A NATUREZA SOB A PERSPECTIVA IMAGÉTICA DA INFÂNCIA
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A NATUREZA SOB A PERSPECTIVA IMAGÉTICA DA INFÂNCIA
Elisângela Madruga1
Camila da Silva Magalhães 2
PARA COMEÇO DE CONVERSA...
“Os homens inventaram o ideal, para negar o real”.
Friedrich Nietzsche. A Gaia Ciência.
As transformações socioambientais têm se tornado tema de discussões, cada vez mais
recorrentes na atualidade. Vivemos um tempo onde a sociedade se preocupa com a formação
do novo cidadão, um sujeito ecologicamente correto (CARVALHO, 2008), ambientalista, ou
seja, o homem-natureza, que pode preservar e salvar o mundo da ação danosa do próprio
homem. Mas que mundo, que natureza e que homem é esse? O filósofo contemporâneo
Oswaldo Giacoia Jr. ao discutir o pensamento, a partir da filosofia de Nietzsche, afirma que,
“O mundo, nada mais é do que uma representação da minha mente, e é essa representação que
eu posso manipular, objetivar, controlar, dominar, prever, calcular etc” (GIACOIA JUNIOR,
2009, s/p).
Nesse sentido, na correnteza de Nietzsche e Foucault, percebesse que verdades são
produzidas, inventadas e idealizadas por um sujeito que fabrica e é fabricado por esse tempo
histórico. Essas não só refletem os desejos e as ansiedades de uma sociedade, mas também,
revelam como certos saberes ganham o estatuto de verdades universais, e passam a fazer do
mundo “objeto da [...]representação” (GIACOIA JUNIOR, 2009, s/p) mental. Foucault
comentando Nietzsche aponta que, “[...] Nietzsche se refere a essa espécie de grande fábrica,
de grande usina, em que se produz o ideal. O ideal não tem origem. Ele também foi inventado,
fabricado, produzido por uma série de mecanismos, de pequenos mecanismos” (2002, p.15).
Depreende-se que esse mesmo homem que inventa, imagina e idealiza um mundo
“natural”, também projeta a si próprio, tanto aquele que é bom, homem- natureza, como
aquele que é mal, homem-destruidor. Tais projeções acabam por ter uma grande finalidade na
1 Aluna do curso de Pedagogia e bolsista de iniciação científica do Grupo de Estudo sobre Educação, Cultura,
Ambiente e Filosofia – GEECAF da Universidade Federal do Rio Grande – FURG. 2 Pedagoga formada pela Universidade Federal do Rio Grande – FURG. Atualmente aluna de Mestrado do
programa de Pós-graduação em Educação Ambiental-PPGEA e Tutora no curso de Pedagogia da mesma
universidade na modalidade EAD.
contemporaneidade, um deve acentuar o outro, ou seja, o homem-destruidor da natureza
acentua a necessidade da existência de um homem-natureza ou ecologicamente correto.
Segundo Nietzsche,
“[...] imaginemos ‘o inimigo’ tal como o concebe o homem do ressentimento - e
precisamente nisso está seu feito, sua criação: ele concebeu ‘o inimigo mau’, ‘o
mau’, e isto como conceito básico, a partir do qual também elabora, como imagem
equivalente, um ‘bom’ - ele mesmo! ...” (2009, p.28) [grifos do autor].
Percebe-se assim, na atualidade, a emergência de um discurso sobre uma natureza e
um mundo ameaçado, que precisa ser transformado urgentemente através das ações de
sujeitos conscientes de suas obrigações com o meio ambiente (GARRÉ, 2015). Um ideal cujo
repertório imagético é alimentado por meio de mecanismos econômicos e midiáticos. Esses
criam a imagem do bom, belo, correto, permitido, novo, ecológico, assim como seus
contrários, pois visam promover um modelo de sujeito que assumirá comportamentos que
constituirá uma sociedade consumista, porém não será mais qualquer consumo, agora será um
consumo ecologicamente correto ou verde. Nietzsche questionando os modelos de homens
ideais produzidos e afirma que, “quanto maior não é o valor do ser humano real, comparado a
um apenas desejado, sonhado, mentirosamente inventado? Um ser humano ideal? ... E apenas
o ser humano ideal ofende o gosto do filósofo” (NIETZSCHE, 2006, p.81) [grifo do autor].
Com essa compreensão, questiona-se quem é o sujeito a ser interpelado por
pensamentos como:
A utopia ecológica, como direção para a transformação social necessária para
garantir um futuro para todos, emerge da necessidade apontada pela crise ambiental,
crise planetária que vive a humanidade, resultado do modelo de civilização
construído sobre o projeto econômico que se estabeleceu principalmente a partir da
Revolução Industrial (TOZONI-REIS, 2008, p.54).
Depreende-se, que tais sujeitos sejam, principalmente, aqueles que serão os cidadãos
do futuro, a saber: a criança e o adolescente. Esses passam a ser capturados por enunciados
que propagam o discurso de crise ambiental. Segundo Revel, Foucault define discurso como
“[...] um conjunto de enunciados que podem pertencer a campos diferentes, mas que
obedecem, apesar de tudo, a regras de funcionamento comuns” (2005, p. 37). Por isso,
entende-se que, a força desse discurso advém principalmente dos diversos mecanismos
midiáticos. Assim, esses modelam pouco-a-pouco o homem ideal para a contemporaneidade,
o homem da crise ambiental e do “tempo líquido” (BAUMAN, 2001). Tempo que ratifica
cada vez mais a instabilidade de códigos e regras como pontos de orientação. Um tempo de
crise que é instaurado pela insatisfação do próprio ser humano e o anseio desesperado por um
futuro melhor. Esse panorama faz-se propício para a criação de um ideal de sujeito e de
mundo. Lefebvre discorrendo sobre Nietzsche, afirma que,
Según Nietzsche el momento en que surge la metafísica en Grecia es un momento de
decadência de la vitalidade. El pueblo griego se ha debilitado interiormente y no se
siente seguro en el mundo real. Entonces, se crea un mundo imaginario,
produciéndose así una escisión del mundo en un mundo real y un mundo ideal. El
mundo real es un mundo en el tiempo: el mundo del nacer y del parecer, de las
contradicciones, del dolor y de la muerte; el mundo de la ideas, en cambio, es un
mundo es un mundo fuera del tiempo, eterno, perfecto donde no existe el dolor ni la
muerte, al que se huye por no poder resistir más el mundo real. (1972, pg.36).
Percebe-se que, tal panorama tem promovido a constituição de ideários para o sujeito,
e se tratando da atualidade, vê-se que artefatos como: programas de TV, jogos, literatura
infantil etc., cumprem o papel de reproduzirem de forma potente os enunciados de uma crise
ambiental, assim como a necessidade de um sujeito ecologicamente e politicamente correto. O
filósofo Luiz Filipe Pondé ao criticar a fabricação do politicamente correto menciona que,
É a tentativa de reformar o pensamento tornando algumas coisas indizíveis; também
é a obscena, para não dizer intimidadora, demonstração de virtude (concebida como
a adesão pública às visões ‘corretas’, isto é, ‘progressistas’) por meio de um
vocabulário purificado e de sentimentos humanos abstratos (2012, p.3)
Trata-se, nessa perspectiva de uma performance para o novo cidadão, ou seja, um ideal
de sujeito que é projetado dentro da racionalidade neoliberal. Produzindo assim, modos de ver
o meio ambiente e de se tornar sujeito ecológico, correspondendo por sua vez, as necessidades
desse tempo histórico. Um modelo de sujeito que é idealizado, produzido e constituído por
um discurso de crise. Nesse sentido, nota-se na atualidade o surgimento de crianças
capturadas por esse discurso, que assumem e são chamadas a assumir o papel de cidadãos
conscientes. Essas, devem consumir de forma sustentável, o que contrasta por vezes com a
postura do adulto, que é consumidor, porém nem sempre sustentável. Passetti afirma que,
A educação de crianças está atravessada pelas novas formas de controlar o uso da
água para banho e escovação dentária, combinada com os impactos subjetivos
produzidos por desmatamentos e intempéries da natureza. Educação para melhorar
hoje para dar maior segurança no futuro: aprender a gerir a escassez é também
melhorar as condições de vida nas periferias, incentivo a participar, exercitar-se em
discussões democráticas com tomadas de decisões nas escolas por meio de
encenações de situações, jogos ou enfrentamento de uma controvérsia circunstancial,
combiná-las com internet, fazer da vida um jogo a partir de simulações e constituir a
conduta da criança resiliente.
A educação de crianças, e de jovens, em especial, em função da sustentabilidade
faz-se, agora, sim, com o grande poder da racionalidade neoliberal, [...] (2013, p.34)
[grifos do autor].
Entende-se nessa perspectiva, que existe não só uma performance desejada, mas
também um disciplinamento desse sujeito infantil. No entanto, não configurada pela força ou
pelos castigos corporais, e sim por aquilo que é bom, saudável, puro, responsável,
participativo, agradável, ambiental, ou seja, aquilo que conduz para a uma “qualidade vida”
da coletividade e de si. Por isso, o autor ainda aponta que,
O corpo útil e dócil das disciplinas não desaparece, apenas começa a ceder lugar a
um corpo que deve produzir inteligência: na empresa, nas fundações, institutos,
ONGs. Inteligência voltada ao desenvolvimento sustentável, proporcionando uma
disputa entre as forças empresariais, seus colaboradores e forças de confrontação,
reduzindo a política a soluções negociadas de conflitos. A produção de inteligência
funciona por meio de programações organizadas por interfaces e deve às práticas
diplomáticas em protocolos a projeção da efetivação de melhorias para um futuro
melhor para as gerações, como recomenda a Carta da Terra (ONU, 2000). Todos
devem saber controlar a si e aos outros, contando com suas referidas organizações,
aderindo aos monitoramentos normalizadores (IDEM, 2013, p.15) [grifos do autor].
Sob essa racionalidade os artefatos culturais tornam-se ferramentas bem articuladas
com os propósitos neoliberais. Esses, passam por sua vez, a produzirem significados, criam
modelos, legitimam verdades, representações e performances para a criança e o meio
ambiente. De acordo Costa, Silveira e Sommer,
[...] somos também educados por imagens, filmes, textos escritos, pela propaganda,
pelas charges, pelos jornais e pela televisão, seja onde for que estes artefatos se
exponham. Particulares visões de mundo, de gênero, de sexualidade, de cidadania
entram em nossas vidas diariamente. É a isto que nos referimos quando usamos as
expressões currículo cultural e pedagogia da mídia. Currículo cultural diz respeito às
representações de mundo, de sociedade, do eu, que a mídia e outras maquinarias
produzem e colocam em circulação, o conjunto de saberes, valores, formas de ver e
de conhecer que está sendo ensinado por elas. Pedagogia da mídia refere-se à
prática cultural que vem sendo problematizada para ressaltar essa dimensão
formativa dos artefatos de comunicação e informação na vida contemporânea, com
efeitos na política cultural que ultrapassam e/ou produzem as barreiras de classe,
gênero sexual, modo de vida, etnia e tantas outras (2003, p.57) [grifo do autor].
Dentro dessa perspectiva, é que se faz relevante esse trabalho investigativo, visto que,
tais indicações emergem de um tema tão recorrente que é a crise ambiental. Nesse sentido,
convém ressaltar que se centraliza a presente investigação na infância, especialmente com
crianças de 7 aos 10 anos, por entender que na atualidade tem surgido mecanismos de
sensibilização ecológica destinada a esses, já que esses fazem parte da “categoria de futuros
cidadãos”. Para dar conta deste texto, apresentamos rastros de acontecimentos que tornaram
possível falar no sujeito ecologicamente correto. A seguir pontuamos algumas análises a partir
de dados preliminares.
ALGUNS TRAÇADOS DA PRODUÇÃO DO SUJEITO ECOLOGICAMENTE CORRETO
NA CONTEMPORANEIDADE
As décadas de 70, 80 e 90 configuraram-se como períodos marcantes no Brasil, e é
justamente nesse momento histórico que surge um olhar preocupado com a criança, o
adolescente, a natureza e, por sua vez, com o futuro do planeta. No entanto, convém ressaltar
que tal olhar foi impulsionado principalmente por movimentos ambientalistas fortemente
ativos fora país.
A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, UNESCO,
em 1974 foi responsável por patrocina o seminário que deu origem a então carta de Belgrado
sobre a Educação Ambiental (REIGOTA,2012, p.513), a qual tornou-se um marco nas lutas
ambientais. Segundo site da UNESCO no Brasil,
A Representação da UNESCO no Brasil foi estabelecida em 1964 e seu Escritório,
em Brasília, iniciou as atividades em 1972, tendo como prioridades a defesa de uma
educação de qualidade para todos e a promoção do desenvolvimento humano e
social. Desenvolve projetos de cooperação técnica em parceria com o governo –
União, estados e municípios –, a sociedade civil e a iniciativa privada, além de
auxiliar na formulação de políticas públicas que estejam em sintonia com as metas
acordadas entre os Estados Membros da Organização (UNESCO, 2014).
Organizações como o Banco Mundial e UNESCO apresentam como lógica o
desempenho como performance, principalmente a educacional, por julgar um indicador
importante de desenvolvimento nos países (HAGTTE, 2013). Os investimentos para um
futuro sustentável, por sua vez, recaem sobre o sujeito e a natureza, como aponta Passetti no
seguinte trecho:
A sustentabilidade firma-se como o meio para o capitalismo realizar de maneira
adequada, adaptável e consensual sua utopia de um futuro melhor desde o presente.
As intervenções na natureza por meio de regulamentações internacionais
repercutem em regulações nacionais, as empresas aderem à responsabilidade social,
cresce o investimento em redutores de vulnerabilidades, aplica-se com rigor o IDH
(Índice de Desenvolvimento Humano), convoca-se à participação para medidas
pacificadoras e missões de paz, amplia-se o leque de seguranças, incluindo
alimentação, clima, securitizações e leva-se adiante as Metas do Milênio, para a qual
a Rio +20 apresentou-se como fórum de tendências e espaço para implementações
da economia verde e de institucionalização da cultura de paz;[...] (2013, p.23)
[grifos do autor].
Nesse sentido, nota-se a grande mobilização dessas organizações em financiar projetos
que potencializem o sujeito a se tornar produtivo e proativo na coletividade, visando, por sua
vez, o aumento dos índices de eficiência desses, como indica a página de informações
adicionais do site da UNESCO,
Por meio de um processo inovador, o setor de Ciências Humanas e Sociais da
Representação da UNESCO no Brasil seleciona projetos submetidos por
organizações não governamentais para receber benefícios financeiros, bem como
assessoria programática da UNESCO, dando início a um processo de transferência
de conhecimento. Muitas dessas iniciativas são respostas locais para minimizar
problemas e induzir o aperfeiçoamento de políticas públicas, além do reforçar
lideranças locais.
As propostas dos projetos a serem selecionados são analisadas com base em normas
nacionais e internacionais em que a criança e o adolescente são vistos como o bem
maior de uma sociedade. Apesar dos projetos serem apoiados pelo Programa
Criança Esperança por um período de dois anos, prioridade é dada àqueles que
evidenciam sustentabilidade e que oferecem treinamento técnico e profissionalizante
para os jovens (UNESCO, 2014).
Pode-se ainda perceber no documento intitulado Manifesto 2000 UNESCO (Cultura
da paz), alguns dos ideais e objetivos dessa organização. Assim, essa menciona que,
O ano 2000 precisa ser um novo começo para todos nós. Juntos, podemos trans-
formar a cultura da guerra e da violência em uma cultura de paz e não-violência.
Para tanto, é preciso a participação de todos. Assim, transmitiremos aos jovens e às
gerações futuras valores que os inspirarão a construir um mundo de dignidade e
harmonia, um mundo de justiça, solidariedade, liberdade e prosperidade. A cultura
de paz torna possível o desenvolvimento sustentável, a proteção do meio ambiente e
o crescimento pessoal de cada ser humano (UNESCO, 2000).
Na esteira desse pensamento, percebesse diversos movimentos buscando promover a
conscientização da sociedade e do poder público para a “salvação” da criança, do adolescente
e do planeta. Para tanto, surgem subsequentes ações como: Criança esperança, criado pela
rede Globo- 1989; O estatuto da criança e do adolescente - ECA - 16/07/1990; Educação
ambiental – 1990; Cria o conselho nacional dos direitos da criança e do adolescente-
CONANDA, lei 8.242, de 12/10/1991; Conferência das Nações Unidas para o Meio
Ambiente e Desenvolvimento – Rio / 92; Fundo nacional da criança e do adolescente - DEC,
1.196, de 14/07/1994; Criança Esperança ao completar 10 anos, tem o apoio do UNICEF e a
UNESCO -1995; Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs – 1996; I Conferência Nacional
de Educação Ambiental, em Brasília – 1997. Declaração de Brasília para a Educação
Ambiental; Programa Nacional de Educação Ambiental - 1999 e a Política Nacional de
Educação Ambiental.
A idealização do meio ambiente e do sujeito ecologicamente correto, ganha apoio e
legitimação através de ações políticas, midiáticas, educacionais etc. Todos, de forma
participativa, passam a projetar o futuro. Para isso, os discursos produzidos nos artefatos
culturais, programas de TV, literatura infantil, jogos etc., darão os elementos que irão compor
o repertório imagético da sociedade, mas que se perpetuará como comportamento na infância.
De acordo com Serrão-Neumann, que mostra compartilhar com essa visão,
Numa perspectiva futura, o destino dessas paisagens, ou seja, a materialização, ou a
não-materialização, desse ideal de preservação está intimamente relacionada com a
história do lugar, e de como seus habitantes se identificam com o lugar. [...] Além
disso, nossa vivência, memória e fantasia que se manifestam nas circunstâncias
atuais e que configuraram a paisagem anteriormente, podem ser transformadas
conforme as novas contingências que são trazidas pelos propósitos futuros. Assim,
ao se analisar a paisagem como produto histórico, social, não podemos
desconsiderar a influência que as implicações cotidianas, políticas e cientificas
exercem sobre os atores sociais, e o papel que desempenham nesse processo de
produção de paisagens (BECK, 1992). (2007, p. 37).
Ao trazer esses excertos a discussão, intenciona-se ressaltar “os interesses
desinteressados da sociedade civil [que] passam a compor com os interesses da economia
política, por meio das conexões inacabadas entre indivíduos e as variadas comunidades em
torno do futuro melhor para as gerações” (PASSETTI, 2013, p.20) [grifos do autor]. Nessa
perspectiva, observa-se o quanto organizações, governos e sociedade estão empenhados na
produção do sujeito ecologicamente e politicamente correto.
OS TRAÇADOS E ALGUMAS ANÁLISES DA PESQUISA EM EVIDÊNCIA
Iniciar uma pesquisa é com certeza um desafio para qualquer pesquisador, pois, como
ressalta Marques (2006, p.105), é “nessa caminhada do simples ao complexo por retificações
e aproximações sucessivas, [é que] alternam-se e se complementam o empírico e o teórico da
pesquisa [...]”. Por isso, exige do pesquisador bem mais que sensibilidade, para compreender
como os sujeitos, desse tempo, fabricam e são fabricados por regimes de verdades. Nesse
sentido, requer um olhar imbuído de uma “hipercrítica” (VEIGA-NETO, 1995), que se
coloque a analisar, observar as rachaduras desse contemporâneo ou “[...] para nele perceber
não as luzes, mas o escuro” (AGAMBEN, 2009, p.62).
Tendo essa perspectiva, é que o presente trabalho tomará como ferramenta
metodológica, os estudos acerca da análise do discurso desenvolvida por Michel Foucault
(2002), visto que, se entende que educação ambiental é na atualidade um dispositivo que atua
nos artefatos culturais para estabelecer relações de verdades (GARRÉ, 2015). Nesse sentido,
Foucault define dispositivo como,
[...] um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições,
organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas,
enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas. Em suma, o
dito e o não dito são os elementos do dispositivo. O dispositivo é a rede que se pode
estabelecer entre estes elementos (1979, p.139).
Para tanto, buscar-se-á olhar para os sujeitos investigados, tentando identificar os
discursos que os tem capturado, os quais enunciam a necessidade de se preparar futuras
gerações, e consequentemente, modelam modos de ser sustentável, ambientalmente
consciente ou ecologicamente e politicamente correto, como vimos anteriormente, e por sua
vez, reconhecer os artefatos que estão produzindo esses sujeitos. Toma-se esse viés
investigativo por entender que, os artefatos culturais passam a ser mecanismos que se propõe
a disciplinar aqueles sujeitos que cuidarão do planeta. Nesse sentido, cabe apontar que para
Foucault disciplina são “[...] métodos que permitem o controle minucioso das operações do
corpo, que realizam a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma relação de
docilidade-utilidade [...]” (1987, p.164).
Tendo este ideário de investigação realizar-se-á uma observação participante, ou seja,
o pesquisador participa das atividades proposta. Isso acontecerá com realização de atividades
lúdicas, que se desenvolverá na proposta de estágio de uma das pesquisadoras, com uma
turma de 3º ano de uma escola municipal de Rio Grande/RS.
A análise será realizada através da seguinte coleta de dados: entrevista semiestruturada
com crianças, áudios, filmagens e fotografias sobre as atividades proposta pela pesquisadora.
Tais dados serão a primeira parte da pesquisa, pois para um segundo momento visa-se
investigar os artefatos que podem estar produzem elementos para a constituição do repertório
imagético de crianças de 7 aos 10 anos. Entende-se que esses artefatos podem estar ensinam e
fabricam o sujeito ecologicamente correto na atualidade. Convém ressaltar, que a pesquisa já
conta com dados preliminares, os quais serão vistos a seguir.
Intenciona-se ainda, colher mais uma amostra, através de um avatar (personagem
virtual), pois busca-se observar se as crianças farão identificações com jogos. Também visa-se
analisar as características que surgirão desse personagem, ou seja, se irão apresentar
concepções de meio ambiente ou de um sujeito ecológico. Esse terá papel importante, pois
possibilitará a continuação da pesquisa, porém em um outro objeto.
A proposta de iniciar essa pesquisa com dados preliminares, possibilitou ver a
potencialidade da investigação que se instaurava, pois trouxeram em sua coleta inicial
artefatos e perspectivas que mostram indícios da existência da subjetivação do sujeito
ecologicamente correto. Nesse sentido, as ações para essa coleta se deram da seguinte forma:
Realizou-se uma contação de história, porém não se utilizou o livro, mas apenas dos
personagens e o número de cada espécie escrito por extenso. O livro selecionado foi “E O
DENTE AINDA DOÍA” de Ana Terra, da Fundação Itaú Social de 2012, que tem como tema
de sua campanha LEIA PARA UMA CRIANÇA. #ISSOMUDAOMUNDO.
Essa começou com a problematização do personagem principal, o jacaré. Nesse
sentido, a pergunta desencadeadora foi: quem já viu um jacaré? Eis algumas respostas das
crianças:
“Eu vi um jacaré no zoológico [...]”; não teve medo? (Pesquisadora); “Não ele
estava numa grade” (Aluno a); “Eu vi quando estava entrando no banhado, ele quase
mordeu minha égua” (Aluno b); “Eu vi um jacaré grandão com filhotinho” (Aluno c); “Eu vi
um jacaré encima da minha cama [...]” (Aluno d); “Eu já pequei um jacaré na mão” (Aluno
e).
Logo após, os demais personagens, que são diversos amimais, foram aparecendo aos
poucos. Convém ressaltar, que não se usou o livro pois se intencionava perceber as
concepções que compunham o repertório imagético desses. E em seguida, da história os
personagens foram divididos nos grupos das crianças e esses deveriam responder três
questões: 1) Onde eu vi esse animal? 2) Como cuido desse animal? 3) E quem me ensinou a
cuidar desse animal?
Os resultados indicam a mídia televisiva e os jogos como principais “educadores”
ambientais. Programas e canais foram citados, entre esses o Fantástico (figura 3) e o Animal
Planet (figuras 1, 2 e 3). Entre os jogos apenas duas indicações, The Sims Pets 3, que na fala
do aluno y aponta como sendo o jogo que “ensina a cuidar dos amimais”, e o Angry Birds
(identificado pelo desenho do personagem na figura 1). Assim o material mostra artefatos que
parecem construir um pensamento de natureza “pura” que necessita ser cuidada “Com
carinho” (criança x).
Figura.1
Figura.2
Figura.3
Os fragmentos e a imagem acima, indica alguns artefatos. As questões de cuidado
aparecem em todos os desenhos, indicando um sentimento de proteção. Embora tenham
ficado em grupo as respostas foram individuais, ao total foram 22, dessas todas aparecem o
cuidado e em 10 aparecem a mídia e o jogo como lugar de divulgação e ensino do ambiente.
Convém ressaltar, que mesmo não usando diretamente o artefato, algumas crianças ligaram os
personagens ao livro, o que mostra que a literatura infantil também tem se tornado um
mecanismo de enunciações que fabricam a geração politicamente e ecologicamente correta.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente pesquisa não pode fechar ou concluir qualquer raciocínio, visto que, essa
ainda se encontra em fase inicial. Para tanto, o que se percebe é que os dados iniciais, aqui
indicados, apontam para indícios do surgimento de um suposto sujeito ecologicamente
correto, porém, tais dados não são suficientes para elaborar uma análise mais concreta do
tema em questão.
No entanto, as inquietações causadas por essa amostra, apenas impulsionam a
continuidade dessa pesquisa, a qual olha para a atualidade e tenta visualizar o sujeito dessa
investigação, como uma construção que se perpetua por diversas maquinarias (BUJES, 2001).
Por isso, expressa-se a curiosidade de saber, se haveria mais artefatos, como jogos,
produzindo esse sujeito? E o que exatamente esses jogos ensinam sobre meio ambiente e
natureza?
Deve-se ressaltar, que essa também não tem por intuito criar juízo de valor sobre tal
tema, mas questionar as verdades instituídas nesse tempo histórico. Por fim, depreende-se
que, nessa esteira outras inquietações podem despontar no caminhar da investigação, porém
se estarão aqui ou não, é irrelevante, pois o que importa é que, “PESQUISAR É PRECISO! ”
(MARQUES, 2006).
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