἑκάστου καὶ τὴν πρώτην οὐσίαν ldquoPor forma entendo a essecircncia de cada coisa e sua
substacircncia primeirardquo Met Z 7 1032b1-2 (Trad Giovanni Reale) 12 ἆρ οὖν ὅσα τῶν οὐσιῶν ἐκ τούτων μόνον πῶς οὖν γινώσκει καὶ τῶν ἄλλων ἕκαστον ἢ φήσουσιν ἑκάστου
γένους εἶναι στοιχεῖα καὶ ἀρχὰς ἰδίας ἐξ ὧν τὴν ψυχὴν συνεστάναι ἔσται ἄρα ποσὸν καὶ ποιὸν καὶ οὐσία ἀλλ
ἀδύνατον ἐκ τῶν τοῦ ποσοῦ στοιχείων οὐσίαν εἶναι καὶ μὴ ποσόνldquoOra seraacute a alma composta somente daqueles
elementos que satildeo comuns agraves substacircncias Como entatildeo conhece ainda cada um dos outros Ou se diraacute que haacute
elementos e princiacutepios particulares a cada gecircnero e que a alma eacute constituiacuteda de todos eles A alma seria entatildeo
quantidade qualidade e substacircncia Mas eacute impossiacutevel que a substacircncia seja composta dos elementos da
quantidade e natildeo seja quantidade ela mesmardquo DA I 5 410a16-21 (Trad Gomes dos Reis) 13 2006 148-149
17
Aqui reside um dos problemas mais comprometedores sobre a investigaccedilatildeo
psicoloacutegica aristoteacutelica a) A alma eacute divisiacutevel ou indivisiacutevel b) cada parte da alma teria uma
forma proacutepria c) Caso seja divisiacutevel as almas se diferenciam em gecircnero ou espeacutecie
Segundo Polansky14
Aristoacuteteles resolve esta bateria de problemas supondo que um ser
vivente tem sua proacutepria alma cujas partes correspondam agraves funccedilotildees sendo estas partes
divisiacuteveis pelos tipos de vida (vegetativa animal humana) A divisibilidade das partes se daacute
de acordo com a capacidade aniacutemica que eacute viver segundo uma atividade e se distinguiria em
gecircnero (a vida perceptiva) ou espeacutecie (catildees cavalos e homem) Isto que garantiraacute a
indivisibilidade da alma ao longo dos tipos de vida segundo suas capacidades Assim
Aristoacuteteles consegue ter um enunciado formal que garanta a unidade geneacuterica fazendo dos
tipos de vida como espeacutecies de seres vivos e as capacidades suas diferenccedilas especiacuteficas
Definido isto deve-se inquirir sobre a amplitude da definiccedilatildeo
εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ
καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι
οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν ἄλλο κατηγοροῖτο
Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma
uacutenica definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a
de cavalo catildeo homem divindade sendo neste caso o animal considerado
universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo ocorrendo para qualquer outro
atributo comum que for predicado DA I 1 402b4-9 (Trad de Gomes dos Reis)
Ateacute aqui Aristoacuteteles se debruccedilava sobre os elementos que devem compor a definiccedilatildeo
de alma Daqui adiante a questatildeo passa a ser qual a abordagem de pesquisa para se formular
esta definiccedilatildeo E um primeiro ponto se refere agrave abrangecircncia da definiccedilatildeo Dado que a alma
pode ter partes sendo estas partes divisiacuteveis ou natildeo a definiccedilatildeo deve ser geral e abranger todo
gecircnero de alma ou deve haver uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie de alma Para Polansky15
a
existecircncia de gecircneros eacute questionaacutevel pois parecem ser universais Noacutes natildeo encontramos um
universal tal qual Soacutecrates e Caacutelias pois estes satildeo particulares Tambeacutem natildeo encontramos um
gecircnero de alma tal qual catildees e cavalos pois estes satildeo espeacutecies Deste modo uma definiccedilatildeo
geneacuterica ofereceria apenas uma noccedilatildeo comum segundo as espeacutecies de alma sem
necessariamente enunciar suas as espeacutecies Portanto esta questatildeo contrasta duas noccedilotildees de
definiccedilatildeo da alma a particular (kathrsquo hekaacutesten) e universal (tograve kathoacutelou) Esta tensatildeo
enunciada aqui persistiraacute nas questotildees posteriores ainda neste capiacutetulo mas se evidenciaraacute
mais fortemente nos enunciados de alma presentes em DA II 1-3 Em siacutentese o problema
consiste em saber se a definiccedilatildeo de alma deve ser pelo seu gecircnero ou sua espeacutecie
14 2007 34-35 15 2008 45
18
ἔτι δέ εἰ μὴ πολλαὶ ψυχαὶ ἀλλὰ μόρια πότερον δεῖ ζητεῖν πρότερον τὴν ὅλην ψυχὴν ἢ
τὰ μόρια χαλεπὸν δὲ καὶ τούτων διορίσαι ποῖα πέφυκεν ἕτερα ἀλλήλων καὶ πότερον
τὰ μόρια χρὴ ζητεῖν πρότερον ἢ τὰ ἔργα αὐτῶν
Aleacutem disso no caso de serem muitas as partes e natildeo as almas deve-se primeiro
investigar a alma como um todo ou suas partes Tambeacutem eacute difiacutecil definir quais dentre
estas satildeo por natureza distintas entre si e se eacute uacutetil investigar primeiro as partes ou
suas funccedilotildees DA I 1 402b9-12 (Trad de Gomes dos Reis)
Na medida em que a alma eacute composta de partes que correspondem agraves suas
capacidades se decide se a investigaccedilatildeo abordaraacute primeiramente suas partes ou a alma como
um todo aleacutem de como investigar a capacidade ou a funccedilatildeo caso as capacidades sejam
distintas Ou seja eacute preciso decidir se a investigaccedilatildeo se inicia pela percepccedilatildeo ou pelo animal
ἀπορίαν δ ἔχει καὶ τὰ πάθη τῆς ψυχῆς πότερόν ἐστι πάντα κοινὰ καὶ τοῦ ἔχοντος ἢ
ἔστι τι καὶ τῆς ψυχῆς ἴδιον αὐτῆς
Haacute ainda a dificuldade de saber se as afecccedilotildees da alma satildeo todas comuns agravequilo que
possui alma ou se haacute tambeacutem alguma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma tatildeo somente DA I 1
403a3-5 (Trad de Gomes dos Reis)
Apoacutes uma exaustiva exposiccedilatildeo do que deve compor a definiccedilatildeo de alma
Aristoacuteteles elenca o uacuteltimo requisito de sua investigaccedilatildeo o grau de separabilidade da alma ou
de alguma de suas partes As capacidades de movimento reproduccedilatildeo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo e
imaginaccedilatildeo parecem ter sua ocorrecircncia no composto de corpo e alma que eacute o ser vivente
Entretanto haacute na teoria aristoteacutelica do intelecto sua face passiva e ativa conforme formulou a
tradiccedilatildeo sendo a ativa de natureza separada e imortal16
Isto faria desta parte do intelecto uma
afecccedilatildeo proacutepria da alma sem ocorrecircncia conjunta com o corpo Filopono17
comenta que este eacute
um problema determinante para a composiccedilatildeo da definiccedilatildeo de alma Se a alma tem afecccedilotildees
proacuteprias e separadas do corpo a definiccedilatildeo dispensaraacute o corpo de seu enunciado Se pelo
contraacuterio as afecccedilotildees aniacutemicas tecircm ocorrecircncia corpoacuterea entatildeo a definiccedilatildeo de alma deve
conter o corpo em seu enunciado
O que se conquista enfim com esta taacutebua de definiccedilatildeo em De Anima I 1 Que
investigar a natureza da alma eacute responder a seu gecircnero de ser o que implica em saber se a
16χωρισθεὶς δ ἐστὶ μόνον τοῦθ ὅπερ ἐστί καὶ τοῦτο μόνον ἀθάνατον καὶ ἀΐδιον ldquoSomente isto [o intelecto]
quando separado eacute propriamente o que eacute e somente isto eacute imortal e eternordquo DA III 5 (Trad Gomes dos Reis) 17 εἰ μὲν οὖν ὡς ὀργάνῳ χρῆται τῷ σώματι ἰδίᾳ ἔχουσα τὰς ἐνεργείας οὐ δεῖ προσχρήσασθαι τῷ σώματι πρὸς
τὸν ὁρισμόν οὐ γὰρ συμπληροῖ τὴν οὐσίαν τοῦ τέκτονος τὸ σκέπαρνον εἰ δὲ ἐν τῷ σώματι ἔχει τὸ εἶναι ὡς
εἶναι τὰς ἐνεργείας τοῦ συναμφοτέρου ἀνάγκη προσχρήσασθαι ἐν τῷ ὁρισμῷ τῷ σώματι ὥσπερ ἐπὶ τοῦ θυμοῦ
ἐλέγομεν ἀναγκαία οὖν ἡ τούτων λῆψις οὐκ εὐχερὴς δέ ltπάθηgt δὲ κοινότερον τὰς ἐνεργείας τῆς ψυχῆς
ἐκάλεσε ldquoSe usa o corpo como instrumento e tem suas atividades peculiares a si mesmo natildeo haacute qualquer
necessidade de se remeter ao corpo na definiccedilatildeo ndash pois um machado natildeo completa a essecircncia de um carpinteiro ndash
mas se a alma tem seu ser no corpo e suas atividades pertencem ao composto eacute necessaacuterio tambeacutem se remeter
ao corpo na definiccedilatildeo tal qual como nos referimos em relaccedilatildeo ao iacutempeto Estabelecer essas coisas entatildeo eacute
necessaacuterio poreacutem natildeo eacute faacutecil Afecccedilatildeo eacute o termo mais geral que ele usa para as atividades da almardquo
PHILOPONUS Com DA 4429-35 (Trad da trad de P J Eijk)
19
alma eacute potencialmente ou em atualidade Isto posto se a alma eacute como uma substacircncia e
portanto una ou separaacutevel e caso seja em partes se satildeo divisiacuteveis ou natildeo Aleacutem disso se a
definiccedilatildeo deve abranger diversos tipos de alma ou se haacute uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie Por
fim se sua investigaccedilatildeo parte das partes ou do todo
20
2 A NOCcedilAtildeO DE ALMA EM ARISTOacuteTELES
A noccedilatildeo de alma em Aristoacuteteles obedece trecircs momentos de elaboraccedilatildeo Um primeiro
ao longo da discussatildeo das endoxai de seus predecessores em DA I 2-5 Em outro quando
argumenta por conceitos metafiacutesicos e formula a noccedilatildeo geral de alma em DA II 1 Aleacutem de
um uacuteltimo a partir de DA II 2 quando se formula uma outra noccedilatildeo de alma pelas
capacidades Esta trajetoacuteria visa (i) levantar as teses que foram elaboradas sobre o assunto
visando extrair certos princiacutepios verdadeiros Com estes princiacutepios (ii) se expotildee a noccedilatildeo
geral Mas esta noccedilatildeo que responde sobre o ser da alma natildeo indica os tipos especiacuteficos de
vida Portanto (iii) eacute preciso inquirir por outra abordagem e provar que a alma eacute princiacutepio das
capacidades que manifestam vida no ser pois atraveacutes dessas capacidades explicamos esses
distintos modos de viver Como se veraacute esta travessia responde agrave taacutebua de definiccedilatildeo de DA I
1 e Aristoacuteteles ara todo o terreno sobre o qual ele ergue sua psicologia
21 A DEFINICcedilAtildeO PELA FORMA
Aristoacuteteles conclui seu levantamento das endoxai em DA I 2-5 com duas noccedilotildees
relativas agrave alma que ela eacute una18
e imoacutevel19
Somente no iniacutecio do livro seguinte em DA II 1
ele apresenta sua noccedilatildeo onde o objetivo traccedilar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos)
que abarque as vaacuterias formas de vida
18 φαίνεται δὲ καὶ τὰ φυτὰ διαιρούμενα ζῆν καὶ τῶν ζῴων ἔνια τῶν ἐντόμων ὡς τὴν αὐτὴν ἔχοντα ψυχὴν τῷ
εἴδει εἰ καὶ μὴ ἀριθμῷ ἑκάτερον γὰρ τῶν μορίων αἴσθησιν ἔχει καὶ κινεῖται κατὰ τόπον ἐπί τινα χρόνον εἰ δὲ
μὴ διατελοῦσιν οὐθὲν ἄτοπον ὄργανα γὰρ οὐκ ἔχουσιν ὥστε σώζειν τὴν φύσιν ἀλλ οὐδὲν ἧττον ἐν ἑκατέρῳ
τῶν μορίων ἅπαντ ἐνυπάρχει τὰ μόρια τῆς ψυχῆς καὶ ὁμοειδῆ ἐστιν ἀλλήλοις καὶ τῇ ὅλῃ ἀλλήλοις μὲν ὡς οὐ
χωριστὰ ὄντα τῇ δ ὅλῃ ψυχῇ ὡς οὐ διαιρετῇ οὔσῃ ἔοικε δὲ καὶ ἡ ἐν τοῖς φυτοῖς ἀρχὴ ψυχή τις εἶναι μόνης γὰρ
ταύτης κοινωνεῖ καὶ ζῷα καὶ φυτά καὶ αὕτη μὲν χωρίζεται τῆς αἰσθητικῆς ἀρχῆς αἴσθησιν δ οὐθὲν ἄνευ ταύτης
ἔχει ldquoEacute manifesto ainda que as plantas ndash e dentre os animais alguns insetos ndash quando secionadas continuam a
viver como se tivessem a mesma alma especificamente ainda que natildeo numericamente pois cada uma das partes
tem sensaccedilatildeo e move-se localmente por algum tempo Se natildeo sobrevivem natildeo resulta em absurdo algum pois
natildeo mantecircm oacutergatildeos aponto de conservar a sua natureza Em cada uma das partes poreacutem estatildeo todas as partes da
alma e nenhuma a menos E elas satildeo da mesma espeacutecie entre si e em relaccedilatildeo agrave alma inteira ndash as diversas partes
satildeo inseparaacuteveis uma das outras embora a alma inteira seja divisiacutevel Parece que o princiacutepio encontrado nas
plantas eacute tambeacutem um certo tipo de alma pois eacute apenas compartilhada por animais e plantas e ela existe
separada do princiacutepio perceptivo embora sem ela nada possa ter percepccedilatildeordquo 411b19-411b30 19ὅτι μὲν οὖν οὔθ ἁρμονίαν οἷόν τ εἶναι τὴν ψυχὴν οὔτε κύκλῳ περιφέρεσθαι δῆλον ἐκ τῶν εἰρημένων ldquoQue a
alma natildeo pode ser harmonia nem locomover-se em ciacuterculo fica claro a partir do que foi ditordquo 408ordf29-30 (Trad
Gomes dos Reis)
ὅτι μὲν οὖν οὐχ οἷόν τε κινεῖσθαι τὴν ψυχήν φανερὸν ἐκ τούτων εἰ δ ὅλως μὴ κινεῖται δῆλον ὡς οὐδ ὑφ
ἑαυτῆς Eacute evidente a partir disso tudo que natildeo eacute possiacutevel que a alma se mova ldquoE se de todo modo natildeo se move eacute
claro tambeacutem que natildeo se move por si mesmardquo 408b30-31 (Trad Gomes dos Reis)
φανερὸν οὖν ἐκ τῶν εἰρημένων ὡς οὔτε τὸ γινώσκειν ὑπάρχει τῇ ψυχῇ διὰ τὸ ἐκ τῶν στοιχείων εἶναι οὔτε τὸ
κινεῖσθαι αὐτὴν καλῶς οὐδ ἀληθῶς λέγεται ldquoEacute manifesto entatildeo a partir do que foi dito que nem o conhecer
subsite na alma por ela ser composta dos elementos nem eacute uma maneira certa ou verdadeira dizer qua a alma eacute
movidardquo 411a24-26 (Trad Gomes dos Reis)
21
Τὰ μὲν δὴ ὑπὸ τῶν πρότερον παραδεδομένα περὶ ψυχῆς εἰρήσθω πάλιν δ ὥσπερ ἐξ
ὑπαρχῆς ἐπανίωμεν πειρώμενοι διορίσαι τί ἐστι ψυχὴ καὶ τίς ἂν εἴη κοινότατος λόγος
αὐτῆς
Tendo dito o suficiente sobre as opiniotildees a respeito da alma fornecida por nossos
predecessores retomemos como que do comeccedilo e tentemos definir o que eacute a alma e
qual seria seu enunciado mais geral 412a1-6 (Trad Gomes dos Reis)
A busca pelo enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) visa uma definiccedilatildeo de alma
comum agraves diversas formas de vida Em meio agrave pluralidade de modos de vida a alma eacute aquilo
a partir do qual essa pluralidade se unifica num gecircnero de ser ndash o dos seres viventes
(empsykhon) Aristoacuteteles compreende que uma noccedilatildeo puramente geneacuterica natildeo explica as
formas especiacuteficas do objeto de estudo Entretanto o enunciado geral responde agrave primeira
parte da taacutebua de definiccedilatildeo como notaremos no decorrer da definiccedilatildeo pela forma que seraacute
enunciada Com eles Aristoacuteteles alicerccedila conceitualmente as outras definiccedilotildees que seratildeo
formuladas nos outros capiacutetulos
Assim entatildeo Aristoacuteteles inicia seu argumento
λέγομεν δὴ γένος ἕν τι τῶν ὄντων τὴν οὐσίαν ταύτης δὲ τὸ μέν ὡς ὕλην ὃ καθ αὑτὸ
οὐκ ἔστι τόδε τι ἕτερον δὲ μορφὴν καὶ εἶδος καθ ἣν ἤδη λέγεται τόδε τι καὶ τρίτον
τὸ ἐκ τούτων ἔστι δ ἡ μὲν ὕλη δύναμις τὸ δ εἶδος ἐντελέχεια καὶ τοῦτο διχῶς τὸ
μὲν ὡς ἐπιστήμη τὸ δ ὡς τὸ θεωρεῖν
Dizemos que um dos gecircneros dos seres eacute a substacircncia E substacircncia primeiro no
sentido de mateacuteria ndash que por si mesmo natildeo eacute algo determinado ndash e ainda no sentido
de figura e forma ndash em virtude do que jaacute se diz que eacute algo determinado ndash e por fim
no sentido de composto de ambas A mateacuteria por sua vez eacute potecircncia ao passo que a
forma eacute atualidade e isto de dois modos seja como ciecircncia seja como inquirir DA II
1 412a6-11(Trad Gomes dos Reis)
Aristoacuteteles parte de teses presentes em seu tratado de filosofia primeira a Metafiacutesica
Laacute ele investiga o ser enquanto ser que tem muitos significados mas todos convergem para
um soacute20
O que responde a estes diversos significados do que eacute o ser ao ti estiacute eacute a
substacircncia21
(ousiacutea) Satildeo substacircncias a mateacuteria (hyacutele) a forma (morpheacute) e o composto de
ambas ( tograve ek touacutetoon) 22
Apesar da mateacuteria ser indeterminada23
permanece na mudanccedila e eacute
20 διὸ καὶ ἡμῖν τοῦ ὄντος ᾗ ὂν τὰς πρώτας αἰτίας ληπτέον Τὸ δὲ ὂν λέγεται μὲν πολλαχῶς ἀλλὰ πρὸς ἓν καὶ μίαν
τινὰ φύσιν Por isso tambeacutem noacutes devemos apreender as causas primeiras do ente enquanto ente ldquoEnterdquo se diz de
muitas maneiras mas em relaccedilatildeo a algo uacutenico e a uma natureza uacutenicardquo Met G 1-2 1003ordf31-32 (Trad Lucas
Angioni) 21τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν ldquoE
sendo o ente dito de muitos modos eacute evidente que o ente primeiro eacute o que eacute entre todos o que designa a
substacircnciardquo Met Z 2 1028b13-15 (Trad Lucas Angioni) 22 αὗται δ εἰσὶν αἱ αἰσθηταί αἱ δ αἰσθηταὶ οὐσίαι πᾶσαι ὕλην ἔχουσιν ἔστι δ οὐσία τὸ ὑποκείμενον ἄλλως μὲν
ἡ ὕλη (ὕλην δὲ λέγω ἣ μὴ τόδε τι οὖσα ἐνεργείᾳ δυνάμει ἐστὶ τόδε τι) ἄλλως δ ὁ λόγος καὶ ἡ μορφή ὃ τόδε τι
ὂν τῷ λόγῳ χωριστόν ἐστιν τρίτον δὲ τὸ ἐκ τούτων οὗ γένεσις μόνου καὶ φθορά ἐστι καὶ χωριστὸν ἁπλῶς τῶν
γὰρ κατὰ τὸν λόγον οὐσιῶν αἱ μὲν αἱ δ οὔ ldquoE agora devemos reexaminar as substacircncias que satildeo admitidas por
todos E essas satildeo as substacircncias sensiacuteveis Todas as substacircncias sensiacuteveis tecircm mateacuteria E substacircncia eacute o
substrato o qual em certo sentido significa a mateacuteria (chamo mateacuteria o que natildeo eacute algo determinado em ato mas
22
objeto de predicaccedilatildeo caracteriza-se como o substrato (hypokeiacutemenon) do composto Para ser
determinada a mateacuteria depende da forma que lhe confere ser (ti estiacute) Assim toda mateacuteria
determinada pela forma seraacute um composto Por isso Aristoacuteteles defende que uma boa
definiccedilatildeo das substacircncias compostas eacute a que enuncie a determinaccedilatildeo da forma na mateacuteria24
Em suma a substacircncia eacute o gecircnero primeiro de ser sendo esta tanto mateacuteria quanto forma
assim como o composto de ambas
A indeterminaccedilatildeo da mateacuteria e a determinaccedilatildeo da forma estatildeo intrinsecamente
relacionadas aos conceitos correlatos de potecircncia (dyacutenamis) e atualidade (enteleacutekheia) na
filosofia primeira de Aristoacuteteles A mateacuteria eacute indeterminada pois natildeo eacute algo em ato mas em
potecircncia na medida que eacute passiacutevel de determinaccedilatildeo pela forma Aristoacuteteles assinala que ser
em potecircncia significa ter o princiacutepio de movimento (kiacutenesis) ou de modicaccedilatildeo (metaboleacute) seja
por causa extriacutenseca ou intriacutenseca25
A mateacuteria portanto eacute potecircncia pois traz em si o princiacutepio
de ser movida ou modificada por si mesma ou por um outro isto Potecircncia tambeacutem estaacute
algo determinado soacute em potecircncia) num segundo sentido significa a essecircncia e a forma (a qual sendo algo
determinado pode ser separada pelo pensamento) e num terceiro sentido significa o composto de mateacuteria e de
forma (e soacute este estaacute submetido agrave geraccedilatildeo e agrave corrupccedilatildeo e eacute separado em sentido proacuteprio enquanto das
substacircncias entendidas segundo a forma algumas satildeo separadas outras natildeo satildeo)rdquo H 1042a24-31 (Trad Giovani
Reale) 23 λέγω δ ὕλην ἣ καθ αὑτὴν μήτε τὶ μήτε ποσὸν μήτε ἄλλο μηδὲν λέγεται οἷς ὥρισται τὸ ὄν ἔστι γάρ τι καθ οὗ
κατηγορεῖται τούτων ἕκαστον ᾧ τὸ εἶναι ἕτερον καὶ τῶν κατηγοριῶν ἑκάστῃ (τὰ μὲν γὰρ ἄλλα τῆς οὐσίας
κατηγορεῖται αὕτη δὲ τῆς ὕλης) ὥστε τὸ ἔσχατον καθ αὑτὸ οὔτε τὶ οὔτε ποσὸν οὔτε ἄλλο οὐδέν ἐστιν οὐδὲ δὴ
αἱ ἀποφάσεις καὶ γὰρ αὗται ὑπάρξουσι κατὰ συμβεβηκός ldquoChamo mateacuteria aquilo que por si natildeo eacute algo
determinado nem uma quantidade nem qualquer outra das determinaccedilotildees do ser Existe de fato alguma coisa da
qual cada uma dessas determinaccedilotildees eacute predicada alguma coisa cujo ser eacute diferente do ser de cada uma das
categorias Todas as outras categorias com efeito satildeo predicadas da substacircncia e esta por sua vez eacute predicada
da mateacuteria Assim este termo por si natildeo eacute nem algo determinado nem quantidade nem qualquer outra
categoria e natildeo eacute nem sequer as negaccedilotildees destas porque as negaccedilotildees soacute existem de modo acidentalrdquo Met Z 3
1029ordf20-26 (Trad Giovani Reale) 24 οἱ δὲ ἀγγεῖον σκεπαστικὸν χρημάτων καὶ σωμάτων ἤ τι ἄλλο τοιοῦτον προτιθέντες τὴν ἐνέργειαν λέγουσιν οἱ
δ ἄμφω ταῦτα συντιθέντες τὴν τρίτην καὶ τὴν ἐκ τούτων οὐσίαν (ἔοικε γὰρ ὁ μὲν διὰ τῶν διαφορῶν λόγος τοῦ
εἴδους καὶ τῆς ἐνεργείας εἶναι ὁ δ ἐκ τῶν ἐνυπαρχόντων τῆς ὕλης μᾶλλον) ὁμοίως δὲ καὶ οἵους Ἀρχύτας
ἀπεδέχετο ὅρους τοῦ συνάμφω γάρ εἰσιν ldquoAo contraacuterio os que a definem dizendo que eacute um refuacutegio para
proteger coisas e corpos ou alguma outra coisa desse tipo dizendo o que eacute a casa em ato enfim os que unem
ambas as definiccedilotildees experimenta substacircncia no terceiro significado como composto de mateacuteria e forma Eacute claro
que a definiccedilatildeo dada pelas diferenccedilas refere-se agrave forma e ao ato enquanto a definiccedilatildeo dada a partir dos
elementos refere-se prioritariamente agrave mateacuteria Semelhantes a estas eram as definiccedilotildees que Arquita aprovava
elas referiam-se ao conjunto de mateacuteria e formardquo H 2 1043ordf17-21 (Trad Giovani Reale)
φανερὸν δὴ ἐκ τῶν εἰρημένων τίς ἡ αἰσθητὴ οὐσία ἐστὶ καὶ πῶς ἡ μὲν γὰρ ὡς ὕλη ἡ δ ὡς μορφὴ καὶ ἐνέργεια
ἡ δὲ τρίτη ἡ ἐκ τούτων ldquoDo que foi dito fica claro o que eacute a substacircncia sensiacutevel e qual eacute seu modo de ser ela eacute
por um lado mateacuteria por outro forma e ato e num terceiro sentido o conjunto de mateacuteria e de formardquo Met H
2 1043a26-28 (Trad Giovani Reale) 25 ἡ μὲν οὖν ὅλως ἀρχὴ μεταβολῆς ἢ κινήσεως λέγεται δύναμις ἐν ἑτέρῳ ἢ ᾗ ἕτερον ἡ δ ὑφ ἑτέρου ἢ ᾗ ἕτερον
(καθ ἣν γὰρ τὸ πάσχον πάσχει τι ὁτὲ μὲν ἐὰν ὁτιοῦν δυνατὸν αὐτό φαμεν εἶναι παθεῖν ὁτὲ δ οὐ κατὰ πᾶν
πάθος ἀλλ ἂν ἐπὶτὸ βέλτιον) ldquoPotecircncia portanto significa em primeiro lugar esse princiacutepio de mudanccedila ou de
movimento que se encontra em outra coisa ou na propria coisa enquanto outra e em segundo lugar significa o
princiacutepio pelo qual uma coisa eacute mudada ou movida por outra ou por si mesma enquanto outrardquo Met Δ 12
1019ordf19-23 (Trad Giovani Reale)
23
relacionada ao princiacutepio de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo26
Na medida em que as coisas satildeo
constituiacutedas de um determinado modo elas trazem em potecircncia a manutenccedilatildeo de si diante da
accedilatildeo de outra coisa como a parede que natildeo quebra se batida com um copo de vidro ou trazem
em potecircncia a degeneraccedilatildeo tal qual um copo de vidro que quebra quando lanccedilado contra a
parede Jaacute a forma eacute atualidade (enteleacutekheia) tanto como ciecircncia quanto inquirir ou seja
enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) e atividade (energeia) Atualidade enquanto disposiccedilatildeo significa
a jaacute detenccedilatildeo de determinada capacidade mas sem sua atividade Ser apto a caminhar mas
estar sentado por exemplo Jaacute ato enquanto atividade significa o exerciacutecio dessa disposiccedilatildeo
Ser apto a caminhar e estar caminhando
οὐσίαι δὲ μάλιστ εἶναι δοκοῦσι τὰ σώματα καὶ τούτων τὰ φυσικά ταῦτα γὰρ τῶν
ἄλλων ἀρχαί τῶν δὲ φυσικῶν τὰ μὲν ἔχει ζωήν τὰ δ οὐκ ἔχει ζωὴν δὲ λέγομεν τὴν
δι αὑτοῦ τροφήν τε καὶ αὔξησιν καὶ φθίσιν ὥστε πᾶν σῶμα φυσικὸν μετέχον ζωῆς
οὐσία ἂν εἴη οὐσία δ οὕτως ὡς συνθέτη
E haacute a opiniatildeo de que sobretudo os corpos satildeo substacircncia entre os quais se encontram
os corpos naturais que satildeo princiacutepios dos demais Dos corpos naturais alguns tecircm
vida outros natildeo e dizemos que a vida eacute a nutriccedilatildeo por si mesmo o crescimento e o
decaimento Assim todo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido
de substacircncia composta DA II 1 412a11-16 (Trad Gomes dos Reis)
Aristoacuteteles retorna a uma tese geral amplamente adotada por ele segundo a qual dentre
as substacircncias as sensiacuteveis satildeo as mais aceitas27
por serem mais evidentes aos sentidos O que
26 ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ τοῦ πάσχειν ἔτι ὅσαι ἕξεις καθ ἃς ἀπαθῆ ὅλως ἢ ἀμετάβλητα ἢ μὴ ῥᾳδίως ἐπὶ τὸ χεῖρον
εὐμετακίνητα δυνάμεις λέγονται κλᾶται μὲν γὰρ καὶ συντρίβεται καὶ κάμπτεται καὶ ὅλως φθείρεται οὐ τῷ
δύνασθαι ἀλλὰ τῷ μὴ δύνασθαι καὶ ἐλλείπειν τινός ἀπαθῆ δὲ τῶν τοιούτων ἃ μόλις καὶ ἠρέμα πάσχει διὰ δύ
ναμιν καὶ τῷ δύνασθαι καὶ τῷ ἔχειν πώς ldquoO mesmo vale para a potecircncia passiva Aleacutem disso chamam-se
potecircncias todos os estados em virtude dos quais as coisas satildeo absolutamente impassiacuteveis ou imutaacuteveis ou natildeo
facilmente mutaacuteveis para pior De fato as coisas quebram-se degeneram-se dobram-se e em geral destroem-se
natildeo porque tecircm potecircncia mas porque natildeo tecircm potecircncia a e porque carecem de alguma coisa ao contraacuterio satildeo
impassiacuteveis relativamente a todo estes tipos de afecccedilotildees as coisas que dificilmente ou pouco satildeo afetadas por elas
por causa de sua potecircncia e de seu poder e por determinadas condiccedilotildees em que se encontremrdquo Met Δ 12 1019ordf
26-32 (Trad Giovani Reale) 27 Οὐσία λέγεται τά τε ἁπλᾶ σώματα οἷον γῆ καὶ πῦρ καὶ ὕδωρ καὶ ὅσα τοιαῦτα καὶ ὅλως σώματα καὶ τὰ ἐκ
τούτων συνεστῶτα ζῷά τε καὶ δαιμόνια καὶ τὰ μόρια τούτων ἅπαντα δὲ ταῦτα λέγεται οὐσία ὅτι οὐ καθ
ὑποκειμένου λέγεται ἀλλὰ κατὰ τούτων τὰ ἄλλα ldquoSubstacircncia em certo sentido se diz dos corpos simples por
exemplo o fogo a terra a aacutegua e todos os corpos como estes e em geral todos os corpos e as coisas compostas
a partir deles como os animais e os seres divinos e suas partes Todas essas coisas satildeo ditas substacircncias porque
natildeo satildeo predicadas de um substrato mas tudo o mais eacute predicado delasrdquo Met Δ 1017b10ndash14 (Trad Giovani
Reale)
Τὸ ὂν λέγεται πολλαχῶς καθάπερ διειλόμεθα πρότερον ἐν τοῖς περὶ τοῦ ποσαχῶς σημαίνει γὰρ τὸ μὲν τί ἐστι
καὶ τόδε τι τὸ δὲ ποιὸν ἢ ποσὸν ἢ τῶν ἄλλων ἕκαστον τῶν οὕτω κατηγορουμένων τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου
τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν (ὅταν μὲν γὰρ εἴπωμεν ποῖόν τι
τόδε ἢ ἀγαθὸν λέγομεν ἢ κακόν ἀλλ οὐ τρίπηχυ ἢ ἄνθρωπον ldquoO ser tem muitos signficados como
estabelecemos anteriormente no livro dedicado aos diversos significados dos termos De fato o ser signfica de
um lado essecircncia e algo determinado de outro qualidade ou quantidade e cada uma das outras categorias
Mesmo sendo dito em tantos signficados eacute evidente que o primeiro dos significados do ser eacute a essecircncia que
indica a substacircncia (De fato quando perguntamos a qualidade de alguma coisa dizemos que eacute boa ou maacute mas
natildeo que tem trecircs cocircvados ou que eacute homemrdquo 1028a10ndash16 (Trad Giovani Reale)
24
Aristoacuteteles chama aqui de corpos naturais (physikoacuten) corresponde aos compostos que datildeo
origem aos artificiais e com a abstraccedilatildeo das suas unidades a objetos matemaacuteticos Mas natildeo
satildeo elementos ou partes sem unidade como o olho ou a raiz da aacutervore Pois eacute o animal que
deteacutem o olho e a aacutervore que deteacutem a raiacutez Sendo assim os corpos naturais se diferenciam
entre os que vivem e os que natildeo vivem Estes que natildeo vivem satildeo os corpos artificiais os
corpos celestes e o cadaacutever Um corpo morto seraacute de animal senatildeo por homoniacutemia pois natildeo
tem como atividade o viver E o viver eacute nutrir-se eacute crescer e eacute decair Donde Aristoacuteteles
conclui que ldquotodo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido de substacircncia
compostardquo Os seres viventes (empsykhon) satildeo substacircncias compostas de mateacuteria (corpo) e
forma (alma) tendo como atividade o viver
ἐπεὶ δ ἐστὶ καὶ σῶμα καὶ τοιόνδε ζωὴν γὰρ ἔχον οὐκ ἂν εἴη σῶμα ἡ ψυχή οὐ γάρ
ἐστι τῶν καθ ὑποκειμένου τὸ σῶμα μᾶλλον δ ὡς ὑποκείμενον καὶ ὕλη ἀναγκαῖον
ἄρα τὴν ψυχὴν οὐσίαν εἶνα ὡς εἶδος σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν ἔχοντος
E uma vez que essa substacircncia tambeacutem eacute um corpo de tal tipo ndash que tem vida ndash a
alma natildeo eacute corpo pois o corpo natildeo eacute um dos predicados do substrato antes ele eacute
como o substrato e a mateacuteria Necessariamente entatildeo a alma eacute substacircncia como
forma de um corpo natural potencialmente vivo 412ordf16-21 (Trad Maria Ceciacutelia
Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo proacutepria)
Finalmente Aristoacuteteles tece sua uacuteltima premissa e enuncia uma primeira definiccedilatildeo de
alma Dado que os corpos naturais dotados de vida satildeo compostos hilemoacuterficos cabe eliminar
qualquer possibilidade da alma ser corpo O argumento eacute conciso Haacute substacircncias que satildeo um
corpo dotado de vida Este corpo vivo natildeo eacute alma Mas substrato (hypokeimeacutenon) e mateacuteria
(hyacutele) do composto E como tal eacute objeto de predicaccedilatildeo da forma Portanto a alma natildeo pode
ser corpo pois ela que o predica
Em Met Z 3 escreve Aristoacuteteles que o substrato eacute aquilo que eacute predicado pelas coisas
enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outra28
Jaacute a substacircncia eacute aquilo que predica o
substrato mas que natildeo eacute predicada pelas outras coisas Sendo assim inerem no substrato
determinaccedilotildees como quantidade afecccedilotildees accedilotildees e potecircncias Poreacutem raspadas as
determinaccedilotildees o que resta eacute o substrato primeiro mateacuteria Contudo como jaacute enunciado
ὁμολογούμεναι μὲν αἱ φυσικαί οἷον πῦρ γῆ ὕδωρ ἀὴρ καὶ τἆλλα τὰ ἁπλᾶ σώματα ἔπειτα τὰ φυτὰ καὶ τὰ μόρια
αὐτῶν καὶ τὰ ζῷα καὶ τὰ μόρια τῶν ζῴων καὶ τέλος ὁ οὐρανὸς καὶ τὰ μόρια τοῦ οὐρανοῦ ἰδίᾳ δέ τινες οὐσίας
λέγουσιν εἶναι τά τ εἴδη καὶ τὰ μαθηματικά ldquoSubstacircncias admitidas por todos satildeo as fiacutesicas como fogo terra
aacutegua ar e os outros corpos simples ademais as plantas e suas partes do ceacuteu Alguns filoacutesofos ao contraacuterio em
funccedilatildeo de suas opiniotildees particulares afirmaram que substacircncias satildeo as Formas e os Entes matemaacuteticosrdquo Met H
1042a7ndash11(Trad Giovani Reale)
28 τὸ δ ὑποκείμενόν ἐστι καθ οὗ τὰ ἄλλα λέγεται ἐκεῖνο δὲ αὐτὸ μηκέτι κατ ἄλλου ldquoO Substrato eacute aquilo de
que satildeo predicadas todas as outras coisas enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outrardquo Met Z 3 1028b36 ndash
1029a1 (Trad Giovani Reale)
25
acima Aristoacuteteles compreende a mateacuteria como algo indeterminado Apesar disso haacute algo da
qual todas as outras determinaccedilotildees satildeo predicadas E sendo a substacircncia um algo separado
que predica a mateacuteria ou seja que referencia e determina a mateacuteria substacircncia e mateacuteria natildeo
podem ser idecircnticas O que este argumento nos ajuda a compreender eacute o pressuposto
metafiacutesico sobre o qual Aristoacuteteles identifica o corpo com o substrato impossibilitando que
este seja identificado com a alma Ou seja a substacircncia que predica o corpo
Portanto se o corpo eacute substrato material do composto orgacircnico vivo segue-se
necessariamente que a alma eacute a substacircncia formal Aristoacuteteles enuncia entatildeo seu perseguido
enunciado mais geral a alma eacute substacircncia como forma de um corpo natural potencialmente
vivo A alma enquanto substacircncia do composto vivo eacute substacircncia no sentido de forma Com
este enunciado Aristoacuteteles responde o primeiro ponto do elenco de questotildees a serem
abordadas numa investigaccedilatildeo da alma a saber a qual gecircnero de ser pertence a alma
Para a alma ser forma de um corpo potencialmente vivo ndash e ser potencialmente vivo eacute
dispor de oacutergatildeos passiacuteveis de realizaccedilatildeo das atividades proacuteprias ao viver ndash significa ser o
princiacutepio estruturante e configurador das funccedilotildees (eacutergon) de vida Assim a alma eacute o princiacutepio
e causa determinante do ser atraveacutes das atividades proacuteprias ao viver em um corpo de tal tipo
Portanto a alma configura a realidade das substacircncias compostas viventes sendo aquilo a
partir e em vista do que a vida se daacute
Aristoacuteteles abre caminho para a responder sua taacutebua de definiccedilotildees de DA I 1 A
primeira delas eacute configurar a relaccedilatildeo entre a alma e o corpo fundamentando a noccedilatildeo de
inseparabilidade entre uma e outro Pois ser a forma de um composto demanda que a alma se
atualize apenas se instanciada em um estofo material e seja seu princiacutepio de ser Em siacutentese a
alma eacute como a substacircncia e o corpo eacute como o substrato da substacircncia composta viva que eacute o
ser vivente
Seguindo as noccedilotildees jaacute traccediladas anteriormente Aristoacuteteles desdobraraacute outras duas
caracteriacutesticas proacuteprias agrave alma atualidade primeira e princiacutepio de determinaccedilatildeo do corpo Jaacute
que a alma eacute forma e forma eacute atualidade entatildeo a alma eacute atualidade deste corpo
potencialmente vivo como se lecirc logo em seguida
ἡ δ οὐσία ἐντελέχεια τοιούτου ἄρα σώματος ἐντελέχεια αὕτη δὲ λέγεται διχῶς ἡ
μὲν ὡς ἐπιστήμη ἡ δ ὡς τὸ θεωρεῖν φανερὸν οὖν ὅτι ὡς ἐπιστήμη ἐν γὰρ τῷ
ὑπάρχειν τὴν υχὴν καὶ ὕπνος καὶ ἐγρήγορσίς ἐστιν ἀνάλογον δ ἡ μὲν ἐγρήγορσις τῷ
θεωρεῖν ὁ δ ὕπνος τῷ ἔχειν καὶ μὴ ἐνεργεῖν προτέρα δὲ τῇ γενέσει ἐπὶ τοῦ αὐτοῦ ἡ
ἐπιστήμη διὸ ἡ ψυχή ἐστιν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν
ἔχοντος
E a substacircncia eacute atualidade Portanto eacute de um corpo de tal tipo que a alma eacute
atualidade Mas esta se diz de dois modos ndash primeiro como ciecircncia segundo como o
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inquirir Eacute claro entatildeo que a alma eacute atualidade como ciecircncia pois ao subsistir a alma
haacute tanto o sono como a vigiacutelia e a vigiacutelia eacute algo anaacutelogo ao inquirir o sono a possuir
a ciecircncia mas natildeo a exercecirc-la e no que concerne a um mesmo indiviacuteduo a ciecircncia eacute
a primeira atualidade de um corpo natural que tem em potecircncia vida DA II 1 412a21-
28 (Trad Gomes dos Reis)
Como jaacute estabelecido em 401a6-11 a atualidade se diz segundo a disposiccedilatildeo e a
atividade Aqui disposiccedilatildeo (heacutexis) estaacute para a ciecircncia (epistecircme) como atividade (energeacuteia)
estaacute para inquirir (theoreicircn) Portanto disposiccedilatildeo eacute a obtenccedilatildeo de dada capacidade sem
executaacute-la enquanto atividade eacute sua execuccedilatildeo
Aristoacuteteles conclui seu argumento especificando a alma como uma atualidade primeira
(enteleacutekheia proteacute) Charlton29
propotildee que o termo ldquoprimeirordquo (proteacute) se refira agrave atualidade no
primeiro sentido ou seja enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) O que parece plausiacutevel pois o texto
aristoteacutelico nos diz que a alma eacute atualidade como ciecircncia (phanerograven oucircn hoacuteti hocircs episteme)
Aleacutem disso nas discussotildees preliminares sobre a capacidade perceptiva Aristoacuteteles discorre
um pouco mais sobre as diferenccedilas entre atualidade em termos de disposiccedilatildeo e atividade
διαιρετέον δὲ καὶ περὶ δυνάμεως καὶ ἐντελεχείας νῦν γὰρ ἁπλῶς ἐλέγομεν περὶ
αὐτῶν ἔστι μὲν γὰρ οὕτως ἐπιστῆμόν τι ὡς ἂν εἴποιμεν ἄνθρωπον ἐπιστήμονα ὅτι ὁ
ἄνθρωπος τῶν ἐπιστημόνων καὶ ἐχόντων ἐπιστήμην ἔστι δ ὡς ἤδη λέγομεν
ἐπιστήμονα τὸν ἔχοντα τὴν γραμματικήν ἑκάτερος δὲ τούτων οὐ τὸν αὐτὸν τρόπον
δυνατός ἐστιν ἀλλ ὁ μὲν ὅτι τὸ γένος τοιοῦτον καὶ ἡ ὕλη ὁ δ ὅτι βουληθεὶς δυνατὸς
θεωρεῖν ἂν μή τι κωλύσῃ τῶν ἔξωθεν ὁ δ ἤδη θεωρῶν ἐντελεχείᾳ ὢν καὶ κυρίως
ἐπιστάμενος τόδε τὸ Α ἀμφότεροι μὲν οὖν οἱ πρῶτοι κατὰ δύναμιν ἐπιστήμονες
ltὄντες ἐνεργείᾳ γίνονται ἐπιστήμονεςgtἀλλ ὁ μὲν διὰ μαθήσεως ἀλλοιωθεὶς καὶ
πολλάκις ἐξ ἐναντίας μεταβαλὼν ἕξεως ὁ δ ἐκ τοῦ ἔχειν τὴν ἀριθμητικὴν ἢ τὴν
γραμματικήν μὴ ἐνεργεῖν δέ εἰς τὸ ἐνεργεῖν ἄλλον τρόπον
Eacute preciso ainda fazer distinccedilotildees no que diz respeito agrave potecircncia e agrave atualidade Pois ateacute
agora falaacutevamos disso de maneira simples Por um lado haacute aquele que conhece no
sentido em que diriacuteamos ser o homem conhecedor por estar entre os que conhecem e
possuem conhecimento e haacute em outro sentido aquele que dizemos ser conhecedor
por jaacute saber a gramaacutetica (e cada um deles eacute em potecircncia mas natildeo da mesma maneira
o primeiro por que eacute de tal gecircnero e mateacuteria o outro porque se quiser pode inquirir
nada externo o impedindo) E haacute por fim aquele que estaacute inquirindo e em atualidade
conhecendo em sentido proacuteprio este ldquoArdquo determinado Os dois primeiros satildeo
conhecedores em potecircncia um por ter-se alterado via aprendizagem e por passar
vaacuterias vezes de uma das disposiccedilotildees contraacuterias a outra o outro de outro modo por
passar do ter a percepccedilatildeo sensiacutevel30 ou a gramaacutetica sem exercitaacute-lo ao estar em
exerciacutecio DA II 5 417a21-b2 (Trad Gomes dos Reis)
O ser humano eacute configurado de modo a realizar certas atividades como a nutriccedilatildeo a
percepccedilatildeo e a inquiriccedilatildeo Entretanto a pura organizaccedilatildeo fiacutesica natildeo basta para que elas sejam
realizadas Assim somente quando a funccedilatildeo proacutepria de determinada disposiccedilatildeo fiacutesica entra
em atividade eacute que aquilo que eacute em potecircncia se torna uma atualidade No caso acima a
capacidade de inquirir Mas toda capacidade exige um objeto para entrar em atividade E o
29 1980 p 174 30 A tradutora optou por substituir o termo ldquoarithmetikegravenrdquo por ldquoaiacutesthesinrdquo Cf GOMES DOS REIS 2012 p 84
27
que era uma potecircncia de aprendizado para o inquiridor torna-se uma atualidade pela atividade
da sua inquiriccedilatildeo Deste modo haacute trecircs instacircncias que vatildeo da potecircncia agrave atualidade Na
primeira o ser vivente eacute dotado da capacidade de aprender a inquirir Na segunda esta
disposiccedilatildeo eacute posta em atividade tendo um objeto para se inquirir Na terceira eacute a atividade
dessa capacidade aprendida ou adquirida que se tem uma atualidade plena No primeiro caso
eacute claramente uma capacidade segundo uma disposiccedilatildeo No segundo caso jaacute temos um estado
de atualidade na medida em que haacute o exerciacutecio dessa capacidade proacutepria ao ser vivente
Aristoacuteteles chama isso de potecircncia pois em relaccedilatildeo agrave terceira instacircncia aquele modo de
atualidade eacute ainda suscetiacutevel de alteraccedilatildeo E quando essa nova capacidade a gramaacutetica eacute
adquirida pela atividade desta nova capacidade de inquirir possiacutevel apenas pela sua
disposiccedilatildeo na fisiologia do ser vivente a capacidade se atualiza plenamente
Assim a alma eacute atualidade primeira de um corpo potencialmente vivo enquanto
princiacutepio de atividade das capacidades proacuteprias ao viver presentes como disposiccedilatildeo que a
forma engendra neste corpo Isto fica mais evidente em DA II 1 412b5-9
εἰ δή τι κοινὸν ἐπὶ πάσης ψυχῆς δεῖ λέγειν εἴη ἂν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος
φυσικοῦ ὀργανικοῦ διὸ καὶ οὐ δεῖ ζητεῖν εἰ ἓν ἡ ψυχὴ καὶ τὸ σῶμα ὥσπερ οὐδὲ τὸν
κηρὸν καὶ τὸ σχῆμα οὐδ ὅλως τὴν ἑκάστου ὕλην καὶ τὸ οὗ ἡ ὕλη τὸ γὰρ ἓν καὶ τὸ
εἶναι ἐπεὶ πλεοναχῶς λέγεται τὸ κυρίως ἡ ἐντελέχειά ἐστιν
Se eacute preciso enunciar algo comum a toda e qualquer alma seria que eacute a primeira
atualidade do corpo natural orgacircnico E por isso inclusive natildeo eacute preciso investigar se
alma e corpo satildeo uma unidade ndash tampouco se a cera e a figura o satildeo e em suma nem
se a mateacuteria de cada coisa e aquilo de que eacute mateacuteria ndash pois jaacute que se diz unidade ser
de muitos modos o mais apropriado deles eacute a atualidade (Trad Gomes dos Reis)
O corpo eacute dotado de oacutergatildeos partes que viabilizam a atividade das capacidades
proacuteprias ao viver E eacute a atividade das capacidades atraveacutes dos oacutergatildeos que se confere unidade
entre corpo e alma nesse composto orgacircnico vivo Assim Aristoacuteteles responde sobre a
unidade entre alma e corpo enunciada na taacutebua de definiccedilotildees Natildeo por acaso como corolaacuterio
agraves noccedilotildees de alma como forma e atualidade Aristoacuteteles declara
οὐσία γὰρ ἡ κατὰ τὸν λόγον τοῦτο δὲ τὸ τί ἦν εἶναι τῷ τοιῳδὶ σώματι καθάπερ εἴ τι
τῶν ὀργάνων φυσικὸν ἦν σῶμα οἷον πέλεκυς ἦν μὲν γὰρ ἂν τὸ πελέκει εἶναι ἡ οὐσία
αὐτοῦ καὶ ἡ ψυχὴ τοῦτο χωρισθείσης δὲ ταύτης οὐκ ἂν ἔτι πέλεκυς ἦν ἀλλ ἢ ὁμ
ωνύμως νῦν δ ἔστι πέλεκυς οὐ γὰρ τοιούτου σώματος τὸ τί ἦν εἶναι καὶ ὁ λόγος ἡ
ψυχή ἀλλὰ φυσικοῦ τοιουδί ἔχοντος ἀρχὴν κινήσεως καὶ στάσεως ἐν ἑαυτῷ
Pois ela eacute a substacircncia segundo a determinaccedilatildeo ou seja o que era para ser de um
corpo de tal tipo Se um instrumento fosse um corpo natural ndash por exemplo o
machado ndash a sua substacircncia seria a que eacute ser para o machado e isto seria a sua alma
Separado disso ele natildeo seria mais um machado exceto por homoniacutemia Mas na
verdade eacute um machado pois a alma natildeo eacute a determinaccedilatildeo e o que eacute o que eacute para um
corpo desse tipo mas sim um corpo natural tal que tenha em si mesmo um princiacutepio
28
de movimento e repouso DA II 1 412b10-17 (Trad Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo
proacutepria)
Como jaacute explicitado no enunciado de alma enquanto substacircncia como forma em
412a20 a alma eacute este princiacutepio determinante do ser do composto Ou seja o princiacutepio
organizador das suas disposiccedilotildees e propriedades que determinaratildeo o ser proacuteprio de um corpo
natural capaz de viver A identificaccedilatildeo entre alma e forma se desdobraraacute na identificaccedilatildeo de
alma e o que era para ser31
(tograve tiacute ecircn eicircnai)
Dado que a alma eacute forma e atualidade do corpo Aristoacuteteles estabelece que ela eacute seu
princiacutepio de determinaccedilatildeo das propriedades relevantes que daratildeo o caraacuteter essencial do ser
vivente E eacute evidente como o texto nos mostra e Hamilyn32
sustenta que a determinaccedilatildeo da
essecircncia se daacute segundo sua funccedilatildeo (eacutergon) O ser do machado eacute cortar na medida em que a
funccedilatildeo proacutepria do machado eacute cortar assim como a do olho eacute ver O ser do ser vivente eacute viver
31 A locuccedilatildeo eacute razatildeo de grande controveacutersia na tradiccedilatildeo de comentaacuterios ao texto aristoteacutelico Natildeo entrarei nos
pormenores da discussatildeo mas tomarei a traduccedilatildeo o que era para ser em sua literalidade assim como Angioni
tendo em vista o contexto no qual se pretende compreender seu emprego ldquoTrata-se de uma substantivaccedilatildeo com
o artigo neutro (lsquotorsquo) da pergunta lsquoo que afinal era o ser para tal coisarsquo (lsquoti en to einai toutoirsquo lsquotiacute ecircn tograve eicircnai
toutoirsquo) ndash Aristoacuteteles frequentemente substantiva segmentos de sentenccedilas e expressotildees que em si mesmas
constituem perguntas gramaticalmente completas isso ocorre na designaccedilatildeo das categorias (ldquoo qualrdquo ldquotograve poicirconrdquo
etc) na designaccedilatildeo de algumas das quatro causas (lsquoo que moveu primeirorsquo lsquoo em vista de quersquo) e em outras
expressotildees lsquo(lsquoo por quecircrsquo lsquotograve diagrave tiacutersquo ou lsquotograve dioacutetirsquo) O infinitivo lsquoserrsquo eacute o mesmo que consta na expressatildeo lsquoser +
dativorsquo e que designa a essecircncia da coisa isto eacute o conjunto de propriedades e caracteriacutesticas que deveriam ser
enumeradas no enunciado que define o que a coisa eacute Trata-se do mesmo infinitivo que comparece em 1041a32
1041b28 e 1042b27 (e natildeo se trata do infinitivo que poderia eventualmente ser entendido como existencial tal
como em 1041a15) O imperfeito ldquoerardquo por sua vez consiste num resquiacutecio de um uso dialeacutetico pelo qual o
interlocutor remetia a alguma definiccedilatildeo anteriormente dada destinada a funcionar como paracircmetro para a
discussatildeo ulterior (para referecircncias quanto ao uso desse imperfeito ver nossa dissertaccedilatildeo de mestrado p 89
nota 208) A pergunta original seria lsquoo quecirc era o ser para tal coisarsquo mas isso quer apenas dizer lsquoo quecirc fora
estabelecido (anteriormente na presente discussatildeo) como ser para tal coisarsquo Com o haacutebito a expressatildeo teria
perdido o significado interrogativo que originalmente possuiacutea e teria se tornado um jargatildeo para designar a
essecircncia Em vista disso lsquoto ti en einairsquo poderia ser traduzido ou parafraseado como lsquoaquilo que fora
estabelecido como caracteriacutesticas essenciais de tal coisarsquo A lsquoanterioridade causal da formarsquo muita vez alegada
como chave para a compreensatildeo do jargatildeo eacute compatiacutevel com o significado da expressatildeo mas natildeo explica a
origem do imperfeitordquo (Angioni 2005 102) 32 ldquoAristotlersquos selection of a tool an axe to provide an analogy with the ensouled body reveals how close to the
surface in this discussion is the notion of function The substance or essence of an axe is its function without
which it would not be an axe Like the Greeks in general Aristotle had no difficulty in thinking of a natural body
as having a function too (cf Nicomachean Ethics 1097b22ff) this is part of his general teleology But as he
goes on to point out there are differences also between an axe and a natural body which spoil the analogy This
is the force of the words lsquoBut as it is an axersquo ndash the essence of a axe is not its soul since it does not have one not
being a living thingrdquo ldquoA seleccedilatildeo do Aristoacuteteles de um instrumento um machado prova um analogia com os
coporpos animados revela como o que estaacute em voga eacute a discussatildeo eacute a noccedilatildeo de funccedilatildeo A substacircncia ou
essecircncia de um machado eacute sua funccedilatildeo sem a qual ele natildeo seria um machado Assim como os Gregos
Aristoacuteteles natildeo teve dificuldades em pensar o corpo natural como tambeacutem dotado de funccedilatildeo (cf Eacutetica a
Nicocircmaco 1097b22ss) isto eacute parte da sua teleologia Mas como ele segue pontuando haacute diferenccedilas igualmente
entre um machado e um corpo natural que prejudicam a analogia Eacute o que sugerem as palavras Mas eacute como um
machadorsquo - a essecircncia do machado natildeo eacute sua alma jaacute que ele natildeo tem uma natildeo eacute um ser viventerdquo (HAMLYN
1993 85) (Trad proacutepria)
29
e isto eacute garantido pela alma A locuccedilatildeo o que era para ser como indica Gomes dos Reis33
pode ser compreendida como uma continuidade da forma do ser vivente perante o devir que
lhe eacute proacuteprio ao longo da sua vida
Com isso Aristoacuteteles traccedila suas noccedilotildees preliminares da alma em DA II 1 Haacute ao final
do capiacutetulo algo digno de nota Aristoacuteteles se refere a tudo isto como um rascunho e esboccedilo
de definiccedilatildeo34
Poderiacuteamos entender que estas proposiccedilotildees satildeo insuficientes para o projeto
psicoloacutegico aristoteacutelico E satildeo mesmo em certa medida Pois em relaccedilatildeo agrave taacutebua de
definiccedilatildeo Aristoacuteteles soacute respondeu as noccedilotildees relativas agrave substacircncia atualidade e unidade da
alma Apesar disso como argumentarei na sessatildeo seguinte todo o arcabouccedilo conceitual e
argumentativo aqui esboccedilado sustentaraacute a noccedilatildeo de alma como princiacutepio das capacidades que
denotam vida Aleacutem do mais se lembrarmos que nas primeiras linhas do capiacutetulo Aristoacuteteles
se comprometia tatildeo somente em buscar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) para a
alma eacute inegaacutevel que ele foi bem sucedido Se ao fim de DA I ele tem claro que a alma eacute
princiacutepio imoacutevel de movimento e una em DA II 1 satildeo apresentados os argumentos positivos
para estas duas teses A alma eacute de estatuto formal portanto imoacutevel e princiacutepio organizador
das propriedades do ser Enquanto forma eacute atualidade e assim o princiacutepio de atividade das
capacidades proacuteprias ao ser Enquanto substacircncia eacute o que era para ser do ser vivente e entatildeo
o princiacutepio determinante do que este ser vivente eacute E esta determinaccedilatildeo seraacute dada pela funccedilatildeo
proacutepria das suas capacidades que soacute seratildeo plenificadas com as atividades no oacutergatildeo
correspondente Este enunciado e o que se desdobra dele eacute um rascunho e esboccedilo de definiccedilatildeo
pois natildeo nos explica satisfatoriamente por que a alma eacute princiacutepio das formas especiacuteficas de
vida Aristoacuteteles reconhece isso e segundo um paracircmetro geomeacutetrico de definiccedilatildeo mudaraacute o
curso da investigaccedilatildeo sobre a alma
33 ldquoA expressatildeo to ti ecircn einai pode ser a generalizaccedilatildeo de uma construccedilatildeo com ocorrecircncias nos tratados por
exemplo to [pelekei] einai o ser [para o machado] o ser [para a carne] que seraacute traduzida por sua vez como a
locuccedilatildeo ldquoo que eacute ser para o machadordquo e assim por diante Como reconstruiacute-la eacute um assunto polecircmico Haacute um
verbo no imperfeito (a expressatildeo literalmente diz algo como o lsquoo que era a serrsquo) que poderia ser interpretado
como uma ecircnfase na continuidade da forma a despeito do devirrdquo 2012 208 34τύπῳ μὲν οὖν ταύτῃ διωρίσθω καὶ ὑπογεγράφθω περὶ ψυχῆς ldquoE isto basta como um esquema do esboccedilo de
definiccedilatildeo de almardquo DA II 1 413a10-11 (Trad Gomes dos Reis)
30
22 A DEFINICcedilAtildeO PELAS CAPACIDADES
DA II 2 se inicia com um impasse a noccedilatildeo geral oferece o gecircnero de ser da alma mas
natildeo a enuncia como causa de vida nos seres viventes Diante disso Aristoacuteteles faz uma
revisatildeo metodoloacutegica na investigaccedilatildeo de alma tomando como paradigma o exemplo de
definiccedilatildeo pela causa de um objeto geomeacutetrico
Ἐπεὶ δ ἐκ τῶν ἀσαφῶν μὲν φανερωτέρων δὲ γίνεται τὸ σαφὲς καὶ κατὰ τὸν λόγον
γνωριμώτερον πειρατέον πάλιν οὕτω γ ἐπελθεῖν περὶ αὐτῆς οὐ γὰρ μόνον τὸ ὅτι δεῖ
τὸν ὁριστικὸν λόγον δηλοῦν ὥσπερ οἱ πλεῖστοι τῶν ὅρων λέγουσιν ἀλλὰ καὶ τὴν
αἰτίαν ἐνυπάρχειν καὶ ἐμφαίνεσθαι νῦν δ ὥσπερ συμπεράσμαθ οἱ λόγοι τῶν ὅρων
εἰσίν οἷον τί ἐστιν ὁ τετραγωνισμός τὸ ἴσον ἑτερομήκει ὀρθογώνιον εἶναι
ἰσόπλευρον ὁ δὲ τοιοῦτος ὅρος λόγος τοῦ συμπεράσματος ὁ δὲ λέγων ὅτι ἐστὶν ὁ
τετραγωνισμὸς μέσης εὕρεσις τοῦ πράγματος λέγει τὸ αἴτιον
E jaacute que a partir de coisas natildeo claras embora mais manifestas advecircm clareza e maior
inteligibilidade segundo o enunciado deve-se tentar desta maneira novamente
discorrer sobre a alma pois natildeo somente eacute preciso que o enunciado definidor
esclareccedila os fatos ndash como o faz a maioria das definiccedilotildees ndash mas ainda conter e
expressar a causa Os enunciados das definiccedilotildees na verdade satildeo como conclusotildees O
que eacute por exemplo a quadratura Eacute fazer equivaler um retacircngulo equilaacutetero a um
retacircngulo qualquer Mas tal definiccedilatildeo eacute o enunciado da conclusatildeo e o que diz por sua
vez que a quadratura eacute a descoberta de uma meacutedia proporcional enuncia a causa DA
II 2 413a11-20 (Trad Gomes dos Reis)
Novamente Aristoacuteteles nos relembra a ideia de que as apreensotildees sensiacuteveis satildeo mais
manifestas (phaneroteacuteron) que as apreensotildees inteligiacuteveis As inteligiacuteveis satildeo mais claras
(sophoacutes) pois satildeo formas apreendidas com a razatildeo e menos suscetiacuteveis ao engano Ao
contraacuterio das apreensotildees sensiacuteveis que satildeo mais manifestas Muito embora os pressupostos
que permitiram deduzir o estatuto ontoloacutegico da alma no capiacutetulo anterior sejam mais claros
eles enunciam o vivente como um ser animado enquanto um fato mas natildeo enunciam a alma
como causa do viver Portanto DA II 2 se dedicaraacute a investigar a alma como causa de vida
nos seres viventes a partir do que eacute mais manifesto ao que eacute mais claro
Aristoacuteteles se utiliza de um teorema para explicar que o termo meacutedio de um silogismo
apresenta a causa de um fato Num silogismo dado uma premissa maior que enuncie o fato e
tem como outro fato a conclusatildeo a premissa menor enuncia a causa pois eacute onde se encontra o
porquecirc da conclusatildeo Responder que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois ldquoTodo homem eacute mortalrdquo natildeo
enuncia a causa da mortalidade de Soacutecrates soacute o mero fato de coincidentemente ldquoSoacutecratesrdquo e
ldquoTodo homemrdquo serem mortais Poreacutem se respondemos que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois
ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo e ldquoTodo homem eacute mortalrdquo entatildeo foi enunciado a causa da mortalidade
de Soacutecrates Em sua estrutura claacutessica a premissa maior ldquoTodo homem eacute mortalrdquo a premissa
menor ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo a conclusatildeo ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo
31
Fica a questatildeo de como este novo criteacuterio se aplica agrave definiccedilatildeo E sobre a alma o
corpo e a vida
λέγομεν οὖν ἀρχὴν λαβόντες τῆς σκέψεως διωρίσθαι τὸ ἔμψυχον τοῦ ἀψύχου τῷ
ζῆν πλεοναχῶς δὲ τοῦ ζῆν λεγομένου κἂν ἕν τι τούτων ἐνυπάρχῃ μόνον ζῆν αὐτό
φαμεν οἷον νοῦς αἴσθησις κίνησις καὶ στάσις ἡ κατὰ τόπον ἔτι κίνησις ἡ κατὰ
τροφὴν καὶ φθίσις τε καὶ αὔξησις
Retomando o princiacutepio da investigaccedilatildeo digamos entatildeo que o animado se distingue do
inanimado pelo viver E de muitos modos se diz o viver pois dizemos que algo vive
se nele subsiste pelo menos um destes ndash intelecto percepccedilatildeo sensiacutevel movimento
local e repouso e ainda o movimento segundo a nutriccedilatildeo o decaimento e o
crescimento DA II 2 413a20-24 (Trad Gomes dos Reis)
Aristoacuteteles enuncia uma premissa maior e outra menor
[premissa maior] Todo ser dotado de alma vive
[premissa menor] Viver eacute ser dotado de intelecto percepccedilatildeo nutriccedilatildeo movimento
local e repouso decaimento e crescimento
Eacute proacuteprio agrave alma atribuir vida Viver eacute ser dotado de uma das capacidades
mencionadas Assim todo corpo natural que apresente uma dessas capacidades vive35
Portanto as plantas vivem pois se nutrem crescem e decaem por si proacuteprias
διὸ καὶ τὰ φυόμενα πάντα δοκεῖ ζῆν φαίνεται γὰρ ἐν αὑτοῖς ἔχοντα δύναμιν καὶ
ἀρχὴν τοιαύτην δι ἧς αὔξησίν τε καὶ φθίσιν λαμβάνουσι κατὰ τοὺς ἐναντίους τόπους
οὐ γὰρ ἄνω μὲν αὔξεται κάτω δ οὔ ἀλλ ὁμοίως ἐπ ἄμφω καὶ πάντῃ ὅσα ἀεὶ
τρέφεταί τε καὶ ζῇ διὰ τέλους ἕως ἂν δύνηται λαμβάνειν τροφήν
Por isso parece inclusive que todas as plantas vivem pois eacute manifesto que tecircm em si
mesmas uma potecircncia e um princiacutepio deste tipo por meio do qual ganham
crescimento e decaimento segundo direccedilotildees contraacuterias pois natildeo crescem apenas para
cima e natildeo para baixo mas similarmetne em ambas e em todas as direccedilotildees e assim eacute
para as que se nutrem constantemente e vivem ateacute o fim enquanto puderem obter
alimento DA II 2 413a25-31 (Trad Gomes dos Reis)
Assim como os animais vivem jaacute que satildeo dotados de nutriccedilatildeo e percepccedilatildeo
τὸ μὲν οὖν ζῆν διὰ τὴν ἀρχὴν ταύτην ὑπάρχει τοῖς ζῶσι τὸ δὲ ζῷον διὰ τὴν αἴσθησιν
πρώτως καὶ γὰρ τὰ μὴ κινούμενα μηδ ἀλλάττοντα τόπον ἔχοντα δ αἴσθησιν ζῷα
λέγομεν καὶ οὐ ζῆν μόνον
O viver subsiste nos seres vivos por conta deste princiacutepio e o animal constitui-se
primordialmente pela percepccedilatildeo sensiacutevel Pois dizemos que satildeo animais ndash e natildeo
apenas que vivem ndash tambeacutem os que natildeo se movem nem mudam de lugar mas
possuem percepccedilatildeo DA II 2 413b1-4 (Trad Gomes dos Reis)
Com isso temos a conclusatildeo do silogismo psicoloacutegico aristoteacutelico
[conclusatildeo a] Plantas e animais satildeo animados
E desta uma outra
35 Como jaacute antecipara em DA II 1 412a11-16 citado na paacutegina 16
32
[conclusatildeo b] Plantas e animais satildeo vivos
Portanto assim como todo retacircngulo teraacute quadratura por causa da sua proporccedilatildeo com
um retacircngulo quadrilaacutetero todo corpo seraacute um ser vivente por ser dotado de alma Entretanto
uma ldquoquestatildeo de aluno bobordquo seria perguntar para Aristoacuteteles de onde vecircm essas duas
premissas Ao conectar alma e vida sem explicar esta uacuteltima poderia levar a investigaccedilatildeo
aristoteacutelica agrave obscuridade precisamente onde se deveria ter mais clareza Entatildeo para que
Aristoacuteteles garanta a alma como causa da vida mortal ele endossaria os pressupostos dos seus
predecessores e portanto distinguiria o animado do inanimado pelo movimento e pela
percepccedilatildeo36
Polansky apesar disso natildeo esclarece afinal quais os argumentos que sustentam
a associaccedilatildeo entre alma e vida Se limitando apenas agraves implicaccedilotildees argumentativas desse
pressuposto
Contudo se assumirmos que Aristoacuteteles endossa a tese de seus predecessores segundo
a qual o animado se distingue do inanimado pelo movimento e percepccedilatildeo37
e que a nutriccedilatildeo eacute
a capacidade mais baacutesica entre os seres animados38
e por fim que a nutriccedilatildeo e a percepccedilatildeo
satildeo uma forma de movimento39
somos levados a crer que o argumento consiste em
[P1] viver eacute ao menos nutriccedilatildeo crescimento e decaimento
[P2] nutriccedilatildeo crescimento e decaimento satildeo um tipo de movimento (do tipo por si)
[P3] tudo o que se move por si eacute animado
[P4] a alma eacute um princiacutepio imoacutevel de movimento
[C1] logo tudo o que vive eacute animado
36 Cf Nota seguinte 37 τὸ ἔμψυχον δὴ τοῦ ἀψύχου δυσὶ μάλιστα διαφέρειν δοκεῖ κινήσει τε καὶ τῷ αἰσθάνεσθαι παρειλήφαμεν δὲ
καὶ παρὰ τῶν προγενεστέρων σχεδὸν δύο ταῦτα περὶ ψυχῆς ldquoOra haacute a opiniatildeo de que o animado difere do
inanimado em dois aspectos o movimento e a percepccedilatildeo sensiacutevel E em relaccedilatildeo agrave alma satildeo mais ou menos
esses dois que recebemos de nossos predecessoresrdquo DA I 1 403b25-28 (Trad Gomes dos Reis) 38 ὥστε πρῶτον περὶ τροφῆς καὶ γεννήσεως λεκτέον ἡ γὰρ θρεπτικὴ ψυχὴ καὶ τοῖς ἄλλοις ὑπάρχει καὶ πρώτη
καὶ κοινοτάτη δύναμίς ἐστι ψυχῆς καθ ἣν ὑπάρχει τὸ ζῆν ἅπασιν ldquoPor conseguinte deve-se primeiro tratar do
alimento e da geraccedilatildeo pois a alma nutritiva subsiste tambeacutem com as outras sendo a primeira e a mais comum
potecircncia da alma segundo a qual subsiste em todos o viverrdquo DA II 4 415A22-25 (Trad Gomes dos Reis) 39 ἔστι δὲ καὶ ἀλλοίωσις καὶ αὔξησις κατὰ ψυχήν ἡ μὲν γὰρ αἴσθησις ἀλλοίωσίς τις εἶναι δοκεῖ αἰσθάνεται δ
οὐθὲν ὃ μὴ μετέχει ψυχῆς ὁμοίως δὲ καὶ περὶ αὐξήσεώς τε καὶ φθίσεως ἔχει οὐδὲν γὰρ φθίνει οὐδ αὔξεται
φυσικῶς μὴ τρεφόμενον τρέφεται δ οὐθὲν ὃ μὴ κοινωνεῖ ζωῆς ldquoMas inclusive a alteraccedilatildeo e o crecimento
existem segundo a alma pois haacute a opiniatildeo de que a percepccedilatildeo sensiacutevel eacute uma certa alteraccedilatildeo e aquele que natildeo
participa da alma nada percebe de maneira similar ocorre tambeacutem em relaccedilatildeo ao crescimento e decaimento pois
nem decai nem cresce naturalmente aquele que natildeo eacute nutrido e nada que natildeo compartilhe da vida se nutrerdquo DA
II 4 415b23-28 (Trad Gomes dos Reis)
E mais adiante enunciando a percepccedilatildeo Aristoacuteteles eacute categoacuterico ἡ δ αἴσθησις ἐν τῷ κινεῖσθαί τε καὶ πάσχειν
συμβαίνει καθάπερ εἴρηται δοκεῖ γὰρ ἀλλοίωσίς τις εἶναι ldquoA percepccedilatildeo sensiacutevel consiste em ser movido e ser
afetado como dissemos pois haacute a opiniatildeo de que ela eacute uma certa alteraccedilatildeordquo DA II 4 416b35-36 (Trad Gomes
dos Reis)
33
Note que [P1] e [P2] seriam premissas autoevidentes Em [P3] Aristoacuteteles partiria
dos mesmos pressupostos que as endoxai de seus predecessores enquanto [P4] resultaria da
anaacutelise criacutetica dessas endoxai ao longo de DA I 3-5 Aristoacuteteles natildeo nos elucida claramente de
onde ele tira as evidecircncias de [P1] e [P2] ou seja por que essas capacidades tais satildeo
movimentos por si e portanto denotam vida Quanto a [P3] Fiacutes VIII40
nos indica que esta eacute
uma tese que Aristoacuteteles abraccedila mas tambeacutem sem explicar suas razotildees O mais plausiacutevel
parece ser que este eacute um fenocircmeno autoevidente amplamente aceito que dispense justificaccedilatildeo
Diferentemente eacute o caso de [P4] cuja justificativa pode se sustentar na criacutetica aristoteacutelica agraves
noccedilotildees democritianas de que a alma eacute um princiacutepio de movimento que se move em DA I 3
corroborada pela noccedilatildeo de alma enunciada em DA II 1 segundo a qual a alma eacute forma logo
atualidade e portanto princiacutepio de determinaccedilatildeo das funccedilotildees proacuteprias ao ser vivente
Olhando por essas lacunas que o argumento aristoteacutelico conteacutem sua tentativa de
enunciar a alma como causa de vida parece fragilizada Entretanto fato eacute que a vida eacute
explicada pela alma no contexto do pensamento helecircnico Entatildeo conceder a Aristoacuteteles este
pressuposto parece um miacutenimo que o leitor contemporacircneo precise fazer Aleacutem disso vale
lembrar que em Met Z 17 Aristoacuteteles defende ser ldquonecessaacuterio que o dado e a existecircncia da
coisa sejam previamente conhecidosrdquo41
e que portanto o que se investiga eacute ldquopor que alguma
coisa pertence a outrardquo42
Deste modo cabem aqui questotildees como ldquopor que os corpos
vivemrdquo ou ainda ldquopor que se atribui vida a corpos dotados de capacidades taisrdquo E natildeo ldquopor
que o animado se diferencia do inanimado pelo viverrdquo como o formulado no iniacutecio desta
digressatildeo Talvez a fragilidade aparente se decirc pois aqui se toque as Colunas de Heacutercules da
psicologia aristoteacutelica
Retomando a braccedilada dos remos se a tese de que a vida se manifesta pela capacidade
de movimento eacute confirmada quando Aristoacuteteles enuncia uma nova noccedilatildeo de alma como
40 οὐδεμιᾶς γὰρ ἐν ἡμῖν ἐνούσης κινήσεως ἐνίοτε ἀλλ ἡσυχάζοντες ὅμως κινούμεθά ποτε καὶ ἐγγίγνεται ἐν ἡμῖν
ἐξ ἡμῶν αὐτῶν ἀρχὴ κινήσεως κἂν μηθὲν ἔξωθεν κινήσῃ τοῦτο γὰρ ἐπὶ τῶν ἀψύχων οὐχ ὁρῶμεν ὁμοίως ἀλλ
ἀεὶ κινεῖ τι αὐτὰ τῶν ἔξωθεν ἕτερον τὸ δὲ ζῷον αὐτό φαμεν ἑαυτὸ κινεῖν ldquoPor vezes acontece que natildeo haja
movimento em noacutes [entes animados] e que de nosso repouso noacutes sejamos postos em movimento e agraves vezes o
princiacutepio do movimento surge em noacutes e de noacutes sem que nada de outro nos mova de fora Natildeo vemos nada
parecido no caso dos seres inanimados pois eles sempre satildeo movidos por algo outro que reside fora deles Dos
animais noacutes dizemos que eles movem a si mesmosrdquo Fiacutes VIII 2 252b18-23 (Trad Daniel Nascimento)
ὁρῶμεν δὲ καὶ φανερῶς ὄντα τοιαῦτα ἃ κινεῖ αὐτὰ ἑαυτά οἷον τὸ τῶν ἐμψύχων καὶ τὸ τῶν ζῴων γένος ταῦτα δὲ
καὶ δόξαν παρεῖχε μή ποτε ἐνδέχεται κίνησιν ἐγγίγνεσθαι μὴ οὖσαν ὅλως διὰ τὸ ἐν τούτοις ὁρᾶν ἡμᾶς τοῦτο
συμβαῖνον (ἀκίνητα γάρ ποτε ὄντα κινεῖται πάλιν ὡς δοκεῖ) ldquoVemos claramente que existem coisas que se
movem a si mesmas como por exemplo os entes animados e o gecircnero dos animais e por causa disso pensamos
que pode ser possiacutevel que o movimento seja gerado sem que antes tenha existido de qualquer forma pois noacutes
vemos isso acontecer com eles (estarem imoacuteveis em determinado momento e moverem-se novamanete tal como
parece)rdquo Fis VIII 6 259b1-6 (Trad Daniel Nascimento) 41 δεῖ γὰρ τὸ ὅτι καὶ τὸ εἶναι ὑπάρχειν δῆλα ὄντα Met 17 1041a15 42ἄλλο γὰρ οὕτω κατ ἄλλου ἐστὶ τὸ ζητούμενον Met 17 1041a25-26
34
conclusatildeo do raciociacutenio iniciado em DA II 2 temos esta nova formulaccedilatildeo segundo as
capacidades que denotam o viver
νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον εἰρήσθω μόνον ὅτι ἐστὶν ἡ ψυχὴ τῶν εἰρημένων τούτων ἀρχὴ καὶ
τούτοις ὥρισται θρεπτικῷ αἰσθητικῷ διανοητικῷ κινήσει
Por ora eacute suficiente dizer apenas isto que a alma eacute princiacutepio das capacidades
mencionadas ndash nutritiva perceptiva raciocinativa e de movimento ndash e que por elas eacute
definida DA II 2 413b11-13 (Trad Gomes dos Reis)
Esta noccedilatildeo eclode como corolaacuterio da argumentaccedilatildeo anterior Com ela Aristoacuteteles
conquista um importante ponto do seu projeto psicoloacutegico a saber que a noccedilatildeo de alma
explique as distintas formas de vida atraveacutes das capacidades Isto levaraacute a uma gama de
comentadores contemporacircneos a valorizarem esta definiccedilatildeo em detrimento da definiccedilatildeo pela
substacircncia apresentada em DA II 1 Os que assim interpretam43
reduzem a definiccedilatildeo de alma
agrave noccedilatildeo de princiacutepio das funccedilotildees que denotam vida Esta interpretaccedilatildeo natildeo eacute totalmente
equivocada na medida em que textualmente Aristoacuteteles afirma isto Poreacutem ela eacute imprecisa
pois ignora o estatuto ontoloacutegico da alma Como vimos na seccedilatildeo anterior a alma eacute substacircncia
como forma (tegraves psycheacutes ousiacutean eicircnai hocircs eicircdos) do corpo e portanto seu princiacutepio
organizador que lhe confere o viver E enquanto forma do corpo a alma eacute sua atualidade
primeira (enteleacutekheia proteacute) Ou seja princiacutepio formal o qual o corpo se desenvolve em vista
do viver Pois a alma de um lado traz em si as disposiccedilotildees (heacutexeis) necessaacuterias agrave vida e
determina o que este corpo orgacircnico era para ser (tograve tiacute ecircn eicircnai) mediante suas funccedilotildees (eacuterga)
e atividades (eneacutergeiai) de viver Essas funccedilotildees satildeo as capacidades (dynaacutemeis) que
caracterizam os tipos de vida nos seres seu modo proacuteprio de viver Sendo assim a capacidade
nutritiva eacute proacutepria agrave vida vegetativa a perceptiva proacutepria agrave animal e a intelectiva agrave humana
Como se vecirc a definiccedilatildeo pelas capacidades tem sua origem e fundamento na definiccedilatildeo
pela forma Por outro lado esta soacute ganha capilaridade na definiccedilatildeo pela capacidade jaacute que sua
noccedilatildeo geral natildeo define a alma como causa de cada tipo de vida nem princiacutepio das
capacidades proacuteprias ao viver Deste modo uma interpretaccedilatildeo da noccedilatildeo aristoteacutelica de alma
que ignore como ambas noccedilotildees se sustentam mutuamente eacute parcial e suscetiacutevel de engendrar
mais problema que o proacuteprio texto jaacute apresenta
Com isso concluiacutemos De Anima II 2 compreendendo que a alma eacute causa de vida jaacute
que eacute princiacutepio das atividades proacuteprias ao viver Diante da noccedilatildeo geral e como ela se
particulariza nas distintas capacidades resta ainda observar um uacuteltimo ponto que Aristoacuteteles
43Putman (1975) Ackrill (1975-6) Bolton (1978) Nussbaum (1978) Everson (1995) CodeampMoravicsik
(1992) Para uma noccedilatildeo geral das diversas correntes de interpretaccedilatildeo da psicologia aristoteacutelica no seio das
discussotildees de filosofia da mente ver Diamond (2015) Caston (2006) e Irwin (1991)
35
trabalharaacute no capiacutetulo seguinte a saber a disposiccedilatildeo seriada hierarquicamente das diversas
formas de vida
23 A DEFINICcedilAtildeO SERIADA
A tese geral de que a alma eacute forma do corpo sofre uma nova reavaliaccedilatildeo em DA II 3
Como se veraacute adiante Aristoacuteteles surpreendentemente declara que toda busca por um
enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) de alma eacute ridiacuteculo (geloicircon) jaacute que esta noccedilatildeo natildeo
permite a compreensatildeo de que as diversas espeacutecies de vida (vegetativa animal e humana) satildeo
dispostas em uma seacuterie ordenada e hierarquizada de acordo com sua capacidade especiacutefica
Como a leitura das formas de vida dispostas em uma seacuterie ordenada eacute um problema que
precisa ser respondido por quem quer que se debruce sobre a noccedilatildeo aristoteacutelica de alma esta
seccedilatildeo argumentaraacute como a noccedilatildeo de almas seriadas natildeo invalida a noccedilatildeo formal de alma
enunciada em DA II 1
DA II 3 poderia ser tematicamente dividido em duas partes Numa primeira de
414ordf29-414b20 Aristoacuteteles dispotildee a hierarquia das capacidades que denotam vida Se em DA
II 2 ele enunciou as capacidades aqui se argumenta como uma estaacute em relaccedilatildeo de
anterioridade agrave outra e portanto disposta hierarquicamente de modo coextensivo agraves formas
de vida Assim se o movimento segundo nutriccedilatildeo crescimento e decaimento seraacute proacuteprio a
uma forma de vida a vegetativa a adiccedilatildeo da capacidade perceptiva seraacute proacutepria agrave vida
vegetativa e animal Agrave medida que se adicione outras capacidades como o intelecto abrange-
se a vida humana44
Esta hierarquizaccedilatildeo suplementar das capacidades a seu enunciado permite
que Aristoacuteteles encampe a tese de que os tipos de vida satildeo dispostos em seacuteries ordenadas
avanccedilando para a segunda parte do capiacutetulo
δῆλον οὖν ὅτι τὸν αὐτὸν τρόπον εἷς ἂν εἴη λόγος ψυχῆς τε καὶ σχήματος οὔτε γὰρ
ἐκεῖ σχῆμα παρὰ τὸ τρίγωνον ἔστι καὶ τὰ ἐφεξῆς οὔτ ἐνταῦθα ψυχὴ παρὰ τὰς
εἰρημένας γένοιτο δ ἂν καὶ ἐπὶ τῶν σχημάτων λόγος κοινός ὃς ἐφαρμόσει μὲν
πᾶσιν ἴδιος δ οὐδενὸς ἔσται σχήματος ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ ταῖς εἰρημέναις ψυχαῖς διὸ
γελοῖον ζητεῖν τὸν κοινὸν λόγον καὶ ἐπὶ τούτων καὶ ἐφ ἑτέρων ὃς οὐδενὸς ἔσται τῶν
ὄντων ἴδιος λόγος οὐδὲ κατὰ τὸ οἰκεῖον καὶ ἄτομον εἶδος ἀφέντας τὸν τοιοῦτον
(παραπλησίως δ ἔχει τῷ περὶ τῶν σχημάτων καὶ τὰ κατὰ ψυχήν ἀεὶ γὰρ ἐν τῷ ἐφεξῆς
44 Τῶν δὲ δυνάμεων τῆς ψυχῆς αἱ λεχθεῖσαι τοῖς μὲν ὑπάρχουσι πᾶσαι καθάπερ εἴπομεν τοῖς δὲ τινὲς αὐτῶν
ἐνίοις δὲ μία μόνη διασαφητέον δὲ περὶ αὐτῶν ὕστερον νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον () εἰρήσθω ὅτι τῶν ζώντων τοῖς
ἔχουσιν ἁφὴν καὶ ὄρεξις ὑπάρχει περὶ δὲ φαντασίας ἄδηλον ὕστερον δ ἐπισκεπτέον ἐνίοις δὲ πρὸς τούτοις
ὑπάρχει καὶ τὸ κατὰ τόπον κινητικόν ἑτέροις δὲ καὶ τὸ διανοητικόν τε καὶ νοῦς οἷον ἀνθρώποις καὶ εἴ τι
τοιοῦτον ἕτερον ἔστιν ἢ τιμιώτερον ldquoDentre as potecircncias da alma como dissemos todas as mencionadas
subsitem em alguns seres em outros soacute algumas delas e em alguns apenas uma E mencionamos como
potecircncias a nutritiva a perceptiva a desiderativa a locomotiva e a raciocinativa Ora nas plantas subsiste
somente a nutritiva mas em outros seres tanto esta como a perceptiva () Por ora eacute suficiente dizer isto que
entre os seres vivos que possuem tato tambeacutem subsiste desejo No que se refere agrave imaginaccedilatildeo natildeo estaacute claro e
devemos examinaacute-la posteriormente Em alguns seres vivos aleacutem disso subsiste tambeacutem a capacidade de se
locomover e em outros ainda a de raciocinar e o intelecto ndash por exemplo nos homens e em algum outro se
houver de tal qualidade ou mais valiosordquo DA II 3 414a29-414b20 (Trad Gomes dos Reis)
36
ὑπάρχει δυνάμει τὸ πρότερον ἐπί τε τῶν σχημάτων καὶ ἐπὶ τῶν ἐμψύχων οἷον ἐν
τετραγώνῳ μὲν τρίγωνον ἐν αἰσθητικῷ δὲ τὸ θρεπτικόν) ὥστε καθ ἕκαστον
ζητητέον τίς ἑκάστου ψυχή οἷον τίς φυτοῦ καὶ τίς ἀνθρώπου ἢ θηρίου διὰ τίνα δ
αἰτίαν τῷ ἐφεξῆς οὕτως ἔχουσι σκεπτέον ἄνευ μὲν γὰρ τοῦ θρεπτικοῦ τὸ αἰσθητικὸν
οὐκ ἔστιν τοῦ δ αἰσθητικοῦ χωρίζεται τὸ θρεπτικὸν ἐν τοῖς φυτοῖς
Eacute claro que poderia da mesma maneira haver entatildeo um enunciado uacutenico tanto de
figura como de alma Pois nem no primeiro caso existe figura aleacutem do triacircngulo e
daquelas que o sucedem nem neste caso existe alma aleacutem das mencionadas A
respeito das figuras tambeacutem eacute possiacutevel formular um enunciado comum que se aplique
a todas sem ser proacuteprio a nenhuma e o mesmo ocorre com as almas mencionadas Por
isso tanto neste como em outros casos eacute ridiacuteculo procurar um enunciado comum ndash
pois a nenhum dos seres seraacute um enunciado proacuteprio nem estaraacute de acordo com a
forma apropriada e indivisiacutevel ndash deixando-se de lado o enunciado deste tipo (E as
coisas concernentes agrave alma estatildeo em situaccedilatildeo parecida agravequela das figuras pois tanto
no caso das figuras como no caso dos seres animados o anterior sempre subsiste
naquilo que o sucede por exemplo o triacircngulo no quadrado o poder de nutrir-se no
de perceber) Assim deve ser investigado de acordo com cada caso o que eacute a alma
de cada um ndash por exemplo o que eacute a alma da planta do homem ou da besta E deve
ser examinado a causa de ser disposto assim em sucessatildeo Pois sem a nutritiva natildeo
existe a capacidade perceptiva embora nas plantas a nutritiva exista separada da
perceptiva DA II 3 414b20-415a6 (Trad Gomes dos Reis)
A analogia entre figura do triacircngulo e a alma vegetativa permite esclarecer qual a
relaccedilatildeo de sucessatildeo entre uma capacidade e outra O triacircngulo eacute a figura geomeacutetrica plana
mais baacutesica de todas A composiccedilatildeo de dois triacircngulos forma um quadrilaacutetero A composiccedilatildeo
de trecircs triacircngulos forma um pentaacutegono e assim sucessivamente Ou seja da mesma maneira
que o triacircngulo subsiste em potecircncia no quadrilaacutetero e este no pentaacutegono a nutriccedilatildeo subsiste
em potecircncia na percepccedilatildeo e esta no intelecto Portanto se a capacidade nutritiva eacute proacutepria agrave
vida vegetativa a perceptiva agrave animal e a intelectiva agrave humana entatildeo igualmente a vida
vegetativa subsiste na animal e a animal na humana Sendo assim da mesma maneira que se
faz necessaacuteria uma definiccedilatildeo proacutepria ao triacircngulo ao quadrilaacutetero e ao pentaacutegono deve-se
buscar um enunciado proacuteprio a cada uma dessas formas de vida para que se sustente como a
alma eacute princiacutepio de cada tipo de vida e natildeo somente da vida em geral Pois um enunciado que
decirc a noccedilatildeo da alma que cubra todas as formas de vida mas que natildeo toque particularmente em
uma natildeo cumpre seu fim argumentativo que eacute explicar a razatildeo da alma ser causa de vida no
ser vivente como se segue
ὅτι μὲν οὖν ὁ περὶ τούτων ἑκάστου λόγος οὗτος οἰκειότατος καὶ περὶ ψυχῆς δῆλον
Eacute claro entatildeo que o enunciado de cada uma destas capacidades eacute tambeacutem o mais
apropriado a respeito da alma DA II 3 415a13-14 (Trad Gomes dos Reis)
Levando-se em conta que Aristoacuteteles se dedicaraacute em todo o restante do De Anima
investigando cada uma das capacidades e seus desdobramentos para uma noccedilatildeo de alma
37
podemos ser levados a crer que Aristoacuteteles elege este como o melhor criteacuterio para uma
definiccedilatildeo de alma
Haacute portanto um grande problema a ser encarado aqui que consiste na resposta a uma
das questotildees elencadas em DA I 145
a saber se eacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma enquanto
tal ou uma para cada tipo de ser vivente Pelo caminho que segue a discussatildeo tende-se a uma
resposta de que seraacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma para cada forma de vida Entretanto
Aristoacuteteles jaacute problematizara se mesmo que haja uma noccedilatildeo uacutenica para catildees cavalos e
homens a de animal esta noccedilatildeo uacutenica eacute universal posterior anterior ou nada em relaccedilatildeo aos
itens
Seguindo o texto de DA II 3 a nutriccedilatildeo eacute a capacidade sobre a qual se erguem todas as
outras ateacute a capacidade de pensamento Dado que um corpo eacute dotado de nutriccedilatildeo e portanto
vivente por causa da alma e a seu turno dado que a alma eacute forma e atualidade primeira do
corpo e portanto princiacutepio organizador das capacidades que denotam o viver novamente a
definiccedilatildeo pela forma sustenta ontologicamente a definiccedilatildeo pelas capacidades e por
concomitacircncia a definiccedilatildeo seriada
Assim a criacutetica que Aristoacuteteles faz agrave noccedilatildeo mais geral de alma enunciada em DA II 1
natildeo eacute razatildeo suficiente para seu descarte no seu projeto psicoloacutegico Com efeito se a noccedilatildeo de
alma como forma eacute insuficiente para explicar por que a alma eacute princiacutepio de vida em cada tipo
de ser vivente como sustentado ao iniacutecio de DA II 2-3 ela eacute justamente a noccedilatildeo ontoloacutegica
para que responde pela sua atualidade e determinaccedilatildeo das propriedades relevantes do ser deste
corpo dotado de oacutergatildeos Assim se as noccedilotildees de alma como forma e princiacutepio das capacidades
satildeo intercambiantes como argumentei anteriormente e se a definiccedilatildeo estaacute diretamente
atrelada agrave hierarquia dessas capacidades entatildeo a proacutepria noccedilatildeo de alma seriada depende
logicamente da noccedilatildeo de alma como forma Sendo assim o enunciado geral eacute redimensionado
em DA II 3 pela disposiccedilatildeo seriada da alma a um princiacutepio loacutegico-ontoloacutegico mediante o qual
esta ciecircncia comum a muitas coisas pode se realizar
45 εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον
ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν
ἄλλο κατηγοροῖτο Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma uacutenica
definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a de cavalo catildeo homem
divindade sendo neste caso o animal considerado universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo
ocorrendo para qualquer outro atributo comum que for predicadordquo DA I 1 402b4-9 (Trad Gomes dos Reis)
38
3 CONCLUSAtildeO
Como se apresentou nesta monografia Aristoacuteteles enuncia sua noccedilatildeo de alma em
momentos distintos Um primeiro a partir da discussatildeo com as teses predecessoras Nela o
que se conquista eacute que a alma eacute imoacutevel e origem de movimento nos seres viventes Depois
atraveacutes de um enunciado geral para os diversos tipos de vida que a define como forma do
corpo Um terceiro que enuncia a alma como causa de vida e a define como princiacutepio das
capacidades que denotam o viver E por fim um quarto enunciado que a apresenta como
disposta em seacuterie ordenada segundo suas capacidades Na medida que o enunciado geral se
mostra insuficiente para o projeto psicoloacutegico traccedilado e as outras definiccedilotildees parecem melhor
corresponder a este objetivo a unidade enunciativa entre as diversas definiccedilotildees aparenta ser
vulneraacutevel Natildeo por menos como foi abordado ao longo deste texto tende-se a salientar uma
das definiccedilotildees e desconsiderar a outra Esta natildeo parece ser a interpretaccedilatildeo que melhor
compreenda a psicologia aristoteacutelica Como argumentado observar a definiccedilatildeo pelas
capacidades sem a definiccedilatildeo pela forma esvazia ontologicamente a noccedilatildeo de que a alma eacute
princiacutepio de vida A alma como forma do corpo eacute o enunciado mediante o qual a garante
como atualidade primeira e portanto princiacutepio das caracteriacutesticas e funccedilotildees proacuteprias ao ser
vivente Por outro lado como o proacuteprio Aristoacuteteles enuncia a definiccedilatildeo pela forma daacute uma
noccedilatildeo que abarca todas as formas de vida mas natildeo enuncia a alma como causa do viver nem
que as diversas almas satildeo dispostas em seacuterie ordenada Satildeo nestes dois pontos que a definiccedilatildeo
pela capacidade se torna igualmente relevante para o projeto psicoloacutegico aristoteacutelico Sem ela
seriam inviaacuteveis todos os outros capiacutetulos nos quais Aristoacuteteles enuncia discorre e formula a
atividade das capacidades proacuteprias ao ser vivo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo imaginaccedilatildeo intelecto e
movimento segundo deslocamento Por estas razotildees uma interpretaccedilatildeo que conjugue as duas
definiccedilotildees no interior do projeto psicoloacutegico aristoteacutelico parece ser a que contemple melhor o
horizonte teoacuterico que a investigaccedilatildeo erige
Haacute um alguns aspectos que esta monografia deixa pelo caminho Na seccedilatildeo 1 Taacutebua de
Definiccedilatildeo foram elencados os diversos elementos de definiccedilatildeo da alma e como se faria a
inquiriccedilatildeo O primeiro grupo foi respondido ao longo da seccedilatildeo 2 A Noccedilatildeo de Alma mas o
segundo natildeo O segundo grupo de elementos da taacutebua seraacute dissertado por Aristoacuteteles nos
capiacutetulos posteriores ao DA II 3 quando ele se debruccedila sobre cada uma das capacidades
Como esta monografia pretende abordar apenas as definiccedilotildees sem dar interpretaccedilatildeo total do
tratado entatildeo soacute pode responder parte da taacutebua das definiccedilotildees Aleacutem disso a interpretaccedilatildeo das
definiccedilotildees de um modo consistente precisaria ser verificada na sua aplicaccedilatildeo sobre o restante
39
do tratado Em outras palavras eacute preciso verificar se esta interpretaccedilatildeo dificulta ou facilita a
interpretaccedilatildeo das outras teses da psicologia aristoteacutelica por exemplo a tese da percepccedilatildeo que eacute
definida como a recepccedilatildeo das formas sem mateacuteria Nas interpretaccedilotildees de Polanski e Diamond
comentadores paradigmaacuteticos para a abordagem adotada a coordenaccedilatildeo dos enunciados
definitoacuterios daacute conta das diversas formulaccedilotildees de capacidades e suas funcionalidades ao longo
do tratado Fico devendo portanto explicitar como a posiccedilatildeo que assumo se aplica nas
diversas capacidades enunciadas pelo Aristoacuteteles
Com isso conclui-se este trabalho com a compreensatildeo que ele eacute limitado Haacute nele
problemas proacuteprios agrave interpretaccedilatildeo de um texto conciso e arrojado como eacute o De Anima
Ainda assim espera-se que os erros ou imprecisotildees eventuais natildeo comprometam seu escopo
exegeacutetico Espera-se tambeacutem que esta monografia possa se converter em trabalhos futuros que
fomente a discussatildeo relativa ao De Anima no contexto filosoacutefico brasileiro Da mesma forma
que ela foi provocada pela traduccedilatildeo e comentaacuterios da Professora Doutora Maria Ceciacutelia
Gomes dos Reis Se este trabalho for bem sucedido nessas pretensotildees jaacute teraacute cumprido sua
funccedilatildeo
40
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DOUGLAS VIEIRA RAMALHO
A NOCcedilAtildeO DE ALMA NO DE ANIMA ARISTOacuteTELES
Monografia apresentada ao Departamento de Filosofia do Instituto de Filosofia e Ciecircncias
Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos para obtenccedilatildeo do
tiacutetulo de Licenciado em Filosofia
Aprovada por
__________________________________________
Profordf Drordf Carolina de Melo Bomfim Arauacutejo UFRJ Orientadora
__________________________________________
Prof Dr Raphael Zillig UFRGS
__________________________________________
Profordf Drordf Carla Francalanci UFRJ
RIO DE JANEIRO
Janeiro de 2017
Ao Luan
Agradecimentos
A Carolina Arauacutejo por ter me apresentado o De Anima em um curso de 20141 pela
disponibilidade ao meu interesse em aprofundar o estudo na psicologia aristoteacutelica pela
atenta orientaccedilatildeo na iniciaccedilatildeo cintiacutefica e na escrita desta monografia e mais que tudo pelo
paradigma intelectual que eacute para quem tem o prazer de dialogar com suas hipoacuteteses e
objeccedilotildees Ao Raphael Zillig pela orientaccedilatildeo durante a missatildeo de estudos realizada na UFRGS
em agosto e setembro de 2016 e cujos comentaacuterios luacutecidos sobre a obra e exegese aristoteacutelica
foram fundamentais para que eu descortinasse uma visatildeo de caminhos intelectuais e
acadecircmicos Agrave Carla Francalanci pelo seminaacuterio sobre o De Anima e Ivana Costa pelo
minicurso Psicologiacutea Antigua que ampliaram meu horizonte de compreensatildeo da psicologia
aristoteacutelica Agrave Inara Zanuzzi e Priscilla Spinelli pelo curso tri sobre phantasiacutea na UFRGS
igualmente aos colegas Pedro Capra Filipe Oliveira e Mariano Arauacutejo pela interlocuccedilatildeo
constante Ao Rodrigo Guerizoli pela presteza e sensibilidade na viabilizaccedilatildeo da minha ida e
estadia em Porto Alegre Agraves comentadoras e comentadores da filosofia aristoteacutelica sem os
quais dificilmente pensaria o que pensei entenderia o que entendi argumentaria o que
argumentei em especial ao Eli Diamond que gentilmente me enviou uma coacutepia de seu
instigante livro Mortal Imitations of Divine Life The Nature of the Soul in Aristotlersquos De
Anima no qual me baseei vaacuterias vezes para a interpretaccedilatildeo que assumi nesta monografia
igualmente ao Matt Wood por ter feito estabelecido a ponte de comunicaccedilatildeo Ao Luan
Reboredo pela cumplicidade entre ladrotildees pela impiedosa revisatildeo dos textos ndash todo e
qualquer erro distraccedilatildeo ou falta de clareza eacute pela minha teimosia com suas notas ndash pela
criteriosa percepccedilatildeo intelectual pelo cuidado e pelos cafeacutes da manhatilde ndash vamos lembrar de
comprar mais tapioca Aos philoacutei Edil Carvalho Claacuteudia Barbosa Matt Wood Esther
Santos Luan Reboredo Flora Mangini Felipe Ayres Nelson M Neto Luciana Shontag
George Matias Andreacute Braga e Camila Rauber pelo diaacutelogo e praacutetica filosoacutefica no Seminaacuterio
de Estudos Claacutessicos ndash vamos cultivar este precioso espaccedilo gente Aos amigos pela procura
na ausecircncia e acolhida na presenccedila Agrave minha famiacutelia pelas quizumbas quiziacutelias otaacutes e
tapurus Ao teatro pela caixa de areia e efemeridade em especial a Andreacutea Terra e Casa Maria
de Magdala Agrave cidade de Porto Alegre pelo frio insuportaacutevel pelo vento interminaacutevel pelas
ruas floridas pelo sol laranja pelo ceacuteu anil pela carne saborosiacutessima pelo fandango pelo
chimarratildeo pela Housing pela Casa Frasca pela Casa de Pelotas pela gente de um
comunitarismo valentatildeo pelos amigos e amigas e vizinhos pela discriminaccedilatildeo pela dor de
dente e infecccedilatildeo pela solidatildeo pelo silecircncio pelo esvaziamento e pela saudade que hoje sinto
sempre que sonho perder o aviatildeo de volta para o Rio A Paquetaacute pelo sentido de lugar Ao Rio
pelo sentido de sentir A Niteroacutei pelo sentido de lar Agrave Hannah Arendt pela Condiccedilatildeo
Humana que determinou minha compreensatildeo de poliacutetica Ao Aristoacuteteles pelo De Anima que
determinou minha incompreensatildeo da vida
Esta monografia eacute resultado da pesquisa de iniciaccedilatildeo cientiacutefica Substacircncia enquanto Forma
psycheacute no De Anima II de Aristoacuteteles inserida no projeto PROCAD 2013 PPGLMUFRJ-
UFG-UFRGS entitulado Substacircncia evoluccedilatildeo e formulaccedilatildeo de uma noccedilatildeo filosoacutefica sob
financiamento da Coordenaccedilatildeo de Aperfeiccediloamento de Pessoal do Niacutevel Superior (CAPES)
Este agradecimento costuma ser meramente formal Poreacutem em tempos de ataques temeraacuterios
a direitos duramente conquistados reconhecer a importacircncia do financiamento puacuteblico da
inovaccedilatildeo cientiacutefica e da pesquisa acadecircmica para o desenvolvimento justiccedila e soberania de
uma naccedilatildeo grande como a brasileira se torna um dever poliacutetico a ser exercido
o que estremecia em mim terreno do corpo onde estaacute a raiz da alma
Joatildeo Guimaratildees Rosa
RESUMO
Esta monografia trata da noccedilatildeo de alma que Aristoacuteteles desenvolve ao longo do De Anima II
1-3 Em DA II 1 Aristoacuteteles enuncia uma definiccedilatildeo geral de alma como forma do corpo
Nessa definiccedilatildeo pela forma seu objetivo eacute formular uma noccedilatildeo dos vaacuterios tipos de alma (a
vegetativa a animal e a humana) Poreacutem ela natildeo enuncia a alma como causa de vida nos
seres viventes Diante disso eacute enunciado em DA II 2 a definiccedilatildeo pelas capacidades na qual a
alma eacute princiacutepio das capacidades que denotam o viver Nela as capacidades determinam os
diversos tipos de vida a vida vegetativa que decorre da nutriccedilatildeo a animal da percepccedilatildeo e a
humana da razatildeo Com isso em DA II 3 Aristoacuteteles enuncia a definiccedilatildeo seriada na qual os
tipos de alma se dispotildeem em seacuteries ordenadas hierarquizadas em que a anterior subsiste na
posterior em potecircncia mas natildeo o contraacuterio Como se vecirc haacute um conflito entre a primeira e as
outras duas definiccedilotildees pois a definiccedilatildeo pela forma eacute uma noccedilatildeo geral que nem enuncia a alma
como causa de vida nem sua disposiccedilatildeo seriada Assim enquanto os comentaacuterios de Putman
Ackrill Bolton Nussbaum Everson CodeampMoravicsik interpretam a definiccedilatildeo pelas
capacidades como a noccedilatildeo aristoteacutelica de alma em detrimento da definiccedilatildeo pela forma
Polansky e Diamond enxergam unidade teoacuterica e argumentativa entre as trecircs A hipoacutetese
sustentada nesta monografia se alinha com o segundo grupo argumentando que a definiccedilatildeo
pela forma eacute insuficiente para enunciar os tipos especiacuteficos de vida e sua disposiccedilatildeo seriada
poreacutem eacute a fundamentaccedilatildeo ontoloacutegica das outras duas definiccedilotildees
Palavras Chave Aristoacuteteles Alma Definccedilatildeo Forma Capacidades
Lista de Abreviaturas das Obras de Aristoacuteteles Utilizadas
Cat ndash Categorias
DA ndash De Anima
Fiacutes ndash Fiacutesica
Met ndash Metafiacutesica
Sumaacuterio
Apresentaccedilatildeo 11
1 A taacutebua de definiccedilatildeo 13
2 A noccedilatildeo de alma em Aristoacuteteles 19
21 Definiccedilatildeo pela Forma 19
22 Definiccedilatildeo pelas Capacidade 29
23 Definiccedilatildeo Seriada 34
3 Conclusatildeo 37
4 Bibliografia 39
i
12
APRESENTACcedilAtildeO
O De Anima eacute o tratado no qual Aristoacuteteles investiga a natureza da alma e como ela eacute
causa de vida nos seres viventes Para esse fim Aristoacuteteles discute com aqueles que trataram
do assunto antes dele enuncia a sua proacutepria noccedilatildeo de alma e por fim como esta noccedilatildeo
explica cada uma das capacidades que denotam o viver Para dar conta deste projeto
psicoloacutegico Aristoacuteteles elabora sua noccedilatildeo em trecircs grandes momentos O primeiro em De
Anima I 2-5 Aristoacuteteles levanta as endoacutexai dos seus predecessores discutindo a validade de
suas teses e apontando o que considera inconsistente Como resultado disso Aristoacuteteles
sustenta que a alma eacute um princiacutepio imoacutevel de movimento nos seres viventes e uma unidade
Mas eacute soacute no segundo momento em DA II 1-3 que Aristoacuteteles enuncia em seus proacuteprios
termos o que considera ser a alma Por fim num terceiro momento a partir de DA II 4
Aristoacuteteles teoriza sobre cada uma das capacidades da alma
Nesta monografia proponho me debruccedilar sobre a noccedilatildeo de alma presente no DA II 1-
3 Como veremos em DA I 1 satildeo elencadas as aporias proacuteprias agrave investigaccedilatildeo e definiccedilatildeo da
alma A partir daiacute Aristoacuteteles apresenta gradualmente a sua proacutepria noccedilatildeo de alma ao longo
do De Anima Especificamente em DA II 1 e 2 satildeo enunciadas duas definiccedilotildees uma definiccedilatildeo
pela forma e outra pela capacidade A primeira caracteriza a alma como forma do corpo
enquanto a segunda atribui agrave alma o princiacutepio das capacidades que denotam vida Enquanto a
definiccedilatildeo pela forma nos oferece uma noccedilatildeo geral que enuncia o gecircnero de ser da alma a
definiccedilatildeo pela capacidade explica como a alma eacute princiacutepio de vida Entretanto haacute um terceiro
enunciado em DA II 3 que parece eliminar a validade da definiccedilatildeo pela forma e validar apenas
a definiccedilatildeo pela capacidade Trata-se da definiccedilatildeo seriada segundo a qual haacute diversos tipos de
alma que se dispotildeem em uma seacuterie hierarquicamente ordenada na qual a anterior subsiste na
posterior mas natildeo o contraacuterio Aristoacuteteles declara que a definiccedilatildeo pela forma enquanto uma
noccedilatildeo geral de alma eacute absurda Pois ela natildeo explica os tipos de alma e a causa de se disporem
em sucessatildeo Isto levou uma seacuterie de comentadores a compreenderem a definiccedilatildeo pela
capacidade como a noccedilatildeo aniacutemica de Aristoacuteteles jaacute que ela enunciaria os tipos de alma em
disposiccedilatildeo seriada
Diante disso argumento que a definiccedilatildeo pela forma eacute tatildeo relevante para a noccedilatildeo de
alma quanto a noccedilatildeo pela capacidade Como se veraacute na seccedilatildeo 2a) a definiccedilatildeo pela forma faz
da alma a atualidade primeira do corpo e princiacutepio de determinaccedilatildeo das funccedilotildees vitais Como
consequecircncia do seu caraacuteter atual a alma eacute aquilo a partir do qual as capacidades se dispotildeem
no corpo Ao entrarem em atividade atraveacutes dos oacutergatildeos do corpo elas se atualizam Neste
13
sentido tanto a definiccedilatildeo pela forma quanto a definiccedilatildeo pela capacidade satildeo mutuamente
necessaacuterias para uma noccedilatildeo de alma que atenda ao projeto psicoloacutegico aristoteacutelico
Para tanto apresento na primeira seccedilatildeo o horizonte conceitual e teoacuterico mediante o
qual Aristoacuteteles investiga a alma Atraveacutes das vaacuterias aporiacuteai elencadas em DA I 1 se delimita
tanto o fim que a investigaccedilatildeo persegue quanto a seus limites conceituais de teorizaccedilatildeo Em
seguida trato das endoxai presentes em DA I 2-5 como recurso metodoloacutegico para se extrair
das teses predecessoras algumas noccedilotildees miacutenimas sobre a alma Na seccedilatildeo seguinte abordo as
trecircs noccedilotildees jaacute apresentadas acima Como se veraacute ao iniacutecio de DA I 1 e 2 Aristoacuteteles ainda faz
duas revisotildees metodoloacutegicas deixando bem claro qual aspecto da investigaccedilatildeo se objetiva
tratar Especificamente em 2a) sobre DA II 1 remonto o argumento que resulta na definiccedilatildeo
pela forma comentando qual sua implicaccedilatildeo ontoloacutegica para a alma e como ela se desdobra
nas noccedilotildees aniacutemicas de atualidade primeira e princiacutepio de determinaccedilatildeo Em seguida
apresento a definiccedilatildeo pelas capacidades como princiacutepio de vida em DA II 2 Com isso indico
como a noccedilatildeo de vida e alma estatildeo associadas e como Aristoacuteteles argumenta para uma ser
evidecircncia da outra fazendo desta a causa daquela Adiante apresento a definiccedilatildeo seriada em
DA II 3 e como ela potildee em crise a definiccedilatildeo pela forma Por fim explicito como muitos
comentadores se localizaram em meio ao problema e argumento como as trecircs definiccedilotildees estatildeo
em uma unidade conceitual na qual todas satildeo relevantes para o projeto psicoloacutegico de
Aristoacuteteles
14
1 A TAacuteBUA DA DEFINICcedilAtildeO
A fim de apresentar os problemas proacuteprios ao estudo da alma e delimitar seu campo de
investigaccedilatildeo Aristoacuteteles apresenta em DA I 1 uma taacutebua de definiccedilatildeo onde elenca os
elementos para definir a alma e a abordagem para a sua pesquisa Primeiro Aristoacuteteles
circunscreve em que paracircmetros conceituais a noccedilatildeo se estabelece Em seguida se apresenta o
meacutetodo que orienta a busca por esse enunciado Deste modo os elementos de definiccedilatildeo que
compotildeem a lista satildeo o gecircnero de ser da alma1 o seu modo de ser
2 e por fim sua unidade
3 Jaacute
como abordagem decide-se pela ordem loacutegica da definiccedilatildeo4 para se analisar a independecircncia
das suas partes5 de modo a determinar o primeiro passo a se investigar em cada uma e
finalmente conhecer sobre a sua separabilidade6
Logo ao iniacutecio de De Anima I 1 Aristoacuteteles enuncia qual o objetivo geral de
seu projeto investigativo
ἐπιζητοῦμεν δὲ θεωρῆσαι καὶ γνῶναι τήν τε φύσιν αὐτῆς καὶ τὴν οὐσίαν εἶθ ὅσα
συμβέβηκε περὶ αὐτήν ὧν τὰ μὲν ἴδια πάθη τῆς ψυχῆς εἶναι δοκεῖ τὰ δὲ δι ἐκείνην
καὶ τοῖς ζῴοις ὑπάρχειν
Buscamos considerar e conhecer sua natureza e substacircncia bem como todos os seus
atributos dentre os quais uns parecem ser afecccedilotildees proacuteprias da alma enquanto outros
parecem subsistir nos animais graccedilas a ela DA I 1 402a7-10 (Trad Gomes dos Reis)
Investigar a natureza (phyacutesis) da alma consiste em pesquisar seu gecircnero de ser Jaacute
conhecer sua substacircncia (ousiacutea) eacute conhecer seus atributos (symbeacutebekos) as caracteriacutesticas que
1 πρῶτον δ ἴσως ἀναγκαῖον διελεῖν ἐν τίνι τῶν γενῶν καὶ τί ἐστι λέγω δὲ πότερον τόδε τι καὶ οὐσία ἢ ποιὸν ἢ
ποσόν ἢ καί τις ἄλλη τῶν διαιρεθεισῶν κατηγοριῶν ldquoEm todo caso eacute preciso decidir primeiro a qual dos
gecircneros a alma pertence e o que eacute ndash quero dizer se ela eacute algo determinado e substacircncia ou se eacute uma qualidade
uma quantidade ou mesmo alguma outra das categorias jaacute distinguidasrdquo DA I 1 402a22-25 (Trad de Gomes dos
Reis) 2 ἔτι δὲ πότερον τῶν ἐν δυνάμει ὄντων ἢ μᾶλλον ἐντελέχειά τις ldquoe ainda se estaacute entre os seres em potecircncia ou
antes se eacute uma certa atualidaderdquo DA I 1 402a27 (Trad de Gomes dos Reis) 3 σκεπτέον δὲ καὶ εἰ μεριστὴ ἢ ἀμερής καὶ πότερον ὁμοειδὴς ἅπασα ψυχὴ ἢ οὔ εἰ δὲ μὴ ὁμοειδής πότερον εἴδει
διαφέρουσα ἢ γένει ldquoEacute preciso examinar tambeacutem se ela eacute divisiacutevel em partes ou natildeo e se toda e qualquer alma eacute
de mesma forma e no caso de natildeo ser de mesma forma se a diferenccedila eacute de espeacutecie ou de gecircnerordquo DA I 1
402b1-3 (Trad de Gomes dos Reis) 4 εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον
ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν
ἄλλο κατηγοροῖτο ldquoEacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma uacutenica
definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a de cavalo catildeo homem
divindade sendo neste caso o animal considerado universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo
ocorrendo para qualquer outro atributo comum que for predicadordquo DA I 1 402b4-9 (Trad de Gomes dos Reis) 5 ἔτι δέ εἰ μὴ πολλαὶ ψυχαὶ ἀλλὰ μόρια πότερον δεῖ ζητεῖν πρότερον τὴν ὅλην ψυχὴν ἢ τὰ μόρια χαλεπὸν δὲ
καὶ τούτων διορίσαι ποῖα πέφυκεν ἕτερα ἀλλήλων καὶ πότερον τὰ μόρια χρὴ ζητεῖν πρότερον ἢ τὰ ἔργα αὐτῶν
ldquoAleacutem disso no caso de serem muitas as partes e natildeo as almas deve-se primeiro investigar a alma como um
todo ou suas partes Tambeacutem eacute difiacutecil definir quais dentre estas satildeo por natureza distintas entre si e se eacute uacutetil
investigar primeiro as partes ou suas funccedilotildeesrdquo DA I 1 402b9-12 (Trad de Gomes dos Reis) 6 ἀπορίαν δ ἔχει καὶ τὰ πάθη τῆς ψυχῆς πότερόν ἐστι πάντα κοινὰ καὶ τοῦ ἔχοντος ἢ ἔστι τι καὶ τῆς ψυχῆς ἴδιον
αὐτῆς ldquoHaacute ainda a dificuldade de saber se as afecccedilotildees da alma satildeo todas comuns agravequilo que possui alma ou se
haacute tambeacutem alguma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma tatildeo somenterdquo DA I 1 403a3-5 (Trad de Gomes dos Reis)
15
nos datildeo uma noccedilatildeo da alma segundo suas afecccedilotildees (patheacute) Entre os seus atributos alguns
parecem ser exclusivamente afecccedilotildees da alma jaacute outros parecem ser comuns agrave alma e ao
corpo portanto atributos um ser animado (zoacuteois) Por afecccedilatildeo devemos compreender a
determinaccedilatildeo na mateacuteria (loacutegoi eacutenyloi)7 de maneira que os atributos da alma e do corpo seratildeo
comuns a ambos Jaacute a afecccedilatildeo proacutepria agrave alma eacute a que natildeo se daacute pela determinaccedilatildeo na mateacuteria
mas por si mesma Entre os atributos da alma a capacidade de pensamento parece ser a que
atende esse requisito A menos poreacutem que dependa de imagens para sua atividade Assim
nem mesmo o pensamento seria uma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma8 Em suma a investigaccedilatildeo da
alma consiste em saber sua natureza sua essecircncia e as afecccedilotildees que lhe satildeo atribuiacutedas sejam
elas proacuteprias ou comuns ao corpo no qual ela se instancia
Aristoacuteteles parte entatildeo para o primeiro elemento da definiccedilatildeo a se estabelecer
πρῶτον δ ἴσως ἀναγκαῖον διελεῖν ἐν τίνι τῶν γενῶν καὶ τί ἐστι λέγω δὲ πότερον τόδε
τι καὶ οὐσία ἢ ποιὸν ἢ ποσόν ἢ καί τις ἄλλη τῶν διαιρεθεισῶν κατηγοριῶν
Em todo caso eacute preciso decidir primeiro a qual dos gecircneros a alma pertence e o que eacute
ndash quero dizer se ela eacute algo determinado e substacircncia ou se eacute uma qualidade uma
quantidade ou mesmo alguma outra das categorias jaacute distinguidas DA I 1 402a22-25
(Trad de Gomes dos Reis)
O primeiro dos pressupostos sobre os quais se deveraacute responder eacute o gecircnero de ser da
alma Filopono9 comenta que Aristoacuteteles tem em vista platocircnicos pitagoacutericos e Xenoacutecrates
para os quais a alma eacute substacircncia harmonia e nuacutemero respectivamente Nas Categorias10
7 εἰ δ οὕτως ἔχει δῆλον ὅτι τὰ πάθη λόγοι ἔνυλοί εἰσιν ldquoSe assim eacute as afecccedilotildees satildeo evidentemente formas
implicadas na mateacuteriardquo DA I 1 403a24 (Trad Gomes dos Reis) 8 εἰ δ ἐστὶ καὶ τοῦτο φαντασία τις ἢ μὴ ἄνευ φαντασίας οὐκ ἐνδέχοιτ ἂν οὐδὲ τοῦτ ἄνευ σώματος εἶναιldquoNatildeo
obstante se tambeacutem o pensar eacute um tipo de imaginaccedilatildeo ou se ele natildeo pode ocorrer sem a imaginaccedilatildeo entatildeo nem
mesmo o pensar poderia existir sem o corpordquo DA I 1 403a8-10 (Trad Gomes dos Reis) 9 ὧν ἐστι καὶ Ξενοκράτης ἀριθμὸς γάρ φησί κινῶν ἑαυτόν ἐστιν ἡ ψυχή ὁ δὲ ἀριθμὸς ὑπὸ τὸ ποσόν εἰ δὴ
τοῦτο ἔλεγεν ἐκεῖνος καὶ μὴ ἄλλο τι διὰ τούτου ᾐνίττετο οἱ δὲ ὑπὸ τὸ ποιόν ὧν εἰσιν καὶ οἱ ἰατροὶ κρᾶσιν εἶναι
λέγοντες τοιοῦτοι δ ἂν εἶεν καὶ οἱ ἐντελέχειαν λέγοντες τοιαύτην μαθησόμεθα γάρ πῶς φησιν αὐτὴν
ἐντελέχειαν ὁ Ἀριστοτέλης οἱ δὲ λόγον λέγοντες τῶν στοιχείων δόξαιεν ἂν ὑπὸ τὸ πρός τι ἀνάγειν τὸ γὰρ
διπλάσιον ἢ ἡμιόλιον ὑπὸ τὸ πρός τι τινὸς γὰρ διπλάσιον ἀμφίβολον οὖν τέως τὸ γένος ldquoAlguns a classificam
sob o tiacutetulo de substacircncia outros sob quantidade Dentre eles Xenoacutecrates que afirma que a alm eacute o nuacutemero
movendo por si mesmo e o nuacutemero eacute dado sob quantidade se for isto que ele quer dizer ao inveacutes de algo
distinto do que por essas palavras ele se refere obscuramente Outros dizem que isto pertence a qualidade Em
meio a isto estatildeo os meacutedicos que dizem que eacute a mistura dentre os quais haacute tambeacutem os que dizem que eacute uma
atualidade pois aprenderemos com Aristoacuteteles chama a alma de atualidade Aqueles que dizem que eacute uma
proporccedilatildeo dos elementos pareceriam entitulaacute-la sob a ltcategoria dogt relativo pelo duplo ou a metade
pertencerem agrave categoria do relativo pois o duplo eacute de algo Assim sendo entatildeo o gecircnero permanece
controversordquo PHILOPONUS Com DA 32 32 ndash 337 (Trad da traduccedilatildeo de P J Eijk) 10Οὐσία δέ ἐστιν ἡ κυριώτατά τε καὶ πρώτως καὶ μάλιστα λεγομένη ἣ μήτε καθ ὑποκειμένου τινὸς λέγεται μήτε
ἐν ὑποκειμένῳ τινί ἐστιν οἷον ὁ τὶς ἄνθρωπος ἢ ὁ τὶς ἵππος δεύτεραι δὲ οὐσίαι λέγονται ἐν οἷς εἴδεσιν αἱ
πρώτως οὐσίαι λεγόμεναι ὑπάρχουσιν ταῦτά τε καὶ τὰ τῶν εἰδῶν τούτων γένη ldquoSubstacircncia entendida em
sentido proacuteprio primeiro e supremo eacute a que natildeo se predica de um sujeito e natildeo existe nalgum sujeito por
exemplo um homem um cavalo Substacircncias segundas satildeo as formas (ou espeacutecies) nas quais estatildeo incluiacutedas as
que satildeo ditas substacircncias primeiras e tambeacutem os gecircneros destasrdquo Cat 5 2a11 (Trad Lucas Angioni)
16
Aristoacuteteles compreende a substacircncia primeira como entes particulares enquanto o gecircnero e
forma satildeo substacircncias segundas Sabe-se que Aristoacuteteles inverte esta noccedilatildeo de substacircncia em
Metafiacutesica Z onde substacircncia primeira eacute identificada com a forma11
que eacute priorizada em
relaccedilatildeo ao composto e agrave mateacuteria Portanto as noccedilotildees de substacircncia quantidade e qualidade
que Aristoacuteteles trabalha na definiccedilatildeo de alma no DA I 1 estariam mais proacuteximas das Cat que
da Met Z Eacute o que somos levados a acreditar se considerarmos que esta mesma formulaccedilatildeo
ocorre mais adiante em DA I 5 410a16-2112
Nesta e naquela passagem Aristoacuteteles quer saber
se a alma eacute uma substacircncia particular e determinada ou seja um objeto de predicaccedilatildeo que natildeo
se predica de outrem
Passemos para o segundo elemento que deve estar presente numa definiccedilatildeo de alma
ἔτι δὲ πότερον τῶν ἐν δυνάμει ὄντων ἢ μᾶλλον ἐντελέχειά τις
e ainda se estaacute entre os seres em potecircncia ou antes se eacute uma certa atualidade DA I
1 402a27 (Trad de Gomes dos Reis)
A diferenccedila que os conceitos de potecircncia (dyacutenamis) e atualidade (entelekheacuteia) fazem eacute
sobre o estatuto material ou formal da alma Pois se a alma for de natureza material entatildeo eacute
em potecircncia e sujeita ao movimento Entretanto se for de natureza formal seraacute uma certa
atualidade e princiacutepio de determinaccedilatildeo e atividade Gomes dos Reis13
observa que atualidade
eacute colocada em termos vagos (ldquouma certa atualidaderdquoenteleacutekheia tiacutes) o que indica que soacute faz
sentido falar em atualidade enquanto forma especiacutefica quando instanciada em uma mateacuteria de
um tipo uma alma x que se instancia em um corpo de um tipo x
Outro elemento de definiccedilatildeo da alma eacute sua unidade
σκεπτέον δὲ καὶ εἰ μεριστὴ ἢ ἀμερής καὶ πότερον ὁμοειδὴς ἅπασα ψυχὴ ἢ οὔ εἰ δὲ
μὴ ὁμοειδής πότερον εἴδει διαφέρουσα ἢ γένει
Eacute preciso examinar tambeacutem se ela eacute divisiacutevel em partes ou natildeo e se toda e qualquer
alma eacute de mesma forma e no caso de natildeo ser de mesma forma se a diferenccedila eacute de
espeacutecie ou de gecircnero DA I 1 402b1-3 (Trad de Gomes dos Reis)
11 ἕκαστόν τε γὰρ οὐκ ἄλλο δοκεῖ εἶναι τῆς ἑαυτοῦ οὐσίας καὶ τὸ τί ἦν εἶναι λέγεται εἶναι ἡ ἑκάστου
οὐσίαldquoCom efeito a coisa individual natildeo parece ser diferente da proacutepria substacircncia e dizemos que a essecircncia eacute
justamente a substacircncia da coisa individualrdquo Met Z 6 1031ordf17-18 (Trad Giovanni Reale)
εἶδος δὲ λέγω τὸ τί ἦν εἶναι ἑκάστου καὶ τὴν πρώτην οὐσίαν ldquoPor forma entendo a essecircncia de cada coisa e sua
substacircncia primeirardquo Met Z 7 1032b1-2 (Trad Giovanni Reale) 12 ἆρ οὖν ὅσα τῶν οὐσιῶν ἐκ τούτων μόνον πῶς οὖν γινώσκει καὶ τῶν ἄλλων ἕκαστον ἢ φήσουσιν ἑκάστου
γένους εἶναι στοιχεῖα καὶ ἀρχὰς ἰδίας ἐξ ὧν τὴν ψυχὴν συνεστάναι ἔσται ἄρα ποσὸν καὶ ποιὸν καὶ οὐσία ἀλλ
ἀδύνατον ἐκ τῶν τοῦ ποσοῦ στοιχείων οὐσίαν εἶναι καὶ μὴ ποσόνldquoOra seraacute a alma composta somente daqueles
elementos que satildeo comuns agraves substacircncias Como entatildeo conhece ainda cada um dos outros Ou se diraacute que haacute
elementos e princiacutepios particulares a cada gecircnero e que a alma eacute constituiacuteda de todos eles A alma seria entatildeo
quantidade qualidade e substacircncia Mas eacute impossiacutevel que a substacircncia seja composta dos elementos da
quantidade e natildeo seja quantidade ela mesmardquo DA I 5 410a16-21 (Trad Gomes dos Reis) 13 2006 148-149
17
Aqui reside um dos problemas mais comprometedores sobre a investigaccedilatildeo
psicoloacutegica aristoteacutelica a) A alma eacute divisiacutevel ou indivisiacutevel b) cada parte da alma teria uma
forma proacutepria c) Caso seja divisiacutevel as almas se diferenciam em gecircnero ou espeacutecie
Segundo Polansky14
Aristoacuteteles resolve esta bateria de problemas supondo que um ser
vivente tem sua proacutepria alma cujas partes correspondam agraves funccedilotildees sendo estas partes
divisiacuteveis pelos tipos de vida (vegetativa animal humana) A divisibilidade das partes se daacute
de acordo com a capacidade aniacutemica que eacute viver segundo uma atividade e se distinguiria em
gecircnero (a vida perceptiva) ou espeacutecie (catildees cavalos e homem) Isto que garantiraacute a
indivisibilidade da alma ao longo dos tipos de vida segundo suas capacidades Assim
Aristoacuteteles consegue ter um enunciado formal que garanta a unidade geneacuterica fazendo dos
tipos de vida como espeacutecies de seres vivos e as capacidades suas diferenccedilas especiacuteficas
Definido isto deve-se inquirir sobre a amplitude da definiccedilatildeo
εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ
καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι
οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν ἄλλο κατηγοροῖτο
Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma
uacutenica definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a
de cavalo catildeo homem divindade sendo neste caso o animal considerado
universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo ocorrendo para qualquer outro
atributo comum que for predicado DA I 1 402b4-9 (Trad de Gomes dos Reis)
Ateacute aqui Aristoacuteteles se debruccedilava sobre os elementos que devem compor a definiccedilatildeo
de alma Daqui adiante a questatildeo passa a ser qual a abordagem de pesquisa para se formular
esta definiccedilatildeo E um primeiro ponto se refere agrave abrangecircncia da definiccedilatildeo Dado que a alma
pode ter partes sendo estas partes divisiacuteveis ou natildeo a definiccedilatildeo deve ser geral e abranger todo
gecircnero de alma ou deve haver uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie de alma Para Polansky15
a
existecircncia de gecircneros eacute questionaacutevel pois parecem ser universais Noacutes natildeo encontramos um
universal tal qual Soacutecrates e Caacutelias pois estes satildeo particulares Tambeacutem natildeo encontramos um
gecircnero de alma tal qual catildees e cavalos pois estes satildeo espeacutecies Deste modo uma definiccedilatildeo
geneacuterica ofereceria apenas uma noccedilatildeo comum segundo as espeacutecies de alma sem
necessariamente enunciar suas as espeacutecies Portanto esta questatildeo contrasta duas noccedilotildees de
definiccedilatildeo da alma a particular (kathrsquo hekaacutesten) e universal (tograve kathoacutelou) Esta tensatildeo
enunciada aqui persistiraacute nas questotildees posteriores ainda neste capiacutetulo mas se evidenciaraacute
mais fortemente nos enunciados de alma presentes em DA II 1-3 Em siacutentese o problema
consiste em saber se a definiccedilatildeo de alma deve ser pelo seu gecircnero ou sua espeacutecie
14 2007 34-35 15 2008 45
18
ἔτι δέ εἰ μὴ πολλαὶ ψυχαὶ ἀλλὰ μόρια πότερον δεῖ ζητεῖν πρότερον τὴν ὅλην ψυχὴν ἢ
τὰ μόρια χαλεπὸν δὲ καὶ τούτων διορίσαι ποῖα πέφυκεν ἕτερα ἀλλήλων καὶ πότερον
τὰ μόρια χρὴ ζητεῖν πρότερον ἢ τὰ ἔργα αὐτῶν
Aleacutem disso no caso de serem muitas as partes e natildeo as almas deve-se primeiro
investigar a alma como um todo ou suas partes Tambeacutem eacute difiacutecil definir quais dentre
estas satildeo por natureza distintas entre si e se eacute uacutetil investigar primeiro as partes ou
suas funccedilotildees DA I 1 402b9-12 (Trad de Gomes dos Reis)
Na medida em que a alma eacute composta de partes que correspondem agraves suas
capacidades se decide se a investigaccedilatildeo abordaraacute primeiramente suas partes ou a alma como
um todo aleacutem de como investigar a capacidade ou a funccedilatildeo caso as capacidades sejam
distintas Ou seja eacute preciso decidir se a investigaccedilatildeo se inicia pela percepccedilatildeo ou pelo animal
ἀπορίαν δ ἔχει καὶ τὰ πάθη τῆς ψυχῆς πότερόν ἐστι πάντα κοινὰ καὶ τοῦ ἔχοντος ἢ
ἔστι τι καὶ τῆς ψυχῆς ἴδιον αὐτῆς
Haacute ainda a dificuldade de saber se as afecccedilotildees da alma satildeo todas comuns agravequilo que
possui alma ou se haacute tambeacutem alguma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma tatildeo somente DA I 1
403a3-5 (Trad de Gomes dos Reis)
Apoacutes uma exaustiva exposiccedilatildeo do que deve compor a definiccedilatildeo de alma
Aristoacuteteles elenca o uacuteltimo requisito de sua investigaccedilatildeo o grau de separabilidade da alma ou
de alguma de suas partes As capacidades de movimento reproduccedilatildeo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo e
imaginaccedilatildeo parecem ter sua ocorrecircncia no composto de corpo e alma que eacute o ser vivente
Entretanto haacute na teoria aristoteacutelica do intelecto sua face passiva e ativa conforme formulou a
tradiccedilatildeo sendo a ativa de natureza separada e imortal16
Isto faria desta parte do intelecto uma
afecccedilatildeo proacutepria da alma sem ocorrecircncia conjunta com o corpo Filopono17
comenta que este eacute
um problema determinante para a composiccedilatildeo da definiccedilatildeo de alma Se a alma tem afecccedilotildees
proacuteprias e separadas do corpo a definiccedilatildeo dispensaraacute o corpo de seu enunciado Se pelo
contraacuterio as afecccedilotildees aniacutemicas tecircm ocorrecircncia corpoacuterea entatildeo a definiccedilatildeo de alma deve
conter o corpo em seu enunciado
O que se conquista enfim com esta taacutebua de definiccedilatildeo em De Anima I 1 Que
investigar a natureza da alma eacute responder a seu gecircnero de ser o que implica em saber se a
16χωρισθεὶς δ ἐστὶ μόνον τοῦθ ὅπερ ἐστί καὶ τοῦτο μόνον ἀθάνατον καὶ ἀΐδιον ldquoSomente isto [o intelecto]
quando separado eacute propriamente o que eacute e somente isto eacute imortal e eternordquo DA III 5 (Trad Gomes dos Reis) 17 εἰ μὲν οὖν ὡς ὀργάνῳ χρῆται τῷ σώματι ἰδίᾳ ἔχουσα τὰς ἐνεργείας οὐ δεῖ προσχρήσασθαι τῷ σώματι πρὸς
τὸν ὁρισμόν οὐ γὰρ συμπληροῖ τὴν οὐσίαν τοῦ τέκτονος τὸ σκέπαρνον εἰ δὲ ἐν τῷ σώματι ἔχει τὸ εἶναι ὡς
εἶναι τὰς ἐνεργείας τοῦ συναμφοτέρου ἀνάγκη προσχρήσασθαι ἐν τῷ ὁρισμῷ τῷ σώματι ὥσπερ ἐπὶ τοῦ θυμοῦ
ἐλέγομεν ἀναγκαία οὖν ἡ τούτων λῆψις οὐκ εὐχερὴς δέ ltπάθηgt δὲ κοινότερον τὰς ἐνεργείας τῆς ψυχῆς
ἐκάλεσε ldquoSe usa o corpo como instrumento e tem suas atividades peculiares a si mesmo natildeo haacute qualquer
necessidade de se remeter ao corpo na definiccedilatildeo ndash pois um machado natildeo completa a essecircncia de um carpinteiro ndash
mas se a alma tem seu ser no corpo e suas atividades pertencem ao composto eacute necessaacuterio tambeacutem se remeter
ao corpo na definiccedilatildeo tal qual como nos referimos em relaccedilatildeo ao iacutempeto Estabelecer essas coisas entatildeo eacute
necessaacuterio poreacutem natildeo eacute faacutecil Afecccedilatildeo eacute o termo mais geral que ele usa para as atividades da almardquo
PHILOPONUS Com DA 4429-35 (Trad da trad de P J Eijk)
19
alma eacute potencialmente ou em atualidade Isto posto se a alma eacute como uma substacircncia e
portanto una ou separaacutevel e caso seja em partes se satildeo divisiacuteveis ou natildeo Aleacutem disso se a
definiccedilatildeo deve abranger diversos tipos de alma ou se haacute uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie Por
fim se sua investigaccedilatildeo parte das partes ou do todo
20
2 A NOCcedilAtildeO DE ALMA EM ARISTOacuteTELES
A noccedilatildeo de alma em Aristoacuteteles obedece trecircs momentos de elaboraccedilatildeo Um primeiro
ao longo da discussatildeo das endoxai de seus predecessores em DA I 2-5 Em outro quando
argumenta por conceitos metafiacutesicos e formula a noccedilatildeo geral de alma em DA II 1 Aleacutem de
um uacuteltimo a partir de DA II 2 quando se formula uma outra noccedilatildeo de alma pelas
capacidades Esta trajetoacuteria visa (i) levantar as teses que foram elaboradas sobre o assunto
visando extrair certos princiacutepios verdadeiros Com estes princiacutepios (ii) se expotildee a noccedilatildeo
geral Mas esta noccedilatildeo que responde sobre o ser da alma natildeo indica os tipos especiacuteficos de
vida Portanto (iii) eacute preciso inquirir por outra abordagem e provar que a alma eacute princiacutepio das
capacidades que manifestam vida no ser pois atraveacutes dessas capacidades explicamos esses
distintos modos de viver Como se veraacute esta travessia responde agrave taacutebua de definiccedilatildeo de DA I
1 e Aristoacuteteles ara todo o terreno sobre o qual ele ergue sua psicologia
21 A DEFINICcedilAtildeO PELA FORMA
Aristoacuteteles conclui seu levantamento das endoxai em DA I 2-5 com duas noccedilotildees
relativas agrave alma que ela eacute una18
e imoacutevel19
Somente no iniacutecio do livro seguinte em DA II 1
ele apresenta sua noccedilatildeo onde o objetivo traccedilar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos)
que abarque as vaacuterias formas de vida
18 φαίνεται δὲ καὶ τὰ φυτὰ διαιρούμενα ζῆν καὶ τῶν ζῴων ἔνια τῶν ἐντόμων ὡς τὴν αὐτὴν ἔχοντα ψυχὴν τῷ
εἴδει εἰ καὶ μὴ ἀριθμῷ ἑκάτερον γὰρ τῶν μορίων αἴσθησιν ἔχει καὶ κινεῖται κατὰ τόπον ἐπί τινα χρόνον εἰ δὲ
μὴ διατελοῦσιν οὐθὲν ἄτοπον ὄργανα γὰρ οὐκ ἔχουσιν ὥστε σώζειν τὴν φύσιν ἀλλ οὐδὲν ἧττον ἐν ἑκατέρῳ
τῶν μορίων ἅπαντ ἐνυπάρχει τὰ μόρια τῆς ψυχῆς καὶ ὁμοειδῆ ἐστιν ἀλλήλοις καὶ τῇ ὅλῃ ἀλλήλοις μὲν ὡς οὐ
χωριστὰ ὄντα τῇ δ ὅλῃ ψυχῇ ὡς οὐ διαιρετῇ οὔσῃ ἔοικε δὲ καὶ ἡ ἐν τοῖς φυτοῖς ἀρχὴ ψυχή τις εἶναι μόνης γὰρ
ταύτης κοινωνεῖ καὶ ζῷα καὶ φυτά καὶ αὕτη μὲν χωρίζεται τῆς αἰσθητικῆς ἀρχῆς αἴσθησιν δ οὐθὲν ἄνευ ταύτης
ἔχει ldquoEacute manifesto ainda que as plantas ndash e dentre os animais alguns insetos ndash quando secionadas continuam a
viver como se tivessem a mesma alma especificamente ainda que natildeo numericamente pois cada uma das partes
tem sensaccedilatildeo e move-se localmente por algum tempo Se natildeo sobrevivem natildeo resulta em absurdo algum pois
natildeo mantecircm oacutergatildeos aponto de conservar a sua natureza Em cada uma das partes poreacutem estatildeo todas as partes da
alma e nenhuma a menos E elas satildeo da mesma espeacutecie entre si e em relaccedilatildeo agrave alma inteira ndash as diversas partes
satildeo inseparaacuteveis uma das outras embora a alma inteira seja divisiacutevel Parece que o princiacutepio encontrado nas
plantas eacute tambeacutem um certo tipo de alma pois eacute apenas compartilhada por animais e plantas e ela existe
separada do princiacutepio perceptivo embora sem ela nada possa ter percepccedilatildeordquo 411b19-411b30 19ὅτι μὲν οὖν οὔθ ἁρμονίαν οἷόν τ εἶναι τὴν ψυχὴν οὔτε κύκλῳ περιφέρεσθαι δῆλον ἐκ τῶν εἰρημένων ldquoQue a
alma natildeo pode ser harmonia nem locomover-se em ciacuterculo fica claro a partir do que foi ditordquo 408ordf29-30 (Trad
Gomes dos Reis)
ὅτι μὲν οὖν οὐχ οἷόν τε κινεῖσθαι τὴν ψυχήν φανερὸν ἐκ τούτων εἰ δ ὅλως μὴ κινεῖται δῆλον ὡς οὐδ ὑφ
ἑαυτῆς Eacute evidente a partir disso tudo que natildeo eacute possiacutevel que a alma se mova ldquoE se de todo modo natildeo se move eacute
claro tambeacutem que natildeo se move por si mesmardquo 408b30-31 (Trad Gomes dos Reis)
φανερὸν οὖν ἐκ τῶν εἰρημένων ὡς οὔτε τὸ γινώσκειν ὑπάρχει τῇ ψυχῇ διὰ τὸ ἐκ τῶν στοιχείων εἶναι οὔτε τὸ
κινεῖσθαι αὐτὴν καλῶς οὐδ ἀληθῶς λέγεται ldquoEacute manifesto entatildeo a partir do que foi dito que nem o conhecer
subsite na alma por ela ser composta dos elementos nem eacute uma maneira certa ou verdadeira dizer qua a alma eacute
movidardquo 411a24-26 (Trad Gomes dos Reis)
21
Τὰ μὲν δὴ ὑπὸ τῶν πρότερον παραδεδομένα περὶ ψυχῆς εἰρήσθω πάλιν δ ὥσπερ ἐξ
ὑπαρχῆς ἐπανίωμεν πειρώμενοι διορίσαι τί ἐστι ψυχὴ καὶ τίς ἂν εἴη κοινότατος λόγος
αὐτῆς
Tendo dito o suficiente sobre as opiniotildees a respeito da alma fornecida por nossos
predecessores retomemos como que do comeccedilo e tentemos definir o que eacute a alma e
qual seria seu enunciado mais geral 412a1-6 (Trad Gomes dos Reis)
A busca pelo enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) visa uma definiccedilatildeo de alma
comum agraves diversas formas de vida Em meio agrave pluralidade de modos de vida a alma eacute aquilo
a partir do qual essa pluralidade se unifica num gecircnero de ser ndash o dos seres viventes
(empsykhon) Aristoacuteteles compreende que uma noccedilatildeo puramente geneacuterica natildeo explica as
formas especiacuteficas do objeto de estudo Entretanto o enunciado geral responde agrave primeira
parte da taacutebua de definiccedilatildeo como notaremos no decorrer da definiccedilatildeo pela forma que seraacute
enunciada Com eles Aristoacuteteles alicerccedila conceitualmente as outras definiccedilotildees que seratildeo
formuladas nos outros capiacutetulos
Assim entatildeo Aristoacuteteles inicia seu argumento
λέγομεν δὴ γένος ἕν τι τῶν ὄντων τὴν οὐσίαν ταύτης δὲ τὸ μέν ὡς ὕλην ὃ καθ αὑτὸ
οὐκ ἔστι τόδε τι ἕτερον δὲ μορφὴν καὶ εἶδος καθ ἣν ἤδη λέγεται τόδε τι καὶ τρίτον
τὸ ἐκ τούτων ἔστι δ ἡ μὲν ὕλη δύναμις τὸ δ εἶδος ἐντελέχεια καὶ τοῦτο διχῶς τὸ
μὲν ὡς ἐπιστήμη τὸ δ ὡς τὸ θεωρεῖν
Dizemos que um dos gecircneros dos seres eacute a substacircncia E substacircncia primeiro no
sentido de mateacuteria ndash que por si mesmo natildeo eacute algo determinado ndash e ainda no sentido
de figura e forma ndash em virtude do que jaacute se diz que eacute algo determinado ndash e por fim
no sentido de composto de ambas A mateacuteria por sua vez eacute potecircncia ao passo que a
forma eacute atualidade e isto de dois modos seja como ciecircncia seja como inquirir DA II
1 412a6-11(Trad Gomes dos Reis)
Aristoacuteteles parte de teses presentes em seu tratado de filosofia primeira a Metafiacutesica
Laacute ele investiga o ser enquanto ser que tem muitos significados mas todos convergem para
um soacute20
O que responde a estes diversos significados do que eacute o ser ao ti estiacute eacute a
substacircncia21
(ousiacutea) Satildeo substacircncias a mateacuteria (hyacutele) a forma (morpheacute) e o composto de
ambas ( tograve ek touacutetoon) 22
Apesar da mateacuteria ser indeterminada23
permanece na mudanccedila e eacute
20 διὸ καὶ ἡμῖν τοῦ ὄντος ᾗ ὂν τὰς πρώτας αἰτίας ληπτέον Τὸ δὲ ὂν λέγεται μὲν πολλαχῶς ἀλλὰ πρὸς ἓν καὶ μίαν
τινὰ φύσιν Por isso tambeacutem noacutes devemos apreender as causas primeiras do ente enquanto ente ldquoEnterdquo se diz de
muitas maneiras mas em relaccedilatildeo a algo uacutenico e a uma natureza uacutenicardquo Met G 1-2 1003ordf31-32 (Trad Lucas
Angioni) 21τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν ldquoE
sendo o ente dito de muitos modos eacute evidente que o ente primeiro eacute o que eacute entre todos o que designa a
substacircnciardquo Met Z 2 1028b13-15 (Trad Lucas Angioni) 22 αὗται δ εἰσὶν αἱ αἰσθηταί αἱ δ αἰσθηταὶ οὐσίαι πᾶσαι ὕλην ἔχουσιν ἔστι δ οὐσία τὸ ὑποκείμενον ἄλλως μὲν
ἡ ὕλη (ὕλην δὲ λέγω ἣ μὴ τόδε τι οὖσα ἐνεργείᾳ δυνάμει ἐστὶ τόδε τι) ἄλλως δ ὁ λόγος καὶ ἡ μορφή ὃ τόδε τι
ὂν τῷ λόγῳ χωριστόν ἐστιν τρίτον δὲ τὸ ἐκ τούτων οὗ γένεσις μόνου καὶ φθορά ἐστι καὶ χωριστὸν ἁπλῶς τῶν
γὰρ κατὰ τὸν λόγον οὐσιῶν αἱ μὲν αἱ δ οὔ ldquoE agora devemos reexaminar as substacircncias que satildeo admitidas por
todos E essas satildeo as substacircncias sensiacuteveis Todas as substacircncias sensiacuteveis tecircm mateacuteria E substacircncia eacute o
substrato o qual em certo sentido significa a mateacuteria (chamo mateacuteria o que natildeo eacute algo determinado em ato mas
22
objeto de predicaccedilatildeo caracteriza-se como o substrato (hypokeiacutemenon) do composto Para ser
determinada a mateacuteria depende da forma que lhe confere ser (ti estiacute) Assim toda mateacuteria
determinada pela forma seraacute um composto Por isso Aristoacuteteles defende que uma boa
definiccedilatildeo das substacircncias compostas eacute a que enuncie a determinaccedilatildeo da forma na mateacuteria24
Em suma a substacircncia eacute o gecircnero primeiro de ser sendo esta tanto mateacuteria quanto forma
assim como o composto de ambas
A indeterminaccedilatildeo da mateacuteria e a determinaccedilatildeo da forma estatildeo intrinsecamente
relacionadas aos conceitos correlatos de potecircncia (dyacutenamis) e atualidade (enteleacutekheia) na
filosofia primeira de Aristoacuteteles A mateacuteria eacute indeterminada pois natildeo eacute algo em ato mas em
potecircncia na medida que eacute passiacutevel de determinaccedilatildeo pela forma Aristoacuteteles assinala que ser
em potecircncia significa ter o princiacutepio de movimento (kiacutenesis) ou de modicaccedilatildeo (metaboleacute) seja
por causa extriacutenseca ou intriacutenseca25
A mateacuteria portanto eacute potecircncia pois traz em si o princiacutepio
de ser movida ou modificada por si mesma ou por um outro isto Potecircncia tambeacutem estaacute
algo determinado soacute em potecircncia) num segundo sentido significa a essecircncia e a forma (a qual sendo algo
determinado pode ser separada pelo pensamento) e num terceiro sentido significa o composto de mateacuteria e de
forma (e soacute este estaacute submetido agrave geraccedilatildeo e agrave corrupccedilatildeo e eacute separado em sentido proacuteprio enquanto das
substacircncias entendidas segundo a forma algumas satildeo separadas outras natildeo satildeo)rdquo H 1042a24-31 (Trad Giovani
Reale) 23 λέγω δ ὕλην ἣ καθ αὑτὴν μήτε τὶ μήτε ποσὸν μήτε ἄλλο μηδὲν λέγεται οἷς ὥρισται τὸ ὄν ἔστι γάρ τι καθ οὗ
κατηγορεῖται τούτων ἕκαστον ᾧ τὸ εἶναι ἕτερον καὶ τῶν κατηγοριῶν ἑκάστῃ (τὰ μὲν γὰρ ἄλλα τῆς οὐσίας
κατηγορεῖται αὕτη δὲ τῆς ὕλης) ὥστε τὸ ἔσχατον καθ αὑτὸ οὔτε τὶ οὔτε ποσὸν οὔτε ἄλλο οὐδέν ἐστιν οὐδὲ δὴ
αἱ ἀποφάσεις καὶ γὰρ αὗται ὑπάρξουσι κατὰ συμβεβηκός ldquoChamo mateacuteria aquilo que por si natildeo eacute algo
determinado nem uma quantidade nem qualquer outra das determinaccedilotildees do ser Existe de fato alguma coisa da
qual cada uma dessas determinaccedilotildees eacute predicada alguma coisa cujo ser eacute diferente do ser de cada uma das
categorias Todas as outras categorias com efeito satildeo predicadas da substacircncia e esta por sua vez eacute predicada
da mateacuteria Assim este termo por si natildeo eacute nem algo determinado nem quantidade nem qualquer outra
categoria e natildeo eacute nem sequer as negaccedilotildees destas porque as negaccedilotildees soacute existem de modo acidentalrdquo Met Z 3
1029ordf20-26 (Trad Giovani Reale) 24 οἱ δὲ ἀγγεῖον σκεπαστικὸν χρημάτων καὶ σωμάτων ἤ τι ἄλλο τοιοῦτον προτιθέντες τὴν ἐνέργειαν λέγουσιν οἱ
δ ἄμφω ταῦτα συντιθέντες τὴν τρίτην καὶ τὴν ἐκ τούτων οὐσίαν (ἔοικε γὰρ ὁ μὲν διὰ τῶν διαφορῶν λόγος τοῦ
εἴδους καὶ τῆς ἐνεργείας εἶναι ὁ δ ἐκ τῶν ἐνυπαρχόντων τῆς ὕλης μᾶλλον) ὁμοίως δὲ καὶ οἵους Ἀρχύτας
ἀπεδέχετο ὅρους τοῦ συνάμφω γάρ εἰσιν ldquoAo contraacuterio os que a definem dizendo que eacute um refuacutegio para
proteger coisas e corpos ou alguma outra coisa desse tipo dizendo o que eacute a casa em ato enfim os que unem
ambas as definiccedilotildees experimenta substacircncia no terceiro significado como composto de mateacuteria e forma Eacute claro
que a definiccedilatildeo dada pelas diferenccedilas refere-se agrave forma e ao ato enquanto a definiccedilatildeo dada a partir dos
elementos refere-se prioritariamente agrave mateacuteria Semelhantes a estas eram as definiccedilotildees que Arquita aprovava
elas referiam-se ao conjunto de mateacuteria e formardquo H 2 1043ordf17-21 (Trad Giovani Reale)
φανερὸν δὴ ἐκ τῶν εἰρημένων τίς ἡ αἰσθητὴ οὐσία ἐστὶ καὶ πῶς ἡ μὲν γὰρ ὡς ὕλη ἡ δ ὡς μορφὴ καὶ ἐνέργεια
ἡ δὲ τρίτη ἡ ἐκ τούτων ldquoDo que foi dito fica claro o que eacute a substacircncia sensiacutevel e qual eacute seu modo de ser ela eacute
por um lado mateacuteria por outro forma e ato e num terceiro sentido o conjunto de mateacuteria e de formardquo Met H
2 1043a26-28 (Trad Giovani Reale) 25 ἡ μὲν οὖν ὅλως ἀρχὴ μεταβολῆς ἢ κινήσεως λέγεται δύναμις ἐν ἑτέρῳ ἢ ᾗ ἕτερον ἡ δ ὑφ ἑτέρου ἢ ᾗ ἕτερον
(καθ ἣν γὰρ τὸ πάσχον πάσχει τι ὁτὲ μὲν ἐὰν ὁτιοῦν δυνατὸν αὐτό φαμεν εἶναι παθεῖν ὁτὲ δ οὐ κατὰ πᾶν
πάθος ἀλλ ἂν ἐπὶτὸ βέλτιον) ldquoPotecircncia portanto significa em primeiro lugar esse princiacutepio de mudanccedila ou de
movimento que se encontra em outra coisa ou na propria coisa enquanto outra e em segundo lugar significa o
princiacutepio pelo qual uma coisa eacute mudada ou movida por outra ou por si mesma enquanto outrardquo Met Δ 12
1019ordf19-23 (Trad Giovani Reale)
23
relacionada ao princiacutepio de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo26
Na medida em que as coisas satildeo
constituiacutedas de um determinado modo elas trazem em potecircncia a manutenccedilatildeo de si diante da
accedilatildeo de outra coisa como a parede que natildeo quebra se batida com um copo de vidro ou trazem
em potecircncia a degeneraccedilatildeo tal qual um copo de vidro que quebra quando lanccedilado contra a
parede Jaacute a forma eacute atualidade (enteleacutekheia) tanto como ciecircncia quanto inquirir ou seja
enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) e atividade (energeia) Atualidade enquanto disposiccedilatildeo significa
a jaacute detenccedilatildeo de determinada capacidade mas sem sua atividade Ser apto a caminhar mas
estar sentado por exemplo Jaacute ato enquanto atividade significa o exerciacutecio dessa disposiccedilatildeo
Ser apto a caminhar e estar caminhando
οὐσίαι δὲ μάλιστ εἶναι δοκοῦσι τὰ σώματα καὶ τούτων τὰ φυσικά ταῦτα γὰρ τῶν
ἄλλων ἀρχαί τῶν δὲ φυσικῶν τὰ μὲν ἔχει ζωήν τὰ δ οὐκ ἔχει ζωὴν δὲ λέγομεν τὴν
δι αὑτοῦ τροφήν τε καὶ αὔξησιν καὶ φθίσιν ὥστε πᾶν σῶμα φυσικὸν μετέχον ζωῆς
οὐσία ἂν εἴη οὐσία δ οὕτως ὡς συνθέτη
E haacute a opiniatildeo de que sobretudo os corpos satildeo substacircncia entre os quais se encontram
os corpos naturais que satildeo princiacutepios dos demais Dos corpos naturais alguns tecircm
vida outros natildeo e dizemos que a vida eacute a nutriccedilatildeo por si mesmo o crescimento e o
decaimento Assim todo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido
de substacircncia composta DA II 1 412a11-16 (Trad Gomes dos Reis)
Aristoacuteteles retorna a uma tese geral amplamente adotada por ele segundo a qual dentre
as substacircncias as sensiacuteveis satildeo as mais aceitas27
por serem mais evidentes aos sentidos O que
26 ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ τοῦ πάσχειν ἔτι ὅσαι ἕξεις καθ ἃς ἀπαθῆ ὅλως ἢ ἀμετάβλητα ἢ μὴ ῥᾳδίως ἐπὶ τὸ χεῖρον
εὐμετακίνητα δυνάμεις λέγονται κλᾶται μὲν γὰρ καὶ συντρίβεται καὶ κάμπτεται καὶ ὅλως φθείρεται οὐ τῷ
δύνασθαι ἀλλὰ τῷ μὴ δύνασθαι καὶ ἐλλείπειν τινός ἀπαθῆ δὲ τῶν τοιούτων ἃ μόλις καὶ ἠρέμα πάσχει διὰ δύ
ναμιν καὶ τῷ δύνασθαι καὶ τῷ ἔχειν πώς ldquoO mesmo vale para a potecircncia passiva Aleacutem disso chamam-se
potecircncias todos os estados em virtude dos quais as coisas satildeo absolutamente impassiacuteveis ou imutaacuteveis ou natildeo
facilmente mutaacuteveis para pior De fato as coisas quebram-se degeneram-se dobram-se e em geral destroem-se
natildeo porque tecircm potecircncia mas porque natildeo tecircm potecircncia a e porque carecem de alguma coisa ao contraacuterio satildeo
impassiacuteveis relativamente a todo estes tipos de afecccedilotildees as coisas que dificilmente ou pouco satildeo afetadas por elas
por causa de sua potecircncia e de seu poder e por determinadas condiccedilotildees em que se encontremrdquo Met Δ 12 1019ordf
26-32 (Trad Giovani Reale) 27 Οὐσία λέγεται τά τε ἁπλᾶ σώματα οἷον γῆ καὶ πῦρ καὶ ὕδωρ καὶ ὅσα τοιαῦτα καὶ ὅλως σώματα καὶ τὰ ἐκ
τούτων συνεστῶτα ζῷά τε καὶ δαιμόνια καὶ τὰ μόρια τούτων ἅπαντα δὲ ταῦτα λέγεται οὐσία ὅτι οὐ καθ
ὑποκειμένου λέγεται ἀλλὰ κατὰ τούτων τὰ ἄλλα ldquoSubstacircncia em certo sentido se diz dos corpos simples por
exemplo o fogo a terra a aacutegua e todos os corpos como estes e em geral todos os corpos e as coisas compostas
a partir deles como os animais e os seres divinos e suas partes Todas essas coisas satildeo ditas substacircncias porque
natildeo satildeo predicadas de um substrato mas tudo o mais eacute predicado delasrdquo Met Δ 1017b10ndash14 (Trad Giovani
Reale)
Τὸ ὂν λέγεται πολλαχῶς καθάπερ διειλόμεθα πρότερον ἐν τοῖς περὶ τοῦ ποσαχῶς σημαίνει γὰρ τὸ μὲν τί ἐστι
καὶ τόδε τι τὸ δὲ ποιὸν ἢ ποσὸν ἢ τῶν ἄλλων ἕκαστον τῶν οὕτω κατηγορουμένων τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου
τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν (ὅταν μὲν γὰρ εἴπωμεν ποῖόν τι
τόδε ἢ ἀγαθὸν λέγομεν ἢ κακόν ἀλλ οὐ τρίπηχυ ἢ ἄνθρωπον ldquoO ser tem muitos signficados como
estabelecemos anteriormente no livro dedicado aos diversos significados dos termos De fato o ser signfica de
um lado essecircncia e algo determinado de outro qualidade ou quantidade e cada uma das outras categorias
Mesmo sendo dito em tantos signficados eacute evidente que o primeiro dos significados do ser eacute a essecircncia que
indica a substacircncia (De fato quando perguntamos a qualidade de alguma coisa dizemos que eacute boa ou maacute mas
natildeo que tem trecircs cocircvados ou que eacute homemrdquo 1028a10ndash16 (Trad Giovani Reale)
24
Aristoacuteteles chama aqui de corpos naturais (physikoacuten) corresponde aos compostos que datildeo
origem aos artificiais e com a abstraccedilatildeo das suas unidades a objetos matemaacuteticos Mas natildeo
satildeo elementos ou partes sem unidade como o olho ou a raiz da aacutervore Pois eacute o animal que
deteacutem o olho e a aacutervore que deteacutem a raiacutez Sendo assim os corpos naturais se diferenciam
entre os que vivem e os que natildeo vivem Estes que natildeo vivem satildeo os corpos artificiais os
corpos celestes e o cadaacutever Um corpo morto seraacute de animal senatildeo por homoniacutemia pois natildeo
tem como atividade o viver E o viver eacute nutrir-se eacute crescer e eacute decair Donde Aristoacuteteles
conclui que ldquotodo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido de substacircncia
compostardquo Os seres viventes (empsykhon) satildeo substacircncias compostas de mateacuteria (corpo) e
forma (alma) tendo como atividade o viver
ἐπεὶ δ ἐστὶ καὶ σῶμα καὶ τοιόνδε ζωὴν γὰρ ἔχον οὐκ ἂν εἴη σῶμα ἡ ψυχή οὐ γάρ
ἐστι τῶν καθ ὑποκειμένου τὸ σῶμα μᾶλλον δ ὡς ὑποκείμενον καὶ ὕλη ἀναγκαῖον
ἄρα τὴν ψυχὴν οὐσίαν εἶνα ὡς εἶδος σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν ἔχοντος
E uma vez que essa substacircncia tambeacutem eacute um corpo de tal tipo ndash que tem vida ndash a
alma natildeo eacute corpo pois o corpo natildeo eacute um dos predicados do substrato antes ele eacute
como o substrato e a mateacuteria Necessariamente entatildeo a alma eacute substacircncia como
forma de um corpo natural potencialmente vivo 412ordf16-21 (Trad Maria Ceciacutelia
Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo proacutepria)
Finalmente Aristoacuteteles tece sua uacuteltima premissa e enuncia uma primeira definiccedilatildeo de
alma Dado que os corpos naturais dotados de vida satildeo compostos hilemoacuterficos cabe eliminar
qualquer possibilidade da alma ser corpo O argumento eacute conciso Haacute substacircncias que satildeo um
corpo dotado de vida Este corpo vivo natildeo eacute alma Mas substrato (hypokeimeacutenon) e mateacuteria
(hyacutele) do composto E como tal eacute objeto de predicaccedilatildeo da forma Portanto a alma natildeo pode
ser corpo pois ela que o predica
Em Met Z 3 escreve Aristoacuteteles que o substrato eacute aquilo que eacute predicado pelas coisas
enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outra28
Jaacute a substacircncia eacute aquilo que predica o
substrato mas que natildeo eacute predicada pelas outras coisas Sendo assim inerem no substrato
determinaccedilotildees como quantidade afecccedilotildees accedilotildees e potecircncias Poreacutem raspadas as
determinaccedilotildees o que resta eacute o substrato primeiro mateacuteria Contudo como jaacute enunciado
ὁμολογούμεναι μὲν αἱ φυσικαί οἷον πῦρ γῆ ὕδωρ ἀὴρ καὶ τἆλλα τὰ ἁπλᾶ σώματα ἔπειτα τὰ φυτὰ καὶ τὰ μόρια
αὐτῶν καὶ τὰ ζῷα καὶ τὰ μόρια τῶν ζῴων καὶ τέλος ὁ οὐρανὸς καὶ τὰ μόρια τοῦ οὐρανοῦ ἰδίᾳ δέ τινες οὐσίας
λέγουσιν εἶναι τά τ εἴδη καὶ τὰ μαθηματικά ldquoSubstacircncias admitidas por todos satildeo as fiacutesicas como fogo terra
aacutegua ar e os outros corpos simples ademais as plantas e suas partes do ceacuteu Alguns filoacutesofos ao contraacuterio em
funccedilatildeo de suas opiniotildees particulares afirmaram que substacircncias satildeo as Formas e os Entes matemaacuteticosrdquo Met H
1042a7ndash11(Trad Giovani Reale)
28 τὸ δ ὑποκείμενόν ἐστι καθ οὗ τὰ ἄλλα λέγεται ἐκεῖνο δὲ αὐτὸ μηκέτι κατ ἄλλου ldquoO Substrato eacute aquilo de
que satildeo predicadas todas as outras coisas enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outrardquo Met Z 3 1028b36 ndash
1029a1 (Trad Giovani Reale)
25
acima Aristoacuteteles compreende a mateacuteria como algo indeterminado Apesar disso haacute algo da
qual todas as outras determinaccedilotildees satildeo predicadas E sendo a substacircncia um algo separado
que predica a mateacuteria ou seja que referencia e determina a mateacuteria substacircncia e mateacuteria natildeo
podem ser idecircnticas O que este argumento nos ajuda a compreender eacute o pressuposto
metafiacutesico sobre o qual Aristoacuteteles identifica o corpo com o substrato impossibilitando que
este seja identificado com a alma Ou seja a substacircncia que predica o corpo
Portanto se o corpo eacute substrato material do composto orgacircnico vivo segue-se
necessariamente que a alma eacute a substacircncia formal Aristoacuteteles enuncia entatildeo seu perseguido
enunciado mais geral a alma eacute substacircncia como forma de um corpo natural potencialmente
vivo A alma enquanto substacircncia do composto vivo eacute substacircncia no sentido de forma Com
este enunciado Aristoacuteteles responde o primeiro ponto do elenco de questotildees a serem
abordadas numa investigaccedilatildeo da alma a saber a qual gecircnero de ser pertence a alma
Para a alma ser forma de um corpo potencialmente vivo ndash e ser potencialmente vivo eacute
dispor de oacutergatildeos passiacuteveis de realizaccedilatildeo das atividades proacuteprias ao viver ndash significa ser o
princiacutepio estruturante e configurador das funccedilotildees (eacutergon) de vida Assim a alma eacute o princiacutepio
e causa determinante do ser atraveacutes das atividades proacuteprias ao viver em um corpo de tal tipo
Portanto a alma configura a realidade das substacircncias compostas viventes sendo aquilo a
partir e em vista do que a vida se daacute
Aristoacuteteles abre caminho para a responder sua taacutebua de definiccedilotildees de DA I 1 A
primeira delas eacute configurar a relaccedilatildeo entre a alma e o corpo fundamentando a noccedilatildeo de
inseparabilidade entre uma e outro Pois ser a forma de um composto demanda que a alma se
atualize apenas se instanciada em um estofo material e seja seu princiacutepio de ser Em siacutentese a
alma eacute como a substacircncia e o corpo eacute como o substrato da substacircncia composta viva que eacute o
ser vivente
Seguindo as noccedilotildees jaacute traccediladas anteriormente Aristoacuteteles desdobraraacute outras duas
caracteriacutesticas proacuteprias agrave alma atualidade primeira e princiacutepio de determinaccedilatildeo do corpo Jaacute
que a alma eacute forma e forma eacute atualidade entatildeo a alma eacute atualidade deste corpo
potencialmente vivo como se lecirc logo em seguida
ἡ δ οὐσία ἐντελέχεια τοιούτου ἄρα σώματος ἐντελέχεια αὕτη δὲ λέγεται διχῶς ἡ
μὲν ὡς ἐπιστήμη ἡ δ ὡς τὸ θεωρεῖν φανερὸν οὖν ὅτι ὡς ἐπιστήμη ἐν γὰρ τῷ
ὑπάρχειν τὴν υχὴν καὶ ὕπνος καὶ ἐγρήγορσίς ἐστιν ἀνάλογον δ ἡ μὲν ἐγρήγορσις τῷ
θεωρεῖν ὁ δ ὕπνος τῷ ἔχειν καὶ μὴ ἐνεργεῖν προτέρα δὲ τῇ γενέσει ἐπὶ τοῦ αὐτοῦ ἡ
ἐπιστήμη διὸ ἡ ψυχή ἐστιν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν
ἔχοντος
E a substacircncia eacute atualidade Portanto eacute de um corpo de tal tipo que a alma eacute
atualidade Mas esta se diz de dois modos ndash primeiro como ciecircncia segundo como o
26
inquirir Eacute claro entatildeo que a alma eacute atualidade como ciecircncia pois ao subsistir a alma
haacute tanto o sono como a vigiacutelia e a vigiacutelia eacute algo anaacutelogo ao inquirir o sono a possuir
a ciecircncia mas natildeo a exercecirc-la e no que concerne a um mesmo indiviacuteduo a ciecircncia eacute
a primeira atualidade de um corpo natural que tem em potecircncia vida DA II 1 412a21-
28 (Trad Gomes dos Reis)
Como jaacute estabelecido em 401a6-11 a atualidade se diz segundo a disposiccedilatildeo e a
atividade Aqui disposiccedilatildeo (heacutexis) estaacute para a ciecircncia (epistecircme) como atividade (energeacuteia)
estaacute para inquirir (theoreicircn) Portanto disposiccedilatildeo eacute a obtenccedilatildeo de dada capacidade sem
executaacute-la enquanto atividade eacute sua execuccedilatildeo
Aristoacuteteles conclui seu argumento especificando a alma como uma atualidade primeira
(enteleacutekheia proteacute) Charlton29
propotildee que o termo ldquoprimeirordquo (proteacute) se refira agrave atualidade no
primeiro sentido ou seja enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) O que parece plausiacutevel pois o texto
aristoteacutelico nos diz que a alma eacute atualidade como ciecircncia (phanerograven oucircn hoacuteti hocircs episteme)
Aleacutem disso nas discussotildees preliminares sobre a capacidade perceptiva Aristoacuteteles discorre
um pouco mais sobre as diferenccedilas entre atualidade em termos de disposiccedilatildeo e atividade
διαιρετέον δὲ καὶ περὶ δυνάμεως καὶ ἐντελεχείας νῦν γὰρ ἁπλῶς ἐλέγομεν περὶ
αὐτῶν ἔστι μὲν γὰρ οὕτως ἐπιστῆμόν τι ὡς ἂν εἴποιμεν ἄνθρωπον ἐπιστήμονα ὅτι ὁ
ἄνθρωπος τῶν ἐπιστημόνων καὶ ἐχόντων ἐπιστήμην ἔστι δ ὡς ἤδη λέγομεν
ἐπιστήμονα τὸν ἔχοντα τὴν γραμματικήν ἑκάτερος δὲ τούτων οὐ τὸν αὐτὸν τρόπον
δυνατός ἐστιν ἀλλ ὁ μὲν ὅτι τὸ γένος τοιοῦτον καὶ ἡ ὕλη ὁ δ ὅτι βουληθεὶς δυνατὸς
θεωρεῖν ἂν μή τι κωλύσῃ τῶν ἔξωθεν ὁ δ ἤδη θεωρῶν ἐντελεχείᾳ ὢν καὶ κυρίως
ἐπιστάμενος τόδε τὸ Α ἀμφότεροι μὲν οὖν οἱ πρῶτοι κατὰ δύναμιν ἐπιστήμονες
ltὄντες ἐνεργείᾳ γίνονται ἐπιστήμονεςgtἀλλ ὁ μὲν διὰ μαθήσεως ἀλλοιωθεὶς καὶ
πολλάκις ἐξ ἐναντίας μεταβαλὼν ἕξεως ὁ δ ἐκ τοῦ ἔχειν τὴν ἀριθμητικὴν ἢ τὴν
γραμματικήν μὴ ἐνεργεῖν δέ εἰς τὸ ἐνεργεῖν ἄλλον τρόπον
Eacute preciso ainda fazer distinccedilotildees no que diz respeito agrave potecircncia e agrave atualidade Pois ateacute
agora falaacutevamos disso de maneira simples Por um lado haacute aquele que conhece no
sentido em que diriacuteamos ser o homem conhecedor por estar entre os que conhecem e
possuem conhecimento e haacute em outro sentido aquele que dizemos ser conhecedor
por jaacute saber a gramaacutetica (e cada um deles eacute em potecircncia mas natildeo da mesma maneira
o primeiro por que eacute de tal gecircnero e mateacuteria o outro porque se quiser pode inquirir
nada externo o impedindo) E haacute por fim aquele que estaacute inquirindo e em atualidade
conhecendo em sentido proacuteprio este ldquoArdquo determinado Os dois primeiros satildeo
conhecedores em potecircncia um por ter-se alterado via aprendizagem e por passar
vaacuterias vezes de uma das disposiccedilotildees contraacuterias a outra o outro de outro modo por
passar do ter a percepccedilatildeo sensiacutevel30 ou a gramaacutetica sem exercitaacute-lo ao estar em
exerciacutecio DA II 5 417a21-b2 (Trad Gomes dos Reis)
O ser humano eacute configurado de modo a realizar certas atividades como a nutriccedilatildeo a
percepccedilatildeo e a inquiriccedilatildeo Entretanto a pura organizaccedilatildeo fiacutesica natildeo basta para que elas sejam
realizadas Assim somente quando a funccedilatildeo proacutepria de determinada disposiccedilatildeo fiacutesica entra
em atividade eacute que aquilo que eacute em potecircncia se torna uma atualidade No caso acima a
capacidade de inquirir Mas toda capacidade exige um objeto para entrar em atividade E o
29 1980 p 174 30 A tradutora optou por substituir o termo ldquoarithmetikegravenrdquo por ldquoaiacutesthesinrdquo Cf GOMES DOS REIS 2012 p 84
27
que era uma potecircncia de aprendizado para o inquiridor torna-se uma atualidade pela atividade
da sua inquiriccedilatildeo Deste modo haacute trecircs instacircncias que vatildeo da potecircncia agrave atualidade Na
primeira o ser vivente eacute dotado da capacidade de aprender a inquirir Na segunda esta
disposiccedilatildeo eacute posta em atividade tendo um objeto para se inquirir Na terceira eacute a atividade
dessa capacidade aprendida ou adquirida que se tem uma atualidade plena No primeiro caso
eacute claramente uma capacidade segundo uma disposiccedilatildeo No segundo caso jaacute temos um estado
de atualidade na medida em que haacute o exerciacutecio dessa capacidade proacutepria ao ser vivente
Aristoacuteteles chama isso de potecircncia pois em relaccedilatildeo agrave terceira instacircncia aquele modo de
atualidade eacute ainda suscetiacutevel de alteraccedilatildeo E quando essa nova capacidade a gramaacutetica eacute
adquirida pela atividade desta nova capacidade de inquirir possiacutevel apenas pela sua
disposiccedilatildeo na fisiologia do ser vivente a capacidade se atualiza plenamente
Assim a alma eacute atualidade primeira de um corpo potencialmente vivo enquanto
princiacutepio de atividade das capacidades proacuteprias ao viver presentes como disposiccedilatildeo que a
forma engendra neste corpo Isto fica mais evidente em DA II 1 412b5-9
εἰ δή τι κοινὸν ἐπὶ πάσης ψυχῆς δεῖ λέγειν εἴη ἂν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος
φυσικοῦ ὀργανικοῦ διὸ καὶ οὐ δεῖ ζητεῖν εἰ ἓν ἡ ψυχὴ καὶ τὸ σῶμα ὥσπερ οὐδὲ τὸν
κηρὸν καὶ τὸ σχῆμα οὐδ ὅλως τὴν ἑκάστου ὕλην καὶ τὸ οὗ ἡ ὕλη τὸ γὰρ ἓν καὶ τὸ
εἶναι ἐπεὶ πλεοναχῶς λέγεται τὸ κυρίως ἡ ἐντελέχειά ἐστιν
Se eacute preciso enunciar algo comum a toda e qualquer alma seria que eacute a primeira
atualidade do corpo natural orgacircnico E por isso inclusive natildeo eacute preciso investigar se
alma e corpo satildeo uma unidade ndash tampouco se a cera e a figura o satildeo e em suma nem
se a mateacuteria de cada coisa e aquilo de que eacute mateacuteria ndash pois jaacute que se diz unidade ser
de muitos modos o mais apropriado deles eacute a atualidade (Trad Gomes dos Reis)
O corpo eacute dotado de oacutergatildeos partes que viabilizam a atividade das capacidades
proacuteprias ao viver E eacute a atividade das capacidades atraveacutes dos oacutergatildeos que se confere unidade
entre corpo e alma nesse composto orgacircnico vivo Assim Aristoacuteteles responde sobre a
unidade entre alma e corpo enunciada na taacutebua de definiccedilotildees Natildeo por acaso como corolaacuterio
agraves noccedilotildees de alma como forma e atualidade Aristoacuteteles declara
οὐσία γὰρ ἡ κατὰ τὸν λόγον τοῦτο δὲ τὸ τί ἦν εἶναι τῷ τοιῳδὶ σώματι καθάπερ εἴ τι
τῶν ὀργάνων φυσικὸν ἦν σῶμα οἷον πέλεκυς ἦν μὲν γὰρ ἂν τὸ πελέκει εἶναι ἡ οὐσία
αὐτοῦ καὶ ἡ ψυχὴ τοῦτο χωρισθείσης δὲ ταύτης οὐκ ἂν ἔτι πέλεκυς ἦν ἀλλ ἢ ὁμ
ωνύμως νῦν δ ἔστι πέλεκυς οὐ γὰρ τοιούτου σώματος τὸ τί ἦν εἶναι καὶ ὁ λόγος ἡ
ψυχή ἀλλὰ φυσικοῦ τοιουδί ἔχοντος ἀρχὴν κινήσεως καὶ στάσεως ἐν ἑαυτῷ
Pois ela eacute a substacircncia segundo a determinaccedilatildeo ou seja o que era para ser de um
corpo de tal tipo Se um instrumento fosse um corpo natural ndash por exemplo o
machado ndash a sua substacircncia seria a que eacute ser para o machado e isto seria a sua alma
Separado disso ele natildeo seria mais um machado exceto por homoniacutemia Mas na
verdade eacute um machado pois a alma natildeo eacute a determinaccedilatildeo e o que eacute o que eacute para um
corpo desse tipo mas sim um corpo natural tal que tenha em si mesmo um princiacutepio
28
de movimento e repouso DA II 1 412b10-17 (Trad Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo
proacutepria)
Como jaacute explicitado no enunciado de alma enquanto substacircncia como forma em
412a20 a alma eacute este princiacutepio determinante do ser do composto Ou seja o princiacutepio
organizador das suas disposiccedilotildees e propriedades que determinaratildeo o ser proacuteprio de um corpo
natural capaz de viver A identificaccedilatildeo entre alma e forma se desdobraraacute na identificaccedilatildeo de
alma e o que era para ser31
(tograve tiacute ecircn eicircnai)
Dado que a alma eacute forma e atualidade do corpo Aristoacuteteles estabelece que ela eacute seu
princiacutepio de determinaccedilatildeo das propriedades relevantes que daratildeo o caraacuteter essencial do ser
vivente E eacute evidente como o texto nos mostra e Hamilyn32
sustenta que a determinaccedilatildeo da
essecircncia se daacute segundo sua funccedilatildeo (eacutergon) O ser do machado eacute cortar na medida em que a
funccedilatildeo proacutepria do machado eacute cortar assim como a do olho eacute ver O ser do ser vivente eacute viver
31 A locuccedilatildeo eacute razatildeo de grande controveacutersia na tradiccedilatildeo de comentaacuterios ao texto aristoteacutelico Natildeo entrarei nos
pormenores da discussatildeo mas tomarei a traduccedilatildeo o que era para ser em sua literalidade assim como Angioni
tendo em vista o contexto no qual se pretende compreender seu emprego ldquoTrata-se de uma substantivaccedilatildeo com
o artigo neutro (lsquotorsquo) da pergunta lsquoo que afinal era o ser para tal coisarsquo (lsquoti en to einai toutoirsquo lsquotiacute ecircn tograve eicircnai
toutoirsquo) ndash Aristoacuteteles frequentemente substantiva segmentos de sentenccedilas e expressotildees que em si mesmas
constituem perguntas gramaticalmente completas isso ocorre na designaccedilatildeo das categorias (ldquoo qualrdquo ldquotograve poicirconrdquo
etc) na designaccedilatildeo de algumas das quatro causas (lsquoo que moveu primeirorsquo lsquoo em vista de quersquo) e em outras
expressotildees lsquo(lsquoo por quecircrsquo lsquotograve diagrave tiacutersquo ou lsquotograve dioacutetirsquo) O infinitivo lsquoserrsquo eacute o mesmo que consta na expressatildeo lsquoser +
dativorsquo e que designa a essecircncia da coisa isto eacute o conjunto de propriedades e caracteriacutesticas que deveriam ser
enumeradas no enunciado que define o que a coisa eacute Trata-se do mesmo infinitivo que comparece em 1041a32
1041b28 e 1042b27 (e natildeo se trata do infinitivo que poderia eventualmente ser entendido como existencial tal
como em 1041a15) O imperfeito ldquoerardquo por sua vez consiste num resquiacutecio de um uso dialeacutetico pelo qual o
interlocutor remetia a alguma definiccedilatildeo anteriormente dada destinada a funcionar como paracircmetro para a
discussatildeo ulterior (para referecircncias quanto ao uso desse imperfeito ver nossa dissertaccedilatildeo de mestrado p 89
nota 208) A pergunta original seria lsquoo quecirc era o ser para tal coisarsquo mas isso quer apenas dizer lsquoo quecirc fora
estabelecido (anteriormente na presente discussatildeo) como ser para tal coisarsquo Com o haacutebito a expressatildeo teria
perdido o significado interrogativo que originalmente possuiacutea e teria se tornado um jargatildeo para designar a
essecircncia Em vista disso lsquoto ti en einairsquo poderia ser traduzido ou parafraseado como lsquoaquilo que fora
estabelecido como caracteriacutesticas essenciais de tal coisarsquo A lsquoanterioridade causal da formarsquo muita vez alegada
como chave para a compreensatildeo do jargatildeo eacute compatiacutevel com o significado da expressatildeo mas natildeo explica a
origem do imperfeitordquo (Angioni 2005 102) 32 ldquoAristotlersquos selection of a tool an axe to provide an analogy with the ensouled body reveals how close to the
surface in this discussion is the notion of function The substance or essence of an axe is its function without
which it would not be an axe Like the Greeks in general Aristotle had no difficulty in thinking of a natural body
as having a function too (cf Nicomachean Ethics 1097b22ff) this is part of his general teleology But as he
goes on to point out there are differences also between an axe and a natural body which spoil the analogy This
is the force of the words lsquoBut as it is an axersquo ndash the essence of a axe is not its soul since it does not have one not
being a living thingrdquo ldquoA seleccedilatildeo do Aristoacuteteles de um instrumento um machado prova um analogia com os
coporpos animados revela como o que estaacute em voga eacute a discussatildeo eacute a noccedilatildeo de funccedilatildeo A substacircncia ou
essecircncia de um machado eacute sua funccedilatildeo sem a qual ele natildeo seria um machado Assim como os Gregos
Aristoacuteteles natildeo teve dificuldades em pensar o corpo natural como tambeacutem dotado de funccedilatildeo (cf Eacutetica a
Nicocircmaco 1097b22ss) isto eacute parte da sua teleologia Mas como ele segue pontuando haacute diferenccedilas igualmente
entre um machado e um corpo natural que prejudicam a analogia Eacute o que sugerem as palavras Mas eacute como um
machadorsquo - a essecircncia do machado natildeo eacute sua alma jaacute que ele natildeo tem uma natildeo eacute um ser viventerdquo (HAMLYN
1993 85) (Trad proacutepria)
29
e isto eacute garantido pela alma A locuccedilatildeo o que era para ser como indica Gomes dos Reis33
pode ser compreendida como uma continuidade da forma do ser vivente perante o devir que
lhe eacute proacuteprio ao longo da sua vida
Com isso Aristoacuteteles traccedila suas noccedilotildees preliminares da alma em DA II 1 Haacute ao final
do capiacutetulo algo digno de nota Aristoacuteteles se refere a tudo isto como um rascunho e esboccedilo
de definiccedilatildeo34
Poderiacuteamos entender que estas proposiccedilotildees satildeo insuficientes para o projeto
psicoloacutegico aristoteacutelico E satildeo mesmo em certa medida Pois em relaccedilatildeo agrave taacutebua de
definiccedilatildeo Aristoacuteteles soacute respondeu as noccedilotildees relativas agrave substacircncia atualidade e unidade da
alma Apesar disso como argumentarei na sessatildeo seguinte todo o arcabouccedilo conceitual e
argumentativo aqui esboccedilado sustentaraacute a noccedilatildeo de alma como princiacutepio das capacidades que
denotam vida Aleacutem do mais se lembrarmos que nas primeiras linhas do capiacutetulo Aristoacuteteles
se comprometia tatildeo somente em buscar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) para a
alma eacute inegaacutevel que ele foi bem sucedido Se ao fim de DA I ele tem claro que a alma eacute
princiacutepio imoacutevel de movimento e una em DA II 1 satildeo apresentados os argumentos positivos
para estas duas teses A alma eacute de estatuto formal portanto imoacutevel e princiacutepio organizador
das propriedades do ser Enquanto forma eacute atualidade e assim o princiacutepio de atividade das
capacidades proacuteprias ao ser Enquanto substacircncia eacute o que era para ser do ser vivente e entatildeo
o princiacutepio determinante do que este ser vivente eacute E esta determinaccedilatildeo seraacute dada pela funccedilatildeo
proacutepria das suas capacidades que soacute seratildeo plenificadas com as atividades no oacutergatildeo
correspondente Este enunciado e o que se desdobra dele eacute um rascunho e esboccedilo de definiccedilatildeo
pois natildeo nos explica satisfatoriamente por que a alma eacute princiacutepio das formas especiacuteficas de
vida Aristoacuteteles reconhece isso e segundo um paracircmetro geomeacutetrico de definiccedilatildeo mudaraacute o
curso da investigaccedilatildeo sobre a alma
33 ldquoA expressatildeo to ti ecircn einai pode ser a generalizaccedilatildeo de uma construccedilatildeo com ocorrecircncias nos tratados por
exemplo to [pelekei] einai o ser [para o machado] o ser [para a carne] que seraacute traduzida por sua vez como a
locuccedilatildeo ldquoo que eacute ser para o machadordquo e assim por diante Como reconstruiacute-la eacute um assunto polecircmico Haacute um
verbo no imperfeito (a expressatildeo literalmente diz algo como o lsquoo que era a serrsquo) que poderia ser interpretado
como uma ecircnfase na continuidade da forma a despeito do devirrdquo 2012 208 34τύπῳ μὲν οὖν ταύτῃ διωρίσθω καὶ ὑπογεγράφθω περὶ ψυχῆς ldquoE isto basta como um esquema do esboccedilo de
definiccedilatildeo de almardquo DA II 1 413a10-11 (Trad Gomes dos Reis)
30
22 A DEFINICcedilAtildeO PELAS CAPACIDADES
DA II 2 se inicia com um impasse a noccedilatildeo geral oferece o gecircnero de ser da alma mas
natildeo a enuncia como causa de vida nos seres viventes Diante disso Aristoacuteteles faz uma
revisatildeo metodoloacutegica na investigaccedilatildeo de alma tomando como paradigma o exemplo de
definiccedilatildeo pela causa de um objeto geomeacutetrico
Ἐπεὶ δ ἐκ τῶν ἀσαφῶν μὲν φανερωτέρων δὲ γίνεται τὸ σαφὲς καὶ κατὰ τὸν λόγον
γνωριμώτερον πειρατέον πάλιν οὕτω γ ἐπελθεῖν περὶ αὐτῆς οὐ γὰρ μόνον τὸ ὅτι δεῖ
τὸν ὁριστικὸν λόγον δηλοῦν ὥσπερ οἱ πλεῖστοι τῶν ὅρων λέγουσιν ἀλλὰ καὶ τὴν
αἰτίαν ἐνυπάρχειν καὶ ἐμφαίνεσθαι νῦν δ ὥσπερ συμπεράσμαθ οἱ λόγοι τῶν ὅρων
εἰσίν οἷον τί ἐστιν ὁ τετραγωνισμός τὸ ἴσον ἑτερομήκει ὀρθογώνιον εἶναι
ἰσόπλευρον ὁ δὲ τοιοῦτος ὅρος λόγος τοῦ συμπεράσματος ὁ δὲ λέγων ὅτι ἐστὶν ὁ
τετραγωνισμὸς μέσης εὕρεσις τοῦ πράγματος λέγει τὸ αἴτιον
E jaacute que a partir de coisas natildeo claras embora mais manifestas advecircm clareza e maior
inteligibilidade segundo o enunciado deve-se tentar desta maneira novamente
discorrer sobre a alma pois natildeo somente eacute preciso que o enunciado definidor
esclareccedila os fatos ndash como o faz a maioria das definiccedilotildees ndash mas ainda conter e
expressar a causa Os enunciados das definiccedilotildees na verdade satildeo como conclusotildees O
que eacute por exemplo a quadratura Eacute fazer equivaler um retacircngulo equilaacutetero a um
retacircngulo qualquer Mas tal definiccedilatildeo eacute o enunciado da conclusatildeo e o que diz por sua
vez que a quadratura eacute a descoberta de uma meacutedia proporcional enuncia a causa DA
II 2 413a11-20 (Trad Gomes dos Reis)
Novamente Aristoacuteteles nos relembra a ideia de que as apreensotildees sensiacuteveis satildeo mais
manifestas (phaneroteacuteron) que as apreensotildees inteligiacuteveis As inteligiacuteveis satildeo mais claras
(sophoacutes) pois satildeo formas apreendidas com a razatildeo e menos suscetiacuteveis ao engano Ao
contraacuterio das apreensotildees sensiacuteveis que satildeo mais manifestas Muito embora os pressupostos
que permitiram deduzir o estatuto ontoloacutegico da alma no capiacutetulo anterior sejam mais claros
eles enunciam o vivente como um ser animado enquanto um fato mas natildeo enunciam a alma
como causa do viver Portanto DA II 2 se dedicaraacute a investigar a alma como causa de vida
nos seres viventes a partir do que eacute mais manifesto ao que eacute mais claro
Aristoacuteteles se utiliza de um teorema para explicar que o termo meacutedio de um silogismo
apresenta a causa de um fato Num silogismo dado uma premissa maior que enuncie o fato e
tem como outro fato a conclusatildeo a premissa menor enuncia a causa pois eacute onde se encontra o
porquecirc da conclusatildeo Responder que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois ldquoTodo homem eacute mortalrdquo natildeo
enuncia a causa da mortalidade de Soacutecrates soacute o mero fato de coincidentemente ldquoSoacutecratesrdquo e
ldquoTodo homemrdquo serem mortais Poreacutem se respondemos que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois
ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo e ldquoTodo homem eacute mortalrdquo entatildeo foi enunciado a causa da mortalidade
de Soacutecrates Em sua estrutura claacutessica a premissa maior ldquoTodo homem eacute mortalrdquo a premissa
menor ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo a conclusatildeo ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo
31
Fica a questatildeo de como este novo criteacuterio se aplica agrave definiccedilatildeo E sobre a alma o
corpo e a vida
λέγομεν οὖν ἀρχὴν λαβόντες τῆς σκέψεως διωρίσθαι τὸ ἔμψυχον τοῦ ἀψύχου τῷ
ζῆν πλεοναχῶς δὲ τοῦ ζῆν λεγομένου κἂν ἕν τι τούτων ἐνυπάρχῃ μόνον ζῆν αὐτό
φαμεν οἷον νοῦς αἴσθησις κίνησις καὶ στάσις ἡ κατὰ τόπον ἔτι κίνησις ἡ κατὰ
τροφὴν καὶ φθίσις τε καὶ αὔξησις
Retomando o princiacutepio da investigaccedilatildeo digamos entatildeo que o animado se distingue do
inanimado pelo viver E de muitos modos se diz o viver pois dizemos que algo vive
se nele subsiste pelo menos um destes ndash intelecto percepccedilatildeo sensiacutevel movimento
local e repouso e ainda o movimento segundo a nutriccedilatildeo o decaimento e o
crescimento DA II 2 413a20-24 (Trad Gomes dos Reis)
Aristoacuteteles enuncia uma premissa maior e outra menor
[premissa maior] Todo ser dotado de alma vive
[premissa menor] Viver eacute ser dotado de intelecto percepccedilatildeo nutriccedilatildeo movimento
local e repouso decaimento e crescimento
Eacute proacuteprio agrave alma atribuir vida Viver eacute ser dotado de uma das capacidades
mencionadas Assim todo corpo natural que apresente uma dessas capacidades vive35
Portanto as plantas vivem pois se nutrem crescem e decaem por si proacuteprias
διὸ καὶ τὰ φυόμενα πάντα δοκεῖ ζῆν φαίνεται γὰρ ἐν αὑτοῖς ἔχοντα δύναμιν καὶ
ἀρχὴν τοιαύτην δι ἧς αὔξησίν τε καὶ φθίσιν λαμβάνουσι κατὰ τοὺς ἐναντίους τόπους
οὐ γὰρ ἄνω μὲν αὔξεται κάτω δ οὔ ἀλλ ὁμοίως ἐπ ἄμφω καὶ πάντῃ ὅσα ἀεὶ
τρέφεταί τε καὶ ζῇ διὰ τέλους ἕως ἂν δύνηται λαμβάνειν τροφήν
Por isso parece inclusive que todas as plantas vivem pois eacute manifesto que tecircm em si
mesmas uma potecircncia e um princiacutepio deste tipo por meio do qual ganham
crescimento e decaimento segundo direccedilotildees contraacuterias pois natildeo crescem apenas para
cima e natildeo para baixo mas similarmetne em ambas e em todas as direccedilotildees e assim eacute
para as que se nutrem constantemente e vivem ateacute o fim enquanto puderem obter
alimento DA II 2 413a25-31 (Trad Gomes dos Reis)
Assim como os animais vivem jaacute que satildeo dotados de nutriccedilatildeo e percepccedilatildeo
τὸ μὲν οὖν ζῆν διὰ τὴν ἀρχὴν ταύτην ὑπάρχει τοῖς ζῶσι τὸ δὲ ζῷον διὰ τὴν αἴσθησιν
πρώτως καὶ γὰρ τὰ μὴ κινούμενα μηδ ἀλλάττοντα τόπον ἔχοντα δ αἴσθησιν ζῷα
λέγομεν καὶ οὐ ζῆν μόνον
O viver subsiste nos seres vivos por conta deste princiacutepio e o animal constitui-se
primordialmente pela percepccedilatildeo sensiacutevel Pois dizemos que satildeo animais ndash e natildeo
apenas que vivem ndash tambeacutem os que natildeo se movem nem mudam de lugar mas
possuem percepccedilatildeo DA II 2 413b1-4 (Trad Gomes dos Reis)
Com isso temos a conclusatildeo do silogismo psicoloacutegico aristoteacutelico
[conclusatildeo a] Plantas e animais satildeo animados
E desta uma outra
35 Como jaacute antecipara em DA II 1 412a11-16 citado na paacutegina 16
32
[conclusatildeo b] Plantas e animais satildeo vivos
Portanto assim como todo retacircngulo teraacute quadratura por causa da sua proporccedilatildeo com
um retacircngulo quadrilaacutetero todo corpo seraacute um ser vivente por ser dotado de alma Entretanto
uma ldquoquestatildeo de aluno bobordquo seria perguntar para Aristoacuteteles de onde vecircm essas duas
premissas Ao conectar alma e vida sem explicar esta uacuteltima poderia levar a investigaccedilatildeo
aristoteacutelica agrave obscuridade precisamente onde se deveria ter mais clareza Entatildeo para que
Aristoacuteteles garanta a alma como causa da vida mortal ele endossaria os pressupostos dos seus
predecessores e portanto distinguiria o animado do inanimado pelo movimento e pela
percepccedilatildeo36
Polansky apesar disso natildeo esclarece afinal quais os argumentos que sustentam
a associaccedilatildeo entre alma e vida Se limitando apenas agraves implicaccedilotildees argumentativas desse
pressuposto
Contudo se assumirmos que Aristoacuteteles endossa a tese de seus predecessores segundo
a qual o animado se distingue do inanimado pelo movimento e percepccedilatildeo37
e que a nutriccedilatildeo eacute
a capacidade mais baacutesica entre os seres animados38
e por fim que a nutriccedilatildeo e a percepccedilatildeo
satildeo uma forma de movimento39
somos levados a crer que o argumento consiste em
[P1] viver eacute ao menos nutriccedilatildeo crescimento e decaimento
[P2] nutriccedilatildeo crescimento e decaimento satildeo um tipo de movimento (do tipo por si)
[P3] tudo o que se move por si eacute animado
[P4] a alma eacute um princiacutepio imoacutevel de movimento
[C1] logo tudo o que vive eacute animado
36 Cf Nota seguinte 37 τὸ ἔμψυχον δὴ τοῦ ἀψύχου δυσὶ μάλιστα διαφέρειν δοκεῖ κινήσει τε καὶ τῷ αἰσθάνεσθαι παρειλήφαμεν δὲ
καὶ παρὰ τῶν προγενεστέρων σχεδὸν δύο ταῦτα περὶ ψυχῆς ldquoOra haacute a opiniatildeo de que o animado difere do
inanimado em dois aspectos o movimento e a percepccedilatildeo sensiacutevel E em relaccedilatildeo agrave alma satildeo mais ou menos
esses dois que recebemos de nossos predecessoresrdquo DA I 1 403b25-28 (Trad Gomes dos Reis) 38 ὥστε πρῶτον περὶ τροφῆς καὶ γεννήσεως λεκτέον ἡ γὰρ θρεπτικὴ ψυχὴ καὶ τοῖς ἄλλοις ὑπάρχει καὶ πρώτη
καὶ κοινοτάτη δύναμίς ἐστι ψυχῆς καθ ἣν ὑπάρχει τὸ ζῆν ἅπασιν ldquoPor conseguinte deve-se primeiro tratar do
alimento e da geraccedilatildeo pois a alma nutritiva subsiste tambeacutem com as outras sendo a primeira e a mais comum
potecircncia da alma segundo a qual subsiste em todos o viverrdquo DA II 4 415A22-25 (Trad Gomes dos Reis) 39 ἔστι δὲ καὶ ἀλλοίωσις καὶ αὔξησις κατὰ ψυχήν ἡ μὲν γὰρ αἴσθησις ἀλλοίωσίς τις εἶναι δοκεῖ αἰσθάνεται δ
οὐθὲν ὃ μὴ μετέχει ψυχῆς ὁμοίως δὲ καὶ περὶ αὐξήσεώς τε καὶ φθίσεως ἔχει οὐδὲν γὰρ φθίνει οὐδ αὔξεται
φυσικῶς μὴ τρεφόμενον τρέφεται δ οὐθὲν ὃ μὴ κοινωνεῖ ζωῆς ldquoMas inclusive a alteraccedilatildeo e o crecimento
existem segundo a alma pois haacute a opiniatildeo de que a percepccedilatildeo sensiacutevel eacute uma certa alteraccedilatildeo e aquele que natildeo
participa da alma nada percebe de maneira similar ocorre tambeacutem em relaccedilatildeo ao crescimento e decaimento pois
nem decai nem cresce naturalmente aquele que natildeo eacute nutrido e nada que natildeo compartilhe da vida se nutrerdquo DA
II 4 415b23-28 (Trad Gomes dos Reis)
E mais adiante enunciando a percepccedilatildeo Aristoacuteteles eacute categoacuterico ἡ δ αἴσθησις ἐν τῷ κινεῖσθαί τε καὶ πάσχειν
συμβαίνει καθάπερ εἴρηται δοκεῖ γὰρ ἀλλοίωσίς τις εἶναι ldquoA percepccedilatildeo sensiacutevel consiste em ser movido e ser
afetado como dissemos pois haacute a opiniatildeo de que ela eacute uma certa alteraccedilatildeordquo DA II 4 416b35-36 (Trad Gomes
dos Reis)
33
Note que [P1] e [P2] seriam premissas autoevidentes Em [P3] Aristoacuteteles partiria
dos mesmos pressupostos que as endoxai de seus predecessores enquanto [P4] resultaria da
anaacutelise criacutetica dessas endoxai ao longo de DA I 3-5 Aristoacuteteles natildeo nos elucida claramente de
onde ele tira as evidecircncias de [P1] e [P2] ou seja por que essas capacidades tais satildeo
movimentos por si e portanto denotam vida Quanto a [P3] Fiacutes VIII40
nos indica que esta eacute
uma tese que Aristoacuteteles abraccedila mas tambeacutem sem explicar suas razotildees O mais plausiacutevel
parece ser que este eacute um fenocircmeno autoevidente amplamente aceito que dispense justificaccedilatildeo
Diferentemente eacute o caso de [P4] cuja justificativa pode se sustentar na criacutetica aristoteacutelica agraves
noccedilotildees democritianas de que a alma eacute um princiacutepio de movimento que se move em DA I 3
corroborada pela noccedilatildeo de alma enunciada em DA II 1 segundo a qual a alma eacute forma logo
atualidade e portanto princiacutepio de determinaccedilatildeo das funccedilotildees proacuteprias ao ser vivente
Olhando por essas lacunas que o argumento aristoteacutelico conteacutem sua tentativa de
enunciar a alma como causa de vida parece fragilizada Entretanto fato eacute que a vida eacute
explicada pela alma no contexto do pensamento helecircnico Entatildeo conceder a Aristoacuteteles este
pressuposto parece um miacutenimo que o leitor contemporacircneo precise fazer Aleacutem disso vale
lembrar que em Met Z 17 Aristoacuteteles defende ser ldquonecessaacuterio que o dado e a existecircncia da
coisa sejam previamente conhecidosrdquo41
e que portanto o que se investiga eacute ldquopor que alguma
coisa pertence a outrardquo42
Deste modo cabem aqui questotildees como ldquopor que os corpos
vivemrdquo ou ainda ldquopor que se atribui vida a corpos dotados de capacidades taisrdquo E natildeo ldquopor
que o animado se diferencia do inanimado pelo viverrdquo como o formulado no iniacutecio desta
digressatildeo Talvez a fragilidade aparente se decirc pois aqui se toque as Colunas de Heacutercules da
psicologia aristoteacutelica
Retomando a braccedilada dos remos se a tese de que a vida se manifesta pela capacidade
de movimento eacute confirmada quando Aristoacuteteles enuncia uma nova noccedilatildeo de alma como
40 οὐδεμιᾶς γὰρ ἐν ἡμῖν ἐνούσης κινήσεως ἐνίοτε ἀλλ ἡσυχάζοντες ὅμως κινούμεθά ποτε καὶ ἐγγίγνεται ἐν ἡμῖν
ἐξ ἡμῶν αὐτῶν ἀρχὴ κινήσεως κἂν μηθὲν ἔξωθεν κινήσῃ τοῦτο γὰρ ἐπὶ τῶν ἀψύχων οὐχ ὁρῶμεν ὁμοίως ἀλλ
ἀεὶ κινεῖ τι αὐτὰ τῶν ἔξωθεν ἕτερον τὸ δὲ ζῷον αὐτό φαμεν ἑαυτὸ κινεῖν ldquoPor vezes acontece que natildeo haja
movimento em noacutes [entes animados] e que de nosso repouso noacutes sejamos postos em movimento e agraves vezes o
princiacutepio do movimento surge em noacutes e de noacutes sem que nada de outro nos mova de fora Natildeo vemos nada
parecido no caso dos seres inanimados pois eles sempre satildeo movidos por algo outro que reside fora deles Dos
animais noacutes dizemos que eles movem a si mesmosrdquo Fiacutes VIII 2 252b18-23 (Trad Daniel Nascimento)
ὁρῶμεν δὲ καὶ φανερῶς ὄντα τοιαῦτα ἃ κινεῖ αὐτὰ ἑαυτά οἷον τὸ τῶν ἐμψύχων καὶ τὸ τῶν ζῴων γένος ταῦτα δὲ
καὶ δόξαν παρεῖχε μή ποτε ἐνδέχεται κίνησιν ἐγγίγνεσθαι μὴ οὖσαν ὅλως διὰ τὸ ἐν τούτοις ὁρᾶν ἡμᾶς τοῦτο
συμβαῖνον (ἀκίνητα γάρ ποτε ὄντα κινεῖται πάλιν ὡς δοκεῖ) ldquoVemos claramente que existem coisas que se
movem a si mesmas como por exemplo os entes animados e o gecircnero dos animais e por causa disso pensamos
que pode ser possiacutevel que o movimento seja gerado sem que antes tenha existido de qualquer forma pois noacutes
vemos isso acontecer com eles (estarem imoacuteveis em determinado momento e moverem-se novamanete tal como
parece)rdquo Fis VIII 6 259b1-6 (Trad Daniel Nascimento) 41 δεῖ γὰρ τὸ ὅτι καὶ τὸ εἶναι ὑπάρχειν δῆλα ὄντα Met 17 1041a15 42ἄλλο γὰρ οὕτω κατ ἄλλου ἐστὶ τὸ ζητούμενον Met 17 1041a25-26
34
conclusatildeo do raciociacutenio iniciado em DA II 2 temos esta nova formulaccedilatildeo segundo as
capacidades que denotam o viver
νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον εἰρήσθω μόνον ὅτι ἐστὶν ἡ ψυχὴ τῶν εἰρημένων τούτων ἀρχὴ καὶ
τούτοις ὥρισται θρεπτικῷ αἰσθητικῷ διανοητικῷ κινήσει
Por ora eacute suficiente dizer apenas isto que a alma eacute princiacutepio das capacidades
mencionadas ndash nutritiva perceptiva raciocinativa e de movimento ndash e que por elas eacute
definida DA II 2 413b11-13 (Trad Gomes dos Reis)
Esta noccedilatildeo eclode como corolaacuterio da argumentaccedilatildeo anterior Com ela Aristoacuteteles
conquista um importante ponto do seu projeto psicoloacutegico a saber que a noccedilatildeo de alma
explique as distintas formas de vida atraveacutes das capacidades Isto levaraacute a uma gama de
comentadores contemporacircneos a valorizarem esta definiccedilatildeo em detrimento da definiccedilatildeo pela
substacircncia apresentada em DA II 1 Os que assim interpretam43
reduzem a definiccedilatildeo de alma
agrave noccedilatildeo de princiacutepio das funccedilotildees que denotam vida Esta interpretaccedilatildeo natildeo eacute totalmente
equivocada na medida em que textualmente Aristoacuteteles afirma isto Poreacutem ela eacute imprecisa
pois ignora o estatuto ontoloacutegico da alma Como vimos na seccedilatildeo anterior a alma eacute substacircncia
como forma (tegraves psycheacutes ousiacutean eicircnai hocircs eicircdos) do corpo e portanto seu princiacutepio
organizador que lhe confere o viver E enquanto forma do corpo a alma eacute sua atualidade
primeira (enteleacutekheia proteacute) Ou seja princiacutepio formal o qual o corpo se desenvolve em vista
do viver Pois a alma de um lado traz em si as disposiccedilotildees (heacutexeis) necessaacuterias agrave vida e
determina o que este corpo orgacircnico era para ser (tograve tiacute ecircn eicircnai) mediante suas funccedilotildees (eacuterga)
e atividades (eneacutergeiai) de viver Essas funccedilotildees satildeo as capacidades (dynaacutemeis) que
caracterizam os tipos de vida nos seres seu modo proacuteprio de viver Sendo assim a capacidade
nutritiva eacute proacutepria agrave vida vegetativa a perceptiva proacutepria agrave animal e a intelectiva agrave humana
Como se vecirc a definiccedilatildeo pelas capacidades tem sua origem e fundamento na definiccedilatildeo
pela forma Por outro lado esta soacute ganha capilaridade na definiccedilatildeo pela capacidade jaacute que sua
noccedilatildeo geral natildeo define a alma como causa de cada tipo de vida nem princiacutepio das
capacidades proacuteprias ao viver Deste modo uma interpretaccedilatildeo da noccedilatildeo aristoteacutelica de alma
que ignore como ambas noccedilotildees se sustentam mutuamente eacute parcial e suscetiacutevel de engendrar
mais problema que o proacuteprio texto jaacute apresenta
Com isso concluiacutemos De Anima II 2 compreendendo que a alma eacute causa de vida jaacute
que eacute princiacutepio das atividades proacuteprias ao viver Diante da noccedilatildeo geral e como ela se
particulariza nas distintas capacidades resta ainda observar um uacuteltimo ponto que Aristoacuteteles
43Putman (1975) Ackrill (1975-6) Bolton (1978) Nussbaum (1978) Everson (1995) CodeampMoravicsik
(1992) Para uma noccedilatildeo geral das diversas correntes de interpretaccedilatildeo da psicologia aristoteacutelica no seio das
discussotildees de filosofia da mente ver Diamond (2015) Caston (2006) e Irwin (1991)
35
trabalharaacute no capiacutetulo seguinte a saber a disposiccedilatildeo seriada hierarquicamente das diversas
formas de vida
23 A DEFINICcedilAtildeO SERIADA
A tese geral de que a alma eacute forma do corpo sofre uma nova reavaliaccedilatildeo em DA II 3
Como se veraacute adiante Aristoacuteteles surpreendentemente declara que toda busca por um
enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) de alma eacute ridiacuteculo (geloicircon) jaacute que esta noccedilatildeo natildeo
permite a compreensatildeo de que as diversas espeacutecies de vida (vegetativa animal e humana) satildeo
dispostas em uma seacuterie ordenada e hierarquizada de acordo com sua capacidade especiacutefica
Como a leitura das formas de vida dispostas em uma seacuterie ordenada eacute um problema que
precisa ser respondido por quem quer que se debruce sobre a noccedilatildeo aristoteacutelica de alma esta
seccedilatildeo argumentaraacute como a noccedilatildeo de almas seriadas natildeo invalida a noccedilatildeo formal de alma
enunciada em DA II 1
DA II 3 poderia ser tematicamente dividido em duas partes Numa primeira de
414ordf29-414b20 Aristoacuteteles dispotildee a hierarquia das capacidades que denotam vida Se em DA
II 2 ele enunciou as capacidades aqui se argumenta como uma estaacute em relaccedilatildeo de
anterioridade agrave outra e portanto disposta hierarquicamente de modo coextensivo agraves formas
de vida Assim se o movimento segundo nutriccedilatildeo crescimento e decaimento seraacute proacuteprio a
uma forma de vida a vegetativa a adiccedilatildeo da capacidade perceptiva seraacute proacutepria agrave vida
vegetativa e animal Agrave medida que se adicione outras capacidades como o intelecto abrange-
se a vida humana44
Esta hierarquizaccedilatildeo suplementar das capacidades a seu enunciado permite
que Aristoacuteteles encampe a tese de que os tipos de vida satildeo dispostos em seacuteries ordenadas
avanccedilando para a segunda parte do capiacutetulo
δῆλον οὖν ὅτι τὸν αὐτὸν τρόπον εἷς ἂν εἴη λόγος ψυχῆς τε καὶ σχήματος οὔτε γὰρ
ἐκεῖ σχῆμα παρὰ τὸ τρίγωνον ἔστι καὶ τὰ ἐφεξῆς οὔτ ἐνταῦθα ψυχὴ παρὰ τὰς
εἰρημένας γένοιτο δ ἂν καὶ ἐπὶ τῶν σχημάτων λόγος κοινός ὃς ἐφαρμόσει μὲν
πᾶσιν ἴδιος δ οὐδενὸς ἔσται σχήματος ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ ταῖς εἰρημέναις ψυχαῖς διὸ
γελοῖον ζητεῖν τὸν κοινὸν λόγον καὶ ἐπὶ τούτων καὶ ἐφ ἑτέρων ὃς οὐδενὸς ἔσται τῶν
ὄντων ἴδιος λόγος οὐδὲ κατὰ τὸ οἰκεῖον καὶ ἄτομον εἶδος ἀφέντας τὸν τοιοῦτον
(παραπλησίως δ ἔχει τῷ περὶ τῶν σχημάτων καὶ τὰ κατὰ ψυχήν ἀεὶ γὰρ ἐν τῷ ἐφεξῆς
44 Τῶν δὲ δυνάμεων τῆς ψυχῆς αἱ λεχθεῖσαι τοῖς μὲν ὑπάρχουσι πᾶσαι καθάπερ εἴπομεν τοῖς δὲ τινὲς αὐτῶν
ἐνίοις δὲ μία μόνη διασαφητέον δὲ περὶ αὐτῶν ὕστερον νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον () εἰρήσθω ὅτι τῶν ζώντων τοῖς
ἔχουσιν ἁφὴν καὶ ὄρεξις ὑπάρχει περὶ δὲ φαντασίας ἄδηλον ὕστερον δ ἐπισκεπτέον ἐνίοις δὲ πρὸς τούτοις
ὑπάρχει καὶ τὸ κατὰ τόπον κινητικόν ἑτέροις δὲ καὶ τὸ διανοητικόν τε καὶ νοῦς οἷον ἀνθρώποις καὶ εἴ τι
τοιοῦτον ἕτερον ἔστιν ἢ τιμιώτερον ldquoDentre as potecircncias da alma como dissemos todas as mencionadas
subsitem em alguns seres em outros soacute algumas delas e em alguns apenas uma E mencionamos como
potecircncias a nutritiva a perceptiva a desiderativa a locomotiva e a raciocinativa Ora nas plantas subsiste
somente a nutritiva mas em outros seres tanto esta como a perceptiva () Por ora eacute suficiente dizer isto que
entre os seres vivos que possuem tato tambeacutem subsiste desejo No que se refere agrave imaginaccedilatildeo natildeo estaacute claro e
devemos examinaacute-la posteriormente Em alguns seres vivos aleacutem disso subsiste tambeacutem a capacidade de se
locomover e em outros ainda a de raciocinar e o intelecto ndash por exemplo nos homens e em algum outro se
houver de tal qualidade ou mais valiosordquo DA II 3 414a29-414b20 (Trad Gomes dos Reis)
36
ὑπάρχει δυνάμει τὸ πρότερον ἐπί τε τῶν σχημάτων καὶ ἐπὶ τῶν ἐμψύχων οἷον ἐν
τετραγώνῳ μὲν τρίγωνον ἐν αἰσθητικῷ δὲ τὸ θρεπτικόν) ὥστε καθ ἕκαστον
ζητητέον τίς ἑκάστου ψυχή οἷον τίς φυτοῦ καὶ τίς ἀνθρώπου ἢ θηρίου διὰ τίνα δ
αἰτίαν τῷ ἐφεξῆς οὕτως ἔχουσι σκεπτέον ἄνευ μὲν γὰρ τοῦ θρεπτικοῦ τὸ αἰσθητικὸν
οὐκ ἔστιν τοῦ δ αἰσθητικοῦ χωρίζεται τὸ θρεπτικὸν ἐν τοῖς φυτοῖς
Eacute claro que poderia da mesma maneira haver entatildeo um enunciado uacutenico tanto de
figura como de alma Pois nem no primeiro caso existe figura aleacutem do triacircngulo e
daquelas que o sucedem nem neste caso existe alma aleacutem das mencionadas A
respeito das figuras tambeacutem eacute possiacutevel formular um enunciado comum que se aplique
a todas sem ser proacuteprio a nenhuma e o mesmo ocorre com as almas mencionadas Por
isso tanto neste como em outros casos eacute ridiacuteculo procurar um enunciado comum ndash
pois a nenhum dos seres seraacute um enunciado proacuteprio nem estaraacute de acordo com a
forma apropriada e indivisiacutevel ndash deixando-se de lado o enunciado deste tipo (E as
coisas concernentes agrave alma estatildeo em situaccedilatildeo parecida agravequela das figuras pois tanto
no caso das figuras como no caso dos seres animados o anterior sempre subsiste
naquilo que o sucede por exemplo o triacircngulo no quadrado o poder de nutrir-se no
de perceber) Assim deve ser investigado de acordo com cada caso o que eacute a alma
de cada um ndash por exemplo o que eacute a alma da planta do homem ou da besta E deve
ser examinado a causa de ser disposto assim em sucessatildeo Pois sem a nutritiva natildeo
existe a capacidade perceptiva embora nas plantas a nutritiva exista separada da
perceptiva DA II 3 414b20-415a6 (Trad Gomes dos Reis)
A analogia entre figura do triacircngulo e a alma vegetativa permite esclarecer qual a
relaccedilatildeo de sucessatildeo entre uma capacidade e outra O triacircngulo eacute a figura geomeacutetrica plana
mais baacutesica de todas A composiccedilatildeo de dois triacircngulos forma um quadrilaacutetero A composiccedilatildeo
de trecircs triacircngulos forma um pentaacutegono e assim sucessivamente Ou seja da mesma maneira
que o triacircngulo subsiste em potecircncia no quadrilaacutetero e este no pentaacutegono a nutriccedilatildeo subsiste
em potecircncia na percepccedilatildeo e esta no intelecto Portanto se a capacidade nutritiva eacute proacutepria agrave
vida vegetativa a perceptiva agrave animal e a intelectiva agrave humana entatildeo igualmente a vida
vegetativa subsiste na animal e a animal na humana Sendo assim da mesma maneira que se
faz necessaacuteria uma definiccedilatildeo proacutepria ao triacircngulo ao quadrilaacutetero e ao pentaacutegono deve-se
buscar um enunciado proacuteprio a cada uma dessas formas de vida para que se sustente como a
alma eacute princiacutepio de cada tipo de vida e natildeo somente da vida em geral Pois um enunciado que
decirc a noccedilatildeo da alma que cubra todas as formas de vida mas que natildeo toque particularmente em
uma natildeo cumpre seu fim argumentativo que eacute explicar a razatildeo da alma ser causa de vida no
ser vivente como se segue
ὅτι μὲν οὖν ὁ περὶ τούτων ἑκάστου λόγος οὗτος οἰκειότατος καὶ περὶ ψυχῆς δῆλον
Eacute claro entatildeo que o enunciado de cada uma destas capacidades eacute tambeacutem o mais
apropriado a respeito da alma DA II 3 415a13-14 (Trad Gomes dos Reis)
Levando-se em conta que Aristoacuteteles se dedicaraacute em todo o restante do De Anima
investigando cada uma das capacidades e seus desdobramentos para uma noccedilatildeo de alma
37
podemos ser levados a crer que Aristoacuteteles elege este como o melhor criteacuterio para uma
definiccedilatildeo de alma
Haacute portanto um grande problema a ser encarado aqui que consiste na resposta a uma
das questotildees elencadas em DA I 145
a saber se eacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma enquanto
tal ou uma para cada tipo de ser vivente Pelo caminho que segue a discussatildeo tende-se a uma
resposta de que seraacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma para cada forma de vida Entretanto
Aristoacuteteles jaacute problematizara se mesmo que haja uma noccedilatildeo uacutenica para catildees cavalos e
homens a de animal esta noccedilatildeo uacutenica eacute universal posterior anterior ou nada em relaccedilatildeo aos
itens
Seguindo o texto de DA II 3 a nutriccedilatildeo eacute a capacidade sobre a qual se erguem todas as
outras ateacute a capacidade de pensamento Dado que um corpo eacute dotado de nutriccedilatildeo e portanto
vivente por causa da alma e a seu turno dado que a alma eacute forma e atualidade primeira do
corpo e portanto princiacutepio organizador das capacidades que denotam o viver novamente a
definiccedilatildeo pela forma sustenta ontologicamente a definiccedilatildeo pelas capacidades e por
concomitacircncia a definiccedilatildeo seriada
Assim a criacutetica que Aristoacuteteles faz agrave noccedilatildeo mais geral de alma enunciada em DA II 1
natildeo eacute razatildeo suficiente para seu descarte no seu projeto psicoloacutegico Com efeito se a noccedilatildeo de
alma como forma eacute insuficiente para explicar por que a alma eacute princiacutepio de vida em cada tipo
de ser vivente como sustentado ao iniacutecio de DA II 2-3 ela eacute justamente a noccedilatildeo ontoloacutegica
para que responde pela sua atualidade e determinaccedilatildeo das propriedades relevantes do ser deste
corpo dotado de oacutergatildeos Assim se as noccedilotildees de alma como forma e princiacutepio das capacidades
satildeo intercambiantes como argumentei anteriormente e se a definiccedilatildeo estaacute diretamente
atrelada agrave hierarquia dessas capacidades entatildeo a proacutepria noccedilatildeo de alma seriada depende
logicamente da noccedilatildeo de alma como forma Sendo assim o enunciado geral eacute redimensionado
em DA II 3 pela disposiccedilatildeo seriada da alma a um princiacutepio loacutegico-ontoloacutegico mediante o qual
esta ciecircncia comum a muitas coisas pode se realizar
45 εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον
ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν
ἄλλο κατηγοροῖτο Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma uacutenica
definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a de cavalo catildeo homem
divindade sendo neste caso o animal considerado universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo
ocorrendo para qualquer outro atributo comum que for predicadordquo DA I 1 402b4-9 (Trad Gomes dos Reis)
38
3 CONCLUSAtildeO
Como se apresentou nesta monografia Aristoacuteteles enuncia sua noccedilatildeo de alma em
momentos distintos Um primeiro a partir da discussatildeo com as teses predecessoras Nela o
que se conquista eacute que a alma eacute imoacutevel e origem de movimento nos seres viventes Depois
atraveacutes de um enunciado geral para os diversos tipos de vida que a define como forma do
corpo Um terceiro que enuncia a alma como causa de vida e a define como princiacutepio das
capacidades que denotam o viver E por fim um quarto enunciado que a apresenta como
disposta em seacuterie ordenada segundo suas capacidades Na medida que o enunciado geral se
mostra insuficiente para o projeto psicoloacutegico traccedilado e as outras definiccedilotildees parecem melhor
corresponder a este objetivo a unidade enunciativa entre as diversas definiccedilotildees aparenta ser
vulneraacutevel Natildeo por menos como foi abordado ao longo deste texto tende-se a salientar uma
das definiccedilotildees e desconsiderar a outra Esta natildeo parece ser a interpretaccedilatildeo que melhor
compreenda a psicologia aristoteacutelica Como argumentado observar a definiccedilatildeo pelas
capacidades sem a definiccedilatildeo pela forma esvazia ontologicamente a noccedilatildeo de que a alma eacute
princiacutepio de vida A alma como forma do corpo eacute o enunciado mediante o qual a garante
como atualidade primeira e portanto princiacutepio das caracteriacutesticas e funccedilotildees proacuteprias ao ser
vivente Por outro lado como o proacuteprio Aristoacuteteles enuncia a definiccedilatildeo pela forma daacute uma
noccedilatildeo que abarca todas as formas de vida mas natildeo enuncia a alma como causa do viver nem
que as diversas almas satildeo dispostas em seacuterie ordenada Satildeo nestes dois pontos que a definiccedilatildeo
pela capacidade se torna igualmente relevante para o projeto psicoloacutegico aristoteacutelico Sem ela
seriam inviaacuteveis todos os outros capiacutetulos nos quais Aristoacuteteles enuncia discorre e formula a
atividade das capacidades proacuteprias ao ser vivo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo imaginaccedilatildeo intelecto e
movimento segundo deslocamento Por estas razotildees uma interpretaccedilatildeo que conjugue as duas
definiccedilotildees no interior do projeto psicoloacutegico aristoteacutelico parece ser a que contemple melhor o
horizonte teoacuterico que a investigaccedilatildeo erige
Haacute um alguns aspectos que esta monografia deixa pelo caminho Na seccedilatildeo 1 Taacutebua de
Definiccedilatildeo foram elencados os diversos elementos de definiccedilatildeo da alma e como se faria a
inquiriccedilatildeo O primeiro grupo foi respondido ao longo da seccedilatildeo 2 A Noccedilatildeo de Alma mas o
segundo natildeo O segundo grupo de elementos da taacutebua seraacute dissertado por Aristoacuteteles nos
capiacutetulos posteriores ao DA II 3 quando ele se debruccedila sobre cada uma das capacidades
Como esta monografia pretende abordar apenas as definiccedilotildees sem dar interpretaccedilatildeo total do
tratado entatildeo soacute pode responder parte da taacutebua das definiccedilotildees Aleacutem disso a interpretaccedilatildeo das
definiccedilotildees de um modo consistente precisaria ser verificada na sua aplicaccedilatildeo sobre o restante
39
do tratado Em outras palavras eacute preciso verificar se esta interpretaccedilatildeo dificulta ou facilita a
interpretaccedilatildeo das outras teses da psicologia aristoteacutelica por exemplo a tese da percepccedilatildeo que eacute
definida como a recepccedilatildeo das formas sem mateacuteria Nas interpretaccedilotildees de Polanski e Diamond
comentadores paradigmaacuteticos para a abordagem adotada a coordenaccedilatildeo dos enunciados
definitoacuterios daacute conta das diversas formulaccedilotildees de capacidades e suas funcionalidades ao longo
do tratado Fico devendo portanto explicitar como a posiccedilatildeo que assumo se aplica nas
diversas capacidades enunciadas pelo Aristoacuteteles
Com isso conclui-se este trabalho com a compreensatildeo que ele eacute limitado Haacute nele
problemas proacuteprios agrave interpretaccedilatildeo de um texto conciso e arrojado como eacute o De Anima
Ainda assim espera-se que os erros ou imprecisotildees eventuais natildeo comprometam seu escopo
exegeacutetico Espera-se tambeacutem que esta monografia possa se converter em trabalhos futuros que
fomente a discussatildeo relativa ao De Anima no contexto filosoacutefico brasileiro Da mesma forma
que ela foi provocada pela traduccedilatildeo e comentaacuterios da Professora Doutora Maria Ceciacutelia
Gomes dos Reis Se este trabalho for bem sucedido nessas pretensotildees jaacute teraacute cumprido sua
funccedilatildeo
40
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Ao Luan
Agradecimentos
A Carolina Arauacutejo por ter me apresentado o De Anima em um curso de 20141 pela
disponibilidade ao meu interesse em aprofundar o estudo na psicologia aristoteacutelica pela
atenta orientaccedilatildeo na iniciaccedilatildeo cintiacutefica e na escrita desta monografia e mais que tudo pelo
paradigma intelectual que eacute para quem tem o prazer de dialogar com suas hipoacuteteses e
objeccedilotildees Ao Raphael Zillig pela orientaccedilatildeo durante a missatildeo de estudos realizada na UFRGS
em agosto e setembro de 2016 e cujos comentaacuterios luacutecidos sobre a obra e exegese aristoteacutelica
foram fundamentais para que eu descortinasse uma visatildeo de caminhos intelectuais e
acadecircmicos Agrave Carla Francalanci pelo seminaacuterio sobre o De Anima e Ivana Costa pelo
minicurso Psicologiacutea Antigua que ampliaram meu horizonte de compreensatildeo da psicologia
aristoteacutelica Agrave Inara Zanuzzi e Priscilla Spinelli pelo curso tri sobre phantasiacutea na UFRGS
igualmente aos colegas Pedro Capra Filipe Oliveira e Mariano Arauacutejo pela interlocuccedilatildeo
constante Ao Rodrigo Guerizoli pela presteza e sensibilidade na viabilizaccedilatildeo da minha ida e
estadia em Porto Alegre Agraves comentadoras e comentadores da filosofia aristoteacutelica sem os
quais dificilmente pensaria o que pensei entenderia o que entendi argumentaria o que
argumentei em especial ao Eli Diamond que gentilmente me enviou uma coacutepia de seu
instigante livro Mortal Imitations of Divine Life The Nature of the Soul in Aristotlersquos De
Anima no qual me baseei vaacuterias vezes para a interpretaccedilatildeo que assumi nesta monografia
igualmente ao Matt Wood por ter feito estabelecido a ponte de comunicaccedilatildeo Ao Luan
Reboredo pela cumplicidade entre ladrotildees pela impiedosa revisatildeo dos textos ndash todo e
qualquer erro distraccedilatildeo ou falta de clareza eacute pela minha teimosia com suas notas ndash pela
criteriosa percepccedilatildeo intelectual pelo cuidado e pelos cafeacutes da manhatilde ndash vamos lembrar de
comprar mais tapioca Aos philoacutei Edil Carvalho Claacuteudia Barbosa Matt Wood Esther
Santos Luan Reboredo Flora Mangini Felipe Ayres Nelson M Neto Luciana Shontag
George Matias Andreacute Braga e Camila Rauber pelo diaacutelogo e praacutetica filosoacutefica no Seminaacuterio
de Estudos Claacutessicos ndash vamos cultivar este precioso espaccedilo gente Aos amigos pela procura
na ausecircncia e acolhida na presenccedila Agrave minha famiacutelia pelas quizumbas quiziacutelias otaacutes e
tapurus Ao teatro pela caixa de areia e efemeridade em especial a Andreacutea Terra e Casa Maria
de Magdala Agrave cidade de Porto Alegre pelo frio insuportaacutevel pelo vento interminaacutevel pelas
ruas floridas pelo sol laranja pelo ceacuteu anil pela carne saborosiacutessima pelo fandango pelo
chimarratildeo pela Housing pela Casa Frasca pela Casa de Pelotas pela gente de um
comunitarismo valentatildeo pelos amigos e amigas e vizinhos pela discriminaccedilatildeo pela dor de
dente e infecccedilatildeo pela solidatildeo pelo silecircncio pelo esvaziamento e pela saudade que hoje sinto
sempre que sonho perder o aviatildeo de volta para o Rio A Paquetaacute pelo sentido de lugar Ao Rio
pelo sentido de sentir A Niteroacutei pelo sentido de lar Agrave Hannah Arendt pela Condiccedilatildeo
Humana que determinou minha compreensatildeo de poliacutetica Ao Aristoacuteteles pelo De Anima que
determinou minha incompreensatildeo da vida
Esta monografia eacute resultado da pesquisa de iniciaccedilatildeo cientiacutefica Substacircncia enquanto Forma
psycheacute no De Anima II de Aristoacuteteles inserida no projeto PROCAD 2013 PPGLMUFRJ-
UFG-UFRGS entitulado Substacircncia evoluccedilatildeo e formulaccedilatildeo de uma noccedilatildeo filosoacutefica sob
financiamento da Coordenaccedilatildeo de Aperfeiccediloamento de Pessoal do Niacutevel Superior (CAPES)
Este agradecimento costuma ser meramente formal Poreacutem em tempos de ataques temeraacuterios
a direitos duramente conquistados reconhecer a importacircncia do financiamento puacuteblico da
inovaccedilatildeo cientiacutefica e da pesquisa acadecircmica para o desenvolvimento justiccedila e soberania de
uma naccedilatildeo grande como a brasileira se torna um dever poliacutetico a ser exercido
o que estremecia em mim terreno do corpo onde estaacute a raiz da alma
Joatildeo Guimaratildees Rosa
RESUMO
Esta monografia trata da noccedilatildeo de alma que Aristoacuteteles desenvolve ao longo do De Anima II
1-3 Em DA II 1 Aristoacuteteles enuncia uma definiccedilatildeo geral de alma como forma do corpo
Nessa definiccedilatildeo pela forma seu objetivo eacute formular uma noccedilatildeo dos vaacuterios tipos de alma (a
vegetativa a animal e a humana) Poreacutem ela natildeo enuncia a alma como causa de vida nos
seres viventes Diante disso eacute enunciado em DA II 2 a definiccedilatildeo pelas capacidades na qual a
alma eacute princiacutepio das capacidades que denotam o viver Nela as capacidades determinam os
diversos tipos de vida a vida vegetativa que decorre da nutriccedilatildeo a animal da percepccedilatildeo e a
humana da razatildeo Com isso em DA II 3 Aristoacuteteles enuncia a definiccedilatildeo seriada na qual os
tipos de alma se dispotildeem em seacuteries ordenadas hierarquizadas em que a anterior subsiste na
posterior em potecircncia mas natildeo o contraacuterio Como se vecirc haacute um conflito entre a primeira e as
outras duas definiccedilotildees pois a definiccedilatildeo pela forma eacute uma noccedilatildeo geral que nem enuncia a alma
como causa de vida nem sua disposiccedilatildeo seriada Assim enquanto os comentaacuterios de Putman
Ackrill Bolton Nussbaum Everson CodeampMoravicsik interpretam a definiccedilatildeo pelas
capacidades como a noccedilatildeo aristoteacutelica de alma em detrimento da definiccedilatildeo pela forma
Polansky e Diamond enxergam unidade teoacuterica e argumentativa entre as trecircs A hipoacutetese
sustentada nesta monografia se alinha com o segundo grupo argumentando que a definiccedilatildeo
pela forma eacute insuficiente para enunciar os tipos especiacuteficos de vida e sua disposiccedilatildeo seriada
poreacutem eacute a fundamentaccedilatildeo ontoloacutegica das outras duas definiccedilotildees
Palavras Chave Aristoacuteteles Alma Definccedilatildeo Forma Capacidades
Lista de Abreviaturas das Obras de Aristoacuteteles Utilizadas
Cat ndash Categorias
DA ndash De Anima
Fiacutes ndash Fiacutesica
Met ndash Metafiacutesica
Sumaacuterio
Apresentaccedilatildeo 11
1 A taacutebua de definiccedilatildeo 13
2 A noccedilatildeo de alma em Aristoacuteteles 19
21 Definiccedilatildeo pela Forma 19
22 Definiccedilatildeo pelas Capacidade 29
23 Definiccedilatildeo Seriada 34
3 Conclusatildeo 37
4 Bibliografia 39
i
12
APRESENTACcedilAtildeO
O De Anima eacute o tratado no qual Aristoacuteteles investiga a natureza da alma e como ela eacute
causa de vida nos seres viventes Para esse fim Aristoacuteteles discute com aqueles que trataram
do assunto antes dele enuncia a sua proacutepria noccedilatildeo de alma e por fim como esta noccedilatildeo
explica cada uma das capacidades que denotam o viver Para dar conta deste projeto
psicoloacutegico Aristoacuteteles elabora sua noccedilatildeo em trecircs grandes momentos O primeiro em De
Anima I 2-5 Aristoacuteteles levanta as endoacutexai dos seus predecessores discutindo a validade de
suas teses e apontando o que considera inconsistente Como resultado disso Aristoacuteteles
sustenta que a alma eacute um princiacutepio imoacutevel de movimento nos seres viventes e uma unidade
Mas eacute soacute no segundo momento em DA II 1-3 que Aristoacuteteles enuncia em seus proacuteprios
termos o que considera ser a alma Por fim num terceiro momento a partir de DA II 4
Aristoacuteteles teoriza sobre cada uma das capacidades da alma
Nesta monografia proponho me debruccedilar sobre a noccedilatildeo de alma presente no DA II 1-
3 Como veremos em DA I 1 satildeo elencadas as aporias proacuteprias agrave investigaccedilatildeo e definiccedilatildeo da
alma A partir daiacute Aristoacuteteles apresenta gradualmente a sua proacutepria noccedilatildeo de alma ao longo
do De Anima Especificamente em DA II 1 e 2 satildeo enunciadas duas definiccedilotildees uma definiccedilatildeo
pela forma e outra pela capacidade A primeira caracteriza a alma como forma do corpo
enquanto a segunda atribui agrave alma o princiacutepio das capacidades que denotam vida Enquanto a
definiccedilatildeo pela forma nos oferece uma noccedilatildeo geral que enuncia o gecircnero de ser da alma a
definiccedilatildeo pela capacidade explica como a alma eacute princiacutepio de vida Entretanto haacute um terceiro
enunciado em DA II 3 que parece eliminar a validade da definiccedilatildeo pela forma e validar apenas
a definiccedilatildeo pela capacidade Trata-se da definiccedilatildeo seriada segundo a qual haacute diversos tipos de
alma que se dispotildeem em uma seacuterie hierarquicamente ordenada na qual a anterior subsiste na
posterior mas natildeo o contraacuterio Aristoacuteteles declara que a definiccedilatildeo pela forma enquanto uma
noccedilatildeo geral de alma eacute absurda Pois ela natildeo explica os tipos de alma e a causa de se disporem
em sucessatildeo Isto levou uma seacuterie de comentadores a compreenderem a definiccedilatildeo pela
capacidade como a noccedilatildeo aniacutemica de Aristoacuteteles jaacute que ela enunciaria os tipos de alma em
disposiccedilatildeo seriada
Diante disso argumento que a definiccedilatildeo pela forma eacute tatildeo relevante para a noccedilatildeo de
alma quanto a noccedilatildeo pela capacidade Como se veraacute na seccedilatildeo 2a) a definiccedilatildeo pela forma faz
da alma a atualidade primeira do corpo e princiacutepio de determinaccedilatildeo das funccedilotildees vitais Como
consequecircncia do seu caraacuteter atual a alma eacute aquilo a partir do qual as capacidades se dispotildeem
no corpo Ao entrarem em atividade atraveacutes dos oacutergatildeos do corpo elas se atualizam Neste
13
sentido tanto a definiccedilatildeo pela forma quanto a definiccedilatildeo pela capacidade satildeo mutuamente
necessaacuterias para uma noccedilatildeo de alma que atenda ao projeto psicoloacutegico aristoteacutelico
Para tanto apresento na primeira seccedilatildeo o horizonte conceitual e teoacuterico mediante o
qual Aristoacuteteles investiga a alma Atraveacutes das vaacuterias aporiacuteai elencadas em DA I 1 se delimita
tanto o fim que a investigaccedilatildeo persegue quanto a seus limites conceituais de teorizaccedilatildeo Em
seguida trato das endoxai presentes em DA I 2-5 como recurso metodoloacutegico para se extrair
das teses predecessoras algumas noccedilotildees miacutenimas sobre a alma Na seccedilatildeo seguinte abordo as
trecircs noccedilotildees jaacute apresentadas acima Como se veraacute ao iniacutecio de DA I 1 e 2 Aristoacuteteles ainda faz
duas revisotildees metodoloacutegicas deixando bem claro qual aspecto da investigaccedilatildeo se objetiva
tratar Especificamente em 2a) sobre DA II 1 remonto o argumento que resulta na definiccedilatildeo
pela forma comentando qual sua implicaccedilatildeo ontoloacutegica para a alma e como ela se desdobra
nas noccedilotildees aniacutemicas de atualidade primeira e princiacutepio de determinaccedilatildeo Em seguida
apresento a definiccedilatildeo pelas capacidades como princiacutepio de vida em DA II 2 Com isso indico
como a noccedilatildeo de vida e alma estatildeo associadas e como Aristoacuteteles argumenta para uma ser
evidecircncia da outra fazendo desta a causa daquela Adiante apresento a definiccedilatildeo seriada em
DA II 3 e como ela potildee em crise a definiccedilatildeo pela forma Por fim explicito como muitos
comentadores se localizaram em meio ao problema e argumento como as trecircs definiccedilotildees estatildeo
em uma unidade conceitual na qual todas satildeo relevantes para o projeto psicoloacutegico de
Aristoacuteteles
14
1 A TAacuteBUA DA DEFINICcedilAtildeO
A fim de apresentar os problemas proacuteprios ao estudo da alma e delimitar seu campo de
investigaccedilatildeo Aristoacuteteles apresenta em DA I 1 uma taacutebua de definiccedilatildeo onde elenca os
elementos para definir a alma e a abordagem para a sua pesquisa Primeiro Aristoacuteteles
circunscreve em que paracircmetros conceituais a noccedilatildeo se estabelece Em seguida se apresenta o
meacutetodo que orienta a busca por esse enunciado Deste modo os elementos de definiccedilatildeo que
compotildeem a lista satildeo o gecircnero de ser da alma1 o seu modo de ser
2 e por fim sua unidade
3 Jaacute
como abordagem decide-se pela ordem loacutegica da definiccedilatildeo4 para se analisar a independecircncia
das suas partes5 de modo a determinar o primeiro passo a se investigar em cada uma e
finalmente conhecer sobre a sua separabilidade6
Logo ao iniacutecio de De Anima I 1 Aristoacuteteles enuncia qual o objetivo geral de
seu projeto investigativo
ἐπιζητοῦμεν δὲ θεωρῆσαι καὶ γνῶναι τήν τε φύσιν αὐτῆς καὶ τὴν οὐσίαν εἶθ ὅσα
συμβέβηκε περὶ αὐτήν ὧν τὰ μὲν ἴδια πάθη τῆς ψυχῆς εἶναι δοκεῖ τὰ δὲ δι ἐκείνην
καὶ τοῖς ζῴοις ὑπάρχειν
Buscamos considerar e conhecer sua natureza e substacircncia bem como todos os seus
atributos dentre os quais uns parecem ser afecccedilotildees proacuteprias da alma enquanto outros
parecem subsistir nos animais graccedilas a ela DA I 1 402a7-10 (Trad Gomes dos Reis)
Investigar a natureza (phyacutesis) da alma consiste em pesquisar seu gecircnero de ser Jaacute
conhecer sua substacircncia (ousiacutea) eacute conhecer seus atributos (symbeacutebekos) as caracteriacutesticas que
1 πρῶτον δ ἴσως ἀναγκαῖον διελεῖν ἐν τίνι τῶν γενῶν καὶ τί ἐστι λέγω δὲ πότερον τόδε τι καὶ οὐσία ἢ ποιὸν ἢ
ποσόν ἢ καί τις ἄλλη τῶν διαιρεθεισῶν κατηγοριῶν ldquoEm todo caso eacute preciso decidir primeiro a qual dos
gecircneros a alma pertence e o que eacute ndash quero dizer se ela eacute algo determinado e substacircncia ou se eacute uma qualidade
uma quantidade ou mesmo alguma outra das categorias jaacute distinguidasrdquo DA I 1 402a22-25 (Trad de Gomes dos
Reis) 2 ἔτι δὲ πότερον τῶν ἐν δυνάμει ὄντων ἢ μᾶλλον ἐντελέχειά τις ldquoe ainda se estaacute entre os seres em potecircncia ou
antes se eacute uma certa atualidaderdquo DA I 1 402a27 (Trad de Gomes dos Reis) 3 σκεπτέον δὲ καὶ εἰ μεριστὴ ἢ ἀμερής καὶ πότερον ὁμοειδὴς ἅπασα ψυχὴ ἢ οὔ εἰ δὲ μὴ ὁμοειδής πότερον εἴδει
διαφέρουσα ἢ γένει ldquoEacute preciso examinar tambeacutem se ela eacute divisiacutevel em partes ou natildeo e se toda e qualquer alma eacute
de mesma forma e no caso de natildeo ser de mesma forma se a diferenccedila eacute de espeacutecie ou de gecircnerordquo DA I 1
402b1-3 (Trad de Gomes dos Reis) 4 εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον
ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν
ἄλλο κατηγοροῖτο ldquoEacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma uacutenica
definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a de cavalo catildeo homem
divindade sendo neste caso o animal considerado universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo
ocorrendo para qualquer outro atributo comum que for predicadordquo DA I 1 402b4-9 (Trad de Gomes dos Reis) 5 ἔτι δέ εἰ μὴ πολλαὶ ψυχαὶ ἀλλὰ μόρια πότερον δεῖ ζητεῖν πρότερον τὴν ὅλην ψυχὴν ἢ τὰ μόρια χαλεπὸν δὲ
καὶ τούτων διορίσαι ποῖα πέφυκεν ἕτερα ἀλλήλων καὶ πότερον τὰ μόρια χρὴ ζητεῖν πρότερον ἢ τὰ ἔργα αὐτῶν
ldquoAleacutem disso no caso de serem muitas as partes e natildeo as almas deve-se primeiro investigar a alma como um
todo ou suas partes Tambeacutem eacute difiacutecil definir quais dentre estas satildeo por natureza distintas entre si e se eacute uacutetil
investigar primeiro as partes ou suas funccedilotildeesrdquo DA I 1 402b9-12 (Trad de Gomes dos Reis) 6 ἀπορίαν δ ἔχει καὶ τὰ πάθη τῆς ψυχῆς πότερόν ἐστι πάντα κοινὰ καὶ τοῦ ἔχοντος ἢ ἔστι τι καὶ τῆς ψυχῆς ἴδιον
αὐτῆς ldquoHaacute ainda a dificuldade de saber se as afecccedilotildees da alma satildeo todas comuns agravequilo que possui alma ou se
haacute tambeacutem alguma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma tatildeo somenterdquo DA I 1 403a3-5 (Trad de Gomes dos Reis)
15
nos datildeo uma noccedilatildeo da alma segundo suas afecccedilotildees (patheacute) Entre os seus atributos alguns
parecem ser exclusivamente afecccedilotildees da alma jaacute outros parecem ser comuns agrave alma e ao
corpo portanto atributos um ser animado (zoacuteois) Por afecccedilatildeo devemos compreender a
determinaccedilatildeo na mateacuteria (loacutegoi eacutenyloi)7 de maneira que os atributos da alma e do corpo seratildeo
comuns a ambos Jaacute a afecccedilatildeo proacutepria agrave alma eacute a que natildeo se daacute pela determinaccedilatildeo na mateacuteria
mas por si mesma Entre os atributos da alma a capacidade de pensamento parece ser a que
atende esse requisito A menos poreacutem que dependa de imagens para sua atividade Assim
nem mesmo o pensamento seria uma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma8 Em suma a investigaccedilatildeo da
alma consiste em saber sua natureza sua essecircncia e as afecccedilotildees que lhe satildeo atribuiacutedas sejam
elas proacuteprias ou comuns ao corpo no qual ela se instancia
Aristoacuteteles parte entatildeo para o primeiro elemento da definiccedilatildeo a se estabelecer
πρῶτον δ ἴσως ἀναγκαῖον διελεῖν ἐν τίνι τῶν γενῶν καὶ τί ἐστι λέγω δὲ πότερον τόδε
τι καὶ οὐσία ἢ ποιὸν ἢ ποσόν ἢ καί τις ἄλλη τῶν διαιρεθεισῶν κατηγοριῶν
Em todo caso eacute preciso decidir primeiro a qual dos gecircneros a alma pertence e o que eacute
ndash quero dizer se ela eacute algo determinado e substacircncia ou se eacute uma qualidade uma
quantidade ou mesmo alguma outra das categorias jaacute distinguidas DA I 1 402a22-25
(Trad de Gomes dos Reis)
O primeiro dos pressupostos sobre os quais se deveraacute responder eacute o gecircnero de ser da
alma Filopono9 comenta que Aristoacuteteles tem em vista platocircnicos pitagoacutericos e Xenoacutecrates
para os quais a alma eacute substacircncia harmonia e nuacutemero respectivamente Nas Categorias10
7 εἰ δ οὕτως ἔχει δῆλον ὅτι τὰ πάθη λόγοι ἔνυλοί εἰσιν ldquoSe assim eacute as afecccedilotildees satildeo evidentemente formas
implicadas na mateacuteriardquo DA I 1 403a24 (Trad Gomes dos Reis) 8 εἰ δ ἐστὶ καὶ τοῦτο φαντασία τις ἢ μὴ ἄνευ φαντασίας οὐκ ἐνδέχοιτ ἂν οὐδὲ τοῦτ ἄνευ σώματος εἶναιldquoNatildeo
obstante se tambeacutem o pensar eacute um tipo de imaginaccedilatildeo ou se ele natildeo pode ocorrer sem a imaginaccedilatildeo entatildeo nem
mesmo o pensar poderia existir sem o corpordquo DA I 1 403a8-10 (Trad Gomes dos Reis) 9 ὧν ἐστι καὶ Ξενοκράτης ἀριθμὸς γάρ φησί κινῶν ἑαυτόν ἐστιν ἡ ψυχή ὁ δὲ ἀριθμὸς ὑπὸ τὸ ποσόν εἰ δὴ
τοῦτο ἔλεγεν ἐκεῖνος καὶ μὴ ἄλλο τι διὰ τούτου ᾐνίττετο οἱ δὲ ὑπὸ τὸ ποιόν ὧν εἰσιν καὶ οἱ ἰατροὶ κρᾶσιν εἶναι
λέγοντες τοιοῦτοι δ ἂν εἶεν καὶ οἱ ἐντελέχειαν λέγοντες τοιαύτην μαθησόμεθα γάρ πῶς φησιν αὐτὴν
ἐντελέχειαν ὁ Ἀριστοτέλης οἱ δὲ λόγον λέγοντες τῶν στοιχείων δόξαιεν ἂν ὑπὸ τὸ πρός τι ἀνάγειν τὸ γὰρ
διπλάσιον ἢ ἡμιόλιον ὑπὸ τὸ πρός τι τινὸς γὰρ διπλάσιον ἀμφίβολον οὖν τέως τὸ γένος ldquoAlguns a classificam
sob o tiacutetulo de substacircncia outros sob quantidade Dentre eles Xenoacutecrates que afirma que a alm eacute o nuacutemero
movendo por si mesmo e o nuacutemero eacute dado sob quantidade se for isto que ele quer dizer ao inveacutes de algo
distinto do que por essas palavras ele se refere obscuramente Outros dizem que isto pertence a qualidade Em
meio a isto estatildeo os meacutedicos que dizem que eacute a mistura dentre os quais haacute tambeacutem os que dizem que eacute uma
atualidade pois aprenderemos com Aristoacuteteles chama a alma de atualidade Aqueles que dizem que eacute uma
proporccedilatildeo dos elementos pareceriam entitulaacute-la sob a ltcategoria dogt relativo pelo duplo ou a metade
pertencerem agrave categoria do relativo pois o duplo eacute de algo Assim sendo entatildeo o gecircnero permanece
controversordquo PHILOPONUS Com DA 32 32 ndash 337 (Trad da traduccedilatildeo de P J Eijk) 10Οὐσία δέ ἐστιν ἡ κυριώτατά τε καὶ πρώτως καὶ μάλιστα λεγομένη ἣ μήτε καθ ὑποκειμένου τινὸς λέγεται μήτε
ἐν ὑποκειμένῳ τινί ἐστιν οἷον ὁ τὶς ἄνθρωπος ἢ ὁ τὶς ἵππος δεύτεραι δὲ οὐσίαι λέγονται ἐν οἷς εἴδεσιν αἱ
πρώτως οὐσίαι λεγόμεναι ὑπάρχουσιν ταῦτά τε καὶ τὰ τῶν εἰδῶν τούτων γένη ldquoSubstacircncia entendida em
sentido proacuteprio primeiro e supremo eacute a que natildeo se predica de um sujeito e natildeo existe nalgum sujeito por
exemplo um homem um cavalo Substacircncias segundas satildeo as formas (ou espeacutecies) nas quais estatildeo incluiacutedas as
que satildeo ditas substacircncias primeiras e tambeacutem os gecircneros destasrdquo Cat 5 2a11 (Trad Lucas Angioni)
16
Aristoacuteteles compreende a substacircncia primeira como entes particulares enquanto o gecircnero e
forma satildeo substacircncias segundas Sabe-se que Aristoacuteteles inverte esta noccedilatildeo de substacircncia em
Metafiacutesica Z onde substacircncia primeira eacute identificada com a forma11
que eacute priorizada em
relaccedilatildeo ao composto e agrave mateacuteria Portanto as noccedilotildees de substacircncia quantidade e qualidade
que Aristoacuteteles trabalha na definiccedilatildeo de alma no DA I 1 estariam mais proacuteximas das Cat que
da Met Z Eacute o que somos levados a acreditar se considerarmos que esta mesma formulaccedilatildeo
ocorre mais adiante em DA I 5 410a16-2112
Nesta e naquela passagem Aristoacuteteles quer saber
se a alma eacute uma substacircncia particular e determinada ou seja um objeto de predicaccedilatildeo que natildeo
se predica de outrem
Passemos para o segundo elemento que deve estar presente numa definiccedilatildeo de alma
ἔτι δὲ πότερον τῶν ἐν δυνάμει ὄντων ἢ μᾶλλον ἐντελέχειά τις
e ainda se estaacute entre os seres em potecircncia ou antes se eacute uma certa atualidade DA I
1 402a27 (Trad de Gomes dos Reis)
A diferenccedila que os conceitos de potecircncia (dyacutenamis) e atualidade (entelekheacuteia) fazem eacute
sobre o estatuto material ou formal da alma Pois se a alma for de natureza material entatildeo eacute
em potecircncia e sujeita ao movimento Entretanto se for de natureza formal seraacute uma certa
atualidade e princiacutepio de determinaccedilatildeo e atividade Gomes dos Reis13
observa que atualidade
eacute colocada em termos vagos (ldquouma certa atualidaderdquoenteleacutekheia tiacutes) o que indica que soacute faz
sentido falar em atualidade enquanto forma especiacutefica quando instanciada em uma mateacuteria de
um tipo uma alma x que se instancia em um corpo de um tipo x
Outro elemento de definiccedilatildeo da alma eacute sua unidade
σκεπτέον δὲ καὶ εἰ μεριστὴ ἢ ἀμερής καὶ πότερον ὁμοειδὴς ἅπασα ψυχὴ ἢ οὔ εἰ δὲ
μὴ ὁμοειδής πότερον εἴδει διαφέρουσα ἢ γένει
Eacute preciso examinar tambeacutem se ela eacute divisiacutevel em partes ou natildeo e se toda e qualquer
alma eacute de mesma forma e no caso de natildeo ser de mesma forma se a diferenccedila eacute de
espeacutecie ou de gecircnero DA I 1 402b1-3 (Trad de Gomes dos Reis)
11 ἕκαστόν τε γὰρ οὐκ ἄλλο δοκεῖ εἶναι τῆς ἑαυτοῦ οὐσίας καὶ τὸ τί ἦν εἶναι λέγεται εἶναι ἡ ἑκάστου
οὐσίαldquoCom efeito a coisa individual natildeo parece ser diferente da proacutepria substacircncia e dizemos que a essecircncia eacute
justamente a substacircncia da coisa individualrdquo Met Z 6 1031ordf17-18 (Trad Giovanni Reale)
εἶδος δὲ λέγω τὸ τί ἦν εἶναι ἑκάστου καὶ τὴν πρώτην οὐσίαν ldquoPor forma entendo a essecircncia de cada coisa e sua
substacircncia primeirardquo Met Z 7 1032b1-2 (Trad Giovanni Reale) 12 ἆρ οὖν ὅσα τῶν οὐσιῶν ἐκ τούτων μόνον πῶς οὖν γινώσκει καὶ τῶν ἄλλων ἕκαστον ἢ φήσουσιν ἑκάστου
γένους εἶναι στοιχεῖα καὶ ἀρχὰς ἰδίας ἐξ ὧν τὴν ψυχὴν συνεστάναι ἔσται ἄρα ποσὸν καὶ ποιὸν καὶ οὐσία ἀλλ
ἀδύνατον ἐκ τῶν τοῦ ποσοῦ στοιχείων οὐσίαν εἶναι καὶ μὴ ποσόνldquoOra seraacute a alma composta somente daqueles
elementos que satildeo comuns agraves substacircncias Como entatildeo conhece ainda cada um dos outros Ou se diraacute que haacute
elementos e princiacutepios particulares a cada gecircnero e que a alma eacute constituiacuteda de todos eles A alma seria entatildeo
quantidade qualidade e substacircncia Mas eacute impossiacutevel que a substacircncia seja composta dos elementos da
quantidade e natildeo seja quantidade ela mesmardquo DA I 5 410a16-21 (Trad Gomes dos Reis) 13 2006 148-149
17
Aqui reside um dos problemas mais comprometedores sobre a investigaccedilatildeo
psicoloacutegica aristoteacutelica a) A alma eacute divisiacutevel ou indivisiacutevel b) cada parte da alma teria uma
forma proacutepria c) Caso seja divisiacutevel as almas se diferenciam em gecircnero ou espeacutecie
Segundo Polansky14
Aristoacuteteles resolve esta bateria de problemas supondo que um ser
vivente tem sua proacutepria alma cujas partes correspondam agraves funccedilotildees sendo estas partes
divisiacuteveis pelos tipos de vida (vegetativa animal humana) A divisibilidade das partes se daacute
de acordo com a capacidade aniacutemica que eacute viver segundo uma atividade e se distinguiria em
gecircnero (a vida perceptiva) ou espeacutecie (catildees cavalos e homem) Isto que garantiraacute a
indivisibilidade da alma ao longo dos tipos de vida segundo suas capacidades Assim
Aristoacuteteles consegue ter um enunciado formal que garanta a unidade geneacuterica fazendo dos
tipos de vida como espeacutecies de seres vivos e as capacidades suas diferenccedilas especiacuteficas
Definido isto deve-se inquirir sobre a amplitude da definiccedilatildeo
εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ
καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι
οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν ἄλλο κατηγοροῖτο
Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma
uacutenica definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a
de cavalo catildeo homem divindade sendo neste caso o animal considerado
universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo ocorrendo para qualquer outro
atributo comum que for predicado DA I 1 402b4-9 (Trad de Gomes dos Reis)
Ateacute aqui Aristoacuteteles se debruccedilava sobre os elementos que devem compor a definiccedilatildeo
de alma Daqui adiante a questatildeo passa a ser qual a abordagem de pesquisa para se formular
esta definiccedilatildeo E um primeiro ponto se refere agrave abrangecircncia da definiccedilatildeo Dado que a alma
pode ter partes sendo estas partes divisiacuteveis ou natildeo a definiccedilatildeo deve ser geral e abranger todo
gecircnero de alma ou deve haver uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie de alma Para Polansky15
a
existecircncia de gecircneros eacute questionaacutevel pois parecem ser universais Noacutes natildeo encontramos um
universal tal qual Soacutecrates e Caacutelias pois estes satildeo particulares Tambeacutem natildeo encontramos um
gecircnero de alma tal qual catildees e cavalos pois estes satildeo espeacutecies Deste modo uma definiccedilatildeo
geneacuterica ofereceria apenas uma noccedilatildeo comum segundo as espeacutecies de alma sem
necessariamente enunciar suas as espeacutecies Portanto esta questatildeo contrasta duas noccedilotildees de
definiccedilatildeo da alma a particular (kathrsquo hekaacutesten) e universal (tograve kathoacutelou) Esta tensatildeo
enunciada aqui persistiraacute nas questotildees posteriores ainda neste capiacutetulo mas se evidenciaraacute
mais fortemente nos enunciados de alma presentes em DA II 1-3 Em siacutentese o problema
consiste em saber se a definiccedilatildeo de alma deve ser pelo seu gecircnero ou sua espeacutecie
14 2007 34-35 15 2008 45
18
ἔτι δέ εἰ μὴ πολλαὶ ψυχαὶ ἀλλὰ μόρια πότερον δεῖ ζητεῖν πρότερον τὴν ὅλην ψυχὴν ἢ
τὰ μόρια χαλεπὸν δὲ καὶ τούτων διορίσαι ποῖα πέφυκεν ἕτερα ἀλλήλων καὶ πότερον
τὰ μόρια χρὴ ζητεῖν πρότερον ἢ τὰ ἔργα αὐτῶν
Aleacutem disso no caso de serem muitas as partes e natildeo as almas deve-se primeiro
investigar a alma como um todo ou suas partes Tambeacutem eacute difiacutecil definir quais dentre
estas satildeo por natureza distintas entre si e se eacute uacutetil investigar primeiro as partes ou
suas funccedilotildees DA I 1 402b9-12 (Trad de Gomes dos Reis)
Na medida em que a alma eacute composta de partes que correspondem agraves suas
capacidades se decide se a investigaccedilatildeo abordaraacute primeiramente suas partes ou a alma como
um todo aleacutem de como investigar a capacidade ou a funccedilatildeo caso as capacidades sejam
distintas Ou seja eacute preciso decidir se a investigaccedilatildeo se inicia pela percepccedilatildeo ou pelo animal
ἀπορίαν δ ἔχει καὶ τὰ πάθη τῆς ψυχῆς πότερόν ἐστι πάντα κοινὰ καὶ τοῦ ἔχοντος ἢ
ἔστι τι καὶ τῆς ψυχῆς ἴδιον αὐτῆς
Haacute ainda a dificuldade de saber se as afecccedilotildees da alma satildeo todas comuns agravequilo que
possui alma ou se haacute tambeacutem alguma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma tatildeo somente DA I 1
403a3-5 (Trad de Gomes dos Reis)
Apoacutes uma exaustiva exposiccedilatildeo do que deve compor a definiccedilatildeo de alma
Aristoacuteteles elenca o uacuteltimo requisito de sua investigaccedilatildeo o grau de separabilidade da alma ou
de alguma de suas partes As capacidades de movimento reproduccedilatildeo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo e
imaginaccedilatildeo parecem ter sua ocorrecircncia no composto de corpo e alma que eacute o ser vivente
Entretanto haacute na teoria aristoteacutelica do intelecto sua face passiva e ativa conforme formulou a
tradiccedilatildeo sendo a ativa de natureza separada e imortal16
Isto faria desta parte do intelecto uma
afecccedilatildeo proacutepria da alma sem ocorrecircncia conjunta com o corpo Filopono17
comenta que este eacute
um problema determinante para a composiccedilatildeo da definiccedilatildeo de alma Se a alma tem afecccedilotildees
proacuteprias e separadas do corpo a definiccedilatildeo dispensaraacute o corpo de seu enunciado Se pelo
contraacuterio as afecccedilotildees aniacutemicas tecircm ocorrecircncia corpoacuterea entatildeo a definiccedilatildeo de alma deve
conter o corpo em seu enunciado
O que se conquista enfim com esta taacutebua de definiccedilatildeo em De Anima I 1 Que
investigar a natureza da alma eacute responder a seu gecircnero de ser o que implica em saber se a
16χωρισθεὶς δ ἐστὶ μόνον τοῦθ ὅπερ ἐστί καὶ τοῦτο μόνον ἀθάνατον καὶ ἀΐδιον ldquoSomente isto [o intelecto]
quando separado eacute propriamente o que eacute e somente isto eacute imortal e eternordquo DA III 5 (Trad Gomes dos Reis) 17 εἰ μὲν οὖν ὡς ὀργάνῳ χρῆται τῷ σώματι ἰδίᾳ ἔχουσα τὰς ἐνεργείας οὐ δεῖ προσχρήσασθαι τῷ σώματι πρὸς
τὸν ὁρισμόν οὐ γὰρ συμπληροῖ τὴν οὐσίαν τοῦ τέκτονος τὸ σκέπαρνον εἰ δὲ ἐν τῷ σώματι ἔχει τὸ εἶναι ὡς
εἶναι τὰς ἐνεργείας τοῦ συναμφοτέρου ἀνάγκη προσχρήσασθαι ἐν τῷ ὁρισμῷ τῷ σώματι ὥσπερ ἐπὶ τοῦ θυμοῦ
ἐλέγομεν ἀναγκαία οὖν ἡ τούτων λῆψις οὐκ εὐχερὴς δέ ltπάθηgt δὲ κοινότερον τὰς ἐνεργείας τῆς ψυχῆς
ἐκάλεσε ldquoSe usa o corpo como instrumento e tem suas atividades peculiares a si mesmo natildeo haacute qualquer
necessidade de se remeter ao corpo na definiccedilatildeo ndash pois um machado natildeo completa a essecircncia de um carpinteiro ndash
mas se a alma tem seu ser no corpo e suas atividades pertencem ao composto eacute necessaacuterio tambeacutem se remeter
ao corpo na definiccedilatildeo tal qual como nos referimos em relaccedilatildeo ao iacutempeto Estabelecer essas coisas entatildeo eacute
necessaacuterio poreacutem natildeo eacute faacutecil Afecccedilatildeo eacute o termo mais geral que ele usa para as atividades da almardquo
PHILOPONUS Com DA 4429-35 (Trad da trad de P J Eijk)
19
alma eacute potencialmente ou em atualidade Isto posto se a alma eacute como uma substacircncia e
portanto una ou separaacutevel e caso seja em partes se satildeo divisiacuteveis ou natildeo Aleacutem disso se a
definiccedilatildeo deve abranger diversos tipos de alma ou se haacute uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie Por
fim se sua investigaccedilatildeo parte das partes ou do todo
20
2 A NOCcedilAtildeO DE ALMA EM ARISTOacuteTELES
A noccedilatildeo de alma em Aristoacuteteles obedece trecircs momentos de elaboraccedilatildeo Um primeiro
ao longo da discussatildeo das endoxai de seus predecessores em DA I 2-5 Em outro quando
argumenta por conceitos metafiacutesicos e formula a noccedilatildeo geral de alma em DA II 1 Aleacutem de
um uacuteltimo a partir de DA II 2 quando se formula uma outra noccedilatildeo de alma pelas
capacidades Esta trajetoacuteria visa (i) levantar as teses que foram elaboradas sobre o assunto
visando extrair certos princiacutepios verdadeiros Com estes princiacutepios (ii) se expotildee a noccedilatildeo
geral Mas esta noccedilatildeo que responde sobre o ser da alma natildeo indica os tipos especiacuteficos de
vida Portanto (iii) eacute preciso inquirir por outra abordagem e provar que a alma eacute princiacutepio das
capacidades que manifestam vida no ser pois atraveacutes dessas capacidades explicamos esses
distintos modos de viver Como se veraacute esta travessia responde agrave taacutebua de definiccedilatildeo de DA I
1 e Aristoacuteteles ara todo o terreno sobre o qual ele ergue sua psicologia
21 A DEFINICcedilAtildeO PELA FORMA
Aristoacuteteles conclui seu levantamento das endoxai em DA I 2-5 com duas noccedilotildees
relativas agrave alma que ela eacute una18
e imoacutevel19
Somente no iniacutecio do livro seguinte em DA II 1
ele apresenta sua noccedilatildeo onde o objetivo traccedilar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos)
que abarque as vaacuterias formas de vida
18 φαίνεται δὲ καὶ τὰ φυτὰ διαιρούμενα ζῆν καὶ τῶν ζῴων ἔνια τῶν ἐντόμων ὡς τὴν αὐτὴν ἔχοντα ψυχὴν τῷ
εἴδει εἰ καὶ μὴ ἀριθμῷ ἑκάτερον γὰρ τῶν μορίων αἴσθησιν ἔχει καὶ κινεῖται κατὰ τόπον ἐπί τινα χρόνον εἰ δὲ
μὴ διατελοῦσιν οὐθὲν ἄτοπον ὄργανα γὰρ οὐκ ἔχουσιν ὥστε σώζειν τὴν φύσιν ἀλλ οὐδὲν ἧττον ἐν ἑκατέρῳ
τῶν μορίων ἅπαντ ἐνυπάρχει τὰ μόρια τῆς ψυχῆς καὶ ὁμοειδῆ ἐστιν ἀλλήλοις καὶ τῇ ὅλῃ ἀλλήλοις μὲν ὡς οὐ
χωριστὰ ὄντα τῇ δ ὅλῃ ψυχῇ ὡς οὐ διαιρετῇ οὔσῃ ἔοικε δὲ καὶ ἡ ἐν τοῖς φυτοῖς ἀρχὴ ψυχή τις εἶναι μόνης γὰρ
ταύτης κοινωνεῖ καὶ ζῷα καὶ φυτά καὶ αὕτη μὲν χωρίζεται τῆς αἰσθητικῆς ἀρχῆς αἴσθησιν δ οὐθὲν ἄνευ ταύτης
ἔχει ldquoEacute manifesto ainda que as plantas ndash e dentre os animais alguns insetos ndash quando secionadas continuam a
viver como se tivessem a mesma alma especificamente ainda que natildeo numericamente pois cada uma das partes
tem sensaccedilatildeo e move-se localmente por algum tempo Se natildeo sobrevivem natildeo resulta em absurdo algum pois
natildeo mantecircm oacutergatildeos aponto de conservar a sua natureza Em cada uma das partes poreacutem estatildeo todas as partes da
alma e nenhuma a menos E elas satildeo da mesma espeacutecie entre si e em relaccedilatildeo agrave alma inteira ndash as diversas partes
satildeo inseparaacuteveis uma das outras embora a alma inteira seja divisiacutevel Parece que o princiacutepio encontrado nas
plantas eacute tambeacutem um certo tipo de alma pois eacute apenas compartilhada por animais e plantas e ela existe
separada do princiacutepio perceptivo embora sem ela nada possa ter percepccedilatildeordquo 411b19-411b30 19ὅτι μὲν οὖν οὔθ ἁρμονίαν οἷόν τ εἶναι τὴν ψυχὴν οὔτε κύκλῳ περιφέρεσθαι δῆλον ἐκ τῶν εἰρημένων ldquoQue a
alma natildeo pode ser harmonia nem locomover-se em ciacuterculo fica claro a partir do que foi ditordquo 408ordf29-30 (Trad
Gomes dos Reis)
ὅτι μὲν οὖν οὐχ οἷόν τε κινεῖσθαι τὴν ψυχήν φανερὸν ἐκ τούτων εἰ δ ὅλως μὴ κινεῖται δῆλον ὡς οὐδ ὑφ
ἑαυτῆς Eacute evidente a partir disso tudo que natildeo eacute possiacutevel que a alma se mova ldquoE se de todo modo natildeo se move eacute
claro tambeacutem que natildeo se move por si mesmardquo 408b30-31 (Trad Gomes dos Reis)
φανερὸν οὖν ἐκ τῶν εἰρημένων ὡς οὔτε τὸ γινώσκειν ὑπάρχει τῇ ψυχῇ διὰ τὸ ἐκ τῶν στοιχείων εἶναι οὔτε τὸ
κινεῖσθαι αὐτὴν καλῶς οὐδ ἀληθῶς λέγεται ldquoEacute manifesto entatildeo a partir do que foi dito que nem o conhecer
subsite na alma por ela ser composta dos elementos nem eacute uma maneira certa ou verdadeira dizer qua a alma eacute
movidardquo 411a24-26 (Trad Gomes dos Reis)
21
Τὰ μὲν δὴ ὑπὸ τῶν πρότερον παραδεδομένα περὶ ψυχῆς εἰρήσθω πάλιν δ ὥσπερ ἐξ
ὑπαρχῆς ἐπανίωμεν πειρώμενοι διορίσαι τί ἐστι ψυχὴ καὶ τίς ἂν εἴη κοινότατος λόγος
αὐτῆς
Tendo dito o suficiente sobre as opiniotildees a respeito da alma fornecida por nossos
predecessores retomemos como que do comeccedilo e tentemos definir o que eacute a alma e
qual seria seu enunciado mais geral 412a1-6 (Trad Gomes dos Reis)
A busca pelo enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) visa uma definiccedilatildeo de alma
comum agraves diversas formas de vida Em meio agrave pluralidade de modos de vida a alma eacute aquilo
a partir do qual essa pluralidade se unifica num gecircnero de ser ndash o dos seres viventes
(empsykhon) Aristoacuteteles compreende que uma noccedilatildeo puramente geneacuterica natildeo explica as
formas especiacuteficas do objeto de estudo Entretanto o enunciado geral responde agrave primeira
parte da taacutebua de definiccedilatildeo como notaremos no decorrer da definiccedilatildeo pela forma que seraacute
enunciada Com eles Aristoacuteteles alicerccedila conceitualmente as outras definiccedilotildees que seratildeo
formuladas nos outros capiacutetulos
Assim entatildeo Aristoacuteteles inicia seu argumento
λέγομεν δὴ γένος ἕν τι τῶν ὄντων τὴν οὐσίαν ταύτης δὲ τὸ μέν ὡς ὕλην ὃ καθ αὑτὸ
οὐκ ἔστι τόδε τι ἕτερον δὲ μορφὴν καὶ εἶδος καθ ἣν ἤδη λέγεται τόδε τι καὶ τρίτον
τὸ ἐκ τούτων ἔστι δ ἡ μὲν ὕλη δύναμις τὸ δ εἶδος ἐντελέχεια καὶ τοῦτο διχῶς τὸ
μὲν ὡς ἐπιστήμη τὸ δ ὡς τὸ θεωρεῖν
Dizemos que um dos gecircneros dos seres eacute a substacircncia E substacircncia primeiro no
sentido de mateacuteria ndash que por si mesmo natildeo eacute algo determinado ndash e ainda no sentido
de figura e forma ndash em virtude do que jaacute se diz que eacute algo determinado ndash e por fim
no sentido de composto de ambas A mateacuteria por sua vez eacute potecircncia ao passo que a
forma eacute atualidade e isto de dois modos seja como ciecircncia seja como inquirir DA II
1 412a6-11(Trad Gomes dos Reis)
Aristoacuteteles parte de teses presentes em seu tratado de filosofia primeira a Metafiacutesica
Laacute ele investiga o ser enquanto ser que tem muitos significados mas todos convergem para
um soacute20
O que responde a estes diversos significados do que eacute o ser ao ti estiacute eacute a
substacircncia21
(ousiacutea) Satildeo substacircncias a mateacuteria (hyacutele) a forma (morpheacute) e o composto de
ambas ( tograve ek touacutetoon) 22
Apesar da mateacuteria ser indeterminada23
permanece na mudanccedila e eacute
20 διὸ καὶ ἡμῖν τοῦ ὄντος ᾗ ὂν τὰς πρώτας αἰτίας ληπτέον Τὸ δὲ ὂν λέγεται μὲν πολλαχῶς ἀλλὰ πρὸς ἓν καὶ μίαν
τινὰ φύσιν Por isso tambeacutem noacutes devemos apreender as causas primeiras do ente enquanto ente ldquoEnterdquo se diz de
muitas maneiras mas em relaccedilatildeo a algo uacutenico e a uma natureza uacutenicardquo Met G 1-2 1003ordf31-32 (Trad Lucas
Angioni) 21τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν ldquoE
sendo o ente dito de muitos modos eacute evidente que o ente primeiro eacute o que eacute entre todos o que designa a
substacircnciardquo Met Z 2 1028b13-15 (Trad Lucas Angioni) 22 αὗται δ εἰσὶν αἱ αἰσθηταί αἱ δ αἰσθηταὶ οὐσίαι πᾶσαι ὕλην ἔχουσιν ἔστι δ οὐσία τὸ ὑποκείμενον ἄλλως μὲν
ἡ ὕλη (ὕλην δὲ λέγω ἣ μὴ τόδε τι οὖσα ἐνεργείᾳ δυνάμει ἐστὶ τόδε τι) ἄλλως δ ὁ λόγος καὶ ἡ μορφή ὃ τόδε τι
ὂν τῷ λόγῳ χωριστόν ἐστιν τρίτον δὲ τὸ ἐκ τούτων οὗ γένεσις μόνου καὶ φθορά ἐστι καὶ χωριστὸν ἁπλῶς τῶν
γὰρ κατὰ τὸν λόγον οὐσιῶν αἱ μὲν αἱ δ οὔ ldquoE agora devemos reexaminar as substacircncias que satildeo admitidas por
todos E essas satildeo as substacircncias sensiacuteveis Todas as substacircncias sensiacuteveis tecircm mateacuteria E substacircncia eacute o
substrato o qual em certo sentido significa a mateacuteria (chamo mateacuteria o que natildeo eacute algo determinado em ato mas
22
objeto de predicaccedilatildeo caracteriza-se como o substrato (hypokeiacutemenon) do composto Para ser
determinada a mateacuteria depende da forma que lhe confere ser (ti estiacute) Assim toda mateacuteria
determinada pela forma seraacute um composto Por isso Aristoacuteteles defende que uma boa
definiccedilatildeo das substacircncias compostas eacute a que enuncie a determinaccedilatildeo da forma na mateacuteria24
Em suma a substacircncia eacute o gecircnero primeiro de ser sendo esta tanto mateacuteria quanto forma
assim como o composto de ambas
A indeterminaccedilatildeo da mateacuteria e a determinaccedilatildeo da forma estatildeo intrinsecamente
relacionadas aos conceitos correlatos de potecircncia (dyacutenamis) e atualidade (enteleacutekheia) na
filosofia primeira de Aristoacuteteles A mateacuteria eacute indeterminada pois natildeo eacute algo em ato mas em
potecircncia na medida que eacute passiacutevel de determinaccedilatildeo pela forma Aristoacuteteles assinala que ser
em potecircncia significa ter o princiacutepio de movimento (kiacutenesis) ou de modicaccedilatildeo (metaboleacute) seja
por causa extriacutenseca ou intriacutenseca25
A mateacuteria portanto eacute potecircncia pois traz em si o princiacutepio
de ser movida ou modificada por si mesma ou por um outro isto Potecircncia tambeacutem estaacute
algo determinado soacute em potecircncia) num segundo sentido significa a essecircncia e a forma (a qual sendo algo
determinado pode ser separada pelo pensamento) e num terceiro sentido significa o composto de mateacuteria e de
forma (e soacute este estaacute submetido agrave geraccedilatildeo e agrave corrupccedilatildeo e eacute separado em sentido proacuteprio enquanto das
substacircncias entendidas segundo a forma algumas satildeo separadas outras natildeo satildeo)rdquo H 1042a24-31 (Trad Giovani
Reale) 23 λέγω δ ὕλην ἣ καθ αὑτὴν μήτε τὶ μήτε ποσὸν μήτε ἄλλο μηδὲν λέγεται οἷς ὥρισται τὸ ὄν ἔστι γάρ τι καθ οὗ
κατηγορεῖται τούτων ἕκαστον ᾧ τὸ εἶναι ἕτερον καὶ τῶν κατηγοριῶν ἑκάστῃ (τὰ μὲν γὰρ ἄλλα τῆς οὐσίας
κατηγορεῖται αὕτη δὲ τῆς ὕλης) ὥστε τὸ ἔσχατον καθ αὑτὸ οὔτε τὶ οὔτε ποσὸν οὔτε ἄλλο οὐδέν ἐστιν οὐδὲ δὴ
αἱ ἀποφάσεις καὶ γὰρ αὗται ὑπάρξουσι κατὰ συμβεβηκός ldquoChamo mateacuteria aquilo que por si natildeo eacute algo
determinado nem uma quantidade nem qualquer outra das determinaccedilotildees do ser Existe de fato alguma coisa da
qual cada uma dessas determinaccedilotildees eacute predicada alguma coisa cujo ser eacute diferente do ser de cada uma das
categorias Todas as outras categorias com efeito satildeo predicadas da substacircncia e esta por sua vez eacute predicada
da mateacuteria Assim este termo por si natildeo eacute nem algo determinado nem quantidade nem qualquer outra
categoria e natildeo eacute nem sequer as negaccedilotildees destas porque as negaccedilotildees soacute existem de modo acidentalrdquo Met Z 3
1029ordf20-26 (Trad Giovani Reale) 24 οἱ δὲ ἀγγεῖον σκεπαστικὸν χρημάτων καὶ σωμάτων ἤ τι ἄλλο τοιοῦτον προτιθέντες τὴν ἐνέργειαν λέγουσιν οἱ
δ ἄμφω ταῦτα συντιθέντες τὴν τρίτην καὶ τὴν ἐκ τούτων οὐσίαν (ἔοικε γὰρ ὁ μὲν διὰ τῶν διαφορῶν λόγος τοῦ
εἴδους καὶ τῆς ἐνεργείας εἶναι ὁ δ ἐκ τῶν ἐνυπαρχόντων τῆς ὕλης μᾶλλον) ὁμοίως δὲ καὶ οἵους Ἀρχύτας
ἀπεδέχετο ὅρους τοῦ συνάμφω γάρ εἰσιν ldquoAo contraacuterio os que a definem dizendo que eacute um refuacutegio para
proteger coisas e corpos ou alguma outra coisa desse tipo dizendo o que eacute a casa em ato enfim os que unem
ambas as definiccedilotildees experimenta substacircncia no terceiro significado como composto de mateacuteria e forma Eacute claro
que a definiccedilatildeo dada pelas diferenccedilas refere-se agrave forma e ao ato enquanto a definiccedilatildeo dada a partir dos
elementos refere-se prioritariamente agrave mateacuteria Semelhantes a estas eram as definiccedilotildees que Arquita aprovava
elas referiam-se ao conjunto de mateacuteria e formardquo H 2 1043ordf17-21 (Trad Giovani Reale)
φανερὸν δὴ ἐκ τῶν εἰρημένων τίς ἡ αἰσθητὴ οὐσία ἐστὶ καὶ πῶς ἡ μὲν γὰρ ὡς ὕλη ἡ δ ὡς μορφὴ καὶ ἐνέργεια
ἡ δὲ τρίτη ἡ ἐκ τούτων ldquoDo que foi dito fica claro o que eacute a substacircncia sensiacutevel e qual eacute seu modo de ser ela eacute
por um lado mateacuteria por outro forma e ato e num terceiro sentido o conjunto de mateacuteria e de formardquo Met H
2 1043a26-28 (Trad Giovani Reale) 25 ἡ μὲν οὖν ὅλως ἀρχὴ μεταβολῆς ἢ κινήσεως λέγεται δύναμις ἐν ἑτέρῳ ἢ ᾗ ἕτερον ἡ δ ὑφ ἑτέρου ἢ ᾗ ἕτερον
(καθ ἣν γὰρ τὸ πάσχον πάσχει τι ὁτὲ μὲν ἐὰν ὁτιοῦν δυνατὸν αὐτό φαμεν εἶναι παθεῖν ὁτὲ δ οὐ κατὰ πᾶν
πάθος ἀλλ ἂν ἐπὶτὸ βέλτιον) ldquoPotecircncia portanto significa em primeiro lugar esse princiacutepio de mudanccedila ou de
movimento que se encontra em outra coisa ou na propria coisa enquanto outra e em segundo lugar significa o
princiacutepio pelo qual uma coisa eacute mudada ou movida por outra ou por si mesma enquanto outrardquo Met Δ 12
1019ordf19-23 (Trad Giovani Reale)
23
relacionada ao princiacutepio de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo26
Na medida em que as coisas satildeo
constituiacutedas de um determinado modo elas trazem em potecircncia a manutenccedilatildeo de si diante da
accedilatildeo de outra coisa como a parede que natildeo quebra se batida com um copo de vidro ou trazem
em potecircncia a degeneraccedilatildeo tal qual um copo de vidro que quebra quando lanccedilado contra a
parede Jaacute a forma eacute atualidade (enteleacutekheia) tanto como ciecircncia quanto inquirir ou seja
enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) e atividade (energeia) Atualidade enquanto disposiccedilatildeo significa
a jaacute detenccedilatildeo de determinada capacidade mas sem sua atividade Ser apto a caminhar mas
estar sentado por exemplo Jaacute ato enquanto atividade significa o exerciacutecio dessa disposiccedilatildeo
Ser apto a caminhar e estar caminhando
οὐσίαι δὲ μάλιστ εἶναι δοκοῦσι τὰ σώματα καὶ τούτων τὰ φυσικά ταῦτα γὰρ τῶν
ἄλλων ἀρχαί τῶν δὲ φυσικῶν τὰ μὲν ἔχει ζωήν τὰ δ οὐκ ἔχει ζωὴν δὲ λέγομεν τὴν
δι αὑτοῦ τροφήν τε καὶ αὔξησιν καὶ φθίσιν ὥστε πᾶν σῶμα φυσικὸν μετέχον ζωῆς
οὐσία ἂν εἴη οὐσία δ οὕτως ὡς συνθέτη
E haacute a opiniatildeo de que sobretudo os corpos satildeo substacircncia entre os quais se encontram
os corpos naturais que satildeo princiacutepios dos demais Dos corpos naturais alguns tecircm
vida outros natildeo e dizemos que a vida eacute a nutriccedilatildeo por si mesmo o crescimento e o
decaimento Assim todo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido
de substacircncia composta DA II 1 412a11-16 (Trad Gomes dos Reis)
Aristoacuteteles retorna a uma tese geral amplamente adotada por ele segundo a qual dentre
as substacircncias as sensiacuteveis satildeo as mais aceitas27
por serem mais evidentes aos sentidos O que
26 ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ τοῦ πάσχειν ἔτι ὅσαι ἕξεις καθ ἃς ἀπαθῆ ὅλως ἢ ἀμετάβλητα ἢ μὴ ῥᾳδίως ἐπὶ τὸ χεῖρον
εὐμετακίνητα δυνάμεις λέγονται κλᾶται μὲν γὰρ καὶ συντρίβεται καὶ κάμπτεται καὶ ὅλως φθείρεται οὐ τῷ
δύνασθαι ἀλλὰ τῷ μὴ δύνασθαι καὶ ἐλλείπειν τινός ἀπαθῆ δὲ τῶν τοιούτων ἃ μόλις καὶ ἠρέμα πάσχει διὰ δύ
ναμιν καὶ τῷ δύνασθαι καὶ τῷ ἔχειν πώς ldquoO mesmo vale para a potecircncia passiva Aleacutem disso chamam-se
potecircncias todos os estados em virtude dos quais as coisas satildeo absolutamente impassiacuteveis ou imutaacuteveis ou natildeo
facilmente mutaacuteveis para pior De fato as coisas quebram-se degeneram-se dobram-se e em geral destroem-se
natildeo porque tecircm potecircncia mas porque natildeo tecircm potecircncia a e porque carecem de alguma coisa ao contraacuterio satildeo
impassiacuteveis relativamente a todo estes tipos de afecccedilotildees as coisas que dificilmente ou pouco satildeo afetadas por elas
por causa de sua potecircncia e de seu poder e por determinadas condiccedilotildees em que se encontremrdquo Met Δ 12 1019ordf
26-32 (Trad Giovani Reale) 27 Οὐσία λέγεται τά τε ἁπλᾶ σώματα οἷον γῆ καὶ πῦρ καὶ ὕδωρ καὶ ὅσα τοιαῦτα καὶ ὅλως σώματα καὶ τὰ ἐκ
τούτων συνεστῶτα ζῷά τε καὶ δαιμόνια καὶ τὰ μόρια τούτων ἅπαντα δὲ ταῦτα λέγεται οὐσία ὅτι οὐ καθ
ὑποκειμένου λέγεται ἀλλὰ κατὰ τούτων τὰ ἄλλα ldquoSubstacircncia em certo sentido se diz dos corpos simples por
exemplo o fogo a terra a aacutegua e todos os corpos como estes e em geral todos os corpos e as coisas compostas
a partir deles como os animais e os seres divinos e suas partes Todas essas coisas satildeo ditas substacircncias porque
natildeo satildeo predicadas de um substrato mas tudo o mais eacute predicado delasrdquo Met Δ 1017b10ndash14 (Trad Giovani
Reale)
Τὸ ὂν λέγεται πολλαχῶς καθάπερ διειλόμεθα πρότερον ἐν τοῖς περὶ τοῦ ποσαχῶς σημαίνει γὰρ τὸ μὲν τί ἐστι
καὶ τόδε τι τὸ δὲ ποιὸν ἢ ποσὸν ἢ τῶν ἄλλων ἕκαστον τῶν οὕτω κατηγορουμένων τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου
τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν (ὅταν μὲν γὰρ εἴπωμεν ποῖόν τι
τόδε ἢ ἀγαθὸν λέγομεν ἢ κακόν ἀλλ οὐ τρίπηχυ ἢ ἄνθρωπον ldquoO ser tem muitos signficados como
estabelecemos anteriormente no livro dedicado aos diversos significados dos termos De fato o ser signfica de
um lado essecircncia e algo determinado de outro qualidade ou quantidade e cada uma das outras categorias
Mesmo sendo dito em tantos signficados eacute evidente que o primeiro dos significados do ser eacute a essecircncia que
indica a substacircncia (De fato quando perguntamos a qualidade de alguma coisa dizemos que eacute boa ou maacute mas
natildeo que tem trecircs cocircvados ou que eacute homemrdquo 1028a10ndash16 (Trad Giovani Reale)
24
Aristoacuteteles chama aqui de corpos naturais (physikoacuten) corresponde aos compostos que datildeo
origem aos artificiais e com a abstraccedilatildeo das suas unidades a objetos matemaacuteticos Mas natildeo
satildeo elementos ou partes sem unidade como o olho ou a raiz da aacutervore Pois eacute o animal que
deteacutem o olho e a aacutervore que deteacutem a raiacutez Sendo assim os corpos naturais se diferenciam
entre os que vivem e os que natildeo vivem Estes que natildeo vivem satildeo os corpos artificiais os
corpos celestes e o cadaacutever Um corpo morto seraacute de animal senatildeo por homoniacutemia pois natildeo
tem como atividade o viver E o viver eacute nutrir-se eacute crescer e eacute decair Donde Aristoacuteteles
conclui que ldquotodo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido de substacircncia
compostardquo Os seres viventes (empsykhon) satildeo substacircncias compostas de mateacuteria (corpo) e
forma (alma) tendo como atividade o viver
ἐπεὶ δ ἐστὶ καὶ σῶμα καὶ τοιόνδε ζωὴν γὰρ ἔχον οὐκ ἂν εἴη σῶμα ἡ ψυχή οὐ γάρ
ἐστι τῶν καθ ὑποκειμένου τὸ σῶμα μᾶλλον δ ὡς ὑποκείμενον καὶ ὕλη ἀναγκαῖον
ἄρα τὴν ψυχὴν οὐσίαν εἶνα ὡς εἶδος σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν ἔχοντος
E uma vez que essa substacircncia tambeacutem eacute um corpo de tal tipo ndash que tem vida ndash a
alma natildeo eacute corpo pois o corpo natildeo eacute um dos predicados do substrato antes ele eacute
como o substrato e a mateacuteria Necessariamente entatildeo a alma eacute substacircncia como
forma de um corpo natural potencialmente vivo 412ordf16-21 (Trad Maria Ceciacutelia
Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo proacutepria)
Finalmente Aristoacuteteles tece sua uacuteltima premissa e enuncia uma primeira definiccedilatildeo de
alma Dado que os corpos naturais dotados de vida satildeo compostos hilemoacuterficos cabe eliminar
qualquer possibilidade da alma ser corpo O argumento eacute conciso Haacute substacircncias que satildeo um
corpo dotado de vida Este corpo vivo natildeo eacute alma Mas substrato (hypokeimeacutenon) e mateacuteria
(hyacutele) do composto E como tal eacute objeto de predicaccedilatildeo da forma Portanto a alma natildeo pode
ser corpo pois ela que o predica
Em Met Z 3 escreve Aristoacuteteles que o substrato eacute aquilo que eacute predicado pelas coisas
enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outra28
Jaacute a substacircncia eacute aquilo que predica o
substrato mas que natildeo eacute predicada pelas outras coisas Sendo assim inerem no substrato
determinaccedilotildees como quantidade afecccedilotildees accedilotildees e potecircncias Poreacutem raspadas as
determinaccedilotildees o que resta eacute o substrato primeiro mateacuteria Contudo como jaacute enunciado
ὁμολογούμεναι μὲν αἱ φυσικαί οἷον πῦρ γῆ ὕδωρ ἀὴρ καὶ τἆλλα τὰ ἁπλᾶ σώματα ἔπειτα τὰ φυτὰ καὶ τὰ μόρια
αὐτῶν καὶ τὰ ζῷα καὶ τὰ μόρια τῶν ζῴων καὶ τέλος ὁ οὐρανὸς καὶ τὰ μόρια τοῦ οὐρανοῦ ἰδίᾳ δέ τινες οὐσίας
λέγουσιν εἶναι τά τ εἴδη καὶ τὰ μαθηματικά ldquoSubstacircncias admitidas por todos satildeo as fiacutesicas como fogo terra
aacutegua ar e os outros corpos simples ademais as plantas e suas partes do ceacuteu Alguns filoacutesofos ao contraacuterio em
funccedilatildeo de suas opiniotildees particulares afirmaram que substacircncias satildeo as Formas e os Entes matemaacuteticosrdquo Met H
1042a7ndash11(Trad Giovani Reale)
28 τὸ δ ὑποκείμενόν ἐστι καθ οὗ τὰ ἄλλα λέγεται ἐκεῖνο δὲ αὐτὸ μηκέτι κατ ἄλλου ldquoO Substrato eacute aquilo de
que satildeo predicadas todas as outras coisas enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outrardquo Met Z 3 1028b36 ndash
1029a1 (Trad Giovani Reale)
25
acima Aristoacuteteles compreende a mateacuteria como algo indeterminado Apesar disso haacute algo da
qual todas as outras determinaccedilotildees satildeo predicadas E sendo a substacircncia um algo separado
que predica a mateacuteria ou seja que referencia e determina a mateacuteria substacircncia e mateacuteria natildeo
podem ser idecircnticas O que este argumento nos ajuda a compreender eacute o pressuposto
metafiacutesico sobre o qual Aristoacuteteles identifica o corpo com o substrato impossibilitando que
este seja identificado com a alma Ou seja a substacircncia que predica o corpo
Portanto se o corpo eacute substrato material do composto orgacircnico vivo segue-se
necessariamente que a alma eacute a substacircncia formal Aristoacuteteles enuncia entatildeo seu perseguido
enunciado mais geral a alma eacute substacircncia como forma de um corpo natural potencialmente
vivo A alma enquanto substacircncia do composto vivo eacute substacircncia no sentido de forma Com
este enunciado Aristoacuteteles responde o primeiro ponto do elenco de questotildees a serem
abordadas numa investigaccedilatildeo da alma a saber a qual gecircnero de ser pertence a alma
Para a alma ser forma de um corpo potencialmente vivo ndash e ser potencialmente vivo eacute
dispor de oacutergatildeos passiacuteveis de realizaccedilatildeo das atividades proacuteprias ao viver ndash significa ser o
princiacutepio estruturante e configurador das funccedilotildees (eacutergon) de vida Assim a alma eacute o princiacutepio
e causa determinante do ser atraveacutes das atividades proacuteprias ao viver em um corpo de tal tipo
Portanto a alma configura a realidade das substacircncias compostas viventes sendo aquilo a
partir e em vista do que a vida se daacute
Aristoacuteteles abre caminho para a responder sua taacutebua de definiccedilotildees de DA I 1 A
primeira delas eacute configurar a relaccedilatildeo entre a alma e o corpo fundamentando a noccedilatildeo de
inseparabilidade entre uma e outro Pois ser a forma de um composto demanda que a alma se
atualize apenas se instanciada em um estofo material e seja seu princiacutepio de ser Em siacutentese a
alma eacute como a substacircncia e o corpo eacute como o substrato da substacircncia composta viva que eacute o
ser vivente
Seguindo as noccedilotildees jaacute traccediladas anteriormente Aristoacuteteles desdobraraacute outras duas
caracteriacutesticas proacuteprias agrave alma atualidade primeira e princiacutepio de determinaccedilatildeo do corpo Jaacute
que a alma eacute forma e forma eacute atualidade entatildeo a alma eacute atualidade deste corpo
potencialmente vivo como se lecirc logo em seguida
ἡ δ οὐσία ἐντελέχεια τοιούτου ἄρα σώματος ἐντελέχεια αὕτη δὲ λέγεται διχῶς ἡ
μὲν ὡς ἐπιστήμη ἡ δ ὡς τὸ θεωρεῖν φανερὸν οὖν ὅτι ὡς ἐπιστήμη ἐν γὰρ τῷ
ὑπάρχειν τὴν υχὴν καὶ ὕπνος καὶ ἐγρήγορσίς ἐστιν ἀνάλογον δ ἡ μὲν ἐγρήγορσις τῷ
θεωρεῖν ὁ δ ὕπνος τῷ ἔχειν καὶ μὴ ἐνεργεῖν προτέρα δὲ τῇ γενέσει ἐπὶ τοῦ αὐτοῦ ἡ
ἐπιστήμη διὸ ἡ ψυχή ἐστιν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν
ἔχοντος
E a substacircncia eacute atualidade Portanto eacute de um corpo de tal tipo que a alma eacute
atualidade Mas esta se diz de dois modos ndash primeiro como ciecircncia segundo como o
26
inquirir Eacute claro entatildeo que a alma eacute atualidade como ciecircncia pois ao subsistir a alma
haacute tanto o sono como a vigiacutelia e a vigiacutelia eacute algo anaacutelogo ao inquirir o sono a possuir
a ciecircncia mas natildeo a exercecirc-la e no que concerne a um mesmo indiviacuteduo a ciecircncia eacute
a primeira atualidade de um corpo natural que tem em potecircncia vida DA II 1 412a21-
28 (Trad Gomes dos Reis)
Como jaacute estabelecido em 401a6-11 a atualidade se diz segundo a disposiccedilatildeo e a
atividade Aqui disposiccedilatildeo (heacutexis) estaacute para a ciecircncia (epistecircme) como atividade (energeacuteia)
estaacute para inquirir (theoreicircn) Portanto disposiccedilatildeo eacute a obtenccedilatildeo de dada capacidade sem
executaacute-la enquanto atividade eacute sua execuccedilatildeo
Aristoacuteteles conclui seu argumento especificando a alma como uma atualidade primeira
(enteleacutekheia proteacute) Charlton29
propotildee que o termo ldquoprimeirordquo (proteacute) se refira agrave atualidade no
primeiro sentido ou seja enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) O que parece plausiacutevel pois o texto
aristoteacutelico nos diz que a alma eacute atualidade como ciecircncia (phanerograven oucircn hoacuteti hocircs episteme)
Aleacutem disso nas discussotildees preliminares sobre a capacidade perceptiva Aristoacuteteles discorre
um pouco mais sobre as diferenccedilas entre atualidade em termos de disposiccedilatildeo e atividade
διαιρετέον δὲ καὶ περὶ δυνάμεως καὶ ἐντελεχείας νῦν γὰρ ἁπλῶς ἐλέγομεν περὶ
αὐτῶν ἔστι μὲν γὰρ οὕτως ἐπιστῆμόν τι ὡς ἂν εἴποιμεν ἄνθρωπον ἐπιστήμονα ὅτι ὁ
ἄνθρωπος τῶν ἐπιστημόνων καὶ ἐχόντων ἐπιστήμην ἔστι δ ὡς ἤδη λέγομεν
ἐπιστήμονα τὸν ἔχοντα τὴν γραμματικήν ἑκάτερος δὲ τούτων οὐ τὸν αὐτὸν τρόπον
δυνατός ἐστιν ἀλλ ὁ μὲν ὅτι τὸ γένος τοιοῦτον καὶ ἡ ὕλη ὁ δ ὅτι βουληθεὶς δυνατὸς
θεωρεῖν ἂν μή τι κωλύσῃ τῶν ἔξωθεν ὁ δ ἤδη θεωρῶν ἐντελεχείᾳ ὢν καὶ κυρίως
ἐπιστάμενος τόδε τὸ Α ἀμφότεροι μὲν οὖν οἱ πρῶτοι κατὰ δύναμιν ἐπιστήμονες
ltὄντες ἐνεργείᾳ γίνονται ἐπιστήμονεςgtἀλλ ὁ μὲν διὰ μαθήσεως ἀλλοιωθεὶς καὶ
πολλάκις ἐξ ἐναντίας μεταβαλὼν ἕξεως ὁ δ ἐκ τοῦ ἔχειν τὴν ἀριθμητικὴν ἢ τὴν
γραμματικήν μὴ ἐνεργεῖν δέ εἰς τὸ ἐνεργεῖν ἄλλον τρόπον
Eacute preciso ainda fazer distinccedilotildees no que diz respeito agrave potecircncia e agrave atualidade Pois ateacute
agora falaacutevamos disso de maneira simples Por um lado haacute aquele que conhece no
sentido em que diriacuteamos ser o homem conhecedor por estar entre os que conhecem e
possuem conhecimento e haacute em outro sentido aquele que dizemos ser conhecedor
por jaacute saber a gramaacutetica (e cada um deles eacute em potecircncia mas natildeo da mesma maneira
o primeiro por que eacute de tal gecircnero e mateacuteria o outro porque se quiser pode inquirir
nada externo o impedindo) E haacute por fim aquele que estaacute inquirindo e em atualidade
conhecendo em sentido proacuteprio este ldquoArdquo determinado Os dois primeiros satildeo
conhecedores em potecircncia um por ter-se alterado via aprendizagem e por passar
vaacuterias vezes de uma das disposiccedilotildees contraacuterias a outra o outro de outro modo por
passar do ter a percepccedilatildeo sensiacutevel30 ou a gramaacutetica sem exercitaacute-lo ao estar em
exerciacutecio DA II 5 417a21-b2 (Trad Gomes dos Reis)
O ser humano eacute configurado de modo a realizar certas atividades como a nutriccedilatildeo a
percepccedilatildeo e a inquiriccedilatildeo Entretanto a pura organizaccedilatildeo fiacutesica natildeo basta para que elas sejam
realizadas Assim somente quando a funccedilatildeo proacutepria de determinada disposiccedilatildeo fiacutesica entra
em atividade eacute que aquilo que eacute em potecircncia se torna uma atualidade No caso acima a
capacidade de inquirir Mas toda capacidade exige um objeto para entrar em atividade E o
29 1980 p 174 30 A tradutora optou por substituir o termo ldquoarithmetikegravenrdquo por ldquoaiacutesthesinrdquo Cf GOMES DOS REIS 2012 p 84
27
que era uma potecircncia de aprendizado para o inquiridor torna-se uma atualidade pela atividade
da sua inquiriccedilatildeo Deste modo haacute trecircs instacircncias que vatildeo da potecircncia agrave atualidade Na
primeira o ser vivente eacute dotado da capacidade de aprender a inquirir Na segunda esta
disposiccedilatildeo eacute posta em atividade tendo um objeto para se inquirir Na terceira eacute a atividade
dessa capacidade aprendida ou adquirida que se tem uma atualidade plena No primeiro caso
eacute claramente uma capacidade segundo uma disposiccedilatildeo No segundo caso jaacute temos um estado
de atualidade na medida em que haacute o exerciacutecio dessa capacidade proacutepria ao ser vivente
Aristoacuteteles chama isso de potecircncia pois em relaccedilatildeo agrave terceira instacircncia aquele modo de
atualidade eacute ainda suscetiacutevel de alteraccedilatildeo E quando essa nova capacidade a gramaacutetica eacute
adquirida pela atividade desta nova capacidade de inquirir possiacutevel apenas pela sua
disposiccedilatildeo na fisiologia do ser vivente a capacidade se atualiza plenamente
Assim a alma eacute atualidade primeira de um corpo potencialmente vivo enquanto
princiacutepio de atividade das capacidades proacuteprias ao viver presentes como disposiccedilatildeo que a
forma engendra neste corpo Isto fica mais evidente em DA II 1 412b5-9
εἰ δή τι κοινὸν ἐπὶ πάσης ψυχῆς δεῖ λέγειν εἴη ἂν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος
φυσικοῦ ὀργανικοῦ διὸ καὶ οὐ δεῖ ζητεῖν εἰ ἓν ἡ ψυχὴ καὶ τὸ σῶμα ὥσπερ οὐδὲ τὸν
κηρὸν καὶ τὸ σχῆμα οὐδ ὅλως τὴν ἑκάστου ὕλην καὶ τὸ οὗ ἡ ὕλη τὸ γὰρ ἓν καὶ τὸ
εἶναι ἐπεὶ πλεοναχῶς λέγεται τὸ κυρίως ἡ ἐντελέχειά ἐστιν
Se eacute preciso enunciar algo comum a toda e qualquer alma seria que eacute a primeira
atualidade do corpo natural orgacircnico E por isso inclusive natildeo eacute preciso investigar se
alma e corpo satildeo uma unidade ndash tampouco se a cera e a figura o satildeo e em suma nem
se a mateacuteria de cada coisa e aquilo de que eacute mateacuteria ndash pois jaacute que se diz unidade ser
de muitos modos o mais apropriado deles eacute a atualidade (Trad Gomes dos Reis)
O corpo eacute dotado de oacutergatildeos partes que viabilizam a atividade das capacidades
proacuteprias ao viver E eacute a atividade das capacidades atraveacutes dos oacutergatildeos que se confere unidade
entre corpo e alma nesse composto orgacircnico vivo Assim Aristoacuteteles responde sobre a
unidade entre alma e corpo enunciada na taacutebua de definiccedilotildees Natildeo por acaso como corolaacuterio
agraves noccedilotildees de alma como forma e atualidade Aristoacuteteles declara
οὐσία γὰρ ἡ κατὰ τὸν λόγον τοῦτο δὲ τὸ τί ἦν εἶναι τῷ τοιῳδὶ σώματι καθάπερ εἴ τι
τῶν ὀργάνων φυσικὸν ἦν σῶμα οἷον πέλεκυς ἦν μὲν γὰρ ἂν τὸ πελέκει εἶναι ἡ οὐσία
αὐτοῦ καὶ ἡ ψυχὴ τοῦτο χωρισθείσης δὲ ταύτης οὐκ ἂν ἔτι πέλεκυς ἦν ἀλλ ἢ ὁμ
ωνύμως νῦν δ ἔστι πέλεκυς οὐ γὰρ τοιούτου σώματος τὸ τί ἦν εἶναι καὶ ὁ λόγος ἡ
ψυχή ἀλλὰ φυσικοῦ τοιουδί ἔχοντος ἀρχὴν κινήσεως καὶ στάσεως ἐν ἑαυτῷ
Pois ela eacute a substacircncia segundo a determinaccedilatildeo ou seja o que era para ser de um
corpo de tal tipo Se um instrumento fosse um corpo natural ndash por exemplo o
machado ndash a sua substacircncia seria a que eacute ser para o machado e isto seria a sua alma
Separado disso ele natildeo seria mais um machado exceto por homoniacutemia Mas na
verdade eacute um machado pois a alma natildeo eacute a determinaccedilatildeo e o que eacute o que eacute para um
corpo desse tipo mas sim um corpo natural tal que tenha em si mesmo um princiacutepio
28
de movimento e repouso DA II 1 412b10-17 (Trad Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo
proacutepria)
Como jaacute explicitado no enunciado de alma enquanto substacircncia como forma em
412a20 a alma eacute este princiacutepio determinante do ser do composto Ou seja o princiacutepio
organizador das suas disposiccedilotildees e propriedades que determinaratildeo o ser proacuteprio de um corpo
natural capaz de viver A identificaccedilatildeo entre alma e forma se desdobraraacute na identificaccedilatildeo de
alma e o que era para ser31
(tograve tiacute ecircn eicircnai)
Dado que a alma eacute forma e atualidade do corpo Aristoacuteteles estabelece que ela eacute seu
princiacutepio de determinaccedilatildeo das propriedades relevantes que daratildeo o caraacuteter essencial do ser
vivente E eacute evidente como o texto nos mostra e Hamilyn32
sustenta que a determinaccedilatildeo da
essecircncia se daacute segundo sua funccedilatildeo (eacutergon) O ser do machado eacute cortar na medida em que a
funccedilatildeo proacutepria do machado eacute cortar assim como a do olho eacute ver O ser do ser vivente eacute viver
31 A locuccedilatildeo eacute razatildeo de grande controveacutersia na tradiccedilatildeo de comentaacuterios ao texto aristoteacutelico Natildeo entrarei nos
pormenores da discussatildeo mas tomarei a traduccedilatildeo o que era para ser em sua literalidade assim como Angioni
tendo em vista o contexto no qual se pretende compreender seu emprego ldquoTrata-se de uma substantivaccedilatildeo com
o artigo neutro (lsquotorsquo) da pergunta lsquoo que afinal era o ser para tal coisarsquo (lsquoti en to einai toutoirsquo lsquotiacute ecircn tograve eicircnai
toutoirsquo) ndash Aristoacuteteles frequentemente substantiva segmentos de sentenccedilas e expressotildees que em si mesmas
constituem perguntas gramaticalmente completas isso ocorre na designaccedilatildeo das categorias (ldquoo qualrdquo ldquotograve poicirconrdquo
etc) na designaccedilatildeo de algumas das quatro causas (lsquoo que moveu primeirorsquo lsquoo em vista de quersquo) e em outras
expressotildees lsquo(lsquoo por quecircrsquo lsquotograve diagrave tiacutersquo ou lsquotograve dioacutetirsquo) O infinitivo lsquoserrsquo eacute o mesmo que consta na expressatildeo lsquoser +
dativorsquo e que designa a essecircncia da coisa isto eacute o conjunto de propriedades e caracteriacutesticas que deveriam ser
enumeradas no enunciado que define o que a coisa eacute Trata-se do mesmo infinitivo que comparece em 1041a32
1041b28 e 1042b27 (e natildeo se trata do infinitivo que poderia eventualmente ser entendido como existencial tal
como em 1041a15) O imperfeito ldquoerardquo por sua vez consiste num resquiacutecio de um uso dialeacutetico pelo qual o
interlocutor remetia a alguma definiccedilatildeo anteriormente dada destinada a funcionar como paracircmetro para a
discussatildeo ulterior (para referecircncias quanto ao uso desse imperfeito ver nossa dissertaccedilatildeo de mestrado p 89
nota 208) A pergunta original seria lsquoo quecirc era o ser para tal coisarsquo mas isso quer apenas dizer lsquoo quecirc fora
estabelecido (anteriormente na presente discussatildeo) como ser para tal coisarsquo Com o haacutebito a expressatildeo teria
perdido o significado interrogativo que originalmente possuiacutea e teria se tornado um jargatildeo para designar a
essecircncia Em vista disso lsquoto ti en einairsquo poderia ser traduzido ou parafraseado como lsquoaquilo que fora
estabelecido como caracteriacutesticas essenciais de tal coisarsquo A lsquoanterioridade causal da formarsquo muita vez alegada
como chave para a compreensatildeo do jargatildeo eacute compatiacutevel com o significado da expressatildeo mas natildeo explica a
origem do imperfeitordquo (Angioni 2005 102) 32 ldquoAristotlersquos selection of a tool an axe to provide an analogy with the ensouled body reveals how close to the
surface in this discussion is the notion of function The substance or essence of an axe is its function without
which it would not be an axe Like the Greeks in general Aristotle had no difficulty in thinking of a natural body
as having a function too (cf Nicomachean Ethics 1097b22ff) this is part of his general teleology But as he
goes on to point out there are differences also between an axe and a natural body which spoil the analogy This
is the force of the words lsquoBut as it is an axersquo ndash the essence of a axe is not its soul since it does not have one not
being a living thingrdquo ldquoA seleccedilatildeo do Aristoacuteteles de um instrumento um machado prova um analogia com os
coporpos animados revela como o que estaacute em voga eacute a discussatildeo eacute a noccedilatildeo de funccedilatildeo A substacircncia ou
essecircncia de um machado eacute sua funccedilatildeo sem a qual ele natildeo seria um machado Assim como os Gregos
Aristoacuteteles natildeo teve dificuldades em pensar o corpo natural como tambeacutem dotado de funccedilatildeo (cf Eacutetica a
Nicocircmaco 1097b22ss) isto eacute parte da sua teleologia Mas como ele segue pontuando haacute diferenccedilas igualmente
entre um machado e um corpo natural que prejudicam a analogia Eacute o que sugerem as palavras Mas eacute como um
machadorsquo - a essecircncia do machado natildeo eacute sua alma jaacute que ele natildeo tem uma natildeo eacute um ser viventerdquo (HAMLYN
1993 85) (Trad proacutepria)
29
e isto eacute garantido pela alma A locuccedilatildeo o que era para ser como indica Gomes dos Reis33
pode ser compreendida como uma continuidade da forma do ser vivente perante o devir que
lhe eacute proacuteprio ao longo da sua vida
Com isso Aristoacuteteles traccedila suas noccedilotildees preliminares da alma em DA II 1 Haacute ao final
do capiacutetulo algo digno de nota Aristoacuteteles se refere a tudo isto como um rascunho e esboccedilo
de definiccedilatildeo34
Poderiacuteamos entender que estas proposiccedilotildees satildeo insuficientes para o projeto
psicoloacutegico aristoteacutelico E satildeo mesmo em certa medida Pois em relaccedilatildeo agrave taacutebua de
definiccedilatildeo Aristoacuteteles soacute respondeu as noccedilotildees relativas agrave substacircncia atualidade e unidade da
alma Apesar disso como argumentarei na sessatildeo seguinte todo o arcabouccedilo conceitual e
argumentativo aqui esboccedilado sustentaraacute a noccedilatildeo de alma como princiacutepio das capacidades que
denotam vida Aleacutem do mais se lembrarmos que nas primeiras linhas do capiacutetulo Aristoacuteteles
se comprometia tatildeo somente em buscar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) para a
alma eacute inegaacutevel que ele foi bem sucedido Se ao fim de DA I ele tem claro que a alma eacute
princiacutepio imoacutevel de movimento e una em DA II 1 satildeo apresentados os argumentos positivos
para estas duas teses A alma eacute de estatuto formal portanto imoacutevel e princiacutepio organizador
das propriedades do ser Enquanto forma eacute atualidade e assim o princiacutepio de atividade das
capacidades proacuteprias ao ser Enquanto substacircncia eacute o que era para ser do ser vivente e entatildeo
o princiacutepio determinante do que este ser vivente eacute E esta determinaccedilatildeo seraacute dada pela funccedilatildeo
proacutepria das suas capacidades que soacute seratildeo plenificadas com as atividades no oacutergatildeo
correspondente Este enunciado e o que se desdobra dele eacute um rascunho e esboccedilo de definiccedilatildeo
pois natildeo nos explica satisfatoriamente por que a alma eacute princiacutepio das formas especiacuteficas de
vida Aristoacuteteles reconhece isso e segundo um paracircmetro geomeacutetrico de definiccedilatildeo mudaraacute o
curso da investigaccedilatildeo sobre a alma
33 ldquoA expressatildeo to ti ecircn einai pode ser a generalizaccedilatildeo de uma construccedilatildeo com ocorrecircncias nos tratados por
exemplo to [pelekei] einai o ser [para o machado] o ser [para a carne] que seraacute traduzida por sua vez como a
locuccedilatildeo ldquoo que eacute ser para o machadordquo e assim por diante Como reconstruiacute-la eacute um assunto polecircmico Haacute um
verbo no imperfeito (a expressatildeo literalmente diz algo como o lsquoo que era a serrsquo) que poderia ser interpretado
como uma ecircnfase na continuidade da forma a despeito do devirrdquo 2012 208 34τύπῳ μὲν οὖν ταύτῃ διωρίσθω καὶ ὑπογεγράφθω περὶ ψυχῆς ldquoE isto basta como um esquema do esboccedilo de
definiccedilatildeo de almardquo DA II 1 413a10-11 (Trad Gomes dos Reis)
30
22 A DEFINICcedilAtildeO PELAS CAPACIDADES
DA II 2 se inicia com um impasse a noccedilatildeo geral oferece o gecircnero de ser da alma mas
natildeo a enuncia como causa de vida nos seres viventes Diante disso Aristoacuteteles faz uma
revisatildeo metodoloacutegica na investigaccedilatildeo de alma tomando como paradigma o exemplo de
definiccedilatildeo pela causa de um objeto geomeacutetrico
Ἐπεὶ δ ἐκ τῶν ἀσαφῶν μὲν φανερωτέρων δὲ γίνεται τὸ σαφὲς καὶ κατὰ τὸν λόγον
γνωριμώτερον πειρατέον πάλιν οὕτω γ ἐπελθεῖν περὶ αὐτῆς οὐ γὰρ μόνον τὸ ὅτι δεῖ
τὸν ὁριστικὸν λόγον δηλοῦν ὥσπερ οἱ πλεῖστοι τῶν ὅρων λέγουσιν ἀλλὰ καὶ τὴν
αἰτίαν ἐνυπάρχειν καὶ ἐμφαίνεσθαι νῦν δ ὥσπερ συμπεράσμαθ οἱ λόγοι τῶν ὅρων
εἰσίν οἷον τί ἐστιν ὁ τετραγωνισμός τὸ ἴσον ἑτερομήκει ὀρθογώνιον εἶναι
ἰσόπλευρον ὁ δὲ τοιοῦτος ὅρος λόγος τοῦ συμπεράσματος ὁ δὲ λέγων ὅτι ἐστὶν ὁ
τετραγωνισμὸς μέσης εὕρεσις τοῦ πράγματος λέγει τὸ αἴτιον
E jaacute que a partir de coisas natildeo claras embora mais manifestas advecircm clareza e maior
inteligibilidade segundo o enunciado deve-se tentar desta maneira novamente
discorrer sobre a alma pois natildeo somente eacute preciso que o enunciado definidor
esclareccedila os fatos ndash como o faz a maioria das definiccedilotildees ndash mas ainda conter e
expressar a causa Os enunciados das definiccedilotildees na verdade satildeo como conclusotildees O
que eacute por exemplo a quadratura Eacute fazer equivaler um retacircngulo equilaacutetero a um
retacircngulo qualquer Mas tal definiccedilatildeo eacute o enunciado da conclusatildeo e o que diz por sua
vez que a quadratura eacute a descoberta de uma meacutedia proporcional enuncia a causa DA
II 2 413a11-20 (Trad Gomes dos Reis)
Novamente Aristoacuteteles nos relembra a ideia de que as apreensotildees sensiacuteveis satildeo mais
manifestas (phaneroteacuteron) que as apreensotildees inteligiacuteveis As inteligiacuteveis satildeo mais claras
(sophoacutes) pois satildeo formas apreendidas com a razatildeo e menos suscetiacuteveis ao engano Ao
contraacuterio das apreensotildees sensiacuteveis que satildeo mais manifestas Muito embora os pressupostos
que permitiram deduzir o estatuto ontoloacutegico da alma no capiacutetulo anterior sejam mais claros
eles enunciam o vivente como um ser animado enquanto um fato mas natildeo enunciam a alma
como causa do viver Portanto DA II 2 se dedicaraacute a investigar a alma como causa de vida
nos seres viventes a partir do que eacute mais manifesto ao que eacute mais claro
Aristoacuteteles se utiliza de um teorema para explicar que o termo meacutedio de um silogismo
apresenta a causa de um fato Num silogismo dado uma premissa maior que enuncie o fato e
tem como outro fato a conclusatildeo a premissa menor enuncia a causa pois eacute onde se encontra o
porquecirc da conclusatildeo Responder que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois ldquoTodo homem eacute mortalrdquo natildeo
enuncia a causa da mortalidade de Soacutecrates soacute o mero fato de coincidentemente ldquoSoacutecratesrdquo e
ldquoTodo homemrdquo serem mortais Poreacutem se respondemos que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois
ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo e ldquoTodo homem eacute mortalrdquo entatildeo foi enunciado a causa da mortalidade
de Soacutecrates Em sua estrutura claacutessica a premissa maior ldquoTodo homem eacute mortalrdquo a premissa
menor ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo a conclusatildeo ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo
31
Fica a questatildeo de como este novo criteacuterio se aplica agrave definiccedilatildeo E sobre a alma o
corpo e a vida
λέγομεν οὖν ἀρχὴν λαβόντες τῆς σκέψεως διωρίσθαι τὸ ἔμψυχον τοῦ ἀψύχου τῷ
ζῆν πλεοναχῶς δὲ τοῦ ζῆν λεγομένου κἂν ἕν τι τούτων ἐνυπάρχῃ μόνον ζῆν αὐτό
φαμεν οἷον νοῦς αἴσθησις κίνησις καὶ στάσις ἡ κατὰ τόπον ἔτι κίνησις ἡ κατὰ
τροφὴν καὶ φθίσις τε καὶ αὔξησις
Retomando o princiacutepio da investigaccedilatildeo digamos entatildeo que o animado se distingue do
inanimado pelo viver E de muitos modos se diz o viver pois dizemos que algo vive
se nele subsiste pelo menos um destes ndash intelecto percepccedilatildeo sensiacutevel movimento
local e repouso e ainda o movimento segundo a nutriccedilatildeo o decaimento e o
crescimento DA II 2 413a20-24 (Trad Gomes dos Reis)
Aristoacuteteles enuncia uma premissa maior e outra menor
[premissa maior] Todo ser dotado de alma vive
[premissa menor] Viver eacute ser dotado de intelecto percepccedilatildeo nutriccedilatildeo movimento
local e repouso decaimento e crescimento
Eacute proacuteprio agrave alma atribuir vida Viver eacute ser dotado de uma das capacidades
mencionadas Assim todo corpo natural que apresente uma dessas capacidades vive35
Portanto as plantas vivem pois se nutrem crescem e decaem por si proacuteprias
διὸ καὶ τὰ φυόμενα πάντα δοκεῖ ζῆν φαίνεται γὰρ ἐν αὑτοῖς ἔχοντα δύναμιν καὶ
ἀρχὴν τοιαύτην δι ἧς αὔξησίν τε καὶ φθίσιν λαμβάνουσι κατὰ τοὺς ἐναντίους τόπους
οὐ γὰρ ἄνω μὲν αὔξεται κάτω δ οὔ ἀλλ ὁμοίως ἐπ ἄμφω καὶ πάντῃ ὅσα ἀεὶ
τρέφεταί τε καὶ ζῇ διὰ τέλους ἕως ἂν δύνηται λαμβάνειν τροφήν
Por isso parece inclusive que todas as plantas vivem pois eacute manifesto que tecircm em si
mesmas uma potecircncia e um princiacutepio deste tipo por meio do qual ganham
crescimento e decaimento segundo direccedilotildees contraacuterias pois natildeo crescem apenas para
cima e natildeo para baixo mas similarmetne em ambas e em todas as direccedilotildees e assim eacute
para as que se nutrem constantemente e vivem ateacute o fim enquanto puderem obter
alimento DA II 2 413a25-31 (Trad Gomes dos Reis)
Assim como os animais vivem jaacute que satildeo dotados de nutriccedilatildeo e percepccedilatildeo
τὸ μὲν οὖν ζῆν διὰ τὴν ἀρχὴν ταύτην ὑπάρχει τοῖς ζῶσι τὸ δὲ ζῷον διὰ τὴν αἴσθησιν
πρώτως καὶ γὰρ τὰ μὴ κινούμενα μηδ ἀλλάττοντα τόπον ἔχοντα δ αἴσθησιν ζῷα
λέγομεν καὶ οὐ ζῆν μόνον
O viver subsiste nos seres vivos por conta deste princiacutepio e o animal constitui-se
primordialmente pela percepccedilatildeo sensiacutevel Pois dizemos que satildeo animais ndash e natildeo
apenas que vivem ndash tambeacutem os que natildeo se movem nem mudam de lugar mas
possuem percepccedilatildeo DA II 2 413b1-4 (Trad Gomes dos Reis)
Com isso temos a conclusatildeo do silogismo psicoloacutegico aristoteacutelico
[conclusatildeo a] Plantas e animais satildeo animados
E desta uma outra
35 Como jaacute antecipara em DA II 1 412a11-16 citado na paacutegina 16
32
[conclusatildeo b] Plantas e animais satildeo vivos
Portanto assim como todo retacircngulo teraacute quadratura por causa da sua proporccedilatildeo com
um retacircngulo quadrilaacutetero todo corpo seraacute um ser vivente por ser dotado de alma Entretanto
uma ldquoquestatildeo de aluno bobordquo seria perguntar para Aristoacuteteles de onde vecircm essas duas
premissas Ao conectar alma e vida sem explicar esta uacuteltima poderia levar a investigaccedilatildeo
aristoteacutelica agrave obscuridade precisamente onde se deveria ter mais clareza Entatildeo para que
Aristoacuteteles garanta a alma como causa da vida mortal ele endossaria os pressupostos dos seus
predecessores e portanto distinguiria o animado do inanimado pelo movimento e pela
percepccedilatildeo36
Polansky apesar disso natildeo esclarece afinal quais os argumentos que sustentam
a associaccedilatildeo entre alma e vida Se limitando apenas agraves implicaccedilotildees argumentativas desse
pressuposto
Contudo se assumirmos que Aristoacuteteles endossa a tese de seus predecessores segundo
a qual o animado se distingue do inanimado pelo movimento e percepccedilatildeo37
e que a nutriccedilatildeo eacute
a capacidade mais baacutesica entre os seres animados38
e por fim que a nutriccedilatildeo e a percepccedilatildeo
satildeo uma forma de movimento39
somos levados a crer que o argumento consiste em
[P1] viver eacute ao menos nutriccedilatildeo crescimento e decaimento
[P2] nutriccedilatildeo crescimento e decaimento satildeo um tipo de movimento (do tipo por si)
[P3] tudo o que se move por si eacute animado
[P4] a alma eacute um princiacutepio imoacutevel de movimento
[C1] logo tudo o que vive eacute animado
36 Cf Nota seguinte 37 τὸ ἔμψυχον δὴ τοῦ ἀψύχου δυσὶ μάλιστα διαφέρειν δοκεῖ κινήσει τε καὶ τῷ αἰσθάνεσθαι παρειλήφαμεν δὲ
καὶ παρὰ τῶν προγενεστέρων σχεδὸν δύο ταῦτα περὶ ψυχῆς ldquoOra haacute a opiniatildeo de que o animado difere do
inanimado em dois aspectos o movimento e a percepccedilatildeo sensiacutevel E em relaccedilatildeo agrave alma satildeo mais ou menos
esses dois que recebemos de nossos predecessoresrdquo DA I 1 403b25-28 (Trad Gomes dos Reis) 38 ὥστε πρῶτον περὶ τροφῆς καὶ γεννήσεως λεκτέον ἡ γὰρ θρεπτικὴ ψυχὴ καὶ τοῖς ἄλλοις ὑπάρχει καὶ πρώτη
καὶ κοινοτάτη δύναμίς ἐστι ψυχῆς καθ ἣν ὑπάρχει τὸ ζῆν ἅπασιν ldquoPor conseguinte deve-se primeiro tratar do
alimento e da geraccedilatildeo pois a alma nutritiva subsiste tambeacutem com as outras sendo a primeira e a mais comum
potecircncia da alma segundo a qual subsiste em todos o viverrdquo DA II 4 415A22-25 (Trad Gomes dos Reis) 39 ἔστι δὲ καὶ ἀλλοίωσις καὶ αὔξησις κατὰ ψυχήν ἡ μὲν γὰρ αἴσθησις ἀλλοίωσίς τις εἶναι δοκεῖ αἰσθάνεται δ
οὐθὲν ὃ μὴ μετέχει ψυχῆς ὁμοίως δὲ καὶ περὶ αὐξήσεώς τε καὶ φθίσεως ἔχει οὐδὲν γὰρ φθίνει οὐδ αὔξεται
φυσικῶς μὴ τρεφόμενον τρέφεται δ οὐθὲν ὃ μὴ κοινωνεῖ ζωῆς ldquoMas inclusive a alteraccedilatildeo e o crecimento
existem segundo a alma pois haacute a opiniatildeo de que a percepccedilatildeo sensiacutevel eacute uma certa alteraccedilatildeo e aquele que natildeo
participa da alma nada percebe de maneira similar ocorre tambeacutem em relaccedilatildeo ao crescimento e decaimento pois
nem decai nem cresce naturalmente aquele que natildeo eacute nutrido e nada que natildeo compartilhe da vida se nutrerdquo DA
II 4 415b23-28 (Trad Gomes dos Reis)
E mais adiante enunciando a percepccedilatildeo Aristoacuteteles eacute categoacuterico ἡ δ αἴσθησις ἐν τῷ κινεῖσθαί τε καὶ πάσχειν
συμβαίνει καθάπερ εἴρηται δοκεῖ γὰρ ἀλλοίωσίς τις εἶναι ldquoA percepccedilatildeo sensiacutevel consiste em ser movido e ser
afetado como dissemos pois haacute a opiniatildeo de que ela eacute uma certa alteraccedilatildeordquo DA II 4 416b35-36 (Trad Gomes
dos Reis)
33
Note que [P1] e [P2] seriam premissas autoevidentes Em [P3] Aristoacuteteles partiria
dos mesmos pressupostos que as endoxai de seus predecessores enquanto [P4] resultaria da
anaacutelise criacutetica dessas endoxai ao longo de DA I 3-5 Aristoacuteteles natildeo nos elucida claramente de
onde ele tira as evidecircncias de [P1] e [P2] ou seja por que essas capacidades tais satildeo
movimentos por si e portanto denotam vida Quanto a [P3] Fiacutes VIII40
nos indica que esta eacute
uma tese que Aristoacuteteles abraccedila mas tambeacutem sem explicar suas razotildees O mais plausiacutevel
parece ser que este eacute um fenocircmeno autoevidente amplamente aceito que dispense justificaccedilatildeo
Diferentemente eacute o caso de [P4] cuja justificativa pode se sustentar na criacutetica aristoteacutelica agraves
noccedilotildees democritianas de que a alma eacute um princiacutepio de movimento que se move em DA I 3
corroborada pela noccedilatildeo de alma enunciada em DA II 1 segundo a qual a alma eacute forma logo
atualidade e portanto princiacutepio de determinaccedilatildeo das funccedilotildees proacuteprias ao ser vivente
Olhando por essas lacunas que o argumento aristoteacutelico conteacutem sua tentativa de
enunciar a alma como causa de vida parece fragilizada Entretanto fato eacute que a vida eacute
explicada pela alma no contexto do pensamento helecircnico Entatildeo conceder a Aristoacuteteles este
pressuposto parece um miacutenimo que o leitor contemporacircneo precise fazer Aleacutem disso vale
lembrar que em Met Z 17 Aristoacuteteles defende ser ldquonecessaacuterio que o dado e a existecircncia da
coisa sejam previamente conhecidosrdquo41
e que portanto o que se investiga eacute ldquopor que alguma
coisa pertence a outrardquo42
Deste modo cabem aqui questotildees como ldquopor que os corpos
vivemrdquo ou ainda ldquopor que se atribui vida a corpos dotados de capacidades taisrdquo E natildeo ldquopor
que o animado se diferencia do inanimado pelo viverrdquo como o formulado no iniacutecio desta
digressatildeo Talvez a fragilidade aparente se decirc pois aqui se toque as Colunas de Heacutercules da
psicologia aristoteacutelica
Retomando a braccedilada dos remos se a tese de que a vida se manifesta pela capacidade
de movimento eacute confirmada quando Aristoacuteteles enuncia uma nova noccedilatildeo de alma como
40 οὐδεμιᾶς γὰρ ἐν ἡμῖν ἐνούσης κινήσεως ἐνίοτε ἀλλ ἡσυχάζοντες ὅμως κινούμεθά ποτε καὶ ἐγγίγνεται ἐν ἡμῖν
ἐξ ἡμῶν αὐτῶν ἀρχὴ κινήσεως κἂν μηθὲν ἔξωθεν κινήσῃ τοῦτο γὰρ ἐπὶ τῶν ἀψύχων οὐχ ὁρῶμεν ὁμοίως ἀλλ
ἀεὶ κινεῖ τι αὐτὰ τῶν ἔξωθεν ἕτερον τὸ δὲ ζῷον αὐτό φαμεν ἑαυτὸ κινεῖν ldquoPor vezes acontece que natildeo haja
movimento em noacutes [entes animados] e que de nosso repouso noacutes sejamos postos em movimento e agraves vezes o
princiacutepio do movimento surge em noacutes e de noacutes sem que nada de outro nos mova de fora Natildeo vemos nada
parecido no caso dos seres inanimados pois eles sempre satildeo movidos por algo outro que reside fora deles Dos
animais noacutes dizemos que eles movem a si mesmosrdquo Fiacutes VIII 2 252b18-23 (Trad Daniel Nascimento)
ὁρῶμεν δὲ καὶ φανερῶς ὄντα τοιαῦτα ἃ κινεῖ αὐτὰ ἑαυτά οἷον τὸ τῶν ἐμψύχων καὶ τὸ τῶν ζῴων γένος ταῦτα δὲ
καὶ δόξαν παρεῖχε μή ποτε ἐνδέχεται κίνησιν ἐγγίγνεσθαι μὴ οὖσαν ὅλως διὰ τὸ ἐν τούτοις ὁρᾶν ἡμᾶς τοῦτο
συμβαῖνον (ἀκίνητα γάρ ποτε ὄντα κινεῖται πάλιν ὡς δοκεῖ) ldquoVemos claramente que existem coisas que se
movem a si mesmas como por exemplo os entes animados e o gecircnero dos animais e por causa disso pensamos
que pode ser possiacutevel que o movimento seja gerado sem que antes tenha existido de qualquer forma pois noacutes
vemos isso acontecer com eles (estarem imoacuteveis em determinado momento e moverem-se novamanete tal como
parece)rdquo Fis VIII 6 259b1-6 (Trad Daniel Nascimento) 41 δεῖ γὰρ τὸ ὅτι καὶ τὸ εἶναι ὑπάρχειν δῆλα ὄντα Met 17 1041a15 42ἄλλο γὰρ οὕτω κατ ἄλλου ἐστὶ τὸ ζητούμενον Met 17 1041a25-26
34
conclusatildeo do raciociacutenio iniciado em DA II 2 temos esta nova formulaccedilatildeo segundo as
capacidades que denotam o viver
νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον εἰρήσθω μόνον ὅτι ἐστὶν ἡ ψυχὴ τῶν εἰρημένων τούτων ἀρχὴ καὶ
τούτοις ὥρισται θρεπτικῷ αἰσθητικῷ διανοητικῷ κινήσει
Por ora eacute suficiente dizer apenas isto que a alma eacute princiacutepio das capacidades
mencionadas ndash nutritiva perceptiva raciocinativa e de movimento ndash e que por elas eacute
definida DA II 2 413b11-13 (Trad Gomes dos Reis)
Esta noccedilatildeo eclode como corolaacuterio da argumentaccedilatildeo anterior Com ela Aristoacuteteles
conquista um importante ponto do seu projeto psicoloacutegico a saber que a noccedilatildeo de alma
explique as distintas formas de vida atraveacutes das capacidades Isto levaraacute a uma gama de
comentadores contemporacircneos a valorizarem esta definiccedilatildeo em detrimento da definiccedilatildeo pela
substacircncia apresentada em DA II 1 Os que assim interpretam43
reduzem a definiccedilatildeo de alma
agrave noccedilatildeo de princiacutepio das funccedilotildees que denotam vida Esta interpretaccedilatildeo natildeo eacute totalmente
equivocada na medida em que textualmente Aristoacuteteles afirma isto Poreacutem ela eacute imprecisa
pois ignora o estatuto ontoloacutegico da alma Como vimos na seccedilatildeo anterior a alma eacute substacircncia
como forma (tegraves psycheacutes ousiacutean eicircnai hocircs eicircdos) do corpo e portanto seu princiacutepio
organizador que lhe confere o viver E enquanto forma do corpo a alma eacute sua atualidade
primeira (enteleacutekheia proteacute) Ou seja princiacutepio formal o qual o corpo se desenvolve em vista
do viver Pois a alma de um lado traz em si as disposiccedilotildees (heacutexeis) necessaacuterias agrave vida e
determina o que este corpo orgacircnico era para ser (tograve tiacute ecircn eicircnai) mediante suas funccedilotildees (eacuterga)
e atividades (eneacutergeiai) de viver Essas funccedilotildees satildeo as capacidades (dynaacutemeis) que
caracterizam os tipos de vida nos seres seu modo proacuteprio de viver Sendo assim a capacidade
nutritiva eacute proacutepria agrave vida vegetativa a perceptiva proacutepria agrave animal e a intelectiva agrave humana
Como se vecirc a definiccedilatildeo pelas capacidades tem sua origem e fundamento na definiccedilatildeo
pela forma Por outro lado esta soacute ganha capilaridade na definiccedilatildeo pela capacidade jaacute que sua
noccedilatildeo geral natildeo define a alma como causa de cada tipo de vida nem princiacutepio das
capacidades proacuteprias ao viver Deste modo uma interpretaccedilatildeo da noccedilatildeo aristoteacutelica de alma
que ignore como ambas noccedilotildees se sustentam mutuamente eacute parcial e suscetiacutevel de engendrar
mais problema que o proacuteprio texto jaacute apresenta
Com isso concluiacutemos De Anima II 2 compreendendo que a alma eacute causa de vida jaacute
que eacute princiacutepio das atividades proacuteprias ao viver Diante da noccedilatildeo geral e como ela se
particulariza nas distintas capacidades resta ainda observar um uacuteltimo ponto que Aristoacuteteles
43Putman (1975) Ackrill (1975-6) Bolton (1978) Nussbaum (1978) Everson (1995) CodeampMoravicsik
(1992) Para uma noccedilatildeo geral das diversas correntes de interpretaccedilatildeo da psicologia aristoteacutelica no seio das
discussotildees de filosofia da mente ver Diamond (2015) Caston (2006) e Irwin (1991)
35
trabalharaacute no capiacutetulo seguinte a saber a disposiccedilatildeo seriada hierarquicamente das diversas
formas de vida
23 A DEFINICcedilAtildeO SERIADA
A tese geral de que a alma eacute forma do corpo sofre uma nova reavaliaccedilatildeo em DA II 3
Como se veraacute adiante Aristoacuteteles surpreendentemente declara que toda busca por um
enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) de alma eacute ridiacuteculo (geloicircon) jaacute que esta noccedilatildeo natildeo
permite a compreensatildeo de que as diversas espeacutecies de vida (vegetativa animal e humana) satildeo
dispostas em uma seacuterie ordenada e hierarquizada de acordo com sua capacidade especiacutefica
Como a leitura das formas de vida dispostas em uma seacuterie ordenada eacute um problema que
precisa ser respondido por quem quer que se debruce sobre a noccedilatildeo aristoteacutelica de alma esta
seccedilatildeo argumentaraacute como a noccedilatildeo de almas seriadas natildeo invalida a noccedilatildeo formal de alma
enunciada em DA II 1
DA II 3 poderia ser tematicamente dividido em duas partes Numa primeira de
414ordf29-414b20 Aristoacuteteles dispotildee a hierarquia das capacidades que denotam vida Se em DA
II 2 ele enunciou as capacidades aqui se argumenta como uma estaacute em relaccedilatildeo de
anterioridade agrave outra e portanto disposta hierarquicamente de modo coextensivo agraves formas
de vida Assim se o movimento segundo nutriccedilatildeo crescimento e decaimento seraacute proacuteprio a
uma forma de vida a vegetativa a adiccedilatildeo da capacidade perceptiva seraacute proacutepria agrave vida
vegetativa e animal Agrave medida que se adicione outras capacidades como o intelecto abrange-
se a vida humana44
Esta hierarquizaccedilatildeo suplementar das capacidades a seu enunciado permite
que Aristoacuteteles encampe a tese de que os tipos de vida satildeo dispostos em seacuteries ordenadas
avanccedilando para a segunda parte do capiacutetulo
δῆλον οὖν ὅτι τὸν αὐτὸν τρόπον εἷς ἂν εἴη λόγος ψυχῆς τε καὶ σχήματος οὔτε γὰρ
ἐκεῖ σχῆμα παρὰ τὸ τρίγωνον ἔστι καὶ τὰ ἐφεξῆς οὔτ ἐνταῦθα ψυχὴ παρὰ τὰς
εἰρημένας γένοιτο δ ἂν καὶ ἐπὶ τῶν σχημάτων λόγος κοινός ὃς ἐφαρμόσει μὲν
πᾶσιν ἴδιος δ οὐδενὸς ἔσται σχήματος ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ ταῖς εἰρημέναις ψυχαῖς διὸ
γελοῖον ζητεῖν τὸν κοινὸν λόγον καὶ ἐπὶ τούτων καὶ ἐφ ἑτέρων ὃς οὐδενὸς ἔσται τῶν
ὄντων ἴδιος λόγος οὐδὲ κατὰ τὸ οἰκεῖον καὶ ἄτομον εἶδος ἀφέντας τὸν τοιοῦτον
(παραπλησίως δ ἔχει τῷ περὶ τῶν σχημάτων καὶ τὰ κατὰ ψυχήν ἀεὶ γὰρ ἐν τῷ ἐφεξῆς
44 Τῶν δὲ δυνάμεων τῆς ψυχῆς αἱ λεχθεῖσαι τοῖς μὲν ὑπάρχουσι πᾶσαι καθάπερ εἴπομεν τοῖς δὲ τινὲς αὐτῶν
ἐνίοις δὲ μία μόνη διασαφητέον δὲ περὶ αὐτῶν ὕστερον νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον () εἰρήσθω ὅτι τῶν ζώντων τοῖς
ἔχουσιν ἁφὴν καὶ ὄρεξις ὑπάρχει περὶ δὲ φαντασίας ἄδηλον ὕστερον δ ἐπισκεπτέον ἐνίοις δὲ πρὸς τούτοις
ὑπάρχει καὶ τὸ κατὰ τόπον κινητικόν ἑτέροις δὲ καὶ τὸ διανοητικόν τε καὶ νοῦς οἷον ἀνθρώποις καὶ εἴ τι
τοιοῦτον ἕτερον ἔστιν ἢ τιμιώτερον ldquoDentre as potecircncias da alma como dissemos todas as mencionadas
subsitem em alguns seres em outros soacute algumas delas e em alguns apenas uma E mencionamos como
potecircncias a nutritiva a perceptiva a desiderativa a locomotiva e a raciocinativa Ora nas plantas subsiste
somente a nutritiva mas em outros seres tanto esta como a perceptiva () Por ora eacute suficiente dizer isto que
entre os seres vivos que possuem tato tambeacutem subsiste desejo No que se refere agrave imaginaccedilatildeo natildeo estaacute claro e
devemos examinaacute-la posteriormente Em alguns seres vivos aleacutem disso subsiste tambeacutem a capacidade de se
locomover e em outros ainda a de raciocinar e o intelecto ndash por exemplo nos homens e em algum outro se
houver de tal qualidade ou mais valiosordquo DA II 3 414a29-414b20 (Trad Gomes dos Reis)
36
ὑπάρχει δυνάμει τὸ πρότερον ἐπί τε τῶν σχημάτων καὶ ἐπὶ τῶν ἐμψύχων οἷον ἐν
τετραγώνῳ μὲν τρίγωνον ἐν αἰσθητικῷ δὲ τὸ θρεπτικόν) ὥστε καθ ἕκαστον
ζητητέον τίς ἑκάστου ψυχή οἷον τίς φυτοῦ καὶ τίς ἀνθρώπου ἢ θηρίου διὰ τίνα δ
αἰτίαν τῷ ἐφεξῆς οὕτως ἔχουσι σκεπτέον ἄνευ μὲν γὰρ τοῦ θρεπτικοῦ τὸ αἰσθητικὸν
οὐκ ἔστιν τοῦ δ αἰσθητικοῦ χωρίζεται τὸ θρεπτικὸν ἐν τοῖς φυτοῖς
Eacute claro que poderia da mesma maneira haver entatildeo um enunciado uacutenico tanto de
figura como de alma Pois nem no primeiro caso existe figura aleacutem do triacircngulo e
daquelas que o sucedem nem neste caso existe alma aleacutem das mencionadas A
respeito das figuras tambeacutem eacute possiacutevel formular um enunciado comum que se aplique
a todas sem ser proacuteprio a nenhuma e o mesmo ocorre com as almas mencionadas Por
isso tanto neste como em outros casos eacute ridiacuteculo procurar um enunciado comum ndash
pois a nenhum dos seres seraacute um enunciado proacuteprio nem estaraacute de acordo com a
forma apropriada e indivisiacutevel ndash deixando-se de lado o enunciado deste tipo (E as
coisas concernentes agrave alma estatildeo em situaccedilatildeo parecida agravequela das figuras pois tanto
no caso das figuras como no caso dos seres animados o anterior sempre subsiste
naquilo que o sucede por exemplo o triacircngulo no quadrado o poder de nutrir-se no
de perceber) Assim deve ser investigado de acordo com cada caso o que eacute a alma
de cada um ndash por exemplo o que eacute a alma da planta do homem ou da besta E deve
ser examinado a causa de ser disposto assim em sucessatildeo Pois sem a nutritiva natildeo
existe a capacidade perceptiva embora nas plantas a nutritiva exista separada da
perceptiva DA II 3 414b20-415a6 (Trad Gomes dos Reis)
A analogia entre figura do triacircngulo e a alma vegetativa permite esclarecer qual a
relaccedilatildeo de sucessatildeo entre uma capacidade e outra O triacircngulo eacute a figura geomeacutetrica plana
mais baacutesica de todas A composiccedilatildeo de dois triacircngulos forma um quadrilaacutetero A composiccedilatildeo
de trecircs triacircngulos forma um pentaacutegono e assim sucessivamente Ou seja da mesma maneira
que o triacircngulo subsiste em potecircncia no quadrilaacutetero e este no pentaacutegono a nutriccedilatildeo subsiste
em potecircncia na percepccedilatildeo e esta no intelecto Portanto se a capacidade nutritiva eacute proacutepria agrave
vida vegetativa a perceptiva agrave animal e a intelectiva agrave humana entatildeo igualmente a vida
vegetativa subsiste na animal e a animal na humana Sendo assim da mesma maneira que se
faz necessaacuteria uma definiccedilatildeo proacutepria ao triacircngulo ao quadrilaacutetero e ao pentaacutegono deve-se
buscar um enunciado proacuteprio a cada uma dessas formas de vida para que se sustente como a
alma eacute princiacutepio de cada tipo de vida e natildeo somente da vida em geral Pois um enunciado que
decirc a noccedilatildeo da alma que cubra todas as formas de vida mas que natildeo toque particularmente em
uma natildeo cumpre seu fim argumentativo que eacute explicar a razatildeo da alma ser causa de vida no
ser vivente como se segue
ὅτι μὲν οὖν ὁ περὶ τούτων ἑκάστου λόγος οὗτος οἰκειότατος καὶ περὶ ψυχῆς δῆλον
Eacute claro entatildeo que o enunciado de cada uma destas capacidades eacute tambeacutem o mais
apropriado a respeito da alma DA II 3 415a13-14 (Trad Gomes dos Reis)
Levando-se em conta que Aristoacuteteles se dedicaraacute em todo o restante do De Anima
investigando cada uma das capacidades e seus desdobramentos para uma noccedilatildeo de alma
37
podemos ser levados a crer que Aristoacuteteles elege este como o melhor criteacuterio para uma
definiccedilatildeo de alma
Haacute portanto um grande problema a ser encarado aqui que consiste na resposta a uma
das questotildees elencadas em DA I 145
a saber se eacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma enquanto
tal ou uma para cada tipo de ser vivente Pelo caminho que segue a discussatildeo tende-se a uma
resposta de que seraacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma para cada forma de vida Entretanto
Aristoacuteteles jaacute problematizara se mesmo que haja uma noccedilatildeo uacutenica para catildees cavalos e
homens a de animal esta noccedilatildeo uacutenica eacute universal posterior anterior ou nada em relaccedilatildeo aos
itens
Seguindo o texto de DA II 3 a nutriccedilatildeo eacute a capacidade sobre a qual se erguem todas as
outras ateacute a capacidade de pensamento Dado que um corpo eacute dotado de nutriccedilatildeo e portanto
vivente por causa da alma e a seu turno dado que a alma eacute forma e atualidade primeira do
corpo e portanto princiacutepio organizador das capacidades que denotam o viver novamente a
definiccedilatildeo pela forma sustenta ontologicamente a definiccedilatildeo pelas capacidades e por
concomitacircncia a definiccedilatildeo seriada
Assim a criacutetica que Aristoacuteteles faz agrave noccedilatildeo mais geral de alma enunciada em DA II 1
natildeo eacute razatildeo suficiente para seu descarte no seu projeto psicoloacutegico Com efeito se a noccedilatildeo de
alma como forma eacute insuficiente para explicar por que a alma eacute princiacutepio de vida em cada tipo
de ser vivente como sustentado ao iniacutecio de DA II 2-3 ela eacute justamente a noccedilatildeo ontoloacutegica
para que responde pela sua atualidade e determinaccedilatildeo das propriedades relevantes do ser deste
corpo dotado de oacutergatildeos Assim se as noccedilotildees de alma como forma e princiacutepio das capacidades
satildeo intercambiantes como argumentei anteriormente e se a definiccedilatildeo estaacute diretamente
atrelada agrave hierarquia dessas capacidades entatildeo a proacutepria noccedilatildeo de alma seriada depende
logicamente da noccedilatildeo de alma como forma Sendo assim o enunciado geral eacute redimensionado
em DA II 3 pela disposiccedilatildeo seriada da alma a um princiacutepio loacutegico-ontoloacutegico mediante o qual
esta ciecircncia comum a muitas coisas pode se realizar
45 εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον
ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν
ἄλλο κατηγοροῖτο Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma uacutenica
definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a de cavalo catildeo homem
divindade sendo neste caso o animal considerado universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo
ocorrendo para qualquer outro atributo comum que for predicadordquo DA I 1 402b4-9 (Trad Gomes dos Reis)
38
3 CONCLUSAtildeO
Como se apresentou nesta monografia Aristoacuteteles enuncia sua noccedilatildeo de alma em
momentos distintos Um primeiro a partir da discussatildeo com as teses predecessoras Nela o
que se conquista eacute que a alma eacute imoacutevel e origem de movimento nos seres viventes Depois
atraveacutes de um enunciado geral para os diversos tipos de vida que a define como forma do
corpo Um terceiro que enuncia a alma como causa de vida e a define como princiacutepio das
capacidades que denotam o viver E por fim um quarto enunciado que a apresenta como
disposta em seacuterie ordenada segundo suas capacidades Na medida que o enunciado geral se
mostra insuficiente para o projeto psicoloacutegico traccedilado e as outras definiccedilotildees parecem melhor
corresponder a este objetivo a unidade enunciativa entre as diversas definiccedilotildees aparenta ser
vulneraacutevel Natildeo por menos como foi abordado ao longo deste texto tende-se a salientar uma
das definiccedilotildees e desconsiderar a outra Esta natildeo parece ser a interpretaccedilatildeo que melhor
compreenda a psicologia aristoteacutelica Como argumentado observar a definiccedilatildeo pelas
capacidades sem a definiccedilatildeo pela forma esvazia ontologicamente a noccedilatildeo de que a alma eacute
princiacutepio de vida A alma como forma do corpo eacute o enunciado mediante o qual a garante
como atualidade primeira e portanto princiacutepio das caracteriacutesticas e funccedilotildees proacuteprias ao ser
vivente Por outro lado como o proacuteprio Aristoacuteteles enuncia a definiccedilatildeo pela forma daacute uma
noccedilatildeo que abarca todas as formas de vida mas natildeo enuncia a alma como causa do viver nem
que as diversas almas satildeo dispostas em seacuterie ordenada Satildeo nestes dois pontos que a definiccedilatildeo
pela capacidade se torna igualmente relevante para o projeto psicoloacutegico aristoteacutelico Sem ela
seriam inviaacuteveis todos os outros capiacutetulos nos quais Aristoacuteteles enuncia discorre e formula a
atividade das capacidades proacuteprias ao ser vivo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo imaginaccedilatildeo intelecto e
movimento segundo deslocamento Por estas razotildees uma interpretaccedilatildeo que conjugue as duas
definiccedilotildees no interior do projeto psicoloacutegico aristoteacutelico parece ser a que contemple melhor o
horizonte teoacuterico que a investigaccedilatildeo erige
Haacute um alguns aspectos que esta monografia deixa pelo caminho Na seccedilatildeo 1 Taacutebua de
Definiccedilatildeo foram elencados os diversos elementos de definiccedilatildeo da alma e como se faria a
inquiriccedilatildeo O primeiro grupo foi respondido ao longo da seccedilatildeo 2 A Noccedilatildeo de Alma mas o
segundo natildeo O segundo grupo de elementos da taacutebua seraacute dissertado por Aristoacuteteles nos
capiacutetulos posteriores ao DA II 3 quando ele se debruccedila sobre cada uma das capacidades
Como esta monografia pretende abordar apenas as definiccedilotildees sem dar interpretaccedilatildeo total do
tratado entatildeo soacute pode responder parte da taacutebua das definiccedilotildees Aleacutem disso a interpretaccedilatildeo das
definiccedilotildees de um modo consistente precisaria ser verificada na sua aplicaccedilatildeo sobre o restante
39
do tratado Em outras palavras eacute preciso verificar se esta interpretaccedilatildeo dificulta ou facilita a
interpretaccedilatildeo das outras teses da psicologia aristoteacutelica por exemplo a tese da percepccedilatildeo que eacute
definida como a recepccedilatildeo das formas sem mateacuteria Nas interpretaccedilotildees de Polanski e Diamond
comentadores paradigmaacuteticos para a abordagem adotada a coordenaccedilatildeo dos enunciados
definitoacuterios daacute conta das diversas formulaccedilotildees de capacidades e suas funcionalidades ao longo
do tratado Fico devendo portanto explicitar como a posiccedilatildeo que assumo se aplica nas
diversas capacidades enunciadas pelo Aristoacuteteles
Com isso conclui-se este trabalho com a compreensatildeo que ele eacute limitado Haacute nele
problemas proacuteprios agrave interpretaccedilatildeo de um texto conciso e arrojado como eacute o De Anima
Ainda assim espera-se que os erros ou imprecisotildees eventuais natildeo comprometam seu escopo
exegeacutetico Espera-se tambeacutem que esta monografia possa se converter em trabalhos futuros que
fomente a discussatildeo relativa ao De Anima no contexto filosoacutefico brasileiro Da mesma forma
que ela foi provocada pela traduccedilatildeo e comentaacuterios da Professora Doutora Maria Ceciacutelia
Gomes dos Reis Se este trabalho for bem sucedido nessas pretensotildees jaacute teraacute cumprido sua
funccedilatildeo
40
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Agradecimentos
A Carolina Arauacutejo por ter me apresentado o De Anima em um curso de 20141 pela
disponibilidade ao meu interesse em aprofundar o estudo na psicologia aristoteacutelica pela
atenta orientaccedilatildeo na iniciaccedilatildeo cintiacutefica e na escrita desta monografia e mais que tudo pelo
paradigma intelectual que eacute para quem tem o prazer de dialogar com suas hipoacuteteses e
objeccedilotildees Ao Raphael Zillig pela orientaccedilatildeo durante a missatildeo de estudos realizada na UFRGS
em agosto e setembro de 2016 e cujos comentaacuterios luacutecidos sobre a obra e exegese aristoteacutelica
foram fundamentais para que eu descortinasse uma visatildeo de caminhos intelectuais e
acadecircmicos Agrave Carla Francalanci pelo seminaacuterio sobre o De Anima e Ivana Costa pelo
minicurso Psicologiacutea Antigua que ampliaram meu horizonte de compreensatildeo da psicologia
aristoteacutelica Agrave Inara Zanuzzi e Priscilla Spinelli pelo curso tri sobre phantasiacutea na UFRGS
igualmente aos colegas Pedro Capra Filipe Oliveira e Mariano Arauacutejo pela interlocuccedilatildeo
constante Ao Rodrigo Guerizoli pela presteza e sensibilidade na viabilizaccedilatildeo da minha ida e
estadia em Porto Alegre Agraves comentadoras e comentadores da filosofia aristoteacutelica sem os
quais dificilmente pensaria o que pensei entenderia o que entendi argumentaria o que
argumentei em especial ao Eli Diamond que gentilmente me enviou uma coacutepia de seu
instigante livro Mortal Imitations of Divine Life The Nature of the Soul in Aristotlersquos De
Anima no qual me baseei vaacuterias vezes para a interpretaccedilatildeo que assumi nesta monografia
igualmente ao Matt Wood por ter feito estabelecido a ponte de comunicaccedilatildeo Ao Luan
Reboredo pela cumplicidade entre ladrotildees pela impiedosa revisatildeo dos textos ndash todo e
qualquer erro distraccedilatildeo ou falta de clareza eacute pela minha teimosia com suas notas ndash pela
criteriosa percepccedilatildeo intelectual pelo cuidado e pelos cafeacutes da manhatilde ndash vamos lembrar de
comprar mais tapioca Aos philoacutei Edil Carvalho Claacuteudia Barbosa Matt Wood Esther
Santos Luan Reboredo Flora Mangini Felipe Ayres Nelson M Neto Luciana Shontag
George Matias Andreacute Braga e Camila Rauber pelo diaacutelogo e praacutetica filosoacutefica no Seminaacuterio
de Estudos Claacutessicos ndash vamos cultivar este precioso espaccedilo gente Aos amigos pela procura
na ausecircncia e acolhida na presenccedila Agrave minha famiacutelia pelas quizumbas quiziacutelias otaacutes e
tapurus Ao teatro pela caixa de areia e efemeridade em especial a Andreacutea Terra e Casa Maria
de Magdala Agrave cidade de Porto Alegre pelo frio insuportaacutevel pelo vento interminaacutevel pelas
ruas floridas pelo sol laranja pelo ceacuteu anil pela carne saborosiacutessima pelo fandango pelo
chimarratildeo pela Housing pela Casa Frasca pela Casa de Pelotas pela gente de um
comunitarismo valentatildeo pelos amigos e amigas e vizinhos pela discriminaccedilatildeo pela dor de
dente e infecccedilatildeo pela solidatildeo pelo silecircncio pelo esvaziamento e pela saudade que hoje sinto
sempre que sonho perder o aviatildeo de volta para o Rio A Paquetaacute pelo sentido de lugar Ao Rio
pelo sentido de sentir A Niteroacutei pelo sentido de lar Agrave Hannah Arendt pela Condiccedilatildeo
Humana que determinou minha compreensatildeo de poliacutetica Ao Aristoacuteteles pelo De Anima que
determinou minha incompreensatildeo da vida
Esta monografia eacute resultado da pesquisa de iniciaccedilatildeo cientiacutefica Substacircncia enquanto Forma
psycheacute no De Anima II de Aristoacuteteles inserida no projeto PROCAD 2013 PPGLMUFRJ-
UFG-UFRGS entitulado Substacircncia evoluccedilatildeo e formulaccedilatildeo de uma noccedilatildeo filosoacutefica sob
financiamento da Coordenaccedilatildeo de Aperfeiccediloamento de Pessoal do Niacutevel Superior (CAPES)
Este agradecimento costuma ser meramente formal Poreacutem em tempos de ataques temeraacuterios
a direitos duramente conquistados reconhecer a importacircncia do financiamento puacuteblico da
inovaccedilatildeo cientiacutefica e da pesquisa acadecircmica para o desenvolvimento justiccedila e soberania de
uma naccedilatildeo grande como a brasileira se torna um dever poliacutetico a ser exercido
o que estremecia em mim terreno do corpo onde estaacute a raiz da alma
Joatildeo Guimaratildees Rosa
RESUMO
Esta monografia trata da noccedilatildeo de alma que Aristoacuteteles desenvolve ao longo do De Anima II
1-3 Em DA II 1 Aristoacuteteles enuncia uma definiccedilatildeo geral de alma como forma do corpo
Nessa definiccedilatildeo pela forma seu objetivo eacute formular uma noccedilatildeo dos vaacuterios tipos de alma (a
vegetativa a animal e a humana) Poreacutem ela natildeo enuncia a alma como causa de vida nos
seres viventes Diante disso eacute enunciado em DA II 2 a definiccedilatildeo pelas capacidades na qual a
alma eacute princiacutepio das capacidades que denotam o viver Nela as capacidades determinam os
diversos tipos de vida a vida vegetativa que decorre da nutriccedilatildeo a animal da percepccedilatildeo e a
humana da razatildeo Com isso em DA II 3 Aristoacuteteles enuncia a definiccedilatildeo seriada na qual os
tipos de alma se dispotildeem em seacuteries ordenadas hierarquizadas em que a anterior subsiste na
posterior em potecircncia mas natildeo o contraacuterio Como se vecirc haacute um conflito entre a primeira e as
outras duas definiccedilotildees pois a definiccedilatildeo pela forma eacute uma noccedilatildeo geral que nem enuncia a alma
como causa de vida nem sua disposiccedilatildeo seriada Assim enquanto os comentaacuterios de Putman
Ackrill Bolton Nussbaum Everson CodeampMoravicsik interpretam a definiccedilatildeo pelas
capacidades como a noccedilatildeo aristoteacutelica de alma em detrimento da definiccedilatildeo pela forma
Polansky e Diamond enxergam unidade teoacuterica e argumentativa entre as trecircs A hipoacutetese
sustentada nesta monografia se alinha com o segundo grupo argumentando que a definiccedilatildeo
pela forma eacute insuficiente para enunciar os tipos especiacuteficos de vida e sua disposiccedilatildeo seriada
poreacutem eacute a fundamentaccedilatildeo ontoloacutegica das outras duas definiccedilotildees
Palavras Chave Aristoacuteteles Alma Definccedilatildeo Forma Capacidades
Lista de Abreviaturas das Obras de Aristoacuteteles Utilizadas
Cat ndash Categorias
DA ndash De Anima
Fiacutes ndash Fiacutesica
Met ndash Metafiacutesica
Sumaacuterio
Apresentaccedilatildeo 11
1 A taacutebua de definiccedilatildeo 13
2 A noccedilatildeo de alma em Aristoacuteteles 19
21 Definiccedilatildeo pela Forma 19
22 Definiccedilatildeo pelas Capacidade 29
23 Definiccedilatildeo Seriada 34
3 Conclusatildeo 37
4 Bibliografia 39
i
12
APRESENTACcedilAtildeO
O De Anima eacute o tratado no qual Aristoacuteteles investiga a natureza da alma e como ela eacute
causa de vida nos seres viventes Para esse fim Aristoacuteteles discute com aqueles que trataram
do assunto antes dele enuncia a sua proacutepria noccedilatildeo de alma e por fim como esta noccedilatildeo
explica cada uma das capacidades que denotam o viver Para dar conta deste projeto
psicoloacutegico Aristoacuteteles elabora sua noccedilatildeo em trecircs grandes momentos O primeiro em De
Anima I 2-5 Aristoacuteteles levanta as endoacutexai dos seus predecessores discutindo a validade de
suas teses e apontando o que considera inconsistente Como resultado disso Aristoacuteteles
sustenta que a alma eacute um princiacutepio imoacutevel de movimento nos seres viventes e uma unidade
Mas eacute soacute no segundo momento em DA II 1-3 que Aristoacuteteles enuncia em seus proacuteprios
termos o que considera ser a alma Por fim num terceiro momento a partir de DA II 4
Aristoacuteteles teoriza sobre cada uma das capacidades da alma
Nesta monografia proponho me debruccedilar sobre a noccedilatildeo de alma presente no DA II 1-
3 Como veremos em DA I 1 satildeo elencadas as aporias proacuteprias agrave investigaccedilatildeo e definiccedilatildeo da
alma A partir daiacute Aristoacuteteles apresenta gradualmente a sua proacutepria noccedilatildeo de alma ao longo
do De Anima Especificamente em DA II 1 e 2 satildeo enunciadas duas definiccedilotildees uma definiccedilatildeo
pela forma e outra pela capacidade A primeira caracteriza a alma como forma do corpo
enquanto a segunda atribui agrave alma o princiacutepio das capacidades que denotam vida Enquanto a
definiccedilatildeo pela forma nos oferece uma noccedilatildeo geral que enuncia o gecircnero de ser da alma a
definiccedilatildeo pela capacidade explica como a alma eacute princiacutepio de vida Entretanto haacute um terceiro
enunciado em DA II 3 que parece eliminar a validade da definiccedilatildeo pela forma e validar apenas
a definiccedilatildeo pela capacidade Trata-se da definiccedilatildeo seriada segundo a qual haacute diversos tipos de
alma que se dispotildeem em uma seacuterie hierarquicamente ordenada na qual a anterior subsiste na
posterior mas natildeo o contraacuterio Aristoacuteteles declara que a definiccedilatildeo pela forma enquanto uma
noccedilatildeo geral de alma eacute absurda Pois ela natildeo explica os tipos de alma e a causa de se disporem
em sucessatildeo Isto levou uma seacuterie de comentadores a compreenderem a definiccedilatildeo pela
capacidade como a noccedilatildeo aniacutemica de Aristoacuteteles jaacute que ela enunciaria os tipos de alma em
disposiccedilatildeo seriada
Diante disso argumento que a definiccedilatildeo pela forma eacute tatildeo relevante para a noccedilatildeo de
alma quanto a noccedilatildeo pela capacidade Como se veraacute na seccedilatildeo 2a) a definiccedilatildeo pela forma faz
da alma a atualidade primeira do corpo e princiacutepio de determinaccedilatildeo das funccedilotildees vitais Como
consequecircncia do seu caraacuteter atual a alma eacute aquilo a partir do qual as capacidades se dispotildeem
no corpo Ao entrarem em atividade atraveacutes dos oacutergatildeos do corpo elas se atualizam Neste
13
sentido tanto a definiccedilatildeo pela forma quanto a definiccedilatildeo pela capacidade satildeo mutuamente
necessaacuterias para uma noccedilatildeo de alma que atenda ao projeto psicoloacutegico aristoteacutelico
Para tanto apresento na primeira seccedilatildeo o horizonte conceitual e teoacuterico mediante o
qual Aristoacuteteles investiga a alma Atraveacutes das vaacuterias aporiacuteai elencadas em DA I 1 se delimita
tanto o fim que a investigaccedilatildeo persegue quanto a seus limites conceituais de teorizaccedilatildeo Em
seguida trato das endoxai presentes em DA I 2-5 como recurso metodoloacutegico para se extrair
das teses predecessoras algumas noccedilotildees miacutenimas sobre a alma Na seccedilatildeo seguinte abordo as
trecircs noccedilotildees jaacute apresentadas acima Como se veraacute ao iniacutecio de DA I 1 e 2 Aristoacuteteles ainda faz
duas revisotildees metodoloacutegicas deixando bem claro qual aspecto da investigaccedilatildeo se objetiva
tratar Especificamente em 2a) sobre DA II 1 remonto o argumento que resulta na definiccedilatildeo
pela forma comentando qual sua implicaccedilatildeo ontoloacutegica para a alma e como ela se desdobra
nas noccedilotildees aniacutemicas de atualidade primeira e princiacutepio de determinaccedilatildeo Em seguida
apresento a definiccedilatildeo pelas capacidades como princiacutepio de vida em DA II 2 Com isso indico
como a noccedilatildeo de vida e alma estatildeo associadas e como Aristoacuteteles argumenta para uma ser
evidecircncia da outra fazendo desta a causa daquela Adiante apresento a definiccedilatildeo seriada em
DA II 3 e como ela potildee em crise a definiccedilatildeo pela forma Por fim explicito como muitos
comentadores se localizaram em meio ao problema e argumento como as trecircs definiccedilotildees estatildeo
em uma unidade conceitual na qual todas satildeo relevantes para o projeto psicoloacutegico de
Aristoacuteteles
14
1 A TAacuteBUA DA DEFINICcedilAtildeO
A fim de apresentar os problemas proacuteprios ao estudo da alma e delimitar seu campo de
investigaccedilatildeo Aristoacuteteles apresenta em DA I 1 uma taacutebua de definiccedilatildeo onde elenca os
elementos para definir a alma e a abordagem para a sua pesquisa Primeiro Aristoacuteteles
circunscreve em que paracircmetros conceituais a noccedilatildeo se estabelece Em seguida se apresenta o
meacutetodo que orienta a busca por esse enunciado Deste modo os elementos de definiccedilatildeo que
compotildeem a lista satildeo o gecircnero de ser da alma1 o seu modo de ser
2 e por fim sua unidade
3 Jaacute
como abordagem decide-se pela ordem loacutegica da definiccedilatildeo4 para se analisar a independecircncia
das suas partes5 de modo a determinar o primeiro passo a se investigar em cada uma e
finalmente conhecer sobre a sua separabilidade6
Logo ao iniacutecio de De Anima I 1 Aristoacuteteles enuncia qual o objetivo geral de
seu projeto investigativo
ἐπιζητοῦμεν δὲ θεωρῆσαι καὶ γνῶναι τήν τε φύσιν αὐτῆς καὶ τὴν οὐσίαν εἶθ ὅσα
συμβέβηκε περὶ αὐτήν ὧν τὰ μὲν ἴδια πάθη τῆς ψυχῆς εἶναι δοκεῖ τὰ δὲ δι ἐκείνην
καὶ τοῖς ζῴοις ὑπάρχειν
Buscamos considerar e conhecer sua natureza e substacircncia bem como todos os seus
atributos dentre os quais uns parecem ser afecccedilotildees proacuteprias da alma enquanto outros
parecem subsistir nos animais graccedilas a ela DA I 1 402a7-10 (Trad Gomes dos Reis)
Investigar a natureza (phyacutesis) da alma consiste em pesquisar seu gecircnero de ser Jaacute
conhecer sua substacircncia (ousiacutea) eacute conhecer seus atributos (symbeacutebekos) as caracteriacutesticas que
1 πρῶτον δ ἴσως ἀναγκαῖον διελεῖν ἐν τίνι τῶν γενῶν καὶ τί ἐστι λέγω δὲ πότερον τόδε τι καὶ οὐσία ἢ ποιὸν ἢ
ποσόν ἢ καί τις ἄλλη τῶν διαιρεθεισῶν κατηγοριῶν ldquoEm todo caso eacute preciso decidir primeiro a qual dos
gecircneros a alma pertence e o que eacute ndash quero dizer se ela eacute algo determinado e substacircncia ou se eacute uma qualidade
uma quantidade ou mesmo alguma outra das categorias jaacute distinguidasrdquo DA I 1 402a22-25 (Trad de Gomes dos
Reis) 2 ἔτι δὲ πότερον τῶν ἐν δυνάμει ὄντων ἢ μᾶλλον ἐντελέχειά τις ldquoe ainda se estaacute entre os seres em potecircncia ou
antes se eacute uma certa atualidaderdquo DA I 1 402a27 (Trad de Gomes dos Reis) 3 σκεπτέον δὲ καὶ εἰ μεριστὴ ἢ ἀμερής καὶ πότερον ὁμοειδὴς ἅπασα ψυχὴ ἢ οὔ εἰ δὲ μὴ ὁμοειδής πότερον εἴδει
διαφέρουσα ἢ γένει ldquoEacute preciso examinar tambeacutem se ela eacute divisiacutevel em partes ou natildeo e se toda e qualquer alma eacute
de mesma forma e no caso de natildeo ser de mesma forma se a diferenccedila eacute de espeacutecie ou de gecircnerordquo DA I 1
402b1-3 (Trad de Gomes dos Reis) 4 εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον
ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν
ἄλλο κατηγοροῖτο ldquoEacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma uacutenica
definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a de cavalo catildeo homem
divindade sendo neste caso o animal considerado universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo
ocorrendo para qualquer outro atributo comum que for predicadordquo DA I 1 402b4-9 (Trad de Gomes dos Reis) 5 ἔτι δέ εἰ μὴ πολλαὶ ψυχαὶ ἀλλὰ μόρια πότερον δεῖ ζητεῖν πρότερον τὴν ὅλην ψυχὴν ἢ τὰ μόρια χαλεπὸν δὲ
καὶ τούτων διορίσαι ποῖα πέφυκεν ἕτερα ἀλλήλων καὶ πότερον τὰ μόρια χρὴ ζητεῖν πρότερον ἢ τὰ ἔργα αὐτῶν
ldquoAleacutem disso no caso de serem muitas as partes e natildeo as almas deve-se primeiro investigar a alma como um
todo ou suas partes Tambeacutem eacute difiacutecil definir quais dentre estas satildeo por natureza distintas entre si e se eacute uacutetil
investigar primeiro as partes ou suas funccedilotildeesrdquo DA I 1 402b9-12 (Trad de Gomes dos Reis) 6 ἀπορίαν δ ἔχει καὶ τὰ πάθη τῆς ψυχῆς πότερόν ἐστι πάντα κοινὰ καὶ τοῦ ἔχοντος ἢ ἔστι τι καὶ τῆς ψυχῆς ἴδιον
αὐτῆς ldquoHaacute ainda a dificuldade de saber se as afecccedilotildees da alma satildeo todas comuns agravequilo que possui alma ou se
haacute tambeacutem alguma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma tatildeo somenterdquo DA I 1 403a3-5 (Trad de Gomes dos Reis)
15
nos datildeo uma noccedilatildeo da alma segundo suas afecccedilotildees (patheacute) Entre os seus atributos alguns
parecem ser exclusivamente afecccedilotildees da alma jaacute outros parecem ser comuns agrave alma e ao
corpo portanto atributos um ser animado (zoacuteois) Por afecccedilatildeo devemos compreender a
determinaccedilatildeo na mateacuteria (loacutegoi eacutenyloi)7 de maneira que os atributos da alma e do corpo seratildeo
comuns a ambos Jaacute a afecccedilatildeo proacutepria agrave alma eacute a que natildeo se daacute pela determinaccedilatildeo na mateacuteria
mas por si mesma Entre os atributos da alma a capacidade de pensamento parece ser a que
atende esse requisito A menos poreacutem que dependa de imagens para sua atividade Assim
nem mesmo o pensamento seria uma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma8 Em suma a investigaccedilatildeo da
alma consiste em saber sua natureza sua essecircncia e as afecccedilotildees que lhe satildeo atribuiacutedas sejam
elas proacuteprias ou comuns ao corpo no qual ela se instancia
Aristoacuteteles parte entatildeo para o primeiro elemento da definiccedilatildeo a se estabelecer
πρῶτον δ ἴσως ἀναγκαῖον διελεῖν ἐν τίνι τῶν γενῶν καὶ τί ἐστι λέγω δὲ πότερον τόδε
τι καὶ οὐσία ἢ ποιὸν ἢ ποσόν ἢ καί τις ἄλλη τῶν διαιρεθεισῶν κατηγοριῶν
Em todo caso eacute preciso decidir primeiro a qual dos gecircneros a alma pertence e o que eacute
ndash quero dizer se ela eacute algo determinado e substacircncia ou se eacute uma qualidade uma
quantidade ou mesmo alguma outra das categorias jaacute distinguidas DA I 1 402a22-25
(Trad de Gomes dos Reis)
O primeiro dos pressupostos sobre os quais se deveraacute responder eacute o gecircnero de ser da
alma Filopono9 comenta que Aristoacuteteles tem em vista platocircnicos pitagoacutericos e Xenoacutecrates
para os quais a alma eacute substacircncia harmonia e nuacutemero respectivamente Nas Categorias10
7 εἰ δ οὕτως ἔχει δῆλον ὅτι τὰ πάθη λόγοι ἔνυλοί εἰσιν ldquoSe assim eacute as afecccedilotildees satildeo evidentemente formas
implicadas na mateacuteriardquo DA I 1 403a24 (Trad Gomes dos Reis) 8 εἰ δ ἐστὶ καὶ τοῦτο φαντασία τις ἢ μὴ ἄνευ φαντασίας οὐκ ἐνδέχοιτ ἂν οὐδὲ τοῦτ ἄνευ σώματος εἶναιldquoNatildeo
obstante se tambeacutem o pensar eacute um tipo de imaginaccedilatildeo ou se ele natildeo pode ocorrer sem a imaginaccedilatildeo entatildeo nem
mesmo o pensar poderia existir sem o corpordquo DA I 1 403a8-10 (Trad Gomes dos Reis) 9 ὧν ἐστι καὶ Ξενοκράτης ἀριθμὸς γάρ φησί κινῶν ἑαυτόν ἐστιν ἡ ψυχή ὁ δὲ ἀριθμὸς ὑπὸ τὸ ποσόν εἰ δὴ
τοῦτο ἔλεγεν ἐκεῖνος καὶ μὴ ἄλλο τι διὰ τούτου ᾐνίττετο οἱ δὲ ὑπὸ τὸ ποιόν ὧν εἰσιν καὶ οἱ ἰατροὶ κρᾶσιν εἶναι
λέγοντες τοιοῦτοι δ ἂν εἶεν καὶ οἱ ἐντελέχειαν λέγοντες τοιαύτην μαθησόμεθα γάρ πῶς φησιν αὐτὴν
ἐντελέχειαν ὁ Ἀριστοτέλης οἱ δὲ λόγον λέγοντες τῶν στοιχείων δόξαιεν ἂν ὑπὸ τὸ πρός τι ἀνάγειν τὸ γὰρ
διπλάσιον ἢ ἡμιόλιον ὑπὸ τὸ πρός τι τινὸς γὰρ διπλάσιον ἀμφίβολον οὖν τέως τὸ γένος ldquoAlguns a classificam
sob o tiacutetulo de substacircncia outros sob quantidade Dentre eles Xenoacutecrates que afirma que a alm eacute o nuacutemero
movendo por si mesmo e o nuacutemero eacute dado sob quantidade se for isto que ele quer dizer ao inveacutes de algo
distinto do que por essas palavras ele se refere obscuramente Outros dizem que isto pertence a qualidade Em
meio a isto estatildeo os meacutedicos que dizem que eacute a mistura dentre os quais haacute tambeacutem os que dizem que eacute uma
atualidade pois aprenderemos com Aristoacuteteles chama a alma de atualidade Aqueles que dizem que eacute uma
proporccedilatildeo dos elementos pareceriam entitulaacute-la sob a ltcategoria dogt relativo pelo duplo ou a metade
pertencerem agrave categoria do relativo pois o duplo eacute de algo Assim sendo entatildeo o gecircnero permanece
controversordquo PHILOPONUS Com DA 32 32 ndash 337 (Trad da traduccedilatildeo de P J Eijk) 10Οὐσία δέ ἐστιν ἡ κυριώτατά τε καὶ πρώτως καὶ μάλιστα λεγομένη ἣ μήτε καθ ὑποκειμένου τινὸς λέγεται μήτε
ἐν ὑποκειμένῳ τινί ἐστιν οἷον ὁ τὶς ἄνθρωπος ἢ ὁ τὶς ἵππος δεύτεραι δὲ οὐσίαι λέγονται ἐν οἷς εἴδεσιν αἱ
πρώτως οὐσίαι λεγόμεναι ὑπάρχουσιν ταῦτά τε καὶ τὰ τῶν εἰδῶν τούτων γένη ldquoSubstacircncia entendida em
sentido proacuteprio primeiro e supremo eacute a que natildeo se predica de um sujeito e natildeo existe nalgum sujeito por
exemplo um homem um cavalo Substacircncias segundas satildeo as formas (ou espeacutecies) nas quais estatildeo incluiacutedas as
que satildeo ditas substacircncias primeiras e tambeacutem os gecircneros destasrdquo Cat 5 2a11 (Trad Lucas Angioni)
16
Aristoacuteteles compreende a substacircncia primeira como entes particulares enquanto o gecircnero e
forma satildeo substacircncias segundas Sabe-se que Aristoacuteteles inverte esta noccedilatildeo de substacircncia em
Metafiacutesica Z onde substacircncia primeira eacute identificada com a forma11
que eacute priorizada em
relaccedilatildeo ao composto e agrave mateacuteria Portanto as noccedilotildees de substacircncia quantidade e qualidade
que Aristoacuteteles trabalha na definiccedilatildeo de alma no DA I 1 estariam mais proacuteximas das Cat que
da Met Z Eacute o que somos levados a acreditar se considerarmos que esta mesma formulaccedilatildeo
ocorre mais adiante em DA I 5 410a16-2112
Nesta e naquela passagem Aristoacuteteles quer saber
se a alma eacute uma substacircncia particular e determinada ou seja um objeto de predicaccedilatildeo que natildeo
se predica de outrem
Passemos para o segundo elemento que deve estar presente numa definiccedilatildeo de alma
ἔτι δὲ πότερον τῶν ἐν δυνάμει ὄντων ἢ μᾶλλον ἐντελέχειά τις
e ainda se estaacute entre os seres em potecircncia ou antes se eacute uma certa atualidade DA I
1 402a27 (Trad de Gomes dos Reis)
A diferenccedila que os conceitos de potecircncia (dyacutenamis) e atualidade (entelekheacuteia) fazem eacute
sobre o estatuto material ou formal da alma Pois se a alma for de natureza material entatildeo eacute
em potecircncia e sujeita ao movimento Entretanto se for de natureza formal seraacute uma certa
atualidade e princiacutepio de determinaccedilatildeo e atividade Gomes dos Reis13
observa que atualidade
eacute colocada em termos vagos (ldquouma certa atualidaderdquoenteleacutekheia tiacutes) o que indica que soacute faz
sentido falar em atualidade enquanto forma especiacutefica quando instanciada em uma mateacuteria de
um tipo uma alma x que se instancia em um corpo de um tipo x
Outro elemento de definiccedilatildeo da alma eacute sua unidade
σκεπτέον δὲ καὶ εἰ μεριστὴ ἢ ἀμερής καὶ πότερον ὁμοειδὴς ἅπασα ψυχὴ ἢ οὔ εἰ δὲ
μὴ ὁμοειδής πότερον εἴδει διαφέρουσα ἢ γένει
Eacute preciso examinar tambeacutem se ela eacute divisiacutevel em partes ou natildeo e se toda e qualquer
alma eacute de mesma forma e no caso de natildeo ser de mesma forma se a diferenccedila eacute de
espeacutecie ou de gecircnero DA I 1 402b1-3 (Trad de Gomes dos Reis)
11 ἕκαστόν τε γὰρ οὐκ ἄλλο δοκεῖ εἶναι τῆς ἑαυτοῦ οὐσίας καὶ τὸ τί ἦν εἶναι λέγεται εἶναι ἡ ἑκάστου
οὐσίαldquoCom efeito a coisa individual natildeo parece ser diferente da proacutepria substacircncia e dizemos que a essecircncia eacute
justamente a substacircncia da coisa individualrdquo Met Z 6 1031ordf17-18 (Trad Giovanni Reale)
εἶδος δὲ λέγω τὸ τί ἦν εἶναι ἑκάστου καὶ τὴν πρώτην οὐσίαν ldquoPor forma entendo a essecircncia de cada coisa e sua
substacircncia primeirardquo Met Z 7 1032b1-2 (Trad Giovanni Reale) 12 ἆρ οὖν ὅσα τῶν οὐσιῶν ἐκ τούτων μόνον πῶς οὖν γινώσκει καὶ τῶν ἄλλων ἕκαστον ἢ φήσουσιν ἑκάστου
γένους εἶναι στοιχεῖα καὶ ἀρχὰς ἰδίας ἐξ ὧν τὴν ψυχὴν συνεστάναι ἔσται ἄρα ποσὸν καὶ ποιὸν καὶ οὐσία ἀλλ
ἀδύνατον ἐκ τῶν τοῦ ποσοῦ στοιχείων οὐσίαν εἶναι καὶ μὴ ποσόνldquoOra seraacute a alma composta somente daqueles
elementos que satildeo comuns agraves substacircncias Como entatildeo conhece ainda cada um dos outros Ou se diraacute que haacute
elementos e princiacutepios particulares a cada gecircnero e que a alma eacute constituiacuteda de todos eles A alma seria entatildeo
quantidade qualidade e substacircncia Mas eacute impossiacutevel que a substacircncia seja composta dos elementos da
quantidade e natildeo seja quantidade ela mesmardquo DA I 5 410a16-21 (Trad Gomes dos Reis) 13 2006 148-149
17
Aqui reside um dos problemas mais comprometedores sobre a investigaccedilatildeo
psicoloacutegica aristoteacutelica a) A alma eacute divisiacutevel ou indivisiacutevel b) cada parte da alma teria uma
forma proacutepria c) Caso seja divisiacutevel as almas se diferenciam em gecircnero ou espeacutecie
Segundo Polansky14
Aristoacuteteles resolve esta bateria de problemas supondo que um ser
vivente tem sua proacutepria alma cujas partes correspondam agraves funccedilotildees sendo estas partes
divisiacuteveis pelos tipos de vida (vegetativa animal humana) A divisibilidade das partes se daacute
de acordo com a capacidade aniacutemica que eacute viver segundo uma atividade e se distinguiria em
gecircnero (a vida perceptiva) ou espeacutecie (catildees cavalos e homem) Isto que garantiraacute a
indivisibilidade da alma ao longo dos tipos de vida segundo suas capacidades Assim
Aristoacuteteles consegue ter um enunciado formal que garanta a unidade geneacuterica fazendo dos
tipos de vida como espeacutecies de seres vivos e as capacidades suas diferenccedilas especiacuteficas
Definido isto deve-se inquirir sobre a amplitude da definiccedilatildeo
εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ
καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι
οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν ἄλλο κατηγοροῖτο
Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma
uacutenica definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a
de cavalo catildeo homem divindade sendo neste caso o animal considerado
universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo ocorrendo para qualquer outro
atributo comum que for predicado DA I 1 402b4-9 (Trad de Gomes dos Reis)
Ateacute aqui Aristoacuteteles se debruccedilava sobre os elementos que devem compor a definiccedilatildeo
de alma Daqui adiante a questatildeo passa a ser qual a abordagem de pesquisa para se formular
esta definiccedilatildeo E um primeiro ponto se refere agrave abrangecircncia da definiccedilatildeo Dado que a alma
pode ter partes sendo estas partes divisiacuteveis ou natildeo a definiccedilatildeo deve ser geral e abranger todo
gecircnero de alma ou deve haver uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie de alma Para Polansky15
a
existecircncia de gecircneros eacute questionaacutevel pois parecem ser universais Noacutes natildeo encontramos um
universal tal qual Soacutecrates e Caacutelias pois estes satildeo particulares Tambeacutem natildeo encontramos um
gecircnero de alma tal qual catildees e cavalos pois estes satildeo espeacutecies Deste modo uma definiccedilatildeo
geneacuterica ofereceria apenas uma noccedilatildeo comum segundo as espeacutecies de alma sem
necessariamente enunciar suas as espeacutecies Portanto esta questatildeo contrasta duas noccedilotildees de
definiccedilatildeo da alma a particular (kathrsquo hekaacutesten) e universal (tograve kathoacutelou) Esta tensatildeo
enunciada aqui persistiraacute nas questotildees posteriores ainda neste capiacutetulo mas se evidenciaraacute
mais fortemente nos enunciados de alma presentes em DA II 1-3 Em siacutentese o problema
consiste em saber se a definiccedilatildeo de alma deve ser pelo seu gecircnero ou sua espeacutecie
14 2007 34-35 15 2008 45
18
ἔτι δέ εἰ μὴ πολλαὶ ψυχαὶ ἀλλὰ μόρια πότερον δεῖ ζητεῖν πρότερον τὴν ὅλην ψυχὴν ἢ
τὰ μόρια χαλεπὸν δὲ καὶ τούτων διορίσαι ποῖα πέφυκεν ἕτερα ἀλλήλων καὶ πότερον
τὰ μόρια χρὴ ζητεῖν πρότερον ἢ τὰ ἔργα αὐτῶν
Aleacutem disso no caso de serem muitas as partes e natildeo as almas deve-se primeiro
investigar a alma como um todo ou suas partes Tambeacutem eacute difiacutecil definir quais dentre
estas satildeo por natureza distintas entre si e se eacute uacutetil investigar primeiro as partes ou
suas funccedilotildees DA I 1 402b9-12 (Trad de Gomes dos Reis)
Na medida em que a alma eacute composta de partes que correspondem agraves suas
capacidades se decide se a investigaccedilatildeo abordaraacute primeiramente suas partes ou a alma como
um todo aleacutem de como investigar a capacidade ou a funccedilatildeo caso as capacidades sejam
distintas Ou seja eacute preciso decidir se a investigaccedilatildeo se inicia pela percepccedilatildeo ou pelo animal
ἀπορίαν δ ἔχει καὶ τὰ πάθη τῆς ψυχῆς πότερόν ἐστι πάντα κοινὰ καὶ τοῦ ἔχοντος ἢ
ἔστι τι καὶ τῆς ψυχῆς ἴδιον αὐτῆς
Haacute ainda a dificuldade de saber se as afecccedilotildees da alma satildeo todas comuns agravequilo que
possui alma ou se haacute tambeacutem alguma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma tatildeo somente DA I 1
403a3-5 (Trad de Gomes dos Reis)
Apoacutes uma exaustiva exposiccedilatildeo do que deve compor a definiccedilatildeo de alma
Aristoacuteteles elenca o uacuteltimo requisito de sua investigaccedilatildeo o grau de separabilidade da alma ou
de alguma de suas partes As capacidades de movimento reproduccedilatildeo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo e
imaginaccedilatildeo parecem ter sua ocorrecircncia no composto de corpo e alma que eacute o ser vivente
Entretanto haacute na teoria aristoteacutelica do intelecto sua face passiva e ativa conforme formulou a
tradiccedilatildeo sendo a ativa de natureza separada e imortal16
Isto faria desta parte do intelecto uma
afecccedilatildeo proacutepria da alma sem ocorrecircncia conjunta com o corpo Filopono17
comenta que este eacute
um problema determinante para a composiccedilatildeo da definiccedilatildeo de alma Se a alma tem afecccedilotildees
proacuteprias e separadas do corpo a definiccedilatildeo dispensaraacute o corpo de seu enunciado Se pelo
contraacuterio as afecccedilotildees aniacutemicas tecircm ocorrecircncia corpoacuterea entatildeo a definiccedilatildeo de alma deve
conter o corpo em seu enunciado
O que se conquista enfim com esta taacutebua de definiccedilatildeo em De Anima I 1 Que
investigar a natureza da alma eacute responder a seu gecircnero de ser o que implica em saber se a
16χωρισθεὶς δ ἐστὶ μόνον τοῦθ ὅπερ ἐστί καὶ τοῦτο μόνον ἀθάνατον καὶ ἀΐδιον ldquoSomente isto [o intelecto]
quando separado eacute propriamente o que eacute e somente isto eacute imortal e eternordquo DA III 5 (Trad Gomes dos Reis) 17 εἰ μὲν οὖν ὡς ὀργάνῳ χρῆται τῷ σώματι ἰδίᾳ ἔχουσα τὰς ἐνεργείας οὐ δεῖ προσχρήσασθαι τῷ σώματι πρὸς
τὸν ὁρισμόν οὐ γὰρ συμπληροῖ τὴν οὐσίαν τοῦ τέκτονος τὸ σκέπαρνον εἰ δὲ ἐν τῷ σώματι ἔχει τὸ εἶναι ὡς
εἶναι τὰς ἐνεργείας τοῦ συναμφοτέρου ἀνάγκη προσχρήσασθαι ἐν τῷ ὁρισμῷ τῷ σώματι ὥσπερ ἐπὶ τοῦ θυμοῦ
ἐλέγομεν ἀναγκαία οὖν ἡ τούτων λῆψις οὐκ εὐχερὴς δέ ltπάθηgt δὲ κοινότερον τὰς ἐνεργείας τῆς ψυχῆς
ἐκάλεσε ldquoSe usa o corpo como instrumento e tem suas atividades peculiares a si mesmo natildeo haacute qualquer
necessidade de se remeter ao corpo na definiccedilatildeo ndash pois um machado natildeo completa a essecircncia de um carpinteiro ndash
mas se a alma tem seu ser no corpo e suas atividades pertencem ao composto eacute necessaacuterio tambeacutem se remeter
ao corpo na definiccedilatildeo tal qual como nos referimos em relaccedilatildeo ao iacutempeto Estabelecer essas coisas entatildeo eacute
necessaacuterio poreacutem natildeo eacute faacutecil Afecccedilatildeo eacute o termo mais geral que ele usa para as atividades da almardquo
PHILOPONUS Com DA 4429-35 (Trad da trad de P J Eijk)
19
alma eacute potencialmente ou em atualidade Isto posto se a alma eacute como uma substacircncia e
portanto una ou separaacutevel e caso seja em partes se satildeo divisiacuteveis ou natildeo Aleacutem disso se a
definiccedilatildeo deve abranger diversos tipos de alma ou se haacute uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie Por
fim se sua investigaccedilatildeo parte das partes ou do todo
20
2 A NOCcedilAtildeO DE ALMA EM ARISTOacuteTELES
A noccedilatildeo de alma em Aristoacuteteles obedece trecircs momentos de elaboraccedilatildeo Um primeiro
ao longo da discussatildeo das endoxai de seus predecessores em DA I 2-5 Em outro quando
argumenta por conceitos metafiacutesicos e formula a noccedilatildeo geral de alma em DA II 1 Aleacutem de
um uacuteltimo a partir de DA II 2 quando se formula uma outra noccedilatildeo de alma pelas
capacidades Esta trajetoacuteria visa (i) levantar as teses que foram elaboradas sobre o assunto
visando extrair certos princiacutepios verdadeiros Com estes princiacutepios (ii) se expotildee a noccedilatildeo
geral Mas esta noccedilatildeo que responde sobre o ser da alma natildeo indica os tipos especiacuteficos de
vida Portanto (iii) eacute preciso inquirir por outra abordagem e provar que a alma eacute princiacutepio das
capacidades que manifestam vida no ser pois atraveacutes dessas capacidades explicamos esses
distintos modos de viver Como se veraacute esta travessia responde agrave taacutebua de definiccedilatildeo de DA I
1 e Aristoacuteteles ara todo o terreno sobre o qual ele ergue sua psicologia
21 A DEFINICcedilAtildeO PELA FORMA
Aristoacuteteles conclui seu levantamento das endoxai em DA I 2-5 com duas noccedilotildees
relativas agrave alma que ela eacute una18
e imoacutevel19
Somente no iniacutecio do livro seguinte em DA II 1
ele apresenta sua noccedilatildeo onde o objetivo traccedilar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos)
que abarque as vaacuterias formas de vida
18 φαίνεται δὲ καὶ τὰ φυτὰ διαιρούμενα ζῆν καὶ τῶν ζῴων ἔνια τῶν ἐντόμων ὡς τὴν αὐτὴν ἔχοντα ψυχὴν τῷ
εἴδει εἰ καὶ μὴ ἀριθμῷ ἑκάτερον γὰρ τῶν μορίων αἴσθησιν ἔχει καὶ κινεῖται κατὰ τόπον ἐπί τινα χρόνον εἰ δὲ
μὴ διατελοῦσιν οὐθὲν ἄτοπον ὄργανα γὰρ οὐκ ἔχουσιν ὥστε σώζειν τὴν φύσιν ἀλλ οὐδὲν ἧττον ἐν ἑκατέρῳ
τῶν μορίων ἅπαντ ἐνυπάρχει τὰ μόρια τῆς ψυχῆς καὶ ὁμοειδῆ ἐστιν ἀλλήλοις καὶ τῇ ὅλῃ ἀλλήλοις μὲν ὡς οὐ
χωριστὰ ὄντα τῇ δ ὅλῃ ψυχῇ ὡς οὐ διαιρετῇ οὔσῃ ἔοικε δὲ καὶ ἡ ἐν τοῖς φυτοῖς ἀρχὴ ψυχή τις εἶναι μόνης γὰρ
ταύτης κοινωνεῖ καὶ ζῷα καὶ φυτά καὶ αὕτη μὲν χωρίζεται τῆς αἰσθητικῆς ἀρχῆς αἴσθησιν δ οὐθὲν ἄνευ ταύτης
ἔχει ldquoEacute manifesto ainda que as plantas ndash e dentre os animais alguns insetos ndash quando secionadas continuam a
viver como se tivessem a mesma alma especificamente ainda que natildeo numericamente pois cada uma das partes
tem sensaccedilatildeo e move-se localmente por algum tempo Se natildeo sobrevivem natildeo resulta em absurdo algum pois
natildeo mantecircm oacutergatildeos aponto de conservar a sua natureza Em cada uma das partes poreacutem estatildeo todas as partes da
alma e nenhuma a menos E elas satildeo da mesma espeacutecie entre si e em relaccedilatildeo agrave alma inteira ndash as diversas partes
satildeo inseparaacuteveis uma das outras embora a alma inteira seja divisiacutevel Parece que o princiacutepio encontrado nas
plantas eacute tambeacutem um certo tipo de alma pois eacute apenas compartilhada por animais e plantas e ela existe
separada do princiacutepio perceptivo embora sem ela nada possa ter percepccedilatildeordquo 411b19-411b30 19ὅτι μὲν οὖν οὔθ ἁρμονίαν οἷόν τ εἶναι τὴν ψυχὴν οὔτε κύκλῳ περιφέρεσθαι δῆλον ἐκ τῶν εἰρημένων ldquoQue a
alma natildeo pode ser harmonia nem locomover-se em ciacuterculo fica claro a partir do que foi ditordquo 408ordf29-30 (Trad
Gomes dos Reis)
ὅτι μὲν οὖν οὐχ οἷόν τε κινεῖσθαι τὴν ψυχήν φανερὸν ἐκ τούτων εἰ δ ὅλως μὴ κινεῖται δῆλον ὡς οὐδ ὑφ
ἑαυτῆς Eacute evidente a partir disso tudo que natildeo eacute possiacutevel que a alma se mova ldquoE se de todo modo natildeo se move eacute
claro tambeacutem que natildeo se move por si mesmardquo 408b30-31 (Trad Gomes dos Reis)
φανερὸν οὖν ἐκ τῶν εἰρημένων ὡς οὔτε τὸ γινώσκειν ὑπάρχει τῇ ψυχῇ διὰ τὸ ἐκ τῶν στοιχείων εἶναι οὔτε τὸ
κινεῖσθαι αὐτὴν καλῶς οὐδ ἀληθῶς λέγεται ldquoEacute manifesto entatildeo a partir do que foi dito que nem o conhecer
subsite na alma por ela ser composta dos elementos nem eacute uma maneira certa ou verdadeira dizer qua a alma eacute
movidardquo 411a24-26 (Trad Gomes dos Reis)
21
Τὰ μὲν δὴ ὑπὸ τῶν πρότερον παραδεδομένα περὶ ψυχῆς εἰρήσθω πάλιν δ ὥσπερ ἐξ
ὑπαρχῆς ἐπανίωμεν πειρώμενοι διορίσαι τί ἐστι ψυχὴ καὶ τίς ἂν εἴη κοινότατος λόγος
αὐτῆς
Tendo dito o suficiente sobre as opiniotildees a respeito da alma fornecida por nossos
predecessores retomemos como que do comeccedilo e tentemos definir o que eacute a alma e
qual seria seu enunciado mais geral 412a1-6 (Trad Gomes dos Reis)
A busca pelo enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) visa uma definiccedilatildeo de alma
comum agraves diversas formas de vida Em meio agrave pluralidade de modos de vida a alma eacute aquilo
a partir do qual essa pluralidade se unifica num gecircnero de ser ndash o dos seres viventes
(empsykhon) Aristoacuteteles compreende que uma noccedilatildeo puramente geneacuterica natildeo explica as
formas especiacuteficas do objeto de estudo Entretanto o enunciado geral responde agrave primeira
parte da taacutebua de definiccedilatildeo como notaremos no decorrer da definiccedilatildeo pela forma que seraacute
enunciada Com eles Aristoacuteteles alicerccedila conceitualmente as outras definiccedilotildees que seratildeo
formuladas nos outros capiacutetulos
Assim entatildeo Aristoacuteteles inicia seu argumento
λέγομεν δὴ γένος ἕν τι τῶν ὄντων τὴν οὐσίαν ταύτης δὲ τὸ μέν ὡς ὕλην ὃ καθ αὑτὸ
οὐκ ἔστι τόδε τι ἕτερον δὲ μορφὴν καὶ εἶδος καθ ἣν ἤδη λέγεται τόδε τι καὶ τρίτον
τὸ ἐκ τούτων ἔστι δ ἡ μὲν ὕλη δύναμις τὸ δ εἶδος ἐντελέχεια καὶ τοῦτο διχῶς τὸ
μὲν ὡς ἐπιστήμη τὸ δ ὡς τὸ θεωρεῖν
Dizemos que um dos gecircneros dos seres eacute a substacircncia E substacircncia primeiro no
sentido de mateacuteria ndash que por si mesmo natildeo eacute algo determinado ndash e ainda no sentido
de figura e forma ndash em virtude do que jaacute se diz que eacute algo determinado ndash e por fim
no sentido de composto de ambas A mateacuteria por sua vez eacute potecircncia ao passo que a
forma eacute atualidade e isto de dois modos seja como ciecircncia seja como inquirir DA II
1 412a6-11(Trad Gomes dos Reis)
Aristoacuteteles parte de teses presentes em seu tratado de filosofia primeira a Metafiacutesica
Laacute ele investiga o ser enquanto ser que tem muitos significados mas todos convergem para
um soacute20
O que responde a estes diversos significados do que eacute o ser ao ti estiacute eacute a
substacircncia21
(ousiacutea) Satildeo substacircncias a mateacuteria (hyacutele) a forma (morpheacute) e o composto de
ambas ( tograve ek touacutetoon) 22
Apesar da mateacuteria ser indeterminada23
permanece na mudanccedila e eacute
20 διὸ καὶ ἡμῖν τοῦ ὄντος ᾗ ὂν τὰς πρώτας αἰτίας ληπτέον Τὸ δὲ ὂν λέγεται μὲν πολλαχῶς ἀλλὰ πρὸς ἓν καὶ μίαν
τινὰ φύσιν Por isso tambeacutem noacutes devemos apreender as causas primeiras do ente enquanto ente ldquoEnterdquo se diz de
muitas maneiras mas em relaccedilatildeo a algo uacutenico e a uma natureza uacutenicardquo Met G 1-2 1003ordf31-32 (Trad Lucas
Angioni) 21τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν ldquoE
sendo o ente dito de muitos modos eacute evidente que o ente primeiro eacute o que eacute entre todos o que designa a
substacircnciardquo Met Z 2 1028b13-15 (Trad Lucas Angioni) 22 αὗται δ εἰσὶν αἱ αἰσθηταί αἱ δ αἰσθηταὶ οὐσίαι πᾶσαι ὕλην ἔχουσιν ἔστι δ οὐσία τὸ ὑποκείμενον ἄλλως μὲν
ἡ ὕλη (ὕλην δὲ λέγω ἣ μὴ τόδε τι οὖσα ἐνεργείᾳ δυνάμει ἐστὶ τόδε τι) ἄλλως δ ὁ λόγος καὶ ἡ μορφή ὃ τόδε τι
ὂν τῷ λόγῳ χωριστόν ἐστιν τρίτον δὲ τὸ ἐκ τούτων οὗ γένεσις μόνου καὶ φθορά ἐστι καὶ χωριστὸν ἁπλῶς τῶν
γὰρ κατὰ τὸν λόγον οὐσιῶν αἱ μὲν αἱ δ οὔ ldquoE agora devemos reexaminar as substacircncias que satildeo admitidas por
todos E essas satildeo as substacircncias sensiacuteveis Todas as substacircncias sensiacuteveis tecircm mateacuteria E substacircncia eacute o
substrato o qual em certo sentido significa a mateacuteria (chamo mateacuteria o que natildeo eacute algo determinado em ato mas
22
objeto de predicaccedilatildeo caracteriza-se como o substrato (hypokeiacutemenon) do composto Para ser
determinada a mateacuteria depende da forma que lhe confere ser (ti estiacute) Assim toda mateacuteria
determinada pela forma seraacute um composto Por isso Aristoacuteteles defende que uma boa
definiccedilatildeo das substacircncias compostas eacute a que enuncie a determinaccedilatildeo da forma na mateacuteria24
Em suma a substacircncia eacute o gecircnero primeiro de ser sendo esta tanto mateacuteria quanto forma
assim como o composto de ambas
A indeterminaccedilatildeo da mateacuteria e a determinaccedilatildeo da forma estatildeo intrinsecamente
relacionadas aos conceitos correlatos de potecircncia (dyacutenamis) e atualidade (enteleacutekheia) na
filosofia primeira de Aristoacuteteles A mateacuteria eacute indeterminada pois natildeo eacute algo em ato mas em
potecircncia na medida que eacute passiacutevel de determinaccedilatildeo pela forma Aristoacuteteles assinala que ser
em potecircncia significa ter o princiacutepio de movimento (kiacutenesis) ou de modicaccedilatildeo (metaboleacute) seja
por causa extriacutenseca ou intriacutenseca25
A mateacuteria portanto eacute potecircncia pois traz em si o princiacutepio
de ser movida ou modificada por si mesma ou por um outro isto Potecircncia tambeacutem estaacute
algo determinado soacute em potecircncia) num segundo sentido significa a essecircncia e a forma (a qual sendo algo
determinado pode ser separada pelo pensamento) e num terceiro sentido significa o composto de mateacuteria e de
forma (e soacute este estaacute submetido agrave geraccedilatildeo e agrave corrupccedilatildeo e eacute separado em sentido proacuteprio enquanto das
substacircncias entendidas segundo a forma algumas satildeo separadas outras natildeo satildeo)rdquo H 1042a24-31 (Trad Giovani
Reale) 23 λέγω δ ὕλην ἣ καθ αὑτὴν μήτε τὶ μήτε ποσὸν μήτε ἄλλο μηδὲν λέγεται οἷς ὥρισται τὸ ὄν ἔστι γάρ τι καθ οὗ
κατηγορεῖται τούτων ἕκαστον ᾧ τὸ εἶναι ἕτερον καὶ τῶν κατηγοριῶν ἑκάστῃ (τὰ μὲν γὰρ ἄλλα τῆς οὐσίας
κατηγορεῖται αὕτη δὲ τῆς ὕλης) ὥστε τὸ ἔσχατον καθ αὑτὸ οὔτε τὶ οὔτε ποσὸν οὔτε ἄλλο οὐδέν ἐστιν οὐδὲ δὴ
αἱ ἀποφάσεις καὶ γὰρ αὗται ὑπάρξουσι κατὰ συμβεβηκός ldquoChamo mateacuteria aquilo que por si natildeo eacute algo
determinado nem uma quantidade nem qualquer outra das determinaccedilotildees do ser Existe de fato alguma coisa da
qual cada uma dessas determinaccedilotildees eacute predicada alguma coisa cujo ser eacute diferente do ser de cada uma das
categorias Todas as outras categorias com efeito satildeo predicadas da substacircncia e esta por sua vez eacute predicada
da mateacuteria Assim este termo por si natildeo eacute nem algo determinado nem quantidade nem qualquer outra
categoria e natildeo eacute nem sequer as negaccedilotildees destas porque as negaccedilotildees soacute existem de modo acidentalrdquo Met Z 3
1029ordf20-26 (Trad Giovani Reale) 24 οἱ δὲ ἀγγεῖον σκεπαστικὸν χρημάτων καὶ σωμάτων ἤ τι ἄλλο τοιοῦτον προτιθέντες τὴν ἐνέργειαν λέγουσιν οἱ
δ ἄμφω ταῦτα συντιθέντες τὴν τρίτην καὶ τὴν ἐκ τούτων οὐσίαν (ἔοικε γὰρ ὁ μὲν διὰ τῶν διαφορῶν λόγος τοῦ
εἴδους καὶ τῆς ἐνεργείας εἶναι ὁ δ ἐκ τῶν ἐνυπαρχόντων τῆς ὕλης μᾶλλον) ὁμοίως δὲ καὶ οἵους Ἀρχύτας
ἀπεδέχετο ὅρους τοῦ συνάμφω γάρ εἰσιν ldquoAo contraacuterio os que a definem dizendo que eacute um refuacutegio para
proteger coisas e corpos ou alguma outra coisa desse tipo dizendo o que eacute a casa em ato enfim os que unem
ambas as definiccedilotildees experimenta substacircncia no terceiro significado como composto de mateacuteria e forma Eacute claro
que a definiccedilatildeo dada pelas diferenccedilas refere-se agrave forma e ao ato enquanto a definiccedilatildeo dada a partir dos
elementos refere-se prioritariamente agrave mateacuteria Semelhantes a estas eram as definiccedilotildees que Arquita aprovava
elas referiam-se ao conjunto de mateacuteria e formardquo H 2 1043ordf17-21 (Trad Giovani Reale)
φανερὸν δὴ ἐκ τῶν εἰρημένων τίς ἡ αἰσθητὴ οὐσία ἐστὶ καὶ πῶς ἡ μὲν γὰρ ὡς ὕλη ἡ δ ὡς μορφὴ καὶ ἐνέργεια
ἡ δὲ τρίτη ἡ ἐκ τούτων ldquoDo que foi dito fica claro o que eacute a substacircncia sensiacutevel e qual eacute seu modo de ser ela eacute
por um lado mateacuteria por outro forma e ato e num terceiro sentido o conjunto de mateacuteria e de formardquo Met H
2 1043a26-28 (Trad Giovani Reale) 25 ἡ μὲν οὖν ὅλως ἀρχὴ μεταβολῆς ἢ κινήσεως λέγεται δύναμις ἐν ἑτέρῳ ἢ ᾗ ἕτερον ἡ δ ὑφ ἑτέρου ἢ ᾗ ἕτερον
(καθ ἣν γὰρ τὸ πάσχον πάσχει τι ὁτὲ μὲν ἐὰν ὁτιοῦν δυνατὸν αὐτό φαμεν εἶναι παθεῖν ὁτὲ δ οὐ κατὰ πᾶν
πάθος ἀλλ ἂν ἐπὶτὸ βέλτιον) ldquoPotecircncia portanto significa em primeiro lugar esse princiacutepio de mudanccedila ou de
movimento que se encontra em outra coisa ou na propria coisa enquanto outra e em segundo lugar significa o
princiacutepio pelo qual uma coisa eacute mudada ou movida por outra ou por si mesma enquanto outrardquo Met Δ 12
1019ordf19-23 (Trad Giovani Reale)
23
relacionada ao princiacutepio de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo26
Na medida em que as coisas satildeo
constituiacutedas de um determinado modo elas trazem em potecircncia a manutenccedilatildeo de si diante da
accedilatildeo de outra coisa como a parede que natildeo quebra se batida com um copo de vidro ou trazem
em potecircncia a degeneraccedilatildeo tal qual um copo de vidro que quebra quando lanccedilado contra a
parede Jaacute a forma eacute atualidade (enteleacutekheia) tanto como ciecircncia quanto inquirir ou seja
enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) e atividade (energeia) Atualidade enquanto disposiccedilatildeo significa
a jaacute detenccedilatildeo de determinada capacidade mas sem sua atividade Ser apto a caminhar mas
estar sentado por exemplo Jaacute ato enquanto atividade significa o exerciacutecio dessa disposiccedilatildeo
Ser apto a caminhar e estar caminhando
οὐσίαι δὲ μάλιστ εἶναι δοκοῦσι τὰ σώματα καὶ τούτων τὰ φυσικά ταῦτα γὰρ τῶν
ἄλλων ἀρχαί τῶν δὲ φυσικῶν τὰ μὲν ἔχει ζωήν τὰ δ οὐκ ἔχει ζωὴν δὲ λέγομεν τὴν
δι αὑτοῦ τροφήν τε καὶ αὔξησιν καὶ φθίσιν ὥστε πᾶν σῶμα φυσικὸν μετέχον ζωῆς
οὐσία ἂν εἴη οὐσία δ οὕτως ὡς συνθέτη
E haacute a opiniatildeo de que sobretudo os corpos satildeo substacircncia entre os quais se encontram
os corpos naturais que satildeo princiacutepios dos demais Dos corpos naturais alguns tecircm
vida outros natildeo e dizemos que a vida eacute a nutriccedilatildeo por si mesmo o crescimento e o
decaimento Assim todo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido
de substacircncia composta DA II 1 412a11-16 (Trad Gomes dos Reis)
Aristoacuteteles retorna a uma tese geral amplamente adotada por ele segundo a qual dentre
as substacircncias as sensiacuteveis satildeo as mais aceitas27
por serem mais evidentes aos sentidos O que
26 ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ τοῦ πάσχειν ἔτι ὅσαι ἕξεις καθ ἃς ἀπαθῆ ὅλως ἢ ἀμετάβλητα ἢ μὴ ῥᾳδίως ἐπὶ τὸ χεῖρον
εὐμετακίνητα δυνάμεις λέγονται κλᾶται μὲν γὰρ καὶ συντρίβεται καὶ κάμπτεται καὶ ὅλως φθείρεται οὐ τῷ
δύνασθαι ἀλλὰ τῷ μὴ δύνασθαι καὶ ἐλλείπειν τινός ἀπαθῆ δὲ τῶν τοιούτων ἃ μόλις καὶ ἠρέμα πάσχει διὰ δύ
ναμιν καὶ τῷ δύνασθαι καὶ τῷ ἔχειν πώς ldquoO mesmo vale para a potecircncia passiva Aleacutem disso chamam-se
potecircncias todos os estados em virtude dos quais as coisas satildeo absolutamente impassiacuteveis ou imutaacuteveis ou natildeo
facilmente mutaacuteveis para pior De fato as coisas quebram-se degeneram-se dobram-se e em geral destroem-se
natildeo porque tecircm potecircncia mas porque natildeo tecircm potecircncia a e porque carecem de alguma coisa ao contraacuterio satildeo
impassiacuteveis relativamente a todo estes tipos de afecccedilotildees as coisas que dificilmente ou pouco satildeo afetadas por elas
por causa de sua potecircncia e de seu poder e por determinadas condiccedilotildees em que se encontremrdquo Met Δ 12 1019ordf
26-32 (Trad Giovani Reale) 27 Οὐσία λέγεται τά τε ἁπλᾶ σώματα οἷον γῆ καὶ πῦρ καὶ ὕδωρ καὶ ὅσα τοιαῦτα καὶ ὅλως σώματα καὶ τὰ ἐκ
τούτων συνεστῶτα ζῷά τε καὶ δαιμόνια καὶ τὰ μόρια τούτων ἅπαντα δὲ ταῦτα λέγεται οὐσία ὅτι οὐ καθ
ὑποκειμένου λέγεται ἀλλὰ κατὰ τούτων τὰ ἄλλα ldquoSubstacircncia em certo sentido se diz dos corpos simples por
exemplo o fogo a terra a aacutegua e todos os corpos como estes e em geral todos os corpos e as coisas compostas
a partir deles como os animais e os seres divinos e suas partes Todas essas coisas satildeo ditas substacircncias porque
natildeo satildeo predicadas de um substrato mas tudo o mais eacute predicado delasrdquo Met Δ 1017b10ndash14 (Trad Giovani
Reale)
Τὸ ὂν λέγεται πολλαχῶς καθάπερ διειλόμεθα πρότερον ἐν τοῖς περὶ τοῦ ποσαχῶς σημαίνει γὰρ τὸ μὲν τί ἐστι
καὶ τόδε τι τὸ δὲ ποιὸν ἢ ποσὸν ἢ τῶν ἄλλων ἕκαστον τῶν οὕτω κατηγορουμένων τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου
τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν (ὅταν μὲν γὰρ εἴπωμεν ποῖόν τι
τόδε ἢ ἀγαθὸν λέγομεν ἢ κακόν ἀλλ οὐ τρίπηχυ ἢ ἄνθρωπον ldquoO ser tem muitos signficados como
estabelecemos anteriormente no livro dedicado aos diversos significados dos termos De fato o ser signfica de
um lado essecircncia e algo determinado de outro qualidade ou quantidade e cada uma das outras categorias
Mesmo sendo dito em tantos signficados eacute evidente que o primeiro dos significados do ser eacute a essecircncia que
indica a substacircncia (De fato quando perguntamos a qualidade de alguma coisa dizemos que eacute boa ou maacute mas
natildeo que tem trecircs cocircvados ou que eacute homemrdquo 1028a10ndash16 (Trad Giovani Reale)
24
Aristoacuteteles chama aqui de corpos naturais (physikoacuten) corresponde aos compostos que datildeo
origem aos artificiais e com a abstraccedilatildeo das suas unidades a objetos matemaacuteticos Mas natildeo
satildeo elementos ou partes sem unidade como o olho ou a raiz da aacutervore Pois eacute o animal que
deteacutem o olho e a aacutervore que deteacutem a raiacutez Sendo assim os corpos naturais se diferenciam
entre os que vivem e os que natildeo vivem Estes que natildeo vivem satildeo os corpos artificiais os
corpos celestes e o cadaacutever Um corpo morto seraacute de animal senatildeo por homoniacutemia pois natildeo
tem como atividade o viver E o viver eacute nutrir-se eacute crescer e eacute decair Donde Aristoacuteteles
conclui que ldquotodo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido de substacircncia
compostardquo Os seres viventes (empsykhon) satildeo substacircncias compostas de mateacuteria (corpo) e
forma (alma) tendo como atividade o viver
ἐπεὶ δ ἐστὶ καὶ σῶμα καὶ τοιόνδε ζωὴν γὰρ ἔχον οὐκ ἂν εἴη σῶμα ἡ ψυχή οὐ γάρ
ἐστι τῶν καθ ὑποκειμένου τὸ σῶμα μᾶλλον δ ὡς ὑποκείμενον καὶ ὕλη ἀναγκαῖον
ἄρα τὴν ψυχὴν οὐσίαν εἶνα ὡς εἶδος σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν ἔχοντος
E uma vez que essa substacircncia tambeacutem eacute um corpo de tal tipo ndash que tem vida ndash a
alma natildeo eacute corpo pois o corpo natildeo eacute um dos predicados do substrato antes ele eacute
como o substrato e a mateacuteria Necessariamente entatildeo a alma eacute substacircncia como
forma de um corpo natural potencialmente vivo 412ordf16-21 (Trad Maria Ceciacutelia
Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo proacutepria)
Finalmente Aristoacuteteles tece sua uacuteltima premissa e enuncia uma primeira definiccedilatildeo de
alma Dado que os corpos naturais dotados de vida satildeo compostos hilemoacuterficos cabe eliminar
qualquer possibilidade da alma ser corpo O argumento eacute conciso Haacute substacircncias que satildeo um
corpo dotado de vida Este corpo vivo natildeo eacute alma Mas substrato (hypokeimeacutenon) e mateacuteria
(hyacutele) do composto E como tal eacute objeto de predicaccedilatildeo da forma Portanto a alma natildeo pode
ser corpo pois ela que o predica
Em Met Z 3 escreve Aristoacuteteles que o substrato eacute aquilo que eacute predicado pelas coisas
enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outra28
Jaacute a substacircncia eacute aquilo que predica o
substrato mas que natildeo eacute predicada pelas outras coisas Sendo assim inerem no substrato
determinaccedilotildees como quantidade afecccedilotildees accedilotildees e potecircncias Poreacutem raspadas as
determinaccedilotildees o que resta eacute o substrato primeiro mateacuteria Contudo como jaacute enunciado
ὁμολογούμεναι μὲν αἱ φυσικαί οἷον πῦρ γῆ ὕδωρ ἀὴρ καὶ τἆλλα τὰ ἁπλᾶ σώματα ἔπειτα τὰ φυτὰ καὶ τὰ μόρια
αὐτῶν καὶ τὰ ζῷα καὶ τὰ μόρια τῶν ζῴων καὶ τέλος ὁ οὐρανὸς καὶ τὰ μόρια τοῦ οὐρανοῦ ἰδίᾳ δέ τινες οὐσίας
λέγουσιν εἶναι τά τ εἴδη καὶ τὰ μαθηματικά ldquoSubstacircncias admitidas por todos satildeo as fiacutesicas como fogo terra
aacutegua ar e os outros corpos simples ademais as plantas e suas partes do ceacuteu Alguns filoacutesofos ao contraacuterio em
funccedilatildeo de suas opiniotildees particulares afirmaram que substacircncias satildeo as Formas e os Entes matemaacuteticosrdquo Met H
1042a7ndash11(Trad Giovani Reale)
28 τὸ δ ὑποκείμενόν ἐστι καθ οὗ τὰ ἄλλα λέγεται ἐκεῖνο δὲ αὐτὸ μηκέτι κατ ἄλλου ldquoO Substrato eacute aquilo de
que satildeo predicadas todas as outras coisas enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outrardquo Met Z 3 1028b36 ndash
1029a1 (Trad Giovani Reale)
25
acima Aristoacuteteles compreende a mateacuteria como algo indeterminado Apesar disso haacute algo da
qual todas as outras determinaccedilotildees satildeo predicadas E sendo a substacircncia um algo separado
que predica a mateacuteria ou seja que referencia e determina a mateacuteria substacircncia e mateacuteria natildeo
podem ser idecircnticas O que este argumento nos ajuda a compreender eacute o pressuposto
metafiacutesico sobre o qual Aristoacuteteles identifica o corpo com o substrato impossibilitando que
este seja identificado com a alma Ou seja a substacircncia que predica o corpo
Portanto se o corpo eacute substrato material do composto orgacircnico vivo segue-se
necessariamente que a alma eacute a substacircncia formal Aristoacuteteles enuncia entatildeo seu perseguido
enunciado mais geral a alma eacute substacircncia como forma de um corpo natural potencialmente
vivo A alma enquanto substacircncia do composto vivo eacute substacircncia no sentido de forma Com
este enunciado Aristoacuteteles responde o primeiro ponto do elenco de questotildees a serem
abordadas numa investigaccedilatildeo da alma a saber a qual gecircnero de ser pertence a alma
Para a alma ser forma de um corpo potencialmente vivo ndash e ser potencialmente vivo eacute
dispor de oacutergatildeos passiacuteveis de realizaccedilatildeo das atividades proacuteprias ao viver ndash significa ser o
princiacutepio estruturante e configurador das funccedilotildees (eacutergon) de vida Assim a alma eacute o princiacutepio
e causa determinante do ser atraveacutes das atividades proacuteprias ao viver em um corpo de tal tipo
Portanto a alma configura a realidade das substacircncias compostas viventes sendo aquilo a
partir e em vista do que a vida se daacute
Aristoacuteteles abre caminho para a responder sua taacutebua de definiccedilotildees de DA I 1 A
primeira delas eacute configurar a relaccedilatildeo entre a alma e o corpo fundamentando a noccedilatildeo de
inseparabilidade entre uma e outro Pois ser a forma de um composto demanda que a alma se
atualize apenas se instanciada em um estofo material e seja seu princiacutepio de ser Em siacutentese a
alma eacute como a substacircncia e o corpo eacute como o substrato da substacircncia composta viva que eacute o
ser vivente
Seguindo as noccedilotildees jaacute traccediladas anteriormente Aristoacuteteles desdobraraacute outras duas
caracteriacutesticas proacuteprias agrave alma atualidade primeira e princiacutepio de determinaccedilatildeo do corpo Jaacute
que a alma eacute forma e forma eacute atualidade entatildeo a alma eacute atualidade deste corpo
potencialmente vivo como se lecirc logo em seguida
ἡ δ οὐσία ἐντελέχεια τοιούτου ἄρα σώματος ἐντελέχεια αὕτη δὲ λέγεται διχῶς ἡ
μὲν ὡς ἐπιστήμη ἡ δ ὡς τὸ θεωρεῖν φανερὸν οὖν ὅτι ὡς ἐπιστήμη ἐν γὰρ τῷ
ὑπάρχειν τὴν υχὴν καὶ ὕπνος καὶ ἐγρήγορσίς ἐστιν ἀνάλογον δ ἡ μὲν ἐγρήγορσις τῷ
θεωρεῖν ὁ δ ὕπνος τῷ ἔχειν καὶ μὴ ἐνεργεῖν προτέρα δὲ τῇ γενέσει ἐπὶ τοῦ αὐτοῦ ἡ
ἐπιστήμη διὸ ἡ ψυχή ἐστιν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν
ἔχοντος
E a substacircncia eacute atualidade Portanto eacute de um corpo de tal tipo que a alma eacute
atualidade Mas esta se diz de dois modos ndash primeiro como ciecircncia segundo como o
26
inquirir Eacute claro entatildeo que a alma eacute atualidade como ciecircncia pois ao subsistir a alma
haacute tanto o sono como a vigiacutelia e a vigiacutelia eacute algo anaacutelogo ao inquirir o sono a possuir
a ciecircncia mas natildeo a exercecirc-la e no que concerne a um mesmo indiviacuteduo a ciecircncia eacute
a primeira atualidade de um corpo natural que tem em potecircncia vida DA II 1 412a21-
28 (Trad Gomes dos Reis)
Como jaacute estabelecido em 401a6-11 a atualidade se diz segundo a disposiccedilatildeo e a
atividade Aqui disposiccedilatildeo (heacutexis) estaacute para a ciecircncia (epistecircme) como atividade (energeacuteia)
estaacute para inquirir (theoreicircn) Portanto disposiccedilatildeo eacute a obtenccedilatildeo de dada capacidade sem
executaacute-la enquanto atividade eacute sua execuccedilatildeo
Aristoacuteteles conclui seu argumento especificando a alma como uma atualidade primeira
(enteleacutekheia proteacute) Charlton29
propotildee que o termo ldquoprimeirordquo (proteacute) se refira agrave atualidade no
primeiro sentido ou seja enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) O que parece plausiacutevel pois o texto
aristoteacutelico nos diz que a alma eacute atualidade como ciecircncia (phanerograven oucircn hoacuteti hocircs episteme)
Aleacutem disso nas discussotildees preliminares sobre a capacidade perceptiva Aristoacuteteles discorre
um pouco mais sobre as diferenccedilas entre atualidade em termos de disposiccedilatildeo e atividade
διαιρετέον δὲ καὶ περὶ δυνάμεως καὶ ἐντελεχείας νῦν γὰρ ἁπλῶς ἐλέγομεν περὶ
αὐτῶν ἔστι μὲν γὰρ οὕτως ἐπιστῆμόν τι ὡς ἂν εἴποιμεν ἄνθρωπον ἐπιστήμονα ὅτι ὁ
ἄνθρωπος τῶν ἐπιστημόνων καὶ ἐχόντων ἐπιστήμην ἔστι δ ὡς ἤδη λέγομεν
ἐπιστήμονα τὸν ἔχοντα τὴν γραμματικήν ἑκάτερος δὲ τούτων οὐ τὸν αὐτὸν τρόπον
δυνατός ἐστιν ἀλλ ὁ μὲν ὅτι τὸ γένος τοιοῦτον καὶ ἡ ὕλη ὁ δ ὅτι βουληθεὶς δυνατὸς
θεωρεῖν ἂν μή τι κωλύσῃ τῶν ἔξωθεν ὁ δ ἤδη θεωρῶν ἐντελεχείᾳ ὢν καὶ κυρίως
ἐπιστάμενος τόδε τὸ Α ἀμφότεροι μὲν οὖν οἱ πρῶτοι κατὰ δύναμιν ἐπιστήμονες
ltὄντες ἐνεργείᾳ γίνονται ἐπιστήμονεςgtἀλλ ὁ μὲν διὰ μαθήσεως ἀλλοιωθεὶς καὶ
πολλάκις ἐξ ἐναντίας μεταβαλὼν ἕξεως ὁ δ ἐκ τοῦ ἔχειν τὴν ἀριθμητικὴν ἢ τὴν
γραμματικήν μὴ ἐνεργεῖν δέ εἰς τὸ ἐνεργεῖν ἄλλον τρόπον
Eacute preciso ainda fazer distinccedilotildees no que diz respeito agrave potecircncia e agrave atualidade Pois ateacute
agora falaacutevamos disso de maneira simples Por um lado haacute aquele que conhece no
sentido em que diriacuteamos ser o homem conhecedor por estar entre os que conhecem e
possuem conhecimento e haacute em outro sentido aquele que dizemos ser conhecedor
por jaacute saber a gramaacutetica (e cada um deles eacute em potecircncia mas natildeo da mesma maneira
o primeiro por que eacute de tal gecircnero e mateacuteria o outro porque se quiser pode inquirir
nada externo o impedindo) E haacute por fim aquele que estaacute inquirindo e em atualidade
conhecendo em sentido proacuteprio este ldquoArdquo determinado Os dois primeiros satildeo
conhecedores em potecircncia um por ter-se alterado via aprendizagem e por passar
vaacuterias vezes de uma das disposiccedilotildees contraacuterias a outra o outro de outro modo por
passar do ter a percepccedilatildeo sensiacutevel30 ou a gramaacutetica sem exercitaacute-lo ao estar em
exerciacutecio DA II 5 417a21-b2 (Trad Gomes dos Reis)
O ser humano eacute configurado de modo a realizar certas atividades como a nutriccedilatildeo a
percepccedilatildeo e a inquiriccedilatildeo Entretanto a pura organizaccedilatildeo fiacutesica natildeo basta para que elas sejam
realizadas Assim somente quando a funccedilatildeo proacutepria de determinada disposiccedilatildeo fiacutesica entra
em atividade eacute que aquilo que eacute em potecircncia se torna uma atualidade No caso acima a
capacidade de inquirir Mas toda capacidade exige um objeto para entrar em atividade E o
29 1980 p 174 30 A tradutora optou por substituir o termo ldquoarithmetikegravenrdquo por ldquoaiacutesthesinrdquo Cf GOMES DOS REIS 2012 p 84
27
que era uma potecircncia de aprendizado para o inquiridor torna-se uma atualidade pela atividade
da sua inquiriccedilatildeo Deste modo haacute trecircs instacircncias que vatildeo da potecircncia agrave atualidade Na
primeira o ser vivente eacute dotado da capacidade de aprender a inquirir Na segunda esta
disposiccedilatildeo eacute posta em atividade tendo um objeto para se inquirir Na terceira eacute a atividade
dessa capacidade aprendida ou adquirida que se tem uma atualidade plena No primeiro caso
eacute claramente uma capacidade segundo uma disposiccedilatildeo No segundo caso jaacute temos um estado
de atualidade na medida em que haacute o exerciacutecio dessa capacidade proacutepria ao ser vivente
Aristoacuteteles chama isso de potecircncia pois em relaccedilatildeo agrave terceira instacircncia aquele modo de
atualidade eacute ainda suscetiacutevel de alteraccedilatildeo E quando essa nova capacidade a gramaacutetica eacute
adquirida pela atividade desta nova capacidade de inquirir possiacutevel apenas pela sua
disposiccedilatildeo na fisiologia do ser vivente a capacidade se atualiza plenamente
Assim a alma eacute atualidade primeira de um corpo potencialmente vivo enquanto
princiacutepio de atividade das capacidades proacuteprias ao viver presentes como disposiccedilatildeo que a
forma engendra neste corpo Isto fica mais evidente em DA II 1 412b5-9
εἰ δή τι κοινὸν ἐπὶ πάσης ψυχῆς δεῖ λέγειν εἴη ἂν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος
φυσικοῦ ὀργανικοῦ διὸ καὶ οὐ δεῖ ζητεῖν εἰ ἓν ἡ ψυχὴ καὶ τὸ σῶμα ὥσπερ οὐδὲ τὸν
κηρὸν καὶ τὸ σχῆμα οὐδ ὅλως τὴν ἑκάστου ὕλην καὶ τὸ οὗ ἡ ὕλη τὸ γὰρ ἓν καὶ τὸ
εἶναι ἐπεὶ πλεοναχῶς λέγεται τὸ κυρίως ἡ ἐντελέχειά ἐστιν
Se eacute preciso enunciar algo comum a toda e qualquer alma seria que eacute a primeira
atualidade do corpo natural orgacircnico E por isso inclusive natildeo eacute preciso investigar se
alma e corpo satildeo uma unidade ndash tampouco se a cera e a figura o satildeo e em suma nem
se a mateacuteria de cada coisa e aquilo de que eacute mateacuteria ndash pois jaacute que se diz unidade ser
de muitos modos o mais apropriado deles eacute a atualidade (Trad Gomes dos Reis)
O corpo eacute dotado de oacutergatildeos partes que viabilizam a atividade das capacidades
proacuteprias ao viver E eacute a atividade das capacidades atraveacutes dos oacutergatildeos que se confere unidade
entre corpo e alma nesse composto orgacircnico vivo Assim Aristoacuteteles responde sobre a
unidade entre alma e corpo enunciada na taacutebua de definiccedilotildees Natildeo por acaso como corolaacuterio
agraves noccedilotildees de alma como forma e atualidade Aristoacuteteles declara
οὐσία γὰρ ἡ κατὰ τὸν λόγον τοῦτο δὲ τὸ τί ἦν εἶναι τῷ τοιῳδὶ σώματι καθάπερ εἴ τι
τῶν ὀργάνων φυσικὸν ἦν σῶμα οἷον πέλεκυς ἦν μὲν γὰρ ἂν τὸ πελέκει εἶναι ἡ οὐσία
αὐτοῦ καὶ ἡ ψυχὴ τοῦτο χωρισθείσης δὲ ταύτης οὐκ ἂν ἔτι πέλεκυς ἦν ἀλλ ἢ ὁμ
ωνύμως νῦν δ ἔστι πέλεκυς οὐ γὰρ τοιούτου σώματος τὸ τί ἦν εἶναι καὶ ὁ λόγος ἡ
ψυχή ἀλλὰ φυσικοῦ τοιουδί ἔχοντος ἀρχὴν κινήσεως καὶ στάσεως ἐν ἑαυτῷ
Pois ela eacute a substacircncia segundo a determinaccedilatildeo ou seja o que era para ser de um
corpo de tal tipo Se um instrumento fosse um corpo natural ndash por exemplo o
machado ndash a sua substacircncia seria a que eacute ser para o machado e isto seria a sua alma
Separado disso ele natildeo seria mais um machado exceto por homoniacutemia Mas na
verdade eacute um machado pois a alma natildeo eacute a determinaccedilatildeo e o que eacute o que eacute para um
corpo desse tipo mas sim um corpo natural tal que tenha em si mesmo um princiacutepio
28
de movimento e repouso DA II 1 412b10-17 (Trad Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo
proacutepria)
Como jaacute explicitado no enunciado de alma enquanto substacircncia como forma em
412a20 a alma eacute este princiacutepio determinante do ser do composto Ou seja o princiacutepio
organizador das suas disposiccedilotildees e propriedades que determinaratildeo o ser proacuteprio de um corpo
natural capaz de viver A identificaccedilatildeo entre alma e forma se desdobraraacute na identificaccedilatildeo de
alma e o que era para ser31
(tograve tiacute ecircn eicircnai)
Dado que a alma eacute forma e atualidade do corpo Aristoacuteteles estabelece que ela eacute seu
princiacutepio de determinaccedilatildeo das propriedades relevantes que daratildeo o caraacuteter essencial do ser
vivente E eacute evidente como o texto nos mostra e Hamilyn32
sustenta que a determinaccedilatildeo da
essecircncia se daacute segundo sua funccedilatildeo (eacutergon) O ser do machado eacute cortar na medida em que a
funccedilatildeo proacutepria do machado eacute cortar assim como a do olho eacute ver O ser do ser vivente eacute viver
31 A locuccedilatildeo eacute razatildeo de grande controveacutersia na tradiccedilatildeo de comentaacuterios ao texto aristoteacutelico Natildeo entrarei nos
pormenores da discussatildeo mas tomarei a traduccedilatildeo o que era para ser em sua literalidade assim como Angioni
tendo em vista o contexto no qual se pretende compreender seu emprego ldquoTrata-se de uma substantivaccedilatildeo com
o artigo neutro (lsquotorsquo) da pergunta lsquoo que afinal era o ser para tal coisarsquo (lsquoti en to einai toutoirsquo lsquotiacute ecircn tograve eicircnai
toutoirsquo) ndash Aristoacuteteles frequentemente substantiva segmentos de sentenccedilas e expressotildees que em si mesmas
constituem perguntas gramaticalmente completas isso ocorre na designaccedilatildeo das categorias (ldquoo qualrdquo ldquotograve poicirconrdquo
etc) na designaccedilatildeo de algumas das quatro causas (lsquoo que moveu primeirorsquo lsquoo em vista de quersquo) e em outras
expressotildees lsquo(lsquoo por quecircrsquo lsquotograve diagrave tiacutersquo ou lsquotograve dioacutetirsquo) O infinitivo lsquoserrsquo eacute o mesmo que consta na expressatildeo lsquoser +
dativorsquo e que designa a essecircncia da coisa isto eacute o conjunto de propriedades e caracteriacutesticas que deveriam ser
enumeradas no enunciado que define o que a coisa eacute Trata-se do mesmo infinitivo que comparece em 1041a32
1041b28 e 1042b27 (e natildeo se trata do infinitivo que poderia eventualmente ser entendido como existencial tal
como em 1041a15) O imperfeito ldquoerardquo por sua vez consiste num resquiacutecio de um uso dialeacutetico pelo qual o
interlocutor remetia a alguma definiccedilatildeo anteriormente dada destinada a funcionar como paracircmetro para a
discussatildeo ulterior (para referecircncias quanto ao uso desse imperfeito ver nossa dissertaccedilatildeo de mestrado p 89
nota 208) A pergunta original seria lsquoo quecirc era o ser para tal coisarsquo mas isso quer apenas dizer lsquoo quecirc fora
estabelecido (anteriormente na presente discussatildeo) como ser para tal coisarsquo Com o haacutebito a expressatildeo teria
perdido o significado interrogativo que originalmente possuiacutea e teria se tornado um jargatildeo para designar a
essecircncia Em vista disso lsquoto ti en einairsquo poderia ser traduzido ou parafraseado como lsquoaquilo que fora
estabelecido como caracteriacutesticas essenciais de tal coisarsquo A lsquoanterioridade causal da formarsquo muita vez alegada
como chave para a compreensatildeo do jargatildeo eacute compatiacutevel com o significado da expressatildeo mas natildeo explica a
origem do imperfeitordquo (Angioni 2005 102) 32 ldquoAristotlersquos selection of a tool an axe to provide an analogy with the ensouled body reveals how close to the
surface in this discussion is the notion of function The substance or essence of an axe is its function without
which it would not be an axe Like the Greeks in general Aristotle had no difficulty in thinking of a natural body
as having a function too (cf Nicomachean Ethics 1097b22ff) this is part of his general teleology But as he
goes on to point out there are differences also between an axe and a natural body which spoil the analogy This
is the force of the words lsquoBut as it is an axersquo ndash the essence of a axe is not its soul since it does not have one not
being a living thingrdquo ldquoA seleccedilatildeo do Aristoacuteteles de um instrumento um machado prova um analogia com os
coporpos animados revela como o que estaacute em voga eacute a discussatildeo eacute a noccedilatildeo de funccedilatildeo A substacircncia ou
essecircncia de um machado eacute sua funccedilatildeo sem a qual ele natildeo seria um machado Assim como os Gregos
Aristoacuteteles natildeo teve dificuldades em pensar o corpo natural como tambeacutem dotado de funccedilatildeo (cf Eacutetica a
Nicocircmaco 1097b22ss) isto eacute parte da sua teleologia Mas como ele segue pontuando haacute diferenccedilas igualmente
entre um machado e um corpo natural que prejudicam a analogia Eacute o que sugerem as palavras Mas eacute como um
machadorsquo - a essecircncia do machado natildeo eacute sua alma jaacute que ele natildeo tem uma natildeo eacute um ser viventerdquo (HAMLYN
1993 85) (Trad proacutepria)
29
e isto eacute garantido pela alma A locuccedilatildeo o que era para ser como indica Gomes dos Reis33
pode ser compreendida como uma continuidade da forma do ser vivente perante o devir que
lhe eacute proacuteprio ao longo da sua vida
Com isso Aristoacuteteles traccedila suas noccedilotildees preliminares da alma em DA II 1 Haacute ao final
do capiacutetulo algo digno de nota Aristoacuteteles se refere a tudo isto como um rascunho e esboccedilo
de definiccedilatildeo34
Poderiacuteamos entender que estas proposiccedilotildees satildeo insuficientes para o projeto
psicoloacutegico aristoteacutelico E satildeo mesmo em certa medida Pois em relaccedilatildeo agrave taacutebua de
definiccedilatildeo Aristoacuteteles soacute respondeu as noccedilotildees relativas agrave substacircncia atualidade e unidade da
alma Apesar disso como argumentarei na sessatildeo seguinte todo o arcabouccedilo conceitual e
argumentativo aqui esboccedilado sustentaraacute a noccedilatildeo de alma como princiacutepio das capacidades que
denotam vida Aleacutem do mais se lembrarmos que nas primeiras linhas do capiacutetulo Aristoacuteteles
se comprometia tatildeo somente em buscar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) para a
alma eacute inegaacutevel que ele foi bem sucedido Se ao fim de DA I ele tem claro que a alma eacute
princiacutepio imoacutevel de movimento e una em DA II 1 satildeo apresentados os argumentos positivos
para estas duas teses A alma eacute de estatuto formal portanto imoacutevel e princiacutepio organizador
das propriedades do ser Enquanto forma eacute atualidade e assim o princiacutepio de atividade das
capacidades proacuteprias ao ser Enquanto substacircncia eacute o que era para ser do ser vivente e entatildeo
o princiacutepio determinante do que este ser vivente eacute E esta determinaccedilatildeo seraacute dada pela funccedilatildeo
proacutepria das suas capacidades que soacute seratildeo plenificadas com as atividades no oacutergatildeo
correspondente Este enunciado e o que se desdobra dele eacute um rascunho e esboccedilo de definiccedilatildeo
pois natildeo nos explica satisfatoriamente por que a alma eacute princiacutepio das formas especiacuteficas de
vida Aristoacuteteles reconhece isso e segundo um paracircmetro geomeacutetrico de definiccedilatildeo mudaraacute o
curso da investigaccedilatildeo sobre a alma
33 ldquoA expressatildeo to ti ecircn einai pode ser a generalizaccedilatildeo de uma construccedilatildeo com ocorrecircncias nos tratados por
exemplo to [pelekei] einai o ser [para o machado] o ser [para a carne] que seraacute traduzida por sua vez como a
locuccedilatildeo ldquoo que eacute ser para o machadordquo e assim por diante Como reconstruiacute-la eacute um assunto polecircmico Haacute um
verbo no imperfeito (a expressatildeo literalmente diz algo como o lsquoo que era a serrsquo) que poderia ser interpretado
como uma ecircnfase na continuidade da forma a despeito do devirrdquo 2012 208 34τύπῳ μὲν οὖν ταύτῃ διωρίσθω καὶ ὑπογεγράφθω περὶ ψυχῆς ldquoE isto basta como um esquema do esboccedilo de
definiccedilatildeo de almardquo DA II 1 413a10-11 (Trad Gomes dos Reis)
30
22 A DEFINICcedilAtildeO PELAS CAPACIDADES
DA II 2 se inicia com um impasse a noccedilatildeo geral oferece o gecircnero de ser da alma mas
natildeo a enuncia como causa de vida nos seres viventes Diante disso Aristoacuteteles faz uma
revisatildeo metodoloacutegica na investigaccedilatildeo de alma tomando como paradigma o exemplo de
definiccedilatildeo pela causa de um objeto geomeacutetrico
Ἐπεὶ δ ἐκ τῶν ἀσαφῶν μὲν φανερωτέρων δὲ γίνεται τὸ σαφὲς καὶ κατὰ τὸν λόγον
γνωριμώτερον πειρατέον πάλιν οὕτω γ ἐπελθεῖν περὶ αὐτῆς οὐ γὰρ μόνον τὸ ὅτι δεῖ
τὸν ὁριστικὸν λόγον δηλοῦν ὥσπερ οἱ πλεῖστοι τῶν ὅρων λέγουσιν ἀλλὰ καὶ τὴν
αἰτίαν ἐνυπάρχειν καὶ ἐμφαίνεσθαι νῦν δ ὥσπερ συμπεράσμαθ οἱ λόγοι τῶν ὅρων
εἰσίν οἷον τί ἐστιν ὁ τετραγωνισμός τὸ ἴσον ἑτερομήκει ὀρθογώνιον εἶναι
ἰσόπλευρον ὁ δὲ τοιοῦτος ὅρος λόγος τοῦ συμπεράσματος ὁ δὲ λέγων ὅτι ἐστὶν ὁ
τετραγωνισμὸς μέσης εὕρεσις τοῦ πράγματος λέγει τὸ αἴτιον
E jaacute que a partir de coisas natildeo claras embora mais manifestas advecircm clareza e maior
inteligibilidade segundo o enunciado deve-se tentar desta maneira novamente
discorrer sobre a alma pois natildeo somente eacute preciso que o enunciado definidor
esclareccedila os fatos ndash como o faz a maioria das definiccedilotildees ndash mas ainda conter e
expressar a causa Os enunciados das definiccedilotildees na verdade satildeo como conclusotildees O
que eacute por exemplo a quadratura Eacute fazer equivaler um retacircngulo equilaacutetero a um
retacircngulo qualquer Mas tal definiccedilatildeo eacute o enunciado da conclusatildeo e o que diz por sua
vez que a quadratura eacute a descoberta de uma meacutedia proporcional enuncia a causa DA
II 2 413a11-20 (Trad Gomes dos Reis)
Novamente Aristoacuteteles nos relembra a ideia de que as apreensotildees sensiacuteveis satildeo mais
manifestas (phaneroteacuteron) que as apreensotildees inteligiacuteveis As inteligiacuteveis satildeo mais claras
(sophoacutes) pois satildeo formas apreendidas com a razatildeo e menos suscetiacuteveis ao engano Ao
contraacuterio das apreensotildees sensiacuteveis que satildeo mais manifestas Muito embora os pressupostos
que permitiram deduzir o estatuto ontoloacutegico da alma no capiacutetulo anterior sejam mais claros
eles enunciam o vivente como um ser animado enquanto um fato mas natildeo enunciam a alma
como causa do viver Portanto DA II 2 se dedicaraacute a investigar a alma como causa de vida
nos seres viventes a partir do que eacute mais manifesto ao que eacute mais claro
Aristoacuteteles se utiliza de um teorema para explicar que o termo meacutedio de um silogismo
apresenta a causa de um fato Num silogismo dado uma premissa maior que enuncie o fato e
tem como outro fato a conclusatildeo a premissa menor enuncia a causa pois eacute onde se encontra o
porquecirc da conclusatildeo Responder que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois ldquoTodo homem eacute mortalrdquo natildeo
enuncia a causa da mortalidade de Soacutecrates soacute o mero fato de coincidentemente ldquoSoacutecratesrdquo e
ldquoTodo homemrdquo serem mortais Poreacutem se respondemos que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois
ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo e ldquoTodo homem eacute mortalrdquo entatildeo foi enunciado a causa da mortalidade
de Soacutecrates Em sua estrutura claacutessica a premissa maior ldquoTodo homem eacute mortalrdquo a premissa
menor ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo a conclusatildeo ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo
31
Fica a questatildeo de como este novo criteacuterio se aplica agrave definiccedilatildeo E sobre a alma o
corpo e a vida
λέγομεν οὖν ἀρχὴν λαβόντες τῆς σκέψεως διωρίσθαι τὸ ἔμψυχον τοῦ ἀψύχου τῷ
ζῆν πλεοναχῶς δὲ τοῦ ζῆν λεγομένου κἂν ἕν τι τούτων ἐνυπάρχῃ μόνον ζῆν αὐτό
φαμεν οἷον νοῦς αἴσθησις κίνησις καὶ στάσις ἡ κατὰ τόπον ἔτι κίνησις ἡ κατὰ
τροφὴν καὶ φθίσις τε καὶ αὔξησις
Retomando o princiacutepio da investigaccedilatildeo digamos entatildeo que o animado se distingue do
inanimado pelo viver E de muitos modos se diz o viver pois dizemos que algo vive
se nele subsiste pelo menos um destes ndash intelecto percepccedilatildeo sensiacutevel movimento
local e repouso e ainda o movimento segundo a nutriccedilatildeo o decaimento e o
crescimento DA II 2 413a20-24 (Trad Gomes dos Reis)
Aristoacuteteles enuncia uma premissa maior e outra menor
[premissa maior] Todo ser dotado de alma vive
[premissa menor] Viver eacute ser dotado de intelecto percepccedilatildeo nutriccedilatildeo movimento
local e repouso decaimento e crescimento
Eacute proacuteprio agrave alma atribuir vida Viver eacute ser dotado de uma das capacidades
mencionadas Assim todo corpo natural que apresente uma dessas capacidades vive35
Portanto as plantas vivem pois se nutrem crescem e decaem por si proacuteprias
διὸ καὶ τὰ φυόμενα πάντα δοκεῖ ζῆν φαίνεται γὰρ ἐν αὑτοῖς ἔχοντα δύναμιν καὶ
ἀρχὴν τοιαύτην δι ἧς αὔξησίν τε καὶ φθίσιν λαμβάνουσι κατὰ τοὺς ἐναντίους τόπους
οὐ γὰρ ἄνω μὲν αὔξεται κάτω δ οὔ ἀλλ ὁμοίως ἐπ ἄμφω καὶ πάντῃ ὅσα ἀεὶ
τρέφεταί τε καὶ ζῇ διὰ τέλους ἕως ἂν δύνηται λαμβάνειν τροφήν
Por isso parece inclusive que todas as plantas vivem pois eacute manifesto que tecircm em si
mesmas uma potecircncia e um princiacutepio deste tipo por meio do qual ganham
crescimento e decaimento segundo direccedilotildees contraacuterias pois natildeo crescem apenas para
cima e natildeo para baixo mas similarmetne em ambas e em todas as direccedilotildees e assim eacute
para as que se nutrem constantemente e vivem ateacute o fim enquanto puderem obter
alimento DA II 2 413a25-31 (Trad Gomes dos Reis)
Assim como os animais vivem jaacute que satildeo dotados de nutriccedilatildeo e percepccedilatildeo
τὸ μὲν οὖν ζῆν διὰ τὴν ἀρχὴν ταύτην ὑπάρχει τοῖς ζῶσι τὸ δὲ ζῷον διὰ τὴν αἴσθησιν
πρώτως καὶ γὰρ τὰ μὴ κινούμενα μηδ ἀλλάττοντα τόπον ἔχοντα δ αἴσθησιν ζῷα
λέγομεν καὶ οὐ ζῆν μόνον
O viver subsiste nos seres vivos por conta deste princiacutepio e o animal constitui-se
primordialmente pela percepccedilatildeo sensiacutevel Pois dizemos que satildeo animais ndash e natildeo
apenas que vivem ndash tambeacutem os que natildeo se movem nem mudam de lugar mas
possuem percepccedilatildeo DA II 2 413b1-4 (Trad Gomes dos Reis)
Com isso temos a conclusatildeo do silogismo psicoloacutegico aristoteacutelico
[conclusatildeo a] Plantas e animais satildeo animados
E desta uma outra
35 Como jaacute antecipara em DA II 1 412a11-16 citado na paacutegina 16
32
[conclusatildeo b] Plantas e animais satildeo vivos
Portanto assim como todo retacircngulo teraacute quadratura por causa da sua proporccedilatildeo com
um retacircngulo quadrilaacutetero todo corpo seraacute um ser vivente por ser dotado de alma Entretanto
uma ldquoquestatildeo de aluno bobordquo seria perguntar para Aristoacuteteles de onde vecircm essas duas
premissas Ao conectar alma e vida sem explicar esta uacuteltima poderia levar a investigaccedilatildeo
aristoteacutelica agrave obscuridade precisamente onde se deveria ter mais clareza Entatildeo para que
Aristoacuteteles garanta a alma como causa da vida mortal ele endossaria os pressupostos dos seus
predecessores e portanto distinguiria o animado do inanimado pelo movimento e pela
percepccedilatildeo36
Polansky apesar disso natildeo esclarece afinal quais os argumentos que sustentam
a associaccedilatildeo entre alma e vida Se limitando apenas agraves implicaccedilotildees argumentativas desse
pressuposto
Contudo se assumirmos que Aristoacuteteles endossa a tese de seus predecessores segundo
a qual o animado se distingue do inanimado pelo movimento e percepccedilatildeo37
e que a nutriccedilatildeo eacute
a capacidade mais baacutesica entre os seres animados38
e por fim que a nutriccedilatildeo e a percepccedilatildeo
satildeo uma forma de movimento39
somos levados a crer que o argumento consiste em
[P1] viver eacute ao menos nutriccedilatildeo crescimento e decaimento
[P2] nutriccedilatildeo crescimento e decaimento satildeo um tipo de movimento (do tipo por si)
[P3] tudo o que se move por si eacute animado
[P4] a alma eacute um princiacutepio imoacutevel de movimento
[C1] logo tudo o que vive eacute animado
36 Cf Nota seguinte 37 τὸ ἔμψυχον δὴ τοῦ ἀψύχου δυσὶ μάλιστα διαφέρειν δοκεῖ κινήσει τε καὶ τῷ αἰσθάνεσθαι παρειλήφαμεν δὲ
καὶ παρὰ τῶν προγενεστέρων σχεδὸν δύο ταῦτα περὶ ψυχῆς ldquoOra haacute a opiniatildeo de que o animado difere do
inanimado em dois aspectos o movimento e a percepccedilatildeo sensiacutevel E em relaccedilatildeo agrave alma satildeo mais ou menos
esses dois que recebemos de nossos predecessoresrdquo DA I 1 403b25-28 (Trad Gomes dos Reis) 38 ὥστε πρῶτον περὶ τροφῆς καὶ γεννήσεως λεκτέον ἡ γὰρ θρεπτικὴ ψυχὴ καὶ τοῖς ἄλλοις ὑπάρχει καὶ πρώτη
καὶ κοινοτάτη δύναμίς ἐστι ψυχῆς καθ ἣν ὑπάρχει τὸ ζῆν ἅπασιν ldquoPor conseguinte deve-se primeiro tratar do
alimento e da geraccedilatildeo pois a alma nutritiva subsiste tambeacutem com as outras sendo a primeira e a mais comum
potecircncia da alma segundo a qual subsiste em todos o viverrdquo DA II 4 415A22-25 (Trad Gomes dos Reis) 39 ἔστι δὲ καὶ ἀλλοίωσις καὶ αὔξησις κατὰ ψυχήν ἡ μὲν γὰρ αἴσθησις ἀλλοίωσίς τις εἶναι δοκεῖ αἰσθάνεται δ
οὐθὲν ὃ μὴ μετέχει ψυχῆς ὁμοίως δὲ καὶ περὶ αὐξήσεώς τε καὶ φθίσεως ἔχει οὐδὲν γὰρ φθίνει οὐδ αὔξεται
φυσικῶς μὴ τρεφόμενον τρέφεται δ οὐθὲν ὃ μὴ κοινωνεῖ ζωῆς ldquoMas inclusive a alteraccedilatildeo e o crecimento
existem segundo a alma pois haacute a opiniatildeo de que a percepccedilatildeo sensiacutevel eacute uma certa alteraccedilatildeo e aquele que natildeo
participa da alma nada percebe de maneira similar ocorre tambeacutem em relaccedilatildeo ao crescimento e decaimento pois
nem decai nem cresce naturalmente aquele que natildeo eacute nutrido e nada que natildeo compartilhe da vida se nutrerdquo DA
II 4 415b23-28 (Trad Gomes dos Reis)
E mais adiante enunciando a percepccedilatildeo Aristoacuteteles eacute categoacuterico ἡ δ αἴσθησις ἐν τῷ κινεῖσθαί τε καὶ πάσχειν
συμβαίνει καθάπερ εἴρηται δοκεῖ γὰρ ἀλλοίωσίς τις εἶναι ldquoA percepccedilatildeo sensiacutevel consiste em ser movido e ser
afetado como dissemos pois haacute a opiniatildeo de que ela eacute uma certa alteraccedilatildeordquo DA II 4 416b35-36 (Trad Gomes
dos Reis)
33
Note que [P1] e [P2] seriam premissas autoevidentes Em [P3] Aristoacuteteles partiria
dos mesmos pressupostos que as endoxai de seus predecessores enquanto [P4] resultaria da
anaacutelise criacutetica dessas endoxai ao longo de DA I 3-5 Aristoacuteteles natildeo nos elucida claramente de
onde ele tira as evidecircncias de [P1] e [P2] ou seja por que essas capacidades tais satildeo
movimentos por si e portanto denotam vida Quanto a [P3] Fiacutes VIII40
nos indica que esta eacute
uma tese que Aristoacuteteles abraccedila mas tambeacutem sem explicar suas razotildees O mais plausiacutevel
parece ser que este eacute um fenocircmeno autoevidente amplamente aceito que dispense justificaccedilatildeo
Diferentemente eacute o caso de [P4] cuja justificativa pode se sustentar na criacutetica aristoteacutelica agraves
noccedilotildees democritianas de que a alma eacute um princiacutepio de movimento que se move em DA I 3
corroborada pela noccedilatildeo de alma enunciada em DA II 1 segundo a qual a alma eacute forma logo
atualidade e portanto princiacutepio de determinaccedilatildeo das funccedilotildees proacuteprias ao ser vivente
Olhando por essas lacunas que o argumento aristoteacutelico conteacutem sua tentativa de
enunciar a alma como causa de vida parece fragilizada Entretanto fato eacute que a vida eacute
explicada pela alma no contexto do pensamento helecircnico Entatildeo conceder a Aristoacuteteles este
pressuposto parece um miacutenimo que o leitor contemporacircneo precise fazer Aleacutem disso vale
lembrar que em Met Z 17 Aristoacuteteles defende ser ldquonecessaacuterio que o dado e a existecircncia da
coisa sejam previamente conhecidosrdquo41
e que portanto o que se investiga eacute ldquopor que alguma
coisa pertence a outrardquo42
Deste modo cabem aqui questotildees como ldquopor que os corpos
vivemrdquo ou ainda ldquopor que se atribui vida a corpos dotados de capacidades taisrdquo E natildeo ldquopor
que o animado se diferencia do inanimado pelo viverrdquo como o formulado no iniacutecio desta
digressatildeo Talvez a fragilidade aparente se decirc pois aqui se toque as Colunas de Heacutercules da
psicologia aristoteacutelica
Retomando a braccedilada dos remos se a tese de que a vida se manifesta pela capacidade
de movimento eacute confirmada quando Aristoacuteteles enuncia uma nova noccedilatildeo de alma como
40 οὐδεμιᾶς γὰρ ἐν ἡμῖν ἐνούσης κινήσεως ἐνίοτε ἀλλ ἡσυχάζοντες ὅμως κινούμεθά ποτε καὶ ἐγγίγνεται ἐν ἡμῖν
ἐξ ἡμῶν αὐτῶν ἀρχὴ κινήσεως κἂν μηθὲν ἔξωθεν κινήσῃ τοῦτο γὰρ ἐπὶ τῶν ἀψύχων οὐχ ὁρῶμεν ὁμοίως ἀλλ
ἀεὶ κινεῖ τι αὐτὰ τῶν ἔξωθεν ἕτερον τὸ δὲ ζῷον αὐτό φαμεν ἑαυτὸ κινεῖν ldquoPor vezes acontece que natildeo haja
movimento em noacutes [entes animados] e que de nosso repouso noacutes sejamos postos em movimento e agraves vezes o
princiacutepio do movimento surge em noacutes e de noacutes sem que nada de outro nos mova de fora Natildeo vemos nada
parecido no caso dos seres inanimados pois eles sempre satildeo movidos por algo outro que reside fora deles Dos
animais noacutes dizemos que eles movem a si mesmosrdquo Fiacutes VIII 2 252b18-23 (Trad Daniel Nascimento)
ὁρῶμεν δὲ καὶ φανερῶς ὄντα τοιαῦτα ἃ κινεῖ αὐτὰ ἑαυτά οἷον τὸ τῶν ἐμψύχων καὶ τὸ τῶν ζῴων γένος ταῦτα δὲ
καὶ δόξαν παρεῖχε μή ποτε ἐνδέχεται κίνησιν ἐγγίγνεσθαι μὴ οὖσαν ὅλως διὰ τὸ ἐν τούτοις ὁρᾶν ἡμᾶς τοῦτο
συμβαῖνον (ἀκίνητα γάρ ποτε ὄντα κινεῖται πάλιν ὡς δοκεῖ) ldquoVemos claramente que existem coisas que se
movem a si mesmas como por exemplo os entes animados e o gecircnero dos animais e por causa disso pensamos
que pode ser possiacutevel que o movimento seja gerado sem que antes tenha existido de qualquer forma pois noacutes
vemos isso acontecer com eles (estarem imoacuteveis em determinado momento e moverem-se novamanete tal como
parece)rdquo Fis VIII 6 259b1-6 (Trad Daniel Nascimento) 41 δεῖ γὰρ τὸ ὅτι καὶ τὸ εἶναι ὑπάρχειν δῆλα ὄντα Met 17 1041a15 42ἄλλο γὰρ οὕτω κατ ἄλλου ἐστὶ τὸ ζητούμενον Met 17 1041a25-26
34
conclusatildeo do raciociacutenio iniciado em DA II 2 temos esta nova formulaccedilatildeo segundo as
capacidades que denotam o viver
νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον εἰρήσθω μόνον ὅτι ἐστὶν ἡ ψυχὴ τῶν εἰρημένων τούτων ἀρχὴ καὶ
τούτοις ὥρισται θρεπτικῷ αἰσθητικῷ διανοητικῷ κινήσει
Por ora eacute suficiente dizer apenas isto que a alma eacute princiacutepio das capacidades
mencionadas ndash nutritiva perceptiva raciocinativa e de movimento ndash e que por elas eacute
definida DA II 2 413b11-13 (Trad Gomes dos Reis)
Esta noccedilatildeo eclode como corolaacuterio da argumentaccedilatildeo anterior Com ela Aristoacuteteles
conquista um importante ponto do seu projeto psicoloacutegico a saber que a noccedilatildeo de alma
explique as distintas formas de vida atraveacutes das capacidades Isto levaraacute a uma gama de
comentadores contemporacircneos a valorizarem esta definiccedilatildeo em detrimento da definiccedilatildeo pela
substacircncia apresentada em DA II 1 Os que assim interpretam43
reduzem a definiccedilatildeo de alma
agrave noccedilatildeo de princiacutepio das funccedilotildees que denotam vida Esta interpretaccedilatildeo natildeo eacute totalmente
equivocada na medida em que textualmente Aristoacuteteles afirma isto Poreacutem ela eacute imprecisa
pois ignora o estatuto ontoloacutegico da alma Como vimos na seccedilatildeo anterior a alma eacute substacircncia
como forma (tegraves psycheacutes ousiacutean eicircnai hocircs eicircdos) do corpo e portanto seu princiacutepio
organizador que lhe confere o viver E enquanto forma do corpo a alma eacute sua atualidade
primeira (enteleacutekheia proteacute) Ou seja princiacutepio formal o qual o corpo se desenvolve em vista
do viver Pois a alma de um lado traz em si as disposiccedilotildees (heacutexeis) necessaacuterias agrave vida e
determina o que este corpo orgacircnico era para ser (tograve tiacute ecircn eicircnai) mediante suas funccedilotildees (eacuterga)
e atividades (eneacutergeiai) de viver Essas funccedilotildees satildeo as capacidades (dynaacutemeis) que
caracterizam os tipos de vida nos seres seu modo proacuteprio de viver Sendo assim a capacidade
nutritiva eacute proacutepria agrave vida vegetativa a perceptiva proacutepria agrave animal e a intelectiva agrave humana
Como se vecirc a definiccedilatildeo pelas capacidades tem sua origem e fundamento na definiccedilatildeo
pela forma Por outro lado esta soacute ganha capilaridade na definiccedilatildeo pela capacidade jaacute que sua
noccedilatildeo geral natildeo define a alma como causa de cada tipo de vida nem princiacutepio das
capacidades proacuteprias ao viver Deste modo uma interpretaccedilatildeo da noccedilatildeo aristoteacutelica de alma
que ignore como ambas noccedilotildees se sustentam mutuamente eacute parcial e suscetiacutevel de engendrar
mais problema que o proacuteprio texto jaacute apresenta
Com isso concluiacutemos De Anima II 2 compreendendo que a alma eacute causa de vida jaacute
que eacute princiacutepio das atividades proacuteprias ao viver Diante da noccedilatildeo geral e como ela se
particulariza nas distintas capacidades resta ainda observar um uacuteltimo ponto que Aristoacuteteles
43Putman (1975) Ackrill (1975-6) Bolton (1978) Nussbaum (1978) Everson (1995) CodeampMoravicsik
(1992) Para uma noccedilatildeo geral das diversas correntes de interpretaccedilatildeo da psicologia aristoteacutelica no seio das
discussotildees de filosofia da mente ver Diamond (2015) Caston (2006) e Irwin (1991)
35
trabalharaacute no capiacutetulo seguinte a saber a disposiccedilatildeo seriada hierarquicamente das diversas
formas de vida
23 A DEFINICcedilAtildeO SERIADA
A tese geral de que a alma eacute forma do corpo sofre uma nova reavaliaccedilatildeo em DA II 3
Como se veraacute adiante Aristoacuteteles surpreendentemente declara que toda busca por um
enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) de alma eacute ridiacuteculo (geloicircon) jaacute que esta noccedilatildeo natildeo
permite a compreensatildeo de que as diversas espeacutecies de vida (vegetativa animal e humana) satildeo
dispostas em uma seacuterie ordenada e hierarquizada de acordo com sua capacidade especiacutefica
Como a leitura das formas de vida dispostas em uma seacuterie ordenada eacute um problema que
precisa ser respondido por quem quer que se debruce sobre a noccedilatildeo aristoteacutelica de alma esta
seccedilatildeo argumentaraacute como a noccedilatildeo de almas seriadas natildeo invalida a noccedilatildeo formal de alma
enunciada em DA II 1
DA II 3 poderia ser tematicamente dividido em duas partes Numa primeira de
414ordf29-414b20 Aristoacuteteles dispotildee a hierarquia das capacidades que denotam vida Se em DA
II 2 ele enunciou as capacidades aqui se argumenta como uma estaacute em relaccedilatildeo de
anterioridade agrave outra e portanto disposta hierarquicamente de modo coextensivo agraves formas
de vida Assim se o movimento segundo nutriccedilatildeo crescimento e decaimento seraacute proacuteprio a
uma forma de vida a vegetativa a adiccedilatildeo da capacidade perceptiva seraacute proacutepria agrave vida
vegetativa e animal Agrave medida que se adicione outras capacidades como o intelecto abrange-
se a vida humana44
Esta hierarquizaccedilatildeo suplementar das capacidades a seu enunciado permite
que Aristoacuteteles encampe a tese de que os tipos de vida satildeo dispostos em seacuteries ordenadas
avanccedilando para a segunda parte do capiacutetulo
δῆλον οὖν ὅτι τὸν αὐτὸν τρόπον εἷς ἂν εἴη λόγος ψυχῆς τε καὶ σχήματος οὔτε γὰρ
ἐκεῖ σχῆμα παρὰ τὸ τρίγωνον ἔστι καὶ τὰ ἐφεξῆς οὔτ ἐνταῦθα ψυχὴ παρὰ τὰς
εἰρημένας γένοιτο δ ἂν καὶ ἐπὶ τῶν σχημάτων λόγος κοινός ὃς ἐφαρμόσει μὲν
πᾶσιν ἴδιος δ οὐδενὸς ἔσται σχήματος ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ ταῖς εἰρημέναις ψυχαῖς διὸ
γελοῖον ζητεῖν τὸν κοινὸν λόγον καὶ ἐπὶ τούτων καὶ ἐφ ἑτέρων ὃς οὐδενὸς ἔσται τῶν
ὄντων ἴδιος λόγος οὐδὲ κατὰ τὸ οἰκεῖον καὶ ἄτομον εἶδος ἀφέντας τὸν τοιοῦτον
(παραπλησίως δ ἔχει τῷ περὶ τῶν σχημάτων καὶ τὰ κατὰ ψυχήν ἀεὶ γὰρ ἐν τῷ ἐφεξῆς
44 Τῶν δὲ δυνάμεων τῆς ψυχῆς αἱ λεχθεῖσαι τοῖς μὲν ὑπάρχουσι πᾶσαι καθάπερ εἴπομεν τοῖς δὲ τινὲς αὐτῶν
ἐνίοις δὲ μία μόνη διασαφητέον δὲ περὶ αὐτῶν ὕστερον νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον () εἰρήσθω ὅτι τῶν ζώντων τοῖς
ἔχουσιν ἁφὴν καὶ ὄρεξις ὑπάρχει περὶ δὲ φαντασίας ἄδηλον ὕστερον δ ἐπισκεπτέον ἐνίοις δὲ πρὸς τούτοις
ὑπάρχει καὶ τὸ κατὰ τόπον κινητικόν ἑτέροις δὲ καὶ τὸ διανοητικόν τε καὶ νοῦς οἷον ἀνθρώποις καὶ εἴ τι
τοιοῦτον ἕτερον ἔστιν ἢ τιμιώτερον ldquoDentre as potecircncias da alma como dissemos todas as mencionadas
subsitem em alguns seres em outros soacute algumas delas e em alguns apenas uma E mencionamos como
potecircncias a nutritiva a perceptiva a desiderativa a locomotiva e a raciocinativa Ora nas plantas subsiste
somente a nutritiva mas em outros seres tanto esta como a perceptiva () Por ora eacute suficiente dizer isto que
entre os seres vivos que possuem tato tambeacutem subsiste desejo No que se refere agrave imaginaccedilatildeo natildeo estaacute claro e
devemos examinaacute-la posteriormente Em alguns seres vivos aleacutem disso subsiste tambeacutem a capacidade de se
locomover e em outros ainda a de raciocinar e o intelecto ndash por exemplo nos homens e em algum outro se
houver de tal qualidade ou mais valiosordquo DA II 3 414a29-414b20 (Trad Gomes dos Reis)
36
ὑπάρχει δυνάμει τὸ πρότερον ἐπί τε τῶν σχημάτων καὶ ἐπὶ τῶν ἐμψύχων οἷον ἐν
τετραγώνῳ μὲν τρίγωνον ἐν αἰσθητικῷ δὲ τὸ θρεπτικόν) ὥστε καθ ἕκαστον
ζητητέον τίς ἑκάστου ψυχή οἷον τίς φυτοῦ καὶ τίς ἀνθρώπου ἢ θηρίου διὰ τίνα δ
αἰτίαν τῷ ἐφεξῆς οὕτως ἔχουσι σκεπτέον ἄνευ μὲν γὰρ τοῦ θρεπτικοῦ τὸ αἰσθητικὸν
οὐκ ἔστιν τοῦ δ αἰσθητικοῦ χωρίζεται τὸ θρεπτικὸν ἐν τοῖς φυτοῖς
Eacute claro que poderia da mesma maneira haver entatildeo um enunciado uacutenico tanto de
figura como de alma Pois nem no primeiro caso existe figura aleacutem do triacircngulo e
daquelas que o sucedem nem neste caso existe alma aleacutem das mencionadas A
respeito das figuras tambeacutem eacute possiacutevel formular um enunciado comum que se aplique
a todas sem ser proacuteprio a nenhuma e o mesmo ocorre com as almas mencionadas Por
isso tanto neste como em outros casos eacute ridiacuteculo procurar um enunciado comum ndash
pois a nenhum dos seres seraacute um enunciado proacuteprio nem estaraacute de acordo com a
forma apropriada e indivisiacutevel ndash deixando-se de lado o enunciado deste tipo (E as
coisas concernentes agrave alma estatildeo em situaccedilatildeo parecida agravequela das figuras pois tanto
no caso das figuras como no caso dos seres animados o anterior sempre subsiste
naquilo que o sucede por exemplo o triacircngulo no quadrado o poder de nutrir-se no
de perceber) Assim deve ser investigado de acordo com cada caso o que eacute a alma
de cada um ndash por exemplo o que eacute a alma da planta do homem ou da besta E deve
ser examinado a causa de ser disposto assim em sucessatildeo Pois sem a nutritiva natildeo
existe a capacidade perceptiva embora nas plantas a nutritiva exista separada da
perceptiva DA II 3 414b20-415a6 (Trad Gomes dos Reis)
A analogia entre figura do triacircngulo e a alma vegetativa permite esclarecer qual a
relaccedilatildeo de sucessatildeo entre uma capacidade e outra O triacircngulo eacute a figura geomeacutetrica plana
mais baacutesica de todas A composiccedilatildeo de dois triacircngulos forma um quadrilaacutetero A composiccedilatildeo
de trecircs triacircngulos forma um pentaacutegono e assim sucessivamente Ou seja da mesma maneira
que o triacircngulo subsiste em potecircncia no quadrilaacutetero e este no pentaacutegono a nutriccedilatildeo subsiste
em potecircncia na percepccedilatildeo e esta no intelecto Portanto se a capacidade nutritiva eacute proacutepria agrave
vida vegetativa a perceptiva agrave animal e a intelectiva agrave humana entatildeo igualmente a vida
vegetativa subsiste na animal e a animal na humana Sendo assim da mesma maneira que se
faz necessaacuteria uma definiccedilatildeo proacutepria ao triacircngulo ao quadrilaacutetero e ao pentaacutegono deve-se
buscar um enunciado proacuteprio a cada uma dessas formas de vida para que se sustente como a
alma eacute princiacutepio de cada tipo de vida e natildeo somente da vida em geral Pois um enunciado que
decirc a noccedilatildeo da alma que cubra todas as formas de vida mas que natildeo toque particularmente em
uma natildeo cumpre seu fim argumentativo que eacute explicar a razatildeo da alma ser causa de vida no
ser vivente como se segue
ὅτι μὲν οὖν ὁ περὶ τούτων ἑκάστου λόγος οὗτος οἰκειότατος καὶ περὶ ψυχῆς δῆλον
Eacute claro entatildeo que o enunciado de cada uma destas capacidades eacute tambeacutem o mais
apropriado a respeito da alma DA II 3 415a13-14 (Trad Gomes dos Reis)
Levando-se em conta que Aristoacuteteles se dedicaraacute em todo o restante do De Anima
investigando cada uma das capacidades e seus desdobramentos para uma noccedilatildeo de alma
37
podemos ser levados a crer que Aristoacuteteles elege este como o melhor criteacuterio para uma
definiccedilatildeo de alma
Haacute portanto um grande problema a ser encarado aqui que consiste na resposta a uma
das questotildees elencadas em DA I 145
a saber se eacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma enquanto
tal ou uma para cada tipo de ser vivente Pelo caminho que segue a discussatildeo tende-se a uma
resposta de que seraacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma para cada forma de vida Entretanto
Aristoacuteteles jaacute problematizara se mesmo que haja uma noccedilatildeo uacutenica para catildees cavalos e
homens a de animal esta noccedilatildeo uacutenica eacute universal posterior anterior ou nada em relaccedilatildeo aos
itens
Seguindo o texto de DA II 3 a nutriccedilatildeo eacute a capacidade sobre a qual se erguem todas as
outras ateacute a capacidade de pensamento Dado que um corpo eacute dotado de nutriccedilatildeo e portanto
vivente por causa da alma e a seu turno dado que a alma eacute forma e atualidade primeira do
corpo e portanto princiacutepio organizador das capacidades que denotam o viver novamente a
definiccedilatildeo pela forma sustenta ontologicamente a definiccedilatildeo pelas capacidades e por
concomitacircncia a definiccedilatildeo seriada
Assim a criacutetica que Aristoacuteteles faz agrave noccedilatildeo mais geral de alma enunciada em DA II 1
natildeo eacute razatildeo suficiente para seu descarte no seu projeto psicoloacutegico Com efeito se a noccedilatildeo de
alma como forma eacute insuficiente para explicar por que a alma eacute princiacutepio de vida em cada tipo
de ser vivente como sustentado ao iniacutecio de DA II 2-3 ela eacute justamente a noccedilatildeo ontoloacutegica
para que responde pela sua atualidade e determinaccedilatildeo das propriedades relevantes do ser deste
corpo dotado de oacutergatildeos Assim se as noccedilotildees de alma como forma e princiacutepio das capacidades
satildeo intercambiantes como argumentei anteriormente e se a definiccedilatildeo estaacute diretamente
atrelada agrave hierarquia dessas capacidades entatildeo a proacutepria noccedilatildeo de alma seriada depende
logicamente da noccedilatildeo de alma como forma Sendo assim o enunciado geral eacute redimensionado
em DA II 3 pela disposiccedilatildeo seriada da alma a um princiacutepio loacutegico-ontoloacutegico mediante o qual
esta ciecircncia comum a muitas coisas pode se realizar
45 εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον
ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν
ἄλλο κατηγοροῖτο Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma uacutenica
definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a de cavalo catildeo homem
divindade sendo neste caso o animal considerado universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo
ocorrendo para qualquer outro atributo comum que for predicadordquo DA I 1 402b4-9 (Trad Gomes dos Reis)
38
3 CONCLUSAtildeO
Como se apresentou nesta monografia Aristoacuteteles enuncia sua noccedilatildeo de alma em
momentos distintos Um primeiro a partir da discussatildeo com as teses predecessoras Nela o
que se conquista eacute que a alma eacute imoacutevel e origem de movimento nos seres viventes Depois
atraveacutes de um enunciado geral para os diversos tipos de vida que a define como forma do
corpo Um terceiro que enuncia a alma como causa de vida e a define como princiacutepio das
capacidades que denotam o viver E por fim um quarto enunciado que a apresenta como
disposta em seacuterie ordenada segundo suas capacidades Na medida que o enunciado geral se
mostra insuficiente para o projeto psicoloacutegico traccedilado e as outras definiccedilotildees parecem melhor
corresponder a este objetivo a unidade enunciativa entre as diversas definiccedilotildees aparenta ser
vulneraacutevel Natildeo por menos como foi abordado ao longo deste texto tende-se a salientar uma
das definiccedilotildees e desconsiderar a outra Esta natildeo parece ser a interpretaccedilatildeo que melhor
compreenda a psicologia aristoteacutelica Como argumentado observar a definiccedilatildeo pelas
capacidades sem a definiccedilatildeo pela forma esvazia ontologicamente a noccedilatildeo de que a alma eacute
princiacutepio de vida A alma como forma do corpo eacute o enunciado mediante o qual a garante
como atualidade primeira e portanto princiacutepio das caracteriacutesticas e funccedilotildees proacuteprias ao ser
vivente Por outro lado como o proacuteprio Aristoacuteteles enuncia a definiccedilatildeo pela forma daacute uma
noccedilatildeo que abarca todas as formas de vida mas natildeo enuncia a alma como causa do viver nem
que as diversas almas satildeo dispostas em seacuterie ordenada Satildeo nestes dois pontos que a definiccedilatildeo
pela capacidade se torna igualmente relevante para o projeto psicoloacutegico aristoteacutelico Sem ela
seriam inviaacuteveis todos os outros capiacutetulos nos quais Aristoacuteteles enuncia discorre e formula a
atividade das capacidades proacuteprias ao ser vivo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo imaginaccedilatildeo intelecto e
movimento segundo deslocamento Por estas razotildees uma interpretaccedilatildeo que conjugue as duas
definiccedilotildees no interior do projeto psicoloacutegico aristoteacutelico parece ser a que contemple melhor o
horizonte teoacuterico que a investigaccedilatildeo erige
Haacute um alguns aspectos que esta monografia deixa pelo caminho Na seccedilatildeo 1 Taacutebua de
Definiccedilatildeo foram elencados os diversos elementos de definiccedilatildeo da alma e como se faria a
inquiriccedilatildeo O primeiro grupo foi respondido ao longo da seccedilatildeo 2 A Noccedilatildeo de Alma mas o
segundo natildeo O segundo grupo de elementos da taacutebua seraacute dissertado por Aristoacuteteles nos
capiacutetulos posteriores ao DA II 3 quando ele se debruccedila sobre cada uma das capacidades
Como esta monografia pretende abordar apenas as definiccedilotildees sem dar interpretaccedilatildeo total do
tratado entatildeo soacute pode responder parte da taacutebua das definiccedilotildees Aleacutem disso a interpretaccedilatildeo das
definiccedilotildees de um modo consistente precisaria ser verificada na sua aplicaccedilatildeo sobre o restante
39
do tratado Em outras palavras eacute preciso verificar se esta interpretaccedilatildeo dificulta ou facilita a
interpretaccedilatildeo das outras teses da psicologia aristoteacutelica por exemplo a tese da percepccedilatildeo que eacute
definida como a recepccedilatildeo das formas sem mateacuteria Nas interpretaccedilotildees de Polanski e Diamond
comentadores paradigmaacuteticos para a abordagem adotada a coordenaccedilatildeo dos enunciados
definitoacuterios daacute conta das diversas formulaccedilotildees de capacidades e suas funcionalidades ao longo
do tratado Fico devendo portanto explicitar como a posiccedilatildeo que assumo se aplica nas
diversas capacidades enunciadas pelo Aristoacuteteles
Com isso conclui-se este trabalho com a compreensatildeo que ele eacute limitado Haacute nele
problemas proacuteprios agrave interpretaccedilatildeo de um texto conciso e arrojado como eacute o De Anima
Ainda assim espera-se que os erros ou imprecisotildees eventuais natildeo comprometam seu escopo
exegeacutetico Espera-se tambeacutem que esta monografia possa se converter em trabalhos futuros que
fomente a discussatildeo relativa ao De Anima no contexto filosoacutefico brasileiro Da mesma forma
que ela foi provocada pela traduccedilatildeo e comentaacuterios da Professora Doutora Maria Ceciacutelia
Gomes dos Reis Se este trabalho for bem sucedido nessas pretensotildees jaacute teraacute cumprido sua
funccedilatildeo
40
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o que estremecia em mim terreno do corpo onde estaacute a raiz da alma
Joatildeo Guimaratildees Rosa
RESUMO
Esta monografia trata da noccedilatildeo de alma que Aristoacuteteles desenvolve ao longo do De Anima II
1-3 Em DA II 1 Aristoacuteteles enuncia uma definiccedilatildeo geral de alma como forma do corpo
Nessa definiccedilatildeo pela forma seu objetivo eacute formular uma noccedilatildeo dos vaacuterios tipos de alma (a
vegetativa a animal e a humana) Poreacutem ela natildeo enuncia a alma como causa de vida nos
seres viventes Diante disso eacute enunciado em DA II 2 a definiccedilatildeo pelas capacidades na qual a
alma eacute princiacutepio das capacidades que denotam o viver Nela as capacidades determinam os
diversos tipos de vida a vida vegetativa que decorre da nutriccedilatildeo a animal da percepccedilatildeo e a
humana da razatildeo Com isso em DA II 3 Aristoacuteteles enuncia a definiccedilatildeo seriada na qual os
tipos de alma se dispotildeem em seacuteries ordenadas hierarquizadas em que a anterior subsiste na
posterior em potecircncia mas natildeo o contraacuterio Como se vecirc haacute um conflito entre a primeira e as
outras duas definiccedilotildees pois a definiccedilatildeo pela forma eacute uma noccedilatildeo geral que nem enuncia a alma
como causa de vida nem sua disposiccedilatildeo seriada Assim enquanto os comentaacuterios de Putman
Ackrill Bolton Nussbaum Everson CodeampMoravicsik interpretam a definiccedilatildeo pelas
capacidades como a noccedilatildeo aristoteacutelica de alma em detrimento da definiccedilatildeo pela forma
Polansky e Diamond enxergam unidade teoacuterica e argumentativa entre as trecircs A hipoacutetese
sustentada nesta monografia se alinha com o segundo grupo argumentando que a definiccedilatildeo
pela forma eacute insuficiente para enunciar os tipos especiacuteficos de vida e sua disposiccedilatildeo seriada
poreacutem eacute a fundamentaccedilatildeo ontoloacutegica das outras duas definiccedilotildees
Palavras Chave Aristoacuteteles Alma Definccedilatildeo Forma Capacidades
Lista de Abreviaturas das Obras de Aristoacuteteles Utilizadas
Cat ndash Categorias
DA ndash De Anima
Fiacutes ndash Fiacutesica
Met ndash Metafiacutesica
Sumaacuterio
Apresentaccedilatildeo 11
1 A taacutebua de definiccedilatildeo 13
2 A noccedilatildeo de alma em Aristoacuteteles 19
21 Definiccedilatildeo pela Forma 19
22 Definiccedilatildeo pelas Capacidade 29
23 Definiccedilatildeo Seriada 34
3 Conclusatildeo 37
4 Bibliografia 39
i
12
APRESENTACcedilAtildeO
O De Anima eacute o tratado no qual Aristoacuteteles investiga a natureza da alma e como ela eacute
causa de vida nos seres viventes Para esse fim Aristoacuteteles discute com aqueles que trataram
do assunto antes dele enuncia a sua proacutepria noccedilatildeo de alma e por fim como esta noccedilatildeo
explica cada uma das capacidades que denotam o viver Para dar conta deste projeto
psicoloacutegico Aristoacuteteles elabora sua noccedilatildeo em trecircs grandes momentos O primeiro em De
Anima I 2-5 Aristoacuteteles levanta as endoacutexai dos seus predecessores discutindo a validade de
suas teses e apontando o que considera inconsistente Como resultado disso Aristoacuteteles
sustenta que a alma eacute um princiacutepio imoacutevel de movimento nos seres viventes e uma unidade
Mas eacute soacute no segundo momento em DA II 1-3 que Aristoacuteteles enuncia em seus proacuteprios
termos o que considera ser a alma Por fim num terceiro momento a partir de DA II 4
Aristoacuteteles teoriza sobre cada uma das capacidades da alma
Nesta monografia proponho me debruccedilar sobre a noccedilatildeo de alma presente no DA II 1-
3 Como veremos em DA I 1 satildeo elencadas as aporias proacuteprias agrave investigaccedilatildeo e definiccedilatildeo da
alma A partir daiacute Aristoacuteteles apresenta gradualmente a sua proacutepria noccedilatildeo de alma ao longo
do De Anima Especificamente em DA II 1 e 2 satildeo enunciadas duas definiccedilotildees uma definiccedilatildeo
pela forma e outra pela capacidade A primeira caracteriza a alma como forma do corpo
enquanto a segunda atribui agrave alma o princiacutepio das capacidades que denotam vida Enquanto a
definiccedilatildeo pela forma nos oferece uma noccedilatildeo geral que enuncia o gecircnero de ser da alma a
definiccedilatildeo pela capacidade explica como a alma eacute princiacutepio de vida Entretanto haacute um terceiro
enunciado em DA II 3 que parece eliminar a validade da definiccedilatildeo pela forma e validar apenas
a definiccedilatildeo pela capacidade Trata-se da definiccedilatildeo seriada segundo a qual haacute diversos tipos de
alma que se dispotildeem em uma seacuterie hierarquicamente ordenada na qual a anterior subsiste na
posterior mas natildeo o contraacuterio Aristoacuteteles declara que a definiccedilatildeo pela forma enquanto uma
noccedilatildeo geral de alma eacute absurda Pois ela natildeo explica os tipos de alma e a causa de se disporem
em sucessatildeo Isto levou uma seacuterie de comentadores a compreenderem a definiccedilatildeo pela
capacidade como a noccedilatildeo aniacutemica de Aristoacuteteles jaacute que ela enunciaria os tipos de alma em
disposiccedilatildeo seriada
Diante disso argumento que a definiccedilatildeo pela forma eacute tatildeo relevante para a noccedilatildeo de
alma quanto a noccedilatildeo pela capacidade Como se veraacute na seccedilatildeo 2a) a definiccedilatildeo pela forma faz
da alma a atualidade primeira do corpo e princiacutepio de determinaccedilatildeo das funccedilotildees vitais Como
consequecircncia do seu caraacuteter atual a alma eacute aquilo a partir do qual as capacidades se dispotildeem
no corpo Ao entrarem em atividade atraveacutes dos oacutergatildeos do corpo elas se atualizam Neste
13
sentido tanto a definiccedilatildeo pela forma quanto a definiccedilatildeo pela capacidade satildeo mutuamente
necessaacuterias para uma noccedilatildeo de alma que atenda ao projeto psicoloacutegico aristoteacutelico
Para tanto apresento na primeira seccedilatildeo o horizonte conceitual e teoacuterico mediante o
qual Aristoacuteteles investiga a alma Atraveacutes das vaacuterias aporiacuteai elencadas em DA I 1 se delimita
tanto o fim que a investigaccedilatildeo persegue quanto a seus limites conceituais de teorizaccedilatildeo Em
seguida trato das endoxai presentes em DA I 2-5 como recurso metodoloacutegico para se extrair
das teses predecessoras algumas noccedilotildees miacutenimas sobre a alma Na seccedilatildeo seguinte abordo as
trecircs noccedilotildees jaacute apresentadas acima Como se veraacute ao iniacutecio de DA I 1 e 2 Aristoacuteteles ainda faz
duas revisotildees metodoloacutegicas deixando bem claro qual aspecto da investigaccedilatildeo se objetiva
tratar Especificamente em 2a) sobre DA II 1 remonto o argumento que resulta na definiccedilatildeo
pela forma comentando qual sua implicaccedilatildeo ontoloacutegica para a alma e como ela se desdobra
nas noccedilotildees aniacutemicas de atualidade primeira e princiacutepio de determinaccedilatildeo Em seguida
apresento a definiccedilatildeo pelas capacidades como princiacutepio de vida em DA II 2 Com isso indico
como a noccedilatildeo de vida e alma estatildeo associadas e como Aristoacuteteles argumenta para uma ser
evidecircncia da outra fazendo desta a causa daquela Adiante apresento a definiccedilatildeo seriada em
DA II 3 e como ela potildee em crise a definiccedilatildeo pela forma Por fim explicito como muitos
comentadores se localizaram em meio ao problema e argumento como as trecircs definiccedilotildees estatildeo
em uma unidade conceitual na qual todas satildeo relevantes para o projeto psicoloacutegico de
Aristoacuteteles
14
1 A TAacuteBUA DA DEFINICcedilAtildeO
A fim de apresentar os problemas proacuteprios ao estudo da alma e delimitar seu campo de
investigaccedilatildeo Aristoacuteteles apresenta em DA I 1 uma taacutebua de definiccedilatildeo onde elenca os
elementos para definir a alma e a abordagem para a sua pesquisa Primeiro Aristoacuteteles
circunscreve em que paracircmetros conceituais a noccedilatildeo se estabelece Em seguida se apresenta o
meacutetodo que orienta a busca por esse enunciado Deste modo os elementos de definiccedilatildeo que
compotildeem a lista satildeo o gecircnero de ser da alma1 o seu modo de ser
2 e por fim sua unidade
3 Jaacute
como abordagem decide-se pela ordem loacutegica da definiccedilatildeo4 para se analisar a independecircncia
das suas partes5 de modo a determinar o primeiro passo a se investigar em cada uma e
finalmente conhecer sobre a sua separabilidade6
Logo ao iniacutecio de De Anima I 1 Aristoacuteteles enuncia qual o objetivo geral de
seu projeto investigativo
ἐπιζητοῦμεν δὲ θεωρῆσαι καὶ γνῶναι τήν τε φύσιν αὐτῆς καὶ τὴν οὐσίαν εἶθ ὅσα
συμβέβηκε περὶ αὐτήν ὧν τὰ μὲν ἴδια πάθη τῆς ψυχῆς εἶναι δοκεῖ τὰ δὲ δι ἐκείνην
καὶ τοῖς ζῴοις ὑπάρχειν
Buscamos considerar e conhecer sua natureza e substacircncia bem como todos os seus
atributos dentre os quais uns parecem ser afecccedilotildees proacuteprias da alma enquanto outros
parecem subsistir nos animais graccedilas a ela DA I 1 402a7-10 (Trad Gomes dos Reis)
Investigar a natureza (phyacutesis) da alma consiste em pesquisar seu gecircnero de ser Jaacute
conhecer sua substacircncia (ousiacutea) eacute conhecer seus atributos (symbeacutebekos) as caracteriacutesticas que
1 πρῶτον δ ἴσως ἀναγκαῖον διελεῖν ἐν τίνι τῶν γενῶν καὶ τί ἐστι λέγω δὲ πότερον τόδε τι καὶ οὐσία ἢ ποιὸν ἢ
ποσόν ἢ καί τις ἄλλη τῶν διαιρεθεισῶν κατηγοριῶν ldquoEm todo caso eacute preciso decidir primeiro a qual dos
gecircneros a alma pertence e o que eacute ndash quero dizer se ela eacute algo determinado e substacircncia ou se eacute uma qualidade
uma quantidade ou mesmo alguma outra das categorias jaacute distinguidasrdquo DA I 1 402a22-25 (Trad de Gomes dos
Reis) 2 ἔτι δὲ πότερον τῶν ἐν δυνάμει ὄντων ἢ μᾶλλον ἐντελέχειά τις ldquoe ainda se estaacute entre os seres em potecircncia ou
antes se eacute uma certa atualidaderdquo DA I 1 402a27 (Trad de Gomes dos Reis) 3 σκεπτέον δὲ καὶ εἰ μεριστὴ ἢ ἀμερής καὶ πότερον ὁμοειδὴς ἅπασα ψυχὴ ἢ οὔ εἰ δὲ μὴ ὁμοειδής πότερον εἴδει
διαφέρουσα ἢ γένει ldquoEacute preciso examinar tambeacutem se ela eacute divisiacutevel em partes ou natildeo e se toda e qualquer alma eacute
de mesma forma e no caso de natildeo ser de mesma forma se a diferenccedila eacute de espeacutecie ou de gecircnerordquo DA I 1
402b1-3 (Trad de Gomes dos Reis) 4 εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον
ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν
ἄλλο κατηγοροῖτο ldquoEacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma uacutenica
definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a de cavalo catildeo homem
divindade sendo neste caso o animal considerado universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo
ocorrendo para qualquer outro atributo comum que for predicadordquo DA I 1 402b4-9 (Trad de Gomes dos Reis) 5 ἔτι δέ εἰ μὴ πολλαὶ ψυχαὶ ἀλλὰ μόρια πότερον δεῖ ζητεῖν πρότερον τὴν ὅλην ψυχὴν ἢ τὰ μόρια χαλεπὸν δὲ
καὶ τούτων διορίσαι ποῖα πέφυκεν ἕτερα ἀλλήλων καὶ πότερον τὰ μόρια χρὴ ζητεῖν πρότερον ἢ τὰ ἔργα αὐτῶν
ldquoAleacutem disso no caso de serem muitas as partes e natildeo as almas deve-se primeiro investigar a alma como um
todo ou suas partes Tambeacutem eacute difiacutecil definir quais dentre estas satildeo por natureza distintas entre si e se eacute uacutetil
investigar primeiro as partes ou suas funccedilotildeesrdquo DA I 1 402b9-12 (Trad de Gomes dos Reis) 6 ἀπορίαν δ ἔχει καὶ τὰ πάθη τῆς ψυχῆς πότερόν ἐστι πάντα κοινὰ καὶ τοῦ ἔχοντος ἢ ἔστι τι καὶ τῆς ψυχῆς ἴδιον
αὐτῆς ldquoHaacute ainda a dificuldade de saber se as afecccedilotildees da alma satildeo todas comuns agravequilo que possui alma ou se
haacute tambeacutem alguma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma tatildeo somenterdquo DA I 1 403a3-5 (Trad de Gomes dos Reis)
15
nos datildeo uma noccedilatildeo da alma segundo suas afecccedilotildees (patheacute) Entre os seus atributos alguns
parecem ser exclusivamente afecccedilotildees da alma jaacute outros parecem ser comuns agrave alma e ao
corpo portanto atributos um ser animado (zoacuteois) Por afecccedilatildeo devemos compreender a
determinaccedilatildeo na mateacuteria (loacutegoi eacutenyloi)7 de maneira que os atributos da alma e do corpo seratildeo
comuns a ambos Jaacute a afecccedilatildeo proacutepria agrave alma eacute a que natildeo se daacute pela determinaccedilatildeo na mateacuteria
mas por si mesma Entre os atributos da alma a capacidade de pensamento parece ser a que
atende esse requisito A menos poreacutem que dependa de imagens para sua atividade Assim
nem mesmo o pensamento seria uma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma8 Em suma a investigaccedilatildeo da
alma consiste em saber sua natureza sua essecircncia e as afecccedilotildees que lhe satildeo atribuiacutedas sejam
elas proacuteprias ou comuns ao corpo no qual ela se instancia
Aristoacuteteles parte entatildeo para o primeiro elemento da definiccedilatildeo a se estabelecer
πρῶτον δ ἴσως ἀναγκαῖον διελεῖν ἐν τίνι τῶν γενῶν καὶ τί ἐστι λέγω δὲ πότερον τόδε
τι καὶ οὐσία ἢ ποιὸν ἢ ποσόν ἢ καί τις ἄλλη τῶν διαιρεθεισῶν κατηγοριῶν
Em todo caso eacute preciso decidir primeiro a qual dos gecircneros a alma pertence e o que eacute
ndash quero dizer se ela eacute algo determinado e substacircncia ou se eacute uma qualidade uma
quantidade ou mesmo alguma outra das categorias jaacute distinguidas DA I 1 402a22-25
(Trad de Gomes dos Reis)
O primeiro dos pressupostos sobre os quais se deveraacute responder eacute o gecircnero de ser da
alma Filopono9 comenta que Aristoacuteteles tem em vista platocircnicos pitagoacutericos e Xenoacutecrates
para os quais a alma eacute substacircncia harmonia e nuacutemero respectivamente Nas Categorias10
7 εἰ δ οὕτως ἔχει δῆλον ὅτι τὰ πάθη λόγοι ἔνυλοί εἰσιν ldquoSe assim eacute as afecccedilotildees satildeo evidentemente formas
implicadas na mateacuteriardquo DA I 1 403a24 (Trad Gomes dos Reis) 8 εἰ δ ἐστὶ καὶ τοῦτο φαντασία τις ἢ μὴ ἄνευ φαντασίας οὐκ ἐνδέχοιτ ἂν οὐδὲ τοῦτ ἄνευ σώματος εἶναιldquoNatildeo
obstante se tambeacutem o pensar eacute um tipo de imaginaccedilatildeo ou se ele natildeo pode ocorrer sem a imaginaccedilatildeo entatildeo nem
mesmo o pensar poderia existir sem o corpordquo DA I 1 403a8-10 (Trad Gomes dos Reis) 9 ὧν ἐστι καὶ Ξενοκράτης ἀριθμὸς γάρ φησί κινῶν ἑαυτόν ἐστιν ἡ ψυχή ὁ δὲ ἀριθμὸς ὑπὸ τὸ ποσόν εἰ δὴ
τοῦτο ἔλεγεν ἐκεῖνος καὶ μὴ ἄλλο τι διὰ τούτου ᾐνίττετο οἱ δὲ ὑπὸ τὸ ποιόν ὧν εἰσιν καὶ οἱ ἰατροὶ κρᾶσιν εἶναι
λέγοντες τοιοῦτοι δ ἂν εἶεν καὶ οἱ ἐντελέχειαν λέγοντες τοιαύτην μαθησόμεθα γάρ πῶς φησιν αὐτὴν
ἐντελέχειαν ὁ Ἀριστοτέλης οἱ δὲ λόγον λέγοντες τῶν στοιχείων δόξαιεν ἂν ὑπὸ τὸ πρός τι ἀνάγειν τὸ γὰρ
διπλάσιον ἢ ἡμιόλιον ὑπὸ τὸ πρός τι τινὸς γὰρ διπλάσιον ἀμφίβολον οὖν τέως τὸ γένος ldquoAlguns a classificam
sob o tiacutetulo de substacircncia outros sob quantidade Dentre eles Xenoacutecrates que afirma que a alm eacute o nuacutemero
movendo por si mesmo e o nuacutemero eacute dado sob quantidade se for isto que ele quer dizer ao inveacutes de algo
distinto do que por essas palavras ele se refere obscuramente Outros dizem que isto pertence a qualidade Em
meio a isto estatildeo os meacutedicos que dizem que eacute a mistura dentre os quais haacute tambeacutem os que dizem que eacute uma
atualidade pois aprenderemos com Aristoacuteteles chama a alma de atualidade Aqueles que dizem que eacute uma
proporccedilatildeo dos elementos pareceriam entitulaacute-la sob a ltcategoria dogt relativo pelo duplo ou a metade
pertencerem agrave categoria do relativo pois o duplo eacute de algo Assim sendo entatildeo o gecircnero permanece
controversordquo PHILOPONUS Com DA 32 32 ndash 337 (Trad da traduccedilatildeo de P J Eijk) 10Οὐσία δέ ἐστιν ἡ κυριώτατά τε καὶ πρώτως καὶ μάλιστα λεγομένη ἣ μήτε καθ ὑποκειμένου τινὸς λέγεται μήτε
ἐν ὑποκειμένῳ τινί ἐστιν οἷον ὁ τὶς ἄνθρωπος ἢ ὁ τὶς ἵππος δεύτεραι δὲ οὐσίαι λέγονται ἐν οἷς εἴδεσιν αἱ
πρώτως οὐσίαι λεγόμεναι ὑπάρχουσιν ταῦτά τε καὶ τὰ τῶν εἰδῶν τούτων γένη ldquoSubstacircncia entendida em
sentido proacuteprio primeiro e supremo eacute a que natildeo se predica de um sujeito e natildeo existe nalgum sujeito por
exemplo um homem um cavalo Substacircncias segundas satildeo as formas (ou espeacutecies) nas quais estatildeo incluiacutedas as
que satildeo ditas substacircncias primeiras e tambeacutem os gecircneros destasrdquo Cat 5 2a11 (Trad Lucas Angioni)
16
Aristoacuteteles compreende a substacircncia primeira como entes particulares enquanto o gecircnero e
forma satildeo substacircncias segundas Sabe-se que Aristoacuteteles inverte esta noccedilatildeo de substacircncia em
Metafiacutesica Z onde substacircncia primeira eacute identificada com a forma11
que eacute priorizada em
relaccedilatildeo ao composto e agrave mateacuteria Portanto as noccedilotildees de substacircncia quantidade e qualidade
que Aristoacuteteles trabalha na definiccedilatildeo de alma no DA I 1 estariam mais proacuteximas das Cat que
da Met Z Eacute o que somos levados a acreditar se considerarmos que esta mesma formulaccedilatildeo
ocorre mais adiante em DA I 5 410a16-2112
Nesta e naquela passagem Aristoacuteteles quer saber
se a alma eacute uma substacircncia particular e determinada ou seja um objeto de predicaccedilatildeo que natildeo
se predica de outrem
Passemos para o segundo elemento que deve estar presente numa definiccedilatildeo de alma
ἔτι δὲ πότερον τῶν ἐν δυνάμει ὄντων ἢ μᾶλλον ἐντελέχειά τις
e ainda se estaacute entre os seres em potecircncia ou antes se eacute uma certa atualidade DA I
1 402a27 (Trad de Gomes dos Reis)
A diferenccedila que os conceitos de potecircncia (dyacutenamis) e atualidade (entelekheacuteia) fazem eacute
sobre o estatuto material ou formal da alma Pois se a alma for de natureza material entatildeo eacute
em potecircncia e sujeita ao movimento Entretanto se for de natureza formal seraacute uma certa
atualidade e princiacutepio de determinaccedilatildeo e atividade Gomes dos Reis13
observa que atualidade
eacute colocada em termos vagos (ldquouma certa atualidaderdquoenteleacutekheia tiacutes) o que indica que soacute faz
sentido falar em atualidade enquanto forma especiacutefica quando instanciada em uma mateacuteria de
um tipo uma alma x que se instancia em um corpo de um tipo x
Outro elemento de definiccedilatildeo da alma eacute sua unidade
σκεπτέον δὲ καὶ εἰ μεριστὴ ἢ ἀμερής καὶ πότερον ὁμοειδὴς ἅπασα ψυχὴ ἢ οὔ εἰ δὲ
μὴ ὁμοειδής πότερον εἴδει διαφέρουσα ἢ γένει
Eacute preciso examinar tambeacutem se ela eacute divisiacutevel em partes ou natildeo e se toda e qualquer
alma eacute de mesma forma e no caso de natildeo ser de mesma forma se a diferenccedila eacute de
espeacutecie ou de gecircnero DA I 1 402b1-3 (Trad de Gomes dos Reis)
11 ἕκαστόν τε γὰρ οὐκ ἄλλο δοκεῖ εἶναι τῆς ἑαυτοῦ οὐσίας καὶ τὸ τί ἦν εἶναι λέγεται εἶναι ἡ ἑκάστου
οὐσίαldquoCom efeito a coisa individual natildeo parece ser diferente da proacutepria substacircncia e dizemos que a essecircncia eacute
justamente a substacircncia da coisa individualrdquo Met Z 6 1031ordf17-18 (Trad Giovanni Reale)
εἶδος δὲ λέγω τὸ τί ἦν εἶναι ἑκάστου καὶ τὴν πρώτην οὐσίαν ldquoPor forma entendo a essecircncia de cada coisa e sua
substacircncia primeirardquo Met Z 7 1032b1-2 (Trad Giovanni Reale) 12 ἆρ οὖν ὅσα τῶν οὐσιῶν ἐκ τούτων μόνον πῶς οὖν γινώσκει καὶ τῶν ἄλλων ἕκαστον ἢ φήσουσιν ἑκάστου
γένους εἶναι στοιχεῖα καὶ ἀρχὰς ἰδίας ἐξ ὧν τὴν ψυχὴν συνεστάναι ἔσται ἄρα ποσὸν καὶ ποιὸν καὶ οὐσία ἀλλ
ἀδύνατον ἐκ τῶν τοῦ ποσοῦ στοιχείων οὐσίαν εἶναι καὶ μὴ ποσόνldquoOra seraacute a alma composta somente daqueles
elementos que satildeo comuns agraves substacircncias Como entatildeo conhece ainda cada um dos outros Ou se diraacute que haacute
elementos e princiacutepios particulares a cada gecircnero e que a alma eacute constituiacuteda de todos eles A alma seria entatildeo
quantidade qualidade e substacircncia Mas eacute impossiacutevel que a substacircncia seja composta dos elementos da
quantidade e natildeo seja quantidade ela mesmardquo DA I 5 410a16-21 (Trad Gomes dos Reis) 13 2006 148-149
17
Aqui reside um dos problemas mais comprometedores sobre a investigaccedilatildeo
psicoloacutegica aristoteacutelica a) A alma eacute divisiacutevel ou indivisiacutevel b) cada parte da alma teria uma
forma proacutepria c) Caso seja divisiacutevel as almas se diferenciam em gecircnero ou espeacutecie
Segundo Polansky14
Aristoacuteteles resolve esta bateria de problemas supondo que um ser
vivente tem sua proacutepria alma cujas partes correspondam agraves funccedilotildees sendo estas partes
divisiacuteveis pelos tipos de vida (vegetativa animal humana) A divisibilidade das partes se daacute
de acordo com a capacidade aniacutemica que eacute viver segundo uma atividade e se distinguiria em
gecircnero (a vida perceptiva) ou espeacutecie (catildees cavalos e homem) Isto que garantiraacute a
indivisibilidade da alma ao longo dos tipos de vida segundo suas capacidades Assim
Aristoacuteteles consegue ter um enunciado formal que garanta a unidade geneacuterica fazendo dos
tipos de vida como espeacutecies de seres vivos e as capacidades suas diferenccedilas especiacuteficas
Definido isto deve-se inquirir sobre a amplitude da definiccedilatildeo
εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ
καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι
οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν ἄλλο κατηγοροῖτο
Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma
uacutenica definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a
de cavalo catildeo homem divindade sendo neste caso o animal considerado
universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo ocorrendo para qualquer outro
atributo comum que for predicado DA I 1 402b4-9 (Trad de Gomes dos Reis)
Ateacute aqui Aristoacuteteles se debruccedilava sobre os elementos que devem compor a definiccedilatildeo
de alma Daqui adiante a questatildeo passa a ser qual a abordagem de pesquisa para se formular
esta definiccedilatildeo E um primeiro ponto se refere agrave abrangecircncia da definiccedilatildeo Dado que a alma
pode ter partes sendo estas partes divisiacuteveis ou natildeo a definiccedilatildeo deve ser geral e abranger todo
gecircnero de alma ou deve haver uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie de alma Para Polansky15
a
existecircncia de gecircneros eacute questionaacutevel pois parecem ser universais Noacutes natildeo encontramos um
universal tal qual Soacutecrates e Caacutelias pois estes satildeo particulares Tambeacutem natildeo encontramos um
gecircnero de alma tal qual catildees e cavalos pois estes satildeo espeacutecies Deste modo uma definiccedilatildeo
geneacuterica ofereceria apenas uma noccedilatildeo comum segundo as espeacutecies de alma sem
necessariamente enunciar suas as espeacutecies Portanto esta questatildeo contrasta duas noccedilotildees de
definiccedilatildeo da alma a particular (kathrsquo hekaacutesten) e universal (tograve kathoacutelou) Esta tensatildeo
enunciada aqui persistiraacute nas questotildees posteriores ainda neste capiacutetulo mas se evidenciaraacute
mais fortemente nos enunciados de alma presentes em DA II 1-3 Em siacutentese o problema
consiste em saber se a definiccedilatildeo de alma deve ser pelo seu gecircnero ou sua espeacutecie
14 2007 34-35 15 2008 45
18
ἔτι δέ εἰ μὴ πολλαὶ ψυχαὶ ἀλλὰ μόρια πότερον δεῖ ζητεῖν πρότερον τὴν ὅλην ψυχὴν ἢ
τὰ μόρια χαλεπὸν δὲ καὶ τούτων διορίσαι ποῖα πέφυκεν ἕτερα ἀλλήλων καὶ πότερον
τὰ μόρια χρὴ ζητεῖν πρότερον ἢ τὰ ἔργα αὐτῶν
Aleacutem disso no caso de serem muitas as partes e natildeo as almas deve-se primeiro
investigar a alma como um todo ou suas partes Tambeacutem eacute difiacutecil definir quais dentre
estas satildeo por natureza distintas entre si e se eacute uacutetil investigar primeiro as partes ou
suas funccedilotildees DA I 1 402b9-12 (Trad de Gomes dos Reis)
Na medida em que a alma eacute composta de partes que correspondem agraves suas
capacidades se decide se a investigaccedilatildeo abordaraacute primeiramente suas partes ou a alma como
um todo aleacutem de como investigar a capacidade ou a funccedilatildeo caso as capacidades sejam
distintas Ou seja eacute preciso decidir se a investigaccedilatildeo se inicia pela percepccedilatildeo ou pelo animal
ἀπορίαν δ ἔχει καὶ τὰ πάθη τῆς ψυχῆς πότερόν ἐστι πάντα κοινὰ καὶ τοῦ ἔχοντος ἢ
ἔστι τι καὶ τῆς ψυχῆς ἴδιον αὐτῆς
Haacute ainda a dificuldade de saber se as afecccedilotildees da alma satildeo todas comuns agravequilo que
possui alma ou se haacute tambeacutem alguma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma tatildeo somente DA I 1
403a3-5 (Trad de Gomes dos Reis)
Apoacutes uma exaustiva exposiccedilatildeo do que deve compor a definiccedilatildeo de alma
Aristoacuteteles elenca o uacuteltimo requisito de sua investigaccedilatildeo o grau de separabilidade da alma ou
de alguma de suas partes As capacidades de movimento reproduccedilatildeo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo e
imaginaccedilatildeo parecem ter sua ocorrecircncia no composto de corpo e alma que eacute o ser vivente
Entretanto haacute na teoria aristoteacutelica do intelecto sua face passiva e ativa conforme formulou a
tradiccedilatildeo sendo a ativa de natureza separada e imortal16
Isto faria desta parte do intelecto uma
afecccedilatildeo proacutepria da alma sem ocorrecircncia conjunta com o corpo Filopono17
comenta que este eacute
um problema determinante para a composiccedilatildeo da definiccedilatildeo de alma Se a alma tem afecccedilotildees
proacuteprias e separadas do corpo a definiccedilatildeo dispensaraacute o corpo de seu enunciado Se pelo
contraacuterio as afecccedilotildees aniacutemicas tecircm ocorrecircncia corpoacuterea entatildeo a definiccedilatildeo de alma deve
conter o corpo em seu enunciado
O que se conquista enfim com esta taacutebua de definiccedilatildeo em De Anima I 1 Que
investigar a natureza da alma eacute responder a seu gecircnero de ser o que implica em saber se a
16χωρισθεὶς δ ἐστὶ μόνον τοῦθ ὅπερ ἐστί καὶ τοῦτο μόνον ἀθάνατον καὶ ἀΐδιον ldquoSomente isto [o intelecto]
quando separado eacute propriamente o que eacute e somente isto eacute imortal e eternordquo DA III 5 (Trad Gomes dos Reis) 17 εἰ μὲν οὖν ὡς ὀργάνῳ χρῆται τῷ σώματι ἰδίᾳ ἔχουσα τὰς ἐνεργείας οὐ δεῖ προσχρήσασθαι τῷ σώματι πρὸς
τὸν ὁρισμόν οὐ γὰρ συμπληροῖ τὴν οὐσίαν τοῦ τέκτονος τὸ σκέπαρνον εἰ δὲ ἐν τῷ σώματι ἔχει τὸ εἶναι ὡς
εἶναι τὰς ἐνεργείας τοῦ συναμφοτέρου ἀνάγκη προσχρήσασθαι ἐν τῷ ὁρισμῷ τῷ σώματι ὥσπερ ἐπὶ τοῦ θυμοῦ
ἐλέγομεν ἀναγκαία οὖν ἡ τούτων λῆψις οὐκ εὐχερὴς δέ ltπάθηgt δὲ κοινότερον τὰς ἐνεργείας τῆς ψυχῆς
ἐκάλεσε ldquoSe usa o corpo como instrumento e tem suas atividades peculiares a si mesmo natildeo haacute qualquer
necessidade de se remeter ao corpo na definiccedilatildeo ndash pois um machado natildeo completa a essecircncia de um carpinteiro ndash
mas se a alma tem seu ser no corpo e suas atividades pertencem ao composto eacute necessaacuterio tambeacutem se remeter
ao corpo na definiccedilatildeo tal qual como nos referimos em relaccedilatildeo ao iacutempeto Estabelecer essas coisas entatildeo eacute
necessaacuterio poreacutem natildeo eacute faacutecil Afecccedilatildeo eacute o termo mais geral que ele usa para as atividades da almardquo
PHILOPONUS Com DA 4429-35 (Trad da trad de P J Eijk)
19
alma eacute potencialmente ou em atualidade Isto posto se a alma eacute como uma substacircncia e
portanto una ou separaacutevel e caso seja em partes se satildeo divisiacuteveis ou natildeo Aleacutem disso se a
definiccedilatildeo deve abranger diversos tipos de alma ou se haacute uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie Por
fim se sua investigaccedilatildeo parte das partes ou do todo
20
2 A NOCcedilAtildeO DE ALMA EM ARISTOacuteTELES
A noccedilatildeo de alma em Aristoacuteteles obedece trecircs momentos de elaboraccedilatildeo Um primeiro
ao longo da discussatildeo das endoxai de seus predecessores em DA I 2-5 Em outro quando
argumenta por conceitos metafiacutesicos e formula a noccedilatildeo geral de alma em DA II 1 Aleacutem de
um uacuteltimo a partir de DA II 2 quando se formula uma outra noccedilatildeo de alma pelas
capacidades Esta trajetoacuteria visa (i) levantar as teses que foram elaboradas sobre o assunto
visando extrair certos princiacutepios verdadeiros Com estes princiacutepios (ii) se expotildee a noccedilatildeo
geral Mas esta noccedilatildeo que responde sobre o ser da alma natildeo indica os tipos especiacuteficos de
vida Portanto (iii) eacute preciso inquirir por outra abordagem e provar que a alma eacute princiacutepio das
capacidades que manifestam vida no ser pois atraveacutes dessas capacidades explicamos esses
distintos modos de viver Como se veraacute esta travessia responde agrave taacutebua de definiccedilatildeo de DA I
1 e Aristoacuteteles ara todo o terreno sobre o qual ele ergue sua psicologia
21 A DEFINICcedilAtildeO PELA FORMA
Aristoacuteteles conclui seu levantamento das endoxai em DA I 2-5 com duas noccedilotildees
relativas agrave alma que ela eacute una18
e imoacutevel19
Somente no iniacutecio do livro seguinte em DA II 1
ele apresenta sua noccedilatildeo onde o objetivo traccedilar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos)
que abarque as vaacuterias formas de vida
18 φαίνεται δὲ καὶ τὰ φυτὰ διαιρούμενα ζῆν καὶ τῶν ζῴων ἔνια τῶν ἐντόμων ὡς τὴν αὐτὴν ἔχοντα ψυχὴν τῷ
εἴδει εἰ καὶ μὴ ἀριθμῷ ἑκάτερον γὰρ τῶν μορίων αἴσθησιν ἔχει καὶ κινεῖται κατὰ τόπον ἐπί τινα χρόνον εἰ δὲ
μὴ διατελοῦσιν οὐθὲν ἄτοπον ὄργανα γὰρ οὐκ ἔχουσιν ὥστε σώζειν τὴν φύσιν ἀλλ οὐδὲν ἧττον ἐν ἑκατέρῳ
τῶν μορίων ἅπαντ ἐνυπάρχει τὰ μόρια τῆς ψυχῆς καὶ ὁμοειδῆ ἐστιν ἀλλήλοις καὶ τῇ ὅλῃ ἀλλήλοις μὲν ὡς οὐ
χωριστὰ ὄντα τῇ δ ὅλῃ ψυχῇ ὡς οὐ διαιρετῇ οὔσῃ ἔοικε δὲ καὶ ἡ ἐν τοῖς φυτοῖς ἀρχὴ ψυχή τις εἶναι μόνης γὰρ
ταύτης κοινωνεῖ καὶ ζῷα καὶ φυτά καὶ αὕτη μὲν χωρίζεται τῆς αἰσθητικῆς ἀρχῆς αἴσθησιν δ οὐθὲν ἄνευ ταύτης
ἔχει ldquoEacute manifesto ainda que as plantas ndash e dentre os animais alguns insetos ndash quando secionadas continuam a
viver como se tivessem a mesma alma especificamente ainda que natildeo numericamente pois cada uma das partes
tem sensaccedilatildeo e move-se localmente por algum tempo Se natildeo sobrevivem natildeo resulta em absurdo algum pois
natildeo mantecircm oacutergatildeos aponto de conservar a sua natureza Em cada uma das partes poreacutem estatildeo todas as partes da
alma e nenhuma a menos E elas satildeo da mesma espeacutecie entre si e em relaccedilatildeo agrave alma inteira ndash as diversas partes
satildeo inseparaacuteveis uma das outras embora a alma inteira seja divisiacutevel Parece que o princiacutepio encontrado nas
plantas eacute tambeacutem um certo tipo de alma pois eacute apenas compartilhada por animais e plantas e ela existe
separada do princiacutepio perceptivo embora sem ela nada possa ter percepccedilatildeordquo 411b19-411b30 19ὅτι μὲν οὖν οὔθ ἁρμονίαν οἷόν τ εἶναι τὴν ψυχὴν οὔτε κύκλῳ περιφέρεσθαι δῆλον ἐκ τῶν εἰρημένων ldquoQue a
alma natildeo pode ser harmonia nem locomover-se em ciacuterculo fica claro a partir do que foi ditordquo 408ordf29-30 (Trad
Gomes dos Reis)
ὅτι μὲν οὖν οὐχ οἷόν τε κινεῖσθαι τὴν ψυχήν φανερὸν ἐκ τούτων εἰ δ ὅλως μὴ κινεῖται δῆλον ὡς οὐδ ὑφ
ἑαυτῆς Eacute evidente a partir disso tudo que natildeo eacute possiacutevel que a alma se mova ldquoE se de todo modo natildeo se move eacute
claro tambeacutem que natildeo se move por si mesmardquo 408b30-31 (Trad Gomes dos Reis)
φανερὸν οὖν ἐκ τῶν εἰρημένων ὡς οὔτε τὸ γινώσκειν ὑπάρχει τῇ ψυχῇ διὰ τὸ ἐκ τῶν στοιχείων εἶναι οὔτε τὸ
κινεῖσθαι αὐτὴν καλῶς οὐδ ἀληθῶς λέγεται ldquoEacute manifesto entatildeo a partir do que foi dito que nem o conhecer
subsite na alma por ela ser composta dos elementos nem eacute uma maneira certa ou verdadeira dizer qua a alma eacute
movidardquo 411a24-26 (Trad Gomes dos Reis)
21
Τὰ μὲν δὴ ὑπὸ τῶν πρότερον παραδεδομένα περὶ ψυχῆς εἰρήσθω πάλιν δ ὥσπερ ἐξ
ὑπαρχῆς ἐπανίωμεν πειρώμενοι διορίσαι τί ἐστι ψυχὴ καὶ τίς ἂν εἴη κοινότατος λόγος
αὐτῆς
Tendo dito o suficiente sobre as opiniotildees a respeito da alma fornecida por nossos
predecessores retomemos como que do comeccedilo e tentemos definir o que eacute a alma e
qual seria seu enunciado mais geral 412a1-6 (Trad Gomes dos Reis)
A busca pelo enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) visa uma definiccedilatildeo de alma
comum agraves diversas formas de vida Em meio agrave pluralidade de modos de vida a alma eacute aquilo
a partir do qual essa pluralidade se unifica num gecircnero de ser ndash o dos seres viventes
(empsykhon) Aristoacuteteles compreende que uma noccedilatildeo puramente geneacuterica natildeo explica as
formas especiacuteficas do objeto de estudo Entretanto o enunciado geral responde agrave primeira
parte da taacutebua de definiccedilatildeo como notaremos no decorrer da definiccedilatildeo pela forma que seraacute
enunciada Com eles Aristoacuteteles alicerccedila conceitualmente as outras definiccedilotildees que seratildeo
formuladas nos outros capiacutetulos
Assim entatildeo Aristoacuteteles inicia seu argumento
λέγομεν δὴ γένος ἕν τι τῶν ὄντων τὴν οὐσίαν ταύτης δὲ τὸ μέν ὡς ὕλην ὃ καθ αὑτὸ
οὐκ ἔστι τόδε τι ἕτερον δὲ μορφὴν καὶ εἶδος καθ ἣν ἤδη λέγεται τόδε τι καὶ τρίτον
τὸ ἐκ τούτων ἔστι δ ἡ μὲν ὕλη δύναμις τὸ δ εἶδος ἐντελέχεια καὶ τοῦτο διχῶς τὸ
μὲν ὡς ἐπιστήμη τὸ δ ὡς τὸ θεωρεῖν
Dizemos que um dos gecircneros dos seres eacute a substacircncia E substacircncia primeiro no
sentido de mateacuteria ndash que por si mesmo natildeo eacute algo determinado ndash e ainda no sentido
de figura e forma ndash em virtude do que jaacute se diz que eacute algo determinado ndash e por fim
no sentido de composto de ambas A mateacuteria por sua vez eacute potecircncia ao passo que a
forma eacute atualidade e isto de dois modos seja como ciecircncia seja como inquirir DA II
1 412a6-11(Trad Gomes dos Reis)
Aristoacuteteles parte de teses presentes em seu tratado de filosofia primeira a Metafiacutesica
Laacute ele investiga o ser enquanto ser que tem muitos significados mas todos convergem para
um soacute20
O que responde a estes diversos significados do que eacute o ser ao ti estiacute eacute a
substacircncia21
(ousiacutea) Satildeo substacircncias a mateacuteria (hyacutele) a forma (morpheacute) e o composto de
ambas ( tograve ek touacutetoon) 22
Apesar da mateacuteria ser indeterminada23
permanece na mudanccedila e eacute
20 διὸ καὶ ἡμῖν τοῦ ὄντος ᾗ ὂν τὰς πρώτας αἰτίας ληπτέον Τὸ δὲ ὂν λέγεται μὲν πολλαχῶς ἀλλὰ πρὸς ἓν καὶ μίαν
τινὰ φύσιν Por isso tambeacutem noacutes devemos apreender as causas primeiras do ente enquanto ente ldquoEnterdquo se diz de
muitas maneiras mas em relaccedilatildeo a algo uacutenico e a uma natureza uacutenicardquo Met G 1-2 1003ordf31-32 (Trad Lucas
Angioni) 21τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν ldquoE
sendo o ente dito de muitos modos eacute evidente que o ente primeiro eacute o que eacute entre todos o que designa a
substacircnciardquo Met Z 2 1028b13-15 (Trad Lucas Angioni) 22 αὗται δ εἰσὶν αἱ αἰσθηταί αἱ δ αἰσθηταὶ οὐσίαι πᾶσαι ὕλην ἔχουσιν ἔστι δ οὐσία τὸ ὑποκείμενον ἄλλως μὲν
ἡ ὕλη (ὕλην δὲ λέγω ἣ μὴ τόδε τι οὖσα ἐνεργείᾳ δυνάμει ἐστὶ τόδε τι) ἄλλως δ ὁ λόγος καὶ ἡ μορφή ὃ τόδε τι
ὂν τῷ λόγῳ χωριστόν ἐστιν τρίτον δὲ τὸ ἐκ τούτων οὗ γένεσις μόνου καὶ φθορά ἐστι καὶ χωριστὸν ἁπλῶς τῶν
γὰρ κατὰ τὸν λόγον οὐσιῶν αἱ μὲν αἱ δ οὔ ldquoE agora devemos reexaminar as substacircncias que satildeo admitidas por
todos E essas satildeo as substacircncias sensiacuteveis Todas as substacircncias sensiacuteveis tecircm mateacuteria E substacircncia eacute o
substrato o qual em certo sentido significa a mateacuteria (chamo mateacuteria o que natildeo eacute algo determinado em ato mas
22
objeto de predicaccedilatildeo caracteriza-se como o substrato (hypokeiacutemenon) do composto Para ser
determinada a mateacuteria depende da forma que lhe confere ser (ti estiacute) Assim toda mateacuteria
determinada pela forma seraacute um composto Por isso Aristoacuteteles defende que uma boa
definiccedilatildeo das substacircncias compostas eacute a que enuncie a determinaccedilatildeo da forma na mateacuteria24
Em suma a substacircncia eacute o gecircnero primeiro de ser sendo esta tanto mateacuteria quanto forma
assim como o composto de ambas
A indeterminaccedilatildeo da mateacuteria e a determinaccedilatildeo da forma estatildeo intrinsecamente
relacionadas aos conceitos correlatos de potecircncia (dyacutenamis) e atualidade (enteleacutekheia) na
filosofia primeira de Aristoacuteteles A mateacuteria eacute indeterminada pois natildeo eacute algo em ato mas em
potecircncia na medida que eacute passiacutevel de determinaccedilatildeo pela forma Aristoacuteteles assinala que ser
em potecircncia significa ter o princiacutepio de movimento (kiacutenesis) ou de modicaccedilatildeo (metaboleacute) seja
por causa extriacutenseca ou intriacutenseca25
A mateacuteria portanto eacute potecircncia pois traz em si o princiacutepio
de ser movida ou modificada por si mesma ou por um outro isto Potecircncia tambeacutem estaacute
algo determinado soacute em potecircncia) num segundo sentido significa a essecircncia e a forma (a qual sendo algo
determinado pode ser separada pelo pensamento) e num terceiro sentido significa o composto de mateacuteria e de
forma (e soacute este estaacute submetido agrave geraccedilatildeo e agrave corrupccedilatildeo e eacute separado em sentido proacuteprio enquanto das
substacircncias entendidas segundo a forma algumas satildeo separadas outras natildeo satildeo)rdquo H 1042a24-31 (Trad Giovani
Reale) 23 λέγω δ ὕλην ἣ καθ αὑτὴν μήτε τὶ μήτε ποσὸν μήτε ἄλλο μηδὲν λέγεται οἷς ὥρισται τὸ ὄν ἔστι γάρ τι καθ οὗ
κατηγορεῖται τούτων ἕκαστον ᾧ τὸ εἶναι ἕτερον καὶ τῶν κατηγοριῶν ἑκάστῃ (τὰ μὲν γὰρ ἄλλα τῆς οὐσίας
κατηγορεῖται αὕτη δὲ τῆς ὕλης) ὥστε τὸ ἔσχατον καθ αὑτὸ οὔτε τὶ οὔτε ποσὸν οὔτε ἄλλο οὐδέν ἐστιν οὐδὲ δὴ
αἱ ἀποφάσεις καὶ γὰρ αὗται ὑπάρξουσι κατὰ συμβεβηκός ldquoChamo mateacuteria aquilo que por si natildeo eacute algo
determinado nem uma quantidade nem qualquer outra das determinaccedilotildees do ser Existe de fato alguma coisa da
qual cada uma dessas determinaccedilotildees eacute predicada alguma coisa cujo ser eacute diferente do ser de cada uma das
categorias Todas as outras categorias com efeito satildeo predicadas da substacircncia e esta por sua vez eacute predicada
da mateacuteria Assim este termo por si natildeo eacute nem algo determinado nem quantidade nem qualquer outra
categoria e natildeo eacute nem sequer as negaccedilotildees destas porque as negaccedilotildees soacute existem de modo acidentalrdquo Met Z 3
1029ordf20-26 (Trad Giovani Reale) 24 οἱ δὲ ἀγγεῖον σκεπαστικὸν χρημάτων καὶ σωμάτων ἤ τι ἄλλο τοιοῦτον προτιθέντες τὴν ἐνέργειαν λέγουσιν οἱ
δ ἄμφω ταῦτα συντιθέντες τὴν τρίτην καὶ τὴν ἐκ τούτων οὐσίαν (ἔοικε γὰρ ὁ μὲν διὰ τῶν διαφορῶν λόγος τοῦ
εἴδους καὶ τῆς ἐνεργείας εἶναι ὁ δ ἐκ τῶν ἐνυπαρχόντων τῆς ὕλης μᾶλλον) ὁμοίως δὲ καὶ οἵους Ἀρχύτας
ἀπεδέχετο ὅρους τοῦ συνάμφω γάρ εἰσιν ldquoAo contraacuterio os que a definem dizendo que eacute um refuacutegio para
proteger coisas e corpos ou alguma outra coisa desse tipo dizendo o que eacute a casa em ato enfim os que unem
ambas as definiccedilotildees experimenta substacircncia no terceiro significado como composto de mateacuteria e forma Eacute claro
que a definiccedilatildeo dada pelas diferenccedilas refere-se agrave forma e ao ato enquanto a definiccedilatildeo dada a partir dos
elementos refere-se prioritariamente agrave mateacuteria Semelhantes a estas eram as definiccedilotildees que Arquita aprovava
elas referiam-se ao conjunto de mateacuteria e formardquo H 2 1043ordf17-21 (Trad Giovani Reale)
φανερὸν δὴ ἐκ τῶν εἰρημένων τίς ἡ αἰσθητὴ οὐσία ἐστὶ καὶ πῶς ἡ μὲν γὰρ ὡς ὕλη ἡ δ ὡς μορφὴ καὶ ἐνέργεια
ἡ δὲ τρίτη ἡ ἐκ τούτων ldquoDo que foi dito fica claro o que eacute a substacircncia sensiacutevel e qual eacute seu modo de ser ela eacute
por um lado mateacuteria por outro forma e ato e num terceiro sentido o conjunto de mateacuteria e de formardquo Met H
2 1043a26-28 (Trad Giovani Reale) 25 ἡ μὲν οὖν ὅλως ἀρχὴ μεταβολῆς ἢ κινήσεως λέγεται δύναμις ἐν ἑτέρῳ ἢ ᾗ ἕτερον ἡ δ ὑφ ἑτέρου ἢ ᾗ ἕτερον
(καθ ἣν γὰρ τὸ πάσχον πάσχει τι ὁτὲ μὲν ἐὰν ὁτιοῦν δυνατὸν αὐτό φαμεν εἶναι παθεῖν ὁτὲ δ οὐ κατὰ πᾶν
πάθος ἀλλ ἂν ἐπὶτὸ βέλτιον) ldquoPotecircncia portanto significa em primeiro lugar esse princiacutepio de mudanccedila ou de
movimento que se encontra em outra coisa ou na propria coisa enquanto outra e em segundo lugar significa o
princiacutepio pelo qual uma coisa eacute mudada ou movida por outra ou por si mesma enquanto outrardquo Met Δ 12
1019ordf19-23 (Trad Giovani Reale)
23
relacionada ao princiacutepio de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo26
Na medida em que as coisas satildeo
constituiacutedas de um determinado modo elas trazem em potecircncia a manutenccedilatildeo de si diante da
accedilatildeo de outra coisa como a parede que natildeo quebra se batida com um copo de vidro ou trazem
em potecircncia a degeneraccedilatildeo tal qual um copo de vidro que quebra quando lanccedilado contra a
parede Jaacute a forma eacute atualidade (enteleacutekheia) tanto como ciecircncia quanto inquirir ou seja
enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) e atividade (energeia) Atualidade enquanto disposiccedilatildeo significa
a jaacute detenccedilatildeo de determinada capacidade mas sem sua atividade Ser apto a caminhar mas
estar sentado por exemplo Jaacute ato enquanto atividade significa o exerciacutecio dessa disposiccedilatildeo
Ser apto a caminhar e estar caminhando
οὐσίαι δὲ μάλιστ εἶναι δοκοῦσι τὰ σώματα καὶ τούτων τὰ φυσικά ταῦτα γὰρ τῶν
ἄλλων ἀρχαί τῶν δὲ φυσικῶν τὰ μὲν ἔχει ζωήν τὰ δ οὐκ ἔχει ζωὴν δὲ λέγομεν τὴν
δι αὑτοῦ τροφήν τε καὶ αὔξησιν καὶ φθίσιν ὥστε πᾶν σῶμα φυσικὸν μετέχον ζωῆς
οὐσία ἂν εἴη οὐσία δ οὕτως ὡς συνθέτη
E haacute a opiniatildeo de que sobretudo os corpos satildeo substacircncia entre os quais se encontram
os corpos naturais que satildeo princiacutepios dos demais Dos corpos naturais alguns tecircm
vida outros natildeo e dizemos que a vida eacute a nutriccedilatildeo por si mesmo o crescimento e o
decaimento Assim todo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido
de substacircncia composta DA II 1 412a11-16 (Trad Gomes dos Reis)
Aristoacuteteles retorna a uma tese geral amplamente adotada por ele segundo a qual dentre
as substacircncias as sensiacuteveis satildeo as mais aceitas27
por serem mais evidentes aos sentidos O que
26 ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ τοῦ πάσχειν ἔτι ὅσαι ἕξεις καθ ἃς ἀπαθῆ ὅλως ἢ ἀμετάβλητα ἢ μὴ ῥᾳδίως ἐπὶ τὸ χεῖρον
εὐμετακίνητα δυνάμεις λέγονται κλᾶται μὲν γὰρ καὶ συντρίβεται καὶ κάμπτεται καὶ ὅλως φθείρεται οὐ τῷ
δύνασθαι ἀλλὰ τῷ μὴ δύνασθαι καὶ ἐλλείπειν τινός ἀπαθῆ δὲ τῶν τοιούτων ἃ μόλις καὶ ἠρέμα πάσχει διὰ δύ
ναμιν καὶ τῷ δύνασθαι καὶ τῷ ἔχειν πώς ldquoO mesmo vale para a potecircncia passiva Aleacutem disso chamam-se
potecircncias todos os estados em virtude dos quais as coisas satildeo absolutamente impassiacuteveis ou imutaacuteveis ou natildeo
facilmente mutaacuteveis para pior De fato as coisas quebram-se degeneram-se dobram-se e em geral destroem-se
natildeo porque tecircm potecircncia mas porque natildeo tecircm potecircncia a e porque carecem de alguma coisa ao contraacuterio satildeo
impassiacuteveis relativamente a todo estes tipos de afecccedilotildees as coisas que dificilmente ou pouco satildeo afetadas por elas
por causa de sua potecircncia e de seu poder e por determinadas condiccedilotildees em que se encontremrdquo Met Δ 12 1019ordf
26-32 (Trad Giovani Reale) 27 Οὐσία λέγεται τά τε ἁπλᾶ σώματα οἷον γῆ καὶ πῦρ καὶ ὕδωρ καὶ ὅσα τοιαῦτα καὶ ὅλως σώματα καὶ τὰ ἐκ
τούτων συνεστῶτα ζῷά τε καὶ δαιμόνια καὶ τὰ μόρια τούτων ἅπαντα δὲ ταῦτα λέγεται οὐσία ὅτι οὐ καθ
ὑποκειμένου λέγεται ἀλλὰ κατὰ τούτων τὰ ἄλλα ldquoSubstacircncia em certo sentido se diz dos corpos simples por
exemplo o fogo a terra a aacutegua e todos os corpos como estes e em geral todos os corpos e as coisas compostas
a partir deles como os animais e os seres divinos e suas partes Todas essas coisas satildeo ditas substacircncias porque
natildeo satildeo predicadas de um substrato mas tudo o mais eacute predicado delasrdquo Met Δ 1017b10ndash14 (Trad Giovani
Reale)
Τὸ ὂν λέγεται πολλαχῶς καθάπερ διειλόμεθα πρότερον ἐν τοῖς περὶ τοῦ ποσαχῶς σημαίνει γὰρ τὸ μὲν τί ἐστι
καὶ τόδε τι τὸ δὲ ποιὸν ἢ ποσὸν ἢ τῶν ἄλλων ἕκαστον τῶν οὕτω κατηγορουμένων τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου
τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν (ὅταν μὲν γὰρ εἴπωμεν ποῖόν τι
τόδε ἢ ἀγαθὸν λέγομεν ἢ κακόν ἀλλ οὐ τρίπηχυ ἢ ἄνθρωπον ldquoO ser tem muitos signficados como
estabelecemos anteriormente no livro dedicado aos diversos significados dos termos De fato o ser signfica de
um lado essecircncia e algo determinado de outro qualidade ou quantidade e cada uma das outras categorias
Mesmo sendo dito em tantos signficados eacute evidente que o primeiro dos significados do ser eacute a essecircncia que
indica a substacircncia (De fato quando perguntamos a qualidade de alguma coisa dizemos que eacute boa ou maacute mas
natildeo que tem trecircs cocircvados ou que eacute homemrdquo 1028a10ndash16 (Trad Giovani Reale)
24
Aristoacuteteles chama aqui de corpos naturais (physikoacuten) corresponde aos compostos que datildeo
origem aos artificiais e com a abstraccedilatildeo das suas unidades a objetos matemaacuteticos Mas natildeo
satildeo elementos ou partes sem unidade como o olho ou a raiz da aacutervore Pois eacute o animal que
deteacutem o olho e a aacutervore que deteacutem a raiacutez Sendo assim os corpos naturais se diferenciam
entre os que vivem e os que natildeo vivem Estes que natildeo vivem satildeo os corpos artificiais os
corpos celestes e o cadaacutever Um corpo morto seraacute de animal senatildeo por homoniacutemia pois natildeo
tem como atividade o viver E o viver eacute nutrir-se eacute crescer e eacute decair Donde Aristoacuteteles
conclui que ldquotodo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido de substacircncia
compostardquo Os seres viventes (empsykhon) satildeo substacircncias compostas de mateacuteria (corpo) e
forma (alma) tendo como atividade o viver
ἐπεὶ δ ἐστὶ καὶ σῶμα καὶ τοιόνδε ζωὴν γὰρ ἔχον οὐκ ἂν εἴη σῶμα ἡ ψυχή οὐ γάρ
ἐστι τῶν καθ ὑποκειμένου τὸ σῶμα μᾶλλον δ ὡς ὑποκείμενον καὶ ὕλη ἀναγκαῖον
ἄρα τὴν ψυχὴν οὐσίαν εἶνα ὡς εἶδος σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν ἔχοντος
E uma vez que essa substacircncia tambeacutem eacute um corpo de tal tipo ndash que tem vida ndash a
alma natildeo eacute corpo pois o corpo natildeo eacute um dos predicados do substrato antes ele eacute
como o substrato e a mateacuteria Necessariamente entatildeo a alma eacute substacircncia como
forma de um corpo natural potencialmente vivo 412ordf16-21 (Trad Maria Ceciacutelia
Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo proacutepria)
Finalmente Aristoacuteteles tece sua uacuteltima premissa e enuncia uma primeira definiccedilatildeo de
alma Dado que os corpos naturais dotados de vida satildeo compostos hilemoacuterficos cabe eliminar
qualquer possibilidade da alma ser corpo O argumento eacute conciso Haacute substacircncias que satildeo um
corpo dotado de vida Este corpo vivo natildeo eacute alma Mas substrato (hypokeimeacutenon) e mateacuteria
(hyacutele) do composto E como tal eacute objeto de predicaccedilatildeo da forma Portanto a alma natildeo pode
ser corpo pois ela que o predica
Em Met Z 3 escreve Aristoacuteteles que o substrato eacute aquilo que eacute predicado pelas coisas
enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outra28
Jaacute a substacircncia eacute aquilo que predica o
substrato mas que natildeo eacute predicada pelas outras coisas Sendo assim inerem no substrato
determinaccedilotildees como quantidade afecccedilotildees accedilotildees e potecircncias Poreacutem raspadas as
determinaccedilotildees o que resta eacute o substrato primeiro mateacuteria Contudo como jaacute enunciado
ὁμολογούμεναι μὲν αἱ φυσικαί οἷον πῦρ γῆ ὕδωρ ἀὴρ καὶ τἆλλα τὰ ἁπλᾶ σώματα ἔπειτα τὰ φυτὰ καὶ τὰ μόρια
αὐτῶν καὶ τὰ ζῷα καὶ τὰ μόρια τῶν ζῴων καὶ τέλος ὁ οὐρανὸς καὶ τὰ μόρια τοῦ οὐρανοῦ ἰδίᾳ δέ τινες οὐσίας
λέγουσιν εἶναι τά τ εἴδη καὶ τὰ μαθηματικά ldquoSubstacircncias admitidas por todos satildeo as fiacutesicas como fogo terra
aacutegua ar e os outros corpos simples ademais as plantas e suas partes do ceacuteu Alguns filoacutesofos ao contraacuterio em
funccedilatildeo de suas opiniotildees particulares afirmaram que substacircncias satildeo as Formas e os Entes matemaacuteticosrdquo Met H
1042a7ndash11(Trad Giovani Reale)
28 τὸ δ ὑποκείμενόν ἐστι καθ οὗ τὰ ἄλλα λέγεται ἐκεῖνο δὲ αὐτὸ μηκέτι κατ ἄλλου ldquoO Substrato eacute aquilo de
que satildeo predicadas todas as outras coisas enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outrardquo Met Z 3 1028b36 ndash
1029a1 (Trad Giovani Reale)
25
acima Aristoacuteteles compreende a mateacuteria como algo indeterminado Apesar disso haacute algo da
qual todas as outras determinaccedilotildees satildeo predicadas E sendo a substacircncia um algo separado
que predica a mateacuteria ou seja que referencia e determina a mateacuteria substacircncia e mateacuteria natildeo
podem ser idecircnticas O que este argumento nos ajuda a compreender eacute o pressuposto
metafiacutesico sobre o qual Aristoacuteteles identifica o corpo com o substrato impossibilitando que
este seja identificado com a alma Ou seja a substacircncia que predica o corpo
Portanto se o corpo eacute substrato material do composto orgacircnico vivo segue-se
necessariamente que a alma eacute a substacircncia formal Aristoacuteteles enuncia entatildeo seu perseguido
enunciado mais geral a alma eacute substacircncia como forma de um corpo natural potencialmente
vivo A alma enquanto substacircncia do composto vivo eacute substacircncia no sentido de forma Com
este enunciado Aristoacuteteles responde o primeiro ponto do elenco de questotildees a serem
abordadas numa investigaccedilatildeo da alma a saber a qual gecircnero de ser pertence a alma
Para a alma ser forma de um corpo potencialmente vivo ndash e ser potencialmente vivo eacute
dispor de oacutergatildeos passiacuteveis de realizaccedilatildeo das atividades proacuteprias ao viver ndash significa ser o
princiacutepio estruturante e configurador das funccedilotildees (eacutergon) de vida Assim a alma eacute o princiacutepio
e causa determinante do ser atraveacutes das atividades proacuteprias ao viver em um corpo de tal tipo
Portanto a alma configura a realidade das substacircncias compostas viventes sendo aquilo a
partir e em vista do que a vida se daacute
Aristoacuteteles abre caminho para a responder sua taacutebua de definiccedilotildees de DA I 1 A
primeira delas eacute configurar a relaccedilatildeo entre a alma e o corpo fundamentando a noccedilatildeo de
inseparabilidade entre uma e outro Pois ser a forma de um composto demanda que a alma se
atualize apenas se instanciada em um estofo material e seja seu princiacutepio de ser Em siacutentese a
alma eacute como a substacircncia e o corpo eacute como o substrato da substacircncia composta viva que eacute o
ser vivente
Seguindo as noccedilotildees jaacute traccediladas anteriormente Aristoacuteteles desdobraraacute outras duas
caracteriacutesticas proacuteprias agrave alma atualidade primeira e princiacutepio de determinaccedilatildeo do corpo Jaacute
que a alma eacute forma e forma eacute atualidade entatildeo a alma eacute atualidade deste corpo
potencialmente vivo como se lecirc logo em seguida
ἡ δ οὐσία ἐντελέχεια τοιούτου ἄρα σώματος ἐντελέχεια αὕτη δὲ λέγεται διχῶς ἡ
μὲν ὡς ἐπιστήμη ἡ δ ὡς τὸ θεωρεῖν φανερὸν οὖν ὅτι ὡς ἐπιστήμη ἐν γὰρ τῷ
ὑπάρχειν τὴν υχὴν καὶ ὕπνος καὶ ἐγρήγορσίς ἐστιν ἀνάλογον δ ἡ μὲν ἐγρήγορσις τῷ
θεωρεῖν ὁ δ ὕπνος τῷ ἔχειν καὶ μὴ ἐνεργεῖν προτέρα δὲ τῇ γενέσει ἐπὶ τοῦ αὐτοῦ ἡ
ἐπιστήμη διὸ ἡ ψυχή ἐστιν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν
ἔχοντος
E a substacircncia eacute atualidade Portanto eacute de um corpo de tal tipo que a alma eacute
atualidade Mas esta se diz de dois modos ndash primeiro como ciecircncia segundo como o
26
inquirir Eacute claro entatildeo que a alma eacute atualidade como ciecircncia pois ao subsistir a alma
haacute tanto o sono como a vigiacutelia e a vigiacutelia eacute algo anaacutelogo ao inquirir o sono a possuir
a ciecircncia mas natildeo a exercecirc-la e no que concerne a um mesmo indiviacuteduo a ciecircncia eacute
a primeira atualidade de um corpo natural que tem em potecircncia vida DA II 1 412a21-
28 (Trad Gomes dos Reis)
Como jaacute estabelecido em 401a6-11 a atualidade se diz segundo a disposiccedilatildeo e a
atividade Aqui disposiccedilatildeo (heacutexis) estaacute para a ciecircncia (epistecircme) como atividade (energeacuteia)
estaacute para inquirir (theoreicircn) Portanto disposiccedilatildeo eacute a obtenccedilatildeo de dada capacidade sem
executaacute-la enquanto atividade eacute sua execuccedilatildeo
Aristoacuteteles conclui seu argumento especificando a alma como uma atualidade primeira
(enteleacutekheia proteacute) Charlton29
propotildee que o termo ldquoprimeirordquo (proteacute) se refira agrave atualidade no
primeiro sentido ou seja enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) O que parece plausiacutevel pois o texto
aristoteacutelico nos diz que a alma eacute atualidade como ciecircncia (phanerograven oucircn hoacuteti hocircs episteme)
Aleacutem disso nas discussotildees preliminares sobre a capacidade perceptiva Aristoacuteteles discorre
um pouco mais sobre as diferenccedilas entre atualidade em termos de disposiccedilatildeo e atividade
διαιρετέον δὲ καὶ περὶ δυνάμεως καὶ ἐντελεχείας νῦν γὰρ ἁπλῶς ἐλέγομεν περὶ
αὐτῶν ἔστι μὲν γὰρ οὕτως ἐπιστῆμόν τι ὡς ἂν εἴποιμεν ἄνθρωπον ἐπιστήμονα ὅτι ὁ
ἄνθρωπος τῶν ἐπιστημόνων καὶ ἐχόντων ἐπιστήμην ἔστι δ ὡς ἤδη λέγομεν
ἐπιστήμονα τὸν ἔχοντα τὴν γραμματικήν ἑκάτερος δὲ τούτων οὐ τὸν αὐτὸν τρόπον
δυνατός ἐστιν ἀλλ ὁ μὲν ὅτι τὸ γένος τοιοῦτον καὶ ἡ ὕλη ὁ δ ὅτι βουληθεὶς δυνατὸς
θεωρεῖν ἂν μή τι κωλύσῃ τῶν ἔξωθεν ὁ δ ἤδη θεωρῶν ἐντελεχείᾳ ὢν καὶ κυρίως
ἐπιστάμενος τόδε τὸ Α ἀμφότεροι μὲν οὖν οἱ πρῶτοι κατὰ δύναμιν ἐπιστήμονες
ltὄντες ἐνεργείᾳ γίνονται ἐπιστήμονεςgtἀλλ ὁ μὲν διὰ μαθήσεως ἀλλοιωθεὶς καὶ
πολλάκις ἐξ ἐναντίας μεταβαλὼν ἕξεως ὁ δ ἐκ τοῦ ἔχειν τὴν ἀριθμητικὴν ἢ τὴν
γραμματικήν μὴ ἐνεργεῖν δέ εἰς τὸ ἐνεργεῖν ἄλλον τρόπον
Eacute preciso ainda fazer distinccedilotildees no que diz respeito agrave potecircncia e agrave atualidade Pois ateacute
agora falaacutevamos disso de maneira simples Por um lado haacute aquele que conhece no
sentido em que diriacuteamos ser o homem conhecedor por estar entre os que conhecem e
possuem conhecimento e haacute em outro sentido aquele que dizemos ser conhecedor
por jaacute saber a gramaacutetica (e cada um deles eacute em potecircncia mas natildeo da mesma maneira
o primeiro por que eacute de tal gecircnero e mateacuteria o outro porque se quiser pode inquirir
nada externo o impedindo) E haacute por fim aquele que estaacute inquirindo e em atualidade
conhecendo em sentido proacuteprio este ldquoArdquo determinado Os dois primeiros satildeo
conhecedores em potecircncia um por ter-se alterado via aprendizagem e por passar
vaacuterias vezes de uma das disposiccedilotildees contraacuterias a outra o outro de outro modo por
passar do ter a percepccedilatildeo sensiacutevel30 ou a gramaacutetica sem exercitaacute-lo ao estar em
exerciacutecio DA II 5 417a21-b2 (Trad Gomes dos Reis)
O ser humano eacute configurado de modo a realizar certas atividades como a nutriccedilatildeo a
percepccedilatildeo e a inquiriccedilatildeo Entretanto a pura organizaccedilatildeo fiacutesica natildeo basta para que elas sejam
realizadas Assim somente quando a funccedilatildeo proacutepria de determinada disposiccedilatildeo fiacutesica entra
em atividade eacute que aquilo que eacute em potecircncia se torna uma atualidade No caso acima a
capacidade de inquirir Mas toda capacidade exige um objeto para entrar em atividade E o
29 1980 p 174 30 A tradutora optou por substituir o termo ldquoarithmetikegravenrdquo por ldquoaiacutesthesinrdquo Cf GOMES DOS REIS 2012 p 84
27
que era uma potecircncia de aprendizado para o inquiridor torna-se uma atualidade pela atividade
da sua inquiriccedilatildeo Deste modo haacute trecircs instacircncias que vatildeo da potecircncia agrave atualidade Na
primeira o ser vivente eacute dotado da capacidade de aprender a inquirir Na segunda esta
disposiccedilatildeo eacute posta em atividade tendo um objeto para se inquirir Na terceira eacute a atividade
dessa capacidade aprendida ou adquirida que se tem uma atualidade plena No primeiro caso
eacute claramente uma capacidade segundo uma disposiccedilatildeo No segundo caso jaacute temos um estado
de atualidade na medida em que haacute o exerciacutecio dessa capacidade proacutepria ao ser vivente
Aristoacuteteles chama isso de potecircncia pois em relaccedilatildeo agrave terceira instacircncia aquele modo de
atualidade eacute ainda suscetiacutevel de alteraccedilatildeo E quando essa nova capacidade a gramaacutetica eacute
adquirida pela atividade desta nova capacidade de inquirir possiacutevel apenas pela sua
disposiccedilatildeo na fisiologia do ser vivente a capacidade se atualiza plenamente
Assim a alma eacute atualidade primeira de um corpo potencialmente vivo enquanto
princiacutepio de atividade das capacidades proacuteprias ao viver presentes como disposiccedilatildeo que a
forma engendra neste corpo Isto fica mais evidente em DA II 1 412b5-9
εἰ δή τι κοινὸν ἐπὶ πάσης ψυχῆς δεῖ λέγειν εἴη ἂν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος
φυσικοῦ ὀργανικοῦ διὸ καὶ οὐ δεῖ ζητεῖν εἰ ἓν ἡ ψυχὴ καὶ τὸ σῶμα ὥσπερ οὐδὲ τὸν
κηρὸν καὶ τὸ σχῆμα οὐδ ὅλως τὴν ἑκάστου ὕλην καὶ τὸ οὗ ἡ ὕλη τὸ γὰρ ἓν καὶ τὸ
εἶναι ἐπεὶ πλεοναχῶς λέγεται τὸ κυρίως ἡ ἐντελέχειά ἐστιν
Se eacute preciso enunciar algo comum a toda e qualquer alma seria que eacute a primeira
atualidade do corpo natural orgacircnico E por isso inclusive natildeo eacute preciso investigar se
alma e corpo satildeo uma unidade ndash tampouco se a cera e a figura o satildeo e em suma nem
se a mateacuteria de cada coisa e aquilo de que eacute mateacuteria ndash pois jaacute que se diz unidade ser
de muitos modos o mais apropriado deles eacute a atualidade (Trad Gomes dos Reis)
O corpo eacute dotado de oacutergatildeos partes que viabilizam a atividade das capacidades
proacuteprias ao viver E eacute a atividade das capacidades atraveacutes dos oacutergatildeos que se confere unidade
entre corpo e alma nesse composto orgacircnico vivo Assim Aristoacuteteles responde sobre a
unidade entre alma e corpo enunciada na taacutebua de definiccedilotildees Natildeo por acaso como corolaacuterio
agraves noccedilotildees de alma como forma e atualidade Aristoacuteteles declara
οὐσία γὰρ ἡ κατὰ τὸν λόγον τοῦτο δὲ τὸ τί ἦν εἶναι τῷ τοιῳδὶ σώματι καθάπερ εἴ τι
τῶν ὀργάνων φυσικὸν ἦν σῶμα οἷον πέλεκυς ἦν μὲν γὰρ ἂν τὸ πελέκει εἶναι ἡ οὐσία
αὐτοῦ καὶ ἡ ψυχὴ τοῦτο χωρισθείσης δὲ ταύτης οὐκ ἂν ἔτι πέλεκυς ἦν ἀλλ ἢ ὁμ
ωνύμως νῦν δ ἔστι πέλεκυς οὐ γὰρ τοιούτου σώματος τὸ τί ἦν εἶναι καὶ ὁ λόγος ἡ
ψυχή ἀλλὰ φυσικοῦ τοιουδί ἔχοντος ἀρχὴν κινήσεως καὶ στάσεως ἐν ἑαυτῷ
Pois ela eacute a substacircncia segundo a determinaccedilatildeo ou seja o que era para ser de um
corpo de tal tipo Se um instrumento fosse um corpo natural ndash por exemplo o
machado ndash a sua substacircncia seria a que eacute ser para o machado e isto seria a sua alma
Separado disso ele natildeo seria mais um machado exceto por homoniacutemia Mas na
verdade eacute um machado pois a alma natildeo eacute a determinaccedilatildeo e o que eacute o que eacute para um
corpo desse tipo mas sim um corpo natural tal que tenha em si mesmo um princiacutepio
28
de movimento e repouso DA II 1 412b10-17 (Trad Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo
proacutepria)
Como jaacute explicitado no enunciado de alma enquanto substacircncia como forma em
412a20 a alma eacute este princiacutepio determinante do ser do composto Ou seja o princiacutepio
organizador das suas disposiccedilotildees e propriedades que determinaratildeo o ser proacuteprio de um corpo
natural capaz de viver A identificaccedilatildeo entre alma e forma se desdobraraacute na identificaccedilatildeo de
alma e o que era para ser31
(tograve tiacute ecircn eicircnai)
Dado que a alma eacute forma e atualidade do corpo Aristoacuteteles estabelece que ela eacute seu
princiacutepio de determinaccedilatildeo das propriedades relevantes que daratildeo o caraacuteter essencial do ser
vivente E eacute evidente como o texto nos mostra e Hamilyn32
sustenta que a determinaccedilatildeo da
essecircncia se daacute segundo sua funccedilatildeo (eacutergon) O ser do machado eacute cortar na medida em que a
funccedilatildeo proacutepria do machado eacute cortar assim como a do olho eacute ver O ser do ser vivente eacute viver
31 A locuccedilatildeo eacute razatildeo de grande controveacutersia na tradiccedilatildeo de comentaacuterios ao texto aristoteacutelico Natildeo entrarei nos
pormenores da discussatildeo mas tomarei a traduccedilatildeo o que era para ser em sua literalidade assim como Angioni
tendo em vista o contexto no qual se pretende compreender seu emprego ldquoTrata-se de uma substantivaccedilatildeo com
o artigo neutro (lsquotorsquo) da pergunta lsquoo que afinal era o ser para tal coisarsquo (lsquoti en to einai toutoirsquo lsquotiacute ecircn tograve eicircnai
toutoirsquo) ndash Aristoacuteteles frequentemente substantiva segmentos de sentenccedilas e expressotildees que em si mesmas
constituem perguntas gramaticalmente completas isso ocorre na designaccedilatildeo das categorias (ldquoo qualrdquo ldquotograve poicirconrdquo
etc) na designaccedilatildeo de algumas das quatro causas (lsquoo que moveu primeirorsquo lsquoo em vista de quersquo) e em outras
expressotildees lsquo(lsquoo por quecircrsquo lsquotograve diagrave tiacutersquo ou lsquotograve dioacutetirsquo) O infinitivo lsquoserrsquo eacute o mesmo que consta na expressatildeo lsquoser +
dativorsquo e que designa a essecircncia da coisa isto eacute o conjunto de propriedades e caracteriacutesticas que deveriam ser
enumeradas no enunciado que define o que a coisa eacute Trata-se do mesmo infinitivo que comparece em 1041a32
1041b28 e 1042b27 (e natildeo se trata do infinitivo que poderia eventualmente ser entendido como existencial tal
como em 1041a15) O imperfeito ldquoerardquo por sua vez consiste num resquiacutecio de um uso dialeacutetico pelo qual o
interlocutor remetia a alguma definiccedilatildeo anteriormente dada destinada a funcionar como paracircmetro para a
discussatildeo ulterior (para referecircncias quanto ao uso desse imperfeito ver nossa dissertaccedilatildeo de mestrado p 89
nota 208) A pergunta original seria lsquoo quecirc era o ser para tal coisarsquo mas isso quer apenas dizer lsquoo quecirc fora
estabelecido (anteriormente na presente discussatildeo) como ser para tal coisarsquo Com o haacutebito a expressatildeo teria
perdido o significado interrogativo que originalmente possuiacutea e teria se tornado um jargatildeo para designar a
essecircncia Em vista disso lsquoto ti en einairsquo poderia ser traduzido ou parafraseado como lsquoaquilo que fora
estabelecido como caracteriacutesticas essenciais de tal coisarsquo A lsquoanterioridade causal da formarsquo muita vez alegada
como chave para a compreensatildeo do jargatildeo eacute compatiacutevel com o significado da expressatildeo mas natildeo explica a
origem do imperfeitordquo (Angioni 2005 102) 32 ldquoAristotlersquos selection of a tool an axe to provide an analogy with the ensouled body reveals how close to the
surface in this discussion is the notion of function The substance or essence of an axe is its function without
which it would not be an axe Like the Greeks in general Aristotle had no difficulty in thinking of a natural body
as having a function too (cf Nicomachean Ethics 1097b22ff) this is part of his general teleology But as he
goes on to point out there are differences also between an axe and a natural body which spoil the analogy This
is the force of the words lsquoBut as it is an axersquo ndash the essence of a axe is not its soul since it does not have one not
being a living thingrdquo ldquoA seleccedilatildeo do Aristoacuteteles de um instrumento um machado prova um analogia com os
coporpos animados revela como o que estaacute em voga eacute a discussatildeo eacute a noccedilatildeo de funccedilatildeo A substacircncia ou
essecircncia de um machado eacute sua funccedilatildeo sem a qual ele natildeo seria um machado Assim como os Gregos
Aristoacuteteles natildeo teve dificuldades em pensar o corpo natural como tambeacutem dotado de funccedilatildeo (cf Eacutetica a
Nicocircmaco 1097b22ss) isto eacute parte da sua teleologia Mas como ele segue pontuando haacute diferenccedilas igualmente
entre um machado e um corpo natural que prejudicam a analogia Eacute o que sugerem as palavras Mas eacute como um
machadorsquo - a essecircncia do machado natildeo eacute sua alma jaacute que ele natildeo tem uma natildeo eacute um ser viventerdquo (HAMLYN
1993 85) (Trad proacutepria)
29
e isto eacute garantido pela alma A locuccedilatildeo o que era para ser como indica Gomes dos Reis33
pode ser compreendida como uma continuidade da forma do ser vivente perante o devir que
lhe eacute proacuteprio ao longo da sua vida
Com isso Aristoacuteteles traccedila suas noccedilotildees preliminares da alma em DA II 1 Haacute ao final
do capiacutetulo algo digno de nota Aristoacuteteles se refere a tudo isto como um rascunho e esboccedilo
de definiccedilatildeo34
Poderiacuteamos entender que estas proposiccedilotildees satildeo insuficientes para o projeto
psicoloacutegico aristoteacutelico E satildeo mesmo em certa medida Pois em relaccedilatildeo agrave taacutebua de
definiccedilatildeo Aristoacuteteles soacute respondeu as noccedilotildees relativas agrave substacircncia atualidade e unidade da
alma Apesar disso como argumentarei na sessatildeo seguinte todo o arcabouccedilo conceitual e
argumentativo aqui esboccedilado sustentaraacute a noccedilatildeo de alma como princiacutepio das capacidades que
denotam vida Aleacutem do mais se lembrarmos que nas primeiras linhas do capiacutetulo Aristoacuteteles
se comprometia tatildeo somente em buscar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) para a
alma eacute inegaacutevel que ele foi bem sucedido Se ao fim de DA I ele tem claro que a alma eacute
princiacutepio imoacutevel de movimento e una em DA II 1 satildeo apresentados os argumentos positivos
para estas duas teses A alma eacute de estatuto formal portanto imoacutevel e princiacutepio organizador
das propriedades do ser Enquanto forma eacute atualidade e assim o princiacutepio de atividade das
capacidades proacuteprias ao ser Enquanto substacircncia eacute o que era para ser do ser vivente e entatildeo
o princiacutepio determinante do que este ser vivente eacute E esta determinaccedilatildeo seraacute dada pela funccedilatildeo
proacutepria das suas capacidades que soacute seratildeo plenificadas com as atividades no oacutergatildeo
correspondente Este enunciado e o que se desdobra dele eacute um rascunho e esboccedilo de definiccedilatildeo
pois natildeo nos explica satisfatoriamente por que a alma eacute princiacutepio das formas especiacuteficas de
vida Aristoacuteteles reconhece isso e segundo um paracircmetro geomeacutetrico de definiccedilatildeo mudaraacute o
curso da investigaccedilatildeo sobre a alma
33 ldquoA expressatildeo to ti ecircn einai pode ser a generalizaccedilatildeo de uma construccedilatildeo com ocorrecircncias nos tratados por
exemplo to [pelekei] einai o ser [para o machado] o ser [para a carne] que seraacute traduzida por sua vez como a
locuccedilatildeo ldquoo que eacute ser para o machadordquo e assim por diante Como reconstruiacute-la eacute um assunto polecircmico Haacute um
verbo no imperfeito (a expressatildeo literalmente diz algo como o lsquoo que era a serrsquo) que poderia ser interpretado
como uma ecircnfase na continuidade da forma a despeito do devirrdquo 2012 208 34τύπῳ μὲν οὖν ταύτῃ διωρίσθω καὶ ὑπογεγράφθω περὶ ψυχῆς ldquoE isto basta como um esquema do esboccedilo de
definiccedilatildeo de almardquo DA II 1 413a10-11 (Trad Gomes dos Reis)
30
22 A DEFINICcedilAtildeO PELAS CAPACIDADES
DA II 2 se inicia com um impasse a noccedilatildeo geral oferece o gecircnero de ser da alma mas
natildeo a enuncia como causa de vida nos seres viventes Diante disso Aristoacuteteles faz uma
revisatildeo metodoloacutegica na investigaccedilatildeo de alma tomando como paradigma o exemplo de
definiccedilatildeo pela causa de um objeto geomeacutetrico
Ἐπεὶ δ ἐκ τῶν ἀσαφῶν μὲν φανερωτέρων δὲ γίνεται τὸ σαφὲς καὶ κατὰ τὸν λόγον
γνωριμώτερον πειρατέον πάλιν οὕτω γ ἐπελθεῖν περὶ αὐτῆς οὐ γὰρ μόνον τὸ ὅτι δεῖ
τὸν ὁριστικὸν λόγον δηλοῦν ὥσπερ οἱ πλεῖστοι τῶν ὅρων λέγουσιν ἀλλὰ καὶ τὴν
αἰτίαν ἐνυπάρχειν καὶ ἐμφαίνεσθαι νῦν δ ὥσπερ συμπεράσμαθ οἱ λόγοι τῶν ὅρων
εἰσίν οἷον τί ἐστιν ὁ τετραγωνισμός τὸ ἴσον ἑτερομήκει ὀρθογώνιον εἶναι
ἰσόπλευρον ὁ δὲ τοιοῦτος ὅρος λόγος τοῦ συμπεράσματος ὁ δὲ λέγων ὅτι ἐστὶν ὁ
τετραγωνισμὸς μέσης εὕρεσις τοῦ πράγματος λέγει τὸ αἴτιον
E jaacute que a partir de coisas natildeo claras embora mais manifestas advecircm clareza e maior
inteligibilidade segundo o enunciado deve-se tentar desta maneira novamente
discorrer sobre a alma pois natildeo somente eacute preciso que o enunciado definidor
esclareccedila os fatos ndash como o faz a maioria das definiccedilotildees ndash mas ainda conter e
expressar a causa Os enunciados das definiccedilotildees na verdade satildeo como conclusotildees O
que eacute por exemplo a quadratura Eacute fazer equivaler um retacircngulo equilaacutetero a um
retacircngulo qualquer Mas tal definiccedilatildeo eacute o enunciado da conclusatildeo e o que diz por sua
vez que a quadratura eacute a descoberta de uma meacutedia proporcional enuncia a causa DA
II 2 413a11-20 (Trad Gomes dos Reis)
Novamente Aristoacuteteles nos relembra a ideia de que as apreensotildees sensiacuteveis satildeo mais
manifestas (phaneroteacuteron) que as apreensotildees inteligiacuteveis As inteligiacuteveis satildeo mais claras
(sophoacutes) pois satildeo formas apreendidas com a razatildeo e menos suscetiacuteveis ao engano Ao
contraacuterio das apreensotildees sensiacuteveis que satildeo mais manifestas Muito embora os pressupostos
que permitiram deduzir o estatuto ontoloacutegico da alma no capiacutetulo anterior sejam mais claros
eles enunciam o vivente como um ser animado enquanto um fato mas natildeo enunciam a alma
como causa do viver Portanto DA II 2 se dedicaraacute a investigar a alma como causa de vida
nos seres viventes a partir do que eacute mais manifesto ao que eacute mais claro
Aristoacuteteles se utiliza de um teorema para explicar que o termo meacutedio de um silogismo
apresenta a causa de um fato Num silogismo dado uma premissa maior que enuncie o fato e
tem como outro fato a conclusatildeo a premissa menor enuncia a causa pois eacute onde se encontra o
porquecirc da conclusatildeo Responder que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois ldquoTodo homem eacute mortalrdquo natildeo
enuncia a causa da mortalidade de Soacutecrates soacute o mero fato de coincidentemente ldquoSoacutecratesrdquo e
ldquoTodo homemrdquo serem mortais Poreacutem se respondemos que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois
ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo e ldquoTodo homem eacute mortalrdquo entatildeo foi enunciado a causa da mortalidade
de Soacutecrates Em sua estrutura claacutessica a premissa maior ldquoTodo homem eacute mortalrdquo a premissa
menor ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo a conclusatildeo ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo
31
Fica a questatildeo de como este novo criteacuterio se aplica agrave definiccedilatildeo E sobre a alma o
corpo e a vida
λέγομεν οὖν ἀρχὴν λαβόντες τῆς σκέψεως διωρίσθαι τὸ ἔμψυχον τοῦ ἀψύχου τῷ
ζῆν πλεοναχῶς δὲ τοῦ ζῆν λεγομένου κἂν ἕν τι τούτων ἐνυπάρχῃ μόνον ζῆν αὐτό
φαμεν οἷον νοῦς αἴσθησις κίνησις καὶ στάσις ἡ κατὰ τόπον ἔτι κίνησις ἡ κατὰ
τροφὴν καὶ φθίσις τε καὶ αὔξησις
Retomando o princiacutepio da investigaccedilatildeo digamos entatildeo que o animado se distingue do
inanimado pelo viver E de muitos modos se diz o viver pois dizemos que algo vive
se nele subsiste pelo menos um destes ndash intelecto percepccedilatildeo sensiacutevel movimento
local e repouso e ainda o movimento segundo a nutriccedilatildeo o decaimento e o
crescimento DA II 2 413a20-24 (Trad Gomes dos Reis)
Aristoacuteteles enuncia uma premissa maior e outra menor
[premissa maior] Todo ser dotado de alma vive
[premissa menor] Viver eacute ser dotado de intelecto percepccedilatildeo nutriccedilatildeo movimento
local e repouso decaimento e crescimento
Eacute proacuteprio agrave alma atribuir vida Viver eacute ser dotado de uma das capacidades
mencionadas Assim todo corpo natural que apresente uma dessas capacidades vive35
Portanto as plantas vivem pois se nutrem crescem e decaem por si proacuteprias
διὸ καὶ τὰ φυόμενα πάντα δοκεῖ ζῆν φαίνεται γὰρ ἐν αὑτοῖς ἔχοντα δύναμιν καὶ
ἀρχὴν τοιαύτην δι ἧς αὔξησίν τε καὶ φθίσιν λαμβάνουσι κατὰ τοὺς ἐναντίους τόπους
οὐ γὰρ ἄνω μὲν αὔξεται κάτω δ οὔ ἀλλ ὁμοίως ἐπ ἄμφω καὶ πάντῃ ὅσα ἀεὶ
τρέφεταί τε καὶ ζῇ διὰ τέλους ἕως ἂν δύνηται λαμβάνειν τροφήν
Por isso parece inclusive que todas as plantas vivem pois eacute manifesto que tecircm em si
mesmas uma potecircncia e um princiacutepio deste tipo por meio do qual ganham
crescimento e decaimento segundo direccedilotildees contraacuterias pois natildeo crescem apenas para
cima e natildeo para baixo mas similarmetne em ambas e em todas as direccedilotildees e assim eacute
para as que se nutrem constantemente e vivem ateacute o fim enquanto puderem obter
alimento DA II 2 413a25-31 (Trad Gomes dos Reis)
Assim como os animais vivem jaacute que satildeo dotados de nutriccedilatildeo e percepccedilatildeo
τὸ μὲν οὖν ζῆν διὰ τὴν ἀρχὴν ταύτην ὑπάρχει τοῖς ζῶσι τὸ δὲ ζῷον διὰ τὴν αἴσθησιν
πρώτως καὶ γὰρ τὰ μὴ κινούμενα μηδ ἀλλάττοντα τόπον ἔχοντα δ αἴσθησιν ζῷα
λέγομεν καὶ οὐ ζῆν μόνον
O viver subsiste nos seres vivos por conta deste princiacutepio e o animal constitui-se
primordialmente pela percepccedilatildeo sensiacutevel Pois dizemos que satildeo animais ndash e natildeo
apenas que vivem ndash tambeacutem os que natildeo se movem nem mudam de lugar mas
possuem percepccedilatildeo DA II 2 413b1-4 (Trad Gomes dos Reis)
Com isso temos a conclusatildeo do silogismo psicoloacutegico aristoteacutelico
[conclusatildeo a] Plantas e animais satildeo animados
E desta uma outra
35 Como jaacute antecipara em DA II 1 412a11-16 citado na paacutegina 16
32
[conclusatildeo b] Plantas e animais satildeo vivos
Portanto assim como todo retacircngulo teraacute quadratura por causa da sua proporccedilatildeo com
um retacircngulo quadrilaacutetero todo corpo seraacute um ser vivente por ser dotado de alma Entretanto
uma ldquoquestatildeo de aluno bobordquo seria perguntar para Aristoacuteteles de onde vecircm essas duas
premissas Ao conectar alma e vida sem explicar esta uacuteltima poderia levar a investigaccedilatildeo
aristoteacutelica agrave obscuridade precisamente onde se deveria ter mais clareza Entatildeo para que
Aristoacuteteles garanta a alma como causa da vida mortal ele endossaria os pressupostos dos seus
predecessores e portanto distinguiria o animado do inanimado pelo movimento e pela
percepccedilatildeo36
Polansky apesar disso natildeo esclarece afinal quais os argumentos que sustentam
a associaccedilatildeo entre alma e vida Se limitando apenas agraves implicaccedilotildees argumentativas desse
pressuposto
Contudo se assumirmos que Aristoacuteteles endossa a tese de seus predecessores segundo
a qual o animado se distingue do inanimado pelo movimento e percepccedilatildeo37
e que a nutriccedilatildeo eacute
a capacidade mais baacutesica entre os seres animados38
e por fim que a nutriccedilatildeo e a percepccedilatildeo
satildeo uma forma de movimento39
somos levados a crer que o argumento consiste em
[P1] viver eacute ao menos nutriccedilatildeo crescimento e decaimento
[P2] nutriccedilatildeo crescimento e decaimento satildeo um tipo de movimento (do tipo por si)
[P3] tudo o que se move por si eacute animado
[P4] a alma eacute um princiacutepio imoacutevel de movimento
[C1] logo tudo o que vive eacute animado
36 Cf Nota seguinte 37 τὸ ἔμψυχον δὴ τοῦ ἀψύχου δυσὶ μάλιστα διαφέρειν δοκεῖ κινήσει τε καὶ τῷ αἰσθάνεσθαι παρειλήφαμεν δὲ
καὶ παρὰ τῶν προγενεστέρων σχεδὸν δύο ταῦτα περὶ ψυχῆς ldquoOra haacute a opiniatildeo de que o animado difere do
inanimado em dois aspectos o movimento e a percepccedilatildeo sensiacutevel E em relaccedilatildeo agrave alma satildeo mais ou menos
esses dois que recebemos de nossos predecessoresrdquo DA I 1 403b25-28 (Trad Gomes dos Reis) 38 ὥστε πρῶτον περὶ τροφῆς καὶ γεννήσεως λεκτέον ἡ γὰρ θρεπτικὴ ψυχὴ καὶ τοῖς ἄλλοις ὑπάρχει καὶ πρώτη
καὶ κοινοτάτη δύναμίς ἐστι ψυχῆς καθ ἣν ὑπάρχει τὸ ζῆν ἅπασιν ldquoPor conseguinte deve-se primeiro tratar do
alimento e da geraccedilatildeo pois a alma nutritiva subsiste tambeacutem com as outras sendo a primeira e a mais comum
potecircncia da alma segundo a qual subsiste em todos o viverrdquo DA II 4 415A22-25 (Trad Gomes dos Reis) 39 ἔστι δὲ καὶ ἀλλοίωσις καὶ αὔξησις κατὰ ψυχήν ἡ μὲν γὰρ αἴσθησις ἀλλοίωσίς τις εἶναι δοκεῖ αἰσθάνεται δ
οὐθὲν ὃ μὴ μετέχει ψυχῆς ὁμοίως δὲ καὶ περὶ αὐξήσεώς τε καὶ φθίσεως ἔχει οὐδὲν γὰρ φθίνει οὐδ αὔξεται
φυσικῶς μὴ τρεφόμενον τρέφεται δ οὐθὲν ὃ μὴ κοινωνεῖ ζωῆς ldquoMas inclusive a alteraccedilatildeo e o crecimento
existem segundo a alma pois haacute a opiniatildeo de que a percepccedilatildeo sensiacutevel eacute uma certa alteraccedilatildeo e aquele que natildeo
participa da alma nada percebe de maneira similar ocorre tambeacutem em relaccedilatildeo ao crescimento e decaimento pois
nem decai nem cresce naturalmente aquele que natildeo eacute nutrido e nada que natildeo compartilhe da vida se nutrerdquo DA
II 4 415b23-28 (Trad Gomes dos Reis)
E mais adiante enunciando a percepccedilatildeo Aristoacuteteles eacute categoacuterico ἡ δ αἴσθησις ἐν τῷ κινεῖσθαί τε καὶ πάσχειν
συμβαίνει καθάπερ εἴρηται δοκεῖ γὰρ ἀλλοίωσίς τις εἶναι ldquoA percepccedilatildeo sensiacutevel consiste em ser movido e ser
afetado como dissemos pois haacute a opiniatildeo de que ela eacute uma certa alteraccedilatildeordquo DA II 4 416b35-36 (Trad Gomes
dos Reis)
33
Note que [P1] e [P2] seriam premissas autoevidentes Em [P3] Aristoacuteteles partiria
dos mesmos pressupostos que as endoxai de seus predecessores enquanto [P4] resultaria da
anaacutelise criacutetica dessas endoxai ao longo de DA I 3-5 Aristoacuteteles natildeo nos elucida claramente de
onde ele tira as evidecircncias de [P1] e [P2] ou seja por que essas capacidades tais satildeo
movimentos por si e portanto denotam vida Quanto a [P3] Fiacutes VIII40
nos indica que esta eacute
uma tese que Aristoacuteteles abraccedila mas tambeacutem sem explicar suas razotildees O mais plausiacutevel
parece ser que este eacute um fenocircmeno autoevidente amplamente aceito que dispense justificaccedilatildeo
Diferentemente eacute o caso de [P4] cuja justificativa pode se sustentar na criacutetica aristoteacutelica agraves
noccedilotildees democritianas de que a alma eacute um princiacutepio de movimento que se move em DA I 3
corroborada pela noccedilatildeo de alma enunciada em DA II 1 segundo a qual a alma eacute forma logo
atualidade e portanto princiacutepio de determinaccedilatildeo das funccedilotildees proacuteprias ao ser vivente
Olhando por essas lacunas que o argumento aristoteacutelico conteacutem sua tentativa de
enunciar a alma como causa de vida parece fragilizada Entretanto fato eacute que a vida eacute
explicada pela alma no contexto do pensamento helecircnico Entatildeo conceder a Aristoacuteteles este
pressuposto parece um miacutenimo que o leitor contemporacircneo precise fazer Aleacutem disso vale
lembrar que em Met Z 17 Aristoacuteteles defende ser ldquonecessaacuterio que o dado e a existecircncia da
coisa sejam previamente conhecidosrdquo41
e que portanto o que se investiga eacute ldquopor que alguma
coisa pertence a outrardquo42
Deste modo cabem aqui questotildees como ldquopor que os corpos
vivemrdquo ou ainda ldquopor que se atribui vida a corpos dotados de capacidades taisrdquo E natildeo ldquopor
que o animado se diferencia do inanimado pelo viverrdquo como o formulado no iniacutecio desta
digressatildeo Talvez a fragilidade aparente se decirc pois aqui se toque as Colunas de Heacutercules da
psicologia aristoteacutelica
Retomando a braccedilada dos remos se a tese de que a vida se manifesta pela capacidade
de movimento eacute confirmada quando Aristoacuteteles enuncia uma nova noccedilatildeo de alma como
40 οὐδεμιᾶς γὰρ ἐν ἡμῖν ἐνούσης κινήσεως ἐνίοτε ἀλλ ἡσυχάζοντες ὅμως κινούμεθά ποτε καὶ ἐγγίγνεται ἐν ἡμῖν
ἐξ ἡμῶν αὐτῶν ἀρχὴ κινήσεως κἂν μηθὲν ἔξωθεν κινήσῃ τοῦτο γὰρ ἐπὶ τῶν ἀψύχων οὐχ ὁρῶμεν ὁμοίως ἀλλ
ἀεὶ κινεῖ τι αὐτὰ τῶν ἔξωθεν ἕτερον τὸ δὲ ζῷον αὐτό φαμεν ἑαυτὸ κινεῖν ldquoPor vezes acontece que natildeo haja
movimento em noacutes [entes animados] e que de nosso repouso noacutes sejamos postos em movimento e agraves vezes o
princiacutepio do movimento surge em noacutes e de noacutes sem que nada de outro nos mova de fora Natildeo vemos nada
parecido no caso dos seres inanimados pois eles sempre satildeo movidos por algo outro que reside fora deles Dos
animais noacutes dizemos que eles movem a si mesmosrdquo Fiacutes VIII 2 252b18-23 (Trad Daniel Nascimento)
ὁρῶμεν δὲ καὶ φανερῶς ὄντα τοιαῦτα ἃ κινεῖ αὐτὰ ἑαυτά οἷον τὸ τῶν ἐμψύχων καὶ τὸ τῶν ζῴων γένος ταῦτα δὲ
καὶ δόξαν παρεῖχε μή ποτε ἐνδέχεται κίνησιν ἐγγίγνεσθαι μὴ οὖσαν ὅλως διὰ τὸ ἐν τούτοις ὁρᾶν ἡμᾶς τοῦτο
συμβαῖνον (ἀκίνητα γάρ ποτε ὄντα κινεῖται πάλιν ὡς δοκεῖ) ldquoVemos claramente que existem coisas que se
movem a si mesmas como por exemplo os entes animados e o gecircnero dos animais e por causa disso pensamos
que pode ser possiacutevel que o movimento seja gerado sem que antes tenha existido de qualquer forma pois noacutes
vemos isso acontecer com eles (estarem imoacuteveis em determinado momento e moverem-se novamanete tal como
parece)rdquo Fis VIII 6 259b1-6 (Trad Daniel Nascimento) 41 δεῖ γὰρ τὸ ὅτι καὶ τὸ εἶναι ὑπάρχειν δῆλα ὄντα Met 17 1041a15 42ἄλλο γὰρ οὕτω κατ ἄλλου ἐστὶ τὸ ζητούμενον Met 17 1041a25-26
34
conclusatildeo do raciociacutenio iniciado em DA II 2 temos esta nova formulaccedilatildeo segundo as
capacidades que denotam o viver
νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον εἰρήσθω μόνον ὅτι ἐστὶν ἡ ψυχὴ τῶν εἰρημένων τούτων ἀρχὴ καὶ
τούτοις ὥρισται θρεπτικῷ αἰσθητικῷ διανοητικῷ κινήσει
Por ora eacute suficiente dizer apenas isto que a alma eacute princiacutepio das capacidades
mencionadas ndash nutritiva perceptiva raciocinativa e de movimento ndash e que por elas eacute
definida DA II 2 413b11-13 (Trad Gomes dos Reis)
Esta noccedilatildeo eclode como corolaacuterio da argumentaccedilatildeo anterior Com ela Aristoacuteteles
conquista um importante ponto do seu projeto psicoloacutegico a saber que a noccedilatildeo de alma
explique as distintas formas de vida atraveacutes das capacidades Isto levaraacute a uma gama de
comentadores contemporacircneos a valorizarem esta definiccedilatildeo em detrimento da definiccedilatildeo pela
substacircncia apresentada em DA II 1 Os que assim interpretam43
reduzem a definiccedilatildeo de alma
agrave noccedilatildeo de princiacutepio das funccedilotildees que denotam vida Esta interpretaccedilatildeo natildeo eacute totalmente
equivocada na medida em que textualmente Aristoacuteteles afirma isto Poreacutem ela eacute imprecisa
pois ignora o estatuto ontoloacutegico da alma Como vimos na seccedilatildeo anterior a alma eacute substacircncia
como forma (tegraves psycheacutes ousiacutean eicircnai hocircs eicircdos) do corpo e portanto seu princiacutepio
organizador que lhe confere o viver E enquanto forma do corpo a alma eacute sua atualidade
primeira (enteleacutekheia proteacute) Ou seja princiacutepio formal o qual o corpo se desenvolve em vista
do viver Pois a alma de um lado traz em si as disposiccedilotildees (heacutexeis) necessaacuterias agrave vida e
determina o que este corpo orgacircnico era para ser (tograve tiacute ecircn eicircnai) mediante suas funccedilotildees (eacuterga)
e atividades (eneacutergeiai) de viver Essas funccedilotildees satildeo as capacidades (dynaacutemeis) que
caracterizam os tipos de vida nos seres seu modo proacuteprio de viver Sendo assim a capacidade
nutritiva eacute proacutepria agrave vida vegetativa a perceptiva proacutepria agrave animal e a intelectiva agrave humana
Como se vecirc a definiccedilatildeo pelas capacidades tem sua origem e fundamento na definiccedilatildeo
pela forma Por outro lado esta soacute ganha capilaridade na definiccedilatildeo pela capacidade jaacute que sua
noccedilatildeo geral natildeo define a alma como causa de cada tipo de vida nem princiacutepio das
capacidades proacuteprias ao viver Deste modo uma interpretaccedilatildeo da noccedilatildeo aristoteacutelica de alma
que ignore como ambas noccedilotildees se sustentam mutuamente eacute parcial e suscetiacutevel de engendrar
mais problema que o proacuteprio texto jaacute apresenta
Com isso concluiacutemos De Anima II 2 compreendendo que a alma eacute causa de vida jaacute
que eacute princiacutepio das atividades proacuteprias ao viver Diante da noccedilatildeo geral e como ela se
particulariza nas distintas capacidades resta ainda observar um uacuteltimo ponto que Aristoacuteteles
43Putman (1975) Ackrill (1975-6) Bolton (1978) Nussbaum (1978) Everson (1995) CodeampMoravicsik
(1992) Para uma noccedilatildeo geral das diversas correntes de interpretaccedilatildeo da psicologia aristoteacutelica no seio das
discussotildees de filosofia da mente ver Diamond (2015) Caston (2006) e Irwin (1991)
35
trabalharaacute no capiacutetulo seguinte a saber a disposiccedilatildeo seriada hierarquicamente das diversas
formas de vida
23 A DEFINICcedilAtildeO SERIADA
A tese geral de que a alma eacute forma do corpo sofre uma nova reavaliaccedilatildeo em DA II 3
Como se veraacute adiante Aristoacuteteles surpreendentemente declara que toda busca por um
enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) de alma eacute ridiacuteculo (geloicircon) jaacute que esta noccedilatildeo natildeo
permite a compreensatildeo de que as diversas espeacutecies de vida (vegetativa animal e humana) satildeo
dispostas em uma seacuterie ordenada e hierarquizada de acordo com sua capacidade especiacutefica
Como a leitura das formas de vida dispostas em uma seacuterie ordenada eacute um problema que
precisa ser respondido por quem quer que se debruce sobre a noccedilatildeo aristoteacutelica de alma esta
seccedilatildeo argumentaraacute como a noccedilatildeo de almas seriadas natildeo invalida a noccedilatildeo formal de alma
enunciada em DA II 1
DA II 3 poderia ser tematicamente dividido em duas partes Numa primeira de
414ordf29-414b20 Aristoacuteteles dispotildee a hierarquia das capacidades que denotam vida Se em DA
II 2 ele enunciou as capacidades aqui se argumenta como uma estaacute em relaccedilatildeo de
anterioridade agrave outra e portanto disposta hierarquicamente de modo coextensivo agraves formas
de vida Assim se o movimento segundo nutriccedilatildeo crescimento e decaimento seraacute proacuteprio a
uma forma de vida a vegetativa a adiccedilatildeo da capacidade perceptiva seraacute proacutepria agrave vida
vegetativa e animal Agrave medida que se adicione outras capacidades como o intelecto abrange-
se a vida humana44
Esta hierarquizaccedilatildeo suplementar das capacidades a seu enunciado permite
que Aristoacuteteles encampe a tese de que os tipos de vida satildeo dispostos em seacuteries ordenadas
avanccedilando para a segunda parte do capiacutetulo
δῆλον οὖν ὅτι τὸν αὐτὸν τρόπον εἷς ἂν εἴη λόγος ψυχῆς τε καὶ σχήματος οὔτε γὰρ
ἐκεῖ σχῆμα παρὰ τὸ τρίγωνον ἔστι καὶ τὰ ἐφεξῆς οὔτ ἐνταῦθα ψυχὴ παρὰ τὰς
εἰρημένας γένοιτο δ ἂν καὶ ἐπὶ τῶν σχημάτων λόγος κοινός ὃς ἐφαρμόσει μὲν
πᾶσιν ἴδιος δ οὐδενὸς ἔσται σχήματος ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ ταῖς εἰρημέναις ψυχαῖς διὸ
γελοῖον ζητεῖν τὸν κοινὸν λόγον καὶ ἐπὶ τούτων καὶ ἐφ ἑτέρων ὃς οὐδενὸς ἔσται τῶν
ὄντων ἴδιος λόγος οὐδὲ κατὰ τὸ οἰκεῖον καὶ ἄτομον εἶδος ἀφέντας τὸν τοιοῦτον
(παραπλησίως δ ἔχει τῷ περὶ τῶν σχημάτων καὶ τὰ κατὰ ψυχήν ἀεὶ γὰρ ἐν τῷ ἐφεξῆς
44 Τῶν δὲ δυνάμεων τῆς ψυχῆς αἱ λεχθεῖσαι τοῖς μὲν ὑπάρχουσι πᾶσαι καθάπερ εἴπομεν τοῖς δὲ τινὲς αὐτῶν
ἐνίοις δὲ μία μόνη διασαφητέον δὲ περὶ αὐτῶν ὕστερον νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον () εἰρήσθω ὅτι τῶν ζώντων τοῖς
ἔχουσιν ἁφὴν καὶ ὄρεξις ὑπάρχει περὶ δὲ φαντασίας ἄδηλον ὕστερον δ ἐπισκεπτέον ἐνίοις δὲ πρὸς τούτοις
ὑπάρχει καὶ τὸ κατὰ τόπον κινητικόν ἑτέροις δὲ καὶ τὸ διανοητικόν τε καὶ νοῦς οἷον ἀνθρώποις καὶ εἴ τι
τοιοῦτον ἕτερον ἔστιν ἢ τιμιώτερον ldquoDentre as potecircncias da alma como dissemos todas as mencionadas
subsitem em alguns seres em outros soacute algumas delas e em alguns apenas uma E mencionamos como
potecircncias a nutritiva a perceptiva a desiderativa a locomotiva e a raciocinativa Ora nas plantas subsiste
somente a nutritiva mas em outros seres tanto esta como a perceptiva () Por ora eacute suficiente dizer isto que
entre os seres vivos que possuem tato tambeacutem subsiste desejo No que se refere agrave imaginaccedilatildeo natildeo estaacute claro e
devemos examinaacute-la posteriormente Em alguns seres vivos aleacutem disso subsiste tambeacutem a capacidade de se
locomover e em outros ainda a de raciocinar e o intelecto ndash por exemplo nos homens e em algum outro se
houver de tal qualidade ou mais valiosordquo DA II 3 414a29-414b20 (Trad Gomes dos Reis)
36
ὑπάρχει δυνάμει τὸ πρότερον ἐπί τε τῶν σχημάτων καὶ ἐπὶ τῶν ἐμψύχων οἷον ἐν
τετραγώνῳ μὲν τρίγωνον ἐν αἰσθητικῷ δὲ τὸ θρεπτικόν) ὥστε καθ ἕκαστον
ζητητέον τίς ἑκάστου ψυχή οἷον τίς φυτοῦ καὶ τίς ἀνθρώπου ἢ θηρίου διὰ τίνα δ
αἰτίαν τῷ ἐφεξῆς οὕτως ἔχουσι σκεπτέον ἄνευ μὲν γὰρ τοῦ θρεπτικοῦ τὸ αἰσθητικὸν
οὐκ ἔστιν τοῦ δ αἰσθητικοῦ χωρίζεται τὸ θρεπτικὸν ἐν τοῖς φυτοῖς
Eacute claro que poderia da mesma maneira haver entatildeo um enunciado uacutenico tanto de
figura como de alma Pois nem no primeiro caso existe figura aleacutem do triacircngulo e
daquelas que o sucedem nem neste caso existe alma aleacutem das mencionadas A
respeito das figuras tambeacutem eacute possiacutevel formular um enunciado comum que se aplique
a todas sem ser proacuteprio a nenhuma e o mesmo ocorre com as almas mencionadas Por
isso tanto neste como em outros casos eacute ridiacuteculo procurar um enunciado comum ndash
pois a nenhum dos seres seraacute um enunciado proacuteprio nem estaraacute de acordo com a
forma apropriada e indivisiacutevel ndash deixando-se de lado o enunciado deste tipo (E as
coisas concernentes agrave alma estatildeo em situaccedilatildeo parecida agravequela das figuras pois tanto
no caso das figuras como no caso dos seres animados o anterior sempre subsiste
naquilo que o sucede por exemplo o triacircngulo no quadrado o poder de nutrir-se no
de perceber) Assim deve ser investigado de acordo com cada caso o que eacute a alma
de cada um ndash por exemplo o que eacute a alma da planta do homem ou da besta E deve
ser examinado a causa de ser disposto assim em sucessatildeo Pois sem a nutritiva natildeo
existe a capacidade perceptiva embora nas plantas a nutritiva exista separada da
perceptiva DA II 3 414b20-415a6 (Trad Gomes dos Reis)
A analogia entre figura do triacircngulo e a alma vegetativa permite esclarecer qual a
relaccedilatildeo de sucessatildeo entre uma capacidade e outra O triacircngulo eacute a figura geomeacutetrica plana
mais baacutesica de todas A composiccedilatildeo de dois triacircngulos forma um quadrilaacutetero A composiccedilatildeo
de trecircs triacircngulos forma um pentaacutegono e assim sucessivamente Ou seja da mesma maneira
que o triacircngulo subsiste em potecircncia no quadrilaacutetero e este no pentaacutegono a nutriccedilatildeo subsiste
em potecircncia na percepccedilatildeo e esta no intelecto Portanto se a capacidade nutritiva eacute proacutepria agrave
vida vegetativa a perceptiva agrave animal e a intelectiva agrave humana entatildeo igualmente a vida
vegetativa subsiste na animal e a animal na humana Sendo assim da mesma maneira que se
faz necessaacuteria uma definiccedilatildeo proacutepria ao triacircngulo ao quadrilaacutetero e ao pentaacutegono deve-se
buscar um enunciado proacuteprio a cada uma dessas formas de vida para que se sustente como a
alma eacute princiacutepio de cada tipo de vida e natildeo somente da vida em geral Pois um enunciado que
decirc a noccedilatildeo da alma que cubra todas as formas de vida mas que natildeo toque particularmente em
uma natildeo cumpre seu fim argumentativo que eacute explicar a razatildeo da alma ser causa de vida no
ser vivente como se segue
ὅτι μὲν οὖν ὁ περὶ τούτων ἑκάστου λόγος οὗτος οἰκειότατος καὶ περὶ ψυχῆς δῆλον
Eacute claro entatildeo que o enunciado de cada uma destas capacidades eacute tambeacutem o mais
apropriado a respeito da alma DA II 3 415a13-14 (Trad Gomes dos Reis)
Levando-se em conta que Aristoacuteteles se dedicaraacute em todo o restante do De Anima
investigando cada uma das capacidades e seus desdobramentos para uma noccedilatildeo de alma
37
podemos ser levados a crer que Aristoacuteteles elege este como o melhor criteacuterio para uma
definiccedilatildeo de alma
Haacute portanto um grande problema a ser encarado aqui que consiste na resposta a uma
das questotildees elencadas em DA I 145
a saber se eacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma enquanto
tal ou uma para cada tipo de ser vivente Pelo caminho que segue a discussatildeo tende-se a uma
resposta de que seraacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma para cada forma de vida Entretanto
Aristoacuteteles jaacute problematizara se mesmo que haja uma noccedilatildeo uacutenica para catildees cavalos e
homens a de animal esta noccedilatildeo uacutenica eacute universal posterior anterior ou nada em relaccedilatildeo aos
itens
Seguindo o texto de DA II 3 a nutriccedilatildeo eacute a capacidade sobre a qual se erguem todas as
outras ateacute a capacidade de pensamento Dado que um corpo eacute dotado de nutriccedilatildeo e portanto
vivente por causa da alma e a seu turno dado que a alma eacute forma e atualidade primeira do
corpo e portanto princiacutepio organizador das capacidades que denotam o viver novamente a
definiccedilatildeo pela forma sustenta ontologicamente a definiccedilatildeo pelas capacidades e por
concomitacircncia a definiccedilatildeo seriada
Assim a criacutetica que Aristoacuteteles faz agrave noccedilatildeo mais geral de alma enunciada em DA II 1
natildeo eacute razatildeo suficiente para seu descarte no seu projeto psicoloacutegico Com efeito se a noccedilatildeo de
alma como forma eacute insuficiente para explicar por que a alma eacute princiacutepio de vida em cada tipo
de ser vivente como sustentado ao iniacutecio de DA II 2-3 ela eacute justamente a noccedilatildeo ontoloacutegica
para que responde pela sua atualidade e determinaccedilatildeo das propriedades relevantes do ser deste
corpo dotado de oacutergatildeos Assim se as noccedilotildees de alma como forma e princiacutepio das capacidades
satildeo intercambiantes como argumentei anteriormente e se a definiccedilatildeo estaacute diretamente
atrelada agrave hierarquia dessas capacidades entatildeo a proacutepria noccedilatildeo de alma seriada depende
logicamente da noccedilatildeo de alma como forma Sendo assim o enunciado geral eacute redimensionado
em DA II 3 pela disposiccedilatildeo seriada da alma a um princiacutepio loacutegico-ontoloacutegico mediante o qual
esta ciecircncia comum a muitas coisas pode se realizar
45 εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον
ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν
ἄλλο κατηγοροῖτο Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma uacutenica
definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a de cavalo catildeo homem
divindade sendo neste caso o animal considerado universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo
ocorrendo para qualquer outro atributo comum que for predicadordquo DA I 1 402b4-9 (Trad Gomes dos Reis)
38
3 CONCLUSAtildeO
Como se apresentou nesta monografia Aristoacuteteles enuncia sua noccedilatildeo de alma em
momentos distintos Um primeiro a partir da discussatildeo com as teses predecessoras Nela o
que se conquista eacute que a alma eacute imoacutevel e origem de movimento nos seres viventes Depois
atraveacutes de um enunciado geral para os diversos tipos de vida que a define como forma do
corpo Um terceiro que enuncia a alma como causa de vida e a define como princiacutepio das
capacidades que denotam o viver E por fim um quarto enunciado que a apresenta como
disposta em seacuterie ordenada segundo suas capacidades Na medida que o enunciado geral se
mostra insuficiente para o projeto psicoloacutegico traccedilado e as outras definiccedilotildees parecem melhor
corresponder a este objetivo a unidade enunciativa entre as diversas definiccedilotildees aparenta ser
vulneraacutevel Natildeo por menos como foi abordado ao longo deste texto tende-se a salientar uma
das definiccedilotildees e desconsiderar a outra Esta natildeo parece ser a interpretaccedilatildeo que melhor
compreenda a psicologia aristoteacutelica Como argumentado observar a definiccedilatildeo pelas
capacidades sem a definiccedilatildeo pela forma esvazia ontologicamente a noccedilatildeo de que a alma eacute
princiacutepio de vida A alma como forma do corpo eacute o enunciado mediante o qual a garante
como atualidade primeira e portanto princiacutepio das caracteriacutesticas e funccedilotildees proacuteprias ao ser
vivente Por outro lado como o proacuteprio Aristoacuteteles enuncia a definiccedilatildeo pela forma daacute uma
noccedilatildeo que abarca todas as formas de vida mas natildeo enuncia a alma como causa do viver nem
que as diversas almas satildeo dispostas em seacuterie ordenada Satildeo nestes dois pontos que a definiccedilatildeo
pela capacidade se torna igualmente relevante para o projeto psicoloacutegico aristoteacutelico Sem ela
seriam inviaacuteveis todos os outros capiacutetulos nos quais Aristoacuteteles enuncia discorre e formula a
atividade das capacidades proacuteprias ao ser vivo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo imaginaccedilatildeo intelecto e
movimento segundo deslocamento Por estas razotildees uma interpretaccedilatildeo que conjugue as duas
definiccedilotildees no interior do projeto psicoloacutegico aristoteacutelico parece ser a que contemple melhor o
horizonte teoacuterico que a investigaccedilatildeo erige
Haacute um alguns aspectos que esta monografia deixa pelo caminho Na seccedilatildeo 1 Taacutebua de
Definiccedilatildeo foram elencados os diversos elementos de definiccedilatildeo da alma e como se faria a
inquiriccedilatildeo O primeiro grupo foi respondido ao longo da seccedilatildeo 2 A Noccedilatildeo de Alma mas o
segundo natildeo O segundo grupo de elementos da taacutebua seraacute dissertado por Aristoacuteteles nos
capiacutetulos posteriores ao DA II 3 quando ele se debruccedila sobre cada uma das capacidades
Como esta monografia pretende abordar apenas as definiccedilotildees sem dar interpretaccedilatildeo total do
tratado entatildeo soacute pode responder parte da taacutebua das definiccedilotildees Aleacutem disso a interpretaccedilatildeo das
definiccedilotildees de um modo consistente precisaria ser verificada na sua aplicaccedilatildeo sobre o restante
39
do tratado Em outras palavras eacute preciso verificar se esta interpretaccedilatildeo dificulta ou facilita a
interpretaccedilatildeo das outras teses da psicologia aristoteacutelica por exemplo a tese da percepccedilatildeo que eacute
definida como a recepccedilatildeo das formas sem mateacuteria Nas interpretaccedilotildees de Polanski e Diamond
comentadores paradigmaacuteticos para a abordagem adotada a coordenaccedilatildeo dos enunciados
definitoacuterios daacute conta das diversas formulaccedilotildees de capacidades e suas funcionalidades ao longo
do tratado Fico devendo portanto explicitar como a posiccedilatildeo que assumo se aplica nas
diversas capacidades enunciadas pelo Aristoacuteteles
Com isso conclui-se este trabalho com a compreensatildeo que ele eacute limitado Haacute nele
problemas proacuteprios agrave interpretaccedilatildeo de um texto conciso e arrojado como eacute o De Anima
Ainda assim espera-se que os erros ou imprecisotildees eventuais natildeo comprometam seu escopo
exegeacutetico Espera-se tambeacutem que esta monografia possa se converter em trabalhos futuros que
fomente a discussatildeo relativa ao De Anima no contexto filosoacutefico brasileiro Da mesma forma
que ela foi provocada pela traduccedilatildeo e comentaacuterios da Professora Doutora Maria Ceciacutelia
Gomes dos Reis Se este trabalho for bem sucedido nessas pretensotildees jaacute teraacute cumprido sua
funccedilatildeo
40
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RESUMO
Esta monografia trata da noccedilatildeo de alma que Aristoacuteteles desenvolve ao longo do De Anima II
1-3 Em DA II 1 Aristoacuteteles enuncia uma definiccedilatildeo geral de alma como forma do corpo
Nessa definiccedilatildeo pela forma seu objetivo eacute formular uma noccedilatildeo dos vaacuterios tipos de alma (a
vegetativa a animal e a humana) Poreacutem ela natildeo enuncia a alma como causa de vida nos
seres viventes Diante disso eacute enunciado em DA II 2 a definiccedilatildeo pelas capacidades na qual a
alma eacute princiacutepio das capacidades que denotam o viver Nela as capacidades determinam os
diversos tipos de vida a vida vegetativa que decorre da nutriccedilatildeo a animal da percepccedilatildeo e a
humana da razatildeo Com isso em DA II 3 Aristoacuteteles enuncia a definiccedilatildeo seriada na qual os
tipos de alma se dispotildeem em seacuteries ordenadas hierarquizadas em que a anterior subsiste na
posterior em potecircncia mas natildeo o contraacuterio Como se vecirc haacute um conflito entre a primeira e as
outras duas definiccedilotildees pois a definiccedilatildeo pela forma eacute uma noccedilatildeo geral que nem enuncia a alma
como causa de vida nem sua disposiccedilatildeo seriada Assim enquanto os comentaacuterios de Putman
Ackrill Bolton Nussbaum Everson CodeampMoravicsik interpretam a definiccedilatildeo pelas
capacidades como a noccedilatildeo aristoteacutelica de alma em detrimento da definiccedilatildeo pela forma
Polansky e Diamond enxergam unidade teoacuterica e argumentativa entre as trecircs A hipoacutetese
sustentada nesta monografia se alinha com o segundo grupo argumentando que a definiccedilatildeo
pela forma eacute insuficiente para enunciar os tipos especiacuteficos de vida e sua disposiccedilatildeo seriada
poreacutem eacute a fundamentaccedilatildeo ontoloacutegica das outras duas definiccedilotildees
Palavras Chave Aristoacuteteles Alma Definccedilatildeo Forma Capacidades
Lista de Abreviaturas das Obras de Aristoacuteteles Utilizadas
Cat ndash Categorias
DA ndash De Anima
Fiacutes ndash Fiacutesica
Met ndash Metafiacutesica
Sumaacuterio
Apresentaccedilatildeo 11
1 A taacutebua de definiccedilatildeo 13
2 A noccedilatildeo de alma em Aristoacuteteles 19
21 Definiccedilatildeo pela Forma 19
22 Definiccedilatildeo pelas Capacidade 29
23 Definiccedilatildeo Seriada 34
3 Conclusatildeo 37
4 Bibliografia 39
i
12
APRESENTACcedilAtildeO
O De Anima eacute o tratado no qual Aristoacuteteles investiga a natureza da alma e como ela eacute
causa de vida nos seres viventes Para esse fim Aristoacuteteles discute com aqueles que trataram
do assunto antes dele enuncia a sua proacutepria noccedilatildeo de alma e por fim como esta noccedilatildeo
explica cada uma das capacidades que denotam o viver Para dar conta deste projeto
psicoloacutegico Aristoacuteteles elabora sua noccedilatildeo em trecircs grandes momentos O primeiro em De
Anima I 2-5 Aristoacuteteles levanta as endoacutexai dos seus predecessores discutindo a validade de
suas teses e apontando o que considera inconsistente Como resultado disso Aristoacuteteles
sustenta que a alma eacute um princiacutepio imoacutevel de movimento nos seres viventes e uma unidade
Mas eacute soacute no segundo momento em DA II 1-3 que Aristoacuteteles enuncia em seus proacuteprios
termos o que considera ser a alma Por fim num terceiro momento a partir de DA II 4
Aristoacuteteles teoriza sobre cada uma das capacidades da alma
Nesta monografia proponho me debruccedilar sobre a noccedilatildeo de alma presente no DA II 1-
3 Como veremos em DA I 1 satildeo elencadas as aporias proacuteprias agrave investigaccedilatildeo e definiccedilatildeo da
alma A partir daiacute Aristoacuteteles apresenta gradualmente a sua proacutepria noccedilatildeo de alma ao longo
do De Anima Especificamente em DA II 1 e 2 satildeo enunciadas duas definiccedilotildees uma definiccedilatildeo
pela forma e outra pela capacidade A primeira caracteriza a alma como forma do corpo
enquanto a segunda atribui agrave alma o princiacutepio das capacidades que denotam vida Enquanto a
definiccedilatildeo pela forma nos oferece uma noccedilatildeo geral que enuncia o gecircnero de ser da alma a
definiccedilatildeo pela capacidade explica como a alma eacute princiacutepio de vida Entretanto haacute um terceiro
enunciado em DA II 3 que parece eliminar a validade da definiccedilatildeo pela forma e validar apenas
a definiccedilatildeo pela capacidade Trata-se da definiccedilatildeo seriada segundo a qual haacute diversos tipos de
alma que se dispotildeem em uma seacuterie hierarquicamente ordenada na qual a anterior subsiste na
posterior mas natildeo o contraacuterio Aristoacuteteles declara que a definiccedilatildeo pela forma enquanto uma
noccedilatildeo geral de alma eacute absurda Pois ela natildeo explica os tipos de alma e a causa de se disporem
em sucessatildeo Isto levou uma seacuterie de comentadores a compreenderem a definiccedilatildeo pela
capacidade como a noccedilatildeo aniacutemica de Aristoacuteteles jaacute que ela enunciaria os tipos de alma em
disposiccedilatildeo seriada
Diante disso argumento que a definiccedilatildeo pela forma eacute tatildeo relevante para a noccedilatildeo de
alma quanto a noccedilatildeo pela capacidade Como se veraacute na seccedilatildeo 2a) a definiccedilatildeo pela forma faz
da alma a atualidade primeira do corpo e princiacutepio de determinaccedilatildeo das funccedilotildees vitais Como
consequecircncia do seu caraacuteter atual a alma eacute aquilo a partir do qual as capacidades se dispotildeem
no corpo Ao entrarem em atividade atraveacutes dos oacutergatildeos do corpo elas se atualizam Neste
13
sentido tanto a definiccedilatildeo pela forma quanto a definiccedilatildeo pela capacidade satildeo mutuamente
necessaacuterias para uma noccedilatildeo de alma que atenda ao projeto psicoloacutegico aristoteacutelico
Para tanto apresento na primeira seccedilatildeo o horizonte conceitual e teoacuterico mediante o
qual Aristoacuteteles investiga a alma Atraveacutes das vaacuterias aporiacuteai elencadas em DA I 1 se delimita
tanto o fim que a investigaccedilatildeo persegue quanto a seus limites conceituais de teorizaccedilatildeo Em
seguida trato das endoxai presentes em DA I 2-5 como recurso metodoloacutegico para se extrair
das teses predecessoras algumas noccedilotildees miacutenimas sobre a alma Na seccedilatildeo seguinte abordo as
trecircs noccedilotildees jaacute apresentadas acima Como se veraacute ao iniacutecio de DA I 1 e 2 Aristoacuteteles ainda faz
duas revisotildees metodoloacutegicas deixando bem claro qual aspecto da investigaccedilatildeo se objetiva
tratar Especificamente em 2a) sobre DA II 1 remonto o argumento que resulta na definiccedilatildeo
pela forma comentando qual sua implicaccedilatildeo ontoloacutegica para a alma e como ela se desdobra
nas noccedilotildees aniacutemicas de atualidade primeira e princiacutepio de determinaccedilatildeo Em seguida
apresento a definiccedilatildeo pelas capacidades como princiacutepio de vida em DA II 2 Com isso indico
como a noccedilatildeo de vida e alma estatildeo associadas e como Aristoacuteteles argumenta para uma ser
evidecircncia da outra fazendo desta a causa daquela Adiante apresento a definiccedilatildeo seriada em
DA II 3 e como ela potildee em crise a definiccedilatildeo pela forma Por fim explicito como muitos
comentadores se localizaram em meio ao problema e argumento como as trecircs definiccedilotildees estatildeo
em uma unidade conceitual na qual todas satildeo relevantes para o projeto psicoloacutegico de
Aristoacuteteles
14
1 A TAacuteBUA DA DEFINICcedilAtildeO
A fim de apresentar os problemas proacuteprios ao estudo da alma e delimitar seu campo de
investigaccedilatildeo Aristoacuteteles apresenta em DA I 1 uma taacutebua de definiccedilatildeo onde elenca os
elementos para definir a alma e a abordagem para a sua pesquisa Primeiro Aristoacuteteles
circunscreve em que paracircmetros conceituais a noccedilatildeo se estabelece Em seguida se apresenta o
meacutetodo que orienta a busca por esse enunciado Deste modo os elementos de definiccedilatildeo que
compotildeem a lista satildeo o gecircnero de ser da alma1 o seu modo de ser
2 e por fim sua unidade
3 Jaacute
como abordagem decide-se pela ordem loacutegica da definiccedilatildeo4 para se analisar a independecircncia
das suas partes5 de modo a determinar o primeiro passo a se investigar em cada uma e
finalmente conhecer sobre a sua separabilidade6
Logo ao iniacutecio de De Anima I 1 Aristoacuteteles enuncia qual o objetivo geral de
seu projeto investigativo
ἐπιζητοῦμεν δὲ θεωρῆσαι καὶ γνῶναι τήν τε φύσιν αὐτῆς καὶ τὴν οὐσίαν εἶθ ὅσα
συμβέβηκε περὶ αὐτήν ὧν τὰ μὲν ἴδια πάθη τῆς ψυχῆς εἶναι δοκεῖ τὰ δὲ δι ἐκείνην
καὶ τοῖς ζῴοις ὑπάρχειν
Buscamos considerar e conhecer sua natureza e substacircncia bem como todos os seus
atributos dentre os quais uns parecem ser afecccedilotildees proacuteprias da alma enquanto outros
parecem subsistir nos animais graccedilas a ela DA I 1 402a7-10 (Trad Gomes dos Reis)
Investigar a natureza (phyacutesis) da alma consiste em pesquisar seu gecircnero de ser Jaacute
conhecer sua substacircncia (ousiacutea) eacute conhecer seus atributos (symbeacutebekos) as caracteriacutesticas que
1 πρῶτον δ ἴσως ἀναγκαῖον διελεῖν ἐν τίνι τῶν γενῶν καὶ τί ἐστι λέγω δὲ πότερον τόδε τι καὶ οὐσία ἢ ποιὸν ἢ
ποσόν ἢ καί τις ἄλλη τῶν διαιρεθεισῶν κατηγοριῶν ldquoEm todo caso eacute preciso decidir primeiro a qual dos
gecircneros a alma pertence e o que eacute ndash quero dizer se ela eacute algo determinado e substacircncia ou se eacute uma qualidade
uma quantidade ou mesmo alguma outra das categorias jaacute distinguidasrdquo DA I 1 402a22-25 (Trad de Gomes dos
Reis) 2 ἔτι δὲ πότερον τῶν ἐν δυνάμει ὄντων ἢ μᾶλλον ἐντελέχειά τις ldquoe ainda se estaacute entre os seres em potecircncia ou
antes se eacute uma certa atualidaderdquo DA I 1 402a27 (Trad de Gomes dos Reis) 3 σκεπτέον δὲ καὶ εἰ μεριστὴ ἢ ἀμερής καὶ πότερον ὁμοειδὴς ἅπασα ψυχὴ ἢ οὔ εἰ δὲ μὴ ὁμοειδής πότερον εἴδει
διαφέρουσα ἢ γένει ldquoEacute preciso examinar tambeacutem se ela eacute divisiacutevel em partes ou natildeo e se toda e qualquer alma eacute
de mesma forma e no caso de natildeo ser de mesma forma se a diferenccedila eacute de espeacutecie ou de gecircnerordquo DA I 1
402b1-3 (Trad de Gomes dos Reis) 4 εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον
ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν
ἄλλο κατηγοροῖτο ldquoEacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma uacutenica
definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a de cavalo catildeo homem
divindade sendo neste caso o animal considerado universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo
ocorrendo para qualquer outro atributo comum que for predicadordquo DA I 1 402b4-9 (Trad de Gomes dos Reis) 5 ἔτι δέ εἰ μὴ πολλαὶ ψυχαὶ ἀλλὰ μόρια πότερον δεῖ ζητεῖν πρότερον τὴν ὅλην ψυχὴν ἢ τὰ μόρια χαλεπὸν δὲ
καὶ τούτων διορίσαι ποῖα πέφυκεν ἕτερα ἀλλήλων καὶ πότερον τὰ μόρια χρὴ ζητεῖν πρότερον ἢ τὰ ἔργα αὐτῶν
ldquoAleacutem disso no caso de serem muitas as partes e natildeo as almas deve-se primeiro investigar a alma como um
todo ou suas partes Tambeacutem eacute difiacutecil definir quais dentre estas satildeo por natureza distintas entre si e se eacute uacutetil
investigar primeiro as partes ou suas funccedilotildeesrdquo DA I 1 402b9-12 (Trad de Gomes dos Reis) 6 ἀπορίαν δ ἔχει καὶ τὰ πάθη τῆς ψυχῆς πότερόν ἐστι πάντα κοινὰ καὶ τοῦ ἔχοντος ἢ ἔστι τι καὶ τῆς ψυχῆς ἴδιον
αὐτῆς ldquoHaacute ainda a dificuldade de saber se as afecccedilotildees da alma satildeo todas comuns agravequilo que possui alma ou se
haacute tambeacutem alguma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma tatildeo somenterdquo DA I 1 403a3-5 (Trad de Gomes dos Reis)
15
nos datildeo uma noccedilatildeo da alma segundo suas afecccedilotildees (patheacute) Entre os seus atributos alguns
parecem ser exclusivamente afecccedilotildees da alma jaacute outros parecem ser comuns agrave alma e ao
corpo portanto atributos um ser animado (zoacuteois) Por afecccedilatildeo devemos compreender a
determinaccedilatildeo na mateacuteria (loacutegoi eacutenyloi)7 de maneira que os atributos da alma e do corpo seratildeo
comuns a ambos Jaacute a afecccedilatildeo proacutepria agrave alma eacute a que natildeo se daacute pela determinaccedilatildeo na mateacuteria
mas por si mesma Entre os atributos da alma a capacidade de pensamento parece ser a que
atende esse requisito A menos poreacutem que dependa de imagens para sua atividade Assim
nem mesmo o pensamento seria uma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma8 Em suma a investigaccedilatildeo da
alma consiste em saber sua natureza sua essecircncia e as afecccedilotildees que lhe satildeo atribuiacutedas sejam
elas proacuteprias ou comuns ao corpo no qual ela se instancia
Aristoacuteteles parte entatildeo para o primeiro elemento da definiccedilatildeo a se estabelecer
πρῶτον δ ἴσως ἀναγκαῖον διελεῖν ἐν τίνι τῶν γενῶν καὶ τί ἐστι λέγω δὲ πότερον τόδε
τι καὶ οὐσία ἢ ποιὸν ἢ ποσόν ἢ καί τις ἄλλη τῶν διαιρεθεισῶν κατηγοριῶν
Em todo caso eacute preciso decidir primeiro a qual dos gecircneros a alma pertence e o que eacute
ndash quero dizer se ela eacute algo determinado e substacircncia ou se eacute uma qualidade uma
quantidade ou mesmo alguma outra das categorias jaacute distinguidas DA I 1 402a22-25
(Trad de Gomes dos Reis)
O primeiro dos pressupostos sobre os quais se deveraacute responder eacute o gecircnero de ser da
alma Filopono9 comenta que Aristoacuteteles tem em vista platocircnicos pitagoacutericos e Xenoacutecrates
para os quais a alma eacute substacircncia harmonia e nuacutemero respectivamente Nas Categorias10
7 εἰ δ οὕτως ἔχει δῆλον ὅτι τὰ πάθη λόγοι ἔνυλοί εἰσιν ldquoSe assim eacute as afecccedilotildees satildeo evidentemente formas
implicadas na mateacuteriardquo DA I 1 403a24 (Trad Gomes dos Reis) 8 εἰ δ ἐστὶ καὶ τοῦτο φαντασία τις ἢ μὴ ἄνευ φαντασίας οὐκ ἐνδέχοιτ ἂν οὐδὲ τοῦτ ἄνευ σώματος εἶναιldquoNatildeo
obstante se tambeacutem o pensar eacute um tipo de imaginaccedilatildeo ou se ele natildeo pode ocorrer sem a imaginaccedilatildeo entatildeo nem
mesmo o pensar poderia existir sem o corpordquo DA I 1 403a8-10 (Trad Gomes dos Reis) 9 ὧν ἐστι καὶ Ξενοκράτης ἀριθμὸς γάρ φησί κινῶν ἑαυτόν ἐστιν ἡ ψυχή ὁ δὲ ἀριθμὸς ὑπὸ τὸ ποσόν εἰ δὴ
τοῦτο ἔλεγεν ἐκεῖνος καὶ μὴ ἄλλο τι διὰ τούτου ᾐνίττετο οἱ δὲ ὑπὸ τὸ ποιόν ὧν εἰσιν καὶ οἱ ἰατροὶ κρᾶσιν εἶναι
λέγοντες τοιοῦτοι δ ἂν εἶεν καὶ οἱ ἐντελέχειαν λέγοντες τοιαύτην μαθησόμεθα γάρ πῶς φησιν αὐτὴν
ἐντελέχειαν ὁ Ἀριστοτέλης οἱ δὲ λόγον λέγοντες τῶν στοιχείων δόξαιεν ἂν ὑπὸ τὸ πρός τι ἀνάγειν τὸ γὰρ
διπλάσιον ἢ ἡμιόλιον ὑπὸ τὸ πρός τι τινὸς γὰρ διπλάσιον ἀμφίβολον οὖν τέως τὸ γένος ldquoAlguns a classificam
sob o tiacutetulo de substacircncia outros sob quantidade Dentre eles Xenoacutecrates que afirma que a alm eacute o nuacutemero
movendo por si mesmo e o nuacutemero eacute dado sob quantidade se for isto que ele quer dizer ao inveacutes de algo
distinto do que por essas palavras ele se refere obscuramente Outros dizem que isto pertence a qualidade Em
meio a isto estatildeo os meacutedicos que dizem que eacute a mistura dentre os quais haacute tambeacutem os que dizem que eacute uma
atualidade pois aprenderemos com Aristoacuteteles chama a alma de atualidade Aqueles que dizem que eacute uma
proporccedilatildeo dos elementos pareceriam entitulaacute-la sob a ltcategoria dogt relativo pelo duplo ou a metade
pertencerem agrave categoria do relativo pois o duplo eacute de algo Assim sendo entatildeo o gecircnero permanece
controversordquo PHILOPONUS Com DA 32 32 ndash 337 (Trad da traduccedilatildeo de P J Eijk) 10Οὐσία δέ ἐστιν ἡ κυριώτατά τε καὶ πρώτως καὶ μάλιστα λεγομένη ἣ μήτε καθ ὑποκειμένου τινὸς λέγεται μήτε
ἐν ὑποκειμένῳ τινί ἐστιν οἷον ὁ τὶς ἄνθρωπος ἢ ὁ τὶς ἵππος δεύτεραι δὲ οὐσίαι λέγονται ἐν οἷς εἴδεσιν αἱ
πρώτως οὐσίαι λεγόμεναι ὑπάρχουσιν ταῦτά τε καὶ τὰ τῶν εἰδῶν τούτων γένη ldquoSubstacircncia entendida em
sentido proacuteprio primeiro e supremo eacute a que natildeo se predica de um sujeito e natildeo existe nalgum sujeito por
exemplo um homem um cavalo Substacircncias segundas satildeo as formas (ou espeacutecies) nas quais estatildeo incluiacutedas as
que satildeo ditas substacircncias primeiras e tambeacutem os gecircneros destasrdquo Cat 5 2a11 (Trad Lucas Angioni)
16
Aristoacuteteles compreende a substacircncia primeira como entes particulares enquanto o gecircnero e
forma satildeo substacircncias segundas Sabe-se que Aristoacuteteles inverte esta noccedilatildeo de substacircncia em
Metafiacutesica Z onde substacircncia primeira eacute identificada com a forma11
que eacute priorizada em
relaccedilatildeo ao composto e agrave mateacuteria Portanto as noccedilotildees de substacircncia quantidade e qualidade
que Aristoacuteteles trabalha na definiccedilatildeo de alma no DA I 1 estariam mais proacuteximas das Cat que
da Met Z Eacute o que somos levados a acreditar se considerarmos que esta mesma formulaccedilatildeo
ocorre mais adiante em DA I 5 410a16-2112
Nesta e naquela passagem Aristoacuteteles quer saber
se a alma eacute uma substacircncia particular e determinada ou seja um objeto de predicaccedilatildeo que natildeo
se predica de outrem
Passemos para o segundo elemento que deve estar presente numa definiccedilatildeo de alma
ἔτι δὲ πότερον τῶν ἐν δυνάμει ὄντων ἢ μᾶλλον ἐντελέχειά τις
e ainda se estaacute entre os seres em potecircncia ou antes se eacute uma certa atualidade DA I
1 402a27 (Trad de Gomes dos Reis)
A diferenccedila que os conceitos de potecircncia (dyacutenamis) e atualidade (entelekheacuteia) fazem eacute
sobre o estatuto material ou formal da alma Pois se a alma for de natureza material entatildeo eacute
em potecircncia e sujeita ao movimento Entretanto se for de natureza formal seraacute uma certa
atualidade e princiacutepio de determinaccedilatildeo e atividade Gomes dos Reis13
observa que atualidade
eacute colocada em termos vagos (ldquouma certa atualidaderdquoenteleacutekheia tiacutes) o que indica que soacute faz
sentido falar em atualidade enquanto forma especiacutefica quando instanciada em uma mateacuteria de
um tipo uma alma x que se instancia em um corpo de um tipo x
Outro elemento de definiccedilatildeo da alma eacute sua unidade
σκεπτέον δὲ καὶ εἰ μεριστὴ ἢ ἀμερής καὶ πότερον ὁμοειδὴς ἅπασα ψυχὴ ἢ οὔ εἰ δὲ
μὴ ὁμοειδής πότερον εἴδει διαφέρουσα ἢ γένει
Eacute preciso examinar tambeacutem se ela eacute divisiacutevel em partes ou natildeo e se toda e qualquer
alma eacute de mesma forma e no caso de natildeo ser de mesma forma se a diferenccedila eacute de
espeacutecie ou de gecircnero DA I 1 402b1-3 (Trad de Gomes dos Reis)
11 ἕκαστόν τε γὰρ οὐκ ἄλλο δοκεῖ εἶναι τῆς ἑαυτοῦ οὐσίας καὶ τὸ τί ἦν εἶναι λέγεται εἶναι ἡ ἑκάστου
οὐσίαldquoCom efeito a coisa individual natildeo parece ser diferente da proacutepria substacircncia e dizemos que a essecircncia eacute
justamente a substacircncia da coisa individualrdquo Met Z 6 1031ordf17-18 (Trad Giovanni Reale)
εἶδος δὲ λέγω τὸ τί ἦν εἶναι ἑκάστου καὶ τὴν πρώτην οὐσίαν ldquoPor forma entendo a essecircncia de cada coisa e sua
substacircncia primeirardquo Met Z 7 1032b1-2 (Trad Giovanni Reale) 12 ἆρ οὖν ὅσα τῶν οὐσιῶν ἐκ τούτων μόνον πῶς οὖν γινώσκει καὶ τῶν ἄλλων ἕκαστον ἢ φήσουσιν ἑκάστου
γένους εἶναι στοιχεῖα καὶ ἀρχὰς ἰδίας ἐξ ὧν τὴν ψυχὴν συνεστάναι ἔσται ἄρα ποσὸν καὶ ποιὸν καὶ οὐσία ἀλλ
ἀδύνατον ἐκ τῶν τοῦ ποσοῦ στοιχείων οὐσίαν εἶναι καὶ μὴ ποσόνldquoOra seraacute a alma composta somente daqueles
elementos que satildeo comuns agraves substacircncias Como entatildeo conhece ainda cada um dos outros Ou se diraacute que haacute
elementos e princiacutepios particulares a cada gecircnero e que a alma eacute constituiacuteda de todos eles A alma seria entatildeo
quantidade qualidade e substacircncia Mas eacute impossiacutevel que a substacircncia seja composta dos elementos da
quantidade e natildeo seja quantidade ela mesmardquo DA I 5 410a16-21 (Trad Gomes dos Reis) 13 2006 148-149
17
Aqui reside um dos problemas mais comprometedores sobre a investigaccedilatildeo
psicoloacutegica aristoteacutelica a) A alma eacute divisiacutevel ou indivisiacutevel b) cada parte da alma teria uma
forma proacutepria c) Caso seja divisiacutevel as almas se diferenciam em gecircnero ou espeacutecie
Segundo Polansky14
Aristoacuteteles resolve esta bateria de problemas supondo que um ser
vivente tem sua proacutepria alma cujas partes correspondam agraves funccedilotildees sendo estas partes
divisiacuteveis pelos tipos de vida (vegetativa animal humana) A divisibilidade das partes se daacute
de acordo com a capacidade aniacutemica que eacute viver segundo uma atividade e se distinguiria em
gecircnero (a vida perceptiva) ou espeacutecie (catildees cavalos e homem) Isto que garantiraacute a
indivisibilidade da alma ao longo dos tipos de vida segundo suas capacidades Assim
Aristoacuteteles consegue ter um enunciado formal que garanta a unidade geneacuterica fazendo dos
tipos de vida como espeacutecies de seres vivos e as capacidades suas diferenccedilas especiacuteficas
Definido isto deve-se inquirir sobre a amplitude da definiccedilatildeo
εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ
καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι
οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν ἄλλο κατηγοροῖτο
Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma
uacutenica definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a
de cavalo catildeo homem divindade sendo neste caso o animal considerado
universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo ocorrendo para qualquer outro
atributo comum que for predicado DA I 1 402b4-9 (Trad de Gomes dos Reis)
Ateacute aqui Aristoacuteteles se debruccedilava sobre os elementos que devem compor a definiccedilatildeo
de alma Daqui adiante a questatildeo passa a ser qual a abordagem de pesquisa para se formular
esta definiccedilatildeo E um primeiro ponto se refere agrave abrangecircncia da definiccedilatildeo Dado que a alma
pode ter partes sendo estas partes divisiacuteveis ou natildeo a definiccedilatildeo deve ser geral e abranger todo
gecircnero de alma ou deve haver uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie de alma Para Polansky15
a
existecircncia de gecircneros eacute questionaacutevel pois parecem ser universais Noacutes natildeo encontramos um
universal tal qual Soacutecrates e Caacutelias pois estes satildeo particulares Tambeacutem natildeo encontramos um
gecircnero de alma tal qual catildees e cavalos pois estes satildeo espeacutecies Deste modo uma definiccedilatildeo
geneacuterica ofereceria apenas uma noccedilatildeo comum segundo as espeacutecies de alma sem
necessariamente enunciar suas as espeacutecies Portanto esta questatildeo contrasta duas noccedilotildees de
definiccedilatildeo da alma a particular (kathrsquo hekaacutesten) e universal (tograve kathoacutelou) Esta tensatildeo
enunciada aqui persistiraacute nas questotildees posteriores ainda neste capiacutetulo mas se evidenciaraacute
mais fortemente nos enunciados de alma presentes em DA II 1-3 Em siacutentese o problema
consiste em saber se a definiccedilatildeo de alma deve ser pelo seu gecircnero ou sua espeacutecie
14 2007 34-35 15 2008 45
18
ἔτι δέ εἰ μὴ πολλαὶ ψυχαὶ ἀλλὰ μόρια πότερον δεῖ ζητεῖν πρότερον τὴν ὅλην ψυχὴν ἢ
τὰ μόρια χαλεπὸν δὲ καὶ τούτων διορίσαι ποῖα πέφυκεν ἕτερα ἀλλήλων καὶ πότερον
τὰ μόρια χρὴ ζητεῖν πρότερον ἢ τὰ ἔργα αὐτῶν
Aleacutem disso no caso de serem muitas as partes e natildeo as almas deve-se primeiro
investigar a alma como um todo ou suas partes Tambeacutem eacute difiacutecil definir quais dentre
estas satildeo por natureza distintas entre si e se eacute uacutetil investigar primeiro as partes ou
suas funccedilotildees DA I 1 402b9-12 (Trad de Gomes dos Reis)
Na medida em que a alma eacute composta de partes que correspondem agraves suas
capacidades se decide se a investigaccedilatildeo abordaraacute primeiramente suas partes ou a alma como
um todo aleacutem de como investigar a capacidade ou a funccedilatildeo caso as capacidades sejam
distintas Ou seja eacute preciso decidir se a investigaccedilatildeo se inicia pela percepccedilatildeo ou pelo animal
ἀπορίαν δ ἔχει καὶ τὰ πάθη τῆς ψυχῆς πότερόν ἐστι πάντα κοινὰ καὶ τοῦ ἔχοντος ἢ
ἔστι τι καὶ τῆς ψυχῆς ἴδιον αὐτῆς
Haacute ainda a dificuldade de saber se as afecccedilotildees da alma satildeo todas comuns agravequilo que
possui alma ou se haacute tambeacutem alguma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma tatildeo somente DA I 1
403a3-5 (Trad de Gomes dos Reis)
Apoacutes uma exaustiva exposiccedilatildeo do que deve compor a definiccedilatildeo de alma
Aristoacuteteles elenca o uacuteltimo requisito de sua investigaccedilatildeo o grau de separabilidade da alma ou
de alguma de suas partes As capacidades de movimento reproduccedilatildeo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo e
imaginaccedilatildeo parecem ter sua ocorrecircncia no composto de corpo e alma que eacute o ser vivente
Entretanto haacute na teoria aristoteacutelica do intelecto sua face passiva e ativa conforme formulou a
tradiccedilatildeo sendo a ativa de natureza separada e imortal16
Isto faria desta parte do intelecto uma
afecccedilatildeo proacutepria da alma sem ocorrecircncia conjunta com o corpo Filopono17
comenta que este eacute
um problema determinante para a composiccedilatildeo da definiccedilatildeo de alma Se a alma tem afecccedilotildees
proacuteprias e separadas do corpo a definiccedilatildeo dispensaraacute o corpo de seu enunciado Se pelo
contraacuterio as afecccedilotildees aniacutemicas tecircm ocorrecircncia corpoacuterea entatildeo a definiccedilatildeo de alma deve
conter o corpo em seu enunciado
O que se conquista enfim com esta taacutebua de definiccedilatildeo em De Anima I 1 Que
investigar a natureza da alma eacute responder a seu gecircnero de ser o que implica em saber se a
16χωρισθεὶς δ ἐστὶ μόνον τοῦθ ὅπερ ἐστί καὶ τοῦτο μόνον ἀθάνατον καὶ ἀΐδιον ldquoSomente isto [o intelecto]
quando separado eacute propriamente o que eacute e somente isto eacute imortal e eternordquo DA III 5 (Trad Gomes dos Reis) 17 εἰ μὲν οὖν ὡς ὀργάνῳ χρῆται τῷ σώματι ἰδίᾳ ἔχουσα τὰς ἐνεργείας οὐ δεῖ προσχρήσασθαι τῷ σώματι πρὸς
τὸν ὁρισμόν οὐ γὰρ συμπληροῖ τὴν οὐσίαν τοῦ τέκτονος τὸ σκέπαρνον εἰ δὲ ἐν τῷ σώματι ἔχει τὸ εἶναι ὡς
εἶναι τὰς ἐνεργείας τοῦ συναμφοτέρου ἀνάγκη προσχρήσασθαι ἐν τῷ ὁρισμῷ τῷ σώματι ὥσπερ ἐπὶ τοῦ θυμοῦ
ἐλέγομεν ἀναγκαία οὖν ἡ τούτων λῆψις οὐκ εὐχερὴς δέ ltπάθηgt δὲ κοινότερον τὰς ἐνεργείας τῆς ψυχῆς
ἐκάλεσε ldquoSe usa o corpo como instrumento e tem suas atividades peculiares a si mesmo natildeo haacute qualquer
necessidade de se remeter ao corpo na definiccedilatildeo ndash pois um machado natildeo completa a essecircncia de um carpinteiro ndash
mas se a alma tem seu ser no corpo e suas atividades pertencem ao composto eacute necessaacuterio tambeacutem se remeter
ao corpo na definiccedilatildeo tal qual como nos referimos em relaccedilatildeo ao iacutempeto Estabelecer essas coisas entatildeo eacute
necessaacuterio poreacutem natildeo eacute faacutecil Afecccedilatildeo eacute o termo mais geral que ele usa para as atividades da almardquo
PHILOPONUS Com DA 4429-35 (Trad da trad de P J Eijk)
19
alma eacute potencialmente ou em atualidade Isto posto se a alma eacute como uma substacircncia e
portanto una ou separaacutevel e caso seja em partes se satildeo divisiacuteveis ou natildeo Aleacutem disso se a
definiccedilatildeo deve abranger diversos tipos de alma ou se haacute uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie Por
fim se sua investigaccedilatildeo parte das partes ou do todo
20
2 A NOCcedilAtildeO DE ALMA EM ARISTOacuteTELES
A noccedilatildeo de alma em Aristoacuteteles obedece trecircs momentos de elaboraccedilatildeo Um primeiro
ao longo da discussatildeo das endoxai de seus predecessores em DA I 2-5 Em outro quando
argumenta por conceitos metafiacutesicos e formula a noccedilatildeo geral de alma em DA II 1 Aleacutem de
um uacuteltimo a partir de DA II 2 quando se formula uma outra noccedilatildeo de alma pelas
capacidades Esta trajetoacuteria visa (i) levantar as teses que foram elaboradas sobre o assunto
visando extrair certos princiacutepios verdadeiros Com estes princiacutepios (ii) se expotildee a noccedilatildeo
geral Mas esta noccedilatildeo que responde sobre o ser da alma natildeo indica os tipos especiacuteficos de
vida Portanto (iii) eacute preciso inquirir por outra abordagem e provar que a alma eacute princiacutepio das
capacidades que manifestam vida no ser pois atraveacutes dessas capacidades explicamos esses
distintos modos de viver Como se veraacute esta travessia responde agrave taacutebua de definiccedilatildeo de DA I
1 e Aristoacuteteles ara todo o terreno sobre o qual ele ergue sua psicologia
21 A DEFINICcedilAtildeO PELA FORMA
Aristoacuteteles conclui seu levantamento das endoxai em DA I 2-5 com duas noccedilotildees
relativas agrave alma que ela eacute una18
e imoacutevel19
Somente no iniacutecio do livro seguinte em DA II 1
ele apresenta sua noccedilatildeo onde o objetivo traccedilar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos)
que abarque as vaacuterias formas de vida
18 φαίνεται δὲ καὶ τὰ φυτὰ διαιρούμενα ζῆν καὶ τῶν ζῴων ἔνια τῶν ἐντόμων ὡς τὴν αὐτὴν ἔχοντα ψυχὴν τῷ
εἴδει εἰ καὶ μὴ ἀριθμῷ ἑκάτερον γὰρ τῶν μορίων αἴσθησιν ἔχει καὶ κινεῖται κατὰ τόπον ἐπί τινα χρόνον εἰ δὲ
μὴ διατελοῦσιν οὐθὲν ἄτοπον ὄργανα γὰρ οὐκ ἔχουσιν ὥστε σώζειν τὴν φύσιν ἀλλ οὐδὲν ἧττον ἐν ἑκατέρῳ
τῶν μορίων ἅπαντ ἐνυπάρχει τὰ μόρια τῆς ψυχῆς καὶ ὁμοειδῆ ἐστιν ἀλλήλοις καὶ τῇ ὅλῃ ἀλλήλοις μὲν ὡς οὐ
χωριστὰ ὄντα τῇ δ ὅλῃ ψυχῇ ὡς οὐ διαιρετῇ οὔσῃ ἔοικε δὲ καὶ ἡ ἐν τοῖς φυτοῖς ἀρχὴ ψυχή τις εἶναι μόνης γὰρ
ταύτης κοινωνεῖ καὶ ζῷα καὶ φυτά καὶ αὕτη μὲν χωρίζεται τῆς αἰσθητικῆς ἀρχῆς αἴσθησιν δ οὐθὲν ἄνευ ταύτης
ἔχει ldquoEacute manifesto ainda que as plantas ndash e dentre os animais alguns insetos ndash quando secionadas continuam a
viver como se tivessem a mesma alma especificamente ainda que natildeo numericamente pois cada uma das partes
tem sensaccedilatildeo e move-se localmente por algum tempo Se natildeo sobrevivem natildeo resulta em absurdo algum pois
natildeo mantecircm oacutergatildeos aponto de conservar a sua natureza Em cada uma das partes poreacutem estatildeo todas as partes da
alma e nenhuma a menos E elas satildeo da mesma espeacutecie entre si e em relaccedilatildeo agrave alma inteira ndash as diversas partes
satildeo inseparaacuteveis uma das outras embora a alma inteira seja divisiacutevel Parece que o princiacutepio encontrado nas
plantas eacute tambeacutem um certo tipo de alma pois eacute apenas compartilhada por animais e plantas e ela existe
separada do princiacutepio perceptivo embora sem ela nada possa ter percepccedilatildeordquo 411b19-411b30 19ὅτι μὲν οὖν οὔθ ἁρμονίαν οἷόν τ εἶναι τὴν ψυχὴν οὔτε κύκλῳ περιφέρεσθαι δῆλον ἐκ τῶν εἰρημένων ldquoQue a
alma natildeo pode ser harmonia nem locomover-se em ciacuterculo fica claro a partir do que foi ditordquo 408ordf29-30 (Trad
Gomes dos Reis)
ὅτι μὲν οὖν οὐχ οἷόν τε κινεῖσθαι τὴν ψυχήν φανερὸν ἐκ τούτων εἰ δ ὅλως μὴ κινεῖται δῆλον ὡς οὐδ ὑφ
ἑαυτῆς Eacute evidente a partir disso tudo que natildeo eacute possiacutevel que a alma se mova ldquoE se de todo modo natildeo se move eacute
claro tambeacutem que natildeo se move por si mesmardquo 408b30-31 (Trad Gomes dos Reis)
φανερὸν οὖν ἐκ τῶν εἰρημένων ὡς οὔτε τὸ γινώσκειν ὑπάρχει τῇ ψυχῇ διὰ τὸ ἐκ τῶν στοιχείων εἶναι οὔτε τὸ
κινεῖσθαι αὐτὴν καλῶς οὐδ ἀληθῶς λέγεται ldquoEacute manifesto entatildeo a partir do que foi dito que nem o conhecer
subsite na alma por ela ser composta dos elementos nem eacute uma maneira certa ou verdadeira dizer qua a alma eacute
movidardquo 411a24-26 (Trad Gomes dos Reis)
21
Τὰ μὲν δὴ ὑπὸ τῶν πρότερον παραδεδομένα περὶ ψυχῆς εἰρήσθω πάλιν δ ὥσπερ ἐξ
ὑπαρχῆς ἐπανίωμεν πειρώμενοι διορίσαι τί ἐστι ψυχὴ καὶ τίς ἂν εἴη κοινότατος λόγος
αὐτῆς
Tendo dito o suficiente sobre as opiniotildees a respeito da alma fornecida por nossos
predecessores retomemos como que do comeccedilo e tentemos definir o que eacute a alma e
qual seria seu enunciado mais geral 412a1-6 (Trad Gomes dos Reis)
A busca pelo enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) visa uma definiccedilatildeo de alma
comum agraves diversas formas de vida Em meio agrave pluralidade de modos de vida a alma eacute aquilo
a partir do qual essa pluralidade se unifica num gecircnero de ser ndash o dos seres viventes
(empsykhon) Aristoacuteteles compreende que uma noccedilatildeo puramente geneacuterica natildeo explica as
formas especiacuteficas do objeto de estudo Entretanto o enunciado geral responde agrave primeira
parte da taacutebua de definiccedilatildeo como notaremos no decorrer da definiccedilatildeo pela forma que seraacute
enunciada Com eles Aristoacuteteles alicerccedila conceitualmente as outras definiccedilotildees que seratildeo
formuladas nos outros capiacutetulos
Assim entatildeo Aristoacuteteles inicia seu argumento
λέγομεν δὴ γένος ἕν τι τῶν ὄντων τὴν οὐσίαν ταύτης δὲ τὸ μέν ὡς ὕλην ὃ καθ αὑτὸ
οὐκ ἔστι τόδε τι ἕτερον δὲ μορφὴν καὶ εἶδος καθ ἣν ἤδη λέγεται τόδε τι καὶ τρίτον
τὸ ἐκ τούτων ἔστι δ ἡ μὲν ὕλη δύναμις τὸ δ εἶδος ἐντελέχεια καὶ τοῦτο διχῶς τὸ
μὲν ὡς ἐπιστήμη τὸ δ ὡς τὸ θεωρεῖν
Dizemos que um dos gecircneros dos seres eacute a substacircncia E substacircncia primeiro no
sentido de mateacuteria ndash que por si mesmo natildeo eacute algo determinado ndash e ainda no sentido
de figura e forma ndash em virtude do que jaacute se diz que eacute algo determinado ndash e por fim
no sentido de composto de ambas A mateacuteria por sua vez eacute potecircncia ao passo que a
forma eacute atualidade e isto de dois modos seja como ciecircncia seja como inquirir DA II
1 412a6-11(Trad Gomes dos Reis)
Aristoacuteteles parte de teses presentes em seu tratado de filosofia primeira a Metafiacutesica
Laacute ele investiga o ser enquanto ser que tem muitos significados mas todos convergem para
um soacute20
O que responde a estes diversos significados do que eacute o ser ao ti estiacute eacute a
substacircncia21
(ousiacutea) Satildeo substacircncias a mateacuteria (hyacutele) a forma (morpheacute) e o composto de
ambas ( tograve ek touacutetoon) 22
Apesar da mateacuteria ser indeterminada23
permanece na mudanccedila e eacute
20 διὸ καὶ ἡμῖν τοῦ ὄντος ᾗ ὂν τὰς πρώτας αἰτίας ληπτέον Τὸ δὲ ὂν λέγεται μὲν πολλαχῶς ἀλλὰ πρὸς ἓν καὶ μίαν
τινὰ φύσιν Por isso tambeacutem noacutes devemos apreender as causas primeiras do ente enquanto ente ldquoEnterdquo se diz de
muitas maneiras mas em relaccedilatildeo a algo uacutenico e a uma natureza uacutenicardquo Met G 1-2 1003ordf31-32 (Trad Lucas
Angioni) 21τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν ldquoE
sendo o ente dito de muitos modos eacute evidente que o ente primeiro eacute o que eacute entre todos o que designa a
substacircnciardquo Met Z 2 1028b13-15 (Trad Lucas Angioni) 22 αὗται δ εἰσὶν αἱ αἰσθηταί αἱ δ αἰσθηταὶ οὐσίαι πᾶσαι ὕλην ἔχουσιν ἔστι δ οὐσία τὸ ὑποκείμενον ἄλλως μὲν
ἡ ὕλη (ὕλην δὲ λέγω ἣ μὴ τόδε τι οὖσα ἐνεργείᾳ δυνάμει ἐστὶ τόδε τι) ἄλλως δ ὁ λόγος καὶ ἡ μορφή ὃ τόδε τι
ὂν τῷ λόγῳ χωριστόν ἐστιν τρίτον δὲ τὸ ἐκ τούτων οὗ γένεσις μόνου καὶ φθορά ἐστι καὶ χωριστὸν ἁπλῶς τῶν
γὰρ κατὰ τὸν λόγον οὐσιῶν αἱ μὲν αἱ δ οὔ ldquoE agora devemos reexaminar as substacircncias que satildeo admitidas por
todos E essas satildeo as substacircncias sensiacuteveis Todas as substacircncias sensiacuteveis tecircm mateacuteria E substacircncia eacute o
substrato o qual em certo sentido significa a mateacuteria (chamo mateacuteria o que natildeo eacute algo determinado em ato mas
22
objeto de predicaccedilatildeo caracteriza-se como o substrato (hypokeiacutemenon) do composto Para ser
determinada a mateacuteria depende da forma que lhe confere ser (ti estiacute) Assim toda mateacuteria
determinada pela forma seraacute um composto Por isso Aristoacuteteles defende que uma boa
definiccedilatildeo das substacircncias compostas eacute a que enuncie a determinaccedilatildeo da forma na mateacuteria24
Em suma a substacircncia eacute o gecircnero primeiro de ser sendo esta tanto mateacuteria quanto forma
assim como o composto de ambas
A indeterminaccedilatildeo da mateacuteria e a determinaccedilatildeo da forma estatildeo intrinsecamente
relacionadas aos conceitos correlatos de potecircncia (dyacutenamis) e atualidade (enteleacutekheia) na
filosofia primeira de Aristoacuteteles A mateacuteria eacute indeterminada pois natildeo eacute algo em ato mas em
potecircncia na medida que eacute passiacutevel de determinaccedilatildeo pela forma Aristoacuteteles assinala que ser
em potecircncia significa ter o princiacutepio de movimento (kiacutenesis) ou de modicaccedilatildeo (metaboleacute) seja
por causa extriacutenseca ou intriacutenseca25
A mateacuteria portanto eacute potecircncia pois traz em si o princiacutepio
de ser movida ou modificada por si mesma ou por um outro isto Potecircncia tambeacutem estaacute
algo determinado soacute em potecircncia) num segundo sentido significa a essecircncia e a forma (a qual sendo algo
determinado pode ser separada pelo pensamento) e num terceiro sentido significa o composto de mateacuteria e de
forma (e soacute este estaacute submetido agrave geraccedilatildeo e agrave corrupccedilatildeo e eacute separado em sentido proacuteprio enquanto das
substacircncias entendidas segundo a forma algumas satildeo separadas outras natildeo satildeo)rdquo H 1042a24-31 (Trad Giovani
Reale) 23 λέγω δ ὕλην ἣ καθ αὑτὴν μήτε τὶ μήτε ποσὸν μήτε ἄλλο μηδὲν λέγεται οἷς ὥρισται τὸ ὄν ἔστι γάρ τι καθ οὗ
κατηγορεῖται τούτων ἕκαστον ᾧ τὸ εἶναι ἕτερον καὶ τῶν κατηγοριῶν ἑκάστῃ (τὰ μὲν γὰρ ἄλλα τῆς οὐσίας
κατηγορεῖται αὕτη δὲ τῆς ὕλης) ὥστε τὸ ἔσχατον καθ αὑτὸ οὔτε τὶ οὔτε ποσὸν οὔτε ἄλλο οὐδέν ἐστιν οὐδὲ δὴ
αἱ ἀποφάσεις καὶ γὰρ αὗται ὑπάρξουσι κατὰ συμβεβηκός ldquoChamo mateacuteria aquilo que por si natildeo eacute algo
determinado nem uma quantidade nem qualquer outra das determinaccedilotildees do ser Existe de fato alguma coisa da
qual cada uma dessas determinaccedilotildees eacute predicada alguma coisa cujo ser eacute diferente do ser de cada uma das
categorias Todas as outras categorias com efeito satildeo predicadas da substacircncia e esta por sua vez eacute predicada
da mateacuteria Assim este termo por si natildeo eacute nem algo determinado nem quantidade nem qualquer outra
categoria e natildeo eacute nem sequer as negaccedilotildees destas porque as negaccedilotildees soacute existem de modo acidentalrdquo Met Z 3
1029ordf20-26 (Trad Giovani Reale) 24 οἱ δὲ ἀγγεῖον σκεπαστικὸν χρημάτων καὶ σωμάτων ἤ τι ἄλλο τοιοῦτον προτιθέντες τὴν ἐνέργειαν λέγουσιν οἱ
δ ἄμφω ταῦτα συντιθέντες τὴν τρίτην καὶ τὴν ἐκ τούτων οὐσίαν (ἔοικε γὰρ ὁ μὲν διὰ τῶν διαφορῶν λόγος τοῦ
εἴδους καὶ τῆς ἐνεργείας εἶναι ὁ δ ἐκ τῶν ἐνυπαρχόντων τῆς ὕλης μᾶλλον) ὁμοίως δὲ καὶ οἵους Ἀρχύτας
ἀπεδέχετο ὅρους τοῦ συνάμφω γάρ εἰσιν ldquoAo contraacuterio os que a definem dizendo que eacute um refuacutegio para
proteger coisas e corpos ou alguma outra coisa desse tipo dizendo o que eacute a casa em ato enfim os que unem
ambas as definiccedilotildees experimenta substacircncia no terceiro significado como composto de mateacuteria e forma Eacute claro
que a definiccedilatildeo dada pelas diferenccedilas refere-se agrave forma e ao ato enquanto a definiccedilatildeo dada a partir dos
elementos refere-se prioritariamente agrave mateacuteria Semelhantes a estas eram as definiccedilotildees que Arquita aprovava
elas referiam-se ao conjunto de mateacuteria e formardquo H 2 1043ordf17-21 (Trad Giovani Reale)
φανερὸν δὴ ἐκ τῶν εἰρημένων τίς ἡ αἰσθητὴ οὐσία ἐστὶ καὶ πῶς ἡ μὲν γὰρ ὡς ὕλη ἡ δ ὡς μορφὴ καὶ ἐνέργεια
ἡ δὲ τρίτη ἡ ἐκ τούτων ldquoDo que foi dito fica claro o que eacute a substacircncia sensiacutevel e qual eacute seu modo de ser ela eacute
por um lado mateacuteria por outro forma e ato e num terceiro sentido o conjunto de mateacuteria e de formardquo Met H
2 1043a26-28 (Trad Giovani Reale) 25 ἡ μὲν οὖν ὅλως ἀρχὴ μεταβολῆς ἢ κινήσεως λέγεται δύναμις ἐν ἑτέρῳ ἢ ᾗ ἕτερον ἡ δ ὑφ ἑτέρου ἢ ᾗ ἕτερον
(καθ ἣν γὰρ τὸ πάσχον πάσχει τι ὁτὲ μὲν ἐὰν ὁτιοῦν δυνατὸν αὐτό φαμεν εἶναι παθεῖν ὁτὲ δ οὐ κατὰ πᾶν
πάθος ἀλλ ἂν ἐπὶτὸ βέλτιον) ldquoPotecircncia portanto significa em primeiro lugar esse princiacutepio de mudanccedila ou de
movimento que se encontra em outra coisa ou na propria coisa enquanto outra e em segundo lugar significa o
princiacutepio pelo qual uma coisa eacute mudada ou movida por outra ou por si mesma enquanto outrardquo Met Δ 12
1019ordf19-23 (Trad Giovani Reale)
23
relacionada ao princiacutepio de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo26
Na medida em que as coisas satildeo
constituiacutedas de um determinado modo elas trazem em potecircncia a manutenccedilatildeo de si diante da
accedilatildeo de outra coisa como a parede que natildeo quebra se batida com um copo de vidro ou trazem
em potecircncia a degeneraccedilatildeo tal qual um copo de vidro que quebra quando lanccedilado contra a
parede Jaacute a forma eacute atualidade (enteleacutekheia) tanto como ciecircncia quanto inquirir ou seja
enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) e atividade (energeia) Atualidade enquanto disposiccedilatildeo significa
a jaacute detenccedilatildeo de determinada capacidade mas sem sua atividade Ser apto a caminhar mas
estar sentado por exemplo Jaacute ato enquanto atividade significa o exerciacutecio dessa disposiccedilatildeo
Ser apto a caminhar e estar caminhando
οὐσίαι δὲ μάλιστ εἶναι δοκοῦσι τὰ σώματα καὶ τούτων τὰ φυσικά ταῦτα γὰρ τῶν
ἄλλων ἀρχαί τῶν δὲ φυσικῶν τὰ μὲν ἔχει ζωήν τὰ δ οὐκ ἔχει ζωὴν δὲ λέγομεν τὴν
δι αὑτοῦ τροφήν τε καὶ αὔξησιν καὶ φθίσιν ὥστε πᾶν σῶμα φυσικὸν μετέχον ζωῆς
οὐσία ἂν εἴη οὐσία δ οὕτως ὡς συνθέτη
E haacute a opiniatildeo de que sobretudo os corpos satildeo substacircncia entre os quais se encontram
os corpos naturais que satildeo princiacutepios dos demais Dos corpos naturais alguns tecircm
vida outros natildeo e dizemos que a vida eacute a nutriccedilatildeo por si mesmo o crescimento e o
decaimento Assim todo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido
de substacircncia composta DA II 1 412a11-16 (Trad Gomes dos Reis)
Aristoacuteteles retorna a uma tese geral amplamente adotada por ele segundo a qual dentre
as substacircncias as sensiacuteveis satildeo as mais aceitas27
por serem mais evidentes aos sentidos O que
26 ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ τοῦ πάσχειν ἔτι ὅσαι ἕξεις καθ ἃς ἀπαθῆ ὅλως ἢ ἀμετάβλητα ἢ μὴ ῥᾳδίως ἐπὶ τὸ χεῖρον
εὐμετακίνητα δυνάμεις λέγονται κλᾶται μὲν γὰρ καὶ συντρίβεται καὶ κάμπτεται καὶ ὅλως φθείρεται οὐ τῷ
δύνασθαι ἀλλὰ τῷ μὴ δύνασθαι καὶ ἐλλείπειν τινός ἀπαθῆ δὲ τῶν τοιούτων ἃ μόλις καὶ ἠρέμα πάσχει διὰ δύ
ναμιν καὶ τῷ δύνασθαι καὶ τῷ ἔχειν πώς ldquoO mesmo vale para a potecircncia passiva Aleacutem disso chamam-se
potecircncias todos os estados em virtude dos quais as coisas satildeo absolutamente impassiacuteveis ou imutaacuteveis ou natildeo
facilmente mutaacuteveis para pior De fato as coisas quebram-se degeneram-se dobram-se e em geral destroem-se
natildeo porque tecircm potecircncia mas porque natildeo tecircm potecircncia a e porque carecem de alguma coisa ao contraacuterio satildeo
impassiacuteveis relativamente a todo estes tipos de afecccedilotildees as coisas que dificilmente ou pouco satildeo afetadas por elas
por causa de sua potecircncia e de seu poder e por determinadas condiccedilotildees em que se encontremrdquo Met Δ 12 1019ordf
26-32 (Trad Giovani Reale) 27 Οὐσία λέγεται τά τε ἁπλᾶ σώματα οἷον γῆ καὶ πῦρ καὶ ὕδωρ καὶ ὅσα τοιαῦτα καὶ ὅλως σώματα καὶ τὰ ἐκ
τούτων συνεστῶτα ζῷά τε καὶ δαιμόνια καὶ τὰ μόρια τούτων ἅπαντα δὲ ταῦτα λέγεται οὐσία ὅτι οὐ καθ
ὑποκειμένου λέγεται ἀλλὰ κατὰ τούτων τὰ ἄλλα ldquoSubstacircncia em certo sentido se diz dos corpos simples por
exemplo o fogo a terra a aacutegua e todos os corpos como estes e em geral todos os corpos e as coisas compostas
a partir deles como os animais e os seres divinos e suas partes Todas essas coisas satildeo ditas substacircncias porque
natildeo satildeo predicadas de um substrato mas tudo o mais eacute predicado delasrdquo Met Δ 1017b10ndash14 (Trad Giovani
Reale)
Τὸ ὂν λέγεται πολλαχῶς καθάπερ διειλόμεθα πρότερον ἐν τοῖς περὶ τοῦ ποσαχῶς σημαίνει γὰρ τὸ μὲν τί ἐστι
καὶ τόδε τι τὸ δὲ ποιὸν ἢ ποσὸν ἢ τῶν ἄλλων ἕκαστον τῶν οὕτω κατηγορουμένων τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου
τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν (ὅταν μὲν γὰρ εἴπωμεν ποῖόν τι
τόδε ἢ ἀγαθὸν λέγομεν ἢ κακόν ἀλλ οὐ τρίπηχυ ἢ ἄνθρωπον ldquoO ser tem muitos signficados como
estabelecemos anteriormente no livro dedicado aos diversos significados dos termos De fato o ser signfica de
um lado essecircncia e algo determinado de outro qualidade ou quantidade e cada uma das outras categorias
Mesmo sendo dito em tantos signficados eacute evidente que o primeiro dos significados do ser eacute a essecircncia que
indica a substacircncia (De fato quando perguntamos a qualidade de alguma coisa dizemos que eacute boa ou maacute mas
natildeo que tem trecircs cocircvados ou que eacute homemrdquo 1028a10ndash16 (Trad Giovani Reale)
24
Aristoacuteteles chama aqui de corpos naturais (physikoacuten) corresponde aos compostos que datildeo
origem aos artificiais e com a abstraccedilatildeo das suas unidades a objetos matemaacuteticos Mas natildeo
satildeo elementos ou partes sem unidade como o olho ou a raiz da aacutervore Pois eacute o animal que
deteacutem o olho e a aacutervore que deteacutem a raiacutez Sendo assim os corpos naturais se diferenciam
entre os que vivem e os que natildeo vivem Estes que natildeo vivem satildeo os corpos artificiais os
corpos celestes e o cadaacutever Um corpo morto seraacute de animal senatildeo por homoniacutemia pois natildeo
tem como atividade o viver E o viver eacute nutrir-se eacute crescer e eacute decair Donde Aristoacuteteles
conclui que ldquotodo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido de substacircncia
compostardquo Os seres viventes (empsykhon) satildeo substacircncias compostas de mateacuteria (corpo) e
forma (alma) tendo como atividade o viver
ἐπεὶ δ ἐστὶ καὶ σῶμα καὶ τοιόνδε ζωὴν γὰρ ἔχον οὐκ ἂν εἴη σῶμα ἡ ψυχή οὐ γάρ
ἐστι τῶν καθ ὑποκειμένου τὸ σῶμα μᾶλλον δ ὡς ὑποκείμενον καὶ ὕλη ἀναγκαῖον
ἄρα τὴν ψυχὴν οὐσίαν εἶνα ὡς εἶδος σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν ἔχοντος
E uma vez que essa substacircncia tambeacutem eacute um corpo de tal tipo ndash que tem vida ndash a
alma natildeo eacute corpo pois o corpo natildeo eacute um dos predicados do substrato antes ele eacute
como o substrato e a mateacuteria Necessariamente entatildeo a alma eacute substacircncia como
forma de um corpo natural potencialmente vivo 412ordf16-21 (Trad Maria Ceciacutelia
Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo proacutepria)
Finalmente Aristoacuteteles tece sua uacuteltima premissa e enuncia uma primeira definiccedilatildeo de
alma Dado que os corpos naturais dotados de vida satildeo compostos hilemoacuterficos cabe eliminar
qualquer possibilidade da alma ser corpo O argumento eacute conciso Haacute substacircncias que satildeo um
corpo dotado de vida Este corpo vivo natildeo eacute alma Mas substrato (hypokeimeacutenon) e mateacuteria
(hyacutele) do composto E como tal eacute objeto de predicaccedilatildeo da forma Portanto a alma natildeo pode
ser corpo pois ela que o predica
Em Met Z 3 escreve Aristoacuteteles que o substrato eacute aquilo que eacute predicado pelas coisas
enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outra28
Jaacute a substacircncia eacute aquilo que predica o
substrato mas que natildeo eacute predicada pelas outras coisas Sendo assim inerem no substrato
determinaccedilotildees como quantidade afecccedilotildees accedilotildees e potecircncias Poreacutem raspadas as
determinaccedilotildees o que resta eacute o substrato primeiro mateacuteria Contudo como jaacute enunciado
ὁμολογούμεναι μὲν αἱ φυσικαί οἷον πῦρ γῆ ὕδωρ ἀὴρ καὶ τἆλλα τὰ ἁπλᾶ σώματα ἔπειτα τὰ φυτὰ καὶ τὰ μόρια
αὐτῶν καὶ τὰ ζῷα καὶ τὰ μόρια τῶν ζῴων καὶ τέλος ὁ οὐρανὸς καὶ τὰ μόρια τοῦ οὐρανοῦ ἰδίᾳ δέ τινες οὐσίας
λέγουσιν εἶναι τά τ εἴδη καὶ τὰ μαθηματικά ldquoSubstacircncias admitidas por todos satildeo as fiacutesicas como fogo terra
aacutegua ar e os outros corpos simples ademais as plantas e suas partes do ceacuteu Alguns filoacutesofos ao contraacuterio em
funccedilatildeo de suas opiniotildees particulares afirmaram que substacircncias satildeo as Formas e os Entes matemaacuteticosrdquo Met H
1042a7ndash11(Trad Giovani Reale)
28 τὸ δ ὑποκείμενόν ἐστι καθ οὗ τὰ ἄλλα λέγεται ἐκεῖνο δὲ αὐτὸ μηκέτι κατ ἄλλου ldquoO Substrato eacute aquilo de
que satildeo predicadas todas as outras coisas enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outrardquo Met Z 3 1028b36 ndash
1029a1 (Trad Giovani Reale)
25
acima Aristoacuteteles compreende a mateacuteria como algo indeterminado Apesar disso haacute algo da
qual todas as outras determinaccedilotildees satildeo predicadas E sendo a substacircncia um algo separado
que predica a mateacuteria ou seja que referencia e determina a mateacuteria substacircncia e mateacuteria natildeo
podem ser idecircnticas O que este argumento nos ajuda a compreender eacute o pressuposto
metafiacutesico sobre o qual Aristoacuteteles identifica o corpo com o substrato impossibilitando que
este seja identificado com a alma Ou seja a substacircncia que predica o corpo
Portanto se o corpo eacute substrato material do composto orgacircnico vivo segue-se
necessariamente que a alma eacute a substacircncia formal Aristoacuteteles enuncia entatildeo seu perseguido
enunciado mais geral a alma eacute substacircncia como forma de um corpo natural potencialmente
vivo A alma enquanto substacircncia do composto vivo eacute substacircncia no sentido de forma Com
este enunciado Aristoacuteteles responde o primeiro ponto do elenco de questotildees a serem
abordadas numa investigaccedilatildeo da alma a saber a qual gecircnero de ser pertence a alma
Para a alma ser forma de um corpo potencialmente vivo ndash e ser potencialmente vivo eacute
dispor de oacutergatildeos passiacuteveis de realizaccedilatildeo das atividades proacuteprias ao viver ndash significa ser o
princiacutepio estruturante e configurador das funccedilotildees (eacutergon) de vida Assim a alma eacute o princiacutepio
e causa determinante do ser atraveacutes das atividades proacuteprias ao viver em um corpo de tal tipo
Portanto a alma configura a realidade das substacircncias compostas viventes sendo aquilo a
partir e em vista do que a vida se daacute
Aristoacuteteles abre caminho para a responder sua taacutebua de definiccedilotildees de DA I 1 A
primeira delas eacute configurar a relaccedilatildeo entre a alma e o corpo fundamentando a noccedilatildeo de
inseparabilidade entre uma e outro Pois ser a forma de um composto demanda que a alma se
atualize apenas se instanciada em um estofo material e seja seu princiacutepio de ser Em siacutentese a
alma eacute como a substacircncia e o corpo eacute como o substrato da substacircncia composta viva que eacute o
ser vivente
Seguindo as noccedilotildees jaacute traccediladas anteriormente Aristoacuteteles desdobraraacute outras duas
caracteriacutesticas proacuteprias agrave alma atualidade primeira e princiacutepio de determinaccedilatildeo do corpo Jaacute
que a alma eacute forma e forma eacute atualidade entatildeo a alma eacute atualidade deste corpo
potencialmente vivo como se lecirc logo em seguida
ἡ δ οὐσία ἐντελέχεια τοιούτου ἄρα σώματος ἐντελέχεια αὕτη δὲ λέγεται διχῶς ἡ
μὲν ὡς ἐπιστήμη ἡ δ ὡς τὸ θεωρεῖν φανερὸν οὖν ὅτι ὡς ἐπιστήμη ἐν γὰρ τῷ
ὑπάρχειν τὴν υχὴν καὶ ὕπνος καὶ ἐγρήγορσίς ἐστιν ἀνάλογον δ ἡ μὲν ἐγρήγορσις τῷ
θεωρεῖν ὁ δ ὕπνος τῷ ἔχειν καὶ μὴ ἐνεργεῖν προτέρα δὲ τῇ γενέσει ἐπὶ τοῦ αὐτοῦ ἡ
ἐπιστήμη διὸ ἡ ψυχή ἐστιν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν
ἔχοντος
E a substacircncia eacute atualidade Portanto eacute de um corpo de tal tipo que a alma eacute
atualidade Mas esta se diz de dois modos ndash primeiro como ciecircncia segundo como o
26
inquirir Eacute claro entatildeo que a alma eacute atualidade como ciecircncia pois ao subsistir a alma
haacute tanto o sono como a vigiacutelia e a vigiacutelia eacute algo anaacutelogo ao inquirir o sono a possuir
a ciecircncia mas natildeo a exercecirc-la e no que concerne a um mesmo indiviacuteduo a ciecircncia eacute
a primeira atualidade de um corpo natural que tem em potecircncia vida DA II 1 412a21-
28 (Trad Gomes dos Reis)
Como jaacute estabelecido em 401a6-11 a atualidade se diz segundo a disposiccedilatildeo e a
atividade Aqui disposiccedilatildeo (heacutexis) estaacute para a ciecircncia (epistecircme) como atividade (energeacuteia)
estaacute para inquirir (theoreicircn) Portanto disposiccedilatildeo eacute a obtenccedilatildeo de dada capacidade sem
executaacute-la enquanto atividade eacute sua execuccedilatildeo
Aristoacuteteles conclui seu argumento especificando a alma como uma atualidade primeira
(enteleacutekheia proteacute) Charlton29
propotildee que o termo ldquoprimeirordquo (proteacute) se refira agrave atualidade no
primeiro sentido ou seja enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) O que parece plausiacutevel pois o texto
aristoteacutelico nos diz que a alma eacute atualidade como ciecircncia (phanerograven oucircn hoacuteti hocircs episteme)
Aleacutem disso nas discussotildees preliminares sobre a capacidade perceptiva Aristoacuteteles discorre
um pouco mais sobre as diferenccedilas entre atualidade em termos de disposiccedilatildeo e atividade
διαιρετέον δὲ καὶ περὶ δυνάμεως καὶ ἐντελεχείας νῦν γὰρ ἁπλῶς ἐλέγομεν περὶ
αὐτῶν ἔστι μὲν γὰρ οὕτως ἐπιστῆμόν τι ὡς ἂν εἴποιμεν ἄνθρωπον ἐπιστήμονα ὅτι ὁ
ἄνθρωπος τῶν ἐπιστημόνων καὶ ἐχόντων ἐπιστήμην ἔστι δ ὡς ἤδη λέγομεν
ἐπιστήμονα τὸν ἔχοντα τὴν γραμματικήν ἑκάτερος δὲ τούτων οὐ τὸν αὐτὸν τρόπον
δυνατός ἐστιν ἀλλ ὁ μὲν ὅτι τὸ γένος τοιοῦτον καὶ ἡ ὕλη ὁ δ ὅτι βουληθεὶς δυνατὸς
θεωρεῖν ἂν μή τι κωλύσῃ τῶν ἔξωθεν ὁ δ ἤδη θεωρῶν ἐντελεχείᾳ ὢν καὶ κυρίως
ἐπιστάμενος τόδε τὸ Α ἀμφότεροι μὲν οὖν οἱ πρῶτοι κατὰ δύναμιν ἐπιστήμονες
ltὄντες ἐνεργείᾳ γίνονται ἐπιστήμονεςgtἀλλ ὁ μὲν διὰ μαθήσεως ἀλλοιωθεὶς καὶ
πολλάκις ἐξ ἐναντίας μεταβαλὼν ἕξεως ὁ δ ἐκ τοῦ ἔχειν τὴν ἀριθμητικὴν ἢ τὴν
γραμματικήν μὴ ἐνεργεῖν δέ εἰς τὸ ἐνεργεῖν ἄλλον τρόπον
Eacute preciso ainda fazer distinccedilotildees no que diz respeito agrave potecircncia e agrave atualidade Pois ateacute
agora falaacutevamos disso de maneira simples Por um lado haacute aquele que conhece no
sentido em que diriacuteamos ser o homem conhecedor por estar entre os que conhecem e
possuem conhecimento e haacute em outro sentido aquele que dizemos ser conhecedor
por jaacute saber a gramaacutetica (e cada um deles eacute em potecircncia mas natildeo da mesma maneira
o primeiro por que eacute de tal gecircnero e mateacuteria o outro porque se quiser pode inquirir
nada externo o impedindo) E haacute por fim aquele que estaacute inquirindo e em atualidade
conhecendo em sentido proacuteprio este ldquoArdquo determinado Os dois primeiros satildeo
conhecedores em potecircncia um por ter-se alterado via aprendizagem e por passar
vaacuterias vezes de uma das disposiccedilotildees contraacuterias a outra o outro de outro modo por
passar do ter a percepccedilatildeo sensiacutevel30 ou a gramaacutetica sem exercitaacute-lo ao estar em
exerciacutecio DA II 5 417a21-b2 (Trad Gomes dos Reis)
O ser humano eacute configurado de modo a realizar certas atividades como a nutriccedilatildeo a
percepccedilatildeo e a inquiriccedilatildeo Entretanto a pura organizaccedilatildeo fiacutesica natildeo basta para que elas sejam
realizadas Assim somente quando a funccedilatildeo proacutepria de determinada disposiccedilatildeo fiacutesica entra
em atividade eacute que aquilo que eacute em potecircncia se torna uma atualidade No caso acima a
capacidade de inquirir Mas toda capacidade exige um objeto para entrar em atividade E o
29 1980 p 174 30 A tradutora optou por substituir o termo ldquoarithmetikegravenrdquo por ldquoaiacutesthesinrdquo Cf GOMES DOS REIS 2012 p 84
27
que era uma potecircncia de aprendizado para o inquiridor torna-se uma atualidade pela atividade
da sua inquiriccedilatildeo Deste modo haacute trecircs instacircncias que vatildeo da potecircncia agrave atualidade Na
primeira o ser vivente eacute dotado da capacidade de aprender a inquirir Na segunda esta
disposiccedilatildeo eacute posta em atividade tendo um objeto para se inquirir Na terceira eacute a atividade
dessa capacidade aprendida ou adquirida que se tem uma atualidade plena No primeiro caso
eacute claramente uma capacidade segundo uma disposiccedilatildeo No segundo caso jaacute temos um estado
de atualidade na medida em que haacute o exerciacutecio dessa capacidade proacutepria ao ser vivente
Aristoacuteteles chama isso de potecircncia pois em relaccedilatildeo agrave terceira instacircncia aquele modo de
atualidade eacute ainda suscetiacutevel de alteraccedilatildeo E quando essa nova capacidade a gramaacutetica eacute
adquirida pela atividade desta nova capacidade de inquirir possiacutevel apenas pela sua
disposiccedilatildeo na fisiologia do ser vivente a capacidade se atualiza plenamente
Assim a alma eacute atualidade primeira de um corpo potencialmente vivo enquanto
princiacutepio de atividade das capacidades proacuteprias ao viver presentes como disposiccedilatildeo que a
forma engendra neste corpo Isto fica mais evidente em DA II 1 412b5-9
εἰ δή τι κοινὸν ἐπὶ πάσης ψυχῆς δεῖ λέγειν εἴη ἂν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος
φυσικοῦ ὀργανικοῦ διὸ καὶ οὐ δεῖ ζητεῖν εἰ ἓν ἡ ψυχὴ καὶ τὸ σῶμα ὥσπερ οὐδὲ τὸν
κηρὸν καὶ τὸ σχῆμα οὐδ ὅλως τὴν ἑκάστου ὕλην καὶ τὸ οὗ ἡ ὕλη τὸ γὰρ ἓν καὶ τὸ
εἶναι ἐπεὶ πλεοναχῶς λέγεται τὸ κυρίως ἡ ἐντελέχειά ἐστιν
Se eacute preciso enunciar algo comum a toda e qualquer alma seria que eacute a primeira
atualidade do corpo natural orgacircnico E por isso inclusive natildeo eacute preciso investigar se
alma e corpo satildeo uma unidade ndash tampouco se a cera e a figura o satildeo e em suma nem
se a mateacuteria de cada coisa e aquilo de que eacute mateacuteria ndash pois jaacute que se diz unidade ser
de muitos modos o mais apropriado deles eacute a atualidade (Trad Gomes dos Reis)
O corpo eacute dotado de oacutergatildeos partes que viabilizam a atividade das capacidades
proacuteprias ao viver E eacute a atividade das capacidades atraveacutes dos oacutergatildeos que se confere unidade
entre corpo e alma nesse composto orgacircnico vivo Assim Aristoacuteteles responde sobre a
unidade entre alma e corpo enunciada na taacutebua de definiccedilotildees Natildeo por acaso como corolaacuterio
agraves noccedilotildees de alma como forma e atualidade Aristoacuteteles declara
οὐσία γὰρ ἡ κατὰ τὸν λόγον τοῦτο δὲ τὸ τί ἦν εἶναι τῷ τοιῳδὶ σώματι καθάπερ εἴ τι
τῶν ὀργάνων φυσικὸν ἦν σῶμα οἷον πέλεκυς ἦν μὲν γὰρ ἂν τὸ πελέκει εἶναι ἡ οὐσία
αὐτοῦ καὶ ἡ ψυχὴ τοῦτο χωρισθείσης δὲ ταύτης οὐκ ἂν ἔτι πέλεκυς ἦν ἀλλ ἢ ὁμ
ωνύμως νῦν δ ἔστι πέλεκυς οὐ γὰρ τοιούτου σώματος τὸ τί ἦν εἶναι καὶ ὁ λόγος ἡ
ψυχή ἀλλὰ φυσικοῦ τοιουδί ἔχοντος ἀρχὴν κινήσεως καὶ στάσεως ἐν ἑαυτῷ
Pois ela eacute a substacircncia segundo a determinaccedilatildeo ou seja o que era para ser de um
corpo de tal tipo Se um instrumento fosse um corpo natural ndash por exemplo o
machado ndash a sua substacircncia seria a que eacute ser para o machado e isto seria a sua alma
Separado disso ele natildeo seria mais um machado exceto por homoniacutemia Mas na
verdade eacute um machado pois a alma natildeo eacute a determinaccedilatildeo e o que eacute o que eacute para um
corpo desse tipo mas sim um corpo natural tal que tenha em si mesmo um princiacutepio
28
de movimento e repouso DA II 1 412b10-17 (Trad Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo
proacutepria)
Como jaacute explicitado no enunciado de alma enquanto substacircncia como forma em
412a20 a alma eacute este princiacutepio determinante do ser do composto Ou seja o princiacutepio
organizador das suas disposiccedilotildees e propriedades que determinaratildeo o ser proacuteprio de um corpo
natural capaz de viver A identificaccedilatildeo entre alma e forma se desdobraraacute na identificaccedilatildeo de
alma e o que era para ser31
(tograve tiacute ecircn eicircnai)
Dado que a alma eacute forma e atualidade do corpo Aristoacuteteles estabelece que ela eacute seu
princiacutepio de determinaccedilatildeo das propriedades relevantes que daratildeo o caraacuteter essencial do ser
vivente E eacute evidente como o texto nos mostra e Hamilyn32
sustenta que a determinaccedilatildeo da
essecircncia se daacute segundo sua funccedilatildeo (eacutergon) O ser do machado eacute cortar na medida em que a
funccedilatildeo proacutepria do machado eacute cortar assim como a do olho eacute ver O ser do ser vivente eacute viver
31 A locuccedilatildeo eacute razatildeo de grande controveacutersia na tradiccedilatildeo de comentaacuterios ao texto aristoteacutelico Natildeo entrarei nos
pormenores da discussatildeo mas tomarei a traduccedilatildeo o que era para ser em sua literalidade assim como Angioni
tendo em vista o contexto no qual se pretende compreender seu emprego ldquoTrata-se de uma substantivaccedilatildeo com
o artigo neutro (lsquotorsquo) da pergunta lsquoo que afinal era o ser para tal coisarsquo (lsquoti en to einai toutoirsquo lsquotiacute ecircn tograve eicircnai
toutoirsquo) ndash Aristoacuteteles frequentemente substantiva segmentos de sentenccedilas e expressotildees que em si mesmas
constituem perguntas gramaticalmente completas isso ocorre na designaccedilatildeo das categorias (ldquoo qualrdquo ldquotograve poicirconrdquo
etc) na designaccedilatildeo de algumas das quatro causas (lsquoo que moveu primeirorsquo lsquoo em vista de quersquo) e em outras
expressotildees lsquo(lsquoo por quecircrsquo lsquotograve diagrave tiacutersquo ou lsquotograve dioacutetirsquo) O infinitivo lsquoserrsquo eacute o mesmo que consta na expressatildeo lsquoser +
dativorsquo e que designa a essecircncia da coisa isto eacute o conjunto de propriedades e caracteriacutesticas que deveriam ser
enumeradas no enunciado que define o que a coisa eacute Trata-se do mesmo infinitivo que comparece em 1041a32
1041b28 e 1042b27 (e natildeo se trata do infinitivo que poderia eventualmente ser entendido como existencial tal
como em 1041a15) O imperfeito ldquoerardquo por sua vez consiste num resquiacutecio de um uso dialeacutetico pelo qual o
interlocutor remetia a alguma definiccedilatildeo anteriormente dada destinada a funcionar como paracircmetro para a
discussatildeo ulterior (para referecircncias quanto ao uso desse imperfeito ver nossa dissertaccedilatildeo de mestrado p 89
nota 208) A pergunta original seria lsquoo quecirc era o ser para tal coisarsquo mas isso quer apenas dizer lsquoo quecirc fora
estabelecido (anteriormente na presente discussatildeo) como ser para tal coisarsquo Com o haacutebito a expressatildeo teria
perdido o significado interrogativo que originalmente possuiacutea e teria se tornado um jargatildeo para designar a
essecircncia Em vista disso lsquoto ti en einairsquo poderia ser traduzido ou parafraseado como lsquoaquilo que fora
estabelecido como caracteriacutesticas essenciais de tal coisarsquo A lsquoanterioridade causal da formarsquo muita vez alegada
como chave para a compreensatildeo do jargatildeo eacute compatiacutevel com o significado da expressatildeo mas natildeo explica a
origem do imperfeitordquo (Angioni 2005 102) 32 ldquoAristotlersquos selection of a tool an axe to provide an analogy with the ensouled body reveals how close to the
surface in this discussion is the notion of function The substance or essence of an axe is its function without
which it would not be an axe Like the Greeks in general Aristotle had no difficulty in thinking of a natural body
as having a function too (cf Nicomachean Ethics 1097b22ff) this is part of his general teleology But as he
goes on to point out there are differences also between an axe and a natural body which spoil the analogy This
is the force of the words lsquoBut as it is an axersquo ndash the essence of a axe is not its soul since it does not have one not
being a living thingrdquo ldquoA seleccedilatildeo do Aristoacuteteles de um instrumento um machado prova um analogia com os
coporpos animados revela como o que estaacute em voga eacute a discussatildeo eacute a noccedilatildeo de funccedilatildeo A substacircncia ou
essecircncia de um machado eacute sua funccedilatildeo sem a qual ele natildeo seria um machado Assim como os Gregos
Aristoacuteteles natildeo teve dificuldades em pensar o corpo natural como tambeacutem dotado de funccedilatildeo (cf Eacutetica a
Nicocircmaco 1097b22ss) isto eacute parte da sua teleologia Mas como ele segue pontuando haacute diferenccedilas igualmente
entre um machado e um corpo natural que prejudicam a analogia Eacute o que sugerem as palavras Mas eacute como um
machadorsquo - a essecircncia do machado natildeo eacute sua alma jaacute que ele natildeo tem uma natildeo eacute um ser viventerdquo (HAMLYN
1993 85) (Trad proacutepria)
29
e isto eacute garantido pela alma A locuccedilatildeo o que era para ser como indica Gomes dos Reis33
pode ser compreendida como uma continuidade da forma do ser vivente perante o devir que
lhe eacute proacuteprio ao longo da sua vida
Com isso Aristoacuteteles traccedila suas noccedilotildees preliminares da alma em DA II 1 Haacute ao final
do capiacutetulo algo digno de nota Aristoacuteteles se refere a tudo isto como um rascunho e esboccedilo
de definiccedilatildeo34
Poderiacuteamos entender que estas proposiccedilotildees satildeo insuficientes para o projeto
psicoloacutegico aristoteacutelico E satildeo mesmo em certa medida Pois em relaccedilatildeo agrave taacutebua de
definiccedilatildeo Aristoacuteteles soacute respondeu as noccedilotildees relativas agrave substacircncia atualidade e unidade da
alma Apesar disso como argumentarei na sessatildeo seguinte todo o arcabouccedilo conceitual e
argumentativo aqui esboccedilado sustentaraacute a noccedilatildeo de alma como princiacutepio das capacidades que
denotam vida Aleacutem do mais se lembrarmos que nas primeiras linhas do capiacutetulo Aristoacuteteles
se comprometia tatildeo somente em buscar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) para a
alma eacute inegaacutevel que ele foi bem sucedido Se ao fim de DA I ele tem claro que a alma eacute
princiacutepio imoacutevel de movimento e una em DA II 1 satildeo apresentados os argumentos positivos
para estas duas teses A alma eacute de estatuto formal portanto imoacutevel e princiacutepio organizador
das propriedades do ser Enquanto forma eacute atualidade e assim o princiacutepio de atividade das
capacidades proacuteprias ao ser Enquanto substacircncia eacute o que era para ser do ser vivente e entatildeo
o princiacutepio determinante do que este ser vivente eacute E esta determinaccedilatildeo seraacute dada pela funccedilatildeo
proacutepria das suas capacidades que soacute seratildeo plenificadas com as atividades no oacutergatildeo
correspondente Este enunciado e o que se desdobra dele eacute um rascunho e esboccedilo de definiccedilatildeo
pois natildeo nos explica satisfatoriamente por que a alma eacute princiacutepio das formas especiacuteficas de
vida Aristoacuteteles reconhece isso e segundo um paracircmetro geomeacutetrico de definiccedilatildeo mudaraacute o
curso da investigaccedilatildeo sobre a alma
33 ldquoA expressatildeo to ti ecircn einai pode ser a generalizaccedilatildeo de uma construccedilatildeo com ocorrecircncias nos tratados por
exemplo to [pelekei] einai o ser [para o machado] o ser [para a carne] que seraacute traduzida por sua vez como a
locuccedilatildeo ldquoo que eacute ser para o machadordquo e assim por diante Como reconstruiacute-la eacute um assunto polecircmico Haacute um
verbo no imperfeito (a expressatildeo literalmente diz algo como o lsquoo que era a serrsquo) que poderia ser interpretado
como uma ecircnfase na continuidade da forma a despeito do devirrdquo 2012 208 34τύπῳ μὲν οὖν ταύτῃ διωρίσθω καὶ ὑπογεγράφθω περὶ ψυχῆς ldquoE isto basta como um esquema do esboccedilo de
definiccedilatildeo de almardquo DA II 1 413a10-11 (Trad Gomes dos Reis)
30
22 A DEFINICcedilAtildeO PELAS CAPACIDADES
DA II 2 se inicia com um impasse a noccedilatildeo geral oferece o gecircnero de ser da alma mas
natildeo a enuncia como causa de vida nos seres viventes Diante disso Aristoacuteteles faz uma
revisatildeo metodoloacutegica na investigaccedilatildeo de alma tomando como paradigma o exemplo de
definiccedilatildeo pela causa de um objeto geomeacutetrico
Ἐπεὶ δ ἐκ τῶν ἀσαφῶν μὲν φανερωτέρων δὲ γίνεται τὸ σαφὲς καὶ κατὰ τὸν λόγον
γνωριμώτερον πειρατέον πάλιν οὕτω γ ἐπελθεῖν περὶ αὐτῆς οὐ γὰρ μόνον τὸ ὅτι δεῖ
τὸν ὁριστικὸν λόγον δηλοῦν ὥσπερ οἱ πλεῖστοι τῶν ὅρων λέγουσιν ἀλλὰ καὶ τὴν
αἰτίαν ἐνυπάρχειν καὶ ἐμφαίνεσθαι νῦν δ ὥσπερ συμπεράσμαθ οἱ λόγοι τῶν ὅρων
εἰσίν οἷον τί ἐστιν ὁ τετραγωνισμός τὸ ἴσον ἑτερομήκει ὀρθογώνιον εἶναι
ἰσόπλευρον ὁ δὲ τοιοῦτος ὅρος λόγος τοῦ συμπεράσματος ὁ δὲ λέγων ὅτι ἐστὶν ὁ
τετραγωνισμὸς μέσης εὕρεσις τοῦ πράγματος λέγει τὸ αἴτιον
E jaacute que a partir de coisas natildeo claras embora mais manifestas advecircm clareza e maior
inteligibilidade segundo o enunciado deve-se tentar desta maneira novamente
discorrer sobre a alma pois natildeo somente eacute preciso que o enunciado definidor
esclareccedila os fatos ndash como o faz a maioria das definiccedilotildees ndash mas ainda conter e
expressar a causa Os enunciados das definiccedilotildees na verdade satildeo como conclusotildees O
que eacute por exemplo a quadratura Eacute fazer equivaler um retacircngulo equilaacutetero a um
retacircngulo qualquer Mas tal definiccedilatildeo eacute o enunciado da conclusatildeo e o que diz por sua
vez que a quadratura eacute a descoberta de uma meacutedia proporcional enuncia a causa DA
II 2 413a11-20 (Trad Gomes dos Reis)
Novamente Aristoacuteteles nos relembra a ideia de que as apreensotildees sensiacuteveis satildeo mais
manifestas (phaneroteacuteron) que as apreensotildees inteligiacuteveis As inteligiacuteveis satildeo mais claras
(sophoacutes) pois satildeo formas apreendidas com a razatildeo e menos suscetiacuteveis ao engano Ao
contraacuterio das apreensotildees sensiacuteveis que satildeo mais manifestas Muito embora os pressupostos
que permitiram deduzir o estatuto ontoloacutegico da alma no capiacutetulo anterior sejam mais claros
eles enunciam o vivente como um ser animado enquanto um fato mas natildeo enunciam a alma
como causa do viver Portanto DA II 2 se dedicaraacute a investigar a alma como causa de vida
nos seres viventes a partir do que eacute mais manifesto ao que eacute mais claro
Aristoacuteteles se utiliza de um teorema para explicar que o termo meacutedio de um silogismo
apresenta a causa de um fato Num silogismo dado uma premissa maior que enuncie o fato e
tem como outro fato a conclusatildeo a premissa menor enuncia a causa pois eacute onde se encontra o
porquecirc da conclusatildeo Responder que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois ldquoTodo homem eacute mortalrdquo natildeo
enuncia a causa da mortalidade de Soacutecrates soacute o mero fato de coincidentemente ldquoSoacutecratesrdquo e
ldquoTodo homemrdquo serem mortais Poreacutem se respondemos que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois
ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo e ldquoTodo homem eacute mortalrdquo entatildeo foi enunciado a causa da mortalidade
de Soacutecrates Em sua estrutura claacutessica a premissa maior ldquoTodo homem eacute mortalrdquo a premissa
menor ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo a conclusatildeo ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo
31
Fica a questatildeo de como este novo criteacuterio se aplica agrave definiccedilatildeo E sobre a alma o
corpo e a vida
λέγομεν οὖν ἀρχὴν λαβόντες τῆς σκέψεως διωρίσθαι τὸ ἔμψυχον τοῦ ἀψύχου τῷ
ζῆν πλεοναχῶς δὲ τοῦ ζῆν λεγομένου κἂν ἕν τι τούτων ἐνυπάρχῃ μόνον ζῆν αὐτό
φαμεν οἷον νοῦς αἴσθησις κίνησις καὶ στάσις ἡ κατὰ τόπον ἔτι κίνησις ἡ κατὰ
τροφὴν καὶ φθίσις τε καὶ αὔξησις
Retomando o princiacutepio da investigaccedilatildeo digamos entatildeo que o animado se distingue do
inanimado pelo viver E de muitos modos se diz o viver pois dizemos que algo vive
se nele subsiste pelo menos um destes ndash intelecto percepccedilatildeo sensiacutevel movimento
local e repouso e ainda o movimento segundo a nutriccedilatildeo o decaimento e o
crescimento DA II 2 413a20-24 (Trad Gomes dos Reis)
Aristoacuteteles enuncia uma premissa maior e outra menor
[premissa maior] Todo ser dotado de alma vive
[premissa menor] Viver eacute ser dotado de intelecto percepccedilatildeo nutriccedilatildeo movimento
local e repouso decaimento e crescimento
Eacute proacuteprio agrave alma atribuir vida Viver eacute ser dotado de uma das capacidades
mencionadas Assim todo corpo natural que apresente uma dessas capacidades vive35
Portanto as plantas vivem pois se nutrem crescem e decaem por si proacuteprias
διὸ καὶ τὰ φυόμενα πάντα δοκεῖ ζῆν φαίνεται γὰρ ἐν αὑτοῖς ἔχοντα δύναμιν καὶ
ἀρχὴν τοιαύτην δι ἧς αὔξησίν τε καὶ φθίσιν λαμβάνουσι κατὰ τοὺς ἐναντίους τόπους
οὐ γὰρ ἄνω μὲν αὔξεται κάτω δ οὔ ἀλλ ὁμοίως ἐπ ἄμφω καὶ πάντῃ ὅσα ἀεὶ
τρέφεταί τε καὶ ζῇ διὰ τέλους ἕως ἂν δύνηται λαμβάνειν τροφήν
Por isso parece inclusive que todas as plantas vivem pois eacute manifesto que tecircm em si
mesmas uma potecircncia e um princiacutepio deste tipo por meio do qual ganham
crescimento e decaimento segundo direccedilotildees contraacuterias pois natildeo crescem apenas para
cima e natildeo para baixo mas similarmetne em ambas e em todas as direccedilotildees e assim eacute
para as que se nutrem constantemente e vivem ateacute o fim enquanto puderem obter
alimento DA II 2 413a25-31 (Trad Gomes dos Reis)
Assim como os animais vivem jaacute que satildeo dotados de nutriccedilatildeo e percepccedilatildeo
τὸ μὲν οὖν ζῆν διὰ τὴν ἀρχὴν ταύτην ὑπάρχει τοῖς ζῶσι τὸ δὲ ζῷον διὰ τὴν αἴσθησιν
πρώτως καὶ γὰρ τὰ μὴ κινούμενα μηδ ἀλλάττοντα τόπον ἔχοντα δ αἴσθησιν ζῷα
λέγομεν καὶ οὐ ζῆν μόνον
O viver subsiste nos seres vivos por conta deste princiacutepio e o animal constitui-se
primordialmente pela percepccedilatildeo sensiacutevel Pois dizemos que satildeo animais ndash e natildeo
apenas que vivem ndash tambeacutem os que natildeo se movem nem mudam de lugar mas
possuem percepccedilatildeo DA II 2 413b1-4 (Trad Gomes dos Reis)
Com isso temos a conclusatildeo do silogismo psicoloacutegico aristoteacutelico
[conclusatildeo a] Plantas e animais satildeo animados
E desta uma outra
35 Como jaacute antecipara em DA II 1 412a11-16 citado na paacutegina 16
32
[conclusatildeo b] Plantas e animais satildeo vivos
Portanto assim como todo retacircngulo teraacute quadratura por causa da sua proporccedilatildeo com
um retacircngulo quadrilaacutetero todo corpo seraacute um ser vivente por ser dotado de alma Entretanto
uma ldquoquestatildeo de aluno bobordquo seria perguntar para Aristoacuteteles de onde vecircm essas duas
premissas Ao conectar alma e vida sem explicar esta uacuteltima poderia levar a investigaccedilatildeo
aristoteacutelica agrave obscuridade precisamente onde se deveria ter mais clareza Entatildeo para que
Aristoacuteteles garanta a alma como causa da vida mortal ele endossaria os pressupostos dos seus
predecessores e portanto distinguiria o animado do inanimado pelo movimento e pela
percepccedilatildeo36
Polansky apesar disso natildeo esclarece afinal quais os argumentos que sustentam
a associaccedilatildeo entre alma e vida Se limitando apenas agraves implicaccedilotildees argumentativas desse
pressuposto
Contudo se assumirmos que Aristoacuteteles endossa a tese de seus predecessores segundo
a qual o animado se distingue do inanimado pelo movimento e percepccedilatildeo37
e que a nutriccedilatildeo eacute
a capacidade mais baacutesica entre os seres animados38
e por fim que a nutriccedilatildeo e a percepccedilatildeo
satildeo uma forma de movimento39
somos levados a crer que o argumento consiste em
[P1] viver eacute ao menos nutriccedilatildeo crescimento e decaimento
[P2] nutriccedilatildeo crescimento e decaimento satildeo um tipo de movimento (do tipo por si)
[P3] tudo o que se move por si eacute animado
[P4] a alma eacute um princiacutepio imoacutevel de movimento
[C1] logo tudo o que vive eacute animado
36 Cf Nota seguinte 37 τὸ ἔμψυχον δὴ τοῦ ἀψύχου δυσὶ μάλιστα διαφέρειν δοκεῖ κινήσει τε καὶ τῷ αἰσθάνεσθαι παρειλήφαμεν δὲ
καὶ παρὰ τῶν προγενεστέρων σχεδὸν δύο ταῦτα περὶ ψυχῆς ldquoOra haacute a opiniatildeo de que o animado difere do
inanimado em dois aspectos o movimento e a percepccedilatildeo sensiacutevel E em relaccedilatildeo agrave alma satildeo mais ou menos
esses dois que recebemos de nossos predecessoresrdquo DA I 1 403b25-28 (Trad Gomes dos Reis) 38 ὥστε πρῶτον περὶ τροφῆς καὶ γεννήσεως λεκτέον ἡ γὰρ θρεπτικὴ ψυχὴ καὶ τοῖς ἄλλοις ὑπάρχει καὶ πρώτη
καὶ κοινοτάτη δύναμίς ἐστι ψυχῆς καθ ἣν ὑπάρχει τὸ ζῆν ἅπασιν ldquoPor conseguinte deve-se primeiro tratar do
alimento e da geraccedilatildeo pois a alma nutritiva subsiste tambeacutem com as outras sendo a primeira e a mais comum
potecircncia da alma segundo a qual subsiste em todos o viverrdquo DA II 4 415A22-25 (Trad Gomes dos Reis) 39 ἔστι δὲ καὶ ἀλλοίωσις καὶ αὔξησις κατὰ ψυχήν ἡ μὲν γὰρ αἴσθησις ἀλλοίωσίς τις εἶναι δοκεῖ αἰσθάνεται δ
οὐθὲν ὃ μὴ μετέχει ψυχῆς ὁμοίως δὲ καὶ περὶ αὐξήσεώς τε καὶ φθίσεως ἔχει οὐδὲν γὰρ φθίνει οὐδ αὔξεται
φυσικῶς μὴ τρεφόμενον τρέφεται δ οὐθὲν ὃ μὴ κοινωνεῖ ζωῆς ldquoMas inclusive a alteraccedilatildeo e o crecimento
existem segundo a alma pois haacute a opiniatildeo de que a percepccedilatildeo sensiacutevel eacute uma certa alteraccedilatildeo e aquele que natildeo
participa da alma nada percebe de maneira similar ocorre tambeacutem em relaccedilatildeo ao crescimento e decaimento pois
nem decai nem cresce naturalmente aquele que natildeo eacute nutrido e nada que natildeo compartilhe da vida se nutrerdquo DA
II 4 415b23-28 (Trad Gomes dos Reis)
E mais adiante enunciando a percepccedilatildeo Aristoacuteteles eacute categoacuterico ἡ δ αἴσθησις ἐν τῷ κινεῖσθαί τε καὶ πάσχειν
συμβαίνει καθάπερ εἴρηται δοκεῖ γὰρ ἀλλοίωσίς τις εἶναι ldquoA percepccedilatildeo sensiacutevel consiste em ser movido e ser
afetado como dissemos pois haacute a opiniatildeo de que ela eacute uma certa alteraccedilatildeordquo DA II 4 416b35-36 (Trad Gomes
dos Reis)
33
Note que [P1] e [P2] seriam premissas autoevidentes Em [P3] Aristoacuteteles partiria
dos mesmos pressupostos que as endoxai de seus predecessores enquanto [P4] resultaria da
anaacutelise criacutetica dessas endoxai ao longo de DA I 3-5 Aristoacuteteles natildeo nos elucida claramente de
onde ele tira as evidecircncias de [P1] e [P2] ou seja por que essas capacidades tais satildeo
movimentos por si e portanto denotam vida Quanto a [P3] Fiacutes VIII40
nos indica que esta eacute
uma tese que Aristoacuteteles abraccedila mas tambeacutem sem explicar suas razotildees O mais plausiacutevel
parece ser que este eacute um fenocircmeno autoevidente amplamente aceito que dispense justificaccedilatildeo
Diferentemente eacute o caso de [P4] cuja justificativa pode se sustentar na criacutetica aristoteacutelica agraves
noccedilotildees democritianas de que a alma eacute um princiacutepio de movimento que se move em DA I 3
corroborada pela noccedilatildeo de alma enunciada em DA II 1 segundo a qual a alma eacute forma logo
atualidade e portanto princiacutepio de determinaccedilatildeo das funccedilotildees proacuteprias ao ser vivente
Olhando por essas lacunas que o argumento aristoteacutelico conteacutem sua tentativa de
enunciar a alma como causa de vida parece fragilizada Entretanto fato eacute que a vida eacute
explicada pela alma no contexto do pensamento helecircnico Entatildeo conceder a Aristoacuteteles este
pressuposto parece um miacutenimo que o leitor contemporacircneo precise fazer Aleacutem disso vale
lembrar que em Met Z 17 Aristoacuteteles defende ser ldquonecessaacuterio que o dado e a existecircncia da
coisa sejam previamente conhecidosrdquo41
e que portanto o que se investiga eacute ldquopor que alguma
coisa pertence a outrardquo42
Deste modo cabem aqui questotildees como ldquopor que os corpos
vivemrdquo ou ainda ldquopor que se atribui vida a corpos dotados de capacidades taisrdquo E natildeo ldquopor
que o animado se diferencia do inanimado pelo viverrdquo como o formulado no iniacutecio desta
digressatildeo Talvez a fragilidade aparente se decirc pois aqui se toque as Colunas de Heacutercules da
psicologia aristoteacutelica
Retomando a braccedilada dos remos se a tese de que a vida se manifesta pela capacidade
de movimento eacute confirmada quando Aristoacuteteles enuncia uma nova noccedilatildeo de alma como
40 οὐδεμιᾶς γὰρ ἐν ἡμῖν ἐνούσης κινήσεως ἐνίοτε ἀλλ ἡσυχάζοντες ὅμως κινούμεθά ποτε καὶ ἐγγίγνεται ἐν ἡμῖν
ἐξ ἡμῶν αὐτῶν ἀρχὴ κινήσεως κἂν μηθὲν ἔξωθεν κινήσῃ τοῦτο γὰρ ἐπὶ τῶν ἀψύχων οὐχ ὁρῶμεν ὁμοίως ἀλλ
ἀεὶ κινεῖ τι αὐτὰ τῶν ἔξωθεν ἕτερον τὸ δὲ ζῷον αὐτό φαμεν ἑαυτὸ κινεῖν ldquoPor vezes acontece que natildeo haja
movimento em noacutes [entes animados] e que de nosso repouso noacutes sejamos postos em movimento e agraves vezes o
princiacutepio do movimento surge em noacutes e de noacutes sem que nada de outro nos mova de fora Natildeo vemos nada
parecido no caso dos seres inanimados pois eles sempre satildeo movidos por algo outro que reside fora deles Dos
animais noacutes dizemos que eles movem a si mesmosrdquo Fiacutes VIII 2 252b18-23 (Trad Daniel Nascimento)
ὁρῶμεν δὲ καὶ φανερῶς ὄντα τοιαῦτα ἃ κινεῖ αὐτὰ ἑαυτά οἷον τὸ τῶν ἐμψύχων καὶ τὸ τῶν ζῴων γένος ταῦτα δὲ
καὶ δόξαν παρεῖχε μή ποτε ἐνδέχεται κίνησιν ἐγγίγνεσθαι μὴ οὖσαν ὅλως διὰ τὸ ἐν τούτοις ὁρᾶν ἡμᾶς τοῦτο
συμβαῖνον (ἀκίνητα γάρ ποτε ὄντα κινεῖται πάλιν ὡς δοκεῖ) ldquoVemos claramente que existem coisas que se
movem a si mesmas como por exemplo os entes animados e o gecircnero dos animais e por causa disso pensamos
que pode ser possiacutevel que o movimento seja gerado sem que antes tenha existido de qualquer forma pois noacutes
vemos isso acontecer com eles (estarem imoacuteveis em determinado momento e moverem-se novamanete tal como
parece)rdquo Fis VIII 6 259b1-6 (Trad Daniel Nascimento) 41 δεῖ γὰρ τὸ ὅτι καὶ τὸ εἶναι ὑπάρχειν δῆλα ὄντα Met 17 1041a15 42ἄλλο γὰρ οὕτω κατ ἄλλου ἐστὶ τὸ ζητούμενον Met 17 1041a25-26
34
conclusatildeo do raciociacutenio iniciado em DA II 2 temos esta nova formulaccedilatildeo segundo as
capacidades que denotam o viver
νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον εἰρήσθω μόνον ὅτι ἐστὶν ἡ ψυχὴ τῶν εἰρημένων τούτων ἀρχὴ καὶ
τούτοις ὥρισται θρεπτικῷ αἰσθητικῷ διανοητικῷ κινήσει
Por ora eacute suficiente dizer apenas isto que a alma eacute princiacutepio das capacidades
mencionadas ndash nutritiva perceptiva raciocinativa e de movimento ndash e que por elas eacute
definida DA II 2 413b11-13 (Trad Gomes dos Reis)
Esta noccedilatildeo eclode como corolaacuterio da argumentaccedilatildeo anterior Com ela Aristoacuteteles
conquista um importante ponto do seu projeto psicoloacutegico a saber que a noccedilatildeo de alma
explique as distintas formas de vida atraveacutes das capacidades Isto levaraacute a uma gama de
comentadores contemporacircneos a valorizarem esta definiccedilatildeo em detrimento da definiccedilatildeo pela
substacircncia apresentada em DA II 1 Os que assim interpretam43
reduzem a definiccedilatildeo de alma
agrave noccedilatildeo de princiacutepio das funccedilotildees que denotam vida Esta interpretaccedilatildeo natildeo eacute totalmente
equivocada na medida em que textualmente Aristoacuteteles afirma isto Poreacutem ela eacute imprecisa
pois ignora o estatuto ontoloacutegico da alma Como vimos na seccedilatildeo anterior a alma eacute substacircncia
como forma (tegraves psycheacutes ousiacutean eicircnai hocircs eicircdos) do corpo e portanto seu princiacutepio
organizador que lhe confere o viver E enquanto forma do corpo a alma eacute sua atualidade
primeira (enteleacutekheia proteacute) Ou seja princiacutepio formal o qual o corpo se desenvolve em vista
do viver Pois a alma de um lado traz em si as disposiccedilotildees (heacutexeis) necessaacuterias agrave vida e
determina o que este corpo orgacircnico era para ser (tograve tiacute ecircn eicircnai) mediante suas funccedilotildees (eacuterga)
e atividades (eneacutergeiai) de viver Essas funccedilotildees satildeo as capacidades (dynaacutemeis) que
caracterizam os tipos de vida nos seres seu modo proacuteprio de viver Sendo assim a capacidade
nutritiva eacute proacutepria agrave vida vegetativa a perceptiva proacutepria agrave animal e a intelectiva agrave humana
Como se vecirc a definiccedilatildeo pelas capacidades tem sua origem e fundamento na definiccedilatildeo
pela forma Por outro lado esta soacute ganha capilaridade na definiccedilatildeo pela capacidade jaacute que sua
noccedilatildeo geral natildeo define a alma como causa de cada tipo de vida nem princiacutepio das
capacidades proacuteprias ao viver Deste modo uma interpretaccedilatildeo da noccedilatildeo aristoteacutelica de alma
que ignore como ambas noccedilotildees se sustentam mutuamente eacute parcial e suscetiacutevel de engendrar
mais problema que o proacuteprio texto jaacute apresenta
Com isso concluiacutemos De Anima II 2 compreendendo que a alma eacute causa de vida jaacute
que eacute princiacutepio das atividades proacuteprias ao viver Diante da noccedilatildeo geral e como ela se
particulariza nas distintas capacidades resta ainda observar um uacuteltimo ponto que Aristoacuteteles
43Putman (1975) Ackrill (1975-6) Bolton (1978) Nussbaum (1978) Everson (1995) CodeampMoravicsik
(1992) Para uma noccedilatildeo geral das diversas correntes de interpretaccedilatildeo da psicologia aristoteacutelica no seio das
discussotildees de filosofia da mente ver Diamond (2015) Caston (2006) e Irwin (1991)
35
trabalharaacute no capiacutetulo seguinte a saber a disposiccedilatildeo seriada hierarquicamente das diversas
formas de vida
23 A DEFINICcedilAtildeO SERIADA
A tese geral de que a alma eacute forma do corpo sofre uma nova reavaliaccedilatildeo em DA II 3
Como se veraacute adiante Aristoacuteteles surpreendentemente declara que toda busca por um
enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) de alma eacute ridiacuteculo (geloicircon) jaacute que esta noccedilatildeo natildeo
permite a compreensatildeo de que as diversas espeacutecies de vida (vegetativa animal e humana) satildeo
dispostas em uma seacuterie ordenada e hierarquizada de acordo com sua capacidade especiacutefica
Como a leitura das formas de vida dispostas em uma seacuterie ordenada eacute um problema que
precisa ser respondido por quem quer que se debruce sobre a noccedilatildeo aristoteacutelica de alma esta
seccedilatildeo argumentaraacute como a noccedilatildeo de almas seriadas natildeo invalida a noccedilatildeo formal de alma
enunciada em DA II 1
DA II 3 poderia ser tematicamente dividido em duas partes Numa primeira de
414ordf29-414b20 Aristoacuteteles dispotildee a hierarquia das capacidades que denotam vida Se em DA
II 2 ele enunciou as capacidades aqui se argumenta como uma estaacute em relaccedilatildeo de
anterioridade agrave outra e portanto disposta hierarquicamente de modo coextensivo agraves formas
de vida Assim se o movimento segundo nutriccedilatildeo crescimento e decaimento seraacute proacuteprio a
uma forma de vida a vegetativa a adiccedilatildeo da capacidade perceptiva seraacute proacutepria agrave vida
vegetativa e animal Agrave medida que se adicione outras capacidades como o intelecto abrange-
se a vida humana44
Esta hierarquizaccedilatildeo suplementar das capacidades a seu enunciado permite
que Aristoacuteteles encampe a tese de que os tipos de vida satildeo dispostos em seacuteries ordenadas
avanccedilando para a segunda parte do capiacutetulo
δῆλον οὖν ὅτι τὸν αὐτὸν τρόπον εἷς ἂν εἴη λόγος ψυχῆς τε καὶ σχήματος οὔτε γὰρ
ἐκεῖ σχῆμα παρὰ τὸ τρίγωνον ἔστι καὶ τὰ ἐφεξῆς οὔτ ἐνταῦθα ψυχὴ παρὰ τὰς
εἰρημένας γένοιτο δ ἂν καὶ ἐπὶ τῶν σχημάτων λόγος κοινός ὃς ἐφαρμόσει μὲν
πᾶσιν ἴδιος δ οὐδενὸς ἔσται σχήματος ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ ταῖς εἰρημέναις ψυχαῖς διὸ
γελοῖον ζητεῖν τὸν κοινὸν λόγον καὶ ἐπὶ τούτων καὶ ἐφ ἑτέρων ὃς οὐδενὸς ἔσται τῶν
ὄντων ἴδιος λόγος οὐδὲ κατὰ τὸ οἰκεῖον καὶ ἄτομον εἶδος ἀφέντας τὸν τοιοῦτον
(παραπλησίως δ ἔχει τῷ περὶ τῶν σχημάτων καὶ τὰ κατὰ ψυχήν ἀεὶ γὰρ ἐν τῷ ἐφεξῆς
44 Τῶν δὲ δυνάμεων τῆς ψυχῆς αἱ λεχθεῖσαι τοῖς μὲν ὑπάρχουσι πᾶσαι καθάπερ εἴπομεν τοῖς δὲ τινὲς αὐτῶν
ἐνίοις δὲ μία μόνη διασαφητέον δὲ περὶ αὐτῶν ὕστερον νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον () εἰρήσθω ὅτι τῶν ζώντων τοῖς
ἔχουσιν ἁφὴν καὶ ὄρεξις ὑπάρχει περὶ δὲ φαντασίας ἄδηλον ὕστερον δ ἐπισκεπτέον ἐνίοις δὲ πρὸς τούτοις
ὑπάρχει καὶ τὸ κατὰ τόπον κινητικόν ἑτέροις δὲ καὶ τὸ διανοητικόν τε καὶ νοῦς οἷον ἀνθρώποις καὶ εἴ τι
τοιοῦτον ἕτερον ἔστιν ἢ τιμιώτερον ldquoDentre as potecircncias da alma como dissemos todas as mencionadas
subsitem em alguns seres em outros soacute algumas delas e em alguns apenas uma E mencionamos como
potecircncias a nutritiva a perceptiva a desiderativa a locomotiva e a raciocinativa Ora nas plantas subsiste
somente a nutritiva mas em outros seres tanto esta como a perceptiva () Por ora eacute suficiente dizer isto que
entre os seres vivos que possuem tato tambeacutem subsiste desejo No que se refere agrave imaginaccedilatildeo natildeo estaacute claro e
devemos examinaacute-la posteriormente Em alguns seres vivos aleacutem disso subsiste tambeacutem a capacidade de se
locomover e em outros ainda a de raciocinar e o intelecto ndash por exemplo nos homens e em algum outro se
houver de tal qualidade ou mais valiosordquo DA II 3 414a29-414b20 (Trad Gomes dos Reis)
36
ὑπάρχει δυνάμει τὸ πρότερον ἐπί τε τῶν σχημάτων καὶ ἐπὶ τῶν ἐμψύχων οἷον ἐν
τετραγώνῳ μὲν τρίγωνον ἐν αἰσθητικῷ δὲ τὸ θρεπτικόν) ὥστε καθ ἕκαστον
ζητητέον τίς ἑκάστου ψυχή οἷον τίς φυτοῦ καὶ τίς ἀνθρώπου ἢ θηρίου διὰ τίνα δ
αἰτίαν τῷ ἐφεξῆς οὕτως ἔχουσι σκεπτέον ἄνευ μὲν γὰρ τοῦ θρεπτικοῦ τὸ αἰσθητικὸν
οὐκ ἔστιν τοῦ δ αἰσθητικοῦ χωρίζεται τὸ θρεπτικὸν ἐν τοῖς φυτοῖς
Eacute claro que poderia da mesma maneira haver entatildeo um enunciado uacutenico tanto de
figura como de alma Pois nem no primeiro caso existe figura aleacutem do triacircngulo e
daquelas que o sucedem nem neste caso existe alma aleacutem das mencionadas A
respeito das figuras tambeacutem eacute possiacutevel formular um enunciado comum que se aplique
a todas sem ser proacuteprio a nenhuma e o mesmo ocorre com as almas mencionadas Por
isso tanto neste como em outros casos eacute ridiacuteculo procurar um enunciado comum ndash
pois a nenhum dos seres seraacute um enunciado proacuteprio nem estaraacute de acordo com a
forma apropriada e indivisiacutevel ndash deixando-se de lado o enunciado deste tipo (E as
coisas concernentes agrave alma estatildeo em situaccedilatildeo parecida agravequela das figuras pois tanto
no caso das figuras como no caso dos seres animados o anterior sempre subsiste
naquilo que o sucede por exemplo o triacircngulo no quadrado o poder de nutrir-se no
de perceber) Assim deve ser investigado de acordo com cada caso o que eacute a alma
de cada um ndash por exemplo o que eacute a alma da planta do homem ou da besta E deve
ser examinado a causa de ser disposto assim em sucessatildeo Pois sem a nutritiva natildeo
existe a capacidade perceptiva embora nas plantas a nutritiva exista separada da
perceptiva DA II 3 414b20-415a6 (Trad Gomes dos Reis)
A analogia entre figura do triacircngulo e a alma vegetativa permite esclarecer qual a
relaccedilatildeo de sucessatildeo entre uma capacidade e outra O triacircngulo eacute a figura geomeacutetrica plana
mais baacutesica de todas A composiccedilatildeo de dois triacircngulos forma um quadrilaacutetero A composiccedilatildeo
de trecircs triacircngulos forma um pentaacutegono e assim sucessivamente Ou seja da mesma maneira
que o triacircngulo subsiste em potecircncia no quadrilaacutetero e este no pentaacutegono a nutriccedilatildeo subsiste
em potecircncia na percepccedilatildeo e esta no intelecto Portanto se a capacidade nutritiva eacute proacutepria agrave
vida vegetativa a perceptiva agrave animal e a intelectiva agrave humana entatildeo igualmente a vida
vegetativa subsiste na animal e a animal na humana Sendo assim da mesma maneira que se
faz necessaacuteria uma definiccedilatildeo proacutepria ao triacircngulo ao quadrilaacutetero e ao pentaacutegono deve-se
buscar um enunciado proacuteprio a cada uma dessas formas de vida para que se sustente como a
alma eacute princiacutepio de cada tipo de vida e natildeo somente da vida em geral Pois um enunciado que
decirc a noccedilatildeo da alma que cubra todas as formas de vida mas que natildeo toque particularmente em
uma natildeo cumpre seu fim argumentativo que eacute explicar a razatildeo da alma ser causa de vida no
ser vivente como se segue
ὅτι μὲν οὖν ὁ περὶ τούτων ἑκάστου λόγος οὗτος οἰκειότατος καὶ περὶ ψυχῆς δῆλον
Eacute claro entatildeo que o enunciado de cada uma destas capacidades eacute tambeacutem o mais
apropriado a respeito da alma DA II 3 415a13-14 (Trad Gomes dos Reis)
Levando-se em conta que Aristoacuteteles se dedicaraacute em todo o restante do De Anima
investigando cada uma das capacidades e seus desdobramentos para uma noccedilatildeo de alma
37
podemos ser levados a crer que Aristoacuteteles elege este como o melhor criteacuterio para uma
definiccedilatildeo de alma
Haacute portanto um grande problema a ser encarado aqui que consiste na resposta a uma
das questotildees elencadas em DA I 145
a saber se eacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma enquanto
tal ou uma para cada tipo de ser vivente Pelo caminho que segue a discussatildeo tende-se a uma
resposta de que seraacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma para cada forma de vida Entretanto
Aristoacuteteles jaacute problematizara se mesmo que haja uma noccedilatildeo uacutenica para catildees cavalos e
homens a de animal esta noccedilatildeo uacutenica eacute universal posterior anterior ou nada em relaccedilatildeo aos
itens
Seguindo o texto de DA II 3 a nutriccedilatildeo eacute a capacidade sobre a qual se erguem todas as
outras ateacute a capacidade de pensamento Dado que um corpo eacute dotado de nutriccedilatildeo e portanto
vivente por causa da alma e a seu turno dado que a alma eacute forma e atualidade primeira do
corpo e portanto princiacutepio organizador das capacidades que denotam o viver novamente a
definiccedilatildeo pela forma sustenta ontologicamente a definiccedilatildeo pelas capacidades e por
concomitacircncia a definiccedilatildeo seriada
Assim a criacutetica que Aristoacuteteles faz agrave noccedilatildeo mais geral de alma enunciada em DA II 1
natildeo eacute razatildeo suficiente para seu descarte no seu projeto psicoloacutegico Com efeito se a noccedilatildeo de
alma como forma eacute insuficiente para explicar por que a alma eacute princiacutepio de vida em cada tipo
de ser vivente como sustentado ao iniacutecio de DA II 2-3 ela eacute justamente a noccedilatildeo ontoloacutegica
para que responde pela sua atualidade e determinaccedilatildeo das propriedades relevantes do ser deste
corpo dotado de oacutergatildeos Assim se as noccedilotildees de alma como forma e princiacutepio das capacidades
satildeo intercambiantes como argumentei anteriormente e se a definiccedilatildeo estaacute diretamente
atrelada agrave hierarquia dessas capacidades entatildeo a proacutepria noccedilatildeo de alma seriada depende
logicamente da noccedilatildeo de alma como forma Sendo assim o enunciado geral eacute redimensionado
em DA II 3 pela disposiccedilatildeo seriada da alma a um princiacutepio loacutegico-ontoloacutegico mediante o qual
esta ciecircncia comum a muitas coisas pode se realizar
45 εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον
ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν
ἄλλο κατηγοροῖτο Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma uacutenica
definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a de cavalo catildeo homem
divindade sendo neste caso o animal considerado universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo
ocorrendo para qualquer outro atributo comum que for predicadordquo DA I 1 402b4-9 (Trad Gomes dos Reis)
38
3 CONCLUSAtildeO
Como se apresentou nesta monografia Aristoacuteteles enuncia sua noccedilatildeo de alma em
momentos distintos Um primeiro a partir da discussatildeo com as teses predecessoras Nela o
que se conquista eacute que a alma eacute imoacutevel e origem de movimento nos seres viventes Depois
atraveacutes de um enunciado geral para os diversos tipos de vida que a define como forma do
corpo Um terceiro que enuncia a alma como causa de vida e a define como princiacutepio das
capacidades que denotam o viver E por fim um quarto enunciado que a apresenta como
disposta em seacuterie ordenada segundo suas capacidades Na medida que o enunciado geral se
mostra insuficiente para o projeto psicoloacutegico traccedilado e as outras definiccedilotildees parecem melhor
corresponder a este objetivo a unidade enunciativa entre as diversas definiccedilotildees aparenta ser
vulneraacutevel Natildeo por menos como foi abordado ao longo deste texto tende-se a salientar uma
das definiccedilotildees e desconsiderar a outra Esta natildeo parece ser a interpretaccedilatildeo que melhor
compreenda a psicologia aristoteacutelica Como argumentado observar a definiccedilatildeo pelas
capacidades sem a definiccedilatildeo pela forma esvazia ontologicamente a noccedilatildeo de que a alma eacute
princiacutepio de vida A alma como forma do corpo eacute o enunciado mediante o qual a garante
como atualidade primeira e portanto princiacutepio das caracteriacutesticas e funccedilotildees proacuteprias ao ser
vivente Por outro lado como o proacuteprio Aristoacuteteles enuncia a definiccedilatildeo pela forma daacute uma
noccedilatildeo que abarca todas as formas de vida mas natildeo enuncia a alma como causa do viver nem
que as diversas almas satildeo dispostas em seacuterie ordenada Satildeo nestes dois pontos que a definiccedilatildeo
pela capacidade se torna igualmente relevante para o projeto psicoloacutegico aristoteacutelico Sem ela
seriam inviaacuteveis todos os outros capiacutetulos nos quais Aristoacuteteles enuncia discorre e formula a
atividade das capacidades proacuteprias ao ser vivo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo imaginaccedilatildeo intelecto e
movimento segundo deslocamento Por estas razotildees uma interpretaccedilatildeo que conjugue as duas
definiccedilotildees no interior do projeto psicoloacutegico aristoteacutelico parece ser a que contemple melhor o
horizonte teoacuterico que a investigaccedilatildeo erige
Haacute um alguns aspectos que esta monografia deixa pelo caminho Na seccedilatildeo 1 Taacutebua de
Definiccedilatildeo foram elencados os diversos elementos de definiccedilatildeo da alma e como se faria a
inquiriccedilatildeo O primeiro grupo foi respondido ao longo da seccedilatildeo 2 A Noccedilatildeo de Alma mas o
segundo natildeo O segundo grupo de elementos da taacutebua seraacute dissertado por Aristoacuteteles nos
capiacutetulos posteriores ao DA II 3 quando ele se debruccedila sobre cada uma das capacidades
Como esta monografia pretende abordar apenas as definiccedilotildees sem dar interpretaccedilatildeo total do
tratado entatildeo soacute pode responder parte da taacutebua das definiccedilotildees Aleacutem disso a interpretaccedilatildeo das
definiccedilotildees de um modo consistente precisaria ser verificada na sua aplicaccedilatildeo sobre o restante
39
do tratado Em outras palavras eacute preciso verificar se esta interpretaccedilatildeo dificulta ou facilita a
interpretaccedilatildeo das outras teses da psicologia aristoteacutelica por exemplo a tese da percepccedilatildeo que eacute
definida como a recepccedilatildeo das formas sem mateacuteria Nas interpretaccedilotildees de Polanski e Diamond
comentadores paradigmaacuteticos para a abordagem adotada a coordenaccedilatildeo dos enunciados
definitoacuterios daacute conta das diversas formulaccedilotildees de capacidades e suas funcionalidades ao longo
do tratado Fico devendo portanto explicitar como a posiccedilatildeo que assumo se aplica nas
diversas capacidades enunciadas pelo Aristoacuteteles
Com isso conclui-se este trabalho com a compreensatildeo que ele eacute limitado Haacute nele
problemas proacuteprios agrave interpretaccedilatildeo de um texto conciso e arrojado como eacute o De Anima
Ainda assim espera-se que os erros ou imprecisotildees eventuais natildeo comprometam seu escopo
exegeacutetico Espera-se tambeacutem que esta monografia possa se converter em trabalhos futuros que
fomente a discussatildeo relativa ao De Anima no contexto filosoacutefico brasileiro Da mesma forma
que ela foi provocada pela traduccedilatildeo e comentaacuterios da Professora Doutora Maria Ceciacutelia
Gomes dos Reis Se este trabalho for bem sucedido nessas pretensotildees jaacute teraacute cumprido sua
funccedilatildeo
40
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Lista de Abreviaturas das Obras de Aristoacuteteles Utilizadas
Cat ndash Categorias
DA ndash De Anima
Fiacutes ndash Fiacutesica
Met ndash Metafiacutesica
Sumaacuterio
Apresentaccedilatildeo 11
1 A taacutebua de definiccedilatildeo 13
2 A noccedilatildeo de alma em Aristoacuteteles 19
21 Definiccedilatildeo pela Forma 19
22 Definiccedilatildeo pelas Capacidade 29
23 Definiccedilatildeo Seriada 34
3 Conclusatildeo 37
4 Bibliografia 39
i
12
APRESENTACcedilAtildeO
O De Anima eacute o tratado no qual Aristoacuteteles investiga a natureza da alma e como ela eacute
causa de vida nos seres viventes Para esse fim Aristoacuteteles discute com aqueles que trataram
do assunto antes dele enuncia a sua proacutepria noccedilatildeo de alma e por fim como esta noccedilatildeo
explica cada uma das capacidades que denotam o viver Para dar conta deste projeto
psicoloacutegico Aristoacuteteles elabora sua noccedilatildeo em trecircs grandes momentos O primeiro em De
Anima I 2-5 Aristoacuteteles levanta as endoacutexai dos seus predecessores discutindo a validade de
suas teses e apontando o que considera inconsistente Como resultado disso Aristoacuteteles
sustenta que a alma eacute um princiacutepio imoacutevel de movimento nos seres viventes e uma unidade
Mas eacute soacute no segundo momento em DA II 1-3 que Aristoacuteteles enuncia em seus proacuteprios
termos o que considera ser a alma Por fim num terceiro momento a partir de DA II 4
Aristoacuteteles teoriza sobre cada uma das capacidades da alma
Nesta monografia proponho me debruccedilar sobre a noccedilatildeo de alma presente no DA II 1-
3 Como veremos em DA I 1 satildeo elencadas as aporias proacuteprias agrave investigaccedilatildeo e definiccedilatildeo da
alma A partir daiacute Aristoacuteteles apresenta gradualmente a sua proacutepria noccedilatildeo de alma ao longo
do De Anima Especificamente em DA II 1 e 2 satildeo enunciadas duas definiccedilotildees uma definiccedilatildeo
pela forma e outra pela capacidade A primeira caracteriza a alma como forma do corpo
enquanto a segunda atribui agrave alma o princiacutepio das capacidades que denotam vida Enquanto a
definiccedilatildeo pela forma nos oferece uma noccedilatildeo geral que enuncia o gecircnero de ser da alma a
definiccedilatildeo pela capacidade explica como a alma eacute princiacutepio de vida Entretanto haacute um terceiro
enunciado em DA II 3 que parece eliminar a validade da definiccedilatildeo pela forma e validar apenas
a definiccedilatildeo pela capacidade Trata-se da definiccedilatildeo seriada segundo a qual haacute diversos tipos de
alma que se dispotildeem em uma seacuterie hierarquicamente ordenada na qual a anterior subsiste na
posterior mas natildeo o contraacuterio Aristoacuteteles declara que a definiccedilatildeo pela forma enquanto uma
noccedilatildeo geral de alma eacute absurda Pois ela natildeo explica os tipos de alma e a causa de se disporem
em sucessatildeo Isto levou uma seacuterie de comentadores a compreenderem a definiccedilatildeo pela
capacidade como a noccedilatildeo aniacutemica de Aristoacuteteles jaacute que ela enunciaria os tipos de alma em
disposiccedilatildeo seriada
Diante disso argumento que a definiccedilatildeo pela forma eacute tatildeo relevante para a noccedilatildeo de
alma quanto a noccedilatildeo pela capacidade Como se veraacute na seccedilatildeo 2a) a definiccedilatildeo pela forma faz
da alma a atualidade primeira do corpo e princiacutepio de determinaccedilatildeo das funccedilotildees vitais Como
consequecircncia do seu caraacuteter atual a alma eacute aquilo a partir do qual as capacidades se dispotildeem
no corpo Ao entrarem em atividade atraveacutes dos oacutergatildeos do corpo elas se atualizam Neste
13
sentido tanto a definiccedilatildeo pela forma quanto a definiccedilatildeo pela capacidade satildeo mutuamente
necessaacuterias para uma noccedilatildeo de alma que atenda ao projeto psicoloacutegico aristoteacutelico
Para tanto apresento na primeira seccedilatildeo o horizonte conceitual e teoacuterico mediante o
qual Aristoacuteteles investiga a alma Atraveacutes das vaacuterias aporiacuteai elencadas em DA I 1 se delimita
tanto o fim que a investigaccedilatildeo persegue quanto a seus limites conceituais de teorizaccedilatildeo Em
seguida trato das endoxai presentes em DA I 2-5 como recurso metodoloacutegico para se extrair
das teses predecessoras algumas noccedilotildees miacutenimas sobre a alma Na seccedilatildeo seguinte abordo as
trecircs noccedilotildees jaacute apresentadas acima Como se veraacute ao iniacutecio de DA I 1 e 2 Aristoacuteteles ainda faz
duas revisotildees metodoloacutegicas deixando bem claro qual aspecto da investigaccedilatildeo se objetiva
tratar Especificamente em 2a) sobre DA II 1 remonto o argumento que resulta na definiccedilatildeo
pela forma comentando qual sua implicaccedilatildeo ontoloacutegica para a alma e como ela se desdobra
nas noccedilotildees aniacutemicas de atualidade primeira e princiacutepio de determinaccedilatildeo Em seguida
apresento a definiccedilatildeo pelas capacidades como princiacutepio de vida em DA II 2 Com isso indico
como a noccedilatildeo de vida e alma estatildeo associadas e como Aristoacuteteles argumenta para uma ser
evidecircncia da outra fazendo desta a causa daquela Adiante apresento a definiccedilatildeo seriada em
DA II 3 e como ela potildee em crise a definiccedilatildeo pela forma Por fim explicito como muitos
comentadores se localizaram em meio ao problema e argumento como as trecircs definiccedilotildees estatildeo
em uma unidade conceitual na qual todas satildeo relevantes para o projeto psicoloacutegico de
Aristoacuteteles
14
1 A TAacuteBUA DA DEFINICcedilAtildeO
A fim de apresentar os problemas proacuteprios ao estudo da alma e delimitar seu campo de
investigaccedilatildeo Aristoacuteteles apresenta em DA I 1 uma taacutebua de definiccedilatildeo onde elenca os
elementos para definir a alma e a abordagem para a sua pesquisa Primeiro Aristoacuteteles
circunscreve em que paracircmetros conceituais a noccedilatildeo se estabelece Em seguida se apresenta o
meacutetodo que orienta a busca por esse enunciado Deste modo os elementos de definiccedilatildeo que
compotildeem a lista satildeo o gecircnero de ser da alma1 o seu modo de ser
2 e por fim sua unidade
3 Jaacute
como abordagem decide-se pela ordem loacutegica da definiccedilatildeo4 para se analisar a independecircncia
das suas partes5 de modo a determinar o primeiro passo a se investigar em cada uma e
finalmente conhecer sobre a sua separabilidade6
Logo ao iniacutecio de De Anima I 1 Aristoacuteteles enuncia qual o objetivo geral de
seu projeto investigativo
ἐπιζητοῦμεν δὲ θεωρῆσαι καὶ γνῶναι τήν τε φύσιν αὐτῆς καὶ τὴν οὐσίαν εἶθ ὅσα
συμβέβηκε περὶ αὐτήν ὧν τὰ μὲν ἴδια πάθη τῆς ψυχῆς εἶναι δοκεῖ τὰ δὲ δι ἐκείνην
καὶ τοῖς ζῴοις ὑπάρχειν
Buscamos considerar e conhecer sua natureza e substacircncia bem como todos os seus
atributos dentre os quais uns parecem ser afecccedilotildees proacuteprias da alma enquanto outros
parecem subsistir nos animais graccedilas a ela DA I 1 402a7-10 (Trad Gomes dos Reis)
Investigar a natureza (phyacutesis) da alma consiste em pesquisar seu gecircnero de ser Jaacute
conhecer sua substacircncia (ousiacutea) eacute conhecer seus atributos (symbeacutebekos) as caracteriacutesticas que
1 πρῶτον δ ἴσως ἀναγκαῖον διελεῖν ἐν τίνι τῶν γενῶν καὶ τί ἐστι λέγω δὲ πότερον τόδε τι καὶ οὐσία ἢ ποιὸν ἢ
ποσόν ἢ καί τις ἄλλη τῶν διαιρεθεισῶν κατηγοριῶν ldquoEm todo caso eacute preciso decidir primeiro a qual dos
gecircneros a alma pertence e o que eacute ndash quero dizer se ela eacute algo determinado e substacircncia ou se eacute uma qualidade
uma quantidade ou mesmo alguma outra das categorias jaacute distinguidasrdquo DA I 1 402a22-25 (Trad de Gomes dos
Reis) 2 ἔτι δὲ πότερον τῶν ἐν δυνάμει ὄντων ἢ μᾶλλον ἐντελέχειά τις ldquoe ainda se estaacute entre os seres em potecircncia ou
antes se eacute uma certa atualidaderdquo DA I 1 402a27 (Trad de Gomes dos Reis) 3 σκεπτέον δὲ καὶ εἰ μεριστὴ ἢ ἀμερής καὶ πότερον ὁμοειδὴς ἅπασα ψυχὴ ἢ οὔ εἰ δὲ μὴ ὁμοειδής πότερον εἴδει
διαφέρουσα ἢ γένει ldquoEacute preciso examinar tambeacutem se ela eacute divisiacutevel em partes ou natildeo e se toda e qualquer alma eacute
de mesma forma e no caso de natildeo ser de mesma forma se a diferenccedila eacute de espeacutecie ou de gecircnerordquo DA I 1
402b1-3 (Trad de Gomes dos Reis) 4 εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον
ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν
ἄλλο κατηγοροῖτο ldquoEacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma uacutenica
definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a de cavalo catildeo homem
divindade sendo neste caso o animal considerado universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo
ocorrendo para qualquer outro atributo comum que for predicadordquo DA I 1 402b4-9 (Trad de Gomes dos Reis) 5 ἔτι δέ εἰ μὴ πολλαὶ ψυχαὶ ἀλλὰ μόρια πότερον δεῖ ζητεῖν πρότερον τὴν ὅλην ψυχὴν ἢ τὰ μόρια χαλεπὸν δὲ
καὶ τούτων διορίσαι ποῖα πέφυκεν ἕτερα ἀλλήλων καὶ πότερον τὰ μόρια χρὴ ζητεῖν πρότερον ἢ τὰ ἔργα αὐτῶν
ldquoAleacutem disso no caso de serem muitas as partes e natildeo as almas deve-se primeiro investigar a alma como um
todo ou suas partes Tambeacutem eacute difiacutecil definir quais dentre estas satildeo por natureza distintas entre si e se eacute uacutetil
investigar primeiro as partes ou suas funccedilotildeesrdquo DA I 1 402b9-12 (Trad de Gomes dos Reis) 6 ἀπορίαν δ ἔχει καὶ τὰ πάθη τῆς ψυχῆς πότερόν ἐστι πάντα κοινὰ καὶ τοῦ ἔχοντος ἢ ἔστι τι καὶ τῆς ψυχῆς ἴδιον
αὐτῆς ldquoHaacute ainda a dificuldade de saber se as afecccedilotildees da alma satildeo todas comuns agravequilo que possui alma ou se
haacute tambeacutem alguma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma tatildeo somenterdquo DA I 1 403a3-5 (Trad de Gomes dos Reis)
15
nos datildeo uma noccedilatildeo da alma segundo suas afecccedilotildees (patheacute) Entre os seus atributos alguns
parecem ser exclusivamente afecccedilotildees da alma jaacute outros parecem ser comuns agrave alma e ao
corpo portanto atributos um ser animado (zoacuteois) Por afecccedilatildeo devemos compreender a
determinaccedilatildeo na mateacuteria (loacutegoi eacutenyloi)7 de maneira que os atributos da alma e do corpo seratildeo
comuns a ambos Jaacute a afecccedilatildeo proacutepria agrave alma eacute a que natildeo se daacute pela determinaccedilatildeo na mateacuteria
mas por si mesma Entre os atributos da alma a capacidade de pensamento parece ser a que
atende esse requisito A menos poreacutem que dependa de imagens para sua atividade Assim
nem mesmo o pensamento seria uma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma8 Em suma a investigaccedilatildeo da
alma consiste em saber sua natureza sua essecircncia e as afecccedilotildees que lhe satildeo atribuiacutedas sejam
elas proacuteprias ou comuns ao corpo no qual ela se instancia
Aristoacuteteles parte entatildeo para o primeiro elemento da definiccedilatildeo a se estabelecer
πρῶτον δ ἴσως ἀναγκαῖον διελεῖν ἐν τίνι τῶν γενῶν καὶ τί ἐστι λέγω δὲ πότερον τόδε
τι καὶ οὐσία ἢ ποιὸν ἢ ποσόν ἢ καί τις ἄλλη τῶν διαιρεθεισῶν κατηγοριῶν
Em todo caso eacute preciso decidir primeiro a qual dos gecircneros a alma pertence e o que eacute
ndash quero dizer se ela eacute algo determinado e substacircncia ou se eacute uma qualidade uma
quantidade ou mesmo alguma outra das categorias jaacute distinguidas DA I 1 402a22-25
(Trad de Gomes dos Reis)
O primeiro dos pressupostos sobre os quais se deveraacute responder eacute o gecircnero de ser da
alma Filopono9 comenta que Aristoacuteteles tem em vista platocircnicos pitagoacutericos e Xenoacutecrates
para os quais a alma eacute substacircncia harmonia e nuacutemero respectivamente Nas Categorias10
7 εἰ δ οὕτως ἔχει δῆλον ὅτι τὰ πάθη λόγοι ἔνυλοί εἰσιν ldquoSe assim eacute as afecccedilotildees satildeo evidentemente formas
implicadas na mateacuteriardquo DA I 1 403a24 (Trad Gomes dos Reis) 8 εἰ δ ἐστὶ καὶ τοῦτο φαντασία τις ἢ μὴ ἄνευ φαντασίας οὐκ ἐνδέχοιτ ἂν οὐδὲ τοῦτ ἄνευ σώματος εἶναιldquoNatildeo
obstante se tambeacutem o pensar eacute um tipo de imaginaccedilatildeo ou se ele natildeo pode ocorrer sem a imaginaccedilatildeo entatildeo nem
mesmo o pensar poderia existir sem o corpordquo DA I 1 403a8-10 (Trad Gomes dos Reis) 9 ὧν ἐστι καὶ Ξενοκράτης ἀριθμὸς γάρ φησί κινῶν ἑαυτόν ἐστιν ἡ ψυχή ὁ δὲ ἀριθμὸς ὑπὸ τὸ ποσόν εἰ δὴ
τοῦτο ἔλεγεν ἐκεῖνος καὶ μὴ ἄλλο τι διὰ τούτου ᾐνίττετο οἱ δὲ ὑπὸ τὸ ποιόν ὧν εἰσιν καὶ οἱ ἰατροὶ κρᾶσιν εἶναι
λέγοντες τοιοῦτοι δ ἂν εἶεν καὶ οἱ ἐντελέχειαν λέγοντες τοιαύτην μαθησόμεθα γάρ πῶς φησιν αὐτὴν
ἐντελέχειαν ὁ Ἀριστοτέλης οἱ δὲ λόγον λέγοντες τῶν στοιχείων δόξαιεν ἂν ὑπὸ τὸ πρός τι ἀνάγειν τὸ γὰρ
διπλάσιον ἢ ἡμιόλιον ὑπὸ τὸ πρός τι τινὸς γὰρ διπλάσιον ἀμφίβολον οὖν τέως τὸ γένος ldquoAlguns a classificam
sob o tiacutetulo de substacircncia outros sob quantidade Dentre eles Xenoacutecrates que afirma que a alm eacute o nuacutemero
movendo por si mesmo e o nuacutemero eacute dado sob quantidade se for isto que ele quer dizer ao inveacutes de algo
distinto do que por essas palavras ele se refere obscuramente Outros dizem que isto pertence a qualidade Em
meio a isto estatildeo os meacutedicos que dizem que eacute a mistura dentre os quais haacute tambeacutem os que dizem que eacute uma
atualidade pois aprenderemos com Aristoacuteteles chama a alma de atualidade Aqueles que dizem que eacute uma
proporccedilatildeo dos elementos pareceriam entitulaacute-la sob a ltcategoria dogt relativo pelo duplo ou a metade
pertencerem agrave categoria do relativo pois o duplo eacute de algo Assim sendo entatildeo o gecircnero permanece
controversordquo PHILOPONUS Com DA 32 32 ndash 337 (Trad da traduccedilatildeo de P J Eijk) 10Οὐσία δέ ἐστιν ἡ κυριώτατά τε καὶ πρώτως καὶ μάλιστα λεγομένη ἣ μήτε καθ ὑποκειμένου τινὸς λέγεται μήτε
ἐν ὑποκειμένῳ τινί ἐστιν οἷον ὁ τὶς ἄνθρωπος ἢ ὁ τὶς ἵππος δεύτεραι δὲ οὐσίαι λέγονται ἐν οἷς εἴδεσιν αἱ
πρώτως οὐσίαι λεγόμεναι ὑπάρχουσιν ταῦτά τε καὶ τὰ τῶν εἰδῶν τούτων γένη ldquoSubstacircncia entendida em
sentido proacuteprio primeiro e supremo eacute a que natildeo se predica de um sujeito e natildeo existe nalgum sujeito por
exemplo um homem um cavalo Substacircncias segundas satildeo as formas (ou espeacutecies) nas quais estatildeo incluiacutedas as
que satildeo ditas substacircncias primeiras e tambeacutem os gecircneros destasrdquo Cat 5 2a11 (Trad Lucas Angioni)
16
Aristoacuteteles compreende a substacircncia primeira como entes particulares enquanto o gecircnero e
forma satildeo substacircncias segundas Sabe-se que Aristoacuteteles inverte esta noccedilatildeo de substacircncia em
Metafiacutesica Z onde substacircncia primeira eacute identificada com a forma11
que eacute priorizada em
relaccedilatildeo ao composto e agrave mateacuteria Portanto as noccedilotildees de substacircncia quantidade e qualidade
que Aristoacuteteles trabalha na definiccedilatildeo de alma no DA I 1 estariam mais proacuteximas das Cat que
da Met Z Eacute o que somos levados a acreditar se considerarmos que esta mesma formulaccedilatildeo
ocorre mais adiante em DA I 5 410a16-2112
Nesta e naquela passagem Aristoacuteteles quer saber
se a alma eacute uma substacircncia particular e determinada ou seja um objeto de predicaccedilatildeo que natildeo
se predica de outrem
Passemos para o segundo elemento que deve estar presente numa definiccedilatildeo de alma
ἔτι δὲ πότερον τῶν ἐν δυνάμει ὄντων ἢ μᾶλλον ἐντελέχειά τις
e ainda se estaacute entre os seres em potecircncia ou antes se eacute uma certa atualidade DA I
1 402a27 (Trad de Gomes dos Reis)
A diferenccedila que os conceitos de potecircncia (dyacutenamis) e atualidade (entelekheacuteia) fazem eacute
sobre o estatuto material ou formal da alma Pois se a alma for de natureza material entatildeo eacute
em potecircncia e sujeita ao movimento Entretanto se for de natureza formal seraacute uma certa
atualidade e princiacutepio de determinaccedilatildeo e atividade Gomes dos Reis13
observa que atualidade
eacute colocada em termos vagos (ldquouma certa atualidaderdquoenteleacutekheia tiacutes) o que indica que soacute faz
sentido falar em atualidade enquanto forma especiacutefica quando instanciada em uma mateacuteria de
um tipo uma alma x que se instancia em um corpo de um tipo x
Outro elemento de definiccedilatildeo da alma eacute sua unidade
σκεπτέον δὲ καὶ εἰ μεριστὴ ἢ ἀμερής καὶ πότερον ὁμοειδὴς ἅπασα ψυχὴ ἢ οὔ εἰ δὲ
μὴ ὁμοειδής πότερον εἴδει διαφέρουσα ἢ γένει
Eacute preciso examinar tambeacutem se ela eacute divisiacutevel em partes ou natildeo e se toda e qualquer
alma eacute de mesma forma e no caso de natildeo ser de mesma forma se a diferenccedila eacute de
espeacutecie ou de gecircnero DA I 1 402b1-3 (Trad de Gomes dos Reis)
11 ἕκαστόν τε γὰρ οὐκ ἄλλο δοκεῖ εἶναι τῆς ἑαυτοῦ οὐσίας καὶ τὸ τί ἦν εἶναι λέγεται εἶναι ἡ ἑκάστου
οὐσίαldquoCom efeito a coisa individual natildeo parece ser diferente da proacutepria substacircncia e dizemos que a essecircncia eacute
justamente a substacircncia da coisa individualrdquo Met Z 6 1031ordf17-18 (Trad Giovanni Reale)
εἶδος δὲ λέγω τὸ τί ἦν εἶναι ἑκάστου καὶ τὴν πρώτην οὐσίαν ldquoPor forma entendo a essecircncia de cada coisa e sua
substacircncia primeirardquo Met Z 7 1032b1-2 (Trad Giovanni Reale) 12 ἆρ οὖν ὅσα τῶν οὐσιῶν ἐκ τούτων μόνον πῶς οὖν γινώσκει καὶ τῶν ἄλλων ἕκαστον ἢ φήσουσιν ἑκάστου
γένους εἶναι στοιχεῖα καὶ ἀρχὰς ἰδίας ἐξ ὧν τὴν ψυχὴν συνεστάναι ἔσται ἄρα ποσὸν καὶ ποιὸν καὶ οὐσία ἀλλ
ἀδύνατον ἐκ τῶν τοῦ ποσοῦ στοιχείων οὐσίαν εἶναι καὶ μὴ ποσόνldquoOra seraacute a alma composta somente daqueles
elementos que satildeo comuns agraves substacircncias Como entatildeo conhece ainda cada um dos outros Ou se diraacute que haacute
elementos e princiacutepios particulares a cada gecircnero e que a alma eacute constituiacuteda de todos eles A alma seria entatildeo
quantidade qualidade e substacircncia Mas eacute impossiacutevel que a substacircncia seja composta dos elementos da
quantidade e natildeo seja quantidade ela mesmardquo DA I 5 410a16-21 (Trad Gomes dos Reis) 13 2006 148-149
17
Aqui reside um dos problemas mais comprometedores sobre a investigaccedilatildeo
psicoloacutegica aristoteacutelica a) A alma eacute divisiacutevel ou indivisiacutevel b) cada parte da alma teria uma
forma proacutepria c) Caso seja divisiacutevel as almas se diferenciam em gecircnero ou espeacutecie
Segundo Polansky14
Aristoacuteteles resolve esta bateria de problemas supondo que um ser
vivente tem sua proacutepria alma cujas partes correspondam agraves funccedilotildees sendo estas partes
divisiacuteveis pelos tipos de vida (vegetativa animal humana) A divisibilidade das partes se daacute
de acordo com a capacidade aniacutemica que eacute viver segundo uma atividade e se distinguiria em
gecircnero (a vida perceptiva) ou espeacutecie (catildees cavalos e homem) Isto que garantiraacute a
indivisibilidade da alma ao longo dos tipos de vida segundo suas capacidades Assim
Aristoacuteteles consegue ter um enunciado formal que garanta a unidade geneacuterica fazendo dos
tipos de vida como espeacutecies de seres vivos e as capacidades suas diferenccedilas especiacuteficas
Definido isto deve-se inquirir sobre a amplitude da definiccedilatildeo
εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ
καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι
οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν ἄλλο κατηγοροῖτο
Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma
uacutenica definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a
de cavalo catildeo homem divindade sendo neste caso o animal considerado
universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo ocorrendo para qualquer outro
atributo comum que for predicado DA I 1 402b4-9 (Trad de Gomes dos Reis)
Ateacute aqui Aristoacuteteles se debruccedilava sobre os elementos que devem compor a definiccedilatildeo
de alma Daqui adiante a questatildeo passa a ser qual a abordagem de pesquisa para se formular
esta definiccedilatildeo E um primeiro ponto se refere agrave abrangecircncia da definiccedilatildeo Dado que a alma
pode ter partes sendo estas partes divisiacuteveis ou natildeo a definiccedilatildeo deve ser geral e abranger todo
gecircnero de alma ou deve haver uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie de alma Para Polansky15
a
existecircncia de gecircneros eacute questionaacutevel pois parecem ser universais Noacutes natildeo encontramos um
universal tal qual Soacutecrates e Caacutelias pois estes satildeo particulares Tambeacutem natildeo encontramos um
gecircnero de alma tal qual catildees e cavalos pois estes satildeo espeacutecies Deste modo uma definiccedilatildeo
geneacuterica ofereceria apenas uma noccedilatildeo comum segundo as espeacutecies de alma sem
necessariamente enunciar suas as espeacutecies Portanto esta questatildeo contrasta duas noccedilotildees de
definiccedilatildeo da alma a particular (kathrsquo hekaacutesten) e universal (tograve kathoacutelou) Esta tensatildeo
enunciada aqui persistiraacute nas questotildees posteriores ainda neste capiacutetulo mas se evidenciaraacute
mais fortemente nos enunciados de alma presentes em DA II 1-3 Em siacutentese o problema
consiste em saber se a definiccedilatildeo de alma deve ser pelo seu gecircnero ou sua espeacutecie
14 2007 34-35 15 2008 45
18
ἔτι δέ εἰ μὴ πολλαὶ ψυχαὶ ἀλλὰ μόρια πότερον δεῖ ζητεῖν πρότερον τὴν ὅλην ψυχὴν ἢ
τὰ μόρια χαλεπὸν δὲ καὶ τούτων διορίσαι ποῖα πέφυκεν ἕτερα ἀλλήλων καὶ πότερον
τὰ μόρια χρὴ ζητεῖν πρότερον ἢ τὰ ἔργα αὐτῶν
Aleacutem disso no caso de serem muitas as partes e natildeo as almas deve-se primeiro
investigar a alma como um todo ou suas partes Tambeacutem eacute difiacutecil definir quais dentre
estas satildeo por natureza distintas entre si e se eacute uacutetil investigar primeiro as partes ou
suas funccedilotildees DA I 1 402b9-12 (Trad de Gomes dos Reis)
Na medida em que a alma eacute composta de partes que correspondem agraves suas
capacidades se decide se a investigaccedilatildeo abordaraacute primeiramente suas partes ou a alma como
um todo aleacutem de como investigar a capacidade ou a funccedilatildeo caso as capacidades sejam
distintas Ou seja eacute preciso decidir se a investigaccedilatildeo se inicia pela percepccedilatildeo ou pelo animal
ἀπορίαν δ ἔχει καὶ τὰ πάθη τῆς ψυχῆς πότερόν ἐστι πάντα κοινὰ καὶ τοῦ ἔχοντος ἢ
ἔστι τι καὶ τῆς ψυχῆς ἴδιον αὐτῆς
Haacute ainda a dificuldade de saber se as afecccedilotildees da alma satildeo todas comuns agravequilo que
possui alma ou se haacute tambeacutem alguma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma tatildeo somente DA I 1
403a3-5 (Trad de Gomes dos Reis)
Apoacutes uma exaustiva exposiccedilatildeo do que deve compor a definiccedilatildeo de alma
Aristoacuteteles elenca o uacuteltimo requisito de sua investigaccedilatildeo o grau de separabilidade da alma ou
de alguma de suas partes As capacidades de movimento reproduccedilatildeo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo e
imaginaccedilatildeo parecem ter sua ocorrecircncia no composto de corpo e alma que eacute o ser vivente
Entretanto haacute na teoria aristoteacutelica do intelecto sua face passiva e ativa conforme formulou a
tradiccedilatildeo sendo a ativa de natureza separada e imortal16
Isto faria desta parte do intelecto uma
afecccedilatildeo proacutepria da alma sem ocorrecircncia conjunta com o corpo Filopono17
comenta que este eacute
um problema determinante para a composiccedilatildeo da definiccedilatildeo de alma Se a alma tem afecccedilotildees
proacuteprias e separadas do corpo a definiccedilatildeo dispensaraacute o corpo de seu enunciado Se pelo
contraacuterio as afecccedilotildees aniacutemicas tecircm ocorrecircncia corpoacuterea entatildeo a definiccedilatildeo de alma deve
conter o corpo em seu enunciado
O que se conquista enfim com esta taacutebua de definiccedilatildeo em De Anima I 1 Que
investigar a natureza da alma eacute responder a seu gecircnero de ser o que implica em saber se a
16χωρισθεὶς δ ἐστὶ μόνον τοῦθ ὅπερ ἐστί καὶ τοῦτο μόνον ἀθάνατον καὶ ἀΐδιον ldquoSomente isto [o intelecto]
quando separado eacute propriamente o que eacute e somente isto eacute imortal e eternordquo DA III 5 (Trad Gomes dos Reis) 17 εἰ μὲν οὖν ὡς ὀργάνῳ χρῆται τῷ σώματι ἰδίᾳ ἔχουσα τὰς ἐνεργείας οὐ δεῖ προσχρήσασθαι τῷ σώματι πρὸς
τὸν ὁρισμόν οὐ γὰρ συμπληροῖ τὴν οὐσίαν τοῦ τέκτονος τὸ σκέπαρνον εἰ δὲ ἐν τῷ σώματι ἔχει τὸ εἶναι ὡς
εἶναι τὰς ἐνεργείας τοῦ συναμφοτέρου ἀνάγκη προσχρήσασθαι ἐν τῷ ὁρισμῷ τῷ σώματι ὥσπερ ἐπὶ τοῦ θυμοῦ
ἐλέγομεν ἀναγκαία οὖν ἡ τούτων λῆψις οὐκ εὐχερὴς δέ ltπάθηgt δὲ κοινότερον τὰς ἐνεργείας τῆς ψυχῆς
ἐκάλεσε ldquoSe usa o corpo como instrumento e tem suas atividades peculiares a si mesmo natildeo haacute qualquer
necessidade de se remeter ao corpo na definiccedilatildeo ndash pois um machado natildeo completa a essecircncia de um carpinteiro ndash
mas se a alma tem seu ser no corpo e suas atividades pertencem ao composto eacute necessaacuterio tambeacutem se remeter
ao corpo na definiccedilatildeo tal qual como nos referimos em relaccedilatildeo ao iacutempeto Estabelecer essas coisas entatildeo eacute
necessaacuterio poreacutem natildeo eacute faacutecil Afecccedilatildeo eacute o termo mais geral que ele usa para as atividades da almardquo
PHILOPONUS Com DA 4429-35 (Trad da trad de P J Eijk)
19
alma eacute potencialmente ou em atualidade Isto posto se a alma eacute como uma substacircncia e
portanto una ou separaacutevel e caso seja em partes se satildeo divisiacuteveis ou natildeo Aleacutem disso se a
definiccedilatildeo deve abranger diversos tipos de alma ou se haacute uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie Por
fim se sua investigaccedilatildeo parte das partes ou do todo
20
2 A NOCcedilAtildeO DE ALMA EM ARISTOacuteTELES
A noccedilatildeo de alma em Aristoacuteteles obedece trecircs momentos de elaboraccedilatildeo Um primeiro
ao longo da discussatildeo das endoxai de seus predecessores em DA I 2-5 Em outro quando
argumenta por conceitos metafiacutesicos e formula a noccedilatildeo geral de alma em DA II 1 Aleacutem de
um uacuteltimo a partir de DA II 2 quando se formula uma outra noccedilatildeo de alma pelas
capacidades Esta trajetoacuteria visa (i) levantar as teses que foram elaboradas sobre o assunto
visando extrair certos princiacutepios verdadeiros Com estes princiacutepios (ii) se expotildee a noccedilatildeo
geral Mas esta noccedilatildeo que responde sobre o ser da alma natildeo indica os tipos especiacuteficos de
vida Portanto (iii) eacute preciso inquirir por outra abordagem e provar que a alma eacute princiacutepio das
capacidades que manifestam vida no ser pois atraveacutes dessas capacidades explicamos esses
distintos modos de viver Como se veraacute esta travessia responde agrave taacutebua de definiccedilatildeo de DA I
1 e Aristoacuteteles ara todo o terreno sobre o qual ele ergue sua psicologia
21 A DEFINICcedilAtildeO PELA FORMA
Aristoacuteteles conclui seu levantamento das endoxai em DA I 2-5 com duas noccedilotildees
relativas agrave alma que ela eacute una18
e imoacutevel19
Somente no iniacutecio do livro seguinte em DA II 1
ele apresenta sua noccedilatildeo onde o objetivo traccedilar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos)
que abarque as vaacuterias formas de vida
18 φαίνεται δὲ καὶ τὰ φυτὰ διαιρούμενα ζῆν καὶ τῶν ζῴων ἔνια τῶν ἐντόμων ὡς τὴν αὐτὴν ἔχοντα ψυχὴν τῷ
εἴδει εἰ καὶ μὴ ἀριθμῷ ἑκάτερον γὰρ τῶν μορίων αἴσθησιν ἔχει καὶ κινεῖται κατὰ τόπον ἐπί τινα χρόνον εἰ δὲ
μὴ διατελοῦσιν οὐθὲν ἄτοπον ὄργανα γὰρ οὐκ ἔχουσιν ὥστε σώζειν τὴν φύσιν ἀλλ οὐδὲν ἧττον ἐν ἑκατέρῳ
τῶν μορίων ἅπαντ ἐνυπάρχει τὰ μόρια τῆς ψυχῆς καὶ ὁμοειδῆ ἐστιν ἀλλήλοις καὶ τῇ ὅλῃ ἀλλήλοις μὲν ὡς οὐ
χωριστὰ ὄντα τῇ δ ὅλῃ ψυχῇ ὡς οὐ διαιρετῇ οὔσῃ ἔοικε δὲ καὶ ἡ ἐν τοῖς φυτοῖς ἀρχὴ ψυχή τις εἶναι μόνης γὰρ
ταύτης κοινωνεῖ καὶ ζῷα καὶ φυτά καὶ αὕτη μὲν χωρίζεται τῆς αἰσθητικῆς ἀρχῆς αἴσθησιν δ οὐθὲν ἄνευ ταύτης
ἔχει ldquoEacute manifesto ainda que as plantas ndash e dentre os animais alguns insetos ndash quando secionadas continuam a
viver como se tivessem a mesma alma especificamente ainda que natildeo numericamente pois cada uma das partes
tem sensaccedilatildeo e move-se localmente por algum tempo Se natildeo sobrevivem natildeo resulta em absurdo algum pois
natildeo mantecircm oacutergatildeos aponto de conservar a sua natureza Em cada uma das partes poreacutem estatildeo todas as partes da
alma e nenhuma a menos E elas satildeo da mesma espeacutecie entre si e em relaccedilatildeo agrave alma inteira ndash as diversas partes
satildeo inseparaacuteveis uma das outras embora a alma inteira seja divisiacutevel Parece que o princiacutepio encontrado nas
plantas eacute tambeacutem um certo tipo de alma pois eacute apenas compartilhada por animais e plantas e ela existe
separada do princiacutepio perceptivo embora sem ela nada possa ter percepccedilatildeordquo 411b19-411b30 19ὅτι μὲν οὖν οὔθ ἁρμονίαν οἷόν τ εἶναι τὴν ψυχὴν οὔτε κύκλῳ περιφέρεσθαι δῆλον ἐκ τῶν εἰρημένων ldquoQue a
alma natildeo pode ser harmonia nem locomover-se em ciacuterculo fica claro a partir do que foi ditordquo 408ordf29-30 (Trad
Gomes dos Reis)
ὅτι μὲν οὖν οὐχ οἷόν τε κινεῖσθαι τὴν ψυχήν φανερὸν ἐκ τούτων εἰ δ ὅλως μὴ κινεῖται δῆλον ὡς οὐδ ὑφ
ἑαυτῆς Eacute evidente a partir disso tudo que natildeo eacute possiacutevel que a alma se mova ldquoE se de todo modo natildeo se move eacute
claro tambeacutem que natildeo se move por si mesmardquo 408b30-31 (Trad Gomes dos Reis)
φανερὸν οὖν ἐκ τῶν εἰρημένων ὡς οὔτε τὸ γινώσκειν ὑπάρχει τῇ ψυχῇ διὰ τὸ ἐκ τῶν στοιχείων εἶναι οὔτε τὸ
κινεῖσθαι αὐτὴν καλῶς οὐδ ἀληθῶς λέγεται ldquoEacute manifesto entatildeo a partir do que foi dito que nem o conhecer
subsite na alma por ela ser composta dos elementos nem eacute uma maneira certa ou verdadeira dizer qua a alma eacute
movidardquo 411a24-26 (Trad Gomes dos Reis)
21
Τὰ μὲν δὴ ὑπὸ τῶν πρότερον παραδεδομένα περὶ ψυχῆς εἰρήσθω πάλιν δ ὥσπερ ἐξ
ὑπαρχῆς ἐπανίωμεν πειρώμενοι διορίσαι τί ἐστι ψυχὴ καὶ τίς ἂν εἴη κοινότατος λόγος
αὐτῆς
Tendo dito o suficiente sobre as opiniotildees a respeito da alma fornecida por nossos
predecessores retomemos como que do comeccedilo e tentemos definir o que eacute a alma e
qual seria seu enunciado mais geral 412a1-6 (Trad Gomes dos Reis)
A busca pelo enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) visa uma definiccedilatildeo de alma
comum agraves diversas formas de vida Em meio agrave pluralidade de modos de vida a alma eacute aquilo
a partir do qual essa pluralidade se unifica num gecircnero de ser ndash o dos seres viventes
(empsykhon) Aristoacuteteles compreende que uma noccedilatildeo puramente geneacuterica natildeo explica as
formas especiacuteficas do objeto de estudo Entretanto o enunciado geral responde agrave primeira
parte da taacutebua de definiccedilatildeo como notaremos no decorrer da definiccedilatildeo pela forma que seraacute
enunciada Com eles Aristoacuteteles alicerccedila conceitualmente as outras definiccedilotildees que seratildeo
formuladas nos outros capiacutetulos
Assim entatildeo Aristoacuteteles inicia seu argumento
λέγομεν δὴ γένος ἕν τι τῶν ὄντων τὴν οὐσίαν ταύτης δὲ τὸ μέν ὡς ὕλην ὃ καθ αὑτὸ
οὐκ ἔστι τόδε τι ἕτερον δὲ μορφὴν καὶ εἶδος καθ ἣν ἤδη λέγεται τόδε τι καὶ τρίτον
τὸ ἐκ τούτων ἔστι δ ἡ μὲν ὕλη δύναμις τὸ δ εἶδος ἐντελέχεια καὶ τοῦτο διχῶς τὸ
μὲν ὡς ἐπιστήμη τὸ δ ὡς τὸ θεωρεῖν
Dizemos que um dos gecircneros dos seres eacute a substacircncia E substacircncia primeiro no
sentido de mateacuteria ndash que por si mesmo natildeo eacute algo determinado ndash e ainda no sentido
de figura e forma ndash em virtude do que jaacute se diz que eacute algo determinado ndash e por fim
no sentido de composto de ambas A mateacuteria por sua vez eacute potecircncia ao passo que a
forma eacute atualidade e isto de dois modos seja como ciecircncia seja como inquirir DA II
1 412a6-11(Trad Gomes dos Reis)
Aristoacuteteles parte de teses presentes em seu tratado de filosofia primeira a Metafiacutesica
Laacute ele investiga o ser enquanto ser que tem muitos significados mas todos convergem para
um soacute20
O que responde a estes diversos significados do que eacute o ser ao ti estiacute eacute a
substacircncia21
(ousiacutea) Satildeo substacircncias a mateacuteria (hyacutele) a forma (morpheacute) e o composto de
ambas ( tograve ek touacutetoon) 22
Apesar da mateacuteria ser indeterminada23
permanece na mudanccedila e eacute
20 διὸ καὶ ἡμῖν τοῦ ὄντος ᾗ ὂν τὰς πρώτας αἰτίας ληπτέον Τὸ δὲ ὂν λέγεται μὲν πολλαχῶς ἀλλὰ πρὸς ἓν καὶ μίαν
τινὰ φύσιν Por isso tambeacutem noacutes devemos apreender as causas primeiras do ente enquanto ente ldquoEnterdquo se diz de
muitas maneiras mas em relaccedilatildeo a algo uacutenico e a uma natureza uacutenicardquo Met G 1-2 1003ordf31-32 (Trad Lucas
Angioni) 21τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν ldquoE
sendo o ente dito de muitos modos eacute evidente que o ente primeiro eacute o que eacute entre todos o que designa a
substacircnciardquo Met Z 2 1028b13-15 (Trad Lucas Angioni) 22 αὗται δ εἰσὶν αἱ αἰσθηταί αἱ δ αἰσθηταὶ οὐσίαι πᾶσαι ὕλην ἔχουσιν ἔστι δ οὐσία τὸ ὑποκείμενον ἄλλως μὲν
ἡ ὕλη (ὕλην δὲ λέγω ἣ μὴ τόδε τι οὖσα ἐνεργείᾳ δυνάμει ἐστὶ τόδε τι) ἄλλως δ ὁ λόγος καὶ ἡ μορφή ὃ τόδε τι
ὂν τῷ λόγῳ χωριστόν ἐστιν τρίτον δὲ τὸ ἐκ τούτων οὗ γένεσις μόνου καὶ φθορά ἐστι καὶ χωριστὸν ἁπλῶς τῶν
γὰρ κατὰ τὸν λόγον οὐσιῶν αἱ μὲν αἱ δ οὔ ldquoE agora devemos reexaminar as substacircncias que satildeo admitidas por
todos E essas satildeo as substacircncias sensiacuteveis Todas as substacircncias sensiacuteveis tecircm mateacuteria E substacircncia eacute o
substrato o qual em certo sentido significa a mateacuteria (chamo mateacuteria o que natildeo eacute algo determinado em ato mas
22
objeto de predicaccedilatildeo caracteriza-se como o substrato (hypokeiacutemenon) do composto Para ser
determinada a mateacuteria depende da forma que lhe confere ser (ti estiacute) Assim toda mateacuteria
determinada pela forma seraacute um composto Por isso Aristoacuteteles defende que uma boa
definiccedilatildeo das substacircncias compostas eacute a que enuncie a determinaccedilatildeo da forma na mateacuteria24
Em suma a substacircncia eacute o gecircnero primeiro de ser sendo esta tanto mateacuteria quanto forma
assim como o composto de ambas
A indeterminaccedilatildeo da mateacuteria e a determinaccedilatildeo da forma estatildeo intrinsecamente
relacionadas aos conceitos correlatos de potecircncia (dyacutenamis) e atualidade (enteleacutekheia) na
filosofia primeira de Aristoacuteteles A mateacuteria eacute indeterminada pois natildeo eacute algo em ato mas em
potecircncia na medida que eacute passiacutevel de determinaccedilatildeo pela forma Aristoacuteteles assinala que ser
em potecircncia significa ter o princiacutepio de movimento (kiacutenesis) ou de modicaccedilatildeo (metaboleacute) seja
por causa extriacutenseca ou intriacutenseca25
A mateacuteria portanto eacute potecircncia pois traz em si o princiacutepio
de ser movida ou modificada por si mesma ou por um outro isto Potecircncia tambeacutem estaacute
algo determinado soacute em potecircncia) num segundo sentido significa a essecircncia e a forma (a qual sendo algo
determinado pode ser separada pelo pensamento) e num terceiro sentido significa o composto de mateacuteria e de
forma (e soacute este estaacute submetido agrave geraccedilatildeo e agrave corrupccedilatildeo e eacute separado em sentido proacuteprio enquanto das
substacircncias entendidas segundo a forma algumas satildeo separadas outras natildeo satildeo)rdquo H 1042a24-31 (Trad Giovani
Reale) 23 λέγω δ ὕλην ἣ καθ αὑτὴν μήτε τὶ μήτε ποσὸν μήτε ἄλλο μηδὲν λέγεται οἷς ὥρισται τὸ ὄν ἔστι γάρ τι καθ οὗ
κατηγορεῖται τούτων ἕκαστον ᾧ τὸ εἶναι ἕτερον καὶ τῶν κατηγοριῶν ἑκάστῃ (τὰ μὲν γὰρ ἄλλα τῆς οὐσίας
κατηγορεῖται αὕτη δὲ τῆς ὕλης) ὥστε τὸ ἔσχατον καθ αὑτὸ οὔτε τὶ οὔτε ποσὸν οὔτε ἄλλο οὐδέν ἐστιν οὐδὲ δὴ
αἱ ἀποφάσεις καὶ γὰρ αὗται ὑπάρξουσι κατὰ συμβεβηκός ldquoChamo mateacuteria aquilo que por si natildeo eacute algo
determinado nem uma quantidade nem qualquer outra das determinaccedilotildees do ser Existe de fato alguma coisa da
qual cada uma dessas determinaccedilotildees eacute predicada alguma coisa cujo ser eacute diferente do ser de cada uma das
categorias Todas as outras categorias com efeito satildeo predicadas da substacircncia e esta por sua vez eacute predicada
da mateacuteria Assim este termo por si natildeo eacute nem algo determinado nem quantidade nem qualquer outra
categoria e natildeo eacute nem sequer as negaccedilotildees destas porque as negaccedilotildees soacute existem de modo acidentalrdquo Met Z 3
1029ordf20-26 (Trad Giovani Reale) 24 οἱ δὲ ἀγγεῖον σκεπαστικὸν χρημάτων καὶ σωμάτων ἤ τι ἄλλο τοιοῦτον προτιθέντες τὴν ἐνέργειαν λέγουσιν οἱ
δ ἄμφω ταῦτα συντιθέντες τὴν τρίτην καὶ τὴν ἐκ τούτων οὐσίαν (ἔοικε γὰρ ὁ μὲν διὰ τῶν διαφορῶν λόγος τοῦ
εἴδους καὶ τῆς ἐνεργείας εἶναι ὁ δ ἐκ τῶν ἐνυπαρχόντων τῆς ὕλης μᾶλλον) ὁμοίως δὲ καὶ οἵους Ἀρχύτας
ἀπεδέχετο ὅρους τοῦ συνάμφω γάρ εἰσιν ldquoAo contraacuterio os que a definem dizendo que eacute um refuacutegio para
proteger coisas e corpos ou alguma outra coisa desse tipo dizendo o que eacute a casa em ato enfim os que unem
ambas as definiccedilotildees experimenta substacircncia no terceiro significado como composto de mateacuteria e forma Eacute claro
que a definiccedilatildeo dada pelas diferenccedilas refere-se agrave forma e ao ato enquanto a definiccedilatildeo dada a partir dos
elementos refere-se prioritariamente agrave mateacuteria Semelhantes a estas eram as definiccedilotildees que Arquita aprovava
elas referiam-se ao conjunto de mateacuteria e formardquo H 2 1043ordf17-21 (Trad Giovani Reale)
φανερὸν δὴ ἐκ τῶν εἰρημένων τίς ἡ αἰσθητὴ οὐσία ἐστὶ καὶ πῶς ἡ μὲν γὰρ ὡς ὕλη ἡ δ ὡς μορφὴ καὶ ἐνέργεια
ἡ δὲ τρίτη ἡ ἐκ τούτων ldquoDo que foi dito fica claro o que eacute a substacircncia sensiacutevel e qual eacute seu modo de ser ela eacute
por um lado mateacuteria por outro forma e ato e num terceiro sentido o conjunto de mateacuteria e de formardquo Met H
2 1043a26-28 (Trad Giovani Reale) 25 ἡ μὲν οὖν ὅλως ἀρχὴ μεταβολῆς ἢ κινήσεως λέγεται δύναμις ἐν ἑτέρῳ ἢ ᾗ ἕτερον ἡ δ ὑφ ἑτέρου ἢ ᾗ ἕτερον
(καθ ἣν γὰρ τὸ πάσχον πάσχει τι ὁτὲ μὲν ἐὰν ὁτιοῦν δυνατὸν αὐτό φαμεν εἶναι παθεῖν ὁτὲ δ οὐ κατὰ πᾶν
πάθος ἀλλ ἂν ἐπὶτὸ βέλτιον) ldquoPotecircncia portanto significa em primeiro lugar esse princiacutepio de mudanccedila ou de
movimento que se encontra em outra coisa ou na propria coisa enquanto outra e em segundo lugar significa o
princiacutepio pelo qual uma coisa eacute mudada ou movida por outra ou por si mesma enquanto outrardquo Met Δ 12
1019ordf19-23 (Trad Giovani Reale)
23
relacionada ao princiacutepio de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo26
Na medida em que as coisas satildeo
constituiacutedas de um determinado modo elas trazem em potecircncia a manutenccedilatildeo de si diante da
accedilatildeo de outra coisa como a parede que natildeo quebra se batida com um copo de vidro ou trazem
em potecircncia a degeneraccedilatildeo tal qual um copo de vidro que quebra quando lanccedilado contra a
parede Jaacute a forma eacute atualidade (enteleacutekheia) tanto como ciecircncia quanto inquirir ou seja
enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) e atividade (energeia) Atualidade enquanto disposiccedilatildeo significa
a jaacute detenccedilatildeo de determinada capacidade mas sem sua atividade Ser apto a caminhar mas
estar sentado por exemplo Jaacute ato enquanto atividade significa o exerciacutecio dessa disposiccedilatildeo
Ser apto a caminhar e estar caminhando
οὐσίαι δὲ μάλιστ εἶναι δοκοῦσι τὰ σώματα καὶ τούτων τὰ φυσικά ταῦτα γὰρ τῶν
ἄλλων ἀρχαί τῶν δὲ φυσικῶν τὰ μὲν ἔχει ζωήν τὰ δ οὐκ ἔχει ζωὴν δὲ λέγομεν τὴν
δι αὑτοῦ τροφήν τε καὶ αὔξησιν καὶ φθίσιν ὥστε πᾶν σῶμα φυσικὸν μετέχον ζωῆς
οὐσία ἂν εἴη οὐσία δ οὕτως ὡς συνθέτη
E haacute a opiniatildeo de que sobretudo os corpos satildeo substacircncia entre os quais se encontram
os corpos naturais que satildeo princiacutepios dos demais Dos corpos naturais alguns tecircm
vida outros natildeo e dizemos que a vida eacute a nutriccedilatildeo por si mesmo o crescimento e o
decaimento Assim todo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido
de substacircncia composta DA II 1 412a11-16 (Trad Gomes dos Reis)
Aristoacuteteles retorna a uma tese geral amplamente adotada por ele segundo a qual dentre
as substacircncias as sensiacuteveis satildeo as mais aceitas27
por serem mais evidentes aos sentidos O que
26 ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ τοῦ πάσχειν ἔτι ὅσαι ἕξεις καθ ἃς ἀπαθῆ ὅλως ἢ ἀμετάβλητα ἢ μὴ ῥᾳδίως ἐπὶ τὸ χεῖρον
εὐμετακίνητα δυνάμεις λέγονται κλᾶται μὲν γὰρ καὶ συντρίβεται καὶ κάμπτεται καὶ ὅλως φθείρεται οὐ τῷ
δύνασθαι ἀλλὰ τῷ μὴ δύνασθαι καὶ ἐλλείπειν τινός ἀπαθῆ δὲ τῶν τοιούτων ἃ μόλις καὶ ἠρέμα πάσχει διὰ δύ
ναμιν καὶ τῷ δύνασθαι καὶ τῷ ἔχειν πώς ldquoO mesmo vale para a potecircncia passiva Aleacutem disso chamam-se
potecircncias todos os estados em virtude dos quais as coisas satildeo absolutamente impassiacuteveis ou imutaacuteveis ou natildeo
facilmente mutaacuteveis para pior De fato as coisas quebram-se degeneram-se dobram-se e em geral destroem-se
natildeo porque tecircm potecircncia mas porque natildeo tecircm potecircncia a e porque carecem de alguma coisa ao contraacuterio satildeo
impassiacuteveis relativamente a todo estes tipos de afecccedilotildees as coisas que dificilmente ou pouco satildeo afetadas por elas
por causa de sua potecircncia e de seu poder e por determinadas condiccedilotildees em que se encontremrdquo Met Δ 12 1019ordf
26-32 (Trad Giovani Reale) 27 Οὐσία λέγεται τά τε ἁπλᾶ σώματα οἷον γῆ καὶ πῦρ καὶ ὕδωρ καὶ ὅσα τοιαῦτα καὶ ὅλως σώματα καὶ τὰ ἐκ
τούτων συνεστῶτα ζῷά τε καὶ δαιμόνια καὶ τὰ μόρια τούτων ἅπαντα δὲ ταῦτα λέγεται οὐσία ὅτι οὐ καθ
ὑποκειμένου λέγεται ἀλλὰ κατὰ τούτων τὰ ἄλλα ldquoSubstacircncia em certo sentido se diz dos corpos simples por
exemplo o fogo a terra a aacutegua e todos os corpos como estes e em geral todos os corpos e as coisas compostas
a partir deles como os animais e os seres divinos e suas partes Todas essas coisas satildeo ditas substacircncias porque
natildeo satildeo predicadas de um substrato mas tudo o mais eacute predicado delasrdquo Met Δ 1017b10ndash14 (Trad Giovani
Reale)
Τὸ ὂν λέγεται πολλαχῶς καθάπερ διειλόμεθα πρότερον ἐν τοῖς περὶ τοῦ ποσαχῶς σημαίνει γὰρ τὸ μὲν τί ἐστι
καὶ τόδε τι τὸ δὲ ποιὸν ἢ ποσὸν ἢ τῶν ἄλλων ἕκαστον τῶν οὕτω κατηγορουμένων τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου
τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν (ὅταν μὲν γὰρ εἴπωμεν ποῖόν τι
τόδε ἢ ἀγαθὸν λέγομεν ἢ κακόν ἀλλ οὐ τρίπηχυ ἢ ἄνθρωπον ldquoO ser tem muitos signficados como
estabelecemos anteriormente no livro dedicado aos diversos significados dos termos De fato o ser signfica de
um lado essecircncia e algo determinado de outro qualidade ou quantidade e cada uma das outras categorias
Mesmo sendo dito em tantos signficados eacute evidente que o primeiro dos significados do ser eacute a essecircncia que
indica a substacircncia (De fato quando perguntamos a qualidade de alguma coisa dizemos que eacute boa ou maacute mas
natildeo que tem trecircs cocircvados ou que eacute homemrdquo 1028a10ndash16 (Trad Giovani Reale)
24
Aristoacuteteles chama aqui de corpos naturais (physikoacuten) corresponde aos compostos que datildeo
origem aos artificiais e com a abstraccedilatildeo das suas unidades a objetos matemaacuteticos Mas natildeo
satildeo elementos ou partes sem unidade como o olho ou a raiz da aacutervore Pois eacute o animal que
deteacutem o olho e a aacutervore que deteacutem a raiacutez Sendo assim os corpos naturais se diferenciam
entre os que vivem e os que natildeo vivem Estes que natildeo vivem satildeo os corpos artificiais os
corpos celestes e o cadaacutever Um corpo morto seraacute de animal senatildeo por homoniacutemia pois natildeo
tem como atividade o viver E o viver eacute nutrir-se eacute crescer e eacute decair Donde Aristoacuteteles
conclui que ldquotodo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido de substacircncia
compostardquo Os seres viventes (empsykhon) satildeo substacircncias compostas de mateacuteria (corpo) e
forma (alma) tendo como atividade o viver
ἐπεὶ δ ἐστὶ καὶ σῶμα καὶ τοιόνδε ζωὴν γὰρ ἔχον οὐκ ἂν εἴη σῶμα ἡ ψυχή οὐ γάρ
ἐστι τῶν καθ ὑποκειμένου τὸ σῶμα μᾶλλον δ ὡς ὑποκείμενον καὶ ὕλη ἀναγκαῖον
ἄρα τὴν ψυχὴν οὐσίαν εἶνα ὡς εἶδος σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν ἔχοντος
E uma vez que essa substacircncia tambeacutem eacute um corpo de tal tipo ndash que tem vida ndash a
alma natildeo eacute corpo pois o corpo natildeo eacute um dos predicados do substrato antes ele eacute
como o substrato e a mateacuteria Necessariamente entatildeo a alma eacute substacircncia como
forma de um corpo natural potencialmente vivo 412ordf16-21 (Trad Maria Ceciacutelia
Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo proacutepria)
Finalmente Aristoacuteteles tece sua uacuteltima premissa e enuncia uma primeira definiccedilatildeo de
alma Dado que os corpos naturais dotados de vida satildeo compostos hilemoacuterficos cabe eliminar
qualquer possibilidade da alma ser corpo O argumento eacute conciso Haacute substacircncias que satildeo um
corpo dotado de vida Este corpo vivo natildeo eacute alma Mas substrato (hypokeimeacutenon) e mateacuteria
(hyacutele) do composto E como tal eacute objeto de predicaccedilatildeo da forma Portanto a alma natildeo pode
ser corpo pois ela que o predica
Em Met Z 3 escreve Aristoacuteteles que o substrato eacute aquilo que eacute predicado pelas coisas
enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outra28
Jaacute a substacircncia eacute aquilo que predica o
substrato mas que natildeo eacute predicada pelas outras coisas Sendo assim inerem no substrato
determinaccedilotildees como quantidade afecccedilotildees accedilotildees e potecircncias Poreacutem raspadas as
determinaccedilotildees o que resta eacute o substrato primeiro mateacuteria Contudo como jaacute enunciado
ὁμολογούμεναι μὲν αἱ φυσικαί οἷον πῦρ γῆ ὕδωρ ἀὴρ καὶ τἆλλα τὰ ἁπλᾶ σώματα ἔπειτα τὰ φυτὰ καὶ τὰ μόρια
αὐτῶν καὶ τὰ ζῷα καὶ τὰ μόρια τῶν ζῴων καὶ τέλος ὁ οὐρανὸς καὶ τὰ μόρια τοῦ οὐρανοῦ ἰδίᾳ δέ τινες οὐσίας
λέγουσιν εἶναι τά τ εἴδη καὶ τὰ μαθηματικά ldquoSubstacircncias admitidas por todos satildeo as fiacutesicas como fogo terra
aacutegua ar e os outros corpos simples ademais as plantas e suas partes do ceacuteu Alguns filoacutesofos ao contraacuterio em
funccedilatildeo de suas opiniotildees particulares afirmaram que substacircncias satildeo as Formas e os Entes matemaacuteticosrdquo Met H
1042a7ndash11(Trad Giovani Reale)
28 τὸ δ ὑποκείμενόν ἐστι καθ οὗ τὰ ἄλλα λέγεται ἐκεῖνο δὲ αὐτὸ μηκέτι κατ ἄλλου ldquoO Substrato eacute aquilo de
que satildeo predicadas todas as outras coisas enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outrardquo Met Z 3 1028b36 ndash
1029a1 (Trad Giovani Reale)
25
acima Aristoacuteteles compreende a mateacuteria como algo indeterminado Apesar disso haacute algo da
qual todas as outras determinaccedilotildees satildeo predicadas E sendo a substacircncia um algo separado
que predica a mateacuteria ou seja que referencia e determina a mateacuteria substacircncia e mateacuteria natildeo
podem ser idecircnticas O que este argumento nos ajuda a compreender eacute o pressuposto
metafiacutesico sobre o qual Aristoacuteteles identifica o corpo com o substrato impossibilitando que
este seja identificado com a alma Ou seja a substacircncia que predica o corpo
Portanto se o corpo eacute substrato material do composto orgacircnico vivo segue-se
necessariamente que a alma eacute a substacircncia formal Aristoacuteteles enuncia entatildeo seu perseguido
enunciado mais geral a alma eacute substacircncia como forma de um corpo natural potencialmente
vivo A alma enquanto substacircncia do composto vivo eacute substacircncia no sentido de forma Com
este enunciado Aristoacuteteles responde o primeiro ponto do elenco de questotildees a serem
abordadas numa investigaccedilatildeo da alma a saber a qual gecircnero de ser pertence a alma
Para a alma ser forma de um corpo potencialmente vivo ndash e ser potencialmente vivo eacute
dispor de oacutergatildeos passiacuteveis de realizaccedilatildeo das atividades proacuteprias ao viver ndash significa ser o
princiacutepio estruturante e configurador das funccedilotildees (eacutergon) de vida Assim a alma eacute o princiacutepio
e causa determinante do ser atraveacutes das atividades proacuteprias ao viver em um corpo de tal tipo
Portanto a alma configura a realidade das substacircncias compostas viventes sendo aquilo a
partir e em vista do que a vida se daacute
Aristoacuteteles abre caminho para a responder sua taacutebua de definiccedilotildees de DA I 1 A
primeira delas eacute configurar a relaccedilatildeo entre a alma e o corpo fundamentando a noccedilatildeo de
inseparabilidade entre uma e outro Pois ser a forma de um composto demanda que a alma se
atualize apenas se instanciada em um estofo material e seja seu princiacutepio de ser Em siacutentese a
alma eacute como a substacircncia e o corpo eacute como o substrato da substacircncia composta viva que eacute o
ser vivente
Seguindo as noccedilotildees jaacute traccediladas anteriormente Aristoacuteteles desdobraraacute outras duas
caracteriacutesticas proacuteprias agrave alma atualidade primeira e princiacutepio de determinaccedilatildeo do corpo Jaacute
que a alma eacute forma e forma eacute atualidade entatildeo a alma eacute atualidade deste corpo
potencialmente vivo como se lecirc logo em seguida
ἡ δ οὐσία ἐντελέχεια τοιούτου ἄρα σώματος ἐντελέχεια αὕτη δὲ λέγεται διχῶς ἡ
μὲν ὡς ἐπιστήμη ἡ δ ὡς τὸ θεωρεῖν φανερὸν οὖν ὅτι ὡς ἐπιστήμη ἐν γὰρ τῷ
ὑπάρχειν τὴν υχὴν καὶ ὕπνος καὶ ἐγρήγορσίς ἐστιν ἀνάλογον δ ἡ μὲν ἐγρήγορσις τῷ
θεωρεῖν ὁ δ ὕπνος τῷ ἔχειν καὶ μὴ ἐνεργεῖν προτέρα δὲ τῇ γενέσει ἐπὶ τοῦ αὐτοῦ ἡ
ἐπιστήμη διὸ ἡ ψυχή ἐστιν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν
ἔχοντος
E a substacircncia eacute atualidade Portanto eacute de um corpo de tal tipo que a alma eacute
atualidade Mas esta se diz de dois modos ndash primeiro como ciecircncia segundo como o
26
inquirir Eacute claro entatildeo que a alma eacute atualidade como ciecircncia pois ao subsistir a alma
haacute tanto o sono como a vigiacutelia e a vigiacutelia eacute algo anaacutelogo ao inquirir o sono a possuir
a ciecircncia mas natildeo a exercecirc-la e no que concerne a um mesmo indiviacuteduo a ciecircncia eacute
a primeira atualidade de um corpo natural que tem em potecircncia vida DA II 1 412a21-
28 (Trad Gomes dos Reis)
Como jaacute estabelecido em 401a6-11 a atualidade se diz segundo a disposiccedilatildeo e a
atividade Aqui disposiccedilatildeo (heacutexis) estaacute para a ciecircncia (epistecircme) como atividade (energeacuteia)
estaacute para inquirir (theoreicircn) Portanto disposiccedilatildeo eacute a obtenccedilatildeo de dada capacidade sem
executaacute-la enquanto atividade eacute sua execuccedilatildeo
Aristoacuteteles conclui seu argumento especificando a alma como uma atualidade primeira
(enteleacutekheia proteacute) Charlton29
propotildee que o termo ldquoprimeirordquo (proteacute) se refira agrave atualidade no
primeiro sentido ou seja enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) O que parece plausiacutevel pois o texto
aristoteacutelico nos diz que a alma eacute atualidade como ciecircncia (phanerograven oucircn hoacuteti hocircs episteme)
Aleacutem disso nas discussotildees preliminares sobre a capacidade perceptiva Aristoacuteteles discorre
um pouco mais sobre as diferenccedilas entre atualidade em termos de disposiccedilatildeo e atividade
διαιρετέον δὲ καὶ περὶ δυνάμεως καὶ ἐντελεχείας νῦν γὰρ ἁπλῶς ἐλέγομεν περὶ
αὐτῶν ἔστι μὲν γὰρ οὕτως ἐπιστῆμόν τι ὡς ἂν εἴποιμεν ἄνθρωπον ἐπιστήμονα ὅτι ὁ
ἄνθρωπος τῶν ἐπιστημόνων καὶ ἐχόντων ἐπιστήμην ἔστι δ ὡς ἤδη λέγομεν
ἐπιστήμονα τὸν ἔχοντα τὴν γραμματικήν ἑκάτερος δὲ τούτων οὐ τὸν αὐτὸν τρόπον
δυνατός ἐστιν ἀλλ ὁ μὲν ὅτι τὸ γένος τοιοῦτον καὶ ἡ ὕλη ὁ δ ὅτι βουληθεὶς δυνατὸς
θεωρεῖν ἂν μή τι κωλύσῃ τῶν ἔξωθεν ὁ δ ἤδη θεωρῶν ἐντελεχείᾳ ὢν καὶ κυρίως
ἐπιστάμενος τόδε τὸ Α ἀμφότεροι μὲν οὖν οἱ πρῶτοι κατὰ δύναμιν ἐπιστήμονες
ltὄντες ἐνεργείᾳ γίνονται ἐπιστήμονεςgtἀλλ ὁ μὲν διὰ μαθήσεως ἀλλοιωθεὶς καὶ
πολλάκις ἐξ ἐναντίας μεταβαλὼν ἕξεως ὁ δ ἐκ τοῦ ἔχειν τὴν ἀριθμητικὴν ἢ τὴν
γραμματικήν μὴ ἐνεργεῖν δέ εἰς τὸ ἐνεργεῖν ἄλλον τρόπον
Eacute preciso ainda fazer distinccedilotildees no que diz respeito agrave potecircncia e agrave atualidade Pois ateacute
agora falaacutevamos disso de maneira simples Por um lado haacute aquele que conhece no
sentido em que diriacuteamos ser o homem conhecedor por estar entre os que conhecem e
possuem conhecimento e haacute em outro sentido aquele que dizemos ser conhecedor
por jaacute saber a gramaacutetica (e cada um deles eacute em potecircncia mas natildeo da mesma maneira
o primeiro por que eacute de tal gecircnero e mateacuteria o outro porque se quiser pode inquirir
nada externo o impedindo) E haacute por fim aquele que estaacute inquirindo e em atualidade
conhecendo em sentido proacuteprio este ldquoArdquo determinado Os dois primeiros satildeo
conhecedores em potecircncia um por ter-se alterado via aprendizagem e por passar
vaacuterias vezes de uma das disposiccedilotildees contraacuterias a outra o outro de outro modo por
passar do ter a percepccedilatildeo sensiacutevel30 ou a gramaacutetica sem exercitaacute-lo ao estar em
exerciacutecio DA II 5 417a21-b2 (Trad Gomes dos Reis)
O ser humano eacute configurado de modo a realizar certas atividades como a nutriccedilatildeo a
percepccedilatildeo e a inquiriccedilatildeo Entretanto a pura organizaccedilatildeo fiacutesica natildeo basta para que elas sejam
realizadas Assim somente quando a funccedilatildeo proacutepria de determinada disposiccedilatildeo fiacutesica entra
em atividade eacute que aquilo que eacute em potecircncia se torna uma atualidade No caso acima a
capacidade de inquirir Mas toda capacidade exige um objeto para entrar em atividade E o
29 1980 p 174 30 A tradutora optou por substituir o termo ldquoarithmetikegravenrdquo por ldquoaiacutesthesinrdquo Cf GOMES DOS REIS 2012 p 84
27
que era uma potecircncia de aprendizado para o inquiridor torna-se uma atualidade pela atividade
da sua inquiriccedilatildeo Deste modo haacute trecircs instacircncias que vatildeo da potecircncia agrave atualidade Na
primeira o ser vivente eacute dotado da capacidade de aprender a inquirir Na segunda esta
disposiccedilatildeo eacute posta em atividade tendo um objeto para se inquirir Na terceira eacute a atividade
dessa capacidade aprendida ou adquirida que se tem uma atualidade plena No primeiro caso
eacute claramente uma capacidade segundo uma disposiccedilatildeo No segundo caso jaacute temos um estado
de atualidade na medida em que haacute o exerciacutecio dessa capacidade proacutepria ao ser vivente
Aristoacuteteles chama isso de potecircncia pois em relaccedilatildeo agrave terceira instacircncia aquele modo de
atualidade eacute ainda suscetiacutevel de alteraccedilatildeo E quando essa nova capacidade a gramaacutetica eacute
adquirida pela atividade desta nova capacidade de inquirir possiacutevel apenas pela sua
disposiccedilatildeo na fisiologia do ser vivente a capacidade se atualiza plenamente
Assim a alma eacute atualidade primeira de um corpo potencialmente vivo enquanto
princiacutepio de atividade das capacidades proacuteprias ao viver presentes como disposiccedilatildeo que a
forma engendra neste corpo Isto fica mais evidente em DA II 1 412b5-9
εἰ δή τι κοινὸν ἐπὶ πάσης ψυχῆς δεῖ λέγειν εἴη ἂν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος
φυσικοῦ ὀργανικοῦ διὸ καὶ οὐ δεῖ ζητεῖν εἰ ἓν ἡ ψυχὴ καὶ τὸ σῶμα ὥσπερ οὐδὲ τὸν
κηρὸν καὶ τὸ σχῆμα οὐδ ὅλως τὴν ἑκάστου ὕλην καὶ τὸ οὗ ἡ ὕλη τὸ γὰρ ἓν καὶ τὸ
εἶναι ἐπεὶ πλεοναχῶς λέγεται τὸ κυρίως ἡ ἐντελέχειά ἐστιν
Se eacute preciso enunciar algo comum a toda e qualquer alma seria que eacute a primeira
atualidade do corpo natural orgacircnico E por isso inclusive natildeo eacute preciso investigar se
alma e corpo satildeo uma unidade ndash tampouco se a cera e a figura o satildeo e em suma nem
se a mateacuteria de cada coisa e aquilo de que eacute mateacuteria ndash pois jaacute que se diz unidade ser
de muitos modos o mais apropriado deles eacute a atualidade (Trad Gomes dos Reis)
O corpo eacute dotado de oacutergatildeos partes que viabilizam a atividade das capacidades
proacuteprias ao viver E eacute a atividade das capacidades atraveacutes dos oacutergatildeos que se confere unidade
entre corpo e alma nesse composto orgacircnico vivo Assim Aristoacuteteles responde sobre a
unidade entre alma e corpo enunciada na taacutebua de definiccedilotildees Natildeo por acaso como corolaacuterio
agraves noccedilotildees de alma como forma e atualidade Aristoacuteteles declara
οὐσία γὰρ ἡ κατὰ τὸν λόγον τοῦτο δὲ τὸ τί ἦν εἶναι τῷ τοιῳδὶ σώματι καθάπερ εἴ τι
τῶν ὀργάνων φυσικὸν ἦν σῶμα οἷον πέλεκυς ἦν μὲν γὰρ ἂν τὸ πελέκει εἶναι ἡ οὐσία
αὐτοῦ καὶ ἡ ψυχὴ τοῦτο χωρισθείσης δὲ ταύτης οὐκ ἂν ἔτι πέλεκυς ἦν ἀλλ ἢ ὁμ
ωνύμως νῦν δ ἔστι πέλεκυς οὐ γὰρ τοιούτου σώματος τὸ τί ἦν εἶναι καὶ ὁ λόγος ἡ
ψυχή ἀλλὰ φυσικοῦ τοιουδί ἔχοντος ἀρχὴν κινήσεως καὶ στάσεως ἐν ἑαυτῷ
Pois ela eacute a substacircncia segundo a determinaccedilatildeo ou seja o que era para ser de um
corpo de tal tipo Se um instrumento fosse um corpo natural ndash por exemplo o
machado ndash a sua substacircncia seria a que eacute ser para o machado e isto seria a sua alma
Separado disso ele natildeo seria mais um machado exceto por homoniacutemia Mas na
verdade eacute um machado pois a alma natildeo eacute a determinaccedilatildeo e o que eacute o que eacute para um
corpo desse tipo mas sim um corpo natural tal que tenha em si mesmo um princiacutepio
28
de movimento e repouso DA II 1 412b10-17 (Trad Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo
proacutepria)
Como jaacute explicitado no enunciado de alma enquanto substacircncia como forma em
412a20 a alma eacute este princiacutepio determinante do ser do composto Ou seja o princiacutepio
organizador das suas disposiccedilotildees e propriedades que determinaratildeo o ser proacuteprio de um corpo
natural capaz de viver A identificaccedilatildeo entre alma e forma se desdobraraacute na identificaccedilatildeo de
alma e o que era para ser31
(tograve tiacute ecircn eicircnai)
Dado que a alma eacute forma e atualidade do corpo Aristoacuteteles estabelece que ela eacute seu
princiacutepio de determinaccedilatildeo das propriedades relevantes que daratildeo o caraacuteter essencial do ser
vivente E eacute evidente como o texto nos mostra e Hamilyn32
sustenta que a determinaccedilatildeo da
essecircncia se daacute segundo sua funccedilatildeo (eacutergon) O ser do machado eacute cortar na medida em que a
funccedilatildeo proacutepria do machado eacute cortar assim como a do olho eacute ver O ser do ser vivente eacute viver
31 A locuccedilatildeo eacute razatildeo de grande controveacutersia na tradiccedilatildeo de comentaacuterios ao texto aristoteacutelico Natildeo entrarei nos
pormenores da discussatildeo mas tomarei a traduccedilatildeo o que era para ser em sua literalidade assim como Angioni
tendo em vista o contexto no qual se pretende compreender seu emprego ldquoTrata-se de uma substantivaccedilatildeo com
o artigo neutro (lsquotorsquo) da pergunta lsquoo que afinal era o ser para tal coisarsquo (lsquoti en to einai toutoirsquo lsquotiacute ecircn tograve eicircnai
toutoirsquo) ndash Aristoacuteteles frequentemente substantiva segmentos de sentenccedilas e expressotildees que em si mesmas
constituem perguntas gramaticalmente completas isso ocorre na designaccedilatildeo das categorias (ldquoo qualrdquo ldquotograve poicirconrdquo
etc) na designaccedilatildeo de algumas das quatro causas (lsquoo que moveu primeirorsquo lsquoo em vista de quersquo) e em outras
expressotildees lsquo(lsquoo por quecircrsquo lsquotograve diagrave tiacutersquo ou lsquotograve dioacutetirsquo) O infinitivo lsquoserrsquo eacute o mesmo que consta na expressatildeo lsquoser +
dativorsquo e que designa a essecircncia da coisa isto eacute o conjunto de propriedades e caracteriacutesticas que deveriam ser
enumeradas no enunciado que define o que a coisa eacute Trata-se do mesmo infinitivo que comparece em 1041a32
1041b28 e 1042b27 (e natildeo se trata do infinitivo que poderia eventualmente ser entendido como existencial tal
como em 1041a15) O imperfeito ldquoerardquo por sua vez consiste num resquiacutecio de um uso dialeacutetico pelo qual o
interlocutor remetia a alguma definiccedilatildeo anteriormente dada destinada a funcionar como paracircmetro para a
discussatildeo ulterior (para referecircncias quanto ao uso desse imperfeito ver nossa dissertaccedilatildeo de mestrado p 89
nota 208) A pergunta original seria lsquoo quecirc era o ser para tal coisarsquo mas isso quer apenas dizer lsquoo quecirc fora
estabelecido (anteriormente na presente discussatildeo) como ser para tal coisarsquo Com o haacutebito a expressatildeo teria
perdido o significado interrogativo que originalmente possuiacutea e teria se tornado um jargatildeo para designar a
essecircncia Em vista disso lsquoto ti en einairsquo poderia ser traduzido ou parafraseado como lsquoaquilo que fora
estabelecido como caracteriacutesticas essenciais de tal coisarsquo A lsquoanterioridade causal da formarsquo muita vez alegada
como chave para a compreensatildeo do jargatildeo eacute compatiacutevel com o significado da expressatildeo mas natildeo explica a
origem do imperfeitordquo (Angioni 2005 102) 32 ldquoAristotlersquos selection of a tool an axe to provide an analogy with the ensouled body reveals how close to the
surface in this discussion is the notion of function The substance or essence of an axe is its function without
which it would not be an axe Like the Greeks in general Aristotle had no difficulty in thinking of a natural body
as having a function too (cf Nicomachean Ethics 1097b22ff) this is part of his general teleology But as he
goes on to point out there are differences also between an axe and a natural body which spoil the analogy This
is the force of the words lsquoBut as it is an axersquo ndash the essence of a axe is not its soul since it does not have one not
being a living thingrdquo ldquoA seleccedilatildeo do Aristoacuteteles de um instrumento um machado prova um analogia com os
coporpos animados revela como o que estaacute em voga eacute a discussatildeo eacute a noccedilatildeo de funccedilatildeo A substacircncia ou
essecircncia de um machado eacute sua funccedilatildeo sem a qual ele natildeo seria um machado Assim como os Gregos
Aristoacuteteles natildeo teve dificuldades em pensar o corpo natural como tambeacutem dotado de funccedilatildeo (cf Eacutetica a
Nicocircmaco 1097b22ss) isto eacute parte da sua teleologia Mas como ele segue pontuando haacute diferenccedilas igualmente
entre um machado e um corpo natural que prejudicam a analogia Eacute o que sugerem as palavras Mas eacute como um
machadorsquo - a essecircncia do machado natildeo eacute sua alma jaacute que ele natildeo tem uma natildeo eacute um ser viventerdquo (HAMLYN
1993 85) (Trad proacutepria)
29
e isto eacute garantido pela alma A locuccedilatildeo o que era para ser como indica Gomes dos Reis33
pode ser compreendida como uma continuidade da forma do ser vivente perante o devir que
lhe eacute proacuteprio ao longo da sua vida
Com isso Aristoacuteteles traccedila suas noccedilotildees preliminares da alma em DA II 1 Haacute ao final
do capiacutetulo algo digno de nota Aristoacuteteles se refere a tudo isto como um rascunho e esboccedilo
de definiccedilatildeo34
Poderiacuteamos entender que estas proposiccedilotildees satildeo insuficientes para o projeto
psicoloacutegico aristoteacutelico E satildeo mesmo em certa medida Pois em relaccedilatildeo agrave taacutebua de
definiccedilatildeo Aristoacuteteles soacute respondeu as noccedilotildees relativas agrave substacircncia atualidade e unidade da
alma Apesar disso como argumentarei na sessatildeo seguinte todo o arcabouccedilo conceitual e
argumentativo aqui esboccedilado sustentaraacute a noccedilatildeo de alma como princiacutepio das capacidades que
denotam vida Aleacutem do mais se lembrarmos que nas primeiras linhas do capiacutetulo Aristoacuteteles
se comprometia tatildeo somente em buscar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) para a
alma eacute inegaacutevel que ele foi bem sucedido Se ao fim de DA I ele tem claro que a alma eacute
princiacutepio imoacutevel de movimento e una em DA II 1 satildeo apresentados os argumentos positivos
para estas duas teses A alma eacute de estatuto formal portanto imoacutevel e princiacutepio organizador
das propriedades do ser Enquanto forma eacute atualidade e assim o princiacutepio de atividade das
capacidades proacuteprias ao ser Enquanto substacircncia eacute o que era para ser do ser vivente e entatildeo
o princiacutepio determinante do que este ser vivente eacute E esta determinaccedilatildeo seraacute dada pela funccedilatildeo
proacutepria das suas capacidades que soacute seratildeo plenificadas com as atividades no oacutergatildeo
correspondente Este enunciado e o que se desdobra dele eacute um rascunho e esboccedilo de definiccedilatildeo
pois natildeo nos explica satisfatoriamente por que a alma eacute princiacutepio das formas especiacuteficas de
vida Aristoacuteteles reconhece isso e segundo um paracircmetro geomeacutetrico de definiccedilatildeo mudaraacute o
curso da investigaccedilatildeo sobre a alma
33 ldquoA expressatildeo to ti ecircn einai pode ser a generalizaccedilatildeo de uma construccedilatildeo com ocorrecircncias nos tratados por
exemplo to [pelekei] einai o ser [para o machado] o ser [para a carne] que seraacute traduzida por sua vez como a
locuccedilatildeo ldquoo que eacute ser para o machadordquo e assim por diante Como reconstruiacute-la eacute um assunto polecircmico Haacute um
verbo no imperfeito (a expressatildeo literalmente diz algo como o lsquoo que era a serrsquo) que poderia ser interpretado
como uma ecircnfase na continuidade da forma a despeito do devirrdquo 2012 208 34τύπῳ μὲν οὖν ταύτῃ διωρίσθω καὶ ὑπογεγράφθω περὶ ψυχῆς ldquoE isto basta como um esquema do esboccedilo de
definiccedilatildeo de almardquo DA II 1 413a10-11 (Trad Gomes dos Reis)
30
22 A DEFINICcedilAtildeO PELAS CAPACIDADES
DA II 2 se inicia com um impasse a noccedilatildeo geral oferece o gecircnero de ser da alma mas
natildeo a enuncia como causa de vida nos seres viventes Diante disso Aristoacuteteles faz uma
revisatildeo metodoloacutegica na investigaccedilatildeo de alma tomando como paradigma o exemplo de
definiccedilatildeo pela causa de um objeto geomeacutetrico
Ἐπεὶ δ ἐκ τῶν ἀσαφῶν μὲν φανερωτέρων δὲ γίνεται τὸ σαφὲς καὶ κατὰ τὸν λόγον
γνωριμώτερον πειρατέον πάλιν οὕτω γ ἐπελθεῖν περὶ αὐτῆς οὐ γὰρ μόνον τὸ ὅτι δεῖ
τὸν ὁριστικὸν λόγον δηλοῦν ὥσπερ οἱ πλεῖστοι τῶν ὅρων λέγουσιν ἀλλὰ καὶ τὴν
αἰτίαν ἐνυπάρχειν καὶ ἐμφαίνεσθαι νῦν δ ὥσπερ συμπεράσμαθ οἱ λόγοι τῶν ὅρων
εἰσίν οἷον τί ἐστιν ὁ τετραγωνισμός τὸ ἴσον ἑτερομήκει ὀρθογώνιον εἶναι
ἰσόπλευρον ὁ δὲ τοιοῦτος ὅρος λόγος τοῦ συμπεράσματος ὁ δὲ λέγων ὅτι ἐστὶν ὁ
τετραγωνισμὸς μέσης εὕρεσις τοῦ πράγματος λέγει τὸ αἴτιον
E jaacute que a partir de coisas natildeo claras embora mais manifestas advecircm clareza e maior
inteligibilidade segundo o enunciado deve-se tentar desta maneira novamente
discorrer sobre a alma pois natildeo somente eacute preciso que o enunciado definidor
esclareccedila os fatos ndash como o faz a maioria das definiccedilotildees ndash mas ainda conter e
expressar a causa Os enunciados das definiccedilotildees na verdade satildeo como conclusotildees O
que eacute por exemplo a quadratura Eacute fazer equivaler um retacircngulo equilaacutetero a um
retacircngulo qualquer Mas tal definiccedilatildeo eacute o enunciado da conclusatildeo e o que diz por sua
vez que a quadratura eacute a descoberta de uma meacutedia proporcional enuncia a causa DA
II 2 413a11-20 (Trad Gomes dos Reis)
Novamente Aristoacuteteles nos relembra a ideia de que as apreensotildees sensiacuteveis satildeo mais
manifestas (phaneroteacuteron) que as apreensotildees inteligiacuteveis As inteligiacuteveis satildeo mais claras
(sophoacutes) pois satildeo formas apreendidas com a razatildeo e menos suscetiacuteveis ao engano Ao
contraacuterio das apreensotildees sensiacuteveis que satildeo mais manifestas Muito embora os pressupostos
que permitiram deduzir o estatuto ontoloacutegico da alma no capiacutetulo anterior sejam mais claros
eles enunciam o vivente como um ser animado enquanto um fato mas natildeo enunciam a alma
como causa do viver Portanto DA II 2 se dedicaraacute a investigar a alma como causa de vida
nos seres viventes a partir do que eacute mais manifesto ao que eacute mais claro
Aristoacuteteles se utiliza de um teorema para explicar que o termo meacutedio de um silogismo
apresenta a causa de um fato Num silogismo dado uma premissa maior que enuncie o fato e
tem como outro fato a conclusatildeo a premissa menor enuncia a causa pois eacute onde se encontra o
porquecirc da conclusatildeo Responder que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois ldquoTodo homem eacute mortalrdquo natildeo
enuncia a causa da mortalidade de Soacutecrates soacute o mero fato de coincidentemente ldquoSoacutecratesrdquo e
ldquoTodo homemrdquo serem mortais Poreacutem se respondemos que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois
ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo e ldquoTodo homem eacute mortalrdquo entatildeo foi enunciado a causa da mortalidade
de Soacutecrates Em sua estrutura claacutessica a premissa maior ldquoTodo homem eacute mortalrdquo a premissa
menor ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo a conclusatildeo ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo
31
Fica a questatildeo de como este novo criteacuterio se aplica agrave definiccedilatildeo E sobre a alma o
corpo e a vida
λέγομεν οὖν ἀρχὴν λαβόντες τῆς σκέψεως διωρίσθαι τὸ ἔμψυχον τοῦ ἀψύχου τῷ
ζῆν πλεοναχῶς δὲ τοῦ ζῆν λεγομένου κἂν ἕν τι τούτων ἐνυπάρχῃ μόνον ζῆν αὐτό
φαμεν οἷον νοῦς αἴσθησις κίνησις καὶ στάσις ἡ κατὰ τόπον ἔτι κίνησις ἡ κατὰ
τροφὴν καὶ φθίσις τε καὶ αὔξησις
Retomando o princiacutepio da investigaccedilatildeo digamos entatildeo que o animado se distingue do
inanimado pelo viver E de muitos modos se diz o viver pois dizemos que algo vive
se nele subsiste pelo menos um destes ndash intelecto percepccedilatildeo sensiacutevel movimento
local e repouso e ainda o movimento segundo a nutriccedilatildeo o decaimento e o
crescimento DA II 2 413a20-24 (Trad Gomes dos Reis)
Aristoacuteteles enuncia uma premissa maior e outra menor
[premissa maior] Todo ser dotado de alma vive
[premissa menor] Viver eacute ser dotado de intelecto percepccedilatildeo nutriccedilatildeo movimento
local e repouso decaimento e crescimento
Eacute proacuteprio agrave alma atribuir vida Viver eacute ser dotado de uma das capacidades
mencionadas Assim todo corpo natural que apresente uma dessas capacidades vive35
Portanto as plantas vivem pois se nutrem crescem e decaem por si proacuteprias
διὸ καὶ τὰ φυόμενα πάντα δοκεῖ ζῆν φαίνεται γὰρ ἐν αὑτοῖς ἔχοντα δύναμιν καὶ
ἀρχὴν τοιαύτην δι ἧς αὔξησίν τε καὶ φθίσιν λαμβάνουσι κατὰ τοὺς ἐναντίους τόπους
οὐ γὰρ ἄνω μὲν αὔξεται κάτω δ οὔ ἀλλ ὁμοίως ἐπ ἄμφω καὶ πάντῃ ὅσα ἀεὶ
τρέφεταί τε καὶ ζῇ διὰ τέλους ἕως ἂν δύνηται λαμβάνειν τροφήν
Por isso parece inclusive que todas as plantas vivem pois eacute manifesto que tecircm em si
mesmas uma potecircncia e um princiacutepio deste tipo por meio do qual ganham
crescimento e decaimento segundo direccedilotildees contraacuterias pois natildeo crescem apenas para
cima e natildeo para baixo mas similarmetne em ambas e em todas as direccedilotildees e assim eacute
para as que se nutrem constantemente e vivem ateacute o fim enquanto puderem obter
alimento DA II 2 413a25-31 (Trad Gomes dos Reis)
Assim como os animais vivem jaacute que satildeo dotados de nutriccedilatildeo e percepccedilatildeo
τὸ μὲν οὖν ζῆν διὰ τὴν ἀρχὴν ταύτην ὑπάρχει τοῖς ζῶσι τὸ δὲ ζῷον διὰ τὴν αἴσθησιν
πρώτως καὶ γὰρ τὰ μὴ κινούμενα μηδ ἀλλάττοντα τόπον ἔχοντα δ αἴσθησιν ζῷα
λέγομεν καὶ οὐ ζῆν μόνον
O viver subsiste nos seres vivos por conta deste princiacutepio e o animal constitui-se
primordialmente pela percepccedilatildeo sensiacutevel Pois dizemos que satildeo animais ndash e natildeo
apenas que vivem ndash tambeacutem os que natildeo se movem nem mudam de lugar mas
possuem percepccedilatildeo DA II 2 413b1-4 (Trad Gomes dos Reis)
Com isso temos a conclusatildeo do silogismo psicoloacutegico aristoteacutelico
[conclusatildeo a] Plantas e animais satildeo animados
E desta uma outra
35 Como jaacute antecipara em DA II 1 412a11-16 citado na paacutegina 16
32
[conclusatildeo b] Plantas e animais satildeo vivos
Portanto assim como todo retacircngulo teraacute quadratura por causa da sua proporccedilatildeo com
um retacircngulo quadrilaacutetero todo corpo seraacute um ser vivente por ser dotado de alma Entretanto
uma ldquoquestatildeo de aluno bobordquo seria perguntar para Aristoacuteteles de onde vecircm essas duas
premissas Ao conectar alma e vida sem explicar esta uacuteltima poderia levar a investigaccedilatildeo
aristoteacutelica agrave obscuridade precisamente onde se deveria ter mais clareza Entatildeo para que
Aristoacuteteles garanta a alma como causa da vida mortal ele endossaria os pressupostos dos seus
predecessores e portanto distinguiria o animado do inanimado pelo movimento e pela
percepccedilatildeo36
Polansky apesar disso natildeo esclarece afinal quais os argumentos que sustentam
a associaccedilatildeo entre alma e vida Se limitando apenas agraves implicaccedilotildees argumentativas desse
pressuposto
Contudo se assumirmos que Aristoacuteteles endossa a tese de seus predecessores segundo
a qual o animado se distingue do inanimado pelo movimento e percepccedilatildeo37
e que a nutriccedilatildeo eacute
a capacidade mais baacutesica entre os seres animados38
e por fim que a nutriccedilatildeo e a percepccedilatildeo
satildeo uma forma de movimento39
somos levados a crer que o argumento consiste em
[P1] viver eacute ao menos nutriccedilatildeo crescimento e decaimento
[P2] nutriccedilatildeo crescimento e decaimento satildeo um tipo de movimento (do tipo por si)
[P3] tudo o que se move por si eacute animado
[P4] a alma eacute um princiacutepio imoacutevel de movimento
[C1] logo tudo o que vive eacute animado
36 Cf Nota seguinte 37 τὸ ἔμψυχον δὴ τοῦ ἀψύχου δυσὶ μάλιστα διαφέρειν δοκεῖ κινήσει τε καὶ τῷ αἰσθάνεσθαι παρειλήφαμεν δὲ
καὶ παρὰ τῶν προγενεστέρων σχεδὸν δύο ταῦτα περὶ ψυχῆς ldquoOra haacute a opiniatildeo de que o animado difere do
inanimado em dois aspectos o movimento e a percepccedilatildeo sensiacutevel E em relaccedilatildeo agrave alma satildeo mais ou menos
esses dois que recebemos de nossos predecessoresrdquo DA I 1 403b25-28 (Trad Gomes dos Reis) 38 ὥστε πρῶτον περὶ τροφῆς καὶ γεννήσεως λεκτέον ἡ γὰρ θρεπτικὴ ψυχὴ καὶ τοῖς ἄλλοις ὑπάρχει καὶ πρώτη
καὶ κοινοτάτη δύναμίς ἐστι ψυχῆς καθ ἣν ὑπάρχει τὸ ζῆν ἅπασιν ldquoPor conseguinte deve-se primeiro tratar do
alimento e da geraccedilatildeo pois a alma nutritiva subsiste tambeacutem com as outras sendo a primeira e a mais comum
potecircncia da alma segundo a qual subsiste em todos o viverrdquo DA II 4 415A22-25 (Trad Gomes dos Reis) 39 ἔστι δὲ καὶ ἀλλοίωσις καὶ αὔξησις κατὰ ψυχήν ἡ μὲν γὰρ αἴσθησις ἀλλοίωσίς τις εἶναι δοκεῖ αἰσθάνεται δ
οὐθὲν ὃ μὴ μετέχει ψυχῆς ὁμοίως δὲ καὶ περὶ αὐξήσεώς τε καὶ φθίσεως ἔχει οὐδὲν γὰρ φθίνει οὐδ αὔξεται
φυσικῶς μὴ τρεφόμενον τρέφεται δ οὐθὲν ὃ μὴ κοινωνεῖ ζωῆς ldquoMas inclusive a alteraccedilatildeo e o crecimento
existem segundo a alma pois haacute a opiniatildeo de que a percepccedilatildeo sensiacutevel eacute uma certa alteraccedilatildeo e aquele que natildeo
participa da alma nada percebe de maneira similar ocorre tambeacutem em relaccedilatildeo ao crescimento e decaimento pois
nem decai nem cresce naturalmente aquele que natildeo eacute nutrido e nada que natildeo compartilhe da vida se nutrerdquo DA
II 4 415b23-28 (Trad Gomes dos Reis)
E mais adiante enunciando a percepccedilatildeo Aristoacuteteles eacute categoacuterico ἡ δ αἴσθησις ἐν τῷ κινεῖσθαί τε καὶ πάσχειν
συμβαίνει καθάπερ εἴρηται δοκεῖ γὰρ ἀλλοίωσίς τις εἶναι ldquoA percepccedilatildeo sensiacutevel consiste em ser movido e ser
afetado como dissemos pois haacute a opiniatildeo de que ela eacute uma certa alteraccedilatildeordquo DA II 4 416b35-36 (Trad Gomes
dos Reis)
33
Note que [P1] e [P2] seriam premissas autoevidentes Em [P3] Aristoacuteteles partiria
dos mesmos pressupostos que as endoxai de seus predecessores enquanto [P4] resultaria da
anaacutelise criacutetica dessas endoxai ao longo de DA I 3-5 Aristoacuteteles natildeo nos elucida claramente de
onde ele tira as evidecircncias de [P1] e [P2] ou seja por que essas capacidades tais satildeo
movimentos por si e portanto denotam vida Quanto a [P3] Fiacutes VIII40
nos indica que esta eacute
uma tese que Aristoacuteteles abraccedila mas tambeacutem sem explicar suas razotildees O mais plausiacutevel
parece ser que este eacute um fenocircmeno autoevidente amplamente aceito que dispense justificaccedilatildeo
Diferentemente eacute o caso de [P4] cuja justificativa pode se sustentar na criacutetica aristoteacutelica agraves
noccedilotildees democritianas de que a alma eacute um princiacutepio de movimento que se move em DA I 3
corroborada pela noccedilatildeo de alma enunciada em DA II 1 segundo a qual a alma eacute forma logo
atualidade e portanto princiacutepio de determinaccedilatildeo das funccedilotildees proacuteprias ao ser vivente
Olhando por essas lacunas que o argumento aristoteacutelico conteacutem sua tentativa de
enunciar a alma como causa de vida parece fragilizada Entretanto fato eacute que a vida eacute
explicada pela alma no contexto do pensamento helecircnico Entatildeo conceder a Aristoacuteteles este
pressuposto parece um miacutenimo que o leitor contemporacircneo precise fazer Aleacutem disso vale
lembrar que em Met Z 17 Aristoacuteteles defende ser ldquonecessaacuterio que o dado e a existecircncia da
coisa sejam previamente conhecidosrdquo41
e que portanto o que se investiga eacute ldquopor que alguma
coisa pertence a outrardquo42
Deste modo cabem aqui questotildees como ldquopor que os corpos
vivemrdquo ou ainda ldquopor que se atribui vida a corpos dotados de capacidades taisrdquo E natildeo ldquopor
que o animado se diferencia do inanimado pelo viverrdquo como o formulado no iniacutecio desta
digressatildeo Talvez a fragilidade aparente se decirc pois aqui se toque as Colunas de Heacutercules da
psicologia aristoteacutelica
Retomando a braccedilada dos remos se a tese de que a vida se manifesta pela capacidade
de movimento eacute confirmada quando Aristoacuteteles enuncia uma nova noccedilatildeo de alma como
40 οὐδεμιᾶς γὰρ ἐν ἡμῖν ἐνούσης κινήσεως ἐνίοτε ἀλλ ἡσυχάζοντες ὅμως κινούμεθά ποτε καὶ ἐγγίγνεται ἐν ἡμῖν
ἐξ ἡμῶν αὐτῶν ἀρχὴ κινήσεως κἂν μηθὲν ἔξωθεν κινήσῃ τοῦτο γὰρ ἐπὶ τῶν ἀψύχων οὐχ ὁρῶμεν ὁμοίως ἀλλ
ἀεὶ κινεῖ τι αὐτὰ τῶν ἔξωθεν ἕτερον τὸ δὲ ζῷον αὐτό φαμεν ἑαυτὸ κινεῖν ldquoPor vezes acontece que natildeo haja
movimento em noacutes [entes animados] e que de nosso repouso noacutes sejamos postos em movimento e agraves vezes o
princiacutepio do movimento surge em noacutes e de noacutes sem que nada de outro nos mova de fora Natildeo vemos nada
parecido no caso dos seres inanimados pois eles sempre satildeo movidos por algo outro que reside fora deles Dos
animais noacutes dizemos que eles movem a si mesmosrdquo Fiacutes VIII 2 252b18-23 (Trad Daniel Nascimento)
ὁρῶμεν δὲ καὶ φανερῶς ὄντα τοιαῦτα ἃ κινεῖ αὐτὰ ἑαυτά οἷον τὸ τῶν ἐμψύχων καὶ τὸ τῶν ζῴων γένος ταῦτα δὲ
καὶ δόξαν παρεῖχε μή ποτε ἐνδέχεται κίνησιν ἐγγίγνεσθαι μὴ οὖσαν ὅλως διὰ τὸ ἐν τούτοις ὁρᾶν ἡμᾶς τοῦτο
συμβαῖνον (ἀκίνητα γάρ ποτε ὄντα κινεῖται πάλιν ὡς δοκεῖ) ldquoVemos claramente que existem coisas que se
movem a si mesmas como por exemplo os entes animados e o gecircnero dos animais e por causa disso pensamos
que pode ser possiacutevel que o movimento seja gerado sem que antes tenha existido de qualquer forma pois noacutes
vemos isso acontecer com eles (estarem imoacuteveis em determinado momento e moverem-se novamanete tal como
parece)rdquo Fis VIII 6 259b1-6 (Trad Daniel Nascimento) 41 δεῖ γὰρ τὸ ὅτι καὶ τὸ εἶναι ὑπάρχειν δῆλα ὄντα Met 17 1041a15 42ἄλλο γὰρ οὕτω κατ ἄλλου ἐστὶ τὸ ζητούμενον Met 17 1041a25-26
34
conclusatildeo do raciociacutenio iniciado em DA II 2 temos esta nova formulaccedilatildeo segundo as
capacidades que denotam o viver
νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον εἰρήσθω μόνον ὅτι ἐστὶν ἡ ψυχὴ τῶν εἰρημένων τούτων ἀρχὴ καὶ
τούτοις ὥρισται θρεπτικῷ αἰσθητικῷ διανοητικῷ κινήσει
Por ora eacute suficiente dizer apenas isto que a alma eacute princiacutepio das capacidades
mencionadas ndash nutritiva perceptiva raciocinativa e de movimento ndash e que por elas eacute
definida DA II 2 413b11-13 (Trad Gomes dos Reis)
Esta noccedilatildeo eclode como corolaacuterio da argumentaccedilatildeo anterior Com ela Aristoacuteteles
conquista um importante ponto do seu projeto psicoloacutegico a saber que a noccedilatildeo de alma
explique as distintas formas de vida atraveacutes das capacidades Isto levaraacute a uma gama de
comentadores contemporacircneos a valorizarem esta definiccedilatildeo em detrimento da definiccedilatildeo pela
substacircncia apresentada em DA II 1 Os que assim interpretam43
reduzem a definiccedilatildeo de alma
agrave noccedilatildeo de princiacutepio das funccedilotildees que denotam vida Esta interpretaccedilatildeo natildeo eacute totalmente
equivocada na medida em que textualmente Aristoacuteteles afirma isto Poreacutem ela eacute imprecisa
pois ignora o estatuto ontoloacutegico da alma Como vimos na seccedilatildeo anterior a alma eacute substacircncia
como forma (tegraves psycheacutes ousiacutean eicircnai hocircs eicircdos) do corpo e portanto seu princiacutepio
organizador que lhe confere o viver E enquanto forma do corpo a alma eacute sua atualidade
primeira (enteleacutekheia proteacute) Ou seja princiacutepio formal o qual o corpo se desenvolve em vista
do viver Pois a alma de um lado traz em si as disposiccedilotildees (heacutexeis) necessaacuterias agrave vida e
determina o que este corpo orgacircnico era para ser (tograve tiacute ecircn eicircnai) mediante suas funccedilotildees (eacuterga)
e atividades (eneacutergeiai) de viver Essas funccedilotildees satildeo as capacidades (dynaacutemeis) que
caracterizam os tipos de vida nos seres seu modo proacuteprio de viver Sendo assim a capacidade
nutritiva eacute proacutepria agrave vida vegetativa a perceptiva proacutepria agrave animal e a intelectiva agrave humana
Como se vecirc a definiccedilatildeo pelas capacidades tem sua origem e fundamento na definiccedilatildeo
pela forma Por outro lado esta soacute ganha capilaridade na definiccedilatildeo pela capacidade jaacute que sua
noccedilatildeo geral natildeo define a alma como causa de cada tipo de vida nem princiacutepio das
capacidades proacuteprias ao viver Deste modo uma interpretaccedilatildeo da noccedilatildeo aristoteacutelica de alma
que ignore como ambas noccedilotildees se sustentam mutuamente eacute parcial e suscetiacutevel de engendrar
mais problema que o proacuteprio texto jaacute apresenta
Com isso concluiacutemos De Anima II 2 compreendendo que a alma eacute causa de vida jaacute
que eacute princiacutepio das atividades proacuteprias ao viver Diante da noccedilatildeo geral e como ela se
particulariza nas distintas capacidades resta ainda observar um uacuteltimo ponto que Aristoacuteteles
43Putman (1975) Ackrill (1975-6) Bolton (1978) Nussbaum (1978) Everson (1995) CodeampMoravicsik
(1992) Para uma noccedilatildeo geral das diversas correntes de interpretaccedilatildeo da psicologia aristoteacutelica no seio das
discussotildees de filosofia da mente ver Diamond (2015) Caston (2006) e Irwin (1991)
35
trabalharaacute no capiacutetulo seguinte a saber a disposiccedilatildeo seriada hierarquicamente das diversas
formas de vida
23 A DEFINICcedilAtildeO SERIADA
A tese geral de que a alma eacute forma do corpo sofre uma nova reavaliaccedilatildeo em DA II 3
Como se veraacute adiante Aristoacuteteles surpreendentemente declara que toda busca por um
enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) de alma eacute ridiacuteculo (geloicircon) jaacute que esta noccedilatildeo natildeo
permite a compreensatildeo de que as diversas espeacutecies de vida (vegetativa animal e humana) satildeo
dispostas em uma seacuterie ordenada e hierarquizada de acordo com sua capacidade especiacutefica
Como a leitura das formas de vida dispostas em uma seacuterie ordenada eacute um problema que
precisa ser respondido por quem quer que se debruce sobre a noccedilatildeo aristoteacutelica de alma esta
seccedilatildeo argumentaraacute como a noccedilatildeo de almas seriadas natildeo invalida a noccedilatildeo formal de alma
enunciada em DA II 1
DA II 3 poderia ser tematicamente dividido em duas partes Numa primeira de
414ordf29-414b20 Aristoacuteteles dispotildee a hierarquia das capacidades que denotam vida Se em DA
II 2 ele enunciou as capacidades aqui se argumenta como uma estaacute em relaccedilatildeo de
anterioridade agrave outra e portanto disposta hierarquicamente de modo coextensivo agraves formas
de vida Assim se o movimento segundo nutriccedilatildeo crescimento e decaimento seraacute proacuteprio a
uma forma de vida a vegetativa a adiccedilatildeo da capacidade perceptiva seraacute proacutepria agrave vida
vegetativa e animal Agrave medida que se adicione outras capacidades como o intelecto abrange-
se a vida humana44
Esta hierarquizaccedilatildeo suplementar das capacidades a seu enunciado permite
que Aristoacuteteles encampe a tese de que os tipos de vida satildeo dispostos em seacuteries ordenadas
avanccedilando para a segunda parte do capiacutetulo
δῆλον οὖν ὅτι τὸν αὐτὸν τρόπον εἷς ἂν εἴη λόγος ψυχῆς τε καὶ σχήματος οὔτε γὰρ
ἐκεῖ σχῆμα παρὰ τὸ τρίγωνον ἔστι καὶ τὰ ἐφεξῆς οὔτ ἐνταῦθα ψυχὴ παρὰ τὰς
εἰρημένας γένοιτο δ ἂν καὶ ἐπὶ τῶν σχημάτων λόγος κοινός ὃς ἐφαρμόσει μὲν
πᾶσιν ἴδιος δ οὐδενὸς ἔσται σχήματος ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ ταῖς εἰρημέναις ψυχαῖς διὸ
γελοῖον ζητεῖν τὸν κοινὸν λόγον καὶ ἐπὶ τούτων καὶ ἐφ ἑτέρων ὃς οὐδενὸς ἔσται τῶν
ὄντων ἴδιος λόγος οὐδὲ κατὰ τὸ οἰκεῖον καὶ ἄτομον εἶδος ἀφέντας τὸν τοιοῦτον
(παραπλησίως δ ἔχει τῷ περὶ τῶν σχημάτων καὶ τὰ κατὰ ψυχήν ἀεὶ γὰρ ἐν τῷ ἐφεξῆς
44 Τῶν δὲ δυνάμεων τῆς ψυχῆς αἱ λεχθεῖσαι τοῖς μὲν ὑπάρχουσι πᾶσαι καθάπερ εἴπομεν τοῖς δὲ τινὲς αὐτῶν
ἐνίοις δὲ μία μόνη διασαφητέον δὲ περὶ αὐτῶν ὕστερον νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον () εἰρήσθω ὅτι τῶν ζώντων τοῖς
ἔχουσιν ἁφὴν καὶ ὄρεξις ὑπάρχει περὶ δὲ φαντασίας ἄδηλον ὕστερον δ ἐπισκεπτέον ἐνίοις δὲ πρὸς τούτοις
ὑπάρχει καὶ τὸ κατὰ τόπον κινητικόν ἑτέροις δὲ καὶ τὸ διανοητικόν τε καὶ νοῦς οἷον ἀνθρώποις καὶ εἴ τι
τοιοῦτον ἕτερον ἔστιν ἢ τιμιώτερον ldquoDentre as potecircncias da alma como dissemos todas as mencionadas
subsitem em alguns seres em outros soacute algumas delas e em alguns apenas uma E mencionamos como
potecircncias a nutritiva a perceptiva a desiderativa a locomotiva e a raciocinativa Ora nas plantas subsiste
somente a nutritiva mas em outros seres tanto esta como a perceptiva () Por ora eacute suficiente dizer isto que
entre os seres vivos que possuem tato tambeacutem subsiste desejo No que se refere agrave imaginaccedilatildeo natildeo estaacute claro e
devemos examinaacute-la posteriormente Em alguns seres vivos aleacutem disso subsiste tambeacutem a capacidade de se
locomover e em outros ainda a de raciocinar e o intelecto ndash por exemplo nos homens e em algum outro se
houver de tal qualidade ou mais valiosordquo DA II 3 414a29-414b20 (Trad Gomes dos Reis)
36
ὑπάρχει δυνάμει τὸ πρότερον ἐπί τε τῶν σχημάτων καὶ ἐπὶ τῶν ἐμψύχων οἷον ἐν
τετραγώνῳ μὲν τρίγωνον ἐν αἰσθητικῷ δὲ τὸ θρεπτικόν) ὥστε καθ ἕκαστον
ζητητέον τίς ἑκάστου ψυχή οἷον τίς φυτοῦ καὶ τίς ἀνθρώπου ἢ θηρίου διὰ τίνα δ
αἰτίαν τῷ ἐφεξῆς οὕτως ἔχουσι σκεπτέον ἄνευ μὲν γὰρ τοῦ θρεπτικοῦ τὸ αἰσθητικὸν
οὐκ ἔστιν τοῦ δ αἰσθητικοῦ χωρίζεται τὸ θρεπτικὸν ἐν τοῖς φυτοῖς
Eacute claro que poderia da mesma maneira haver entatildeo um enunciado uacutenico tanto de
figura como de alma Pois nem no primeiro caso existe figura aleacutem do triacircngulo e
daquelas que o sucedem nem neste caso existe alma aleacutem das mencionadas A
respeito das figuras tambeacutem eacute possiacutevel formular um enunciado comum que se aplique
a todas sem ser proacuteprio a nenhuma e o mesmo ocorre com as almas mencionadas Por
isso tanto neste como em outros casos eacute ridiacuteculo procurar um enunciado comum ndash
pois a nenhum dos seres seraacute um enunciado proacuteprio nem estaraacute de acordo com a
forma apropriada e indivisiacutevel ndash deixando-se de lado o enunciado deste tipo (E as
coisas concernentes agrave alma estatildeo em situaccedilatildeo parecida agravequela das figuras pois tanto
no caso das figuras como no caso dos seres animados o anterior sempre subsiste
naquilo que o sucede por exemplo o triacircngulo no quadrado o poder de nutrir-se no
de perceber) Assim deve ser investigado de acordo com cada caso o que eacute a alma
de cada um ndash por exemplo o que eacute a alma da planta do homem ou da besta E deve
ser examinado a causa de ser disposto assim em sucessatildeo Pois sem a nutritiva natildeo
existe a capacidade perceptiva embora nas plantas a nutritiva exista separada da
perceptiva DA II 3 414b20-415a6 (Trad Gomes dos Reis)
A analogia entre figura do triacircngulo e a alma vegetativa permite esclarecer qual a
relaccedilatildeo de sucessatildeo entre uma capacidade e outra O triacircngulo eacute a figura geomeacutetrica plana
mais baacutesica de todas A composiccedilatildeo de dois triacircngulos forma um quadrilaacutetero A composiccedilatildeo
de trecircs triacircngulos forma um pentaacutegono e assim sucessivamente Ou seja da mesma maneira
que o triacircngulo subsiste em potecircncia no quadrilaacutetero e este no pentaacutegono a nutriccedilatildeo subsiste
em potecircncia na percepccedilatildeo e esta no intelecto Portanto se a capacidade nutritiva eacute proacutepria agrave
vida vegetativa a perceptiva agrave animal e a intelectiva agrave humana entatildeo igualmente a vida
vegetativa subsiste na animal e a animal na humana Sendo assim da mesma maneira que se
faz necessaacuteria uma definiccedilatildeo proacutepria ao triacircngulo ao quadrilaacutetero e ao pentaacutegono deve-se
buscar um enunciado proacuteprio a cada uma dessas formas de vida para que se sustente como a
alma eacute princiacutepio de cada tipo de vida e natildeo somente da vida em geral Pois um enunciado que
decirc a noccedilatildeo da alma que cubra todas as formas de vida mas que natildeo toque particularmente em
uma natildeo cumpre seu fim argumentativo que eacute explicar a razatildeo da alma ser causa de vida no
ser vivente como se segue
ὅτι μὲν οὖν ὁ περὶ τούτων ἑκάστου λόγος οὗτος οἰκειότατος καὶ περὶ ψυχῆς δῆλον
Eacute claro entatildeo que o enunciado de cada uma destas capacidades eacute tambeacutem o mais
apropriado a respeito da alma DA II 3 415a13-14 (Trad Gomes dos Reis)
Levando-se em conta que Aristoacuteteles se dedicaraacute em todo o restante do De Anima
investigando cada uma das capacidades e seus desdobramentos para uma noccedilatildeo de alma
37
podemos ser levados a crer que Aristoacuteteles elege este como o melhor criteacuterio para uma
definiccedilatildeo de alma
Haacute portanto um grande problema a ser encarado aqui que consiste na resposta a uma
das questotildees elencadas em DA I 145
a saber se eacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma enquanto
tal ou uma para cada tipo de ser vivente Pelo caminho que segue a discussatildeo tende-se a uma
resposta de que seraacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma para cada forma de vida Entretanto
Aristoacuteteles jaacute problematizara se mesmo que haja uma noccedilatildeo uacutenica para catildees cavalos e
homens a de animal esta noccedilatildeo uacutenica eacute universal posterior anterior ou nada em relaccedilatildeo aos
itens
Seguindo o texto de DA II 3 a nutriccedilatildeo eacute a capacidade sobre a qual se erguem todas as
outras ateacute a capacidade de pensamento Dado que um corpo eacute dotado de nutriccedilatildeo e portanto
vivente por causa da alma e a seu turno dado que a alma eacute forma e atualidade primeira do
corpo e portanto princiacutepio organizador das capacidades que denotam o viver novamente a
definiccedilatildeo pela forma sustenta ontologicamente a definiccedilatildeo pelas capacidades e por
concomitacircncia a definiccedilatildeo seriada
Assim a criacutetica que Aristoacuteteles faz agrave noccedilatildeo mais geral de alma enunciada em DA II 1
natildeo eacute razatildeo suficiente para seu descarte no seu projeto psicoloacutegico Com efeito se a noccedilatildeo de
alma como forma eacute insuficiente para explicar por que a alma eacute princiacutepio de vida em cada tipo
de ser vivente como sustentado ao iniacutecio de DA II 2-3 ela eacute justamente a noccedilatildeo ontoloacutegica
para que responde pela sua atualidade e determinaccedilatildeo das propriedades relevantes do ser deste
corpo dotado de oacutergatildeos Assim se as noccedilotildees de alma como forma e princiacutepio das capacidades
satildeo intercambiantes como argumentei anteriormente e se a definiccedilatildeo estaacute diretamente
atrelada agrave hierarquia dessas capacidades entatildeo a proacutepria noccedilatildeo de alma seriada depende
logicamente da noccedilatildeo de alma como forma Sendo assim o enunciado geral eacute redimensionado
em DA II 3 pela disposiccedilatildeo seriada da alma a um princiacutepio loacutegico-ontoloacutegico mediante o qual
esta ciecircncia comum a muitas coisas pode se realizar
45 εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον
ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν
ἄλλο κατηγοροῖτο Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma uacutenica
definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a de cavalo catildeo homem
divindade sendo neste caso o animal considerado universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo
ocorrendo para qualquer outro atributo comum que for predicadordquo DA I 1 402b4-9 (Trad Gomes dos Reis)
38
3 CONCLUSAtildeO
Como se apresentou nesta monografia Aristoacuteteles enuncia sua noccedilatildeo de alma em
momentos distintos Um primeiro a partir da discussatildeo com as teses predecessoras Nela o
que se conquista eacute que a alma eacute imoacutevel e origem de movimento nos seres viventes Depois
atraveacutes de um enunciado geral para os diversos tipos de vida que a define como forma do
corpo Um terceiro que enuncia a alma como causa de vida e a define como princiacutepio das
capacidades que denotam o viver E por fim um quarto enunciado que a apresenta como
disposta em seacuterie ordenada segundo suas capacidades Na medida que o enunciado geral se
mostra insuficiente para o projeto psicoloacutegico traccedilado e as outras definiccedilotildees parecem melhor
corresponder a este objetivo a unidade enunciativa entre as diversas definiccedilotildees aparenta ser
vulneraacutevel Natildeo por menos como foi abordado ao longo deste texto tende-se a salientar uma
das definiccedilotildees e desconsiderar a outra Esta natildeo parece ser a interpretaccedilatildeo que melhor
compreenda a psicologia aristoteacutelica Como argumentado observar a definiccedilatildeo pelas
capacidades sem a definiccedilatildeo pela forma esvazia ontologicamente a noccedilatildeo de que a alma eacute
princiacutepio de vida A alma como forma do corpo eacute o enunciado mediante o qual a garante
como atualidade primeira e portanto princiacutepio das caracteriacutesticas e funccedilotildees proacuteprias ao ser
vivente Por outro lado como o proacuteprio Aristoacuteteles enuncia a definiccedilatildeo pela forma daacute uma
noccedilatildeo que abarca todas as formas de vida mas natildeo enuncia a alma como causa do viver nem
que as diversas almas satildeo dispostas em seacuterie ordenada Satildeo nestes dois pontos que a definiccedilatildeo
pela capacidade se torna igualmente relevante para o projeto psicoloacutegico aristoteacutelico Sem ela
seriam inviaacuteveis todos os outros capiacutetulos nos quais Aristoacuteteles enuncia discorre e formula a
atividade das capacidades proacuteprias ao ser vivo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo imaginaccedilatildeo intelecto e
movimento segundo deslocamento Por estas razotildees uma interpretaccedilatildeo que conjugue as duas
definiccedilotildees no interior do projeto psicoloacutegico aristoteacutelico parece ser a que contemple melhor o
horizonte teoacuterico que a investigaccedilatildeo erige
Haacute um alguns aspectos que esta monografia deixa pelo caminho Na seccedilatildeo 1 Taacutebua de
Definiccedilatildeo foram elencados os diversos elementos de definiccedilatildeo da alma e como se faria a
inquiriccedilatildeo O primeiro grupo foi respondido ao longo da seccedilatildeo 2 A Noccedilatildeo de Alma mas o
segundo natildeo O segundo grupo de elementos da taacutebua seraacute dissertado por Aristoacuteteles nos
capiacutetulos posteriores ao DA II 3 quando ele se debruccedila sobre cada uma das capacidades
Como esta monografia pretende abordar apenas as definiccedilotildees sem dar interpretaccedilatildeo total do
tratado entatildeo soacute pode responder parte da taacutebua das definiccedilotildees Aleacutem disso a interpretaccedilatildeo das
definiccedilotildees de um modo consistente precisaria ser verificada na sua aplicaccedilatildeo sobre o restante
39
do tratado Em outras palavras eacute preciso verificar se esta interpretaccedilatildeo dificulta ou facilita a
interpretaccedilatildeo das outras teses da psicologia aristoteacutelica por exemplo a tese da percepccedilatildeo que eacute
definida como a recepccedilatildeo das formas sem mateacuteria Nas interpretaccedilotildees de Polanski e Diamond
comentadores paradigmaacuteticos para a abordagem adotada a coordenaccedilatildeo dos enunciados
definitoacuterios daacute conta das diversas formulaccedilotildees de capacidades e suas funcionalidades ao longo
do tratado Fico devendo portanto explicitar como a posiccedilatildeo que assumo se aplica nas
diversas capacidades enunciadas pelo Aristoacuteteles
Com isso conclui-se este trabalho com a compreensatildeo que ele eacute limitado Haacute nele
problemas proacuteprios agrave interpretaccedilatildeo de um texto conciso e arrojado como eacute o De Anima
Ainda assim espera-se que os erros ou imprecisotildees eventuais natildeo comprometam seu escopo
exegeacutetico Espera-se tambeacutem que esta monografia possa se converter em trabalhos futuros que
fomente a discussatildeo relativa ao De Anima no contexto filosoacutefico brasileiro Da mesma forma
que ela foi provocada pela traduccedilatildeo e comentaacuterios da Professora Doutora Maria Ceciacutelia
Gomes dos Reis Se este trabalho for bem sucedido nessas pretensotildees jaacute teraacute cumprido sua
funccedilatildeo
40
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Sumaacuterio
Apresentaccedilatildeo 11
1 A taacutebua de definiccedilatildeo 13
2 A noccedilatildeo de alma em Aristoacuteteles 19
21 Definiccedilatildeo pela Forma 19
22 Definiccedilatildeo pelas Capacidade 29
23 Definiccedilatildeo Seriada 34
3 Conclusatildeo 37
4 Bibliografia 39
i
12
APRESENTACcedilAtildeO
O De Anima eacute o tratado no qual Aristoacuteteles investiga a natureza da alma e como ela eacute
causa de vida nos seres viventes Para esse fim Aristoacuteteles discute com aqueles que trataram
do assunto antes dele enuncia a sua proacutepria noccedilatildeo de alma e por fim como esta noccedilatildeo
explica cada uma das capacidades que denotam o viver Para dar conta deste projeto
psicoloacutegico Aristoacuteteles elabora sua noccedilatildeo em trecircs grandes momentos O primeiro em De
Anima I 2-5 Aristoacuteteles levanta as endoacutexai dos seus predecessores discutindo a validade de
suas teses e apontando o que considera inconsistente Como resultado disso Aristoacuteteles
sustenta que a alma eacute um princiacutepio imoacutevel de movimento nos seres viventes e uma unidade
Mas eacute soacute no segundo momento em DA II 1-3 que Aristoacuteteles enuncia em seus proacuteprios
termos o que considera ser a alma Por fim num terceiro momento a partir de DA II 4
Aristoacuteteles teoriza sobre cada uma das capacidades da alma
Nesta monografia proponho me debruccedilar sobre a noccedilatildeo de alma presente no DA II 1-
3 Como veremos em DA I 1 satildeo elencadas as aporias proacuteprias agrave investigaccedilatildeo e definiccedilatildeo da
alma A partir daiacute Aristoacuteteles apresenta gradualmente a sua proacutepria noccedilatildeo de alma ao longo
do De Anima Especificamente em DA II 1 e 2 satildeo enunciadas duas definiccedilotildees uma definiccedilatildeo
pela forma e outra pela capacidade A primeira caracteriza a alma como forma do corpo
enquanto a segunda atribui agrave alma o princiacutepio das capacidades que denotam vida Enquanto a
definiccedilatildeo pela forma nos oferece uma noccedilatildeo geral que enuncia o gecircnero de ser da alma a
definiccedilatildeo pela capacidade explica como a alma eacute princiacutepio de vida Entretanto haacute um terceiro
enunciado em DA II 3 que parece eliminar a validade da definiccedilatildeo pela forma e validar apenas
a definiccedilatildeo pela capacidade Trata-se da definiccedilatildeo seriada segundo a qual haacute diversos tipos de
alma que se dispotildeem em uma seacuterie hierarquicamente ordenada na qual a anterior subsiste na
posterior mas natildeo o contraacuterio Aristoacuteteles declara que a definiccedilatildeo pela forma enquanto uma
noccedilatildeo geral de alma eacute absurda Pois ela natildeo explica os tipos de alma e a causa de se disporem
em sucessatildeo Isto levou uma seacuterie de comentadores a compreenderem a definiccedilatildeo pela
capacidade como a noccedilatildeo aniacutemica de Aristoacuteteles jaacute que ela enunciaria os tipos de alma em
disposiccedilatildeo seriada
Diante disso argumento que a definiccedilatildeo pela forma eacute tatildeo relevante para a noccedilatildeo de
alma quanto a noccedilatildeo pela capacidade Como se veraacute na seccedilatildeo 2a) a definiccedilatildeo pela forma faz
da alma a atualidade primeira do corpo e princiacutepio de determinaccedilatildeo das funccedilotildees vitais Como
consequecircncia do seu caraacuteter atual a alma eacute aquilo a partir do qual as capacidades se dispotildeem
no corpo Ao entrarem em atividade atraveacutes dos oacutergatildeos do corpo elas se atualizam Neste
13
sentido tanto a definiccedilatildeo pela forma quanto a definiccedilatildeo pela capacidade satildeo mutuamente
necessaacuterias para uma noccedilatildeo de alma que atenda ao projeto psicoloacutegico aristoteacutelico
Para tanto apresento na primeira seccedilatildeo o horizonte conceitual e teoacuterico mediante o
qual Aristoacuteteles investiga a alma Atraveacutes das vaacuterias aporiacuteai elencadas em DA I 1 se delimita
tanto o fim que a investigaccedilatildeo persegue quanto a seus limites conceituais de teorizaccedilatildeo Em
seguida trato das endoxai presentes em DA I 2-5 como recurso metodoloacutegico para se extrair
das teses predecessoras algumas noccedilotildees miacutenimas sobre a alma Na seccedilatildeo seguinte abordo as
trecircs noccedilotildees jaacute apresentadas acima Como se veraacute ao iniacutecio de DA I 1 e 2 Aristoacuteteles ainda faz
duas revisotildees metodoloacutegicas deixando bem claro qual aspecto da investigaccedilatildeo se objetiva
tratar Especificamente em 2a) sobre DA II 1 remonto o argumento que resulta na definiccedilatildeo
pela forma comentando qual sua implicaccedilatildeo ontoloacutegica para a alma e como ela se desdobra
nas noccedilotildees aniacutemicas de atualidade primeira e princiacutepio de determinaccedilatildeo Em seguida
apresento a definiccedilatildeo pelas capacidades como princiacutepio de vida em DA II 2 Com isso indico
como a noccedilatildeo de vida e alma estatildeo associadas e como Aristoacuteteles argumenta para uma ser
evidecircncia da outra fazendo desta a causa daquela Adiante apresento a definiccedilatildeo seriada em
DA II 3 e como ela potildee em crise a definiccedilatildeo pela forma Por fim explicito como muitos
comentadores se localizaram em meio ao problema e argumento como as trecircs definiccedilotildees estatildeo
em uma unidade conceitual na qual todas satildeo relevantes para o projeto psicoloacutegico de
Aristoacuteteles
14
1 A TAacuteBUA DA DEFINICcedilAtildeO
A fim de apresentar os problemas proacuteprios ao estudo da alma e delimitar seu campo de
investigaccedilatildeo Aristoacuteteles apresenta em DA I 1 uma taacutebua de definiccedilatildeo onde elenca os
elementos para definir a alma e a abordagem para a sua pesquisa Primeiro Aristoacuteteles
circunscreve em que paracircmetros conceituais a noccedilatildeo se estabelece Em seguida se apresenta o
meacutetodo que orienta a busca por esse enunciado Deste modo os elementos de definiccedilatildeo que
compotildeem a lista satildeo o gecircnero de ser da alma1 o seu modo de ser
2 e por fim sua unidade
3 Jaacute
como abordagem decide-se pela ordem loacutegica da definiccedilatildeo4 para se analisar a independecircncia
das suas partes5 de modo a determinar o primeiro passo a se investigar em cada uma e
finalmente conhecer sobre a sua separabilidade6
Logo ao iniacutecio de De Anima I 1 Aristoacuteteles enuncia qual o objetivo geral de
seu projeto investigativo
ἐπιζητοῦμεν δὲ θεωρῆσαι καὶ γνῶναι τήν τε φύσιν αὐτῆς καὶ τὴν οὐσίαν εἶθ ὅσα
συμβέβηκε περὶ αὐτήν ὧν τὰ μὲν ἴδια πάθη τῆς ψυχῆς εἶναι δοκεῖ τὰ δὲ δι ἐκείνην
καὶ τοῖς ζῴοις ὑπάρχειν
Buscamos considerar e conhecer sua natureza e substacircncia bem como todos os seus
atributos dentre os quais uns parecem ser afecccedilotildees proacuteprias da alma enquanto outros
parecem subsistir nos animais graccedilas a ela DA I 1 402a7-10 (Trad Gomes dos Reis)
Investigar a natureza (phyacutesis) da alma consiste em pesquisar seu gecircnero de ser Jaacute
conhecer sua substacircncia (ousiacutea) eacute conhecer seus atributos (symbeacutebekos) as caracteriacutesticas que
1 πρῶτον δ ἴσως ἀναγκαῖον διελεῖν ἐν τίνι τῶν γενῶν καὶ τί ἐστι λέγω δὲ πότερον τόδε τι καὶ οὐσία ἢ ποιὸν ἢ
ποσόν ἢ καί τις ἄλλη τῶν διαιρεθεισῶν κατηγοριῶν ldquoEm todo caso eacute preciso decidir primeiro a qual dos
gecircneros a alma pertence e o que eacute ndash quero dizer se ela eacute algo determinado e substacircncia ou se eacute uma qualidade
uma quantidade ou mesmo alguma outra das categorias jaacute distinguidasrdquo DA I 1 402a22-25 (Trad de Gomes dos
Reis) 2 ἔτι δὲ πότερον τῶν ἐν δυνάμει ὄντων ἢ μᾶλλον ἐντελέχειά τις ldquoe ainda se estaacute entre os seres em potecircncia ou
antes se eacute uma certa atualidaderdquo DA I 1 402a27 (Trad de Gomes dos Reis) 3 σκεπτέον δὲ καὶ εἰ μεριστὴ ἢ ἀμερής καὶ πότερον ὁμοειδὴς ἅπασα ψυχὴ ἢ οὔ εἰ δὲ μὴ ὁμοειδής πότερον εἴδει
διαφέρουσα ἢ γένει ldquoEacute preciso examinar tambeacutem se ela eacute divisiacutevel em partes ou natildeo e se toda e qualquer alma eacute
de mesma forma e no caso de natildeo ser de mesma forma se a diferenccedila eacute de espeacutecie ou de gecircnerordquo DA I 1
402b1-3 (Trad de Gomes dos Reis) 4 εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον
ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν
ἄλλο κατηγοροῖτο ldquoEacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma uacutenica
definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a de cavalo catildeo homem
divindade sendo neste caso o animal considerado universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo
ocorrendo para qualquer outro atributo comum que for predicadordquo DA I 1 402b4-9 (Trad de Gomes dos Reis) 5 ἔτι δέ εἰ μὴ πολλαὶ ψυχαὶ ἀλλὰ μόρια πότερον δεῖ ζητεῖν πρότερον τὴν ὅλην ψυχὴν ἢ τὰ μόρια χαλεπὸν δὲ
καὶ τούτων διορίσαι ποῖα πέφυκεν ἕτερα ἀλλήλων καὶ πότερον τὰ μόρια χρὴ ζητεῖν πρότερον ἢ τὰ ἔργα αὐτῶν
ldquoAleacutem disso no caso de serem muitas as partes e natildeo as almas deve-se primeiro investigar a alma como um
todo ou suas partes Tambeacutem eacute difiacutecil definir quais dentre estas satildeo por natureza distintas entre si e se eacute uacutetil
investigar primeiro as partes ou suas funccedilotildeesrdquo DA I 1 402b9-12 (Trad de Gomes dos Reis) 6 ἀπορίαν δ ἔχει καὶ τὰ πάθη τῆς ψυχῆς πότερόν ἐστι πάντα κοινὰ καὶ τοῦ ἔχοντος ἢ ἔστι τι καὶ τῆς ψυχῆς ἴδιον
αὐτῆς ldquoHaacute ainda a dificuldade de saber se as afecccedilotildees da alma satildeo todas comuns agravequilo que possui alma ou se
haacute tambeacutem alguma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma tatildeo somenterdquo DA I 1 403a3-5 (Trad de Gomes dos Reis)
15
nos datildeo uma noccedilatildeo da alma segundo suas afecccedilotildees (patheacute) Entre os seus atributos alguns
parecem ser exclusivamente afecccedilotildees da alma jaacute outros parecem ser comuns agrave alma e ao
corpo portanto atributos um ser animado (zoacuteois) Por afecccedilatildeo devemos compreender a
determinaccedilatildeo na mateacuteria (loacutegoi eacutenyloi)7 de maneira que os atributos da alma e do corpo seratildeo
comuns a ambos Jaacute a afecccedilatildeo proacutepria agrave alma eacute a que natildeo se daacute pela determinaccedilatildeo na mateacuteria
mas por si mesma Entre os atributos da alma a capacidade de pensamento parece ser a que
atende esse requisito A menos poreacutem que dependa de imagens para sua atividade Assim
nem mesmo o pensamento seria uma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma8 Em suma a investigaccedilatildeo da
alma consiste em saber sua natureza sua essecircncia e as afecccedilotildees que lhe satildeo atribuiacutedas sejam
elas proacuteprias ou comuns ao corpo no qual ela se instancia
Aristoacuteteles parte entatildeo para o primeiro elemento da definiccedilatildeo a se estabelecer
πρῶτον δ ἴσως ἀναγκαῖον διελεῖν ἐν τίνι τῶν γενῶν καὶ τί ἐστι λέγω δὲ πότερον τόδε
τι καὶ οὐσία ἢ ποιὸν ἢ ποσόν ἢ καί τις ἄλλη τῶν διαιρεθεισῶν κατηγοριῶν
Em todo caso eacute preciso decidir primeiro a qual dos gecircneros a alma pertence e o que eacute
ndash quero dizer se ela eacute algo determinado e substacircncia ou se eacute uma qualidade uma
quantidade ou mesmo alguma outra das categorias jaacute distinguidas DA I 1 402a22-25
(Trad de Gomes dos Reis)
O primeiro dos pressupostos sobre os quais se deveraacute responder eacute o gecircnero de ser da
alma Filopono9 comenta que Aristoacuteteles tem em vista platocircnicos pitagoacutericos e Xenoacutecrates
para os quais a alma eacute substacircncia harmonia e nuacutemero respectivamente Nas Categorias10
7 εἰ δ οὕτως ἔχει δῆλον ὅτι τὰ πάθη λόγοι ἔνυλοί εἰσιν ldquoSe assim eacute as afecccedilotildees satildeo evidentemente formas
implicadas na mateacuteriardquo DA I 1 403a24 (Trad Gomes dos Reis) 8 εἰ δ ἐστὶ καὶ τοῦτο φαντασία τις ἢ μὴ ἄνευ φαντασίας οὐκ ἐνδέχοιτ ἂν οὐδὲ τοῦτ ἄνευ σώματος εἶναιldquoNatildeo
obstante se tambeacutem o pensar eacute um tipo de imaginaccedilatildeo ou se ele natildeo pode ocorrer sem a imaginaccedilatildeo entatildeo nem
mesmo o pensar poderia existir sem o corpordquo DA I 1 403a8-10 (Trad Gomes dos Reis) 9 ὧν ἐστι καὶ Ξενοκράτης ἀριθμὸς γάρ φησί κινῶν ἑαυτόν ἐστιν ἡ ψυχή ὁ δὲ ἀριθμὸς ὑπὸ τὸ ποσόν εἰ δὴ
τοῦτο ἔλεγεν ἐκεῖνος καὶ μὴ ἄλλο τι διὰ τούτου ᾐνίττετο οἱ δὲ ὑπὸ τὸ ποιόν ὧν εἰσιν καὶ οἱ ἰατροὶ κρᾶσιν εἶναι
λέγοντες τοιοῦτοι δ ἂν εἶεν καὶ οἱ ἐντελέχειαν λέγοντες τοιαύτην μαθησόμεθα γάρ πῶς φησιν αὐτὴν
ἐντελέχειαν ὁ Ἀριστοτέλης οἱ δὲ λόγον λέγοντες τῶν στοιχείων δόξαιεν ἂν ὑπὸ τὸ πρός τι ἀνάγειν τὸ γὰρ
διπλάσιον ἢ ἡμιόλιον ὑπὸ τὸ πρός τι τινὸς γὰρ διπλάσιον ἀμφίβολον οὖν τέως τὸ γένος ldquoAlguns a classificam
sob o tiacutetulo de substacircncia outros sob quantidade Dentre eles Xenoacutecrates que afirma que a alm eacute o nuacutemero
movendo por si mesmo e o nuacutemero eacute dado sob quantidade se for isto que ele quer dizer ao inveacutes de algo
distinto do que por essas palavras ele se refere obscuramente Outros dizem que isto pertence a qualidade Em
meio a isto estatildeo os meacutedicos que dizem que eacute a mistura dentre os quais haacute tambeacutem os que dizem que eacute uma
atualidade pois aprenderemos com Aristoacuteteles chama a alma de atualidade Aqueles que dizem que eacute uma
proporccedilatildeo dos elementos pareceriam entitulaacute-la sob a ltcategoria dogt relativo pelo duplo ou a metade
pertencerem agrave categoria do relativo pois o duplo eacute de algo Assim sendo entatildeo o gecircnero permanece
controversordquo PHILOPONUS Com DA 32 32 ndash 337 (Trad da traduccedilatildeo de P J Eijk) 10Οὐσία δέ ἐστιν ἡ κυριώτατά τε καὶ πρώτως καὶ μάλιστα λεγομένη ἣ μήτε καθ ὑποκειμένου τινὸς λέγεται μήτε
ἐν ὑποκειμένῳ τινί ἐστιν οἷον ὁ τὶς ἄνθρωπος ἢ ὁ τὶς ἵππος δεύτεραι δὲ οὐσίαι λέγονται ἐν οἷς εἴδεσιν αἱ
πρώτως οὐσίαι λεγόμεναι ὑπάρχουσιν ταῦτά τε καὶ τὰ τῶν εἰδῶν τούτων γένη ldquoSubstacircncia entendida em
sentido proacuteprio primeiro e supremo eacute a que natildeo se predica de um sujeito e natildeo existe nalgum sujeito por
exemplo um homem um cavalo Substacircncias segundas satildeo as formas (ou espeacutecies) nas quais estatildeo incluiacutedas as
que satildeo ditas substacircncias primeiras e tambeacutem os gecircneros destasrdquo Cat 5 2a11 (Trad Lucas Angioni)
16
Aristoacuteteles compreende a substacircncia primeira como entes particulares enquanto o gecircnero e
forma satildeo substacircncias segundas Sabe-se que Aristoacuteteles inverte esta noccedilatildeo de substacircncia em
Metafiacutesica Z onde substacircncia primeira eacute identificada com a forma11
que eacute priorizada em
relaccedilatildeo ao composto e agrave mateacuteria Portanto as noccedilotildees de substacircncia quantidade e qualidade
que Aristoacuteteles trabalha na definiccedilatildeo de alma no DA I 1 estariam mais proacuteximas das Cat que
da Met Z Eacute o que somos levados a acreditar se considerarmos que esta mesma formulaccedilatildeo
ocorre mais adiante em DA I 5 410a16-2112
Nesta e naquela passagem Aristoacuteteles quer saber
se a alma eacute uma substacircncia particular e determinada ou seja um objeto de predicaccedilatildeo que natildeo
se predica de outrem
Passemos para o segundo elemento que deve estar presente numa definiccedilatildeo de alma
ἔτι δὲ πότερον τῶν ἐν δυνάμει ὄντων ἢ μᾶλλον ἐντελέχειά τις
e ainda se estaacute entre os seres em potecircncia ou antes se eacute uma certa atualidade DA I
1 402a27 (Trad de Gomes dos Reis)
A diferenccedila que os conceitos de potecircncia (dyacutenamis) e atualidade (entelekheacuteia) fazem eacute
sobre o estatuto material ou formal da alma Pois se a alma for de natureza material entatildeo eacute
em potecircncia e sujeita ao movimento Entretanto se for de natureza formal seraacute uma certa
atualidade e princiacutepio de determinaccedilatildeo e atividade Gomes dos Reis13
observa que atualidade
eacute colocada em termos vagos (ldquouma certa atualidaderdquoenteleacutekheia tiacutes) o que indica que soacute faz
sentido falar em atualidade enquanto forma especiacutefica quando instanciada em uma mateacuteria de
um tipo uma alma x que se instancia em um corpo de um tipo x
Outro elemento de definiccedilatildeo da alma eacute sua unidade
σκεπτέον δὲ καὶ εἰ μεριστὴ ἢ ἀμερής καὶ πότερον ὁμοειδὴς ἅπασα ψυχὴ ἢ οὔ εἰ δὲ
μὴ ὁμοειδής πότερον εἴδει διαφέρουσα ἢ γένει
Eacute preciso examinar tambeacutem se ela eacute divisiacutevel em partes ou natildeo e se toda e qualquer
alma eacute de mesma forma e no caso de natildeo ser de mesma forma se a diferenccedila eacute de
espeacutecie ou de gecircnero DA I 1 402b1-3 (Trad de Gomes dos Reis)
11 ἕκαστόν τε γὰρ οὐκ ἄλλο δοκεῖ εἶναι τῆς ἑαυτοῦ οὐσίας καὶ τὸ τί ἦν εἶναι λέγεται εἶναι ἡ ἑκάστου
οὐσίαldquoCom efeito a coisa individual natildeo parece ser diferente da proacutepria substacircncia e dizemos que a essecircncia eacute
justamente a substacircncia da coisa individualrdquo Met Z 6 1031ordf17-18 (Trad Giovanni Reale)
εἶδος δὲ λέγω τὸ τί ἦν εἶναι ἑκάστου καὶ τὴν πρώτην οὐσίαν ldquoPor forma entendo a essecircncia de cada coisa e sua
substacircncia primeirardquo Met Z 7 1032b1-2 (Trad Giovanni Reale) 12 ἆρ οὖν ὅσα τῶν οὐσιῶν ἐκ τούτων μόνον πῶς οὖν γινώσκει καὶ τῶν ἄλλων ἕκαστον ἢ φήσουσιν ἑκάστου
γένους εἶναι στοιχεῖα καὶ ἀρχὰς ἰδίας ἐξ ὧν τὴν ψυχὴν συνεστάναι ἔσται ἄρα ποσὸν καὶ ποιὸν καὶ οὐσία ἀλλ
ἀδύνατον ἐκ τῶν τοῦ ποσοῦ στοιχείων οὐσίαν εἶναι καὶ μὴ ποσόνldquoOra seraacute a alma composta somente daqueles
elementos que satildeo comuns agraves substacircncias Como entatildeo conhece ainda cada um dos outros Ou se diraacute que haacute
elementos e princiacutepios particulares a cada gecircnero e que a alma eacute constituiacuteda de todos eles A alma seria entatildeo
quantidade qualidade e substacircncia Mas eacute impossiacutevel que a substacircncia seja composta dos elementos da
quantidade e natildeo seja quantidade ela mesmardquo DA I 5 410a16-21 (Trad Gomes dos Reis) 13 2006 148-149
17
Aqui reside um dos problemas mais comprometedores sobre a investigaccedilatildeo
psicoloacutegica aristoteacutelica a) A alma eacute divisiacutevel ou indivisiacutevel b) cada parte da alma teria uma
forma proacutepria c) Caso seja divisiacutevel as almas se diferenciam em gecircnero ou espeacutecie
Segundo Polansky14
Aristoacuteteles resolve esta bateria de problemas supondo que um ser
vivente tem sua proacutepria alma cujas partes correspondam agraves funccedilotildees sendo estas partes
divisiacuteveis pelos tipos de vida (vegetativa animal humana) A divisibilidade das partes se daacute
de acordo com a capacidade aniacutemica que eacute viver segundo uma atividade e se distinguiria em
gecircnero (a vida perceptiva) ou espeacutecie (catildees cavalos e homem) Isto que garantiraacute a
indivisibilidade da alma ao longo dos tipos de vida segundo suas capacidades Assim
Aristoacuteteles consegue ter um enunciado formal que garanta a unidade geneacuterica fazendo dos
tipos de vida como espeacutecies de seres vivos e as capacidades suas diferenccedilas especiacuteficas
Definido isto deve-se inquirir sobre a amplitude da definiccedilatildeo
εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ
καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι
οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν ἄλλο κατηγοροῖτο
Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma
uacutenica definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a
de cavalo catildeo homem divindade sendo neste caso o animal considerado
universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo ocorrendo para qualquer outro
atributo comum que for predicado DA I 1 402b4-9 (Trad de Gomes dos Reis)
Ateacute aqui Aristoacuteteles se debruccedilava sobre os elementos que devem compor a definiccedilatildeo
de alma Daqui adiante a questatildeo passa a ser qual a abordagem de pesquisa para se formular
esta definiccedilatildeo E um primeiro ponto se refere agrave abrangecircncia da definiccedilatildeo Dado que a alma
pode ter partes sendo estas partes divisiacuteveis ou natildeo a definiccedilatildeo deve ser geral e abranger todo
gecircnero de alma ou deve haver uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie de alma Para Polansky15
a
existecircncia de gecircneros eacute questionaacutevel pois parecem ser universais Noacutes natildeo encontramos um
universal tal qual Soacutecrates e Caacutelias pois estes satildeo particulares Tambeacutem natildeo encontramos um
gecircnero de alma tal qual catildees e cavalos pois estes satildeo espeacutecies Deste modo uma definiccedilatildeo
geneacuterica ofereceria apenas uma noccedilatildeo comum segundo as espeacutecies de alma sem
necessariamente enunciar suas as espeacutecies Portanto esta questatildeo contrasta duas noccedilotildees de
definiccedilatildeo da alma a particular (kathrsquo hekaacutesten) e universal (tograve kathoacutelou) Esta tensatildeo
enunciada aqui persistiraacute nas questotildees posteriores ainda neste capiacutetulo mas se evidenciaraacute
mais fortemente nos enunciados de alma presentes em DA II 1-3 Em siacutentese o problema
consiste em saber se a definiccedilatildeo de alma deve ser pelo seu gecircnero ou sua espeacutecie
14 2007 34-35 15 2008 45
18
ἔτι δέ εἰ μὴ πολλαὶ ψυχαὶ ἀλλὰ μόρια πότερον δεῖ ζητεῖν πρότερον τὴν ὅλην ψυχὴν ἢ
τὰ μόρια χαλεπὸν δὲ καὶ τούτων διορίσαι ποῖα πέφυκεν ἕτερα ἀλλήλων καὶ πότερον
τὰ μόρια χρὴ ζητεῖν πρότερον ἢ τὰ ἔργα αὐτῶν
Aleacutem disso no caso de serem muitas as partes e natildeo as almas deve-se primeiro
investigar a alma como um todo ou suas partes Tambeacutem eacute difiacutecil definir quais dentre
estas satildeo por natureza distintas entre si e se eacute uacutetil investigar primeiro as partes ou
suas funccedilotildees DA I 1 402b9-12 (Trad de Gomes dos Reis)
Na medida em que a alma eacute composta de partes que correspondem agraves suas
capacidades se decide se a investigaccedilatildeo abordaraacute primeiramente suas partes ou a alma como
um todo aleacutem de como investigar a capacidade ou a funccedilatildeo caso as capacidades sejam
distintas Ou seja eacute preciso decidir se a investigaccedilatildeo se inicia pela percepccedilatildeo ou pelo animal
ἀπορίαν δ ἔχει καὶ τὰ πάθη τῆς ψυχῆς πότερόν ἐστι πάντα κοινὰ καὶ τοῦ ἔχοντος ἢ
ἔστι τι καὶ τῆς ψυχῆς ἴδιον αὐτῆς
Haacute ainda a dificuldade de saber se as afecccedilotildees da alma satildeo todas comuns agravequilo que
possui alma ou se haacute tambeacutem alguma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma tatildeo somente DA I 1
403a3-5 (Trad de Gomes dos Reis)
Apoacutes uma exaustiva exposiccedilatildeo do que deve compor a definiccedilatildeo de alma
Aristoacuteteles elenca o uacuteltimo requisito de sua investigaccedilatildeo o grau de separabilidade da alma ou
de alguma de suas partes As capacidades de movimento reproduccedilatildeo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo e
imaginaccedilatildeo parecem ter sua ocorrecircncia no composto de corpo e alma que eacute o ser vivente
Entretanto haacute na teoria aristoteacutelica do intelecto sua face passiva e ativa conforme formulou a
tradiccedilatildeo sendo a ativa de natureza separada e imortal16
Isto faria desta parte do intelecto uma
afecccedilatildeo proacutepria da alma sem ocorrecircncia conjunta com o corpo Filopono17
comenta que este eacute
um problema determinante para a composiccedilatildeo da definiccedilatildeo de alma Se a alma tem afecccedilotildees
proacuteprias e separadas do corpo a definiccedilatildeo dispensaraacute o corpo de seu enunciado Se pelo
contraacuterio as afecccedilotildees aniacutemicas tecircm ocorrecircncia corpoacuterea entatildeo a definiccedilatildeo de alma deve
conter o corpo em seu enunciado
O que se conquista enfim com esta taacutebua de definiccedilatildeo em De Anima I 1 Que
investigar a natureza da alma eacute responder a seu gecircnero de ser o que implica em saber se a
16χωρισθεὶς δ ἐστὶ μόνον τοῦθ ὅπερ ἐστί καὶ τοῦτο μόνον ἀθάνατον καὶ ἀΐδιον ldquoSomente isto [o intelecto]
quando separado eacute propriamente o que eacute e somente isto eacute imortal e eternordquo DA III 5 (Trad Gomes dos Reis) 17 εἰ μὲν οὖν ὡς ὀργάνῳ χρῆται τῷ σώματι ἰδίᾳ ἔχουσα τὰς ἐνεργείας οὐ δεῖ προσχρήσασθαι τῷ σώματι πρὸς
τὸν ὁρισμόν οὐ γὰρ συμπληροῖ τὴν οὐσίαν τοῦ τέκτονος τὸ σκέπαρνον εἰ δὲ ἐν τῷ σώματι ἔχει τὸ εἶναι ὡς
εἶναι τὰς ἐνεργείας τοῦ συναμφοτέρου ἀνάγκη προσχρήσασθαι ἐν τῷ ὁρισμῷ τῷ σώματι ὥσπερ ἐπὶ τοῦ θυμοῦ
ἐλέγομεν ἀναγκαία οὖν ἡ τούτων λῆψις οὐκ εὐχερὴς δέ ltπάθηgt δὲ κοινότερον τὰς ἐνεργείας τῆς ψυχῆς
ἐκάλεσε ldquoSe usa o corpo como instrumento e tem suas atividades peculiares a si mesmo natildeo haacute qualquer
necessidade de se remeter ao corpo na definiccedilatildeo ndash pois um machado natildeo completa a essecircncia de um carpinteiro ndash
mas se a alma tem seu ser no corpo e suas atividades pertencem ao composto eacute necessaacuterio tambeacutem se remeter
ao corpo na definiccedilatildeo tal qual como nos referimos em relaccedilatildeo ao iacutempeto Estabelecer essas coisas entatildeo eacute
necessaacuterio poreacutem natildeo eacute faacutecil Afecccedilatildeo eacute o termo mais geral que ele usa para as atividades da almardquo
PHILOPONUS Com DA 4429-35 (Trad da trad de P J Eijk)
19
alma eacute potencialmente ou em atualidade Isto posto se a alma eacute como uma substacircncia e
portanto una ou separaacutevel e caso seja em partes se satildeo divisiacuteveis ou natildeo Aleacutem disso se a
definiccedilatildeo deve abranger diversos tipos de alma ou se haacute uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie Por
fim se sua investigaccedilatildeo parte das partes ou do todo
20
2 A NOCcedilAtildeO DE ALMA EM ARISTOacuteTELES
A noccedilatildeo de alma em Aristoacuteteles obedece trecircs momentos de elaboraccedilatildeo Um primeiro
ao longo da discussatildeo das endoxai de seus predecessores em DA I 2-5 Em outro quando
argumenta por conceitos metafiacutesicos e formula a noccedilatildeo geral de alma em DA II 1 Aleacutem de
um uacuteltimo a partir de DA II 2 quando se formula uma outra noccedilatildeo de alma pelas
capacidades Esta trajetoacuteria visa (i) levantar as teses que foram elaboradas sobre o assunto
visando extrair certos princiacutepios verdadeiros Com estes princiacutepios (ii) se expotildee a noccedilatildeo
geral Mas esta noccedilatildeo que responde sobre o ser da alma natildeo indica os tipos especiacuteficos de
vida Portanto (iii) eacute preciso inquirir por outra abordagem e provar que a alma eacute princiacutepio das
capacidades que manifestam vida no ser pois atraveacutes dessas capacidades explicamos esses
distintos modos de viver Como se veraacute esta travessia responde agrave taacutebua de definiccedilatildeo de DA I
1 e Aristoacuteteles ara todo o terreno sobre o qual ele ergue sua psicologia
21 A DEFINICcedilAtildeO PELA FORMA
Aristoacuteteles conclui seu levantamento das endoxai em DA I 2-5 com duas noccedilotildees
relativas agrave alma que ela eacute una18
e imoacutevel19
Somente no iniacutecio do livro seguinte em DA II 1
ele apresenta sua noccedilatildeo onde o objetivo traccedilar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos)
que abarque as vaacuterias formas de vida
18 φαίνεται δὲ καὶ τὰ φυτὰ διαιρούμενα ζῆν καὶ τῶν ζῴων ἔνια τῶν ἐντόμων ὡς τὴν αὐτὴν ἔχοντα ψυχὴν τῷ
εἴδει εἰ καὶ μὴ ἀριθμῷ ἑκάτερον γὰρ τῶν μορίων αἴσθησιν ἔχει καὶ κινεῖται κατὰ τόπον ἐπί τινα χρόνον εἰ δὲ
μὴ διατελοῦσιν οὐθὲν ἄτοπον ὄργανα γὰρ οὐκ ἔχουσιν ὥστε σώζειν τὴν φύσιν ἀλλ οὐδὲν ἧττον ἐν ἑκατέρῳ
τῶν μορίων ἅπαντ ἐνυπάρχει τὰ μόρια τῆς ψυχῆς καὶ ὁμοειδῆ ἐστιν ἀλλήλοις καὶ τῇ ὅλῃ ἀλλήλοις μὲν ὡς οὐ
χωριστὰ ὄντα τῇ δ ὅλῃ ψυχῇ ὡς οὐ διαιρετῇ οὔσῃ ἔοικε δὲ καὶ ἡ ἐν τοῖς φυτοῖς ἀρχὴ ψυχή τις εἶναι μόνης γὰρ
ταύτης κοινωνεῖ καὶ ζῷα καὶ φυτά καὶ αὕτη μὲν χωρίζεται τῆς αἰσθητικῆς ἀρχῆς αἴσθησιν δ οὐθὲν ἄνευ ταύτης
ἔχει ldquoEacute manifesto ainda que as plantas ndash e dentre os animais alguns insetos ndash quando secionadas continuam a
viver como se tivessem a mesma alma especificamente ainda que natildeo numericamente pois cada uma das partes
tem sensaccedilatildeo e move-se localmente por algum tempo Se natildeo sobrevivem natildeo resulta em absurdo algum pois
natildeo mantecircm oacutergatildeos aponto de conservar a sua natureza Em cada uma das partes poreacutem estatildeo todas as partes da
alma e nenhuma a menos E elas satildeo da mesma espeacutecie entre si e em relaccedilatildeo agrave alma inteira ndash as diversas partes
satildeo inseparaacuteveis uma das outras embora a alma inteira seja divisiacutevel Parece que o princiacutepio encontrado nas
plantas eacute tambeacutem um certo tipo de alma pois eacute apenas compartilhada por animais e plantas e ela existe
separada do princiacutepio perceptivo embora sem ela nada possa ter percepccedilatildeordquo 411b19-411b30 19ὅτι μὲν οὖν οὔθ ἁρμονίαν οἷόν τ εἶναι τὴν ψυχὴν οὔτε κύκλῳ περιφέρεσθαι δῆλον ἐκ τῶν εἰρημένων ldquoQue a
alma natildeo pode ser harmonia nem locomover-se em ciacuterculo fica claro a partir do que foi ditordquo 408ordf29-30 (Trad
Gomes dos Reis)
ὅτι μὲν οὖν οὐχ οἷόν τε κινεῖσθαι τὴν ψυχήν φανερὸν ἐκ τούτων εἰ δ ὅλως μὴ κινεῖται δῆλον ὡς οὐδ ὑφ
ἑαυτῆς Eacute evidente a partir disso tudo que natildeo eacute possiacutevel que a alma se mova ldquoE se de todo modo natildeo se move eacute
claro tambeacutem que natildeo se move por si mesmardquo 408b30-31 (Trad Gomes dos Reis)
φανερὸν οὖν ἐκ τῶν εἰρημένων ὡς οὔτε τὸ γινώσκειν ὑπάρχει τῇ ψυχῇ διὰ τὸ ἐκ τῶν στοιχείων εἶναι οὔτε τὸ
κινεῖσθαι αὐτὴν καλῶς οὐδ ἀληθῶς λέγεται ldquoEacute manifesto entatildeo a partir do que foi dito que nem o conhecer
subsite na alma por ela ser composta dos elementos nem eacute uma maneira certa ou verdadeira dizer qua a alma eacute
movidardquo 411a24-26 (Trad Gomes dos Reis)
21
Τὰ μὲν δὴ ὑπὸ τῶν πρότερον παραδεδομένα περὶ ψυχῆς εἰρήσθω πάλιν δ ὥσπερ ἐξ
ὑπαρχῆς ἐπανίωμεν πειρώμενοι διορίσαι τί ἐστι ψυχὴ καὶ τίς ἂν εἴη κοινότατος λόγος
αὐτῆς
Tendo dito o suficiente sobre as opiniotildees a respeito da alma fornecida por nossos
predecessores retomemos como que do comeccedilo e tentemos definir o que eacute a alma e
qual seria seu enunciado mais geral 412a1-6 (Trad Gomes dos Reis)
A busca pelo enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) visa uma definiccedilatildeo de alma
comum agraves diversas formas de vida Em meio agrave pluralidade de modos de vida a alma eacute aquilo
a partir do qual essa pluralidade se unifica num gecircnero de ser ndash o dos seres viventes
(empsykhon) Aristoacuteteles compreende que uma noccedilatildeo puramente geneacuterica natildeo explica as
formas especiacuteficas do objeto de estudo Entretanto o enunciado geral responde agrave primeira
parte da taacutebua de definiccedilatildeo como notaremos no decorrer da definiccedilatildeo pela forma que seraacute
enunciada Com eles Aristoacuteteles alicerccedila conceitualmente as outras definiccedilotildees que seratildeo
formuladas nos outros capiacutetulos
Assim entatildeo Aristoacuteteles inicia seu argumento
λέγομεν δὴ γένος ἕν τι τῶν ὄντων τὴν οὐσίαν ταύτης δὲ τὸ μέν ὡς ὕλην ὃ καθ αὑτὸ
οὐκ ἔστι τόδε τι ἕτερον δὲ μορφὴν καὶ εἶδος καθ ἣν ἤδη λέγεται τόδε τι καὶ τρίτον
τὸ ἐκ τούτων ἔστι δ ἡ μὲν ὕλη δύναμις τὸ δ εἶδος ἐντελέχεια καὶ τοῦτο διχῶς τὸ
μὲν ὡς ἐπιστήμη τὸ δ ὡς τὸ θεωρεῖν
Dizemos que um dos gecircneros dos seres eacute a substacircncia E substacircncia primeiro no
sentido de mateacuteria ndash que por si mesmo natildeo eacute algo determinado ndash e ainda no sentido
de figura e forma ndash em virtude do que jaacute se diz que eacute algo determinado ndash e por fim
no sentido de composto de ambas A mateacuteria por sua vez eacute potecircncia ao passo que a
forma eacute atualidade e isto de dois modos seja como ciecircncia seja como inquirir DA II
1 412a6-11(Trad Gomes dos Reis)
Aristoacuteteles parte de teses presentes em seu tratado de filosofia primeira a Metafiacutesica
Laacute ele investiga o ser enquanto ser que tem muitos significados mas todos convergem para
um soacute20
O que responde a estes diversos significados do que eacute o ser ao ti estiacute eacute a
substacircncia21
(ousiacutea) Satildeo substacircncias a mateacuteria (hyacutele) a forma (morpheacute) e o composto de
ambas ( tograve ek touacutetoon) 22
Apesar da mateacuteria ser indeterminada23
permanece na mudanccedila e eacute
20 διὸ καὶ ἡμῖν τοῦ ὄντος ᾗ ὂν τὰς πρώτας αἰτίας ληπτέον Τὸ δὲ ὂν λέγεται μὲν πολλαχῶς ἀλλὰ πρὸς ἓν καὶ μίαν
τινὰ φύσιν Por isso tambeacutem noacutes devemos apreender as causas primeiras do ente enquanto ente ldquoEnterdquo se diz de
muitas maneiras mas em relaccedilatildeo a algo uacutenico e a uma natureza uacutenicardquo Met G 1-2 1003ordf31-32 (Trad Lucas
Angioni) 21τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν ldquoE
sendo o ente dito de muitos modos eacute evidente que o ente primeiro eacute o que eacute entre todos o que designa a
substacircnciardquo Met Z 2 1028b13-15 (Trad Lucas Angioni) 22 αὗται δ εἰσὶν αἱ αἰσθηταί αἱ δ αἰσθηταὶ οὐσίαι πᾶσαι ὕλην ἔχουσιν ἔστι δ οὐσία τὸ ὑποκείμενον ἄλλως μὲν
ἡ ὕλη (ὕλην δὲ λέγω ἣ μὴ τόδε τι οὖσα ἐνεργείᾳ δυνάμει ἐστὶ τόδε τι) ἄλλως δ ὁ λόγος καὶ ἡ μορφή ὃ τόδε τι
ὂν τῷ λόγῳ χωριστόν ἐστιν τρίτον δὲ τὸ ἐκ τούτων οὗ γένεσις μόνου καὶ φθορά ἐστι καὶ χωριστὸν ἁπλῶς τῶν
γὰρ κατὰ τὸν λόγον οὐσιῶν αἱ μὲν αἱ δ οὔ ldquoE agora devemos reexaminar as substacircncias que satildeo admitidas por
todos E essas satildeo as substacircncias sensiacuteveis Todas as substacircncias sensiacuteveis tecircm mateacuteria E substacircncia eacute o
substrato o qual em certo sentido significa a mateacuteria (chamo mateacuteria o que natildeo eacute algo determinado em ato mas
22
objeto de predicaccedilatildeo caracteriza-se como o substrato (hypokeiacutemenon) do composto Para ser
determinada a mateacuteria depende da forma que lhe confere ser (ti estiacute) Assim toda mateacuteria
determinada pela forma seraacute um composto Por isso Aristoacuteteles defende que uma boa
definiccedilatildeo das substacircncias compostas eacute a que enuncie a determinaccedilatildeo da forma na mateacuteria24
Em suma a substacircncia eacute o gecircnero primeiro de ser sendo esta tanto mateacuteria quanto forma
assim como o composto de ambas
A indeterminaccedilatildeo da mateacuteria e a determinaccedilatildeo da forma estatildeo intrinsecamente
relacionadas aos conceitos correlatos de potecircncia (dyacutenamis) e atualidade (enteleacutekheia) na
filosofia primeira de Aristoacuteteles A mateacuteria eacute indeterminada pois natildeo eacute algo em ato mas em
potecircncia na medida que eacute passiacutevel de determinaccedilatildeo pela forma Aristoacuteteles assinala que ser
em potecircncia significa ter o princiacutepio de movimento (kiacutenesis) ou de modicaccedilatildeo (metaboleacute) seja
por causa extriacutenseca ou intriacutenseca25
A mateacuteria portanto eacute potecircncia pois traz em si o princiacutepio
de ser movida ou modificada por si mesma ou por um outro isto Potecircncia tambeacutem estaacute
algo determinado soacute em potecircncia) num segundo sentido significa a essecircncia e a forma (a qual sendo algo
determinado pode ser separada pelo pensamento) e num terceiro sentido significa o composto de mateacuteria e de
forma (e soacute este estaacute submetido agrave geraccedilatildeo e agrave corrupccedilatildeo e eacute separado em sentido proacuteprio enquanto das
substacircncias entendidas segundo a forma algumas satildeo separadas outras natildeo satildeo)rdquo H 1042a24-31 (Trad Giovani
Reale) 23 λέγω δ ὕλην ἣ καθ αὑτὴν μήτε τὶ μήτε ποσὸν μήτε ἄλλο μηδὲν λέγεται οἷς ὥρισται τὸ ὄν ἔστι γάρ τι καθ οὗ
κατηγορεῖται τούτων ἕκαστον ᾧ τὸ εἶναι ἕτερον καὶ τῶν κατηγοριῶν ἑκάστῃ (τὰ μὲν γὰρ ἄλλα τῆς οὐσίας
κατηγορεῖται αὕτη δὲ τῆς ὕλης) ὥστε τὸ ἔσχατον καθ αὑτὸ οὔτε τὶ οὔτε ποσὸν οὔτε ἄλλο οὐδέν ἐστιν οὐδὲ δὴ
αἱ ἀποφάσεις καὶ γὰρ αὗται ὑπάρξουσι κατὰ συμβεβηκός ldquoChamo mateacuteria aquilo que por si natildeo eacute algo
determinado nem uma quantidade nem qualquer outra das determinaccedilotildees do ser Existe de fato alguma coisa da
qual cada uma dessas determinaccedilotildees eacute predicada alguma coisa cujo ser eacute diferente do ser de cada uma das
categorias Todas as outras categorias com efeito satildeo predicadas da substacircncia e esta por sua vez eacute predicada
da mateacuteria Assim este termo por si natildeo eacute nem algo determinado nem quantidade nem qualquer outra
categoria e natildeo eacute nem sequer as negaccedilotildees destas porque as negaccedilotildees soacute existem de modo acidentalrdquo Met Z 3
1029ordf20-26 (Trad Giovani Reale) 24 οἱ δὲ ἀγγεῖον σκεπαστικὸν χρημάτων καὶ σωμάτων ἤ τι ἄλλο τοιοῦτον προτιθέντες τὴν ἐνέργειαν λέγουσιν οἱ
δ ἄμφω ταῦτα συντιθέντες τὴν τρίτην καὶ τὴν ἐκ τούτων οὐσίαν (ἔοικε γὰρ ὁ μὲν διὰ τῶν διαφορῶν λόγος τοῦ
εἴδους καὶ τῆς ἐνεργείας εἶναι ὁ δ ἐκ τῶν ἐνυπαρχόντων τῆς ὕλης μᾶλλον) ὁμοίως δὲ καὶ οἵους Ἀρχύτας
ἀπεδέχετο ὅρους τοῦ συνάμφω γάρ εἰσιν ldquoAo contraacuterio os que a definem dizendo que eacute um refuacutegio para
proteger coisas e corpos ou alguma outra coisa desse tipo dizendo o que eacute a casa em ato enfim os que unem
ambas as definiccedilotildees experimenta substacircncia no terceiro significado como composto de mateacuteria e forma Eacute claro
que a definiccedilatildeo dada pelas diferenccedilas refere-se agrave forma e ao ato enquanto a definiccedilatildeo dada a partir dos
elementos refere-se prioritariamente agrave mateacuteria Semelhantes a estas eram as definiccedilotildees que Arquita aprovava
elas referiam-se ao conjunto de mateacuteria e formardquo H 2 1043ordf17-21 (Trad Giovani Reale)
φανερὸν δὴ ἐκ τῶν εἰρημένων τίς ἡ αἰσθητὴ οὐσία ἐστὶ καὶ πῶς ἡ μὲν γὰρ ὡς ὕλη ἡ δ ὡς μορφὴ καὶ ἐνέργεια
ἡ δὲ τρίτη ἡ ἐκ τούτων ldquoDo que foi dito fica claro o que eacute a substacircncia sensiacutevel e qual eacute seu modo de ser ela eacute
por um lado mateacuteria por outro forma e ato e num terceiro sentido o conjunto de mateacuteria e de formardquo Met H
2 1043a26-28 (Trad Giovani Reale) 25 ἡ μὲν οὖν ὅλως ἀρχὴ μεταβολῆς ἢ κινήσεως λέγεται δύναμις ἐν ἑτέρῳ ἢ ᾗ ἕτερον ἡ δ ὑφ ἑτέρου ἢ ᾗ ἕτερον
(καθ ἣν γὰρ τὸ πάσχον πάσχει τι ὁτὲ μὲν ἐὰν ὁτιοῦν δυνατὸν αὐτό φαμεν εἶναι παθεῖν ὁτὲ δ οὐ κατὰ πᾶν
πάθος ἀλλ ἂν ἐπὶτὸ βέλτιον) ldquoPotecircncia portanto significa em primeiro lugar esse princiacutepio de mudanccedila ou de
movimento que se encontra em outra coisa ou na propria coisa enquanto outra e em segundo lugar significa o
princiacutepio pelo qual uma coisa eacute mudada ou movida por outra ou por si mesma enquanto outrardquo Met Δ 12
1019ordf19-23 (Trad Giovani Reale)
23
relacionada ao princiacutepio de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo26
Na medida em que as coisas satildeo
constituiacutedas de um determinado modo elas trazem em potecircncia a manutenccedilatildeo de si diante da
accedilatildeo de outra coisa como a parede que natildeo quebra se batida com um copo de vidro ou trazem
em potecircncia a degeneraccedilatildeo tal qual um copo de vidro que quebra quando lanccedilado contra a
parede Jaacute a forma eacute atualidade (enteleacutekheia) tanto como ciecircncia quanto inquirir ou seja
enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) e atividade (energeia) Atualidade enquanto disposiccedilatildeo significa
a jaacute detenccedilatildeo de determinada capacidade mas sem sua atividade Ser apto a caminhar mas
estar sentado por exemplo Jaacute ato enquanto atividade significa o exerciacutecio dessa disposiccedilatildeo
Ser apto a caminhar e estar caminhando
οὐσίαι δὲ μάλιστ εἶναι δοκοῦσι τὰ σώματα καὶ τούτων τὰ φυσικά ταῦτα γὰρ τῶν
ἄλλων ἀρχαί τῶν δὲ φυσικῶν τὰ μὲν ἔχει ζωήν τὰ δ οὐκ ἔχει ζωὴν δὲ λέγομεν τὴν
δι αὑτοῦ τροφήν τε καὶ αὔξησιν καὶ φθίσιν ὥστε πᾶν σῶμα φυσικὸν μετέχον ζωῆς
οὐσία ἂν εἴη οὐσία δ οὕτως ὡς συνθέτη
E haacute a opiniatildeo de que sobretudo os corpos satildeo substacircncia entre os quais se encontram
os corpos naturais que satildeo princiacutepios dos demais Dos corpos naturais alguns tecircm
vida outros natildeo e dizemos que a vida eacute a nutriccedilatildeo por si mesmo o crescimento e o
decaimento Assim todo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido
de substacircncia composta DA II 1 412a11-16 (Trad Gomes dos Reis)
Aristoacuteteles retorna a uma tese geral amplamente adotada por ele segundo a qual dentre
as substacircncias as sensiacuteveis satildeo as mais aceitas27
por serem mais evidentes aos sentidos O que
26 ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ τοῦ πάσχειν ἔτι ὅσαι ἕξεις καθ ἃς ἀπαθῆ ὅλως ἢ ἀμετάβλητα ἢ μὴ ῥᾳδίως ἐπὶ τὸ χεῖρον
εὐμετακίνητα δυνάμεις λέγονται κλᾶται μὲν γὰρ καὶ συντρίβεται καὶ κάμπτεται καὶ ὅλως φθείρεται οὐ τῷ
δύνασθαι ἀλλὰ τῷ μὴ δύνασθαι καὶ ἐλλείπειν τινός ἀπαθῆ δὲ τῶν τοιούτων ἃ μόλις καὶ ἠρέμα πάσχει διὰ δύ
ναμιν καὶ τῷ δύνασθαι καὶ τῷ ἔχειν πώς ldquoO mesmo vale para a potecircncia passiva Aleacutem disso chamam-se
potecircncias todos os estados em virtude dos quais as coisas satildeo absolutamente impassiacuteveis ou imutaacuteveis ou natildeo
facilmente mutaacuteveis para pior De fato as coisas quebram-se degeneram-se dobram-se e em geral destroem-se
natildeo porque tecircm potecircncia mas porque natildeo tecircm potecircncia a e porque carecem de alguma coisa ao contraacuterio satildeo
impassiacuteveis relativamente a todo estes tipos de afecccedilotildees as coisas que dificilmente ou pouco satildeo afetadas por elas
por causa de sua potecircncia e de seu poder e por determinadas condiccedilotildees em que se encontremrdquo Met Δ 12 1019ordf
26-32 (Trad Giovani Reale) 27 Οὐσία λέγεται τά τε ἁπλᾶ σώματα οἷον γῆ καὶ πῦρ καὶ ὕδωρ καὶ ὅσα τοιαῦτα καὶ ὅλως σώματα καὶ τὰ ἐκ
τούτων συνεστῶτα ζῷά τε καὶ δαιμόνια καὶ τὰ μόρια τούτων ἅπαντα δὲ ταῦτα λέγεται οὐσία ὅτι οὐ καθ
ὑποκειμένου λέγεται ἀλλὰ κατὰ τούτων τὰ ἄλλα ldquoSubstacircncia em certo sentido se diz dos corpos simples por
exemplo o fogo a terra a aacutegua e todos os corpos como estes e em geral todos os corpos e as coisas compostas
a partir deles como os animais e os seres divinos e suas partes Todas essas coisas satildeo ditas substacircncias porque
natildeo satildeo predicadas de um substrato mas tudo o mais eacute predicado delasrdquo Met Δ 1017b10ndash14 (Trad Giovani
Reale)
Τὸ ὂν λέγεται πολλαχῶς καθάπερ διειλόμεθα πρότερον ἐν τοῖς περὶ τοῦ ποσαχῶς σημαίνει γὰρ τὸ μὲν τί ἐστι
καὶ τόδε τι τὸ δὲ ποιὸν ἢ ποσὸν ἢ τῶν ἄλλων ἕκαστον τῶν οὕτω κατηγορουμένων τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου
τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν (ὅταν μὲν γὰρ εἴπωμεν ποῖόν τι
τόδε ἢ ἀγαθὸν λέγομεν ἢ κακόν ἀλλ οὐ τρίπηχυ ἢ ἄνθρωπον ldquoO ser tem muitos signficados como
estabelecemos anteriormente no livro dedicado aos diversos significados dos termos De fato o ser signfica de
um lado essecircncia e algo determinado de outro qualidade ou quantidade e cada uma das outras categorias
Mesmo sendo dito em tantos signficados eacute evidente que o primeiro dos significados do ser eacute a essecircncia que
indica a substacircncia (De fato quando perguntamos a qualidade de alguma coisa dizemos que eacute boa ou maacute mas
natildeo que tem trecircs cocircvados ou que eacute homemrdquo 1028a10ndash16 (Trad Giovani Reale)
24
Aristoacuteteles chama aqui de corpos naturais (physikoacuten) corresponde aos compostos que datildeo
origem aos artificiais e com a abstraccedilatildeo das suas unidades a objetos matemaacuteticos Mas natildeo
satildeo elementos ou partes sem unidade como o olho ou a raiz da aacutervore Pois eacute o animal que
deteacutem o olho e a aacutervore que deteacutem a raiacutez Sendo assim os corpos naturais se diferenciam
entre os que vivem e os que natildeo vivem Estes que natildeo vivem satildeo os corpos artificiais os
corpos celestes e o cadaacutever Um corpo morto seraacute de animal senatildeo por homoniacutemia pois natildeo
tem como atividade o viver E o viver eacute nutrir-se eacute crescer e eacute decair Donde Aristoacuteteles
conclui que ldquotodo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido de substacircncia
compostardquo Os seres viventes (empsykhon) satildeo substacircncias compostas de mateacuteria (corpo) e
forma (alma) tendo como atividade o viver
ἐπεὶ δ ἐστὶ καὶ σῶμα καὶ τοιόνδε ζωὴν γὰρ ἔχον οὐκ ἂν εἴη σῶμα ἡ ψυχή οὐ γάρ
ἐστι τῶν καθ ὑποκειμένου τὸ σῶμα μᾶλλον δ ὡς ὑποκείμενον καὶ ὕλη ἀναγκαῖον
ἄρα τὴν ψυχὴν οὐσίαν εἶνα ὡς εἶδος σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν ἔχοντος
E uma vez que essa substacircncia tambeacutem eacute um corpo de tal tipo ndash que tem vida ndash a
alma natildeo eacute corpo pois o corpo natildeo eacute um dos predicados do substrato antes ele eacute
como o substrato e a mateacuteria Necessariamente entatildeo a alma eacute substacircncia como
forma de um corpo natural potencialmente vivo 412ordf16-21 (Trad Maria Ceciacutelia
Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo proacutepria)
Finalmente Aristoacuteteles tece sua uacuteltima premissa e enuncia uma primeira definiccedilatildeo de
alma Dado que os corpos naturais dotados de vida satildeo compostos hilemoacuterficos cabe eliminar
qualquer possibilidade da alma ser corpo O argumento eacute conciso Haacute substacircncias que satildeo um
corpo dotado de vida Este corpo vivo natildeo eacute alma Mas substrato (hypokeimeacutenon) e mateacuteria
(hyacutele) do composto E como tal eacute objeto de predicaccedilatildeo da forma Portanto a alma natildeo pode
ser corpo pois ela que o predica
Em Met Z 3 escreve Aristoacuteteles que o substrato eacute aquilo que eacute predicado pelas coisas
enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outra28
Jaacute a substacircncia eacute aquilo que predica o
substrato mas que natildeo eacute predicada pelas outras coisas Sendo assim inerem no substrato
determinaccedilotildees como quantidade afecccedilotildees accedilotildees e potecircncias Poreacutem raspadas as
determinaccedilotildees o que resta eacute o substrato primeiro mateacuteria Contudo como jaacute enunciado
ὁμολογούμεναι μὲν αἱ φυσικαί οἷον πῦρ γῆ ὕδωρ ἀὴρ καὶ τἆλλα τὰ ἁπλᾶ σώματα ἔπειτα τὰ φυτὰ καὶ τὰ μόρια
αὐτῶν καὶ τὰ ζῷα καὶ τὰ μόρια τῶν ζῴων καὶ τέλος ὁ οὐρανὸς καὶ τὰ μόρια τοῦ οὐρανοῦ ἰδίᾳ δέ τινες οὐσίας
λέγουσιν εἶναι τά τ εἴδη καὶ τὰ μαθηματικά ldquoSubstacircncias admitidas por todos satildeo as fiacutesicas como fogo terra
aacutegua ar e os outros corpos simples ademais as plantas e suas partes do ceacuteu Alguns filoacutesofos ao contraacuterio em
funccedilatildeo de suas opiniotildees particulares afirmaram que substacircncias satildeo as Formas e os Entes matemaacuteticosrdquo Met H
1042a7ndash11(Trad Giovani Reale)
28 τὸ δ ὑποκείμενόν ἐστι καθ οὗ τὰ ἄλλα λέγεται ἐκεῖνο δὲ αὐτὸ μηκέτι κατ ἄλλου ldquoO Substrato eacute aquilo de
que satildeo predicadas todas as outras coisas enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outrardquo Met Z 3 1028b36 ndash
1029a1 (Trad Giovani Reale)
25
acima Aristoacuteteles compreende a mateacuteria como algo indeterminado Apesar disso haacute algo da
qual todas as outras determinaccedilotildees satildeo predicadas E sendo a substacircncia um algo separado
que predica a mateacuteria ou seja que referencia e determina a mateacuteria substacircncia e mateacuteria natildeo
podem ser idecircnticas O que este argumento nos ajuda a compreender eacute o pressuposto
metafiacutesico sobre o qual Aristoacuteteles identifica o corpo com o substrato impossibilitando que
este seja identificado com a alma Ou seja a substacircncia que predica o corpo
Portanto se o corpo eacute substrato material do composto orgacircnico vivo segue-se
necessariamente que a alma eacute a substacircncia formal Aristoacuteteles enuncia entatildeo seu perseguido
enunciado mais geral a alma eacute substacircncia como forma de um corpo natural potencialmente
vivo A alma enquanto substacircncia do composto vivo eacute substacircncia no sentido de forma Com
este enunciado Aristoacuteteles responde o primeiro ponto do elenco de questotildees a serem
abordadas numa investigaccedilatildeo da alma a saber a qual gecircnero de ser pertence a alma
Para a alma ser forma de um corpo potencialmente vivo ndash e ser potencialmente vivo eacute
dispor de oacutergatildeos passiacuteveis de realizaccedilatildeo das atividades proacuteprias ao viver ndash significa ser o
princiacutepio estruturante e configurador das funccedilotildees (eacutergon) de vida Assim a alma eacute o princiacutepio
e causa determinante do ser atraveacutes das atividades proacuteprias ao viver em um corpo de tal tipo
Portanto a alma configura a realidade das substacircncias compostas viventes sendo aquilo a
partir e em vista do que a vida se daacute
Aristoacuteteles abre caminho para a responder sua taacutebua de definiccedilotildees de DA I 1 A
primeira delas eacute configurar a relaccedilatildeo entre a alma e o corpo fundamentando a noccedilatildeo de
inseparabilidade entre uma e outro Pois ser a forma de um composto demanda que a alma se
atualize apenas se instanciada em um estofo material e seja seu princiacutepio de ser Em siacutentese a
alma eacute como a substacircncia e o corpo eacute como o substrato da substacircncia composta viva que eacute o
ser vivente
Seguindo as noccedilotildees jaacute traccediladas anteriormente Aristoacuteteles desdobraraacute outras duas
caracteriacutesticas proacuteprias agrave alma atualidade primeira e princiacutepio de determinaccedilatildeo do corpo Jaacute
que a alma eacute forma e forma eacute atualidade entatildeo a alma eacute atualidade deste corpo
potencialmente vivo como se lecirc logo em seguida
ἡ δ οὐσία ἐντελέχεια τοιούτου ἄρα σώματος ἐντελέχεια αὕτη δὲ λέγεται διχῶς ἡ
μὲν ὡς ἐπιστήμη ἡ δ ὡς τὸ θεωρεῖν φανερὸν οὖν ὅτι ὡς ἐπιστήμη ἐν γὰρ τῷ
ὑπάρχειν τὴν υχὴν καὶ ὕπνος καὶ ἐγρήγορσίς ἐστιν ἀνάλογον δ ἡ μὲν ἐγρήγορσις τῷ
θεωρεῖν ὁ δ ὕπνος τῷ ἔχειν καὶ μὴ ἐνεργεῖν προτέρα δὲ τῇ γενέσει ἐπὶ τοῦ αὐτοῦ ἡ
ἐπιστήμη διὸ ἡ ψυχή ἐστιν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν
ἔχοντος
E a substacircncia eacute atualidade Portanto eacute de um corpo de tal tipo que a alma eacute
atualidade Mas esta se diz de dois modos ndash primeiro como ciecircncia segundo como o
26
inquirir Eacute claro entatildeo que a alma eacute atualidade como ciecircncia pois ao subsistir a alma
haacute tanto o sono como a vigiacutelia e a vigiacutelia eacute algo anaacutelogo ao inquirir o sono a possuir
a ciecircncia mas natildeo a exercecirc-la e no que concerne a um mesmo indiviacuteduo a ciecircncia eacute
a primeira atualidade de um corpo natural que tem em potecircncia vida DA II 1 412a21-
28 (Trad Gomes dos Reis)
Como jaacute estabelecido em 401a6-11 a atualidade se diz segundo a disposiccedilatildeo e a
atividade Aqui disposiccedilatildeo (heacutexis) estaacute para a ciecircncia (epistecircme) como atividade (energeacuteia)
estaacute para inquirir (theoreicircn) Portanto disposiccedilatildeo eacute a obtenccedilatildeo de dada capacidade sem
executaacute-la enquanto atividade eacute sua execuccedilatildeo
Aristoacuteteles conclui seu argumento especificando a alma como uma atualidade primeira
(enteleacutekheia proteacute) Charlton29
propotildee que o termo ldquoprimeirordquo (proteacute) se refira agrave atualidade no
primeiro sentido ou seja enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) O que parece plausiacutevel pois o texto
aristoteacutelico nos diz que a alma eacute atualidade como ciecircncia (phanerograven oucircn hoacuteti hocircs episteme)
Aleacutem disso nas discussotildees preliminares sobre a capacidade perceptiva Aristoacuteteles discorre
um pouco mais sobre as diferenccedilas entre atualidade em termos de disposiccedilatildeo e atividade
διαιρετέον δὲ καὶ περὶ δυνάμεως καὶ ἐντελεχείας νῦν γὰρ ἁπλῶς ἐλέγομεν περὶ
αὐτῶν ἔστι μὲν γὰρ οὕτως ἐπιστῆμόν τι ὡς ἂν εἴποιμεν ἄνθρωπον ἐπιστήμονα ὅτι ὁ
ἄνθρωπος τῶν ἐπιστημόνων καὶ ἐχόντων ἐπιστήμην ἔστι δ ὡς ἤδη λέγομεν
ἐπιστήμονα τὸν ἔχοντα τὴν γραμματικήν ἑκάτερος δὲ τούτων οὐ τὸν αὐτὸν τρόπον
δυνατός ἐστιν ἀλλ ὁ μὲν ὅτι τὸ γένος τοιοῦτον καὶ ἡ ὕλη ὁ δ ὅτι βουληθεὶς δυνατὸς
θεωρεῖν ἂν μή τι κωλύσῃ τῶν ἔξωθεν ὁ δ ἤδη θεωρῶν ἐντελεχείᾳ ὢν καὶ κυρίως
ἐπιστάμενος τόδε τὸ Α ἀμφότεροι μὲν οὖν οἱ πρῶτοι κατὰ δύναμιν ἐπιστήμονες
ltὄντες ἐνεργείᾳ γίνονται ἐπιστήμονεςgtἀλλ ὁ μὲν διὰ μαθήσεως ἀλλοιωθεὶς καὶ
πολλάκις ἐξ ἐναντίας μεταβαλὼν ἕξεως ὁ δ ἐκ τοῦ ἔχειν τὴν ἀριθμητικὴν ἢ τὴν
γραμματικήν μὴ ἐνεργεῖν δέ εἰς τὸ ἐνεργεῖν ἄλλον τρόπον
Eacute preciso ainda fazer distinccedilotildees no que diz respeito agrave potecircncia e agrave atualidade Pois ateacute
agora falaacutevamos disso de maneira simples Por um lado haacute aquele que conhece no
sentido em que diriacuteamos ser o homem conhecedor por estar entre os que conhecem e
possuem conhecimento e haacute em outro sentido aquele que dizemos ser conhecedor
por jaacute saber a gramaacutetica (e cada um deles eacute em potecircncia mas natildeo da mesma maneira
o primeiro por que eacute de tal gecircnero e mateacuteria o outro porque se quiser pode inquirir
nada externo o impedindo) E haacute por fim aquele que estaacute inquirindo e em atualidade
conhecendo em sentido proacuteprio este ldquoArdquo determinado Os dois primeiros satildeo
conhecedores em potecircncia um por ter-se alterado via aprendizagem e por passar
vaacuterias vezes de uma das disposiccedilotildees contraacuterias a outra o outro de outro modo por
passar do ter a percepccedilatildeo sensiacutevel30 ou a gramaacutetica sem exercitaacute-lo ao estar em
exerciacutecio DA II 5 417a21-b2 (Trad Gomes dos Reis)
O ser humano eacute configurado de modo a realizar certas atividades como a nutriccedilatildeo a
percepccedilatildeo e a inquiriccedilatildeo Entretanto a pura organizaccedilatildeo fiacutesica natildeo basta para que elas sejam
realizadas Assim somente quando a funccedilatildeo proacutepria de determinada disposiccedilatildeo fiacutesica entra
em atividade eacute que aquilo que eacute em potecircncia se torna uma atualidade No caso acima a
capacidade de inquirir Mas toda capacidade exige um objeto para entrar em atividade E o
29 1980 p 174 30 A tradutora optou por substituir o termo ldquoarithmetikegravenrdquo por ldquoaiacutesthesinrdquo Cf GOMES DOS REIS 2012 p 84
27
que era uma potecircncia de aprendizado para o inquiridor torna-se uma atualidade pela atividade
da sua inquiriccedilatildeo Deste modo haacute trecircs instacircncias que vatildeo da potecircncia agrave atualidade Na
primeira o ser vivente eacute dotado da capacidade de aprender a inquirir Na segunda esta
disposiccedilatildeo eacute posta em atividade tendo um objeto para se inquirir Na terceira eacute a atividade
dessa capacidade aprendida ou adquirida que se tem uma atualidade plena No primeiro caso
eacute claramente uma capacidade segundo uma disposiccedilatildeo No segundo caso jaacute temos um estado
de atualidade na medida em que haacute o exerciacutecio dessa capacidade proacutepria ao ser vivente
Aristoacuteteles chama isso de potecircncia pois em relaccedilatildeo agrave terceira instacircncia aquele modo de
atualidade eacute ainda suscetiacutevel de alteraccedilatildeo E quando essa nova capacidade a gramaacutetica eacute
adquirida pela atividade desta nova capacidade de inquirir possiacutevel apenas pela sua
disposiccedilatildeo na fisiologia do ser vivente a capacidade se atualiza plenamente
Assim a alma eacute atualidade primeira de um corpo potencialmente vivo enquanto
princiacutepio de atividade das capacidades proacuteprias ao viver presentes como disposiccedilatildeo que a
forma engendra neste corpo Isto fica mais evidente em DA II 1 412b5-9
εἰ δή τι κοινὸν ἐπὶ πάσης ψυχῆς δεῖ λέγειν εἴη ἂν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος
φυσικοῦ ὀργανικοῦ διὸ καὶ οὐ δεῖ ζητεῖν εἰ ἓν ἡ ψυχὴ καὶ τὸ σῶμα ὥσπερ οὐδὲ τὸν
κηρὸν καὶ τὸ σχῆμα οὐδ ὅλως τὴν ἑκάστου ὕλην καὶ τὸ οὗ ἡ ὕλη τὸ γὰρ ἓν καὶ τὸ
εἶναι ἐπεὶ πλεοναχῶς λέγεται τὸ κυρίως ἡ ἐντελέχειά ἐστιν
Se eacute preciso enunciar algo comum a toda e qualquer alma seria que eacute a primeira
atualidade do corpo natural orgacircnico E por isso inclusive natildeo eacute preciso investigar se
alma e corpo satildeo uma unidade ndash tampouco se a cera e a figura o satildeo e em suma nem
se a mateacuteria de cada coisa e aquilo de que eacute mateacuteria ndash pois jaacute que se diz unidade ser
de muitos modos o mais apropriado deles eacute a atualidade (Trad Gomes dos Reis)
O corpo eacute dotado de oacutergatildeos partes que viabilizam a atividade das capacidades
proacuteprias ao viver E eacute a atividade das capacidades atraveacutes dos oacutergatildeos que se confere unidade
entre corpo e alma nesse composto orgacircnico vivo Assim Aristoacuteteles responde sobre a
unidade entre alma e corpo enunciada na taacutebua de definiccedilotildees Natildeo por acaso como corolaacuterio
agraves noccedilotildees de alma como forma e atualidade Aristoacuteteles declara
οὐσία γὰρ ἡ κατὰ τὸν λόγον τοῦτο δὲ τὸ τί ἦν εἶναι τῷ τοιῳδὶ σώματι καθάπερ εἴ τι
τῶν ὀργάνων φυσικὸν ἦν σῶμα οἷον πέλεκυς ἦν μὲν γὰρ ἂν τὸ πελέκει εἶναι ἡ οὐσία
αὐτοῦ καὶ ἡ ψυχὴ τοῦτο χωρισθείσης δὲ ταύτης οὐκ ἂν ἔτι πέλεκυς ἦν ἀλλ ἢ ὁμ
ωνύμως νῦν δ ἔστι πέλεκυς οὐ γὰρ τοιούτου σώματος τὸ τί ἦν εἶναι καὶ ὁ λόγος ἡ
ψυχή ἀλλὰ φυσικοῦ τοιουδί ἔχοντος ἀρχὴν κινήσεως καὶ στάσεως ἐν ἑαυτῷ
Pois ela eacute a substacircncia segundo a determinaccedilatildeo ou seja o que era para ser de um
corpo de tal tipo Se um instrumento fosse um corpo natural ndash por exemplo o
machado ndash a sua substacircncia seria a que eacute ser para o machado e isto seria a sua alma
Separado disso ele natildeo seria mais um machado exceto por homoniacutemia Mas na
verdade eacute um machado pois a alma natildeo eacute a determinaccedilatildeo e o que eacute o que eacute para um
corpo desse tipo mas sim um corpo natural tal que tenha em si mesmo um princiacutepio
28
de movimento e repouso DA II 1 412b10-17 (Trad Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo
proacutepria)
Como jaacute explicitado no enunciado de alma enquanto substacircncia como forma em
412a20 a alma eacute este princiacutepio determinante do ser do composto Ou seja o princiacutepio
organizador das suas disposiccedilotildees e propriedades que determinaratildeo o ser proacuteprio de um corpo
natural capaz de viver A identificaccedilatildeo entre alma e forma se desdobraraacute na identificaccedilatildeo de
alma e o que era para ser31
(tograve tiacute ecircn eicircnai)
Dado que a alma eacute forma e atualidade do corpo Aristoacuteteles estabelece que ela eacute seu
princiacutepio de determinaccedilatildeo das propriedades relevantes que daratildeo o caraacuteter essencial do ser
vivente E eacute evidente como o texto nos mostra e Hamilyn32
sustenta que a determinaccedilatildeo da
essecircncia se daacute segundo sua funccedilatildeo (eacutergon) O ser do machado eacute cortar na medida em que a
funccedilatildeo proacutepria do machado eacute cortar assim como a do olho eacute ver O ser do ser vivente eacute viver
31 A locuccedilatildeo eacute razatildeo de grande controveacutersia na tradiccedilatildeo de comentaacuterios ao texto aristoteacutelico Natildeo entrarei nos
pormenores da discussatildeo mas tomarei a traduccedilatildeo o que era para ser em sua literalidade assim como Angioni
tendo em vista o contexto no qual se pretende compreender seu emprego ldquoTrata-se de uma substantivaccedilatildeo com
o artigo neutro (lsquotorsquo) da pergunta lsquoo que afinal era o ser para tal coisarsquo (lsquoti en to einai toutoirsquo lsquotiacute ecircn tograve eicircnai
toutoirsquo) ndash Aristoacuteteles frequentemente substantiva segmentos de sentenccedilas e expressotildees que em si mesmas
constituem perguntas gramaticalmente completas isso ocorre na designaccedilatildeo das categorias (ldquoo qualrdquo ldquotograve poicirconrdquo
etc) na designaccedilatildeo de algumas das quatro causas (lsquoo que moveu primeirorsquo lsquoo em vista de quersquo) e em outras
expressotildees lsquo(lsquoo por quecircrsquo lsquotograve diagrave tiacutersquo ou lsquotograve dioacutetirsquo) O infinitivo lsquoserrsquo eacute o mesmo que consta na expressatildeo lsquoser +
dativorsquo e que designa a essecircncia da coisa isto eacute o conjunto de propriedades e caracteriacutesticas que deveriam ser
enumeradas no enunciado que define o que a coisa eacute Trata-se do mesmo infinitivo que comparece em 1041a32
1041b28 e 1042b27 (e natildeo se trata do infinitivo que poderia eventualmente ser entendido como existencial tal
como em 1041a15) O imperfeito ldquoerardquo por sua vez consiste num resquiacutecio de um uso dialeacutetico pelo qual o
interlocutor remetia a alguma definiccedilatildeo anteriormente dada destinada a funcionar como paracircmetro para a
discussatildeo ulterior (para referecircncias quanto ao uso desse imperfeito ver nossa dissertaccedilatildeo de mestrado p 89
nota 208) A pergunta original seria lsquoo quecirc era o ser para tal coisarsquo mas isso quer apenas dizer lsquoo quecirc fora
estabelecido (anteriormente na presente discussatildeo) como ser para tal coisarsquo Com o haacutebito a expressatildeo teria
perdido o significado interrogativo que originalmente possuiacutea e teria se tornado um jargatildeo para designar a
essecircncia Em vista disso lsquoto ti en einairsquo poderia ser traduzido ou parafraseado como lsquoaquilo que fora
estabelecido como caracteriacutesticas essenciais de tal coisarsquo A lsquoanterioridade causal da formarsquo muita vez alegada
como chave para a compreensatildeo do jargatildeo eacute compatiacutevel com o significado da expressatildeo mas natildeo explica a
origem do imperfeitordquo (Angioni 2005 102) 32 ldquoAristotlersquos selection of a tool an axe to provide an analogy with the ensouled body reveals how close to the
surface in this discussion is the notion of function The substance or essence of an axe is its function without
which it would not be an axe Like the Greeks in general Aristotle had no difficulty in thinking of a natural body
as having a function too (cf Nicomachean Ethics 1097b22ff) this is part of his general teleology But as he
goes on to point out there are differences also between an axe and a natural body which spoil the analogy This
is the force of the words lsquoBut as it is an axersquo ndash the essence of a axe is not its soul since it does not have one not
being a living thingrdquo ldquoA seleccedilatildeo do Aristoacuteteles de um instrumento um machado prova um analogia com os
coporpos animados revela como o que estaacute em voga eacute a discussatildeo eacute a noccedilatildeo de funccedilatildeo A substacircncia ou
essecircncia de um machado eacute sua funccedilatildeo sem a qual ele natildeo seria um machado Assim como os Gregos
Aristoacuteteles natildeo teve dificuldades em pensar o corpo natural como tambeacutem dotado de funccedilatildeo (cf Eacutetica a
Nicocircmaco 1097b22ss) isto eacute parte da sua teleologia Mas como ele segue pontuando haacute diferenccedilas igualmente
entre um machado e um corpo natural que prejudicam a analogia Eacute o que sugerem as palavras Mas eacute como um
machadorsquo - a essecircncia do machado natildeo eacute sua alma jaacute que ele natildeo tem uma natildeo eacute um ser viventerdquo (HAMLYN
1993 85) (Trad proacutepria)
29
e isto eacute garantido pela alma A locuccedilatildeo o que era para ser como indica Gomes dos Reis33
pode ser compreendida como uma continuidade da forma do ser vivente perante o devir que
lhe eacute proacuteprio ao longo da sua vida
Com isso Aristoacuteteles traccedila suas noccedilotildees preliminares da alma em DA II 1 Haacute ao final
do capiacutetulo algo digno de nota Aristoacuteteles se refere a tudo isto como um rascunho e esboccedilo
de definiccedilatildeo34
Poderiacuteamos entender que estas proposiccedilotildees satildeo insuficientes para o projeto
psicoloacutegico aristoteacutelico E satildeo mesmo em certa medida Pois em relaccedilatildeo agrave taacutebua de
definiccedilatildeo Aristoacuteteles soacute respondeu as noccedilotildees relativas agrave substacircncia atualidade e unidade da
alma Apesar disso como argumentarei na sessatildeo seguinte todo o arcabouccedilo conceitual e
argumentativo aqui esboccedilado sustentaraacute a noccedilatildeo de alma como princiacutepio das capacidades que
denotam vida Aleacutem do mais se lembrarmos que nas primeiras linhas do capiacutetulo Aristoacuteteles
se comprometia tatildeo somente em buscar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) para a
alma eacute inegaacutevel que ele foi bem sucedido Se ao fim de DA I ele tem claro que a alma eacute
princiacutepio imoacutevel de movimento e una em DA II 1 satildeo apresentados os argumentos positivos
para estas duas teses A alma eacute de estatuto formal portanto imoacutevel e princiacutepio organizador
das propriedades do ser Enquanto forma eacute atualidade e assim o princiacutepio de atividade das
capacidades proacuteprias ao ser Enquanto substacircncia eacute o que era para ser do ser vivente e entatildeo
o princiacutepio determinante do que este ser vivente eacute E esta determinaccedilatildeo seraacute dada pela funccedilatildeo
proacutepria das suas capacidades que soacute seratildeo plenificadas com as atividades no oacutergatildeo
correspondente Este enunciado e o que se desdobra dele eacute um rascunho e esboccedilo de definiccedilatildeo
pois natildeo nos explica satisfatoriamente por que a alma eacute princiacutepio das formas especiacuteficas de
vida Aristoacuteteles reconhece isso e segundo um paracircmetro geomeacutetrico de definiccedilatildeo mudaraacute o
curso da investigaccedilatildeo sobre a alma
33 ldquoA expressatildeo to ti ecircn einai pode ser a generalizaccedilatildeo de uma construccedilatildeo com ocorrecircncias nos tratados por
exemplo to [pelekei] einai o ser [para o machado] o ser [para a carne] que seraacute traduzida por sua vez como a
locuccedilatildeo ldquoo que eacute ser para o machadordquo e assim por diante Como reconstruiacute-la eacute um assunto polecircmico Haacute um
verbo no imperfeito (a expressatildeo literalmente diz algo como o lsquoo que era a serrsquo) que poderia ser interpretado
como uma ecircnfase na continuidade da forma a despeito do devirrdquo 2012 208 34τύπῳ μὲν οὖν ταύτῃ διωρίσθω καὶ ὑπογεγράφθω περὶ ψυχῆς ldquoE isto basta como um esquema do esboccedilo de
definiccedilatildeo de almardquo DA II 1 413a10-11 (Trad Gomes dos Reis)
30
22 A DEFINICcedilAtildeO PELAS CAPACIDADES
DA II 2 se inicia com um impasse a noccedilatildeo geral oferece o gecircnero de ser da alma mas
natildeo a enuncia como causa de vida nos seres viventes Diante disso Aristoacuteteles faz uma
revisatildeo metodoloacutegica na investigaccedilatildeo de alma tomando como paradigma o exemplo de
definiccedilatildeo pela causa de um objeto geomeacutetrico
Ἐπεὶ δ ἐκ τῶν ἀσαφῶν μὲν φανερωτέρων δὲ γίνεται τὸ σαφὲς καὶ κατὰ τὸν λόγον
γνωριμώτερον πειρατέον πάλιν οὕτω γ ἐπελθεῖν περὶ αὐτῆς οὐ γὰρ μόνον τὸ ὅτι δεῖ
τὸν ὁριστικὸν λόγον δηλοῦν ὥσπερ οἱ πλεῖστοι τῶν ὅρων λέγουσιν ἀλλὰ καὶ τὴν
αἰτίαν ἐνυπάρχειν καὶ ἐμφαίνεσθαι νῦν δ ὥσπερ συμπεράσμαθ οἱ λόγοι τῶν ὅρων
εἰσίν οἷον τί ἐστιν ὁ τετραγωνισμός τὸ ἴσον ἑτερομήκει ὀρθογώνιον εἶναι
ἰσόπλευρον ὁ δὲ τοιοῦτος ὅρος λόγος τοῦ συμπεράσματος ὁ δὲ λέγων ὅτι ἐστὶν ὁ
τετραγωνισμὸς μέσης εὕρεσις τοῦ πράγματος λέγει τὸ αἴτιον
E jaacute que a partir de coisas natildeo claras embora mais manifestas advecircm clareza e maior
inteligibilidade segundo o enunciado deve-se tentar desta maneira novamente
discorrer sobre a alma pois natildeo somente eacute preciso que o enunciado definidor
esclareccedila os fatos ndash como o faz a maioria das definiccedilotildees ndash mas ainda conter e
expressar a causa Os enunciados das definiccedilotildees na verdade satildeo como conclusotildees O
que eacute por exemplo a quadratura Eacute fazer equivaler um retacircngulo equilaacutetero a um
retacircngulo qualquer Mas tal definiccedilatildeo eacute o enunciado da conclusatildeo e o que diz por sua
vez que a quadratura eacute a descoberta de uma meacutedia proporcional enuncia a causa DA
II 2 413a11-20 (Trad Gomes dos Reis)
Novamente Aristoacuteteles nos relembra a ideia de que as apreensotildees sensiacuteveis satildeo mais
manifestas (phaneroteacuteron) que as apreensotildees inteligiacuteveis As inteligiacuteveis satildeo mais claras
(sophoacutes) pois satildeo formas apreendidas com a razatildeo e menos suscetiacuteveis ao engano Ao
contraacuterio das apreensotildees sensiacuteveis que satildeo mais manifestas Muito embora os pressupostos
que permitiram deduzir o estatuto ontoloacutegico da alma no capiacutetulo anterior sejam mais claros
eles enunciam o vivente como um ser animado enquanto um fato mas natildeo enunciam a alma
como causa do viver Portanto DA II 2 se dedicaraacute a investigar a alma como causa de vida
nos seres viventes a partir do que eacute mais manifesto ao que eacute mais claro
Aristoacuteteles se utiliza de um teorema para explicar que o termo meacutedio de um silogismo
apresenta a causa de um fato Num silogismo dado uma premissa maior que enuncie o fato e
tem como outro fato a conclusatildeo a premissa menor enuncia a causa pois eacute onde se encontra o
porquecirc da conclusatildeo Responder que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois ldquoTodo homem eacute mortalrdquo natildeo
enuncia a causa da mortalidade de Soacutecrates soacute o mero fato de coincidentemente ldquoSoacutecratesrdquo e
ldquoTodo homemrdquo serem mortais Poreacutem se respondemos que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois
ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo e ldquoTodo homem eacute mortalrdquo entatildeo foi enunciado a causa da mortalidade
de Soacutecrates Em sua estrutura claacutessica a premissa maior ldquoTodo homem eacute mortalrdquo a premissa
menor ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo a conclusatildeo ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo
31
Fica a questatildeo de como este novo criteacuterio se aplica agrave definiccedilatildeo E sobre a alma o
corpo e a vida
λέγομεν οὖν ἀρχὴν λαβόντες τῆς σκέψεως διωρίσθαι τὸ ἔμψυχον τοῦ ἀψύχου τῷ
ζῆν πλεοναχῶς δὲ τοῦ ζῆν λεγομένου κἂν ἕν τι τούτων ἐνυπάρχῃ μόνον ζῆν αὐτό
φαμεν οἷον νοῦς αἴσθησις κίνησις καὶ στάσις ἡ κατὰ τόπον ἔτι κίνησις ἡ κατὰ
τροφὴν καὶ φθίσις τε καὶ αὔξησις
Retomando o princiacutepio da investigaccedilatildeo digamos entatildeo que o animado se distingue do
inanimado pelo viver E de muitos modos se diz o viver pois dizemos que algo vive
se nele subsiste pelo menos um destes ndash intelecto percepccedilatildeo sensiacutevel movimento
local e repouso e ainda o movimento segundo a nutriccedilatildeo o decaimento e o
crescimento DA II 2 413a20-24 (Trad Gomes dos Reis)
Aristoacuteteles enuncia uma premissa maior e outra menor
[premissa maior] Todo ser dotado de alma vive
[premissa menor] Viver eacute ser dotado de intelecto percepccedilatildeo nutriccedilatildeo movimento
local e repouso decaimento e crescimento
Eacute proacuteprio agrave alma atribuir vida Viver eacute ser dotado de uma das capacidades
mencionadas Assim todo corpo natural que apresente uma dessas capacidades vive35
Portanto as plantas vivem pois se nutrem crescem e decaem por si proacuteprias
διὸ καὶ τὰ φυόμενα πάντα δοκεῖ ζῆν φαίνεται γὰρ ἐν αὑτοῖς ἔχοντα δύναμιν καὶ
ἀρχὴν τοιαύτην δι ἧς αὔξησίν τε καὶ φθίσιν λαμβάνουσι κατὰ τοὺς ἐναντίους τόπους
οὐ γὰρ ἄνω μὲν αὔξεται κάτω δ οὔ ἀλλ ὁμοίως ἐπ ἄμφω καὶ πάντῃ ὅσα ἀεὶ
τρέφεταί τε καὶ ζῇ διὰ τέλους ἕως ἂν δύνηται λαμβάνειν τροφήν
Por isso parece inclusive que todas as plantas vivem pois eacute manifesto que tecircm em si
mesmas uma potecircncia e um princiacutepio deste tipo por meio do qual ganham
crescimento e decaimento segundo direccedilotildees contraacuterias pois natildeo crescem apenas para
cima e natildeo para baixo mas similarmetne em ambas e em todas as direccedilotildees e assim eacute
para as que se nutrem constantemente e vivem ateacute o fim enquanto puderem obter
alimento DA II 2 413a25-31 (Trad Gomes dos Reis)
Assim como os animais vivem jaacute que satildeo dotados de nutriccedilatildeo e percepccedilatildeo
τὸ μὲν οὖν ζῆν διὰ τὴν ἀρχὴν ταύτην ὑπάρχει τοῖς ζῶσι τὸ δὲ ζῷον διὰ τὴν αἴσθησιν
πρώτως καὶ γὰρ τὰ μὴ κινούμενα μηδ ἀλλάττοντα τόπον ἔχοντα δ αἴσθησιν ζῷα
λέγομεν καὶ οὐ ζῆν μόνον
O viver subsiste nos seres vivos por conta deste princiacutepio e o animal constitui-se
primordialmente pela percepccedilatildeo sensiacutevel Pois dizemos que satildeo animais ndash e natildeo
apenas que vivem ndash tambeacutem os que natildeo se movem nem mudam de lugar mas
possuem percepccedilatildeo DA II 2 413b1-4 (Trad Gomes dos Reis)
Com isso temos a conclusatildeo do silogismo psicoloacutegico aristoteacutelico
[conclusatildeo a] Plantas e animais satildeo animados
E desta uma outra
35 Como jaacute antecipara em DA II 1 412a11-16 citado na paacutegina 16
32
[conclusatildeo b] Plantas e animais satildeo vivos
Portanto assim como todo retacircngulo teraacute quadratura por causa da sua proporccedilatildeo com
um retacircngulo quadrilaacutetero todo corpo seraacute um ser vivente por ser dotado de alma Entretanto
uma ldquoquestatildeo de aluno bobordquo seria perguntar para Aristoacuteteles de onde vecircm essas duas
premissas Ao conectar alma e vida sem explicar esta uacuteltima poderia levar a investigaccedilatildeo
aristoteacutelica agrave obscuridade precisamente onde se deveria ter mais clareza Entatildeo para que
Aristoacuteteles garanta a alma como causa da vida mortal ele endossaria os pressupostos dos seus
predecessores e portanto distinguiria o animado do inanimado pelo movimento e pela
percepccedilatildeo36
Polansky apesar disso natildeo esclarece afinal quais os argumentos que sustentam
a associaccedilatildeo entre alma e vida Se limitando apenas agraves implicaccedilotildees argumentativas desse
pressuposto
Contudo se assumirmos que Aristoacuteteles endossa a tese de seus predecessores segundo
a qual o animado se distingue do inanimado pelo movimento e percepccedilatildeo37
e que a nutriccedilatildeo eacute
a capacidade mais baacutesica entre os seres animados38
e por fim que a nutriccedilatildeo e a percepccedilatildeo
satildeo uma forma de movimento39
somos levados a crer que o argumento consiste em
[P1] viver eacute ao menos nutriccedilatildeo crescimento e decaimento
[P2] nutriccedilatildeo crescimento e decaimento satildeo um tipo de movimento (do tipo por si)
[P3] tudo o que se move por si eacute animado
[P4] a alma eacute um princiacutepio imoacutevel de movimento
[C1] logo tudo o que vive eacute animado
36 Cf Nota seguinte 37 τὸ ἔμψυχον δὴ τοῦ ἀψύχου δυσὶ μάλιστα διαφέρειν δοκεῖ κινήσει τε καὶ τῷ αἰσθάνεσθαι παρειλήφαμεν δὲ
καὶ παρὰ τῶν προγενεστέρων σχεδὸν δύο ταῦτα περὶ ψυχῆς ldquoOra haacute a opiniatildeo de que o animado difere do
inanimado em dois aspectos o movimento e a percepccedilatildeo sensiacutevel E em relaccedilatildeo agrave alma satildeo mais ou menos
esses dois que recebemos de nossos predecessoresrdquo DA I 1 403b25-28 (Trad Gomes dos Reis) 38 ὥστε πρῶτον περὶ τροφῆς καὶ γεννήσεως λεκτέον ἡ γὰρ θρεπτικὴ ψυχὴ καὶ τοῖς ἄλλοις ὑπάρχει καὶ πρώτη
καὶ κοινοτάτη δύναμίς ἐστι ψυχῆς καθ ἣν ὑπάρχει τὸ ζῆν ἅπασιν ldquoPor conseguinte deve-se primeiro tratar do
alimento e da geraccedilatildeo pois a alma nutritiva subsiste tambeacutem com as outras sendo a primeira e a mais comum
potecircncia da alma segundo a qual subsiste em todos o viverrdquo DA II 4 415A22-25 (Trad Gomes dos Reis) 39 ἔστι δὲ καὶ ἀλλοίωσις καὶ αὔξησις κατὰ ψυχήν ἡ μὲν γὰρ αἴσθησις ἀλλοίωσίς τις εἶναι δοκεῖ αἰσθάνεται δ
οὐθὲν ὃ μὴ μετέχει ψυχῆς ὁμοίως δὲ καὶ περὶ αὐξήσεώς τε καὶ φθίσεως ἔχει οὐδὲν γὰρ φθίνει οὐδ αὔξεται
φυσικῶς μὴ τρεφόμενον τρέφεται δ οὐθὲν ὃ μὴ κοινωνεῖ ζωῆς ldquoMas inclusive a alteraccedilatildeo e o crecimento
existem segundo a alma pois haacute a opiniatildeo de que a percepccedilatildeo sensiacutevel eacute uma certa alteraccedilatildeo e aquele que natildeo
participa da alma nada percebe de maneira similar ocorre tambeacutem em relaccedilatildeo ao crescimento e decaimento pois
nem decai nem cresce naturalmente aquele que natildeo eacute nutrido e nada que natildeo compartilhe da vida se nutrerdquo DA
II 4 415b23-28 (Trad Gomes dos Reis)
E mais adiante enunciando a percepccedilatildeo Aristoacuteteles eacute categoacuterico ἡ δ αἴσθησις ἐν τῷ κινεῖσθαί τε καὶ πάσχειν
συμβαίνει καθάπερ εἴρηται δοκεῖ γὰρ ἀλλοίωσίς τις εἶναι ldquoA percepccedilatildeo sensiacutevel consiste em ser movido e ser
afetado como dissemos pois haacute a opiniatildeo de que ela eacute uma certa alteraccedilatildeordquo DA II 4 416b35-36 (Trad Gomes
dos Reis)
33
Note que [P1] e [P2] seriam premissas autoevidentes Em [P3] Aristoacuteteles partiria
dos mesmos pressupostos que as endoxai de seus predecessores enquanto [P4] resultaria da
anaacutelise criacutetica dessas endoxai ao longo de DA I 3-5 Aristoacuteteles natildeo nos elucida claramente de
onde ele tira as evidecircncias de [P1] e [P2] ou seja por que essas capacidades tais satildeo
movimentos por si e portanto denotam vida Quanto a [P3] Fiacutes VIII40
nos indica que esta eacute
uma tese que Aristoacuteteles abraccedila mas tambeacutem sem explicar suas razotildees O mais plausiacutevel
parece ser que este eacute um fenocircmeno autoevidente amplamente aceito que dispense justificaccedilatildeo
Diferentemente eacute o caso de [P4] cuja justificativa pode se sustentar na criacutetica aristoteacutelica agraves
noccedilotildees democritianas de que a alma eacute um princiacutepio de movimento que se move em DA I 3
corroborada pela noccedilatildeo de alma enunciada em DA II 1 segundo a qual a alma eacute forma logo
atualidade e portanto princiacutepio de determinaccedilatildeo das funccedilotildees proacuteprias ao ser vivente
Olhando por essas lacunas que o argumento aristoteacutelico conteacutem sua tentativa de
enunciar a alma como causa de vida parece fragilizada Entretanto fato eacute que a vida eacute
explicada pela alma no contexto do pensamento helecircnico Entatildeo conceder a Aristoacuteteles este
pressuposto parece um miacutenimo que o leitor contemporacircneo precise fazer Aleacutem disso vale
lembrar que em Met Z 17 Aristoacuteteles defende ser ldquonecessaacuterio que o dado e a existecircncia da
coisa sejam previamente conhecidosrdquo41
e que portanto o que se investiga eacute ldquopor que alguma
coisa pertence a outrardquo42
Deste modo cabem aqui questotildees como ldquopor que os corpos
vivemrdquo ou ainda ldquopor que se atribui vida a corpos dotados de capacidades taisrdquo E natildeo ldquopor
que o animado se diferencia do inanimado pelo viverrdquo como o formulado no iniacutecio desta
digressatildeo Talvez a fragilidade aparente se decirc pois aqui se toque as Colunas de Heacutercules da
psicologia aristoteacutelica
Retomando a braccedilada dos remos se a tese de que a vida se manifesta pela capacidade
de movimento eacute confirmada quando Aristoacuteteles enuncia uma nova noccedilatildeo de alma como
40 οὐδεμιᾶς γὰρ ἐν ἡμῖν ἐνούσης κινήσεως ἐνίοτε ἀλλ ἡσυχάζοντες ὅμως κινούμεθά ποτε καὶ ἐγγίγνεται ἐν ἡμῖν
ἐξ ἡμῶν αὐτῶν ἀρχὴ κινήσεως κἂν μηθὲν ἔξωθεν κινήσῃ τοῦτο γὰρ ἐπὶ τῶν ἀψύχων οὐχ ὁρῶμεν ὁμοίως ἀλλ
ἀεὶ κινεῖ τι αὐτὰ τῶν ἔξωθεν ἕτερον τὸ δὲ ζῷον αὐτό φαμεν ἑαυτὸ κινεῖν ldquoPor vezes acontece que natildeo haja
movimento em noacutes [entes animados] e que de nosso repouso noacutes sejamos postos em movimento e agraves vezes o
princiacutepio do movimento surge em noacutes e de noacutes sem que nada de outro nos mova de fora Natildeo vemos nada
parecido no caso dos seres inanimados pois eles sempre satildeo movidos por algo outro que reside fora deles Dos
animais noacutes dizemos que eles movem a si mesmosrdquo Fiacutes VIII 2 252b18-23 (Trad Daniel Nascimento)
ὁρῶμεν δὲ καὶ φανερῶς ὄντα τοιαῦτα ἃ κινεῖ αὐτὰ ἑαυτά οἷον τὸ τῶν ἐμψύχων καὶ τὸ τῶν ζῴων γένος ταῦτα δὲ
καὶ δόξαν παρεῖχε μή ποτε ἐνδέχεται κίνησιν ἐγγίγνεσθαι μὴ οὖσαν ὅλως διὰ τὸ ἐν τούτοις ὁρᾶν ἡμᾶς τοῦτο
συμβαῖνον (ἀκίνητα γάρ ποτε ὄντα κινεῖται πάλιν ὡς δοκεῖ) ldquoVemos claramente que existem coisas que se
movem a si mesmas como por exemplo os entes animados e o gecircnero dos animais e por causa disso pensamos
que pode ser possiacutevel que o movimento seja gerado sem que antes tenha existido de qualquer forma pois noacutes
vemos isso acontecer com eles (estarem imoacuteveis em determinado momento e moverem-se novamanete tal como
parece)rdquo Fis VIII 6 259b1-6 (Trad Daniel Nascimento) 41 δεῖ γὰρ τὸ ὅτι καὶ τὸ εἶναι ὑπάρχειν δῆλα ὄντα Met 17 1041a15 42ἄλλο γὰρ οὕτω κατ ἄλλου ἐστὶ τὸ ζητούμενον Met 17 1041a25-26
34
conclusatildeo do raciociacutenio iniciado em DA II 2 temos esta nova formulaccedilatildeo segundo as
capacidades que denotam o viver
νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον εἰρήσθω μόνον ὅτι ἐστὶν ἡ ψυχὴ τῶν εἰρημένων τούτων ἀρχὴ καὶ
τούτοις ὥρισται θρεπτικῷ αἰσθητικῷ διανοητικῷ κινήσει
Por ora eacute suficiente dizer apenas isto que a alma eacute princiacutepio das capacidades
mencionadas ndash nutritiva perceptiva raciocinativa e de movimento ndash e que por elas eacute
definida DA II 2 413b11-13 (Trad Gomes dos Reis)
Esta noccedilatildeo eclode como corolaacuterio da argumentaccedilatildeo anterior Com ela Aristoacuteteles
conquista um importante ponto do seu projeto psicoloacutegico a saber que a noccedilatildeo de alma
explique as distintas formas de vida atraveacutes das capacidades Isto levaraacute a uma gama de
comentadores contemporacircneos a valorizarem esta definiccedilatildeo em detrimento da definiccedilatildeo pela
substacircncia apresentada em DA II 1 Os que assim interpretam43
reduzem a definiccedilatildeo de alma
agrave noccedilatildeo de princiacutepio das funccedilotildees que denotam vida Esta interpretaccedilatildeo natildeo eacute totalmente
equivocada na medida em que textualmente Aristoacuteteles afirma isto Poreacutem ela eacute imprecisa
pois ignora o estatuto ontoloacutegico da alma Como vimos na seccedilatildeo anterior a alma eacute substacircncia
como forma (tegraves psycheacutes ousiacutean eicircnai hocircs eicircdos) do corpo e portanto seu princiacutepio
organizador que lhe confere o viver E enquanto forma do corpo a alma eacute sua atualidade
primeira (enteleacutekheia proteacute) Ou seja princiacutepio formal o qual o corpo se desenvolve em vista
do viver Pois a alma de um lado traz em si as disposiccedilotildees (heacutexeis) necessaacuterias agrave vida e
determina o que este corpo orgacircnico era para ser (tograve tiacute ecircn eicircnai) mediante suas funccedilotildees (eacuterga)
e atividades (eneacutergeiai) de viver Essas funccedilotildees satildeo as capacidades (dynaacutemeis) que
caracterizam os tipos de vida nos seres seu modo proacuteprio de viver Sendo assim a capacidade
nutritiva eacute proacutepria agrave vida vegetativa a perceptiva proacutepria agrave animal e a intelectiva agrave humana
Como se vecirc a definiccedilatildeo pelas capacidades tem sua origem e fundamento na definiccedilatildeo
pela forma Por outro lado esta soacute ganha capilaridade na definiccedilatildeo pela capacidade jaacute que sua
noccedilatildeo geral natildeo define a alma como causa de cada tipo de vida nem princiacutepio das
capacidades proacuteprias ao viver Deste modo uma interpretaccedilatildeo da noccedilatildeo aristoteacutelica de alma
que ignore como ambas noccedilotildees se sustentam mutuamente eacute parcial e suscetiacutevel de engendrar
mais problema que o proacuteprio texto jaacute apresenta
Com isso concluiacutemos De Anima II 2 compreendendo que a alma eacute causa de vida jaacute
que eacute princiacutepio das atividades proacuteprias ao viver Diante da noccedilatildeo geral e como ela se
particulariza nas distintas capacidades resta ainda observar um uacuteltimo ponto que Aristoacuteteles
43Putman (1975) Ackrill (1975-6) Bolton (1978) Nussbaum (1978) Everson (1995) CodeampMoravicsik
(1992) Para uma noccedilatildeo geral das diversas correntes de interpretaccedilatildeo da psicologia aristoteacutelica no seio das
discussotildees de filosofia da mente ver Diamond (2015) Caston (2006) e Irwin (1991)
35
trabalharaacute no capiacutetulo seguinte a saber a disposiccedilatildeo seriada hierarquicamente das diversas
formas de vida
23 A DEFINICcedilAtildeO SERIADA
A tese geral de que a alma eacute forma do corpo sofre uma nova reavaliaccedilatildeo em DA II 3
Como se veraacute adiante Aristoacuteteles surpreendentemente declara que toda busca por um
enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) de alma eacute ridiacuteculo (geloicircon) jaacute que esta noccedilatildeo natildeo
permite a compreensatildeo de que as diversas espeacutecies de vida (vegetativa animal e humana) satildeo
dispostas em uma seacuterie ordenada e hierarquizada de acordo com sua capacidade especiacutefica
Como a leitura das formas de vida dispostas em uma seacuterie ordenada eacute um problema que
precisa ser respondido por quem quer que se debruce sobre a noccedilatildeo aristoteacutelica de alma esta
seccedilatildeo argumentaraacute como a noccedilatildeo de almas seriadas natildeo invalida a noccedilatildeo formal de alma
enunciada em DA II 1
DA II 3 poderia ser tematicamente dividido em duas partes Numa primeira de
414ordf29-414b20 Aristoacuteteles dispotildee a hierarquia das capacidades que denotam vida Se em DA
II 2 ele enunciou as capacidades aqui se argumenta como uma estaacute em relaccedilatildeo de
anterioridade agrave outra e portanto disposta hierarquicamente de modo coextensivo agraves formas
de vida Assim se o movimento segundo nutriccedilatildeo crescimento e decaimento seraacute proacuteprio a
uma forma de vida a vegetativa a adiccedilatildeo da capacidade perceptiva seraacute proacutepria agrave vida
vegetativa e animal Agrave medida que se adicione outras capacidades como o intelecto abrange-
se a vida humana44
Esta hierarquizaccedilatildeo suplementar das capacidades a seu enunciado permite
que Aristoacuteteles encampe a tese de que os tipos de vida satildeo dispostos em seacuteries ordenadas
avanccedilando para a segunda parte do capiacutetulo
δῆλον οὖν ὅτι τὸν αὐτὸν τρόπον εἷς ἂν εἴη λόγος ψυχῆς τε καὶ σχήματος οὔτε γὰρ
ἐκεῖ σχῆμα παρὰ τὸ τρίγωνον ἔστι καὶ τὰ ἐφεξῆς οὔτ ἐνταῦθα ψυχὴ παρὰ τὰς
εἰρημένας γένοιτο δ ἂν καὶ ἐπὶ τῶν σχημάτων λόγος κοινός ὃς ἐφαρμόσει μὲν
πᾶσιν ἴδιος δ οὐδενὸς ἔσται σχήματος ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ ταῖς εἰρημέναις ψυχαῖς διὸ
γελοῖον ζητεῖν τὸν κοινὸν λόγον καὶ ἐπὶ τούτων καὶ ἐφ ἑτέρων ὃς οὐδενὸς ἔσται τῶν
ὄντων ἴδιος λόγος οὐδὲ κατὰ τὸ οἰκεῖον καὶ ἄτομον εἶδος ἀφέντας τὸν τοιοῦτον
(παραπλησίως δ ἔχει τῷ περὶ τῶν σχημάτων καὶ τὰ κατὰ ψυχήν ἀεὶ γὰρ ἐν τῷ ἐφεξῆς
44 Τῶν δὲ δυνάμεων τῆς ψυχῆς αἱ λεχθεῖσαι τοῖς μὲν ὑπάρχουσι πᾶσαι καθάπερ εἴπομεν τοῖς δὲ τινὲς αὐτῶν
ἐνίοις δὲ μία μόνη διασαφητέον δὲ περὶ αὐτῶν ὕστερον νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον () εἰρήσθω ὅτι τῶν ζώντων τοῖς
ἔχουσιν ἁφὴν καὶ ὄρεξις ὑπάρχει περὶ δὲ φαντασίας ἄδηλον ὕστερον δ ἐπισκεπτέον ἐνίοις δὲ πρὸς τούτοις
ὑπάρχει καὶ τὸ κατὰ τόπον κινητικόν ἑτέροις δὲ καὶ τὸ διανοητικόν τε καὶ νοῦς οἷον ἀνθρώποις καὶ εἴ τι
τοιοῦτον ἕτερον ἔστιν ἢ τιμιώτερον ldquoDentre as potecircncias da alma como dissemos todas as mencionadas
subsitem em alguns seres em outros soacute algumas delas e em alguns apenas uma E mencionamos como
potecircncias a nutritiva a perceptiva a desiderativa a locomotiva e a raciocinativa Ora nas plantas subsiste
somente a nutritiva mas em outros seres tanto esta como a perceptiva () Por ora eacute suficiente dizer isto que
entre os seres vivos que possuem tato tambeacutem subsiste desejo No que se refere agrave imaginaccedilatildeo natildeo estaacute claro e
devemos examinaacute-la posteriormente Em alguns seres vivos aleacutem disso subsiste tambeacutem a capacidade de se
locomover e em outros ainda a de raciocinar e o intelecto ndash por exemplo nos homens e em algum outro se
houver de tal qualidade ou mais valiosordquo DA II 3 414a29-414b20 (Trad Gomes dos Reis)
36
ὑπάρχει δυνάμει τὸ πρότερον ἐπί τε τῶν σχημάτων καὶ ἐπὶ τῶν ἐμψύχων οἷον ἐν
τετραγώνῳ μὲν τρίγωνον ἐν αἰσθητικῷ δὲ τὸ θρεπτικόν) ὥστε καθ ἕκαστον
ζητητέον τίς ἑκάστου ψυχή οἷον τίς φυτοῦ καὶ τίς ἀνθρώπου ἢ θηρίου διὰ τίνα δ
αἰτίαν τῷ ἐφεξῆς οὕτως ἔχουσι σκεπτέον ἄνευ μὲν γὰρ τοῦ θρεπτικοῦ τὸ αἰσθητικὸν
οὐκ ἔστιν τοῦ δ αἰσθητικοῦ χωρίζεται τὸ θρεπτικὸν ἐν τοῖς φυτοῖς
Eacute claro que poderia da mesma maneira haver entatildeo um enunciado uacutenico tanto de
figura como de alma Pois nem no primeiro caso existe figura aleacutem do triacircngulo e
daquelas que o sucedem nem neste caso existe alma aleacutem das mencionadas A
respeito das figuras tambeacutem eacute possiacutevel formular um enunciado comum que se aplique
a todas sem ser proacuteprio a nenhuma e o mesmo ocorre com as almas mencionadas Por
isso tanto neste como em outros casos eacute ridiacuteculo procurar um enunciado comum ndash
pois a nenhum dos seres seraacute um enunciado proacuteprio nem estaraacute de acordo com a
forma apropriada e indivisiacutevel ndash deixando-se de lado o enunciado deste tipo (E as
coisas concernentes agrave alma estatildeo em situaccedilatildeo parecida agravequela das figuras pois tanto
no caso das figuras como no caso dos seres animados o anterior sempre subsiste
naquilo que o sucede por exemplo o triacircngulo no quadrado o poder de nutrir-se no
de perceber) Assim deve ser investigado de acordo com cada caso o que eacute a alma
de cada um ndash por exemplo o que eacute a alma da planta do homem ou da besta E deve
ser examinado a causa de ser disposto assim em sucessatildeo Pois sem a nutritiva natildeo
existe a capacidade perceptiva embora nas plantas a nutritiva exista separada da
perceptiva DA II 3 414b20-415a6 (Trad Gomes dos Reis)
A analogia entre figura do triacircngulo e a alma vegetativa permite esclarecer qual a
relaccedilatildeo de sucessatildeo entre uma capacidade e outra O triacircngulo eacute a figura geomeacutetrica plana
mais baacutesica de todas A composiccedilatildeo de dois triacircngulos forma um quadrilaacutetero A composiccedilatildeo
de trecircs triacircngulos forma um pentaacutegono e assim sucessivamente Ou seja da mesma maneira
que o triacircngulo subsiste em potecircncia no quadrilaacutetero e este no pentaacutegono a nutriccedilatildeo subsiste
em potecircncia na percepccedilatildeo e esta no intelecto Portanto se a capacidade nutritiva eacute proacutepria agrave
vida vegetativa a perceptiva agrave animal e a intelectiva agrave humana entatildeo igualmente a vida
vegetativa subsiste na animal e a animal na humana Sendo assim da mesma maneira que se
faz necessaacuteria uma definiccedilatildeo proacutepria ao triacircngulo ao quadrilaacutetero e ao pentaacutegono deve-se
buscar um enunciado proacuteprio a cada uma dessas formas de vida para que se sustente como a
alma eacute princiacutepio de cada tipo de vida e natildeo somente da vida em geral Pois um enunciado que
decirc a noccedilatildeo da alma que cubra todas as formas de vida mas que natildeo toque particularmente em
uma natildeo cumpre seu fim argumentativo que eacute explicar a razatildeo da alma ser causa de vida no
ser vivente como se segue
ὅτι μὲν οὖν ὁ περὶ τούτων ἑκάστου λόγος οὗτος οἰκειότατος καὶ περὶ ψυχῆς δῆλον
Eacute claro entatildeo que o enunciado de cada uma destas capacidades eacute tambeacutem o mais
apropriado a respeito da alma DA II 3 415a13-14 (Trad Gomes dos Reis)
Levando-se em conta que Aristoacuteteles se dedicaraacute em todo o restante do De Anima
investigando cada uma das capacidades e seus desdobramentos para uma noccedilatildeo de alma
37
podemos ser levados a crer que Aristoacuteteles elege este como o melhor criteacuterio para uma
definiccedilatildeo de alma
Haacute portanto um grande problema a ser encarado aqui que consiste na resposta a uma
das questotildees elencadas em DA I 145
a saber se eacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma enquanto
tal ou uma para cada tipo de ser vivente Pelo caminho que segue a discussatildeo tende-se a uma
resposta de que seraacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma para cada forma de vida Entretanto
Aristoacuteteles jaacute problematizara se mesmo que haja uma noccedilatildeo uacutenica para catildees cavalos e
homens a de animal esta noccedilatildeo uacutenica eacute universal posterior anterior ou nada em relaccedilatildeo aos
itens
Seguindo o texto de DA II 3 a nutriccedilatildeo eacute a capacidade sobre a qual se erguem todas as
outras ateacute a capacidade de pensamento Dado que um corpo eacute dotado de nutriccedilatildeo e portanto
vivente por causa da alma e a seu turno dado que a alma eacute forma e atualidade primeira do
corpo e portanto princiacutepio organizador das capacidades que denotam o viver novamente a
definiccedilatildeo pela forma sustenta ontologicamente a definiccedilatildeo pelas capacidades e por
concomitacircncia a definiccedilatildeo seriada
Assim a criacutetica que Aristoacuteteles faz agrave noccedilatildeo mais geral de alma enunciada em DA II 1
natildeo eacute razatildeo suficiente para seu descarte no seu projeto psicoloacutegico Com efeito se a noccedilatildeo de
alma como forma eacute insuficiente para explicar por que a alma eacute princiacutepio de vida em cada tipo
de ser vivente como sustentado ao iniacutecio de DA II 2-3 ela eacute justamente a noccedilatildeo ontoloacutegica
para que responde pela sua atualidade e determinaccedilatildeo das propriedades relevantes do ser deste
corpo dotado de oacutergatildeos Assim se as noccedilotildees de alma como forma e princiacutepio das capacidades
satildeo intercambiantes como argumentei anteriormente e se a definiccedilatildeo estaacute diretamente
atrelada agrave hierarquia dessas capacidades entatildeo a proacutepria noccedilatildeo de alma seriada depende
logicamente da noccedilatildeo de alma como forma Sendo assim o enunciado geral eacute redimensionado
em DA II 3 pela disposiccedilatildeo seriada da alma a um princiacutepio loacutegico-ontoloacutegico mediante o qual
esta ciecircncia comum a muitas coisas pode se realizar
45 εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον
ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν
ἄλλο κατηγοροῖτο Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma uacutenica
definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a de cavalo catildeo homem
divindade sendo neste caso o animal considerado universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo
ocorrendo para qualquer outro atributo comum que for predicadordquo DA I 1 402b4-9 (Trad Gomes dos Reis)
38
3 CONCLUSAtildeO
Como se apresentou nesta monografia Aristoacuteteles enuncia sua noccedilatildeo de alma em
momentos distintos Um primeiro a partir da discussatildeo com as teses predecessoras Nela o
que se conquista eacute que a alma eacute imoacutevel e origem de movimento nos seres viventes Depois
atraveacutes de um enunciado geral para os diversos tipos de vida que a define como forma do
corpo Um terceiro que enuncia a alma como causa de vida e a define como princiacutepio das
capacidades que denotam o viver E por fim um quarto enunciado que a apresenta como
disposta em seacuterie ordenada segundo suas capacidades Na medida que o enunciado geral se
mostra insuficiente para o projeto psicoloacutegico traccedilado e as outras definiccedilotildees parecem melhor
corresponder a este objetivo a unidade enunciativa entre as diversas definiccedilotildees aparenta ser
vulneraacutevel Natildeo por menos como foi abordado ao longo deste texto tende-se a salientar uma
das definiccedilotildees e desconsiderar a outra Esta natildeo parece ser a interpretaccedilatildeo que melhor
compreenda a psicologia aristoteacutelica Como argumentado observar a definiccedilatildeo pelas
capacidades sem a definiccedilatildeo pela forma esvazia ontologicamente a noccedilatildeo de que a alma eacute
princiacutepio de vida A alma como forma do corpo eacute o enunciado mediante o qual a garante
como atualidade primeira e portanto princiacutepio das caracteriacutesticas e funccedilotildees proacuteprias ao ser
vivente Por outro lado como o proacuteprio Aristoacuteteles enuncia a definiccedilatildeo pela forma daacute uma
noccedilatildeo que abarca todas as formas de vida mas natildeo enuncia a alma como causa do viver nem
que as diversas almas satildeo dispostas em seacuterie ordenada Satildeo nestes dois pontos que a definiccedilatildeo
pela capacidade se torna igualmente relevante para o projeto psicoloacutegico aristoteacutelico Sem ela
seriam inviaacuteveis todos os outros capiacutetulos nos quais Aristoacuteteles enuncia discorre e formula a
atividade das capacidades proacuteprias ao ser vivo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo imaginaccedilatildeo intelecto e
movimento segundo deslocamento Por estas razotildees uma interpretaccedilatildeo que conjugue as duas
definiccedilotildees no interior do projeto psicoloacutegico aristoteacutelico parece ser a que contemple melhor o
horizonte teoacuterico que a investigaccedilatildeo erige
Haacute um alguns aspectos que esta monografia deixa pelo caminho Na seccedilatildeo 1 Taacutebua de
Definiccedilatildeo foram elencados os diversos elementos de definiccedilatildeo da alma e como se faria a
inquiriccedilatildeo O primeiro grupo foi respondido ao longo da seccedilatildeo 2 A Noccedilatildeo de Alma mas o
segundo natildeo O segundo grupo de elementos da taacutebua seraacute dissertado por Aristoacuteteles nos
capiacutetulos posteriores ao DA II 3 quando ele se debruccedila sobre cada uma das capacidades
Como esta monografia pretende abordar apenas as definiccedilotildees sem dar interpretaccedilatildeo total do
tratado entatildeo soacute pode responder parte da taacutebua das definiccedilotildees Aleacutem disso a interpretaccedilatildeo das
definiccedilotildees de um modo consistente precisaria ser verificada na sua aplicaccedilatildeo sobre o restante
39
do tratado Em outras palavras eacute preciso verificar se esta interpretaccedilatildeo dificulta ou facilita a
interpretaccedilatildeo das outras teses da psicologia aristoteacutelica por exemplo a tese da percepccedilatildeo que eacute
definida como a recepccedilatildeo das formas sem mateacuteria Nas interpretaccedilotildees de Polanski e Diamond
comentadores paradigmaacuteticos para a abordagem adotada a coordenaccedilatildeo dos enunciados
definitoacuterios daacute conta das diversas formulaccedilotildees de capacidades e suas funcionalidades ao longo
do tratado Fico devendo portanto explicitar como a posiccedilatildeo que assumo se aplica nas
diversas capacidades enunciadas pelo Aristoacuteteles
Com isso conclui-se este trabalho com a compreensatildeo que ele eacute limitado Haacute nele
problemas proacuteprios agrave interpretaccedilatildeo de um texto conciso e arrojado como eacute o De Anima
Ainda assim espera-se que os erros ou imprecisotildees eventuais natildeo comprometam seu escopo
exegeacutetico Espera-se tambeacutem que esta monografia possa se converter em trabalhos futuros que
fomente a discussatildeo relativa ao De Anima no contexto filosoacutefico brasileiro Da mesma forma
que ela foi provocada pela traduccedilatildeo e comentaacuterios da Professora Doutora Maria Ceciacutelia
Gomes dos Reis Se este trabalho for bem sucedido nessas pretensotildees jaacute teraacute cumprido sua
funccedilatildeo
40
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12
APRESENTACcedilAtildeO
O De Anima eacute o tratado no qual Aristoacuteteles investiga a natureza da alma e como ela eacute
causa de vida nos seres viventes Para esse fim Aristoacuteteles discute com aqueles que trataram
do assunto antes dele enuncia a sua proacutepria noccedilatildeo de alma e por fim como esta noccedilatildeo
explica cada uma das capacidades que denotam o viver Para dar conta deste projeto
psicoloacutegico Aristoacuteteles elabora sua noccedilatildeo em trecircs grandes momentos O primeiro em De
Anima I 2-5 Aristoacuteteles levanta as endoacutexai dos seus predecessores discutindo a validade de
suas teses e apontando o que considera inconsistente Como resultado disso Aristoacuteteles
sustenta que a alma eacute um princiacutepio imoacutevel de movimento nos seres viventes e uma unidade
Mas eacute soacute no segundo momento em DA II 1-3 que Aristoacuteteles enuncia em seus proacuteprios
termos o que considera ser a alma Por fim num terceiro momento a partir de DA II 4
Aristoacuteteles teoriza sobre cada uma das capacidades da alma
Nesta monografia proponho me debruccedilar sobre a noccedilatildeo de alma presente no DA II 1-
3 Como veremos em DA I 1 satildeo elencadas as aporias proacuteprias agrave investigaccedilatildeo e definiccedilatildeo da
alma A partir daiacute Aristoacuteteles apresenta gradualmente a sua proacutepria noccedilatildeo de alma ao longo
do De Anima Especificamente em DA II 1 e 2 satildeo enunciadas duas definiccedilotildees uma definiccedilatildeo
pela forma e outra pela capacidade A primeira caracteriza a alma como forma do corpo
enquanto a segunda atribui agrave alma o princiacutepio das capacidades que denotam vida Enquanto a
definiccedilatildeo pela forma nos oferece uma noccedilatildeo geral que enuncia o gecircnero de ser da alma a
definiccedilatildeo pela capacidade explica como a alma eacute princiacutepio de vida Entretanto haacute um terceiro
enunciado em DA II 3 que parece eliminar a validade da definiccedilatildeo pela forma e validar apenas
a definiccedilatildeo pela capacidade Trata-se da definiccedilatildeo seriada segundo a qual haacute diversos tipos de
alma que se dispotildeem em uma seacuterie hierarquicamente ordenada na qual a anterior subsiste na
posterior mas natildeo o contraacuterio Aristoacuteteles declara que a definiccedilatildeo pela forma enquanto uma
noccedilatildeo geral de alma eacute absurda Pois ela natildeo explica os tipos de alma e a causa de se disporem
em sucessatildeo Isto levou uma seacuterie de comentadores a compreenderem a definiccedilatildeo pela
capacidade como a noccedilatildeo aniacutemica de Aristoacuteteles jaacute que ela enunciaria os tipos de alma em
disposiccedilatildeo seriada
Diante disso argumento que a definiccedilatildeo pela forma eacute tatildeo relevante para a noccedilatildeo de
alma quanto a noccedilatildeo pela capacidade Como se veraacute na seccedilatildeo 2a) a definiccedilatildeo pela forma faz
da alma a atualidade primeira do corpo e princiacutepio de determinaccedilatildeo das funccedilotildees vitais Como
consequecircncia do seu caraacuteter atual a alma eacute aquilo a partir do qual as capacidades se dispotildeem
no corpo Ao entrarem em atividade atraveacutes dos oacutergatildeos do corpo elas se atualizam Neste
13
sentido tanto a definiccedilatildeo pela forma quanto a definiccedilatildeo pela capacidade satildeo mutuamente
necessaacuterias para uma noccedilatildeo de alma que atenda ao projeto psicoloacutegico aristoteacutelico
Para tanto apresento na primeira seccedilatildeo o horizonte conceitual e teoacuterico mediante o
qual Aristoacuteteles investiga a alma Atraveacutes das vaacuterias aporiacuteai elencadas em DA I 1 se delimita
tanto o fim que a investigaccedilatildeo persegue quanto a seus limites conceituais de teorizaccedilatildeo Em
seguida trato das endoxai presentes em DA I 2-5 como recurso metodoloacutegico para se extrair
das teses predecessoras algumas noccedilotildees miacutenimas sobre a alma Na seccedilatildeo seguinte abordo as
trecircs noccedilotildees jaacute apresentadas acima Como se veraacute ao iniacutecio de DA I 1 e 2 Aristoacuteteles ainda faz
duas revisotildees metodoloacutegicas deixando bem claro qual aspecto da investigaccedilatildeo se objetiva
tratar Especificamente em 2a) sobre DA II 1 remonto o argumento que resulta na definiccedilatildeo
pela forma comentando qual sua implicaccedilatildeo ontoloacutegica para a alma e como ela se desdobra
nas noccedilotildees aniacutemicas de atualidade primeira e princiacutepio de determinaccedilatildeo Em seguida
apresento a definiccedilatildeo pelas capacidades como princiacutepio de vida em DA II 2 Com isso indico
como a noccedilatildeo de vida e alma estatildeo associadas e como Aristoacuteteles argumenta para uma ser
evidecircncia da outra fazendo desta a causa daquela Adiante apresento a definiccedilatildeo seriada em
DA II 3 e como ela potildee em crise a definiccedilatildeo pela forma Por fim explicito como muitos
comentadores se localizaram em meio ao problema e argumento como as trecircs definiccedilotildees estatildeo
em uma unidade conceitual na qual todas satildeo relevantes para o projeto psicoloacutegico de
Aristoacuteteles
14
1 A TAacuteBUA DA DEFINICcedilAtildeO
A fim de apresentar os problemas proacuteprios ao estudo da alma e delimitar seu campo de
investigaccedilatildeo Aristoacuteteles apresenta em DA I 1 uma taacutebua de definiccedilatildeo onde elenca os
elementos para definir a alma e a abordagem para a sua pesquisa Primeiro Aristoacuteteles
circunscreve em que paracircmetros conceituais a noccedilatildeo se estabelece Em seguida se apresenta o
meacutetodo que orienta a busca por esse enunciado Deste modo os elementos de definiccedilatildeo que
compotildeem a lista satildeo o gecircnero de ser da alma1 o seu modo de ser
2 e por fim sua unidade
3 Jaacute
como abordagem decide-se pela ordem loacutegica da definiccedilatildeo4 para se analisar a independecircncia
das suas partes5 de modo a determinar o primeiro passo a se investigar em cada uma e
finalmente conhecer sobre a sua separabilidade6
Logo ao iniacutecio de De Anima I 1 Aristoacuteteles enuncia qual o objetivo geral de
seu projeto investigativo
ἐπιζητοῦμεν δὲ θεωρῆσαι καὶ γνῶναι τήν τε φύσιν αὐτῆς καὶ τὴν οὐσίαν εἶθ ὅσα
συμβέβηκε περὶ αὐτήν ὧν τὰ μὲν ἴδια πάθη τῆς ψυχῆς εἶναι δοκεῖ τὰ δὲ δι ἐκείνην
καὶ τοῖς ζῴοις ὑπάρχειν
Buscamos considerar e conhecer sua natureza e substacircncia bem como todos os seus
atributos dentre os quais uns parecem ser afecccedilotildees proacuteprias da alma enquanto outros
parecem subsistir nos animais graccedilas a ela DA I 1 402a7-10 (Trad Gomes dos Reis)
Investigar a natureza (phyacutesis) da alma consiste em pesquisar seu gecircnero de ser Jaacute
conhecer sua substacircncia (ousiacutea) eacute conhecer seus atributos (symbeacutebekos) as caracteriacutesticas que
1 πρῶτον δ ἴσως ἀναγκαῖον διελεῖν ἐν τίνι τῶν γενῶν καὶ τί ἐστι λέγω δὲ πότερον τόδε τι καὶ οὐσία ἢ ποιὸν ἢ
ποσόν ἢ καί τις ἄλλη τῶν διαιρεθεισῶν κατηγοριῶν ldquoEm todo caso eacute preciso decidir primeiro a qual dos
gecircneros a alma pertence e o que eacute ndash quero dizer se ela eacute algo determinado e substacircncia ou se eacute uma qualidade
uma quantidade ou mesmo alguma outra das categorias jaacute distinguidasrdquo DA I 1 402a22-25 (Trad de Gomes dos
Reis) 2 ἔτι δὲ πότερον τῶν ἐν δυνάμει ὄντων ἢ μᾶλλον ἐντελέχειά τις ldquoe ainda se estaacute entre os seres em potecircncia ou
antes se eacute uma certa atualidaderdquo DA I 1 402a27 (Trad de Gomes dos Reis) 3 σκεπτέον δὲ καὶ εἰ μεριστὴ ἢ ἀμερής καὶ πότερον ὁμοειδὴς ἅπασα ψυχὴ ἢ οὔ εἰ δὲ μὴ ὁμοειδής πότερον εἴδει
διαφέρουσα ἢ γένει ldquoEacute preciso examinar tambeacutem se ela eacute divisiacutevel em partes ou natildeo e se toda e qualquer alma eacute
de mesma forma e no caso de natildeo ser de mesma forma se a diferenccedila eacute de espeacutecie ou de gecircnerordquo DA I 1
402b1-3 (Trad de Gomes dos Reis) 4 εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον
ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν
ἄλλο κατηγοροῖτο ldquoEacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma uacutenica
definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a de cavalo catildeo homem
divindade sendo neste caso o animal considerado universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo
ocorrendo para qualquer outro atributo comum que for predicadordquo DA I 1 402b4-9 (Trad de Gomes dos Reis) 5 ἔτι δέ εἰ μὴ πολλαὶ ψυχαὶ ἀλλὰ μόρια πότερον δεῖ ζητεῖν πρότερον τὴν ὅλην ψυχὴν ἢ τὰ μόρια χαλεπὸν δὲ
καὶ τούτων διορίσαι ποῖα πέφυκεν ἕτερα ἀλλήλων καὶ πότερον τὰ μόρια χρὴ ζητεῖν πρότερον ἢ τὰ ἔργα αὐτῶν
ldquoAleacutem disso no caso de serem muitas as partes e natildeo as almas deve-se primeiro investigar a alma como um
todo ou suas partes Tambeacutem eacute difiacutecil definir quais dentre estas satildeo por natureza distintas entre si e se eacute uacutetil
investigar primeiro as partes ou suas funccedilotildeesrdquo DA I 1 402b9-12 (Trad de Gomes dos Reis) 6 ἀπορίαν δ ἔχει καὶ τὰ πάθη τῆς ψυχῆς πότερόν ἐστι πάντα κοινὰ καὶ τοῦ ἔχοντος ἢ ἔστι τι καὶ τῆς ψυχῆς ἴδιον
αὐτῆς ldquoHaacute ainda a dificuldade de saber se as afecccedilotildees da alma satildeo todas comuns agravequilo que possui alma ou se
haacute tambeacutem alguma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma tatildeo somenterdquo DA I 1 403a3-5 (Trad de Gomes dos Reis)
15
nos datildeo uma noccedilatildeo da alma segundo suas afecccedilotildees (patheacute) Entre os seus atributos alguns
parecem ser exclusivamente afecccedilotildees da alma jaacute outros parecem ser comuns agrave alma e ao
corpo portanto atributos um ser animado (zoacuteois) Por afecccedilatildeo devemos compreender a
determinaccedilatildeo na mateacuteria (loacutegoi eacutenyloi)7 de maneira que os atributos da alma e do corpo seratildeo
comuns a ambos Jaacute a afecccedilatildeo proacutepria agrave alma eacute a que natildeo se daacute pela determinaccedilatildeo na mateacuteria
mas por si mesma Entre os atributos da alma a capacidade de pensamento parece ser a que
atende esse requisito A menos poreacutem que dependa de imagens para sua atividade Assim
nem mesmo o pensamento seria uma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma8 Em suma a investigaccedilatildeo da
alma consiste em saber sua natureza sua essecircncia e as afecccedilotildees que lhe satildeo atribuiacutedas sejam
elas proacuteprias ou comuns ao corpo no qual ela se instancia
Aristoacuteteles parte entatildeo para o primeiro elemento da definiccedilatildeo a se estabelecer
πρῶτον δ ἴσως ἀναγκαῖον διελεῖν ἐν τίνι τῶν γενῶν καὶ τί ἐστι λέγω δὲ πότερον τόδε
τι καὶ οὐσία ἢ ποιὸν ἢ ποσόν ἢ καί τις ἄλλη τῶν διαιρεθεισῶν κατηγοριῶν
Em todo caso eacute preciso decidir primeiro a qual dos gecircneros a alma pertence e o que eacute
ndash quero dizer se ela eacute algo determinado e substacircncia ou se eacute uma qualidade uma
quantidade ou mesmo alguma outra das categorias jaacute distinguidas DA I 1 402a22-25
(Trad de Gomes dos Reis)
O primeiro dos pressupostos sobre os quais se deveraacute responder eacute o gecircnero de ser da
alma Filopono9 comenta que Aristoacuteteles tem em vista platocircnicos pitagoacutericos e Xenoacutecrates
para os quais a alma eacute substacircncia harmonia e nuacutemero respectivamente Nas Categorias10
7 εἰ δ οὕτως ἔχει δῆλον ὅτι τὰ πάθη λόγοι ἔνυλοί εἰσιν ldquoSe assim eacute as afecccedilotildees satildeo evidentemente formas
implicadas na mateacuteriardquo DA I 1 403a24 (Trad Gomes dos Reis) 8 εἰ δ ἐστὶ καὶ τοῦτο φαντασία τις ἢ μὴ ἄνευ φαντασίας οὐκ ἐνδέχοιτ ἂν οὐδὲ τοῦτ ἄνευ σώματος εἶναιldquoNatildeo
obstante se tambeacutem o pensar eacute um tipo de imaginaccedilatildeo ou se ele natildeo pode ocorrer sem a imaginaccedilatildeo entatildeo nem
mesmo o pensar poderia existir sem o corpordquo DA I 1 403a8-10 (Trad Gomes dos Reis) 9 ὧν ἐστι καὶ Ξενοκράτης ἀριθμὸς γάρ φησί κινῶν ἑαυτόν ἐστιν ἡ ψυχή ὁ δὲ ἀριθμὸς ὑπὸ τὸ ποσόν εἰ δὴ
τοῦτο ἔλεγεν ἐκεῖνος καὶ μὴ ἄλλο τι διὰ τούτου ᾐνίττετο οἱ δὲ ὑπὸ τὸ ποιόν ὧν εἰσιν καὶ οἱ ἰατροὶ κρᾶσιν εἶναι
λέγοντες τοιοῦτοι δ ἂν εἶεν καὶ οἱ ἐντελέχειαν λέγοντες τοιαύτην μαθησόμεθα γάρ πῶς φησιν αὐτὴν
ἐντελέχειαν ὁ Ἀριστοτέλης οἱ δὲ λόγον λέγοντες τῶν στοιχείων δόξαιεν ἂν ὑπὸ τὸ πρός τι ἀνάγειν τὸ γὰρ
διπλάσιον ἢ ἡμιόλιον ὑπὸ τὸ πρός τι τινὸς γὰρ διπλάσιον ἀμφίβολον οὖν τέως τὸ γένος ldquoAlguns a classificam
sob o tiacutetulo de substacircncia outros sob quantidade Dentre eles Xenoacutecrates que afirma que a alm eacute o nuacutemero
movendo por si mesmo e o nuacutemero eacute dado sob quantidade se for isto que ele quer dizer ao inveacutes de algo
distinto do que por essas palavras ele se refere obscuramente Outros dizem que isto pertence a qualidade Em
meio a isto estatildeo os meacutedicos que dizem que eacute a mistura dentre os quais haacute tambeacutem os que dizem que eacute uma
atualidade pois aprenderemos com Aristoacuteteles chama a alma de atualidade Aqueles que dizem que eacute uma
proporccedilatildeo dos elementos pareceriam entitulaacute-la sob a ltcategoria dogt relativo pelo duplo ou a metade
pertencerem agrave categoria do relativo pois o duplo eacute de algo Assim sendo entatildeo o gecircnero permanece
controversordquo PHILOPONUS Com DA 32 32 ndash 337 (Trad da traduccedilatildeo de P J Eijk) 10Οὐσία δέ ἐστιν ἡ κυριώτατά τε καὶ πρώτως καὶ μάλιστα λεγομένη ἣ μήτε καθ ὑποκειμένου τινὸς λέγεται μήτε
ἐν ὑποκειμένῳ τινί ἐστιν οἷον ὁ τὶς ἄνθρωπος ἢ ὁ τὶς ἵππος δεύτεραι δὲ οὐσίαι λέγονται ἐν οἷς εἴδεσιν αἱ
πρώτως οὐσίαι λεγόμεναι ὑπάρχουσιν ταῦτά τε καὶ τὰ τῶν εἰδῶν τούτων γένη ldquoSubstacircncia entendida em
sentido proacuteprio primeiro e supremo eacute a que natildeo se predica de um sujeito e natildeo existe nalgum sujeito por
exemplo um homem um cavalo Substacircncias segundas satildeo as formas (ou espeacutecies) nas quais estatildeo incluiacutedas as
que satildeo ditas substacircncias primeiras e tambeacutem os gecircneros destasrdquo Cat 5 2a11 (Trad Lucas Angioni)
16
Aristoacuteteles compreende a substacircncia primeira como entes particulares enquanto o gecircnero e
forma satildeo substacircncias segundas Sabe-se que Aristoacuteteles inverte esta noccedilatildeo de substacircncia em
Metafiacutesica Z onde substacircncia primeira eacute identificada com a forma11
que eacute priorizada em
relaccedilatildeo ao composto e agrave mateacuteria Portanto as noccedilotildees de substacircncia quantidade e qualidade
que Aristoacuteteles trabalha na definiccedilatildeo de alma no DA I 1 estariam mais proacuteximas das Cat que
da Met Z Eacute o que somos levados a acreditar se considerarmos que esta mesma formulaccedilatildeo
ocorre mais adiante em DA I 5 410a16-2112
Nesta e naquela passagem Aristoacuteteles quer saber
se a alma eacute uma substacircncia particular e determinada ou seja um objeto de predicaccedilatildeo que natildeo
se predica de outrem
Passemos para o segundo elemento que deve estar presente numa definiccedilatildeo de alma
ἔτι δὲ πότερον τῶν ἐν δυνάμει ὄντων ἢ μᾶλλον ἐντελέχειά τις
e ainda se estaacute entre os seres em potecircncia ou antes se eacute uma certa atualidade DA I
1 402a27 (Trad de Gomes dos Reis)
A diferenccedila que os conceitos de potecircncia (dyacutenamis) e atualidade (entelekheacuteia) fazem eacute
sobre o estatuto material ou formal da alma Pois se a alma for de natureza material entatildeo eacute
em potecircncia e sujeita ao movimento Entretanto se for de natureza formal seraacute uma certa
atualidade e princiacutepio de determinaccedilatildeo e atividade Gomes dos Reis13
observa que atualidade
eacute colocada em termos vagos (ldquouma certa atualidaderdquoenteleacutekheia tiacutes) o que indica que soacute faz
sentido falar em atualidade enquanto forma especiacutefica quando instanciada em uma mateacuteria de
um tipo uma alma x que se instancia em um corpo de um tipo x
Outro elemento de definiccedilatildeo da alma eacute sua unidade
σκεπτέον δὲ καὶ εἰ μεριστὴ ἢ ἀμερής καὶ πότερον ὁμοειδὴς ἅπασα ψυχὴ ἢ οὔ εἰ δὲ
μὴ ὁμοειδής πότερον εἴδει διαφέρουσα ἢ γένει
Eacute preciso examinar tambeacutem se ela eacute divisiacutevel em partes ou natildeo e se toda e qualquer
alma eacute de mesma forma e no caso de natildeo ser de mesma forma se a diferenccedila eacute de
espeacutecie ou de gecircnero DA I 1 402b1-3 (Trad de Gomes dos Reis)
11 ἕκαστόν τε γὰρ οὐκ ἄλλο δοκεῖ εἶναι τῆς ἑαυτοῦ οὐσίας καὶ τὸ τί ἦν εἶναι λέγεται εἶναι ἡ ἑκάστου
οὐσίαldquoCom efeito a coisa individual natildeo parece ser diferente da proacutepria substacircncia e dizemos que a essecircncia eacute
justamente a substacircncia da coisa individualrdquo Met Z 6 1031ordf17-18 (Trad Giovanni Reale)
εἶδος δὲ λέγω τὸ τί ἦν εἶναι ἑκάστου καὶ τὴν πρώτην οὐσίαν ldquoPor forma entendo a essecircncia de cada coisa e sua
substacircncia primeirardquo Met Z 7 1032b1-2 (Trad Giovanni Reale) 12 ἆρ οὖν ὅσα τῶν οὐσιῶν ἐκ τούτων μόνον πῶς οὖν γινώσκει καὶ τῶν ἄλλων ἕκαστον ἢ φήσουσιν ἑκάστου
γένους εἶναι στοιχεῖα καὶ ἀρχὰς ἰδίας ἐξ ὧν τὴν ψυχὴν συνεστάναι ἔσται ἄρα ποσὸν καὶ ποιὸν καὶ οὐσία ἀλλ
ἀδύνατον ἐκ τῶν τοῦ ποσοῦ στοιχείων οὐσίαν εἶναι καὶ μὴ ποσόνldquoOra seraacute a alma composta somente daqueles
elementos que satildeo comuns agraves substacircncias Como entatildeo conhece ainda cada um dos outros Ou se diraacute que haacute
elementos e princiacutepios particulares a cada gecircnero e que a alma eacute constituiacuteda de todos eles A alma seria entatildeo
quantidade qualidade e substacircncia Mas eacute impossiacutevel que a substacircncia seja composta dos elementos da
quantidade e natildeo seja quantidade ela mesmardquo DA I 5 410a16-21 (Trad Gomes dos Reis) 13 2006 148-149
17
Aqui reside um dos problemas mais comprometedores sobre a investigaccedilatildeo
psicoloacutegica aristoteacutelica a) A alma eacute divisiacutevel ou indivisiacutevel b) cada parte da alma teria uma
forma proacutepria c) Caso seja divisiacutevel as almas se diferenciam em gecircnero ou espeacutecie
Segundo Polansky14
Aristoacuteteles resolve esta bateria de problemas supondo que um ser
vivente tem sua proacutepria alma cujas partes correspondam agraves funccedilotildees sendo estas partes
divisiacuteveis pelos tipos de vida (vegetativa animal humana) A divisibilidade das partes se daacute
de acordo com a capacidade aniacutemica que eacute viver segundo uma atividade e se distinguiria em
gecircnero (a vida perceptiva) ou espeacutecie (catildees cavalos e homem) Isto que garantiraacute a
indivisibilidade da alma ao longo dos tipos de vida segundo suas capacidades Assim
Aristoacuteteles consegue ter um enunciado formal que garanta a unidade geneacuterica fazendo dos
tipos de vida como espeacutecies de seres vivos e as capacidades suas diferenccedilas especiacuteficas
Definido isto deve-se inquirir sobre a amplitude da definiccedilatildeo
εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ
καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι
οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν ἄλλο κατηγοροῖτο
Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma
uacutenica definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a
de cavalo catildeo homem divindade sendo neste caso o animal considerado
universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo ocorrendo para qualquer outro
atributo comum que for predicado DA I 1 402b4-9 (Trad de Gomes dos Reis)
Ateacute aqui Aristoacuteteles se debruccedilava sobre os elementos que devem compor a definiccedilatildeo
de alma Daqui adiante a questatildeo passa a ser qual a abordagem de pesquisa para se formular
esta definiccedilatildeo E um primeiro ponto se refere agrave abrangecircncia da definiccedilatildeo Dado que a alma
pode ter partes sendo estas partes divisiacuteveis ou natildeo a definiccedilatildeo deve ser geral e abranger todo
gecircnero de alma ou deve haver uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie de alma Para Polansky15
a
existecircncia de gecircneros eacute questionaacutevel pois parecem ser universais Noacutes natildeo encontramos um
universal tal qual Soacutecrates e Caacutelias pois estes satildeo particulares Tambeacutem natildeo encontramos um
gecircnero de alma tal qual catildees e cavalos pois estes satildeo espeacutecies Deste modo uma definiccedilatildeo
geneacuterica ofereceria apenas uma noccedilatildeo comum segundo as espeacutecies de alma sem
necessariamente enunciar suas as espeacutecies Portanto esta questatildeo contrasta duas noccedilotildees de
definiccedilatildeo da alma a particular (kathrsquo hekaacutesten) e universal (tograve kathoacutelou) Esta tensatildeo
enunciada aqui persistiraacute nas questotildees posteriores ainda neste capiacutetulo mas se evidenciaraacute
mais fortemente nos enunciados de alma presentes em DA II 1-3 Em siacutentese o problema
consiste em saber se a definiccedilatildeo de alma deve ser pelo seu gecircnero ou sua espeacutecie
14 2007 34-35 15 2008 45
18
ἔτι δέ εἰ μὴ πολλαὶ ψυχαὶ ἀλλὰ μόρια πότερον δεῖ ζητεῖν πρότερον τὴν ὅλην ψυχὴν ἢ
τὰ μόρια χαλεπὸν δὲ καὶ τούτων διορίσαι ποῖα πέφυκεν ἕτερα ἀλλήλων καὶ πότερον
τὰ μόρια χρὴ ζητεῖν πρότερον ἢ τὰ ἔργα αὐτῶν
Aleacutem disso no caso de serem muitas as partes e natildeo as almas deve-se primeiro
investigar a alma como um todo ou suas partes Tambeacutem eacute difiacutecil definir quais dentre
estas satildeo por natureza distintas entre si e se eacute uacutetil investigar primeiro as partes ou
suas funccedilotildees DA I 1 402b9-12 (Trad de Gomes dos Reis)
Na medida em que a alma eacute composta de partes que correspondem agraves suas
capacidades se decide se a investigaccedilatildeo abordaraacute primeiramente suas partes ou a alma como
um todo aleacutem de como investigar a capacidade ou a funccedilatildeo caso as capacidades sejam
distintas Ou seja eacute preciso decidir se a investigaccedilatildeo se inicia pela percepccedilatildeo ou pelo animal
ἀπορίαν δ ἔχει καὶ τὰ πάθη τῆς ψυχῆς πότερόν ἐστι πάντα κοινὰ καὶ τοῦ ἔχοντος ἢ
ἔστι τι καὶ τῆς ψυχῆς ἴδιον αὐτῆς
Haacute ainda a dificuldade de saber se as afecccedilotildees da alma satildeo todas comuns agravequilo que
possui alma ou se haacute tambeacutem alguma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma tatildeo somente DA I 1
403a3-5 (Trad de Gomes dos Reis)
Apoacutes uma exaustiva exposiccedilatildeo do que deve compor a definiccedilatildeo de alma
Aristoacuteteles elenca o uacuteltimo requisito de sua investigaccedilatildeo o grau de separabilidade da alma ou
de alguma de suas partes As capacidades de movimento reproduccedilatildeo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo e
imaginaccedilatildeo parecem ter sua ocorrecircncia no composto de corpo e alma que eacute o ser vivente
Entretanto haacute na teoria aristoteacutelica do intelecto sua face passiva e ativa conforme formulou a
tradiccedilatildeo sendo a ativa de natureza separada e imortal16
Isto faria desta parte do intelecto uma
afecccedilatildeo proacutepria da alma sem ocorrecircncia conjunta com o corpo Filopono17
comenta que este eacute
um problema determinante para a composiccedilatildeo da definiccedilatildeo de alma Se a alma tem afecccedilotildees
proacuteprias e separadas do corpo a definiccedilatildeo dispensaraacute o corpo de seu enunciado Se pelo
contraacuterio as afecccedilotildees aniacutemicas tecircm ocorrecircncia corpoacuterea entatildeo a definiccedilatildeo de alma deve
conter o corpo em seu enunciado
O que se conquista enfim com esta taacutebua de definiccedilatildeo em De Anima I 1 Que
investigar a natureza da alma eacute responder a seu gecircnero de ser o que implica em saber se a
16χωρισθεὶς δ ἐστὶ μόνον τοῦθ ὅπερ ἐστί καὶ τοῦτο μόνον ἀθάνατον καὶ ἀΐδιον ldquoSomente isto [o intelecto]
quando separado eacute propriamente o que eacute e somente isto eacute imortal e eternordquo DA III 5 (Trad Gomes dos Reis) 17 εἰ μὲν οὖν ὡς ὀργάνῳ χρῆται τῷ σώματι ἰδίᾳ ἔχουσα τὰς ἐνεργείας οὐ δεῖ προσχρήσασθαι τῷ σώματι πρὸς
τὸν ὁρισμόν οὐ γὰρ συμπληροῖ τὴν οὐσίαν τοῦ τέκτονος τὸ σκέπαρνον εἰ δὲ ἐν τῷ σώματι ἔχει τὸ εἶναι ὡς
εἶναι τὰς ἐνεργείας τοῦ συναμφοτέρου ἀνάγκη προσχρήσασθαι ἐν τῷ ὁρισμῷ τῷ σώματι ὥσπερ ἐπὶ τοῦ θυμοῦ
ἐλέγομεν ἀναγκαία οὖν ἡ τούτων λῆψις οὐκ εὐχερὴς δέ ltπάθηgt δὲ κοινότερον τὰς ἐνεργείας τῆς ψυχῆς
ἐκάλεσε ldquoSe usa o corpo como instrumento e tem suas atividades peculiares a si mesmo natildeo haacute qualquer
necessidade de se remeter ao corpo na definiccedilatildeo ndash pois um machado natildeo completa a essecircncia de um carpinteiro ndash
mas se a alma tem seu ser no corpo e suas atividades pertencem ao composto eacute necessaacuterio tambeacutem se remeter
ao corpo na definiccedilatildeo tal qual como nos referimos em relaccedilatildeo ao iacutempeto Estabelecer essas coisas entatildeo eacute
necessaacuterio poreacutem natildeo eacute faacutecil Afecccedilatildeo eacute o termo mais geral que ele usa para as atividades da almardquo
PHILOPONUS Com DA 4429-35 (Trad da trad de P J Eijk)
19
alma eacute potencialmente ou em atualidade Isto posto se a alma eacute como uma substacircncia e
portanto una ou separaacutevel e caso seja em partes se satildeo divisiacuteveis ou natildeo Aleacutem disso se a
definiccedilatildeo deve abranger diversos tipos de alma ou se haacute uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie Por
fim se sua investigaccedilatildeo parte das partes ou do todo
20
2 A NOCcedilAtildeO DE ALMA EM ARISTOacuteTELES
A noccedilatildeo de alma em Aristoacuteteles obedece trecircs momentos de elaboraccedilatildeo Um primeiro
ao longo da discussatildeo das endoxai de seus predecessores em DA I 2-5 Em outro quando
argumenta por conceitos metafiacutesicos e formula a noccedilatildeo geral de alma em DA II 1 Aleacutem de
um uacuteltimo a partir de DA II 2 quando se formula uma outra noccedilatildeo de alma pelas
capacidades Esta trajetoacuteria visa (i) levantar as teses que foram elaboradas sobre o assunto
visando extrair certos princiacutepios verdadeiros Com estes princiacutepios (ii) se expotildee a noccedilatildeo
geral Mas esta noccedilatildeo que responde sobre o ser da alma natildeo indica os tipos especiacuteficos de
vida Portanto (iii) eacute preciso inquirir por outra abordagem e provar que a alma eacute princiacutepio das
capacidades que manifestam vida no ser pois atraveacutes dessas capacidades explicamos esses
distintos modos de viver Como se veraacute esta travessia responde agrave taacutebua de definiccedilatildeo de DA I
1 e Aristoacuteteles ara todo o terreno sobre o qual ele ergue sua psicologia
21 A DEFINICcedilAtildeO PELA FORMA
Aristoacuteteles conclui seu levantamento das endoxai em DA I 2-5 com duas noccedilotildees
relativas agrave alma que ela eacute una18
e imoacutevel19
Somente no iniacutecio do livro seguinte em DA II 1
ele apresenta sua noccedilatildeo onde o objetivo traccedilar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos)
que abarque as vaacuterias formas de vida
18 φαίνεται δὲ καὶ τὰ φυτὰ διαιρούμενα ζῆν καὶ τῶν ζῴων ἔνια τῶν ἐντόμων ὡς τὴν αὐτὴν ἔχοντα ψυχὴν τῷ
εἴδει εἰ καὶ μὴ ἀριθμῷ ἑκάτερον γὰρ τῶν μορίων αἴσθησιν ἔχει καὶ κινεῖται κατὰ τόπον ἐπί τινα χρόνον εἰ δὲ
μὴ διατελοῦσιν οὐθὲν ἄτοπον ὄργανα γὰρ οὐκ ἔχουσιν ὥστε σώζειν τὴν φύσιν ἀλλ οὐδὲν ἧττον ἐν ἑκατέρῳ
τῶν μορίων ἅπαντ ἐνυπάρχει τὰ μόρια τῆς ψυχῆς καὶ ὁμοειδῆ ἐστιν ἀλλήλοις καὶ τῇ ὅλῃ ἀλλήλοις μὲν ὡς οὐ
χωριστὰ ὄντα τῇ δ ὅλῃ ψυχῇ ὡς οὐ διαιρετῇ οὔσῃ ἔοικε δὲ καὶ ἡ ἐν τοῖς φυτοῖς ἀρχὴ ψυχή τις εἶναι μόνης γὰρ
ταύτης κοινωνεῖ καὶ ζῷα καὶ φυτά καὶ αὕτη μὲν χωρίζεται τῆς αἰσθητικῆς ἀρχῆς αἴσθησιν δ οὐθὲν ἄνευ ταύτης
ἔχει ldquoEacute manifesto ainda que as plantas ndash e dentre os animais alguns insetos ndash quando secionadas continuam a
viver como se tivessem a mesma alma especificamente ainda que natildeo numericamente pois cada uma das partes
tem sensaccedilatildeo e move-se localmente por algum tempo Se natildeo sobrevivem natildeo resulta em absurdo algum pois
natildeo mantecircm oacutergatildeos aponto de conservar a sua natureza Em cada uma das partes poreacutem estatildeo todas as partes da
alma e nenhuma a menos E elas satildeo da mesma espeacutecie entre si e em relaccedilatildeo agrave alma inteira ndash as diversas partes
satildeo inseparaacuteveis uma das outras embora a alma inteira seja divisiacutevel Parece que o princiacutepio encontrado nas
plantas eacute tambeacutem um certo tipo de alma pois eacute apenas compartilhada por animais e plantas e ela existe
separada do princiacutepio perceptivo embora sem ela nada possa ter percepccedilatildeordquo 411b19-411b30 19ὅτι μὲν οὖν οὔθ ἁρμονίαν οἷόν τ εἶναι τὴν ψυχὴν οὔτε κύκλῳ περιφέρεσθαι δῆλον ἐκ τῶν εἰρημένων ldquoQue a
alma natildeo pode ser harmonia nem locomover-se em ciacuterculo fica claro a partir do que foi ditordquo 408ordf29-30 (Trad
Gomes dos Reis)
ὅτι μὲν οὖν οὐχ οἷόν τε κινεῖσθαι τὴν ψυχήν φανερὸν ἐκ τούτων εἰ δ ὅλως μὴ κινεῖται δῆλον ὡς οὐδ ὑφ
ἑαυτῆς Eacute evidente a partir disso tudo que natildeo eacute possiacutevel que a alma se mova ldquoE se de todo modo natildeo se move eacute
claro tambeacutem que natildeo se move por si mesmardquo 408b30-31 (Trad Gomes dos Reis)
φανερὸν οὖν ἐκ τῶν εἰρημένων ὡς οὔτε τὸ γινώσκειν ὑπάρχει τῇ ψυχῇ διὰ τὸ ἐκ τῶν στοιχείων εἶναι οὔτε τὸ
κινεῖσθαι αὐτὴν καλῶς οὐδ ἀληθῶς λέγεται ldquoEacute manifesto entatildeo a partir do que foi dito que nem o conhecer
subsite na alma por ela ser composta dos elementos nem eacute uma maneira certa ou verdadeira dizer qua a alma eacute
movidardquo 411a24-26 (Trad Gomes dos Reis)
21
Τὰ μὲν δὴ ὑπὸ τῶν πρότερον παραδεδομένα περὶ ψυχῆς εἰρήσθω πάλιν δ ὥσπερ ἐξ
ὑπαρχῆς ἐπανίωμεν πειρώμενοι διορίσαι τί ἐστι ψυχὴ καὶ τίς ἂν εἴη κοινότατος λόγος
αὐτῆς
Tendo dito o suficiente sobre as opiniotildees a respeito da alma fornecida por nossos
predecessores retomemos como que do comeccedilo e tentemos definir o que eacute a alma e
qual seria seu enunciado mais geral 412a1-6 (Trad Gomes dos Reis)
A busca pelo enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) visa uma definiccedilatildeo de alma
comum agraves diversas formas de vida Em meio agrave pluralidade de modos de vida a alma eacute aquilo
a partir do qual essa pluralidade se unifica num gecircnero de ser ndash o dos seres viventes
(empsykhon) Aristoacuteteles compreende que uma noccedilatildeo puramente geneacuterica natildeo explica as
formas especiacuteficas do objeto de estudo Entretanto o enunciado geral responde agrave primeira
parte da taacutebua de definiccedilatildeo como notaremos no decorrer da definiccedilatildeo pela forma que seraacute
enunciada Com eles Aristoacuteteles alicerccedila conceitualmente as outras definiccedilotildees que seratildeo
formuladas nos outros capiacutetulos
Assim entatildeo Aristoacuteteles inicia seu argumento
λέγομεν δὴ γένος ἕν τι τῶν ὄντων τὴν οὐσίαν ταύτης δὲ τὸ μέν ὡς ὕλην ὃ καθ αὑτὸ
οὐκ ἔστι τόδε τι ἕτερον δὲ μορφὴν καὶ εἶδος καθ ἣν ἤδη λέγεται τόδε τι καὶ τρίτον
τὸ ἐκ τούτων ἔστι δ ἡ μὲν ὕλη δύναμις τὸ δ εἶδος ἐντελέχεια καὶ τοῦτο διχῶς τὸ
μὲν ὡς ἐπιστήμη τὸ δ ὡς τὸ θεωρεῖν
Dizemos que um dos gecircneros dos seres eacute a substacircncia E substacircncia primeiro no
sentido de mateacuteria ndash que por si mesmo natildeo eacute algo determinado ndash e ainda no sentido
de figura e forma ndash em virtude do que jaacute se diz que eacute algo determinado ndash e por fim
no sentido de composto de ambas A mateacuteria por sua vez eacute potecircncia ao passo que a
forma eacute atualidade e isto de dois modos seja como ciecircncia seja como inquirir DA II
1 412a6-11(Trad Gomes dos Reis)
Aristoacuteteles parte de teses presentes em seu tratado de filosofia primeira a Metafiacutesica
Laacute ele investiga o ser enquanto ser que tem muitos significados mas todos convergem para
um soacute20
O que responde a estes diversos significados do que eacute o ser ao ti estiacute eacute a
substacircncia21
(ousiacutea) Satildeo substacircncias a mateacuteria (hyacutele) a forma (morpheacute) e o composto de
ambas ( tograve ek touacutetoon) 22
Apesar da mateacuteria ser indeterminada23
permanece na mudanccedila e eacute
20 διὸ καὶ ἡμῖν τοῦ ὄντος ᾗ ὂν τὰς πρώτας αἰτίας ληπτέον Τὸ δὲ ὂν λέγεται μὲν πολλαχῶς ἀλλὰ πρὸς ἓν καὶ μίαν
τινὰ φύσιν Por isso tambeacutem noacutes devemos apreender as causas primeiras do ente enquanto ente ldquoEnterdquo se diz de
muitas maneiras mas em relaccedilatildeo a algo uacutenico e a uma natureza uacutenicardquo Met G 1-2 1003ordf31-32 (Trad Lucas
Angioni) 21τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν ldquoE
sendo o ente dito de muitos modos eacute evidente que o ente primeiro eacute o que eacute entre todos o que designa a
substacircnciardquo Met Z 2 1028b13-15 (Trad Lucas Angioni) 22 αὗται δ εἰσὶν αἱ αἰσθηταί αἱ δ αἰσθηταὶ οὐσίαι πᾶσαι ὕλην ἔχουσιν ἔστι δ οὐσία τὸ ὑποκείμενον ἄλλως μὲν
ἡ ὕλη (ὕλην δὲ λέγω ἣ μὴ τόδε τι οὖσα ἐνεργείᾳ δυνάμει ἐστὶ τόδε τι) ἄλλως δ ὁ λόγος καὶ ἡ μορφή ὃ τόδε τι
ὂν τῷ λόγῳ χωριστόν ἐστιν τρίτον δὲ τὸ ἐκ τούτων οὗ γένεσις μόνου καὶ φθορά ἐστι καὶ χωριστὸν ἁπλῶς τῶν
γὰρ κατὰ τὸν λόγον οὐσιῶν αἱ μὲν αἱ δ οὔ ldquoE agora devemos reexaminar as substacircncias que satildeo admitidas por
todos E essas satildeo as substacircncias sensiacuteveis Todas as substacircncias sensiacuteveis tecircm mateacuteria E substacircncia eacute o
substrato o qual em certo sentido significa a mateacuteria (chamo mateacuteria o que natildeo eacute algo determinado em ato mas
22
objeto de predicaccedilatildeo caracteriza-se como o substrato (hypokeiacutemenon) do composto Para ser
determinada a mateacuteria depende da forma que lhe confere ser (ti estiacute) Assim toda mateacuteria
determinada pela forma seraacute um composto Por isso Aristoacuteteles defende que uma boa
definiccedilatildeo das substacircncias compostas eacute a que enuncie a determinaccedilatildeo da forma na mateacuteria24
Em suma a substacircncia eacute o gecircnero primeiro de ser sendo esta tanto mateacuteria quanto forma
assim como o composto de ambas
A indeterminaccedilatildeo da mateacuteria e a determinaccedilatildeo da forma estatildeo intrinsecamente
relacionadas aos conceitos correlatos de potecircncia (dyacutenamis) e atualidade (enteleacutekheia) na
filosofia primeira de Aristoacuteteles A mateacuteria eacute indeterminada pois natildeo eacute algo em ato mas em
potecircncia na medida que eacute passiacutevel de determinaccedilatildeo pela forma Aristoacuteteles assinala que ser
em potecircncia significa ter o princiacutepio de movimento (kiacutenesis) ou de modicaccedilatildeo (metaboleacute) seja
por causa extriacutenseca ou intriacutenseca25
A mateacuteria portanto eacute potecircncia pois traz em si o princiacutepio
de ser movida ou modificada por si mesma ou por um outro isto Potecircncia tambeacutem estaacute
algo determinado soacute em potecircncia) num segundo sentido significa a essecircncia e a forma (a qual sendo algo
determinado pode ser separada pelo pensamento) e num terceiro sentido significa o composto de mateacuteria e de
forma (e soacute este estaacute submetido agrave geraccedilatildeo e agrave corrupccedilatildeo e eacute separado em sentido proacuteprio enquanto das
substacircncias entendidas segundo a forma algumas satildeo separadas outras natildeo satildeo)rdquo H 1042a24-31 (Trad Giovani
Reale) 23 λέγω δ ὕλην ἣ καθ αὑτὴν μήτε τὶ μήτε ποσὸν μήτε ἄλλο μηδὲν λέγεται οἷς ὥρισται τὸ ὄν ἔστι γάρ τι καθ οὗ
κατηγορεῖται τούτων ἕκαστον ᾧ τὸ εἶναι ἕτερον καὶ τῶν κατηγοριῶν ἑκάστῃ (τὰ μὲν γὰρ ἄλλα τῆς οὐσίας
κατηγορεῖται αὕτη δὲ τῆς ὕλης) ὥστε τὸ ἔσχατον καθ αὑτὸ οὔτε τὶ οὔτε ποσὸν οὔτε ἄλλο οὐδέν ἐστιν οὐδὲ δὴ
αἱ ἀποφάσεις καὶ γὰρ αὗται ὑπάρξουσι κατὰ συμβεβηκός ldquoChamo mateacuteria aquilo que por si natildeo eacute algo
determinado nem uma quantidade nem qualquer outra das determinaccedilotildees do ser Existe de fato alguma coisa da
qual cada uma dessas determinaccedilotildees eacute predicada alguma coisa cujo ser eacute diferente do ser de cada uma das
categorias Todas as outras categorias com efeito satildeo predicadas da substacircncia e esta por sua vez eacute predicada
da mateacuteria Assim este termo por si natildeo eacute nem algo determinado nem quantidade nem qualquer outra
categoria e natildeo eacute nem sequer as negaccedilotildees destas porque as negaccedilotildees soacute existem de modo acidentalrdquo Met Z 3
1029ordf20-26 (Trad Giovani Reale) 24 οἱ δὲ ἀγγεῖον σκεπαστικὸν χρημάτων καὶ σωμάτων ἤ τι ἄλλο τοιοῦτον προτιθέντες τὴν ἐνέργειαν λέγουσιν οἱ
δ ἄμφω ταῦτα συντιθέντες τὴν τρίτην καὶ τὴν ἐκ τούτων οὐσίαν (ἔοικε γὰρ ὁ μὲν διὰ τῶν διαφορῶν λόγος τοῦ
εἴδους καὶ τῆς ἐνεργείας εἶναι ὁ δ ἐκ τῶν ἐνυπαρχόντων τῆς ὕλης μᾶλλον) ὁμοίως δὲ καὶ οἵους Ἀρχύτας
ἀπεδέχετο ὅρους τοῦ συνάμφω γάρ εἰσιν ldquoAo contraacuterio os que a definem dizendo que eacute um refuacutegio para
proteger coisas e corpos ou alguma outra coisa desse tipo dizendo o que eacute a casa em ato enfim os que unem
ambas as definiccedilotildees experimenta substacircncia no terceiro significado como composto de mateacuteria e forma Eacute claro
que a definiccedilatildeo dada pelas diferenccedilas refere-se agrave forma e ao ato enquanto a definiccedilatildeo dada a partir dos
elementos refere-se prioritariamente agrave mateacuteria Semelhantes a estas eram as definiccedilotildees que Arquita aprovava
elas referiam-se ao conjunto de mateacuteria e formardquo H 2 1043ordf17-21 (Trad Giovani Reale)
φανερὸν δὴ ἐκ τῶν εἰρημένων τίς ἡ αἰσθητὴ οὐσία ἐστὶ καὶ πῶς ἡ μὲν γὰρ ὡς ὕλη ἡ δ ὡς μορφὴ καὶ ἐνέργεια
ἡ δὲ τρίτη ἡ ἐκ τούτων ldquoDo que foi dito fica claro o que eacute a substacircncia sensiacutevel e qual eacute seu modo de ser ela eacute
por um lado mateacuteria por outro forma e ato e num terceiro sentido o conjunto de mateacuteria e de formardquo Met H
2 1043a26-28 (Trad Giovani Reale) 25 ἡ μὲν οὖν ὅλως ἀρχὴ μεταβολῆς ἢ κινήσεως λέγεται δύναμις ἐν ἑτέρῳ ἢ ᾗ ἕτερον ἡ δ ὑφ ἑτέρου ἢ ᾗ ἕτερον
(καθ ἣν γὰρ τὸ πάσχον πάσχει τι ὁτὲ μὲν ἐὰν ὁτιοῦν δυνατὸν αὐτό φαμεν εἶναι παθεῖν ὁτὲ δ οὐ κατὰ πᾶν
πάθος ἀλλ ἂν ἐπὶτὸ βέλτιον) ldquoPotecircncia portanto significa em primeiro lugar esse princiacutepio de mudanccedila ou de
movimento que se encontra em outra coisa ou na propria coisa enquanto outra e em segundo lugar significa o
princiacutepio pelo qual uma coisa eacute mudada ou movida por outra ou por si mesma enquanto outrardquo Met Δ 12
1019ordf19-23 (Trad Giovani Reale)
23
relacionada ao princiacutepio de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo26
Na medida em que as coisas satildeo
constituiacutedas de um determinado modo elas trazem em potecircncia a manutenccedilatildeo de si diante da
accedilatildeo de outra coisa como a parede que natildeo quebra se batida com um copo de vidro ou trazem
em potecircncia a degeneraccedilatildeo tal qual um copo de vidro que quebra quando lanccedilado contra a
parede Jaacute a forma eacute atualidade (enteleacutekheia) tanto como ciecircncia quanto inquirir ou seja
enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) e atividade (energeia) Atualidade enquanto disposiccedilatildeo significa
a jaacute detenccedilatildeo de determinada capacidade mas sem sua atividade Ser apto a caminhar mas
estar sentado por exemplo Jaacute ato enquanto atividade significa o exerciacutecio dessa disposiccedilatildeo
Ser apto a caminhar e estar caminhando
οὐσίαι δὲ μάλιστ εἶναι δοκοῦσι τὰ σώματα καὶ τούτων τὰ φυσικά ταῦτα γὰρ τῶν
ἄλλων ἀρχαί τῶν δὲ φυσικῶν τὰ μὲν ἔχει ζωήν τὰ δ οὐκ ἔχει ζωὴν δὲ λέγομεν τὴν
δι αὑτοῦ τροφήν τε καὶ αὔξησιν καὶ φθίσιν ὥστε πᾶν σῶμα φυσικὸν μετέχον ζωῆς
οὐσία ἂν εἴη οὐσία δ οὕτως ὡς συνθέτη
E haacute a opiniatildeo de que sobretudo os corpos satildeo substacircncia entre os quais se encontram
os corpos naturais que satildeo princiacutepios dos demais Dos corpos naturais alguns tecircm
vida outros natildeo e dizemos que a vida eacute a nutriccedilatildeo por si mesmo o crescimento e o
decaimento Assim todo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido
de substacircncia composta DA II 1 412a11-16 (Trad Gomes dos Reis)
Aristoacuteteles retorna a uma tese geral amplamente adotada por ele segundo a qual dentre
as substacircncias as sensiacuteveis satildeo as mais aceitas27
por serem mais evidentes aos sentidos O que
26 ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ τοῦ πάσχειν ἔτι ὅσαι ἕξεις καθ ἃς ἀπαθῆ ὅλως ἢ ἀμετάβλητα ἢ μὴ ῥᾳδίως ἐπὶ τὸ χεῖρον
εὐμετακίνητα δυνάμεις λέγονται κλᾶται μὲν γὰρ καὶ συντρίβεται καὶ κάμπτεται καὶ ὅλως φθείρεται οὐ τῷ
δύνασθαι ἀλλὰ τῷ μὴ δύνασθαι καὶ ἐλλείπειν τινός ἀπαθῆ δὲ τῶν τοιούτων ἃ μόλις καὶ ἠρέμα πάσχει διὰ δύ
ναμιν καὶ τῷ δύνασθαι καὶ τῷ ἔχειν πώς ldquoO mesmo vale para a potecircncia passiva Aleacutem disso chamam-se
potecircncias todos os estados em virtude dos quais as coisas satildeo absolutamente impassiacuteveis ou imutaacuteveis ou natildeo
facilmente mutaacuteveis para pior De fato as coisas quebram-se degeneram-se dobram-se e em geral destroem-se
natildeo porque tecircm potecircncia mas porque natildeo tecircm potecircncia a e porque carecem de alguma coisa ao contraacuterio satildeo
impassiacuteveis relativamente a todo estes tipos de afecccedilotildees as coisas que dificilmente ou pouco satildeo afetadas por elas
por causa de sua potecircncia e de seu poder e por determinadas condiccedilotildees em que se encontremrdquo Met Δ 12 1019ordf
26-32 (Trad Giovani Reale) 27 Οὐσία λέγεται τά τε ἁπλᾶ σώματα οἷον γῆ καὶ πῦρ καὶ ὕδωρ καὶ ὅσα τοιαῦτα καὶ ὅλως σώματα καὶ τὰ ἐκ
τούτων συνεστῶτα ζῷά τε καὶ δαιμόνια καὶ τὰ μόρια τούτων ἅπαντα δὲ ταῦτα λέγεται οὐσία ὅτι οὐ καθ
ὑποκειμένου λέγεται ἀλλὰ κατὰ τούτων τὰ ἄλλα ldquoSubstacircncia em certo sentido se diz dos corpos simples por
exemplo o fogo a terra a aacutegua e todos os corpos como estes e em geral todos os corpos e as coisas compostas
a partir deles como os animais e os seres divinos e suas partes Todas essas coisas satildeo ditas substacircncias porque
natildeo satildeo predicadas de um substrato mas tudo o mais eacute predicado delasrdquo Met Δ 1017b10ndash14 (Trad Giovani
Reale)
Τὸ ὂν λέγεται πολλαχῶς καθάπερ διειλόμεθα πρότερον ἐν τοῖς περὶ τοῦ ποσαχῶς σημαίνει γὰρ τὸ μὲν τί ἐστι
καὶ τόδε τι τὸ δὲ ποιὸν ἢ ποσὸν ἢ τῶν ἄλλων ἕκαστον τῶν οὕτω κατηγορουμένων τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου
τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν (ὅταν μὲν γὰρ εἴπωμεν ποῖόν τι
τόδε ἢ ἀγαθὸν λέγομεν ἢ κακόν ἀλλ οὐ τρίπηχυ ἢ ἄνθρωπον ldquoO ser tem muitos signficados como
estabelecemos anteriormente no livro dedicado aos diversos significados dos termos De fato o ser signfica de
um lado essecircncia e algo determinado de outro qualidade ou quantidade e cada uma das outras categorias
Mesmo sendo dito em tantos signficados eacute evidente que o primeiro dos significados do ser eacute a essecircncia que
indica a substacircncia (De fato quando perguntamos a qualidade de alguma coisa dizemos que eacute boa ou maacute mas
natildeo que tem trecircs cocircvados ou que eacute homemrdquo 1028a10ndash16 (Trad Giovani Reale)
24
Aristoacuteteles chama aqui de corpos naturais (physikoacuten) corresponde aos compostos que datildeo
origem aos artificiais e com a abstraccedilatildeo das suas unidades a objetos matemaacuteticos Mas natildeo
satildeo elementos ou partes sem unidade como o olho ou a raiz da aacutervore Pois eacute o animal que
deteacutem o olho e a aacutervore que deteacutem a raiacutez Sendo assim os corpos naturais se diferenciam
entre os que vivem e os que natildeo vivem Estes que natildeo vivem satildeo os corpos artificiais os
corpos celestes e o cadaacutever Um corpo morto seraacute de animal senatildeo por homoniacutemia pois natildeo
tem como atividade o viver E o viver eacute nutrir-se eacute crescer e eacute decair Donde Aristoacuteteles
conclui que ldquotodo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido de substacircncia
compostardquo Os seres viventes (empsykhon) satildeo substacircncias compostas de mateacuteria (corpo) e
forma (alma) tendo como atividade o viver
ἐπεὶ δ ἐστὶ καὶ σῶμα καὶ τοιόνδε ζωὴν γὰρ ἔχον οὐκ ἂν εἴη σῶμα ἡ ψυχή οὐ γάρ
ἐστι τῶν καθ ὑποκειμένου τὸ σῶμα μᾶλλον δ ὡς ὑποκείμενον καὶ ὕλη ἀναγκαῖον
ἄρα τὴν ψυχὴν οὐσίαν εἶνα ὡς εἶδος σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν ἔχοντος
E uma vez que essa substacircncia tambeacutem eacute um corpo de tal tipo ndash que tem vida ndash a
alma natildeo eacute corpo pois o corpo natildeo eacute um dos predicados do substrato antes ele eacute
como o substrato e a mateacuteria Necessariamente entatildeo a alma eacute substacircncia como
forma de um corpo natural potencialmente vivo 412ordf16-21 (Trad Maria Ceciacutelia
Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo proacutepria)
Finalmente Aristoacuteteles tece sua uacuteltima premissa e enuncia uma primeira definiccedilatildeo de
alma Dado que os corpos naturais dotados de vida satildeo compostos hilemoacuterficos cabe eliminar
qualquer possibilidade da alma ser corpo O argumento eacute conciso Haacute substacircncias que satildeo um
corpo dotado de vida Este corpo vivo natildeo eacute alma Mas substrato (hypokeimeacutenon) e mateacuteria
(hyacutele) do composto E como tal eacute objeto de predicaccedilatildeo da forma Portanto a alma natildeo pode
ser corpo pois ela que o predica
Em Met Z 3 escreve Aristoacuteteles que o substrato eacute aquilo que eacute predicado pelas coisas
enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outra28
Jaacute a substacircncia eacute aquilo que predica o
substrato mas que natildeo eacute predicada pelas outras coisas Sendo assim inerem no substrato
determinaccedilotildees como quantidade afecccedilotildees accedilotildees e potecircncias Poreacutem raspadas as
determinaccedilotildees o que resta eacute o substrato primeiro mateacuteria Contudo como jaacute enunciado
ὁμολογούμεναι μὲν αἱ φυσικαί οἷον πῦρ γῆ ὕδωρ ἀὴρ καὶ τἆλλα τὰ ἁπλᾶ σώματα ἔπειτα τὰ φυτὰ καὶ τὰ μόρια
αὐτῶν καὶ τὰ ζῷα καὶ τὰ μόρια τῶν ζῴων καὶ τέλος ὁ οὐρανὸς καὶ τὰ μόρια τοῦ οὐρανοῦ ἰδίᾳ δέ τινες οὐσίας
λέγουσιν εἶναι τά τ εἴδη καὶ τὰ μαθηματικά ldquoSubstacircncias admitidas por todos satildeo as fiacutesicas como fogo terra
aacutegua ar e os outros corpos simples ademais as plantas e suas partes do ceacuteu Alguns filoacutesofos ao contraacuterio em
funccedilatildeo de suas opiniotildees particulares afirmaram que substacircncias satildeo as Formas e os Entes matemaacuteticosrdquo Met H
1042a7ndash11(Trad Giovani Reale)
28 τὸ δ ὑποκείμενόν ἐστι καθ οὗ τὰ ἄλλα λέγεται ἐκεῖνο δὲ αὐτὸ μηκέτι κατ ἄλλου ldquoO Substrato eacute aquilo de
que satildeo predicadas todas as outras coisas enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outrardquo Met Z 3 1028b36 ndash
1029a1 (Trad Giovani Reale)
25
acima Aristoacuteteles compreende a mateacuteria como algo indeterminado Apesar disso haacute algo da
qual todas as outras determinaccedilotildees satildeo predicadas E sendo a substacircncia um algo separado
que predica a mateacuteria ou seja que referencia e determina a mateacuteria substacircncia e mateacuteria natildeo
podem ser idecircnticas O que este argumento nos ajuda a compreender eacute o pressuposto
metafiacutesico sobre o qual Aristoacuteteles identifica o corpo com o substrato impossibilitando que
este seja identificado com a alma Ou seja a substacircncia que predica o corpo
Portanto se o corpo eacute substrato material do composto orgacircnico vivo segue-se
necessariamente que a alma eacute a substacircncia formal Aristoacuteteles enuncia entatildeo seu perseguido
enunciado mais geral a alma eacute substacircncia como forma de um corpo natural potencialmente
vivo A alma enquanto substacircncia do composto vivo eacute substacircncia no sentido de forma Com
este enunciado Aristoacuteteles responde o primeiro ponto do elenco de questotildees a serem
abordadas numa investigaccedilatildeo da alma a saber a qual gecircnero de ser pertence a alma
Para a alma ser forma de um corpo potencialmente vivo ndash e ser potencialmente vivo eacute
dispor de oacutergatildeos passiacuteveis de realizaccedilatildeo das atividades proacuteprias ao viver ndash significa ser o
princiacutepio estruturante e configurador das funccedilotildees (eacutergon) de vida Assim a alma eacute o princiacutepio
e causa determinante do ser atraveacutes das atividades proacuteprias ao viver em um corpo de tal tipo
Portanto a alma configura a realidade das substacircncias compostas viventes sendo aquilo a
partir e em vista do que a vida se daacute
Aristoacuteteles abre caminho para a responder sua taacutebua de definiccedilotildees de DA I 1 A
primeira delas eacute configurar a relaccedilatildeo entre a alma e o corpo fundamentando a noccedilatildeo de
inseparabilidade entre uma e outro Pois ser a forma de um composto demanda que a alma se
atualize apenas se instanciada em um estofo material e seja seu princiacutepio de ser Em siacutentese a
alma eacute como a substacircncia e o corpo eacute como o substrato da substacircncia composta viva que eacute o
ser vivente
Seguindo as noccedilotildees jaacute traccediladas anteriormente Aristoacuteteles desdobraraacute outras duas
caracteriacutesticas proacuteprias agrave alma atualidade primeira e princiacutepio de determinaccedilatildeo do corpo Jaacute
que a alma eacute forma e forma eacute atualidade entatildeo a alma eacute atualidade deste corpo
potencialmente vivo como se lecirc logo em seguida
ἡ δ οὐσία ἐντελέχεια τοιούτου ἄρα σώματος ἐντελέχεια αὕτη δὲ λέγεται διχῶς ἡ
μὲν ὡς ἐπιστήμη ἡ δ ὡς τὸ θεωρεῖν φανερὸν οὖν ὅτι ὡς ἐπιστήμη ἐν γὰρ τῷ
ὑπάρχειν τὴν υχὴν καὶ ὕπνος καὶ ἐγρήγορσίς ἐστιν ἀνάλογον δ ἡ μὲν ἐγρήγορσις τῷ
θεωρεῖν ὁ δ ὕπνος τῷ ἔχειν καὶ μὴ ἐνεργεῖν προτέρα δὲ τῇ γενέσει ἐπὶ τοῦ αὐτοῦ ἡ
ἐπιστήμη διὸ ἡ ψυχή ἐστιν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν
ἔχοντος
E a substacircncia eacute atualidade Portanto eacute de um corpo de tal tipo que a alma eacute
atualidade Mas esta se diz de dois modos ndash primeiro como ciecircncia segundo como o
26
inquirir Eacute claro entatildeo que a alma eacute atualidade como ciecircncia pois ao subsistir a alma
haacute tanto o sono como a vigiacutelia e a vigiacutelia eacute algo anaacutelogo ao inquirir o sono a possuir
a ciecircncia mas natildeo a exercecirc-la e no que concerne a um mesmo indiviacuteduo a ciecircncia eacute
a primeira atualidade de um corpo natural que tem em potecircncia vida DA II 1 412a21-
28 (Trad Gomes dos Reis)
Como jaacute estabelecido em 401a6-11 a atualidade se diz segundo a disposiccedilatildeo e a
atividade Aqui disposiccedilatildeo (heacutexis) estaacute para a ciecircncia (epistecircme) como atividade (energeacuteia)
estaacute para inquirir (theoreicircn) Portanto disposiccedilatildeo eacute a obtenccedilatildeo de dada capacidade sem
executaacute-la enquanto atividade eacute sua execuccedilatildeo
Aristoacuteteles conclui seu argumento especificando a alma como uma atualidade primeira
(enteleacutekheia proteacute) Charlton29
propotildee que o termo ldquoprimeirordquo (proteacute) se refira agrave atualidade no
primeiro sentido ou seja enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) O que parece plausiacutevel pois o texto
aristoteacutelico nos diz que a alma eacute atualidade como ciecircncia (phanerograven oucircn hoacuteti hocircs episteme)
Aleacutem disso nas discussotildees preliminares sobre a capacidade perceptiva Aristoacuteteles discorre
um pouco mais sobre as diferenccedilas entre atualidade em termos de disposiccedilatildeo e atividade
διαιρετέον δὲ καὶ περὶ δυνάμεως καὶ ἐντελεχείας νῦν γὰρ ἁπλῶς ἐλέγομεν περὶ
αὐτῶν ἔστι μὲν γὰρ οὕτως ἐπιστῆμόν τι ὡς ἂν εἴποιμεν ἄνθρωπον ἐπιστήμονα ὅτι ὁ
ἄνθρωπος τῶν ἐπιστημόνων καὶ ἐχόντων ἐπιστήμην ἔστι δ ὡς ἤδη λέγομεν
ἐπιστήμονα τὸν ἔχοντα τὴν γραμματικήν ἑκάτερος δὲ τούτων οὐ τὸν αὐτὸν τρόπον
δυνατός ἐστιν ἀλλ ὁ μὲν ὅτι τὸ γένος τοιοῦτον καὶ ἡ ὕλη ὁ δ ὅτι βουληθεὶς δυνατὸς
θεωρεῖν ἂν μή τι κωλύσῃ τῶν ἔξωθεν ὁ δ ἤδη θεωρῶν ἐντελεχείᾳ ὢν καὶ κυρίως
ἐπιστάμενος τόδε τὸ Α ἀμφότεροι μὲν οὖν οἱ πρῶτοι κατὰ δύναμιν ἐπιστήμονες
ltὄντες ἐνεργείᾳ γίνονται ἐπιστήμονεςgtἀλλ ὁ μὲν διὰ μαθήσεως ἀλλοιωθεὶς καὶ
πολλάκις ἐξ ἐναντίας μεταβαλὼν ἕξεως ὁ δ ἐκ τοῦ ἔχειν τὴν ἀριθμητικὴν ἢ τὴν
γραμματικήν μὴ ἐνεργεῖν δέ εἰς τὸ ἐνεργεῖν ἄλλον τρόπον
Eacute preciso ainda fazer distinccedilotildees no que diz respeito agrave potecircncia e agrave atualidade Pois ateacute
agora falaacutevamos disso de maneira simples Por um lado haacute aquele que conhece no
sentido em que diriacuteamos ser o homem conhecedor por estar entre os que conhecem e
possuem conhecimento e haacute em outro sentido aquele que dizemos ser conhecedor
por jaacute saber a gramaacutetica (e cada um deles eacute em potecircncia mas natildeo da mesma maneira
o primeiro por que eacute de tal gecircnero e mateacuteria o outro porque se quiser pode inquirir
nada externo o impedindo) E haacute por fim aquele que estaacute inquirindo e em atualidade
conhecendo em sentido proacuteprio este ldquoArdquo determinado Os dois primeiros satildeo
conhecedores em potecircncia um por ter-se alterado via aprendizagem e por passar
vaacuterias vezes de uma das disposiccedilotildees contraacuterias a outra o outro de outro modo por
passar do ter a percepccedilatildeo sensiacutevel30 ou a gramaacutetica sem exercitaacute-lo ao estar em
exerciacutecio DA II 5 417a21-b2 (Trad Gomes dos Reis)
O ser humano eacute configurado de modo a realizar certas atividades como a nutriccedilatildeo a
percepccedilatildeo e a inquiriccedilatildeo Entretanto a pura organizaccedilatildeo fiacutesica natildeo basta para que elas sejam
realizadas Assim somente quando a funccedilatildeo proacutepria de determinada disposiccedilatildeo fiacutesica entra
em atividade eacute que aquilo que eacute em potecircncia se torna uma atualidade No caso acima a
capacidade de inquirir Mas toda capacidade exige um objeto para entrar em atividade E o
29 1980 p 174 30 A tradutora optou por substituir o termo ldquoarithmetikegravenrdquo por ldquoaiacutesthesinrdquo Cf GOMES DOS REIS 2012 p 84
27
que era uma potecircncia de aprendizado para o inquiridor torna-se uma atualidade pela atividade
da sua inquiriccedilatildeo Deste modo haacute trecircs instacircncias que vatildeo da potecircncia agrave atualidade Na
primeira o ser vivente eacute dotado da capacidade de aprender a inquirir Na segunda esta
disposiccedilatildeo eacute posta em atividade tendo um objeto para se inquirir Na terceira eacute a atividade
dessa capacidade aprendida ou adquirida que se tem uma atualidade plena No primeiro caso
eacute claramente uma capacidade segundo uma disposiccedilatildeo No segundo caso jaacute temos um estado
de atualidade na medida em que haacute o exerciacutecio dessa capacidade proacutepria ao ser vivente
Aristoacuteteles chama isso de potecircncia pois em relaccedilatildeo agrave terceira instacircncia aquele modo de
atualidade eacute ainda suscetiacutevel de alteraccedilatildeo E quando essa nova capacidade a gramaacutetica eacute
adquirida pela atividade desta nova capacidade de inquirir possiacutevel apenas pela sua
disposiccedilatildeo na fisiologia do ser vivente a capacidade se atualiza plenamente
Assim a alma eacute atualidade primeira de um corpo potencialmente vivo enquanto
princiacutepio de atividade das capacidades proacuteprias ao viver presentes como disposiccedilatildeo que a
forma engendra neste corpo Isto fica mais evidente em DA II 1 412b5-9
εἰ δή τι κοινὸν ἐπὶ πάσης ψυχῆς δεῖ λέγειν εἴη ἂν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος
φυσικοῦ ὀργανικοῦ διὸ καὶ οὐ δεῖ ζητεῖν εἰ ἓν ἡ ψυχὴ καὶ τὸ σῶμα ὥσπερ οὐδὲ τὸν
κηρὸν καὶ τὸ σχῆμα οὐδ ὅλως τὴν ἑκάστου ὕλην καὶ τὸ οὗ ἡ ὕλη τὸ γὰρ ἓν καὶ τὸ
εἶναι ἐπεὶ πλεοναχῶς λέγεται τὸ κυρίως ἡ ἐντελέχειά ἐστιν
Se eacute preciso enunciar algo comum a toda e qualquer alma seria que eacute a primeira
atualidade do corpo natural orgacircnico E por isso inclusive natildeo eacute preciso investigar se
alma e corpo satildeo uma unidade ndash tampouco se a cera e a figura o satildeo e em suma nem
se a mateacuteria de cada coisa e aquilo de que eacute mateacuteria ndash pois jaacute que se diz unidade ser
de muitos modos o mais apropriado deles eacute a atualidade (Trad Gomes dos Reis)
O corpo eacute dotado de oacutergatildeos partes que viabilizam a atividade das capacidades
proacuteprias ao viver E eacute a atividade das capacidades atraveacutes dos oacutergatildeos que se confere unidade
entre corpo e alma nesse composto orgacircnico vivo Assim Aristoacuteteles responde sobre a
unidade entre alma e corpo enunciada na taacutebua de definiccedilotildees Natildeo por acaso como corolaacuterio
agraves noccedilotildees de alma como forma e atualidade Aristoacuteteles declara
οὐσία γὰρ ἡ κατὰ τὸν λόγον τοῦτο δὲ τὸ τί ἦν εἶναι τῷ τοιῳδὶ σώματι καθάπερ εἴ τι
τῶν ὀργάνων φυσικὸν ἦν σῶμα οἷον πέλεκυς ἦν μὲν γὰρ ἂν τὸ πελέκει εἶναι ἡ οὐσία
αὐτοῦ καὶ ἡ ψυχὴ τοῦτο χωρισθείσης δὲ ταύτης οὐκ ἂν ἔτι πέλεκυς ἦν ἀλλ ἢ ὁμ
ωνύμως νῦν δ ἔστι πέλεκυς οὐ γὰρ τοιούτου σώματος τὸ τί ἦν εἶναι καὶ ὁ λόγος ἡ
ψυχή ἀλλὰ φυσικοῦ τοιουδί ἔχοντος ἀρχὴν κινήσεως καὶ στάσεως ἐν ἑαυτῷ
Pois ela eacute a substacircncia segundo a determinaccedilatildeo ou seja o que era para ser de um
corpo de tal tipo Se um instrumento fosse um corpo natural ndash por exemplo o
machado ndash a sua substacircncia seria a que eacute ser para o machado e isto seria a sua alma
Separado disso ele natildeo seria mais um machado exceto por homoniacutemia Mas na
verdade eacute um machado pois a alma natildeo eacute a determinaccedilatildeo e o que eacute o que eacute para um
corpo desse tipo mas sim um corpo natural tal que tenha em si mesmo um princiacutepio
28
de movimento e repouso DA II 1 412b10-17 (Trad Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo
proacutepria)
Como jaacute explicitado no enunciado de alma enquanto substacircncia como forma em
412a20 a alma eacute este princiacutepio determinante do ser do composto Ou seja o princiacutepio
organizador das suas disposiccedilotildees e propriedades que determinaratildeo o ser proacuteprio de um corpo
natural capaz de viver A identificaccedilatildeo entre alma e forma se desdobraraacute na identificaccedilatildeo de
alma e o que era para ser31
(tograve tiacute ecircn eicircnai)
Dado que a alma eacute forma e atualidade do corpo Aristoacuteteles estabelece que ela eacute seu
princiacutepio de determinaccedilatildeo das propriedades relevantes que daratildeo o caraacuteter essencial do ser
vivente E eacute evidente como o texto nos mostra e Hamilyn32
sustenta que a determinaccedilatildeo da
essecircncia se daacute segundo sua funccedilatildeo (eacutergon) O ser do machado eacute cortar na medida em que a
funccedilatildeo proacutepria do machado eacute cortar assim como a do olho eacute ver O ser do ser vivente eacute viver
31 A locuccedilatildeo eacute razatildeo de grande controveacutersia na tradiccedilatildeo de comentaacuterios ao texto aristoteacutelico Natildeo entrarei nos
pormenores da discussatildeo mas tomarei a traduccedilatildeo o que era para ser em sua literalidade assim como Angioni
tendo em vista o contexto no qual se pretende compreender seu emprego ldquoTrata-se de uma substantivaccedilatildeo com
o artigo neutro (lsquotorsquo) da pergunta lsquoo que afinal era o ser para tal coisarsquo (lsquoti en to einai toutoirsquo lsquotiacute ecircn tograve eicircnai
toutoirsquo) ndash Aristoacuteteles frequentemente substantiva segmentos de sentenccedilas e expressotildees que em si mesmas
constituem perguntas gramaticalmente completas isso ocorre na designaccedilatildeo das categorias (ldquoo qualrdquo ldquotograve poicirconrdquo
etc) na designaccedilatildeo de algumas das quatro causas (lsquoo que moveu primeirorsquo lsquoo em vista de quersquo) e em outras
expressotildees lsquo(lsquoo por quecircrsquo lsquotograve diagrave tiacutersquo ou lsquotograve dioacutetirsquo) O infinitivo lsquoserrsquo eacute o mesmo que consta na expressatildeo lsquoser +
dativorsquo e que designa a essecircncia da coisa isto eacute o conjunto de propriedades e caracteriacutesticas que deveriam ser
enumeradas no enunciado que define o que a coisa eacute Trata-se do mesmo infinitivo que comparece em 1041a32
1041b28 e 1042b27 (e natildeo se trata do infinitivo que poderia eventualmente ser entendido como existencial tal
como em 1041a15) O imperfeito ldquoerardquo por sua vez consiste num resquiacutecio de um uso dialeacutetico pelo qual o
interlocutor remetia a alguma definiccedilatildeo anteriormente dada destinada a funcionar como paracircmetro para a
discussatildeo ulterior (para referecircncias quanto ao uso desse imperfeito ver nossa dissertaccedilatildeo de mestrado p 89
nota 208) A pergunta original seria lsquoo quecirc era o ser para tal coisarsquo mas isso quer apenas dizer lsquoo quecirc fora
estabelecido (anteriormente na presente discussatildeo) como ser para tal coisarsquo Com o haacutebito a expressatildeo teria
perdido o significado interrogativo que originalmente possuiacutea e teria se tornado um jargatildeo para designar a
essecircncia Em vista disso lsquoto ti en einairsquo poderia ser traduzido ou parafraseado como lsquoaquilo que fora
estabelecido como caracteriacutesticas essenciais de tal coisarsquo A lsquoanterioridade causal da formarsquo muita vez alegada
como chave para a compreensatildeo do jargatildeo eacute compatiacutevel com o significado da expressatildeo mas natildeo explica a
origem do imperfeitordquo (Angioni 2005 102) 32 ldquoAristotlersquos selection of a tool an axe to provide an analogy with the ensouled body reveals how close to the
surface in this discussion is the notion of function The substance or essence of an axe is its function without
which it would not be an axe Like the Greeks in general Aristotle had no difficulty in thinking of a natural body
as having a function too (cf Nicomachean Ethics 1097b22ff) this is part of his general teleology But as he
goes on to point out there are differences also between an axe and a natural body which spoil the analogy This
is the force of the words lsquoBut as it is an axersquo ndash the essence of a axe is not its soul since it does not have one not
being a living thingrdquo ldquoA seleccedilatildeo do Aristoacuteteles de um instrumento um machado prova um analogia com os
coporpos animados revela como o que estaacute em voga eacute a discussatildeo eacute a noccedilatildeo de funccedilatildeo A substacircncia ou
essecircncia de um machado eacute sua funccedilatildeo sem a qual ele natildeo seria um machado Assim como os Gregos
Aristoacuteteles natildeo teve dificuldades em pensar o corpo natural como tambeacutem dotado de funccedilatildeo (cf Eacutetica a
Nicocircmaco 1097b22ss) isto eacute parte da sua teleologia Mas como ele segue pontuando haacute diferenccedilas igualmente
entre um machado e um corpo natural que prejudicam a analogia Eacute o que sugerem as palavras Mas eacute como um
machadorsquo - a essecircncia do machado natildeo eacute sua alma jaacute que ele natildeo tem uma natildeo eacute um ser viventerdquo (HAMLYN
1993 85) (Trad proacutepria)
29
e isto eacute garantido pela alma A locuccedilatildeo o que era para ser como indica Gomes dos Reis33
pode ser compreendida como uma continuidade da forma do ser vivente perante o devir que
lhe eacute proacuteprio ao longo da sua vida
Com isso Aristoacuteteles traccedila suas noccedilotildees preliminares da alma em DA II 1 Haacute ao final
do capiacutetulo algo digno de nota Aristoacuteteles se refere a tudo isto como um rascunho e esboccedilo
de definiccedilatildeo34
Poderiacuteamos entender que estas proposiccedilotildees satildeo insuficientes para o projeto
psicoloacutegico aristoteacutelico E satildeo mesmo em certa medida Pois em relaccedilatildeo agrave taacutebua de
definiccedilatildeo Aristoacuteteles soacute respondeu as noccedilotildees relativas agrave substacircncia atualidade e unidade da
alma Apesar disso como argumentarei na sessatildeo seguinte todo o arcabouccedilo conceitual e
argumentativo aqui esboccedilado sustentaraacute a noccedilatildeo de alma como princiacutepio das capacidades que
denotam vida Aleacutem do mais se lembrarmos que nas primeiras linhas do capiacutetulo Aristoacuteteles
se comprometia tatildeo somente em buscar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) para a
alma eacute inegaacutevel que ele foi bem sucedido Se ao fim de DA I ele tem claro que a alma eacute
princiacutepio imoacutevel de movimento e una em DA II 1 satildeo apresentados os argumentos positivos
para estas duas teses A alma eacute de estatuto formal portanto imoacutevel e princiacutepio organizador
das propriedades do ser Enquanto forma eacute atualidade e assim o princiacutepio de atividade das
capacidades proacuteprias ao ser Enquanto substacircncia eacute o que era para ser do ser vivente e entatildeo
o princiacutepio determinante do que este ser vivente eacute E esta determinaccedilatildeo seraacute dada pela funccedilatildeo
proacutepria das suas capacidades que soacute seratildeo plenificadas com as atividades no oacutergatildeo
correspondente Este enunciado e o que se desdobra dele eacute um rascunho e esboccedilo de definiccedilatildeo
pois natildeo nos explica satisfatoriamente por que a alma eacute princiacutepio das formas especiacuteficas de
vida Aristoacuteteles reconhece isso e segundo um paracircmetro geomeacutetrico de definiccedilatildeo mudaraacute o
curso da investigaccedilatildeo sobre a alma
33 ldquoA expressatildeo to ti ecircn einai pode ser a generalizaccedilatildeo de uma construccedilatildeo com ocorrecircncias nos tratados por
exemplo to [pelekei] einai o ser [para o machado] o ser [para a carne] que seraacute traduzida por sua vez como a
locuccedilatildeo ldquoo que eacute ser para o machadordquo e assim por diante Como reconstruiacute-la eacute um assunto polecircmico Haacute um
verbo no imperfeito (a expressatildeo literalmente diz algo como o lsquoo que era a serrsquo) que poderia ser interpretado
como uma ecircnfase na continuidade da forma a despeito do devirrdquo 2012 208 34τύπῳ μὲν οὖν ταύτῃ διωρίσθω καὶ ὑπογεγράφθω περὶ ψυχῆς ldquoE isto basta como um esquema do esboccedilo de
definiccedilatildeo de almardquo DA II 1 413a10-11 (Trad Gomes dos Reis)
30
22 A DEFINICcedilAtildeO PELAS CAPACIDADES
DA II 2 se inicia com um impasse a noccedilatildeo geral oferece o gecircnero de ser da alma mas
natildeo a enuncia como causa de vida nos seres viventes Diante disso Aristoacuteteles faz uma
revisatildeo metodoloacutegica na investigaccedilatildeo de alma tomando como paradigma o exemplo de
definiccedilatildeo pela causa de um objeto geomeacutetrico
Ἐπεὶ δ ἐκ τῶν ἀσαφῶν μὲν φανερωτέρων δὲ γίνεται τὸ σαφὲς καὶ κατὰ τὸν λόγον
γνωριμώτερον πειρατέον πάλιν οὕτω γ ἐπελθεῖν περὶ αὐτῆς οὐ γὰρ μόνον τὸ ὅτι δεῖ
τὸν ὁριστικὸν λόγον δηλοῦν ὥσπερ οἱ πλεῖστοι τῶν ὅρων λέγουσιν ἀλλὰ καὶ τὴν
αἰτίαν ἐνυπάρχειν καὶ ἐμφαίνεσθαι νῦν δ ὥσπερ συμπεράσμαθ οἱ λόγοι τῶν ὅρων
εἰσίν οἷον τί ἐστιν ὁ τετραγωνισμός τὸ ἴσον ἑτερομήκει ὀρθογώνιον εἶναι
ἰσόπλευρον ὁ δὲ τοιοῦτος ὅρος λόγος τοῦ συμπεράσματος ὁ δὲ λέγων ὅτι ἐστὶν ὁ
τετραγωνισμὸς μέσης εὕρεσις τοῦ πράγματος λέγει τὸ αἴτιον
E jaacute que a partir de coisas natildeo claras embora mais manifestas advecircm clareza e maior
inteligibilidade segundo o enunciado deve-se tentar desta maneira novamente
discorrer sobre a alma pois natildeo somente eacute preciso que o enunciado definidor
esclareccedila os fatos ndash como o faz a maioria das definiccedilotildees ndash mas ainda conter e
expressar a causa Os enunciados das definiccedilotildees na verdade satildeo como conclusotildees O
que eacute por exemplo a quadratura Eacute fazer equivaler um retacircngulo equilaacutetero a um
retacircngulo qualquer Mas tal definiccedilatildeo eacute o enunciado da conclusatildeo e o que diz por sua
vez que a quadratura eacute a descoberta de uma meacutedia proporcional enuncia a causa DA
II 2 413a11-20 (Trad Gomes dos Reis)
Novamente Aristoacuteteles nos relembra a ideia de que as apreensotildees sensiacuteveis satildeo mais
manifestas (phaneroteacuteron) que as apreensotildees inteligiacuteveis As inteligiacuteveis satildeo mais claras
(sophoacutes) pois satildeo formas apreendidas com a razatildeo e menos suscetiacuteveis ao engano Ao
contraacuterio das apreensotildees sensiacuteveis que satildeo mais manifestas Muito embora os pressupostos
que permitiram deduzir o estatuto ontoloacutegico da alma no capiacutetulo anterior sejam mais claros
eles enunciam o vivente como um ser animado enquanto um fato mas natildeo enunciam a alma
como causa do viver Portanto DA II 2 se dedicaraacute a investigar a alma como causa de vida
nos seres viventes a partir do que eacute mais manifesto ao que eacute mais claro
Aristoacuteteles se utiliza de um teorema para explicar que o termo meacutedio de um silogismo
apresenta a causa de um fato Num silogismo dado uma premissa maior que enuncie o fato e
tem como outro fato a conclusatildeo a premissa menor enuncia a causa pois eacute onde se encontra o
porquecirc da conclusatildeo Responder que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois ldquoTodo homem eacute mortalrdquo natildeo
enuncia a causa da mortalidade de Soacutecrates soacute o mero fato de coincidentemente ldquoSoacutecratesrdquo e
ldquoTodo homemrdquo serem mortais Poreacutem se respondemos que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois
ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo e ldquoTodo homem eacute mortalrdquo entatildeo foi enunciado a causa da mortalidade
de Soacutecrates Em sua estrutura claacutessica a premissa maior ldquoTodo homem eacute mortalrdquo a premissa
menor ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo a conclusatildeo ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo
31
Fica a questatildeo de como este novo criteacuterio se aplica agrave definiccedilatildeo E sobre a alma o
corpo e a vida
λέγομεν οὖν ἀρχὴν λαβόντες τῆς σκέψεως διωρίσθαι τὸ ἔμψυχον τοῦ ἀψύχου τῷ
ζῆν πλεοναχῶς δὲ τοῦ ζῆν λεγομένου κἂν ἕν τι τούτων ἐνυπάρχῃ μόνον ζῆν αὐτό
φαμεν οἷον νοῦς αἴσθησις κίνησις καὶ στάσις ἡ κατὰ τόπον ἔτι κίνησις ἡ κατὰ
τροφὴν καὶ φθίσις τε καὶ αὔξησις
Retomando o princiacutepio da investigaccedilatildeo digamos entatildeo que o animado se distingue do
inanimado pelo viver E de muitos modos se diz o viver pois dizemos que algo vive
se nele subsiste pelo menos um destes ndash intelecto percepccedilatildeo sensiacutevel movimento
local e repouso e ainda o movimento segundo a nutriccedilatildeo o decaimento e o
crescimento DA II 2 413a20-24 (Trad Gomes dos Reis)
Aristoacuteteles enuncia uma premissa maior e outra menor
[premissa maior] Todo ser dotado de alma vive
[premissa menor] Viver eacute ser dotado de intelecto percepccedilatildeo nutriccedilatildeo movimento
local e repouso decaimento e crescimento
Eacute proacuteprio agrave alma atribuir vida Viver eacute ser dotado de uma das capacidades
mencionadas Assim todo corpo natural que apresente uma dessas capacidades vive35
Portanto as plantas vivem pois se nutrem crescem e decaem por si proacuteprias
διὸ καὶ τὰ φυόμενα πάντα δοκεῖ ζῆν φαίνεται γὰρ ἐν αὑτοῖς ἔχοντα δύναμιν καὶ
ἀρχὴν τοιαύτην δι ἧς αὔξησίν τε καὶ φθίσιν λαμβάνουσι κατὰ τοὺς ἐναντίους τόπους
οὐ γὰρ ἄνω μὲν αὔξεται κάτω δ οὔ ἀλλ ὁμοίως ἐπ ἄμφω καὶ πάντῃ ὅσα ἀεὶ
τρέφεταί τε καὶ ζῇ διὰ τέλους ἕως ἂν δύνηται λαμβάνειν τροφήν
Por isso parece inclusive que todas as plantas vivem pois eacute manifesto que tecircm em si
mesmas uma potecircncia e um princiacutepio deste tipo por meio do qual ganham
crescimento e decaimento segundo direccedilotildees contraacuterias pois natildeo crescem apenas para
cima e natildeo para baixo mas similarmetne em ambas e em todas as direccedilotildees e assim eacute
para as que se nutrem constantemente e vivem ateacute o fim enquanto puderem obter
alimento DA II 2 413a25-31 (Trad Gomes dos Reis)
Assim como os animais vivem jaacute que satildeo dotados de nutriccedilatildeo e percepccedilatildeo
τὸ μὲν οὖν ζῆν διὰ τὴν ἀρχὴν ταύτην ὑπάρχει τοῖς ζῶσι τὸ δὲ ζῷον διὰ τὴν αἴσθησιν
πρώτως καὶ γὰρ τὰ μὴ κινούμενα μηδ ἀλλάττοντα τόπον ἔχοντα δ αἴσθησιν ζῷα
λέγομεν καὶ οὐ ζῆν μόνον
O viver subsiste nos seres vivos por conta deste princiacutepio e o animal constitui-se
primordialmente pela percepccedilatildeo sensiacutevel Pois dizemos que satildeo animais ndash e natildeo
apenas que vivem ndash tambeacutem os que natildeo se movem nem mudam de lugar mas
possuem percepccedilatildeo DA II 2 413b1-4 (Trad Gomes dos Reis)
Com isso temos a conclusatildeo do silogismo psicoloacutegico aristoteacutelico
[conclusatildeo a] Plantas e animais satildeo animados
E desta uma outra
35 Como jaacute antecipara em DA II 1 412a11-16 citado na paacutegina 16
32
[conclusatildeo b] Plantas e animais satildeo vivos
Portanto assim como todo retacircngulo teraacute quadratura por causa da sua proporccedilatildeo com
um retacircngulo quadrilaacutetero todo corpo seraacute um ser vivente por ser dotado de alma Entretanto
uma ldquoquestatildeo de aluno bobordquo seria perguntar para Aristoacuteteles de onde vecircm essas duas
premissas Ao conectar alma e vida sem explicar esta uacuteltima poderia levar a investigaccedilatildeo
aristoteacutelica agrave obscuridade precisamente onde se deveria ter mais clareza Entatildeo para que
Aristoacuteteles garanta a alma como causa da vida mortal ele endossaria os pressupostos dos seus
predecessores e portanto distinguiria o animado do inanimado pelo movimento e pela
percepccedilatildeo36
Polansky apesar disso natildeo esclarece afinal quais os argumentos que sustentam
a associaccedilatildeo entre alma e vida Se limitando apenas agraves implicaccedilotildees argumentativas desse
pressuposto
Contudo se assumirmos que Aristoacuteteles endossa a tese de seus predecessores segundo
a qual o animado se distingue do inanimado pelo movimento e percepccedilatildeo37
e que a nutriccedilatildeo eacute
a capacidade mais baacutesica entre os seres animados38
e por fim que a nutriccedilatildeo e a percepccedilatildeo
satildeo uma forma de movimento39
somos levados a crer que o argumento consiste em
[P1] viver eacute ao menos nutriccedilatildeo crescimento e decaimento
[P2] nutriccedilatildeo crescimento e decaimento satildeo um tipo de movimento (do tipo por si)
[P3] tudo o que se move por si eacute animado
[P4] a alma eacute um princiacutepio imoacutevel de movimento
[C1] logo tudo o que vive eacute animado
36 Cf Nota seguinte 37 τὸ ἔμψυχον δὴ τοῦ ἀψύχου δυσὶ μάλιστα διαφέρειν δοκεῖ κινήσει τε καὶ τῷ αἰσθάνεσθαι παρειλήφαμεν δὲ
καὶ παρὰ τῶν προγενεστέρων σχεδὸν δύο ταῦτα περὶ ψυχῆς ldquoOra haacute a opiniatildeo de que o animado difere do
inanimado em dois aspectos o movimento e a percepccedilatildeo sensiacutevel E em relaccedilatildeo agrave alma satildeo mais ou menos
esses dois que recebemos de nossos predecessoresrdquo DA I 1 403b25-28 (Trad Gomes dos Reis) 38 ὥστε πρῶτον περὶ τροφῆς καὶ γεννήσεως λεκτέον ἡ γὰρ θρεπτικὴ ψυχὴ καὶ τοῖς ἄλλοις ὑπάρχει καὶ πρώτη
καὶ κοινοτάτη δύναμίς ἐστι ψυχῆς καθ ἣν ὑπάρχει τὸ ζῆν ἅπασιν ldquoPor conseguinte deve-se primeiro tratar do
alimento e da geraccedilatildeo pois a alma nutritiva subsiste tambeacutem com as outras sendo a primeira e a mais comum
potecircncia da alma segundo a qual subsiste em todos o viverrdquo DA II 4 415A22-25 (Trad Gomes dos Reis) 39 ἔστι δὲ καὶ ἀλλοίωσις καὶ αὔξησις κατὰ ψυχήν ἡ μὲν γὰρ αἴσθησις ἀλλοίωσίς τις εἶναι δοκεῖ αἰσθάνεται δ
οὐθὲν ὃ μὴ μετέχει ψυχῆς ὁμοίως δὲ καὶ περὶ αὐξήσεώς τε καὶ φθίσεως ἔχει οὐδὲν γὰρ φθίνει οὐδ αὔξεται
φυσικῶς μὴ τρεφόμενον τρέφεται δ οὐθὲν ὃ μὴ κοινωνεῖ ζωῆς ldquoMas inclusive a alteraccedilatildeo e o crecimento
existem segundo a alma pois haacute a opiniatildeo de que a percepccedilatildeo sensiacutevel eacute uma certa alteraccedilatildeo e aquele que natildeo
participa da alma nada percebe de maneira similar ocorre tambeacutem em relaccedilatildeo ao crescimento e decaimento pois
nem decai nem cresce naturalmente aquele que natildeo eacute nutrido e nada que natildeo compartilhe da vida se nutrerdquo DA
II 4 415b23-28 (Trad Gomes dos Reis)
E mais adiante enunciando a percepccedilatildeo Aristoacuteteles eacute categoacuterico ἡ δ αἴσθησις ἐν τῷ κινεῖσθαί τε καὶ πάσχειν
συμβαίνει καθάπερ εἴρηται δοκεῖ γὰρ ἀλλοίωσίς τις εἶναι ldquoA percepccedilatildeo sensiacutevel consiste em ser movido e ser
afetado como dissemos pois haacute a opiniatildeo de que ela eacute uma certa alteraccedilatildeordquo DA II 4 416b35-36 (Trad Gomes
dos Reis)
33
Note que [P1] e [P2] seriam premissas autoevidentes Em [P3] Aristoacuteteles partiria
dos mesmos pressupostos que as endoxai de seus predecessores enquanto [P4] resultaria da
anaacutelise criacutetica dessas endoxai ao longo de DA I 3-5 Aristoacuteteles natildeo nos elucida claramente de
onde ele tira as evidecircncias de [P1] e [P2] ou seja por que essas capacidades tais satildeo
movimentos por si e portanto denotam vida Quanto a [P3] Fiacutes VIII40
nos indica que esta eacute
uma tese que Aristoacuteteles abraccedila mas tambeacutem sem explicar suas razotildees O mais plausiacutevel
parece ser que este eacute um fenocircmeno autoevidente amplamente aceito que dispense justificaccedilatildeo
Diferentemente eacute o caso de [P4] cuja justificativa pode se sustentar na criacutetica aristoteacutelica agraves
noccedilotildees democritianas de que a alma eacute um princiacutepio de movimento que se move em DA I 3
corroborada pela noccedilatildeo de alma enunciada em DA II 1 segundo a qual a alma eacute forma logo
atualidade e portanto princiacutepio de determinaccedilatildeo das funccedilotildees proacuteprias ao ser vivente
Olhando por essas lacunas que o argumento aristoteacutelico conteacutem sua tentativa de
enunciar a alma como causa de vida parece fragilizada Entretanto fato eacute que a vida eacute
explicada pela alma no contexto do pensamento helecircnico Entatildeo conceder a Aristoacuteteles este
pressuposto parece um miacutenimo que o leitor contemporacircneo precise fazer Aleacutem disso vale
lembrar que em Met Z 17 Aristoacuteteles defende ser ldquonecessaacuterio que o dado e a existecircncia da
coisa sejam previamente conhecidosrdquo41
e que portanto o que se investiga eacute ldquopor que alguma
coisa pertence a outrardquo42
Deste modo cabem aqui questotildees como ldquopor que os corpos
vivemrdquo ou ainda ldquopor que se atribui vida a corpos dotados de capacidades taisrdquo E natildeo ldquopor
que o animado se diferencia do inanimado pelo viverrdquo como o formulado no iniacutecio desta
digressatildeo Talvez a fragilidade aparente se decirc pois aqui se toque as Colunas de Heacutercules da
psicologia aristoteacutelica
Retomando a braccedilada dos remos se a tese de que a vida se manifesta pela capacidade
de movimento eacute confirmada quando Aristoacuteteles enuncia uma nova noccedilatildeo de alma como
40 οὐδεμιᾶς γὰρ ἐν ἡμῖν ἐνούσης κινήσεως ἐνίοτε ἀλλ ἡσυχάζοντες ὅμως κινούμεθά ποτε καὶ ἐγγίγνεται ἐν ἡμῖν
ἐξ ἡμῶν αὐτῶν ἀρχὴ κινήσεως κἂν μηθὲν ἔξωθεν κινήσῃ τοῦτο γὰρ ἐπὶ τῶν ἀψύχων οὐχ ὁρῶμεν ὁμοίως ἀλλ
ἀεὶ κινεῖ τι αὐτὰ τῶν ἔξωθεν ἕτερον τὸ δὲ ζῷον αὐτό φαμεν ἑαυτὸ κινεῖν ldquoPor vezes acontece que natildeo haja
movimento em noacutes [entes animados] e que de nosso repouso noacutes sejamos postos em movimento e agraves vezes o
princiacutepio do movimento surge em noacutes e de noacutes sem que nada de outro nos mova de fora Natildeo vemos nada
parecido no caso dos seres inanimados pois eles sempre satildeo movidos por algo outro que reside fora deles Dos
animais noacutes dizemos que eles movem a si mesmosrdquo Fiacutes VIII 2 252b18-23 (Trad Daniel Nascimento)
ὁρῶμεν δὲ καὶ φανερῶς ὄντα τοιαῦτα ἃ κινεῖ αὐτὰ ἑαυτά οἷον τὸ τῶν ἐμψύχων καὶ τὸ τῶν ζῴων γένος ταῦτα δὲ
καὶ δόξαν παρεῖχε μή ποτε ἐνδέχεται κίνησιν ἐγγίγνεσθαι μὴ οὖσαν ὅλως διὰ τὸ ἐν τούτοις ὁρᾶν ἡμᾶς τοῦτο
συμβαῖνον (ἀκίνητα γάρ ποτε ὄντα κινεῖται πάλιν ὡς δοκεῖ) ldquoVemos claramente que existem coisas que se
movem a si mesmas como por exemplo os entes animados e o gecircnero dos animais e por causa disso pensamos
que pode ser possiacutevel que o movimento seja gerado sem que antes tenha existido de qualquer forma pois noacutes
vemos isso acontecer com eles (estarem imoacuteveis em determinado momento e moverem-se novamanete tal como
parece)rdquo Fis VIII 6 259b1-6 (Trad Daniel Nascimento) 41 δεῖ γὰρ τὸ ὅτι καὶ τὸ εἶναι ὑπάρχειν δῆλα ὄντα Met 17 1041a15 42ἄλλο γὰρ οὕτω κατ ἄλλου ἐστὶ τὸ ζητούμενον Met 17 1041a25-26
34
conclusatildeo do raciociacutenio iniciado em DA II 2 temos esta nova formulaccedilatildeo segundo as
capacidades que denotam o viver
νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον εἰρήσθω μόνον ὅτι ἐστὶν ἡ ψυχὴ τῶν εἰρημένων τούτων ἀρχὴ καὶ
τούτοις ὥρισται θρεπτικῷ αἰσθητικῷ διανοητικῷ κινήσει
Por ora eacute suficiente dizer apenas isto que a alma eacute princiacutepio das capacidades
mencionadas ndash nutritiva perceptiva raciocinativa e de movimento ndash e que por elas eacute
definida DA II 2 413b11-13 (Trad Gomes dos Reis)
Esta noccedilatildeo eclode como corolaacuterio da argumentaccedilatildeo anterior Com ela Aristoacuteteles
conquista um importante ponto do seu projeto psicoloacutegico a saber que a noccedilatildeo de alma
explique as distintas formas de vida atraveacutes das capacidades Isto levaraacute a uma gama de
comentadores contemporacircneos a valorizarem esta definiccedilatildeo em detrimento da definiccedilatildeo pela
substacircncia apresentada em DA II 1 Os que assim interpretam43
reduzem a definiccedilatildeo de alma
agrave noccedilatildeo de princiacutepio das funccedilotildees que denotam vida Esta interpretaccedilatildeo natildeo eacute totalmente
equivocada na medida em que textualmente Aristoacuteteles afirma isto Poreacutem ela eacute imprecisa
pois ignora o estatuto ontoloacutegico da alma Como vimos na seccedilatildeo anterior a alma eacute substacircncia
como forma (tegraves psycheacutes ousiacutean eicircnai hocircs eicircdos) do corpo e portanto seu princiacutepio
organizador que lhe confere o viver E enquanto forma do corpo a alma eacute sua atualidade
primeira (enteleacutekheia proteacute) Ou seja princiacutepio formal o qual o corpo se desenvolve em vista
do viver Pois a alma de um lado traz em si as disposiccedilotildees (heacutexeis) necessaacuterias agrave vida e
determina o que este corpo orgacircnico era para ser (tograve tiacute ecircn eicircnai) mediante suas funccedilotildees (eacuterga)
e atividades (eneacutergeiai) de viver Essas funccedilotildees satildeo as capacidades (dynaacutemeis) que
caracterizam os tipos de vida nos seres seu modo proacuteprio de viver Sendo assim a capacidade
nutritiva eacute proacutepria agrave vida vegetativa a perceptiva proacutepria agrave animal e a intelectiva agrave humana
Como se vecirc a definiccedilatildeo pelas capacidades tem sua origem e fundamento na definiccedilatildeo
pela forma Por outro lado esta soacute ganha capilaridade na definiccedilatildeo pela capacidade jaacute que sua
noccedilatildeo geral natildeo define a alma como causa de cada tipo de vida nem princiacutepio das
capacidades proacuteprias ao viver Deste modo uma interpretaccedilatildeo da noccedilatildeo aristoteacutelica de alma
que ignore como ambas noccedilotildees se sustentam mutuamente eacute parcial e suscetiacutevel de engendrar
mais problema que o proacuteprio texto jaacute apresenta
Com isso concluiacutemos De Anima II 2 compreendendo que a alma eacute causa de vida jaacute
que eacute princiacutepio das atividades proacuteprias ao viver Diante da noccedilatildeo geral e como ela se
particulariza nas distintas capacidades resta ainda observar um uacuteltimo ponto que Aristoacuteteles
43Putman (1975) Ackrill (1975-6) Bolton (1978) Nussbaum (1978) Everson (1995) CodeampMoravicsik
(1992) Para uma noccedilatildeo geral das diversas correntes de interpretaccedilatildeo da psicologia aristoteacutelica no seio das
discussotildees de filosofia da mente ver Diamond (2015) Caston (2006) e Irwin (1991)
35
trabalharaacute no capiacutetulo seguinte a saber a disposiccedilatildeo seriada hierarquicamente das diversas
formas de vida
23 A DEFINICcedilAtildeO SERIADA
A tese geral de que a alma eacute forma do corpo sofre uma nova reavaliaccedilatildeo em DA II 3
Como se veraacute adiante Aristoacuteteles surpreendentemente declara que toda busca por um
enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) de alma eacute ridiacuteculo (geloicircon) jaacute que esta noccedilatildeo natildeo
permite a compreensatildeo de que as diversas espeacutecies de vida (vegetativa animal e humana) satildeo
dispostas em uma seacuterie ordenada e hierarquizada de acordo com sua capacidade especiacutefica
Como a leitura das formas de vida dispostas em uma seacuterie ordenada eacute um problema que
precisa ser respondido por quem quer que se debruce sobre a noccedilatildeo aristoteacutelica de alma esta
seccedilatildeo argumentaraacute como a noccedilatildeo de almas seriadas natildeo invalida a noccedilatildeo formal de alma
enunciada em DA II 1
DA II 3 poderia ser tematicamente dividido em duas partes Numa primeira de
414ordf29-414b20 Aristoacuteteles dispotildee a hierarquia das capacidades que denotam vida Se em DA
II 2 ele enunciou as capacidades aqui se argumenta como uma estaacute em relaccedilatildeo de
anterioridade agrave outra e portanto disposta hierarquicamente de modo coextensivo agraves formas
de vida Assim se o movimento segundo nutriccedilatildeo crescimento e decaimento seraacute proacuteprio a
uma forma de vida a vegetativa a adiccedilatildeo da capacidade perceptiva seraacute proacutepria agrave vida
vegetativa e animal Agrave medida que se adicione outras capacidades como o intelecto abrange-
se a vida humana44
Esta hierarquizaccedilatildeo suplementar das capacidades a seu enunciado permite
que Aristoacuteteles encampe a tese de que os tipos de vida satildeo dispostos em seacuteries ordenadas
avanccedilando para a segunda parte do capiacutetulo
δῆλον οὖν ὅτι τὸν αὐτὸν τρόπον εἷς ἂν εἴη λόγος ψυχῆς τε καὶ σχήματος οὔτε γὰρ
ἐκεῖ σχῆμα παρὰ τὸ τρίγωνον ἔστι καὶ τὰ ἐφεξῆς οὔτ ἐνταῦθα ψυχὴ παρὰ τὰς
εἰρημένας γένοιτο δ ἂν καὶ ἐπὶ τῶν σχημάτων λόγος κοινός ὃς ἐφαρμόσει μὲν
πᾶσιν ἴδιος δ οὐδενὸς ἔσται σχήματος ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ ταῖς εἰρημέναις ψυχαῖς διὸ
γελοῖον ζητεῖν τὸν κοινὸν λόγον καὶ ἐπὶ τούτων καὶ ἐφ ἑτέρων ὃς οὐδενὸς ἔσται τῶν
ὄντων ἴδιος λόγος οὐδὲ κατὰ τὸ οἰκεῖον καὶ ἄτομον εἶδος ἀφέντας τὸν τοιοῦτον
(παραπλησίως δ ἔχει τῷ περὶ τῶν σχημάτων καὶ τὰ κατὰ ψυχήν ἀεὶ γὰρ ἐν τῷ ἐφεξῆς
44 Τῶν δὲ δυνάμεων τῆς ψυχῆς αἱ λεχθεῖσαι τοῖς μὲν ὑπάρχουσι πᾶσαι καθάπερ εἴπομεν τοῖς δὲ τινὲς αὐτῶν
ἐνίοις δὲ μία μόνη διασαφητέον δὲ περὶ αὐτῶν ὕστερον νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον () εἰρήσθω ὅτι τῶν ζώντων τοῖς
ἔχουσιν ἁφὴν καὶ ὄρεξις ὑπάρχει περὶ δὲ φαντασίας ἄδηλον ὕστερον δ ἐπισκεπτέον ἐνίοις δὲ πρὸς τούτοις
ὑπάρχει καὶ τὸ κατὰ τόπον κινητικόν ἑτέροις δὲ καὶ τὸ διανοητικόν τε καὶ νοῦς οἷον ἀνθρώποις καὶ εἴ τι
τοιοῦτον ἕτερον ἔστιν ἢ τιμιώτερον ldquoDentre as potecircncias da alma como dissemos todas as mencionadas
subsitem em alguns seres em outros soacute algumas delas e em alguns apenas uma E mencionamos como
potecircncias a nutritiva a perceptiva a desiderativa a locomotiva e a raciocinativa Ora nas plantas subsiste
somente a nutritiva mas em outros seres tanto esta como a perceptiva () Por ora eacute suficiente dizer isto que
entre os seres vivos que possuem tato tambeacutem subsiste desejo No que se refere agrave imaginaccedilatildeo natildeo estaacute claro e
devemos examinaacute-la posteriormente Em alguns seres vivos aleacutem disso subsiste tambeacutem a capacidade de se
locomover e em outros ainda a de raciocinar e o intelecto ndash por exemplo nos homens e em algum outro se
houver de tal qualidade ou mais valiosordquo DA II 3 414a29-414b20 (Trad Gomes dos Reis)
36
ὑπάρχει δυνάμει τὸ πρότερον ἐπί τε τῶν σχημάτων καὶ ἐπὶ τῶν ἐμψύχων οἷον ἐν
τετραγώνῳ μὲν τρίγωνον ἐν αἰσθητικῷ δὲ τὸ θρεπτικόν) ὥστε καθ ἕκαστον
ζητητέον τίς ἑκάστου ψυχή οἷον τίς φυτοῦ καὶ τίς ἀνθρώπου ἢ θηρίου διὰ τίνα δ
αἰτίαν τῷ ἐφεξῆς οὕτως ἔχουσι σκεπτέον ἄνευ μὲν γὰρ τοῦ θρεπτικοῦ τὸ αἰσθητικὸν
οὐκ ἔστιν τοῦ δ αἰσθητικοῦ χωρίζεται τὸ θρεπτικὸν ἐν τοῖς φυτοῖς
Eacute claro que poderia da mesma maneira haver entatildeo um enunciado uacutenico tanto de
figura como de alma Pois nem no primeiro caso existe figura aleacutem do triacircngulo e
daquelas que o sucedem nem neste caso existe alma aleacutem das mencionadas A
respeito das figuras tambeacutem eacute possiacutevel formular um enunciado comum que se aplique
a todas sem ser proacuteprio a nenhuma e o mesmo ocorre com as almas mencionadas Por
isso tanto neste como em outros casos eacute ridiacuteculo procurar um enunciado comum ndash
pois a nenhum dos seres seraacute um enunciado proacuteprio nem estaraacute de acordo com a
forma apropriada e indivisiacutevel ndash deixando-se de lado o enunciado deste tipo (E as
coisas concernentes agrave alma estatildeo em situaccedilatildeo parecida agravequela das figuras pois tanto
no caso das figuras como no caso dos seres animados o anterior sempre subsiste
naquilo que o sucede por exemplo o triacircngulo no quadrado o poder de nutrir-se no
de perceber) Assim deve ser investigado de acordo com cada caso o que eacute a alma
de cada um ndash por exemplo o que eacute a alma da planta do homem ou da besta E deve
ser examinado a causa de ser disposto assim em sucessatildeo Pois sem a nutritiva natildeo
existe a capacidade perceptiva embora nas plantas a nutritiva exista separada da
perceptiva DA II 3 414b20-415a6 (Trad Gomes dos Reis)
A analogia entre figura do triacircngulo e a alma vegetativa permite esclarecer qual a
relaccedilatildeo de sucessatildeo entre uma capacidade e outra O triacircngulo eacute a figura geomeacutetrica plana
mais baacutesica de todas A composiccedilatildeo de dois triacircngulos forma um quadrilaacutetero A composiccedilatildeo
de trecircs triacircngulos forma um pentaacutegono e assim sucessivamente Ou seja da mesma maneira
que o triacircngulo subsiste em potecircncia no quadrilaacutetero e este no pentaacutegono a nutriccedilatildeo subsiste
em potecircncia na percepccedilatildeo e esta no intelecto Portanto se a capacidade nutritiva eacute proacutepria agrave
vida vegetativa a perceptiva agrave animal e a intelectiva agrave humana entatildeo igualmente a vida
vegetativa subsiste na animal e a animal na humana Sendo assim da mesma maneira que se
faz necessaacuteria uma definiccedilatildeo proacutepria ao triacircngulo ao quadrilaacutetero e ao pentaacutegono deve-se
buscar um enunciado proacuteprio a cada uma dessas formas de vida para que se sustente como a
alma eacute princiacutepio de cada tipo de vida e natildeo somente da vida em geral Pois um enunciado que
decirc a noccedilatildeo da alma que cubra todas as formas de vida mas que natildeo toque particularmente em
uma natildeo cumpre seu fim argumentativo que eacute explicar a razatildeo da alma ser causa de vida no
ser vivente como se segue
ὅτι μὲν οὖν ὁ περὶ τούτων ἑκάστου λόγος οὗτος οἰκειότατος καὶ περὶ ψυχῆς δῆλον
Eacute claro entatildeo que o enunciado de cada uma destas capacidades eacute tambeacutem o mais
apropriado a respeito da alma DA II 3 415a13-14 (Trad Gomes dos Reis)
Levando-se em conta que Aristoacuteteles se dedicaraacute em todo o restante do De Anima
investigando cada uma das capacidades e seus desdobramentos para uma noccedilatildeo de alma
37
podemos ser levados a crer que Aristoacuteteles elege este como o melhor criteacuterio para uma
definiccedilatildeo de alma
Haacute portanto um grande problema a ser encarado aqui que consiste na resposta a uma
das questotildees elencadas em DA I 145
a saber se eacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma enquanto
tal ou uma para cada tipo de ser vivente Pelo caminho que segue a discussatildeo tende-se a uma
resposta de que seraacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma para cada forma de vida Entretanto
Aristoacuteteles jaacute problematizara se mesmo que haja uma noccedilatildeo uacutenica para catildees cavalos e
homens a de animal esta noccedilatildeo uacutenica eacute universal posterior anterior ou nada em relaccedilatildeo aos
itens
Seguindo o texto de DA II 3 a nutriccedilatildeo eacute a capacidade sobre a qual se erguem todas as
outras ateacute a capacidade de pensamento Dado que um corpo eacute dotado de nutriccedilatildeo e portanto
vivente por causa da alma e a seu turno dado que a alma eacute forma e atualidade primeira do
corpo e portanto princiacutepio organizador das capacidades que denotam o viver novamente a
definiccedilatildeo pela forma sustenta ontologicamente a definiccedilatildeo pelas capacidades e por
concomitacircncia a definiccedilatildeo seriada
Assim a criacutetica que Aristoacuteteles faz agrave noccedilatildeo mais geral de alma enunciada em DA II 1
natildeo eacute razatildeo suficiente para seu descarte no seu projeto psicoloacutegico Com efeito se a noccedilatildeo de
alma como forma eacute insuficiente para explicar por que a alma eacute princiacutepio de vida em cada tipo
de ser vivente como sustentado ao iniacutecio de DA II 2-3 ela eacute justamente a noccedilatildeo ontoloacutegica
para que responde pela sua atualidade e determinaccedilatildeo das propriedades relevantes do ser deste
corpo dotado de oacutergatildeos Assim se as noccedilotildees de alma como forma e princiacutepio das capacidades
satildeo intercambiantes como argumentei anteriormente e se a definiccedilatildeo estaacute diretamente
atrelada agrave hierarquia dessas capacidades entatildeo a proacutepria noccedilatildeo de alma seriada depende
logicamente da noccedilatildeo de alma como forma Sendo assim o enunciado geral eacute redimensionado
em DA II 3 pela disposiccedilatildeo seriada da alma a um princiacutepio loacutegico-ontoloacutegico mediante o qual
esta ciecircncia comum a muitas coisas pode se realizar
45 εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον
ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν
ἄλλο κατηγοροῖτο Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma uacutenica
definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a de cavalo catildeo homem
divindade sendo neste caso o animal considerado universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo
ocorrendo para qualquer outro atributo comum que for predicadordquo DA I 1 402b4-9 (Trad Gomes dos Reis)
38
3 CONCLUSAtildeO
Como se apresentou nesta monografia Aristoacuteteles enuncia sua noccedilatildeo de alma em
momentos distintos Um primeiro a partir da discussatildeo com as teses predecessoras Nela o
que se conquista eacute que a alma eacute imoacutevel e origem de movimento nos seres viventes Depois
atraveacutes de um enunciado geral para os diversos tipos de vida que a define como forma do
corpo Um terceiro que enuncia a alma como causa de vida e a define como princiacutepio das
capacidades que denotam o viver E por fim um quarto enunciado que a apresenta como
disposta em seacuterie ordenada segundo suas capacidades Na medida que o enunciado geral se
mostra insuficiente para o projeto psicoloacutegico traccedilado e as outras definiccedilotildees parecem melhor
corresponder a este objetivo a unidade enunciativa entre as diversas definiccedilotildees aparenta ser
vulneraacutevel Natildeo por menos como foi abordado ao longo deste texto tende-se a salientar uma
das definiccedilotildees e desconsiderar a outra Esta natildeo parece ser a interpretaccedilatildeo que melhor
compreenda a psicologia aristoteacutelica Como argumentado observar a definiccedilatildeo pelas
capacidades sem a definiccedilatildeo pela forma esvazia ontologicamente a noccedilatildeo de que a alma eacute
princiacutepio de vida A alma como forma do corpo eacute o enunciado mediante o qual a garante
como atualidade primeira e portanto princiacutepio das caracteriacutesticas e funccedilotildees proacuteprias ao ser
vivente Por outro lado como o proacuteprio Aristoacuteteles enuncia a definiccedilatildeo pela forma daacute uma
noccedilatildeo que abarca todas as formas de vida mas natildeo enuncia a alma como causa do viver nem
que as diversas almas satildeo dispostas em seacuterie ordenada Satildeo nestes dois pontos que a definiccedilatildeo
pela capacidade se torna igualmente relevante para o projeto psicoloacutegico aristoteacutelico Sem ela
seriam inviaacuteveis todos os outros capiacutetulos nos quais Aristoacuteteles enuncia discorre e formula a
atividade das capacidades proacuteprias ao ser vivo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo imaginaccedilatildeo intelecto e
movimento segundo deslocamento Por estas razotildees uma interpretaccedilatildeo que conjugue as duas
definiccedilotildees no interior do projeto psicoloacutegico aristoteacutelico parece ser a que contemple melhor o
horizonte teoacuterico que a investigaccedilatildeo erige
Haacute um alguns aspectos que esta monografia deixa pelo caminho Na seccedilatildeo 1 Taacutebua de
Definiccedilatildeo foram elencados os diversos elementos de definiccedilatildeo da alma e como se faria a
inquiriccedilatildeo O primeiro grupo foi respondido ao longo da seccedilatildeo 2 A Noccedilatildeo de Alma mas o
segundo natildeo O segundo grupo de elementos da taacutebua seraacute dissertado por Aristoacuteteles nos
capiacutetulos posteriores ao DA II 3 quando ele se debruccedila sobre cada uma das capacidades
Como esta monografia pretende abordar apenas as definiccedilotildees sem dar interpretaccedilatildeo total do
tratado entatildeo soacute pode responder parte da taacutebua das definiccedilotildees Aleacutem disso a interpretaccedilatildeo das
definiccedilotildees de um modo consistente precisaria ser verificada na sua aplicaccedilatildeo sobre o restante
39
do tratado Em outras palavras eacute preciso verificar se esta interpretaccedilatildeo dificulta ou facilita a
interpretaccedilatildeo das outras teses da psicologia aristoteacutelica por exemplo a tese da percepccedilatildeo que eacute
definida como a recepccedilatildeo das formas sem mateacuteria Nas interpretaccedilotildees de Polanski e Diamond
comentadores paradigmaacuteticos para a abordagem adotada a coordenaccedilatildeo dos enunciados
definitoacuterios daacute conta das diversas formulaccedilotildees de capacidades e suas funcionalidades ao longo
do tratado Fico devendo portanto explicitar como a posiccedilatildeo que assumo se aplica nas
diversas capacidades enunciadas pelo Aristoacuteteles
Com isso conclui-se este trabalho com a compreensatildeo que ele eacute limitado Haacute nele
problemas proacuteprios agrave interpretaccedilatildeo de um texto conciso e arrojado como eacute o De Anima
Ainda assim espera-se que os erros ou imprecisotildees eventuais natildeo comprometam seu escopo
exegeacutetico Espera-se tambeacutem que esta monografia possa se converter em trabalhos futuros que
fomente a discussatildeo relativa ao De Anima no contexto filosoacutefico brasileiro Da mesma forma
que ela foi provocada pela traduccedilatildeo e comentaacuterios da Professora Doutora Maria Ceciacutelia
Gomes dos Reis Se este trabalho for bem sucedido nessas pretensotildees jaacute teraacute cumprido sua
funccedilatildeo
40
4 BIBLIOGRAFIA
ACKRIL J L Aristotlersquos Definitions of Psyche Proceedings of the Aristotelian Society New
Series Vol 73 1972-1973 p 119-133
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13
sentido tanto a definiccedilatildeo pela forma quanto a definiccedilatildeo pela capacidade satildeo mutuamente
necessaacuterias para uma noccedilatildeo de alma que atenda ao projeto psicoloacutegico aristoteacutelico
Para tanto apresento na primeira seccedilatildeo o horizonte conceitual e teoacuterico mediante o
qual Aristoacuteteles investiga a alma Atraveacutes das vaacuterias aporiacuteai elencadas em DA I 1 se delimita
tanto o fim que a investigaccedilatildeo persegue quanto a seus limites conceituais de teorizaccedilatildeo Em
seguida trato das endoxai presentes em DA I 2-5 como recurso metodoloacutegico para se extrair
das teses predecessoras algumas noccedilotildees miacutenimas sobre a alma Na seccedilatildeo seguinte abordo as
trecircs noccedilotildees jaacute apresentadas acima Como se veraacute ao iniacutecio de DA I 1 e 2 Aristoacuteteles ainda faz
duas revisotildees metodoloacutegicas deixando bem claro qual aspecto da investigaccedilatildeo se objetiva
tratar Especificamente em 2a) sobre DA II 1 remonto o argumento que resulta na definiccedilatildeo
pela forma comentando qual sua implicaccedilatildeo ontoloacutegica para a alma e como ela se desdobra
nas noccedilotildees aniacutemicas de atualidade primeira e princiacutepio de determinaccedilatildeo Em seguida
apresento a definiccedilatildeo pelas capacidades como princiacutepio de vida em DA II 2 Com isso indico
como a noccedilatildeo de vida e alma estatildeo associadas e como Aristoacuteteles argumenta para uma ser
evidecircncia da outra fazendo desta a causa daquela Adiante apresento a definiccedilatildeo seriada em
DA II 3 e como ela potildee em crise a definiccedilatildeo pela forma Por fim explicito como muitos
comentadores se localizaram em meio ao problema e argumento como as trecircs definiccedilotildees estatildeo
em uma unidade conceitual na qual todas satildeo relevantes para o projeto psicoloacutegico de
Aristoacuteteles
14
1 A TAacuteBUA DA DEFINICcedilAtildeO
A fim de apresentar os problemas proacuteprios ao estudo da alma e delimitar seu campo de
investigaccedilatildeo Aristoacuteteles apresenta em DA I 1 uma taacutebua de definiccedilatildeo onde elenca os
elementos para definir a alma e a abordagem para a sua pesquisa Primeiro Aristoacuteteles
circunscreve em que paracircmetros conceituais a noccedilatildeo se estabelece Em seguida se apresenta o
meacutetodo que orienta a busca por esse enunciado Deste modo os elementos de definiccedilatildeo que
compotildeem a lista satildeo o gecircnero de ser da alma1 o seu modo de ser
2 e por fim sua unidade
3 Jaacute
como abordagem decide-se pela ordem loacutegica da definiccedilatildeo4 para se analisar a independecircncia
das suas partes5 de modo a determinar o primeiro passo a se investigar em cada uma e
finalmente conhecer sobre a sua separabilidade6
Logo ao iniacutecio de De Anima I 1 Aristoacuteteles enuncia qual o objetivo geral de
seu projeto investigativo
ἐπιζητοῦμεν δὲ θεωρῆσαι καὶ γνῶναι τήν τε φύσιν αὐτῆς καὶ τὴν οὐσίαν εἶθ ὅσα
συμβέβηκε περὶ αὐτήν ὧν τὰ μὲν ἴδια πάθη τῆς ψυχῆς εἶναι δοκεῖ τὰ δὲ δι ἐκείνην
καὶ τοῖς ζῴοις ὑπάρχειν
Buscamos considerar e conhecer sua natureza e substacircncia bem como todos os seus
atributos dentre os quais uns parecem ser afecccedilotildees proacuteprias da alma enquanto outros
parecem subsistir nos animais graccedilas a ela DA I 1 402a7-10 (Trad Gomes dos Reis)
Investigar a natureza (phyacutesis) da alma consiste em pesquisar seu gecircnero de ser Jaacute
conhecer sua substacircncia (ousiacutea) eacute conhecer seus atributos (symbeacutebekos) as caracteriacutesticas que
1 πρῶτον δ ἴσως ἀναγκαῖον διελεῖν ἐν τίνι τῶν γενῶν καὶ τί ἐστι λέγω δὲ πότερον τόδε τι καὶ οὐσία ἢ ποιὸν ἢ
ποσόν ἢ καί τις ἄλλη τῶν διαιρεθεισῶν κατηγοριῶν ldquoEm todo caso eacute preciso decidir primeiro a qual dos
gecircneros a alma pertence e o que eacute ndash quero dizer se ela eacute algo determinado e substacircncia ou se eacute uma qualidade
uma quantidade ou mesmo alguma outra das categorias jaacute distinguidasrdquo DA I 1 402a22-25 (Trad de Gomes dos
Reis) 2 ἔτι δὲ πότερον τῶν ἐν δυνάμει ὄντων ἢ μᾶλλον ἐντελέχειά τις ldquoe ainda se estaacute entre os seres em potecircncia ou
antes se eacute uma certa atualidaderdquo DA I 1 402a27 (Trad de Gomes dos Reis) 3 σκεπτέον δὲ καὶ εἰ μεριστὴ ἢ ἀμερής καὶ πότερον ὁμοειδὴς ἅπασα ψυχὴ ἢ οὔ εἰ δὲ μὴ ὁμοειδής πότερον εἴδει
διαφέρουσα ἢ γένει ldquoEacute preciso examinar tambeacutem se ela eacute divisiacutevel em partes ou natildeo e se toda e qualquer alma eacute
de mesma forma e no caso de natildeo ser de mesma forma se a diferenccedila eacute de espeacutecie ou de gecircnerordquo DA I 1
402b1-3 (Trad de Gomes dos Reis) 4 εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον
ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν
ἄλλο κατηγοροῖτο ldquoEacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma uacutenica
definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a de cavalo catildeo homem
divindade sendo neste caso o animal considerado universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo
ocorrendo para qualquer outro atributo comum que for predicadordquo DA I 1 402b4-9 (Trad de Gomes dos Reis) 5 ἔτι δέ εἰ μὴ πολλαὶ ψυχαὶ ἀλλὰ μόρια πότερον δεῖ ζητεῖν πρότερον τὴν ὅλην ψυχὴν ἢ τὰ μόρια χαλεπὸν δὲ
καὶ τούτων διορίσαι ποῖα πέφυκεν ἕτερα ἀλλήλων καὶ πότερον τὰ μόρια χρὴ ζητεῖν πρότερον ἢ τὰ ἔργα αὐτῶν
ldquoAleacutem disso no caso de serem muitas as partes e natildeo as almas deve-se primeiro investigar a alma como um
todo ou suas partes Tambeacutem eacute difiacutecil definir quais dentre estas satildeo por natureza distintas entre si e se eacute uacutetil
investigar primeiro as partes ou suas funccedilotildeesrdquo DA I 1 402b9-12 (Trad de Gomes dos Reis) 6 ἀπορίαν δ ἔχει καὶ τὰ πάθη τῆς ψυχῆς πότερόν ἐστι πάντα κοινὰ καὶ τοῦ ἔχοντος ἢ ἔστι τι καὶ τῆς ψυχῆς ἴδιον
αὐτῆς ldquoHaacute ainda a dificuldade de saber se as afecccedilotildees da alma satildeo todas comuns agravequilo que possui alma ou se
haacute tambeacutem alguma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma tatildeo somenterdquo DA I 1 403a3-5 (Trad de Gomes dos Reis)
15
nos datildeo uma noccedilatildeo da alma segundo suas afecccedilotildees (patheacute) Entre os seus atributos alguns
parecem ser exclusivamente afecccedilotildees da alma jaacute outros parecem ser comuns agrave alma e ao
corpo portanto atributos um ser animado (zoacuteois) Por afecccedilatildeo devemos compreender a
determinaccedilatildeo na mateacuteria (loacutegoi eacutenyloi)7 de maneira que os atributos da alma e do corpo seratildeo
comuns a ambos Jaacute a afecccedilatildeo proacutepria agrave alma eacute a que natildeo se daacute pela determinaccedilatildeo na mateacuteria
mas por si mesma Entre os atributos da alma a capacidade de pensamento parece ser a que
atende esse requisito A menos poreacutem que dependa de imagens para sua atividade Assim
nem mesmo o pensamento seria uma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma8 Em suma a investigaccedilatildeo da
alma consiste em saber sua natureza sua essecircncia e as afecccedilotildees que lhe satildeo atribuiacutedas sejam
elas proacuteprias ou comuns ao corpo no qual ela se instancia
Aristoacuteteles parte entatildeo para o primeiro elemento da definiccedilatildeo a se estabelecer
πρῶτον δ ἴσως ἀναγκαῖον διελεῖν ἐν τίνι τῶν γενῶν καὶ τί ἐστι λέγω δὲ πότερον τόδε
τι καὶ οὐσία ἢ ποιὸν ἢ ποσόν ἢ καί τις ἄλλη τῶν διαιρεθεισῶν κατηγοριῶν
Em todo caso eacute preciso decidir primeiro a qual dos gecircneros a alma pertence e o que eacute
ndash quero dizer se ela eacute algo determinado e substacircncia ou se eacute uma qualidade uma
quantidade ou mesmo alguma outra das categorias jaacute distinguidas DA I 1 402a22-25
(Trad de Gomes dos Reis)
O primeiro dos pressupostos sobre os quais se deveraacute responder eacute o gecircnero de ser da
alma Filopono9 comenta que Aristoacuteteles tem em vista platocircnicos pitagoacutericos e Xenoacutecrates
para os quais a alma eacute substacircncia harmonia e nuacutemero respectivamente Nas Categorias10
7 εἰ δ οὕτως ἔχει δῆλον ὅτι τὰ πάθη λόγοι ἔνυλοί εἰσιν ldquoSe assim eacute as afecccedilotildees satildeo evidentemente formas
implicadas na mateacuteriardquo DA I 1 403a24 (Trad Gomes dos Reis) 8 εἰ δ ἐστὶ καὶ τοῦτο φαντασία τις ἢ μὴ ἄνευ φαντασίας οὐκ ἐνδέχοιτ ἂν οὐδὲ τοῦτ ἄνευ σώματος εἶναιldquoNatildeo
obstante se tambeacutem o pensar eacute um tipo de imaginaccedilatildeo ou se ele natildeo pode ocorrer sem a imaginaccedilatildeo entatildeo nem
mesmo o pensar poderia existir sem o corpordquo DA I 1 403a8-10 (Trad Gomes dos Reis) 9 ὧν ἐστι καὶ Ξενοκράτης ἀριθμὸς γάρ φησί κινῶν ἑαυτόν ἐστιν ἡ ψυχή ὁ δὲ ἀριθμὸς ὑπὸ τὸ ποσόν εἰ δὴ
τοῦτο ἔλεγεν ἐκεῖνος καὶ μὴ ἄλλο τι διὰ τούτου ᾐνίττετο οἱ δὲ ὑπὸ τὸ ποιόν ὧν εἰσιν καὶ οἱ ἰατροὶ κρᾶσιν εἶναι
λέγοντες τοιοῦτοι δ ἂν εἶεν καὶ οἱ ἐντελέχειαν λέγοντες τοιαύτην μαθησόμεθα γάρ πῶς φησιν αὐτὴν
ἐντελέχειαν ὁ Ἀριστοτέλης οἱ δὲ λόγον λέγοντες τῶν στοιχείων δόξαιεν ἂν ὑπὸ τὸ πρός τι ἀνάγειν τὸ γὰρ
διπλάσιον ἢ ἡμιόλιον ὑπὸ τὸ πρός τι τινὸς γὰρ διπλάσιον ἀμφίβολον οὖν τέως τὸ γένος ldquoAlguns a classificam
sob o tiacutetulo de substacircncia outros sob quantidade Dentre eles Xenoacutecrates que afirma que a alm eacute o nuacutemero
movendo por si mesmo e o nuacutemero eacute dado sob quantidade se for isto que ele quer dizer ao inveacutes de algo
distinto do que por essas palavras ele se refere obscuramente Outros dizem que isto pertence a qualidade Em
meio a isto estatildeo os meacutedicos que dizem que eacute a mistura dentre os quais haacute tambeacutem os que dizem que eacute uma
atualidade pois aprenderemos com Aristoacuteteles chama a alma de atualidade Aqueles que dizem que eacute uma
proporccedilatildeo dos elementos pareceriam entitulaacute-la sob a ltcategoria dogt relativo pelo duplo ou a metade
pertencerem agrave categoria do relativo pois o duplo eacute de algo Assim sendo entatildeo o gecircnero permanece
controversordquo PHILOPONUS Com DA 32 32 ndash 337 (Trad da traduccedilatildeo de P J Eijk) 10Οὐσία δέ ἐστιν ἡ κυριώτατά τε καὶ πρώτως καὶ μάλιστα λεγομένη ἣ μήτε καθ ὑποκειμένου τινὸς λέγεται μήτε
ἐν ὑποκειμένῳ τινί ἐστιν οἷον ὁ τὶς ἄνθρωπος ἢ ὁ τὶς ἵππος δεύτεραι δὲ οὐσίαι λέγονται ἐν οἷς εἴδεσιν αἱ
πρώτως οὐσίαι λεγόμεναι ὑπάρχουσιν ταῦτά τε καὶ τὰ τῶν εἰδῶν τούτων γένη ldquoSubstacircncia entendida em
sentido proacuteprio primeiro e supremo eacute a que natildeo se predica de um sujeito e natildeo existe nalgum sujeito por
exemplo um homem um cavalo Substacircncias segundas satildeo as formas (ou espeacutecies) nas quais estatildeo incluiacutedas as
que satildeo ditas substacircncias primeiras e tambeacutem os gecircneros destasrdquo Cat 5 2a11 (Trad Lucas Angioni)
16
Aristoacuteteles compreende a substacircncia primeira como entes particulares enquanto o gecircnero e
forma satildeo substacircncias segundas Sabe-se que Aristoacuteteles inverte esta noccedilatildeo de substacircncia em
Metafiacutesica Z onde substacircncia primeira eacute identificada com a forma11
que eacute priorizada em
relaccedilatildeo ao composto e agrave mateacuteria Portanto as noccedilotildees de substacircncia quantidade e qualidade
que Aristoacuteteles trabalha na definiccedilatildeo de alma no DA I 1 estariam mais proacuteximas das Cat que
da Met Z Eacute o que somos levados a acreditar se considerarmos que esta mesma formulaccedilatildeo
ocorre mais adiante em DA I 5 410a16-2112
Nesta e naquela passagem Aristoacuteteles quer saber
se a alma eacute uma substacircncia particular e determinada ou seja um objeto de predicaccedilatildeo que natildeo
se predica de outrem
Passemos para o segundo elemento que deve estar presente numa definiccedilatildeo de alma
ἔτι δὲ πότερον τῶν ἐν δυνάμει ὄντων ἢ μᾶλλον ἐντελέχειά τις
e ainda se estaacute entre os seres em potecircncia ou antes se eacute uma certa atualidade DA I
1 402a27 (Trad de Gomes dos Reis)
A diferenccedila que os conceitos de potecircncia (dyacutenamis) e atualidade (entelekheacuteia) fazem eacute
sobre o estatuto material ou formal da alma Pois se a alma for de natureza material entatildeo eacute
em potecircncia e sujeita ao movimento Entretanto se for de natureza formal seraacute uma certa
atualidade e princiacutepio de determinaccedilatildeo e atividade Gomes dos Reis13
observa que atualidade
eacute colocada em termos vagos (ldquouma certa atualidaderdquoenteleacutekheia tiacutes) o que indica que soacute faz
sentido falar em atualidade enquanto forma especiacutefica quando instanciada em uma mateacuteria de
um tipo uma alma x que se instancia em um corpo de um tipo x
Outro elemento de definiccedilatildeo da alma eacute sua unidade
σκεπτέον δὲ καὶ εἰ μεριστὴ ἢ ἀμερής καὶ πότερον ὁμοειδὴς ἅπασα ψυχὴ ἢ οὔ εἰ δὲ
μὴ ὁμοειδής πότερον εἴδει διαφέρουσα ἢ γένει
Eacute preciso examinar tambeacutem se ela eacute divisiacutevel em partes ou natildeo e se toda e qualquer
alma eacute de mesma forma e no caso de natildeo ser de mesma forma se a diferenccedila eacute de
espeacutecie ou de gecircnero DA I 1 402b1-3 (Trad de Gomes dos Reis)
11 ἕκαστόν τε γὰρ οὐκ ἄλλο δοκεῖ εἶναι τῆς ἑαυτοῦ οὐσίας καὶ τὸ τί ἦν εἶναι λέγεται εἶναι ἡ ἑκάστου
οὐσίαldquoCom efeito a coisa individual natildeo parece ser diferente da proacutepria substacircncia e dizemos que a essecircncia eacute
justamente a substacircncia da coisa individualrdquo Met Z 6 1031ordf17-18 (Trad Giovanni Reale)
εἶδος δὲ λέγω τὸ τί ἦν εἶναι ἑκάστου καὶ τὴν πρώτην οὐσίαν ldquoPor forma entendo a essecircncia de cada coisa e sua
substacircncia primeirardquo Met Z 7 1032b1-2 (Trad Giovanni Reale) 12 ἆρ οὖν ὅσα τῶν οὐσιῶν ἐκ τούτων μόνον πῶς οὖν γινώσκει καὶ τῶν ἄλλων ἕκαστον ἢ φήσουσιν ἑκάστου
γένους εἶναι στοιχεῖα καὶ ἀρχὰς ἰδίας ἐξ ὧν τὴν ψυχὴν συνεστάναι ἔσται ἄρα ποσὸν καὶ ποιὸν καὶ οὐσία ἀλλ
ἀδύνατον ἐκ τῶν τοῦ ποσοῦ στοιχείων οὐσίαν εἶναι καὶ μὴ ποσόνldquoOra seraacute a alma composta somente daqueles
elementos que satildeo comuns agraves substacircncias Como entatildeo conhece ainda cada um dos outros Ou se diraacute que haacute
elementos e princiacutepios particulares a cada gecircnero e que a alma eacute constituiacuteda de todos eles A alma seria entatildeo
quantidade qualidade e substacircncia Mas eacute impossiacutevel que a substacircncia seja composta dos elementos da
quantidade e natildeo seja quantidade ela mesmardquo DA I 5 410a16-21 (Trad Gomes dos Reis) 13 2006 148-149
17
Aqui reside um dos problemas mais comprometedores sobre a investigaccedilatildeo
psicoloacutegica aristoteacutelica a) A alma eacute divisiacutevel ou indivisiacutevel b) cada parte da alma teria uma
forma proacutepria c) Caso seja divisiacutevel as almas se diferenciam em gecircnero ou espeacutecie
Segundo Polansky14
Aristoacuteteles resolve esta bateria de problemas supondo que um ser
vivente tem sua proacutepria alma cujas partes correspondam agraves funccedilotildees sendo estas partes
divisiacuteveis pelos tipos de vida (vegetativa animal humana) A divisibilidade das partes se daacute
de acordo com a capacidade aniacutemica que eacute viver segundo uma atividade e se distinguiria em
gecircnero (a vida perceptiva) ou espeacutecie (catildees cavalos e homem) Isto que garantiraacute a
indivisibilidade da alma ao longo dos tipos de vida segundo suas capacidades Assim
Aristoacuteteles consegue ter um enunciado formal que garanta a unidade geneacuterica fazendo dos
tipos de vida como espeacutecies de seres vivos e as capacidades suas diferenccedilas especiacuteficas
Definido isto deve-se inquirir sobre a amplitude da definiccedilatildeo
εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ
καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι
οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν ἄλλο κατηγοροῖτο
Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma
uacutenica definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a
de cavalo catildeo homem divindade sendo neste caso o animal considerado
universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo ocorrendo para qualquer outro
atributo comum que for predicado DA I 1 402b4-9 (Trad de Gomes dos Reis)
Ateacute aqui Aristoacuteteles se debruccedilava sobre os elementos que devem compor a definiccedilatildeo
de alma Daqui adiante a questatildeo passa a ser qual a abordagem de pesquisa para se formular
esta definiccedilatildeo E um primeiro ponto se refere agrave abrangecircncia da definiccedilatildeo Dado que a alma
pode ter partes sendo estas partes divisiacuteveis ou natildeo a definiccedilatildeo deve ser geral e abranger todo
gecircnero de alma ou deve haver uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie de alma Para Polansky15
a
existecircncia de gecircneros eacute questionaacutevel pois parecem ser universais Noacutes natildeo encontramos um
universal tal qual Soacutecrates e Caacutelias pois estes satildeo particulares Tambeacutem natildeo encontramos um
gecircnero de alma tal qual catildees e cavalos pois estes satildeo espeacutecies Deste modo uma definiccedilatildeo
geneacuterica ofereceria apenas uma noccedilatildeo comum segundo as espeacutecies de alma sem
necessariamente enunciar suas as espeacutecies Portanto esta questatildeo contrasta duas noccedilotildees de
definiccedilatildeo da alma a particular (kathrsquo hekaacutesten) e universal (tograve kathoacutelou) Esta tensatildeo
enunciada aqui persistiraacute nas questotildees posteriores ainda neste capiacutetulo mas se evidenciaraacute
mais fortemente nos enunciados de alma presentes em DA II 1-3 Em siacutentese o problema
consiste em saber se a definiccedilatildeo de alma deve ser pelo seu gecircnero ou sua espeacutecie
14 2007 34-35 15 2008 45
18
ἔτι δέ εἰ μὴ πολλαὶ ψυχαὶ ἀλλὰ μόρια πότερον δεῖ ζητεῖν πρότερον τὴν ὅλην ψυχὴν ἢ
τὰ μόρια χαλεπὸν δὲ καὶ τούτων διορίσαι ποῖα πέφυκεν ἕτερα ἀλλήλων καὶ πότερον
τὰ μόρια χρὴ ζητεῖν πρότερον ἢ τὰ ἔργα αὐτῶν
Aleacutem disso no caso de serem muitas as partes e natildeo as almas deve-se primeiro
investigar a alma como um todo ou suas partes Tambeacutem eacute difiacutecil definir quais dentre
estas satildeo por natureza distintas entre si e se eacute uacutetil investigar primeiro as partes ou
suas funccedilotildees DA I 1 402b9-12 (Trad de Gomes dos Reis)
Na medida em que a alma eacute composta de partes que correspondem agraves suas
capacidades se decide se a investigaccedilatildeo abordaraacute primeiramente suas partes ou a alma como
um todo aleacutem de como investigar a capacidade ou a funccedilatildeo caso as capacidades sejam
distintas Ou seja eacute preciso decidir se a investigaccedilatildeo se inicia pela percepccedilatildeo ou pelo animal
ἀπορίαν δ ἔχει καὶ τὰ πάθη τῆς ψυχῆς πότερόν ἐστι πάντα κοινὰ καὶ τοῦ ἔχοντος ἢ
ἔστι τι καὶ τῆς ψυχῆς ἴδιον αὐτῆς
Haacute ainda a dificuldade de saber se as afecccedilotildees da alma satildeo todas comuns agravequilo que
possui alma ou se haacute tambeacutem alguma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma tatildeo somente DA I 1
403a3-5 (Trad de Gomes dos Reis)
Apoacutes uma exaustiva exposiccedilatildeo do que deve compor a definiccedilatildeo de alma
Aristoacuteteles elenca o uacuteltimo requisito de sua investigaccedilatildeo o grau de separabilidade da alma ou
de alguma de suas partes As capacidades de movimento reproduccedilatildeo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo e
imaginaccedilatildeo parecem ter sua ocorrecircncia no composto de corpo e alma que eacute o ser vivente
Entretanto haacute na teoria aristoteacutelica do intelecto sua face passiva e ativa conforme formulou a
tradiccedilatildeo sendo a ativa de natureza separada e imortal16
Isto faria desta parte do intelecto uma
afecccedilatildeo proacutepria da alma sem ocorrecircncia conjunta com o corpo Filopono17
comenta que este eacute
um problema determinante para a composiccedilatildeo da definiccedilatildeo de alma Se a alma tem afecccedilotildees
proacuteprias e separadas do corpo a definiccedilatildeo dispensaraacute o corpo de seu enunciado Se pelo
contraacuterio as afecccedilotildees aniacutemicas tecircm ocorrecircncia corpoacuterea entatildeo a definiccedilatildeo de alma deve
conter o corpo em seu enunciado
O que se conquista enfim com esta taacutebua de definiccedilatildeo em De Anima I 1 Que
investigar a natureza da alma eacute responder a seu gecircnero de ser o que implica em saber se a
16χωρισθεὶς δ ἐστὶ μόνον τοῦθ ὅπερ ἐστί καὶ τοῦτο μόνον ἀθάνατον καὶ ἀΐδιον ldquoSomente isto [o intelecto]
quando separado eacute propriamente o que eacute e somente isto eacute imortal e eternordquo DA III 5 (Trad Gomes dos Reis) 17 εἰ μὲν οὖν ὡς ὀργάνῳ χρῆται τῷ σώματι ἰδίᾳ ἔχουσα τὰς ἐνεργείας οὐ δεῖ προσχρήσασθαι τῷ σώματι πρὸς
τὸν ὁρισμόν οὐ γὰρ συμπληροῖ τὴν οὐσίαν τοῦ τέκτονος τὸ σκέπαρνον εἰ δὲ ἐν τῷ σώματι ἔχει τὸ εἶναι ὡς
εἶναι τὰς ἐνεργείας τοῦ συναμφοτέρου ἀνάγκη προσχρήσασθαι ἐν τῷ ὁρισμῷ τῷ σώματι ὥσπερ ἐπὶ τοῦ θυμοῦ
ἐλέγομεν ἀναγκαία οὖν ἡ τούτων λῆψις οὐκ εὐχερὴς δέ ltπάθηgt δὲ κοινότερον τὰς ἐνεργείας τῆς ψυχῆς
ἐκάλεσε ldquoSe usa o corpo como instrumento e tem suas atividades peculiares a si mesmo natildeo haacute qualquer
necessidade de se remeter ao corpo na definiccedilatildeo ndash pois um machado natildeo completa a essecircncia de um carpinteiro ndash
mas se a alma tem seu ser no corpo e suas atividades pertencem ao composto eacute necessaacuterio tambeacutem se remeter
ao corpo na definiccedilatildeo tal qual como nos referimos em relaccedilatildeo ao iacutempeto Estabelecer essas coisas entatildeo eacute
necessaacuterio poreacutem natildeo eacute faacutecil Afecccedilatildeo eacute o termo mais geral que ele usa para as atividades da almardquo
PHILOPONUS Com DA 4429-35 (Trad da trad de P J Eijk)
19
alma eacute potencialmente ou em atualidade Isto posto se a alma eacute como uma substacircncia e
portanto una ou separaacutevel e caso seja em partes se satildeo divisiacuteveis ou natildeo Aleacutem disso se a
definiccedilatildeo deve abranger diversos tipos de alma ou se haacute uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie Por
fim se sua investigaccedilatildeo parte das partes ou do todo
20
2 A NOCcedilAtildeO DE ALMA EM ARISTOacuteTELES
A noccedilatildeo de alma em Aristoacuteteles obedece trecircs momentos de elaboraccedilatildeo Um primeiro
ao longo da discussatildeo das endoxai de seus predecessores em DA I 2-5 Em outro quando
argumenta por conceitos metafiacutesicos e formula a noccedilatildeo geral de alma em DA II 1 Aleacutem de
um uacuteltimo a partir de DA II 2 quando se formula uma outra noccedilatildeo de alma pelas
capacidades Esta trajetoacuteria visa (i) levantar as teses que foram elaboradas sobre o assunto
visando extrair certos princiacutepios verdadeiros Com estes princiacutepios (ii) se expotildee a noccedilatildeo
geral Mas esta noccedilatildeo que responde sobre o ser da alma natildeo indica os tipos especiacuteficos de
vida Portanto (iii) eacute preciso inquirir por outra abordagem e provar que a alma eacute princiacutepio das
capacidades que manifestam vida no ser pois atraveacutes dessas capacidades explicamos esses
distintos modos de viver Como se veraacute esta travessia responde agrave taacutebua de definiccedilatildeo de DA I
1 e Aristoacuteteles ara todo o terreno sobre o qual ele ergue sua psicologia
21 A DEFINICcedilAtildeO PELA FORMA
Aristoacuteteles conclui seu levantamento das endoxai em DA I 2-5 com duas noccedilotildees
relativas agrave alma que ela eacute una18
e imoacutevel19
Somente no iniacutecio do livro seguinte em DA II 1
ele apresenta sua noccedilatildeo onde o objetivo traccedilar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos)
que abarque as vaacuterias formas de vida
18 φαίνεται δὲ καὶ τὰ φυτὰ διαιρούμενα ζῆν καὶ τῶν ζῴων ἔνια τῶν ἐντόμων ὡς τὴν αὐτὴν ἔχοντα ψυχὴν τῷ
εἴδει εἰ καὶ μὴ ἀριθμῷ ἑκάτερον γὰρ τῶν μορίων αἴσθησιν ἔχει καὶ κινεῖται κατὰ τόπον ἐπί τινα χρόνον εἰ δὲ
μὴ διατελοῦσιν οὐθὲν ἄτοπον ὄργανα γὰρ οὐκ ἔχουσιν ὥστε σώζειν τὴν φύσιν ἀλλ οὐδὲν ἧττον ἐν ἑκατέρῳ
τῶν μορίων ἅπαντ ἐνυπάρχει τὰ μόρια τῆς ψυχῆς καὶ ὁμοειδῆ ἐστιν ἀλλήλοις καὶ τῇ ὅλῃ ἀλλήλοις μὲν ὡς οὐ
χωριστὰ ὄντα τῇ δ ὅλῃ ψυχῇ ὡς οὐ διαιρετῇ οὔσῃ ἔοικε δὲ καὶ ἡ ἐν τοῖς φυτοῖς ἀρχὴ ψυχή τις εἶναι μόνης γὰρ
ταύτης κοινωνεῖ καὶ ζῷα καὶ φυτά καὶ αὕτη μὲν χωρίζεται τῆς αἰσθητικῆς ἀρχῆς αἴσθησιν δ οὐθὲν ἄνευ ταύτης
ἔχει ldquoEacute manifesto ainda que as plantas ndash e dentre os animais alguns insetos ndash quando secionadas continuam a
viver como se tivessem a mesma alma especificamente ainda que natildeo numericamente pois cada uma das partes
tem sensaccedilatildeo e move-se localmente por algum tempo Se natildeo sobrevivem natildeo resulta em absurdo algum pois
natildeo mantecircm oacutergatildeos aponto de conservar a sua natureza Em cada uma das partes poreacutem estatildeo todas as partes da
alma e nenhuma a menos E elas satildeo da mesma espeacutecie entre si e em relaccedilatildeo agrave alma inteira ndash as diversas partes
satildeo inseparaacuteveis uma das outras embora a alma inteira seja divisiacutevel Parece que o princiacutepio encontrado nas
plantas eacute tambeacutem um certo tipo de alma pois eacute apenas compartilhada por animais e plantas e ela existe
separada do princiacutepio perceptivo embora sem ela nada possa ter percepccedilatildeordquo 411b19-411b30 19ὅτι μὲν οὖν οὔθ ἁρμονίαν οἷόν τ εἶναι τὴν ψυχὴν οὔτε κύκλῳ περιφέρεσθαι δῆλον ἐκ τῶν εἰρημένων ldquoQue a
alma natildeo pode ser harmonia nem locomover-se em ciacuterculo fica claro a partir do que foi ditordquo 408ordf29-30 (Trad
Gomes dos Reis)
ὅτι μὲν οὖν οὐχ οἷόν τε κινεῖσθαι τὴν ψυχήν φανερὸν ἐκ τούτων εἰ δ ὅλως μὴ κινεῖται δῆλον ὡς οὐδ ὑφ
ἑαυτῆς Eacute evidente a partir disso tudo que natildeo eacute possiacutevel que a alma se mova ldquoE se de todo modo natildeo se move eacute
claro tambeacutem que natildeo se move por si mesmardquo 408b30-31 (Trad Gomes dos Reis)
φανερὸν οὖν ἐκ τῶν εἰρημένων ὡς οὔτε τὸ γινώσκειν ὑπάρχει τῇ ψυχῇ διὰ τὸ ἐκ τῶν στοιχείων εἶναι οὔτε τὸ
κινεῖσθαι αὐτὴν καλῶς οὐδ ἀληθῶς λέγεται ldquoEacute manifesto entatildeo a partir do que foi dito que nem o conhecer
subsite na alma por ela ser composta dos elementos nem eacute uma maneira certa ou verdadeira dizer qua a alma eacute
movidardquo 411a24-26 (Trad Gomes dos Reis)
21
Τὰ μὲν δὴ ὑπὸ τῶν πρότερον παραδεδομένα περὶ ψυχῆς εἰρήσθω πάλιν δ ὥσπερ ἐξ
ὑπαρχῆς ἐπανίωμεν πειρώμενοι διορίσαι τί ἐστι ψυχὴ καὶ τίς ἂν εἴη κοινότατος λόγος
αὐτῆς
Tendo dito o suficiente sobre as opiniotildees a respeito da alma fornecida por nossos
predecessores retomemos como que do comeccedilo e tentemos definir o que eacute a alma e
qual seria seu enunciado mais geral 412a1-6 (Trad Gomes dos Reis)
A busca pelo enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) visa uma definiccedilatildeo de alma
comum agraves diversas formas de vida Em meio agrave pluralidade de modos de vida a alma eacute aquilo
a partir do qual essa pluralidade se unifica num gecircnero de ser ndash o dos seres viventes
(empsykhon) Aristoacuteteles compreende que uma noccedilatildeo puramente geneacuterica natildeo explica as
formas especiacuteficas do objeto de estudo Entretanto o enunciado geral responde agrave primeira
parte da taacutebua de definiccedilatildeo como notaremos no decorrer da definiccedilatildeo pela forma que seraacute
enunciada Com eles Aristoacuteteles alicerccedila conceitualmente as outras definiccedilotildees que seratildeo
formuladas nos outros capiacutetulos
Assim entatildeo Aristoacuteteles inicia seu argumento
λέγομεν δὴ γένος ἕν τι τῶν ὄντων τὴν οὐσίαν ταύτης δὲ τὸ μέν ὡς ὕλην ὃ καθ αὑτὸ
οὐκ ἔστι τόδε τι ἕτερον δὲ μορφὴν καὶ εἶδος καθ ἣν ἤδη λέγεται τόδε τι καὶ τρίτον
τὸ ἐκ τούτων ἔστι δ ἡ μὲν ὕλη δύναμις τὸ δ εἶδος ἐντελέχεια καὶ τοῦτο διχῶς τὸ
μὲν ὡς ἐπιστήμη τὸ δ ὡς τὸ θεωρεῖν
Dizemos que um dos gecircneros dos seres eacute a substacircncia E substacircncia primeiro no
sentido de mateacuteria ndash que por si mesmo natildeo eacute algo determinado ndash e ainda no sentido
de figura e forma ndash em virtude do que jaacute se diz que eacute algo determinado ndash e por fim
no sentido de composto de ambas A mateacuteria por sua vez eacute potecircncia ao passo que a
forma eacute atualidade e isto de dois modos seja como ciecircncia seja como inquirir DA II
1 412a6-11(Trad Gomes dos Reis)
Aristoacuteteles parte de teses presentes em seu tratado de filosofia primeira a Metafiacutesica
Laacute ele investiga o ser enquanto ser que tem muitos significados mas todos convergem para
um soacute20
O que responde a estes diversos significados do que eacute o ser ao ti estiacute eacute a
substacircncia21
(ousiacutea) Satildeo substacircncias a mateacuteria (hyacutele) a forma (morpheacute) e o composto de
ambas ( tograve ek touacutetoon) 22
Apesar da mateacuteria ser indeterminada23
permanece na mudanccedila e eacute
20 διὸ καὶ ἡμῖν τοῦ ὄντος ᾗ ὂν τὰς πρώτας αἰτίας ληπτέον Τὸ δὲ ὂν λέγεται μὲν πολλαχῶς ἀλλὰ πρὸς ἓν καὶ μίαν
τινὰ φύσιν Por isso tambeacutem noacutes devemos apreender as causas primeiras do ente enquanto ente ldquoEnterdquo se diz de
muitas maneiras mas em relaccedilatildeo a algo uacutenico e a uma natureza uacutenicardquo Met G 1-2 1003ordf31-32 (Trad Lucas
Angioni) 21τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν ldquoE
sendo o ente dito de muitos modos eacute evidente que o ente primeiro eacute o que eacute entre todos o que designa a
substacircnciardquo Met Z 2 1028b13-15 (Trad Lucas Angioni) 22 αὗται δ εἰσὶν αἱ αἰσθηταί αἱ δ αἰσθηταὶ οὐσίαι πᾶσαι ὕλην ἔχουσιν ἔστι δ οὐσία τὸ ὑποκείμενον ἄλλως μὲν
ἡ ὕλη (ὕλην δὲ λέγω ἣ μὴ τόδε τι οὖσα ἐνεργείᾳ δυνάμει ἐστὶ τόδε τι) ἄλλως δ ὁ λόγος καὶ ἡ μορφή ὃ τόδε τι
ὂν τῷ λόγῳ χωριστόν ἐστιν τρίτον δὲ τὸ ἐκ τούτων οὗ γένεσις μόνου καὶ φθορά ἐστι καὶ χωριστὸν ἁπλῶς τῶν
γὰρ κατὰ τὸν λόγον οὐσιῶν αἱ μὲν αἱ δ οὔ ldquoE agora devemos reexaminar as substacircncias que satildeo admitidas por
todos E essas satildeo as substacircncias sensiacuteveis Todas as substacircncias sensiacuteveis tecircm mateacuteria E substacircncia eacute o
substrato o qual em certo sentido significa a mateacuteria (chamo mateacuteria o que natildeo eacute algo determinado em ato mas
22
objeto de predicaccedilatildeo caracteriza-se como o substrato (hypokeiacutemenon) do composto Para ser
determinada a mateacuteria depende da forma que lhe confere ser (ti estiacute) Assim toda mateacuteria
determinada pela forma seraacute um composto Por isso Aristoacuteteles defende que uma boa
definiccedilatildeo das substacircncias compostas eacute a que enuncie a determinaccedilatildeo da forma na mateacuteria24
Em suma a substacircncia eacute o gecircnero primeiro de ser sendo esta tanto mateacuteria quanto forma
assim como o composto de ambas
A indeterminaccedilatildeo da mateacuteria e a determinaccedilatildeo da forma estatildeo intrinsecamente
relacionadas aos conceitos correlatos de potecircncia (dyacutenamis) e atualidade (enteleacutekheia) na
filosofia primeira de Aristoacuteteles A mateacuteria eacute indeterminada pois natildeo eacute algo em ato mas em
potecircncia na medida que eacute passiacutevel de determinaccedilatildeo pela forma Aristoacuteteles assinala que ser
em potecircncia significa ter o princiacutepio de movimento (kiacutenesis) ou de modicaccedilatildeo (metaboleacute) seja
por causa extriacutenseca ou intriacutenseca25
A mateacuteria portanto eacute potecircncia pois traz em si o princiacutepio
de ser movida ou modificada por si mesma ou por um outro isto Potecircncia tambeacutem estaacute
algo determinado soacute em potecircncia) num segundo sentido significa a essecircncia e a forma (a qual sendo algo
determinado pode ser separada pelo pensamento) e num terceiro sentido significa o composto de mateacuteria e de
forma (e soacute este estaacute submetido agrave geraccedilatildeo e agrave corrupccedilatildeo e eacute separado em sentido proacuteprio enquanto das
substacircncias entendidas segundo a forma algumas satildeo separadas outras natildeo satildeo)rdquo H 1042a24-31 (Trad Giovani
Reale) 23 λέγω δ ὕλην ἣ καθ αὑτὴν μήτε τὶ μήτε ποσὸν μήτε ἄλλο μηδὲν λέγεται οἷς ὥρισται τὸ ὄν ἔστι γάρ τι καθ οὗ
κατηγορεῖται τούτων ἕκαστον ᾧ τὸ εἶναι ἕτερον καὶ τῶν κατηγοριῶν ἑκάστῃ (τὰ μὲν γὰρ ἄλλα τῆς οὐσίας
κατηγορεῖται αὕτη δὲ τῆς ὕλης) ὥστε τὸ ἔσχατον καθ αὑτὸ οὔτε τὶ οὔτε ποσὸν οὔτε ἄλλο οὐδέν ἐστιν οὐδὲ δὴ
αἱ ἀποφάσεις καὶ γὰρ αὗται ὑπάρξουσι κατὰ συμβεβηκός ldquoChamo mateacuteria aquilo que por si natildeo eacute algo
determinado nem uma quantidade nem qualquer outra das determinaccedilotildees do ser Existe de fato alguma coisa da
qual cada uma dessas determinaccedilotildees eacute predicada alguma coisa cujo ser eacute diferente do ser de cada uma das
categorias Todas as outras categorias com efeito satildeo predicadas da substacircncia e esta por sua vez eacute predicada
da mateacuteria Assim este termo por si natildeo eacute nem algo determinado nem quantidade nem qualquer outra
categoria e natildeo eacute nem sequer as negaccedilotildees destas porque as negaccedilotildees soacute existem de modo acidentalrdquo Met Z 3
1029ordf20-26 (Trad Giovani Reale) 24 οἱ δὲ ἀγγεῖον σκεπαστικὸν χρημάτων καὶ σωμάτων ἤ τι ἄλλο τοιοῦτον προτιθέντες τὴν ἐνέργειαν λέγουσιν οἱ
δ ἄμφω ταῦτα συντιθέντες τὴν τρίτην καὶ τὴν ἐκ τούτων οὐσίαν (ἔοικε γὰρ ὁ μὲν διὰ τῶν διαφορῶν λόγος τοῦ
εἴδους καὶ τῆς ἐνεργείας εἶναι ὁ δ ἐκ τῶν ἐνυπαρχόντων τῆς ὕλης μᾶλλον) ὁμοίως δὲ καὶ οἵους Ἀρχύτας
ἀπεδέχετο ὅρους τοῦ συνάμφω γάρ εἰσιν ldquoAo contraacuterio os que a definem dizendo que eacute um refuacutegio para
proteger coisas e corpos ou alguma outra coisa desse tipo dizendo o que eacute a casa em ato enfim os que unem
ambas as definiccedilotildees experimenta substacircncia no terceiro significado como composto de mateacuteria e forma Eacute claro
que a definiccedilatildeo dada pelas diferenccedilas refere-se agrave forma e ao ato enquanto a definiccedilatildeo dada a partir dos
elementos refere-se prioritariamente agrave mateacuteria Semelhantes a estas eram as definiccedilotildees que Arquita aprovava
elas referiam-se ao conjunto de mateacuteria e formardquo H 2 1043ordf17-21 (Trad Giovani Reale)
φανερὸν δὴ ἐκ τῶν εἰρημένων τίς ἡ αἰσθητὴ οὐσία ἐστὶ καὶ πῶς ἡ μὲν γὰρ ὡς ὕλη ἡ δ ὡς μορφὴ καὶ ἐνέργεια
ἡ δὲ τρίτη ἡ ἐκ τούτων ldquoDo que foi dito fica claro o que eacute a substacircncia sensiacutevel e qual eacute seu modo de ser ela eacute
por um lado mateacuteria por outro forma e ato e num terceiro sentido o conjunto de mateacuteria e de formardquo Met H
2 1043a26-28 (Trad Giovani Reale) 25 ἡ μὲν οὖν ὅλως ἀρχὴ μεταβολῆς ἢ κινήσεως λέγεται δύναμις ἐν ἑτέρῳ ἢ ᾗ ἕτερον ἡ δ ὑφ ἑτέρου ἢ ᾗ ἕτερον
(καθ ἣν γὰρ τὸ πάσχον πάσχει τι ὁτὲ μὲν ἐὰν ὁτιοῦν δυνατὸν αὐτό φαμεν εἶναι παθεῖν ὁτὲ δ οὐ κατὰ πᾶν
πάθος ἀλλ ἂν ἐπὶτὸ βέλτιον) ldquoPotecircncia portanto significa em primeiro lugar esse princiacutepio de mudanccedila ou de
movimento que se encontra em outra coisa ou na propria coisa enquanto outra e em segundo lugar significa o
princiacutepio pelo qual uma coisa eacute mudada ou movida por outra ou por si mesma enquanto outrardquo Met Δ 12
1019ordf19-23 (Trad Giovani Reale)
23
relacionada ao princiacutepio de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo26
Na medida em que as coisas satildeo
constituiacutedas de um determinado modo elas trazem em potecircncia a manutenccedilatildeo de si diante da
accedilatildeo de outra coisa como a parede que natildeo quebra se batida com um copo de vidro ou trazem
em potecircncia a degeneraccedilatildeo tal qual um copo de vidro que quebra quando lanccedilado contra a
parede Jaacute a forma eacute atualidade (enteleacutekheia) tanto como ciecircncia quanto inquirir ou seja
enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) e atividade (energeia) Atualidade enquanto disposiccedilatildeo significa
a jaacute detenccedilatildeo de determinada capacidade mas sem sua atividade Ser apto a caminhar mas
estar sentado por exemplo Jaacute ato enquanto atividade significa o exerciacutecio dessa disposiccedilatildeo
Ser apto a caminhar e estar caminhando
οὐσίαι δὲ μάλιστ εἶναι δοκοῦσι τὰ σώματα καὶ τούτων τὰ φυσικά ταῦτα γὰρ τῶν
ἄλλων ἀρχαί τῶν δὲ φυσικῶν τὰ μὲν ἔχει ζωήν τὰ δ οὐκ ἔχει ζωὴν δὲ λέγομεν τὴν
δι αὑτοῦ τροφήν τε καὶ αὔξησιν καὶ φθίσιν ὥστε πᾶν σῶμα φυσικὸν μετέχον ζωῆς
οὐσία ἂν εἴη οὐσία δ οὕτως ὡς συνθέτη
E haacute a opiniatildeo de que sobretudo os corpos satildeo substacircncia entre os quais se encontram
os corpos naturais que satildeo princiacutepios dos demais Dos corpos naturais alguns tecircm
vida outros natildeo e dizemos que a vida eacute a nutriccedilatildeo por si mesmo o crescimento e o
decaimento Assim todo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido
de substacircncia composta DA II 1 412a11-16 (Trad Gomes dos Reis)
Aristoacuteteles retorna a uma tese geral amplamente adotada por ele segundo a qual dentre
as substacircncias as sensiacuteveis satildeo as mais aceitas27
por serem mais evidentes aos sentidos O que
26 ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ τοῦ πάσχειν ἔτι ὅσαι ἕξεις καθ ἃς ἀπαθῆ ὅλως ἢ ἀμετάβλητα ἢ μὴ ῥᾳδίως ἐπὶ τὸ χεῖρον
εὐμετακίνητα δυνάμεις λέγονται κλᾶται μὲν γὰρ καὶ συντρίβεται καὶ κάμπτεται καὶ ὅλως φθείρεται οὐ τῷ
δύνασθαι ἀλλὰ τῷ μὴ δύνασθαι καὶ ἐλλείπειν τινός ἀπαθῆ δὲ τῶν τοιούτων ἃ μόλις καὶ ἠρέμα πάσχει διὰ δύ
ναμιν καὶ τῷ δύνασθαι καὶ τῷ ἔχειν πώς ldquoO mesmo vale para a potecircncia passiva Aleacutem disso chamam-se
potecircncias todos os estados em virtude dos quais as coisas satildeo absolutamente impassiacuteveis ou imutaacuteveis ou natildeo
facilmente mutaacuteveis para pior De fato as coisas quebram-se degeneram-se dobram-se e em geral destroem-se
natildeo porque tecircm potecircncia mas porque natildeo tecircm potecircncia a e porque carecem de alguma coisa ao contraacuterio satildeo
impassiacuteveis relativamente a todo estes tipos de afecccedilotildees as coisas que dificilmente ou pouco satildeo afetadas por elas
por causa de sua potecircncia e de seu poder e por determinadas condiccedilotildees em que se encontremrdquo Met Δ 12 1019ordf
26-32 (Trad Giovani Reale) 27 Οὐσία λέγεται τά τε ἁπλᾶ σώματα οἷον γῆ καὶ πῦρ καὶ ὕδωρ καὶ ὅσα τοιαῦτα καὶ ὅλως σώματα καὶ τὰ ἐκ
τούτων συνεστῶτα ζῷά τε καὶ δαιμόνια καὶ τὰ μόρια τούτων ἅπαντα δὲ ταῦτα λέγεται οὐσία ὅτι οὐ καθ
ὑποκειμένου λέγεται ἀλλὰ κατὰ τούτων τὰ ἄλλα ldquoSubstacircncia em certo sentido se diz dos corpos simples por
exemplo o fogo a terra a aacutegua e todos os corpos como estes e em geral todos os corpos e as coisas compostas
a partir deles como os animais e os seres divinos e suas partes Todas essas coisas satildeo ditas substacircncias porque
natildeo satildeo predicadas de um substrato mas tudo o mais eacute predicado delasrdquo Met Δ 1017b10ndash14 (Trad Giovani
Reale)
Τὸ ὂν λέγεται πολλαχῶς καθάπερ διειλόμεθα πρότερον ἐν τοῖς περὶ τοῦ ποσαχῶς σημαίνει γὰρ τὸ μὲν τί ἐστι
καὶ τόδε τι τὸ δὲ ποιὸν ἢ ποσὸν ἢ τῶν ἄλλων ἕκαστον τῶν οὕτω κατηγορουμένων τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου
τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν (ὅταν μὲν γὰρ εἴπωμεν ποῖόν τι
τόδε ἢ ἀγαθὸν λέγομεν ἢ κακόν ἀλλ οὐ τρίπηχυ ἢ ἄνθρωπον ldquoO ser tem muitos signficados como
estabelecemos anteriormente no livro dedicado aos diversos significados dos termos De fato o ser signfica de
um lado essecircncia e algo determinado de outro qualidade ou quantidade e cada uma das outras categorias
Mesmo sendo dito em tantos signficados eacute evidente que o primeiro dos significados do ser eacute a essecircncia que
indica a substacircncia (De fato quando perguntamos a qualidade de alguma coisa dizemos que eacute boa ou maacute mas
natildeo que tem trecircs cocircvados ou que eacute homemrdquo 1028a10ndash16 (Trad Giovani Reale)
24
Aristoacuteteles chama aqui de corpos naturais (physikoacuten) corresponde aos compostos que datildeo
origem aos artificiais e com a abstraccedilatildeo das suas unidades a objetos matemaacuteticos Mas natildeo
satildeo elementos ou partes sem unidade como o olho ou a raiz da aacutervore Pois eacute o animal que
deteacutem o olho e a aacutervore que deteacutem a raiacutez Sendo assim os corpos naturais se diferenciam
entre os que vivem e os que natildeo vivem Estes que natildeo vivem satildeo os corpos artificiais os
corpos celestes e o cadaacutever Um corpo morto seraacute de animal senatildeo por homoniacutemia pois natildeo
tem como atividade o viver E o viver eacute nutrir-se eacute crescer e eacute decair Donde Aristoacuteteles
conclui que ldquotodo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido de substacircncia
compostardquo Os seres viventes (empsykhon) satildeo substacircncias compostas de mateacuteria (corpo) e
forma (alma) tendo como atividade o viver
ἐπεὶ δ ἐστὶ καὶ σῶμα καὶ τοιόνδε ζωὴν γὰρ ἔχον οὐκ ἂν εἴη σῶμα ἡ ψυχή οὐ γάρ
ἐστι τῶν καθ ὑποκειμένου τὸ σῶμα μᾶλλον δ ὡς ὑποκείμενον καὶ ὕλη ἀναγκαῖον
ἄρα τὴν ψυχὴν οὐσίαν εἶνα ὡς εἶδος σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν ἔχοντος
E uma vez que essa substacircncia tambeacutem eacute um corpo de tal tipo ndash que tem vida ndash a
alma natildeo eacute corpo pois o corpo natildeo eacute um dos predicados do substrato antes ele eacute
como o substrato e a mateacuteria Necessariamente entatildeo a alma eacute substacircncia como
forma de um corpo natural potencialmente vivo 412ordf16-21 (Trad Maria Ceciacutelia
Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo proacutepria)
Finalmente Aristoacuteteles tece sua uacuteltima premissa e enuncia uma primeira definiccedilatildeo de
alma Dado que os corpos naturais dotados de vida satildeo compostos hilemoacuterficos cabe eliminar
qualquer possibilidade da alma ser corpo O argumento eacute conciso Haacute substacircncias que satildeo um
corpo dotado de vida Este corpo vivo natildeo eacute alma Mas substrato (hypokeimeacutenon) e mateacuteria
(hyacutele) do composto E como tal eacute objeto de predicaccedilatildeo da forma Portanto a alma natildeo pode
ser corpo pois ela que o predica
Em Met Z 3 escreve Aristoacuteteles que o substrato eacute aquilo que eacute predicado pelas coisas
enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outra28
Jaacute a substacircncia eacute aquilo que predica o
substrato mas que natildeo eacute predicada pelas outras coisas Sendo assim inerem no substrato
determinaccedilotildees como quantidade afecccedilotildees accedilotildees e potecircncias Poreacutem raspadas as
determinaccedilotildees o que resta eacute o substrato primeiro mateacuteria Contudo como jaacute enunciado
ὁμολογούμεναι μὲν αἱ φυσικαί οἷον πῦρ γῆ ὕδωρ ἀὴρ καὶ τἆλλα τὰ ἁπλᾶ σώματα ἔπειτα τὰ φυτὰ καὶ τὰ μόρια
αὐτῶν καὶ τὰ ζῷα καὶ τὰ μόρια τῶν ζῴων καὶ τέλος ὁ οὐρανὸς καὶ τὰ μόρια τοῦ οὐρανοῦ ἰδίᾳ δέ τινες οὐσίας
λέγουσιν εἶναι τά τ εἴδη καὶ τὰ μαθηματικά ldquoSubstacircncias admitidas por todos satildeo as fiacutesicas como fogo terra
aacutegua ar e os outros corpos simples ademais as plantas e suas partes do ceacuteu Alguns filoacutesofos ao contraacuterio em
funccedilatildeo de suas opiniotildees particulares afirmaram que substacircncias satildeo as Formas e os Entes matemaacuteticosrdquo Met H
1042a7ndash11(Trad Giovani Reale)
28 τὸ δ ὑποκείμενόν ἐστι καθ οὗ τὰ ἄλλα λέγεται ἐκεῖνο δὲ αὐτὸ μηκέτι κατ ἄλλου ldquoO Substrato eacute aquilo de
que satildeo predicadas todas as outras coisas enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outrardquo Met Z 3 1028b36 ndash
1029a1 (Trad Giovani Reale)
25
acima Aristoacuteteles compreende a mateacuteria como algo indeterminado Apesar disso haacute algo da
qual todas as outras determinaccedilotildees satildeo predicadas E sendo a substacircncia um algo separado
que predica a mateacuteria ou seja que referencia e determina a mateacuteria substacircncia e mateacuteria natildeo
podem ser idecircnticas O que este argumento nos ajuda a compreender eacute o pressuposto
metafiacutesico sobre o qual Aristoacuteteles identifica o corpo com o substrato impossibilitando que
este seja identificado com a alma Ou seja a substacircncia que predica o corpo
Portanto se o corpo eacute substrato material do composto orgacircnico vivo segue-se
necessariamente que a alma eacute a substacircncia formal Aristoacuteteles enuncia entatildeo seu perseguido
enunciado mais geral a alma eacute substacircncia como forma de um corpo natural potencialmente
vivo A alma enquanto substacircncia do composto vivo eacute substacircncia no sentido de forma Com
este enunciado Aristoacuteteles responde o primeiro ponto do elenco de questotildees a serem
abordadas numa investigaccedilatildeo da alma a saber a qual gecircnero de ser pertence a alma
Para a alma ser forma de um corpo potencialmente vivo ndash e ser potencialmente vivo eacute
dispor de oacutergatildeos passiacuteveis de realizaccedilatildeo das atividades proacuteprias ao viver ndash significa ser o
princiacutepio estruturante e configurador das funccedilotildees (eacutergon) de vida Assim a alma eacute o princiacutepio
e causa determinante do ser atraveacutes das atividades proacuteprias ao viver em um corpo de tal tipo
Portanto a alma configura a realidade das substacircncias compostas viventes sendo aquilo a
partir e em vista do que a vida se daacute
Aristoacuteteles abre caminho para a responder sua taacutebua de definiccedilotildees de DA I 1 A
primeira delas eacute configurar a relaccedilatildeo entre a alma e o corpo fundamentando a noccedilatildeo de
inseparabilidade entre uma e outro Pois ser a forma de um composto demanda que a alma se
atualize apenas se instanciada em um estofo material e seja seu princiacutepio de ser Em siacutentese a
alma eacute como a substacircncia e o corpo eacute como o substrato da substacircncia composta viva que eacute o
ser vivente
Seguindo as noccedilotildees jaacute traccediladas anteriormente Aristoacuteteles desdobraraacute outras duas
caracteriacutesticas proacuteprias agrave alma atualidade primeira e princiacutepio de determinaccedilatildeo do corpo Jaacute
que a alma eacute forma e forma eacute atualidade entatildeo a alma eacute atualidade deste corpo
potencialmente vivo como se lecirc logo em seguida
ἡ δ οὐσία ἐντελέχεια τοιούτου ἄρα σώματος ἐντελέχεια αὕτη δὲ λέγεται διχῶς ἡ
μὲν ὡς ἐπιστήμη ἡ δ ὡς τὸ θεωρεῖν φανερὸν οὖν ὅτι ὡς ἐπιστήμη ἐν γὰρ τῷ
ὑπάρχειν τὴν υχὴν καὶ ὕπνος καὶ ἐγρήγορσίς ἐστιν ἀνάλογον δ ἡ μὲν ἐγρήγορσις τῷ
θεωρεῖν ὁ δ ὕπνος τῷ ἔχειν καὶ μὴ ἐνεργεῖν προτέρα δὲ τῇ γενέσει ἐπὶ τοῦ αὐτοῦ ἡ
ἐπιστήμη διὸ ἡ ψυχή ἐστιν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν
ἔχοντος
E a substacircncia eacute atualidade Portanto eacute de um corpo de tal tipo que a alma eacute
atualidade Mas esta se diz de dois modos ndash primeiro como ciecircncia segundo como o
26
inquirir Eacute claro entatildeo que a alma eacute atualidade como ciecircncia pois ao subsistir a alma
haacute tanto o sono como a vigiacutelia e a vigiacutelia eacute algo anaacutelogo ao inquirir o sono a possuir
a ciecircncia mas natildeo a exercecirc-la e no que concerne a um mesmo indiviacuteduo a ciecircncia eacute
a primeira atualidade de um corpo natural que tem em potecircncia vida DA II 1 412a21-
28 (Trad Gomes dos Reis)
Como jaacute estabelecido em 401a6-11 a atualidade se diz segundo a disposiccedilatildeo e a
atividade Aqui disposiccedilatildeo (heacutexis) estaacute para a ciecircncia (epistecircme) como atividade (energeacuteia)
estaacute para inquirir (theoreicircn) Portanto disposiccedilatildeo eacute a obtenccedilatildeo de dada capacidade sem
executaacute-la enquanto atividade eacute sua execuccedilatildeo
Aristoacuteteles conclui seu argumento especificando a alma como uma atualidade primeira
(enteleacutekheia proteacute) Charlton29
propotildee que o termo ldquoprimeirordquo (proteacute) se refira agrave atualidade no
primeiro sentido ou seja enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) O que parece plausiacutevel pois o texto
aristoteacutelico nos diz que a alma eacute atualidade como ciecircncia (phanerograven oucircn hoacuteti hocircs episteme)
Aleacutem disso nas discussotildees preliminares sobre a capacidade perceptiva Aristoacuteteles discorre
um pouco mais sobre as diferenccedilas entre atualidade em termos de disposiccedilatildeo e atividade
διαιρετέον δὲ καὶ περὶ δυνάμεως καὶ ἐντελεχείας νῦν γὰρ ἁπλῶς ἐλέγομεν περὶ
αὐτῶν ἔστι μὲν γὰρ οὕτως ἐπιστῆμόν τι ὡς ἂν εἴποιμεν ἄνθρωπον ἐπιστήμονα ὅτι ὁ
ἄνθρωπος τῶν ἐπιστημόνων καὶ ἐχόντων ἐπιστήμην ἔστι δ ὡς ἤδη λέγομεν
ἐπιστήμονα τὸν ἔχοντα τὴν γραμματικήν ἑκάτερος δὲ τούτων οὐ τὸν αὐτὸν τρόπον
δυνατός ἐστιν ἀλλ ὁ μὲν ὅτι τὸ γένος τοιοῦτον καὶ ἡ ὕλη ὁ δ ὅτι βουληθεὶς δυνατὸς
θεωρεῖν ἂν μή τι κωλύσῃ τῶν ἔξωθεν ὁ δ ἤδη θεωρῶν ἐντελεχείᾳ ὢν καὶ κυρίως
ἐπιστάμενος τόδε τὸ Α ἀμφότεροι μὲν οὖν οἱ πρῶτοι κατὰ δύναμιν ἐπιστήμονες
ltὄντες ἐνεργείᾳ γίνονται ἐπιστήμονεςgtἀλλ ὁ μὲν διὰ μαθήσεως ἀλλοιωθεὶς καὶ
πολλάκις ἐξ ἐναντίας μεταβαλὼν ἕξεως ὁ δ ἐκ τοῦ ἔχειν τὴν ἀριθμητικὴν ἢ τὴν
γραμματικήν μὴ ἐνεργεῖν δέ εἰς τὸ ἐνεργεῖν ἄλλον τρόπον
Eacute preciso ainda fazer distinccedilotildees no que diz respeito agrave potecircncia e agrave atualidade Pois ateacute
agora falaacutevamos disso de maneira simples Por um lado haacute aquele que conhece no
sentido em que diriacuteamos ser o homem conhecedor por estar entre os que conhecem e
possuem conhecimento e haacute em outro sentido aquele que dizemos ser conhecedor
por jaacute saber a gramaacutetica (e cada um deles eacute em potecircncia mas natildeo da mesma maneira
o primeiro por que eacute de tal gecircnero e mateacuteria o outro porque se quiser pode inquirir
nada externo o impedindo) E haacute por fim aquele que estaacute inquirindo e em atualidade
conhecendo em sentido proacuteprio este ldquoArdquo determinado Os dois primeiros satildeo
conhecedores em potecircncia um por ter-se alterado via aprendizagem e por passar
vaacuterias vezes de uma das disposiccedilotildees contraacuterias a outra o outro de outro modo por
passar do ter a percepccedilatildeo sensiacutevel30 ou a gramaacutetica sem exercitaacute-lo ao estar em
exerciacutecio DA II 5 417a21-b2 (Trad Gomes dos Reis)
O ser humano eacute configurado de modo a realizar certas atividades como a nutriccedilatildeo a
percepccedilatildeo e a inquiriccedilatildeo Entretanto a pura organizaccedilatildeo fiacutesica natildeo basta para que elas sejam
realizadas Assim somente quando a funccedilatildeo proacutepria de determinada disposiccedilatildeo fiacutesica entra
em atividade eacute que aquilo que eacute em potecircncia se torna uma atualidade No caso acima a
capacidade de inquirir Mas toda capacidade exige um objeto para entrar em atividade E o
29 1980 p 174 30 A tradutora optou por substituir o termo ldquoarithmetikegravenrdquo por ldquoaiacutesthesinrdquo Cf GOMES DOS REIS 2012 p 84
27
que era uma potecircncia de aprendizado para o inquiridor torna-se uma atualidade pela atividade
da sua inquiriccedilatildeo Deste modo haacute trecircs instacircncias que vatildeo da potecircncia agrave atualidade Na
primeira o ser vivente eacute dotado da capacidade de aprender a inquirir Na segunda esta
disposiccedilatildeo eacute posta em atividade tendo um objeto para se inquirir Na terceira eacute a atividade
dessa capacidade aprendida ou adquirida que se tem uma atualidade plena No primeiro caso
eacute claramente uma capacidade segundo uma disposiccedilatildeo No segundo caso jaacute temos um estado
de atualidade na medida em que haacute o exerciacutecio dessa capacidade proacutepria ao ser vivente
Aristoacuteteles chama isso de potecircncia pois em relaccedilatildeo agrave terceira instacircncia aquele modo de
atualidade eacute ainda suscetiacutevel de alteraccedilatildeo E quando essa nova capacidade a gramaacutetica eacute
adquirida pela atividade desta nova capacidade de inquirir possiacutevel apenas pela sua
disposiccedilatildeo na fisiologia do ser vivente a capacidade se atualiza plenamente
Assim a alma eacute atualidade primeira de um corpo potencialmente vivo enquanto
princiacutepio de atividade das capacidades proacuteprias ao viver presentes como disposiccedilatildeo que a
forma engendra neste corpo Isto fica mais evidente em DA II 1 412b5-9
εἰ δή τι κοινὸν ἐπὶ πάσης ψυχῆς δεῖ λέγειν εἴη ἂν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος
φυσικοῦ ὀργανικοῦ διὸ καὶ οὐ δεῖ ζητεῖν εἰ ἓν ἡ ψυχὴ καὶ τὸ σῶμα ὥσπερ οὐδὲ τὸν
κηρὸν καὶ τὸ σχῆμα οὐδ ὅλως τὴν ἑκάστου ὕλην καὶ τὸ οὗ ἡ ὕλη τὸ γὰρ ἓν καὶ τὸ
εἶναι ἐπεὶ πλεοναχῶς λέγεται τὸ κυρίως ἡ ἐντελέχειά ἐστιν
Se eacute preciso enunciar algo comum a toda e qualquer alma seria que eacute a primeira
atualidade do corpo natural orgacircnico E por isso inclusive natildeo eacute preciso investigar se
alma e corpo satildeo uma unidade ndash tampouco se a cera e a figura o satildeo e em suma nem
se a mateacuteria de cada coisa e aquilo de que eacute mateacuteria ndash pois jaacute que se diz unidade ser
de muitos modos o mais apropriado deles eacute a atualidade (Trad Gomes dos Reis)
O corpo eacute dotado de oacutergatildeos partes que viabilizam a atividade das capacidades
proacuteprias ao viver E eacute a atividade das capacidades atraveacutes dos oacutergatildeos que se confere unidade
entre corpo e alma nesse composto orgacircnico vivo Assim Aristoacuteteles responde sobre a
unidade entre alma e corpo enunciada na taacutebua de definiccedilotildees Natildeo por acaso como corolaacuterio
agraves noccedilotildees de alma como forma e atualidade Aristoacuteteles declara
οὐσία γὰρ ἡ κατὰ τὸν λόγον τοῦτο δὲ τὸ τί ἦν εἶναι τῷ τοιῳδὶ σώματι καθάπερ εἴ τι
τῶν ὀργάνων φυσικὸν ἦν σῶμα οἷον πέλεκυς ἦν μὲν γὰρ ἂν τὸ πελέκει εἶναι ἡ οὐσία
αὐτοῦ καὶ ἡ ψυχὴ τοῦτο χωρισθείσης δὲ ταύτης οὐκ ἂν ἔτι πέλεκυς ἦν ἀλλ ἢ ὁμ
ωνύμως νῦν δ ἔστι πέλεκυς οὐ γὰρ τοιούτου σώματος τὸ τί ἦν εἶναι καὶ ὁ λόγος ἡ
ψυχή ἀλλὰ φυσικοῦ τοιουδί ἔχοντος ἀρχὴν κινήσεως καὶ στάσεως ἐν ἑαυτῷ
Pois ela eacute a substacircncia segundo a determinaccedilatildeo ou seja o que era para ser de um
corpo de tal tipo Se um instrumento fosse um corpo natural ndash por exemplo o
machado ndash a sua substacircncia seria a que eacute ser para o machado e isto seria a sua alma
Separado disso ele natildeo seria mais um machado exceto por homoniacutemia Mas na
verdade eacute um machado pois a alma natildeo eacute a determinaccedilatildeo e o que eacute o que eacute para um
corpo desse tipo mas sim um corpo natural tal que tenha em si mesmo um princiacutepio
28
de movimento e repouso DA II 1 412b10-17 (Trad Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo
proacutepria)
Como jaacute explicitado no enunciado de alma enquanto substacircncia como forma em
412a20 a alma eacute este princiacutepio determinante do ser do composto Ou seja o princiacutepio
organizador das suas disposiccedilotildees e propriedades que determinaratildeo o ser proacuteprio de um corpo
natural capaz de viver A identificaccedilatildeo entre alma e forma se desdobraraacute na identificaccedilatildeo de
alma e o que era para ser31
(tograve tiacute ecircn eicircnai)
Dado que a alma eacute forma e atualidade do corpo Aristoacuteteles estabelece que ela eacute seu
princiacutepio de determinaccedilatildeo das propriedades relevantes que daratildeo o caraacuteter essencial do ser
vivente E eacute evidente como o texto nos mostra e Hamilyn32
sustenta que a determinaccedilatildeo da
essecircncia se daacute segundo sua funccedilatildeo (eacutergon) O ser do machado eacute cortar na medida em que a
funccedilatildeo proacutepria do machado eacute cortar assim como a do olho eacute ver O ser do ser vivente eacute viver
31 A locuccedilatildeo eacute razatildeo de grande controveacutersia na tradiccedilatildeo de comentaacuterios ao texto aristoteacutelico Natildeo entrarei nos
pormenores da discussatildeo mas tomarei a traduccedilatildeo o que era para ser em sua literalidade assim como Angioni
tendo em vista o contexto no qual se pretende compreender seu emprego ldquoTrata-se de uma substantivaccedilatildeo com
o artigo neutro (lsquotorsquo) da pergunta lsquoo que afinal era o ser para tal coisarsquo (lsquoti en to einai toutoirsquo lsquotiacute ecircn tograve eicircnai
toutoirsquo) ndash Aristoacuteteles frequentemente substantiva segmentos de sentenccedilas e expressotildees que em si mesmas
constituem perguntas gramaticalmente completas isso ocorre na designaccedilatildeo das categorias (ldquoo qualrdquo ldquotograve poicirconrdquo
etc) na designaccedilatildeo de algumas das quatro causas (lsquoo que moveu primeirorsquo lsquoo em vista de quersquo) e em outras
expressotildees lsquo(lsquoo por quecircrsquo lsquotograve diagrave tiacutersquo ou lsquotograve dioacutetirsquo) O infinitivo lsquoserrsquo eacute o mesmo que consta na expressatildeo lsquoser +
dativorsquo e que designa a essecircncia da coisa isto eacute o conjunto de propriedades e caracteriacutesticas que deveriam ser
enumeradas no enunciado que define o que a coisa eacute Trata-se do mesmo infinitivo que comparece em 1041a32
1041b28 e 1042b27 (e natildeo se trata do infinitivo que poderia eventualmente ser entendido como existencial tal
como em 1041a15) O imperfeito ldquoerardquo por sua vez consiste num resquiacutecio de um uso dialeacutetico pelo qual o
interlocutor remetia a alguma definiccedilatildeo anteriormente dada destinada a funcionar como paracircmetro para a
discussatildeo ulterior (para referecircncias quanto ao uso desse imperfeito ver nossa dissertaccedilatildeo de mestrado p 89
nota 208) A pergunta original seria lsquoo quecirc era o ser para tal coisarsquo mas isso quer apenas dizer lsquoo quecirc fora
estabelecido (anteriormente na presente discussatildeo) como ser para tal coisarsquo Com o haacutebito a expressatildeo teria
perdido o significado interrogativo que originalmente possuiacutea e teria se tornado um jargatildeo para designar a
essecircncia Em vista disso lsquoto ti en einairsquo poderia ser traduzido ou parafraseado como lsquoaquilo que fora
estabelecido como caracteriacutesticas essenciais de tal coisarsquo A lsquoanterioridade causal da formarsquo muita vez alegada
como chave para a compreensatildeo do jargatildeo eacute compatiacutevel com o significado da expressatildeo mas natildeo explica a
origem do imperfeitordquo (Angioni 2005 102) 32 ldquoAristotlersquos selection of a tool an axe to provide an analogy with the ensouled body reveals how close to the
surface in this discussion is the notion of function The substance or essence of an axe is its function without
which it would not be an axe Like the Greeks in general Aristotle had no difficulty in thinking of a natural body
as having a function too (cf Nicomachean Ethics 1097b22ff) this is part of his general teleology But as he
goes on to point out there are differences also between an axe and a natural body which spoil the analogy This
is the force of the words lsquoBut as it is an axersquo ndash the essence of a axe is not its soul since it does not have one not
being a living thingrdquo ldquoA seleccedilatildeo do Aristoacuteteles de um instrumento um machado prova um analogia com os
coporpos animados revela como o que estaacute em voga eacute a discussatildeo eacute a noccedilatildeo de funccedilatildeo A substacircncia ou
essecircncia de um machado eacute sua funccedilatildeo sem a qual ele natildeo seria um machado Assim como os Gregos
Aristoacuteteles natildeo teve dificuldades em pensar o corpo natural como tambeacutem dotado de funccedilatildeo (cf Eacutetica a
Nicocircmaco 1097b22ss) isto eacute parte da sua teleologia Mas como ele segue pontuando haacute diferenccedilas igualmente
entre um machado e um corpo natural que prejudicam a analogia Eacute o que sugerem as palavras Mas eacute como um
machadorsquo - a essecircncia do machado natildeo eacute sua alma jaacute que ele natildeo tem uma natildeo eacute um ser viventerdquo (HAMLYN
1993 85) (Trad proacutepria)
29
e isto eacute garantido pela alma A locuccedilatildeo o que era para ser como indica Gomes dos Reis33
pode ser compreendida como uma continuidade da forma do ser vivente perante o devir que
lhe eacute proacuteprio ao longo da sua vida
Com isso Aristoacuteteles traccedila suas noccedilotildees preliminares da alma em DA II 1 Haacute ao final
do capiacutetulo algo digno de nota Aristoacuteteles se refere a tudo isto como um rascunho e esboccedilo
de definiccedilatildeo34
Poderiacuteamos entender que estas proposiccedilotildees satildeo insuficientes para o projeto
psicoloacutegico aristoteacutelico E satildeo mesmo em certa medida Pois em relaccedilatildeo agrave taacutebua de
definiccedilatildeo Aristoacuteteles soacute respondeu as noccedilotildees relativas agrave substacircncia atualidade e unidade da
alma Apesar disso como argumentarei na sessatildeo seguinte todo o arcabouccedilo conceitual e
argumentativo aqui esboccedilado sustentaraacute a noccedilatildeo de alma como princiacutepio das capacidades que
denotam vida Aleacutem do mais se lembrarmos que nas primeiras linhas do capiacutetulo Aristoacuteteles
se comprometia tatildeo somente em buscar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) para a
alma eacute inegaacutevel que ele foi bem sucedido Se ao fim de DA I ele tem claro que a alma eacute
princiacutepio imoacutevel de movimento e una em DA II 1 satildeo apresentados os argumentos positivos
para estas duas teses A alma eacute de estatuto formal portanto imoacutevel e princiacutepio organizador
das propriedades do ser Enquanto forma eacute atualidade e assim o princiacutepio de atividade das
capacidades proacuteprias ao ser Enquanto substacircncia eacute o que era para ser do ser vivente e entatildeo
o princiacutepio determinante do que este ser vivente eacute E esta determinaccedilatildeo seraacute dada pela funccedilatildeo
proacutepria das suas capacidades que soacute seratildeo plenificadas com as atividades no oacutergatildeo
correspondente Este enunciado e o que se desdobra dele eacute um rascunho e esboccedilo de definiccedilatildeo
pois natildeo nos explica satisfatoriamente por que a alma eacute princiacutepio das formas especiacuteficas de
vida Aristoacuteteles reconhece isso e segundo um paracircmetro geomeacutetrico de definiccedilatildeo mudaraacute o
curso da investigaccedilatildeo sobre a alma
33 ldquoA expressatildeo to ti ecircn einai pode ser a generalizaccedilatildeo de uma construccedilatildeo com ocorrecircncias nos tratados por
exemplo to [pelekei] einai o ser [para o machado] o ser [para a carne] que seraacute traduzida por sua vez como a
locuccedilatildeo ldquoo que eacute ser para o machadordquo e assim por diante Como reconstruiacute-la eacute um assunto polecircmico Haacute um
verbo no imperfeito (a expressatildeo literalmente diz algo como o lsquoo que era a serrsquo) que poderia ser interpretado
como uma ecircnfase na continuidade da forma a despeito do devirrdquo 2012 208 34τύπῳ μὲν οὖν ταύτῃ διωρίσθω καὶ ὑπογεγράφθω περὶ ψυχῆς ldquoE isto basta como um esquema do esboccedilo de
definiccedilatildeo de almardquo DA II 1 413a10-11 (Trad Gomes dos Reis)
30
22 A DEFINICcedilAtildeO PELAS CAPACIDADES
DA II 2 se inicia com um impasse a noccedilatildeo geral oferece o gecircnero de ser da alma mas
natildeo a enuncia como causa de vida nos seres viventes Diante disso Aristoacuteteles faz uma
revisatildeo metodoloacutegica na investigaccedilatildeo de alma tomando como paradigma o exemplo de
definiccedilatildeo pela causa de um objeto geomeacutetrico
Ἐπεὶ δ ἐκ τῶν ἀσαφῶν μὲν φανερωτέρων δὲ γίνεται τὸ σαφὲς καὶ κατὰ τὸν λόγον
γνωριμώτερον πειρατέον πάλιν οὕτω γ ἐπελθεῖν περὶ αὐτῆς οὐ γὰρ μόνον τὸ ὅτι δεῖ
τὸν ὁριστικὸν λόγον δηλοῦν ὥσπερ οἱ πλεῖστοι τῶν ὅρων λέγουσιν ἀλλὰ καὶ τὴν
αἰτίαν ἐνυπάρχειν καὶ ἐμφαίνεσθαι νῦν δ ὥσπερ συμπεράσμαθ οἱ λόγοι τῶν ὅρων
εἰσίν οἷον τί ἐστιν ὁ τετραγωνισμός τὸ ἴσον ἑτερομήκει ὀρθογώνιον εἶναι
ἰσόπλευρον ὁ δὲ τοιοῦτος ὅρος λόγος τοῦ συμπεράσματος ὁ δὲ λέγων ὅτι ἐστὶν ὁ
τετραγωνισμὸς μέσης εὕρεσις τοῦ πράγματος λέγει τὸ αἴτιον
E jaacute que a partir de coisas natildeo claras embora mais manifestas advecircm clareza e maior
inteligibilidade segundo o enunciado deve-se tentar desta maneira novamente
discorrer sobre a alma pois natildeo somente eacute preciso que o enunciado definidor
esclareccedila os fatos ndash como o faz a maioria das definiccedilotildees ndash mas ainda conter e
expressar a causa Os enunciados das definiccedilotildees na verdade satildeo como conclusotildees O
que eacute por exemplo a quadratura Eacute fazer equivaler um retacircngulo equilaacutetero a um
retacircngulo qualquer Mas tal definiccedilatildeo eacute o enunciado da conclusatildeo e o que diz por sua
vez que a quadratura eacute a descoberta de uma meacutedia proporcional enuncia a causa DA
II 2 413a11-20 (Trad Gomes dos Reis)
Novamente Aristoacuteteles nos relembra a ideia de que as apreensotildees sensiacuteveis satildeo mais
manifestas (phaneroteacuteron) que as apreensotildees inteligiacuteveis As inteligiacuteveis satildeo mais claras
(sophoacutes) pois satildeo formas apreendidas com a razatildeo e menos suscetiacuteveis ao engano Ao
contraacuterio das apreensotildees sensiacuteveis que satildeo mais manifestas Muito embora os pressupostos
que permitiram deduzir o estatuto ontoloacutegico da alma no capiacutetulo anterior sejam mais claros
eles enunciam o vivente como um ser animado enquanto um fato mas natildeo enunciam a alma
como causa do viver Portanto DA II 2 se dedicaraacute a investigar a alma como causa de vida
nos seres viventes a partir do que eacute mais manifesto ao que eacute mais claro
Aristoacuteteles se utiliza de um teorema para explicar que o termo meacutedio de um silogismo
apresenta a causa de um fato Num silogismo dado uma premissa maior que enuncie o fato e
tem como outro fato a conclusatildeo a premissa menor enuncia a causa pois eacute onde se encontra o
porquecirc da conclusatildeo Responder que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois ldquoTodo homem eacute mortalrdquo natildeo
enuncia a causa da mortalidade de Soacutecrates soacute o mero fato de coincidentemente ldquoSoacutecratesrdquo e
ldquoTodo homemrdquo serem mortais Poreacutem se respondemos que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois
ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo e ldquoTodo homem eacute mortalrdquo entatildeo foi enunciado a causa da mortalidade
de Soacutecrates Em sua estrutura claacutessica a premissa maior ldquoTodo homem eacute mortalrdquo a premissa
menor ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo a conclusatildeo ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo
31
Fica a questatildeo de como este novo criteacuterio se aplica agrave definiccedilatildeo E sobre a alma o
corpo e a vida
λέγομεν οὖν ἀρχὴν λαβόντες τῆς σκέψεως διωρίσθαι τὸ ἔμψυχον τοῦ ἀψύχου τῷ
ζῆν πλεοναχῶς δὲ τοῦ ζῆν λεγομένου κἂν ἕν τι τούτων ἐνυπάρχῃ μόνον ζῆν αὐτό
φαμεν οἷον νοῦς αἴσθησις κίνησις καὶ στάσις ἡ κατὰ τόπον ἔτι κίνησις ἡ κατὰ
τροφὴν καὶ φθίσις τε καὶ αὔξησις
Retomando o princiacutepio da investigaccedilatildeo digamos entatildeo que o animado se distingue do
inanimado pelo viver E de muitos modos se diz o viver pois dizemos que algo vive
se nele subsiste pelo menos um destes ndash intelecto percepccedilatildeo sensiacutevel movimento
local e repouso e ainda o movimento segundo a nutriccedilatildeo o decaimento e o
crescimento DA II 2 413a20-24 (Trad Gomes dos Reis)
Aristoacuteteles enuncia uma premissa maior e outra menor
[premissa maior] Todo ser dotado de alma vive
[premissa menor] Viver eacute ser dotado de intelecto percepccedilatildeo nutriccedilatildeo movimento
local e repouso decaimento e crescimento
Eacute proacuteprio agrave alma atribuir vida Viver eacute ser dotado de uma das capacidades
mencionadas Assim todo corpo natural que apresente uma dessas capacidades vive35
Portanto as plantas vivem pois se nutrem crescem e decaem por si proacuteprias
διὸ καὶ τὰ φυόμενα πάντα δοκεῖ ζῆν φαίνεται γὰρ ἐν αὑτοῖς ἔχοντα δύναμιν καὶ
ἀρχὴν τοιαύτην δι ἧς αὔξησίν τε καὶ φθίσιν λαμβάνουσι κατὰ τοὺς ἐναντίους τόπους
οὐ γὰρ ἄνω μὲν αὔξεται κάτω δ οὔ ἀλλ ὁμοίως ἐπ ἄμφω καὶ πάντῃ ὅσα ἀεὶ
τρέφεταί τε καὶ ζῇ διὰ τέλους ἕως ἂν δύνηται λαμβάνειν τροφήν
Por isso parece inclusive que todas as plantas vivem pois eacute manifesto que tecircm em si
mesmas uma potecircncia e um princiacutepio deste tipo por meio do qual ganham
crescimento e decaimento segundo direccedilotildees contraacuterias pois natildeo crescem apenas para
cima e natildeo para baixo mas similarmetne em ambas e em todas as direccedilotildees e assim eacute
para as que se nutrem constantemente e vivem ateacute o fim enquanto puderem obter
alimento DA II 2 413a25-31 (Trad Gomes dos Reis)
Assim como os animais vivem jaacute que satildeo dotados de nutriccedilatildeo e percepccedilatildeo
τὸ μὲν οὖν ζῆν διὰ τὴν ἀρχὴν ταύτην ὑπάρχει τοῖς ζῶσι τὸ δὲ ζῷον διὰ τὴν αἴσθησιν
πρώτως καὶ γὰρ τὰ μὴ κινούμενα μηδ ἀλλάττοντα τόπον ἔχοντα δ αἴσθησιν ζῷα
λέγομεν καὶ οὐ ζῆν μόνον
O viver subsiste nos seres vivos por conta deste princiacutepio e o animal constitui-se
primordialmente pela percepccedilatildeo sensiacutevel Pois dizemos que satildeo animais ndash e natildeo
apenas que vivem ndash tambeacutem os que natildeo se movem nem mudam de lugar mas
possuem percepccedilatildeo DA II 2 413b1-4 (Trad Gomes dos Reis)
Com isso temos a conclusatildeo do silogismo psicoloacutegico aristoteacutelico
[conclusatildeo a] Plantas e animais satildeo animados
E desta uma outra
35 Como jaacute antecipara em DA II 1 412a11-16 citado na paacutegina 16
32
[conclusatildeo b] Plantas e animais satildeo vivos
Portanto assim como todo retacircngulo teraacute quadratura por causa da sua proporccedilatildeo com
um retacircngulo quadrilaacutetero todo corpo seraacute um ser vivente por ser dotado de alma Entretanto
uma ldquoquestatildeo de aluno bobordquo seria perguntar para Aristoacuteteles de onde vecircm essas duas
premissas Ao conectar alma e vida sem explicar esta uacuteltima poderia levar a investigaccedilatildeo
aristoteacutelica agrave obscuridade precisamente onde se deveria ter mais clareza Entatildeo para que
Aristoacuteteles garanta a alma como causa da vida mortal ele endossaria os pressupostos dos seus
predecessores e portanto distinguiria o animado do inanimado pelo movimento e pela
percepccedilatildeo36
Polansky apesar disso natildeo esclarece afinal quais os argumentos que sustentam
a associaccedilatildeo entre alma e vida Se limitando apenas agraves implicaccedilotildees argumentativas desse
pressuposto
Contudo se assumirmos que Aristoacuteteles endossa a tese de seus predecessores segundo
a qual o animado se distingue do inanimado pelo movimento e percepccedilatildeo37
e que a nutriccedilatildeo eacute
a capacidade mais baacutesica entre os seres animados38
e por fim que a nutriccedilatildeo e a percepccedilatildeo
satildeo uma forma de movimento39
somos levados a crer que o argumento consiste em
[P1] viver eacute ao menos nutriccedilatildeo crescimento e decaimento
[P2] nutriccedilatildeo crescimento e decaimento satildeo um tipo de movimento (do tipo por si)
[P3] tudo o que se move por si eacute animado
[P4] a alma eacute um princiacutepio imoacutevel de movimento
[C1] logo tudo o que vive eacute animado
36 Cf Nota seguinte 37 τὸ ἔμψυχον δὴ τοῦ ἀψύχου δυσὶ μάλιστα διαφέρειν δοκεῖ κινήσει τε καὶ τῷ αἰσθάνεσθαι παρειλήφαμεν δὲ
καὶ παρὰ τῶν προγενεστέρων σχεδὸν δύο ταῦτα περὶ ψυχῆς ldquoOra haacute a opiniatildeo de que o animado difere do
inanimado em dois aspectos o movimento e a percepccedilatildeo sensiacutevel E em relaccedilatildeo agrave alma satildeo mais ou menos
esses dois que recebemos de nossos predecessoresrdquo DA I 1 403b25-28 (Trad Gomes dos Reis) 38 ὥστε πρῶτον περὶ τροφῆς καὶ γεννήσεως λεκτέον ἡ γὰρ θρεπτικὴ ψυχὴ καὶ τοῖς ἄλλοις ὑπάρχει καὶ πρώτη
καὶ κοινοτάτη δύναμίς ἐστι ψυχῆς καθ ἣν ὑπάρχει τὸ ζῆν ἅπασιν ldquoPor conseguinte deve-se primeiro tratar do
alimento e da geraccedilatildeo pois a alma nutritiva subsiste tambeacutem com as outras sendo a primeira e a mais comum
potecircncia da alma segundo a qual subsiste em todos o viverrdquo DA II 4 415A22-25 (Trad Gomes dos Reis) 39 ἔστι δὲ καὶ ἀλλοίωσις καὶ αὔξησις κατὰ ψυχήν ἡ μὲν γὰρ αἴσθησις ἀλλοίωσίς τις εἶναι δοκεῖ αἰσθάνεται δ
οὐθὲν ὃ μὴ μετέχει ψυχῆς ὁμοίως δὲ καὶ περὶ αὐξήσεώς τε καὶ φθίσεως ἔχει οὐδὲν γὰρ φθίνει οὐδ αὔξεται
φυσικῶς μὴ τρεφόμενον τρέφεται δ οὐθὲν ὃ μὴ κοινωνεῖ ζωῆς ldquoMas inclusive a alteraccedilatildeo e o crecimento
existem segundo a alma pois haacute a opiniatildeo de que a percepccedilatildeo sensiacutevel eacute uma certa alteraccedilatildeo e aquele que natildeo
participa da alma nada percebe de maneira similar ocorre tambeacutem em relaccedilatildeo ao crescimento e decaimento pois
nem decai nem cresce naturalmente aquele que natildeo eacute nutrido e nada que natildeo compartilhe da vida se nutrerdquo DA
II 4 415b23-28 (Trad Gomes dos Reis)
E mais adiante enunciando a percepccedilatildeo Aristoacuteteles eacute categoacuterico ἡ δ αἴσθησις ἐν τῷ κινεῖσθαί τε καὶ πάσχειν
συμβαίνει καθάπερ εἴρηται δοκεῖ γὰρ ἀλλοίωσίς τις εἶναι ldquoA percepccedilatildeo sensiacutevel consiste em ser movido e ser
afetado como dissemos pois haacute a opiniatildeo de que ela eacute uma certa alteraccedilatildeordquo DA II 4 416b35-36 (Trad Gomes
dos Reis)
33
Note que [P1] e [P2] seriam premissas autoevidentes Em [P3] Aristoacuteteles partiria
dos mesmos pressupostos que as endoxai de seus predecessores enquanto [P4] resultaria da
anaacutelise criacutetica dessas endoxai ao longo de DA I 3-5 Aristoacuteteles natildeo nos elucida claramente de
onde ele tira as evidecircncias de [P1] e [P2] ou seja por que essas capacidades tais satildeo
movimentos por si e portanto denotam vida Quanto a [P3] Fiacutes VIII40
nos indica que esta eacute
uma tese que Aristoacuteteles abraccedila mas tambeacutem sem explicar suas razotildees O mais plausiacutevel
parece ser que este eacute um fenocircmeno autoevidente amplamente aceito que dispense justificaccedilatildeo
Diferentemente eacute o caso de [P4] cuja justificativa pode se sustentar na criacutetica aristoteacutelica agraves
noccedilotildees democritianas de que a alma eacute um princiacutepio de movimento que se move em DA I 3
corroborada pela noccedilatildeo de alma enunciada em DA II 1 segundo a qual a alma eacute forma logo
atualidade e portanto princiacutepio de determinaccedilatildeo das funccedilotildees proacuteprias ao ser vivente
Olhando por essas lacunas que o argumento aristoteacutelico conteacutem sua tentativa de
enunciar a alma como causa de vida parece fragilizada Entretanto fato eacute que a vida eacute
explicada pela alma no contexto do pensamento helecircnico Entatildeo conceder a Aristoacuteteles este
pressuposto parece um miacutenimo que o leitor contemporacircneo precise fazer Aleacutem disso vale
lembrar que em Met Z 17 Aristoacuteteles defende ser ldquonecessaacuterio que o dado e a existecircncia da
coisa sejam previamente conhecidosrdquo41
e que portanto o que se investiga eacute ldquopor que alguma
coisa pertence a outrardquo42
Deste modo cabem aqui questotildees como ldquopor que os corpos
vivemrdquo ou ainda ldquopor que se atribui vida a corpos dotados de capacidades taisrdquo E natildeo ldquopor
que o animado se diferencia do inanimado pelo viverrdquo como o formulado no iniacutecio desta
digressatildeo Talvez a fragilidade aparente se decirc pois aqui se toque as Colunas de Heacutercules da
psicologia aristoteacutelica
Retomando a braccedilada dos remos se a tese de que a vida se manifesta pela capacidade
de movimento eacute confirmada quando Aristoacuteteles enuncia uma nova noccedilatildeo de alma como
40 οὐδεμιᾶς γὰρ ἐν ἡμῖν ἐνούσης κινήσεως ἐνίοτε ἀλλ ἡσυχάζοντες ὅμως κινούμεθά ποτε καὶ ἐγγίγνεται ἐν ἡμῖν
ἐξ ἡμῶν αὐτῶν ἀρχὴ κινήσεως κἂν μηθὲν ἔξωθεν κινήσῃ τοῦτο γὰρ ἐπὶ τῶν ἀψύχων οὐχ ὁρῶμεν ὁμοίως ἀλλ
ἀεὶ κινεῖ τι αὐτὰ τῶν ἔξωθεν ἕτερον τὸ δὲ ζῷον αὐτό φαμεν ἑαυτὸ κινεῖν ldquoPor vezes acontece que natildeo haja
movimento em noacutes [entes animados] e que de nosso repouso noacutes sejamos postos em movimento e agraves vezes o
princiacutepio do movimento surge em noacutes e de noacutes sem que nada de outro nos mova de fora Natildeo vemos nada
parecido no caso dos seres inanimados pois eles sempre satildeo movidos por algo outro que reside fora deles Dos
animais noacutes dizemos que eles movem a si mesmosrdquo Fiacutes VIII 2 252b18-23 (Trad Daniel Nascimento)
ὁρῶμεν δὲ καὶ φανερῶς ὄντα τοιαῦτα ἃ κινεῖ αὐτὰ ἑαυτά οἷον τὸ τῶν ἐμψύχων καὶ τὸ τῶν ζῴων γένος ταῦτα δὲ
καὶ δόξαν παρεῖχε μή ποτε ἐνδέχεται κίνησιν ἐγγίγνεσθαι μὴ οὖσαν ὅλως διὰ τὸ ἐν τούτοις ὁρᾶν ἡμᾶς τοῦτο
συμβαῖνον (ἀκίνητα γάρ ποτε ὄντα κινεῖται πάλιν ὡς δοκεῖ) ldquoVemos claramente que existem coisas que se
movem a si mesmas como por exemplo os entes animados e o gecircnero dos animais e por causa disso pensamos
que pode ser possiacutevel que o movimento seja gerado sem que antes tenha existido de qualquer forma pois noacutes
vemos isso acontecer com eles (estarem imoacuteveis em determinado momento e moverem-se novamanete tal como
parece)rdquo Fis VIII 6 259b1-6 (Trad Daniel Nascimento) 41 δεῖ γὰρ τὸ ὅτι καὶ τὸ εἶναι ὑπάρχειν δῆλα ὄντα Met 17 1041a15 42ἄλλο γὰρ οὕτω κατ ἄλλου ἐστὶ τὸ ζητούμενον Met 17 1041a25-26
34
conclusatildeo do raciociacutenio iniciado em DA II 2 temos esta nova formulaccedilatildeo segundo as
capacidades que denotam o viver
νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον εἰρήσθω μόνον ὅτι ἐστὶν ἡ ψυχὴ τῶν εἰρημένων τούτων ἀρχὴ καὶ
τούτοις ὥρισται θρεπτικῷ αἰσθητικῷ διανοητικῷ κινήσει
Por ora eacute suficiente dizer apenas isto que a alma eacute princiacutepio das capacidades
mencionadas ndash nutritiva perceptiva raciocinativa e de movimento ndash e que por elas eacute
definida DA II 2 413b11-13 (Trad Gomes dos Reis)
Esta noccedilatildeo eclode como corolaacuterio da argumentaccedilatildeo anterior Com ela Aristoacuteteles
conquista um importante ponto do seu projeto psicoloacutegico a saber que a noccedilatildeo de alma
explique as distintas formas de vida atraveacutes das capacidades Isto levaraacute a uma gama de
comentadores contemporacircneos a valorizarem esta definiccedilatildeo em detrimento da definiccedilatildeo pela
substacircncia apresentada em DA II 1 Os que assim interpretam43
reduzem a definiccedilatildeo de alma
agrave noccedilatildeo de princiacutepio das funccedilotildees que denotam vida Esta interpretaccedilatildeo natildeo eacute totalmente
equivocada na medida em que textualmente Aristoacuteteles afirma isto Poreacutem ela eacute imprecisa
pois ignora o estatuto ontoloacutegico da alma Como vimos na seccedilatildeo anterior a alma eacute substacircncia
como forma (tegraves psycheacutes ousiacutean eicircnai hocircs eicircdos) do corpo e portanto seu princiacutepio
organizador que lhe confere o viver E enquanto forma do corpo a alma eacute sua atualidade
primeira (enteleacutekheia proteacute) Ou seja princiacutepio formal o qual o corpo se desenvolve em vista
do viver Pois a alma de um lado traz em si as disposiccedilotildees (heacutexeis) necessaacuterias agrave vida e
determina o que este corpo orgacircnico era para ser (tograve tiacute ecircn eicircnai) mediante suas funccedilotildees (eacuterga)
e atividades (eneacutergeiai) de viver Essas funccedilotildees satildeo as capacidades (dynaacutemeis) que
caracterizam os tipos de vida nos seres seu modo proacuteprio de viver Sendo assim a capacidade
nutritiva eacute proacutepria agrave vida vegetativa a perceptiva proacutepria agrave animal e a intelectiva agrave humana
Como se vecirc a definiccedilatildeo pelas capacidades tem sua origem e fundamento na definiccedilatildeo
pela forma Por outro lado esta soacute ganha capilaridade na definiccedilatildeo pela capacidade jaacute que sua
noccedilatildeo geral natildeo define a alma como causa de cada tipo de vida nem princiacutepio das
capacidades proacuteprias ao viver Deste modo uma interpretaccedilatildeo da noccedilatildeo aristoteacutelica de alma
que ignore como ambas noccedilotildees se sustentam mutuamente eacute parcial e suscetiacutevel de engendrar
mais problema que o proacuteprio texto jaacute apresenta
Com isso concluiacutemos De Anima II 2 compreendendo que a alma eacute causa de vida jaacute
que eacute princiacutepio das atividades proacuteprias ao viver Diante da noccedilatildeo geral e como ela se
particulariza nas distintas capacidades resta ainda observar um uacuteltimo ponto que Aristoacuteteles
43Putman (1975) Ackrill (1975-6) Bolton (1978) Nussbaum (1978) Everson (1995) CodeampMoravicsik
(1992) Para uma noccedilatildeo geral das diversas correntes de interpretaccedilatildeo da psicologia aristoteacutelica no seio das
discussotildees de filosofia da mente ver Diamond (2015) Caston (2006) e Irwin (1991)
35
trabalharaacute no capiacutetulo seguinte a saber a disposiccedilatildeo seriada hierarquicamente das diversas
formas de vida
23 A DEFINICcedilAtildeO SERIADA
A tese geral de que a alma eacute forma do corpo sofre uma nova reavaliaccedilatildeo em DA II 3
Como se veraacute adiante Aristoacuteteles surpreendentemente declara que toda busca por um
enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) de alma eacute ridiacuteculo (geloicircon) jaacute que esta noccedilatildeo natildeo
permite a compreensatildeo de que as diversas espeacutecies de vida (vegetativa animal e humana) satildeo
dispostas em uma seacuterie ordenada e hierarquizada de acordo com sua capacidade especiacutefica
Como a leitura das formas de vida dispostas em uma seacuterie ordenada eacute um problema que
precisa ser respondido por quem quer que se debruce sobre a noccedilatildeo aristoteacutelica de alma esta
seccedilatildeo argumentaraacute como a noccedilatildeo de almas seriadas natildeo invalida a noccedilatildeo formal de alma
enunciada em DA II 1
DA II 3 poderia ser tematicamente dividido em duas partes Numa primeira de
414ordf29-414b20 Aristoacuteteles dispotildee a hierarquia das capacidades que denotam vida Se em DA
II 2 ele enunciou as capacidades aqui se argumenta como uma estaacute em relaccedilatildeo de
anterioridade agrave outra e portanto disposta hierarquicamente de modo coextensivo agraves formas
de vida Assim se o movimento segundo nutriccedilatildeo crescimento e decaimento seraacute proacuteprio a
uma forma de vida a vegetativa a adiccedilatildeo da capacidade perceptiva seraacute proacutepria agrave vida
vegetativa e animal Agrave medida que se adicione outras capacidades como o intelecto abrange-
se a vida humana44
Esta hierarquizaccedilatildeo suplementar das capacidades a seu enunciado permite
que Aristoacuteteles encampe a tese de que os tipos de vida satildeo dispostos em seacuteries ordenadas
avanccedilando para a segunda parte do capiacutetulo
δῆλον οὖν ὅτι τὸν αὐτὸν τρόπον εἷς ἂν εἴη λόγος ψυχῆς τε καὶ σχήματος οὔτε γὰρ
ἐκεῖ σχῆμα παρὰ τὸ τρίγωνον ἔστι καὶ τὰ ἐφεξῆς οὔτ ἐνταῦθα ψυχὴ παρὰ τὰς
εἰρημένας γένοιτο δ ἂν καὶ ἐπὶ τῶν σχημάτων λόγος κοινός ὃς ἐφαρμόσει μὲν
πᾶσιν ἴδιος δ οὐδενὸς ἔσται σχήματος ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ ταῖς εἰρημέναις ψυχαῖς διὸ
γελοῖον ζητεῖν τὸν κοινὸν λόγον καὶ ἐπὶ τούτων καὶ ἐφ ἑτέρων ὃς οὐδενὸς ἔσται τῶν
ὄντων ἴδιος λόγος οὐδὲ κατὰ τὸ οἰκεῖον καὶ ἄτομον εἶδος ἀφέντας τὸν τοιοῦτον
(παραπλησίως δ ἔχει τῷ περὶ τῶν σχημάτων καὶ τὰ κατὰ ψυχήν ἀεὶ γὰρ ἐν τῷ ἐφεξῆς
44 Τῶν δὲ δυνάμεων τῆς ψυχῆς αἱ λεχθεῖσαι τοῖς μὲν ὑπάρχουσι πᾶσαι καθάπερ εἴπομεν τοῖς δὲ τινὲς αὐτῶν
ἐνίοις δὲ μία μόνη διασαφητέον δὲ περὶ αὐτῶν ὕστερον νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον () εἰρήσθω ὅτι τῶν ζώντων τοῖς
ἔχουσιν ἁφὴν καὶ ὄρεξις ὑπάρχει περὶ δὲ φαντασίας ἄδηλον ὕστερον δ ἐπισκεπτέον ἐνίοις δὲ πρὸς τούτοις
ὑπάρχει καὶ τὸ κατὰ τόπον κινητικόν ἑτέροις δὲ καὶ τὸ διανοητικόν τε καὶ νοῦς οἷον ἀνθρώποις καὶ εἴ τι
τοιοῦτον ἕτερον ἔστιν ἢ τιμιώτερον ldquoDentre as potecircncias da alma como dissemos todas as mencionadas
subsitem em alguns seres em outros soacute algumas delas e em alguns apenas uma E mencionamos como
potecircncias a nutritiva a perceptiva a desiderativa a locomotiva e a raciocinativa Ora nas plantas subsiste
somente a nutritiva mas em outros seres tanto esta como a perceptiva () Por ora eacute suficiente dizer isto que
entre os seres vivos que possuem tato tambeacutem subsiste desejo No que se refere agrave imaginaccedilatildeo natildeo estaacute claro e
devemos examinaacute-la posteriormente Em alguns seres vivos aleacutem disso subsiste tambeacutem a capacidade de se
locomover e em outros ainda a de raciocinar e o intelecto ndash por exemplo nos homens e em algum outro se
houver de tal qualidade ou mais valiosordquo DA II 3 414a29-414b20 (Trad Gomes dos Reis)
36
ὑπάρχει δυνάμει τὸ πρότερον ἐπί τε τῶν σχημάτων καὶ ἐπὶ τῶν ἐμψύχων οἷον ἐν
τετραγώνῳ μὲν τρίγωνον ἐν αἰσθητικῷ δὲ τὸ θρεπτικόν) ὥστε καθ ἕκαστον
ζητητέον τίς ἑκάστου ψυχή οἷον τίς φυτοῦ καὶ τίς ἀνθρώπου ἢ θηρίου διὰ τίνα δ
αἰτίαν τῷ ἐφεξῆς οὕτως ἔχουσι σκεπτέον ἄνευ μὲν γὰρ τοῦ θρεπτικοῦ τὸ αἰσθητικὸν
οὐκ ἔστιν τοῦ δ αἰσθητικοῦ χωρίζεται τὸ θρεπτικὸν ἐν τοῖς φυτοῖς
Eacute claro que poderia da mesma maneira haver entatildeo um enunciado uacutenico tanto de
figura como de alma Pois nem no primeiro caso existe figura aleacutem do triacircngulo e
daquelas que o sucedem nem neste caso existe alma aleacutem das mencionadas A
respeito das figuras tambeacutem eacute possiacutevel formular um enunciado comum que se aplique
a todas sem ser proacuteprio a nenhuma e o mesmo ocorre com as almas mencionadas Por
isso tanto neste como em outros casos eacute ridiacuteculo procurar um enunciado comum ndash
pois a nenhum dos seres seraacute um enunciado proacuteprio nem estaraacute de acordo com a
forma apropriada e indivisiacutevel ndash deixando-se de lado o enunciado deste tipo (E as
coisas concernentes agrave alma estatildeo em situaccedilatildeo parecida agravequela das figuras pois tanto
no caso das figuras como no caso dos seres animados o anterior sempre subsiste
naquilo que o sucede por exemplo o triacircngulo no quadrado o poder de nutrir-se no
de perceber) Assim deve ser investigado de acordo com cada caso o que eacute a alma
de cada um ndash por exemplo o que eacute a alma da planta do homem ou da besta E deve
ser examinado a causa de ser disposto assim em sucessatildeo Pois sem a nutritiva natildeo
existe a capacidade perceptiva embora nas plantas a nutritiva exista separada da
perceptiva DA II 3 414b20-415a6 (Trad Gomes dos Reis)
A analogia entre figura do triacircngulo e a alma vegetativa permite esclarecer qual a
relaccedilatildeo de sucessatildeo entre uma capacidade e outra O triacircngulo eacute a figura geomeacutetrica plana
mais baacutesica de todas A composiccedilatildeo de dois triacircngulos forma um quadrilaacutetero A composiccedilatildeo
de trecircs triacircngulos forma um pentaacutegono e assim sucessivamente Ou seja da mesma maneira
que o triacircngulo subsiste em potecircncia no quadrilaacutetero e este no pentaacutegono a nutriccedilatildeo subsiste
em potecircncia na percepccedilatildeo e esta no intelecto Portanto se a capacidade nutritiva eacute proacutepria agrave
vida vegetativa a perceptiva agrave animal e a intelectiva agrave humana entatildeo igualmente a vida
vegetativa subsiste na animal e a animal na humana Sendo assim da mesma maneira que se
faz necessaacuteria uma definiccedilatildeo proacutepria ao triacircngulo ao quadrilaacutetero e ao pentaacutegono deve-se
buscar um enunciado proacuteprio a cada uma dessas formas de vida para que se sustente como a
alma eacute princiacutepio de cada tipo de vida e natildeo somente da vida em geral Pois um enunciado que
decirc a noccedilatildeo da alma que cubra todas as formas de vida mas que natildeo toque particularmente em
uma natildeo cumpre seu fim argumentativo que eacute explicar a razatildeo da alma ser causa de vida no
ser vivente como se segue
ὅτι μὲν οὖν ὁ περὶ τούτων ἑκάστου λόγος οὗτος οἰκειότατος καὶ περὶ ψυχῆς δῆλον
Eacute claro entatildeo que o enunciado de cada uma destas capacidades eacute tambeacutem o mais
apropriado a respeito da alma DA II 3 415a13-14 (Trad Gomes dos Reis)
Levando-se em conta que Aristoacuteteles se dedicaraacute em todo o restante do De Anima
investigando cada uma das capacidades e seus desdobramentos para uma noccedilatildeo de alma
37
podemos ser levados a crer que Aristoacuteteles elege este como o melhor criteacuterio para uma
definiccedilatildeo de alma
Haacute portanto um grande problema a ser encarado aqui que consiste na resposta a uma
das questotildees elencadas em DA I 145
a saber se eacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma enquanto
tal ou uma para cada tipo de ser vivente Pelo caminho que segue a discussatildeo tende-se a uma
resposta de que seraacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma para cada forma de vida Entretanto
Aristoacuteteles jaacute problematizara se mesmo que haja uma noccedilatildeo uacutenica para catildees cavalos e
homens a de animal esta noccedilatildeo uacutenica eacute universal posterior anterior ou nada em relaccedilatildeo aos
itens
Seguindo o texto de DA II 3 a nutriccedilatildeo eacute a capacidade sobre a qual se erguem todas as
outras ateacute a capacidade de pensamento Dado que um corpo eacute dotado de nutriccedilatildeo e portanto
vivente por causa da alma e a seu turno dado que a alma eacute forma e atualidade primeira do
corpo e portanto princiacutepio organizador das capacidades que denotam o viver novamente a
definiccedilatildeo pela forma sustenta ontologicamente a definiccedilatildeo pelas capacidades e por
concomitacircncia a definiccedilatildeo seriada
Assim a criacutetica que Aristoacuteteles faz agrave noccedilatildeo mais geral de alma enunciada em DA II 1
natildeo eacute razatildeo suficiente para seu descarte no seu projeto psicoloacutegico Com efeito se a noccedilatildeo de
alma como forma eacute insuficiente para explicar por que a alma eacute princiacutepio de vida em cada tipo
de ser vivente como sustentado ao iniacutecio de DA II 2-3 ela eacute justamente a noccedilatildeo ontoloacutegica
para que responde pela sua atualidade e determinaccedilatildeo das propriedades relevantes do ser deste
corpo dotado de oacutergatildeos Assim se as noccedilotildees de alma como forma e princiacutepio das capacidades
satildeo intercambiantes como argumentei anteriormente e se a definiccedilatildeo estaacute diretamente
atrelada agrave hierarquia dessas capacidades entatildeo a proacutepria noccedilatildeo de alma seriada depende
logicamente da noccedilatildeo de alma como forma Sendo assim o enunciado geral eacute redimensionado
em DA II 3 pela disposiccedilatildeo seriada da alma a um princiacutepio loacutegico-ontoloacutegico mediante o qual
esta ciecircncia comum a muitas coisas pode se realizar
45 εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον
ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν
ἄλλο κατηγοροῖτο Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma uacutenica
definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a de cavalo catildeo homem
divindade sendo neste caso o animal considerado universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo
ocorrendo para qualquer outro atributo comum que for predicadordquo DA I 1 402b4-9 (Trad Gomes dos Reis)
38
3 CONCLUSAtildeO
Como se apresentou nesta monografia Aristoacuteteles enuncia sua noccedilatildeo de alma em
momentos distintos Um primeiro a partir da discussatildeo com as teses predecessoras Nela o
que se conquista eacute que a alma eacute imoacutevel e origem de movimento nos seres viventes Depois
atraveacutes de um enunciado geral para os diversos tipos de vida que a define como forma do
corpo Um terceiro que enuncia a alma como causa de vida e a define como princiacutepio das
capacidades que denotam o viver E por fim um quarto enunciado que a apresenta como
disposta em seacuterie ordenada segundo suas capacidades Na medida que o enunciado geral se
mostra insuficiente para o projeto psicoloacutegico traccedilado e as outras definiccedilotildees parecem melhor
corresponder a este objetivo a unidade enunciativa entre as diversas definiccedilotildees aparenta ser
vulneraacutevel Natildeo por menos como foi abordado ao longo deste texto tende-se a salientar uma
das definiccedilotildees e desconsiderar a outra Esta natildeo parece ser a interpretaccedilatildeo que melhor
compreenda a psicologia aristoteacutelica Como argumentado observar a definiccedilatildeo pelas
capacidades sem a definiccedilatildeo pela forma esvazia ontologicamente a noccedilatildeo de que a alma eacute
princiacutepio de vida A alma como forma do corpo eacute o enunciado mediante o qual a garante
como atualidade primeira e portanto princiacutepio das caracteriacutesticas e funccedilotildees proacuteprias ao ser
vivente Por outro lado como o proacuteprio Aristoacuteteles enuncia a definiccedilatildeo pela forma daacute uma
noccedilatildeo que abarca todas as formas de vida mas natildeo enuncia a alma como causa do viver nem
que as diversas almas satildeo dispostas em seacuterie ordenada Satildeo nestes dois pontos que a definiccedilatildeo
pela capacidade se torna igualmente relevante para o projeto psicoloacutegico aristoteacutelico Sem ela
seriam inviaacuteveis todos os outros capiacutetulos nos quais Aristoacuteteles enuncia discorre e formula a
atividade das capacidades proacuteprias ao ser vivo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo imaginaccedilatildeo intelecto e
movimento segundo deslocamento Por estas razotildees uma interpretaccedilatildeo que conjugue as duas
definiccedilotildees no interior do projeto psicoloacutegico aristoteacutelico parece ser a que contemple melhor o
horizonte teoacuterico que a investigaccedilatildeo erige
Haacute um alguns aspectos que esta monografia deixa pelo caminho Na seccedilatildeo 1 Taacutebua de
Definiccedilatildeo foram elencados os diversos elementos de definiccedilatildeo da alma e como se faria a
inquiriccedilatildeo O primeiro grupo foi respondido ao longo da seccedilatildeo 2 A Noccedilatildeo de Alma mas o
segundo natildeo O segundo grupo de elementos da taacutebua seraacute dissertado por Aristoacuteteles nos
capiacutetulos posteriores ao DA II 3 quando ele se debruccedila sobre cada uma das capacidades
Como esta monografia pretende abordar apenas as definiccedilotildees sem dar interpretaccedilatildeo total do
tratado entatildeo soacute pode responder parte da taacutebua das definiccedilotildees Aleacutem disso a interpretaccedilatildeo das
definiccedilotildees de um modo consistente precisaria ser verificada na sua aplicaccedilatildeo sobre o restante
39
do tratado Em outras palavras eacute preciso verificar se esta interpretaccedilatildeo dificulta ou facilita a
interpretaccedilatildeo das outras teses da psicologia aristoteacutelica por exemplo a tese da percepccedilatildeo que eacute
definida como a recepccedilatildeo das formas sem mateacuteria Nas interpretaccedilotildees de Polanski e Diamond
comentadores paradigmaacuteticos para a abordagem adotada a coordenaccedilatildeo dos enunciados
definitoacuterios daacute conta das diversas formulaccedilotildees de capacidades e suas funcionalidades ao longo
do tratado Fico devendo portanto explicitar como a posiccedilatildeo que assumo se aplica nas
diversas capacidades enunciadas pelo Aristoacuteteles
Com isso conclui-se este trabalho com a compreensatildeo que ele eacute limitado Haacute nele
problemas proacuteprios agrave interpretaccedilatildeo de um texto conciso e arrojado como eacute o De Anima
Ainda assim espera-se que os erros ou imprecisotildees eventuais natildeo comprometam seu escopo
exegeacutetico Espera-se tambeacutem que esta monografia possa se converter em trabalhos futuros que
fomente a discussatildeo relativa ao De Anima no contexto filosoacutefico brasileiro Da mesma forma
que ela foi provocada pela traduccedilatildeo e comentaacuterios da Professora Doutora Maria Ceciacutelia
Gomes dos Reis Se este trabalho for bem sucedido nessas pretensotildees jaacute teraacute cumprido sua
funccedilatildeo
40
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14
1 A TAacuteBUA DA DEFINICcedilAtildeO
A fim de apresentar os problemas proacuteprios ao estudo da alma e delimitar seu campo de
investigaccedilatildeo Aristoacuteteles apresenta em DA I 1 uma taacutebua de definiccedilatildeo onde elenca os
elementos para definir a alma e a abordagem para a sua pesquisa Primeiro Aristoacuteteles
circunscreve em que paracircmetros conceituais a noccedilatildeo se estabelece Em seguida se apresenta o
meacutetodo que orienta a busca por esse enunciado Deste modo os elementos de definiccedilatildeo que
compotildeem a lista satildeo o gecircnero de ser da alma1 o seu modo de ser
2 e por fim sua unidade
3 Jaacute
como abordagem decide-se pela ordem loacutegica da definiccedilatildeo4 para se analisar a independecircncia
das suas partes5 de modo a determinar o primeiro passo a se investigar em cada uma e
finalmente conhecer sobre a sua separabilidade6
Logo ao iniacutecio de De Anima I 1 Aristoacuteteles enuncia qual o objetivo geral de
seu projeto investigativo
ἐπιζητοῦμεν δὲ θεωρῆσαι καὶ γνῶναι τήν τε φύσιν αὐτῆς καὶ τὴν οὐσίαν εἶθ ὅσα
συμβέβηκε περὶ αὐτήν ὧν τὰ μὲν ἴδια πάθη τῆς ψυχῆς εἶναι δοκεῖ τὰ δὲ δι ἐκείνην
καὶ τοῖς ζῴοις ὑπάρχειν
Buscamos considerar e conhecer sua natureza e substacircncia bem como todos os seus
atributos dentre os quais uns parecem ser afecccedilotildees proacuteprias da alma enquanto outros
parecem subsistir nos animais graccedilas a ela DA I 1 402a7-10 (Trad Gomes dos Reis)
Investigar a natureza (phyacutesis) da alma consiste em pesquisar seu gecircnero de ser Jaacute
conhecer sua substacircncia (ousiacutea) eacute conhecer seus atributos (symbeacutebekos) as caracteriacutesticas que
1 πρῶτον δ ἴσως ἀναγκαῖον διελεῖν ἐν τίνι τῶν γενῶν καὶ τί ἐστι λέγω δὲ πότερον τόδε τι καὶ οὐσία ἢ ποιὸν ἢ
ποσόν ἢ καί τις ἄλλη τῶν διαιρεθεισῶν κατηγοριῶν ldquoEm todo caso eacute preciso decidir primeiro a qual dos
gecircneros a alma pertence e o que eacute ndash quero dizer se ela eacute algo determinado e substacircncia ou se eacute uma qualidade
uma quantidade ou mesmo alguma outra das categorias jaacute distinguidasrdquo DA I 1 402a22-25 (Trad de Gomes dos
Reis) 2 ἔτι δὲ πότερον τῶν ἐν δυνάμει ὄντων ἢ μᾶλλον ἐντελέχειά τις ldquoe ainda se estaacute entre os seres em potecircncia ou
antes se eacute uma certa atualidaderdquo DA I 1 402a27 (Trad de Gomes dos Reis) 3 σκεπτέον δὲ καὶ εἰ μεριστὴ ἢ ἀμερής καὶ πότερον ὁμοειδὴς ἅπασα ψυχὴ ἢ οὔ εἰ δὲ μὴ ὁμοειδής πότερον εἴδει
διαφέρουσα ἢ γένει ldquoEacute preciso examinar tambeacutem se ela eacute divisiacutevel em partes ou natildeo e se toda e qualquer alma eacute
de mesma forma e no caso de natildeo ser de mesma forma se a diferenccedila eacute de espeacutecie ou de gecircnerordquo DA I 1
402b1-3 (Trad de Gomes dos Reis) 4 εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον
ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν
ἄλλο κατηγοροῖτο ldquoEacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma uacutenica
definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a de cavalo catildeo homem
divindade sendo neste caso o animal considerado universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo
ocorrendo para qualquer outro atributo comum que for predicadordquo DA I 1 402b4-9 (Trad de Gomes dos Reis) 5 ἔτι δέ εἰ μὴ πολλαὶ ψυχαὶ ἀλλὰ μόρια πότερον δεῖ ζητεῖν πρότερον τὴν ὅλην ψυχὴν ἢ τὰ μόρια χαλεπὸν δὲ
καὶ τούτων διορίσαι ποῖα πέφυκεν ἕτερα ἀλλήλων καὶ πότερον τὰ μόρια χρὴ ζητεῖν πρότερον ἢ τὰ ἔργα αὐτῶν
ldquoAleacutem disso no caso de serem muitas as partes e natildeo as almas deve-se primeiro investigar a alma como um
todo ou suas partes Tambeacutem eacute difiacutecil definir quais dentre estas satildeo por natureza distintas entre si e se eacute uacutetil
investigar primeiro as partes ou suas funccedilotildeesrdquo DA I 1 402b9-12 (Trad de Gomes dos Reis) 6 ἀπορίαν δ ἔχει καὶ τὰ πάθη τῆς ψυχῆς πότερόν ἐστι πάντα κοινὰ καὶ τοῦ ἔχοντος ἢ ἔστι τι καὶ τῆς ψυχῆς ἴδιον
αὐτῆς ldquoHaacute ainda a dificuldade de saber se as afecccedilotildees da alma satildeo todas comuns agravequilo que possui alma ou se
haacute tambeacutem alguma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma tatildeo somenterdquo DA I 1 403a3-5 (Trad de Gomes dos Reis)
15
nos datildeo uma noccedilatildeo da alma segundo suas afecccedilotildees (patheacute) Entre os seus atributos alguns
parecem ser exclusivamente afecccedilotildees da alma jaacute outros parecem ser comuns agrave alma e ao
corpo portanto atributos um ser animado (zoacuteois) Por afecccedilatildeo devemos compreender a
determinaccedilatildeo na mateacuteria (loacutegoi eacutenyloi)7 de maneira que os atributos da alma e do corpo seratildeo
comuns a ambos Jaacute a afecccedilatildeo proacutepria agrave alma eacute a que natildeo se daacute pela determinaccedilatildeo na mateacuteria
mas por si mesma Entre os atributos da alma a capacidade de pensamento parece ser a que
atende esse requisito A menos poreacutem que dependa de imagens para sua atividade Assim
nem mesmo o pensamento seria uma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma8 Em suma a investigaccedilatildeo da
alma consiste em saber sua natureza sua essecircncia e as afecccedilotildees que lhe satildeo atribuiacutedas sejam
elas proacuteprias ou comuns ao corpo no qual ela se instancia
Aristoacuteteles parte entatildeo para o primeiro elemento da definiccedilatildeo a se estabelecer
πρῶτον δ ἴσως ἀναγκαῖον διελεῖν ἐν τίνι τῶν γενῶν καὶ τί ἐστι λέγω δὲ πότερον τόδε
τι καὶ οὐσία ἢ ποιὸν ἢ ποσόν ἢ καί τις ἄλλη τῶν διαιρεθεισῶν κατηγοριῶν
Em todo caso eacute preciso decidir primeiro a qual dos gecircneros a alma pertence e o que eacute
ndash quero dizer se ela eacute algo determinado e substacircncia ou se eacute uma qualidade uma
quantidade ou mesmo alguma outra das categorias jaacute distinguidas DA I 1 402a22-25
(Trad de Gomes dos Reis)
O primeiro dos pressupostos sobre os quais se deveraacute responder eacute o gecircnero de ser da
alma Filopono9 comenta que Aristoacuteteles tem em vista platocircnicos pitagoacutericos e Xenoacutecrates
para os quais a alma eacute substacircncia harmonia e nuacutemero respectivamente Nas Categorias10
7 εἰ δ οὕτως ἔχει δῆλον ὅτι τὰ πάθη λόγοι ἔνυλοί εἰσιν ldquoSe assim eacute as afecccedilotildees satildeo evidentemente formas
implicadas na mateacuteriardquo DA I 1 403a24 (Trad Gomes dos Reis) 8 εἰ δ ἐστὶ καὶ τοῦτο φαντασία τις ἢ μὴ ἄνευ φαντασίας οὐκ ἐνδέχοιτ ἂν οὐδὲ τοῦτ ἄνευ σώματος εἶναιldquoNatildeo
obstante se tambeacutem o pensar eacute um tipo de imaginaccedilatildeo ou se ele natildeo pode ocorrer sem a imaginaccedilatildeo entatildeo nem
mesmo o pensar poderia existir sem o corpordquo DA I 1 403a8-10 (Trad Gomes dos Reis) 9 ὧν ἐστι καὶ Ξενοκράτης ἀριθμὸς γάρ φησί κινῶν ἑαυτόν ἐστιν ἡ ψυχή ὁ δὲ ἀριθμὸς ὑπὸ τὸ ποσόν εἰ δὴ
τοῦτο ἔλεγεν ἐκεῖνος καὶ μὴ ἄλλο τι διὰ τούτου ᾐνίττετο οἱ δὲ ὑπὸ τὸ ποιόν ὧν εἰσιν καὶ οἱ ἰατροὶ κρᾶσιν εἶναι
λέγοντες τοιοῦτοι δ ἂν εἶεν καὶ οἱ ἐντελέχειαν λέγοντες τοιαύτην μαθησόμεθα γάρ πῶς φησιν αὐτὴν
ἐντελέχειαν ὁ Ἀριστοτέλης οἱ δὲ λόγον λέγοντες τῶν στοιχείων δόξαιεν ἂν ὑπὸ τὸ πρός τι ἀνάγειν τὸ γὰρ
διπλάσιον ἢ ἡμιόλιον ὑπὸ τὸ πρός τι τινὸς γὰρ διπλάσιον ἀμφίβολον οὖν τέως τὸ γένος ldquoAlguns a classificam
sob o tiacutetulo de substacircncia outros sob quantidade Dentre eles Xenoacutecrates que afirma que a alm eacute o nuacutemero
movendo por si mesmo e o nuacutemero eacute dado sob quantidade se for isto que ele quer dizer ao inveacutes de algo
distinto do que por essas palavras ele se refere obscuramente Outros dizem que isto pertence a qualidade Em
meio a isto estatildeo os meacutedicos que dizem que eacute a mistura dentre os quais haacute tambeacutem os que dizem que eacute uma
atualidade pois aprenderemos com Aristoacuteteles chama a alma de atualidade Aqueles que dizem que eacute uma
proporccedilatildeo dos elementos pareceriam entitulaacute-la sob a ltcategoria dogt relativo pelo duplo ou a metade
pertencerem agrave categoria do relativo pois o duplo eacute de algo Assim sendo entatildeo o gecircnero permanece
controversordquo PHILOPONUS Com DA 32 32 ndash 337 (Trad da traduccedilatildeo de P J Eijk) 10Οὐσία δέ ἐστιν ἡ κυριώτατά τε καὶ πρώτως καὶ μάλιστα λεγομένη ἣ μήτε καθ ὑποκειμένου τινὸς λέγεται μήτε
ἐν ὑποκειμένῳ τινί ἐστιν οἷον ὁ τὶς ἄνθρωπος ἢ ὁ τὶς ἵππος δεύτεραι δὲ οὐσίαι λέγονται ἐν οἷς εἴδεσιν αἱ
πρώτως οὐσίαι λεγόμεναι ὑπάρχουσιν ταῦτά τε καὶ τὰ τῶν εἰδῶν τούτων γένη ldquoSubstacircncia entendida em
sentido proacuteprio primeiro e supremo eacute a que natildeo se predica de um sujeito e natildeo existe nalgum sujeito por
exemplo um homem um cavalo Substacircncias segundas satildeo as formas (ou espeacutecies) nas quais estatildeo incluiacutedas as
que satildeo ditas substacircncias primeiras e tambeacutem os gecircneros destasrdquo Cat 5 2a11 (Trad Lucas Angioni)
16
Aristoacuteteles compreende a substacircncia primeira como entes particulares enquanto o gecircnero e
forma satildeo substacircncias segundas Sabe-se que Aristoacuteteles inverte esta noccedilatildeo de substacircncia em
Metafiacutesica Z onde substacircncia primeira eacute identificada com a forma11
que eacute priorizada em
relaccedilatildeo ao composto e agrave mateacuteria Portanto as noccedilotildees de substacircncia quantidade e qualidade
que Aristoacuteteles trabalha na definiccedilatildeo de alma no DA I 1 estariam mais proacuteximas das Cat que
da Met Z Eacute o que somos levados a acreditar se considerarmos que esta mesma formulaccedilatildeo
ocorre mais adiante em DA I 5 410a16-2112
Nesta e naquela passagem Aristoacuteteles quer saber
se a alma eacute uma substacircncia particular e determinada ou seja um objeto de predicaccedilatildeo que natildeo
se predica de outrem
Passemos para o segundo elemento que deve estar presente numa definiccedilatildeo de alma
ἔτι δὲ πότερον τῶν ἐν δυνάμει ὄντων ἢ μᾶλλον ἐντελέχειά τις
e ainda se estaacute entre os seres em potecircncia ou antes se eacute uma certa atualidade DA I
1 402a27 (Trad de Gomes dos Reis)
A diferenccedila que os conceitos de potecircncia (dyacutenamis) e atualidade (entelekheacuteia) fazem eacute
sobre o estatuto material ou formal da alma Pois se a alma for de natureza material entatildeo eacute
em potecircncia e sujeita ao movimento Entretanto se for de natureza formal seraacute uma certa
atualidade e princiacutepio de determinaccedilatildeo e atividade Gomes dos Reis13
observa que atualidade
eacute colocada em termos vagos (ldquouma certa atualidaderdquoenteleacutekheia tiacutes) o que indica que soacute faz
sentido falar em atualidade enquanto forma especiacutefica quando instanciada em uma mateacuteria de
um tipo uma alma x que se instancia em um corpo de um tipo x
Outro elemento de definiccedilatildeo da alma eacute sua unidade
σκεπτέον δὲ καὶ εἰ μεριστὴ ἢ ἀμερής καὶ πότερον ὁμοειδὴς ἅπασα ψυχὴ ἢ οὔ εἰ δὲ
μὴ ὁμοειδής πότερον εἴδει διαφέρουσα ἢ γένει
Eacute preciso examinar tambeacutem se ela eacute divisiacutevel em partes ou natildeo e se toda e qualquer
alma eacute de mesma forma e no caso de natildeo ser de mesma forma se a diferenccedila eacute de
espeacutecie ou de gecircnero DA I 1 402b1-3 (Trad de Gomes dos Reis)
11 ἕκαστόν τε γὰρ οὐκ ἄλλο δοκεῖ εἶναι τῆς ἑαυτοῦ οὐσίας καὶ τὸ τί ἦν εἶναι λέγεται εἶναι ἡ ἑκάστου
οὐσίαldquoCom efeito a coisa individual natildeo parece ser diferente da proacutepria substacircncia e dizemos que a essecircncia eacute
justamente a substacircncia da coisa individualrdquo Met Z 6 1031ordf17-18 (Trad Giovanni Reale)
εἶδος δὲ λέγω τὸ τί ἦν εἶναι ἑκάστου καὶ τὴν πρώτην οὐσίαν ldquoPor forma entendo a essecircncia de cada coisa e sua
substacircncia primeirardquo Met Z 7 1032b1-2 (Trad Giovanni Reale) 12 ἆρ οὖν ὅσα τῶν οὐσιῶν ἐκ τούτων μόνον πῶς οὖν γινώσκει καὶ τῶν ἄλλων ἕκαστον ἢ φήσουσιν ἑκάστου
γένους εἶναι στοιχεῖα καὶ ἀρχὰς ἰδίας ἐξ ὧν τὴν ψυχὴν συνεστάναι ἔσται ἄρα ποσὸν καὶ ποιὸν καὶ οὐσία ἀλλ
ἀδύνατον ἐκ τῶν τοῦ ποσοῦ στοιχείων οὐσίαν εἶναι καὶ μὴ ποσόνldquoOra seraacute a alma composta somente daqueles
elementos que satildeo comuns agraves substacircncias Como entatildeo conhece ainda cada um dos outros Ou se diraacute que haacute
elementos e princiacutepios particulares a cada gecircnero e que a alma eacute constituiacuteda de todos eles A alma seria entatildeo
quantidade qualidade e substacircncia Mas eacute impossiacutevel que a substacircncia seja composta dos elementos da
quantidade e natildeo seja quantidade ela mesmardquo DA I 5 410a16-21 (Trad Gomes dos Reis) 13 2006 148-149
17
Aqui reside um dos problemas mais comprometedores sobre a investigaccedilatildeo
psicoloacutegica aristoteacutelica a) A alma eacute divisiacutevel ou indivisiacutevel b) cada parte da alma teria uma
forma proacutepria c) Caso seja divisiacutevel as almas se diferenciam em gecircnero ou espeacutecie
Segundo Polansky14
Aristoacuteteles resolve esta bateria de problemas supondo que um ser
vivente tem sua proacutepria alma cujas partes correspondam agraves funccedilotildees sendo estas partes
divisiacuteveis pelos tipos de vida (vegetativa animal humana) A divisibilidade das partes se daacute
de acordo com a capacidade aniacutemica que eacute viver segundo uma atividade e se distinguiria em
gecircnero (a vida perceptiva) ou espeacutecie (catildees cavalos e homem) Isto que garantiraacute a
indivisibilidade da alma ao longo dos tipos de vida segundo suas capacidades Assim
Aristoacuteteles consegue ter um enunciado formal que garanta a unidade geneacuterica fazendo dos
tipos de vida como espeacutecies de seres vivos e as capacidades suas diferenccedilas especiacuteficas
Definido isto deve-se inquirir sobre a amplitude da definiccedilatildeo
εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ
καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι
οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν ἄλλο κατηγοροῖτο
Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma
uacutenica definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a
de cavalo catildeo homem divindade sendo neste caso o animal considerado
universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo ocorrendo para qualquer outro
atributo comum que for predicado DA I 1 402b4-9 (Trad de Gomes dos Reis)
Ateacute aqui Aristoacuteteles se debruccedilava sobre os elementos que devem compor a definiccedilatildeo
de alma Daqui adiante a questatildeo passa a ser qual a abordagem de pesquisa para se formular
esta definiccedilatildeo E um primeiro ponto se refere agrave abrangecircncia da definiccedilatildeo Dado que a alma
pode ter partes sendo estas partes divisiacuteveis ou natildeo a definiccedilatildeo deve ser geral e abranger todo
gecircnero de alma ou deve haver uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie de alma Para Polansky15
a
existecircncia de gecircneros eacute questionaacutevel pois parecem ser universais Noacutes natildeo encontramos um
universal tal qual Soacutecrates e Caacutelias pois estes satildeo particulares Tambeacutem natildeo encontramos um
gecircnero de alma tal qual catildees e cavalos pois estes satildeo espeacutecies Deste modo uma definiccedilatildeo
geneacuterica ofereceria apenas uma noccedilatildeo comum segundo as espeacutecies de alma sem
necessariamente enunciar suas as espeacutecies Portanto esta questatildeo contrasta duas noccedilotildees de
definiccedilatildeo da alma a particular (kathrsquo hekaacutesten) e universal (tograve kathoacutelou) Esta tensatildeo
enunciada aqui persistiraacute nas questotildees posteriores ainda neste capiacutetulo mas se evidenciaraacute
mais fortemente nos enunciados de alma presentes em DA II 1-3 Em siacutentese o problema
consiste em saber se a definiccedilatildeo de alma deve ser pelo seu gecircnero ou sua espeacutecie
14 2007 34-35 15 2008 45
18
ἔτι δέ εἰ μὴ πολλαὶ ψυχαὶ ἀλλὰ μόρια πότερον δεῖ ζητεῖν πρότερον τὴν ὅλην ψυχὴν ἢ
τὰ μόρια χαλεπὸν δὲ καὶ τούτων διορίσαι ποῖα πέφυκεν ἕτερα ἀλλήλων καὶ πότερον
τὰ μόρια χρὴ ζητεῖν πρότερον ἢ τὰ ἔργα αὐτῶν
Aleacutem disso no caso de serem muitas as partes e natildeo as almas deve-se primeiro
investigar a alma como um todo ou suas partes Tambeacutem eacute difiacutecil definir quais dentre
estas satildeo por natureza distintas entre si e se eacute uacutetil investigar primeiro as partes ou
suas funccedilotildees DA I 1 402b9-12 (Trad de Gomes dos Reis)
Na medida em que a alma eacute composta de partes que correspondem agraves suas
capacidades se decide se a investigaccedilatildeo abordaraacute primeiramente suas partes ou a alma como
um todo aleacutem de como investigar a capacidade ou a funccedilatildeo caso as capacidades sejam
distintas Ou seja eacute preciso decidir se a investigaccedilatildeo se inicia pela percepccedilatildeo ou pelo animal
ἀπορίαν δ ἔχει καὶ τὰ πάθη τῆς ψυχῆς πότερόν ἐστι πάντα κοινὰ καὶ τοῦ ἔχοντος ἢ
ἔστι τι καὶ τῆς ψυχῆς ἴδιον αὐτῆς
Haacute ainda a dificuldade de saber se as afecccedilotildees da alma satildeo todas comuns agravequilo que
possui alma ou se haacute tambeacutem alguma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma tatildeo somente DA I 1
403a3-5 (Trad de Gomes dos Reis)
Apoacutes uma exaustiva exposiccedilatildeo do que deve compor a definiccedilatildeo de alma
Aristoacuteteles elenca o uacuteltimo requisito de sua investigaccedilatildeo o grau de separabilidade da alma ou
de alguma de suas partes As capacidades de movimento reproduccedilatildeo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo e
imaginaccedilatildeo parecem ter sua ocorrecircncia no composto de corpo e alma que eacute o ser vivente
Entretanto haacute na teoria aristoteacutelica do intelecto sua face passiva e ativa conforme formulou a
tradiccedilatildeo sendo a ativa de natureza separada e imortal16
Isto faria desta parte do intelecto uma
afecccedilatildeo proacutepria da alma sem ocorrecircncia conjunta com o corpo Filopono17
comenta que este eacute
um problema determinante para a composiccedilatildeo da definiccedilatildeo de alma Se a alma tem afecccedilotildees
proacuteprias e separadas do corpo a definiccedilatildeo dispensaraacute o corpo de seu enunciado Se pelo
contraacuterio as afecccedilotildees aniacutemicas tecircm ocorrecircncia corpoacuterea entatildeo a definiccedilatildeo de alma deve
conter o corpo em seu enunciado
O que se conquista enfim com esta taacutebua de definiccedilatildeo em De Anima I 1 Que
investigar a natureza da alma eacute responder a seu gecircnero de ser o que implica em saber se a
16χωρισθεὶς δ ἐστὶ μόνον τοῦθ ὅπερ ἐστί καὶ τοῦτο μόνον ἀθάνατον καὶ ἀΐδιον ldquoSomente isto [o intelecto]
quando separado eacute propriamente o que eacute e somente isto eacute imortal e eternordquo DA III 5 (Trad Gomes dos Reis) 17 εἰ μὲν οὖν ὡς ὀργάνῳ χρῆται τῷ σώματι ἰδίᾳ ἔχουσα τὰς ἐνεργείας οὐ δεῖ προσχρήσασθαι τῷ σώματι πρὸς
τὸν ὁρισμόν οὐ γὰρ συμπληροῖ τὴν οὐσίαν τοῦ τέκτονος τὸ σκέπαρνον εἰ δὲ ἐν τῷ σώματι ἔχει τὸ εἶναι ὡς
εἶναι τὰς ἐνεργείας τοῦ συναμφοτέρου ἀνάγκη προσχρήσασθαι ἐν τῷ ὁρισμῷ τῷ σώματι ὥσπερ ἐπὶ τοῦ θυμοῦ
ἐλέγομεν ἀναγκαία οὖν ἡ τούτων λῆψις οὐκ εὐχερὴς δέ ltπάθηgt δὲ κοινότερον τὰς ἐνεργείας τῆς ψυχῆς
ἐκάλεσε ldquoSe usa o corpo como instrumento e tem suas atividades peculiares a si mesmo natildeo haacute qualquer
necessidade de se remeter ao corpo na definiccedilatildeo ndash pois um machado natildeo completa a essecircncia de um carpinteiro ndash
mas se a alma tem seu ser no corpo e suas atividades pertencem ao composto eacute necessaacuterio tambeacutem se remeter
ao corpo na definiccedilatildeo tal qual como nos referimos em relaccedilatildeo ao iacutempeto Estabelecer essas coisas entatildeo eacute
necessaacuterio poreacutem natildeo eacute faacutecil Afecccedilatildeo eacute o termo mais geral que ele usa para as atividades da almardquo
PHILOPONUS Com DA 4429-35 (Trad da trad de P J Eijk)
19
alma eacute potencialmente ou em atualidade Isto posto se a alma eacute como uma substacircncia e
portanto una ou separaacutevel e caso seja em partes se satildeo divisiacuteveis ou natildeo Aleacutem disso se a
definiccedilatildeo deve abranger diversos tipos de alma ou se haacute uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie Por
fim se sua investigaccedilatildeo parte das partes ou do todo
20
2 A NOCcedilAtildeO DE ALMA EM ARISTOacuteTELES
A noccedilatildeo de alma em Aristoacuteteles obedece trecircs momentos de elaboraccedilatildeo Um primeiro
ao longo da discussatildeo das endoxai de seus predecessores em DA I 2-5 Em outro quando
argumenta por conceitos metafiacutesicos e formula a noccedilatildeo geral de alma em DA II 1 Aleacutem de
um uacuteltimo a partir de DA II 2 quando se formula uma outra noccedilatildeo de alma pelas
capacidades Esta trajetoacuteria visa (i) levantar as teses que foram elaboradas sobre o assunto
visando extrair certos princiacutepios verdadeiros Com estes princiacutepios (ii) se expotildee a noccedilatildeo
geral Mas esta noccedilatildeo que responde sobre o ser da alma natildeo indica os tipos especiacuteficos de
vida Portanto (iii) eacute preciso inquirir por outra abordagem e provar que a alma eacute princiacutepio das
capacidades que manifestam vida no ser pois atraveacutes dessas capacidades explicamos esses
distintos modos de viver Como se veraacute esta travessia responde agrave taacutebua de definiccedilatildeo de DA I
1 e Aristoacuteteles ara todo o terreno sobre o qual ele ergue sua psicologia
21 A DEFINICcedilAtildeO PELA FORMA
Aristoacuteteles conclui seu levantamento das endoxai em DA I 2-5 com duas noccedilotildees
relativas agrave alma que ela eacute una18
e imoacutevel19
Somente no iniacutecio do livro seguinte em DA II 1
ele apresenta sua noccedilatildeo onde o objetivo traccedilar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos)
que abarque as vaacuterias formas de vida
18 φαίνεται δὲ καὶ τὰ φυτὰ διαιρούμενα ζῆν καὶ τῶν ζῴων ἔνια τῶν ἐντόμων ὡς τὴν αὐτὴν ἔχοντα ψυχὴν τῷ
εἴδει εἰ καὶ μὴ ἀριθμῷ ἑκάτερον γὰρ τῶν μορίων αἴσθησιν ἔχει καὶ κινεῖται κατὰ τόπον ἐπί τινα χρόνον εἰ δὲ
μὴ διατελοῦσιν οὐθὲν ἄτοπον ὄργανα γὰρ οὐκ ἔχουσιν ὥστε σώζειν τὴν φύσιν ἀλλ οὐδὲν ἧττον ἐν ἑκατέρῳ
τῶν μορίων ἅπαντ ἐνυπάρχει τὰ μόρια τῆς ψυχῆς καὶ ὁμοειδῆ ἐστιν ἀλλήλοις καὶ τῇ ὅλῃ ἀλλήλοις μὲν ὡς οὐ
χωριστὰ ὄντα τῇ δ ὅλῃ ψυχῇ ὡς οὐ διαιρετῇ οὔσῃ ἔοικε δὲ καὶ ἡ ἐν τοῖς φυτοῖς ἀρχὴ ψυχή τις εἶναι μόνης γὰρ
ταύτης κοινωνεῖ καὶ ζῷα καὶ φυτά καὶ αὕτη μὲν χωρίζεται τῆς αἰσθητικῆς ἀρχῆς αἴσθησιν δ οὐθὲν ἄνευ ταύτης
ἔχει ldquoEacute manifesto ainda que as plantas ndash e dentre os animais alguns insetos ndash quando secionadas continuam a
viver como se tivessem a mesma alma especificamente ainda que natildeo numericamente pois cada uma das partes
tem sensaccedilatildeo e move-se localmente por algum tempo Se natildeo sobrevivem natildeo resulta em absurdo algum pois
natildeo mantecircm oacutergatildeos aponto de conservar a sua natureza Em cada uma das partes poreacutem estatildeo todas as partes da
alma e nenhuma a menos E elas satildeo da mesma espeacutecie entre si e em relaccedilatildeo agrave alma inteira ndash as diversas partes
satildeo inseparaacuteveis uma das outras embora a alma inteira seja divisiacutevel Parece que o princiacutepio encontrado nas
plantas eacute tambeacutem um certo tipo de alma pois eacute apenas compartilhada por animais e plantas e ela existe
separada do princiacutepio perceptivo embora sem ela nada possa ter percepccedilatildeordquo 411b19-411b30 19ὅτι μὲν οὖν οὔθ ἁρμονίαν οἷόν τ εἶναι τὴν ψυχὴν οὔτε κύκλῳ περιφέρεσθαι δῆλον ἐκ τῶν εἰρημένων ldquoQue a
alma natildeo pode ser harmonia nem locomover-se em ciacuterculo fica claro a partir do que foi ditordquo 408ordf29-30 (Trad
Gomes dos Reis)
ὅτι μὲν οὖν οὐχ οἷόν τε κινεῖσθαι τὴν ψυχήν φανερὸν ἐκ τούτων εἰ δ ὅλως μὴ κινεῖται δῆλον ὡς οὐδ ὑφ
ἑαυτῆς Eacute evidente a partir disso tudo que natildeo eacute possiacutevel que a alma se mova ldquoE se de todo modo natildeo se move eacute
claro tambeacutem que natildeo se move por si mesmardquo 408b30-31 (Trad Gomes dos Reis)
φανερὸν οὖν ἐκ τῶν εἰρημένων ὡς οὔτε τὸ γινώσκειν ὑπάρχει τῇ ψυχῇ διὰ τὸ ἐκ τῶν στοιχείων εἶναι οὔτε τὸ
κινεῖσθαι αὐτὴν καλῶς οὐδ ἀληθῶς λέγεται ldquoEacute manifesto entatildeo a partir do que foi dito que nem o conhecer
subsite na alma por ela ser composta dos elementos nem eacute uma maneira certa ou verdadeira dizer qua a alma eacute
movidardquo 411a24-26 (Trad Gomes dos Reis)
21
Τὰ μὲν δὴ ὑπὸ τῶν πρότερον παραδεδομένα περὶ ψυχῆς εἰρήσθω πάλιν δ ὥσπερ ἐξ
ὑπαρχῆς ἐπανίωμεν πειρώμενοι διορίσαι τί ἐστι ψυχὴ καὶ τίς ἂν εἴη κοινότατος λόγος
αὐτῆς
Tendo dito o suficiente sobre as opiniotildees a respeito da alma fornecida por nossos
predecessores retomemos como que do comeccedilo e tentemos definir o que eacute a alma e
qual seria seu enunciado mais geral 412a1-6 (Trad Gomes dos Reis)
A busca pelo enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) visa uma definiccedilatildeo de alma
comum agraves diversas formas de vida Em meio agrave pluralidade de modos de vida a alma eacute aquilo
a partir do qual essa pluralidade se unifica num gecircnero de ser ndash o dos seres viventes
(empsykhon) Aristoacuteteles compreende que uma noccedilatildeo puramente geneacuterica natildeo explica as
formas especiacuteficas do objeto de estudo Entretanto o enunciado geral responde agrave primeira
parte da taacutebua de definiccedilatildeo como notaremos no decorrer da definiccedilatildeo pela forma que seraacute
enunciada Com eles Aristoacuteteles alicerccedila conceitualmente as outras definiccedilotildees que seratildeo
formuladas nos outros capiacutetulos
Assim entatildeo Aristoacuteteles inicia seu argumento
λέγομεν δὴ γένος ἕν τι τῶν ὄντων τὴν οὐσίαν ταύτης δὲ τὸ μέν ὡς ὕλην ὃ καθ αὑτὸ
οὐκ ἔστι τόδε τι ἕτερον δὲ μορφὴν καὶ εἶδος καθ ἣν ἤδη λέγεται τόδε τι καὶ τρίτον
τὸ ἐκ τούτων ἔστι δ ἡ μὲν ὕλη δύναμις τὸ δ εἶδος ἐντελέχεια καὶ τοῦτο διχῶς τὸ
μὲν ὡς ἐπιστήμη τὸ δ ὡς τὸ θεωρεῖν
Dizemos que um dos gecircneros dos seres eacute a substacircncia E substacircncia primeiro no
sentido de mateacuteria ndash que por si mesmo natildeo eacute algo determinado ndash e ainda no sentido
de figura e forma ndash em virtude do que jaacute se diz que eacute algo determinado ndash e por fim
no sentido de composto de ambas A mateacuteria por sua vez eacute potecircncia ao passo que a
forma eacute atualidade e isto de dois modos seja como ciecircncia seja como inquirir DA II
1 412a6-11(Trad Gomes dos Reis)
Aristoacuteteles parte de teses presentes em seu tratado de filosofia primeira a Metafiacutesica
Laacute ele investiga o ser enquanto ser que tem muitos significados mas todos convergem para
um soacute20
O que responde a estes diversos significados do que eacute o ser ao ti estiacute eacute a
substacircncia21
(ousiacutea) Satildeo substacircncias a mateacuteria (hyacutele) a forma (morpheacute) e o composto de
ambas ( tograve ek touacutetoon) 22
Apesar da mateacuteria ser indeterminada23
permanece na mudanccedila e eacute
20 διὸ καὶ ἡμῖν τοῦ ὄντος ᾗ ὂν τὰς πρώτας αἰτίας ληπτέον Τὸ δὲ ὂν λέγεται μὲν πολλαχῶς ἀλλὰ πρὸς ἓν καὶ μίαν
τινὰ φύσιν Por isso tambeacutem noacutes devemos apreender as causas primeiras do ente enquanto ente ldquoEnterdquo se diz de
muitas maneiras mas em relaccedilatildeo a algo uacutenico e a uma natureza uacutenicardquo Met G 1-2 1003ordf31-32 (Trad Lucas
Angioni) 21τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν ldquoE
sendo o ente dito de muitos modos eacute evidente que o ente primeiro eacute o que eacute entre todos o que designa a
substacircnciardquo Met Z 2 1028b13-15 (Trad Lucas Angioni) 22 αὗται δ εἰσὶν αἱ αἰσθηταί αἱ δ αἰσθηταὶ οὐσίαι πᾶσαι ὕλην ἔχουσιν ἔστι δ οὐσία τὸ ὑποκείμενον ἄλλως μὲν
ἡ ὕλη (ὕλην δὲ λέγω ἣ μὴ τόδε τι οὖσα ἐνεργείᾳ δυνάμει ἐστὶ τόδε τι) ἄλλως δ ὁ λόγος καὶ ἡ μορφή ὃ τόδε τι
ὂν τῷ λόγῳ χωριστόν ἐστιν τρίτον δὲ τὸ ἐκ τούτων οὗ γένεσις μόνου καὶ φθορά ἐστι καὶ χωριστὸν ἁπλῶς τῶν
γὰρ κατὰ τὸν λόγον οὐσιῶν αἱ μὲν αἱ δ οὔ ldquoE agora devemos reexaminar as substacircncias que satildeo admitidas por
todos E essas satildeo as substacircncias sensiacuteveis Todas as substacircncias sensiacuteveis tecircm mateacuteria E substacircncia eacute o
substrato o qual em certo sentido significa a mateacuteria (chamo mateacuteria o que natildeo eacute algo determinado em ato mas
22
objeto de predicaccedilatildeo caracteriza-se como o substrato (hypokeiacutemenon) do composto Para ser
determinada a mateacuteria depende da forma que lhe confere ser (ti estiacute) Assim toda mateacuteria
determinada pela forma seraacute um composto Por isso Aristoacuteteles defende que uma boa
definiccedilatildeo das substacircncias compostas eacute a que enuncie a determinaccedilatildeo da forma na mateacuteria24
Em suma a substacircncia eacute o gecircnero primeiro de ser sendo esta tanto mateacuteria quanto forma
assim como o composto de ambas
A indeterminaccedilatildeo da mateacuteria e a determinaccedilatildeo da forma estatildeo intrinsecamente
relacionadas aos conceitos correlatos de potecircncia (dyacutenamis) e atualidade (enteleacutekheia) na
filosofia primeira de Aristoacuteteles A mateacuteria eacute indeterminada pois natildeo eacute algo em ato mas em
potecircncia na medida que eacute passiacutevel de determinaccedilatildeo pela forma Aristoacuteteles assinala que ser
em potecircncia significa ter o princiacutepio de movimento (kiacutenesis) ou de modicaccedilatildeo (metaboleacute) seja
por causa extriacutenseca ou intriacutenseca25
A mateacuteria portanto eacute potecircncia pois traz em si o princiacutepio
de ser movida ou modificada por si mesma ou por um outro isto Potecircncia tambeacutem estaacute
algo determinado soacute em potecircncia) num segundo sentido significa a essecircncia e a forma (a qual sendo algo
determinado pode ser separada pelo pensamento) e num terceiro sentido significa o composto de mateacuteria e de
forma (e soacute este estaacute submetido agrave geraccedilatildeo e agrave corrupccedilatildeo e eacute separado em sentido proacuteprio enquanto das
substacircncias entendidas segundo a forma algumas satildeo separadas outras natildeo satildeo)rdquo H 1042a24-31 (Trad Giovani
Reale) 23 λέγω δ ὕλην ἣ καθ αὑτὴν μήτε τὶ μήτε ποσὸν μήτε ἄλλο μηδὲν λέγεται οἷς ὥρισται τὸ ὄν ἔστι γάρ τι καθ οὗ
κατηγορεῖται τούτων ἕκαστον ᾧ τὸ εἶναι ἕτερον καὶ τῶν κατηγοριῶν ἑκάστῃ (τὰ μὲν γὰρ ἄλλα τῆς οὐσίας
κατηγορεῖται αὕτη δὲ τῆς ὕλης) ὥστε τὸ ἔσχατον καθ αὑτὸ οὔτε τὶ οὔτε ποσὸν οὔτε ἄλλο οὐδέν ἐστιν οὐδὲ δὴ
αἱ ἀποφάσεις καὶ γὰρ αὗται ὑπάρξουσι κατὰ συμβεβηκός ldquoChamo mateacuteria aquilo que por si natildeo eacute algo
determinado nem uma quantidade nem qualquer outra das determinaccedilotildees do ser Existe de fato alguma coisa da
qual cada uma dessas determinaccedilotildees eacute predicada alguma coisa cujo ser eacute diferente do ser de cada uma das
categorias Todas as outras categorias com efeito satildeo predicadas da substacircncia e esta por sua vez eacute predicada
da mateacuteria Assim este termo por si natildeo eacute nem algo determinado nem quantidade nem qualquer outra
categoria e natildeo eacute nem sequer as negaccedilotildees destas porque as negaccedilotildees soacute existem de modo acidentalrdquo Met Z 3
1029ordf20-26 (Trad Giovani Reale) 24 οἱ δὲ ἀγγεῖον σκεπαστικὸν χρημάτων καὶ σωμάτων ἤ τι ἄλλο τοιοῦτον προτιθέντες τὴν ἐνέργειαν λέγουσιν οἱ
δ ἄμφω ταῦτα συντιθέντες τὴν τρίτην καὶ τὴν ἐκ τούτων οὐσίαν (ἔοικε γὰρ ὁ μὲν διὰ τῶν διαφορῶν λόγος τοῦ
εἴδους καὶ τῆς ἐνεργείας εἶναι ὁ δ ἐκ τῶν ἐνυπαρχόντων τῆς ὕλης μᾶλλον) ὁμοίως δὲ καὶ οἵους Ἀρχύτας
ἀπεδέχετο ὅρους τοῦ συνάμφω γάρ εἰσιν ldquoAo contraacuterio os que a definem dizendo que eacute um refuacutegio para
proteger coisas e corpos ou alguma outra coisa desse tipo dizendo o que eacute a casa em ato enfim os que unem
ambas as definiccedilotildees experimenta substacircncia no terceiro significado como composto de mateacuteria e forma Eacute claro
que a definiccedilatildeo dada pelas diferenccedilas refere-se agrave forma e ao ato enquanto a definiccedilatildeo dada a partir dos
elementos refere-se prioritariamente agrave mateacuteria Semelhantes a estas eram as definiccedilotildees que Arquita aprovava
elas referiam-se ao conjunto de mateacuteria e formardquo H 2 1043ordf17-21 (Trad Giovani Reale)
φανερὸν δὴ ἐκ τῶν εἰρημένων τίς ἡ αἰσθητὴ οὐσία ἐστὶ καὶ πῶς ἡ μὲν γὰρ ὡς ὕλη ἡ δ ὡς μορφὴ καὶ ἐνέργεια
ἡ δὲ τρίτη ἡ ἐκ τούτων ldquoDo que foi dito fica claro o que eacute a substacircncia sensiacutevel e qual eacute seu modo de ser ela eacute
por um lado mateacuteria por outro forma e ato e num terceiro sentido o conjunto de mateacuteria e de formardquo Met H
2 1043a26-28 (Trad Giovani Reale) 25 ἡ μὲν οὖν ὅλως ἀρχὴ μεταβολῆς ἢ κινήσεως λέγεται δύναμις ἐν ἑτέρῳ ἢ ᾗ ἕτερον ἡ δ ὑφ ἑτέρου ἢ ᾗ ἕτερον
(καθ ἣν γὰρ τὸ πάσχον πάσχει τι ὁτὲ μὲν ἐὰν ὁτιοῦν δυνατὸν αὐτό φαμεν εἶναι παθεῖν ὁτὲ δ οὐ κατὰ πᾶν
πάθος ἀλλ ἂν ἐπὶτὸ βέλτιον) ldquoPotecircncia portanto significa em primeiro lugar esse princiacutepio de mudanccedila ou de
movimento que se encontra em outra coisa ou na propria coisa enquanto outra e em segundo lugar significa o
princiacutepio pelo qual uma coisa eacute mudada ou movida por outra ou por si mesma enquanto outrardquo Met Δ 12
1019ordf19-23 (Trad Giovani Reale)
23
relacionada ao princiacutepio de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo26
Na medida em que as coisas satildeo
constituiacutedas de um determinado modo elas trazem em potecircncia a manutenccedilatildeo de si diante da
accedilatildeo de outra coisa como a parede que natildeo quebra se batida com um copo de vidro ou trazem
em potecircncia a degeneraccedilatildeo tal qual um copo de vidro que quebra quando lanccedilado contra a
parede Jaacute a forma eacute atualidade (enteleacutekheia) tanto como ciecircncia quanto inquirir ou seja
enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) e atividade (energeia) Atualidade enquanto disposiccedilatildeo significa
a jaacute detenccedilatildeo de determinada capacidade mas sem sua atividade Ser apto a caminhar mas
estar sentado por exemplo Jaacute ato enquanto atividade significa o exerciacutecio dessa disposiccedilatildeo
Ser apto a caminhar e estar caminhando
οὐσίαι δὲ μάλιστ εἶναι δοκοῦσι τὰ σώματα καὶ τούτων τὰ φυσικά ταῦτα γὰρ τῶν
ἄλλων ἀρχαί τῶν δὲ φυσικῶν τὰ μὲν ἔχει ζωήν τὰ δ οὐκ ἔχει ζωὴν δὲ λέγομεν τὴν
δι αὑτοῦ τροφήν τε καὶ αὔξησιν καὶ φθίσιν ὥστε πᾶν σῶμα φυσικὸν μετέχον ζωῆς
οὐσία ἂν εἴη οὐσία δ οὕτως ὡς συνθέτη
E haacute a opiniatildeo de que sobretudo os corpos satildeo substacircncia entre os quais se encontram
os corpos naturais que satildeo princiacutepios dos demais Dos corpos naturais alguns tecircm
vida outros natildeo e dizemos que a vida eacute a nutriccedilatildeo por si mesmo o crescimento e o
decaimento Assim todo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido
de substacircncia composta DA II 1 412a11-16 (Trad Gomes dos Reis)
Aristoacuteteles retorna a uma tese geral amplamente adotada por ele segundo a qual dentre
as substacircncias as sensiacuteveis satildeo as mais aceitas27
por serem mais evidentes aos sentidos O que
26 ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ τοῦ πάσχειν ἔτι ὅσαι ἕξεις καθ ἃς ἀπαθῆ ὅλως ἢ ἀμετάβλητα ἢ μὴ ῥᾳδίως ἐπὶ τὸ χεῖρον
εὐμετακίνητα δυνάμεις λέγονται κλᾶται μὲν γὰρ καὶ συντρίβεται καὶ κάμπτεται καὶ ὅλως φθείρεται οὐ τῷ
δύνασθαι ἀλλὰ τῷ μὴ δύνασθαι καὶ ἐλλείπειν τινός ἀπαθῆ δὲ τῶν τοιούτων ἃ μόλις καὶ ἠρέμα πάσχει διὰ δύ
ναμιν καὶ τῷ δύνασθαι καὶ τῷ ἔχειν πώς ldquoO mesmo vale para a potecircncia passiva Aleacutem disso chamam-se
potecircncias todos os estados em virtude dos quais as coisas satildeo absolutamente impassiacuteveis ou imutaacuteveis ou natildeo
facilmente mutaacuteveis para pior De fato as coisas quebram-se degeneram-se dobram-se e em geral destroem-se
natildeo porque tecircm potecircncia mas porque natildeo tecircm potecircncia a e porque carecem de alguma coisa ao contraacuterio satildeo
impassiacuteveis relativamente a todo estes tipos de afecccedilotildees as coisas que dificilmente ou pouco satildeo afetadas por elas
por causa de sua potecircncia e de seu poder e por determinadas condiccedilotildees em que se encontremrdquo Met Δ 12 1019ordf
26-32 (Trad Giovani Reale) 27 Οὐσία λέγεται τά τε ἁπλᾶ σώματα οἷον γῆ καὶ πῦρ καὶ ὕδωρ καὶ ὅσα τοιαῦτα καὶ ὅλως σώματα καὶ τὰ ἐκ
τούτων συνεστῶτα ζῷά τε καὶ δαιμόνια καὶ τὰ μόρια τούτων ἅπαντα δὲ ταῦτα λέγεται οὐσία ὅτι οὐ καθ
ὑποκειμένου λέγεται ἀλλὰ κατὰ τούτων τὰ ἄλλα ldquoSubstacircncia em certo sentido se diz dos corpos simples por
exemplo o fogo a terra a aacutegua e todos os corpos como estes e em geral todos os corpos e as coisas compostas
a partir deles como os animais e os seres divinos e suas partes Todas essas coisas satildeo ditas substacircncias porque
natildeo satildeo predicadas de um substrato mas tudo o mais eacute predicado delasrdquo Met Δ 1017b10ndash14 (Trad Giovani
Reale)
Τὸ ὂν λέγεται πολλαχῶς καθάπερ διειλόμεθα πρότερον ἐν τοῖς περὶ τοῦ ποσαχῶς σημαίνει γὰρ τὸ μὲν τί ἐστι
καὶ τόδε τι τὸ δὲ ποιὸν ἢ ποσὸν ἢ τῶν ἄλλων ἕκαστον τῶν οὕτω κατηγορουμένων τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου
τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν (ὅταν μὲν γὰρ εἴπωμεν ποῖόν τι
τόδε ἢ ἀγαθὸν λέγομεν ἢ κακόν ἀλλ οὐ τρίπηχυ ἢ ἄνθρωπον ldquoO ser tem muitos signficados como
estabelecemos anteriormente no livro dedicado aos diversos significados dos termos De fato o ser signfica de
um lado essecircncia e algo determinado de outro qualidade ou quantidade e cada uma das outras categorias
Mesmo sendo dito em tantos signficados eacute evidente que o primeiro dos significados do ser eacute a essecircncia que
indica a substacircncia (De fato quando perguntamos a qualidade de alguma coisa dizemos que eacute boa ou maacute mas
natildeo que tem trecircs cocircvados ou que eacute homemrdquo 1028a10ndash16 (Trad Giovani Reale)
24
Aristoacuteteles chama aqui de corpos naturais (physikoacuten) corresponde aos compostos que datildeo
origem aos artificiais e com a abstraccedilatildeo das suas unidades a objetos matemaacuteticos Mas natildeo
satildeo elementos ou partes sem unidade como o olho ou a raiz da aacutervore Pois eacute o animal que
deteacutem o olho e a aacutervore que deteacutem a raiacutez Sendo assim os corpos naturais se diferenciam
entre os que vivem e os que natildeo vivem Estes que natildeo vivem satildeo os corpos artificiais os
corpos celestes e o cadaacutever Um corpo morto seraacute de animal senatildeo por homoniacutemia pois natildeo
tem como atividade o viver E o viver eacute nutrir-se eacute crescer e eacute decair Donde Aristoacuteteles
conclui que ldquotodo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido de substacircncia
compostardquo Os seres viventes (empsykhon) satildeo substacircncias compostas de mateacuteria (corpo) e
forma (alma) tendo como atividade o viver
ἐπεὶ δ ἐστὶ καὶ σῶμα καὶ τοιόνδε ζωὴν γὰρ ἔχον οὐκ ἂν εἴη σῶμα ἡ ψυχή οὐ γάρ
ἐστι τῶν καθ ὑποκειμένου τὸ σῶμα μᾶλλον δ ὡς ὑποκείμενον καὶ ὕλη ἀναγκαῖον
ἄρα τὴν ψυχὴν οὐσίαν εἶνα ὡς εἶδος σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν ἔχοντος
E uma vez que essa substacircncia tambeacutem eacute um corpo de tal tipo ndash que tem vida ndash a
alma natildeo eacute corpo pois o corpo natildeo eacute um dos predicados do substrato antes ele eacute
como o substrato e a mateacuteria Necessariamente entatildeo a alma eacute substacircncia como
forma de um corpo natural potencialmente vivo 412ordf16-21 (Trad Maria Ceciacutelia
Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo proacutepria)
Finalmente Aristoacuteteles tece sua uacuteltima premissa e enuncia uma primeira definiccedilatildeo de
alma Dado que os corpos naturais dotados de vida satildeo compostos hilemoacuterficos cabe eliminar
qualquer possibilidade da alma ser corpo O argumento eacute conciso Haacute substacircncias que satildeo um
corpo dotado de vida Este corpo vivo natildeo eacute alma Mas substrato (hypokeimeacutenon) e mateacuteria
(hyacutele) do composto E como tal eacute objeto de predicaccedilatildeo da forma Portanto a alma natildeo pode
ser corpo pois ela que o predica
Em Met Z 3 escreve Aristoacuteteles que o substrato eacute aquilo que eacute predicado pelas coisas
enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outra28
Jaacute a substacircncia eacute aquilo que predica o
substrato mas que natildeo eacute predicada pelas outras coisas Sendo assim inerem no substrato
determinaccedilotildees como quantidade afecccedilotildees accedilotildees e potecircncias Poreacutem raspadas as
determinaccedilotildees o que resta eacute o substrato primeiro mateacuteria Contudo como jaacute enunciado
ὁμολογούμεναι μὲν αἱ φυσικαί οἷον πῦρ γῆ ὕδωρ ἀὴρ καὶ τἆλλα τὰ ἁπλᾶ σώματα ἔπειτα τὰ φυτὰ καὶ τὰ μόρια
αὐτῶν καὶ τὰ ζῷα καὶ τὰ μόρια τῶν ζῴων καὶ τέλος ὁ οὐρανὸς καὶ τὰ μόρια τοῦ οὐρανοῦ ἰδίᾳ δέ τινες οὐσίας
λέγουσιν εἶναι τά τ εἴδη καὶ τὰ μαθηματικά ldquoSubstacircncias admitidas por todos satildeo as fiacutesicas como fogo terra
aacutegua ar e os outros corpos simples ademais as plantas e suas partes do ceacuteu Alguns filoacutesofos ao contraacuterio em
funccedilatildeo de suas opiniotildees particulares afirmaram que substacircncias satildeo as Formas e os Entes matemaacuteticosrdquo Met H
1042a7ndash11(Trad Giovani Reale)
28 τὸ δ ὑποκείμενόν ἐστι καθ οὗ τὰ ἄλλα λέγεται ἐκεῖνο δὲ αὐτὸ μηκέτι κατ ἄλλου ldquoO Substrato eacute aquilo de
que satildeo predicadas todas as outras coisas enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outrardquo Met Z 3 1028b36 ndash
1029a1 (Trad Giovani Reale)
25
acima Aristoacuteteles compreende a mateacuteria como algo indeterminado Apesar disso haacute algo da
qual todas as outras determinaccedilotildees satildeo predicadas E sendo a substacircncia um algo separado
que predica a mateacuteria ou seja que referencia e determina a mateacuteria substacircncia e mateacuteria natildeo
podem ser idecircnticas O que este argumento nos ajuda a compreender eacute o pressuposto
metafiacutesico sobre o qual Aristoacuteteles identifica o corpo com o substrato impossibilitando que
este seja identificado com a alma Ou seja a substacircncia que predica o corpo
Portanto se o corpo eacute substrato material do composto orgacircnico vivo segue-se
necessariamente que a alma eacute a substacircncia formal Aristoacuteteles enuncia entatildeo seu perseguido
enunciado mais geral a alma eacute substacircncia como forma de um corpo natural potencialmente
vivo A alma enquanto substacircncia do composto vivo eacute substacircncia no sentido de forma Com
este enunciado Aristoacuteteles responde o primeiro ponto do elenco de questotildees a serem
abordadas numa investigaccedilatildeo da alma a saber a qual gecircnero de ser pertence a alma
Para a alma ser forma de um corpo potencialmente vivo ndash e ser potencialmente vivo eacute
dispor de oacutergatildeos passiacuteveis de realizaccedilatildeo das atividades proacuteprias ao viver ndash significa ser o
princiacutepio estruturante e configurador das funccedilotildees (eacutergon) de vida Assim a alma eacute o princiacutepio
e causa determinante do ser atraveacutes das atividades proacuteprias ao viver em um corpo de tal tipo
Portanto a alma configura a realidade das substacircncias compostas viventes sendo aquilo a
partir e em vista do que a vida se daacute
Aristoacuteteles abre caminho para a responder sua taacutebua de definiccedilotildees de DA I 1 A
primeira delas eacute configurar a relaccedilatildeo entre a alma e o corpo fundamentando a noccedilatildeo de
inseparabilidade entre uma e outro Pois ser a forma de um composto demanda que a alma se
atualize apenas se instanciada em um estofo material e seja seu princiacutepio de ser Em siacutentese a
alma eacute como a substacircncia e o corpo eacute como o substrato da substacircncia composta viva que eacute o
ser vivente
Seguindo as noccedilotildees jaacute traccediladas anteriormente Aristoacuteteles desdobraraacute outras duas
caracteriacutesticas proacuteprias agrave alma atualidade primeira e princiacutepio de determinaccedilatildeo do corpo Jaacute
que a alma eacute forma e forma eacute atualidade entatildeo a alma eacute atualidade deste corpo
potencialmente vivo como se lecirc logo em seguida
ἡ δ οὐσία ἐντελέχεια τοιούτου ἄρα σώματος ἐντελέχεια αὕτη δὲ λέγεται διχῶς ἡ
μὲν ὡς ἐπιστήμη ἡ δ ὡς τὸ θεωρεῖν φανερὸν οὖν ὅτι ὡς ἐπιστήμη ἐν γὰρ τῷ
ὑπάρχειν τὴν υχὴν καὶ ὕπνος καὶ ἐγρήγορσίς ἐστιν ἀνάλογον δ ἡ μὲν ἐγρήγορσις τῷ
θεωρεῖν ὁ δ ὕπνος τῷ ἔχειν καὶ μὴ ἐνεργεῖν προτέρα δὲ τῇ γενέσει ἐπὶ τοῦ αὐτοῦ ἡ
ἐπιστήμη διὸ ἡ ψυχή ἐστιν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν
ἔχοντος
E a substacircncia eacute atualidade Portanto eacute de um corpo de tal tipo que a alma eacute
atualidade Mas esta se diz de dois modos ndash primeiro como ciecircncia segundo como o
26
inquirir Eacute claro entatildeo que a alma eacute atualidade como ciecircncia pois ao subsistir a alma
haacute tanto o sono como a vigiacutelia e a vigiacutelia eacute algo anaacutelogo ao inquirir o sono a possuir
a ciecircncia mas natildeo a exercecirc-la e no que concerne a um mesmo indiviacuteduo a ciecircncia eacute
a primeira atualidade de um corpo natural que tem em potecircncia vida DA II 1 412a21-
28 (Trad Gomes dos Reis)
Como jaacute estabelecido em 401a6-11 a atualidade se diz segundo a disposiccedilatildeo e a
atividade Aqui disposiccedilatildeo (heacutexis) estaacute para a ciecircncia (epistecircme) como atividade (energeacuteia)
estaacute para inquirir (theoreicircn) Portanto disposiccedilatildeo eacute a obtenccedilatildeo de dada capacidade sem
executaacute-la enquanto atividade eacute sua execuccedilatildeo
Aristoacuteteles conclui seu argumento especificando a alma como uma atualidade primeira
(enteleacutekheia proteacute) Charlton29
propotildee que o termo ldquoprimeirordquo (proteacute) se refira agrave atualidade no
primeiro sentido ou seja enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) O que parece plausiacutevel pois o texto
aristoteacutelico nos diz que a alma eacute atualidade como ciecircncia (phanerograven oucircn hoacuteti hocircs episteme)
Aleacutem disso nas discussotildees preliminares sobre a capacidade perceptiva Aristoacuteteles discorre
um pouco mais sobre as diferenccedilas entre atualidade em termos de disposiccedilatildeo e atividade
διαιρετέον δὲ καὶ περὶ δυνάμεως καὶ ἐντελεχείας νῦν γὰρ ἁπλῶς ἐλέγομεν περὶ
αὐτῶν ἔστι μὲν γὰρ οὕτως ἐπιστῆμόν τι ὡς ἂν εἴποιμεν ἄνθρωπον ἐπιστήμονα ὅτι ὁ
ἄνθρωπος τῶν ἐπιστημόνων καὶ ἐχόντων ἐπιστήμην ἔστι δ ὡς ἤδη λέγομεν
ἐπιστήμονα τὸν ἔχοντα τὴν γραμματικήν ἑκάτερος δὲ τούτων οὐ τὸν αὐτὸν τρόπον
δυνατός ἐστιν ἀλλ ὁ μὲν ὅτι τὸ γένος τοιοῦτον καὶ ἡ ὕλη ὁ δ ὅτι βουληθεὶς δυνατὸς
θεωρεῖν ἂν μή τι κωλύσῃ τῶν ἔξωθεν ὁ δ ἤδη θεωρῶν ἐντελεχείᾳ ὢν καὶ κυρίως
ἐπιστάμενος τόδε τὸ Α ἀμφότεροι μὲν οὖν οἱ πρῶτοι κατὰ δύναμιν ἐπιστήμονες
ltὄντες ἐνεργείᾳ γίνονται ἐπιστήμονεςgtἀλλ ὁ μὲν διὰ μαθήσεως ἀλλοιωθεὶς καὶ
πολλάκις ἐξ ἐναντίας μεταβαλὼν ἕξεως ὁ δ ἐκ τοῦ ἔχειν τὴν ἀριθμητικὴν ἢ τὴν
γραμματικήν μὴ ἐνεργεῖν δέ εἰς τὸ ἐνεργεῖν ἄλλον τρόπον
Eacute preciso ainda fazer distinccedilotildees no que diz respeito agrave potecircncia e agrave atualidade Pois ateacute
agora falaacutevamos disso de maneira simples Por um lado haacute aquele que conhece no
sentido em que diriacuteamos ser o homem conhecedor por estar entre os que conhecem e
possuem conhecimento e haacute em outro sentido aquele que dizemos ser conhecedor
por jaacute saber a gramaacutetica (e cada um deles eacute em potecircncia mas natildeo da mesma maneira
o primeiro por que eacute de tal gecircnero e mateacuteria o outro porque se quiser pode inquirir
nada externo o impedindo) E haacute por fim aquele que estaacute inquirindo e em atualidade
conhecendo em sentido proacuteprio este ldquoArdquo determinado Os dois primeiros satildeo
conhecedores em potecircncia um por ter-se alterado via aprendizagem e por passar
vaacuterias vezes de uma das disposiccedilotildees contraacuterias a outra o outro de outro modo por
passar do ter a percepccedilatildeo sensiacutevel30 ou a gramaacutetica sem exercitaacute-lo ao estar em
exerciacutecio DA II 5 417a21-b2 (Trad Gomes dos Reis)
O ser humano eacute configurado de modo a realizar certas atividades como a nutriccedilatildeo a
percepccedilatildeo e a inquiriccedilatildeo Entretanto a pura organizaccedilatildeo fiacutesica natildeo basta para que elas sejam
realizadas Assim somente quando a funccedilatildeo proacutepria de determinada disposiccedilatildeo fiacutesica entra
em atividade eacute que aquilo que eacute em potecircncia se torna uma atualidade No caso acima a
capacidade de inquirir Mas toda capacidade exige um objeto para entrar em atividade E o
29 1980 p 174 30 A tradutora optou por substituir o termo ldquoarithmetikegravenrdquo por ldquoaiacutesthesinrdquo Cf GOMES DOS REIS 2012 p 84
27
que era uma potecircncia de aprendizado para o inquiridor torna-se uma atualidade pela atividade
da sua inquiriccedilatildeo Deste modo haacute trecircs instacircncias que vatildeo da potecircncia agrave atualidade Na
primeira o ser vivente eacute dotado da capacidade de aprender a inquirir Na segunda esta
disposiccedilatildeo eacute posta em atividade tendo um objeto para se inquirir Na terceira eacute a atividade
dessa capacidade aprendida ou adquirida que se tem uma atualidade plena No primeiro caso
eacute claramente uma capacidade segundo uma disposiccedilatildeo No segundo caso jaacute temos um estado
de atualidade na medida em que haacute o exerciacutecio dessa capacidade proacutepria ao ser vivente
Aristoacuteteles chama isso de potecircncia pois em relaccedilatildeo agrave terceira instacircncia aquele modo de
atualidade eacute ainda suscetiacutevel de alteraccedilatildeo E quando essa nova capacidade a gramaacutetica eacute
adquirida pela atividade desta nova capacidade de inquirir possiacutevel apenas pela sua
disposiccedilatildeo na fisiologia do ser vivente a capacidade se atualiza plenamente
Assim a alma eacute atualidade primeira de um corpo potencialmente vivo enquanto
princiacutepio de atividade das capacidades proacuteprias ao viver presentes como disposiccedilatildeo que a
forma engendra neste corpo Isto fica mais evidente em DA II 1 412b5-9
εἰ δή τι κοινὸν ἐπὶ πάσης ψυχῆς δεῖ λέγειν εἴη ἂν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος
φυσικοῦ ὀργανικοῦ διὸ καὶ οὐ δεῖ ζητεῖν εἰ ἓν ἡ ψυχὴ καὶ τὸ σῶμα ὥσπερ οὐδὲ τὸν
κηρὸν καὶ τὸ σχῆμα οὐδ ὅλως τὴν ἑκάστου ὕλην καὶ τὸ οὗ ἡ ὕλη τὸ γὰρ ἓν καὶ τὸ
εἶναι ἐπεὶ πλεοναχῶς λέγεται τὸ κυρίως ἡ ἐντελέχειά ἐστιν
Se eacute preciso enunciar algo comum a toda e qualquer alma seria que eacute a primeira
atualidade do corpo natural orgacircnico E por isso inclusive natildeo eacute preciso investigar se
alma e corpo satildeo uma unidade ndash tampouco se a cera e a figura o satildeo e em suma nem
se a mateacuteria de cada coisa e aquilo de que eacute mateacuteria ndash pois jaacute que se diz unidade ser
de muitos modos o mais apropriado deles eacute a atualidade (Trad Gomes dos Reis)
O corpo eacute dotado de oacutergatildeos partes que viabilizam a atividade das capacidades
proacuteprias ao viver E eacute a atividade das capacidades atraveacutes dos oacutergatildeos que se confere unidade
entre corpo e alma nesse composto orgacircnico vivo Assim Aristoacuteteles responde sobre a
unidade entre alma e corpo enunciada na taacutebua de definiccedilotildees Natildeo por acaso como corolaacuterio
agraves noccedilotildees de alma como forma e atualidade Aristoacuteteles declara
οὐσία γὰρ ἡ κατὰ τὸν λόγον τοῦτο δὲ τὸ τί ἦν εἶναι τῷ τοιῳδὶ σώματι καθάπερ εἴ τι
τῶν ὀργάνων φυσικὸν ἦν σῶμα οἷον πέλεκυς ἦν μὲν γὰρ ἂν τὸ πελέκει εἶναι ἡ οὐσία
αὐτοῦ καὶ ἡ ψυχὴ τοῦτο χωρισθείσης δὲ ταύτης οὐκ ἂν ἔτι πέλεκυς ἦν ἀλλ ἢ ὁμ
ωνύμως νῦν δ ἔστι πέλεκυς οὐ γὰρ τοιούτου σώματος τὸ τί ἦν εἶναι καὶ ὁ λόγος ἡ
ψυχή ἀλλὰ φυσικοῦ τοιουδί ἔχοντος ἀρχὴν κινήσεως καὶ στάσεως ἐν ἑαυτῷ
Pois ela eacute a substacircncia segundo a determinaccedilatildeo ou seja o que era para ser de um
corpo de tal tipo Se um instrumento fosse um corpo natural ndash por exemplo o
machado ndash a sua substacircncia seria a que eacute ser para o machado e isto seria a sua alma
Separado disso ele natildeo seria mais um machado exceto por homoniacutemia Mas na
verdade eacute um machado pois a alma natildeo eacute a determinaccedilatildeo e o que eacute o que eacute para um
corpo desse tipo mas sim um corpo natural tal que tenha em si mesmo um princiacutepio
28
de movimento e repouso DA II 1 412b10-17 (Trad Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo
proacutepria)
Como jaacute explicitado no enunciado de alma enquanto substacircncia como forma em
412a20 a alma eacute este princiacutepio determinante do ser do composto Ou seja o princiacutepio
organizador das suas disposiccedilotildees e propriedades que determinaratildeo o ser proacuteprio de um corpo
natural capaz de viver A identificaccedilatildeo entre alma e forma se desdobraraacute na identificaccedilatildeo de
alma e o que era para ser31
(tograve tiacute ecircn eicircnai)
Dado que a alma eacute forma e atualidade do corpo Aristoacuteteles estabelece que ela eacute seu
princiacutepio de determinaccedilatildeo das propriedades relevantes que daratildeo o caraacuteter essencial do ser
vivente E eacute evidente como o texto nos mostra e Hamilyn32
sustenta que a determinaccedilatildeo da
essecircncia se daacute segundo sua funccedilatildeo (eacutergon) O ser do machado eacute cortar na medida em que a
funccedilatildeo proacutepria do machado eacute cortar assim como a do olho eacute ver O ser do ser vivente eacute viver
31 A locuccedilatildeo eacute razatildeo de grande controveacutersia na tradiccedilatildeo de comentaacuterios ao texto aristoteacutelico Natildeo entrarei nos
pormenores da discussatildeo mas tomarei a traduccedilatildeo o que era para ser em sua literalidade assim como Angioni
tendo em vista o contexto no qual se pretende compreender seu emprego ldquoTrata-se de uma substantivaccedilatildeo com
o artigo neutro (lsquotorsquo) da pergunta lsquoo que afinal era o ser para tal coisarsquo (lsquoti en to einai toutoirsquo lsquotiacute ecircn tograve eicircnai
toutoirsquo) ndash Aristoacuteteles frequentemente substantiva segmentos de sentenccedilas e expressotildees que em si mesmas
constituem perguntas gramaticalmente completas isso ocorre na designaccedilatildeo das categorias (ldquoo qualrdquo ldquotograve poicirconrdquo
etc) na designaccedilatildeo de algumas das quatro causas (lsquoo que moveu primeirorsquo lsquoo em vista de quersquo) e em outras
expressotildees lsquo(lsquoo por quecircrsquo lsquotograve diagrave tiacutersquo ou lsquotograve dioacutetirsquo) O infinitivo lsquoserrsquo eacute o mesmo que consta na expressatildeo lsquoser +
dativorsquo e que designa a essecircncia da coisa isto eacute o conjunto de propriedades e caracteriacutesticas que deveriam ser
enumeradas no enunciado que define o que a coisa eacute Trata-se do mesmo infinitivo que comparece em 1041a32
1041b28 e 1042b27 (e natildeo se trata do infinitivo que poderia eventualmente ser entendido como existencial tal
como em 1041a15) O imperfeito ldquoerardquo por sua vez consiste num resquiacutecio de um uso dialeacutetico pelo qual o
interlocutor remetia a alguma definiccedilatildeo anteriormente dada destinada a funcionar como paracircmetro para a
discussatildeo ulterior (para referecircncias quanto ao uso desse imperfeito ver nossa dissertaccedilatildeo de mestrado p 89
nota 208) A pergunta original seria lsquoo quecirc era o ser para tal coisarsquo mas isso quer apenas dizer lsquoo quecirc fora
estabelecido (anteriormente na presente discussatildeo) como ser para tal coisarsquo Com o haacutebito a expressatildeo teria
perdido o significado interrogativo que originalmente possuiacutea e teria se tornado um jargatildeo para designar a
essecircncia Em vista disso lsquoto ti en einairsquo poderia ser traduzido ou parafraseado como lsquoaquilo que fora
estabelecido como caracteriacutesticas essenciais de tal coisarsquo A lsquoanterioridade causal da formarsquo muita vez alegada
como chave para a compreensatildeo do jargatildeo eacute compatiacutevel com o significado da expressatildeo mas natildeo explica a
origem do imperfeitordquo (Angioni 2005 102) 32 ldquoAristotlersquos selection of a tool an axe to provide an analogy with the ensouled body reveals how close to the
surface in this discussion is the notion of function The substance or essence of an axe is its function without
which it would not be an axe Like the Greeks in general Aristotle had no difficulty in thinking of a natural body
as having a function too (cf Nicomachean Ethics 1097b22ff) this is part of his general teleology But as he
goes on to point out there are differences also between an axe and a natural body which spoil the analogy This
is the force of the words lsquoBut as it is an axersquo ndash the essence of a axe is not its soul since it does not have one not
being a living thingrdquo ldquoA seleccedilatildeo do Aristoacuteteles de um instrumento um machado prova um analogia com os
coporpos animados revela como o que estaacute em voga eacute a discussatildeo eacute a noccedilatildeo de funccedilatildeo A substacircncia ou
essecircncia de um machado eacute sua funccedilatildeo sem a qual ele natildeo seria um machado Assim como os Gregos
Aristoacuteteles natildeo teve dificuldades em pensar o corpo natural como tambeacutem dotado de funccedilatildeo (cf Eacutetica a
Nicocircmaco 1097b22ss) isto eacute parte da sua teleologia Mas como ele segue pontuando haacute diferenccedilas igualmente
entre um machado e um corpo natural que prejudicam a analogia Eacute o que sugerem as palavras Mas eacute como um
machadorsquo - a essecircncia do machado natildeo eacute sua alma jaacute que ele natildeo tem uma natildeo eacute um ser viventerdquo (HAMLYN
1993 85) (Trad proacutepria)
29
e isto eacute garantido pela alma A locuccedilatildeo o que era para ser como indica Gomes dos Reis33
pode ser compreendida como uma continuidade da forma do ser vivente perante o devir que
lhe eacute proacuteprio ao longo da sua vida
Com isso Aristoacuteteles traccedila suas noccedilotildees preliminares da alma em DA II 1 Haacute ao final
do capiacutetulo algo digno de nota Aristoacuteteles se refere a tudo isto como um rascunho e esboccedilo
de definiccedilatildeo34
Poderiacuteamos entender que estas proposiccedilotildees satildeo insuficientes para o projeto
psicoloacutegico aristoteacutelico E satildeo mesmo em certa medida Pois em relaccedilatildeo agrave taacutebua de
definiccedilatildeo Aristoacuteteles soacute respondeu as noccedilotildees relativas agrave substacircncia atualidade e unidade da
alma Apesar disso como argumentarei na sessatildeo seguinte todo o arcabouccedilo conceitual e
argumentativo aqui esboccedilado sustentaraacute a noccedilatildeo de alma como princiacutepio das capacidades que
denotam vida Aleacutem do mais se lembrarmos que nas primeiras linhas do capiacutetulo Aristoacuteteles
se comprometia tatildeo somente em buscar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) para a
alma eacute inegaacutevel que ele foi bem sucedido Se ao fim de DA I ele tem claro que a alma eacute
princiacutepio imoacutevel de movimento e una em DA II 1 satildeo apresentados os argumentos positivos
para estas duas teses A alma eacute de estatuto formal portanto imoacutevel e princiacutepio organizador
das propriedades do ser Enquanto forma eacute atualidade e assim o princiacutepio de atividade das
capacidades proacuteprias ao ser Enquanto substacircncia eacute o que era para ser do ser vivente e entatildeo
o princiacutepio determinante do que este ser vivente eacute E esta determinaccedilatildeo seraacute dada pela funccedilatildeo
proacutepria das suas capacidades que soacute seratildeo plenificadas com as atividades no oacutergatildeo
correspondente Este enunciado e o que se desdobra dele eacute um rascunho e esboccedilo de definiccedilatildeo
pois natildeo nos explica satisfatoriamente por que a alma eacute princiacutepio das formas especiacuteficas de
vida Aristoacuteteles reconhece isso e segundo um paracircmetro geomeacutetrico de definiccedilatildeo mudaraacute o
curso da investigaccedilatildeo sobre a alma
33 ldquoA expressatildeo to ti ecircn einai pode ser a generalizaccedilatildeo de uma construccedilatildeo com ocorrecircncias nos tratados por
exemplo to [pelekei] einai o ser [para o machado] o ser [para a carne] que seraacute traduzida por sua vez como a
locuccedilatildeo ldquoo que eacute ser para o machadordquo e assim por diante Como reconstruiacute-la eacute um assunto polecircmico Haacute um
verbo no imperfeito (a expressatildeo literalmente diz algo como o lsquoo que era a serrsquo) que poderia ser interpretado
como uma ecircnfase na continuidade da forma a despeito do devirrdquo 2012 208 34τύπῳ μὲν οὖν ταύτῃ διωρίσθω καὶ ὑπογεγράφθω περὶ ψυχῆς ldquoE isto basta como um esquema do esboccedilo de
definiccedilatildeo de almardquo DA II 1 413a10-11 (Trad Gomes dos Reis)
30
22 A DEFINICcedilAtildeO PELAS CAPACIDADES
DA II 2 se inicia com um impasse a noccedilatildeo geral oferece o gecircnero de ser da alma mas
natildeo a enuncia como causa de vida nos seres viventes Diante disso Aristoacuteteles faz uma
revisatildeo metodoloacutegica na investigaccedilatildeo de alma tomando como paradigma o exemplo de
definiccedilatildeo pela causa de um objeto geomeacutetrico
Ἐπεὶ δ ἐκ τῶν ἀσαφῶν μὲν φανερωτέρων δὲ γίνεται τὸ σαφὲς καὶ κατὰ τὸν λόγον
γνωριμώτερον πειρατέον πάλιν οὕτω γ ἐπελθεῖν περὶ αὐτῆς οὐ γὰρ μόνον τὸ ὅτι δεῖ
τὸν ὁριστικὸν λόγον δηλοῦν ὥσπερ οἱ πλεῖστοι τῶν ὅρων λέγουσιν ἀλλὰ καὶ τὴν
αἰτίαν ἐνυπάρχειν καὶ ἐμφαίνεσθαι νῦν δ ὥσπερ συμπεράσμαθ οἱ λόγοι τῶν ὅρων
εἰσίν οἷον τί ἐστιν ὁ τετραγωνισμός τὸ ἴσον ἑτερομήκει ὀρθογώνιον εἶναι
ἰσόπλευρον ὁ δὲ τοιοῦτος ὅρος λόγος τοῦ συμπεράσματος ὁ δὲ λέγων ὅτι ἐστὶν ὁ
τετραγωνισμὸς μέσης εὕρεσις τοῦ πράγματος λέγει τὸ αἴτιον
E jaacute que a partir de coisas natildeo claras embora mais manifestas advecircm clareza e maior
inteligibilidade segundo o enunciado deve-se tentar desta maneira novamente
discorrer sobre a alma pois natildeo somente eacute preciso que o enunciado definidor
esclareccedila os fatos ndash como o faz a maioria das definiccedilotildees ndash mas ainda conter e
expressar a causa Os enunciados das definiccedilotildees na verdade satildeo como conclusotildees O
que eacute por exemplo a quadratura Eacute fazer equivaler um retacircngulo equilaacutetero a um
retacircngulo qualquer Mas tal definiccedilatildeo eacute o enunciado da conclusatildeo e o que diz por sua
vez que a quadratura eacute a descoberta de uma meacutedia proporcional enuncia a causa DA
II 2 413a11-20 (Trad Gomes dos Reis)
Novamente Aristoacuteteles nos relembra a ideia de que as apreensotildees sensiacuteveis satildeo mais
manifestas (phaneroteacuteron) que as apreensotildees inteligiacuteveis As inteligiacuteveis satildeo mais claras
(sophoacutes) pois satildeo formas apreendidas com a razatildeo e menos suscetiacuteveis ao engano Ao
contraacuterio das apreensotildees sensiacuteveis que satildeo mais manifestas Muito embora os pressupostos
que permitiram deduzir o estatuto ontoloacutegico da alma no capiacutetulo anterior sejam mais claros
eles enunciam o vivente como um ser animado enquanto um fato mas natildeo enunciam a alma
como causa do viver Portanto DA II 2 se dedicaraacute a investigar a alma como causa de vida
nos seres viventes a partir do que eacute mais manifesto ao que eacute mais claro
Aristoacuteteles se utiliza de um teorema para explicar que o termo meacutedio de um silogismo
apresenta a causa de um fato Num silogismo dado uma premissa maior que enuncie o fato e
tem como outro fato a conclusatildeo a premissa menor enuncia a causa pois eacute onde se encontra o
porquecirc da conclusatildeo Responder que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois ldquoTodo homem eacute mortalrdquo natildeo
enuncia a causa da mortalidade de Soacutecrates soacute o mero fato de coincidentemente ldquoSoacutecratesrdquo e
ldquoTodo homemrdquo serem mortais Poreacutem se respondemos que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois
ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo e ldquoTodo homem eacute mortalrdquo entatildeo foi enunciado a causa da mortalidade
de Soacutecrates Em sua estrutura claacutessica a premissa maior ldquoTodo homem eacute mortalrdquo a premissa
menor ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo a conclusatildeo ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo
31
Fica a questatildeo de como este novo criteacuterio se aplica agrave definiccedilatildeo E sobre a alma o
corpo e a vida
λέγομεν οὖν ἀρχὴν λαβόντες τῆς σκέψεως διωρίσθαι τὸ ἔμψυχον τοῦ ἀψύχου τῷ
ζῆν πλεοναχῶς δὲ τοῦ ζῆν λεγομένου κἂν ἕν τι τούτων ἐνυπάρχῃ μόνον ζῆν αὐτό
φαμεν οἷον νοῦς αἴσθησις κίνησις καὶ στάσις ἡ κατὰ τόπον ἔτι κίνησις ἡ κατὰ
τροφὴν καὶ φθίσις τε καὶ αὔξησις
Retomando o princiacutepio da investigaccedilatildeo digamos entatildeo que o animado se distingue do
inanimado pelo viver E de muitos modos se diz o viver pois dizemos que algo vive
se nele subsiste pelo menos um destes ndash intelecto percepccedilatildeo sensiacutevel movimento
local e repouso e ainda o movimento segundo a nutriccedilatildeo o decaimento e o
crescimento DA II 2 413a20-24 (Trad Gomes dos Reis)
Aristoacuteteles enuncia uma premissa maior e outra menor
[premissa maior] Todo ser dotado de alma vive
[premissa menor] Viver eacute ser dotado de intelecto percepccedilatildeo nutriccedilatildeo movimento
local e repouso decaimento e crescimento
Eacute proacuteprio agrave alma atribuir vida Viver eacute ser dotado de uma das capacidades
mencionadas Assim todo corpo natural que apresente uma dessas capacidades vive35
Portanto as plantas vivem pois se nutrem crescem e decaem por si proacuteprias
διὸ καὶ τὰ φυόμενα πάντα δοκεῖ ζῆν φαίνεται γὰρ ἐν αὑτοῖς ἔχοντα δύναμιν καὶ
ἀρχὴν τοιαύτην δι ἧς αὔξησίν τε καὶ φθίσιν λαμβάνουσι κατὰ τοὺς ἐναντίους τόπους
οὐ γὰρ ἄνω μὲν αὔξεται κάτω δ οὔ ἀλλ ὁμοίως ἐπ ἄμφω καὶ πάντῃ ὅσα ἀεὶ
τρέφεταί τε καὶ ζῇ διὰ τέλους ἕως ἂν δύνηται λαμβάνειν τροφήν
Por isso parece inclusive que todas as plantas vivem pois eacute manifesto que tecircm em si
mesmas uma potecircncia e um princiacutepio deste tipo por meio do qual ganham
crescimento e decaimento segundo direccedilotildees contraacuterias pois natildeo crescem apenas para
cima e natildeo para baixo mas similarmetne em ambas e em todas as direccedilotildees e assim eacute
para as que se nutrem constantemente e vivem ateacute o fim enquanto puderem obter
alimento DA II 2 413a25-31 (Trad Gomes dos Reis)
Assim como os animais vivem jaacute que satildeo dotados de nutriccedilatildeo e percepccedilatildeo
τὸ μὲν οὖν ζῆν διὰ τὴν ἀρχὴν ταύτην ὑπάρχει τοῖς ζῶσι τὸ δὲ ζῷον διὰ τὴν αἴσθησιν
πρώτως καὶ γὰρ τὰ μὴ κινούμενα μηδ ἀλλάττοντα τόπον ἔχοντα δ αἴσθησιν ζῷα
λέγομεν καὶ οὐ ζῆν μόνον
O viver subsiste nos seres vivos por conta deste princiacutepio e o animal constitui-se
primordialmente pela percepccedilatildeo sensiacutevel Pois dizemos que satildeo animais ndash e natildeo
apenas que vivem ndash tambeacutem os que natildeo se movem nem mudam de lugar mas
possuem percepccedilatildeo DA II 2 413b1-4 (Trad Gomes dos Reis)
Com isso temos a conclusatildeo do silogismo psicoloacutegico aristoteacutelico
[conclusatildeo a] Plantas e animais satildeo animados
E desta uma outra
35 Como jaacute antecipara em DA II 1 412a11-16 citado na paacutegina 16
32
[conclusatildeo b] Plantas e animais satildeo vivos
Portanto assim como todo retacircngulo teraacute quadratura por causa da sua proporccedilatildeo com
um retacircngulo quadrilaacutetero todo corpo seraacute um ser vivente por ser dotado de alma Entretanto
uma ldquoquestatildeo de aluno bobordquo seria perguntar para Aristoacuteteles de onde vecircm essas duas
premissas Ao conectar alma e vida sem explicar esta uacuteltima poderia levar a investigaccedilatildeo
aristoteacutelica agrave obscuridade precisamente onde se deveria ter mais clareza Entatildeo para que
Aristoacuteteles garanta a alma como causa da vida mortal ele endossaria os pressupostos dos seus
predecessores e portanto distinguiria o animado do inanimado pelo movimento e pela
percepccedilatildeo36
Polansky apesar disso natildeo esclarece afinal quais os argumentos que sustentam
a associaccedilatildeo entre alma e vida Se limitando apenas agraves implicaccedilotildees argumentativas desse
pressuposto
Contudo se assumirmos que Aristoacuteteles endossa a tese de seus predecessores segundo
a qual o animado se distingue do inanimado pelo movimento e percepccedilatildeo37
e que a nutriccedilatildeo eacute
a capacidade mais baacutesica entre os seres animados38
e por fim que a nutriccedilatildeo e a percepccedilatildeo
satildeo uma forma de movimento39
somos levados a crer que o argumento consiste em
[P1] viver eacute ao menos nutriccedilatildeo crescimento e decaimento
[P2] nutriccedilatildeo crescimento e decaimento satildeo um tipo de movimento (do tipo por si)
[P3] tudo o que se move por si eacute animado
[P4] a alma eacute um princiacutepio imoacutevel de movimento
[C1] logo tudo o que vive eacute animado
36 Cf Nota seguinte 37 τὸ ἔμψυχον δὴ τοῦ ἀψύχου δυσὶ μάλιστα διαφέρειν δοκεῖ κινήσει τε καὶ τῷ αἰσθάνεσθαι παρειλήφαμεν δὲ
καὶ παρὰ τῶν προγενεστέρων σχεδὸν δύο ταῦτα περὶ ψυχῆς ldquoOra haacute a opiniatildeo de que o animado difere do
inanimado em dois aspectos o movimento e a percepccedilatildeo sensiacutevel E em relaccedilatildeo agrave alma satildeo mais ou menos
esses dois que recebemos de nossos predecessoresrdquo DA I 1 403b25-28 (Trad Gomes dos Reis) 38 ὥστε πρῶτον περὶ τροφῆς καὶ γεννήσεως λεκτέον ἡ γὰρ θρεπτικὴ ψυχὴ καὶ τοῖς ἄλλοις ὑπάρχει καὶ πρώτη
καὶ κοινοτάτη δύναμίς ἐστι ψυχῆς καθ ἣν ὑπάρχει τὸ ζῆν ἅπασιν ldquoPor conseguinte deve-se primeiro tratar do
alimento e da geraccedilatildeo pois a alma nutritiva subsiste tambeacutem com as outras sendo a primeira e a mais comum
potecircncia da alma segundo a qual subsiste em todos o viverrdquo DA II 4 415A22-25 (Trad Gomes dos Reis) 39 ἔστι δὲ καὶ ἀλλοίωσις καὶ αὔξησις κατὰ ψυχήν ἡ μὲν γὰρ αἴσθησις ἀλλοίωσίς τις εἶναι δοκεῖ αἰσθάνεται δ
οὐθὲν ὃ μὴ μετέχει ψυχῆς ὁμοίως δὲ καὶ περὶ αὐξήσεώς τε καὶ φθίσεως ἔχει οὐδὲν γὰρ φθίνει οὐδ αὔξεται
φυσικῶς μὴ τρεφόμενον τρέφεται δ οὐθὲν ὃ μὴ κοινωνεῖ ζωῆς ldquoMas inclusive a alteraccedilatildeo e o crecimento
existem segundo a alma pois haacute a opiniatildeo de que a percepccedilatildeo sensiacutevel eacute uma certa alteraccedilatildeo e aquele que natildeo
participa da alma nada percebe de maneira similar ocorre tambeacutem em relaccedilatildeo ao crescimento e decaimento pois
nem decai nem cresce naturalmente aquele que natildeo eacute nutrido e nada que natildeo compartilhe da vida se nutrerdquo DA
II 4 415b23-28 (Trad Gomes dos Reis)
E mais adiante enunciando a percepccedilatildeo Aristoacuteteles eacute categoacuterico ἡ δ αἴσθησις ἐν τῷ κινεῖσθαί τε καὶ πάσχειν
συμβαίνει καθάπερ εἴρηται δοκεῖ γὰρ ἀλλοίωσίς τις εἶναι ldquoA percepccedilatildeo sensiacutevel consiste em ser movido e ser
afetado como dissemos pois haacute a opiniatildeo de que ela eacute uma certa alteraccedilatildeordquo DA II 4 416b35-36 (Trad Gomes
dos Reis)
33
Note que [P1] e [P2] seriam premissas autoevidentes Em [P3] Aristoacuteteles partiria
dos mesmos pressupostos que as endoxai de seus predecessores enquanto [P4] resultaria da
anaacutelise criacutetica dessas endoxai ao longo de DA I 3-5 Aristoacuteteles natildeo nos elucida claramente de
onde ele tira as evidecircncias de [P1] e [P2] ou seja por que essas capacidades tais satildeo
movimentos por si e portanto denotam vida Quanto a [P3] Fiacutes VIII40
nos indica que esta eacute
uma tese que Aristoacuteteles abraccedila mas tambeacutem sem explicar suas razotildees O mais plausiacutevel
parece ser que este eacute um fenocircmeno autoevidente amplamente aceito que dispense justificaccedilatildeo
Diferentemente eacute o caso de [P4] cuja justificativa pode se sustentar na criacutetica aristoteacutelica agraves
noccedilotildees democritianas de que a alma eacute um princiacutepio de movimento que se move em DA I 3
corroborada pela noccedilatildeo de alma enunciada em DA II 1 segundo a qual a alma eacute forma logo
atualidade e portanto princiacutepio de determinaccedilatildeo das funccedilotildees proacuteprias ao ser vivente
Olhando por essas lacunas que o argumento aristoteacutelico conteacutem sua tentativa de
enunciar a alma como causa de vida parece fragilizada Entretanto fato eacute que a vida eacute
explicada pela alma no contexto do pensamento helecircnico Entatildeo conceder a Aristoacuteteles este
pressuposto parece um miacutenimo que o leitor contemporacircneo precise fazer Aleacutem disso vale
lembrar que em Met Z 17 Aristoacuteteles defende ser ldquonecessaacuterio que o dado e a existecircncia da
coisa sejam previamente conhecidosrdquo41
e que portanto o que se investiga eacute ldquopor que alguma
coisa pertence a outrardquo42
Deste modo cabem aqui questotildees como ldquopor que os corpos
vivemrdquo ou ainda ldquopor que se atribui vida a corpos dotados de capacidades taisrdquo E natildeo ldquopor
que o animado se diferencia do inanimado pelo viverrdquo como o formulado no iniacutecio desta
digressatildeo Talvez a fragilidade aparente se decirc pois aqui se toque as Colunas de Heacutercules da
psicologia aristoteacutelica
Retomando a braccedilada dos remos se a tese de que a vida se manifesta pela capacidade
de movimento eacute confirmada quando Aristoacuteteles enuncia uma nova noccedilatildeo de alma como
40 οὐδεμιᾶς γὰρ ἐν ἡμῖν ἐνούσης κινήσεως ἐνίοτε ἀλλ ἡσυχάζοντες ὅμως κινούμεθά ποτε καὶ ἐγγίγνεται ἐν ἡμῖν
ἐξ ἡμῶν αὐτῶν ἀρχὴ κινήσεως κἂν μηθὲν ἔξωθεν κινήσῃ τοῦτο γὰρ ἐπὶ τῶν ἀψύχων οὐχ ὁρῶμεν ὁμοίως ἀλλ
ἀεὶ κινεῖ τι αὐτὰ τῶν ἔξωθεν ἕτερον τὸ δὲ ζῷον αὐτό φαμεν ἑαυτὸ κινεῖν ldquoPor vezes acontece que natildeo haja
movimento em noacutes [entes animados] e que de nosso repouso noacutes sejamos postos em movimento e agraves vezes o
princiacutepio do movimento surge em noacutes e de noacutes sem que nada de outro nos mova de fora Natildeo vemos nada
parecido no caso dos seres inanimados pois eles sempre satildeo movidos por algo outro que reside fora deles Dos
animais noacutes dizemos que eles movem a si mesmosrdquo Fiacutes VIII 2 252b18-23 (Trad Daniel Nascimento)
ὁρῶμεν δὲ καὶ φανερῶς ὄντα τοιαῦτα ἃ κινεῖ αὐτὰ ἑαυτά οἷον τὸ τῶν ἐμψύχων καὶ τὸ τῶν ζῴων γένος ταῦτα δὲ
καὶ δόξαν παρεῖχε μή ποτε ἐνδέχεται κίνησιν ἐγγίγνεσθαι μὴ οὖσαν ὅλως διὰ τὸ ἐν τούτοις ὁρᾶν ἡμᾶς τοῦτο
συμβαῖνον (ἀκίνητα γάρ ποτε ὄντα κινεῖται πάλιν ὡς δοκεῖ) ldquoVemos claramente que existem coisas que se
movem a si mesmas como por exemplo os entes animados e o gecircnero dos animais e por causa disso pensamos
que pode ser possiacutevel que o movimento seja gerado sem que antes tenha existido de qualquer forma pois noacutes
vemos isso acontecer com eles (estarem imoacuteveis em determinado momento e moverem-se novamanete tal como
parece)rdquo Fis VIII 6 259b1-6 (Trad Daniel Nascimento) 41 δεῖ γὰρ τὸ ὅτι καὶ τὸ εἶναι ὑπάρχειν δῆλα ὄντα Met 17 1041a15 42ἄλλο γὰρ οὕτω κατ ἄλλου ἐστὶ τὸ ζητούμενον Met 17 1041a25-26
34
conclusatildeo do raciociacutenio iniciado em DA II 2 temos esta nova formulaccedilatildeo segundo as
capacidades que denotam o viver
νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον εἰρήσθω μόνον ὅτι ἐστὶν ἡ ψυχὴ τῶν εἰρημένων τούτων ἀρχὴ καὶ
τούτοις ὥρισται θρεπτικῷ αἰσθητικῷ διανοητικῷ κινήσει
Por ora eacute suficiente dizer apenas isto que a alma eacute princiacutepio das capacidades
mencionadas ndash nutritiva perceptiva raciocinativa e de movimento ndash e que por elas eacute
definida DA II 2 413b11-13 (Trad Gomes dos Reis)
Esta noccedilatildeo eclode como corolaacuterio da argumentaccedilatildeo anterior Com ela Aristoacuteteles
conquista um importante ponto do seu projeto psicoloacutegico a saber que a noccedilatildeo de alma
explique as distintas formas de vida atraveacutes das capacidades Isto levaraacute a uma gama de
comentadores contemporacircneos a valorizarem esta definiccedilatildeo em detrimento da definiccedilatildeo pela
substacircncia apresentada em DA II 1 Os que assim interpretam43
reduzem a definiccedilatildeo de alma
agrave noccedilatildeo de princiacutepio das funccedilotildees que denotam vida Esta interpretaccedilatildeo natildeo eacute totalmente
equivocada na medida em que textualmente Aristoacuteteles afirma isto Poreacutem ela eacute imprecisa
pois ignora o estatuto ontoloacutegico da alma Como vimos na seccedilatildeo anterior a alma eacute substacircncia
como forma (tegraves psycheacutes ousiacutean eicircnai hocircs eicircdos) do corpo e portanto seu princiacutepio
organizador que lhe confere o viver E enquanto forma do corpo a alma eacute sua atualidade
primeira (enteleacutekheia proteacute) Ou seja princiacutepio formal o qual o corpo se desenvolve em vista
do viver Pois a alma de um lado traz em si as disposiccedilotildees (heacutexeis) necessaacuterias agrave vida e
determina o que este corpo orgacircnico era para ser (tograve tiacute ecircn eicircnai) mediante suas funccedilotildees (eacuterga)
e atividades (eneacutergeiai) de viver Essas funccedilotildees satildeo as capacidades (dynaacutemeis) que
caracterizam os tipos de vida nos seres seu modo proacuteprio de viver Sendo assim a capacidade
nutritiva eacute proacutepria agrave vida vegetativa a perceptiva proacutepria agrave animal e a intelectiva agrave humana
Como se vecirc a definiccedilatildeo pelas capacidades tem sua origem e fundamento na definiccedilatildeo
pela forma Por outro lado esta soacute ganha capilaridade na definiccedilatildeo pela capacidade jaacute que sua
noccedilatildeo geral natildeo define a alma como causa de cada tipo de vida nem princiacutepio das
capacidades proacuteprias ao viver Deste modo uma interpretaccedilatildeo da noccedilatildeo aristoteacutelica de alma
que ignore como ambas noccedilotildees se sustentam mutuamente eacute parcial e suscetiacutevel de engendrar
mais problema que o proacuteprio texto jaacute apresenta
Com isso concluiacutemos De Anima II 2 compreendendo que a alma eacute causa de vida jaacute
que eacute princiacutepio das atividades proacuteprias ao viver Diante da noccedilatildeo geral e como ela se
particulariza nas distintas capacidades resta ainda observar um uacuteltimo ponto que Aristoacuteteles
43Putman (1975) Ackrill (1975-6) Bolton (1978) Nussbaum (1978) Everson (1995) CodeampMoravicsik
(1992) Para uma noccedilatildeo geral das diversas correntes de interpretaccedilatildeo da psicologia aristoteacutelica no seio das
discussotildees de filosofia da mente ver Diamond (2015) Caston (2006) e Irwin (1991)
35
trabalharaacute no capiacutetulo seguinte a saber a disposiccedilatildeo seriada hierarquicamente das diversas
formas de vida
23 A DEFINICcedilAtildeO SERIADA
A tese geral de que a alma eacute forma do corpo sofre uma nova reavaliaccedilatildeo em DA II 3
Como se veraacute adiante Aristoacuteteles surpreendentemente declara que toda busca por um
enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) de alma eacute ridiacuteculo (geloicircon) jaacute que esta noccedilatildeo natildeo
permite a compreensatildeo de que as diversas espeacutecies de vida (vegetativa animal e humana) satildeo
dispostas em uma seacuterie ordenada e hierarquizada de acordo com sua capacidade especiacutefica
Como a leitura das formas de vida dispostas em uma seacuterie ordenada eacute um problema que
precisa ser respondido por quem quer que se debruce sobre a noccedilatildeo aristoteacutelica de alma esta
seccedilatildeo argumentaraacute como a noccedilatildeo de almas seriadas natildeo invalida a noccedilatildeo formal de alma
enunciada em DA II 1
DA II 3 poderia ser tematicamente dividido em duas partes Numa primeira de
414ordf29-414b20 Aristoacuteteles dispotildee a hierarquia das capacidades que denotam vida Se em DA
II 2 ele enunciou as capacidades aqui se argumenta como uma estaacute em relaccedilatildeo de
anterioridade agrave outra e portanto disposta hierarquicamente de modo coextensivo agraves formas
de vida Assim se o movimento segundo nutriccedilatildeo crescimento e decaimento seraacute proacuteprio a
uma forma de vida a vegetativa a adiccedilatildeo da capacidade perceptiva seraacute proacutepria agrave vida
vegetativa e animal Agrave medida que se adicione outras capacidades como o intelecto abrange-
se a vida humana44
Esta hierarquizaccedilatildeo suplementar das capacidades a seu enunciado permite
que Aristoacuteteles encampe a tese de que os tipos de vida satildeo dispostos em seacuteries ordenadas
avanccedilando para a segunda parte do capiacutetulo
δῆλον οὖν ὅτι τὸν αὐτὸν τρόπον εἷς ἂν εἴη λόγος ψυχῆς τε καὶ σχήματος οὔτε γὰρ
ἐκεῖ σχῆμα παρὰ τὸ τρίγωνον ἔστι καὶ τὰ ἐφεξῆς οὔτ ἐνταῦθα ψυχὴ παρὰ τὰς
εἰρημένας γένοιτο δ ἂν καὶ ἐπὶ τῶν σχημάτων λόγος κοινός ὃς ἐφαρμόσει μὲν
πᾶσιν ἴδιος δ οὐδενὸς ἔσται σχήματος ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ ταῖς εἰρημέναις ψυχαῖς διὸ
γελοῖον ζητεῖν τὸν κοινὸν λόγον καὶ ἐπὶ τούτων καὶ ἐφ ἑτέρων ὃς οὐδενὸς ἔσται τῶν
ὄντων ἴδιος λόγος οὐδὲ κατὰ τὸ οἰκεῖον καὶ ἄτομον εἶδος ἀφέντας τὸν τοιοῦτον
(παραπλησίως δ ἔχει τῷ περὶ τῶν σχημάτων καὶ τὰ κατὰ ψυχήν ἀεὶ γὰρ ἐν τῷ ἐφεξῆς
44 Τῶν δὲ δυνάμεων τῆς ψυχῆς αἱ λεχθεῖσαι τοῖς μὲν ὑπάρχουσι πᾶσαι καθάπερ εἴπομεν τοῖς δὲ τινὲς αὐτῶν
ἐνίοις δὲ μία μόνη διασαφητέον δὲ περὶ αὐτῶν ὕστερον νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον () εἰρήσθω ὅτι τῶν ζώντων τοῖς
ἔχουσιν ἁφὴν καὶ ὄρεξις ὑπάρχει περὶ δὲ φαντασίας ἄδηλον ὕστερον δ ἐπισκεπτέον ἐνίοις δὲ πρὸς τούτοις
ὑπάρχει καὶ τὸ κατὰ τόπον κινητικόν ἑτέροις δὲ καὶ τὸ διανοητικόν τε καὶ νοῦς οἷον ἀνθρώποις καὶ εἴ τι
τοιοῦτον ἕτερον ἔστιν ἢ τιμιώτερον ldquoDentre as potecircncias da alma como dissemos todas as mencionadas
subsitem em alguns seres em outros soacute algumas delas e em alguns apenas uma E mencionamos como
potecircncias a nutritiva a perceptiva a desiderativa a locomotiva e a raciocinativa Ora nas plantas subsiste
somente a nutritiva mas em outros seres tanto esta como a perceptiva () Por ora eacute suficiente dizer isto que
entre os seres vivos que possuem tato tambeacutem subsiste desejo No que se refere agrave imaginaccedilatildeo natildeo estaacute claro e
devemos examinaacute-la posteriormente Em alguns seres vivos aleacutem disso subsiste tambeacutem a capacidade de se
locomover e em outros ainda a de raciocinar e o intelecto ndash por exemplo nos homens e em algum outro se
houver de tal qualidade ou mais valiosordquo DA II 3 414a29-414b20 (Trad Gomes dos Reis)
36
ὑπάρχει δυνάμει τὸ πρότερον ἐπί τε τῶν σχημάτων καὶ ἐπὶ τῶν ἐμψύχων οἷον ἐν
τετραγώνῳ μὲν τρίγωνον ἐν αἰσθητικῷ δὲ τὸ θρεπτικόν) ὥστε καθ ἕκαστον
ζητητέον τίς ἑκάστου ψυχή οἷον τίς φυτοῦ καὶ τίς ἀνθρώπου ἢ θηρίου διὰ τίνα δ
αἰτίαν τῷ ἐφεξῆς οὕτως ἔχουσι σκεπτέον ἄνευ μὲν γὰρ τοῦ θρεπτικοῦ τὸ αἰσθητικὸν
οὐκ ἔστιν τοῦ δ αἰσθητικοῦ χωρίζεται τὸ θρεπτικὸν ἐν τοῖς φυτοῖς
Eacute claro que poderia da mesma maneira haver entatildeo um enunciado uacutenico tanto de
figura como de alma Pois nem no primeiro caso existe figura aleacutem do triacircngulo e
daquelas que o sucedem nem neste caso existe alma aleacutem das mencionadas A
respeito das figuras tambeacutem eacute possiacutevel formular um enunciado comum que se aplique
a todas sem ser proacuteprio a nenhuma e o mesmo ocorre com as almas mencionadas Por
isso tanto neste como em outros casos eacute ridiacuteculo procurar um enunciado comum ndash
pois a nenhum dos seres seraacute um enunciado proacuteprio nem estaraacute de acordo com a
forma apropriada e indivisiacutevel ndash deixando-se de lado o enunciado deste tipo (E as
coisas concernentes agrave alma estatildeo em situaccedilatildeo parecida agravequela das figuras pois tanto
no caso das figuras como no caso dos seres animados o anterior sempre subsiste
naquilo que o sucede por exemplo o triacircngulo no quadrado o poder de nutrir-se no
de perceber) Assim deve ser investigado de acordo com cada caso o que eacute a alma
de cada um ndash por exemplo o que eacute a alma da planta do homem ou da besta E deve
ser examinado a causa de ser disposto assim em sucessatildeo Pois sem a nutritiva natildeo
existe a capacidade perceptiva embora nas plantas a nutritiva exista separada da
perceptiva DA II 3 414b20-415a6 (Trad Gomes dos Reis)
A analogia entre figura do triacircngulo e a alma vegetativa permite esclarecer qual a
relaccedilatildeo de sucessatildeo entre uma capacidade e outra O triacircngulo eacute a figura geomeacutetrica plana
mais baacutesica de todas A composiccedilatildeo de dois triacircngulos forma um quadrilaacutetero A composiccedilatildeo
de trecircs triacircngulos forma um pentaacutegono e assim sucessivamente Ou seja da mesma maneira
que o triacircngulo subsiste em potecircncia no quadrilaacutetero e este no pentaacutegono a nutriccedilatildeo subsiste
em potecircncia na percepccedilatildeo e esta no intelecto Portanto se a capacidade nutritiva eacute proacutepria agrave
vida vegetativa a perceptiva agrave animal e a intelectiva agrave humana entatildeo igualmente a vida
vegetativa subsiste na animal e a animal na humana Sendo assim da mesma maneira que se
faz necessaacuteria uma definiccedilatildeo proacutepria ao triacircngulo ao quadrilaacutetero e ao pentaacutegono deve-se
buscar um enunciado proacuteprio a cada uma dessas formas de vida para que se sustente como a
alma eacute princiacutepio de cada tipo de vida e natildeo somente da vida em geral Pois um enunciado que
decirc a noccedilatildeo da alma que cubra todas as formas de vida mas que natildeo toque particularmente em
uma natildeo cumpre seu fim argumentativo que eacute explicar a razatildeo da alma ser causa de vida no
ser vivente como se segue
ὅτι μὲν οὖν ὁ περὶ τούτων ἑκάστου λόγος οὗτος οἰκειότατος καὶ περὶ ψυχῆς δῆλον
Eacute claro entatildeo que o enunciado de cada uma destas capacidades eacute tambeacutem o mais
apropriado a respeito da alma DA II 3 415a13-14 (Trad Gomes dos Reis)
Levando-se em conta que Aristoacuteteles se dedicaraacute em todo o restante do De Anima
investigando cada uma das capacidades e seus desdobramentos para uma noccedilatildeo de alma
37
podemos ser levados a crer que Aristoacuteteles elege este como o melhor criteacuterio para uma
definiccedilatildeo de alma
Haacute portanto um grande problema a ser encarado aqui que consiste na resposta a uma
das questotildees elencadas em DA I 145
a saber se eacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma enquanto
tal ou uma para cada tipo de ser vivente Pelo caminho que segue a discussatildeo tende-se a uma
resposta de que seraacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma para cada forma de vida Entretanto
Aristoacuteteles jaacute problematizara se mesmo que haja uma noccedilatildeo uacutenica para catildees cavalos e
homens a de animal esta noccedilatildeo uacutenica eacute universal posterior anterior ou nada em relaccedilatildeo aos
itens
Seguindo o texto de DA II 3 a nutriccedilatildeo eacute a capacidade sobre a qual se erguem todas as
outras ateacute a capacidade de pensamento Dado que um corpo eacute dotado de nutriccedilatildeo e portanto
vivente por causa da alma e a seu turno dado que a alma eacute forma e atualidade primeira do
corpo e portanto princiacutepio organizador das capacidades que denotam o viver novamente a
definiccedilatildeo pela forma sustenta ontologicamente a definiccedilatildeo pelas capacidades e por
concomitacircncia a definiccedilatildeo seriada
Assim a criacutetica que Aristoacuteteles faz agrave noccedilatildeo mais geral de alma enunciada em DA II 1
natildeo eacute razatildeo suficiente para seu descarte no seu projeto psicoloacutegico Com efeito se a noccedilatildeo de
alma como forma eacute insuficiente para explicar por que a alma eacute princiacutepio de vida em cada tipo
de ser vivente como sustentado ao iniacutecio de DA II 2-3 ela eacute justamente a noccedilatildeo ontoloacutegica
para que responde pela sua atualidade e determinaccedilatildeo das propriedades relevantes do ser deste
corpo dotado de oacutergatildeos Assim se as noccedilotildees de alma como forma e princiacutepio das capacidades
satildeo intercambiantes como argumentei anteriormente e se a definiccedilatildeo estaacute diretamente
atrelada agrave hierarquia dessas capacidades entatildeo a proacutepria noccedilatildeo de alma seriada depende
logicamente da noccedilatildeo de alma como forma Sendo assim o enunciado geral eacute redimensionado
em DA II 3 pela disposiccedilatildeo seriada da alma a um princiacutepio loacutegico-ontoloacutegico mediante o qual
esta ciecircncia comum a muitas coisas pode se realizar
45 εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον
ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν
ἄλλο κατηγοροῖτο Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma uacutenica
definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a de cavalo catildeo homem
divindade sendo neste caso o animal considerado universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo
ocorrendo para qualquer outro atributo comum que for predicadordquo DA I 1 402b4-9 (Trad Gomes dos Reis)
38
3 CONCLUSAtildeO
Como se apresentou nesta monografia Aristoacuteteles enuncia sua noccedilatildeo de alma em
momentos distintos Um primeiro a partir da discussatildeo com as teses predecessoras Nela o
que se conquista eacute que a alma eacute imoacutevel e origem de movimento nos seres viventes Depois
atraveacutes de um enunciado geral para os diversos tipos de vida que a define como forma do
corpo Um terceiro que enuncia a alma como causa de vida e a define como princiacutepio das
capacidades que denotam o viver E por fim um quarto enunciado que a apresenta como
disposta em seacuterie ordenada segundo suas capacidades Na medida que o enunciado geral se
mostra insuficiente para o projeto psicoloacutegico traccedilado e as outras definiccedilotildees parecem melhor
corresponder a este objetivo a unidade enunciativa entre as diversas definiccedilotildees aparenta ser
vulneraacutevel Natildeo por menos como foi abordado ao longo deste texto tende-se a salientar uma
das definiccedilotildees e desconsiderar a outra Esta natildeo parece ser a interpretaccedilatildeo que melhor
compreenda a psicologia aristoteacutelica Como argumentado observar a definiccedilatildeo pelas
capacidades sem a definiccedilatildeo pela forma esvazia ontologicamente a noccedilatildeo de que a alma eacute
princiacutepio de vida A alma como forma do corpo eacute o enunciado mediante o qual a garante
como atualidade primeira e portanto princiacutepio das caracteriacutesticas e funccedilotildees proacuteprias ao ser
vivente Por outro lado como o proacuteprio Aristoacuteteles enuncia a definiccedilatildeo pela forma daacute uma
noccedilatildeo que abarca todas as formas de vida mas natildeo enuncia a alma como causa do viver nem
que as diversas almas satildeo dispostas em seacuterie ordenada Satildeo nestes dois pontos que a definiccedilatildeo
pela capacidade se torna igualmente relevante para o projeto psicoloacutegico aristoteacutelico Sem ela
seriam inviaacuteveis todos os outros capiacutetulos nos quais Aristoacuteteles enuncia discorre e formula a
atividade das capacidades proacuteprias ao ser vivo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo imaginaccedilatildeo intelecto e
movimento segundo deslocamento Por estas razotildees uma interpretaccedilatildeo que conjugue as duas
definiccedilotildees no interior do projeto psicoloacutegico aristoteacutelico parece ser a que contemple melhor o
horizonte teoacuterico que a investigaccedilatildeo erige
Haacute um alguns aspectos que esta monografia deixa pelo caminho Na seccedilatildeo 1 Taacutebua de
Definiccedilatildeo foram elencados os diversos elementos de definiccedilatildeo da alma e como se faria a
inquiriccedilatildeo O primeiro grupo foi respondido ao longo da seccedilatildeo 2 A Noccedilatildeo de Alma mas o
segundo natildeo O segundo grupo de elementos da taacutebua seraacute dissertado por Aristoacuteteles nos
capiacutetulos posteriores ao DA II 3 quando ele se debruccedila sobre cada uma das capacidades
Como esta monografia pretende abordar apenas as definiccedilotildees sem dar interpretaccedilatildeo total do
tratado entatildeo soacute pode responder parte da taacutebua das definiccedilotildees Aleacutem disso a interpretaccedilatildeo das
definiccedilotildees de um modo consistente precisaria ser verificada na sua aplicaccedilatildeo sobre o restante
39
do tratado Em outras palavras eacute preciso verificar se esta interpretaccedilatildeo dificulta ou facilita a
interpretaccedilatildeo das outras teses da psicologia aristoteacutelica por exemplo a tese da percepccedilatildeo que eacute
definida como a recepccedilatildeo das formas sem mateacuteria Nas interpretaccedilotildees de Polanski e Diamond
comentadores paradigmaacuteticos para a abordagem adotada a coordenaccedilatildeo dos enunciados
definitoacuterios daacute conta das diversas formulaccedilotildees de capacidades e suas funcionalidades ao longo
do tratado Fico devendo portanto explicitar como a posiccedilatildeo que assumo se aplica nas
diversas capacidades enunciadas pelo Aristoacuteteles
Com isso conclui-se este trabalho com a compreensatildeo que ele eacute limitado Haacute nele
problemas proacuteprios agrave interpretaccedilatildeo de um texto conciso e arrojado como eacute o De Anima
Ainda assim espera-se que os erros ou imprecisotildees eventuais natildeo comprometam seu escopo
exegeacutetico Espera-se tambeacutem que esta monografia possa se converter em trabalhos futuros que
fomente a discussatildeo relativa ao De Anima no contexto filosoacutefico brasileiro Da mesma forma
que ela foi provocada pela traduccedilatildeo e comentaacuterios da Professora Doutora Maria Ceciacutelia
Gomes dos Reis Se este trabalho for bem sucedido nessas pretensotildees jaacute teraacute cumprido sua
funccedilatildeo
40
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15
nos datildeo uma noccedilatildeo da alma segundo suas afecccedilotildees (patheacute) Entre os seus atributos alguns
parecem ser exclusivamente afecccedilotildees da alma jaacute outros parecem ser comuns agrave alma e ao
corpo portanto atributos um ser animado (zoacuteois) Por afecccedilatildeo devemos compreender a
determinaccedilatildeo na mateacuteria (loacutegoi eacutenyloi)7 de maneira que os atributos da alma e do corpo seratildeo
comuns a ambos Jaacute a afecccedilatildeo proacutepria agrave alma eacute a que natildeo se daacute pela determinaccedilatildeo na mateacuteria
mas por si mesma Entre os atributos da alma a capacidade de pensamento parece ser a que
atende esse requisito A menos poreacutem que dependa de imagens para sua atividade Assim
nem mesmo o pensamento seria uma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma8 Em suma a investigaccedilatildeo da
alma consiste em saber sua natureza sua essecircncia e as afecccedilotildees que lhe satildeo atribuiacutedas sejam
elas proacuteprias ou comuns ao corpo no qual ela se instancia
Aristoacuteteles parte entatildeo para o primeiro elemento da definiccedilatildeo a se estabelecer
πρῶτον δ ἴσως ἀναγκαῖον διελεῖν ἐν τίνι τῶν γενῶν καὶ τί ἐστι λέγω δὲ πότερον τόδε
τι καὶ οὐσία ἢ ποιὸν ἢ ποσόν ἢ καί τις ἄλλη τῶν διαιρεθεισῶν κατηγοριῶν
Em todo caso eacute preciso decidir primeiro a qual dos gecircneros a alma pertence e o que eacute
ndash quero dizer se ela eacute algo determinado e substacircncia ou se eacute uma qualidade uma
quantidade ou mesmo alguma outra das categorias jaacute distinguidas DA I 1 402a22-25
(Trad de Gomes dos Reis)
O primeiro dos pressupostos sobre os quais se deveraacute responder eacute o gecircnero de ser da
alma Filopono9 comenta que Aristoacuteteles tem em vista platocircnicos pitagoacutericos e Xenoacutecrates
para os quais a alma eacute substacircncia harmonia e nuacutemero respectivamente Nas Categorias10
7 εἰ δ οὕτως ἔχει δῆλον ὅτι τὰ πάθη λόγοι ἔνυλοί εἰσιν ldquoSe assim eacute as afecccedilotildees satildeo evidentemente formas
implicadas na mateacuteriardquo DA I 1 403a24 (Trad Gomes dos Reis) 8 εἰ δ ἐστὶ καὶ τοῦτο φαντασία τις ἢ μὴ ἄνευ φαντασίας οὐκ ἐνδέχοιτ ἂν οὐδὲ τοῦτ ἄνευ σώματος εἶναιldquoNatildeo
obstante se tambeacutem o pensar eacute um tipo de imaginaccedilatildeo ou se ele natildeo pode ocorrer sem a imaginaccedilatildeo entatildeo nem
mesmo o pensar poderia existir sem o corpordquo DA I 1 403a8-10 (Trad Gomes dos Reis) 9 ὧν ἐστι καὶ Ξενοκράτης ἀριθμὸς γάρ φησί κινῶν ἑαυτόν ἐστιν ἡ ψυχή ὁ δὲ ἀριθμὸς ὑπὸ τὸ ποσόν εἰ δὴ
τοῦτο ἔλεγεν ἐκεῖνος καὶ μὴ ἄλλο τι διὰ τούτου ᾐνίττετο οἱ δὲ ὑπὸ τὸ ποιόν ὧν εἰσιν καὶ οἱ ἰατροὶ κρᾶσιν εἶναι
λέγοντες τοιοῦτοι δ ἂν εἶεν καὶ οἱ ἐντελέχειαν λέγοντες τοιαύτην μαθησόμεθα γάρ πῶς φησιν αὐτὴν
ἐντελέχειαν ὁ Ἀριστοτέλης οἱ δὲ λόγον λέγοντες τῶν στοιχείων δόξαιεν ἂν ὑπὸ τὸ πρός τι ἀνάγειν τὸ γὰρ
διπλάσιον ἢ ἡμιόλιον ὑπὸ τὸ πρός τι τινὸς γὰρ διπλάσιον ἀμφίβολον οὖν τέως τὸ γένος ldquoAlguns a classificam
sob o tiacutetulo de substacircncia outros sob quantidade Dentre eles Xenoacutecrates que afirma que a alm eacute o nuacutemero
movendo por si mesmo e o nuacutemero eacute dado sob quantidade se for isto que ele quer dizer ao inveacutes de algo
distinto do que por essas palavras ele se refere obscuramente Outros dizem que isto pertence a qualidade Em
meio a isto estatildeo os meacutedicos que dizem que eacute a mistura dentre os quais haacute tambeacutem os que dizem que eacute uma
atualidade pois aprenderemos com Aristoacuteteles chama a alma de atualidade Aqueles que dizem que eacute uma
proporccedilatildeo dos elementos pareceriam entitulaacute-la sob a ltcategoria dogt relativo pelo duplo ou a metade
pertencerem agrave categoria do relativo pois o duplo eacute de algo Assim sendo entatildeo o gecircnero permanece
controversordquo PHILOPONUS Com DA 32 32 ndash 337 (Trad da traduccedilatildeo de P J Eijk) 10Οὐσία δέ ἐστιν ἡ κυριώτατά τε καὶ πρώτως καὶ μάλιστα λεγομένη ἣ μήτε καθ ὑποκειμένου τινὸς λέγεται μήτε
ἐν ὑποκειμένῳ τινί ἐστιν οἷον ὁ τὶς ἄνθρωπος ἢ ὁ τὶς ἵππος δεύτεραι δὲ οὐσίαι λέγονται ἐν οἷς εἴδεσιν αἱ
πρώτως οὐσίαι λεγόμεναι ὑπάρχουσιν ταῦτά τε καὶ τὰ τῶν εἰδῶν τούτων γένη ldquoSubstacircncia entendida em
sentido proacuteprio primeiro e supremo eacute a que natildeo se predica de um sujeito e natildeo existe nalgum sujeito por
exemplo um homem um cavalo Substacircncias segundas satildeo as formas (ou espeacutecies) nas quais estatildeo incluiacutedas as
que satildeo ditas substacircncias primeiras e tambeacutem os gecircneros destasrdquo Cat 5 2a11 (Trad Lucas Angioni)
16
Aristoacuteteles compreende a substacircncia primeira como entes particulares enquanto o gecircnero e
forma satildeo substacircncias segundas Sabe-se que Aristoacuteteles inverte esta noccedilatildeo de substacircncia em
Metafiacutesica Z onde substacircncia primeira eacute identificada com a forma11
que eacute priorizada em
relaccedilatildeo ao composto e agrave mateacuteria Portanto as noccedilotildees de substacircncia quantidade e qualidade
que Aristoacuteteles trabalha na definiccedilatildeo de alma no DA I 1 estariam mais proacuteximas das Cat que
da Met Z Eacute o que somos levados a acreditar se considerarmos que esta mesma formulaccedilatildeo
ocorre mais adiante em DA I 5 410a16-2112
Nesta e naquela passagem Aristoacuteteles quer saber
se a alma eacute uma substacircncia particular e determinada ou seja um objeto de predicaccedilatildeo que natildeo
se predica de outrem
Passemos para o segundo elemento que deve estar presente numa definiccedilatildeo de alma
ἔτι δὲ πότερον τῶν ἐν δυνάμει ὄντων ἢ μᾶλλον ἐντελέχειά τις
e ainda se estaacute entre os seres em potecircncia ou antes se eacute uma certa atualidade DA I
1 402a27 (Trad de Gomes dos Reis)
A diferenccedila que os conceitos de potecircncia (dyacutenamis) e atualidade (entelekheacuteia) fazem eacute
sobre o estatuto material ou formal da alma Pois se a alma for de natureza material entatildeo eacute
em potecircncia e sujeita ao movimento Entretanto se for de natureza formal seraacute uma certa
atualidade e princiacutepio de determinaccedilatildeo e atividade Gomes dos Reis13
observa que atualidade
eacute colocada em termos vagos (ldquouma certa atualidaderdquoenteleacutekheia tiacutes) o que indica que soacute faz
sentido falar em atualidade enquanto forma especiacutefica quando instanciada em uma mateacuteria de
um tipo uma alma x que se instancia em um corpo de um tipo x
Outro elemento de definiccedilatildeo da alma eacute sua unidade
σκεπτέον δὲ καὶ εἰ μεριστὴ ἢ ἀμερής καὶ πότερον ὁμοειδὴς ἅπασα ψυχὴ ἢ οὔ εἰ δὲ
μὴ ὁμοειδής πότερον εἴδει διαφέρουσα ἢ γένει
Eacute preciso examinar tambeacutem se ela eacute divisiacutevel em partes ou natildeo e se toda e qualquer
alma eacute de mesma forma e no caso de natildeo ser de mesma forma se a diferenccedila eacute de
espeacutecie ou de gecircnero DA I 1 402b1-3 (Trad de Gomes dos Reis)
11 ἕκαστόν τε γὰρ οὐκ ἄλλο δοκεῖ εἶναι τῆς ἑαυτοῦ οὐσίας καὶ τὸ τί ἦν εἶναι λέγεται εἶναι ἡ ἑκάστου
οὐσίαldquoCom efeito a coisa individual natildeo parece ser diferente da proacutepria substacircncia e dizemos que a essecircncia eacute
justamente a substacircncia da coisa individualrdquo Met Z 6 1031ordf17-18 (Trad Giovanni Reale)
εἶδος δὲ λέγω τὸ τί ἦν εἶναι ἑκάστου καὶ τὴν πρώτην οὐσίαν ldquoPor forma entendo a essecircncia de cada coisa e sua
substacircncia primeirardquo Met Z 7 1032b1-2 (Trad Giovanni Reale) 12 ἆρ οὖν ὅσα τῶν οὐσιῶν ἐκ τούτων μόνον πῶς οὖν γινώσκει καὶ τῶν ἄλλων ἕκαστον ἢ φήσουσιν ἑκάστου
γένους εἶναι στοιχεῖα καὶ ἀρχὰς ἰδίας ἐξ ὧν τὴν ψυχὴν συνεστάναι ἔσται ἄρα ποσὸν καὶ ποιὸν καὶ οὐσία ἀλλ
ἀδύνατον ἐκ τῶν τοῦ ποσοῦ στοιχείων οὐσίαν εἶναι καὶ μὴ ποσόνldquoOra seraacute a alma composta somente daqueles
elementos que satildeo comuns agraves substacircncias Como entatildeo conhece ainda cada um dos outros Ou se diraacute que haacute
elementos e princiacutepios particulares a cada gecircnero e que a alma eacute constituiacuteda de todos eles A alma seria entatildeo
quantidade qualidade e substacircncia Mas eacute impossiacutevel que a substacircncia seja composta dos elementos da
quantidade e natildeo seja quantidade ela mesmardquo DA I 5 410a16-21 (Trad Gomes dos Reis) 13 2006 148-149
17
Aqui reside um dos problemas mais comprometedores sobre a investigaccedilatildeo
psicoloacutegica aristoteacutelica a) A alma eacute divisiacutevel ou indivisiacutevel b) cada parte da alma teria uma
forma proacutepria c) Caso seja divisiacutevel as almas se diferenciam em gecircnero ou espeacutecie
Segundo Polansky14
Aristoacuteteles resolve esta bateria de problemas supondo que um ser
vivente tem sua proacutepria alma cujas partes correspondam agraves funccedilotildees sendo estas partes
divisiacuteveis pelos tipos de vida (vegetativa animal humana) A divisibilidade das partes se daacute
de acordo com a capacidade aniacutemica que eacute viver segundo uma atividade e se distinguiria em
gecircnero (a vida perceptiva) ou espeacutecie (catildees cavalos e homem) Isto que garantiraacute a
indivisibilidade da alma ao longo dos tipos de vida segundo suas capacidades Assim
Aristoacuteteles consegue ter um enunciado formal que garanta a unidade geneacuterica fazendo dos
tipos de vida como espeacutecies de seres vivos e as capacidades suas diferenccedilas especiacuteficas
Definido isto deve-se inquirir sobre a amplitude da definiccedilatildeo
εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ
καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι
οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν ἄλλο κατηγοροῖτο
Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma
uacutenica definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a
de cavalo catildeo homem divindade sendo neste caso o animal considerado
universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo ocorrendo para qualquer outro
atributo comum que for predicado DA I 1 402b4-9 (Trad de Gomes dos Reis)
Ateacute aqui Aristoacuteteles se debruccedilava sobre os elementos que devem compor a definiccedilatildeo
de alma Daqui adiante a questatildeo passa a ser qual a abordagem de pesquisa para se formular
esta definiccedilatildeo E um primeiro ponto se refere agrave abrangecircncia da definiccedilatildeo Dado que a alma
pode ter partes sendo estas partes divisiacuteveis ou natildeo a definiccedilatildeo deve ser geral e abranger todo
gecircnero de alma ou deve haver uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie de alma Para Polansky15
a
existecircncia de gecircneros eacute questionaacutevel pois parecem ser universais Noacutes natildeo encontramos um
universal tal qual Soacutecrates e Caacutelias pois estes satildeo particulares Tambeacutem natildeo encontramos um
gecircnero de alma tal qual catildees e cavalos pois estes satildeo espeacutecies Deste modo uma definiccedilatildeo
geneacuterica ofereceria apenas uma noccedilatildeo comum segundo as espeacutecies de alma sem
necessariamente enunciar suas as espeacutecies Portanto esta questatildeo contrasta duas noccedilotildees de
definiccedilatildeo da alma a particular (kathrsquo hekaacutesten) e universal (tograve kathoacutelou) Esta tensatildeo
enunciada aqui persistiraacute nas questotildees posteriores ainda neste capiacutetulo mas se evidenciaraacute
mais fortemente nos enunciados de alma presentes em DA II 1-3 Em siacutentese o problema
consiste em saber se a definiccedilatildeo de alma deve ser pelo seu gecircnero ou sua espeacutecie
14 2007 34-35 15 2008 45
18
ἔτι δέ εἰ μὴ πολλαὶ ψυχαὶ ἀλλὰ μόρια πότερον δεῖ ζητεῖν πρότερον τὴν ὅλην ψυχὴν ἢ
τὰ μόρια χαλεπὸν δὲ καὶ τούτων διορίσαι ποῖα πέφυκεν ἕτερα ἀλλήλων καὶ πότερον
τὰ μόρια χρὴ ζητεῖν πρότερον ἢ τὰ ἔργα αὐτῶν
Aleacutem disso no caso de serem muitas as partes e natildeo as almas deve-se primeiro
investigar a alma como um todo ou suas partes Tambeacutem eacute difiacutecil definir quais dentre
estas satildeo por natureza distintas entre si e se eacute uacutetil investigar primeiro as partes ou
suas funccedilotildees DA I 1 402b9-12 (Trad de Gomes dos Reis)
Na medida em que a alma eacute composta de partes que correspondem agraves suas
capacidades se decide se a investigaccedilatildeo abordaraacute primeiramente suas partes ou a alma como
um todo aleacutem de como investigar a capacidade ou a funccedilatildeo caso as capacidades sejam
distintas Ou seja eacute preciso decidir se a investigaccedilatildeo se inicia pela percepccedilatildeo ou pelo animal
ἀπορίαν δ ἔχει καὶ τὰ πάθη τῆς ψυχῆς πότερόν ἐστι πάντα κοινὰ καὶ τοῦ ἔχοντος ἢ
ἔστι τι καὶ τῆς ψυχῆς ἴδιον αὐτῆς
Haacute ainda a dificuldade de saber se as afecccedilotildees da alma satildeo todas comuns agravequilo que
possui alma ou se haacute tambeacutem alguma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma tatildeo somente DA I 1
403a3-5 (Trad de Gomes dos Reis)
Apoacutes uma exaustiva exposiccedilatildeo do que deve compor a definiccedilatildeo de alma
Aristoacuteteles elenca o uacuteltimo requisito de sua investigaccedilatildeo o grau de separabilidade da alma ou
de alguma de suas partes As capacidades de movimento reproduccedilatildeo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo e
imaginaccedilatildeo parecem ter sua ocorrecircncia no composto de corpo e alma que eacute o ser vivente
Entretanto haacute na teoria aristoteacutelica do intelecto sua face passiva e ativa conforme formulou a
tradiccedilatildeo sendo a ativa de natureza separada e imortal16
Isto faria desta parte do intelecto uma
afecccedilatildeo proacutepria da alma sem ocorrecircncia conjunta com o corpo Filopono17
comenta que este eacute
um problema determinante para a composiccedilatildeo da definiccedilatildeo de alma Se a alma tem afecccedilotildees
proacuteprias e separadas do corpo a definiccedilatildeo dispensaraacute o corpo de seu enunciado Se pelo
contraacuterio as afecccedilotildees aniacutemicas tecircm ocorrecircncia corpoacuterea entatildeo a definiccedilatildeo de alma deve
conter o corpo em seu enunciado
O que se conquista enfim com esta taacutebua de definiccedilatildeo em De Anima I 1 Que
investigar a natureza da alma eacute responder a seu gecircnero de ser o que implica em saber se a
16χωρισθεὶς δ ἐστὶ μόνον τοῦθ ὅπερ ἐστί καὶ τοῦτο μόνον ἀθάνατον καὶ ἀΐδιον ldquoSomente isto [o intelecto]
quando separado eacute propriamente o que eacute e somente isto eacute imortal e eternordquo DA III 5 (Trad Gomes dos Reis) 17 εἰ μὲν οὖν ὡς ὀργάνῳ χρῆται τῷ σώματι ἰδίᾳ ἔχουσα τὰς ἐνεργείας οὐ δεῖ προσχρήσασθαι τῷ σώματι πρὸς
τὸν ὁρισμόν οὐ γὰρ συμπληροῖ τὴν οὐσίαν τοῦ τέκτονος τὸ σκέπαρνον εἰ δὲ ἐν τῷ σώματι ἔχει τὸ εἶναι ὡς
εἶναι τὰς ἐνεργείας τοῦ συναμφοτέρου ἀνάγκη προσχρήσασθαι ἐν τῷ ὁρισμῷ τῷ σώματι ὥσπερ ἐπὶ τοῦ θυμοῦ
ἐλέγομεν ἀναγκαία οὖν ἡ τούτων λῆψις οὐκ εὐχερὴς δέ ltπάθηgt δὲ κοινότερον τὰς ἐνεργείας τῆς ψυχῆς
ἐκάλεσε ldquoSe usa o corpo como instrumento e tem suas atividades peculiares a si mesmo natildeo haacute qualquer
necessidade de se remeter ao corpo na definiccedilatildeo ndash pois um machado natildeo completa a essecircncia de um carpinteiro ndash
mas se a alma tem seu ser no corpo e suas atividades pertencem ao composto eacute necessaacuterio tambeacutem se remeter
ao corpo na definiccedilatildeo tal qual como nos referimos em relaccedilatildeo ao iacutempeto Estabelecer essas coisas entatildeo eacute
necessaacuterio poreacutem natildeo eacute faacutecil Afecccedilatildeo eacute o termo mais geral que ele usa para as atividades da almardquo
PHILOPONUS Com DA 4429-35 (Trad da trad de P J Eijk)
19
alma eacute potencialmente ou em atualidade Isto posto se a alma eacute como uma substacircncia e
portanto una ou separaacutevel e caso seja em partes se satildeo divisiacuteveis ou natildeo Aleacutem disso se a
definiccedilatildeo deve abranger diversos tipos de alma ou se haacute uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie Por
fim se sua investigaccedilatildeo parte das partes ou do todo
20
2 A NOCcedilAtildeO DE ALMA EM ARISTOacuteTELES
A noccedilatildeo de alma em Aristoacuteteles obedece trecircs momentos de elaboraccedilatildeo Um primeiro
ao longo da discussatildeo das endoxai de seus predecessores em DA I 2-5 Em outro quando
argumenta por conceitos metafiacutesicos e formula a noccedilatildeo geral de alma em DA II 1 Aleacutem de
um uacuteltimo a partir de DA II 2 quando se formula uma outra noccedilatildeo de alma pelas
capacidades Esta trajetoacuteria visa (i) levantar as teses que foram elaboradas sobre o assunto
visando extrair certos princiacutepios verdadeiros Com estes princiacutepios (ii) se expotildee a noccedilatildeo
geral Mas esta noccedilatildeo que responde sobre o ser da alma natildeo indica os tipos especiacuteficos de
vida Portanto (iii) eacute preciso inquirir por outra abordagem e provar que a alma eacute princiacutepio das
capacidades que manifestam vida no ser pois atraveacutes dessas capacidades explicamos esses
distintos modos de viver Como se veraacute esta travessia responde agrave taacutebua de definiccedilatildeo de DA I
1 e Aristoacuteteles ara todo o terreno sobre o qual ele ergue sua psicologia
21 A DEFINICcedilAtildeO PELA FORMA
Aristoacuteteles conclui seu levantamento das endoxai em DA I 2-5 com duas noccedilotildees
relativas agrave alma que ela eacute una18
e imoacutevel19
Somente no iniacutecio do livro seguinte em DA II 1
ele apresenta sua noccedilatildeo onde o objetivo traccedilar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos)
que abarque as vaacuterias formas de vida
18 φαίνεται δὲ καὶ τὰ φυτὰ διαιρούμενα ζῆν καὶ τῶν ζῴων ἔνια τῶν ἐντόμων ὡς τὴν αὐτὴν ἔχοντα ψυχὴν τῷ
εἴδει εἰ καὶ μὴ ἀριθμῷ ἑκάτερον γὰρ τῶν μορίων αἴσθησιν ἔχει καὶ κινεῖται κατὰ τόπον ἐπί τινα χρόνον εἰ δὲ
μὴ διατελοῦσιν οὐθὲν ἄτοπον ὄργανα γὰρ οὐκ ἔχουσιν ὥστε σώζειν τὴν φύσιν ἀλλ οὐδὲν ἧττον ἐν ἑκατέρῳ
τῶν μορίων ἅπαντ ἐνυπάρχει τὰ μόρια τῆς ψυχῆς καὶ ὁμοειδῆ ἐστιν ἀλλήλοις καὶ τῇ ὅλῃ ἀλλήλοις μὲν ὡς οὐ
χωριστὰ ὄντα τῇ δ ὅλῃ ψυχῇ ὡς οὐ διαιρετῇ οὔσῃ ἔοικε δὲ καὶ ἡ ἐν τοῖς φυτοῖς ἀρχὴ ψυχή τις εἶναι μόνης γὰρ
ταύτης κοινωνεῖ καὶ ζῷα καὶ φυτά καὶ αὕτη μὲν χωρίζεται τῆς αἰσθητικῆς ἀρχῆς αἴσθησιν δ οὐθὲν ἄνευ ταύτης
ἔχει ldquoEacute manifesto ainda que as plantas ndash e dentre os animais alguns insetos ndash quando secionadas continuam a
viver como se tivessem a mesma alma especificamente ainda que natildeo numericamente pois cada uma das partes
tem sensaccedilatildeo e move-se localmente por algum tempo Se natildeo sobrevivem natildeo resulta em absurdo algum pois
natildeo mantecircm oacutergatildeos aponto de conservar a sua natureza Em cada uma das partes poreacutem estatildeo todas as partes da
alma e nenhuma a menos E elas satildeo da mesma espeacutecie entre si e em relaccedilatildeo agrave alma inteira ndash as diversas partes
satildeo inseparaacuteveis uma das outras embora a alma inteira seja divisiacutevel Parece que o princiacutepio encontrado nas
plantas eacute tambeacutem um certo tipo de alma pois eacute apenas compartilhada por animais e plantas e ela existe
separada do princiacutepio perceptivo embora sem ela nada possa ter percepccedilatildeordquo 411b19-411b30 19ὅτι μὲν οὖν οὔθ ἁρμονίαν οἷόν τ εἶναι τὴν ψυχὴν οὔτε κύκλῳ περιφέρεσθαι δῆλον ἐκ τῶν εἰρημένων ldquoQue a
alma natildeo pode ser harmonia nem locomover-se em ciacuterculo fica claro a partir do que foi ditordquo 408ordf29-30 (Trad
Gomes dos Reis)
ὅτι μὲν οὖν οὐχ οἷόν τε κινεῖσθαι τὴν ψυχήν φανερὸν ἐκ τούτων εἰ δ ὅλως μὴ κινεῖται δῆλον ὡς οὐδ ὑφ
ἑαυτῆς Eacute evidente a partir disso tudo que natildeo eacute possiacutevel que a alma se mova ldquoE se de todo modo natildeo se move eacute
claro tambeacutem que natildeo se move por si mesmardquo 408b30-31 (Trad Gomes dos Reis)
φανερὸν οὖν ἐκ τῶν εἰρημένων ὡς οὔτε τὸ γινώσκειν ὑπάρχει τῇ ψυχῇ διὰ τὸ ἐκ τῶν στοιχείων εἶναι οὔτε τὸ
κινεῖσθαι αὐτὴν καλῶς οὐδ ἀληθῶς λέγεται ldquoEacute manifesto entatildeo a partir do que foi dito que nem o conhecer
subsite na alma por ela ser composta dos elementos nem eacute uma maneira certa ou verdadeira dizer qua a alma eacute
movidardquo 411a24-26 (Trad Gomes dos Reis)
21
Τὰ μὲν δὴ ὑπὸ τῶν πρότερον παραδεδομένα περὶ ψυχῆς εἰρήσθω πάλιν δ ὥσπερ ἐξ
ὑπαρχῆς ἐπανίωμεν πειρώμενοι διορίσαι τί ἐστι ψυχὴ καὶ τίς ἂν εἴη κοινότατος λόγος
αὐτῆς
Tendo dito o suficiente sobre as opiniotildees a respeito da alma fornecida por nossos
predecessores retomemos como que do comeccedilo e tentemos definir o que eacute a alma e
qual seria seu enunciado mais geral 412a1-6 (Trad Gomes dos Reis)
A busca pelo enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) visa uma definiccedilatildeo de alma
comum agraves diversas formas de vida Em meio agrave pluralidade de modos de vida a alma eacute aquilo
a partir do qual essa pluralidade se unifica num gecircnero de ser ndash o dos seres viventes
(empsykhon) Aristoacuteteles compreende que uma noccedilatildeo puramente geneacuterica natildeo explica as
formas especiacuteficas do objeto de estudo Entretanto o enunciado geral responde agrave primeira
parte da taacutebua de definiccedilatildeo como notaremos no decorrer da definiccedilatildeo pela forma que seraacute
enunciada Com eles Aristoacuteteles alicerccedila conceitualmente as outras definiccedilotildees que seratildeo
formuladas nos outros capiacutetulos
Assim entatildeo Aristoacuteteles inicia seu argumento
λέγομεν δὴ γένος ἕν τι τῶν ὄντων τὴν οὐσίαν ταύτης δὲ τὸ μέν ὡς ὕλην ὃ καθ αὑτὸ
οὐκ ἔστι τόδε τι ἕτερον δὲ μορφὴν καὶ εἶδος καθ ἣν ἤδη λέγεται τόδε τι καὶ τρίτον
τὸ ἐκ τούτων ἔστι δ ἡ μὲν ὕλη δύναμις τὸ δ εἶδος ἐντελέχεια καὶ τοῦτο διχῶς τὸ
μὲν ὡς ἐπιστήμη τὸ δ ὡς τὸ θεωρεῖν
Dizemos que um dos gecircneros dos seres eacute a substacircncia E substacircncia primeiro no
sentido de mateacuteria ndash que por si mesmo natildeo eacute algo determinado ndash e ainda no sentido
de figura e forma ndash em virtude do que jaacute se diz que eacute algo determinado ndash e por fim
no sentido de composto de ambas A mateacuteria por sua vez eacute potecircncia ao passo que a
forma eacute atualidade e isto de dois modos seja como ciecircncia seja como inquirir DA II
1 412a6-11(Trad Gomes dos Reis)
Aristoacuteteles parte de teses presentes em seu tratado de filosofia primeira a Metafiacutesica
Laacute ele investiga o ser enquanto ser que tem muitos significados mas todos convergem para
um soacute20
O que responde a estes diversos significados do que eacute o ser ao ti estiacute eacute a
substacircncia21
(ousiacutea) Satildeo substacircncias a mateacuteria (hyacutele) a forma (morpheacute) e o composto de
ambas ( tograve ek touacutetoon) 22
Apesar da mateacuteria ser indeterminada23
permanece na mudanccedila e eacute
20 διὸ καὶ ἡμῖν τοῦ ὄντος ᾗ ὂν τὰς πρώτας αἰτίας ληπτέον Τὸ δὲ ὂν λέγεται μὲν πολλαχῶς ἀλλὰ πρὸς ἓν καὶ μίαν
τινὰ φύσιν Por isso tambeacutem noacutes devemos apreender as causas primeiras do ente enquanto ente ldquoEnterdquo se diz de
muitas maneiras mas em relaccedilatildeo a algo uacutenico e a uma natureza uacutenicardquo Met G 1-2 1003ordf31-32 (Trad Lucas
Angioni) 21τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν ldquoE
sendo o ente dito de muitos modos eacute evidente que o ente primeiro eacute o que eacute entre todos o que designa a
substacircnciardquo Met Z 2 1028b13-15 (Trad Lucas Angioni) 22 αὗται δ εἰσὶν αἱ αἰσθηταί αἱ δ αἰσθηταὶ οὐσίαι πᾶσαι ὕλην ἔχουσιν ἔστι δ οὐσία τὸ ὑποκείμενον ἄλλως μὲν
ἡ ὕλη (ὕλην δὲ λέγω ἣ μὴ τόδε τι οὖσα ἐνεργείᾳ δυνάμει ἐστὶ τόδε τι) ἄλλως δ ὁ λόγος καὶ ἡ μορφή ὃ τόδε τι
ὂν τῷ λόγῳ χωριστόν ἐστιν τρίτον δὲ τὸ ἐκ τούτων οὗ γένεσις μόνου καὶ φθορά ἐστι καὶ χωριστὸν ἁπλῶς τῶν
γὰρ κατὰ τὸν λόγον οὐσιῶν αἱ μὲν αἱ δ οὔ ldquoE agora devemos reexaminar as substacircncias que satildeo admitidas por
todos E essas satildeo as substacircncias sensiacuteveis Todas as substacircncias sensiacuteveis tecircm mateacuteria E substacircncia eacute o
substrato o qual em certo sentido significa a mateacuteria (chamo mateacuteria o que natildeo eacute algo determinado em ato mas
22
objeto de predicaccedilatildeo caracteriza-se como o substrato (hypokeiacutemenon) do composto Para ser
determinada a mateacuteria depende da forma que lhe confere ser (ti estiacute) Assim toda mateacuteria
determinada pela forma seraacute um composto Por isso Aristoacuteteles defende que uma boa
definiccedilatildeo das substacircncias compostas eacute a que enuncie a determinaccedilatildeo da forma na mateacuteria24
Em suma a substacircncia eacute o gecircnero primeiro de ser sendo esta tanto mateacuteria quanto forma
assim como o composto de ambas
A indeterminaccedilatildeo da mateacuteria e a determinaccedilatildeo da forma estatildeo intrinsecamente
relacionadas aos conceitos correlatos de potecircncia (dyacutenamis) e atualidade (enteleacutekheia) na
filosofia primeira de Aristoacuteteles A mateacuteria eacute indeterminada pois natildeo eacute algo em ato mas em
potecircncia na medida que eacute passiacutevel de determinaccedilatildeo pela forma Aristoacuteteles assinala que ser
em potecircncia significa ter o princiacutepio de movimento (kiacutenesis) ou de modicaccedilatildeo (metaboleacute) seja
por causa extriacutenseca ou intriacutenseca25
A mateacuteria portanto eacute potecircncia pois traz em si o princiacutepio
de ser movida ou modificada por si mesma ou por um outro isto Potecircncia tambeacutem estaacute
algo determinado soacute em potecircncia) num segundo sentido significa a essecircncia e a forma (a qual sendo algo
determinado pode ser separada pelo pensamento) e num terceiro sentido significa o composto de mateacuteria e de
forma (e soacute este estaacute submetido agrave geraccedilatildeo e agrave corrupccedilatildeo e eacute separado em sentido proacuteprio enquanto das
substacircncias entendidas segundo a forma algumas satildeo separadas outras natildeo satildeo)rdquo H 1042a24-31 (Trad Giovani
Reale) 23 λέγω δ ὕλην ἣ καθ αὑτὴν μήτε τὶ μήτε ποσὸν μήτε ἄλλο μηδὲν λέγεται οἷς ὥρισται τὸ ὄν ἔστι γάρ τι καθ οὗ
κατηγορεῖται τούτων ἕκαστον ᾧ τὸ εἶναι ἕτερον καὶ τῶν κατηγοριῶν ἑκάστῃ (τὰ μὲν γὰρ ἄλλα τῆς οὐσίας
κατηγορεῖται αὕτη δὲ τῆς ὕλης) ὥστε τὸ ἔσχατον καθ αὑτὸ οὔτε τὶ οὔτε ποσὸν οὔτε ἄλλο οὐδέν ἐστιν οὐδὲ δὴ
αἱ ἀποφάσεις καὶ γὰρ αὗται ὑπάρξουσι κατὰ συμβεβηκός ldquoChamo mateacuteria aquilo que por si natildeo eacute algo
determinado nem uma quantidade nem qualquer outra das determinaccedilotildees do ser Existe de fato alguma coisa da
qual cada uma dessas determinaccedilotildees eacute predicada alguma coisa cujo ser eacute diferente do ser de cada uma das
categorias Todas as outras categorias com efeito satildeo predicadas da substacircncia e esta por sua vez eacute predicada
da mateacuteria Assim este termo por si natildeo eacute nem algo determinado nem quantidade nem qualquer outra
categoria e natildeo eacute nem sequer as negaccedilotildees destas porque as negaccedilotildees soacute existem de modo acidentalrdquo Met Z 3
1029ordf20-26 (Trad Giovani Reale) 24 οἱ δὲ ἀγγεῖον σκεπαστικὸν χρημάτων καὶ σωμάτων ἤ τι ἄλλο τοιοῦτον προτιθέντες τὴν ἐνέργειαν λέγουσιν οἱ
δ ἄμφω ταῦτα συντιθέντες τὴν τρίτην καὶ τὴν ἐκ τούτων οὐσίαν (ἔοικε γὰρ ὁ μὲν διὰ τῶν διαφορῶν λόγος τοῦ
εἴδους καὶ τῆς ἐνεργείας εἶναι ὁ δ ἐκ τῶν ἐνυπαρχόντων τῆς ὕλης μᾶλλον) ὁμοίως δὲ καὶ οἵους Ἀρχύτας
ἀπεδέχετο ὅρους τοῦ συνάμφω γάρ εἰσιν ldquoAo contraacuterio os que a definem dizendo que eacute um refuacutegio para
proteger coisas e corpos ou alguma outra coisa desse tipo dizendo o que eacute a casa em ato enfim os que unem
ambas as definiccedilotildees experimenta substacircncia no terceiro significado como composto de mateacuteria e forma Eacute claro
que a definiccedilatildeo dada pelas diferenccedilas refere-se agrave forma e ao ato enquanto a definiccedilatildeo dada a partir dos
elementos refere-se prioritariamente agrave mateacuteria Semelhantes a estas eram as definiccedilotildees que Arquita aprovava
elas referiam-se ao conjunto de mateacuteria e formardquo H 2 1043ordf17-21 (Trad Giovani Reale)
φανερὸν δὴ ἐκ τῶν εἰρημένων τίς ἡ αἰσθητὴ οὐσία ἐστὶ καὶ πῶς ἡ μὲν γὰρ ὡς ὕλη ἡ δ ὡς μορφὴ καὶ ἐνέργεια
ἡ δὲ τρίτη ἡ ἐκ τούτων ldquoDo que foi dito fica claro o que eacute a substacircncia sensiacutevel e qual eacute seu modo de ser ela eacute
por um lado mateacuteria por outro forma e ato e num terceiro sentido o conjunto de mateacuteria e de formardquo Met H
2 1043a26-28 (Trad Giovani Reale) 25 ἡ μὲν οὖν ὅλως ἀρχὴ μεταβολῆς ἢ κινήσεως λέγεται δύναμις ἐν ἑτέρῳ ἢ ᾗ ἕτερον ἡ δ ὑφ ἑτέρου ἢ ᾗ ἕτερον
(καθ ἣν γὰρ τὸ πάσχον πάσχει τι ὁτὲ μὲν ἐὰν ὁτιοῦν δυνατὸν αὐτό φαμεν εἶναι παθεῖν ὁτὲ δ οὐ κατὰ πᾶν
πάθος ἀλλ ἂν ἐπὶτὸ βέλτιον) ldquoPotecircncia portanto significa em primeiro lugar esse princiacutepio de mudanccedila ou de
movimento que se encontra em outra coisa ou na propria coisa enquanto outra e em segundo lugar significa o
princiacutepio pelo qual uma coisa eacute mudada ou movida por outra ou por si mesma enquanto outrardquo Met Δ 12
1019ordf19-23 (Trad Giovani Reale)
23
relacionada ao princiacutepio de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo26
Na medida em que as coisas satildeo
constituiacutedas de um determinado modo elas trazem em potecircncia a manutenccedilatildeo de si diante da
accedilatildeo de outra coisa como a parede que natildeo quebra se batida com um copo de vidro ou trazem
em potecircncia a degeneraccedilatildeo tal qual um copo de vidro que quebra quando lanccedilado contra a
parede Jaacute a forma eacute atualidade (enteleacutekheia) tanto como ciecircncia quanto inquirir ou seja
enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) e atividade (energeia) Atualidade enquanto disposiccedilatildeo significa
a jaacute detenccedilatildeo de determinada capacidade mas sem sua atividade Ser apto a caminhar mas
estar sentado por exemplo Jaacute ato enquanto atividade significa o exerciacutecio dessa disposiccedilatildeo
Ser apto a caminhar e estar caminhando
οὐσίαι δὲ μάλιστ εἶναι δοκοῦσι τὰ σώματα καὶ τούτων τὰ φυσικά ταῦτα γὰρ τῶν
ἄλλων ἀρχαί τῶν δὲ φυσικῶν τὰ μὲν ἔχει ζωήν τὰ δ οὐκ ἔχει ζωὴν δὲ λέγομεν τὴν
δι αὑτοῦ τροφήν τε καὶ αὔξησιν καὶ φθίσιν ὥστε πᾶν σῶμα φυσικὸν μετέχον ζωῆς
οὐσία ἂν εἴη οὐσία δ οὕτως ὡς συνθέτη
E haacute a opiniatildeo de que sobretudo os corpos satildeo substacircncia entre os quais se encontram
os corpos naturais que satildeo princiacutepios dos demais Dos corpos naturais alguns tecircm
vida outros natildeo e dizemos que a vida eacute a nutriccedilatildeo por si mesmo o crescimento e o
decaimento Assim todo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido
de substacircncia composta DA II 1 412a11-16 (Trad Gomes dos Reis)
Aristoacuteteles retorna a uma tese geral amplamente adotada por ele segundo a qual dentre
as substacircncias as sensiacuteveis satildeo as mais aceitas27
por serem mais evidentes aos sentidos O que
26 ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ τοῦ πάσχειν ἔτι ὅσαι ἕξεις καθ ἃς ἀπαθῆ ὅλως ἢ ἀμετάβλητα ἢ μὴ ῥᾳδίως ἐπὶ τὸ χεῖρον
εὐμετακίνητα δυνάμεις λέγονται κλᾶται μὲν γὰρ καὶ συντρίβεται καὶ κάμπτεται καὶ ὅλως φθείρεται οὐ τῷ
δύνασθαι ἀλλὰ τῷ μὴ δύνασθαι καὶ ἐλλείπειν τινός ἀπαθῆ δὲ τῶν τοιούτων ἃ μόλις καὶ ἠρέμα πάσχει διὰ δύ
ναμιν καὶ τῷ δύνασθαι καὶ τῷ ἔχειν πώς ldquoO mesmo vale para a potecircncia passiva Aleacutem disso chamam-se
potecircncias todos os estados em virtude dos quais as coisas satildeo absolutamente impassiacuteveis ou imutaacuteveis ou natildeo
facilmente mutaacuteveis para pior De fato as coisas quebram-se degeneram-se dobram-se e em geral destroem-se
natildeo porque tecircm potecircncia mas porque natildeo tecircm potecircncia a e porque carecem de alguma coisa ao contraacuterio satildeo
impassiacuteveis relativamente a todo estes tipos de afecccedilotildees as coisas que dificilmente ou pouco satildeo afetadas por elas
por causa de sua potecircncia e de seu poder e por determinadas condiccedilotildees em que se encontremrdquo Met Δ 12 1019ordf
26-32 (Trad Giovani Reale) 27 Οὐσία λέγεται τά τε ἁπλᾶ σώματα οἷον γῆ καὶ πῦρ καὶ ὕδωρ καὶ ὅσα τοιαῦτα καὶ ὅλως σώματα καὶ τὰ ἐκ
τούτων συνεστῶτα ζῷά τε καὶ δαιμόνια καὶ τὰ μόρια τούτων ἅπαντα δὲ ταῦτα λέγεται οὐσία ὅτι οὐ καθ
ὑποκειμένου λέγεται ἀλλὰ κατὰ τούτων τὰ ἄλλα ldquoSubstacircncia em certo sentido se diz dos corpos simples por
exemplo o fogo a terra a aacutegua e todos os corpos como estes e em geral todos os corpos e as coisas compostas
a partir deles como os animais e os seres divinos e suas partes Todas essas coisas satildeo ditas substacircncias porque
natildeo satildeo predicadas de um substrato mas tudo o mais eacute predicado delasrdquo Met Δ 1017b10ndash14 (Trad Giovani
Reale)
Τὸ ὂν λέγεται πολλαχῶς καθάπερ διειλόμεθα πρότερον ἐν τοῖς περὶ τοῦ ποσαχῶς σημαίνει γὰρ τὸ μὲν τί ἐστι
καὶ τόδε τι τὸ δὲ ποιὸν ἢ ποσὸν ἢ τῶν ἄλλων ἕκαστον τῶν οὕτω κατηγορουμένων τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου
τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν (ὅταν μὲν γὰρ εἴπωμεν ποῖόν τι
τόδε ἢ ἀγαθὸν λέγομεν ἢ κακόν ἀλλ οὐ τρίπηχυ ἢ ἄνθρωπον ldquoO ser tem muitos signficados como
estabelecemos anteriormente no livro dedicado aos diversos significados dos termos De fato o ser signfica de
um lado essecircncia e algo determinado de outro qualidade ou quantidade e cada uma das outras categorias
Mesmo sendo dito em tantos signficados eacute evidente que o primeiro dos significados do ser eacute a essecircncia que
indica a substacircncia (De fato quando perguntamos a qualidade de alguma coisa dizemos que eacute boa ou maacute mas
natildeo que tem trecircs cocircvados ou que eacute homemrdquo 1028a10ndash16 (Trad Giovani Reale)
24
Aristoacuteteles chama aqui de corpos naturais (physikoacuten) corresponde aos compostos que datildeo
origem aos artificiais e com a abstraccedilatildeo das suas unidades a objetos matemaacuteticos Mas natildeo
satildeo elementos ou partes sem unidade como o olho ou a raiz da aacutervore Pois eacute o animal que
deteacutem o olho e a aacutervore que deteacutem a raiacutez Sendo assim os corpos naturais se diferenciam
entre os que vivem e os que natildeo vivem Estes que natildeo vivem satildeo os corpos artificiais os
corpos celestes e o cadaacutever Um corpo morto seraacute de animal senatildeo por homoniacutemia pois natildeo
tem como atividade o viver E o viver eacute nutrir-se eacute crescer e eacute decair Donde Aristoacuteteles
conclui que ldquotodo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido de substacircncia
compostardquo Os seres viventes (empsykhon) satildeo substacircncias compostas de mateacuteria (corpo) e
forma (alma) tendo como atividade o viver
ἐπεὶ δ ἐστὶ καὶ σῶμα καὶ τοιόνδε ζωὴν γὰρ ἔχον οὐκ ἂν εἴη σῶμα ἡ ψυχή οὐ γάρ
ἐστι τῶν καθ ὑποκειμένου τὸ σῶμα μᾶλλον δ ὡς ὑποκείμενον καὶ ὕλη ἀναγκαῖον
ἄρα τὴν ψυχὴν οὐσίαν εἶνα ὡς εἶδος σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν ἔχοντος
E uma vez que essa substacircncia tambeacutem eacute um corpo de tal tipo ndash que tem vida ndash a
alma natildeo eacute corpo pois o corpo natildeo eacute um dos predicados do substrato antes ele eacute
como o substrato e a mateacuteria Necessariamente entatildeo a alma eacute substacircncia como
forma de um corpo natural potencialmente vivo 412ordf16-21 (Trad Maria Ceciacutelia
Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo proacutepria)
Finalmente Aristoacuteteles tece sua uacuteltima premissa e enuncia uma primeira definiccedilatildeo de
alma Dado que os corpos naturais dotados de vida satildeo compostos hilemoacuterficos cabe eliminar
qualquer possibilidade da alma ser corpo O argumento eacute conciso Haacute substacircncias que satildeo um
corpo dotado de vida Este corpo vivo natildeo eacute alma Mas substrato (hypokeimeacutenon) e mateacuteria
(hyacutele) do composto E como tal eacute objeto de predicaccedilatildeo da forma Portanto a alma natildeo pode
ser corpo pois ela que o predica
Em Met Z 3 escreve Aristoacuteteles que o substrato eacute aquilo que eacute predicado pelas coisas
enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outra28
Jaacute a substacircncia eacute aquilo que predica o
substrato mas que natildeo eacute predicada pelas outras coisas Sendo assim inerem no substrato
determinaccedilotildees como quantidade afecccedilotildees accedilotildees e potecircncias Poreacutem raspadas as
determinaccedilotildees o que resta eacute o substrato primeiro mateacuteria Contudo como jaacute enunciado
ὁμολογούμεναι μὲν αἱ φυσικαί οἷον πῦρ γῆ ὕδωρ ἀὴρ καὶ τἆλλα τὰ ἁπλᾶ σώματα ἔπειτα τὰ φυτὰ καὶ τὰ μόρια
αὐτῶν καὶ τὰ ζῷα καὶ τὰ μόρια τῶν ζῴων καὶ τέλος ὁ οὐρανὸς καὶ τὰ μόρια τοῦ οὐρανοῦ ἰδίᾳ δέ τινες οὐσίας
λέγουσιν εἶναι τά τ εἴδη καὶ τὰ μαθηματικά ldquoSubstacircncias admitidas por todos satildeo as fiacutesicas como fogo terra
aacutegua ar e os outros corpos simples ademais as plantas e suas partes do ceacuteu Alguns filoacutesofos ao contraacuterio em
funccedilatildeo de suas opiniotildees particulares afirmaram que substacircncias satildeo as Formas e os Entes matemaacuteticosrdquo Met H
1042a7ndash11(Trad Giovani Reale)
28 τὸ δ ὑποκείμενόν ἐστι καθ οὗ τὰ ἄλλα λέγεται ἐκεῖνο δὲ αὐτὸ μηκέτι κατ ἄλλου ldquoO Substrato eacute aquilo de
que satildeo predicadas todas as outras coisas enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outrardquo Met Z 3 1028b36 ndash
1029a1 (Trad Giovani Reale)
25
acima Aristoacuteteles compreende a mateacuteria como algo indeterminado Apesar disso haacute algo da
qual todas as outras determinaccedilotildees satildeo predicadas E sendo a substacircncia um algo separado
que predica a mateacuteria ou seja que referencia e determina a mateacuteria substacircncia e mateacuteria natildeo
podem ser idecircnticas O que este argumento nos ajuda a compreender eacute o pressuposto
metafiacutesico sobre o qual Aristoacuteteles identifica o corpo com o substrato impossibilitando que
este seja identificado com a alma Ou seja a substacircncia que predica o corpo
Portanto se o corpo eacute substrato material do composto orgacircnico vivo segue-se
necessariamente que a alma eacute a substacircncia formal Aristoacuteteles enuncia entatildeo seu perseguido
enunciado mais geral a alma eacute substacircncia como forma de um corpo natural potencialmente
vivo A alma enquanto substacircncia do composto vivo eacute substacircncia no sentido de forma Com
este enunciado Aristoacuteteles responde o primeiro ponto do elenco de questotildees a serem
abordadas numa investigaccedilatildeo da alma a saber a qual gecircnero de ser pertence a alma
Para a alma ser forma de um corpo potencialmente vivo ndash e ser potencialmente vivo eacute
dispor de oacutergatildeos passiacuteveis de realizaccedilatildeo das atividades proacuteprias ao viver ndash significa ser o
princiacutepio estruturante e configurador das funccedilotildees (eacutergon) de vida Assim a alma eacute o princiacutepio
e causa determinante do ser atraveacutes das atividades proacuteprias ao viver em um corpo de tal tipo
Portanto a alma configura a realidade das substacircncias compostas viventes sendo aquilo a
partir e em vista do que a vida se daacute
Aristoacuteteles abre caminho para a responder sua taacutebua de definiccedilotildees de DA I 1 A
primeira delas eacute configurar a relaccedilatildeo entre a alma e o corpo fundamentando a noccedilatildeo de
inseparabilidade entre uma e outro Pois ser a forma de um composto demanda que a alma se
atualize apenas se instanciada em um estofo material e seja seu princiacutepio de ser Em siacutentese a
alma eacute como a substacircncia e o corpo eacute como o substrato da substacircncia composta viva que eacute o
ser vivente
Seguindo as noccedilotildees jaacute traccediladas anteriormente Aristoacuteteles desdobraraacute outras duas
caracteriacutesticas proacuteprias agrave alma atualidade primeira e princiacutepio de determinaccedilatildeo do corpo Jaacute
que a alma eacute forma e forma eacute atualidade entatildeo a alma eacute atualidade deste corpo
potencialmente vivo como se lecirc logo em seguida
ἡ δ οὐσία ἐντελέχεια τοιούτου ἄρα σώματος ἐντελέχεια αὕτη δὲ λέγεται διχῶς ἡ
μὲν ὡς ἐπιστήμη ἡ δ ὡς τὸ θεωρεῖν φανερὸν οὖν ὅτι ὡς ἐπιστήμη ἐν γὰρ τῷ
ὑπάρχειν τὴν υχὴν καὶ ὕπνος καὶ ἐγρήγορσίς ἐστιν ἀνάλογον δ ἡ μὲν ἐγρήγορσις τῷ
θεωρεῖν ὁ δ ὕπνος τῷ ἔχειν καὶ μὴ ἐνεργεῖν προτέρα δὲ τῇ γενέσει ἐπὶ τοῦ αὐτοῦ ἡ
ἐπιστήμη διὸ ἡ ψυχή ἐστιν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν
ἔχοντος
E a substacircncia eacute atualidade Portanto eacute de um corpo de tal tipo que a alma eacute
atualidade Mas esta se diz de dois modos ndash primeiro como ciecircncia segundo como o
26
inquirir Eacute claro entatildeo que a alma eacute atualidade como ciecircncia pois ao subsistir a alma
haacute tanto o sono como a vigiacutelia e a vigiacutelia eacute algo anaacutelogo ao inquirir o sono a possuir
a ciecircncia mas natildeo a exercecirc-la e no que concerne a um mesmo indiviacuteduo a ciecircncia eacute
a primeira atualidade de um corpo natural que tem em potecircncia vida DA II 1 412a21-
28 (Trad Gomes dos Reis)
Como jaacute estabelecido em 401a6-11 a atualidade se diz segundo a disposiccedilatildeo e a
atividade Aqui disposiccedilatildeo (heacutexis) estaacute para a ciecircncia (epistecircme) como atividade (energeacuteia)
estaacute para inquirir (theoreicircn) Portanto disposiccedilatildeo eacute a obtenccedilatildeo de dada capacidade sem
executaacute-la enquanto atividade eacute sua execuccedilatildeo
Aristoacuteteles conclui seu argumento especificando a alma como uma atualidade primeira
(enteleacutekheia proteacute) Charlton29
propotildee que o termo ldquoprimeirordquo (proteacute) se refira agrave atualidade no
primeiro sentido ou seja enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) O que parece plausiacutevel pois o texto
aristoteacutelico nos diz que a alma eacute atualidade como ciecircncia (phanerograven oucircn hoacuteti hocircs episteme)
Aleacutem disso nas discussotildees preliminares sobre a capacidade perceptiva Aristoacuteteles discorre
um pouco mais sobre as diferenccedilas entre atualidade em termos de disposiccedilatildeo e atividade
διαιρετέον δὲ καὶ περὶ δυνάμεως καὶ ἐντελεχείας νῦν γὰρ ἁπλῶς ἐλέγομεν περὶ
αὐτῶν ἔστι μὲν γὰρ οὕτως ἐπιστῆμόν τι ὡς ἂν εἴποιμεν ἄνθρωπον ἐπιστήμονα ὅτι ὁ
ἄνθρωπος τῶν ἐπιστημόνων καὶ ἐχόντων ἐπιστήμην ἔστι δ ὡς ἤδη λέγομεν
ἐπιστήμονα τὸν ἔχοντα τὴν γραμματικήν ἑκάτερος δὲ τούτων οὐ τὸν αὐτὸν τρόπον
δυνατός ἐστιν ἀλλ ὁ μὲν ὅτι τὸ γένος τοιοῦτον καὶ ἡ ὕλη ὁ δ ὅτι βουληθεὶς δυνατὸς
θεωρεῖν ἂν μή τι κωλύσῃ τῶν ἔξωθεν ὁ δ ἤδη θεωρῶν ἐντελεχείᾳ ὢν καὶ κυρίως
ἐπιστάμενος τόδε τὸ Α ἀμφότεροι μὲν οὖν οἱ πρῶτοι κατὰ δύναμιν ἐπιστήμονες
ltὄντες ἐνεργείᾳ γίνονται ἐπιστήμονεςgtἀλλ ὁ μὲν διὰ μαθήσεως ἀλλοιωθεὶς καὶ
πολλάκις ἐξ ἐναντίας μεταβαλὼν ἕξεως ὁ δ ἐκ τοῦ ἔχειν τὴν ἀριθμητικὴν ἢ τὴν
γραμματικήν μὴ ἐνεργεῖν δέ εἰς τὸ ἐνεργεῖν ἄλλον τρόπον
Eacute preciso ainda fazer distinccedilotildees no que diz respeito agrave potecircncia e agrave atualidade Pois ateacute
agora falaacutevamos disso de maneira simples Por um lado haacute aquele que conhece no
sentido em que diriacuteamos ser o homem conhecedor por estar entre os que conhecem e
possuem conhecimento e haacute em outro sentido aquele que dizemos ser conhecedor
por jaacute saber a gramaacutetica (e cada um deles eacute em potecircncia mas natildeo da mesma maneira
o primeiro por que eacute de tal gecircnero e mateacuteria o outro porque se quiser pode inquirir
nada externo o impedindo) E haacute por fim aquele que estaacute inquirindo e em atualidade
conhecendo em sentido proacuteprio este ldquoArdquo determinado Os dois primeiros satildeo
conhecedores em potecircncia um por ter-se alterado via aprendizagem e por passar
vaacuterias vezes de uma das disposiccedilotildees contraacuterias a outra o outro de outro modo por
passar do ter a percepccedilatildeo sensiacutevel30 ou a gramaacutetica sem exercitaacute-lo ao estar em
exerciacutecio DA II 5 417a21-b2 (Trad Gomes dos Reis)
O ser humano eacute configurado de modo a realizar certas atividades como a nutriccedilatildeo a
percepccedilatildeo e a inquiriccedilatildeo Entretanto a pura organizaccedilatildeo fiacutesica natildeo basta para que elas sejam
realizadas Assim somente quando a funccedilatildeo proacutepria de determinada disposiccedilatildeo fiacutesica entra
em atividade eacute que aquilo que eacute em potecircncia se torna uma atualidade No caso acima a
capacidade de inquirir Mas toda capacidade exige um objeto para entrar em atividade E o
29 1980 p 174 30 A tradutora optou por substituir o termo ldquoarithmetikegravenrdquo por ldquoaiacutesthesinrdquo Cf GOMES DOS REIS 2012 p 84
27
que era uma potecircncia de aprendizado para o inquiridor torna-se uma atualidade pela atividade
da sua inquiriccedilatildeo Deste modo haacute trecircs instacircncias que vatildeo da potecircncia agrave atualidade Na
primeira o ser vivente eacute dotado da capacidade de aprender a inquirir Na segunda esta
disposiccedilatildeo eacute posta em atividade tendo um objeto para se inquirir Na terceira eacute a atividade
dessa capacidade aprendida ou adquirida que se tem uma atualidade plena No primeiro caso
eacute claramente uma capacidade segundo uma disposiccedilatildeo No segundo caso jaacute temos um estado
de atualidade na medida em que haacute o exerciacutecio dessa capacidade proacutepria ao ser vivente
Aristoacuteteles chama isso de potecircncia pois em relaccedilatildeo agrave terceira instacircncia aquele modo de
atualidade eacute ainda suscetiacutevel de alteraccedilatildeo E quando essa nova capacidade a gramaacutetica eacute
adquirida pela atividade desta nova capacidade de inquirir possiacutevel apenas pela sua
disposiccedilatildeo na fisiologia do ser vivente a capacidade se atualiza plenamente
Assim a alma eacute atualidade primeira de um corpo potencialmente vivo enquanto
princiacutepio de atividade das capacidades proacuteprias ao viver presentes como disposiccedilatildeo que a
forma engendra neste corpo Isto fica mais evidente em DA II 1 412b5-9
εἰ δή τι κοινὸν ἐπὶ πάσης ψυχῆς δεῖ λέγειν εἴη ἂν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος
φυσικοῦ ὀργανικοῦ διὸ καὶ οὐ δεῖ ζητεῖν εἰ ἓν ἡ ψυχὴ καὶ τὸ σῶμα ὥσπερ οὐδὲ τὸν
κηρὸν καὶ τὸ σχῆμα οὐδ ὅλως τὴν ἑκάστου ὕλην καὶ τὸ οὗ ἡ ὕλη τὸ γὰρ ἓν καὶ τὸ
εἶναι ἐπεὶ πλεοναχῶς λέγεται τὸ κυρίως ἡ ἐντελέχειά ἐστιν
Se eacute preciso enunciar algo comum a toda e qualquer alma seria que eacute a primeira
atualidade do corpo natural orgacircnico E por isso inclusive natildeo eacute preciso investigar se
alma e corpo satildeo uma unidade ndash tampouco se a cera e a figura o satildeo e em suma nem
se a mateacuteria de cada coisa e aquilo de que eacute mateacuteria ndash pois jaacute que se diz unidade ser
de muitos modos o mais apropriado deles eacute a atualidade (Trad Gomes dos Reis)
O corpo eacute dotado de oacutergatildeos partes que viabilizam a atividade das capacidades
proacuteprias ao viver E eacute a atividade das capacidades atraveacutes dos oacutergatildeos que se confere unidade
entre corpo e alma nesse composto orgacircnico vivo Assim Aristoacuteteles responde sobre a
unidade entre alma e corpo enunciada na taacutebua de definiccedilotildees Natildeo por acaso como corolaacuterio
agraves noccedilotildees de alma como forma e atualidade Aristoacuteteles declara
οὐσία γὰρ ἡ κατὰ τὸν λόγον τοῦτο δὲ τὸ τί ἦν εἶναι τῷ τοιῳδὶ σώματι καθάπερ εἴ τι
τῶν ὀργάνων φυσικὸν ἦν σῶμα οἷον πέλεκυς ἦν μὲν γὰρ ἂν τὸ πελέκει εἶναι ἡ οὐσία
αὐτοῦ καὶ ἡ ψυχὴ τοῦτο χωρισθείσης δὲ ταύτης οὐκ ἂν ἔτι πέλεκυς ἦν ἀλλ ἢ ὁμ
ωνύμως νῦν δ ἔστι πέλεκυς οὐ γὰρ τοιούτου σώματος τὸ τί ἦν εἶναι καὶ ὁ λόγος ἡ
ψυχή ἀλλὰ φυσικοῦ τοιουδί ἔχοντος ἀρχὴν κινήσεως καὶ στάσεως ἐν ἑαυτῷ
Pois ela eacute a substacircncia segundo a determinaccedilatildeo ou seja o que era para ser de um
corpo de tal tipo Se um instrumento fosse um corpo natural ndash por exemplo o
machado ndash a sua substacircncia seria a que eacute ser para o machado e isto seria a sua alma
Separado disso ele natildeo seria mais um machado exceto por homoniacutemia Mas na
verdade eacute um machado pois a alma natildeo eacute a determinaccedilatildeo e o que eacute o que eacute para um
corpo desse tipo mas sim um corpo natural tal que tenha em si mesmo um princiacutepio
28
de movimento e repouso DA II 1 412b10-17 (Trad Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo
proacutepria)
Como jaacute explicitado no enunciado de alma enquanto substacircncia como forma em
412a20 a alma eacute este princiacutepio determinante do ser do composto Ou seja o princiacutepio
organizador das suas disposiccedilotildees e propriedades que determinaratildeo o ser proacuteprio de um corpo
natural capaz de viver A identificaccedilatildeo entre alma e forma se desdobraraacute na identificaccedilatildeo de
alma e o que era para ser31
(tograve tiacute ecircn eicircnai)
Dado que a alma eacute forma e atualidade do corpo Aristoacuteteles estabelece que ela eacute seu
princiacutepio de determinaccedilatildeo das propriedades relevantes que daratildeo o caraacuteter essencial do ser
vivente E eacute evidente como o texto nos mostra e Hamilyn32
sustenta que a determinaccedilatildeo da
essecircncia se daacute segundo sua funccedilatildeo (eacutergon) O ser do machado eacute cortar na medida em que a
funccedilatildeo proacutepria do machado eacute cortar assim como a do olho eacute ver O ser do ser vivente eacute viver
31 A locuccedilatildeo eacute razatildeo de grande controveacutersia na tradiccedilatildeo de comentaacuterios ao texto aristoteacutelico Natildeo entrarei nos
pormenores da discussatildeo mas tomarei a traduccedilatildeo o que era para ser em sua literalidade assim como Angioni
tendo em vista o contexto no qual se pretende compreender seu emprego ldquoTrata-se de uma substantivaccedilatildeo com
o artigo neutro (lsquotorsquo) da pergunta lsquoo que afinal era o ser para tal coisarsquo (lsquoti en to einai toutoirsquo lsquotiacute ecircn tograve eicircnai
toutoirsquo) ndash Aristoacuteteles frequentemente substantiva segmentos de sentenccedilas e expressotildees que em si mesmas
constituem perguntas gramaticalmente completas isso ocorre na designaccedilatildeo das categorias (ldquoo qualrdquo ldquotograve poicirconrdquo
etc) na designaccedilatildeo de algumas das quatro causas (lsquoo que moveu primeirorsquo lsquoo em vista de quersquo) e em outras
expressotildees lsquo(lsquoo por quecircrsquo lsquotograve diagrave tiacutersquo ou lsquotograve dioacutetirsquo) O infinitivo lsquoserrsquo eacute o mesmo que consta na expressatildeo lsquoser +
dativorsquo e que designa a essecircncia da coisa isto eacute o conjunto de propriedades e caracteriacutesticas que deveriam ser
enumeradas no enunciado que define o que a coisa eacute Trata-se do mesmo infinitivo que comparece em 1041a32
1041b28 e 1042b27 (e natildeo se trata do infinitivo que poderia eventualmente ser entendido como existencial tal
como em 1041a15) O imperfeito ldquoerardquo por sua vez consiste num resquiacutecio de um uso dialeacutetico pelo qual o
interlocutor remetia a alguma definiccedilatildeo anteriormente dada destinada a funcionar como paracircmetro para a
discussatildeo ulterior (para referecircncias quanto ao uso desse imperfeito ver nossa dissertaccedilatildeo de mestrado p 89
nota 208) A pergunta original seria lsquoo quecirc era o ser para tal coisarsquo mas isso quer apenas dizer lsquoo quecirc fora
estabelecido (anteriormente na presente discussatildeo) como ser para tal coisarsquo Com o haacutebito a expressatildeo teria
perdido o significado interrogativo que originalmente possuiacutea e teria se tornado um jargatildeo para designar a
essecircncia Em vista disso lsquoto ti en einairsquo poderia ser traduzido ou parafraseado como lsquoaquilo que fora
estabelecido como caracteriacutesticas essenciais de tal coisarsquo A lsquoanterioridade causal da formarsquo muita vez alegada
como chave para a compreensatildeo do jargatildeo eacute compatiacutevel com o significado da expressatildeo mas natildeo explica a
origem do imperfeitordquo (Angioni 2005 102) 32 ldquoAristotlersquos selection of a tool an axe to provide an analogy with the ensouled body reveals how close to the
surface in this discussion is the notion of function The substance or essence of an axe is its function without
which it would not be an axe Like the Greeks in general Aristotle had no difficulty in thinking of a natural body
as having a function too (cf Nicomachean Ethics 1097b22ff) this is part of his general teleology But as he
goes on to point out there are differences also between an axe and a natural body which spoil the analogy This
is the force of the words lsquoBut as it is an axersquo ndash the essence of a axe is not its soul since it does not have one not
being a living thingrdquo ldquoA seleccedilatildeo do Aristoacuteteles de um instrumento um machado prova um analogia com os
coporpos animados revela como o que estaacute em voga eacute a discussatildeo eacute a noccedilatildeo de funccedilatildeo A substacircncia ou
essecircncia de um machado eacute sua funccedilatildeo sem a qual ele natildeo seria um machado Assim como os Gregos
Aristoacuteteles natildeo teve dificuldades em pensar o corpo natural como tambeacutem dotado de funccedilatildeo (cf Eacutetica a
Nicocircmaco 1097b22ss) isto eacute parte da sua teleologia Mas como ele segue pontuando haacute diferenccedilas igualmente
entre um machado e um corpo natural que prejudicam a analogia Eacute o que sugerem as palavras Mas eacute como um
machadorsquo - a essecircncia do machado natildeo eacute sua alma jaacute que ele natildeo tem uma natildeo eacute um ser viventerdquo (HAMLYN
1993 85) (Trad proacutepria)
29
e isto eacute garantido pela alma A locuccedilatildeo o que era para ser como indica Gomes dos Reis33
pode ser compreendida como uma continuidade da forma do ser vivente perante o devir que
lhe eacute proacuteprio ao longo da sua vida
Com isso Aristoacuteteles traccedila suas noccedilotildees preliminares da alma em DA II 1 Haacute ao final
do capiacutetulo algo digno de nota Aristoacuteteles se refere a tudo isto como um rascunho e esboccedilo
de definiccedilatildeo34
Poderiacuteamos entender que estas proposiccedilotildees satildeo insuficientes para o projeto
psicoloacutegico aristoteacutelico E satildeo mesmo em certa medida Pois em relaccedilatildeo agrave taacutebua de
definiccedilatildeo Aristoacuteteles soacute respondeu as noccedilotildees relativas agrave substacircncia atualidade e unidade da
alma Apesar disso como argumentarei na sessatildeo seguinte todo o arcabouccedilo conceitual e
argumentativo aqui esboccedilado sustentaraacute a noccedilatildeo de alma como princiacutepio das capacidades que
denotam vida Aleacutem do mais se lembrarmos que nas primeiras linhas do capiacutetulo Aristoacuteteles
se comprometia tatildeo somente em buscar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) para a
alma eacute inegaacutevel que ele foi bem sucedido Se ao fim de DA I ele tem claro que a alma eacute
princiacutepio imoacutevel de movimento e una em DA II 1 satildeo apresentados os argumentos positivos
para estas duas teses A alma eacute de estatuto formal portanto imoacutevel e princiacutepio organizador
das propriedades do ser Enquanto forma eacute atualidade e assim o princiacutepio de atividade das
capacidades proacuteprias ao ser Enquanto substacircncia eacute o que era para ser do ser vivente e entatildeo
o princiacutepio determinante do que este ser vivente eacute E esta determinaccedilatildeo seraacute dada pela funccedilatildeo
proacutepria das suas capacidades que soacute seratildeo plenificadas com as atividades no oacutergatildeo
correspondente Este enunciado e o que se desdobra dele eacute um rascunho e esboccedilo de definiccedilatildeo
pois natildeo nos explica satisfatoriamente por que a alma eacute princiacutepio das formas especiacuteficas de
vida Aristoacuteteles reconhece isso e segundo um paracircmetro geomeacutetrico de definiccedilatildeo mudaraacute o
curso da investigaccedilatildeo sobre a alma
33 ldquoA expressatildeo to ti ecircn einai pode ser a generalizaccedilatildeo de uma construccedilatildeo com ocorrecircncias nos tratados por
exemplo to [pelekei] einai o ser [para o machado] o ser [para a carne] que seraacute traduzida por sua vez como a
locuccedilatildeo ldquoo que eacute ser para o machadordquo e assim por diante Como reconstruiacute-la eacute um assunto polecircmico Haacute um
verbo no imperfeito (a expressatildeo literalmente diz algo como o lsquoo que era a serrsquo) que poderia ser interpretado
como uma ecircnfase na continuidade da forma a despeito do devirrdquo 2012 208 34τύπῳ μὲν οὖν ταύτῃ διωρίσθω καὶ ὑπογεγράφθω περὶ ψυχῆς ldquoE isto basta como um esquema do esboccedilo de
definiccedilatildeo de almardquo DA II 1 413a10-11 (Trad Gomes dos Reis)
30
22 A DEFINICcedilAtildeO PELAS CAPACIDADES
DA II 2 se inicia com um impasse a noccedilatildeo geral oferece o gecircnero de ser da alma mas
natildeo a enuncia como causa de vida nos seres viventes Diante disso Aristoacuteteles faz uma
revisatildeo metodoloacutegica na investigaccedilatildeo de alma tomando como paradigma o exemplo de
definiccedilatildeo pela causa de um objeto geomeacutetrico
Ἐπεὶ δ ἐκ τῶν ἀσαφῶν μὲν φανερωτέρων δὲ γίνεται τὸ σαφὲς καὶ κατὰ τὸν λόγον
γνωριμώτερον πειρατέον πάλιν οὕτω γ ἐπελθεῖν περὶ αὐτῆς οὐ γὰρ μόνον τὸ ὅτι δεῖ
τὸν ὁριστικὸν λόγον δηλοῦν ὥσπερ οἱ πλεῖστοι τῶν ὅρων λέγουσιν ἀλλὰ καὶ τὴν
αἰτίαν ἐνυπάρχειν καὶ ἐμφαίνεσθαι νῦν δ ὥσπερ συμπεράσμαθ οἱ λόγοι τῶν ὅρων
εἰσίν οἷον τί ἐστιν ὁ τετραγωνισμός τὸ ἴσον ἑτερομήκει ὀρθογώνιον εἶναι
ἰσόπλευρον ὁ δὲ τοιοῦτος ὅρος λόγος τοῦ συμπεράσματος ὁ δὲ λέγων ὅτι ἐστὶν ὁ
τετραγωνισμὸς μέσης εὕρεσις τοῦ πράγματος λέγει τὸ αἴτιον
E jaacute que a partir de coisas natildeo claras embora mais manifestas advecircm clareza e maior
inteligibilidade segundo o enunciado deve-se tentar desta maneira novamente
discorrer sobre a alma pois natildeo somente eacute preciso que o enunciado definidor
esclareccedila os fatos ndash como o faz a maioria das definiccedilotildees ndash mas ainda conter e
expressar a causa Os enunciados das definiccedilotildees na verdade satildeo como conclusotildees O
que eacute por exemplo a quadratura Eacute fazer equivaler um retacircngulo equilaacutetero a um
retacircngulo qualquer Mas tal definiccedilatildeo eacute o enunciado da conclusatildeo e o que diz por sua
vez que a quadratura eacute a descoberta de uma meacutedia proporcional enuncia a causa DA
II 2 413a11-20 (Trad Gomes dos Reis)
Novamente Aristoacuteteles nos relembra a ideia de que as apreensotildees sensiacuteveis satildeo mais
manifestas (phaneroteacuteron) que as apreensotildees inteligiacuteveis As inteligiacuteveis satildeo mais claras
(sophoacutes) pois satildeo formas apreendidas com a razatildeo e menos suscetiacuteveis ao engano Ao
contraacuterio das apreensotildees sensiacuteveis que satildeo mais manifestas Muito embora os pressupostos
que permitiram deduzir o estatuto ontoloacutegico da alma no capiacutetulo anterior sejam mais claros
eles enunciam o vivente como um ser animado enquanto um fato mas natildeo enunciam a alma
como causa do viver Portanto DA II 2 se dedicaraacute a investigar a alma como causa de vida
nos seres viventes a partir do que eacute mais manifesto ao que eacute mais claro
Aristoacuteteles se utiliza de um teorema para explicar que o termo meacutedio de um silogismo
apresenta a causa de um fato Num silogismo dado uma premissa maior que enuncie o fato e
tem como outro fato a conclusatildeo a premissa menor enuncia a causa pois eacute onde se encontra o
porquecirc da conclusatildeo Responder que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois ldquoTodo homem eacute mortalrdquo natildeo
enuncia a causa da mortalidade de Soacutecrates soacute o mero fato de coincidentemente ldquoSoacutecratesrdquo e
ldquoTodo homemrdquo serem mortais Poreacutem se respondemos que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois
ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo e ldquoTodo homem eacute mortalrdquo entatildeo foi enunciado a causa da mortalidade
de Soacutecrates Em sua estrutura claacutessica a premissa maior ldquoTodo homem eacute mortalrdquo a premissa
menor ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo a conclusatildeo ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo
31
Fica a questatildeo de como este novo criteacuterio se aplica agrave definiccedilatildeo E sobre a alma o
corpo e a vida
λέγομεν οὖν ἀρχὴν λαβόντες τῆς σκέψεως διωρίσθαι τὸ ἔμψυχον τοῦ ἀψύχου τῷ
ζῆν πλεοναχῶς δὲ τοῦ ζῆν λεγομένου κἂν ἕν τι τούτων ἐνυπάρχῃ μόνον ζῆν αὐτό
φαμεν οἷον νοῦς αἴσθησις κίνησις καὶ στάσις ἡ κατὰ τόπον ἔτι κίνησις ἡ κατὰ
τροφὴν καὶ φθίσις τε καὶ αὔξησις
Retomando o princiacutepio da investigaccedilatildeo digamos entatildeo que o animado se distingue do
inanimado pelo viver E de muitos modos se diz o viver pois dizemos que algo vive
se nele subsiste pelo menos um destes ndash intelecto percepccedilatildeo sensiacutevel movimento
local e repouso e ainda o movimento segundo a nutriccedilatildeo o decaimento e o
crescimento DA II 2 413a20-24 (Trad Gomes dos Reis)
Aristoacuteteles enuncia uma premissa maior e outra menor
[premissa maior] Todo ser dotado de alma vive
[premissa menor] Viver eacute ser dotado de intelecto percepccedilatildeo nutriccedilatildeo movimento
local e repouso decaimento e crescimento
Eacute proacuteprio agrave alma atribuir vida Viver eacute ser dotado de uma das capacidades
mencionadas Assim todo corpo natural que apresente uma dessas capacidades vive35
Portanto as plantas vivem pois se nutrem crescem e decaem por si proacuteprias
διὸ καὶ τὰ φυόμενα πάντα δοκεῖ ζῆν φαίνεται γὰρ ἐν αὑτοῖς ἔχοντα δύναμιν καὶ
ἀρχὴν τοιαύτην δι ἧς αὔξησίν τε καὶ φθίσιν λαμβάνουσι κατὰ τοὺς ἐναντίους τόπους
οὐ γὰρ ἄνω μὲν αὔξεται κάτω δ οὔ ἀλλ ὁμοίως ἐπ ἄμφω καὶ πάντῃ ὅσα ἀεὶ
τρέφεταί τε καὶ ζῇ διὰ τέλους ἕως ἂν δύνηται λαμβάνειν τροφήν
Por isso parece inclusive que todas as plantas vivem pois eacute manifesto que tecircm em si
mesmas uma potecircncia e um princiacutepio deste tipo por meio do qual ganham
crescimento e decaimento segundo direccedilotildees contraacuterias pois natildeo crescem apenas para
cima e natildeo para baixo mas similarmetne em ambas e em todas as direccedilotildees e assim eacute
para as que se nutrem constantemente e vivem ateacute o fim enquanto puderem obter
alimento DA II 2 413a25-31 (Trad Gomes dos Reis)
Assim como os animais vivem jaacute que satildeo dotados de nutriccedilatildeo e percepccedilatildeo
τὸ μὲν οὖν ζῆν διὰ τὴν ἀρχὴν ταύτην ὑπάρχει τοῖς ζῶσι τὸ δὲ ζῷον διὰ τὴν αἴσθησιν
πρώτως καὶ γὰρ τὰ μὴ κινούμενα μηδ ἀλλάττοντα τόπον ἔχοντα δ αἴσθησιν ζῷα
λέγομεν καὶ οὐ ζῆν μόνον
O viver subsiste nos seres vivos por conta deste princiacutepio e o animal constitui-se
primordialmente pela percepccedilatildeo sensiacutevel Pois dizemos que satildeo animais ndash e natildeo
apenas que vivem ndash tambeacutem os que natildeo se movem nem mudam de lugar mas
possuem percepccedilatildeo DA II 2 413b1-4 (Trad Gomes dos Reis)
Com isso temos a conclusatildeo do silogismo psicoloacutegico aristoteacutelico
[conclusatildeo a] Plantas e animais satildeo animados
E desta uma outra
35 Como jaacute antecipara em DA II 1 412a11-16 citado na paacutegina 16
32
[conclusatildeo b] Plantas e animais satildeo vivos
Portanto assim como todo retacircngulo teraacute quadratura por causa da sua proporccedilatildeo com
um retacircngulo quadrilaacutetero todo corpo seraacute um ser vivente por ser dotado de alma Entretanto
uma ldquoquestatildeo de aluno bobordquo seria perguntar para Aristoacuteteles de onde vecircm essas duas
premissas Ao conectar alma e vida sem explicar esta uacuteltima poderia levar a investigaccedilatildeo
aristoteacutelica agrave obscuridade precisamente onde se deveria ter mais clareza Entatildeo para que
Aristoacuteteles garanta a alma como causa da vida mortal ele endossaria os pressupostos dos seus
predecessores e portanto distinguiria o animado do inanimado pelo movimento e pela
percepccedilatildeo36
Polansky apesar disso natildeo esclarece afinal quais os argumentos que sustentam
a associaccedilatildeo entre alma e vida Se limitando apenas agraves implicaccedilotildees argumentativas desse
pressuposto
Contudo se assumirmos que Aristoacuteteles endossa a tese de seus predecessores segundo
a qual o animado se distingue do inanimado pelo movimento e percepccedilatildeo37
e que a nutriccedilatildeo eacute
a capacidade mais baacutesica entre os seres animados38
e por fim que a nutriccedilatildeo e a percepccedilatildeo
satildeo uma forma de movimento39
somos levados a crer que o argumento consiste em
[P1] viver eacute ao menos nutriccedilatildeo crescimento e decaimento
[P2] nutriccedilatildeo crescimento e decaimento satildeo um tipo de movimento (do tipo por si)
[P3] tudo o que se move por si eacute animado
[P4] a alma eacute um princiacutepio imoacutevel de movimento
[C1] logo tudo o que vive eacute animado
36 Cf Nota seguinte 37 τὸ ἔμψυχον δὴ τοῦ ἀψύχου δυσὶ μάλιστα διαφέρειν δοκεῖ κινήσει τε καὶ τῷ αἰσθάνεσθαι παρειλήφαμεν δὲ
καὶ παρὰ τῶν προγενεστέρων σχεδὸν δύο ταῦτα περὶ ψυχῆς ldquoOra haacute a opiniatildeo de que o animado difere do
inanimado em dois aspectos o movimento e a percepccedilatildeo sensiacutevel E em relaccedilatildeo agrave alma satildeo mais ou menos
esses dois que recebemos de nossos predecessoresrdquo DA I 1 403b25-28 (Trad Gomes dos Reis) 38 ὥστε πρῶτον περὶ τροφῆς καὶ γεννήσεως λεκτέον ἡ γὰρ θρεπτικὴ ψυχὴ καὶ τοῖς ἄλλοις ὑπάρχει καὶ πρώτη
καὶ κοινοτάτη δύναμίς ἐστι ψυχῆς καθ ἣν ὑπάρχει τὸ ζῆν ἅπασιν ldquoPor conseguinte deve-se primeiro tratar do
alimento e da geraccedilatildeo pois a alma nutritiva subsiste tambeacutem com as outras sendo a primeira e a mais comum
potecircncia da alma segundo a qual subsiste em todos o viverrdquo DA II 4 415A22-25 (Trad Gomes dos Reis) 39 ἔστι δὲ καὶ ἀλλοίωσις καὶ αὔξησις κατὰ ψυχήν ἡ μὲν γὰρ αἴσθησις ἀλλοίωσίς τις εἶναι δοκεῖ αἰσθάνεται δ
οὐθὲν ὃ μὴ μετέχει ψυχῆς ὁμοίως δὲ καὶ περὶ αὐξήσεώς τε καὶ φθίσεως ἔχει οὐδὲν γὰρ φθίνει οὐδ αὔξεται
φυσικῶς μὴ τρεφόμενον τρέφεται δ οὐθὲν ὃ μὴ κοινωνεῖ ζωῆς ldquoMas inclusive a alteraccedilatildeo e o crecimento
existem segundo a alma pois haacute a opiniatildeo de que a percepccedilatildeo sensiacutevel eacute uma certa alteraccedilatildeo e aquele que natildeo
participa da alma nada percebe de maneira similar ocorre tambeacutem em relaccedilatildeo ao crescimento e decaimento pois
nem decai nem cresce naturalmente aquele que natildeo eacute nutrido e nada que natildeo compartilhe da vida se nutrerdquo DA
II 4 415b23-28 (Trad Gomes dos Reis)
E mais adiante enunciando a percepccedilatildeo Aristoacuteteles eacute categoacuterico ἡ δ αἴσθησις ἐν τῷ κινεῖσθαί τε καὶ πάσχειν
συμβαίνει καθάπερ εἴρηται δοκεῖ γὰρ ἀλλοίωσίς τις εἶναι ldquoA percepccedilatildeo sensiacutevel consiste em ser movido e ser
afetado como dissemos pois haacute a opiniatildeo de que ela eacute uma certa alteraccedilatildeordquo DA II 4 416b35-36 (Trad Gomes
dos Reis)
33
Note que [P1] e [P2] seriam premissas autoevidentes Em [P3] Aristoacuteteles partiria
dos mesmos pressupostos que as endoxai de seus predecessores enquanto [P4] resultaria da
anaacutelise criacutetica dessas endoxai ao longo de DA I 3-5 Aristoacuteteles natildeo nos elucida claramente de
onde ele tira as evidecircncias de [P1] e [P2] ou seja por que essas capacidades tais satildeo
movimentos por si e portanto denotam vida Quanto a [P3] Fiacutes VIII40
nos indica que esta eacute
uma tese que Aristoacuteteles abraccedila mas tambeacutem sem explicar suas razotildees O mais plausiacutevel
parece ser que este eacute um fenocircmeno autoevidente amplamente aceito que dispense justificaccedilatildeo
Diferentemente eacute o caso de [P4] cuja justificativa pode se sustentar na criacutetica aristoteacutelica agraves
noccedilotildees democritianas de que a alma eacute um princiacutepio de movimento que se move em DA I 3
corroborada pela noccedilatildeo de alma enunciada em DA II 1 segundo a qual a alma eacute forma logo
atualidade e portanto princiacutepio de determinaccedilatildeo das funccedilotildees proacuteprias ao ser vivente
Olhando por essas lacunas que o argumento aristoteacutelico conteacutem sua tentativa de
enunciar a alma como causa de vida parece fragilizada Entretanto fato eacute que a vida eacute
explicada pela alma no contexto do pensamento helecircnico Entatildeo conceder a Aristoacuteteles este
pressuposto parece um miacutenimo que o leitor contemporacircneo precise fazer Aleacutem disso vale
lembrar que em Met Z 17 Aristoacuteteles defende ser ldquonecessaacuterio que o dado e a existecircncia da
coisa sejam previamente conhecidosrdquo41
e que portanto o que se investiga eacute ldquopor que alguma
coisa pertence a outrardquo42
Deste modo cabem aqui questotildees como ldquopor que os corpos
vivemrdquo ou ainda ldquopor que se atribui vida a corpos dotados de capacidades taisrdquo E natildeo ldquopor
que o animado se diferencia do inanimado pelo viverrdquo como o formulado no iniacutecio desta
digressatildeo Talvez a fragilidade aparente se decirc pois aqui se toque as Colunas de Heacutercules da
psicologia aristoteacutelica
Retomando a braccedilada dos remos se a tese de que a vida se manifesta pela capacidade
de movimento eacute confirmada quando Aristoacuteteles enuncia uma nova noccedilatildeo de alma como
40 οὐδεμιᾶς γὰρ ἐν ἡμῖν ἐνούσης κινήσεως ἐνίοτε ἀλλ ἡσυχάζοντες ὅμως κινούμεθά ποτε καὶ ἐγγίγνεται ἐν ἡμῖν
ἐξ ἡμῶν αὐτῶν ἀρχὴ κινήσεως κἂν μηθὲν ἔξωθεν κινήσῃ τοῦτο γὰρ ἐπὶ τῶν ἀψύχων οὐχ ὁρῶμεν ὁμοίως ἀλλ
ἀεὶ κινεῖ τι αὐτὰ τῶν ἔξωθεν ἕτερον τὸ δὲ ζῷον αὐτό φαμεν ἑαυτὸ κινεῖν ldquoPor vezes acontece que natildeo haja
movimento em noacutes [entes animados] e que de nosso repouso noacutes sejamos postos em movimento e agraves vezes o
princiacutepio do movimento surge em noacutes e de noacutes sem que nada de outro nos mova de fora Natildeo vemos nada
parecido no caso dos seres inanimados pois eles sempre satildeo movidos por algo outro que reside fora deles Dos
animais noacutes dizemos que eles movem a si mesmosrdquo Fiacutes VIII 2 252b18-23 (Trad Daniel Nascimento)
ὁρῶμεν δὲ καὶ φανερῶς ὄντα τοιαῦτα ἃ κινεῖ αὐτὰ ἑαυτά οἷον τὸ τῶν ἐμψύχων καὶ τὸ τῶν ζῴων γένος ταῦτα δὲ
καὶ δόξαν παρεῖχε μή ποτε ἐνδέχεται κίνησιν ἐγγίγνεσθαι μὴ οὖσαν ὅλως διὰ τὸ ἐν τούτοις ὁρᾶν ἡμᾶς τοῦτο
συμβαῖνον (ἀκίνητα γάρ ποτε ὄντα κινεῖται πάλιν ὡς δοκεῖ) ldquoVemos claramente que existem coisas que se
movem a si mesmas como por exemplo os entes animados e o gecircnero dos animais e por causa disso pensamos
que pode ser possiacutevel que o movimento seja gerado sem que antes tenha existido de qualquer forma pois noacutes
vemos isso acontecer com eles (estarem imoacuteveis em determinado momento e moverem-se novamanete tal como
parece)rdquo Fis VIII 6 259b1-6 (Trad Daniel Nascimento) 41 δεῖ γὰρ τὸ ὅτι καὶ τὸ εἶναι ὑπάρχειν δῆλα ὄντα Met 17 1041a15 42ἄλλο γὰρ οὕτω κατ ἄλλου ἐστὶ τὸ ζητούμενον Met 17 1041a25-26
34
conclusatildeo do raciociacutenio iniciado em DA II 2 temos esta nova formulaccedilatildeo segundo as
capacidades que denotam o viver
νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον εἰρήσθω μόνον ὅτι ἐστὶν ἡ ψυχὴ τῶν εἰρημένων τούτων ἀρχὴ καὶ
τούτοις ὥρισται θρεπτικῷ αἰσθητικῷ διανοητικῷ κινήσει
Por ora eacute suficiente dizer apenas isto que a alma eacute princiacutepio das capacidades
mencionadas ndash nutritiva perceptiva raciocinativa e de movimento ndash e que por elas eacute
definida DA II 2 413b11-13 (Trad Gomes dos Reis)
Esta noccedilatildeo eclode como corolaacuterio da argumentaccedilatildeo anterior Com ela Aristoacuteteles
conquista um importante ponto do seu projeto psicoloacutegico a saber que a noccedilatildeo de alma
explique as distintas formas de vida atraveacutes das capacidades Isto levaraacute a uma gama de
comentadores contemporacircneos a valorizarem esta definiccedilatildeo em detrimento da definiccedilatildeo pela
substacircncia apresentada em DA II 1 Os que assim interpretam43
reduzem a definiccedilatildeo de alma
agrave noccedilatildeo de princiacutepio das funccedilotildees que denotam vida Esta interpretaccedilatildeo natildeo eacute totalmente
equivocada na medida em que textualmente Aristoacuteteles afirma isto Poreacutem ela eacute imprecisa
pois ignora o estatuto ontoloacutegico da alma Como vimos na seccedilatildeo anterior a alma eacute substacircncia
como forma (tegraves psycheacutes ousiacutean eicircnai hocircs eicircdos) do corpo e portanto seu princiacutepio
organizador que lhe confere o viver E enquanto forma do corpo a alma eacute sua atualidade
primeira (enteleacutekheia proteacute) Ou seja princiacutepio formal o qual o corpo se desenvolve em vista
do viver Pois a alma de um lado traz em si as disposiccedilotildees (heacutexeis) necessaacuterias agrave vida e
determina o que este corpo orgacircnico era para ser (tograve tiacute ecircn eicircnai) mediante suas funccedilotildees (eacuterga)
e atividades (eneacutergeiai) de viver Essas funccedilotildees satildeo as capacidades (dynaacutemeis) que
caracterizam os tipos de vida nos seres seu modo proacuteprio de viver Sendo assim a capacidade
nutritiva eacute proacutepria agrave vida vegetativa a perceptiva proacutepria agrave animal e a intelectiva agrave humana
Como se vecirc a definiccedilatildeo pelas capacidades tem sua origem e fundamento na definiccedilatildeo
pela forma Por outro lado esta soacute ganha capilaridade na definiccedilatildeo pela capacidade jaacute que sua
noccedilatildeo geral natildeo define a alma como causa de cada tipo de vida nem princiacutepio das
capacidades proacuteprias ao viver Deste modo uma interpretaccedilatildeo da noccedilatildeo aristoteacutelica de alma
que ignore como ambas noccedilotildees se sustentam mutuamente eacute parcial e suscetiacutevel de engendrar
mais problema que o proacuteprio texto jaacute apresenta
Com isso concluiacutemos De Anima II 2 compreendendo que a alma eacute causa de vida jaacute
que eacute princiacutepio das atividades proacuteprias ao viver Diante da noccedilatildeo geral e como ela se
particulariza nas distintas capacidades resta ainda observar um uacuteltimo ponto que Aristoacuteteles
43Putman (1975) Ackrill (1975-6) Bolton (1978) Nussbaum (1978) Everson (1995) CodeampMoravicsik
(1992) Para uma noccedilatildeo geral das diversas correntes de interpretaccedilatildeo da psicologia aristoteacutelica no seio das
discussotildees de filosofia da mente ver Diamond (2015) Caston (2006) e Irwin (1991)
35
trabalharaacute no capiacutetulo seguinte a saber a disposiccedilatildeo seriada hierarquicamente das diversas
formas de vida
23 A DEFINICcedilAtildeO SERIADA
A tese geral de que a alma eacute forma do corpo sofre uma nova reavaliaccedilatildeo em DA II 3
Como se veraacute adiante Aristoacuteteles surpreendentemente declara que toda busca por um
enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) de alma eacute ridiacuteculo (geloicircon) jaacute que esta noccedilatildeo natildeo
permite a compreensatildeo de que as diversas espeacutecies de vida (vegetativa animal e humana) satildeo
dispostas em uma seacuterie ordenada e hierarquizada de acordo com sua capacidade especiacutefica
Como a leitura das formas de vida dispostas em uma seacuterie ordenada eacute um problema que
precisa ser respondido por quem quer que se debruce sobre a noccedilatildeo aristoteacutelica de alma esta
seccedilatildeo argumentaraacute como a noccedilatildeo de almas seriadas natildeo invalida a noccedilatildeo formal de alma
enunciada em DA II 1
DA II 3 poderia ser tematicamente dividido em duas partes Numa primeira de
414ordf29-414b20 Aristoacuteteles dispotildee a hierarquia das capacidades que denotam vida Se em DA
II 2 ele enunciou as capacidades aqui se argumenta como uma estaacute em relaccedilatildeo de
anterioridade agrave outra e portanto disposta hierarquicamente de modo coextensivo agraves formas
de vida Assim se o movimento segundo nutriccedilatildeo crescimento e decaimento seraacute proacuteprio a
uma forma de vida a vegetativa a adiccedilatildeo da capacidade perceptiva seraacute proacutepria agrave vida
vegetativa e animal Agrave medida que se adicione outras capacidades como o intelecto abrange-
se a vida humana44
Esta hierarquizaccedilatildeo suplementar das capacidades a seu enunciado permite
que Aristoacuteteles encampe a tese de que os tipos de vida satildeo dispostos em seacuteries ordenadas
avanccedilando para a segunda parte do capiacutetulo
δῆλον οὖν ὅτι τὸν αὐτὸν τρόπον εἷς ἂν εἴη λόγος ψυχῆς τε καὶ σχήματος οὔτε γὰρ
ἐκεῖ σχῆμα παρὰ τὸ τρίγωνον ἔστι καὶ τὰ ἐφεξῆς οὔτ ἐνταῦθα ψυχὴ παρὰ τὰς
εἰρημένας γένοιτο δ ἂν καὶ ἐπὶ τῶν σχημάτων λόγος κοινός ὃς ἐφαρμόσει μὲν
πᾶσιν ἴδιος δ οὐδενὸς ἔσται σχήματος ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ ταῖς εἰρημέναις ψυχαῖς διὸ
γελοῖον ζητεῖν τὸν κοινὸν λόγον καὶ ἐπὶ τούτων καὶ ἐφ ἑτέρων ὃς οὐδενὸς ἔσται τῶν
ὄντων ἴδιος λόγος οὐδὲ κατὰ τὸ οἰκεῖον καὶ ἄτομον εἶδος ἀφέντας τὸν τοιοῦτον
(παραπλησίως δ ἔχει τῷ περὶ τῶν σχημάτων καὶ τὰ κατὰ ψυχήν ἀεὶ γὰρ ἐν τῷ ἐφεξῆς
44 Τῶν δὲ δυνάμεων τῆς ψυχῆς αἱ λεχθεῖσαι τοῖς μὲν ὑπάρχουσι πᾶσαι καθάπερ εἴπομεν τοῖς δὲ τινὲς αὐτῶν
ἐνίοις δὲ μία μόνη διασαφητέον δὲ περὶ αὐτῶν ὕστερον νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον () εἰρήσθω ὅτι τῶν ζώντων τοῖς
ἔχουσιν ἁφὴν καὶ ὄρεξις ὑπάρχει περὶ δὲ φαντασίας ἄδηλον ὕστερον δ ἐπισκεπτέον ἐνίοις δὲ πρὸς τούτοις
ὑπάρχει καὶ τὸ κατὰ τόπον κινητικόν ἑτέροις δὲ καὶ τὸ διανοητικόν τε καὶ νοῦς οἷον ἀνθρώποις καὶ εἴ τι
τοιοῦτον ἕτερον ἔστιν ἢ τιμιώτερον ldquoDentre as potecircncias da alma como dissemos todas as mencionadas
subsitem em alguns seres em outros soacute algumas delas e em alguns apenas uma E mencionamos como
potecircncias a nutritiva a perceptiva a desiderativa a locomotiva e a raciocinativa Ora nas plantas subsiste
somente a nutritiva mas em outros seres tanto esta como a perceptiva () Por ora eacute suficiente dizer isto que
entre os seres vivos que possuem tato tambeacutem subsiste desejo No que se refere agrave imaginaccedilatildeo natildeo estaacute claro e
devemos examinaacute-la posteriormente Em alguns seres vivos aleacutem disso subsiste tambeacutem a capacidade de se
locomover e em outros ainda a de raciocinar e o intelecto ndash por exemplo nos homens e em algum outro se
houver de tal qualidade ou mais valiosordquo DA II 3 414a29-414b20 (Trad Gomes dos Reis)
36
ὑπάρχει δυνάμει τὸ πρότερον ἐπί τε τῶν σχημάτων καὶ ἐπὶ τῶν ἐμψύχων οἷον ἐν
τετραγώνῳ μὲν τρίγωνον ἐν αἰσθητικῷ δὲ τὸ θρεπτικόν) ὥστε καθ ἕκαστον
ζητητέον τίς ἑκάστου ψυχή οἷον τίς φυτοῦ καὶ τίς ἀνθρώπου ἢ θηρίου διὰ τίνα δ
αἰτίαν τῷ ἐφεξῆς οὕτως ἔχουσι σκεπτέον ἄνευ μὲν γὰρ τοῦ θρεπτικοῦ τὸ αἰσθητικὸν
οὐκ ἔστιν τοῦ δ αἰσθητικοῦ χωρίζεται τὸ θρεπτικὸν ἐν τοῖς φυτοῖς
Eacute claro que poderia da mesma maneira haver entatildeo um enunciado uacutenico tanto de
figura como de alma Pois nem no primeiro caso existe figura aleacutem do triacircngulo e
daquelas que o sucedem nem neste caso existe alma aleacutem das mencionadas A
respeito das figuras tambeacutem eacute possiacutevel formular um enunciado comum que se aplique
a todas sem ser proacuteprio a nenhuma e o mesmo ocorre com as almas mencionadas Por
isso tanto neste como em outros casos eacute ridiacuteculo procurar um enunciado comum ndash
pois a nenhum dos seres seraacute um enunciado proacuteprio nem estaraacute de acordo com a
forma apropriada e indivisiacutevel ndash deixando-se de lado o enunciado deste tipo (E as
coisas concernentes agrave alma estatildeo em situaccedilatildeo parecida agravequela das figuras pois tanto
no caso das figuras como no caso dos seres animados o anterior sempre subsiste
naquilo que o sucede por exemplo o triacircngulo no quadrado o poder de nutrir-se no
de perceber) Assim deve ser investigado de acordo com cada caso o que eacute a alma
de cada um ndash por exemplo o que eacute a alma da planta do homem ou da besta E deve
ser examinado a causa de ser disposto assim em sucessatildeo Pois sem a nutritiva natildeo
existe a capacidade perceptiva embora nas plantas a nutritiva exista separada da
perceptiva DA II 3 414b20-415a6 (Trad Gomes dos Reis)
A analogia entre figura do triacircngulo e a alma vegetativa permite esclarecer qual a
relaccedilatildeo de sucessatildeo entre uma capacidade e outra O triacircngulo eacute a figura geomeacutetrica plana
mais baacutesica de todas A composiccedilatildeo de dois triacircngulos forma um quadrilaacutetero A composiccedilatildeo
de trecircs triacircngulos forma um pentaacutegono e assim sucessivamente Ou seja da mesma maneira
que o triacircngulo subsiste em potecircncia no quadrilaacutetero e este no pentaacutegono a nutriccedilatildeo subsiste
em potecircncia na percepccedilatildeo e esta no intelecto Portanto se a capacidade nutritiva eacute proacutepria agrave
vida vegetativa a perceptiva agrave animal e a intelectiva agrave humana entatildeo igualmente a vida
vegetativa subsiste na animal e a animal na humana Sendo assim da mesma maneira que se
faz necessaacuteria uma definiccedilatildeo proacutepria ao triacircngulo ao quadrilaacutetero e ao pentaacutegono deve-se
buscar um enunciado proacuteprio a cada uma dessas formas de vida para que se sustente como a
alma eacute princiacutepio de cada tipo de vida e natildeo somente da vida em geral Pois um enunciado que
decirc a noccedilatildeo da alma que cubra todas as formas de vida mas que natildeo toque particularmente em
uma natildeo cumpre seu fim argumentativo que eacute explicar a razatildeo da alma ser causa de vida no
ser vivente como se segue
ὅτι μὲν οὖν ὁ περὶ τούτων ἑκάστου λόγος οὗτος οἰκειότατος καὶ περὶ ψυχῆς δῆλον
Eacute claro entatildeo que o enunciado de cada uma destas capacidades eacute tambeacutem o mais
apropriado a respeito da alma DA II 3 415a13-14 (Trad Gomes dos Reis)
Levando-se em conta que Aristoacuteteles se dedicaraacute em todo o restante do De Anima
investigando cada uma das capacidades e seus desdobramentos para uma noccedilatildeo de alma
37
podemos ser levados a crer que Aristoacuteteles elege este como o melhor criteacuterio para uma
definiccedilatildeo de alma
Haacute portanto um grande problema a ser encarado aqui que consiste na resposta a uma
das questotildees elencadas em DA I 145
a saber se eacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma enquanto
tal ou uma para cada tipo de ser vivente Pelo caminho que segue a discussatildeo tende-se a uma
resposta de que seraacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma para cada forma de vida Entretanto
Aristoacuteteles jaacute problematizara se mesmo que haja uma noccedilatildeo uacutenica para catildees cavalos e
homens a de animal esta noccedilatildeo uacutenica eacute universal posterior anterior ou nada em relaccedilatildeo aos
itens
Seguindo o texto de DA II 3 a nutriccedilatildeo eacute a capacidade sobre a qual se erguem todas as
outras ateacute a capacidade de pensamento Dado que um corpo eacute dotado de nutriccedilatildeo e portanto
vivente por causa da alma e a seu turno dado que a alma eacute forma e atualidade primeira do
corpo e portanto princiacutepio organizador das capacidades que denotam o viver novamente a
definiccedilatildeo pela forma sustenta ontologicamente a definiccedilatildeo pelas capacidades e por
concomitacircncia a definiccedilatildeo seriada
Assim a criacutetica que Aristoacuteteles faz agrave noccedilatildeo mais geral de alma enunciada em DA II 1
natildeo eacute razatildeo suficiente para seu descarte no seu projeto psicoloacutegico Com efeito se a noccedilatildeo de
alma como forma eacute insuficiente para explicar por que a alma eacute princiacutepio de vida em cada tipo
de ser vivente como sustentado ao iniacutecio de DA II 2-3 ela eacute justamente a noccedilatildeo ontoloacutegica
para que responde pela sua atualidade e determinaccedilatildeo das propriedades relevantes do ser deste
corpo dotado de oacutergatildeos Assim se as noccedilotildees de alma como forma e princiacutepio das capacidades
satildeo intercambiantes como argumentei anteriormente e se a definiccedilatildeo estaacute diretamente
atrelada agrave hierarquia dessas capacidades entatildeo a proacutepria noccedilatildeo de alma seriada depende
logicamente da noccedilatildeo de alma como forma Sendo assim o enunciado geral eacute redimensionado
em DA II 3 pela disposiccedilatildeo seriada da alma a um princiacutepio loacutegico-ontoloacutegico mediante o qual
esta ciecircncia comum a muitas coisas pode se realizar
45 εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον
ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν
ἄλλο κατηγοροῖτο Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma uacutenica
definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a de cavalo catildeo homem
divindade sendo neste caso o animal considerado universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo
ocorrendo para qualquer outro atributo comum que for predicadordquo DA I 1 402b4-9 (Trad Gomes dos Reis)
38
3 CONCLUSAtildeO
Como se apresentou nesta monografia Aristoacuteteles enuncia sua noccedilatildeo de alma em
momentos distintos Um primeiro a partir da discussatildeo com as teses predecessoras Nela o
que se conquista eacute que a alma eacute imoacutevel e origem de movimento nos seres viventes Depois
atraveacutes de um enunciado geral para os diversos tipos de vida que a define como forma do
corpo Um terceiro que enuncia a alma como causa de vida e a define como princiacutepio das
capacidades que denotam o viver E por fim um quarto enunciado que a apresenta como
disposta em seacuterie ordenada segundo suas capacidades Na medida que o enunciado geral se
mostra insuficiente para o projeto psicoloacutegico traccedilado e as outras definiccedilotildees parecem melhor
corresponder a este objetivo a unidade enunciativa entre as diversas definiccedilotildees aparenta ser
vulneraacutevel Natildeo por menos como foi abordado ao longo deste texto tende-se a salientar uma
das definiccedilotildees e desconsiderar a outra Esta natildeo parece ser a interpretaccedilatildeo que melhor
compreenda a psicologia aristoteacutelica Como argumentado observar a definiccedilatildeo pelas
capacidades sem a definiccedilatildeo pela forma esvazia ontologicamente a noccedilatildeo de que a alma eacute
princiacutepio de vida A alma como forma do corpo eacute o enunciado mediante o qual a garante
como atualidade primeira e portanto princiacutepio das caracteriacutesticas e funccedilotildees proacuteprias ao ser
vivente Por outro lado como o proacuteprio Aristoacuteteles enuncia a definiccedilatildeo pela forma daacute uma
noccedilatildeo que abarca todas as formas de vida mas natildeo enuncia a alma como causa do viver nem
que as diversas almas satildeo dispostas em seacuterie ordenada Satildeo nestes dois pontos que a definiccedilatildeo
pela capacidade se torna igualmente relevante para o projeto psicoloacutegico aristoteacutelico Sem ela
seriam inviaacuteveis todos os outros capiacutetulos nos quais Aristoacuteteles enuncia discorre e formula a
atividade das capacidades proacuteprias ao ser vivo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo imaginaccedilatildeo intelecto e
movimento segundo deslocamento Por estas razotildees uma interpretaccedilatildeo que conjugue as duas
definiccedilotildees no interior do projeto psicoloacutegico aristoteacutelico parece ser a que contemple melhor o
horizonte teoacuterico que a investigaccedilatildeo erige
Haacute um alguns aspectos que esta monografia deixa pelo caminho Na seccedilatildeo 1 Taacutebua de
Definiccedilatildeo foram elencados os diversos elementos de definiccedilatildeo da alma e como se faria a
inquiriccedilatildeo O primeiro grupo foi respondido ao longo da seccedilatildeo 2 A Noccedilatildeo de Alma mas o
segundo natildeo O segundo grupo de elementos da taacutebua seraacute dissertado por Aristoacuteteles nos
capiacutetulos posteriores ao DA II 3 quando ele se debruccedila sobre cada uma das capacidades
Como esta monografia pretende abordar apenas as definiccedilotildees sem dar interpretaccedilatildeo total do
tratado entatildeo soacute pode responder parte da taacutebua das definiccedilotildees Aleacutem disso a interpretaccedilatildeo das
definiccedilotildees de um modo consistente precisaria ser verificada na sua aplicaccedilatildeo sobre o restante
39
do tratado Em outras palavras eacute preciso verificar se esta interpretaccedilatildeo dificulta ou facilita a
interpretaccedilatildeo das outras teses da psicologia aristoteacutelica por exemplo a tese da percepccedilatildeo que eacute
definida como a recepccedilatildeo das formas sem mateacuteria Nas interpretaccedilotildees de Polanski e Diamond
comentadores paradigmaacuteticos para a abordagem adotada a coordenaccedilatildeo dos enunciados
definitoacuterios daacute conta das diversas formulaccedilotildees de capacidades e suas funcionalidades ao longo
do tratado Fico devendo portanto explicitar como a posiccedilatildeo que assumo se aplica nas
diversas capacidades enunciadas pelo Aristoacuteteles
Com isso conclui-se este trabalho com a compreensatildeo que ele eacute limitado Haacute nele
problemas proacuteprios agrave interpretaccedilatildeo de um texto conciso e arrojado como eacute o De Anima
Ainda assim espera-se que os erros ou imprecisotildees eventuais natildeo comprometam seu escopo
exegeacutetico Espera-se tambeacutem que esta monografia possa se converter em trabalhos futuros que
fomente a discussatildeo relativa ao De Anima no contexto filosoacutefico brasileiro Da mesma forma
que ela foi provocada pela traduccedilatildeo e comentaacuterios da Professora Doutora Maria Ceciacutelia
Gomes dos Reis Se este trabalho for bem sucedido nessas pretensotildees jaacute teraacute cumprido sua
funccedilatildeo
40
4 BIBLIOGRAFIA
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AQUINO T Commentary on Aristotlersquos De Anima Trad Kenelm Foster e Sylvester
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ARISTOacuteTELES De Anima Introduccedilatildeo traduccedilatildeo e notas de Maria Ceciacutelia Gomes dos Reis
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16
Aristoacuteteles compreende a substacircncia primeira como entes particulares enquanto o gecircnero e
forma satildeo substacircncias segundas Sabe-se que Aristoacuteteles inverte esta noccedilatildeo de substacircncia em
Metafiacutesica Z onde substacircncia primeira eacute identificada com a forma11
que eacute priorizada em
relaccedilatildeo ao composto e agrave mateacuteria Portanto as noccedilotildees de substacircncia quantidade e qualidade
que Aristoacuteteles trabalha na definiccedilatildeo de alma no DA I 1 estariam mais proacuteximas das Cat que
da Met Z Eacute o que somos levados a acreditar se considerarmos que esta mesma formulaccedilatildeo
ocorre mais adiante em DA I 5 410a16-2112
Nesta e naquela passagem Aristoacuteteles quer saber
se a alma eacute uma substacircncia particular e determinada ou seja um objeto de predicaccedilatildeo que natildeo
se predica de outrem
Passemos para o segundo elemento que deve estar presente numa definiccedilatildeo de alma
ἔτι δὲ πότερον τῶν ἐν δυνάμει ὄντων ἢ μᾶλλον ἐντελέχειά τις
e ainda se estaacute entre os seres em potecircncia ou antes se eacute uma certa atualidade DA I
1 402a27 (Trad de Gomes dos Reis)
A diferenccedila que os conceitos de potecircncia (dyacutenamis) e atualidade (entelekheacuteia) fazem eacute
sobre o estatuto material ou formal da alma Pois se a alma for de natureza material entatildeo eacute
em potecircncia e sujeita ao movimento Entretanto se for de natureza formal seraacute uma certa
atualidade e princiacutepio de determinaccedilatildeo e atividade Gomes dos Reis13
observa que atualidade
eacute colocada em termos vagos (ldquouma certa atualidaderdquoenteleacutekheia tiacutes) o que indica que soacute faz
sentido falar em atualidade enquanto forma especiacutefica quando instanciada em uma mateacuteria de
um tipo uma alma x que se instancia em um corpo de um tipo x
Outro elemento de definiccedilatildeo da alma eacute sua unidade
σκεπτέον δὲ καὶ εἰ μεριστὴ ἢ ἀμερής καὶ πότερον ὁμοειδὴς ἅπασα ψυχὴ ἢ οὔ εἰ δὲ
μὴ ὁμοειδής πότερον εἴδει διαφέρουσα ἢ γένει
Eacute preciso examinar tambeacutem se ela eacute divisiacutevel em partes ou natildeo e se toda e qualquer
alma eacute de mesma forma e no caso de natildeo ser de mesma forma se a diferenccedila eacute de
espeacutecie ou de gecircnero DA I 1 402b1-3 (Trad de Gomes dos Reis)
11 ἕκαστόν τε γὰρ οὐκ ἄλλο δοκεῖ εἶναι τῆς ἑαυτοῦ οὐσίας καὶ τὸ τί ἦν εἶναι λέγεται εἶναι ἡ ἑκάστου
οὐσίαldquoCom efeito a coisa individual natildeo parece ser diferente da proacutepria substacircncia e dizemos que a essecircncia eacute
justamente a substacircncia da coisa individualrdquo Met Z 6 1031ordf17-18 (Trad Giovanni Reale)
εἶδος δὲ λέγω τὸ τί ἦν εἶναι ἑκάστου καὶ τὴν πρώτην οὐσίαν ldquoPor forma entendo a essecircncia de cada coisa e sua
substacircncia primeirardquo Met Z 7 1032b1-2 (Trad Giovanni Reale) 12 ἆρ οὖν ὅσα τῶν οὐσιῶν ἐκ τούτων μόνον πῶς οὖν γινώσκει καὶ τῶν ἄλλων ἕκαστον ἢ φήσουσιν ἑκάστου
γένους εἶναι στοιχεῖα καὶ ἀρχὰς ἰδίας ἐξ ὧν τὴν ψυχὴν συνεστάναι ἔσται ἄρα ποσὸν καὶ ποιὸν καὶ οὐσία ἀλλ
ἀδύνατον ἐκ τῶν τοῦ ποσοῦ στοιχείων οὐσίαν εἶναι καὶ μὴ ποσόνldquoOra seraacute a alma composta somente daqueles
elementos que satildeo comuns agraves substacircncias Como entatildeo conhece ainda cada um dos outros Ou se diraacute que haacute
elementos e princiacutepios particulares a cada gecircnero e que a alma eacute constituiacuteda de todos eles A alma seria entatildeo
quantidade qualidade e substacircncia Mas eacute impossiacutevel que a substacircncia seja composta dos elementos da
quantidade e natildeo seja quantidade ela mesmardquo DA I 5 410a16-21 (Trad Gomes dos Reis) 13 2006 148-149
17
Aqui reside um dos problemas mais comprometedores sobre a investigaccedilatildeo
psicoloacutegica aristoteacutelica a) A alma eacute divisiacutevel ou indivisiacutevel b) cada parte da alma teria uma
forma proacutepria c) Caso seja divisiacutevel as almas se diferenciam em gecircnero ou espeacutecie
Segundo Polansky14
Aristoacuteteles resolve esta bateria de problemas supondo que um ser
vivente tem sua proacutepria alma cujas partes correspondam agraves funccedilotildees sendo estas partes
divisiacuteveis pelos tipos de vida (vegetativa animal humana) A divisibilidade das partes se daacute
de acordo com a capacidade aniacutemica que eacute viver segundo uma atividade e se distinguiria em
gecircnero (a vida perceptiva) ou espeacutecie (catildees cavalos e homem) Isto que garantiraacute a
indivisibilidade da alma ao longo dos tipos de vida segundo suas capacidades Assim
Aristoacuteteles consegue ter um enunciado formal que garanta a unidade geneacuterica fazendo dos
tipos de vida como espeacutecies de seres vivos e as capacidades suas diferenccedilas especiacuteficas
Definido isto deve-se inquirir sobre a amplitude da definiccedilatildeo
εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ
καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι
οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν ἄλλο κατηγοροῖτο
Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma
uacutenica definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a
de cavalo catildeo homem divindade sendo neste caso o animal considerado
universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo ocorrendo para qualquer outro
atributo comum que for predicado DA I 1 402b4-9 (Trad de Gomes dos Reis)
Ateacute aqui Aristoacuteteles se debruccedilava sobre os elementos que devem compor a definiccedilatildeo
de alma Daqui adiante a questatildeo passa a ser qual a abordagem de pesquisa para se formular
esta definiccedilatildeo E um primeiro ponto se refere agrave abrangecircncia da definiccedilatildeo Dado que a alma
pode ter partes sendo estas partes divisiacuteveis ou natildeo a definiccedilatildeo deve ser geral e abranger todo
gecircnero de alma ou deve haver uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie de alma Para Polansky15
a
existecircncia de gecircneros eacute questionaacutevel pois parecem ser universais Noacutes natildeo encontramos um
universal tal qual Soacutecrates e Caacutelias pois estes satildeo particulares Tambeacutem natildeo encontramos um
gecircnero de alma tal qual catildees e cavalos pois estes satildeo espeacutecies Deste modo uma definiccedilatildeo
geneacuterica ofereceria apenas uma noccedilatildeo comum segundo as espeacutecies de alma sem
necessariamente enunciar suas as espeacutecies Portanto esta questatildeo contrasta duas noccedilotildees de
definiccedilatildeo da alma a particular (kathrsquo hekaacutesten) e universal (tograve kathoacutelou) Esta tensatildeo
enunciada aqui persistiraacute nas questotildees posteriores ainda neste capiacutetulo mas se evidenciaraacute
mais fortemente nos enunciados de alma presentes em DA II 1-3 Em siacutentese o problema
consiste em saber se a definiccedilatildeo de alma deve ser pelo seu gecircnero ou sua espeacutecie
14 2007 34-35 15 2008 45
18
ἔτι δέ εἰ μὴ πολλαὶ ψυχαὶ ἀλλὰ μόρια πότερον δεῖ ζητεῖν πρότερον τὴν ὅλην ψυχὴν ἢ
τὰ μόρια χαλεπὸν δὲ καὶ τούτων διορίσαι ποῖα πέφυκεν ἕτερα ἀλλήλων καὶ πότερον
τὰ μόρια χρὴ ζητεῖν πρότερον ἢ τὰ ἔργα αὐτῶν
Aleacutem disso no caso de serem muitas as partes e natildeo as almas deve-se primeiro
investigar a alma como um todo ou suas partes Tambeacutem eacute difiacutecil definir quais dentre
estas satildeo por natureza distintas entre si e se eacute uacutetil investigar primeiro as partes ou
suas funccedilotildees DA I 1 402b9-12 (Trad de Gomes dos Reis)
Na medida em que a alma eacute composta de partes que correspondem agraves suas
capacidades se decide se a investigaccedilatildeo abordaraacute primeiramente suas partes ou a alma como
um todo aleacutem de como investigar a capacidade ou a funccedilatildeo caso as capacidades sejam
distintas Ou seja eacute preciso decidir se a investigaccedilatildeo se inicia pela percepccedilatildeo ou pelo animal
ἀπορίαν δ ἔχει καὶ τὰ πάθη τῆς ψυχῆς πότερόν ἐστι πάντα κοινὰ καὶ τοῦ ἔχοντος ἢ
ἔστι τι καὶ τῆς ψυχῆς ἴδιον αὐτῆς
Haacute ainda a dificuldade de saber se as afecccedilotildees da alma satildeo todas comuns agravequilo que
possui alma ou se haacute tambeacutem alguma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma tatildeo somente DA I 1
403a3-5 (Trad de Gomes dos Reis)
Apoacutes uma exaustiva exposiccedilatildeo do que deve compor a definiccedilatildeo de alma
Aristoacuteteles elenca o uacuteltimo requisito de sua investigaccedilatildeo o grau de separabilidade da alma ou
de alguma de suas partes As capacidades de movimento reproduccedilatildeo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo e
imaginaccedilatildeo parecem ter sua ocorrecircncia no composto de corpo e alma que eacute o ser vivente
Entretanto haacute na teoria aristoteacutelica do intelecto sua face passiva e ativa conforme formulou a
tradiccedilatildeo sendo a ativa de natureza separada e imortal16
Isto faria desta parte do intelecto uma
afecccedilatildeo proacutepria da alma sem ocorrecircncia conjunta com o corpo Filopono17
comenta que este eacute
um problema determinante para a composiccedilatildeo da definiccedilatildeo de alma Se a alma tem afecccedilotildees
proacuteprias e separadas do corpo a definiccedilatildeo dispensaraacute o corpo de seu enunciado Se pelo
contraacuterio as afecccedilotildees aniacutemicas tecircm ocorrecircncia corpoacuterea entatildeo a definiccedilatildeo de alma deve
conter o corpo em seu enunciado
O que se conquista enfim com esta taacutebua de definiccedilatildeo em De Anima I 1 Que
investigar a natureza da alma eacute responder a seu gecircnero de ser o que implica em saber se a
16χωρισθεὶς δ ἐστὶ μόνον τοῦθ ὅπερ ἐστί καὶ τοῦτο μόνον ἀθάνατον καὶ ἀΐδιον ldquoSomente isto [o intelecto]
quando separado eacute propriamente o que eacute e somente isto eacute imortal e eternordquo DA III 5 (Trad Gomes dos Reis) 17 εἰ μὲν οὖν ὡς ὀργάνῳ χρῆται τῷ σώματι ἰδίᾳ ἔχουσα τὰς ἐνεργείας οὐ δεῖ προσχρήσασθαι τῷ σώματι πρὸς
τὸν ὁρισμόν οὐ γὰρ συμπληροῖ τὴν οὐσίαν τοῦ τέκτονος τὸ σκέπαρνον εἰ δὲ ἐν τῷ σώματι ἔχει τὸ εἶναι ὡς
εἶναι τὰς ἐνεργείας τοῦ συναμφοτέρου ἀνάγκη προσχρήσασθαι ἐν τῷ ὁρισμῷ τῷ σώματι ὥσπερ ἐπὶ τοῦ θυμοῦ
ἐλέγομεν ἀναγκαία οὖν ἡ τούτων λῆψις οὐκ εὐχερὴς δέ ltπάθηgt δὲ κοινότερον τὰς ἐνεργείας τῆς ψυχῆς
ἐκάλεσε ldquoSe usa o corpo como instrumento e tem suas atividades peculiares a si mesmo natildeo haacute qualquer
necessidade de se remeter ao corpo na definiccedilatildeo ndash pois um machado natildeo completa a essecircncia de um carpinteiro ndash
mas se a alma tem seu ser no corpo e suas atividades pertencem ao composto eacute necessaacuterio tambeacutem se remeter
ao corpo na definiccedilatildeo tal qual como nos referimos em relaccedilatildeo ao iacutempeto Estabelecer essas coisas entatildeo eacute
necessaacuterio poreacutem natildeo eacute faacutecil Afecccedilatildeo eacute o termo mais geral que ele usa para as atividades da almardquo
PHILOPONUS Com DA 4429-35 (Trad da trad de P J Eijk)
19
alma eacute potencialmente ou em atualidade Isto posto se a alma eacute como uma substacircncia e
portanto una ou separaacutevel e caso seja em partes se satildeo divisiacuteveis ou natildeo Aleacutem disso se a
definiccedilatildeo deve abranger diversos tipos de alma ou se haacute uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie Por
fim se sua investigaccedilatildeo parte das partes ou do todo
20
2 A NOCcedilAtildeO DE ALMA EM ARISTOacuteTELES
A noccedilatildeo de alma em Aristoacuteteles obedece trecircs momentos de elaboraccedilatildeo Um primeiro
ao longo da discussatildeo das endoxai de seus predecessores em DA I 2-5 Em outro quando
argumenta por conceitos metafiacutesicos e formula a noccedilatildeo geral de alma em DA II 1 Aleacutem de
um uacuteltimo a partir de DA II 2 quando se formula uma outra noccedilatildeo de alma pelas
capacidades Esta trajetoacuteria visa (i) levantar as teses que foram elaboradas sobre o assunto
visando extrair certos princiacutepios verdadeiros Com estes princiacutepios (ii) se expotildee a noccedilatildeo
geral Mas esta noccedilatildeo que responde sobre o ser da alma natildeo indica os tipos especiacuteficos de
vida Portanto (iii) eacute preciso inquirir por outra abordagem e provar que a alma eacute princiacutepio das
capacidades que manifestam vida no ser pois atraveacutes dessas capacidades explicamos esses
distintos modos de viver Como se veraacute esta travessia responde agrave taacutebua de definiccedilatildeo de DA I
1 e Aristoacuteteles ara todo o terreno sobre o qual ele ergue sua psicologia
21 A DEFINICcedilAtildeO PELA FORMA
Aristoacuteteles conclui seu levantamento das endoxai em DA I 2-5 com duas noccedilotildees
relativas agrave alma que ela eacute una18
e imoacutevel19
Somente no iniacutecio do livro seguinte em DA II 1
ele apresenta sua noccedilatildeo onde o objetivo traccedilar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos)
que abarque as vaacuterias formas de vida
18 φαίνεται δὲ καὶ τὰ φυτὰ διαιρούμενα ζῆν καὶ τῶν ζῴων ἔνια τῶν ἐντόμων ὡς τὴν αὐτὴν ἔχοντα ψυχὴν τῷ
εἴδει εἰ καὶ μὴ ἀριθμῷ ἑκάτερον γὰρ τῶν μορίων αἴσθησιν ἔχει καὶ κινεῖται κατὰ τόπον ἐπί τινα χρόνον εἰ δὲ
μὴ διατελοῦσιν οὐθὲν ἄτοπον ὄργανα γὰρ οὐκ ἔχουσιν ὥστε σώζειν τὴν φύσιν ἀλλ οὐδὲν ἧττον ἐν ἑκατέρῳ
τῶν μορίων ἅπαντ ἐνυπάρχει τὰ μόρια τῆς ψυχῆς καὶ ὁμοειδῆ ἐστιν ἀλλήλοις καὶ τῇ ὅλῃ ἀλλήλοις μὲν ὡς οὐ
χωριστὰ ὄντα τῇ δ ὅλῃ ψυχῇ ὡς οὐ διαιρετῇ οὔσῃ ἔοικε δὲ καὶ ἡ ἐν τοῖς φυτοῖς ἀρχὴ ψυχή τις εἶναι μόνης γὰρ
ταύτης κοινωνεῖ καὶ ζῷα καὶ φυτά καὶ αὕτη μὲν χωρίζεται τῆς αἰσθητικῆς ἀρχῆς αἴσθησιν δ οὐθὲν ἄνευ ταύτης
ἔχει ldquoEacute manifesto ainda que as plantas ndash e dentre os animais alguns insetos ndash quando secionadas continuam a
viver como se tivessem a mesma alma especificamente ainda que natildeo numericamente pois cada uma das partes
tem sensaccedilatildeo e move-se localmente por algum tempo Se natildeo sobrevivem natildeo resulta em absurdo algum pois
natildeo mantecircm oacutergatildeos aponto de conservar a sua natureza Em cada uma das partes poreacutem estatildeo todas as partes da
alma e nenhuma a menos E elas satildeo da mesma espeacutecie entre si e em relaccedilatildeo agrave alma inteira ndash as diversas partes
satildeo inseparaacuteveis uma das outras embora a alma inteira seja divisiacutevel Parece que o princiacutepio encontrado nas
plantas eacute tambeacutem um certo tipo de alma pois eacute apenas compartilhada por animais e plantas e ela existe
separada do princiacutepio perceptivo embora sem ela nada possa ter percepccedilatildeordquo 411b19-411b30 19ὅτι μὲν οὖν οὔθ ἁρμονίαν οἷόν τ εἶναι τὴν ψυχὴν οὔτε κύκλῳ περιφέρεσθαι δῆλον ἐκ τῶν εἰρημένων ldquoQue a
alma natildeo pode ser harmonia nem locomover-se em ciacuterculo fica claro a partir do que foi ditordquo 408ordf29-30 (Trad
Gomes dos Reis)
ὅτι μὲν οὖν οὐχ οἷόν τε κινεῖσθαι τὴν ψυχήν φανερὸν ἐκ τούτων εἰ δ ὅλως μὴ κινεῖται δῆλον ὡς οὐδ ὑφ
ἑαυτῆς Eacute evidente a partir disso tudo que natildeo eacute possiacutevel que a alma se mova ldquoE se de todo modo natildeo se move eacute
claro tambeacutem que natildeo se move por si mesmardquo 408b30-31 (Trad Gomes dos Reis)
φανερὸν οὖν ἐκ τῶν εἰρημένων ὡς οὔτε τὸ γινώσκειν ὑπάρχει τῇ ψυχῇ διὰ τὸ ἐκ τῶν στοιχείων εἶναι οὔτε τὸ
κινεῖσθαι αὐτὴν καλῶς οὐδ ἀληθῶς λέγεται ldquoEacute manifesto entatildeo a partir do que foi dito que nem o conhecer
subsite na alma por ela ser composta dos elementos nem eacute uma maneira certa ou verdadeira dizer qua a alma eacute
movidardquo 411a24-26 (Trad Gomes dos Reis)
21
Τὰ μὲν δὴ ὑπὸ τῶν πρότερον παραδεδομένα περὶ ψυχῆς εἰρήσθω πάλιν δ ὥσπερ ἐξ
ὑπαρχῆς ἐπανίωμεν πειρώμενοι διορίσαι τί ἐστι ψυχὴ καὶ τίς ἂν εἴη κοινότατος λόγος
αὐτῆς
Tendo dito o suficiente sobre as opiniotildees a respeito da alma fornecida por nossos
predecessores retomemos como que do comeccedilo e tentemos definir o que eacute a alma e
qual seria seu enunciado mais geral 412a1-6 (Trad Gomes dos Reis)
A busca pelo enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) visa uma definiccedilatildeo de alma
comum agraves diversas formas de vida Em meio agrave pluralidade de modos de vida a alma eacute aquilo
a partir do qual essa pluralidade se unifica num gecircnero de ser ndash o dos seres viventes
(empsykhon) Aristoacuteteles compreende que uma noccedilatildeo puramente geneacuterica natildeo explica as
formas especiacuteficas do objeto de estudo Entretanto o enunciado geral responde agrave primeira
parte da taacutebua de definiccedilatildeo como notaremos no decorrer da definiccedilatildeo pela forma que seraacute
enunciada Com eles Aristoacuteteles alicerccedila conceitualmente as outras definiccedilotildees que seratildeo
formuladas nos outros capiacutetulos
Assim entatildeo Aristoacuteteles inicia seu argumento
λέγομεν δὴ γένος ἕν τι τῶν ὄντων τὴν οὐσίαν ταύτης δὲ τὸ μέν ὡς ὕλην ὃ καθ αὑτὸ
οὐκ ἔστι τόδε τι ἕτερον δὲ μορφὴν καὶ εἶδος καθ ἣν ἤδη λέγεται τόδε τι καὶ τρίτον
τὸ ἐκ τούτων ἔστι δ ἡ μὲν ὕλη δύναμις τὸ δ εἶδος ἐντελέχεια καὶ τοῦτο διχῶς τὸ
μὲν ὡς ἐπιστήμη τὸ δ ὡς τὸ θεωρεῖν
Dizemos que um dos gecircneros dos seres eacute a substacircncia E substacircncia primeiro no
sentido de mateacuteria ndash que por si mesmo natildeo eacute algo determinado ndash e ainda no sentido
de figura e forma ndash em virtude do que jaacute se diz que eacute algo determinado ndash e por fim
no sentido de composto de ambas A mateacuteria por sua vez eacute potecircncia ao passo que a
forma eacute atualidade e isto de dois modos seja como ciecircncia seja como inquirir DA II
1 412a6-11(Trad Gomes dos Reis)
Aristoacuteteles parte de teses presentes em seu tratado de filosofia primeira a Metafiacutesica
Laacute ele investiga o ser enquanto ser que tem muitos significados mas todos convergem para
um soacute20
O que responde a estes diversos significados do que eacute o ser ao ti estiacute eacute a
substacircncia21
(ousiacutea) Satildeo substacircncias a mateacuteria (hyacutele) a forma (morpheacute) e o composto de
ambas ( tograve ek touacutetoon) 22
Apesar da mateacuteria ser indeterminada23
permanece na mudanccedila e eacute
20 διὸ καὶ ἡμῖν τοῦ ὄντος ᾗ ὂν τὰς πρώτας αἰτίας ληπτέον Τὸ δὲ ὂν λέγεται μὲν πολλαχῶς ἀλλὰ πρὸς ἓν καὶ μίαν
τινὰ φύσιν Por isso tambeacutem noacutes devemos apreender as causas primeiras do ente enquanto ente ldquoEnterdquo se diz de
muitas maneiras mas em relaccedilatildeo a algo uacutenico e a uma natureza uacutenicardquo Met G 1-2 1003ordf31-32 (Trad Lucas
Angioni) 21τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν ldquoE
sendo o ente dito de muitos modos eacute evidente que o ente primeiro eacute o que eacute entre todos o que designa a
substacircnciardquo Met Z 2 1028b13-15 (Trad Lucas Angioni) 22 αὗται δ εἰσὶν αἱ αἰσθηταί αἱ δ αἰσθηταὶ οὐσίαι πᾶσαι ὕλην ἔχουσιν ἔστι δ οὐσία τὸ ὑποκείμενον ἄλλως μὲν
ἡ ὕλη (ὕλην δὲ λέγω ἣ μὴ τόδε τι οὖσα ἐνεργείᾳ δυνάμει ἐστὶ τόδε τι) ἄλλως δ ὁ λόγος καὶ ἡ μορφή ὃ τόδε τι
ὂν τῷ λόγῳ χωριστόν ἐστιν τρίτον δὲ τὸ ἐκ τούτων οὗ γένεσις μόνου καὶ φθορά ἐστι καὶ χωριστὸν ἁπλῶς τῶν
γὰρ κατὰ τὸν λόγον οὐσιῶν αἱ μὲν αἱ δ οὔ ldquoE agora devemos reexaminar as substacircncias que satildeo admitidas por
todos E essas satildeo as substacircncias sensiacuteveis Todas as substacircncias sensiacuteveis tecircm mateacuteria E substacircncia eacute o
substrato o qual em certo sentido significa a mateacuteria (chamo mateacuteria o que natildeo eacute algo determinado em ato mas
22
objeto de predicaccedilatildeo caracteriza-se como o substrato (hypokeiacutemenon) do composto Para ser
determinada a mateacuteria depende da forma que lhe confere ser (ti estiacute) Assim toda mateacuteria
determinada pela forma seraacute um composto Por isso Aristoacuteteles defende que uma boa
definiccedilatildeo das substacircncias compostas eacute a que enuncie a determinaccedilatildeo da forma na mateacuteria24
Em suma a substacircncia eacute o gecircnero primeiro de ser sendo esta tanto mateacuteria quanto forma
assim como o composto de ambas
A indeterminaccedilatildeo da mateacuteria e a determinaccedilatildeo da forma estatildeo intrinsecamente
relacionadas aos conceitos correlatos de potecircncia (dyacutenamis) e atualidade (enteleacutekheia) na
filosofia primeira de Aristoacuteteles A mateacuteria eacute indeterminada pois natildeo eacute algo em ato mas em
potecircncia na medida que eacute passiacutevel de determinaccedilatildeo pela forma Aristoacuteteles assinala que ser
em potecircncia significa ter o princiacutepio de movimento (kiacutenesis) ou de modicaccedilatildeo (metaboleacute) seja
por causa extriacutenseca ou intriacutenseca25
A mateacuteria portanto eacute potecircncia pois traz em si o princiacutepio
de ser movida ou modificada por si mesma ou por um outro isto Potecircncia tambeacutem estaacute
algo determinado soacute em potecircncia) num segundo sentido significa a essecircncia e a forma (a qual sendo algo
determinado pode ser separada pelo pensamento) e num terceiro sentido significa o composto de mateacuteria e de
forma (e soacute este estaacute submetido agrave geraccedilatildeo e agrave corrupccedilatildeo e eacute separado em sentido proacuteprio enquanto das
substacircncias entendidas segundo a forma algumas satildeo separadas outras natildeo satildeo)rdquo H 1042a24-31 (Trad Giovani
Reale) 23 λέγω δ ὕλην ἣ καθ αὑτὴν μήτε τὶ μήτε ποσὸν μήτε ἄλλο μηδὲν λέγεται οἷς ὥρισται τὸ ὄν ἔστι γάρ τι καθ οὗ
κατηγορεῖται τούτων ἕκαστον ᾧ τὸ εἶναι ἕτερον καὶ τῶν κατηγοριῶν ἑκάστῃ (τὰ μὲν γὰρ ἄλλα τῆς οὐσίας
κατηγορεῖται αὕτη δὲ τῆς ὕλης) ὥστε τὸ ἔσχατον καθ αὑτὸ οὔτε τὶ οὔτε ποσὸν οὔτε ἄλλο οὐδέν ἐστιν οὐδὲ δὴ
αἱ ἀποφάσεις καὶ γὰρ αὗται ὑπάρξουσι κατὰ συμβεβηκός ldquoChamo mateacuteria aquilo que por si natildeo eacute algo
determinado nem uma quantidade nem qualquer outra das determinaccedilotildees do ser Existe de fato alguma coisa da
qual cada uma dessas determinaccedilotildees eacute predicada alguma coisa cujo ser eacute diferente do ser de cada uma das
categorias Todas as outras categorias com efeito satildeo predicadas da substacircncia e esta por sua vez eacute predicada
da mateacuteria Assim este termo por si natildeo eacute nem algo determinado nem quantidade nem qualquer outra
categoria e natildeo eacute nem sequer as negaccedilotildees destas porque as negaccedilotildees soacute existem de modo acidentalrdquo Met Z 3
1029ordf20-26 (Trad Giovani Reale) 24 οἱ δὲ ἀγγεῖον σκεπαστικὸν χρημάτων καὶ σωμάτων ἤ τι ἄλλο τοιοῦτον προτιθέντες τὴν ἐνέργειαν λέγουσιν οἱ
δ ἄμφω ταῦτα συντιθέντες τὴν τρίτην καὶ τὴν ἐκ τούτων οὐσίαν (ἔοικε γὰρ ὁ μὲν διὰ τῶν διαφορῶν λόγος τοῦ
εἴδους καὶ τῆς ἐνεργείας εἶναι ὁ δ ἐκ τῶν ἐνυπαρχόντων τῆς ὕλης μᾶλλον) ὁμοίως δὲ καὶ οἵους Ἀρχύτας
ἀπεδέχετο ὅρους τοῦ συνάμφω γάρ εἰσιν ldquoAo contraacuterio os que a definem dizendo que eacute um refuacutegio para
proteger coisas e corpos ou alguma outra coisa desse tipo dizendo o que eacute a casa em ato enfim os que unem
ambas as definiccedilotildees experimenta substacircncia no terceiro significado como composto de mateacuteria e forma Eacute claro
que a definiccedilatildeo dada pelas diferenccedilas refere-se agrave forma e ao ato enquanto a definiccedilatildeo dada a partir dos
elementos refere-se prioritariamente agrave mateacuteria Semelhantes a estas eram as definiccedilotildees que Arquita aprovava
elas referiam-se ao conjunto de mateacuteria e formardquo H 2 1043ordf17-21 (Trad Giovani Reale)
φανερὸν δὴ ἐκ τῶν εἰρημένων τίς ἡ αἰσθητὴ οὐσία ἐστὶ καὶ πῶς ἡ μὲν γὰρ ὡς ὕλη ἡ δ ὡς μορφὴ καὶ ἐνέργεια
ἡ δὲ τρίτη ἡ ἐκ τούτων ldquoDo que foi dito fica claro o que eacute a substacircncia sensiacutevel e qual eacute seu modo de ser ela eacute
por um lado mateacuteria por outro forma e ato e num terceiro sentido o conjunto de mateacuteria e de formardquo Met H
2 1043a26-28 (Trad Giovani Reale) 25 ἡ μὲν οὖν ὅλως ἀρχὴ μεταβολῆς ἢ κινήσεως λέγεται δύναμις ἐν ἑτέρῳ ἢ ᾗ ἕτερον ἡ δ ὑφ ἑτέρου ἢ ᾗ ἕτερον
(καθ ἣν γὰρ τὸ πάσχον πάσχει τι ὁτὲ μὲν ἐὰν ὁτιοῦν δυνατὸν αὐτό φαμεν εἶναι παθεῖν ὁτὲ δ οὐ κατὰ πᾶν
πάθος ἀλλ ἂν ἐπὶτὸ βέλτιον) ldquoPotecircncia portanto significa em primeiro lugar esse princiacutepio de mudanccedila ou de
movimento que se encontra em outra coisa ou na propria coisa enquanto outra e em segundo lugar significa o
princiacutepio pelo qual uma coisa eacute mudada ou movida por outra ou por si mesma enquanto outrardquo Met Δ 12
1019ordf19-23 (Trad Giovani Reale)
23
relacionada ao princiacutepio de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo26
Na medida em que as coisas satildeo
constituiacutedas de um determinado modo elas trazem em potecircncia a manutenccedilatildeo de si diante da
accedilatildeo de outra coisa como a parede que natildeo quebra se batida com um copo de vidro ou trazem
em potecircncia a degeneraccedilatildeo tal qual um copo de vidro que quebra quando lanccedilado contra a
parede Jaacute a forma eacute atualidade (enteleacutekheia) tanto como ciecircncia quanto inquirir ou seja
enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) e atividade (energeia) Atualidade enquanto disposiccedilatildeo significa
a jaacute detenccedilatildeo de determinada capacidade mas sem sua atividade Ser apto a caminhar mas
estar sentado por exemplo Jaacute ato enquanto atividade significa o exerciacutecio dessa disposiccedilatildeo
Ser apto a caminhar e estar caminhando
οὐσίαι δὲ μάλιστ εἶναι δοκοῦσι τὰ σώματα καὶ τούτων τὰ φυσικά ταῦτα γὰρ τῶν
ἄλλων ἀρχαί τῶν δὲ φυσικῶν τὰ μὲν ἔχει ζωήν τὰ δ οὐκ ἔχει ζωὴν δὲ λέγομεν τὴν
δι αὑτοῦ τροφήν τε καὶ αὔξησιν καὶ φθίσιν ὥστε πᾶν σῶμα φυσικὸν μετέχον ζωῆς
οὐσία ἂν εἴη οὐσία δ οὕτως ὡς συνθέτη
E haacute a opiniatildeo de que sobretudo os corpos satildeo substacircncia entre os quais se encontram
os corpos naturais que satildeo princiacutepios dos demais Dos corpos naturais alguns tecircm
vida outros natildeo e dizemos que a vida eacute a nutriccedilatildeo por si mesmo o crescimento e o
decaimento Assim todo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido
de substacircncia composta DA II 1 412a11-16 (Trad Gomes dos Reis)
Aristoacuteteles retorna a uma tese geral amplamente adotada por ele segundo a qual dentre
as substacircncias as sensiacuteveis satildeo as mais aceitas27
por serem mais evidentes aos sentidos O que
26 ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ τοῦ πάσχειν ἔτι ὅσαι ἕξεις καθ ἃς ἀπαθῆ ὅλως ἢ ἀμετάβλητα ἢ μὴ ῥᾳδίως ἐπὶ τὸ χεῖρον
εὐμετακίνητα δυνάμεις λέγονται κλᾶται μὲν γὰρ καὶ συντρίβεται καὶ κάμπτεται καὶ ὅλως φθείρεται οὐ τῷ
δύνασθαι ἀλλὰ τῷ μὴ δύνασθαι καὶ ἐλλείπειν τινός ἀπαθῆ δὲ τῶν τοιούτων ἃ μόλις καὶ ἠρέμα πάσχει διὰ δύ
ναμιν καὶ τῷ δύνασθαι καὶ τῷ ἔχειν πώς ldquoO mesmo vale para a potecircncia passiva Aleacutem disso chamam-se
potecircncias todos os estados em virtude dos quais as coisas satildeo absolutamente impassiacuteveis ou imutaacuteveis ou natildeo
facilmente mutaacuteveis para pior De fato as coisas quebram-se degeneram-se dobram-se e em geral destroem-se
natildeo porque tecircm potecircncia mas porque natildeo tecircm potecircncia a e porque carecem de alguma coisa ao contraacuterio satildeo
impassiacuteveis relativamente a todo estes tipos de afecccedilotildees as coisas que dificilmente ou pouco satildeo afetadas por elas
por causa de sua potecircncia e de seu poder e por determinadas condiccedilotildees em que se encontremrdquo Met Δ 12 1019ordf
26-32 (Trad Giovani Reale) 27 Οὐσία λέγεται τά τε ἁπλᾶ σώματα οἷον γῆ καὶ πῦρ καὶ ὕδωρ καὶ ὅσα τοιαῦτα καὶ ὅλως σώματα καὶ τὰ ἐκ
τούτων συνεστῶτα ζῷά τε καὶ δαιμόνια καὶ τὰ μόρια τούτων ἅπαντα δὲ ταῦτα λέγεται οὐσία ὅτι οὐ καθ
ὑποκειμένου λέγεται ἀλλὰ κατὰ τούτων τὰ ἄλλα ldquoSubstacircncia em certo sentido se diz dos corpos simples por
exemplo o fogo a terra a aacutegua e todos os corpos como estes e em geral todos os corpos e as coisas compostas
a partir deles como os animais e os seres divinos e suas partes Todas essas coisas satildeo ditas substacircncias porque
natildeo satildeo predicadas de um substrato mas tudo o mais eacute predicado delasrdquo Met Δ 1017b10ndash14 (Trad Giovani
Reale)
Τὸ ὂν λέγεται πολλαχῶς καθάπερ διειλόμεθα πρότερον ἐν τοῖς περὶ τοῦ ποσαχῶς σημαίνει γὰρ τὸ μὲν τί ἐστι
καὶ τόδε τι τὸ δὲ ποιὸν ἢ ποσὸν ἢ τῶν ἄλλων ἕκαστον τῶν οὕτω κατηγορουμένων τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου
τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν (ὅταν μὲν γὰρ εἴπωμεν ποῖόν τι
τόδε ἢ ἀγαθὸν λέγομεν ἢ κακόν ἀλλ οὐ τρίπηχυ ἢ ἄνθρωπον ldquoO ser tem muitos signficados como
estabelecemos anteriormente no livro dedicado aos diversos significados dos termos De fato o ser signfica de
um lado essecircncia e algo determinado de outro qualidade ou quantidade e cada uma das outras categorias
Mesmo sendo dito em tantos signficados eacute evidente que o primeiro dos significados do ser eacute a essecircncia que
indica a substacircncia (De fato quando perguntamos a qualidade de alguma coisa dizemos que eacute boa ou maacute mas
natildeo que tem trecircs cocircvados ou que eacute homemrdquo 1028a10ndash16 (Trad Giovani Reale)
24
Aristoacuteteles chama aqui de corpos naturais (physikoacuten) corresponde aos compostos que datildeo
origem aos artificiais e com a abstraccedilatildeo das suas unidades a objetos matemaacuteticos Mas natildeo
satildeo elementos ou partes sem unidade como o olho ou a raiz da aacutervore Pois eacute o animal que
deteacutem o olho e a aacutervore que deteacutem a raiacutez Sendo assim os corpos naturais se diferenciam
entre os que vivem e os que natildeo vivem Estes que natildeo vivem satildeo os corpos artificiais os
corpos celestes e o cadaacutever Um corpo morto seraacute de animal senatildeo por homoniacutemia pois natildeo
tem como atividade o viver E o viver eacute nutrir-se eacute crescer e eacute decair Donde Aristoacuteteles
conclui que ldquotodo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido de substacircncia
compostardquo Os seres viventes (empsykhon) satildeo substacircncias compostas de mateacuteria (corpo) e
forma (alma) tendo como atividade o viver
ἐπεὶ δ ἐστὶ καὶ σῶμα καὶ τοιόνδε ζωὴν γὰρ ἔχον οὐκ ἂν εἴη σῶμα ἡ ψυχή οὐ γάρ
ἐστι τῶν καθ ὑποκειμένου τὸ σῶμα μᾶλλον δ ὡς ὑποκείμενον καὶ ὕλη ἀναγκαῖον
ἄρα τὴν ψυχὴν οὐσίαν εἶνα ὡς εἶδος σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν ἔχοντος
E uma vez que essa substacircncia tambeacutem eacute um corpo de tal tipo ndash que tem vida ndash a
alma natildeo eacute corpo pois o corpo natildeo eacute um dos predicados do substrato antes ele eacute
como o substrato e a mateacuteria Necessariamente entatildeo a alma eacute substacircncia como
forma de um corpo natural potencialmente vivo 412ordf16-21 (Trad Maria Ceciacutelia
Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo proacutepria)
Finalmente Aristoacuteteles tece sua uacuteltima premissa e enuncia uma primeira definiccedilatildeo de
alma Dado que os corpos naturais dotados de vida satildeo compostos hilemoacuterficos cabe eliminar
qualquer possibilidade da alma ser corpo O argumento eacute conciso Haacute substacircncias que satildeo um
corpo dotado de vida Este corpo vivo natildeo eacute alma Mas substrato (hypokeimeacutenon) e mateacuteria
(hyacutele) do composto E como tal eacute objeto de predicaccedilatildeo da forma Portanto a alma natildeo pode
ser corpo pois ela que o predica
Em Met Z 3 escreve Aristoacuteteles que o substrato eacute aquilo que eacute predicado pelas coisas
enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outra28
Jaacute a substacircncia eacute aquilo que predica o
substrato mas que natildeo eacute predicada pelas outras coisas Sendo assim inerem no substrato
determinaccedilotildees como quantidade afecccedilotildees accedilotildees e potecircncias Poreacutem raspadas as
determinaccedilotildees o que resta eacute o substrato primeiro mateacuteria Contudo como jaacute enunciado
ὁμολογούμεναι μὲν αἱ φυσικαί οἷον πῦρ γῆ ὕδωρ ἀὴρ καὶ τἆλλα τὰ ἁπλᾶ σώματα ἔπειτα τὰ φυτὰ καὶ τὰ μόρια
αὐτῶν καὶ τὰ ζῷα καὶ τὰ μόρια τῶν ζῴων καὶ τέλος ὁ οὐρανὸς καὶ τὰ μόρια τοῦ οὐρανοῦ ἰδίᾳ δέ τινες οὐσίας
λέγουσιν εἶναι τά τ εἴδη καὶ τὰ μαθηματικά ldquoSubstacircncias admitidas por todos satildeo as fiacutesicas como fogo terra
aacutegua ar e os outros corpos simples ademais as plantas e suas partes do ceacuteu Alguns filoacutesofos ao contraacuterio em
funccedilatildeo de suas opiniotildees particulares afirmaram que substacircncias satildeo as Formas e os Entes matemaacuteticosrdquo Met H
1042a7ndash11(Trad Giovani Reale)
28 τὸ δ ὑποκείμενόν ἐστι καθ οὗ τὰ ἄλλα λέγεται ἐκεῖνο δὲ αὐτὸ μηκέτι κατ ἄλλου ldquoO Substrato eacute aquilo de
que satildeo predicadas todas as outras coisas enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outrardquo Met Z 3 1028b36 ndash
1029a1 (Trad Giovani Reale)
25
acima Aristoacuteteles compreende a mateacuteria como algo indeterminado Apesar disso haacute algo da
qual todas as outras determinaccedilotildees satildeo predicadas E sendo a substacircncia um algo separado
que predica a mateacuteria ou seja que referencia e determina a mateacuteria substacircncia e mateacuteria natildeo
podem ser idecircnticas O que este argumento nos ajuda a compreender eacute o pressuposto
metafiacutesico sobre o qual Aristoacuteteles identifica o corpo com o substrato impossibilitando que
este seja identificado com a alma Ou seja a substacircncia que predica o corpo
Portanto se o corpo eacute substrato material do composto orgacircnico vivo segue-se
necessariamente que a alma eacute a substacircncia formal Aristoacuteteles enuncia entatildeo seu perseguido
enunciado mais geral a alma eacute substacircncia como forma de um corpo natural potencialmente
vivo A alma enquanto substacircncia do composto vivo eacute substacircncia no sentido de forma Com
este enunciado Aristoacuteteles responde o primeiro ponto do elenco de questotildees a serem
abordadas numa investigaccedilatildeo da alma a saber a qual gecircnero de ser pertence a alma
Para a alma ser forma de um corpo potencialmente vivo ndash e ser potencialmente vivo eacute
dispor de oacutergatildeos passiacuteveis de realizaccedilatildeo das atividades proacuteprias ao viver ndash significa ser o
princiacutepio estruturante e configurador das funccedilotildees (eacutergon) de vida Assim a alma eacute o princiacutepio
e causa determinante do ser atraveacutes das atividades proacuteprias ao viver em um corpo de tal tipo
Portanto a alma configura a realidade das substacircncias compostas viventes sendo aquilo a
partir e em vista do que a vida se daacute
Aristoacuteteles abre caminho para a responder sua taacutebua de definiccedilotildees de DA I 1 A
primeira delas eacute configurar a relaccedilatildeo entre a alma e o corpo fundamentando a noccedilatildeo de
inseparabilidade entre uma e outro Pois ser a forma de um composto demanda que a alma se
atualize apenas se instanciada em um estofo material e seja seu princiacutepio de ser Em siacutentese a
alma eacute como a substacircncia e o corpo eacute como o substrato da substacircncia composta viva que eacute o
ser vivente
Seguindo as noccedilotildees jaacute traccediladas anteriormente Aristoacuteteles desdobraraacute outras duas
caracteriacutesticas proacuteprias agrave alma atualidade primeira e princiacutepio de determinaccedilatildeo do corpo Jaacute
que a alma eacute forma e forma eacute atualidade entatildeo a alma eacute atualidade deste corpo
potencialmente vivo como se lecirc logo em seguida
ἡ δ οὐσία ἐντελέχεια τοιούτου ἄρα σώματος ἐντελέχεια αὕτη δὲ λέγεται διχῶς ἡ
μὲν ὡς ἐπιστήμη ἡ δ ὡς τὸ θεωρεῖν φανερὸν οὖν ὅτι ὡς ἐπιστήμη ἐν γὰρ τῷ
ὑπάρχειν τὴν υχὴν καὶ ὕπνος καὶ ἐγρήγορσίς ἐστιν ἀνάλογον δ ἡ μὲν ἐγρήγορσις τῷ
θεωρεῖν ὁ δ ὕπνος τῷ ἔχειν καὶ μὴ ἐνεργεῖν προτέρα δὲ τῇ γενέσει ἐπὶ τοῦ αὐτοῦ ἡ
ἐπιστήμη διὸ ἡ ψυχή ἐστιν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν
ἔχοντος
E a substacircncia eacute atualidade Portanto eacute de um corpo de tal tipo que a alma eacute
atualidade Mas esta se diz de dois modos ndash primeiro como ciecircncia segundo como o
26
inquirir Eacute claro entatildeo que a alma eacute atualidade como ciecircncia pois ao subsistir a alma
haacute tanto o sono como a vigiacutelia e a vigiacutelia eacute algo anaacutelogo ao inquirir o sono a possuir
a ciecircncia mas natildeo a exercecirc-la e no que concerne a um mesmo indiviacuteduo a ciecircncia eacute
a primeira atualidade de um corpo natural que tem em potecircncia vida DA II 1 412a21-
28 (Trad Gomes dos Reis)
Como jaacute estabelecido em 401a6-11 a atualidade se diz segundo a disposiccedilatildeo e a
atividade Aqui disposiccedilatildeo (heacutexis) estaacute para a ciecircncia (epistecircme) como atividade (energeacuteia)
estaacute para inquirir (theoreicircn) Portanto disposiccedilatildeo eacute a obtenccedilatildeo de dada capacidade sem
executaacute-la enquanto atividade eacute sua execuccedilatildeo
Aristoacuteteles conclui seu argumento especificando a alma como uma atualidade primeira
(enteleacutekheia proteacute) Charlton29
propotildee que o termo ldquoprimeirordquo (proteacute) se refira agrave atualidade no
primeiro sentido ou seja enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) O que parece plausiacutevel pois o texto
aristoteacutelico nos diz que a alma eacute atualidade como ciecircncia (phanerograven oucircn hoacuteti hocircs episteme)
Aleacutem disso nas discussotildees preliminares sobre a capacidade perceptiva Aristoacuteteles discorre
um pouco mais sobre as diferenccedilas entre atualidade em termos de disposiccedilatildeo e atividade
διαιρετέον δὲ καὶ περὶ δυνάμεως καὶ ἐντελεχείας νῦν γὰρ ἁπλῶς ἐλέγομεν περὶ
αὐτῶν ἔστι μὲν γὰρ οὕτως ἐπιστῆμόν τι ὡς ἂν εἴποιμεν ἄνθρωπον ἐπιστήμονα ὅτι ὁ
ἄνθρωπος τῶν ἐπιστημόνων καὶ ἐχόντων ἐπιστήμην ἔστι δ ὡς ἤδη λέγομεν
ἐπιστήμονα τὸν ἔχοντα τὴν γραμματικήν ἑκάτερος δὲ τούτων οὐ τὸν αὐτὸν τρόπον
δυνατός ἐστιν ἀλλ ὁ μὲν ὅτι τὸ γένος τοιοῦτον καὶ ἡ ὕλη ὁ δ ὅτι βουληθεὶς δυνατὸς
θεωρεῖν ἂν μή τι κωλύσῃ τῶν ἔξωθεν ὁ δ ἤδη θεωρῶν ἐντελεχείᾳ ὢν καὶ κυρίως
ἐπιστάμενος τόδε τὸ Α ἀμφότεροι μὲν οὖν οἱ πρῶτοι κατὰ δύναμιν ἐπιστήμονες
ltὄντες ἐνεργείᾳ γίνονται ἐπιστήμονεςgtἀλλ ὁ μὲν διὰ μαθήσεως ἀλλοιωθεὶς καὶ
πολλάκις ἐξ ἐναντίας μεταβαλὼν ἕξεως ὁ δ ἐκ τοῦ ἔχειν τὴν ἀριθμητικὴν ἢ τὴν
γραμματικήν μὴ ἐνεργεῖν δέ εἰς τὸ ἐνεργεῖν ἄλλον τρόπον
Eacute preciso ainda fazer distinccedilotildees no que diz respeito agrave potecircncia e agrave atualidade Pois ateacute
agora falaacutevamos disso de maneira simples Por um lado haacute aquele que conhece no
sentido em que diriacuteamos ser o homem conhecedor por estar entre os que conhecem e
possuem conhecimento e haacute em outro sentido aquele que dizemos ser conhecedor
por jaacute saber a gramaacutetica (e cada um deles eacute em potecircncia mas natildeo da mesma maneira
o primeiro por que eacute de tal gecircnero e mateacuteria o outro porque se quiser pode inquirir
nada externo o impedindo) E haacute por fim aquele que estaacute inquirindo e em atualidade
conhecendo em sentido proacuteprio este ldquoArdquo determinado Os dois primeiros satildeo
conhecedores em potecircncia um por ter-se alterado via aprendizagem e por passar
vaacuterias vezes de uma das disposiccedilotildees contraacuterias a outra o outro de outro modo por
passar do ter a percepccedilatildeo sensiacutevel30 ou a gramaacutetica sem exercitaacute-lo ao estar em
exerciacutecio DA II 5 417a21-b2 (Trad Gomes dos Reis)
O ser humano eacute configurado de modo a realizar certas atividades como a nutriccedilatildeo a
percepccedilatildeo e a inquiriccedilatildeo Entretanto a pura organizaccedilatildeo fiacutesica natildeo basta para que elas sejam
realizadas Assim somente quando a funccedilatildeo proacutepria de determinada disposiccedilatildeo fiacutesica entra
em atividade eacute que aquilo que eacute em potecircncia se torna uma atualidade No caso acima a
capacidade de inquirir Mas toda capacidade exige um objeto para entrar em atividade E o
29 1980 p 174 30 A tradutora optou por substituir o termo ldquoarithmetikegravenrdquo por ldquoaiacutesthesinrdquo Cf GOMES DOS REIS 2012 p 84
27
que era uma potecircncia de aprendizado para o inquiridor torna-se uma atualidade pela atividade
da sua inquiriccedilatildeo Deste modo haacute trecircs instacircncias que vatildeo da potecircncia agrave atualidade Na
primeira o ser vivente eacute dotado da capacidade de aprender a inquirir Na segunda esta
disposiccedilatildeo eacute posta em atividade tendo um objeto para se inquirir Na terceira eacute a atividade
dessa capacidade aprendida ou adquirida que se tem uma atualidade plena No primeiro caso
eacute claramente uma capacidade segundo uma disposiccedilatildeo No segundo caso jaacute temos um estado
de atualidade na medida em que haacute o exerciacutecio dessa capacidade proacutepria ao ser vivente
Aristoacuteteles chama isso de potecircncia pois em relaccedilatildeo agrave terceira instacircncia aquele modo de
atualidade eacute ainda suscetiacutevel de alteraccedilatildeo E quando essa nova capacidade a gramaacutetica eacute
adquirida pela atividade desta nova capacidade de inquirir possiacutevel apenas pela sua
disposiccedilatildeo na fisiologia do ser vivente a capacidade se atualiza plenamente
Assim a alma eacute atualidade primeira de um corpo potencialmente vivo enquanto
princiacutepio de atividade das capacidades proacuteprias ao viver presentes como disposiccedilatildeo que a
forma engendra neste corpo Isto fica mais evidente em DA II 1 412b5-9
εἰ δή τι κοινὸν ἐπὶ πάσης ψυχῆς δεῖ λέγειν εἴη ἂν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος
φυσικοῦ ὀργανικοῦ διὸ καὶ οὐ δεῖ ζητεῖν εἰ ἓν ἡ ψυχὴ καὶ τὸ σῶμα ὥσπερ οὐδὲ τὸν
κηρὸν καὶ τὸ σχῆμα οὐδ ὅλως τὴν ἑκάστου ὕλην καὶ τὸ οὗ ἡ ὕλη τὸ γὰρ ἓν καὶ τὸ
εἶναι ἐπεὶ πλεοναχῶς λέγεται τὸ κυρίως ἡ ἐντελέχειά ἐστιν
Se eacute preciso enunciar algo comum a toda e qualquer alma seria que eacute a primeira
atualidade do corpo natural orgacircnico E por isso inclusive natildeo eacute preciso investigar se
alma e corpo satildeo uma unidade ndash tampouco se a cera e a figura o satildeo e em suma nem
se a mateacuteria de cada coisa e aquilo de que eacute mateacuteria ndash pois jaacute que se diz unidade ser
de muitos modos o mais apropriado deles eacute a atualidade (Trad Gomes dos Reis)
O corpo eacute dotado de oacutergatildeos partes que viabilizam a atividade das capacidades
proacuteprias ao viver E eacute a atividade das capacidades atraveacutes dos oacutergatildeos que se confere unidade
entre corpo e alma nesse composto orgacircnico vivo Assim Aristoacuteteles responde sobre a
unidade entre alma e corpo enunciada na taacutebua de definiccedilotildees Natildeo por acaso como corolaacuterio
agraves noccedilotildees de alma como forma e atualidade Aristoacuteteles declara
οὐσία γὰρ ἡ κατὰ τὸν λόγον τοῦτο δὲ τὸ τί ἦν εἶναι τῷ τοιῳδὶ σώματι καθάπερ εἴ τι
τῶν ὀργάνων φυσικὸν ἦν σῶμα οἷον πέλεκυς ἦν μὲν γὰρ ἂν τὸ πελέκει εἶναι ἡ οὐσία
αὐτοῦ καὶ ἡ ψυχὴ τοῦτο χωρισθείσης δὲ ταύτης οὐκ ἂν ἔτι πέλεκυς ἦν ἀλλ ἢ ὁμ
ωνύμως νῦν δ ἔστι πέλεκυς οὐ γὰρ τοιούτου σώματος τὸ τί ἦν εἶναι καὶ ὁ λόγος ἡ
ψυχή ἀλλὰ φυσικοῦ τοιουδί ἔχοντος ἀρχὴν κινήσεως καὶ στάσεως ἐν ἑαυτῷ
Pois ela eacute a substacircncia segundo a determinaccedilatildeo ou seja o que era para ser de um
corpo de tal tipo Se um instrumento fosse um corpo natural ndash por exemplo o
machado ndash a sua substacircncia seria a que eacute ser para o machado e isto seria a sua alma
Separado disso ele natildeo seria mais um machado exceto por homoniacutemia Mas na
verdade eacute um machado pois a alma natildeo eacute a determinaccedilatildeo e o que eacute o que eacute para um
corpo desse tipo mas sim um corpo natural tal que tenha em si mesmo um princiacutepio
28
de movimento e repouso DA II 1 412b10-17 (Trad Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo
proacutepria)
Como jaacute explicitado no enunciado de alma enquanto substacircncia como forma em
412a20 a alma eacute este princiacutepio determinante do ser do composto Ou seja o princiacutepio
organizador das suas disposiccedilotildees e propriedades que determinaratildeo o ser proacuteprio de um corpo
natural capaz de viver A identificaccedilatildeo entre alma e forma se desdobraraacute na identificaccedilatildeo de
alma e o que era para ser31
(tograve tiacute ecircn eicircnai)
Dado que a alma eacute forma e atualidade do corpo Aristoacuteteles estabelece que ela eacute seu
princiacutepio de determinaccedilatildeo das propriedades relevantes que daratildeo o caraacuteter essencial do ser
vivente E eacute evidente como o texto nos mostra e Hamilyn32
sustenta que a determinaccedilatildeo da
essecircncia se daacute segundo sua funccedilatildeo (eacutergon) O ser do machado eacute cortar na medida em que a
funccedilatildeo proacutepria do machado eacute cortar assim como a do olho eacute ver O ser do ser vivente eacute viver
31 A locuccedilatildeo eacute razatildeo de grande controveacutersia na tradiccedilatildeo de comentaacuterios ao texto aristoteacutelico Natildeo entrarei nos
pormenores da discussatildeo mas tomarei a traduccedilatildeo o que era para ser em sua literalidade assim como Angioni
tendo em vista o contexto no qual se pretende compreender seu emprego ldquoTrata-se de uma substantivaccedilatildeo com
o artigo neutro (lsquotorsquo) da pergunta lsquoo que afinal era o ser para tal coisarsquo (lsquoti en to einai toutoirsquo lsquotiacute ecircn tograve eicircnai
toutoirsquo) ndash Aristoacuteteles frequentemente substantiva segmentos de sentenccedilas e expressotildees que em si mesmas
constituem perguntas gramaticalmente completas isso ocorre na designaccedilatildeo das categorias (ldquoo qualrdquo ldquotograve poicirconrdquo
etc) na designaccedilatildeo de algumas das quatro causas (lsquoo que moveu primeirorsquo lsquoo em vista de quersquo) e em outras
expressotildees lsquo(lsquoo por quecircrsquo lsquotograve diagrave tiacutersquo ou lsquotograve dioacutetirsquo) O infinitivo lsquoserrsquo eacute o mesmo que consta na expressatildeo lsquoser +
dativorsquo e que designa a essecircncia da coisa isto eacute o conjunto de propriedades e caracteriacutesticas que deveriam ser
enumeradas no enunciado que define o que a coisa eacute Trata-se do mesmo infinitivo que comparece em 1041a32
1041b28 e 1042b27 (e natildeo se trata do infinitivo que poderia eventualmente ser entendido como existencial tal
como em 1041a15) O imperfeito ldquoerardquo por sua vez consiste num resquiacutecio de um uso dialeacutetico pelo qual o
interlocutor remetia a alguma definiccedilatildeo anteriormente dada destinada a funcionar como paracircmetro para a
discussatildeo ulterior (para referecircncias quanto ao uso desse imperfeito ver nossa dissertaccedilatildeo de mestrado p 89
nota 208) A pergunta original seria lsquoo quecirc era o ser para tal coisarsquo mas isso quer apenas dizer lsquoo quecirc fora
estabelecido (anteriormente na presente discussatildeo) como ser para tal coisarsquo Com o haacutebito a expressatildeo teria
perdido o significado interrogativo que originalmente possuiacutea e teria se tornado um jargatildeo para designar a
essecircncia Em vista disso lsquoto ti en einairsquo poderia ser traduzido ou parafraseado como lsquoaquilo que fora
estabelecido como caracteriacutesticas essenciais de tal coisarsquo A lsquoanterioridade causal da formarsquo muita vez alegada
como chave para a compreensatildeo do jargatildeo eacute compatiacutevel com o significado da expressatildeo mas natildeo explica a
origem do imperfeitordquo (Angioni 2005 102) 32 ldquoAristotlersquos selection of a tool an axe to provide an analogy with the ensouled body reveals how close to the
surface in this discussion is the notion of function The substance or essence of an axe is its function without
which it would not be an axe Like the Greeks in general Aristotle had no difficulty in thinking of a natural body
as having a function too (cf Nicomachean Ethics 1097b22ff) this is part of his general teleology But as he
goes on to point out there are differences also between an axe and a natural body which spoil the analogy This
is the force of the words lsquoBut as it is an axersquo ndash the essence of a axe is not its soul since it does not have one not
being a living thingrdquo ldquoA seleccedilatildeo do Aristoacuteteles de um instrumento um machado prova um analogia com os
coporpos animados revela como o que estaacute em voga eacute a discussatildeo eacute a noccedilatildeo de funccedilatildeo A substacircncia ou
essecircncia de um machado eacute sua funccedilatildeo sem a qual ele natildeo seria um machado Assim como os Gregos
Aristoacuteteles natildeo teve dificuldades em pensar o corpo natural como tambeacutem dotado de funccedilatildeo (cf Eacutetica a
Nicocircmaco 1097b22ss) isto eacute parte da sua teleologia Mas como ele segue pontuando haacute diferenccedilas igualmente
entre um machado e um corpo natural que prejudicam a analogia Eacute o que sugerem as palavras Mas eacute como um
machadorsquo - a essecircncia do machado natildeo eacute sua alma jaacute que ele natildeo tem uma natildeo eacute um ser viventerdquo (HAMLYN
1993 85) (Trad proacutepria)
29
e isto eacute garantido pela alma A locuccedilatildeo o que era para ser como indica Gomes dos Reis33
pode ser compreendida como uma continuidade da forma do ser vivente perante o devir que
lhe eacute proacuteprio ao longo da sua vida
Com isso Aristoacuteteles traccedila suas noccedilotildees preliminares da alma em DA II 1 Haacute ao final
do capiacutetulo algo digno de nota Aristoacuteteles se refere a tudo isto como um rascunho e esboccedilo
de definiccedilatildeo34
Poderiacuteamos entender que estas proposiccedilotildees satildeo insuficientes para o projeto
psicoloacutegico aristoteacutelico E satildeo mesmo em certa medida Pois em relaccedilatildeo agrave taacutebua de
definiccedilatildeo Aristoacuteteles soacute respondeu as noccedilotildees relativas agrave substacircncia atualidade e unidade da
alma Apesar disso como argumentarei na sessatildeo seguinte todo o arcabouccedilo conceitual e
argumentativo aqui esboccedilado sustentaraacute a noccedilatildeo de alma como princiacutepio das capacidades que
denotam vida Aleacutem do mais se lembrarmos que nas primeiras linhas do capiacutetulo Aristoacuteteles
se comprometia tatildeo somente em buscar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) para a
alma eacute inegaacutevel que ele foi bem sucedido Se ao fim de DA I ele tem claro que a alma eacute
princiacutepio imoacutevel de movimento e una em DA II 1 satildeo apresentados os argumentos positivos
para estas duas teses A alma eacute de estatuto formal portanto imoacutevel e princiacutepio organizador
das propriedades do ser Enquanto forma eacute atualidade e assim o princiacutepio de atividade das
capacidades proacuteprias ao ser Enquanto substacircncia eacute o que era para ser do ser vivente e entatildeo
o princiacutepio determinante do que este ser vivente eacute E esta determinaccedilatildeo seraacute dada pela funccedilatildeo
proacutepria das suas capacidades que soacute seratildeo plenificadas com as atividades no oacutergatildeo
correspondente Este enunciado e o que se desdobra dele eacute um rascunho e esboccedilo de definiccedilatildeo
pois natildeo nos explica satisfatoriamente por que a alma eacute princiacutepio das formas especiacuteficas de
vida Aristoacuteteles reconhece isso e segundo um paracircmetro geomeacutetrico de definiccedilatildeo mudaraacute o
curso da investigaccedilatildeo sobre a alma
33 ldquoA expressatildeo to ti ecircn einai pode ser a generalizaccedilatildeo de uma construccedilatildeo com ocorrecircncias nos tratados por
exemplo to [pelekei] einai o ser [para o machado] o ser [para a carne] que seraacute traduzida por sua vez como a
locuccedilatildeo ldquoo que eacute ser para o machadordquo e assim por diante Como reconstruiacute-la eacute um assunto polecircmico Haacute um
verbo no imperfeito (a expressatildeo literalmente diz algo como o lsquoo que era a serrsquo) que poderia ser interpretado
como uma ecircnfase na continuidade da forma a despeito do devirrdquo 2012 208 34τύπῳ μὲν οὖν ταύτῃ διωρίσθω καὶ ὑπογεγράφθω περὶ ψυχῆς ldquoE isto basta como um esquema do esboccedilo de
definiccedilatildeo de almardquo DA II 1 413a10-11 (Trad Gomes dos Reis)
30
22 A DEFINICcedilAtildeO PELAS CAPACIDADES
DA II 2 se inicia com um impasse a noccedilatildeo geral oferece o gecircnero de ser da alma mas
natildeo a enuncia como causa de vida nos seres viventes Diante disso Aristoacuteteles faz uma
revisatildeo metodoloacutegica na investigaccedilatildeo de alma tomando como paradigma o exemplo de
definiccedilatildeo pela causa de um objeto geomeacutetrico
Ἐπεὶ δ ἐκ τῶν ἀσαφῶν μὲν φανερωτέρων δὲ γίνεται τὸ σαφὲς καὶ κατὰ τὸν λόγον
γνωριμώτερον πειρατέον πάλιν οὕτω γ ἐπελθεῖν περὶ αὐτῆς οὐ γὰρ μόνον τὸ ὅτι δεῖ
τὸν ὁριστικὸν λόγον δηλοῦν ὥσπερ οἱ πλεῖστοι τῶν ὅρων λέγουσιν ἀλλὰ καὶ τὴν
αἰτίαν ἐνυπάρχειν καὶ ἐμφαίνεσθαι νῦν δ ὥσπερ συμπεράσμαθ οἱ λόγοι τῶν ὅρων
εἰσίν οἷον τί ἐστιν ὁ τετραγωνισμός τὸ ἴσον ἑτερομήκει ὀρθογώνιον εἶναι
ἰσόπλευρον ὁ δὲ τοιοῦτος ὅρος λόγος τοῦ συμπεράσματος ὁ δὲ λέγων ὅτι ἐστὶν ὁ
τετραγωνισμὸς μέσης εὕρεσις τοῦ πράγματος λέγει τὸ αἴτιον
E jaacute que a partir de coisas natildeo claras embora mais manifestas advecircm clareza e maior
inteligibilidade segundo o enunciado deve-se tentar desta maneira novamente
discorrer sobre a alma pois natildeo somente eacute preciso que o enunciado definidor
esclareccedila os fatos ndash como o faz a maioria das definiccedilotildees ndash mas ainda conter e
expressar a causa Os enunciados das definiccedilotildees na verdade satildeo como conclusotildees O
que eacute por exemplo a quadratura Eacute fazer equivaler um retacircngulo equilaacutetero a um
retacircngulo qualquer Mas tal definiccedilatildeo eacute o enunciado da conclusatildeo e o que diz por sua
vez que a quadratura eacute a descoberta de uma meacutedia proporcional enuncia a causa DA
II 2 413a11-20 (Trad Gomes dos Reis)
Novamente Aristoacuteteles nos relembra a ideia de que as apreensotildees sensiacuteveis satildeo mais
manifestas (phaneroteacuteron) que as apreensotildees inteligiacuteveis As inteligiacuteveis satildeo mais claras
(sophoacutes) pois satildeo formas apreendidas com a razatildeo e menos suscetiacuteveis ao engano Ao
contraacuterio das apreensotildees sensiacuteveis que satildeo mais manifestas Muito embora os pressupostos
que permitiram deduzir o estatuto ontoloacutegico da alma no capiacutetulo anterior sejam mais claros
eles enunciam o vivente como um ser animado enquanto um fato mas natildeo enunciam a alma
como causa do viver Portanto DA II 2 se dedicaraacute a investigar a alma como causa de vida
nos seres viventes a partir do que eacute mais manifesto ao que eacute mais claro
Aristoacuteteles se utiliza de um teorema para explicar que o termo meacutedio de um silogismo
apresenta a causa de um fato Num silogismo dado uma premissa maior que enuncie o fato e
tem como outro fato a conclusatildeo a premissa menor enuncia a causa pois eacute onde se encontra o
porquecirc da conclusatildeo Responder que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois ldquoTodo homem eacute mortalrdquo natildeo
enuncia a causa da mortalidade de Soacutecrates soacute o mero fato de coincidentemente ldquoSoacutecratesrdquo e
ldquoTodo homemrdquo serem mortais Poreacutem se respondemos que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois
ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo e ldquoTodo homem eacute mortalrdquo entatildeo foi enunciado a causa da mortalidade
de Soacutecrates Em sua estrutura claacutessica a premissa maior ldquoTodo homem eacute mortalrdquo a premissa
menor ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo a conclusatildeo ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo
31
Fica a questatildeo de como este novo criteacuterio se aplica agrave definiccedilatildeo E sobre a alma o
corpo e a vida
λέγομεν οὖν ἀρχὴν λαβόντες τῆς σκέψεως διωρίσθαι τὸ ἔμψυχον τοῦ ἀψύχου τῷ
ζῆν πλεοναχῶς δὲ τοῦ ζῆν λεγομένου κἂν ἕν τι τούτων ἐνυπάρχῃ μόνον ζῆν αὐτό
φαμεν οἷον νοῦς αἴσθησις κίνησις καὶ στάσις ἡ κατὰ τόπον ἔτι κίνησις ἡ κατὰ
τροφὴν καὶ φθίσις τε καὶ αὔξησις
Retomando o princiacutepio da investigaccedilatildeo digamos entatildeo que o animado se distingue do
inanimado pelo viver E de muitos modos se diz o viver pois dizemos que algo vive
se nele subsiste pelo menos um destes ndash intelecto percepccedilatildeo sensiacutevel movimento
local e repouso e ainda o movimento segundo a nutriccedilatildeo o decaimento e o
crescimento DA II 2 413a20-24 (Trad Gomes dos Reis)
Aristoacuteteles enuncia uma premissa maior e outra menor
[premissa maior] Todo ser dotado de alma vive
[premissa menor] Viver eacute ser dotado de intelecto percepccedilatildeo nutriccedilatildeo movimento
local e repouso decaimento e crescimento
Eacute proacuteprio agrave alma atribuir vida Viver eacute ser dotado de uma das capacidades
mencionadas Assim todo corpo natural que apresente uma dessas capacidades vive35
Portanto as plantas vivem pois se nutrem crescem e decaem por si proacuteprias
διὸ καὶ τὰ φυόμενα πάντα δοκεῖ ζῆν φαίνεται γὰρ ἐν αὑτοῖς ἔχοντα δύναμιν καὶ
ἀρχὴν τοιαύτην δι ἧς αὔξησίν τε καὶ φθίσιν λαμβάνουσι κατὰ τοὺς ἐναντίους τόπους
οὐ γὰρ ἄνω μὲν αὔξεται κάτω δ οὔ ἀλλ ὁμοίως ἐπ ἄμφω καὶ πάντῃ ὅσα ἀεὶ
τρέφεταί τε καὶ ζῇ διὰ τέλους ἕως ἂν δύνηται λαμβάνειν τροφήν
Por isso parece inclusive que todas as plantas vivem pois eacute manifesto que tecircm em si
mesmas uma potecircncia e um princiacutepio deste tipo por meio do qual ganham
crescimento e decaimento segundo direccedilotildees contraacuterias pois natildeo crescem apenas para
cima e natildeo para baixo mas similarmetne em ambas e em todas as direccedilotildees e assim eacute
para as que se nutrem constantemente e vivem ateacute o fim enquanto puderem obter
alimento DA II 2 413a25-31 (Trad Gomes dos Reis)
Assim como os animais vivem jaacute que satildeo dotados de nutriccedilatildeo e percepccedilatildeo
τὸ μὲν οὖν ζῆν διὰ τὴν ἀρχὴν ταύτην ὑπάρχει τοῖς ζῶσι τὸ δὲ ζῷον διὰ τὴν αἴσθησιν
πρώτως καὶ γὰρ τὰ μὴ κινούμενα μηδ ἀλλάττοντα τόπον ἔχοντα δ αἴσθησιν ζῷα
λέγομεν καὶ οὐ ζῆν μόνον
O viver subsiste nos seres vivos por conta deste princiacutepio e o animal constitui-se
primordialmente pela percepccedilatildeo sensiacutevel Pois dizemos que satildeo animais ndash e natildeo
apenas que vivem ndash tambeacutem os que natildeo se movem nem mudam de lugar mas
possuem percepccedilatildeo DA II 2 413b1-4 (Trad Gomes dos Reis)
Com isso temos a conclusatildeo do silogismo psicoloacutegico aristoteacutelico
[conclusatildeo a] Plantas e animais satildeo animados
E desta uma outra
35 Como jaacute antecipara em DA II 1 412a11-16 citado na paacutegina 16
32
[conclusatildeo b] Plantas e animais satildeo vivos
Portanto assim como todo retacircngulo teraacute quadratura por causa da sua proporccedilatildeo com
um retacircngulo quadrilaacutetero todo corpo seraacute um ser vivente por ser dotado de alma Entretanto
uma ldquoquestatildeo de aluno bobordquo seria perguntar para Aristoacuteteles de onde vecircm essas duas
premissas Ao conectar alma e vida sem explicar esta uacuteltima poderia levar a investigaccedilatildeo
aristoteacutelica agrave obscuridade precisamente onde se deveria ter mais clareza Entatildeo para que
Aristoacuteteles garanta a alma como causa da vida mortal ele endossaria os pressupostos dos seus
predecessores e portanto distinguiria o animado do inanimado pelo movimento e pela
percepccedilatildeo36
Polansky apesar disso natildeo esclarece afinal quais os argumentos que sustentam
a associaccedilatildeo entre alma e vida Se limitando apenas agraves implicaccedilotildees argumentativas desse
pressuposto
Contudo se assumirmos que Aristoacuteteles endossa a tese de seus predecessores segundo
a qual o animado se distingue do inanimado pelo movimento e percepccedilatildeo37
e que a nutriccedilatildeo eacute
a capacidade mais baacutesica entre os seres animados38
e por fim que a nutriccedilatildeo e a percepccedilatildeo
satildeo uma forma de movimento39
somos levados a crer que o argumento consiste em
[P1] viver eacute ao menos nutriccedilatildeo crescimento e decaimento
[P2] nutriccedilatildeo crescimento e decaimento satildeo um tipo de movimento (do tipo por si)
[P3] tudo o que se move por si eacute animado
[P4] a alma eacute um princiacutepio imoacutevel de movimento
[C1] logo tudo o que vive eacute animado
36 Cf Nota seguinte 37 τὸ ἔμψυχον δὴ τοῦ ἀψύχου δυσὶ μάλιστα διαφέρειν δοκεῖ κινήσει τε καὶ τῷ αἰσθάνεσθαι παρειλήφαμεν δὲ
καὶ παρὰ τῶν προγενεστέρων σχεδὸν δύο ταῦτα περὶ ψυχῆς ldquoOra haacute a opiniatildeo de que o animado difere do
inanimado em dois aspectos o movimento e a percepccedilatildeo sensiacutevel E em relaccedilatildeo agrave alma satildeo mais ou menos
esses dois que recebemos de nossos predecessoresrdquo DA I 1 403b25-28 (Trad Gomes dos Reis) 38 ὥστε πρῶτον περὶ τροφῆς καὶ γεννήσεως λεκτέον ἡ γὰρ θρεπτικὴ ψυχὴ καὶ τοῖς ἄλλοις ὑπάρχει καὶ πρώτη
καὶ κοινοτάτη δύναμίς ἐστι ψυχῆς καθ ἣν ὑπάρχει τὸ ζῆν ἅπασιν ldquoPor conseguinte deve-se primeiro tratar do
alimento e da geraccedilatildeo pois a alma nutritiva subsiste tambeacutem com as outras sendo a primeira e a mais comum
potecircncia da alma segundo a qual subsiste em todos o viverrdquo DA II 4 415A22-25 (Trad Gomes dos Reis) 39 ἔστι δὲ καὶ ἀλλοίωσις καὶ αὔξησις κατὰ ψυχήν ἡ μὲν γὰρ αἴσθησις ἀλλοίωσίς τις εἶναι δοκεῖ αἰσθάνεται δ
οὐθὲν ὃ μὴ μετέχει ψυχῆς ὁμοίως δὲ καὶ περὶ αὐξήσεώς τε καὶ φθίσεως ἔχει οὐδὲν γὰρ φθίνει οὐδ αὔξεται
φυσικῶς μὴ τρεφόμενον τρέφεται δ οὐθὲν ὃ μὴ κοινωνεῖ ζωῆς ldquoMas inclusive a alteraccedilatildeo e o crecimento
existem segundo a alma pois haacute a opiniatildeo de que a percepccedilatildeo sensiacutevel eacute uma certa alteraccedilatildeo e aquele que natildeo
participa da alma nada percebe de maneira similar ocorre tambeacutem em relaccedilatildeo ao crescimento e decaimento pois
nem decai nem cresce naturalmente aquele que natildeo eacute nutrido e nada que natildeo compartilhe da vida se nutrerdquo DA
II 4 415b23-28 (Trad Gomes dos Reis)
E mais adiante enunciando a percepccedilatildeo Aristoacuteteles eacute categoacuterico ἡ δ αἴσθησις ἐν τῷ κινεῖσθαί τε καὶ πάσχειν
συμβαίνει καθάπερ εἴρηται δοκεῖ γὰρ ἀλλοίωσίς τις εἶναι ldquoA percepccedilatildeo sensiacutevel consiste em ser movido e ser
afetado como dissemos pois haacute a opiniatildeo de que ela eacute uma certa alteraccedilatildeordquo DA II 4 416b35-36 (Trad Gomes
dos Reis)
33
Note que [P1] e [P2] seriam premissas autoevidentes Em [P3] Aristoacuteteles partiria
dos mesmos pressupostos que as endoxai de seus predecessores enquanto [P4] resultaria da
anaacutelise criacutetica dessas endoxai ao longo de DA I 3-5 Aristoacuteteles natildeo nos elucida claramente de
onde ele tira as evidecircncias de [P1] e [P2] ou seja por que essas capacidades tais satildeo
movimentos por si e portanto denotam vida Quanto a [P3] Fiacutes VIII40
nos indica que esta eacute
uma tese que Aristoacuteteles abraccedila mas tambeacutem sem explicar suas razotildees O mais plausiacutevel
parece ser que este eacute um fenocircmeno autoevidente amplamente aceito que dispense justificaccedilatildeo
Diferentemente eacute o caso de [P4] cuja justificativa pode se sustentar na criacutetica aristoteacutelica agraves
noccedilotildees democritianas de que a alma eacute um princiacutepio de movimento que se move em DA I 3
corroborada pela noccedilatildeo de alma enunciada em DA II 1 segundo a qual a alma eacute forma logo
atualidade e portanto princiacutepio de determinaccedilatildeo das funccedilotildees proacuteprias ao ser vivente
Olhando por essas lacunas que o argumento aristoteacutelico conteacutem sua tentativa de
enunciar a alma como causa de vida parece fragilizada Entretanto fato eacute que a vida eacute
explicada pela alma no contexto do pensamento helecircnico Entatildeo conceder a Aristoacuteteles este
pressuposto parece um miacutenimo que o leitor contemporacircneo precise fazer Aleacutem disso vale
lembrar que em Met Z 17 Aristoacuteteles defende ser ldquonecessaacuterio que o dado e a existecircncia da
coisa sejam previamente conhecidosrdquo41
e que portanto o que se investiga eacute ldquopor que alguma
coisa pertence a outrardquo42
Deste modo cabem aqui questotildees como ldquopor que os corpos
vivemrdquo ou ainda ldquopor que se atribui vida a corpos dotados de capacidades taisrdquo E natildeo ldquopor
que o animado se diferencia do inanimado pelo viverrdquo como o formulado no iniacutecio desta
digressatildeo Talvez a fragilidade aparente se decirc pois aqui se toque as Colunas de Heacutercules da
psicologia aristoteacutelica
Retomando a braccedilada dos remos se a tese de que a vida se manifesta pela capacidade
de movimento eacute confirmada quando Aristoacuteteles enuncia uma nova noccedilatildeo de alma como
40 οὐδεμιᾶς γὰρ ἐν ἡμῖν ἐνούσης κινήσεως ἐνίοτε ἀλλ ἡσυχάζοντες ὅμως κινούμεθά ποτε καὶ ἐγγίγνεται ἐν ἡμῖν
ἐξ ἡμῶν αὐτῶν ἀρχὴ κινήσεως κἂν μηθὲν ἔξωθεν κινήσῃ τοῦτο γὰρ ἐπὶ τῶν ἀψύχων οὐχ ὁρῶμεν ὁμοίως ἀλλ
ἀεὶ κινεῖ τι αὐτὰ τῶν ἔξωθεν ἕτερον τὸ δὲ ζῷον αὐτό φαμεν ἑαυτὸ κινεῖν ldquoPor vezes acontece que natildeo haja
movimento em noacutes [entes animados] e que de nosso repouso noacutes sejamos postos em movimento e agraves vezes o
princiacutepio do movimento surge em noacutes e de noacutes sem que nada de outro nos mova de fora Natildeo vemos nada
parecido no caso dos seres inanimados pois eles sempre satildeo movidos por algo outro que reside fora deles Dos
animais noacutes dizemos que eles movem a si mesmosrdquo Fiacutes VIII 2 252b18-23 (Trad Daniel Nascimento)
ὁρῶμεν δὲ καὶ φανερῶς ὄντα τοιαῦτα ἃ κινεῖ αὐτὰ ἑαυτά οἷον τὸ τῶν ἐμψύχων καὶ τὸ τῶν ζῴων γένος ταῦτα δὲ
καὶ δόξαν παρεῖχε μή ποτε ἐνδέχεται κίνησιν ἐγγίγνεσθαι μὴ οὖσαν ὅλως διὰ τὸ ἐν τούτοις ὁρᾶν ἡμᾶς τοῦτο
συμβαῖνον (ἀκίνητα γάρ ποτε ὄντα κινεῖται πάλιν ὡς δοκεῖ) ldquoVemos claramente que existem coisas que se
movem a si mesmas como por exemplo os entes animados e o gecircnero dos animais e por causa disso pensamos
que pode ser possiacutevel que o movimento seja gerado sem que antes tenha existido de qualquer forma pois noacutes
vemos isso acontecer com eles (estarem imoacuteveis em determinado momento e moverem-se novamanete tal como
parece)rdquo Fis VIII 6 259b1-6 (Trad Daniel Nascimento) 41 δεῖ γὰρ τὸ ὅτι καὶ τὸ εἶναι ὑπάρχειν δῆλα ὄντα Met 17 1041a15 42ἄλλο γὰρ οὕτω κατ ἄλλου ἐστὶ τὸ ζητούμενον Met 17 1041a25-26
34
conclusatildeo do raciociacutenio iniciado em DA II 2 temos esta nova formulaccedilatildeo segundo as
capacidades que denotam o viver
νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον εἰρήσθω μόνον ὅτι ἐστὶν ἡ ψυχὴ τῶν εἰρημένων τούτων ἀρχὴ καὶ
τούτοις ὥρισται θρεπτικῷ αἰσθητικῷ διανοητικῷ κινήσει
Por ora eacute suficiente dizer apenas isto que a alma eacute princiacutepio das capacidades
mencionadas ndash nutritiva perceptiva raciocinativa e de movimento ndash e que por elas eacute
definida DA II 2 413b11-13 (Trad Gomes dos Reis)
Esta noccedilatildeo eclode como corolaacuterio da argumentaccedilatildeo anterior Com ela Aristoacuteteles
conquista um importante ponto do seu projeto psicoloacutegico a saber que a noccedilatildeo de alma
explique as distintas formas de vida atraveacutes das capacidades Isto levaraacute a uma gama de
comentadores contemporacircneos a valorizarem esta definiccedilatildeo em detrimento da definiccedilatildeo pela
substacircncia apresentada em DA II 1 Os que assim interpretam43
reduzem a definiccedilatildeo de alma
agrave noccedilatildeo de princiacutepio das funccedilotildees que denotam vida Esta interpretaccedilatildeo natildeo eacute totalmente
equivocada na medida em que textualmente Aristoacuteteles afirma isto Poreacutem ela eacute imprecisa
pois ignora o estatuto ontoloacutegico da alma Como vimos na seccedilatildeo anterior a alma eacute substacircncia
como forma (tegraves psycheacutes ousiacutean eicircnai hocircs eicircdos) do corpo e portanto seu princiacutepio
organizador que lhe confere o viver E enquanto forma do corpo a alma eacute sua atualidade
primeira (enteleacutekheia proteacute) Ou seja princiacutepio formal o qual o corpo se desenvolve em vista
do viver Pois a alma de um lado traz em si as disposiccedilotildees (heacutexeis) necessaacuterias agrave vida e
determina o que este corpo orgacircnico era para ser (tograve tiacute ecircn eicircnai) mediante suas funccedilotildees (eacuterga)
e atividades (eneacutergeiai) de viver Essas funccedilotildees satildeo as capacidades (dynaacutemeis) que
caracterizam os tipos de vida nos seres seu modo proacuteprio de viver Sendo assim a capacidade
nutritiva eacute proacutepria agrave vida vegetativa a perceptiva proacutepria agrave animal e a intelectiva agrave humana
Como se vecirc a definiccedilatildeo pelas capacidades tem sua origem e fundamento na definiccedilatildeo
pela forma Por outro lado esta soacute ganha capilaridade na definiccedilatildeo pela capacidade jaacute que sua
noccedilatildeo geral natildeo define a alma como causa de cada tipo de vida nem princiacutepio das
capacidades proacuteprias ao viver Deste modo uma interpretaccedilatildeo da noccedilatildeo aristoteacutelica de alma
que ignore como ambas noccedilotildees se sustentam mutuamente eacute parcial e suscetiacutevel de engendrar
mais problema que o proacuteprio texto jaacute apresenta
Com isso concluiacutemos De Anima II 2 compreendendo que a alma eacute causa de vida jaacute
que eacute princiacutepio das atividades proacuteprias ao viver Diante da noccedilatildeo geral e como ela se
particulariza nas distintas capacidades resta ainda observar um uacuteltimo ponto que Aristoacuteteles
43Putman (1975) Ackrill (1975-6) Bolton (1978) Nussbaum (1978) Everson (1995) CodeampMoravicsik
(1992) Para uma noccedilatildeo geral das diversas correntes de interpretaccedilatildeo da psicologia aristoteacutelica no seio das
discussotildees de filosofia da mente ver Diamond (2015) Caston (2006) e Irwin (1991)
35
trabalharaacute no capiacutetulo seguinte a saber a disposiccedilatildeo seriada hierarquicamente das diversas
formas de vida
23 A DEFINICcedilAtildeO SERIADA
A tese geral de que a alma eacute forma do corpo sofre uma nova reavaliaccedilatildeo em DA II 3
Como se veraacute adiante Aristoacuteteles surpreendentemente declara que toda busca por um
enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) de alma eacute ridiacuteculo (geloicircon) jaacute que esta noccedilatildeo natildeo
permite a compreensatildeo de que as diversas espeacutecies de vida (vegetativa animal e humana) satildeo
dispostas em uma seacuterie ordenada e hierarquizada de acordo com sua capacidade especiacutefica
Como a leitura das formas de vida dispostas em uma seacuterie ordenada eacute um problema que
precisa ser respondido por quem quer que se debruce sobre a noccedilatildeo aristoteacutelica de alma esta
seccedilatildeo argumentaraacute como a noccedilatildeo de almas seriadas natildeo invalida a noccedilatildeo formal de alma
enunciada em DA II 1
DA II 3 poderia ser tematicamente dividido em duas partes Numa primeira de
414ordf29-414b20 Aristoacuteteles dispotildee a hierarquia das capacidades que denotam vida Se em DA
II 2 ele enunciou as capacidades aqui se argumenta como uma estaacute em relaccedilatildeo de
anterioridade agrave outra e portanto disposta hierarquicamente de modo coextensivo agraves formas
de vida Assim se o movimento segundo nutriccedilatildeo crescimento e decaimento seraacute proacuteprio a
uma forma de vida a vegetativa a adiccedilatildeo da capacidade perceptiva seraacute proacutepria agrave vida
vegetativa e animal Agrave medida que se adicione outras capacidades como o intelecto abrange-
se a vida humana44
Esta hierarquizaccedilatildeo suplementar das capacidades a seu enunciado permite
que Aristoacuteteles encampe a tese de que os tipos de vida satildeo dispostos em seacuteries ordenadas
avanccedilando para a segunda parte do capiacutetulo
δῆλον οὖν ὅτι τὸν αὐτὸν τρόπον εἷς ἂν εἴη λόγος ψυχῆς τε καὶ σχήματος οὔτε γὰρ
ἐκεῖ σχῆμα παρὰ τὸ τρίγωνον ἔστι καὶ τὰ ἐφεξῆς οὔτ ἐνταῦθα ψυχὴ παρὰ τὰς
εἰρημένας γένοιτο δ ἂν καὶ ἐπὶ τῶν σχημάτων λόγος κοινός ὃς ἐφαρμόσει μὲν
πᾶσιν ἴδιος δ οὐδενὸς ἔσται σχήματος ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ ταῖς εἰρημέναις ψυχαῖς διὸ
γελοῖον ζητεῖν τὸν κοινὸν λόγον καὶ ἐπὶ τούτων καὶ ἐφ ἑτέρων ὃς οὐδενὸς ἔσται τῶν
ὄντων ἴδιος λόγος οὐδὲ κατὰ τὸ οἰκεῖον καὶ ἄτομον εἶδος ἀφέντας τὸν τοιοῦτον
(παραπλησίως δ ἔχει τῷ περὶ τῶν σχημάτων καὶ τὰ κατὰ ψυχήν ἀεὶ γὰρ ἐν τῷ ἐφεξῆς
44 Τῶν δὲ δυνάμεων τῆς ψυχῆς αἱ λεχθεῖσαι τοῖς μὲν ὑπάρχουσι πᾶσαι καθάπερ εἴπομεν τοῖς δὲ τινὲς αὐτῶν
ἐνίοις δὲ μία μόνη διασαφητέον δὲ περὶ αὐτῶν ὕστερον νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον () εἰρήσθω ὅτι τῶν ζώντων τοῖς
ἔχουσιν ἁφὴν καὶ ὄρεξις ὑπάρχει περὶ δὲ φαντασίας ἄδηλον ὕστερον δ ἐπισκεπτέον ἐνίοις δὲ πρὸς τούτοις
ὑπάρχει καὶ τὸ κατὰ τόπον κινητικόν ἑτέροις δὲ καὶ τὸ διανοητικόν τε καὶ νοῦς οἷον ἀνθρώποις καὶ εἴ τι
τοιοῦτον ἕτερον ἔστιν ἢ τιμιώτερον ldquoDentre as potecircncias da alma como dissemos todas as mencionadas
subsitem em alguns seres em outros soacute algumas delas e em alguns apenas uma E mencionamos como
potecircncias a nutritiva a perceptiva a desiderativa a locomotiva e a raciocinativa Ora nas plantas subsiste
somente a nutritiva mas em outros seres tanto esta como a perceptiva () Por ora eacute suficiente dizer isto que
entre os seres vivos que possuem tato tambeacutem subsiste desejo No que se refere agrave imaginaccedilatildeo natildeo estaacute claro e
devemos examinaacute-la posteriormente Em alguns seres vivos aleacutem disso subsiste tambeacutem a capacidade de se
locomover e em outros ainda a de raciocinar e o intelecto ndash por exemplo nos homens e em algum outro se
houver de tal qualidade ou mais valiosordquo DA II 3 414a29-414b20 (Trad Gomes dos Reis)
36
ὑπάρχει δυνάμει τὸ πρότερον ἐπί τε τῶν σχημάτων καὶ ἐπὶ τῶν ἐμψύχων οἷον ἐν
τετραγώνῳ μὲν τρίγωνον ἐν αἰσθητικῷ δὲ τὸ θρεπτικόν) ὥστε καθ ἕκαστον
ζητητέον τίς ἑκάστου ψυχή οἷον τίς φυτοῦ καὶ τίς ἀνθρώπου ἢ θηρίου διὰ τίνα δ
αἰτίαν τῷ ἐφεξῆς οὕτως ἔχουσι σκεπτέον ἄνευ μὲν γὰρ τοῦ θρεπτικοῦ τὸ αἰσθητικὸν
οὐκ ἔστιν τοῦ δ αἰσθητικοῦ χωρίζεται τὸ θρεπτικὸν ἐν τοῖς φυτοῖς
Eacute claro que poderia da mesma maneira haver entatildeo um enunciado uacutenico tanto de
figura como de alma Pois nem no primeiro caso existe figura aleacutem do triacircngulo e
daquelas que o sucedem nem neste caso existe alma aleacutem das mencionadas A
respeito das figuras tambeacutem eacute possiacutevel formular um enunciado comum que se aplique
a todas sem ser proacuteprio a nenhuma e o mesmo ocorre com as almas mencionadas Por
isso tanto neste como em outros casos eacute ridiacuteculo procurar um enunciado comum ndash
pois a nenhum dos seres seraacute um enunciado proacuteprio nem estaraacute de acordo com a
forma apropriada e indivisiacutevel ndash deixando-se de lado o enunciado deste tipo (E as
coisas concernentes agrave alma estatildeo em situaccedilatildeo parecida agravequela das figuras pois tanto
no caso das figuras como no caso dos seres animados o anterior sempre subsiste
naquilo que o sucede por exemplo o triacircngulo no quadrado o poder de nutrir-se no
de perceber) Assim deve ser investigado de acordo com cada caso o que eacute a alma
de cada um ndash por exemplo o que eacute a alma da planta do homem ou da besta E deve
ser examinado a causa de ser disposto assim em sucessatildeo Pois sem a nutritiva natildeo
existe a capacidade perceptiva embora nas plantas a nutritiva exista separada da
perceptiva DA II 3 414b20-415a6 (Trad Gomes dos Reis)
A analogia entre figura do triacircngulo e a alma vegetativa permite esclarecer qual a
relaccedilatildeo de sucessatildeo entre uma capacidade e outra O triacircngulo eacute a figura geomeacutetrica plana
mais baacutesica de todas A composiccedilatildeo de dois triacircngulos forma um quadrilaacutetero A composiccedilatildeo
de trecircs triacircngulos forma um pentaacutegono e assim sucessivamente Ou seja da mesma maneira
que o triacircngulo subsiste em potecircncia no quadrilaacutetero e este no pentaacutegono a nutriccedilatildeo subsiste
em potecircncia na percepccedilatildeo e esta no intelecto Portanto se a capacidade nutritiva eacute proacutepria agrave
vida vegetativa a perceptiva agrave animal e a intelectiva agrave humana entatildeo igualmente a vida
vegetativa subsiste na animal e a animal na humana Sendo assim da mesma maneira que se
faz necessaacuteria uma definiccedilatildeo proacutepria ao triacircngulo ao quadrilaacutetero e ao pentaacutegono deve-se
buscar um enunciado proacuteprio a cada uma dessas formas de vida para que se sustente como a
alma eacute princiacutepio de cada tipo de vida e natildeo somente da vida em geral Pois um enunciado que
decirc a noccedilatildeo da alma que cubra todas as formas de vida mas que natildeo toque particularmente em
uma natildeo cumpre seu fim argumentativo que eacute explicar a razatildeo da alma ser causa de vida no
ser vivente como se segue
ὅτι μὲν οὖν ὁ περὶ τούτων ἑκάστου λόγος οὗτος οἰκειότατος καὶ περὶ ψυχῆς δῆλον
Eacute claro entatildeo que o enunciado de cada uma destas capacidades eacute tambeacutem o mais
apropriado a respeito da alma DA II 3 415a13-14 (Trad Gomes dos Reis)
Levando-se em conta que Aristoacuteteles se dedicaraacute em todo o restante do De Anima
investigando cada uma das capacidades e seus desdobramentos para uma noccedilatildeo de alma
37
podemos ser levados a crer que Aristoacuteteles elege este como o melhor criteacuterio para uma
definiccedilatildeo de alma
Haacute portanto um grande problema a ser encarado aqui que consiste na resposta a uma
das questotildees elencadas em DA I 145
a saber se eacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma enquanto
tal ou uma para cada tipo de ser vivente Pelo caminho que segue a discussatildeo tende-se a uma
resposta de que seraacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma para cada forma de vida Entretanto
Aristoacuteteles jaacute problematizara se mesmo que haja uma noccedilatildeo uacutenica para catildees cavalos e
homens a de animal esta noccedilatildeo uacutenica eacute universal posterior anterior ou nada em relaccedilatildeo aos
itens
Seguindo o texto de DA II 3 a nutriccedilatildeo eacute a capacidade sobre a qual se erguem todas as
outras ateacute a capacidade de pensamento Dado que um corpo eacute dotado de nutriccedilatildeo e portanto
vivente por causa da alma e a seu turno dado que a alma eacute forma e atualidade primeira do
corpo e portanto princiacutepio organizador das capacidades que denotam o viver novamente a
definiccedilatildeo pela forma sustenta ontologicamente a definiccedilatildeo pelas capacidades e por
concomitacircncia a definiccedilatildeo seriada
Assim a criacutetica que Aristoacuteteles faz agrave noccedilatildeo mais geral de alma enunciada em DA II 1
natildeo eacute razatildeo suficiente para seu descarte no seu projeto psicoloacutegico Com efeito se a noccedilatildeo de
alma como forma eacute insuficiente para explicar por que a alma eacute princiacutepio de vida em cada tipo
de ser vivente como sustentado ao iniacutecio de DA II 2-3 ela eacute justamente a noccedilatildeo ontoloacutegica
para que responde pela sua atualidade e determinaccedilatildeo das propriedades relevantes do ser deste
corpo dotado de oacutergatildeos Assim se as noccedilotildees de alma como forma e princiacutepio das capacidades
satildeo intercambiantes como argumentei anteriormente e se a definiccedilatildeo estaacute diretamente
atrelada agrave hierarquia dessas capacidades entatildeo a proacutepria noccedilatildeo de alma seriada depende
logicamente da noccedilatildeo de alma como forma Sendo assim o enunciado geral eacute redimensionado
em DA II 3 pela disposiccedilatildeo seriada da alma a um princiacutepio loacutegico-ontoloacutegico mediante o qual
esta ciecircncia comum a muitas coisas pode se realizar
45 εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον
ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν
ἄλλο κατηγοροῖτο Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma uacutenica
definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a de cavalo catildeo homem
divindade sendo neste caso o animal considerado universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo
ocorrendo para qualquer outro atributo comum que for predicadordquo DA I 1 402b4-9 (Trad Gomes dos Reis)
38
3 CONCLUSAtildeO
Como se apresentou nesta monografia Aristoacuteteles enuncia sua noccedilatildeo de alma em
momentos distintos Um primeiro a partir da discussatildeo com as teses predecessoras Nela o
que se conquista eacute que a alma eacute imoacutevel e origem de movimento nos seres viventes Depois
atraveacutes de um enunciado geral para os diversos tipos de vida que a define como forma do
corpo Um terceiro que enuncia a alma como causa de vida e a define como princiacutepio das
capacidades que denotam o viver E por fim um quarto enunciado que a apresenta como
disposta em seacuterie ordenada segundo suas capacidades Na medida que o enunciado geral se
mostra insuficiente para o projeto psicoloacutegico traccedilado e as outras definiccedilotildees parecem melhor
corresponder a este objetivo a unidade enunciativa entre as diversas definiccedilotildees aparenta ser
vulneraacutevel Natildeo por menos como foi abordado ao longo deste texto tende-se a salientar uma
das definiccedilotildees e desconsiderar a outra Esta natildeo parece ser a interpretaccedilatildeo que melhor
compreenda a psicologia aristoteacutelica Como argumentado observar a definiccedilatildeo pelas
capacidades sem a definiccedilatildeo pela forma esvazia ontologicamente a noccedilatildeo de que a alma eacute
princiacutepio de vida A alma como forma do corpo eacute o enunciado mediante o qual a garante
como atualidade primeira e portanto princiacutepio das caracteriacutesticas e funccedilotildees proacuteprias ao ser
vivente Por outro lado como o proacuteprio Aristoacuteteles enuncia a definiccedilatildeo pela forma daacute uma
noccedilatildeo que abarca todas as formas de vida mas natildeo enuncia a alma como causa do viver nem
que as diversas almas satildeo dispostas em seacuterie ordenada Satildeo nestes dois pontos que a definiccedilatildeo
pela capacidade se torna igualmente relevante para o projeto psicoloacutegico aristoteacutelico Sem ela
seriam inviaacuteveis todos os outros capiacutetulos nos quais Aristoacuteteles enuncia discorre e formula a
atividade das capacidades proacuteprias ao ser vivo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo imaginaccedilatildeo intelecto e
movimento segundo deslocamento Por estas razotildees uma interpretaccedilatildeo que conjugue as duas
definiccedilotildees no interior do projeto psicoloacutegico aristoteacutelico parece ser a que contemple melhor o
horizonte teoacuterico que a investigaccedilatildeo erige
Haacute um alguns aspectos que esta monografia deixa pelo caminho Na seccedilatildeo 1 Taacutebua de
Definiccedilatildeo foram elencados os diversos elementos de definiccedilatildeo da alma e como se faria a
inquiriccedilatildeo O primeiro grupo foi respondido ao longo da seccedilatildeo 2 A Noccedilatildeo de Alma mas o
segundo natildeo O segundo grupo de elementos da taacutebua seraacute dissertado por Aristoacuteteles nos
capiacutetulos posteriores ao DA II 3 quando ele se debruccedila sobre cada uma das capacidades
Como esta monografia pretende abordar apenas as definiccedilotildees sem dar interpretaccedilatildeo total do
tratado entatildeo soacute pode responder parte da taacutebua das definiccedilotildees Aleacutem disso a interpretaccedilatildeo das
definiccedilotildees de um modo consistente precisaria ser verificada na sua aplicaccedilatildeo sobre o restante
39
do tratado Em outras palavras eacute preciso verificar se esta interpretaccedilatildeo dificulta ou facilita a
interpretaccedilatildeo das outras teses da psicologia aristoteacutelica por exemplo a tese da percepccedilatildeo que eacute
definida como a recepccedilatildeo das formas sem mateacuteria Nas interpretaccedilotildees de Polanski e Diamond
comentadores paradigmaacuteticos para a abordagem adotada a coordenaccedilatildeo dos enunciados
definitoacuterios daacute conta das diversas formulaccedilotildees de capacidades e suas funcionalidades ao longo
do tratado Fico devendo portanto explicitar como a posiccedilatildeo que assumo se aplica nas
diversas capacidades enunciadas pelo Aristoacuteteles
Com isso conclui-se este trabalho com a compreensatildeo que ele eacute limitado Haacute nele
problemas proacuteprios agrave interpretaccedilatildeo de um texto conciso e arrojado como eacute o De Anima
Ainda assim espera-se que os erros ou imprecisotildees eventuais natildeo comprometam seu escopo
exegeacutetico Espera-se tambeacutem que esta monografia possa se converter em trabalhos futuros que
fomente a discussatildeo relativa ao De Anima no contexto filosoacutefico brasileiro Da mesma forma
que ela foi provocada pela traduccedilatildeo e comentaacuterios da Professora Doutora Maria Ceciacutelia
Gomes dos Reis Se este trabalho for bem sucedido nessas pretensotildees jaacute teraacute cumprido sua
funccedilatildeo
40
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17
Aqui reside um dos problemas mais comprometedores sobre a investigaccedilatildeo
psicoloacutegica aristoteacutelica a) A alma eacute divisiacutevel ou indivisiacutevel b) cada parte da alma teria uma
forma proacutepria c) Caso seja divisiacutevel as almas se diferenciam em gecircnero ou espeacutecie
Segundo Polansky14
Aristoacuteteles resolve esta bateria de problemas supondo que um ser
vivente tem sua proacutepria alma cujas partes correspondam agraves funccedilotildees sendo estas partes
divisiacuteveis pelos tipos de vida (vegetativa animal humana) A divisibilidade das partes se daacute
de acordo com a capacidade aniacutemica que eacute viver segundo uma atividade e se distinguiria em
gecircnero (a vida perceptiva) ou espeacutecie (catildees cavalos e homem) Isto que garantiraacute a
indivisibilidade da alma ao longo dos tipos de vida segundo suas capacidades Assim
Aristoacuteteles consegue ter um enunciado formal que garanta a unidade geneacuterica fazendo dos
tipos de vida como espeacutecies de seres vivos e as capacidades suas diferenccedilas especiacuteficas
Definido isto deve-se inquirir sobre a amplitude da definiccedilatildeo
εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ
καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι
οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν ἄλλο κατηγοροῖτο
Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma
uacutenica definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a
de cavalo catildeo homem divindade sendo neste caso o animal considerado
universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo ocorrendo para qualquer outro
atributo comum que for predicado DA I 1 402b4-9 (Trad de Gomes dos Reis)
Ateacute aqui Aristoacuteteles se debruccedilava sobre os elementos que devem compor a definiccedilatildeo
de alma Daqui adiante a questatildeo passa a ser qual a abordagem de pesquisa para se formular
esta definiccedilatildeo E um primeiro ponto se refere agrave abrangecircncia da definiccedilatildeo Dado que a alma
pode ter partes sendo estas partes divisiacuteveis ou natildeo a definiccedilatildeo deve ser geral e abranger todo
gecircnero de alma ou deve haver uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie de alma Para Polansky15
a
existecircncia de gecircneros eacute questionaacutevel pois parecem ser universais Noacutes natildeo encontramos um
universal tal qual Soacutecrates e Caacutelias pois estes satildeo particulares Tambeacutem natildeo encontramos um
gecircnero de alma tal qual catildees e cavalos pois estes satildeo espeacutecies Deste modo uma definiccedilatildeo
geneacuterica ofereceria apenas uma noccedilatildeo comum segundo as espeacutecies de alma sem
necessariamente enunciar suas as espeacutecies Portanto esta questatildeo contrasta duas noccedilotildees de
definiccedilatildeo da alma a particular (kathrsquo hekaacutesten) e universal (tograve kathoacutelou) Esta tensatildeo
enunciada aqui persistiraacute nas questotildees posteriores ainda neste capiacutetulo mas se evidenciaraacute
mais fortemente nos enunciados de alma presentes em DA II 1-3 Em siacutentese o problema
consiste em saber se a definiccedilatildeo de alma deve ser pelo seu gecircnero ou sua espeacutecie
14 2007 34-35 15 2008 45
18
ἔτι δέ εἰ μὴ πολλαὶ ψυχαὶ ἀλλὰ μόρια πότερον δεῖ ζητεῖν πρότερον τὴν ὅλην ψυχὴν ἢ
τὰ μόρια χαλεπὸν δὲ καὶ τούτων διορίσαι ποῖα πέφυκεν ἕτερα ἀλλήλων καὶ πότερον
τὰ μόρια χρὴ ζητεῖν πρότερον ἢ τὰ ἔργα αὐτῶν
Aleacutem disso no caso de serem muitas as partes e natildeo as almas deve-se primeiro
investigar a alma como um todo ou suas partes Tambeacutem eacute difiacutecil definir quais dentre
estas satildeo por natureza distintas entre si e se eacute uacutetil investigar primeiro as partes ou
suas funccedilotildees DA I 1 402b9-12 (Trad de Gomes dos Reis)
Na medida em que a alma eacute composta de partes que correspondem agraves suas
capacidades se decide se a investigaccedilatildeo abordaraacute primeiramente suas partes ou a alma como
um todo aleacutem de como investigar a capacidade ou a funccedilatildeo caso as capacidades sejam
distintas Ou seja eacute preciso decidir se a investigaccedilatildeo se inicia pela percepccedilatildeo ou pelo animal
ἀπορίαν δ ἔχει καὶ τὰ πάθη τῆς ψυχῆς πότερόν ἐστι πάντα κοινὰ καὶ τοῦ ἔχοντος ἢ
ἔστι τι καὶ τῆς ψυχῆς ἴδιον αὐτῆς
Haacute ainda a dificuldade de saber se as afecccedilotildees da alma satildeo todas comuns agravequilo que
possui alma ou se haacute tambeacutem alguma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma tatildeo somente DA I 1
403a3-5 (Trad de Gomes dos Reis)
Apoacutes uma exaustiva exposiccedilatildeo do que deve compor a definiccedilatildeo de alma
Aristoacuteteles elenca o uacuteltimo requisito de sua investigaccedilatildeo o grau de separabilidade da alma ou
de alguma de suas partes As capacidades de movimento reproduccedilatildeo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo e
imaginaccedilatildeo parecem ter sua ocorrecircncia no composto de corpo e alma que eacute o ser vivente
Entretanto haacute na teoria aristoteacutelica do intelecto sua face passiva e ativa conforme formulou a
tradiccedilatildeo sendo a ativa de natureza separada e imortal16
Isto faria desta parte do intelecto uma
afecccedilatildeo proacutepria da alma sem ocorrecircncia conjunta com o corpo Filopono17
comenta que este eacute
um problema determinante para a composiccedilatildeo da definiccedilatildeo de alma Se a alma tem afecccedilotildees
proacuteprias e separadas do corpo a definiccedilatildeo dispensaraacute o corpo de seu enunciado Se pelo
contraacuterio as afecccedilotildees aniacutemicas tecircm ocorrecircncia corpoacuterea entatildeo a definiccedilatildeo de alma deve
conter o corpo em seu enunciado
O que se conquista enfim com esta taacutebua de definiccedilatildeo em De Anima I 1 Que
investigar a natureza da alma eacute responder a seu gecircnero de ser o que implica em saber se a
16χωρισθεὶς δ ἐστὶ μόνον τοῦθ ὅπερ ἐστί καὶ τοῦτο μόνον ἀθάνατον καὶ ἀΐδιον ldquoSomente isto [o intelecto]
quando separado eacute propriamente o que eacute e somente isto eacute imortal e eternordquo DA III 5 (Trad Gomes dos Reis) 17 εἰ μὲν οὖν ὡς ὀργάνῳ χρῆται τῷ σώματι ἰδίᾳ ἔχουσα τὰς ἐνεργείας οὐ δεῖ προσχρήσασθαι τῷ σώματι πρὸς
τὸν ὁρισμόν οὐ γὰρ συμπληροῖ τὴν οὐσίαν τοῦ τέκτονος τὸ σκέπαρνον εἰ δὲ ἐν τῷ σώματι ἔχει τὸ εἶναι ὡς
εἶναι τὰς ἐνεργείας τοῦ συναμφοτέρου ἀνάγκη προσχρήσασθαι ἐν τῷ ὁρισμῷ τῷ σώματι ὥσπερ ἐπὶ τοῦ θυμοῦ
ἐλέγομεν ἀναγκαία οὖν ἡ τούτων λῆψις οὐκ εὐχερὴς δέ ltπάθηgt δὲ κοινότερον τὰς ἐνεργείας τῆς ψυχῆς
ἐκάλεσε ldquoSe usa o corpo como instrumento e tem suas atividades peculiares a si mesmo natildeo haacute qualquer
necessidade de se remeter ao corpo na definiccedilatildeo ndash pois um machado natildeo completa a essecircncia de um carpinteiro ndash
mas se a alma tem seu ser no corpo e suas atividades pertencem ao composto eacute necessaacuterio tambeacutem se remeter
ao corpo na definiccedilatildeo tal qual como nos referimos em relaccedilatildeo ao iacutempeto Estabelecer essas coisas entatildeo eacute
necessaacuterio poreacutem natildeo eacute faacutecil Afecccedilatildeo eacute o termo mais geral que ele usa para as atividades da almardquo
PHILOPONUS Com DA 4429-35 (Trad da trad de P J Eijk)
19
alma eacute potencialmente ou em atualidade Isto posto se a alma eacute como uma substacircncia e
portanto una ou separaacutevel e caso seja em partes se satildeo divisiacuteveis ou natildeo Aleacutem disso se a
definiccedilatildeo deve abranger diversos tipos de alma ou se haacute uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie Por
fim se sua investigaccedilatildeo parte das partes ou do todo
20
2 A NOCcedilAtildeO DE ALMA EM ARISTOacuteTELES
A noccedilatildeo de alma em Aristoacuteteles obedece trecircs momentos de elaboraccedilatildeo Um primeiro
ao longo da discussatildeo das endoxai de seus predecessores em DA I 2-5 Em outro quando
argumenta por conceitos metafiacutesicos e formula a noccedilatildeo geral de alma em DA II 1 Aleacutem de
um uacuteltimo a partir de DA II 2 quando se formula uma outra noccedilatildeo de alma pelas
capacidades Esta trajetoacuteria visa (i) levantar as teses que foram elaboradas sobre o assunto
visando extrair certos princiacutepios verdadeiros Com estes princiacutepios (ii) se expotildee a noccedilatildeo
geral Mas esta noccedilatildeo que responde sobre o ser da alma natildeo indica os tipos especiacuteficos de
vida Portanto (iii) eacute preciso inquirir por outra abordagem e provar que a alma eacute princiacutepio das
capacidades que manifestam vida no ser pois atraveacutes dessas capacidades explicamos esses
distintos modos de viver Como se veraacute esta travessia responde agrave taacutebua de definiccedilatildeo de DA I
1 e Aristoacuteteles ara todo o terreno sobre o qual ele ergue sua psicologia
21 A DEFINICcedilAtildeO PELA FORMA
Aristoacuteteles conclui seu levantamento das endoxai em DA I 2-5 com duas noccedilotildees
relativas agrave alma que ela eacute una18
e imoacutevel19
Somente no iniacutecio do livro seguinte em DA II 1
ele apresenta sua noccedilatildeo onde o objetivo traccedilar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos)
que abarque as vaacuterias formas de vida
18 φαίνεται δὲ καὶ τὰ φυτὰ διαιρούμενα ζῆν καὶ τῶν ζῴων ἔνια τῶν ἐντόμων ὡς τὴν αὐτὴν ἔχοντα ψυχὴν τῷ
εἴδει εἰ καὶ μὴ ἀριθμῷ ἑκάτερον γὰρ τῶν μορίων αἴσθησιν ἔχει καὶ κινεῖται κατὰ τόπον ἐπί τινα χρόνον εἰ δὲ
μὴ διατελοῦσιν οὐθὲν ἄτοπον ὄργανα γὰρ οὐκ ἔχουσιν ὥστε σώζειν τὴν φύσιν ἀλλ οὐδὲν ἧττον ἐν ἑκατέρῳ
τῶν μορίων ἅπαντ ἐνυπάρχει τὰ μόρια τῆς ψυχῆς καὶ ὁμοειδῆ ἐστιν ἀλλήλοις καὶ τῇ ὅλῃ ἀλλήλοις μὲν ὡς οὐ
χωριστὰ ὄντα τῇ δ ὅλῃ ψυχῇ ὡς οὐ διαιρετῇ οὔσῃ ἔοικε δὲ καὶ ἡ ἐν τοῖς φυτοῖς ἀρχὴ ψυχή τις εἶναι μόνης γὰρ
ταύτης κοινωνεῖ καὶ ζῷα καὶ φυτά καὶ αὕτη μὲν χωρίζεται τῆς αἰσθητικῆς ἀρχῆς αἴσθησιν δ οὐθὲν ἄνευ ταύτης
ἔχει ldquoEacute manifesto ainda que as plantas ndash e dentre os animais alguns insetos ndash quando secionadas continuam a
viver como se tivessem a mesma alma especificamente ainda que natildeo numericamente pois cada uma das partes
tem sensaccedilatildeo e move-se localmente por algum tempo Se natildeo sobrevivem natildeo resulta em absurdo algum pois
natildeo mantecircm oacutergatildeos aponto de conservar a sua natureza Em cada uma das partes poreacutem estatildeo todas as partes da
alma e nenhuma a menos E elas satildeo da mesma espeacutecie entre si e em relaccedilatildeo agrave alma inteira ndash as diversas partes
satildeo inseparaacuteveis uma das outras embora a alma inteira seja divisiacutevel Parece que o princiacutepio encontrado nas
plantas eacute tambeacutem um certo tipo de alma pois eacute apenas compartilhada por animais e plantas e ela existe
separada do princiacutepio perceptivo embora sem ela nada possa ter percepccedilatildeordquo 411b19-411b30 19ὅτι μὲν οὖν οὔθ ἁρμονίαν οἷόν τ εἶναι τὴν ψυχὴν οὔτε κύκλῳ περιφέρεσθαι δῆλον ἐκ τῶν εἰρημένων ldquoQue a
alma natildeo pode ser harmonia nem locomover-se em ciacuterculo fica claro a partir do que foi ditordquo 408ordf29-30 (Trad
Gomes dos Reis)
ὅτι μὲν οὖν οὐχ οἷόν τε κινεῖσθαι τὴν ψυχήν φανερὸν ἐκ τούτων εἰ δ ὅλως μὴ κινεῖται δῆλον ὡς οὐδ ὑφ
ἑαυτῆς Eacute evidente a partir disso tudo que natildeo eacute possiacutevel que a alma se mova ldquoE se de todo modo natildeo se move eacute
claro tambeacutem que natildeo se move por si mesmardquo 408b30-31 (Trad Gomes dos Reis)
φανερὸν οὖν ἐκ τῶν εἰρημένων ὡς οὔτε τὸ γινώσκειν ὑπάρχει τῇ ψυχῇ διὰ τὸ ἐκ τῶν στοιχείων εἶναι οὔτε τὸ
κινεῖσθαι αὐτὴν καλῶς οὐδ ἀληθῶς λέγεται ldquoEacute manifesto entatildeo a partir do que foi dito que nem o conhecer
subsite na alma por ela ser composta dos elementos nem eacute uma maneira certa ou verdadeira dizer qua a alma eacute
movidardquo 411a24-26 (Trad Gomes dos Reis)
21
Τὰ μὲν δὴ ὑπὸ τῶν πρότερον παραδεδομένα περὶ ψυχῆς εἰρήσθω πάλιν δ ὥσπερ ἐξ
ὑπαρχῆς ἐπανίωμεν πειρώμενοι διορίσαι τί ἐστι ψυχὴ καὶ τίς ἂν εἴη κοινότατος λόγος
αὐτῆς
Tendo dito o suficiente sobre as opiniotildees a respeito da alma fornecida por nossos
predecessores retomemos como que do comeccedilo e tentemos definir o que eacute a alma e
qual seria seu enunciado mais geral 412a1-6 (Trad Gomes dos Reis)
A busca pelo enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) visa uma definiccedilatildeo de alma
comum agraves diversas formas de vida Em meio agrave pluralidade de modos de vida a alma eacute aquilo
a partir do qual essa pluralidade se unifica num gecircnero de ser ndash o dos seres viventes
(empsykhon) Aristoacuteteles compreende que uma noccedilatildeo puramente geneacuterica natildeo explica as
formas especiacuteficas do objeto de estudo Entretanto o enunciado geral responde agrave primeira
parte da taacutebua de definiccedilatildeo como notaremos no decorrer da definiccedilatildeo pela forma que seraacute
enunciada Com eles Aristoacuteteles alicerccedila conceitualmente as outras definiccedilotildees que seratildeo
formuladas nos outros capiacutetulos
Assim entatildeo Aristoacuteteles inicia seu argumento
λέγομεν δὴ γένος ἕν τι τῶν ὄντων τὴν οὐσίαν ταύτης δὲ τὸ μέν ὡς ὕλην ὃ καθ αὑτὸ
οὐκ ἔστι τόδε τι ἕτερον δὲ μορφὴν καὶ εἶδος καθ ἣν ἤδη λέγεται τόδε τι καὶ τρίτον
τὸ ἐκ τούτων ἔστι δ ἡ μὲν ὕλη δύναμις τὸ δ εἶδος ἐντελέχεια καὶ τοῦτο διχῶς τὸ
μὲν ὡς ἐπιστήμη τὸ δ ὡς τὸ θεωρεῖν
Dizemos que um dos gecircneros dos seres eacute a substacircncia E substacircncia primeiro no
sentido de mateacuteria ndash que por si mesmo natildeo eacute algo determinado ndash e ainda no sentido
de figura e forma ndash em virtude do que jaacute se diz que eacute algo determinado ndash e por fim
no sentido de composto de ambas A mateacuteria por sua vez eacute potecircncia ao passo que a
forma eacute atualidade e isto de dois modos seja como ciecircncia seja como inquirir DA II
1 412a6-11(Trad Gomes dos Reis)
Aristoacuteteles parte de teses presentes em seu tratado de filosofia primeira a Metafiacutesica
Laacute ele investiga o ser enquanto ser que tem muitos significados mas todos convergem para
um soacute20
O que responde a estes diversos significados do que eacute o ser ao ti estiacute eacute a
substacircncia21
(ousiacutea) Satildeo substacircncias a mateacuteria (hyacutele) a forma (morpheacute) e o composto de
ambas ( tograve ek touacutetoon) 22
Apesar da mateacuteria ser indeterminada23
permanece na mudanccedila e eacute
20 διὸ καὶ ἡμῖν τοῦ ὄντος ᾗ ὂν τὰς πρώτας αἰτίας ληπτέον Τὸ δὲ ὂν λέγεται μὲν πολλαχῶς ἀλλὰ πρὸς ἓν καὶ μίαν
τινὰ φύσιν Por isso tambeacutem noacutes devemos apreender as causas primeiras do ente enquanto ente ldquoEnterdquo se diz de
muitas maneiras mas em relaccedilatildeo a algo uacutenico e a uma natureza uacutenicardquo Met G 1-2 1003ordf31-32 (Trad Lucas
Angioni) 21τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν ldquoE
sendo o ente dito de muitos modos eacute evidente que o ente primeiro eacute o que eacute entre todos o que designa a
substacircnciardquo Met Z 2 1028b13-15 (Trad Lucas Angioni) 22 αὗται δ εἰσὶν αἱ αἰσθηταί αἱ δ αἰσθηταὶ οὐσίαι πᾶσαι ὕλην ἔχουσιν ἔστι δ οὐσία τὸ ὑποκείμενον ἄλλως μὲν
ἡ ὕλη (ὕλην δὲ λέγω ἣ μὴ τόδε τι οὖσα ἐνεργείᾳ δυνάμει ἐστὶ τόδε τι) ἄλλως δ ὁ λόγος καὶ ἡ μορφή ὃ τόδε τι
ὂν τῷ λόγῳ χωριστόν ἐστιν τρίτον δὲ τὸ ἐκ τούτων οὗ γένεσις μόνου καὶ φθορά ἐστι καὶ χωριστὸν ἁπλῶς τῶν
γὰρ κατὰ τὸν λόγον οὐσιῶν αἱ μὲν αἱ δ οὔ ldquoE agora devemos reexaminar as substacircncias que satildeo admitidas por
todos E essas satildeo as substacircncias sensiacuteveis Todas as substacircncias sensiacuteveis tecircm mateacuteria E substacircncia eacute o
substrato o qual em certo sentido significa a mateacuteria (chamo mateacuteria o que natildeo eacute algo determinado em ato mas
22
objeto de predicaccedilatildeo caracteriza-se como o substrato (hypokeiacutemenon) do composto Para ser
determinada a mateacuteria depende da forma que lhe confere ser (ti estiacute) Assim toda mateacuteria
determinada pela forma seraacute um composto Por isso Aristoacuteteles defende que uma boa
definiccedilatildeo das substacircncias compostas eacute a que enuncie a determinaccedilatildeo da forma na mateacuteria24
Em suma a substacircncia eacute o gecircnero primeiro de ser sendo esta tanto mateacuteria quanto forma
assim como o composto de ambas
A indeterminaccedilatildeo da mateacuteria e a determinaccedilatildeo da forma estatildeo intrinsecamente
relacionadas aos conceitos correlatos de potecircncia (dyacutenamis) e atualidade (enteleacutekheia) na
filosofia primeira de Aristoacuteteles A mateacuteria eacute indeterminada pois natildeo eacute algo em ato mas em
potecircncia na medida que eacute passiacutevel de determinaccedilatildeo pela forma Aristoacuteteles assinala que ser
em potecircncia significa ter o princiacutepio de movimento (kiacutenesis) ou de modicaccedilatildeo (metaboleacute) seja
por causa extriacutenseca ou intriacutenseca25
A mateacuteria portanto eacute potecircncia pois traz em si o princiacutepio
de ser movida ou modificada por si mesma ou por um outro isto Potecircncia tambeacutem estaacute
algo determinado soacute em potecircncia) num segundo sentido significa a essecircncia e a forma (a qual sendo algo
determinado pode ser separada pelo pensamento) e num terceiro sentido significa o composto de mateacuteria e de
forma (e soacute este estaacute submetido agrave geraccedilatildeo e agrave corrupccedilatildeo e eacute separado em sentido proacuteprio enquanto das
substacircncias entendidas segundo a forma algumas satildeo separadas outras natildeo satildeo)rdquo H 1042a24-31 (Trad Giovani
Reale) 23 λέγω δ ὕλην ἣ καθ αὑτὴν μήτε τὶ μήτε ποσὸν μήτε ἄλλο μηδὲν λέγεται οἷς ὥρισται τὸ ὄν ἔστι γάρ τι καθ οὗ
κατηγορεῖται τούτων ἕκαστον ᾧ τὸ εἶναι ἕτερον καὶ τῶν κατηγοριῶν ἑκάστῃ (τὰ μὲν γὰρ ἄλλα τῆς οὐσίας
κατηγορεῖται αὕτη δὲ τῆς ὕλης) ὥστε τὸ ἔσχατον καθ αὑτὸ οὔτε τὶ οὔτε ποσὸν οὔτε ἄλλο οὐδέν ἐστιν οὐδὲ δὴ
αἱ ἀποφάσεις καὶ γὰρ αὗται ὑπάρξουσι κατὰ συμβεβηκός ldquoChamo mateacuteria aquilo que por si natildeo eacute algo
determinado nem uma quantidade nem qualquer outra das determinaccedilotildees do ser Existe de fato alguma coisa da
qual cada uma dessas determinaccedilotildees eacute predicada alguma coisa cujo ser eacute diferente do ser de cada uma das
categorias Todas as outras categorias com efeito satildeo predicadas da substacircncia e esta por sua vez eacute predicada
da mateacuteria Assim este termo por si natildeo eacute nem algo determinado nem quantidade nem qualquer outra
categoria e natildeo eacute nem sequer as negaccedilotildees destas porque as negaccedilotildees soacute existem de modo acidentalrdquo Met Z 3
1029ordf20-26 (Trad Giovani Reale) 24 οἱ δὲ ἀγγεῖον σκεπαστικὸν χρημάτων καὶ σωμάτων ἤ τι ἄλλο τοιοῦτον προτιθέντες τὴν ἐνέργειαν λέγουσιν οἱ
δ ἄμφω ταῦτα συντιθέντες τὴν τρίτην καὶ τὴν ἐκ τούτων οὐσίαν (ἔοικε γὰρ ὁ μὲν διὰ τῶν διαφορῶν λόγος τοῦ
εἴδους καὶ τῆς ἐνεργείας εἶναι ὁ δ ἐκ τῶν ἐνυπαρχόντων τῆς ὕλης μᾶλλον) ὁμοίως δὲ καὶ οἵους Ἀρχύτας
ἀπεδέχετο ὅρους τοῦ συνάμφω γάρ εἰσιν ldquoAo contraacuterio os que a definem dizendo que eacute um refuacutegio para
proteger coisas e corpos ou alguma outra coisa desse tipo dizendo o que eacute a casa em ato enfim os que unem
ambas as definiccedilotildees experimenta substacircncia no terceiro significado como composto de mateacuteria e forma Eacute claro
que a definiccedilatildeo dada pelas diferenccedilas refere-se agrave forma e ao ato enquanto a definiccedilatildeo dada a partir dos
elementos refere-se prioritariamente agrave mateacuteria Semelhantes a estas eram as definiccedilotildees que Arquita aprovava
elas referiam-se ao conjunto de mateacuteria e formardquo H 2 1043ordf17-21 (Trad Giovani Reale)
φανερὸν δὴ ἐκ τῶν εἰρημένων τίς ἡ αἰσθητὴ οὐσία ἐστὶ καὶ πῶς ἡ μὲν γὰρ ὡς ὕλη ἡ δ ὡς μορφὴ καὶ ἐνέργεια
ἡ δὲ τρίτη ἡ ἐκ τούτων ldquoDo que foi dito fica claro o que eacute a substacircncia sensiacutevel e qual eacute seu modo de ser ela eacute
por um lado mateacuteria por outro forma e ato e num terceiro sentido o conjunto de mateacuteria e de formardquo Met H
2 1043a26-28 (Trad Giovani Reale) 25 ἡ μὲν οὖν ὅλως ἀρχὴ μεταβολῆς ἢ κινήσεως λέγεται δύναμις ἐν ἑτέρῳ ἢ ᾗ ἕτερον ἡ δ ὑφ ἑτέρου ἢ ᾗ ἕτερον
(καθ ἣν γὰρ τὸ πάσχον πάσχει τι ὁτὲ μὲν ἐὰν ὁτιοῦν δυνατὸν αὐτό φαμεν εἶναι παθεῖν ὁτὲ δ οὐ κατὰ πᾶν
πάθος ἀλλ ἂν ἐπὶτὸ βέλτιον) ldquoPotecircncia portanto significa em primeiro lugar esse princiacutepio de mudanccedila ou de
movimento que se encontra em outra coisa ou na propria coisa enquanto outra e em segundo lugar significa o
princiacutepio pelo qual uma coisa eacute mudada ou movida por outra ou por si mesma enquanto outrardquo Met Δ 12
1019ordf19-23 (Trad Giovani Reale)
23
relacionada ao princiacutepio de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo26
Na medida em que as coisas satildeo
constituiacutedas de um determinado modo elas trazem em potecircncia a manutenccedilatildeo de si diante da
accedilatildeo de outra coisa como a parede que natildeo quebra se batida com um copo de vidro ou trazem
em potecircncia a degeneraccedilatildeo tal qual um copo de vidro que quebra quando lanccedilado contra a
parede Jaacute a forma eacute atualidade (enteleacutekheia) tanto como ciecircncia quanto inquirir ou seja
enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) e atividade (energeia) Atualidade enquanto disposiccedilatildeo significa
a jaacute detenccedilatildeo de determinada capacidade mas sem sua atividade Ser apto a caminhar mas
estar sentado por exemplo Jaacute ato enquanto atividade significa o exerciacutecio dessa disposiccedilatildeo
Ser apto a caminhar e estar caminhando
οὐσίαι δὲ μάλιστ εἶναι δοκοῦσι τὰ σώματα καὶ τούτων τὰ φυσικά ταῦτα γὰρ τῶν
ἄλλων ἀρχαί τῶν δὲ φυσικῶν τὰ μὲν ἔχει ζωήν τὰ δ οὐκ ἔχει ζωὴν δὲ λέγομεν τὴν
δι αὑτοῦ τροφήν τε καὶ αὔξησιν καὶ φθίσιν ὥστε πᾶν σῶμα φυσικὸν μετέχον ζωῆς
οὐσία ἂν εἴη οὐσία δ οὕτως ὡς συνθέτη
E haacute a opiniatildeo de que sobretudo os corpos satildeo substacircncia entre os quais se encontram
os corpos naturais que satildeo princiacutepios dos demais Dos corpos naturais alguns tecircm
vida outros natildeo e dizemos que a vida eacute a nutriccedilatildeo por si mesmo o crescimento e o
decaimento Assim todo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido
de substacircncia composta DA II 1 412a11-16 (Trad Gomes dos Reis)
Aristoacuteteles retorna a uma tese geral amplamente adotada por ele segundo a qual dentre
as substacircncias as sensiacuteveis satildeo as mais aceitas27
por serem mais evidentes aos sentidos O que
26 ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ τοῦ πάσχειν ἔτι ὅσαι ἕξεις καθ ἃς ἀπαθῆ ὅλως ἢ ἀμετάβλητα ἢ μὴ ῥᾳδίως ἐπὶ τὸ χεῖρον
εὐμετακίνητα δυνάμεις λέγονται κλᾶται μὲν γὰρ καὶ συντρίβεται καὶ κάμπτεται καὶ ὅλως φθείρεται οὐ τῷ
δύνασθαι ἀλλὰ τῷ μὴ δύνασθαι καὶ ἐλλείπειν τινός ἀπαθῆ δὲ τῶν τοιούτων ἃ μόλις καὶ ἠρέμα πάσχει διὰ δύ
ναμιν καὶ τῷ δύνασθαι καὶ τῷ ἔχειν πώς ldquoO mesmo vale para a potecircncia passiva Aleacutem disso chamam-se
potecircncias todos os estados em virtude dos quais as coisas satildeo absolutamente impassiacuteveis ou imutaacuteveis ou natildeo
facilmente mutaacuteveis para pior De fato as coisas quebram-se degeneram-se dobram-se e em geral destroem-se
natildeo porque tecircm potecircncia mas porque natildeo tecircm potecircncia a e porque carecem de alguma coisa ao contraacuterio satildeo
impassiacuteveis relativamente a todo estes tipos de afecccedilotildees as coisas que dificilmente ou pouco satildeo afetadas por elas
por causa de sua potecircncia e de seu poder e por determinadas condiccedilotildees em que se encontremrdquo Met Δ 12 1019ordf
26-32 (Trad Giovani Reale) 27 Οὐσία λέγεται τά τε ἁπλᾶ σώματα οἷον γῆ καὶ πῦρ καὶ ὕδωρ καὶ ὅσα τοιαῦτα καὶ ὅλως σώματα καὶ τὰ ἐκ
τούτων συνεστῶτα ζῷά τε καὶ δαιμόνια καὶ τὰ μόρια τούτων ἅπαντα δὲ ταῦτα λέγεται οὐσία ὅτι οὐ καθ
ὑποκειμένου λέγεται ἀλλὰ κατὰ τούτων τὰ ἄλλα ldquoSubstacircncia em certo sentido se diz dos corpos simples por
exemplo o fogo a terra a aacutegua e todos os corpos como estes e em geral todos os corpos e as coisas compostas
a partir deles como os animais e os seres divinos e suas partes Todas essas coisas satildeo ditas substacircncias porque
natildeo satildeo predicadas de um substrato mas tudo o mais eacute predicado delasrdquo Met Δ 1017b10ndash14 (Trad Giovani
Reale)
Τὸ ὂν λέγεται πολλαχῶς καθάπερ διειλόμεθα πρότερον ἐν τοῖς περὶ τοῦ ποσαχῶς σημαίνει γὰρ τὸ μὲν τί ἐστι
καὶ τόδε τι τὸ δὲ ποιὸν ἢ ποσὸν ἢ τῶν ἄλλων ἕκαστον τῶν οὕτω κατηγορουμένων τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου
τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν (ὅταν μὲν γὰρ εἴπωμεν ποῖόν τι
τόδε ἢ ἀγαθὸν λέγομεν ἢ κακόν ἀλλ οὐ τρίπηχυ ἢ ἄνθρωπον ldquoO ser tem muitos signficados como
estabelecemos anteriormente no livro dedicado aos diversos significados dos termos De fato o ser signfica de
um lado essecircncia e algo determinado de outro qualidade ou quantidade e cada uma das outras categorias
Mesmo sendo dito em tantos signficados eacute evidente que o primeiro dos significados do ser eacute a essecircncia que
indica a substacircncia (De fato quando perguntamos a qualidade de alguma coisa dizemos que eacute boa ou maacute mas
natildeo que tem trecircs cocircvados ou que eacute homemrdquo 1028a10ndash16 (Trad Giovani Reale)
24
Aristoacuteteles chama aqui de corpos naturais (physikoacuten) corresponde aos compostos que datildeo
origem aos artificiais e com a abstraccedilatildeo das suas unidades a objetos matemaacuteticos Mas natildeo
satildeo elementos ou partes sem unidade como o olho ou a raiz da aacutervore Pois eacute o animal que
deteacutem o olho e a aacutervore que deteacutem a raiacutez Sendo assim os corpos naturais se diferenciam
entre os que vivem e os que natildeo vivem Estes que natildeo vivem satildeo os corpos artificiais os
corpos celestes e o cadaacutever Um corpo morto seraacute de animal senatildeo por homoniacutemia pois natildeo
tem como atividade o viver E o viver eacute nutrir-se eacute crescer e eacute decair Donde Aristoacuteteles
conclui que ldquotodo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido de substacircncia
compostardquo Os seres viventes (empsykhon) satildeo substacircncias compostas de mateacuteria (corpo) e
forma (alma) tendo como atividade o viver
ἐπεὶ δ ἐστὶ καὶ σῶμα καὶ τοιόνδε ζωὴν γὰρ ἔχον οὐκ ἂν εἴη σῶμα ἡ ψυχή οὐ γάρ
ἐστι τῶν καθ ὑποκειμένου τὸ σῶμα μᾶλλον δ ὡς ὑποκείμενον καὶ ὕλη ἀναγκαῖον
ἄρα τὴν ψυχὴν οὐσίαν εἶνα ὡς εἶδος σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν ἔχοντος
E uma vez que essa substacircncia tambeacutem eacute um corpo de tal tipo ndash que tem vida ndash a
alma natildeo eacute corpo pois o corpo natildeo eacute um dos predicados do substrato antes ele eacute
como o substrato e a mateacuteria Necessariamente entatildeo a alma eacute substacircncia como
forma de um corpo natural potencialmente vivo 412ordf16-21 (Trad Maria Ceciacutelia
Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo proacutepria)
Finalmente Aristoacuteteles tece sua uacuteltima premissa e enuncia uma primeira definiccedilatildeo de
alma Dado que os corpos naturais dotados de vida satildeo compostos hilemoacuterficos cabe eliminar
qualquer possibilidade da alma ser corpo O argumento eacute conciso Haacute substacircncias que satildeo um
corpo dotado de vida Este corpo vivo natildeo eacute alma Mas substrato (hypokeimeacutenon) e mateacuteria
(hyacutele) do composto E como tal eacute objeto de predicaccedilatildeo da forma Portanto a alma natildeo pode
ser corpo pois ela que o predica
Em Met Z 3 escreve Aristoacuteteles que o substrato eacute aquilo que eacute predicado pelas coisas
enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outra28
Jaacute a substacircncia eacute aquilo que predica o
substrato mas que natildeo eacute predicada pelas outras coisas Sendo assim inerem no substrato
determinaccedilotildees como quantidade afecccedilotildees accedilotildees e potecircncias Poreacutem raspadas as
determinaccedilotildees o que resta eacute o substrato primeiro mateacuteria Contudo como jaacute enunciado
ὁμολογούμεναι μὲν αἱ φυσικαί οἷον πῦρ γῆ ὕδωρ ἀὴρ καὶ τἆλλα τὰ ἁπλᾶ σώματα ἔπειτα τὰ φυτὰ καὶ τὰ μόρια
αὐτῶν καὶ τὰ ζῷα καὶ τὰ μόρια τῶν ζῴων καὶ τέλος ὁ οὐρανὸς καὶ τὰ μόρια τοῦ οὐρανοῦ ἰδίᾳ δέ τινες οὐσίας
λέγουσιν εἶναι τά τ εἴδη καὶ τὰ μαθηματικά ldquoSubstacircncias admitidas por todos satildeo as fiacutesicas como fogo terra
aacutegua ar e os outros corpos simples ademais as plantas e suas partes do ceacuteu Alguns filoacutesofos ao contraacuterio em
funccedilatildeo de suas opiniotildees particulares afirmaram que substacircncias satildeo as Formas e os Entes matemaacuteticosrdquo Met H
1042a7ndash11(Trad Giovani Reale)
28 τὸ δ ὑποκείμενόν ἐστι καθ οὗ τὰ ἄλλα λέγεται ἐκεῖνο δὲ αὐτὸ μηκέτι κατ ἄλλου ldquoO Substrato eacute aquilo de
que satildeo predicadas todas as outras coisas enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outrardquo Met Z 3 1028b36 ndash
1029a1 (Trad Giovani Reale)
25
acima Aristoacuteteles compreende a mateacuteria como algo indeterminado Apesar disso haacute algo da
qual todas as outras determinaccedilotildees satildeo predicadas E sendo a substacircncia um algo separado
que predica a mateacuteria ou seja que referencia e determina a mateacuteria substacircncia e mateacuteria natildeo
podem ser idecircnticas O que este argumento nos ajuda a compreender eacute o pressuposto
metafiacutesico sobre o qual Aristoacuteteles identifica o corpo com o substrato impossibilitando que
este seja identificado com a alma Ou seja a substacircncia que predica o corpo
Portanto se o corpo eacute substrato material do composto orgacircnico vivo segue-se
necessariamente que a alma eacute a substacircncia formal Aristoacuteteles enuncia entatildeo seu perseguido
enunciado mais geral a alma eacute substacircncia como forma de um corpo natural potencialmente
vivo A alma enquanto substacircncia do composto vivo eacute substacircncia no sentido de forma Com
este enunciado Aristoacuteteles responde o primeiro ponto do elenco de questotildees a serem
abordadas numa investigaccedilatildeo da alma a saber a qual gecircnero de ser pertence a alma
Para a alma ser forma de um corpo potencialmente vivo ndash e ser potencialmente vivo eacute
dispor de oacutergatildeos passiacuteveis de realizaccedilatildeo das atividades proacuteprias ao viver ndash significa ser o
princiacutepio estruturante e configurador das funccedilotildees (eacutergon) de vida Assim a alma eacute o princiacutepio
e causa determinante do ser atraveacutes das atividades proacuteprias ao viver em um corpo de tal tipo
Portanto a alma configura a realidade das substacircncias compostas viventes sendo aquilo a
partir e em vista do que a vida se daacute
Aristoacuteteles abre caminho para a responder sua taacutebua de definiccedilotildees de DA I 1 A
primeira delas eacute configurar a relaccedilatildeo entre a alma e o corpo fundamentando a noccedilatildeo de
inseparabilidade entre uma e outro Pois ser a forma de um composto demanda que a alma se
atualize apenas se instanciada em um estofo material e seja seu princiacutepio de ser Em siacutentese a
alma eacute como a substacircncia e o corpo eacute como o substrato da substacircncia composta viva que eacute o
ser vivente
Seguindo as noccedilotildees jaacute traccediladas anteriormente Aristoacuteteles desdobraraacute outras duas
caracteriacutesticas proacuteprias agrave alma atualidade primeira e princiacutepio de determinaccedilatildeo do corpo Jaacute
que a alma eacute forma e forma eacute atualidade entatildeo a alma eacute atualidade deste corpo
potencialmente vivo como se lecirc logo em seguida
ἡ δ οὐσία ἐντελέχεια τοιούτου ἄρα σώματος ἐντελέχεια αὕτη δὲ λέγεται διχῶς ἡ
μὲν ὡς ἐπιστήμη ἡ δ ὡς τὸ θεωρεῖν φανερὸν οὖν ὅτι ὡς ἐπιστήμη ἐν γὰρ τῷ
ὑπάρχειν τὴν υχὴν καὶ ὕπνος καὶ ἐγρήγορσίς ἐστιν ἀνάλογον δ ἡ μὲν ἐγρήγορσις τῷ
θεωρεῖν ὁ δ ὕπνος τῷ ἔχειν καὶ μὴ ἐνεργεῖν προτέρα δὲ τῇ γενέσει ἐπὶ τοῦ αὐτοῦ ἡ
ἐπιστήμη διὸ ἡ ψυχή ἐστιν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν
ἔχοντος
E a substacircncia eacute atualidade Portanto eacute de um corpo de tal tipo que a alma eacute
atualidade Mas esta se diz de dois modos ndash primeiro como ciecircncia segundo como o
26
inquirir Eacute claro entatildeo que a alma eacute atualidade como ciecircncia pois ao subsistir a alma
haacute tanto o sono como a vigiacutelia e a vigiacutelia eacute algo anaacutelogo ao inquirir o sono a possuir
a ciecircncia mas natildeo a exercecirc-la e no que concerne a um mesmo indiviacuteduo a ciecircncia eacute
a primeira atualidade de um corpo natural que tem em potecircncia vida DA II 1 412a21-
28 (Trad Gomes dos Reis)
Como jaacute estabelecido em 401a6-11 a atualidade se diz segundo a disposiccedilatildeo e a
atividade Aqui disposiccedilatildeo (heacutexis) estaacute para a ciecircncia (epistecircme) como atividade (energeacuteia)
estaacute para inquirir (theoreicircn) Portanto disposiccedilatildeo eacute a obtenccedilatildeo de dada capacidade sem
executaacute-la enquanto atividade eacute sua execuccedilatildeo
Aristoacuteteles conclui seu argumento especificando a alma como uma atualidade primeira
(enteleacutekheia proteacute) Charlton29
propotildee que o termo ldquoprimeirordquo (proteacute) se refira agrave atualidade no
primeiro sentido ou seja enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) O que parece plausiacutevel pois o texto
aristoteacutelico nos diz que a alma eacute atualidade como ciecircncia (phanerograven oucircn hoacuteti hocircs episteme)
Aleacutem disso nas discussotildees preliminares sobre a capacidade perceptiva Aristoacuteteles discorre
um pouco mais sobre as diferenccedilas entre atualidade em termos de disposiccedilatildeo e atividade
διαιρετέον δὲ καὶ περὶ δυνάμεως καὶ ἐντελεχείας νῦν γὰρ ἁπλῶς ἐλέγομεν περὶ
αὐτῶν ἔστι μὲν γὰρ οὕτως ἐπιστῆμόν τι ὡς ἂν εἴποιμεν ἄνθρωπον ἐπιστήμονα ὅτι ὁ
ἄνθρωπος τῶν ἐπιστημόνων καὶ ἐχόντων ἐπιστήμην ἔστι δ ὡς ἤδη λέγομεν
ἐπιστήμονα τὸν ἔχοντα τὴν γραμματικήν ἑκάτερος δὲ τούτων οὐ τὸν αὐτὸν τρόπον
δυνατός ἐστιν ἀλλ ὁ μὲν ὅτι τὸ γένος τοιοῦτον καὶ ἡ ὕλη ὁ δ ὅτι βουληθεὶς δυνατὸς
θεωρεῖν ἂν μή τι κωλύσῃ τῶν ἔξωθεν ὁ δ ἤδη θεωρῶν ἐντελεχείᾳ ὢν καὶ κυρίως
ἐπιστάμενος τόδε τὸ Α ἀμφότεροι μὲν οὖν οἱ πρῶτοι κατὰ δύναμιν ἐπιστήμονες
ltὄντες ἐνεργείᾳ γίνονται ἐπιστήμονεςgtἀλλ ὁ μὲν διὰ μαθήσεως ἀλλοιωθεὶς καὶ
πολλάκις ἐξ ἐναντίας μεταβαλὼν ἕξεως ὁ δ ἐκ τοῦ ἔχειν τὴν ἀριθμητικὴν ἢ τὴν
γραμματικήν μὴ ἐνεργεῖν δέ εἰς τὸ ἐνεργεῖν ἄλλον τρόπον
Eacute preciso ainda fazer distinccedilotildees no que diz respeito agrave potecircncia e agrave atualidade Pois ateacute
agora falaacutevamos disso de maneira simples Por um lado haacute aquele que conhece no
sentido em que diriacuteamos ser o homem conhecedor por estar entre os que conhecem e
possuem conhecimento e haacute em outro sentido aquele que dizemos ser conhecedor
por jaacute saber a gramaacutetica (e cada um deles eacute em potecircncia mas natildeo da mesma maneira
o primeiro por que eacute de tal gecircnero e mateacuteria o outro porque se quiser pode inquirir
nada externo o impedindo) E haacute por fim aquele que estaacute inquirindo e em atualidade
conhecendo em sentido proacuteprio este ldquoArdquo determinado Os dois primeiros satildeo
conhecedores em potecircncia um por ter-se alterado via aprendizagem e por passar
vaacuterias vezes de uma das disposiccedilotildees contraacuterias a outra o outro de outro modo por
passar do ter a percepccedilatildeo sensiacutevel30 ou a gramaacutetica sem exercitaacute-lo ao estar em
exerciacutecio DA II 5 417a21-b2 (Trad Gomes dos Reis)
O ser humano eacute configurado de modo a realizar certas atividades como a nutriccedilatildeo a
percepccedilatildeo e a inquiriccedilatildeo Entretanto a pura organizaccedilatildeo fiacutesica natildeo basta para que elas sejam
realizadas Assim somente quando a funccedilatildeo proacutepria de determinada disposiccedilatildeo fiacutesica entra
em atividade eacute que aquilo que eacute em potecircncia se torna uma atualidade No caso acima a
capacidade de inquirir Mas toda capacidade exige um objeto para entrar em atividade E o
29 1980 p 174 30 A tradutora optou por substituir o termo ldquoarithmetikegravenrdquo por ldquoaiacutesthesinrdquo Cf GOMES DOS REIS 2012 p 84
27
que era uma potecircncia de aprendizado para o inquiridor torna-se uma atualidade pela atividade
da sua inquiriccedilatildeo Deste modo haacute trecircs instacircncias que vatildeo da potecircncia agrave atualidade Na
primeira o ser vivente eacute dotado da capacidade de aprender a inquirir Na segunda esta
disposiccedilatildeo eacute posta em atividade tendo um objeto para se inquirir Na terceira eacute a atividade
dessa capacidade aprendida ou adquirida que se tem uma atualidade plena No primeiro caso
eacute claramente uma capacidade segundo uma disposiccedilatildeo No segundo caso jaacute temos um estado
de atualidade na medida em que haacute o exerciacutecio dessa capacidade proacutepria ao ser vivente
Aristoacuteteles chama isso de potecircncia pois em relaccedilatildeo agrave terceira instacircncia aquele modo de
atualidade eacute ainda suscetiacutevel de alteraccedilatildeo E quando essa nova capacidade a gramaacutetica eacute
adquirida pela atividade desta nova capacidade de inquirir possiacutevel apenas pela sua
disposiccedilatildeo na fisiologia do ser vivente a capacidade se atualiza plenamente
Assim a alma eacute atualidade primeira de um corpo potencialmente vivo enquanto
princiacutepio de atividade das capacidades proacuteprias ao viver presentes como disposiccedilatildeo que a
forma engendra neste corpo Isto fica mais evidente em DA II 1 412b5-9
εἰ δή τι κοινὸν ἐπὶ πάσης ψυχῆς δεῖ λέγειν εἴη ἂν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος
φυσικοῦ ὀργανικοῦ διὸ καὶ οὐ δεῖ ζητεῖν εἰ ἓν ἡ ψυχὴ καὶ τὸ σῶμα ὥσπερ οὐδὲ τὸν
κηρὸν καὶ τὸ σχῆμα οὐδ ὅλως τὴν ἑκάστου ὕλην καὶ τὸ οὗ ἡ ὕλη τὸ γὰρ ἓν καὶ τὸ
εἶναι ἐπεὶ πλεοναχῶς λέγεται τὸ κυρίως ἡ ἐντελέχειά ἐστιν
Se eacute preciso enunciar algo comum a toda e qualquer alma seria que eacute a primeira
atualidade do corpo natural orgacircnico E por isso inclusive natildeo eacute preciso investigar se
alma e corpo satildeo uma unidade ndash tampouco se a cera e a figura o satildeo e em suma nem
se a mateacuteria de cada coisa e aquilo de que eacute mateacuteria ndash pois jaacute que se diz unidade ser
de muitos modos o mais apropriado deles eacute a atualidade (Trad Gomes dos Reis)
O corpo eacute dotado de oacutergatildeos partes que viabilizam a atividade das capacidades
proacuteprias ao viver E eacute a atividade das capacidades atraveacutes dos oacutergatildeos que se confere unidade
entre corpo e alma nesse composto orgacircnico vivo Assim Aristoacuteteles responde sobre a
unidade entre alma e corpo enunciada na taacutebua de definiccedilotildees Natildeo por acaso como corolaacuterio
agraves noccedilotildees de alma como forma e atualidade Aristoacuteteles declara
οὐσία γὰρ ἡ κατὰ τὸν λόγον τοῦτο δὲ τὸ τί ἦν εἶναι τῷ τοιῳδὶ σώματι καθάπερ εἴ τι
τῶν ὀργάνων φυσικὸν ἦν σῶμα οἷον πέλεκυς ἦν μὲν γὰρ ἂν τὸ πελέκει εἶναι ἡ οὐσία
αὐτοῦ καὶ ἡ ψυχὴ τοῦτο χωρισθείσης δὲ ταύτης οὐκ ἂν ἔτι πέλεκυς ἦν ἀλλ ἢ ὁμ
ωνύμως νῦν δ ἔστι πέλεκυς οὐ γὰρ τοιούτου σώματος τὸ τί ἦν εἶναι καὶ ὁ λόγος ἡ
ψυχή ἀλλὰ φυσικοῦ τοιουδί ἔχοντος ἀρχὴν κινήσεως καὶ στάσεως ἐν ἑαυτῷ
Pois ela eacute a substacircncia segundo a determinaccedilatildeo ou seja o que era para ser de um
corpo de tal tipo Se um instrumento fosse um corpo natural ndash por exemplo o
machado ndash a sua substacircncia seria a que eacute ser para o machado e isto seria a sua alma
Separado disso ele natildeo seria mais um machado exceto por homoniacutemia Mas na
verdade eacute um machado pois a alma natildeo eacute a determinaccedilatildeo e o que eacute o que eacute para um
corpo desse tipo mas sim um corpo natural tal que tenha em si mesmo um princiacutepio
28
de movimento e repouso DA II 1 412b10-17 (Trad Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo
proacutepria)
Como jaacute explicitado no enunciado de alma enquanto substacircncia como forma em
412a20 a alma eacute este princiacutepio determinante do ser do composto Ou seja o princiacutepio
organizador das suas disposiccedilotildees e propriedades que determinaratildeo o ser proacuteprio de um corpo
natural capaz de viver A identificaccedilatildeo entre alma e forma se desdobraraacute na identificaccedilatildeo de
alma e o que era para ser31
(tograve tiacute ecircn eicircnai)
Dado que a alma eacute forma e atualidade do corpo Aristoacuteteles estabelece que ela eacute seu
princiacutepio de determinaccedilatildeo das propriedades relevantes que daratildeo o caraacuteter essencial do ser
vivente E eacute evidente como o texto nos mostra e Hamilyn32
sustenta que a determinaccedilatildeo da
essecircncia se daacute segundo sua funccedilatildeo (eacutergon) O ser do machado eacute cortar na medida em que a
funccedilatildeo proacutepria do machado eacute cortar assim como a do olho eacute ver O ser do ser vivente eacute viver
31 A locuccedilatildeo eacute razatildeo de grande controveacutersia na tradiccedilatildeo de comentaacuterios ao texto aristoteacutelico Natildeo entrarei nos
pormenores da discussatildeo mas tomarei a traduccedilatildeo o que era para ser em sua literalidade assim como Angioni
tendo em vista o contexto no qual se pretende compreender seu emprego ldquoTrata-se de uma substantivaccedilatildeo com
o artigo neutro (lsquotorsquo) da pergunta lsquoo que afinal era o ser para tal coisarsquo (lsquoti en to einai toutoirsquo lsquotiacute ecircn tograve eicircnai
toutoirsquo) ndash Aristoacuteteles frequentemente substantiva segmentos de sentenccedilas e expressotildees que em si mesmas
constituem perguntas gramaticalmente completas isso ocorre na designaccedilatildeo das categorias (ldquoo qualrdquo ldquotograve poicirconrdquo
etc) na designaccedilatildeo de algumas das quatro causas (lsquoo que moveu primeirorsquo lsquoo em vista de quersquo) e em outras
expressotildees lsquo(lsquoo por quecircrsquo lsquotograve diagrave tiacutersquo ou lsquotograve dioacutetirsquo) O infinitivo lsquoserrsquo eacute o mesmo que consta na expressatildeo lsquoser +
dativorsquo e que designa a essecircncia da coisa isto eacute o conjunto de propriedades e caracteriacutesticas que deveriam ser
enumeradas no enunciado que define o que a coisa eacute Trata-se do mesmo infinitivo que comparece em 1041a32
1041b28 e 1042b27 (e natildeo se trata do infinitivo que poderia eventualmente ser entendido como existencial tal
como em 1041a15) O imperfeito ldquoerardquo por sua vez consiste num resquiacutecio de um uso dialeacutetico pelo qual o
interlocutor remetia a alguma definiccedilatildeo anteriormente dada destinada a funcionar como paracircmetro para a
discussatildeo ulterior (para referecircncias quanto ao uso desse imperfeito ver nossa dissertaccedilatildeo de mestrado p 89
nota 208) A pergunta original seria lsquoo quecirc era o ser para tal coisarsquo mas isso quer apenas dizer lsquoo quecirc fora
estabelecido (anteriormente na presente discussatildeo) como ser para tal coisarsquo Com o haacutebito a expressatildeo teria
perdido o significado interrogativo que originalmente possuiacutea e teria se tornado um jargatildeo para designar a
essecircncia Em vista disso lsquoto ti en einairsquo poderia ser traduzido ou parafraseado como lsquoaquilo que fora
estabelecido como caracteriacutesticas essenciais de tal coisarsquo A lsquoanterioridade causal da formarsquo muita vez alegada
como chave para a compreensatildeo do jargatildeo eacute compatiacutevel com o significado da expressatildeo mas natildeo explica a
origem do imperfeitordquo (Angioni 2005 102) 32 ldquoAristotlersquos selection of a tool an axe to provide an analogy with the ensouled body reveals how close to the
surface in this discussion is the notion of function The substance or essence of an axe is its function without
which it would not be an axe Like the Greeks in general Aristotle had no difficulty in thinking of a natural body
as having a function too (cf Nicomachean Ethics 1097b22ff) this is part of his general teleology But as he
goes on to point out there are differences also between an axe and a natural body which spoil the analogy This
is the force of the words lsquoBut as it is an axersquo ndash the essence of a axe is not its soul since it does not have one not
being a living thingrdquo ldquoA seleccedilatildeo do Aristoacuteteles de um instrumento um machado prova um analogia com os
coporpos animados revela como o que estaacute em voga eacute a discussatildeo eacute a noccedilatildeo de funccedilatildeo A substacircncia ou
essecircncia de um machado eacute sua funccedilatildeo sem a qual ele natildeo seria um machado Assim como os Gregos
Aristoacuteteles natildeo teve dificuldades em pensar o corpo natural como tambeacutem dotado de funccedilatildeo (cf Eacutetica a
Nicocircmaco 1097b22ss) isto eacute parte da sua teleologia Mas como ele segue pontuando haacute diferenccedilas igualmente
entre um machado e um corpo natural que prejudicam a analogia Eacute o que sugerem as palavras Mas eacute como um
machadorsquo - a essecircncia do machado natildeo eacute sua alma jaacute que ele natildeo tem uma natildeo eacute um ser viventerdquo (HAMLYN
1993 85) (Trad proacutepria)
29
e isto eacute garantido pela alma A locuccedilatildeo o que era para ser como indica Gomes dos Reis33
pode ser compreendida como uma continuidade da forma do ser vivente perante o devir que
lhe eacute proacuteprio ao longo da sua vida
Com isso Aristoacuteteles traccedila suas noccedilotildees preliminares da alma em DA II 1 Haacute ao final
do capiacutetulo algo digno de nota Aristoacuteteles se refere a tudo isto como um rascunho e esboccedilo
de definiccedilatildeo34
Poderiacuteamos entender que estas proposiccedilotildees satildeo insuficientes para o projeto
psicoloacutegico aristoteacutelico E satildeo mesmo em certa medida Pois em relaccedilatildeo agrave taacutebua de
definiccedilatildeo Aristoacuteteles soacute respondeu as noccedilotildees relativas agrave substacircncia atualidade e unidade da
alma Apesar disso como argumentarei na sessatildeo seguinte todo o arcabouccedilo conceitual e
argumentativo aqui esboccedilado sustentaraacute a noccedilatildeo de alma como princiacutepio das capacidades que
denotam vida Aleacutem do mais se lembrarmos que nas primeiras linhas do capiacutetulo Aristoacuteteles
se comprometia tatildeo somente em buscar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) para a
alma eacute inegaacutevel que ele foi bem sucedido Se ao fim de DA I ele tem claro que a alma eacute
princiacutepio imoacutevel de movimento e una em DA II 1 satildeo apresentados os argumentos positivos
para estas duas teses A alma eacute de estatuto formal portanto imoacutevel e princiacutepio organizador
das propriedades do ser Enquanto forma eacute atualidade e assim o princiacutepio de atividade das
capacidades proacuteprias ao ser Enquanto substacircncia eacute o que era para ser do ser vivente e entatildeo
o princiacutepio determinante do que este ser vivente eacute E esta determinaccedilatildeo seraacute dada pela funccedilatildeo
proacutepria das suas capacidades que soacute seratildeo plenificadas com as atividades no oacutergatildeo
correspondente Este enunciado e o que se desdobra dele eacute um rascunho e esboccedilo de definiccedilatildeo
pois natildeo nos explica satisfatoriamente por que a alma eacute princiacutepio das formas especiacuteficas de
vida Aristoacuteteles reconhece isso e segundo um paracircmetro geomeacutetrico de definiccedilatildeo mudaraacute o
curso da investigaccedilatildeo sobre a alma
33 ldquoA expressatildeo to ti ecircn einai pode ser a generalizaccedilatildeo de uma construccedilatildeo com ocorrecircncias nos tratados por
exemplo to [pelekei] einai o ser [para o machado] o ser [para a carne] que seraacute traduzida por sua vez como a
locuccedilatildeo ldquoo que eacute ser para o machadordquo e assim por diante Como reconstruiacute-la eacute um assunto polecircmico Haacute um
verbo no imperfeito (a expressatildeo literalmente diz algo como o lsquoo que era a serrsquo) que poderia ser interpretado
como uma ecircnfase na continuidade da forma a despeito do devirrdquo 2012 208 34τύπῳ μὲν οὖν ταύτῃ διωρίσθω καὶ ὑπογεγράφθω περὶ ψυχῆς ldquoE isto basta como um esquema do esboccedilo de
definiccedilatildeo de almardquo DA II 1 413a10-11 (Trad Gomes dos Reis)
30
22 A DEFINICcedilAtildeO PELAS CAPACIDADES
DA II 2 se inicia com um impasse a noccedilatildeo geral oferece o gecircnero de ser da alma mas
natildeo a enuncia como causa de vida nos seres viventes Diante disso Aristoacuteteles faz uma
revisatildeo metodoloacutegica na investigaccedilatildeo de alma tomando como paradigma o exemplo de
definiccedilatildeo pela causa de um objeto geomeacutetrico
Ἐπεὶ δ ἐκ τῶν ἀσαφῶν μὲν φανερωτέρων δὲ γίνεται τὸ σαφὲς καὶ κατὰ τὸν λόγον
γνωριμώτερον πειρατέον πάλιν οὕτω γ ἐπελθεῖν περὶ αὐτῆς οὐ γὰρ μόνον τὸ ὅτι δεῖ
τὸν ὁριστικὸν λόγον δηλοῦν ὥσπερ οἱ πλεῖστοι τῶν ὅρων λέγουσιν ἀλλὰ καὶ τὴν
αἰτίαν ἐνυπάρχειν καὶ ἐμφαίνεσθαι νῦν δ ὥσπερ συμπεράσμαθ οἱ λόγοι τῶν ὅρων
εἰσίν οἷον τί ἐστιν ὁ τετραγωνισμός τὸ ἴσον ἑτερομήκει ὀρθογώνιον εἶναι
ἰσόπλευρον ὁ δὲ τοιοῦτος ὅρος λόγος τοῦ συμπεράσματος ὁ δὲ λέγων ὅτι ἐστὶν ὁ
τετραγωνισμὸς μέσης εὕρεσις τοῦ πράγματος λέγει τὸ αἴτιον
E jaacute que a partir de coisas natildeo claras embora mais manifestas advecircm clareza e maior
inteligibilidade segundo o enunciado deve-se tentar desta maneira novamente
discorrer sobre a alma pois natildeo somente eacute preciso que o enunciado definidor
esclareccedila os fatos ndash como o faz a maioria das definiccedilotildees ndash mas ainda conter e
expressar a causa Os enunciados das definiccedilotildees na verdade satildeo como conclusotildees O
que eacute por exemplo a quadratura Eacute fazer equivaler um retacircngulo equilaacutetero a um
retacircngulo qualquer Mas tal definiccedilatildeo eacute o enunciado da conclusatildeo e o que diz por sua
vez que a quadratura eacute a descoberta de uma meacutedia proporcional enuncia a causa DA
II 2 413a11-20 (Trad Gomes dos Reis)
Novamente Aristoacuteteles nos relembra a ideia de que as apreensotildees sensiacuteveis satildeo mais
manifestas (phaneroteacuteron) que as apreensotildees inteligiacuteveis As inteligiacuteveis satildeo mais claras
(sophoacutes) pois satildeo formas apreendidas com a razatildeo e menos suscetiacuteveis ao engano Ao
contraacuterio das apreensotildees sensiacuteveis que satildeo mais manifestas Muito embora os pressupostos
que permitiram deduzir o estatuto ontoloacutegico da alma no capiacutetulo anterior sejam mais claros
eles enunciam o vivente como um ser animado enquanto um fato mas natildeo enunciam a alma
como causa do viver Portanto DA II 2 se dedicaraacute a investigar a alma como causa de vida
nos seres viventes a partir do que eacute mais manifesto ao que eacute mais claro
Aristoacuteteles se utiliza de um teorema para explicar que o termo meacutedio de um silogismo
apresenta a causa de um fato Num silogismo dado uma premissa maior que enuncie o fato e
tem como outro fato a conclusatildeo a premissa menor enuncia a causa pois eacute onde se encontra o
porquecirc da conclusatildeo Responder que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois ldquoTodo homem eacute mortalrdquo natildeo
enuncia a causa da mortalidade de Soacutecrates soacute o mero fato de coincidentemente ldquoSoacutecratesrdquo e
ldquoTodo homemrdquo serem mortais Poreacutem se respondemos que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois
ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo e ldquoTodo homem eacute mortalrdquo entatildeo foi enunciado a causa da mortalidade
de Soacutecrates Em sua estrutura claacutessica a premissa maior ldquoTodo homem eacute mortalrdquo a premissa
menor ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo a conclusatildeo ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo
31
Fica a questatildeo de como este novo criteacuterio se aplica agrave definiccedilatildeo E sobre a alma o
corpo e a vida
λέγομεν οὖν ἀρχὴν λαβόντες τῆς σκέψεως διωρίσθαι τὸ ἔμψυχον τοῦ ἀψύχου τῷ
ζῆν πλεοναχῶς δὲ τοῦ ζῆν λεγομένου κἂν ἕν τι τούτων ἐνυπάρχῃ μόνον ζῆν αὐτό
φαμεν οἷον νοῦς αἴσθησις κίνησις καὶ στάσις ἡ κατὰ τόπον ἔτι κίνησις ἡ κατὰ
τροφὴν καὶ φθίσις τε καὶ αὔξησις
Retomando o princiacutepio da investigaccedilatildeo digamos entatildeo que o animado se distingue do
inanimado pelo viver E de muitos modos se diz o viver pois dizemos que algo vive
se nele subsiste pelo menos um destes ndash intelecto percepccedilatildeo sensiacutevel movimento
local e repouso e ainda o movimento segundo a nutriccedilatildeo o decaimento e o
crescimento DA II 2 413a20-24 (Trad Gomes dos Reis)
Aristoacuteteles enuncia uma premissa maior e outra menor
[premissa maior] Todo ser dotado de alma vive
[premissa menor] Viver eacute ser dotado de intelecto percepccedilatildeo nutriccedilatildeo movimento
local e repouso decaimento e crescimento
Eacute proacuteprio agrave alma atribuir vida Viver eacute ser dotado de uma das capacidades
mencionadas Assim todo corpo natural que apresente uma dessas capacidades vive35
Portanto as plantas vivem pois se nutrem crescem e decaem por si proacuteprias
διὸ καὶ τὰ φυόμενα πάντα δοκεῖ ζῆν φαίνεται γὰρ ἐν αὑτοῖς ἔχοντα δύναμιν καὶ
ἀρχὴν τοιαύτην δι ἧς αὔξησίν τε καὶ φθίσιν λαμβάνουσι κατὰ τοὺς ἐναντίους τόπους
οὐ γὰρ ἄνω μὲν αὔξεται κάτω δ οὔ ἀλλ ὁμοίως ἐπ ἄμφω καὶ πάντῃ ὅσα ἀεὶ
τρέφεταί τε καὶ ζῇ διὰ τέλους ἕως ἂν δύνηται λαμβάνειν τροφήν
Por isso parece inclusive que todas as plantas vivem pois eacute manifesto que tecircm em si
mesmas uma potecircncia e um princiacutepio deste tipo por meio do qual ganham
crescimento e decaimento segundo direccedilotildees contraacuterias pois natildeo crescem apenas para
cima e natildeo para baixo mas similarmetne em ambas e em todas as direccedilotildees e assim eacute
para as que se nutrem constantemente e vivem ateacute o fim enquanto puderem obter
alimento DA II 2 413a25-31 (Trad Gomes dos Reis)
Assim como os animais vivem jaacute que satildeo dotados de nutriccedilatildeo e percepccedilatildeo
τὸ μὲν οὖν ζῆν διὰ τὴν ἀρχὴν ταύτην ὑπάρχει τοῖς ζῶσι τὸ δὲ ζῷον διὰ τὴν αἴσθησιν
πρώτως καὶ γὰρ τὰ μὴ κινούμενα μηδ ἀλλάττοντα τόπον ἔχοντα δ αἴσθησιν ζῷα
λέγομεν καὶ οὐ ζῆν μόνον
O viver subsiste nos seres vivos por conta deste princiacutepio e o animal constitui-se
primordialmente pela percepccedilatildeo sensiacutevel Pois dizemos que satildeo animais ndash e natildeo
apenas que vivem ndash tambeacutem os que natildeo se movem nem mudam de lugar mas
possuem percepccedilatildeo DA II 2 413b1-4 (Trad Gomes dos Reis)
Com isso temos a conclusatildeo do silogismo psicoloacutegico aristoteacutelico
[conclusatildeo a] Plantas e animais satildeo animados
E desta uma outra
35 Como jaacute antecipara em DA II 1 412a11-16 citado na paacutegina 16
32
[conclusatildeo b] Plantas e animais satildeo vivos
Portanto assim como todo retacircngulo teraacute quadratura por causa da sua proporccedilatildeo com
um retacircngulo quadrilaacutetero todo corpo seraacute um ser vivente por ser dotado de alma Entretanto
uma ldquoquestatildeo de aluno bobordquo seria perguntar para Aristoacuteteles de onde vecircm essas duas
premissas Ao conectar alma e vida sem explicar esta uacuteltima poderia levar a investigaccedilatildeo
aristoteacutelica agrave obscuridade precisamente onde se deveria ter mais clareza Entatildeo para que
Aristoacuteteles garanta a alma como causa da vida mortal ele endossaria os pressupostos dos seus
predecessores e portanto distinguiria o animado do inanimado pelo movimento e pela
percepccedilatildeo36
Polansky apesar disso natildeo esclarece afinal quais os argumentos que sustentam
a associaccedilatildeo entre alma e vida Se limitando apenas agraves implicaccedilotildees argumentativas desse
pressuposto
Contudo se assumirmos que Aristoacuteteles endossa a tese de seus predecessores segundo
a qual o animado se distingue do inanimado pelo movimento e percepccedilatildeo37
e que a nutriccedilatildeo eacute
a capacidade mais baacutesica entre os seres animados38
e por fim que a nutriccedilatildeo e a percepccedilatildeo
satildeo uma forma de movimento39
somos levados a crer que o argumento consiste em
[P1] viver eacute ao menos nutriccedilatildeo crescimento e decaimento
[P2] nutriccedilatildeo crescimento e decaimento satildeo um tipo de movimento (do tipo por si)
[P3] tudo o que se move por si eacute animado
[P4] a alma eacute um princiacutepio imoacutevel de movimento
[C1] logo tudo o que vive eacute animado
36 Cf Nota seguinte 37 τὸ ἔμψυχον δὴ τοῦ ἀψύχου δυσὶ μάλιστα διαφέρειν δοκεῖ κινήσει τε καὶ τῷ αἰσθάνεσθαι παρειλήφαμεν δὲ
καὶ παρὰ τῶν προγενεστέρων σχεδὸν δύο ταῦτα περὶ ψυχῆς ldquoOra haacute a opiniatildeo de que o animado difere do
inanimado em dois aspectos o movimento e a percepccedilatildeo sensiacutevel E em relaccedilatildeo agrave alma satildeo mais ou menos
esses dois que recebemos de nossos predecessoresrdquo DA I 1 403b25-28 (Trad Gomes dos Reis) 38 ὥστε πρῶτον περὶ τροφῆς καὶ γεννήσεως λεκτέον ἡ γὰρ θρεπτικὴ ψυχὴ καὶ τοῖς ἄλλοις ὑπάρχει καὶ πρώτη
καὶ κοινοτάτη δύναμίς ἐστι ψυχῆς καθ ἣν ὑπάρχει τὸ ζῆν ἅπασιν ldquoPor conseguinte deve-se primeiro tratar do
alimento e da geraccedilatildeo pois a alma nutritiva subsiste tambeacutem com as outras sendo a primeira e a mais comum
potecircncia da alma segundo a qual subsiste em todos o viverrdquo DA II 4 415A22-25 (Trad Gomes dos Reis) 39 ἔστι δὲ καὶ ἀλλοίωσις καὶ αὔξησις κατὰ ψυχήν ἡ μὲν γὰρ αἴσθησις ἀλλοίωσίς τις εἶναι δοκεῖ αἰσθάνεται δ
οὐθὲν ὃ μὴ μετέχει ψυχῆς ὁμοίως δὲ καὶ περὶ αὐξήσεώς τε καὶ φθίσεως ἔχει οὐδὲν γὰρ φθίνει οὐδ αὔξεται
φυσικῶς μὴ τρεφόμενον τρέφεται δ οὐθὲν ὃ μὴ κοινωνεῖ ζωῆς ldquoMas inclusive a alteraccedilatildeo e o crecimento
existem segundo a alma pois haacute a opiniatildeo de que a percepccedilatildeo sensiacutevel eacute uma certa alteraccedilatildeo e aquele que natildeo
participa da alma nada percebe de maneira similar ocorre tambeacutem em relaccedilatildeo ao crescimento e decaimento pois
nem decai nem cresce naturalmente aquele que natildeo eacute nutrido e nada que natildeo compartilhe da vida se nutrerdquo DA
II 4 415b23-28 (Trad Gomes dos Reis)
E mais adiante enunciando a percepccedilatildeo Aristoacuteteles eacute categoacuterico ἡ δ αἴσθησις ἐν τῷ κινεῖσθαί τε καὶ πάσχειν
συμβαίνει καθάπερ εἴρηται δοκεῖ γὰρ ἀλλοίωσίς τις εἶναι ldquoA percepccedilatildeo sensiacutevel consiste em ser movido e ser
afetado como dissemos pois haacute a opiniatildeo de que ela eacute uma certa alteraccedilatildeordquo DA II 4 416b35-36 (Trad Gomes
dos Reis)
33
Note que [P1] e [P2] seriam premissas autoevidentes Em [P3] Aristoacuteteles partiria
dos mesmos pressupostos que as endoxai de seus predecessores enquanto [P4] resultaria da
anaacutelise criacutetica dessas endoxai ao longo de DA I 3-5 Aristoacuteteles natildeo nos elucida claramente de
onde ele tira as evidecircncias de [P1] e [P2] ou seja por que essas capacidades tais satildeo
movimentos por si e portanto denotam vida Quanto a [P3] Fiacutes VIII40
nos indica que esta eacute
uma tese que Aristoacuteteles abraccedila mas tambeacutem sem explicar suas razotildees O mais plausiacutevel
parece ser que este eacute um fenocircmeno autoevidente amplamente aceito que dispense justificaccedilatildeo
Diferentemente eacute o caso de [P4] cuja justificativa pode se sustentar na criacutetica aristoteacutelica agraves
noccedilotildees democritianas de que a alma eacute um princiacutepio de movimento que se move em DA I 3
corroborada pela noccedilatildeo de alma enunciada em DA II 1 segundo a qual a alma eacute forma logo
atualidade e portanto princiacutepio de determinaccedilatildeo das funccedilotildees proacuteprias ao ser vivente
Olhando por essas lacunas que o argumento aristoteacutelico conteacutem sua tentativa de
enunciar a alma como causa de vida parece fragilizada Entretanto fato eacute que a vida eacute
explicada pela alma no contexto do pensamento helecircnico Entatildeo conceder a Aristoacuteteles este
pressuposto parece um miacutenimo que o leitor contemporacircneo precise fazer Aleacutem disso vale
lembrar que em Met Z 17 Aristoacuteteles defende ser ldquonecessaacuterio que o dado e a existecircncia da
coisa sejam previamente conhecidosrdquo41
e que portanto o que se investiga eacute ldquopor que alguma
coisa pertence a outrardquo42
Deste modo cabem aqui questotildees como ldquopor que os corpos
vivemrdquo ou ainda ldquopor que se atribui vida a corpos dotados de capacidades taisrdquo E natildeo ldquopor
que o animado se diferencia do inanimado pelo viverrdquo como o formulado no iniacutecio desta
digressatildeo Talvez a fragilidade aparente se decirc pois aqui se toque as Colunas de Heacutercules da
psicologia aristoteacutelica
Retomando a braccedilada dos remos se a tese de que a vida se manifesta pela capacidade
de movimento eacute confirmada quando Aristoacuteteles enuncia uma nova noccedilatildeo de alma como
40 οὐδεμιᾶς γὰρ ἐν ἡμῖν ἐνούσης κινήσεως ἐνίοτε ἀλλ ἡσυχάζοντες ὅμως κινούμεθά ποτε καὶ ἐγγίγνεται ἐν ἡμῖν
ἐξ ἡμῶν αὐτῶν ἀρχὴ κινήσεως κἂν μηθὲν ἔξωθεν κινήσῃ τοῦτο γὰρ ἐπὶ τῶν ἀψύχων οὐχ ὁρῶμεν ὁμοίως ἀλλ
ἀεὶ κινεῖ τι αὐτὰ τῶν ἔξωθεν ἕτερον τὸ δὲ ζῷον αὐτό φαμεν ἑαυτὸ κινεῖν ldquoPor vezes acontece que natildeo haja
movimento em noacutes [entes animados] e que de nosso repouso noacutes sejamos postos em movimento e agraves vezes o
princiacutepio do movimento surge em noacutes e de noacutes sem que nada de outro nos mova de fora Natildeo vemos nada
parecido no caso dos seres inanimados pois eles sempre satildeo movidos por algo outro que reside fora deles Dos
animais noacutes dizemos que eles movem a si mesmosrdquo Fiacutes VIII 2 252b18-23 (Trad Daniel Nascimento)
ὁρῶμεν δὲ καὶ φανερῶς ὄντα τοιαῦτα ἃ κινεῖ αὐτὰ ἑαυτά οἷον τὸ τῶν ἐμψύχων καὶ τὸ τῶν ζῴων γένος ταῦτα δὲ
καὶ δόξαν παρεῖχε μή ποτε ἐνδέχεται κίνησιν ἐγγίγνεσθαι μὴ οὖσαν ὅλως διὰ τὸ ἐν τούτοις ὁρᾶν ἡμᾶς τοῦτο
συμβαῖνον (ἀκίνητα γάρ ποτε ὄντα κινεῖται πάλιν ὡς δοκεῖ) ldquoVemos claramente que existem coisas que se
movem a si mesmas como por exemplo os entes animados e o gecircnero dos animais e por causa disso pensamos
que pode ser possiacutevel que o movimento seja gerado sem que antes tenha existido de qualquer forma pois noacutes
vemos isso acontecer com eles (estarem imoacuteveis em determinado momento e moverem-se novamanete tal como
parece)rdquo Fis VIII 6 259b1-6 (Trad Daniel Nascimento) 41 δεῖ γὰρ τὸ ὅτι καὶ τὸ εἶναι ὑπάρχειν δῆλα ὄντα Met 17 1041a15 42ἄλλο γὰρ οὕτω κατ ἄλλου ἐστὶ τὸ ζητούμενον Met 17 1041a25-26
34
conclusatildeo do raciociacutenio iniciado em DA II 2 temos esta nova formulaccedilatildeo segundo as
capacidades que denotam o viver
νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον εἰρήσθω μόνον ὅτι ἐστὶν ἡ ψυχὴ τῶν εἰρημένων τούτων ἀρχὴ καὶ
τούτοις ὥρισται θρεπτικῷ αἰσθητικῷ διανοητικῷ κινήσει
Por ora eacute suficiente dizer apenas isto que a alma eacute princiacutepio das capacidades
mencionadas ndash nutritiva perceptiva raciocinativa e de movimento ndash e que por elas eacute
definida DA II 2 413b11-13 (Trad Gomes dos Reis)
Esta noccedilatildeo eclode como corolaacuterio da argumentaccedilatildeo anterior Com ela Aristoacuteteles
conquista um importante ponto do seu projeto psicoloacutegico a saber que a noccedilatildeo de alma
explique as distintas formas de vida atraveacutes das capacidades Isto levaraacute a uma gama de
comentadores contemporacircneos a valorizarem esta definiccedilatildeo em detrimento da definiccedilatildeo pela
substacircncia apresentada em DA II 1 Os que assim interpretam43
reduzem a definiccedilatildeo de alma
agrave noccedilatildeo de princiacutepio das funccedilotildees que denotam vida Esta interpretaccedilatildeo natildeo eacute totalmente
equivocada na medida em que textualmente Aristoacuteteles afirma isto Poreacutem ela eacute imprecisa
pois ignora o estatuto ontoloacutegico da alma Como vimos na seccedilatildeo anterior a alma eacute substacircncia
como forma (tegraves psycheacutes ousiacutean eicircnai hocircs eicircdos) do corpo e portanto seu princiacutepio
organizador que lhe confere o viver E enquanto forma do corpo a alma eacute sua atualidade
primeira (enteleacutekheia proteacute) Ou seja princiacutepio formal o qual o corpo se desenvolve em vista
do viver Pois a alma de um lado traz em si as disposiccedilotildees (heacutexeis) necessaacuterias agrave vida e
determina o que este corpo orgacircnico era para ser (tograve tiacute ecircn eicircnai) mediante suas funccedilotildees (eacuterga)
e atividades (eneacutergeiai) de viver Essas funccedilotildees satildeo as capacidades (dynaacutemeis) que
caracterizam os tipos de vida nos seres seu modo proacuteprio de viver Sendo assim a capacidade
nutritiva eacute proacutepria agrave vida vegetativa a perceptiva proacutepria agrave animal e a intelectiva agrave humana
Como se vecirc a definiccedilatildeo pelas capacidades tem sua origem e fundamento na definiccedilatildeo
pela forma Por outro lado esta soacute ganha capilaridade na definiccedilatildeo pela capacidade jaacute que sua
noccedilatildeo geral natildeo define a alma como causa de cada tipo de vida nem princiacutepio das
capacidades proacuteprias ao viver Deste modo uma interpretaccedilatildeo da noccedilatildeo aristoteacutelica de alma
que ignore como ambas noccedilotildees se sustentam mutuamente eacute parcial e suscetiacutevel de engendrar
mais problema que o proacuteprio texto jaacute apresenta
Com isso concluiacutemos De Anima II 2 compreendendo que a alma eacute causa de vida jaacute
que eacute princiacutepio das atividades proacuteprias ao viver Diante da noccedilatildeo geral e como ela se
particulariza nas distintas capacidades resta ainda observar um uacuteltimo ponto que Aristoacuteteles
43Putman (1975) Ackrill (1975-6) Bolton (1978) Nussbaum (1978) Everson (1995) CodeampMoravicsik
(1992) Para uma noccedilatildeo geral das diversas correntes de interpretaccedilatildeo da psicologia aristoteacutelica no seio das
discussotildees de filosofia da mente ver Diamond (2015) Caston (2006) e Irwin (1991)
35
trabalharaacute no capiacutetulo seguinte a saber a disposiccedilatildeo seriada hierarquicamente das diversas
formas de vida
23 A DEFINICcedilAtildeO SERIADA
A tese geral de que a alma eacute forma do corpo sofre uma nova reavaliaccedilatildeo em DA II 3
Como se veraacute adiante Aristoacuteteles surpreendentemente declara que toda busca por um
enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) de alma eacute ridiacuteculo (geloicircon) jaacute que esta noccedilatildeo natildeo
permite a compreensatildeo de que as diversas espeacutecies de vida (vegetativa animal e humana) satildeo
dispostas em uma seacuterie ordenada e hierarquizada de acordo com sua capacidade especiacutefica
Como a leitura das formas de vida dispostas em uma seacuterie ordenada eacute um problema que
precisa ser respondido por quem quer que se debruce sobre a noccedilatildeo aristoteacutelica de alma esta
seccedilatildeo argumentaraacute como a noccedilatildeo de almas seriadas natildeo invalida a noccedilatildeo formal de alma
enunciada em DA II 1
DA II 3 poderia ser tematicamente dividido em duas partes Numa primeira de
414ordf29-414b20 Aristoacuteteles dispotildee a hierarquia das capacidades que denotam vida Se em DA
II 2 ele enunciou as capacidades aqui se argumenta como uma estaacute em relaccedilatildeo de
anterioridade agrave outra e portanto disposta hierarquicamente de modo coextensivo agraves formas
de vida Assim se o movimento segundo nutriccedilatildeo crescimento e decaimento seraacute proacuteprio a
uma forma de vida a vegetativa a adiccedilatildeo da capacidade perceptiva seraacute proacutepria agrave vida
vegetativa e animal Agrave medida que se adicione outras capacidades como o intelecto abrange-
se a vida humana44
Esta hierarquizaccedilatildeo suplementar das capacidades a seu enunciado permite
que Aristoacuteteles encampe a tese de que os tipos de vida satildeo dispostos em seacuteries ordenadas
avanccedilando para a segunda parte do capiacutetulo
δῆλον οὖν ὅτι τὸν αὐτὸν τρόπον εἷς ἂν εἴη λόγος ψυχῆς τε καὶ σχήματος οὔτε γὰρ
ἐκεῖ σχῆμα παρὰ τὸ τρίγωνον ἔστι καὶ τὰ ἐφεξῆς οὔτ ἐνταῦθα ψυχὴ παρὰ τὰς
εἰρημένας γένοιτο δ ἂν καὶ ἐπὶ τῶν σχημάτων λόγος κοινός ὃς ἐφαρμόσει μὲν
πᾶσιν ἴδιος δ οὐδενὸς ἔσται σχήματος ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ ταῖς εἰρημέναις ψυχαῖς διὸ
γελοῖον ζητεῖν τὸν κοινὸν λόγον καὶ ἐπὶ τούτων καὶ ἐφ ἑτέρων ὃς οὐδενὸς ἔσται τῶν
ὄντων ἴδιος λόγος οὐδὲ κατὰ τὸ οἰκεῖον καὶ ἄτομον εἶδος ἀφέντας τὸν τοιοῦτον
(παραπλησίως δ ἔχει τῷ περὶ τῶν σχημάτων καὶ τὰ κατὰ ψυχήν ἀεὶ γὰρ ἐν τῷ ἐφεξῆς
44 Τῶν δὲ δυνάμεων τῆς ψυχῆς αἱ λεχθεῖσαι τοῖς μὲν ὑπάρχουσι πᾶσαι καθάπερ εἴπομεν τοῖς δὲ τινὲς αὐτῶν
ἐνίοις δὲ μία μόνη διασαφητέον δὲ περὶ αὐτῶν ὕστερον νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον () εἰρήσθω ὅτι τῶν ζώντων τοῖς
ἔχουσιν ἁφὴν καὶ ὄρεξις ὑπάρχει περὶ δὲ φαντασίας ἄδηλον ὕστερον δ ἐπισκεπτέον ἐνίοις δὲ πρὸς τούτοις
ὑπάρχει καὶ τὸ κατὰ τόπον κινητικόν ἑτέροις δὲ καὶ τὸ διανοητικόν τε καὶ νοῦς οἷον ἀνθρώποις καὶ εἴ τι
τοιοῦτον ἕτερον ἔστιν ἢ τιμιώτερον ldquoDentre as potecircncias da alma como dissemos todas as mencionadas
subsitem em alguns seres em outros soacute algumas delas e em alguns apenas uma E mencionamos como
potecircncias a nutritiva a perceptiva a desiderativa a locomotiva e a raciocinativa Ora nas plantas subsiste
somente a nutritiva mas em outros seres tanto esta como a perceptiva () Por ora eacute suficiente dizer isto que
entre os seres vivos que possuem tato tambeacutem subsiste desejo No que se refere agrave imaginaccedilatildeo natildeo estaacute claro e
devemos examinaacute-la posteriormente Em alguns seres vivos aleacutem disso subsiste tambeacutem a capacidade de se
locomover e em outros ainda a de raciocinar e o intelecto ndash por exemplo nos homens e em algum outro se
houver de tal qualidade ou mais valiosordquo DA II 3 414a29-414b20 (Trad Gomes dos Reis)
36
ὑπάρχει δυνάμει τὸ πρότερον ἐπί τε τῶν σχημάτων καὶ ἐπὶ τῶν ἐμψύχων οἷον ἐν
τετραγώνῳ μὲν τρίγωνον ἐν αἰσθητικῷ δὲ τὸ θρεπτικόν) ὥστε καθ ἕκαστον
ζητητέον τίς ἑκάστου ψυχή οἷον τίς φυτοῦ καὶ τίς ἀνθρώπου ἢ θηρίου διὰ τίνα δ
αἰτίαν τῷ ἐφεξῆς οὕτως ἔχουσι σκεπτέον ἄνευ μὲν γὰρ τοῦ θρεπτικοῦ τὸ αἰσθητικὸν
οὐκ ἔστιν τοῦ δ αἰσθητικοῦ χωρίζεται τὸ θρεπτικὸν ἐν τοῖς φυτοῖς
Eacute claro que poderia da mesma maneira haver entatildeo um enunciado uacutenico tanto de
figura como de alma Pois nem no primeiro caso existe figura aleacutem do triacircngulo e
daquelas que o sucedem nem neste caso existe alma aleacutem das mencionadas A
respeito das figuras tambeacutem eacute possiacutevel formular um enunciado comum que se aplique
a todas sem ser proacuteprio a nenhuma e o mesmo ocorre com as almas mencionadas Por
isso tanto neste como em outros casos eacute ridiacuteculo procurar um enunciado comum ndash
pois a nenhum dos seres seraacute um enunciado proacuteprio nem estaraacute de acordo com a
forma apropriada e indivisiacutevel ndash deixando-se de lado o enunciado deste tipo (E as
coisas concernentes agrave alma estatildeo em situaccedilatildeo parecida agravequela das figuras pois tanto
no caso das figuras como no caso dos seres animados o anterior sempre subsiste
naquilo que o sucede por exemplo o triacircngulo no quadrado o poder de nutrir-se no
de perceber) Assim deve ser investigado de acordo com cada caso o que eacute a alma
de cada um ndash por exemplo o que eacute a alma da planta do homem ou da besta E deve
ser examinado a causa de ser disposto assim em sucessatildeo Pois sem a nutritiva natildeo
existe a capacidade perceptiva embora nas plantas a nutritiva exista separada da
perceptiva DA II 3 414b20-415a6 (Trad Gomes dos Reis)
A analogia entre figura do triacircngulo e a alma vegetativa permite esclarecer qual a
relaccedilatildeo de sucessatildeo entre uma capacidade e outra O triacircngulo eacute a figura geomeacutetrica plana
mais baacutesica de todas A composiccedilatildeo de dois triacircngulos forma um quadrilaacutetero A composiccedilatildeo
de trecircs triacircngulos forma um pentaacutegono e assim sucessivamente Ou seja da mesma maneira
que o triacircngulo subsiste em potecircncia no quadrilaacutetero e este no pentaacutegono a nutriccedilatildeo subsiste
em potecircncia na percepccedilatildeo e esta no intelecto Portanto se a capacidade nutritiva eacute proacutepria agrave
vida vegetativa a perceptiva agrave animal e a intelectiva agrave humana entatildeo igualmente a vida
vegetativa subsiste na animal e a animal na humana Sendo assim da mesma maneira que se
faz necessaacuteria uma definiccedilatildeo proacutepria ao triacircngulo ao quadrilaacutetero e ao pentaacutegono deve-se
buscar um enunciado proacuteprio a cada uma dessas formas de vida para que se sustente como a
alma eacute princiacutepio de cada tipo de vida e natildeo somente da vida em geral Pois um enunciado que
decirc a noccedilatildeo da alma que cubra todas as formas de vida mas que natildeo toque particularmente em
uma natildeo cumpre seu fim argumentativo que eacute explicar a razatildeo da alma ser causa de vida no
ser vivente como se segue
ὅτι μὲν οὖν ὁ περὶ τούτων ἑκάστου λόγος οὗτος οἰκειότατος καὶ περὶ ψυχῆς δῆλον
Eacute claro entatildeo que o enunciado de cada uma destas capacidades eacute tambeacutem o mais
apropriado a respeito da alma DA II 3 415a13-14 (Trad Gomes dos Reis)
Levando-se em conta que Aristoacuteteles se dedicaraacute em todo o restante do De Anima
investigando cada uma das capacidades e seus desdobramentos para uma noccedilatildeo de alma
37
podemos ser levados a crer que Aristoacuteteles elege este como o melhor criteacuterio para uma
definiccedilatildeo de alma
Haacute portanto um grande problema a ser encarado aqui que consiste na resposta a uma
das questotildees elencadas em DA I 145
a saber se eacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma enquanto
tal ou uma para cada tipo de ser vivente Pelo caminho que segue a discussatildeo tende-se a uma
resposta de que seraacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma para cada forma de vida Entretanto
Aristoacuteteles jaacute problematizara se mesmo que haja uma noccedilatildeo uacutenica para catildees cavalos e
homens a de animal esta noccedilatildeo uacutenica eacute universal posterior anterior ou nada em relaccedilatildeo aos
itens
Seguindo o texto de DA II 3 a nutriccedilatildeo eacute a capacidade sobre a qual se erguem todas as
outras ateacute a capacidade de pensamento Dado que um corpo eacute dotado de nutriccedilatildeo e portanto
vivente por causa da alma e a seu turno dado que a alma eacute forma e atualidade primeira do
corpo e portanto princiacutepio organizador das capacidades que denotam o viver novamente a
definiccedilatildeo pela forma sustenta ontologicamente a definiccedilatildeo pelas capacidades e por
concomitacircncia a definiccedilatildeo seriada
Assim a criacutetica que Aristoacuteteles faz agrave noccedilatildeo mais geral de alma enunciada em DA II 1
natildeo eacute razatildeo suficiente para seu descarte no seu projeto psicoloacutegico Com efeito se a noccedilatildeo de
alma como forma eacute insuficiente para explicar por que a alma eacute princiacutepio de vida em cada tipo
de ser vivente como sustentado ao iniacutecio de DA II 2-3 ela eacute justamente a noccedilatildeo ontoloacutegica
para que responde pela sua atualidade e determinaccedilatildeo das propriedades relevantes do ser deste
corpo dotado de oacutergatildeos Assim se as noccedilotildees de alma como forma e princiacutepio das capacidades
satildeo intercambiantes como argumentei anteriormente e se a definiccedilatildeo estaacute diretamente
atrelada agrave hierarquia dessas capacidades entatildeo a proacutepria noccedilatildeo de alma seriada depende
logicamente da noccedilatildeo de alma como forma Sendo assim o enunciado geral eacute redimensionado
em DA II 3 pela disposiccedilatildeo seriada da alma a um princiacutepio loacutegico-ontoloacutegico mediante o qual
esta ciecircncia comum a muitas coisas pode se realizar
45 εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον
ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν
ἄλλο κατηγοροῖτο Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma uacutenica
definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a de cavalo catildeo homem
divindade sendo neste caso o animal considerado universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo
ocorrendo para qualquer outro atributo comum que for predicadordquo DA I 1 402b4-9 (Trad Gomes dos Reis)
38
3 CONCLUSAtildeO
Como se apresentou nesta monografia Aristoacuteteles enuncia sua noccedilatildeo de alma em
momentos distintos Um primeiro a partir da discussatildeo com as teses predecessoras Nela o
que se conquista eacute que a alma eacute imoacutevel e origem de movimento nos seres viventes Depois
atraveacutes de um enunciado geral para os diversos tipos de vida que a define como forma do
corpo Um terceiro que enuncia a alma como causa de vida e a define como princiacutepio das
capacidades que denotam o viver E por fim um quarto enunciado que a apresenta como
disposta em seacuterie ordenada segundo suas capacidades Na medida que o enunciado geral se
mostra insuficiente para o projeto psicoloacutegico traccedilado e as outras definiccedilotildees parecem melhor
corresponder a este objetivo a unidade enunciativa entre as diversas definiccedilotildees aparenta ser
vulneraacutevel Natildeo por menos como foi abordado ao longo deste texto tende-se a salientar uma
das definiccedilotildees e desconsiderar a outra Esta natildeo parece ser a interpretaccedilatildeo que melhor
compreenda a psicologia aristoteacutelica Como argumentado observar a definiccedilatildeo pelas
capacidades sem a definiccedilatildeo pela forma esvazia ontologicamente a noccedilatildeo de que a alma eacute
princiacutepio de vida A alma como forma do corpo eacute o enunciado mediante o qual a garante
como atualidade primeira e portanto princiacutepio das caracteriacutesticas e funccedilotildees proacuteprias ao ser
vivente Por outro lado como o proacuteprio Aristoacuteteles enuncia a definiccedilatildeo pela forma daacute uma
noccedilatildeo que abarca todas as formas de vida mas natildeo enuncia a alma como causa do viver nem
que as diversas almas satildeo dispostas em seacuterie ordenada Satildeo nestes dois pontos que a definiccedilatildeo
pela capacidade se torna igualmente relevante para o projeto psicoloacutegico aristoteacutelico Sem ela
seriam inviaacuteveis todos os outros capiacutetulos nos quais Aristoacuteteles enuncia discorre e formula a
atividade das capacidades proacuteprias ao ser vivo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo imaginaccedilatildeo intelecto e
movimento segundo deslocamento Por estas razotildees uma interpretaccedilatildeo que conjugue as duas
definiccedilotildees no interior do projeto psicoloacutegico aristoteacutelico parece ser a que contemple melhor o
horizonte teoacuterico que a investigaccedilatildeo erige
Haacute um alguns aspectos que esta monografia deixa pelo caminho Na seccedilatildeo 1 Taacutebua de
Definiccedilatildeo foram elencados os diversos elementos de definiccedilatildeo da alma e como se faria a
inquiriccedilatildeo O primeiro grupo foi respondido ao longo da seccedilatildeo 2 A Noccedilatildeo de Alma mas o
segundo natildeo O segundo grupo de elementos da taacutebua seraacute dissertado por Aristoacuteteles nos
capiacutetulos posteriores ao DA II 3 quando ele se debruccedila sobre cada uma das capacidades
Como esta monografia pretende abordar apenas as definiccedilotildees sem dar interpretaccedilatildeo total do
tratado entatildeo soacute pode responder parte da taacutebua das definiccedilotildees Aleacutem disso a interpretaccedilatildeo das
definiccedilotildees de um modo consistente precisaria ser verificada na sua aplicaccedilatildeo sobre o restante
39
do tratado Em outras palavras eacute preciso verificar se esta interpretaccedilatildeo dificulta ou facilita a
interpretaccedilatildeo das outras teses da psicologia aristoteacutelica por exemplo a tese da percepccedilatildeo que eacute
definida como a recepccedilatildeo das formas sem mateacuteria Nas interpretaccedilotildees de Polanski e Diamond
comentadores paradigmaacuteticos para a abordagem adotada a coordenaccedilatildeo dos enunciados
definitoacuterios daacute conta das diversas formulaccedilotildees de capacidades e suas funcionalidades ao longo
do tratado Fico devendo portanto explicitar como a posiccedilatildeo que assumo se aplica nas
diversas capacidades enunciadas pelo Aristoacuteteles
Com isso conclui-se este trabalho com a compreensatildeo que ele eacute limitado Haacute nele
problemas proacuteprios agrave interpretaccedilatildeo de um texto conciso e arrojado como eacute o De Anima
Ainda assim espera-se que os erros ou imprecisotildees eventuais natildeo comprometam seu escopo
exegeacutetico Espera-se tambeacutem que esta monografia possa se converter em trabalhos futuros que
fomente a discussatildeo relativa ao De Anima no contexto filosoacutefico brasileiro Da mesma forma
que ela foi provocada pela traduccedilatildeo e comentaacuterios da Professora Doutora Maria Ceciacutelia
Gomes dos Reis Se este trabalho for bem sucedido nessas pretensotildees jaacute teraacute cumprido sua
funccedilatildeo
40
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18
ἔτι δέ εἰ μὴ πολλαὶ ψυχαὶ ἀλλὰ μόρια πότερον δεῖ ζητεῖν πρότερον τὴν ὅλην ψυχὴν ἢ
τὰ μόρια χαλεπὸν δὲ καὶ τούτων διορίσαι ποῖα πέφυκεν ἕτερα ἀλλήλων καὶ πότερον
τὰ μόρια χρὴ ζητεῖν πρότερον ἢ τὰ ἔργα αὐτῶν
Aleacutem disso no caso de serem muitas as partes e natildeo as almas deve-se primeiro
investigar a alma como um todo ou suas partes Tambeacutem eacute difiacutecil definir quais dentre
estas satildeo por natureza distintas entre si e se eacute uacutetil investigar primeiro as partes ou
suas funccedilotildees DA I 1 402b9-12 (Trad de Gomes dos Reis)
Na medida em que a alma eacute composta de partes que correspondem agraves suas
capacidades se decide se a investigaccedilatildeo abordaraacute primeiramente suas partes ou a alma como
um todo aleacutem de como investigar a capacidade ou a funccedilatildeo caso as capacidades sejam
distintas Ou seja eacute preciso decidir se a investigaccedilatildeo se inicia pela percepccedilatildeo ou pelo animal
ἀπορίαν δ ἔχει καὶ τὰ πάθη τῆς ψυχῆς πότερόν ἐστι πάντα κοινὰ καὶ τοῦ ἔχοντος ἢ
ἔστι τι καὶ τῆς ψυχῆς ἴδιον αὐτῆς
Haacute ainda a dificuldade de saber se as afecccedilotildees da alma satildeo todas comuns agravequilo que
possui alma ou se haacute tambeacutem alguma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma tatildeo somente DA I 1
403a3-5 (Trad de Gomes dos Reis)
Apoacutes uma exaustiva exposiccedilatildeo do que deve compor a definiccedilatildeo de alma
Aristoacuteteles elenca o uacuteltimo requisito de sua investigaccedilatildeo o grau de separabilidade da alma ou
de alguma de suas partes As capacidades de movimento reproduccedilatildeo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo e
imaginaccedilatildeo parecem ter sua ocorrecircncia no composto de corpo e alma que eacute o ser vivente
Entretanto haacute na teoria aristoteacutelica do intelecto sua face passiva e ativa conforme formulou a
tradiccedilatildeo sendo a ativa de natureza separada e imortal16
Isto faria desta parte do intelecto uma
afecccedilatildeo proacutepria da alma sem ocorrecircncia conjunta com o corpo Filopono17
comenta que este eacute
um problema determinante para a composiccedilatildeo da definiccedilatildeo de alma Se a alma tem afecccedilotildees
proacuteprias e separadas do corpo a definiccedilatildeo dispensaraacute o corpo de seu enunciado Se pelo
contraacuterio as afecccedilotildees aniacutemicas tecircm ocorrecircncia corpoacuterea entatildeo a definiccedilatildeo de alma deve
conter o corpo em seu enunciado
O que se conquista enfim com esta taacutebua de definiccedilatildeo em De Anima I 1 Que
investigar a natureza da alma eacute responder a seu gecircnero de ser o que implica em saber se a
16χωρισθεὶς δ ἐστὶ μόνον τοῦθ ὅπερ ἐστί καὶ τοῦτο μόνον ἀθάνατον καὶ ἀΐδιον ldquoSomente isto [o intelecto]
quando separado eacute propriamente o que eacute e somente isto eacute imortal e eternordquo DA III 5 (Trad Gomes dos Reis) 17 εἰ μὲν οὖν ὡς ὀργάνῳ χρῆται τῷ σώματι ἰδίᾳ ἔχουσα τὰς ἐνεργείας οὐ δεῖ προσχρήσασθαι τῷ σώματι πρὸς
τὸν ὁρισμόν οὐ γὰρ συμπληροῖ τὴν οὐσίαν τοῦ τέκτονος τὸ σκέπαρνον εἰ δὲ ἐν τῷ σώματι ἔχει τὸ εἶναι ὡς
εἶναι τὰς ἐνεργείας τοῦ συναμφοτέρου ἀνάγκη προσχρήσασθαι ἐν τῷ ὁρισμῷ τῷ σώματι ὥσπερ ἐπὶ τοῦ θυμοῦ
ἐλέγομεν ἀναγκαία οὖν ἡ τούτων λῆψις οὐκ εὐχερὴς δέ ltπάθηgt δὲ κοινότερον τὰς ἐνεργείας τῆς ψυχῆς
ἐκάλεσε ldquoSe usa o corpo como instrumento e tem suas atividades peculiares a si mesmo natildeo haacute qualquer
necessidade de se remeter ao corpo na definiccedilatildeo ndash pois um machado natildeo completa a essecircncia de um carpinteiro ndash
mas se a alma tem seu ser no corpo e suas atividades pertencem ao composto eacute necessaacuterio tambeacutem se remeter
ao corpo na definiccedilatildeo tal qual como nos referimos em relaccedilatildeo ao iacutempeto Estabelecer essas coisas entatildeo eacute
necessaacuterio poreacutem natildeo eacute faacutecil Afecccedilatildeo eacute o termo mais geral que ele usa para as atividades da almardquo
PHILOPONUS Com DA 4429-35 (Trad da trad de P J Eijk)
19
alma eacute potencialmente ou em atualidade Isto posto se a alma eacute como uma substacircncia e
portanto una ou separaacutevel e caso seja em partes se satildeo divisiacuteveis ou natildeo Aleacutem disso se a
definiccedilatildeo deve abranger diversos tipos de alma ou se haacute uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie Por
fim se sua investigaccedilatildeo parte das partes ou do todo
20
2 A NOCcedilAtildeO DE ALMA EM ARISTOacuteTELES
A noccedilatildeo de alma em Aristoacuteteles obedece trecircs momentos de elaboraccedilatildeo Um primeiro
ao longo da discussatildeo das endoxai de seus predecessores em DA I 2-5 Em outro quando
argumenta por conceitos metafiacutesicos e formula a noccedilatildeo geral de alma em DA II 1 Aleacutem de
um uacuteltimo a partir de DA II 2 quando se formula uma outra noccedilatildeo de alma pelas
capacidades Esta trajetoacuteria visa (i) levantar as teses que foram elaboradas sobre o assunto
visando extrair certos princiacutepios verdadeiros Com estes princiacutepios (ii) se expotildee a noccedilatildeo
geral Mas esta noccedilatildeo que responde sobre o ser da alma natildeo indica os tipos especiacuteficos de
vida Portanto (iii) eacute preciso inquirir por outra abordagem e provar que a alma eacute princiacutepio das
capacidades que manifestam vida no ser pois atraveacutes dessas capacidades explicamos esses
distintos modos de viver Como se veraacute esta travessia responde agrave taacutebua de definiccedilatildeo de DA I
1 e Aristoacuteteles ara todo o terreno sobre o qual ele ergue sua psicologia
21 A DEFINICcedilAtildeO PELA FORMA
Aristoacuteteles conclui seu levantamento das endoxai em DA I 2-5 com duas noccedilotildees
relativas agrave alma que ela eacute una18
e imoacutevel19
Somente no iniacutecio do livro seguinte em DA II 1
ele apresenta sua noccedilatildeo onde o objetivo traccedilar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos)
que abarque as vaacuterias formas de vida
18 φαίνεται δὲ καὶ τὰ φυτὰ διαιρούμενα ζῆν καὶ τῶν ζῴων ἔνια τῶν ἐντόμων ὡς τὴν αὐτὴν ἔχοντα ψυχὴν τῷ
εἴδει εἰ καὶ μὴ ἀριθμῷ ἑκάτερον γὰρ τῶν μορίων αἴσθησιν ἔχει καὶ κινεῖται κατὰ τόπον ἐπί τινα χρόνον εἰ δὲ
μὴ διατελοῦσιν οὐθὲν ἄτοπον ὄργανα γὰρ οὐκ ἔχουσιν ὥστε σώζειν τὴν φύσιν ἀλλ οὐδὲν ἧττον ἐν ἑκατέρῳ
τῶν μορίων ἅπαντ ἐνυπάρχει τὰ μόρια τῆς ψυχῆς καὶ ὁμοειδῆ ἐστιν ἀλλήλοις καὶ τῇ ὅλῃ ἀλλήλοις μὲν ὡς οὐ
χωριστὰ ὄντα τῇ δ ὅλῃ ψυχῇ ὡς οὐ διαιρετῇ οὔσῃ ἔοικε δὲ καὶ ἡ ἐν τοῖς φυτοῖς ἀρχὴ ψυχή τις εἶναι μόνης γὰρ
ταύτης κοινωνεῖ καὶ ζῷα καὶ φυτά καὶ αὕτη μὲν χωρίζεται τῆς αἰσθητικῆς ἀρχῆς αἴσθησιν δ οὐθὲν ἄνευ ταύτης
ἔχει ldquoEacute manifesto ainda que as plantas ndash e dentre os animais alguns insetos ndash quando secionadas continuam a
viver como se tivessem a mesma alma especificamente ainda que natildeo numericamente pois cada uma das partes
tem sensaccedilatildeo e move-se localmente por algum tempo Se natildeo sobrevivem natildeo resulta em absurdo algum pois
natildeo mantecircm oacutergatildeos aponto de conservar a sua natureza Em cada uma das partes poreacutem estatildeo todas as partes da
alma e nenhuma a menos E elas satildeo da mesma espeacutecie entre si e em relaccedilatildeo agrave alma inteira ndash as diversas partes
satildeo inseparaacuteveis uma das outras embora a alma inteira seja divisiacutevel Parece que o princiacutepio encontrado nas
plantas eacute tambeacutem um certo tipo de alma pois eacute apenas compartilhada por animais e plantas e ela existe
separada do princiacutepio perceptivo embora sem ela nada possa ter percepccedilatildeordquo 411b19-411b30 19ὅτι μὲν οὖν οὔθ ἁρμονίαν οἷόν τ εἶναι τὴν ψυχὴν οὔτε κύκλῳ περιφέρεσθαι δῆλον ἐκ τῶν εἰρημένων ldquoQue a
alma natildeo pode ser harmonia nem locomover-se em ciacuterculo fica claro a partir do que foi ditordquo 408ordf29-30 (Trad
Gomes dos Reis)
ὅτι μὲν οὖν οὐχ οἷόν τε κινεῖσθαι τὴν ψυχήν φανερὸν ἐκ τούτων εἰ δ ὅλως μὴ κινεῖται δῆλον ὡς οὐδ ὑφ
ἑαυτῆς Eacute evidente a partir disso tudo que natildeo eacute possiacutevel que a alma se mova ldquoE se de todo modo natildeo se move eacute
claro tambeacutem que natildeo se move por si mesmardquo 408b30-31 (Trad Gomes dos Reis)
φανερὸν οὖν ἐκ τῶν εἰρημένων ὡς οὔτε τὸ γινώσκειν ὑπάρχει τῇ ψυχῇ διὰ τὸ ἐκ τῶν στοιχείων εἶναι οὔτε τὸ
κινεῖσθαι αὐτὴν καλῶς οὐδ ἀληθῶς λέγεται ldquoEacute manifesto entatildeo a partir do que foi dito que nem o conhecer
subsite na alma por ela ser composta dos elementos nem eacute uma maneira certa ou verdadeira dizer qua a alma eacute
movidardquo 411a24-26 (Trad Gomes dos Reis)
21
Τὰ μὲν δὴ ὑπὸ τῶν πρότερον παραδεδομένα περὶ ψυχῆς εἰρήσθω πάλιν δ ὥσπερ ἐξ
ὑπαρχῆς ἐπανίωμεν πειρώμενοι διορίσαι τί ἐστι ψυχὴ καὶ τίς ἂν εἴη κοινότατος λόγος
αὐτῆς
Tendo dito o suficiente sobre as opiniotildees a respeito da alma fornecida por nossos
predecessores retomemos como que do comeccedilo e tentemos definir o que eacute a alma e
qual seria seu enunciado mais geral 412a1-6 (Trad Gomes dos Reis)
A busca pelo enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) visa uma definiccedilatildeo de alma
comum agraves diversas formas de vida Em meio agrave pluralidade de modos de vida a alma eacute aquilo
a partir do qual essa pluralidade se unifica num gecircnero de ser ndash o dos seres viventes
(empsykhon) Aristoacuteteles compreende que uma noccedilatildeo puramente geneacuterica natildeo explica as
formas especiacuteficas do objeto de estudo Entretanto o enunciado geral responde agrave primeira
parte da taacutebua de definiccedilatildeo como notaremos no decorrer da definiccedilatildeo pela forma que seraacute
enunciada Com eles Aristoacuteteles alicerccedila conceitualmente as outras definiccedilotildees que seratildeo
formuladas nos outros capiacutetulos
Assim entatildeo Aristoacuteteles inicia seu argumento
λέγομεν δὴ γένος ἕν τι τῶν ὄντων τὴν οὐσίαν ταύτης δὲ τὸ μέν ὡς ὕλην ὃ καθ αὑτὸ
οὐκ ἔστι τόδε τι ἕτερον δὲ μορφὴν καὶ εἶδος καθ ἣν ἤδη λέγεται τόδε τι καὶ τρίτον
τὸ ἐκ τούτων ἔστι δ ἡ μὲν ὕλη δύναμις τὸ δ εἶδος ἐντελέχεια καὶ τοῦτο διχῶς τὸ
μὲν ὡς ἐπιστήμη τὸ δ ὡς τὸ θεωρεῖν
Dizemos que um dos gecircneros dos seres eacute a substacircncia E substacircncia primeiro no
sentido de mateacuteria ndash que por si mesmo natildeo eacute algo determinado ndash e ainda no sentido
de figura e forma ndash em virtude do que jaacute se diz que eacute algo determinado ndash e por fim
no sentido de composto de ambas A mateacuteria por sua vez eacute potecircncia ao passo que a
forma eacute atualidade e isto de dois modos seja como ciecircncia seja como inquirir DA II
1 412a6-11(Trad Gomes dos Reis)
Aristoacuteteles parte de teses presentes em seu tratado de filosofia primeira a Metafiacutesica
Laacute ele investiga o ser enquanto ser que tem muitos significados mas todos convergem para
um soacute20
O que responde a estes diversos significados do que eacute o ser ao ti estiacute eacute a
substacircncia21
(ousiacutea) Satildeo substacircncias a mateacuteria (hyacutele) a forma (morpheacute) e o composto de
ambas ( tograve ek touacutetoon) 22
Apesar da mateacuteria ser indeterminada23
permanece na mudanccedila e eacute
20 διὸ καὶ ἡμῖν τοῦ ὄντος ᾗ ὂν τὰς πρώτας αἰτίας ληπτέον Τὸ δὲ ὂν λέγεται μὲν πολλαχῶς ἀλλὰ πρὸς ἓν καὶ μίαν
τινὰ φύσιν Por isso tambeacutem noacutes devemos apreender as causas primeiras do ente enquanto ente ldquoEnterdquo se diz de
muitas maneiras mas em relaccedilatildeo a algo uacutenico e a uma natureza uacutenicardquo Met G 1-2 1003ordf31-32 (Trad Lucas
Angioni) 21τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν ldquoE
sendo o ente dito de muitos modos eacute evidente que o ente primeiro eacute o que eacute entre todos o que designa a
substacircnciardquo Met Z 2 1028b13-15 (Trad Lucas Angioni) 22 αὗται δ εἰσὶν αἱ αἰσθηταί αἱ δ αἰσθηταὶ οὐσίαι πᾶσαι ὕλην ἔχουσιν ἔστι δ οὐσία τὸ ὑποκείμενον ἄλλως μὲν
ἡ ὕλη (ὕλην δὲ λέγω ἣ μὴ τόδε τι οὖσα ἐνεργείᾳ δυνάμει ἐστὶ τόδε τι) ἄλλως δ ὁ λόγος καὶ ἡ μορφή ὃ τόδε τι
ὂν τῷ λόγῳ χωριστόν ἐστιν τρίτον δὲ τὸ ἐκ τούτων οὗ γένεσις μόνου καὶ φθορά ἐστι καὶ χωριστὸν ἁπλῶς τῶν
γὰρ κατὰ τὸν λόγον οὐσιῶν αἱ μὲν αἱ δ οὔ ldquoE agora devemos reexaminar as substacircncias que satildeo admitidas por
todos E essas satildeo as substacircncias sensiacuteveis Todas as substacircncias sensiacuteveis tecircm mateacuteria E substacircncia eacute o
substrato o qual em certo sentido significa a mateacuteria (chamo mateacuteria o que natildeo eacute algo determinado em ato mas
22
objeto de predicaccedilatildeo caracteriza-se como o substrato (hypokeiacutemenon) do composto Para ser
determinada a mateacuteria depende da forma que lhe confere ser (ti estiacute) Assim toda mateacuteria
determinada pela forma seraacute um composto Por isso Aristoacuteteles defende que uma boa
definiccedilatildeo das substacircncias compostas eacute a que enuncie a determinaccedilatildeo da forma na mateacuteria24
Em suma a substacircncia eacute o gecircnero primeiro de ser sendo esta tanto mateacuteria quanto forma
assim como o composto de ambas
A indeterminaccedilatildeo da mateacuteria e a determinaccedilatildeo da forma estatildeo intrinsecamente
relacionadas aos conceitos correlatos de potecircncia (dyacutenamis) e atualidade (enteleacutekheia) na
filosofia primeira de Aristoacuteteles A mateacuteria eacute indeterminada pois natildeo eacute algo em ato mas em
potecircncia na medida que eacute passiacutevel de determinaccedilatildeo pela forma Aristoacuteteles assinala que ser
em potecircncia significa ter o princiacutepio de movimento (kiacutenesis) ou de modicaccedilatildeo (metaboleacute) seja
por causa extriacutenseca ou intriacutenseca25
A mateacuteria portanto eacute potecircncia pois traz em si o princiacutepio
de ser movida ou modificada por si mesma ou por um outro isto Potecircncia tambeacutem estaacute
algo determinado soacute em potecircncia) num segundo sentido significa a essecircncia e a forma (a qual sendo algo
determinado pode ser separada pelo pensamento) e num terceiro sentido significa o composto de mateacuteria e de
forma (e soacute este estaacute submetido agrave geraccedilatildeo e agrave corrupccedilatildeo e eacute separado em sentido proacuteprio enquanto das
substacircncias entendidas segundo a forma algumas satildeo separadas outras natildeo satildeo)rdquo H 1042a24-31 (Trad Giovani
Reale) 23 λέγω δ ὕλην ἣ καθ αὑτὴν μήτε τὶ μήτε ποσὸν μήτε ἄλλο μηδὲν λέγεται οἷς ὥρισται τὸ ὄν ἔστι γάρ τι καθ οὗ
κατηγορεῖται τούτων ἕκαστον ᾧ τὸ εἶναι ἕτερον καὶ τῶν κατηγοριῶν ἑκάστῃ (τὰ μὲν γὰρ ἄλλα τῆς οὐσίας
κατηγορεῖται αὕτη δὲ τῆς ὕλης) ὥστε τὸ ἔσχατον καθ αὑτὸ οὔτε τὶ οὔτε ποσὸν οὔτε ἄλλο οὐδέν ἐστιν οὐδὲ δὴ
αἱ ἀποφάσεις καὶ γὰρ αὗται ὑπάρξουσι κατὰ συμβεβηκός ldquoChamo mateacuteria aquilo que por si natildeo eacute algo
determinado nem uma quantidade nem qualquer outra das determinaccedilotildees do ser Existe de fato alguma coisa da
qual cada uma dessas determinaccedilotildees eacute predicada alguma coisa cujo ser eacute diferente do ser de cada uma das
categorias Todas as outras categorias com efeito satildeo predicadas da substacircncia e esta por sua vez eacute predicada
da mateacuteria Assim este termo por si natildeo eacute nem algo determinado nem quantidade nem qualquer outra
categoria e natildeo eacute nem sequer as negaccedilotildees destas porque as negaccedilotildees soacute existem de modo acidentalrdquo Met Z 3
1029ordf20-26 (Trad Giovani Reale) 24 οἱ δὲ ἀγγεῖον σκεπαστικὸν χρημάτων καὶ σωμάτων ἤ τι ἄλλο τοιοῦτον προτιθέντες τὴν ἐνέργειαν λέγουσιν οἱ
δ ἄμφω ταῦτα συντιθέντες τὴν τρίτην καὶ τὴν ἐκ τούτων οὐσίαν (ἔοικε γὰρ ὁ μὲν διὰ τῶν διαφορῶν λόγος τοῦ
εἴδους καὶ τῆς ἐνεργείας εἶναι ὁ δ ἐκ τῶν ἐνυπαρχόντων τῆς ὕλης μᾶλλον) ὁμοίως δὲ καὶ οἵους Ἀρχύτας
ἀπεδέχετο ὅρους τοῦ συνάμφω γάρ εἰσιν ldquoAo contraacuterio os que a definem dizendo que eacute um refuacutegio para
proteger coisas e corpos ou alguma outra coisa desse tipo dizendo o que eacute a casa em ato enfim os que unem
ambas as definiccedilotildees experimenta substacircncia no terceiro significado como composto de mateacuteria e forma Eacute claro
que a definiccedilatildeo dada pelas diferenccedilas refere-se agrave forma e ao ato enquanto a definiccedilatildeo dada a partir dos
elementos refere-se prioritariamente agrave mateacuteria Semelhantes a estas eram as definiccedilotildees que Arquita aprovava
elas referiam-se ao conjunto de mateacuteria e formardquo H 2 1043ordf17-21 (Trad Giovani Reale)
φανερὸν δὴ ἐκ τῶν εἰρημένων τίς ἡ αἰσθητὴ οὐσία ἐστὶ καὶ πῶς ἡ μὲν γὰρ ὡς ὕλη ἡ δ ὡς μορφὴ καὶ ἐνέργεια
ἡ δὲ τρίτη ἡ ἐκ τούτων ldquoDo que foi dito fica claro o que eacute a substacircncia sensiacutevel e qual eacute seu modo de ser ela eacute
por um lado mateacuteria por outro forma e ato e num terceiro sentido o conjunto de mateacuteria e de formardquo Met H
2 1043a26-28 (Trad Giovani Reale) 25 ἡ μὲν οὖν ὅλως ἀρχὴ μεταβολῆς ἢ κινήσεως λέγεται δύναμις ἐν ἑτέρῳ ἢ ᾗ ἕτερον ἡ δ ὑφ ἑτέρου ἢ ᾗ ἕτερον
(καθ ἣν γὰρ τὸ πάσχον πάσχει τι ὁτὲ μὲν ἐὰν ὁτιοῦν δυνατὸν αὐτό φαμεν εἶναι παθεῖν ὁτὲ δ οὐ κατὰ πᾶν
πάθος ἀλλ ἂν ἐπὶτὸ βέλτιον) ldquoPotecircncia portanto significa em primeiro lugar esse princiacutepio de mudanccedila ou de
movimento que se encontra em outra coisa ou na propria coisa enquanto outra e em segundo lugar significa o
princiacutepio pelo qual uma coisa eacute mudada ou movida por outra ou por si mesma enquanto outrardquo Met Δ 12
1019ordf19-23 (Trad Giovani Reale)
23
relacionada ao princiacutepio de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo26
Na medida em que as coisas satildeo
constituiacutedas de um determinado modo elas trazem em potecircncia a manutenccedilatildeo de si diante da
accedilatildeo de outra coisa como a parede que natildeo quebra se batida com um copo de vidro ou trazem
em potecircncia a degeneraccedilatildeo tal qual um copo de vidro que quebra quando lanccedilado contra a
parede Jaacute a forma eacute atualidade (enteleacutekheia) tanto como ciecircncia quanto inquirir ou seja
enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) e atividade (energeia) Atualidade enquanto disposiccedilatildeo significa
a jaacute detenccedilatildeo de determinada capacidade mas sem sua atividade Ser apto a caminhar mas
estar sentado por exemplo Jaacute ato enquanto atividade significa o exerciacutecio dessa disposiccedilatildeo
Ser apto a caminhar e estar caminhando
οὐσίαι δὲ μάλιστ εἶναι δοκοῦσι τὰ σώματα καὶ τούτων τὰ φυσικά ταῦτα γὰρ τῶν
ἄλλων ἀρχαί τῶν δὲ φυσικῶν τὰ μὲν ἔχει ζωήν τὰ δ οὐκ ἔχει ζωὴν δὲ λέγομεν τὴν
δι αὑτοῦ τροφήν τε καὶ αὔξησιν καὶ φθίσιν ὥστε πᾶν σῶμα φυσικὸν μετέχον ζωῆς
οὐσία ἂν εἴη οὐσία δ οὕτως ὡς συνθέτη
E haacute a opiniatildeo de que sobretudo os corpos satildeo substacircncia entre os quais se encontram
os corpos naturais que satildeo princiacutepios dos demais Dos corpos naturais alguns tecircm
vida outros natildeo e dizemos que a vida eacute a nutriccedilatildeo por si mesmo o crescimento e o
decaimento Assim todo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido
de substacircncia composta DA II 1 412a11-16 (Trad Gomes dos Reis)
Aristoacuteteles retorna a uma tese geral amplamente adotada por ele segundo a qual dentre
as substacircncias as sensiacuteveis satildeo as mais aceitas27
por serem mais evidentes aos sentidos O que
26 ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ τοῦ πάσχειν ἔτι ὅσαι ἕξεις καθ ἃς ἀπαθῆ ὅλως ἢ ἀμετάβλητα ἢ μὴ ῥᾳδίως ἐπὶ τὸ χεῖρον
εὐμετακίνητα δυνάμεις λέγονται κλᾶται μὲν γὰρ καὶ συντρίβεται καὶ κάμπτεται καὶ ὅλως φθείρεται οὐ τῷ
δύνασθαι ἀλλὰ τῷ μὴ δύνασθαι καὶ ἐλλείπειν τινός ἀπαθῆ δὲ τῶν τοιούτων ἃ μόλις καὶ ἠρέμα πάσχει διὰ δύ
ναμιν καὶ τῷ δύνασθαι καὶ τῷ ἔχειν πώς ldquoO mesmo vale para a potecircncia passiva Aleacutem disso chamam-se
potecircncias todos os estados em virtude dos quais as coisas satildeo absolutamente impassiacuteveis ou imutaacuteveis ou natildeo
facilmente mutaacuteveis para pior De fato as coisas quebram-se degeneram-se dobram-se e em geral destroem-se
natildeo porque tecircm potecircncia mas porque natildeo tecircm potecircncia a e porque carecem de alguma coisa ao contraacuterio satildeo
impassiacuteveis relativamente a todo estes tipos de afecccedilotildees as coisas que dificilmente ou pouco satildeo afetadas por elas
por causa de sua potecircncia e de seu poder e por determinadas condiccedilotildees em que se encontremrdquo Met Δ 12 1019ordf
26-32 (Trad Giovani Reale) 27 Οὐσία λέγεται τά τε ἁπλᾶ σώματα οἷον γῆ καὶ πῦρ καὶ ὕδωρ καὶ ὅσα τοιαῦτα καὶ ὅλως σώματα καὶ τὰ ἐκ
τούτων συνεστῶτα ζῷά τε καὶ δαιμόνια καὶ τὰ μόρια τούτων ἅπαντα δὲ ταῦτα λέγεται οὐσία ὅτι οὐ καθ
ὑποκειμένου λέγεται ἀλλὰ κατὰ τούτων τὰ ἄλλα ldquoSubstacircncia em certo sentido se diz dos corpos simples por
exemplo o fogo a terra a aacutegua e todos os corpos como estes e em geral todos os corpos e as coisas compostas
a partir deles como os animais e os seres divinos e suas partes Todas essas coisas satildeo ditas substacircncias porque
natildeo satildeo predicadas de um substrato mas tudo o mais eacute predicado delasrdquo Met Δ 1017b10ndash14 (Trad Giovani
Reale)
Τὸ ὂν λέγεται πολλαχῶς καθάπερ διειλόμεθα πρότερον ἐν τοῖς περὶ τοῦ ποσαχῶς σημαίνει γὰρ τὸ μὲν τί ἐστι
καὶ τόδε τι τὸ δὲ ποιὸν ἢ ποσὸν ἢ τῶν ἄλλων ἕκαστον τῶν οὕτω κατηγορουμένων τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου
τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν (ὅταν μὲν γὰρ εἴπωμεν ποῖόν τι
τόδε ἢ ἀγαθὸν λέγομεν ἢ κακόν ἀλλ οὐ τρίπηχυ ἢ ἄνθρωπον ldquoO ser tem muitos signficados como
estabelecemos anteriormente no livro dedicado aos diversos significados dos termos De fato o ser signfica de
um lado essecircncia e algo determinado de outro qualidade ou quantidade e cada uma das outras categorias
Mesmo sendo dito em tantos signficados eacute evidente que o primeiro dos significados do ser eacute a essecircncia que
indica a substacircncia (De fato quando perguntamos a qualidade de alguma coisa dizemos que eacute boa ou maacute mas
natildeo que tem trecircs cocircvados ou que eacute homemrdquo 1028a10ndash16 (Trad Giovani Reale)
24
Aristoacuteteles chama aqui de corpos naturais (physikoacuten) corresponde aos compostos que datildeo
origem aos artificiais e com a abstraccedilatildeo das suas unidades a objetos matemaacuteticos Mas natildeo
satildeo elementos ou partes sem unidade como o olho ou a raiz da aacutervore Pois eacute o animal que
deteacutem o olho e a aacutervore que deteacutem a raiacutez Sendo assim os corpos naturais se diferenciam
entre os que vivem e os que natildeo vivem Estes que natildeo vivem satildeo os corpos artificiais os
corpos celestes e o cadaacutever Um corpo morto seraacute de animal senatildeo por homoniacutemia pois natildeo
tem como atividade o viver E o viver eacute nutrir-se eacute crescer e eacute decair Donde Aristoacuteteles
conclui que ldquotodo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido de substacircncia
compostardquo Os seres viventes (empsykhon) satildeo substacircncias compostas de mateacuteria (corpo) e
forma (alma) tendo como atividade o viver
ἐπεὶ δ ἐστὶ καὶ σῶμα καὶ τοιόνδε ζωὴν γὰρ ἔχον οὐκ ἂν εἴη σῶμα ἡ ψυχή οὐ γάρ
ἐστι τῶν καθ ὑποκειμένου τὸ σῶμα μᾶλλον δ ὡς ὑποκείμενον καὶ ὕλη ἀναγκαῖον
ἄρα τὴν ψυχὴν οὐσίαν εἶνα ὡς εἶδος σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν ἔχοντος
E uma vez que essa substacircncia tambeacutem eacute um corpo de tal tipo ndash que tem vida ndash a
alma natildeo eacute corpo pois o corpo natildeo eacute um dos predicados do substrato antes ele eacute
como o substrato e a mateacuteria Necessariamente entatildeo a alma eacute substacircncia como
forma de um corpo natural potencialmente vivo 412ordf16-21 (Trad Maria Ceciacutelia
Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo proacutepria)
Finalmente Aristoacuteteles tece sua uacuteltima premissa e enuncia uma primeira definiccedilatildeo de
alma Dado que os corpos naturais dotados de vida satildeo compostos hilemoacuterficos cabe eliminar
qualquer possibilidade da alma ser corpo O argumento eacute conciso Haacute substacircncias que satildeo um
corpo dotado de vida Este corpo vivo natildeo eacute alma Mas substrato (hypokeimeacutenon) e mateacuteria
(hyacutele) do composto E como tal eacute objeto de predicaccedilatildeo da forma Portanto a alma natildeo pode
ser corpo pois ela que o predica
Em Met Z 3 escreve Aristoacuteteles que o substrato eacute aquilo que eacute predicado pelas coisas
enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outra28
Jaacute a substacircncia eacute aquilo que predica o
substrato mas que natildeo eacute predicada pelas outras coisas Sendo assim inerem no substrato
determinaccedilotildees como quantidade afecccedilotildees accedilotildees e potecircncias Poreacutem raspadas as
determinaccedilotildees o que resta eacute o substrato primeiro mateacuteria Contudo como jaacute enunciado
ὁμολογούμεναι μὲν αἱ φυσικαί οἷον πῦρ γῆ ὕδωρ ἀὴρ καὶ τἆλλα τὰ ἁπλᾶ σώματα ἔπειτα τὰ φυτὰ καὶ τὰ μόρια
αὐτῶν καὶ τὰ ζῷα καὶ τὰ μόρια τῶν ζῴων καὶ τέλος ὁ οὐρανὸς καὶ τὰ μόρια τοῦ οὐρανοῦ ἰδίᾳ δέ τινες οὐσίας
λέγουσιν εἶναι τά τ εἴδη καὶ τὰ μαθηματικά ldquoSubstacircncias admitidas por todos satildeo as fiacutesicas como fogo terra
aacutegua ar e os outros corpos simples ademais as plantas e suas partes do ceacuteu Alguns filoacutesofos ao contraacuterio em
funccedilatildeo de suas opiniotildees particulares afirmaram que substacircncias satildeo as Formas e os Entes matemaacuteticosrdquo Met H
1042a7ndash11(Trad Giovani Reale)
28 τὸ δ ὑποκείμενόν ἐστι καθ οὗ τὰ ἄλλα λέγεται ἐκεῖνο δὲ αὐτὸ μηκέτι κατ ἄλλου ldquoO Substrato eacute aquilo de
que satildeo predicadas todas as outras coisas enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outrardquo Met Z 3 1028b36 ndash
1029a1 (Trad Giovani Reale)
25
acima Aristoacuteteles compreende a mateacuteria como algo indeterminado Apesar disso haacute algo da
qual todas as outras determinaccedilotildees satildeo predicadas E sendo a substacircncia um algo separado
que predica a mateacuteria ou seja que referencia e determina a mateacuteria substacircncia e mateacuteria natildeo
podem ser idecircnticas O que este argumento nos ajuda a compreender eacute o pressuposto
metafiacutesico sobre o qual Aristoacuteteles identifica o corpo com o substrato impossibilitando que
este seja identificado com a alma Ou seja a substacircncia que predica o corpo
Portanto se o corpo eacute substrato material do composto orgacircnico vivo segue-se
necessariamente que a alma eacute a substacircncia formal Aristoacuteteles enuncia entatildeo seu perseguido
enunciado mais geral a alma eacute substacircncia como forma de um corpo natural potencialmente
vivo A alma enquanto substacircncia do composto vivo eacute substacircncia no sentido de forma Com
este enunciado Aristoacuteteles responde o primeiro ponto do elenco de questotildees a serem
abordadas numa investigaccedilatildeo da alma a saber a qual gecircnero de ser pertence a alma
Para a alma ser forma de um corpo potencialmente vivo ndash e ser potencialmente vivo eacute
dispor de oacutergatildeos passiacuteveis de realizaccedilatildeo das atividades proacuteprias ao viver ndash significa ser o
princiacutepio estruturante e configurador das funccedilotildees (eacutergon) de vida Assim a alma eacute o princiacutepio
e causa determinante do ser atraveacutes das atividades proacuteprias ao viver em um corpo de tal tipo
Portanto a alma configura a realidade das substacircncias compostas viventes sendo aquilo a
partir e em vista do que a vida se daacute
Aristoacuteteles abre caminho para a responder sua taacutebua de definiccedilotildees de DA I 1 A
primeira delas eacute configurar a relaccedilatildeo entre a alma e o corpo fundamentando a noccedilatildeo de
inseparabilidade entre uma e outro Pois ser a forma de um composto demanda que a alma se
atualize apenas se instanciada em um estofo material e seja seu princiacutepio de ser Em siacutentese a
alma eacute como a substacircncia e o corpo eacute como o substrato da substacircncia composta viva que eacute o
ser vivente
Seguindo as noccedilotildees jaacute traccediladas anteriormente Aristoacuteteles desdobraraacute outras duas
caracteriacutesticas proacuteprias agrave alma atualidade primeira e princiacutepio de determinaccedilatildeo do corpo Jaacute
que a alma eacute forma e forma eacute atualidade entatildeo a alma eacute atualidade deste corpo
potencialmente vivo como se lecirc logo em seguida
ἡ δ οὐσία ἐντελέχεια τοιούτου ἄρα σώματος ἐντελέχεια αὕτη δὲ λέγεται διχῶς ἡ
μὲν ὡς ἐπιστήμη ἡ δ ὡς τὸ θεωρεῖν φανερὸν οὖν ὅτι ὡς ἐπιστήμη ἐν γὰρ τῷ
ὑπάρχειν τὴν υχὴν καὶ ὕπνος καὶ ἐγρήγορσίς ἐστιν ἀνάλογον δ ἡ μὲν ἐγρήγορσις τῷ
θεωρεῖν ὁ δ ὕπνος τῷ ἔχειν καὶ μὴ ἐνεργεῖν προτέρα δὲ τῇ γενέσει ἐπὶ τοῦ αὐτοῦ ἡ
ἐπιστήμη διὸ ἡ ψυχή ἐστιν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν
ἔχοντος
E a substacircncia eacute atualidade Portanto eacute de um corpo de tal tipo que a alma eacute
atualidade Mas esta se diz de dois modos ndash primeiro como ciecircncia segundo como o
26
inquirir Eacute claro entatildeo que a alma eacute atualidade como ciecircncia pois ao subsistir a alma
haacute tanto o sono como a vigiacutelia e a vigiacutelia eacute algo anaacutelogo ao inquirir o sono a possuir
a ciecircncia mas natildeo a exercecirc-la e no que concerne a um mesmo indiviacuteduo a ciecircncia eacute
a primeira atualidade de um corpo natural que tem em potecircncia vida DA II 1 412a21-
28 (Trad Gomes dos Reis)
Como jaacute estabelecido em 401a6-11 a atualidade se diz segundo a disposiccedilatildeo e a
atividade Aqui disposiccedilatildeo (heacutexis) estaacute para a ciecircncia (epistecircme) como atividade (energeacuteia)
estaacute para inquirir (theoreicircn) Portanto disposiccedilatildeo eacute a obtenccedilatildeo de dada capacidade sem
executaacute-la enquanto atividade eacute sua execuccedilatildeo
Aristoacuteteles conclui seu argumento especificando a alma como uma atualidade primeira
(enteleacutekheia proteacute) Charlton29
propotildee que o termo ldquoprimeirordquo (proteacute) se refira agrave atualidade no
primeiro sentido ou seja enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) O que parece plausiacutevel pois o texto
aristoteacutelico nos diz que a alma eacute atualidade como ciecircncia (phanerograven oucircn hoacuteti hocircs episteme)
Aleacutem disso nas discussotildees preliminares sobre a capacidade perceptiva Aristoacuteteles discorre
um pouco mais sobre as diferenccedilas entre atualidade em termos de disposiccedilatildeo e atividade
διαιρετέον δὲ καὶ περὶ δυνάμεως καὶ ἐντελεχείας νῦν γὰρ ἁπλῶς ἐλέγομεν περὶ
αὐτῶν ἔστι μὲν γὰρ οὕτως ἐπιστῆμόν τι ὡς ἂν εἴποιμεν ἄνθρωπον ἐπιστήμονα ὅτι ὁ
ἄνθρωπος τῶν ἐπιστημόνων καὶ ἐχόντων ἐπιστήμην ἔστι δ ὡς ἤδη λέγομεν
ἐπιστήμονα τὸν ἔχοντα τὴν γραμματικήν ἑκάτερος δὲ τούτων οὐ τὸν αὐτὸν τρόπον
δυνατός ἐστιν ἀλλ ὁ μὲν ὅτι τὸ γένος τοιοῦτον καὶ ἡ ὕλη ὁ δ ὅτι βουληθεὶς δυνατὸς
θεωρεῖν ἂν μή τι κωλύσῃ τῶν ἔξωθεν ὁ δ ἤδη θεωρῶν ἐντελεχείᾳ ὢν καὶ κυρίως
ἐπιστάμενος τόδε τὸ Α ἀμφότεροι μὲν οὖν οἱ πρῶτοι κατὰ δύναμιν ἐπιστήμονες
ltὄντες ἐνεργείᾳ γίνονται ἐπιστήμονεςgtἀλλ ὁ μὲν διὰ μαθήσεως ἀλλοιωθεὶς καὶ
πολλάκις ἐξ ἐναντίας μεταβαλὼν ἕξεως ὁ δ ἐκ τοῦ ἔχειν τὴν ἀριθμητικὴν ἢ τὴν
γραμματικήν μὴ ἐνεργεῖν δέ εἰς τὸ ἐνεργεῖν ἄλλον τρόπον
Eacute preciso ainda fazer distinccedilotildees no que diz respeito agrave potecircncia e agrave atualidade Pois ateacute
agora falaacutevamos disso de maneira simples Por um lado haacute aquele que conhece no
sentido em que diriacuteamos ser o homem conhecedor por estar entre os que conhecem e
possuem conhecimento e haacute em outro sentido aquele que dizemos ser conhecedor
por jaacute saber a gramaacutetica (e cada um deles eacute em potecircncia mas natildeo da mesma maneira
o primeiro por que eacute de tal gecircnero e mateacuteria o outro porque se quiser pode inquirir
nada externo o impedindo) E haacute por fim aquele que estaacute inquirindo e em atualidade
conhecendo em sentido proacuteprio este ldquoArdquo determinado Os dois primeiros satildeo
conhecedores em potecircncia um por ter-se alterado via aprendizagem e por passar
vaacuterias vezes de uma das disposiccedilotildees contraacuterias a outra o outro de outro modo por
passar do ter a percepccedilatildeo sensiacutevel30 ou a gramaacutetica sem exercitaacute-lo ao estar em
exerciacutecio DA II 5 417a21-b2 (Trad Gomes dos Reis)
O ser humano eacute configurado de modo a realizar certas atividades como a nutriccedilatildeo a
percepccedilatildeo e a inquiriccedilatildeo Entretanto a pura organizaccedilatildeo fiacutesica natildeo basta para que elas sejam
realizadas Assim somente quando a funccedilatildeo proacutepria de determinada disposiccedilatildeo fiacutesica entra
em atividade eacute que aquilo que eacute em potecircncia se torna uma atualidade No caso acima a
capacidade de inquirir Mas toda capacidade exige um objeto para entrar em atividade E o
29 1980 p 174 30 A tradutora optou por substituir o termo ldquoarithmetikegravenrdquo por ldquoaiacutesthesinrdquo Cf GOMES DOS REIS 2012 p 84
27
que era uma potecircncia de aprendizado para o inquiridor torna-se uma atualidade pela atividade
da sua inquiriccedilatildeo Deste modo haacute trecircs instacircncias que vatildeo da potecircncia agrave atualidade Na
primeira o ser vivente eacute dotado da capacidade de aprender a inquirir Na segunda esta
disposiccedilatildeo eacute posta em atividade tendo um objeto para se inquirir Na terceira eacute a atividade
dessa capacidade aprendida ou adquirida que se tem uma atualidade plena No primeiro caso
eacute claramente uma capacidade segundo uma disposiccedilatildeo No segundo caso jaacute temos um estado
de atualidade na medida em que haacute o exerciacutecio dessa capacidade proacutepria ao ser vivente
Aristoacuteteles chama isso de potecircncia pois em relaccedilatildeo agrave terceira instacircncia aquele modo de
atualidade eacute ainda suscetiacutevel de alteraccedilatildeo E quando essa nova capacidade a gramaacutetica eacute
adquirida pela atividade desta nova capacidade de inquirir possiacutevel apenas pela sua
disposiccedilatildeo na fisiologia do ser vivente a capacidade se atualiza plenamente
Assim a alma eacute atualidade primeira de um corpo potencialmente vivo enquanto
princiacutepio de atividade das capacidades proacuteprias ao viver presentes como disposiccedilatildeo que a
forma engendra neste corpo Isto fica mais evidente em DA II 1 412b5-9
εἰ δή τι κοινὸν ἐπὶ πάσης ψυχῆς δεῖ λέγειν εἴη ἂν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος
φυσικοῦ ὀργανικοῦ διὸ καὶ οὐ δεῖ ζητεῖν εἰ ἓν ἡ ψυχὴ καὶ τὸ σῶμα ὥσπερ οὐδὲ τὸν
κηρὸν καὶ τὸ σχῆμα οὐδ ὅλως τὴν ἑκάστου ὕλην καὶ τὸ οὗ ἡ ὕλη τὸ γὰρ ἓν καὶ τὸ
εἶναι ἐπεὶ πλεοναχῶς λέγεται τὸ κυρίως ἡ ἐντελέχειά ἐστιν
Se eacute preciso enunciar algo comum a toda e qualquer alma seria que eacute a primeira
atualidade do corpo natural orgacircnico E por isso inclusive natildeo eacute preciso investigar se
alma e corpo satildeo uma unidade ndash tampouco se a cera e a figura o satildeo e em suma nem
se a mateacuteria de cada coisa e aquilo de que eacute mateacuteria ndash pois jaacute que se diz unidade ser
de muitos modos o mais apropriado deles eacute a atualidade (Trad Gomes dos Reis)
O corpo eacute dotado de oacutergatildeos partes que viabilizam a atividade das capacidades
proacuteprias ao viver E eacute a atividade das capacidades atraveacutes dos oacutergatildeos que se confere unidade
entre corpo e alma nesse composto orgacircnico vivo Assim Aristoacuteteles responde sobre a
unidade entre alma e corpo enunciada na taacutebua de definiccedilotildees Natildeo por acaso como corolaacuterio
agraves noccedilotildees de alma como forma e atualidade Aristoacuteteles declara
οὐσία γὰρ ἡ κατὰ τὸν λόγον τοῦτο δὲ τὸ τί ἦν εἶναι τῷ τοιῳδὶ σώματι καθάπερ εἴ τι
τῶν ὀργάνων φυσικὸν ἦν σῶμα οἷον πέλεκυς ἦν μὲν γὰρ ἂν τὸ πελέκει εἶναι ἡ οὐσία
αὐτοῦ καὶ ἡ ψυχὴ τοῦτο χωρισθείσης δὲ ταύτης οὐκ ἂν ἔτι πέλεκυς ἦν ἀλλ ἢ ὁμ
ωνύμως νῦν δ ἔστι πέλεκυς οὐ γὰρ τοιούτου σώματος τὸ τί ἦν εἶναι καὶ ὁ λόγος ἡ
ψυχή ἀλλὰ φυσικοῦ τοιουδί ἔχοντος ἀρχὴν κινήσεως καὶ στάσεως ἐν ἑαυτῷ
Pois ela eacute a substacircncia segundo a determinaccedilatildeo ou seja o que era para ser de um
corpo de tal tipo Se um instrumento fosse um corpo natural ndash por exemplo o
machado ndash a sua substacircncia seria a que eacute ser para o machado e isto seria a sua alma
Separado disso ele natildeo seria mais um machado exceto por homoniacutemia Mas na
verdade eacute um machado pois a alma natildeo eacute a determinaccedilatildeo e o que eacute o que eacute para um
corpo desse tipo mas sim um corpo natural tal que tenha em si mesmo um princiacutepio
28
de movimento e repouso DA II 1 412b10-17 (Trad Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo
proacutepria)
Como jaacute explicitado no enunciado de alma enquanto substacircncia como forma em
412a20 a alma eacute este princiacutepio determinante do ser do composto Ou seja o princiacutepio
organizador das suas disposiccedilotildees e propriedades que determinaratildeo o ser proacuteprio de um corpo
natural capaz de viver A identificaccedilatildeo entre alma e forma se desdobraraacute na identificaccedilatildeo de
alma e o que era para ser31
(tograve tiacute ecircn eicircnai)
Dado que a alma eacute forma e atualidade do corpo Aristoacuteteles estabelece que ela eacute seu
princiacutepio de determinaccedilatildeo das propriedades relevantes que daratildeo o caraacuteter essencial do ser
vivente E eacute evidente como o texto nos mostra e Hamilyn32
sustenta que a determinaccedilatildeo da
essecircncia se daacute segundo sua funccedilatildeo (eacutergon) O ser do machado eacute cortar na medida em que a
funccedilatildeo proacutepria do machado eacute cortar assim como a do olho eacute ver O ser do ser vivente eacute viver
31 A locuccedilatildeo eacute razatildeo de grande controveacutersia na tradiccedilatildeo de comentaacuterios ao texto aristoteacutelico Natildeo entrarei nos
pormenores da discussatildeo mas tomarei a traduccedilatildeo o que era para ser em sua literalidade assim como Angioni
tendo em vista o contexto no qual se pretende compreender seu emprego ldquoTrata-se de uma substantivaccedilatildeo com
o artigo neutro (lsquotorsquo) da pergunta lsquoo que afinal era o ser para tal coisarsquo (lsquoti en to einai toutoirsquo lsquotiacute ecircn tograve eicircnai
toutoirsquo) ndash Aristoacuteteles frequentemente substantiva segmentos de sentenccedilas e expressotildees que em si mesmas
constituem perguntas gramaticalmente completas isso ocorre na designaccedilatildeo das categorias (ldquoo qualrdquo ldquotograve poicirconrdquo
etc) na designaccedilatildeo de algumas das quatro causas (lsquoo que moveu primeirorsquo lsquoo em vista de quersquo) e em outras
expressotildees lsquo(lsquoo por quecircrsquo lsquotograve diagrave tiacutersquo ou lsquotograve dioacutetirsquo) O infinitivo lsquoserrsquo eacute o mesmo que consta na expressatildeo lsquoser +
dativorsquo e que designa a essecircncia da coisa isto eacute o conjunto de propriedades e caracteriacutesticas que deveriam ser
enumeradas no enunciado que define o que a coisa eacute Trata-se do mesmo infinitivo que comparece em 1041a32
1041b28 e 1042b27 (e natildeo se trata do infinitivo que poderia eventualmente ser entendido como existencial tal
como em 1041a15) O imperfeito ldquoerardquo por sua vez consiste num resquiacutecio de um uso dialeacutetico pelo qual o
interlocutor remetia a alguma definiccedilatildeo anteriormente dada destinada a funcionar como paracircmetro para a
discussatildeo ulterior (para referecircncias quanto ao uso desse imperfeito ver nossa dissertaccedilatildeo de mestrado p 89
nota 208) A pergunta original seria lsquoo quecirc era o ser para tal coisarsquo mas isso quer apenas dizer lsquoo quecirc fora
estabelecido (anteriormente na presente discussatildeo) como ser para tal coisarsquo Com o haacutebito a expressatildeo teria
perdido o significado interrogativo que originalmente possuiacutea e teria se tornado um jargatildeo para designar a
essecircncia Em vista disso lsquoto ti en einairsquo poderia ser traduzido ou parafraseado como lsquoaquilo que fora
estabelecido como caracteriacutesticas essenciais de tal coisarsquo A lsquoanterioridade causal da formarsquo muita vez alegada
como chave para a compreensatildeo do jargatildeo eacute compatiacutevel com o significado da expressatildeo mas natildeo explica a
origem do imperfeitordquo (Angioni 2005 102) 32 ldquoAristotlersquos selection of a tool an axe to provide an analogy with the ensouled body reveals how close to the
surface in this discussion is the notion of function The substance or essence of an axe is its function without
which it would not be an axe Like the Greeks in general Aristotle had no difficulty in thinking of a natural body
as having a function too (cf Nicomachean Ethics 1097b22ff) this is part of his general teleology But as he
goes on to point out there are differences also between an axe and a natural body which spoil the analogy This
is the force of the words lsquoBut as it is an axersquo ndash the essence of a axe is not its soul since it does not have one not
being a living thingrdquo ldquoA seleccedilatildeo do Aristoacuteteles de um instrumento um machado prova um analogia com os
coporpos animados revela como o que estaacute em voga eacute a discussatildeo eacute a noccedilatildeo de funccedilatildeo A substacircncia ou
essecircncia de um machado eacute sua funccedilatildeo sem a qual ele natildeo seria um machado Assim como os Gregos
Aristoacuteteles natildeo teve dificuldades em pensar o corpo natural como tambeacutem dotado de funccedilatildeo (cf Eacutetica a
Nicocircmaco 1097b22ss) isto eacute parte da sua teleologia Mas como ele segue pontuando haacute diferenccedilas igualmente
entre um machado e um corpo natural que prejudicam a analogia Eacute o que sugerem as palavras Mas eacute como um
machadorsquo - a essecircncia do machado natildeo eacute sua alma jaacute que ele natildeo tem uma natildeo eacute um ser viventerdquo (HAMLYN
1993 85) (Trad proacutepria)
29
e isto eacute garantido pela alma A locuccedilatildeo o que era para ser como indica Gomes dos Reis33
pode ser compreendida como uma continuidade da forma do ser vivente perante o devir que
lhe eacute proacuteprio ao longo da sua vida
Com isso Aristoacuteteles traccedila suas noccedilotildees preliminares da alma em DA II 1 Haacute ao final
do capiacutetulo algo digno de nota Aristoacuteteles se refere a tudo isto como um rascunho e esboccedilo
de definiccedilatildeo34
Poderiacuteamos entender que estas proposiccedilotildees satildeo insuficientes para o projeto
psicoloacutegico aristoteacutelico E satildeo mesmo em certa medida Pois em relaccedilatildeo agrave taacutebua de
definiccedilatildeo Aristoacuteteles soacute respondeu as noccedilotildees relativas agrave substacircncia atualidade e unidade da
alma Apesar disso como argumentarei na sessatildeo seguinte todo o arcabouccedilo conceitual e
argumentativo aqui esboccedilado sustentaraacute a noccedilatildeo de alma como princiacutepio das capacidades que
denotam vida Aleacutem do mais se lembrarmos que nas primeiras linhas do capiacutetulo Aristoacuteteles
se comprometia tatildeo somente em buscar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) para a
alma eacute inegaacutevel que ele foi bem sucedido Se ao fim de DA I ele tem claro que a alma eacute
princiacutepio imoacutevel de movimento e una em DA II 1 satildeo apresentados os argumentos positivos
para estas duas teses A alma eacute de estatuto formal portanto imoacutevel e princiacutepio organizador
das propriedades do ser Enquanto forma eacute atualidade e assim o princiacutepio de atividade das
capacidades proacuteprias ao ser Enquanto substacircncia eacute o que era para ser do ser vivente e entatildeo
o princiacutepio determinante do que este ser vivente eacute E esta determinaccedilatildeo seraacute dada pela funccedilatildeo
proacutepria das suas capacidades que soacute seratildeo plenificadas com as atividades no oacutergatildeo
correspondente Este enunciado e o que se desdobra dele eacute um rascunho e esboccedilo de definiccedilatildeo
pois natildeo nos explica satisfatoriamente por que a alma eacute princiacutepio das formas especiacuteficas de
vida Aristoacuteteles reconhece isso e segundo um paracircmetro geomeacutetrico de definiccedilatildeo mudaraacute o
curso da investigaccedilatildeo sobre a alma
33 ldquoA expressatildeo to ti ecircn einai pode ser a generalizaccedilatildeo de uma construccedilatildeo com ocorrecircncias nos tratados por
exemplo to [pelekei] einai o ser [para o machado] o ser [para a carne] que seraacute traduzida por sua vez como a
locuccedilatildeo ldquoo que eacute ser para o machadordquo e assim por diante Como reconstruiacute-la eacute um assunto polecircmico Haacute um
verbo no imperfeito (a expressatildeo literalmente diz algo como o lsquoo que era a serrsquo) que poderia ser interpretado
como uma ecircnfase na continuidade da forma a despeito do devirrdquo 2012 208 34τύπῳ μὲν οὖν ταύτῃ διωρίσθω καὶ ὑπογεγράφθω περὶ ψυχῆς ldquoE isto basta como um esquema do esboccedilo de
definiccedilatildeo de almardquo DA II 1 413a10-11 (Trad Gomes dos Reis)
30
22 A DEFINICcedilAtildeO PELAS CAPACIDADES
DA II 2 se inicia com um impasse a noccedilatildeo geral oferece o gecircnero de ser da alma mas
natildeo a enuncia como causa de vida nos seres viventes Diante disso Aristoacuteteles faz uma
revisatildeo metodoloacutegica na investigaccedilatildeo de alma tomando como paradigma o exemplo de
definiccedilatildeo pela causa de um objeto geomeacutetrico
Ἐπεὶ δ ἐκ τῶν ἀσαφῶν μὲν φανερωτέρων δὲ γίνεται τὸ σαφὲς καὶ κατὰ τὸν λόγον
γνωριμώτερον πειρατέον πάλιν οὕτω γ ἐπελθεῖν περὶ αὐτῆς οὐ γὰρ μόνον τὸ ὅτι δεῖ
τὸν ὁριστικὸν λόγον δηλοῦν ὥσπερ οἱ πλεῖστοι τῶν ὅρων λέγουσιν ἀλλὰ καὶ τὴν
αἰτίαν ἐνυπάρχειν καὶ ἐμφαίνεσθαι νῦν δ ὥσπερ συμπεράσμαθ οἱ λόγοι τῶν ὅρων
εἰσίν οἷον τί ἐστιν ὁ τετραγωνισμός τὸ ἴσον ἑτερομήκει ὀρθογώνιον εἶναι
ἰσόπλευρον ὁ δὲ τοιοῦτος ὅρος λόγος τοῦ συμπεράσματος ὁ δὲ λέγων ὅτι ἐστὶν ὁ
τετραγωνισμὸς μέσης εὕρεσις τοῦ πράγματος λέγει τὸ αἴτιον
E jaacute que a partir de coisas natildeo claras embora mais manifestas advecircm clareza e maior
inteligibilidade segundo o enunciado deve-se tentar desta maneira novamente
discorrer sobre a alma pois natildeo somente eacute preciso que o enunciado definidor
esclareccedila os fatos ndash como o faz a maioria das definiccedilotildees ndash mas ainda conter e
expressar a causa Os enunciados das definiccedilotildees na verdade satildeo como conclusotildees O
que eacute por exemplo a quadratura Eacute fazer equivaler um retacircngulo equilaacutetero a um
retacircngulo qualquer Mas tal definiccedilatildeo eacute o enunciado da conclusatildeo e o que diz por sua
vez que a quadratura eacute a descoberta de uma meacutedia proporcional enuncia a causa DA
II 2 413a11-20 (Trad Gomes dos Reis)
Novamente Aristoacuteteles nos relembra a ideia de que as apreensotildees sensiacuteveis satildeo mais
manifestas (phaneroteacuteron) que as apreensotildees inteligiacuteveis As inteligiacuteveis satildeo mais claras
(sophoacutes) pois satildeo formas apreendidas com a razatildeo e menos suscetiacuteveis ao engano Ao
contraacuterio das apreensotildees sensiacuteveis que satildeo mais manifestas Muito embora os pressupostos
que permitiram deduzir o estatuto ontoloacutegico da alma no capiacutetulo anterior sejam mais claros
eles enunciam o vivente como um ser animado enquanto um fato mas natildeo enunciam a alma
como causa do viver Portanto DA II 2 se dedicaraacute a investigar a alma como causa de vida
nos seres viventes a partir do que eacute mais manifesto ao que eacute mais claro
Aristoacuteteles se utiliza de um teorema para explicar que o termo meacutedio de um silogismo
apresenta a causa de um fato Num silogismo dado uma premissa maior que enuncie o fato e
tem como outro fato a conclusatildeo a premissa menor enuncia a causa pois eacute onde se encontra o
porquecirc da conclusatildeo Responder que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois ldquoTodo homem eacute mortalrdquo natildeo
enuncia a causa da mortalidade de Soacutecrates soacute o mero fato de coincidentemente ldquoSoacutecratesrdquo e
ldquoTodo homemrdquo serem mortais Poreacutem se respondemos que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois
ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo e ldquoTodo homem eacute mortalrdquo entatildeo foi enunciado a causa da mortalidade
de Soacutecrates Em sua estrutura claacutessica a premissa maior ldquoTodo homem eacute mortalrdquo a premissa
menor ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo a conclusatildeo ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo
31
Fica a questatildeo de como este novo criteacuterio se aplica agrave definiccedilatildeo E sobre a alma o
corpo e a vida
λέγομεν οὖν ἀρχὴν λαβόντες τῆς σκέψεως διωρίσθαι τὸ ἔμψυχον τοῦ ἀψύχου τῷ
ζῆν πλεοναχῶς δὲ τοῦ ζῆν λεγομένου κἂν ἕν τι τούτων ἐνυπάρχῃ μόνον ζῆν αὐτό
φαμεν οἷον νοῦς αἴσθησις κίνησις καὶ στάσις ἡ κατὰ τόπον ἔτι κίνησις ἡ κατὰ
τροφὴν καὶ φθίσις τε καὶ αὔξησις
Retomando o princiacutepio da investigaccedilatildeo digamos entatildeo que o animado se distingue do
inanimado pelo viver E de muitos modos se diz o viver pois dizemos que algo vive
se nele subsiste pelo menos um destes ndash intelecto percepccedilatildeo sensiacutevel movimento
local e repouso e ainda o movimento segundo a nutriccedilatildeo o decaimento e o
crescimento DA II 2 413a20-24 (Trad Gomes dos Reis)
Aristoacuteteles enuncia uma premissa maior e outra menor
[premissa maior] Todo ser dotado de alma vive
[premissa menor] Viver eacute ser dotado de intelecto percepccedilatildeo nutriccedilatildeo movimento
local e repouso decaimento e crescimento
Eacute proacuteprio agrave alma atribuir vida Viver eacute ser dotado de uma das capacidades
mencionadas Assim todo corpo natural que apresente uma dessas capacidades vive35
Portanto as plantas vivem pois se nutrem crescem e decaem por si proacuteprias
διὸ καὶ τὰ φυόμενα πάντα δοκεῖ ζῆν φαίνεται γὰρ ἐν αὑτοῖς ἔχοντα δύναμιν καὶ
ἀρχὴν τοιαύτην δι ἧς αὔξησίν τε καὶ φθίσιν λαμβάνουσι κατὰ τοὺς ἐναντίους τόπους
οὐ γὰρ ἄνω μὲν αὔξεται κάτω δ οὔ ἀλλ ὁμοίως ἐπ ἄμφω καὶ πάντῃ ὅσα ἀεὶ
τρέφεταί τε καὶ ζῇ διὰ τέλους ἕως ἂν δύνηται λαμβάνειν τροφήν
Por isso parece inclusive que todas as plantas vivem pois eacute manifesto que tecircm em si
mesmas uma potecircncia e um princiacutepio deste tipo por meio do qual ganham
crescimento e decaimento segundo direccedilotildees contraacuterias pois natildeo crescem apenas para
cima e natildeo para baixo mas similarmetne em ambas e em todas as direccedilotildees e assim eacute
para as que se nutrem constantemente e vivem ateacute o fim enquanto puderem obter
alimento DA II 2 413a25-31 (Trad Gomes dos Reis)
Assim como os animais vivem jaacute que satildeo dotados de nutriccedilatildeo e percepccedilatildeo
τὸ μὲν οὖν ζῆν διὰ τὴν ἀρχὴν ταύτην ὑπάρχει τοῖς ζῶσι τὸ δὲ ζῷον διὰ τὴν αἴσθησιν
πρώτως καὶ γὰρ τὰ μὴ κινούμενα μηδ ἀλλάττοντα τόπον ἔχοντα δ αἴσθησιν ζῷα
λέγομεν καὶ οὐ ζῆν μόνον
O viver subsiste nos seres vivos por conta deste princiacutepio e o animal constitui-se
primordialmente pela percepccedilatildeo sensiacutevel Pois dizemos que satildeo animais ndash e natildeo
apenas que vivem ndash tambeacutem os que natildeo se movem nem mudam de lugar mas
possuem percepccedilatildeo DA II 2 413b1-4 (Trad Gomes dos Reis)
Com isso temos a conclusatildeo do silogismo psicoloacutegico aristoteacutelico
[conclusatildeo a] Plantas e animais satildeo animados
E desta uma outra
35 Como jaacute antecipara em DA II 1 412a11-16 citado na paacutegina 16
32
[conclusatildeo b] Plantas e animais satildeo vivos
Portanto assim como todo retacircngulo teraacute quadratura por causa da sua proporccedilatildeo com
um retacircngulo quadrilaacutetero todo corpo seraacute um ser vivente por ser dotado de alma Entretanto
uma ldquoquestatildeo de aluno bobordquo seria perguntar para Aristoacuteteles de onde vecircm essas duas
premissas Ao conectar alma e vida sem explicar esta uacuteltima poderia levar a investigaccedilatildeo
aristoteacutelica agrave obscuridade precisamente onde se deveria ter mais clareza Entatildeo para que
Aristoacuteteles garanta a alma como causa da vida mortal ele endossaria os pressupostos dos seus
predecessores e portanto distinguiria o animado do inanimado pelo movimento e pela
percepccedilatildeo36
Polansky apesar disso natildeo esclarece afinal quais os argumentos que sustentam
a associaccedilatildeo entre alma e vida Se limitando apenas agraves implicaccedilotildees argumentativas desse
pressuposto
Contudo se assumirmos que Aristoacuteteles endossa a tese de seus predecessores segundo
a qual o animado se distingue do inanimado pelo movimento e percepccedilatildeo37
e que a nutriccedilatildeo eacute
a capacidade mais baacutesica entre os seres animados38
e por fim que a nutriccedilatildeo e a percepccedilatildeo
satildeo uma forma de movimento39
somos levados a crer que o argumento consiste em
[P1] viver eacute ao menos nutriccedilatildeo crescimento e decaimento
[P2] nutriccedilatildeo crescimento e decaimento satildeo um tipo de movimento (do tipo por si)
[P3] tudo o que se move por si eacute animado
[P4] a alma eacute um princiacutepio imoacutevel de movimento
[C1] logo tudo o que vive eacute animado
36 Cf Nota seguinte 37 τὸ ἔμψυχον δὴ τοῦ ἀψύχου δυσὶ μάλιστα διαφέρειν δοκεῖ κινήσει τε καὶ τῷ αἰσθάνεσθαι παρειλήφαμεν δὲ
καὶ παρὰ τῶν προγενεστέρων σχεδὸν δύο ταῦτα περὶ ψυχῆς ldquoOra haacute a opiniatildeo de que o animado difere do
inanimado em dois aspectos o movimento e a percepccedilatildeo sensiacutevel E em relaccedilatildeo agrave alma satildeo mais ou menos
esses dois que recebemos de nossos predecessoresrdquo DA I 1 403b25-28 (Trad Gomes dos Reis) 38 ὥστε πρῶτον περὶ τροφῆς καὶ γεννήσεως λεκτέον ἡ γὰρ θρεπτικὴ ψυχὴ καὶ τοῖς ἄλλοις ὑπάρχει καὶ πρώτη
καὶ κοινοτάτη δύναμίς ἐστι ψυχῆς καθ ἣν ὑπάρχει τὸ ζῆν ἅπασιν ldquoPor conseguinte deve-se primeiro tratar do
alimento e da geraccedilatildeo pois a alma nutritiva subsiste tambeacutem com as outras sendo a primeira e a mais comum
potecircncia da alma segundo a qual subsiste em todos o viverrdquo DA II 4 415A22-25 (Trad Gomes dos Reis) 39 ἔστι δὲ καὶ ἀλλοίωσις καὶ αὔξησις κατὰ ψυχήν ἡ μὲν γὰρ αἴσθησις ἀλλοίωσίς τις εἶναι δοκεῖ αἰσθάνεται δ
οὐθὲν ὃ μὴ μετέχει ψυχῆς ὁμοίως δὲ καὶ περὶ αὐξήσεώς τε καὶ φθίσεως ἔχει οὐδὲν γὰρ φθίνει οὐδ αὔξεται
φυσικῶς μὴ τρεφόμενον τρέφεται δ οὐθὲν ὃ μὴ κοινωνεῖ ζωῆς ldquoMas inclusive a alteraccedilatildeo e o crecimento
existem segundo a alma pois haacute a opiniatildeo de que a percepccedilatildeo sensiacutevel eacute uma certa alteraccedilatildeo e aquele que natildeo
participa da alma nada percebe de maneira similar ocorre tambeacutem em relaccedilatildeo ao crescimento e decaimento pois
nem decai nem cresce naturalmente aquele que natildeo eacute nutrido e nada que natildeo compartilhe da vida se nutrerdquo DA
II 4 415b23-28 (Trad Gomes dos Reis)
E mais adiante enunciando a percepccedilatildeo Aristoacuteteles eacute categoacuterico ἡ δ αἴσθησις ἐν τῷ κινεῖσθαί τε καὶ πάσχειν
συμβαίνει καθάπερ εἴρηται δοκεῖ γὰρ ἀλλοίωσίς τις εἶναι ldquoA percepccedilatildeo sensiacutevel consiste em ser movido e ser
afetado como dissemos pois haacute a opiniatildeo de que ela eacute uma certa alteraccedilatildeordquo DA II 4 416b35-36 (Trad Gomes
dos Reis)
33
Note que [P1] e [P2] seriam premissas autoevidentes Em [P3] Aristoacuteteles partiria
dos mesmos pressupostos que as endoxai de seus predecessores enquanto [P4] resultaria da
anaacutelise criacutetica dessas endoxai ao longo de DA I 3-5 Aristoacuteteles natildeo nos elucida claramente de
onde ele tira as evidecircncias de [P1] e [P2] ou seja por que essas capacidades tais satildeo
movimentos por si e portanto denotam vida Quanto a [P3] Fiacutes VIII40
nos indica que esta eacute
uma tese que Aristoacuteteles abraccedila mas tambeacutem sem explicar suas razotildees O mais plausiacutevel
parece ser que este eacute um fenocircmeno autoevidente amplamente aceito que dispense justificaccedilatildeo
Diferentemente eacute o caso de [P4] cuja justificativa pode se sustentar na criacutetica aristoteacutelica agraves
noccedilotildees democritianas de que a alma eacute um princiacutepio de movimento que se move em DA I 3
corroborada pela noccedilatildeo de alma enunciada em DA II 1 segundo a qual a alma eacute forma logo
atualidade e portanto princiacutepio de determinaccedilatildeo das funccedilotildees proacuteprias ao ser vivente
Olhando por essas lacunas que o argumento aristoteacutelico conteacutem sua tentativa de
enunciar a alma como causa de vida parece fragilizada Entretanto fato eacute que a vida eacute
explicada pela alma no contexto do pensamento helecircnico Entatildeo conceder a Aristoacuteteles este
pressuposto parece um miacutenimo que o leitor contemporacircneo precise fazer Aleacutem disso vale
lembrar que em Met Z 17 Aristoacuteteles defende ser ldquonecessaacuterio que o dado e a existecircncia da
coisa sejam previamente conhecidosrdquo41
e que portanto o que se investiga eacute ldquopor que alguma
coisa pertence a outrardquo42
Deste modo cabem aqui questotildees como ldquopor que os corpos
vivemrdquo ou ainda ldquopor que se atribui vida a corpos dotados de capacidades taisrdquo E natildeo ldquopor
que o animado se diferencia do inanimado pelo viverrdquo como o formulado no iniacutecio desta
digressatildeo Talvez a fragilidade aparente se decirc pois aqui se toque as Colunas de Heacutercules da
psicologia aristoteacutelica
Retomando a braccedilada dos remos se a tese de que a vida se manifesta pela capacidade
de movimento eacute confirmada quando Aristoacuteteles enuncia uma nova noccedilatildeo de alma como
40 οὐδεμιᾶς γὰρ ἐν ἡμῖν ἐνούσης κινήσεως ἐνίοτε ἀλλ ἡσυχάζοντες ὅμως κινούμεθά ποτε καὶ ἐγγίγνεται ἐν ἡμῖν
ἐξ ἡμῶν αὐτῶν ἀρχὴ κινήσεως κἂν μηθὲν ἔξωθεν κινήσῃ τοῦτο γὰρ ἐπὶ τῶν ἀψύχων οὐχ ὁρῶμεν ὁμοίως ἀλλ
ἀεὶ κινεῖ τι αὐτὰ τῶν ἔξωθεν ἕτερον τὸ δὲ ζῷον αὐτό φαμεν ἑαυτὸ κινεῖν ldquoPor vezes acontece que natildeo haja
movimento em noacutes [entes animados] e que de nosso repouso noacutes sejamos postos em movimento e agraves vezes o
princiacutepio do movimento surge em noacutes e de noacutes sem que nada de outro nos mova de fora Natildeo vemos nada
parecido no caso dos seres inanimados pois eles sempre satildeo movidos por algo outro que reside fora deles Dos
animais noacutes dizemos que eles movem a si mesmosrdquo Fiacutes VIII 2 252b18-23 (Trad Daniel Nascimento)
ὁρῶμεν δὲ καὶ φανερῶς ὄντα τοιαῦτα ἃ κινεῖ αὐτὰ ἑαυτά οἷον τὸ τῶν ἐμψύχων καὶ τὸ τῶν ζῴων γένος ταῦτα δὲ
καὶ δόξαν παρεῖχε μή ποτε ἐνδέχεται κίνησιν ἐγγίγνεσθαι μὴ οὖσαν ὅλως διὰ τὸ ἐν τούτοις ὁρᾶν ἡμᾶς τοῦτο
συμβαῖνον (ἀκίνητα γάρ ποτε ὄντα κινεῖται πάλιν ὡς δοκεῖ) ldquoVemos claramente que existem coisas que se
movem a si mesmas como por exemplo os entes animados e o gecircnero dos animais e por causa disso pensamos
que pode ser possiacutevel que o movimento seja gerado sem que antes tenha existido de qualquer forma pois noacutes
vemos isso acontecer com eles (estarem imoacuteveis em determinado momento e moverem-se novamanete tal como
parece)rdquo Fis VIII 6 259b1-6 (Trad Daniel Nascimento) 41 δεῖ γὰρ τὸ ὅτι καὶ τὸ εἶναι ὑπάρχειν δῆλα ὄντα Met 17 1041a15 42ἄλλο γὰρ οὕτω κατ ἄλλου ἐστὶ τὸ ζητούμενον Met 17 1041a25-26
34
conclusatildeo do raciociacutenio iniciado em DA II 2 temos esta nova formulaccedilatildeo segundo as
capacidades que denotam o viver
νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον εἰρήσθω μόνον ὅτι ἐστὶν ἡ ψυχὴ τῶν εἰρημένων τούτων ἀρχὴ καὶ
τούτοις ὥρισται θρεπτικῷ αἰσθητικῷ διανοητικῷ κινήσει
Por ora eacute suficiente dizer apenas isto que a alma eacute princiacutepio das capacidades
mencionadas ndash nutritiva perceptiva raciocinativa e de movimento ndash e que por elas eacute
definida DA II 2 413b11-13 (Trad Gomes dos Reis)
Esta noccedilatildeo eclode como corolaacuterio da argumentaccedilatildeo anterior Com ela Aristoacuteteles
conquista um importante ponto do seu projeto psicoloacutegico a saber que a noccedilatildeo de alma
explique as distintas formas de vida atraveacutes das capacidades Isto levaraacute a uma gama de
comentadores contemporacircneos a valorizarem esta definiccedilatildeo em detrimento da definiccedilatildeo pela
substacircncia apresentada em DA II 1 Os que assim interpretam43
reduzem a definiccedilatildeo de alma
agrave noccedilatildeo de princiacutepio das funccedilotildees que denotam vida Esta interpretaccedilatildeo natildeo eacute totalmente
equivocada na medida em que textualmente Aristoacuteteles afirma isto Poreacutem ela eacute imprecisa
pois ignora o estatuto ontoloacutegico da alma Como vimos na seccedilatildeo anterior a alma eacute substacircncia
como forma (tegraves psycheacutes ousiacutean eicircnai hocircs eicircdos) do corpo e portanto seu princiacutepio
organizador que lhe confere o viver E enquanto forma do corpo a alma eacute sua atualidade
primeira (enteleacutekheia proteacute) Ou seja princiacutepio formal o qual o corpo se desenvolve em vista
do viver Pois a alma de um lado traz em si as disposiccedilotildees (heacutexeis) necessaacuterias agrave vida e
determina o que este corpo orgacircnico era para ser (tograve tiacute ecircn eicircnai) mediante suas funccedilotildees (eacuterga)
e atividades (eneacutergeiai) de viver Essas funccedilotildees satildeo as capacidades (dynaacutemeis) que
caracterizam os tipos de vida nos seres seu modo proacuteprio de viver Sendo assim a capacidade
nutritiva eacute proacutepria agrave vida vegetativa a perceptiva proacutepria agrave animal e a intelectiva agrave humana
Como se vecirc a definiccedilatildeo pelas capacidades tem sua origem e fundamento na definiccedilatildeo
pela forma Por outro lado esta soacute ganha capilaridade na definiccedilatildeo pela capacidade jaacute que sua
noccedilatildeo geral natildeo define a alma como causa de cada tipo de vida nem princiacutepio das
capacidades proacuteprias ao viver Deste modo uma interpretaccedilatildeo da noccedilatildeo aristoteacutelica de alma
que ignore como ambas noccedilotildees se sustentam mutuamente eacute parcial e suscetiacutevel de engendrar
mais problema que o proacuteprio texto jaacute apresenta
Com isso concluiacutemos De Anima II 2 compreendendo que a alma eacute causa de vida jaacute
que eacute princiacutepio das atividades proacuteprias ao viver Diante da noccedilatildeo geral e como ela se
particulariza nas distintas capacidades resta ainda observar um uacuteltimo ponto que Aristoacuteteles
43Putman (1975) Ackrill (1975-6) Bolton (1978) Nussbaum (1978) Everson (1995) CodeampMoravicsik
(1992) Para uma noccedilatildeo geral das diversas correntes de interpretaccedilatildeo da psicologia aristoteacutelica no seio das
discussotildees de filosofia da mente ver Diamond (2015) Caston (2006) e Irwin (1991)
35
trabalharaacute no capiacutetulo seguinte a saber a disposiccedilatildeo seriada hierarquicamente das diversas
formas de vida
23 A DEFINICcedilAtildeO SERIADA
A tese geral de que a alma eacute forma do corpo sofre uma nova reavaliaccedilatildeo em DA II 3
Como se veraacute adiante Aristoacuteteles surpreendentemente declara que toda busca por um
enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) de alma eacute ridiacuteculo (geloicircon) jaacute que esta noccedilatildeo natildeo
permite a compreensatildeo de que as diversas espeacutecies de vida (vegetativa animal e humana) satildeo
dispostas em uma seacuterie ordenada e hierarquizada de acordo com sua capacidade especiacutefica
Como a leitura das formas de vida dispostas em uma seacuterie ordenada eacute um problema que
precisa ser respondido por quem quer que se debruce sobre a noccedilatildeo aristoteacutelica de alma esta
seccedilatildeo argumentaraacute como a noccedilatildeo de almas seriadas natildeo invalida a noccedilatildeo formal de alma
enunciada em DA II 1
DA II 3 poderia ser tematicamente dividido em duas partes Numa primeira de
414ordf29-414b20 Aristoacuteteles dispotildee a hierarquia das capacidades que denotam vida Se em DA
II 2 ele enunciou as capacidades aqui se argumenta como uma estaacute em relaccedilatildeo de
anterioridade agrave outra e portanto disposta hierarquicamente de modo coextensivo agraves formas
de vida Assim se o movimento segundo nutriccedilatildeo crescimento e decaimento seraacute proacuteprio a
uma forma de vida a vegetativa a adiccedilatildeo da capacidade perceptiva seraacute proacutepria agrave vida
vegetativa e animal Agrave medida que se adicione outras capacidades como o intelecto abrange-
se a vida humana44
Esta hierarquizaccedilatildeo suplementar das capacidades a seu enunciado permite
que Aristoacuteteles encampe a tese de que os tipos de vida satildeo dispostos em seacuteries ordenadas
avanccedilando para a segunda parte do capiacutetulo
δῆλον οὖν ὅτι τὸν αὐτὸν τρόπον εἷς ἂν εἴη λόγος ψυχῆς τε καὶ σχήματος οὔτε γὰρ
ἐκεῖ σχῆμα παρὰ τὸ τρίγωνον ἔστι καὶ τὰ ἐφεξῆς οὔτ ἐνταῦθα ψυχὴ παρὰ τὰς
εἰρημένας γένοιτο δ ἂν καὶ ἐπὶ τῶν σχημάτων λόγος κοινός ὃς ἐφαρμόσει μὲν
πᾶσιν ἴδιος δ οὐδενὸς ἔσται σχήματος ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ ταῖς εἰρημέναις ψυχαῖς διὸ
γελοῖον ζητεῖν τὸν κοινὸν λόγον καὶ ἐπὶ τούτων καὶ ἐφ ἑτέρων ὃς οὐδενὸς ἔσται τῶν
ὄντων ἴδιος λόγος οὐδὲ κατὰ τὸ οἰκεῖον καὶ ἄτομον εἶδος ἀφέντας τὸν τοιοῦτον
(παραπλησίως δ ἔχει τῷ περὶ τῶν σχημάτων καὶ τὰ κατὰ ψυχήν ἀεὶ γὰρ ἐν τῷ ἐφεξῆς
44 Τῶν δὲ δυνάμεων τῆς ψυχῆς αἱ λεχθεῖσαι τοῖς μὲν ὑπάρχουσι πᾶσαι καθάπερ εἴπομεν τοῖς δὲ τινὲς αὐτῶν
ἐνίοις δὲ μία μόνη διασαφητέον δὲ περὶ αὐτῶν ὕστερον νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον () εἰρήσθω ὅτι τῶν ζώντων τοῖς
ἔχουσιν ἁφὴν καὶ ὄρεξις ὑπάρχει περὶ δὲ φαντασίας ἄδηλον ὕστερον δ ἐπισκεπτέον ἐνίοις δὲ πρὸς τούτοις
ὑπάρχει καὶ τὸ κατὰ τόπον κινητικόν ἑτέροις δὲ καὶ τὸ διανοητικόν τε καὶ νοῦς οἷον ἀνθρώποις καὶ εἴ τι
τοιοῦτον ἕτερον ἔστιν ἢ τιμιώτερον ldquoDentre as potecircncias da alma como dissemos todas as mencionadas
subsitem em alguns seres em outros soacute algumas delas e em alguns apenas uma E mencionamos como
potecircncias a nutritiva a perceptiva a desiderativa a locomotiva e a raciocinativa Ora nas plantas subsiste
somente a nutritiva mas em outros seres tanto esta como a perceptiva () Por ora eacute suficiente dizer isto que
entre os seres vivos que possuem tato tambeacutem subsiste desejo No que se refere agrave imaginaccedilatildeo natildeo estaacute claro e
devemos examinaacute-la posteriormente Em alguns seres vivos aleacutem disso subsiste tambeacutem a capacidade de se
locomover e em outros ainda a de raciocinar e o intelecto ndash por exemplo nos homens e em algum outro se
houver de tal qualidade ou mais valiosordquo DA II 3 414a29-414b20 (Trad Gomes dos Reis)
36
ὑπάρχει δυνάμει τὸ πρότερον ἐπί τε τῶν σχημάτων καὶ ἐπὶ τῶν ἐμψύχων οἷον ἐν
τετραγώνῳ μὲν τρίγωνον ἐν αἰσθητικῷ δὲ τὸ θρεπτικόν) ὥστε καθ ἕκαστον
ζητητέον τίς ἑκάστου ψυχή οἷον τίς φυτοῦ καὶ τίς ἀνθρώπου ἢ θηρίου διὰ τίνα δ
αἰτίαν τῷ ἐφεξῆς οὕτως ἔχουσι σκεπτέον ἄνευ μὲν γὰρ τοῦ θρεπτικοῦ τὸ αἰσθητικὸν
οὐκ ἔστιν τοῦ δ αἰσθητικοῦ χωρίζεται τὸ θρεπτικὸν ἐν τοῖς φυτοῖς
Eacute claro que poderia da mesma maneira haver entatildeo um enunciado uacutenico tanto de
figura como de alma Pois nem no primeiro caso existe figura aleacutem do triacircngulo e
daquelas que o sucedem nem neste caso existe alma aleacutem das mencionadas A
respeito das figuras tambeacutem eacute possiacutevel formular um enunciado comum que se aplique
a todas sem ser proacuteprio a nenhuma e o mesmo ocorre com as almas mencionadas Por
isso tanto neste como em outros casos eacute ridiacuteculo procurar um enunciado comum ndash
pois a nenhum dos seres seraacute um enunciado proacuteprio nem estaraacute de acordo com a
forma apropriada e indivisiacutevel ndash deixando-se de lado o enunciado deste tipo (E as
coisas concernentes agrave alma estatildeo em situaccedilatildeo parecida agravequela das figuras pois tanto
no caso das figuras como no caso dos seres animados o anterior sempre subsiste
naquilo que o sucede por exemplo o triacircngulo no quadrado o poder de nutrir-se no
de perceber) Assim deve ser investigado de acordo com cada caso o que eacute a alma
de cada um ndash por exemplo o que eacute a alma da planta do homem ou da besta E deve
ser examinado a causa de ser disposto assim em sucessatildeo Pois sem a nutritiva natildeo
existe a capacidade perceptiva embora nas plantas a nutritiva exista separada da
perceptiva DA II 3 414b20-415a6 (Trad Gomes dos Reis)
A analogia entre figura do triacircngulo e a alma vegetativa permite esclarecer qual a
relaccedilatildeo de sucessatildeo entre uma capacidade e outra O triacircngulo eacute a figura geomeacutetrica plana
mais baacutesica de todas A composiccedilatildeo de dois triacircngulos forma um quadrilaacutetero A composiccedilatildeo
de trecircs triacircngulos forma um pentaacutegono e assim sucessivamente Ou seja da mesma maneira
que o triacircngulo subsiste em potecircncia no quadrilaacutetero e este no pentaacutegono a nutriccedilatildeo subsiste
em potecircncia na percepccedilatildeo e esta no intelecto Portanto se a capacidade nutritiva eacute proacutepria agrave
vida vegetativa a perceptiva agrave animal e a intelectiva agrave humana entatildeo igualmente a vida
vegetativa subsiste na animal e a animal na humana Sendo assim da mesma maneira que se
faz necessaacuteria uma definiccedilatildeo proacutepria ao triacircngulo ao quadrilaacutetero e ao pentaacutegono deve-se
buscar um enunciado proacuteprio a cada uma dessas formas de vida para que se sustente como a
alma eacute princiacutepio de cada tipo de vida e natildeo somente da vida em geral Pois um enunciado que
decirc a noccedilatildeo da alma que cubra todas as formas de vida mas que natildeo toque particularmente em
uma natildeo cumpre seu fim argumentativo que eacute explicar a razatildeo da alma ser causa de vida no
ser vivente como se segue
ὅτι μὲν οὖν ὁ περὶ τούτων ἑκάστου λόγος οὗτος οἰκειότατος καὶ περὶ ψυχῆς δῆλον
Eacute claro entatildeo que o enunciado de cada uma destas capacidades eacute tambeacutem o mais
apropriado a respeito da alma DA II 3 415a13-14 (Trad Gomes dos Reis)
Levando-se em conta que Aristoacuteteles se dedicaraacute em todo o restante do De Anima
investigando cada uma das capacidades e seus desdobramentos para uma noccedilatildeo de alma
37
podemos ser levados a crer que Aristoacuteteles elege este como o melhor criteacuterio para uma
definiccedilatildeo de alma
Haacute portanto um grande problema a ser encarado aqui que consiste na resposta a uma
das questotildees elencadas em DA I 145
a saber se eacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma enquanto
tal ou uma para cada tipo de ser vivente Pelo caminho que segue a discussatildeo tende-se a uma
resposta de que seraacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma para cada forma de vida Entretanto
Aristoacuteteles jaacute problematizara se mesmo que haja uma noccedilatildeo uacutenica para catildees cavalos e
homens a de animal esta noccedilatildeo uacutenica eacute universal posterior anterior ou nada em relaccedilatildeo aos
itens
Seguindo o texto de DA II 3 a nutriccedilatildeo eacute a capacidade sobre a qual se erguem todas as
outras ateacute a capacidade de pensamento Dado que um corpo eacute dotado de nutriccedilatildeo e portanto
vivente por causa da alma e a seu turno dado que a alma eacute forma e atualidade primeira do
corpo e portanto princiacutepio organizador das capacidades que denotam o viver novamente a
definiccedilatildeo pela forma sustenta ontologicamente a definiccedilatildeo pelas capacidades e por
concomitacircncia a definiccedilatildeo seriada
Assim a criacutetica que Aristoacuteteles faz agrave noccedilatildeo mais geral de alma enunciada em DA II 1
natildeo eacute razatildeo suficiente para seu descarte no seu projeto psicoloacutegico Com efeito se a noccedilatildeo de
alma como forma eacute insuficiente para explicar por que a alma eacute princiacutepio de vida em cada tipo
de ser vivente como sustentado ao iniacutecio de DA II 2-3 ela eacute justamente a noccedilatildeo ontoloacutegica
para que responde pela sua atualidade e determinaccedilatildeo das propriedades relevantes do ser deste
corpo dotado de oacutergatildeos Assim se as noccedilotildees de alma como forma e princiacutepio das capacidades
satildeo intercambiantes como argumentei anteriormente e se a definiccedilatildeo estaacute diretamente
atrelada agrave hierarquia dessas capacidades entatildeo a proacutepria noccedilatildeo de alma seriada depende
logicamente da noccedilatildeo de alma como forma Sendo assim o enunciado geral eacute redimensionado
em DA II 3 pela disposiccedilatildeo seriada da alma a um princiacutepio loacutegico-ontoloacutegico mediante o qual
esta ciecircncia comum a muitas coisas pode se realizar
45 εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον
ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν
ἄλλο κατηγοροῖτο Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma uacutenica
definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a de cavalo catildeo homem
divindade sendo neste caso o animal considerado universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo
ocorrendo para qualquer outro atributo comum que for predicadordquo DA I 1 402b4-9 (Trad Gomes dos Reis)
38
3 CONCLUSAtildeO
Como se apresentou nesta monografia Aristoacuteteles enuncia sua noccedilatildeo de alma em
momentos distintos Um primeiro a partir da discussatildeo com as teses predecessoras Nela o
que se conquista eacute que a alma eacute imoacutevel e origem de movimento nos seres viventes Depois
atraveacutes de um enunciado geral para os diversos tipos de vida que a define como forma do
corpo Um terceiro que enuncia a alma como causa de vida e a define como princiacutepio das
capacidades que denotam o viver E por fim um quarto enunciado que a apresenta como
disposta em seacuterie ordenada segundo suas capacidades Na medida que o enunciado geral se
mostra insuficiente para o projeto psicoloacutegico traccedilado e as outras definiccedilotildees parecem melhor
corresponder a este objetivo a unidade enunciativa entre as diversas definiccedilotildees aparenta ser
vulneraacutevel Natildeo por menos como foi abordado ao longo deste texto tende-se a salientar uma
das definiccedilotildees e desconsiderar a outra Esta natildeo parece ser a interpretaccedilatildeo que melhor
compreenda a psicologia aristoteacutelica Como argumentado observar a definiccedilatildeo pelas
capacidades sem a definiccedilatildeo pela forma esvazia ontologicamente a noccedilatildeo de que a alma eacute
princiacutepio de vida A alma como forma do corpo eacute o enunciado mediante o qual a garante
como atualidade primeira e portanto princiacutepio das caracteriacutesticas e funccedilotildees proacuteprias ao ser
vivente Por outro lado como o proacuteprio Aristoacuteteles enuncia a definiccedilatildeo pela forma daacute uma
noccedilatildeo que abarca todas as formas de vida mas natildeo enuncia a alma como causa do viver nem
que as diversas almas satildeo dispostas em seacuterie ordenada Satildeo nestes dois pontos que a definiccedilatildeo
pela capacidade se torna igualmente relevante para o projeto psicoloacutegico aristoteacutelico Sem ela
seriam inviaacuteveis todos os outros capiacutetulos nos quais Aristoacuteteles enuncia discorre e formula a
atividade das capacidades proacuteprias ao ser vivo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo imaginaccedilatildeo intelecto e
movimento segundo deslocamento Por estas razotildees uma interpretaccedilatildeo que conjugue as duas
definiccedilotildees no interior do projeto psicoloacutegico aristoteacutelico parece ser a que contemple melhor o
horizonte teoacuterico que a investigaccedilatildeo erige
Haacute um alguns aspectos que esta monografia deixa pelo caminho Na seccedilatildeo 1 Taacutebua de
Definiccedilatildeo foram elencados os diversos elementos de definiccedilatildeo da alma e como se faria a
inquiriccedilatildeo O primeiro grupo foi respondido ao longo da seccedilatildeo 2 A Noccedilatildeo de Alma mas o
segundo natildeo O segundo grupo de elementos da taacutebua seraacute dissertado por Aristoacuteteles nos
capiacutetulos posteriores ao DA II 3 quando ele se debruccedila sobre cada uma das capacidades
Como esta monografia pretende abordar apenas as definiccedilotildees sem dar interpretaccedilatildeo total do
tratado entatildeo soacute pode responder parte da taacutebua das definiccedilotildees Aleacutem disso a interpretaccedilatildeo das
definiccedilotildees de um modo consistente precisaria ser verificada na sua aplicaccedilatildeo sobre o restante
39
do tratado Em outras palavras eacute preciso verificar se esta interpretaccedilatildeo dificulta ou facilita a
interpretaccedilatildeo das outras teses da psicologia aristoteacutelica por exemplo a tese da percepccedilatildeo que eacute
definida como a recepccedilatildeo das formas sem mateacuteria Nas interpretaccedilotildees de Polanski e Diamond
comentadores paradigmaacuteticos para a abordagem adotada a coordenaccedilatildeo dos enunciados
definitoacuterios daacute conta das diversas formulaccedilotildees de capacidades e suas funcionalidades ao longo
do tratado Fico devendo portanto explicitar como a posiccedilatildeo que assumo se aplica nas
diversas capacidades enunciadas pelo Aristoacuteteles
Com isso conclui-se este trabalho com a compreensatildeo que ele eacute limitado Haacute nele
problemas proacuteprios agrave interpretaccedilatildeo de um texto conciso e arrojado como eacute o De Anima
Ainda assim espera-se que os erros ou imprecisotildees eventuais natildeo comprometam seu escopo
exegeacutetico Espera-se tambeacutem que esta monografia possa se converter em trabalhos futuros que
fomente a discussatildeo relativa ao De Anima no contexto filosoacutefico brasileiro Da mesma forma
que ela foi provocada pela traduccedilatildeo e comentaacuterios da Professora Doutora Maria Ceciacutelia
Gomes dos Reis Se este trabalho for bem sucedido nessas pretensotildees jaacute teraacute cumprido sua
funccedilatildeo
40
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19
alma eacute potencialmente ou em atualidade Isto posto se a alma eacute como uma substacircncia e
portanto una ou separaacutevel e caso seja em partes se satildeo divisiacuteveis ou natildeo Aleacutem disso se a
definiccedilatildeo deve abranger diversos tipos de alma ou se haacute uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie Por
fim se sua investigaccedilatildeo parte das partes ou do todo
20
2 A NOCcedilAtildeO DE ALMA EM ARISTOacuteTELES
A noccedilatildeo de alma em Aristoacuteteles obedece trecircs momentos de elaboraccedilatildeo Um primeiro
ao longo da discussatildeo das endoxai de seus predecessores em DA I 2-5 Em outro quando
argumenta por conceitos metafiacutesicos e formula a noccedilatildeo geral de alma em DA II 1 Aleacutem de
um uacuteltimo a partir de DA II 2 quando se formula uma outra noccedilatildeo de alma pelas
capacidades Esta trajetoacuteria visa (i) levantar as teses que foram elaboradas sobre o assunto
visando extrair certos princiacutepios verdadeiros Com estes princiacutepios (ii) se expotildee a noccedilatildeo
geral Mas esta noccedilatildeo que responde sobre o ser da alma natildeo indica os tipos especiacuteficos de
vida Portanto (iii) eacute preciso inquirir por outra abordagem e provar que a alma eacute princiacutepio das
capacidades que manifestam vida no ser pois atraveacutes dessas capacidades explicamos esses
distintos modos de viver Como se veraacute esta travessia responde agrave taacutebua de definiccedilatildeo de DA I
1 e Aristoacuteteles ara todo o terreno sobre o qual ele ergue sua psicologia
21 A DEFINICcedilAtildeO PELA FORMA
Aristoacuteteles conclui seu levantamento das endoxai em DA I 2-5 com duas noccedilotildees
relativas agrave alma que ela eacute una18
e imoacutevel19
Somente no iniacutecio do livro seguinte em DA II 1
ele apresenta sua noccedilatildeo onde o objetivo traccedilar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos)
que abarque as vaacuterias formas de vida
18 φαίνεται δὲ καὶ τὰ φυτὰ διαιρούμενα ζῆν καὶ τῶν ζῴων ἔνια τῶν ἐντόμων ὡς τὴν αὐτὴν ἔχοντα ψυχὴν τῷ
εἴδει εἰ καὶ μὴ ἀριθμῷ ἑκάτερον γὰρ τῶν μορίων αἴσθησιν ἔχει καὶ κινεῖται κατὰ τόπον ἐπί τινα χρόνον εἰ δὲ
μὴ διατελοῦσιν οὐθὲν ἄτοπον ὄργανα γὰρ οὐκ ἔχουσιν ὥστε σώζειν τὴν φύσιν ἀλλ οὐδὲν ἧττον ἐν ἑκατέρῳ
τῶν μορίων ἅπαντ ἐνυπάρχει τὰ μόρια τῆς ψυχῆς καὶ ὁμοειδῆ ἐστιν ἀλλήλοις καὶ τῇ ὅλῃ ἀλλήλοις μὲν ὡς οὐ
χωριστὰ ὄντα τῇ δ ὅλῃ ψυχῇ ὡς οὐ διαιρετῇ οὔσῃ ἔοικε δὲ καὶ ἡ ἐν τοῖς φυτοῖς ἀρχὴ ψυχή τις εἶναι μόνης γὰρ
ταύτης κοινωνεῖ καὶ ζῷα καὶ φυτά καὶ αὕτη μὲν χωρίζεται τῆς αἰσθητικῆς ἀρχῆς αἴσθησιν δ οὐθὲν ἄνευ ταύτης
ἔχει ldquoEacute manifesto ainda que as plantas ndash e dentre os animais alguns insetos ndash quando secionadas continuam a
viver como se tivessem a mesma alma especificamente ainda que natildeo numericamente pois cada uma das partes
tem sensaccedilatildeo e move-se localmente por algum tempo Se natildeo sobrevivem natildeo resulta em absurdo algum pois
natildeo mantecircm oacutergatildeos aponto de conservar a sua natureza Em cada uma das partes poreacutem estatildeo todas as partes da
alma e nenhuma a menos E elas satildeo da mesma espeacutecie entre si e em relaccedilatildeo agrave alma inteira ndash as diversas partes
satildeo inseparaacuteveis uma das outras embora a alma inteira seja divisiacutevel Parece que o princiacutepio encontrado nas
plantas eacute tambeacutem um certo tipo de alma pois eacute apenas compartilhada por animais e plantas e ela existe
separada do princiacutepio perceptivo embora sem ela nada possa ter percepccedilatildeordquo 411b19-411b30 19ὅτι μὲν οὖν οὔθ ἁρμονίαν οἷόν τ εἶναι τὴν ψυχὴν οὔτε κύκλῳ περιφέρεσθαι δῆλον ἐκ τῶν εἰρημένων ldquoQue a
alma natildeo pode ser harmonia nem locomover-se em ciacuterculo fica claro a partir do que foi ditordquo 408ordf29-30 (Trad
Gomes dos Reis)
ὅτι μὲν οὖν οὐχ οἷόν τε κινεῖσθαι τὴν ψυχήν φανερὸν ἐκ τούτων εἰ δ ὅλως μὴ κινεῖται δῆλον ὡς οὐδ ὑφ
ἑαυτῆς Eacute evidente a partir disso tudo que natildeo eacute possiacutevel que a alma se mova ldquoE se de todo modo natildeo se move eacute
claro tambeacutem que natildeo se move por si mesmardquo 408b30-31 (Trad Gomes dos Reis)
φανερὸν οὖν ἐκ τῶν εἰρημένων ὡς οὔτε τὸ γινώσκειν ὑπάρχει τῇ ψυχῇ διὰ τὸ ἐκ τῶν στοιχείων εἶναι οὔτε τὸ
κινεῖσθαι αὐτὴν καλῶς οὐδ ἀληθῶς λέγεται ldquoEacute manifesto entatildeo a partir do que foi dito que nem o conhecer
subsite na alma por ela ser composta dos elementos nem eacute uma maneira certa ou verdadeira dizer qua a alma eacute
movidardquo 411a24-26 (Trad Gomes dos Reis)
21
Τὰ μὲν δὴ ὑπὸ τῶν πρότερον παραδεδομένα περὶ ψυχῆς εἰρήσθω πάλιν δ ὥσπερ ἐξ
ὑπαρχῆς ἐπανίωμεν πειρώμενοι διορίσαι τί ἐστι ψυχὴ καὶ τίς ἂν εἴη κοινότατος λόγος
αὐτῆς
Tendo dito o suficiente sobre as opiniotildees a respeito da alma fornecida por nossos
predecessores retomemos como que do comeccedilo e tentemos definir o que eacute a alma e
qual seria seu enunciado mais geral 412a1-6 (Trad Gomes dos Reis)
A busca pelo enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) visa uma definiccedilatildeo de alma
comum agraves diversas formas de vida Em meio agrave pluralidade de modos de vida a alma eacute aquilo
a partir do qual essa pluralidade se unifica num gecircnero de ser ndash o dos seres viventes
(empsykhon) Aristoacuteteles compreende que uma noccedilatildeo puramente geneacuterica natildeo explica as
formas especiacuteficas do objeto de estudo Entretanto o enunciado geral responde agrave primeira
parte da taacutebua de definiccedilatildeo como notaremos no decorrer da definiccedilatildeo pela forma que seraacute
enunciada Com eles Aristoacuteteles alicerccedila conceitualmente as outras definiccedilotildees que seratildeo
formuladas nos outros capiacutetulos
Assim entatildeo Aristoacuteteles inicia seu argumento
λέγομεν δὴ γένος ἕν τι τῶν ὄντων τὴν οὐσίαν ταύτης δὲ τὸ μέν ὡς ὕλην ὃ καθ αὑτὸ
οὐκ ἔστι τόδε τι ἕτερον δὲ μορφὴν καὶ εἶδος καθ ἣν ἤδη λέγεται τόδε τι καὶ τρίτον
τὸ ἐκ τούτων ἔστι δ ἡ μὲν ὕλη δύναμις τὸ δ εἶδος ἐντελέχεια καὶ τοῦτο διχῶς τὸ
μὲν ὡς ἐπιστήμη τὸ δ ὡς τὸ θεωρεῖν
Dizemos que um dos gecircneros dos seres eacute a substacircncia E substacircncia primeiro no
sentido de mateacuteria ndash que por si mesmo natildeo eacute algo determinado ndash e ainda no sentido
de figura e forma ndash em virtude do que jaacute se diz que eacute algo determinado ndash e por fim
no sentido de composto de ambas A mateacuteria por sua vez eacute potecircncia ao passo que a
forma eacute atualidade e isto de dois modos seja como ciecircncia seja como inquirir DA II
1 412a6-11(Trad Gomes dos Reis)
Aristoacuteteles parte de teses presentes em seu tratado de filosofia primeira a Metafiacutesica
Laacute ele investiga o ser enquanto ser que tem muitos significados mas todos convergem para
um soacute20
O que responde a estes diversos significados do que eacute o ser ao ti estiacute eacute a
substacircncia21
(ousiacutea) Satildeo substacircncias a mateacuteria (hyacutele) a forma (morpheacute) e o composto de
ambas ( tograve ek touacutetoon) 22
Apesar da mateacuteria ser indeterminada23
permanece na mudanccedila e eacute
20 διὸ καὶ ἡμῖν τοῦ ὄντος ᾗ ὂν τὰς πρώτας αἰτίας ληπτέον Τὸ δὲ ὂν λέγεται μὲν πολλαχῶς ἀλλὰ πρὸς ἓν καὶ μίαν
τινὰ φύσιν Por isso tambeacutem noacutes devemos apreender as causas primeiras do ente enquanto ente ldquoEnterdquo se diz de
muitas maneiras mas em relaccedilatildeo a algo uacutenico e a uma natureza uacutenicardquo Met G 1-2 1003ordf31-32 (Trad Lucas
Angioni) 21τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν ldquoE
sendo o ente dito de muitos modos eacute evidente que o ente primeiro eacute o que eacute entre todos o que designa a
substacircnciardquo Met Z 2 1028b13-15 (Trad Lucas Angioni) 22 αὗται δ εἰσὶν αἱ αἰσθηταί αἱ δ αἰσθηταὶ οὐσίαι πᾶσαι ὕλην ἔχουσιν ἔστι δ οὐσία τὸ ὑποκείμενον ἄλλως μὲν
ἡ ὕλη (ὕλην δὲ λέγω ἣ μὴ τόδε τι οὖσα ἐνεργείᾳ δυνάμει ἐστὶ τόδε τι) ἄλλως δ ὁ λόγος καὶ ἡ μορφή ὃ τόδε τι
ὂν τῷ λόγῳ χωριστόν ἐστιν τρίτον δὲ τὸ ἐκ τούτων οὗ γένεσις μόνου καὶ φθορά ἐστι καὶ χωριστὸν ἁπλῶς τῶν
γὰρ κατὰ τὸν λόγον οὐσιῶν αἱ μὲν αἱ δ οὔ ldquoE agora devemos reexaminar as substacircncias que satildeo admitidas por
todos E essas satildeo as substacircncias sensiacuteveis Todas as substacircncias sensiacuteveis tecircm mateacuteria E substacircncia eacute o
substrato o qual em certo sentido significa a mateacuteria (chamo mateacuteria o que natildeo eacute algo determinado em ato mas
22
objeto de predicaccedilatildeo caracteriza-se como o substrato (hypokeiacutemenon) do composto Para ser
determinada a mateacuteria depende da forma que lhe confere ser (ti estiacute) Assim toda mateacuteria
determinada pela forma seraacute um composto Por isso Aristoacuteteles defende que uma boa
definiccedilatildeo das substacircncias compostas eacute a que enuncie a determinaccedilatildeo da forma na mateacuteria24
Em suma a substacircncia eacute o gecircnero primeiro de ser sendo esta tanto mateacuteria quanto forma
assim como o composto de ambas
A indeterminaccedilatildeo da mateacuteria e a determinaccedilatildeo da forma estatildeo intrinsecamente
relacionadas aos conceitos correlatos de potecircncia (dyacutenamis) e atualidade (enteleacutekheia) na
filosofia primeira de Aristoacuteteles A mateacuteria eacute indeterminada pois natildeo eacute algo em ato mas em
potecircncia na medida que eacute passiacutevel de determinaccedilatildeo pela forma Aristoacuteteles assinala que ser
em potecircncia significa ter o princiacutepio de movimento (kiacutenesis) ou de modicaccedilatildeo (metaboleacute) seja
por causa extriacutenseca ou intriacutenseca25
A mateacuteria portanto eacute potecircncia pois traz em si o princiacutepio
de ser movida ou modificada por si mesma ou por um outro isto Potecircncia tambeacutem estaacute
algo determinado soacute em potecircncia) num segundo sentido significa a essecircncia e a forma (a qual sendo algo
determinado pode ser separada pelo pensamento) e num terceiro sentido significa o composto de mateacuteria e de
forma (e soacute este estaacute submetido agrave geraccedilatildeo e agrave corrupccedilatildeo e eacute separado em sentido proacuteprio enquanto das
substacircncias entendidas segundo a forma algumas satildeo separadas outras natildeo satildeo)rdquo H 1042a24-31 (Trad Giovani
Reale) 23 λέγω δ ὕλην ἣ καθ αὑτὴν μήτε τὶ μήτε ποσὸν μήτε ἄλλο μηδὲν λέγεται οἷς ὥρισται τὸ ὄν ἔστι γάρ τι καθ οὗ
κατηγορεῖται τούτων ἕκαστον ᾧ τὸ εἶναι ἕτερον καὶ τῶν κατηγοριῶν ἑκάστῃ (τὰ μὲν γὰρ ἄλλα τῆς οὐσίας
κατηγορεῖται αὕτη δὲ τῆς ὕλης) ὥστε τὸ ἔσχατον καθ αὑτὸ οὔτε τὶ οὔτε ποσὸν οὔτε ἄλλο οὐδέν ἐστιν οὐδὲ δὴ
αἱ ἀποφάσεις καὶ γὰρ αὗται ὑπάρξουσι κατὰ συμβεβηκός ldquoChamo mateacuteria aquilo que por si natildeo eacute algo
determinado nem uma quantidade nem qualquer outra das determinaccedilotildees do ser Existe de fato alguma coisa da
qual cada uma dessas determinaccedilotildees eacute predicada alguma coisa cujo ser eacute diferente do ser de cada uma das
categorias Todas as outras categorias com efeito satildeo predicadas da substacircncia e esta por sua vez eacute predicada
da mateacuteria Assim este termo por si natildeo eacute nem algo determinado nem quantidade nem qualquer outra
categoria e natildeo eacute nem sequer as negaccedilotildees destas porque as negaccedilotildees soacute existem de modo acidentalrdquo Met Z 3
1029ordf20-26 (Trad Giovani Reale) 24 οἱ δὲ ἀγγεῖον σκεπαστικὸν χρημάτων καὶ σωμάτων ἤ τι ἄλλο τοιοῦτον προτιθέντες τὴν ἐνέργειαν λέγουσιν οἱ
δ ἄμφω ταῦτα συντιθέντες τὴν τρίτην καὶ τὴν ἐκ τούτων οὐσίαν (ἔοικε γὰρ ὁ μὲν διὰ τῶν διαφορῶν λόγος τοῦ
εἴδους καὶ τῆς ἐνεργείας εἶναι ὁ δ ἐκ τῶν ἐνυπαρχόντων τῆς ὕλης μᾶλλον) ὁμοίως δὲ καὶ οἵους Ἀρχύτας
ἀπεδέχετο ὅρους τοῦ συνάμφω γάρ εἰσιν ldquoAo contraacuterio os que a definem dizendo que eacute um refuacutegio para
proteger coisas e corpos ou alguma outra coisa desse tipo dizendo o que eacute a casa em ato enfim os que unem
ambas as definiccedilotildees experimenta substacircncia no terceiro significado como composto de mateacuteria e forma Eacute claro
que a definiccedilatildeo dada pelas diferenccedilas refere-se agrave forma e ao ato enquanto a definiccedilatildeo dada a partir dos
elementos refere-se prioritariamente agrave mateacuteria Semelhantes a estas eram as definiccedilotildees que Arquita aprovava
elas referiam-se ao conjunto de mateacuteria e formardquo H 2 1043ordf17-21 (Trad Giovani Reale)
φανερὸν δὴ ἐκ τῶν εἰρημένων τίς ἡ αἰσθητὴ οὐσία ἐστὶ καὶ πῶς ἡ μὲν γὰρ ὡς ὕλη ἡ δ ὡς μορφὴ καὶ ἐνέργεια
ἡ δὲ τρίτη ἡ ἐκ τούτων ldquoDo que foi dito fica claro o que eacute a substacircncia sensiacutevel e qual eacute seu modo de ser ela eacute
por um lado mateacuteria por outro forma e ato e num terceiro sentido o conjunto de mateacuteria e de formardquo Met H
2 1043a26-28 (Trad Giovani Reale) 25 ἡ μὲν οὖν ὅλως ἀρχὴ μεταβολῆς ἢ κινήσεως λέγεται δύναμις ἐν ἑτέρῳ ἢ ᾗ ἕτερον ἡ δ ὑφ ἑτέρου ἢ ᾗ ἕτερον
(καθ ἣν γὰρ τὸ πάσχον πάσχει τι ὁτὲ μὲν ἐὰν ὁτιοῦν δυνατὸν αὐτό φαμεν εἶναι παθεῖν ὁτὲ δ οὐ κατὰ πᾶν
πάθος ἀλλ ἂν ἐπὶτὸ βέλτιον) ldquoPotecircncia portanto significa em primeiro lugar esse princiacutepio de mudanccedila ou de
movimento que se encontra em outra coisa ou na propria coisa enquanto outra e em segundo lugar significa o
princiacutepio pelo qual uma coisa eacute mudada ou movida por outra ou por si mesma enquanto outrardquo Met Δ 12
1019ordf19-23 (Trad Giovani Reale)
23
relacionada ao princiacutepio de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo26
Na medida em que as coisas satildeo
constituiacutedas de um determinado modo elas trazem em potecircncia a manutenccedilatildeo de si diante da
accedilatildeo de outra coisa como a parede que natildeo quebra se batida com um copo de vidro ou trazem
em potecircncia a degeneraccedilatildeo tal qual um copo de vidro que quebra quando lanccedilado contra a
parede Jaacute a forma eacute atualidade (enteleacutekheia) tanto como ciecircncia quanto inquirir ou seja
enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) e atividade (energeia) Atualidade enquanto disposiccedilatildeo significa
a jaacute detenccedilatildeo de determinada capacidade mas sem sua atividade Ser apto a caminhar mas
estar sentado por exemplo Jaacute ato enquanto atividade significa o exerciacutecio dessa disposiccedilatildeo
Ser apto a caminhar e estar caminhando
οὐσίαι δὲ μάλιστ εἶναι δοκοῦσι τὰ σώματα καὶ τούτων τὰ φυσικά ταῦτα γὰρ τῶν
ἄλλων ἀρχαί τῶν δὲ φυσικῶν τὰ μὲν ἔχει ζωήν τὰ δ οὐκ ἔχει ζωὴν δὲ λέγομεν τὴν
δι αὑτοῦ τροφήν τε καὶ αὔξησιν καὶ φθίσιν ὥστε πᾶν σῶμα φυσικὸν μετέχον ζωῆς
οὐσία ἂν εἴη οὐσία δ οὕτως ὡς συνθέτη
E haacute a opiniatildeo de que sobretudo os corpos satildeo substacircncia entre os quais se encontram
os corpos naturais que satildeo princiacutepios dos demais Dos corpos naturais alguns tecircm
vida outros natildeo e dizemos que a vida eacute a nutriccedilatildeo por si mesmo o crescimento e o
decaimento Assim todo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido
de substacircncia composta DA II 1 412a11-16 (Trad Gomes dos Reis)
Aristoacuteteles retorna a uma tese geral amplamente adotada por ele segundo a qual dentre
as substacircncias as sensiacuteveis satildeo as mais aceitas27
por serem mais evidentes aos sentidos O que
26 ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ τοῦ πάσχειν ἔτι ὅσαι ἕξεις καθ ἃς ἀπαθῆ ὅλως ἢ ἀμετάβλητα ἢ μὴ ῥᾳδίως ἐπὶ τὸ χεῖρον
εὐμετακίνητα δυνάμεις λέγονται κλᾶται μὲν γὰρ καὶ συντρίβεται καὶ κάμπτεται καὶ ὅλως φθείρεται οὐ τῷ
δύνασθαι ἀλλὰ τῷ μὴ δύνασθαι καὶ ἐλλείπειν τινός ἀπαθῆ δὲ τῶν τοιούτων ἃ μόλις καὶ ἠρέμα πάσχει διὰ δύ
ναμιν καὶ τῷ δύνασθαι καὶ τῷ ἔχειν πώς ldquoO mesmo vale para a potecircncia passiva Aleacutem disso chamam-se
potecircncias todos os estados em virtude dos quais as coisas satildeo absolutamente impassiacuteveis ou imutaacuteveis ou natildeo
facilmente mutaacuteveis para pior De fato as coisas quebram-se degeneram-se dobram-se e em geral destroem-se
natildeo porque tecircm potecircncia mas porque natildeo tecircm potecircncia a e porque carecem de alguma coisa ao contraacuterio satildeo
impassiacuteveis relativamente a todo estes tipos de afecccedilotildees as coisas que dificilmente ou pouco satildeo afetadas por elas
por causa de sua potecircncia e de seu poder e por determinadas condiccedilotildees em que se encontremrdquo Met Δ 12 1019ordf
26-32 (Trad Giovani Reale) 27 Οὐσία λέγεται τά τε ἁπλᾶ σώματα οἷον γῆ καὶ πῦρ καὶ ὕδωρ καὶ ὅσα τοιαῦτα καὶ ὅλως σώματα καὶ τὰ ἐκ
τούτων συνεστῶτα ζῷά τε καὶ δαιμόνια καὶ τὰ μόρια τούτων ἅπαντα δὲ ταῦτα λέγεται οὐσία ὅτι οὐ καθ
ὑποκειμένου λέγεται ἀλλὰ κατὰ τούτων τὰ ἄλλα ldquoSubstacircncia em certo sentido se diz dos corpos simples por
exemplo o fogo a terra a aacutegua e todos os corpos como estes e em geral todos os corpos e as coisas compostas
a partir deles como os animais e os seres divinos e suas partes Todas essas coisas satildeo ditas substacircncias porque
natildeo satildeo predicadas de um substrato mas tudo o mais eacute predicado delasrdquo Met Δ 1017b10ndash14 (Trad Giovani
Reale)
Τὸ ὂν λέγεται πολλαχῶς καθάπερ διειλόμεθα πρότερον ἐν τοῖς περὶ τοῦ ποσαχῶς σημαίνει γὰρ τὸ μὲν τί ἐστι
καὶ τόδε τι τὸ δὲ ποιὸν ἢ ποσὸν ἢ τῶν ἄλλων ἕκαστον τῶν οὕτω κατηγορουμένων τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου
τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν (ὅταν μὲν γὰρ εἴπωμεν ποῖόν τι
τόδε ἢ ἀγαθὸν λέγομεν ἢ κακόν ἀλλ οὐ τρίπηχυ ἢ ἄνθρωπον ldquoO ser tem muitos signficados como
estabelecemos anteriormente no livro dedicado aos diversos significados dos termos De fato o ser signfica de
um lado essecircncia e algo determinado de outro qualidade ou quantidade e cada uma das outras categorias
Mesmo sendo dito em tantos signficados eacute evidente que o primeiro dos significados do ser eacute a essecircncia que
indica a substacircncia (De fato quando perguntamos a qualidade de alguma coisa dizemos que eacute boa ou maacute mas
natildeo que tem trecircs cocircvados ou que eacute homemrdquo 1028a10ndash16 (Trad Giovani Reale)
24
Aristoacuteteles chama aqui de corpos naturais (physikoacuten) corresponde aos compostos que datildeo
origem aos artificiais e com a abstraccedilatildeo das suas unidades a objetos matemaacuteticos Mas natildeo
satildeo elementos ou partes sem unidade como o olho ou a raiz da aacutervore Pois eacute o animal que
deteacutem o olho e a aacutervore que deteacutem a raiacutez Sendo assim os corpos naturais se diferenciam
entre os que vivem e os que natildeo vivem Estes que natildeo vivem satildeo os corpos artificiais os
corpos celestes e o cadaacutever Um corpo morto seraacute de animal senatildeo por homoniacutemia pois natildeo
tem como atividade o viver E o viver eacute nutrir-se eacute crescer e eacute decair Donde Aristoacuteteles
conclui que ldquotodo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido de substacircncia
compostardquo Os seres viventes (empsykhon) satildeo substacircncias compostas de mateacuteria (corpo) e
forma (alma) tendo como atividade o viver
ἐπεὶ δ ἐστὶ καὶ σῶμα καὶ τοιόνδε ζωὴν γὰρ ἔχον οὐκ ἂν εἴη σῶμα ἡ ψυχή οὐ γάρ
ἐστι τῶν καθ ὑποκειμένου τὸ σῶμα μᾶλλον δ ὡς ὑποκείμενον καὶ ὕλη ἀναγκαῖον
ἄρα τὴν ψυχὴν οὐσίαν εἶνα ὡς εἶδος σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν ἔχοντος
E uma vez que essa substacircncia tambeacutem eacute um corpo de tal tipo ndash que tem vida ndash a
alma natildeo eacute corpo pois o corpo natildeo eacute um dos predicados do substrato antes ele eacute
como o substrato e a mateacuteria Necessariamente entatildeo a alma eacute substacircncia como
forma de um corpo natural potencialmente vivo 412ordf16-21 (Trad Maria Ceciacutelia
Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo proacutepria)
Finalmente Aristoacuteteles tece sua uacuteltima premissa e enuncia uma primeira definiccedilatildeo de
alma Dado que os corpos naturais dotados de vida satildeo compostos hilemoacuterficos cabe eliminar
qualquer possibilidade da alma ser corpo O argumento eacute conciso Haacute substacircncias que satildeo um
corpo dotado de vida Este corpo vivo natildeo eacute alma Mas substrato (hypokeimeacutenon) e mateacuteria
(hyacutele) do composto E como tal eacute objeto de predicaccedilatildeo da forma Portanto a alma natildeo pode
ser corpo pois ela que o predica
Em Met Z 3 escreve Aristoacuteteles que o substrato eacute aquilo que eacute predicado pelas coisas
enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outra28
Jaacute a substacircncia eacute aquilo que predica o
substrato mas que natildeo eacute predicada pelas outras coisas Sendo assim inerem no substrato
determinaccedilotildees como quantidade afecccedilotildees accedilotildees e potecircncias Poreacutem raspadas as
determinaccedilotildees o que resta eacute o substrato primeiro mateacuteria Contudo como jaacute enunciado
ὁμολογούμεναι μὲν αἱ φυσικαί οἷον πῦρ γῆ ὕδωρ ἀὴρ καὶ τἆλλα τὰ ἁπλᾶ σώματα ἔπειτα τὰ φυτὰ καὶ τὰ μόρια
αὐτῶν καὶ τὰ ζῷα καὶ τὰ μόρια τῶν ζῴων καὶ τέλος ὁ οὐρανὸς καὶ τὰ μόρια τοῦ οὐρανοῦ ἰδίᾳ δέ τινες οὐσίας
λέγουσιν εἶναι τά τ εἴδη καὶ τὰ μαθηματικά ldquoSubstacircncias admitidas por todos satildeo as fiacutesicas como fogo terra
aacutegua ar e os outros corpos simples ademais as plantas e suas partes do ceacuteu Alguns filoacutesofos ao contraacuterio em
funccedilatildeo de suas opiniotildees particulares afirmaram que substacircncias satildeo as Formas e os Entes matemaacuteticosrdquo Met H
1042a7ndash11(Trad Giovani Reale)
28 τὸ δ ὑποκείμενόν ἐστι καθ οὗ τὰ ἄλλα λέγεται ἐκεῖνο δὲ αὐτὸ μηκέτι κατ ἄλλου ldquoO Substrato eacute aquilo de
que satildeo predicadas todas as outras coisas enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outrardquo Met Z 3 1028b36 ndash
1029a1 (Trad Giovani Reale)
25
acima Aristoacuteteles compreende a mateacuteria como algo indeterminado Apesar disso haacute algo da
qual todas as outras determinaccedilotildees satildeo predicadas E sendo a substacircncia um algo separado
que predica a mateacuteria ou seja que referencia e determina a mateacuteria substacircncia e mateacuteria natildeo
podem ser idecircnticas O que este argumento nos ajuda a compreender eacute o pressuposto
metafiacutesico sobre o qual Aristoacuteteles identifica o corpo com o substrato impossibilitando que
este seja identificado com a alma Ou seja a substacircncia que predica o corpo
Portanto se o corpo eacute substrato material do composto orgacircnico vivo segue-se
necessariamente que a alma eacute a substacircncia formal Aristoacuteteles enuncia entatildeo seu perseguido
enunciado mais geral a alma eacute substacircncia como forma de um corpo natural potencialmente
vivo A alma enquanto substacircncia do composto vivo eacute substacircncia no sentido de forma Com
este enunciado Aristoacuteteles responde o primeiro ponto do elenco de questotildees a serem
abordadas numa investigaccedilatildeo da alma a saber a qual gecircnero de ser pertence a alma
Para a alma ser forma de um corpo potencialmente vivo ndash e ser potencialmente vivo eacute
dispor de oacutergatildeos passiacuteveis de realizaccedilatildeo das atividades proacuteprias ao viver ndash significa ser o
princiacutepio estruturante e configurador das funccedilotildees (eacutergon) de vida Assim a alma eacute o princiacutepio
e causa determinante do ser atraveacutes das atividades proacuteprias ao viver em um corpo de tal tipo
Portanto a alma configura a realidade das substacircncias compostas viventes sendo aquilo a
partir e em vista do que a vida se daacute
Aristoacuteteles abre caminho para a responder sua taacutebua de definiccedilotildees de DA I 1 A
primeira delas eacute configurar a relaccedilatildeo entre a alma e o corpo fundamentando a noccedilatildeo de
inseparabilidade entre uma e outro Pois ser a forma de um composto demanda que a alma se
atualize apenas se instanciada em um estofo material e seja seu princiacutepio de ser Em siacutentese a
alma eacute como a substacircncia e o corpo eacute como o substrato da substacircncia composta viva que eacute o
ser vivente
Seguindo as noccedilotildees jaacute traccediladas anteriormente Aristoacuteteles desdobraraacute outras duas
caracteriacutesticas proacuteprias agrave alma atualidade primeira e princiacutepio de determinaccedilatildeo do corpo Jaacute
que a alma eacute forma e forma eacute atualidade entatildeo a alma eacute atualidade deste corpo
potencialmente vivo como se lecirc logo em seguida
ἡ δ οὐσία ἐντελέχεια τοιούτου ἄρα σώματος ἐντελέχεια αὕτη δὲ λέγεται διχῶς ἡ
μὲν ὡς ἐπιστήμη ἡ δ ὡς τὸ θεωρεῖν φανερὸν οὖν ὅτι ὡς ἐπιστήμη ἐν γὰρ τῷ
ὑπάρχειν τὴν υχὴν καὶ ὕπνος καὶ ἐγρήγορσίς ἐστιν ἀνάλογον δ ἡ μὲν ἐγρήγορσις τῷ
θεωρεῖν ὁ δ ὕπνος τῷ ἔχειν καὶ μὴ ἐνεργεῖν προτέρα δὲ τῇ γενέσει ἐπὶ τοῦ αὐτοῦ ἡ
ἐπιστήμη διὸ ἡ ψυχή ἐστιν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν
ἔχοντος
E a substacircncia eacute atualidade Portanto eacute de um corpo de tal tipo que a alma eacute
atualidade Mas esta se diz de dois modos ndash primeiro como ciecircncia segundo como o
26
inquirir Eacute claro entatildeo que a alma eacute atualidade como ciecircncia pois ao subsistir a alma
haacute tanto o sono como a vigiacutelia e a vigiacutelia eacute algo anaacutelogo ao inquirir o sono a possuir
a ciecircncia mas natildeo a exercecirc-la e no que concerne a um mesmo indiviacuteduo a ciecircncia eacute
a primeira atualidade de um corpo natural que tem em potecircncia vida DA II 1 412a21-
28 (Trad Gomes dos Reis)
Como jaacute estabelecido em 401a6-11 a atualidade se diz segundo a disposiccedilatildeo e a
atividade Aqui disposiccedilatildeo (heacutexis) estaacute para a ciecircncia (epistecircme) como atividade (energeacuteia)
estaacute para inquirir (theoreicircn) Portanto disposiccedilatildeo eacute a obtenccedilatildeo de dada capacidade sem
executaacute-la enquanto atividade eacute sua execuccedilatildeo
Aristoacuteteles conclui seu argumento especificando a alma como uma atualidade primeira
(enteleacutekheia proteacute) Charlton29
propotildee que o termo ldquoprimeirordquo (proteacute) se refira agrave atualidade no
primeiro sentido ou seja enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) O que parece plausiacutevel pois o texto
aristoteacutelico nos diz que a alma eacute atualidade como ciecircncia (phanerograven oucircn hoacuteti hocircs episteme)
Aleacutem disso nas discussotildees preliminares sobre a capacidade perceptiva Aristoacuteteles discorre
um pouco mais sobre as diferenccedilas entre atualidade em termos de disposiccedilatildeo e atividade
διαιρετέον δὲ καὶ περὶ δυνάμεως καὶ ἐντελεχείας νῦν γὰρ ἁπλῶς ἐλέγομεν περὶ
αὐτῶν ἔστι μὲν γὰρ οὕτως ἐπιστῆμόν τι ὡς ἂν εἴποιμεν ἄνθρωπον ἐπιστήμονα ὅτι ὁ
ἄνθρωπος τῶν ἐπιστημόνων καὶ ἐχόντων ἐπιστήμην ἔστι δ ὡς ἤδη λέγομεν
ἐπιστήμονα τὸν ἔχοντα τὴν γραμματικήν ἑκάτερος δὲ τούτων οὐ τὸν αὐτὸν τρόπον
δυνατός ἐστιν ἀλλ ὁ μὲν ὅτι τὸ γένος τοιοῦτον καὶ ἡ ὕλη ὁ δ ὅτι βουληθεὶς δυνατὸς
θεωρεῖν ἂν μή τι κωλύσῃ τῶν ἔξωθεν ὁ δ ἤδη θεωρῶν ἐντελεχείᾳ ὢν καὶ κυρίως
ἐπιστάμενος τόδε τὸ Α ἀμφότεροι μὲν οὖν οἱ πρῶτοι κατὰ δύναμιν ἐπιστήμονες
ltὄντες ἐνεργείᾳ γίνονται ἐπιστήμονεςgtἀλλ ὁ μὲν διὰ μαθήσεως ἀλλοιωθεὶς καὶ
πολλάκις ἐξ ἐναντίας μεταβαλὼν ἕξεως ὁ δ ἐκ τοῦ ἔχειν τὴν ἀριθμητικὴν ἢ τὴν
γραμματικήν μὴ ἐνεργεῖν δέ εἰς τὸ ἐνεργεῖν ἄλλον τρόπον
Eacute preciso ainda fazer distinccedilotildees no que diz respeito agrave potecircncia e agrave atualidade Pois ateacute
agora falaacutevamos disso de maneira simples Por um lado haacute aquele que conhece no
sentido em que diriacuteamos ser o homem conhecedor por estar entre os que conhecem e
possuem conhecimento e haacute em outro sentido aquele que dizemos ser conhecedor
por jaacute saber a gramaacutetica (e cada um deles eacute em potecircncia mas natildeo da mesma maneira
o primeiro por que eacute de tal gecircnero e mateacuteria o outro porque se quiser pode inquirir
nada externo o impedindo) E haacute por fim aquele que estaacute inquirindo e em atualidade
conhecendo em sentido proacuteprio este ldquoArdquo determinado Os dois primeiros satildeo
conhecedores em potecircncia um por ter-se alterado via aprendizagem e por passar
vaacuterias vezes de uma das disposiccedilotildees contraacuterias a outra o outro de outro modo por
passar do ter a percepccedilatildeo sensiacutevel30 ou a gramaacutetica sem exercitaacute-lo ao estar em
exerciacutecio DA II 5 417a21-b2 (Trad Gomes dos Reis)
O ser humano eacute configurado de modo a realizar certas atividades como a nutriccedilatildeo a
percepccedilatildeo e a inquiriccedilatildeo Entretanto a pura organizaccedilatildeo fiacutesica natildeo basta para que elas sejam
realizadas Assim somente quando a funccedilatildeo proacutepria de determinada disposiccedilatildeo fiacutesica entra
em atividade eacute que aquilo que eacute em potecircncia se torna uma atualidade No caso acima a
capacidade de inquirir Mas toda capacidade exige um objeto para entrar em atividade E o
29 1980 p 174 30 A tradutora optou por substituir o termo ldquoarithmetikegravenrdquo por ldquoaiacutesthesinrdquo Cf GOMES DOS REIS 2012 p 84
27
que era uma potecircncia de aprendizado para o inquiridor torna-se uma atualidade pela atividade
da sua inquiriccedilatildeo Deste modo haacute trecircs instacircncias que vatildeo da potecircncia agrave atualidade Na
primeira o ser vivente eacute dotado da capacidade de aprender a inquirir Na segunda esta
disposiccedilatildeo eacute posta em atividade tendo um objeto para se inquirir Na terceira eacute a atividade
dessa capacidade aprendida ou adquirida que se tem uma atualidade plena No primeiro caso
eacute claramente uma capacidade segundo uma disposiccedilatildeo No segundo caso jaacute temos um estado
de atualidade na medida em que haacute o exerciacutecio dessa capacidade proacutepria ao ser vivente
Aristoacuteteles chama isso de potecircncia pois em relaccedilatildeo agrave terceira instacircncia aquele modo de
atualidade eacute ainda suscetiacutevel de alteraccedilatildeo E quando essa nova capacidade a gramaacutetica eacute
adquirida pela atividade desta nova capacidade de inquirir possiacutevel apenas pela sua
disposiccedilatildeo na fisiologia do ser vivente a capacidade se atualiza plenamente
Assim a alma eacute atualidade primeira de um corpo potencialmente vivo enquanto
princiacutepio de atividade das capacidades proacuteprias ao viver presentes como disposiccedilatildeo que a
forma engendra neste corpo Isto fica mais evidente em DA II 1 412b5-9
εἰ δή τι κοινὸν ἐπὶ πάσης ψυχῆς δεῖ λέγειν εἴη ἂν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος
φυσικοῦ ὀργανικοῦ διὸ καὶ οὐ δεῖ ζητεῖν εἰ ἓν ἡ ψυχὴ καὶ τὸ σῶμα ὥσπερ οὐδὲ τὸν
κηρὸν καὶ τὸ σχῆμα οὐδ ὅλως τὴν ἑκάστου ὕλην καὶ τὸ οὗ ἡ ὕλη τὸ γὰρ ἓν καὶ τὸ
εἶναι ἐπεὶ πλεοναχῶς λέγεται τὸ κυρίως ἡ ἐντελέχειά ἐστιν
Se eacute preciso enunciar algo comum a toda e qualquer alma seria que eacute a primeira
atualidade do corpo natural orgacircnico E por isso inclusive natildeo eacute preciso investigar se
alma e corpo satildeo uma unidade ndash tampouco se a cera e a figura o satildeo e em suma nem
se a mateacuteria de cada coisa e aquilo de que eacute mateacuteria ndash pois jaacute que se diz unidade ser
de muitos modos o mais apropriado deles eacute a atualidade (Trad Gomes dos Reis)
O corpo eacute dotado de oacutergatildeos partes que viabilizam a atividade das capacidades
proacuteprias ao viver E eacute a atividade das capacidades atraveacutes dos oacutergatildeos que se confere unidade
entre corpo e alma nesse composto orgacircnico vivo Assim Aristoacuteteles responde sobre a
unidade entre alma e corpo enunciada na taacutebua de definiccedilotildees Natildeo por acaso como corolaacuterio
agraves noccedilotildees de alma como forma e atualidade Aristoacuteteles declara
οὐσία γὰρ ἡ κατὰ τὸν λόγον τοῦτο δὲ τὸ τί ἦν εἶναι τῷ τοιῳδὶ σώματι καθάπερ εἴ τι
τῶν ὀργάνων φυσικὸν ἦν σῶμα οἷον πέλεκυς ἦν μὲν γὰρ ἂν τὸ πελέκει εἶναι ἡ οὐσία
αὐτοῦ καὶ ἡ ψυχὴ τοῦτο χωρισθείσης δὲ ταύτης οὐκ ἂν ἔτι πέλεκυς ἦν ἀλλ ἢ ὁμ
ωνύμως νῦν δ ἔστι πέλεκυς οὐ γὰρ τοιούτου σώματος τὸ τί ἦν εἶναι καὶ ὁ λόγος ἡ
ψυχή ἀλλὰ φυσικοῦ τοιουδί ἔχοντος ἀρχὴν κινήσεως καὶ στάσεως ἐν ἑαυτῷ
Pois ela eacute a substacircncia segundo a determinaccedilatildeo ou seja o que era para ser de um
corpo de tal tipo Se um instrumento fosse um corpo natural ndash por exemplo o
machado ndash a sua substacircncia seria a que eacute ser para o machado e isto seria a sua alma
Separado disso ele natildeo seria mais um machado exceto por homoniacutemia Mas na
verdade eacute um machado pois a alma natildeo eacute a determinaccedilatildeo e o que eacute o que eacute para um
corpo desse tipo mas sim um corpo natural tal que tenha em si mesmo um princiacutepio
28
de movimento e repouso DA II 1 412b10-17 (Trad Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo
proacutepria)
Como jaacute explicitado no enunciado de alma enquanto substacircncia como forma em
412a20 a alma eacute este princiacutepio determinante do ser do composto Ou seja o princiacutepio
organizador das suas disposiccedilotildees e propriedades que determinaratildeo o ser proacuteprio de um corpo
natural capaz de viver A identificaccedilatildeo entre alma e forma se desdobraraacute na identificaccedilatildeo de
alma e o que era para ser31
(tograve tiacute ecircn eicircnai)
Dado que a alma eacute forma e atualidade do corpo Aristoacuteteles estabelece que ela eacute seu
princiacutepio de determinaccedilatildeo das propriedades relevantes que daratildeo o caraacuteter essencial do ser
vivente E eacute evidente como o texto nos mostra e Hamilyn32
sustenta que a determinaccedilatildeo da
essecircncia se daacute segundo sua funccedilatildeo (eacutergon) O ser do machado eacute cortar na medida em que a
funccedilatildeo proacutepria do machado eacute cortar assim como a do olho eacute ver O ser do ser vivente eacute viver
31 A locuccedilatildeo eacute razatildeo de grande controveacutersia na tradiccedilatildeo de comentaacuterios ao texto aristoteacutelico Natildeo entrarei nos
pormenores da discussatildeo mas tomarei a traduccedilatildeo o que era para ser em sua literalidade assim como Angioni
tendo em vista o contexto no qual se pretende compreender seu emprego ldquoTrata-se de uma substantivaccedilatildeo com
o artigo neutro (lsquotorsquo) da pergunta lsquoo que afinal era o ser para tal coisarsquo (lsquoti en to einai toutoirsquo lsquotiacute ecircn tograve eicircnai
toutoirsquo) ndash Aristoacuteteles frequentemente substantiva segmentos de sentenccedilas e expressotildees que em si mesmas
constituem perguntas gramaticalmente completas isso ocorre na designaccedilatildeo das categorias (ldquoo qualrdquo ldquotograve poicirconrdquo
etc) na designaccedilatildeo de algumas das quatro causas (lsquoo que moveu primeirorsquo lsquoo em vista de quersquo) e em outras
expressotildees lsquo(lsquoo por quecircrsquo lsquotograve diagrave tiacutersquo ou lsquotograve dioacutetirsquo) O infinitivo lsquoserrsquo eacute o mesmo que consta na expressatildeo lsquoser +
dativorsquo e que designa a essecircncia da coisa isto eacute o conjunto de propriedades e caracteriacutesticas que deveriam ser
enumeradas no enunciado que define o que a coisa eacute Trata-se do mesmo infinitivo que comparece em 1041a32
1041b28 e 1042b27 (e natildeo se trata do infinitivo que poderia eventualmente ser entendido como existencial tal
como em 1041a15) O imperfeito ldquoerardquo por sua vez consiste num resquiacutecio de um uso dialeacutetico pelo qual o
interlocutor remetia a alguma definiccedilatildeo anteriormente dada destinada a funcionar como paracircmetro para a
discussatildeo ulterior (para referecircncias quanto ao uso desse imperfeito ver nossa dissertaccedilatildeo de mestrado p 89
nota 208) A pergunta original seria lsquoo quecirc era o ser para tal coisarsquo mas isso quer apenas dizer lsquoo quecirc fora
estabelecido (anteriormente na presente discussatildeo) como ser para tal coisarsquo Com o haacutebito a expressatildeo teria
perdido o significado interrogativo que originalmente possuiacutea e teria se tornado um jargatildeo para designar a
essecircncia Em vista disso lsquoto ti en einairsquo poderia ser traduzido ou parafraseado como lsquoaquilo que fora
estabelecido como caracteriacutesticas essenciais de tal coisarsquo A lsquoanterioridade causal da formarsquo muita vez alegada
como chave para a compreensatildeo do jargatildeo eacute compatiacutevel com o significado da expressatildeo mas natildeo explica a
origem do imperfeitordquo (Angioni 2005 102) 32 ldquoAristotlersquos selection of a tool an axe to provide an analogy with the ensouled body reveals how close to the
surface in this discussion is the notion of function The substance or essence of an axe is its function without
which it would not be an axe Like the Greeks in general Aristotle had no difficulty in thinking of a natural body
as having a function too (cf Nicomachean Ethics 1097b22ff) this is part of his general teleology But as he
goes on to point out there are differences also between an axe and a natural body which spoil the analogy This
is the force of the words lsquoBut as it is an axersquo ndash the essence of a axe is not its soul since it does not have one not
being a living thingrdquo ldquoA seleccedilatildeo do Aristoacuteteles de um instrumento um machado prova um analogia com os
coporpos animados revela como o que estaacute em voga eacute a discussatildeo eacute a noccedilatildeo de funccedilatildeo A substacircncia ou
essecircncia de um machado eacute sua funccedilatildeo sem a qual ele natildeo seria um machado Assim como os Gregos
Aristoacuteteles natildeo teve dificuldades em pensar o corpo natural como tambeacutem dotado de funccedilatildeo (cf Eacutetica a
Nicocircmaco 1097b22ss) isto eacute parte da sua teleologia Mas como ele segue pontuando haacute diferenccedilas igualmente
entre um machado e um corpo natural que prejudicam a analogia Eacute o que sugerem as palavras Mas eacute como um
machadorsquo - a essecircncia do machado natildeo eacute sua alma jaacute que ele natildeo tem uma natildeo eacute um ser viventerdquo (HAMLYN
1993 85) (Trad proacutepria)
29
e isto eacute garantido pela alma A locuccedilatildeo o que era para ser como indica Gomes dos Reis33
pode ser compreendida como uma continuidade da forma do ser vivente perante o devir que
lhe eacute proacuteprio ao longo da sua vida
Com isso Aristoacuteteles traccedila suas noccedilotildees preliminares da alma em DA II 1 Haacute ao final
do capiacutetulo algo digno de nota Aristoacuteteles se refere a tudo isto como um rascunho e esboccedilo
de definiccedilatildeo34
Poderiacuteamos entender que estas proposiccedilotildees satildeo insuficientes para o projeto
psicoloacutegico aristoteacutelico E satildeo mesmo em certa medida Pois em relaccedilatildeo agrave taacutebua de
definiccedilatildeo Aristoacuteteles soacute respondeu as noccedilotildees relativas agrave substacircncia atualidade e unidade da
alma Apesar disso como argumentarei na sessatildeo seguinte todo o arcabouccedilo conceitual e
argumentativo aqui esboccedilado sustentaraacute a noccedilatildeo de alma como princiacutepio das capacidades que
denotam vida Aleacutem do mais se lembrarmos que nas primeiras linhas do capiacutetulo Aristoacuteteles
se comprometia tatildeo somente em buscar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) para a
alma eacute inegaacutevel que ele foi bem sucedido Se ao fim de DA I ele tem claro que a alma eacute
princiacutepio imoacutevel de movimento e una em DA II 1 satildeo apresentados os argumentos positivos
para estas duas teses A alma eacute de estatuto formal portanto imoacutevel e princiacutepio organizador
das propriedades do ser Enquanto forma eacute atualidade e assim o princiacutepio de atividade das
capacidades proacuteprias ao ser Enquanto substacircncia eacute o que era para ser do ser vivente e entatildeo
o princiacutepio determinante do que este ser vivente eacute E esta determinaccedilatildeo seraacute dada pela funccedilatildeo
proacutepria das suas capacidades que soacute seratildeo plenificadas com as atividades no oacutergatildeo
correspondente Este enunciado e o que se desdobra dele eacute um rascunho e esboccedilo de definiccedilatildeo
pois natildeo nos explica satisfatoriamente por que a alma eacute princiacutepio das formas especiacuteficas de
vida Aristoacuteteles reconhece isso e segundo um paracircmetro geomeacutetrico de definiccedilatildeo mudaraacute o
curso da investigaccedilatildeo sobre a alma
33 ldquoA expressatildeo to ti ecircn einai pode ser a generalizaccedilatildeo de uma construccedilatildeo com ocorrecircncias nos tratados por
exemplo to [pelekei] einai o ser [para o machado] o ser [para a carne] que seraacute traduzida por sua vez como a
locuccedilatildeo ldquoo que eacute ser para o machadordquo e assim por diante Como reconstruiacute-la eacute um assunto polecircmico Haacute um
verbo no imperfeito (a expressatildeo literalmente diz algo como o lsquoo que era a serrsquo) que poderia ser interpretado
como uma ecircnfase na continuidade da forma a despeito do devirrdquo 2012 208 34τύπῳ μὲν οὖν ταύτῃ διωρίσθω καὶ ὑπογεγράφθω περὶ ψυχῆς ldquoE isto basta como um esquema do esboccedilo de
definiccedilatildeo de almardquo DA II 1 413a10-11 (Trad Gomes dos Reis)
30
22 A DEFINICcedilAtildeO PELAS CAPACIDADES
DA II 2 se inicia com um impasse a noccedilatildeo geral oferece o gecircnero de ser da alma mas
natildeo a enuncia como causa de vida nos seres viventes Diante disso Aristoacuteteles faz uma
revisatildeo metodoloacutegica na investigaccedilatildeo de alma tomando como paradigma o exemplo de
definiccedilatildeo pela causa de um objeto geomeacutetrico
Ἐπεὶ δ ἐκ τῶν ἀσαφῶν μὲν φανερωτέρων δὲ γίνεται τὸ σαφὲς καὶ κατὰ τὸν λόγον
γνωριμώτερον πειρατέον πάλιν οὕτω γ ἐπελθεῖν περὶ αὐτῆς οὐ γὰρ μόνον τὸ ὅτι δεῖ
τὸν ὁριστικὸν λόγον δηλοῦν ὥσπερ οἱ πλεῖστοι τῶν ὅρων λέγουσιν ἀλλὰ καὶ τὴν
αἰτίαν ἐνυπάρχειν καὶ ἐμφαίνεσθαι νῦν δ ὥσπερ συμπεράσμαθ οἱ λόγοι τῶν ὅρων
εἰσίν οἷον τί ἐστιν ὁ τετραγωνισμός τὸ ἴσον ἑτερομήκει ὀρθογώνιον εἶναι
ἰσόπλευρον ὁ δὲ τοιοῦτος ὅρος λόγος τοῦ συμπεράσματος ὁ δὲ λέγων ὅτι ἐστὶν ὁ
τετραγωνισμὸς μέσης εὕρεσις τοῦ πράγματος λέγει τὸ αἴτιον
E jaacute que a partir de coisas natildeo claras embora mais manifestas advecircm clareza e maior
inteligibilidade segundo o enunciado deve-se tentar desta maneira novamente
discorrer sobre a alma pois natildeo somente eacute preciso que o enunciado definidor
esclareccedila os fatos ndash como o faz a maioria das definiccedilotildees ndash mas ainda conter e
expressar a causa Os enunciados das definiccedilotildees na verdade satildeo como conclusotildees O
que eacute por exemplo a quadratura Eacute fazer equivaler um retacircngulo equilaacutetero a um
retacircngulo qualquer Mas tal definiccedilatildeo eacute o enunciado da conclusatildeo e o que diz por sua
vez que a quadratura eacute a descoberta de uma meacutedia proporcional enuncia a causa DA
II 2 413a11-20 (Trad Gomes dos Reis)
Novamente Aristoacuteteles nos relembra a ideia de que as apreensotildees sensiacuteveis satildeo mais
manifestas (phaneroteacuteron) que as apreensotildees inteligiacuteveis As inteligiacuteveis satildeo mais claras
(sophoacutes) pois satildeo formas apreendidas com a razatildeo e menos suscetiacuteveis ao engano Ao
contraacuterio das apreensotildees sensiacuteveis que satildeo mais manifestas Muito embora os pressupostos
que permitiram deduzir o estatuto ontoloacutegico da alma no capiacutetulo anterior sejam mais claros
eles enunciam o vivente como um ser animado enquanto um fato mas natildeo enunciam a alma
como causa do viver Portanto DA II 2 se dedicaraacute a investigar a alma como causa de vida
nos seres viventes a partir do que eacute mais manifesto ao que eacute mais claro
Aristoacuteteles se utiliza de um teorema para explicar que o termo meacutedio de um silogismo
apresenta a causa de um fato Num silogismo dado uma premissa maior que enuncie o fato e
tem como outro fato a conclusatildeo a premissa menor enuncia a causa pois eacute onde se encontra o
porquecirc da conclusatildeo Responder que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois ldquoTodo homem eacute mortalrdquo natildeo
enuncia a causa da mortalidade de Soacutecrates soacute o mero fato de coincidentemente ldquoSoacutecratesrdquo e
ldquoTodo homemrdquo serem mortais Poreacutem se respondemos que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois
ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo e ldquoTodo homem eacute mortalrdquo entatildeo foi enunciado a causa da mortalidade
de Soacutecrates Em sua estrutura claacutessica a premissa maior ldquoTodo homem eacute mortalrdquo a premissa
menor ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo a conclusatildeo ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo
31
Fica a questatildeo de como este novo criteacuterio se aplica agrave definiccedilatildeo E sobre a alma o
corpo e a vida
λέγομεν οὖν ἀρχὴν λαβόντες τῆς σκέψεως διωρίσθαι τὸ ἔμψυχον τοῦ ἀψύχου τῷ
ζῆν πλεοναχῶς δὲ τοῦ ζῆν λεγομένου κἂν ἕν τι τούτων ἐνυπάρχῃ μόνον ζῆν αὐτό
φαμεν οἷον νοῦς αἴσθησις κίνησις καὶ στάσις ἡ κατὰ τόπον ἔτι κίνησις ἡ κατὰ
τροφὴν καὶ φθίσις τε καὶ αὔξησις
Retomando o princiacutepio da investigaccedilatildeo digamos entatildeo que o animado se distingue do
inanimado pelo viver E de muitos modos se diz o viver pois dizemos que algo vive
se nele subsiste pelo menos um destes ndash intelecto percepccedilatildeo sensiacutevel movimento
local e repouso e ainda o movimento segundo a nutriccedilatildeo o decaimento e o
crescimento DA II 2 413a20-24 (Trad Gomes dos Reis)
Aristoacuteteles enuncia uma premissa maior e outra menor
[premissa maior] Todo ser dotado de alma vive
[premissa menor] Viver eacute ser dotado de intelecto percepccedilatildeo nutriccedilatildeo movimento
local e repouso decaimento e crescimento
Eacute proacuteprio agrave alma atribuir vida Viver eacute ser dotado de uma das capacidades
mencionadas Assim todo corpo natural que apresente uma dessas capacidades vive35
Portanto as plantas vivem pois se nutrem crescem e decaem por si proacuteprias
διὸ καὶ τὰ φυόμενα πάντα δοκεῖ ζῆν φαίνεται γὰρ ἐν αὑτοῖς ἔχοντα δύναμιν καὶ
ἀρχὴν τοιαύτην δι ἧς αὔξησίν τε καὶ φθίσιν λαμβάνουσι κατὰ τοὺς ἐναντίους τόπους
οὐ γὰρ ἄνω μὲν αὔξεται κάτω δ οὔ ἀλλ ὁμοίως ἐπ ἄμφω καὶ πάντῃ ὅσα ἀεὶ
τρέφεταί τε καὶ ζῇ διὰ τέλους ἕως ἂν δύνηται λαμβάνειν τροφήν
Por isso parece inclusive que todas as plantas vivem pois eacute manifesto que tecircm em si
mesmas uma potecircncia e um princiacutepio deste tipo por meio do qual ganham
crescimento e decaimento segundo direccedilotildees contraacuterias pois natildeo crescem apenas para
cima e natildeo para baixo mas similarmetne em ambas e em todas as direccedilotildees e assim eacute
para as que se nutrem constantemente e vivem ateacute o fim enquanto puderem obter
alimento DA II 2 413a25-31 (Trad Gomes dos Reis)
Assim como os animais vivem jaacute que satildeo dotados de nutriccedilatildeo e percepccedilatildeo
τὸ μὲν οὖν ζῆν διὰ τὴν ἀρχὴν ταύτην ὑπάρχει τοῖς ζῶσι τὸ δὲ ζῷον διὰ τὴν αἴσθησιν
πρώτως καὶ γὰρ τὰ μὴ κινούμενα μηδ ἀλλάττοντα τόπον ἔχοντα δ αἴσθησιν ζῷα
λέγομεν καὶ οὐ ζῆν μόνον
O viver subsiste nos seres vivos por conta deste princiacutepio e o animal constitui-se
primordialmente pela percepccedilatildeo sensiacutevel Pois dizemos que satildeo animais ndash e natildeo
apenas que vivem ndash tambeacutem os que natildeo se movem nem mudam de lugar mas
possuem percepccedilatildeo DA II 2 413b1-4 (Trad Gomes dos Reis)
Com isso temos a conclusatildeo do silogismo psicoloacutegico aristoteacutelico
[conclusatildeo a] Plantas e animais satildeo animados
E desta uma outra
35 Como jaacute antecipara em DA II 1 412a11-16 citado na paacutegina 16
32
[conclusatildeo b] Plantas e animais satildeo vivos
Portanto assim como todo retacircngulo teraacute quadratura por causa da sua proporccedilatildeo com
um retacircngulo quadrilaacutetero todo corpo seraacute um ser vivente por ser dotado de alma Entretanto
uma ldquoquestatildeo de aluno bobordquo seria perguntar para Aristoacuteteles de onde vecircm essas duas
premissas Ao conectar alma e vida sem explicar esta uacuteltima poderia levar a investigaccedilatildeo
aristoteacutelica agrave obscuridade precisamente onde se deveria ter mais clareza Entatildeo para que
Aristoacuteteles garanta a alma como causa da vida mortal ele endossaria os pressupostos dos seus
predecessores e portanto distinguiria o animado do inanimado pelo movimento e pela
percepccedilatildeo36
Polansky apesar disso natildeo esclarece afinal quais os argumentos que sustentam
a associaccedilatildeo entre alma e vida Se limitando apenas agraves implicaccedilotildees argumentativas desse
pressuposto
Contudo se assumirmos que Aristoacuteteles endossa a tese de seus predecessores segundo
a qual o animado se distingue do inanimado pelo movimento e percepccedilatildeo37
e que a nutriccedilatildeo eacute
a capacidade mais baacutesica entre os seres animados38
e por fim que a nutriccedilatildeo e a percepccedilatildeo
satildeo uma forma de movimento39
somos levados a crer que o argumento consiste em
[P1] viver eacute ao menos nutriccedilatildeo crescimento e decaimento
[P2] nutriccedilatildeo crescimento e decaimento satildeo um tipo de movimento (do tipo por si)
[P3] tudo o que se move por si eacute animado
[P4] a alma eacute um princiacutepio imoacutevel de movimento
[C1] logo tudo o que vive eacute animado
36 Cf Nota seguinte 37 τὸ ἔμψυχον δὴ τοῦ ἀψύχου δυσὶ μάλιστα διαφέρειν δοκεῖ κινήσει τε καὶ τῷ αἰσθάνεσθαι παρειλήφαμεν δὲ
καὶ παρὰ τῶν προγενεστέρων σχεδὸν δύο ταῦτα περὶ ψυχῆς ldquoOra haacute a opiniatildeo de que o animado difere do
inanimado em dois aspectos o movimento e a percepccedilatildeo sensiacutevel E em relaccedilatildeo agrave alma satildeo mais ou menos
esses dois que recebemos de nossos predecessoresrdquo DA I 1 403b25-28 (Trad Gomes dos Reis) 38 ὥστε πρῶτον περὶ τροφῆς καὶ γεννήσεως λεκτέον ἡ γὰρ θρεπτικὴ ψυχὴ καὶ τοῖς ἄλλοις ὑπάρχει καὶ πρώτη
καὶ κοινοτάτη δύναμίς ἐστι ψυχῆς καθ ἣν ὑπάρχει τὸ ζῆν ἅπασιν ldquoPor conseguinte deve-se primeiro tratar do
alimento e da geraccedilatildeo pois a alma nutritiva subsiste tambeacutem com as outras sendo a primeira e a mais comum
potecircncia da alma segundo a qual subsiste em todos o viverrdquo DA II 4 415A22-25 (Trad Gomes dos Reis) 39 ἔστι δὲ καὶ ἀλλοίωσις καὶ αὔξησις κατὰ ψυχήν ἡ μὲν γὰρ αἴσθησις ἀλλοίωσίς τις εἶναι δοκεῖ αἰσθάνεται δ
οὐθὲν ὃ μὴ μετέχει ψυχῆς ὁμοίως δὲ καὶ περὶ αὐξήσεώς τε καὶ φθίσεως ἔχει οὐδὲν γὰρ φθίνει οὐδ αὔξεται
φυσικῶς μὴ τρεφόμενον τρέφεται δ οὐθὲν ὃ μὴ κοινωνεῖ ζωῆς ldquoMas inclusive a alteraccedilatildeo e o crecimento
existem segundo a alma pois haacute a opiniatildeo de que a percepccedilatildeo sensiacutevel eacute uma certa alteraccedilatildeo e aquele que natildeo
participa da alma nada percebe de maneira similar ocorre tambeacutem em relaccedilatildeo ao crescimento e decaimento pois
nem decai nem cresce naturalmente aquele que natildeo eacute nutrido e nada que natildeo compartilhe da vida se nutrerdquo DA
II 4 415b23-28 (Trad Gomes dos Reis)
E mais adiante enunciando a percepccedilatildeo Aristoacuteteles eacute categoacuterico ἡ δ αἴσθησις ἐν τῷ κινεῖσθαί τε καὶ πάσχειν
συμβαίνει καθάπερ εἴρηται δοκεῖ γὰρ ἀλλοίωσίς τις εἶναι ldquoA percepccedilatildeo sensiacutevel consiste em ser movido e ser
afetado como dissemos pois haacute a opiniatildeo de que ela eacute uma certa alteraccedilatildeordquo DA II 4 416b35-36 (Trad Gomes
dos Reis)
33
Note que [P1] e [P2] seriam premissas autoevidentes Em [P3] Aristoacuteteles partiria
dos mesmos pressupostos que as endoxai de seus predecessores enquanto [P4] resultaria da
anaacutelise criacutetica dessas endoxai ao longo de DA I 3-5 Aristoacuteteles natildeo nos elucida claramente de
onde ele tira as evidecircncias de [P1] e [P2] ou seja por que essas capacidades tais satildeo
movimentos por si e portanto denotam vida Quanto a [P3] Fiacutes VIII40
nos indica que esta eacute
uma tese que Aristoacuteteles abraccedila mas tambeacutem sem explicar suas razotildees O mais plausiacutevel
parece ser que este eacute um fenocircmeno autoevidente amplamente aceito que dispense justificaccedilatildeo
Diferentemente eacute o caso de [P4] cuja justificativa pode se sustentar na criacutetica aristoteacutelica agraves
noccedilotildees democritianas de que a alma eacute um princiacutepio de movimento que se move em DA I 3
corroborada pela noccedilatildeo de alma enunciada em DA II 1 segundo a qual a alma eacute forma logo
atualidade e portanto princiacutepio de determinaccedilatildeo das funccedilotildees proacuteprias ao ser vivente
Olhando por essas lacunas que o argumento aristoteacutelico conteacutem sua tentativa de
enunciar a alma como causa de vida parece fragilizada Entretanto fato eacute que a vida eacute
explicada pela alma no contexto do pensamento helecircnico Entatildeo conceder a Aristoacuteteles este
pressuposto parece um miacutenimo que o leitor contemporacircneo precise fazer Aleacutem disso vale
lembrar que em Met Z 17 Aristoacuteteles defende ser ldquonecessaacuterio que o dado e a existecircncia da
coisa sejam previamente conhecidosrdquo41
e que portanto o que se investiga eacute ldquopor que alguma
coisa pertence a outrardquo42
Deste modo cabem aqui questotildees como ldquopor que os corpos
vivemrdquo ou ainda ldquopor que se atribui vida a corpos dotados de capacidades taisrdquo E natildeo ldquopor
que o animado se diferencia do inanimado pelo viverrdquo como o formulado no iniacutecio desta
digressatildeo Talvez a fragilidade aparente se decirc pois aqui se toque as Colunas de Heacutercules da
psicologia aristoteacutelica
Retomando a braccedilada dos remos se a tese de que a vida se manifesta pela capacidade
de movimento eacute confirmada quando Aristoacuteteles enuncia uma nova noccedilatildeo de alma como
40 οὐδεμιᾶς γὰρ ἐν ἡμῖν ἐνούσης κινήσεως ἐνίοτε ἀλλ ἡσυχάζοντες ὅμως κινούμεθά ποτε καὶ ἐγγίγνεται ἐν ἡμῖν
ἐξ ἡμῶν αὐτῶν ἀρχὴ κινήσεως κἂν μηθὲν ἔξωθεν κινήσῃ τοῦτο γὰρ ἐπὶ τῶν ἀψύχων οὐχ ὁρῶμεν ὁμοίως ἀλλ
ἀεὶ κινεῖ τι αὐτὰ τῶν ἔξωθεν ἕτερον τὸ δὲ ζῷον αὐτό φαμεν ἑαυτὸ κινεῖν ldquoPor vezes acontece que natildeo haja
movimento em noacutes [entes animados] e que de nosso repouso noacutes sejamos postos em movimento e agraves vezes o
princiacutepio do movimento surge em noacutes e de noacutes sem que nada de outro nos mova de fora Natildeo vemos nada
parecido no caso dos seres inanimados pois eles sempre satildeo movidos por algo outro que reside fora deles Dos
animais noacutes dizemos que eles movem a si mesmosrdquo Fiacutes VIII 2 252b18-23 (Trad Daniel Nascimento)
ὁρῶμεν δὲ καὶ φανερῶς ὄντα τοιαῦτα ἃ κινεῖ αὐτὰ ἑαυτά οἷον τὸ τῶν ἐμψύχων καὶ τὸ τῶν ζῴων γένος ταῦτα δὲ
καὶ δόξαν παρεῖχε μή ποτε ἐνδέχεται κίνησιν ἐγγίγνεσθαι μὴ οὖσαν ὅλως διὰ τὸ ἐν τούτοις ὁρᾶν ἡμᾶς τοῦτο
συμβαῖνον (ἀκίνητα γάρ ποτε ὄντα κινεῖται πάλιν ὡς δοκεῖ) ldquoVemos claramente que existem coisas que se
movem a si mesmas como por exemplo os entes animados e o gecircnero dos animais e por causa disso pensamos
que pode ser possiacutevel que o movimento seja gerado sem que antes tenha existido de qualquer forma pois noacutes
vemos isso acontecer com eles (estarem imoacuteveis em determinado momento e moverem-se novamanete tal como
parece)rdquo Fis VIII 6 259b1-6 (Trad Daniel Nascimento) 41 δεῖ γὰρ τὸ ὅτι καὶ τὸ εἶναι ὑπάρχειν δῆλα ὄντα Met 17 1041a15 42ἄλλο γὰρ οὕτω κατ ἄλλου ἐστὶ τὸ ζητούμενον Met 17 1041a25-26
34
conclusatildeo do raciociacutenio iniciado em DA II 2 temos esta nova formulaccedilatildeo segundo as
capacidades que denotam o viver
νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον εἰρήσθω μόνον ὅτι ἐστὶν ἡ ψυχὴ τῶν εἰρημένων τούτων ἀρχὴ καὶ
τούτοις ὥρισται θρεπτικῷ αἰσθητικῷ διανοητικῷ κινήσει
Por ora eacute suficiente dizer apenas isto que a alma eacute princiacutepio das capacidades
mencionadas ndash nutritiva perceptiva raciocinativa e de movimento ndash e que por elas eacute
definida DA II 2 413b11-13 (Trad Gomes dos Reis)
Esta noccedilatildeo eclode como corolaacuterio da argumentaccedilatildeo anterior Com ela Aristoacuteteles
conquista um importante ponto do seu projeto psicoloacutegico a saber que a noccedilatildeo de alma
explique as distintas formas de vida atraveacutes das capacidades Isto levaraacute a uma gama de
comentadores contemporacircneos a valorizarem esta definiccedilatildeo em detrimento da definiccedilatildeo pela
substacircncia apresentada em DA II 1 Os que assim interpretam43
reduzem a definiccedilatildeo de alma
agrave noccedilatildeo de princiacutepio das funccedilotildees que denotam vida Esta interpretaccedilatildeo natildeo eacute totalmente
equivocada na medida em que textualmente Aristoacuteteles afirma isto Poreacutem ela eacute imprecisa
pois ignora o estatuto ontoloacutegico da alma Como vimos na seccedilatildeo anterior a alma eacute substacircncia
como forma (tegraves psycheacutes ousiacutean eicircnai hocircs eicircdos) do corpo e portanto seu princiacutepio
organizador que lhe confere o viver E enquanto forma do corpo a alma eacute sua atualidade
primeira (enteleacutekheia proteacute) Ou seja princiacutepio formal o qual o corpo se desenvolve em vista
do viver Pois a alma de um lado traz em si as disposiccedilotildees (heacutexeis) necessaacuterias agrave vida e
determina o que este corpo orgacircnico era para ser (tograve tiacute ecircn eicircnai) mediante suas funccedilotildees (eacuterga)
e atividades (eneacutergeiai) de viver Essas funccedilotildees satildeo as capacidades (dynaacutemeis) que
caracterizam os tipos de vida nos seres seu modo proacuteprio de viver Sendo assim a capacidade
nutritiva eacute proacutepria agrave vida vegetativa a perceptiva proacutepria agrave animal e a intelectiva agrave humana
Como se vecirc a definiccedilatildeo pelas capacidades tem sua origem e fundamento na definiccedilatildeo
pela forma Por outro lado esta soacute ganha capilaridade na definiccedilatildeo pela capacidade jaacute que sua
noccedilatildeo geral natildeo define a alma como causa de cada tipo de vida nem princiacutepio das
capacidades proacuteprias ao viver Deste modo uma interpretaccedilatildeo da noccedilatildeo aristoteacutelica de alma
que ignore como ambas noccedilotildees se sustentam mutuamente eacute parcial e suscetiacutevel de engendrar
mais problema que o proacuteprio texto jaacute apresenta
Com isso concluiacutemos De Anima II 2 compreendendo que a alma eacute causa de vida jaacute
que eacute princiacutepio das atividades proacuteprias ao viver Diante da noccedilatildeo geral e como ela se
particulariza nas distintas capacidades resta ainda observar um uacuteltimo ponto que Aristoacuteteles
43Putman (1975) Ackrill (1975-6) Bolton (1978) Nussbaum (1978) Everson (1995) CodeampMoravicsik
(1992) Para uma noccedilatildeo geral das diversas correntes de interpretaccedilatildeo da psicologia aristoteacutelica no seio das
discussotildees de filosofia da mente ver Diamond (2015) Caston (2006) e Irwin (1991)
35
trabalharaacute no capiacutetulo seguinte a saber a disposiccedilatildeo seriada hierarquicamente das diversas
formas de vida
23 A DEFINICcedilAtildeO SERIADA
A tese geral de que a alma eacute forma do corpo sofre uma nova reavaliaccedilatildeo em DA II 3
Como se veraacute adiante Aristoacuteteles surpreendentemente declara que toda busca por um
enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) de alma eacute ridiacuteculo (geloicircon) jaacute que esta noccedilatildeo natildeo
permite a compreensatildeo de que as diversas espeacutecies de vida (vegetativa animal e humana) satildeo
dispostas em uma seacuterie ordenada e hierarquizada de acordo com sua capacidade especiacutefica
Como a leitura das formas de vida dispostas em uma seacuterie ordenada eacute um problema que
precisa ser respondido por quem quer que se debruce sobre a noccedilatildeo aristoteacutelica de alma esta
seccedilatildeo argumentaraacute como a noccedilatildeo de almas seriadas natildeo invalida a noccedilatildeo formal de alma
enunciada em DA II 1
DA II 3 poderia ser tematicamente dividido em duas partes Numa primeira de
414ordf29-414b20 Aristoacuteteles dispotildee a hierarquia das capacidades que denotam vida Se em DA
II 2 ele enunciou as capacidades aqui se argumenta como uma estaacute em relaccedilatildeo de
anterioridade agrave outra e portanto disposta hierarquicamente de modo coextensivo agraves formas
de vida Assim se o movimento segundo nutriccedilatildeo crescimento e decaimento seraacute proacuteprio a
uma forma de vida a vegetativa a adiccedilatildeo da capacidade perceptiva seraacute proacutepria agrave vida
vegetativa e animal Agrave medida que se adicione outras capacidades como o intelecto abrange-
se a vida humana44
Esta hierarquizaccedilatildeo suplementar das capacidades a seu enunciado permite
que Aristoacuteteles encampe a tese de que os tipos de vida satildeo dispostos em seacuteries ordenadas
avanccedilando para a segunda parte do capiacutetulo
δῆλον οὖν ὅτι τὸν αὐτὸν τρόπον εἷς ἂν εἴη λόγος ψυχῆς τε καὶ σχήματος οὔτε γὰρ
ἐκεῖ σχῆμα παρὰ τὸ τρίγωνον ἔστι καὶ τὰ ἐφεξῆς οὔτ ἐνταῦθα ψυχὴ παρὰ τὰς
εἰρημένας γένοιτο δ ἂν καὶ ἐπὶ τῶν σχημάτων λόγος κοινός ὃς ἐφαρμόσει μὲν
πᾶσιν ἴδιος δ οὐδενὸς ἔσται σχήματος ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ ταῖς εἰρημέναις ψυχαῖς διὸ
γελοῖον ζητεῖν τὸν κοινὸν λόγον καὶ ἐπὶ τούτων καὶ ἐφ ἑτέρων ὃς οὐδενὸς ἔσται τῶν
ὄντων ἴδιος λόγος οὐδὲ κατὰ τὸ οἰκεῖον καὶ ἄτομον εἶδος ἀφέντας τὸν τοιοῦτον
(παραπλησίως δ ἔχει τῷ περὶ τῶν σχημάτων καὶ τὰ κατὰ ψυχήν ἀεὶ γὰρ ἐν τῷ ἐφεξῆς
44 Τῶν δὲ δυνάμεων τῆς ψυχῆς αἱ λεχθεῖσαι τοῖς μὲν ὑπάρχουσι πᾶσαι καθάπερ εἴπομεν τοῖς δὲ τινὲς αὐτῶν
ἐνίοις δὲ μία μόνη διασαφητέον δὲ περὶ αὐτῶν ὕστερον νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον () εἰρήσθω ὅτι τῶν ζώντων τοῖς
ἔχουσιν ἁφὴν καὶ ὄρεξις ὑπάρχει περὶ δὲ φαντασίας ἄδηλον ὕστερον δ ἐπισκεπτέον ἐνίοις δὲ πρὸς τούτοις
ὑπάρχει καὶ τὸ κατὰ τόπον κινητικόν ἑτέροις δὲ καὶ τὸ διανοητικόν τε καὶ νοῦς οἷον ἀνθρώποις καὶ εἴ τι
τοιοῦτον ἕτερον ἔστιν ἢ τιμιώτερον ldquoDentre as potecircncias da alma como dissemos todas as mencionadas
subsitem em alguns seres em outros soacute algumas delas e em alguns apenas uma E mencionamos como
potecircncias a nutritiva a perceptiva a desiderativa a locomotiva e a raciocinativa Ora nas plantas subsiste
somente a nutritiva mas em outros seres tanto esta como a perceptiva () Por ora eacute suficiente dizer isto que
entre os seres vivos que possuem tato tambeacutem subsiste desejo No que se refere agrave imaginaccedilatildeo natildeo estaacute claro e
devemos examinaacute-la posteriormente Em alguns seres vivos aleacutem disso subsiste tambeacutem a capacidade de se
locomover e em outros ainda a de raciocinar e o intelecto ndash por exemplo nos homens e em algum outro se
houver de tal qualidade ou mais valiosordquo DA II 3 414a29-414b20 (Trad Gomes dos Reis)
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ὑπάρχει δυνάμει τὸ πρότερον ἐπί τε τῶν σχημάτων καὶ ἐπὶ τῶν ἐμψύχων οἷον ἐν
τετραγώνῳ μὲν τρίγωνον ἐν αἰσθητικῷ δὲ τὸ θρεπτικόν) ὥστε καθ ἕκαστον
ζητητέον τίς ἑκάστου ψυχή οἷον τίς φυτοῦ καὶ τίς ἀνθρώπου ἢ θηρίου διὰ τίνα δ
αἰτίαν τῷ ἐφεξῆς οὕτως ἔχουσι σκεπτέον ἄνευ μὲν γὰρ τοῦ θρεπτικοῦ τὸ αἰσθητικὸν
οὐκ ἔστιν τοῦ δ αἰσθητικοῦ χωρίζεται τὸ θρεπτικὸν ἐν τοῖς φυτοῖς
Eacute claro que poderia da mesma maneira haver entatildeo um enunciado uacutenico tanto de
figura como de alma Pois nem no primeiro caso existe figura aleacutem do triacircngulo e
daquelas que o sucedem nem neste caso existe alma aleacutem das mencionadas A
respeito das figuras tambeacutem eacute possiacutevel formular um enunciado comum que se aplique
a todas sem ser proacuteprio a nenhuma e o mesmo ocorre com as almas mencionadas Por
isso tanto neste como em outros casos eacute ridiacuteculo procurar um enunciado comum ndash
pois a nenhum dos seres seraacute um enunciado proacuteprio nem estaraacute de acordo com a
forma apropriada e indivisiacutevel ndash deixando-se de lado o enunciado deste tipo (E as
coisas concernentes agrave alma estatildeo em situaccedilatildeo parecida agravequela das figuras pois tanto
no caso das figuras como no caso dos seres animados o anterior sempre subsiste
naquilo que o sucede por exemplo o triacircngulo no quadrado o poder de nutrir-se no
de perceber) Assim deve ser investigado de acordo com cada caso o que eacute a alma
de cada um ndash por exemplo o que eacute a alma da planta do homem ou da besta E deve
ser examinado a causa de ser disposto assim em sucessatildeo Pois sem a nutritiva natildeo
existe a capacidade perceptiva embora nas plantas a nutritiva exista separada da
perceptiva DA II 3 414b20-415a6 (Trad Gomes dos Reis)
A analogia entre figura do triacircngulo e a alma vegetativa permite esclarecer qual a
relaccedilatildeo de sucessatildeo entre uma capacidade e outra O triacircngulo eacute a figura geomeacutetrica plana
mais baacutesica de todas A composiccedilatildeo de dois triacircngulos forma um quadrilaacutetero A composiccedilatildeo
de trecircs triacircngulos forma um pentaacutegono e assim sucessivamente Ou seja da mesma maneira
que o triacircngulo subsiste em potecircncia no quadrilaacutetero e este no pentaacutegono a nutriccedilatildeo subsiste
em potecircncia na percepccedilatildeo e esta no intelecto Portanto se a capacidade nutritiva eacute proacutepria agrave
vida vegetativa a perceptiva agrave animal e a intelectiva agrave humana entatildeo igualmente a vida
vegetativa subsiste na animal e a animal na humana Sendo assim da mesma maneira que se
faz necessaacuteria uma definiccedilatildeo proacutepria ao triacircngulo ao quadrilaacutetero e ao pentaacutegono deve-se
buscar um enunciado proacuteprio a cada uma dessas formas de vida para que se sustente como a
alma eacute princiacutepio de cada tipo de vida e natildeo somente da vida em geral Pois um enunciado que
decirc a noccedilatildeo da alma que cubra todas as formas de vida mas que natildeo toque particularmente em
uma natildeo cumpre seu fim argumentativo que eacute explicar a razatildeo da alma ser causa de vida no
ser vivente como se segue
ὅτι μὲν οὖν ὁ περὶ τούτων ἑκάστου λόγος οὗτος οἰκειότατος καὶ περὶ ψυχῆς δῆλον
Eacute claro entatildeo que o enunciado de cada uma destas capacidades eacute tambeacutem o mais
apropriado a respeito da alma DA II 3 415a13-14 (Trad Gomes dos Reis)
Levando-se em conta que Aristoacuteteles se dedicaraacute em todo o restante do De Anima
investigando cada uma das capacidades e seus desdobramentos para uma noccedilatildeo de alma
37
podemos ser levados a crer que Aristoacuteteles elege este como o melhor criteacuterio para uma
definiccedilatildeo de alma
Haacute portanto um grande problema a ser encarado aqui que consiste na resposta a uma
das questotildees elencadas em DA I 145
a saber se eacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma enquanto
tal ou uma para cada tipo de ser vivente Pelo caminho que segue a discussatildeo tende-se a uma
resposta de que seraacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma para cada forma de vida Entretanto
Aristoacuteteles jaacute problematizara se mesmo que haja uma noccedilatildeo uacutenica para catildees cavalos e
homens a de animal esta noccedilatildeo uacutenica eacute universal posterior anterior ou nada em relaccedilatildeo aos
itens
Seguindo o texto de DA II 3 a nutriccedilatildeo eacute a capacidade sobre a qual se erguem todas as
outras ateacute a capacidade de pensamento Dado que um corpo eacute dotado de nutriccedilatildeo e portanto
vivente por causa da alma e a seu turno dado que a alma eacute forma e atualidade primeira do
corpo e portanto princiacutepio organizador das capacidades que denotam o viver novamente a
definiccedilatildeo pela forma sustenta ontologicamente a definiccedilatildeo pelas capacidades e por
concomitacircncia a definiccedilatildeo seriada
Assim a criacutetica que Aristoacuteteles faz agrave noccedilatildeo mais geral de alma enunciada em DA II 1
natildeo eacute razatildeo suficiente para seu descarte no seu projeto psicoloacutegico Com efeito se a noccedilatildeo de
alma como forma eacute insuficiente para explicar por que a alma eacute princiacutepio de vida em cada tipo
de ser vivente como sustentado ao iniacutecio de DA II 2-3 ela eacute justamente a noccedilatildeo ontoloacutegica
para que responde pela sua atualidade e determinaccedilatildeo das propriedades relevantes do ser deste
corpo dotado de oacutergatildeos Assim se as noccedilotildees de alma como forma e princiacutepio das capacidades
satildeo intercambiantes como argumentei anteriormente e se a definiccedilatildeo estaacute diretamente
atrelada agrave hierarquia dessas capacidades entatildeo a proacutepria noccedilatildeo de alma seriada depende
logicamente da noccedilatildeo de alma como forma Sendo assim o enunciado geral eacute redimensionado
em DA II 3 pela disposiccedilatildeo seriada da alma a um princiacutepio loacutegico-ontoloacutegico mediante o qual
esta ciecircncia comum a muitas coisas pode se realizar
45 εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον
ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν
ἄλλο κατηγοροῖτο Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma uacutenica
definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a de cavalo catildeo homem
divindade sendo neste caso o animal considerado universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo
ocorrendo para qualquer outro atributo comum que for predicadordquo DA I 1 402b4-9 (Trad Gomes dos Reis)
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3 CONCLUSAtildeO
Como se apresentou nesta monografia Aristoacuteteles enuncia sua noccedilatildeo de alma em
momentos distintos Um primeiro a partir da discussatildeo com as teses predecessoras Nela o
que se conquista eacute que a alma eacute imoacutevel e origem de movimento nos seres viventes Depois
atraveacutes de um enunciado geral para os diversos tipos de vida que a define como forma do
corpo Um terceiro que enuncia a alma como causa de vida e a define como princiacutepio das
capacidades que denotam o viver E por fim um quarto enunciado que a apresenta como
disposta em seacuterie ordenada segundo suas capacidades Na medida que o enunciado geral se
mostra insuficiente para o projeto psicoloacutegico traccedilado e as outras definiccedilotildees parecem melhor
corresponder a este objetivo a unidade enunciativa entre as diversas definiccedilotildees aparenta ser
vulneraacutevel Natildeo por menos como foi abordado ao longo deste texto tende-se a salientar uma
das definiccedilotildees e desconsiderar a outra Esta natildeo parece ser a interpretaccedilatildeo que melhor
compreenda a psicologia aristoteacutelica Como argumentado observar a definiccedilatildeo pelas
capacidades sem a definiccedilatildeo pela forma esvazia ontologicamente a noccedilatildeo de que a alma eacute
princiacutepio de vida A alma como forma do corpo eacute o enunciado mediante o qual a garante
como atualidade primeira e portanto princiacutepio das caracteriacutesticas e funccedilotildees proacuteprias ao ser
vivente Por outro lado como o proacuteprio Aristoacuteteles enuncia a definiccedilatildeo pela forma daacute uma
noccedilatildeo que abarca todas as formas de vida mas natildeo enuncia a alma como causa do viver nem
que as diversas almas satildeo dispostas em seacuterie ordenada Satildeo nestes dois pontos que a definiccedilatildeo
pela capacidade se torna igualmente relevante para o projeto psicoloacutegico aristoteacutelico Sem ela
seriam inviaacuteveis todos os outros capiacutetulos nos quais Aristoacuteteles enuncia discorre e formula a
atividade das capacidades proacuteprias ao ser vivo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo imaginaccedilatildeo intelecto e
movimento segundo deslocamento Por estas razotildees uma interpretaccedilatildeo que conjugue as duas
definiccedilotildees no interior do projeto psicoloacutegico aristoteacutelico parece ser a que contemple melhor o
horizonte teoacuterico que a investigaccedilatildeo erige
Haacute um alguns aspectos que esta monografia deixa pelo caminho Na seccedilatildeo 1 Taacutebua de
Definiccedilatildeo foram elencados os diversos elementos de definiccedilatildeo da alma e como se faria a
inquiriccedilatildeo O primeiro grupo foi respondido ao longo da seccedilatildeo 2 A Noccedilatildeo de Alma mas o
segundo natildeo O segundo grupo de elementos da taacutebua seraacute dissertado por Aristoacuteteles nos
capiacutetulos posteriores ao DA II 3 quando ele se debruccedila sobre cada uma das capacidades
Como esta monografia pretende abordar apenas as definiccedilotildees sem dar interpretaccedilatildeo total do
tratado entatildeo soacute pode responder parte da taacutebua das definiccedilotildees Aleacutem disso a interpretaccedilatildeo das
definiccedilotildees de um modo consistente precisaria ser verificada na sua aplicaccedilatildeo sobre o restante
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do tratado Em outras palavras eacute preciso verificar se esta interpretaccedilatildeo dificulta ou facilita a
interpretaccedilatildeo das outras teses da psicologia aristoteacutelica por exemplo a tese da percepccedilatildeo que eacute
definida como a recepccedilatildeo das formas sem mateacuteria Nas interpretaccedilotildees de Polanski e Diamond
comentadores paradigmaacuteticos para a abordagem adotada a coordenaccedilatildeo dos enunciados
definitoacuterios daacute conta das diversas formulaccedilotildees de capacidades e suas funcionalidades ao longo
do tratado Fico devendo portanto explicitar como a posiccedilatildeo que assumo se aplica nas
diversas capacidades enunciadas pelo Aristoacuteteles
Com isso conclui-se este trabalho com a compreensatildeo que ele eacute limitado Haacute nele
problemas proacuteprios agrave interpretaccedilatildeo de um texto conciso e arrojado como eacute o De Anima
Ainda assim espera-se que os erros ou imprecisotildees eventuais natildeo comprometam seu escopo
exegeacutetico Espera-se tambeacutem que esta monografia possa se converter em trabalhos futuros que
fomente a discussatildeo relativa ao De Anima no contexto filosoacutefico brasileiro Da mesma forma
que ela foi provocada pela traduccedilatildeo e comentaacuterios da Professora Doutora Maria Ceciacutelia
Gomes dos Reis Se este trabalho for bem sucedido nessas pretensotildees jaacute teraacute cumprido sua
funccedilatildeo
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