Usucapião extrajudicial, fundamentos constitucionais para a desjudicialização e o Direito Comparado.
a mediação como forma eficaz no processo de desjudicialização
Transcript of a mediação como forma eficaz no processo de desjudicialização
CLAÚDIA VALÉRIA TARANTO
A MEDIAÇÃO COMO FORMA EFICAZ NO PROCESSO DE DESJUDICIALIZAÇÃO
Trabalho de Conclusão de Curso - Monografia apresentada ao Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia. Orientador: Cel Av R/1 Josué Batista de Jesus Neto.
Rio de Janeiro 2013
C2013 ESG
Este trabalho, nos termos de legislação que resguarda os direitos autorais, é considerado propriedade da ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA (ESG). É permitido a transcrição parcial de textos do trabalho, ou mencioná-los, para comentários e citações, desde que sem propósitos comerciais e que seja feita a referência bibliográfica completa. Os conceitos expressos neste trabalho são de responsabilidade do autor e não expressam qualquer orientação institucional da ESG _________________________________
Assinatura do autor
Biblioteca General Cordeiro de Farias
Taranto, Cláudia Valéria.
A mediação como forma eficaz de desoneração das vias judiciais / Defensora Pública Cláudia Valéria Taranto. - Rio de Janeiro: ESG, 2013.
51 f.
Orientador: Cel Av R/1 Josué Batista de Jesus Neto. Trabalho de Conclusão de Curso – Monografia apresentada ao
Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia (CAEPE), 2013.
1. Mediação. 2. Desjudicialização. 3. Congestionamento do
sistema jurisdicional. 4. Reforma processual. 5. Congestionamento da justiça. I.Título.
RESUMO
O direito de ação, da forma contemplada pela Constituição, permite ao cidadão o
direito de requerer do Poder Judiciário uma solução para um litígio no qual esteja
envolvido. Porém, este acesso ilimitado traz um acréscimo no número de demandas
judiciais, o que gera um congestionamento do sistema jurisdicional e,
consequentemente, é corolário da morosidade da Justiça. Tal fato acarreta um
aumento significativo no número de processos, fator que propicia um desafio ao
Poder Judiciário na atualidade. Tem-se que este fato ocasiona o incentivo a
litigiosidade latente, uma vez que, frequentemente, causa sérios conflitos sociais.
Face o exposto, o presente trabalho discorre sobre as alternativas extrajudiciais de
solução dos litígios visando à desjudicialização, sobretudo, por meio da mediação,
meio eficaz para evitar o excesso de demandas propostas diariamente. Apresenta
algumas alternativas já adotadas pelo legislador, como a reforma processual e a
busca de outros mecanismos úteis para aprimorar o sistema judiciário. Enfoque-se,
como exemplo de desobstrução do Poder Judiciário, nas regras obrigatórias da
legislação argentina sobre o assunto, como também nas da legislação colombiana
sobre conciliação. Ressalta o projeto de lei 4728/98, o qual prevê a
institucionalização da mediação no Brasil, apontando algumas críticas a pontos
falhos no referido projeto que tramita no Congresso Nacional, almejando demonstrar
as medidas necessárias para que a mediação seja implementada de uma forma
eficaz e eficiente a contribuir com a pacificação social e com o efetivo acesso à
justiça, possibilitando o retorno à credibilidade do Poder Judiciário face o incremento
de sua maior celeridade.
Palavras chave: Mediação. Desjudicialização. Congestionamento do Sistema
Jurisdicional. Reforma Processual. Congestionamento da Justiça.
ABSTRACT
The right of action, the manner contemplated by the Constitution allows citizens the
right to require the Judiciary a solution to a dispute in which it is involved. However,
this unlimited access brings an increase in the number of lawsuits, which generates a
congestion of the judicial system and, consequently, is a corollary of the slowness of
Justice. This fact leads to a significant increase in the number of processes, a factor
that provides a challenge to the judiciary today. It is this fact causes the incentive to
litigation latent, since often causes serious social conflicts. Given the above, this
paper discusses the alternative extrajudicial settlement of disputes aimed at non-
desjudicializition mainly through mediation, effective way to avoid excessive
demands proposals daily. Presents some alternatives already adopted by the
legislature, as the procedural reform and the pursuit of other useful mechanisms to
improve the judicial system. Focus is, as an example of clearing the Judiciary, the
mandatory rules of the Argentine law on the subject, but also in the Colombian
legislation on conciliation. Underscores the bill 4728/98, which provides for the
institutionalization of mediation in Brazil, pointing out some critical weak points in the
draft that the National Congress, aiming to demonstrate the necessary measures so
that the mediation is implemented in an effective and efficiently contribute to social
peace and effective access to justice, enabling you to return to the credibility of the
judiciary against the increase of its greater speed.
Keywords: Mediation. Non-judicialization. Congestion of the judicial system.
Procedural reform. Congestion justice.
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Tabela de litigiosidade .....................................................................16
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................. 6
2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA..................... ........................................................ 13
2.1 EVOLUÇÃO CONCEITUAL DO PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA.... ... 15
3 O ASSOBERBAMENTO DO PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO ............. 16
3.1 O ABUSO DO DIREITO DE AÇÃO .............................................................. 17
4 A REFORMA DO PODER JUDICIÁRIO E SOLUÇÕES EXTRA.... .............
JUDICIAIS DE CONFLITOS COMO MEIOS EFICAZES..... .......................
À DESJUDICIALIZAÇÃO.................................... ........................................ 20
4.1 O ACESSO À JUSTIÇA E OS MEIOS LEGAIS... .........................................
DE DESCONGESTIONAMENTO DO PODER JUDICIÁRIO ........................ 22
4.2 O INSTITUTO DA DESJUDICIALIZAÇÃO NO DIREITO.... ..........................
PROCESSUAL CIVIL E O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO... ...................
CIVIL BRASILEIRO... ................................................................................... 25
4.3 AS AGÊNCIAS REGULADORAS COMO UM MEIO....................................
SUPRALEGAL A CONTRIBUIR PARA A DESJUDICIALIZAÇÃO................28
4.4 A ATUAÇÃO EXTRA-AUTOS DA DEFENSORIA PÚBLICA.........................
COMO MEIO A EVITAR A DEFLAGRAÇÃO DE DEMANDAS.....................
EXCESSIVAS... ............................................................................................ 30
5 A MEDIAÇÃO COMO INSTITUTO, SEUS PRINCÍPIOS E... .......................
BENEFÍCIOS NO PROCESSO DE DESJUDICIALIZAÇÃO.. ...................... 32
5.1 A MEDIAÇÃO NO DIREITO COMPARADO... .............................................. 34
5.2 A MEDIAÇÃO INSTITUCIONALIZADA NO PROJETO-LEI 4827/98... .........
SUAS FALHAS E OMISSÕES..................................................................... 38
5.3 OS RESULTADOS DA MEDIAÇÃO NA ARGENTINA..... ............................ 42
6 CONCLUSÃO............................................................................................... 45
REFERÊNCIAS ............................................................................................ 48
6
1 INTRODUÇÃO
Na evolução histórica do Direito Processual Brasileiro, surgiram diversas
teorias (que serão objeto de análise deste estudo) visando - cada uma a seu modo,
mas sempre tentando fundamentar-se em bases sólidas, prezando pelas diretrizes
constitucionais – a conceituar o que é o Direito de Ação. Tal fato fez com que
surgissem alguns aspectos para o vocábulo ação, que evoluiu de um conceito
restrito para um conceito coletivo, com a prevalência do aspecto constitucional,
garantindo a todos, acesso à justiça, pleiteando seus direitos ante o Poder
Judiciário.
Com a criação do Estado Democrático de Direito e de uma cidadania mais
ativa, percebeu-se no Brasil, no final do século XX, com o advento da Constituição
Federal de 1988, uma onda crescente de judicialização das relações sociais, o que
culminou com o fortalecimento do Poder Judiciário, que deixou de ser um poder nulo
(assim, por não cumprir o seu objetivo), como era definido por Montesquieu (2008),
para tornar-se um poder mais atuante, definitivamente tentando ser um espaço para
a pacificação dos conflitos de interesses.
Neste diapasão, a Constituição Federal/88 trouxe o princípio da
inafastabilidade do Judiciário na solução dos litígios, ao prever em seu dispositivo 5º,
inciso XXXV, que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou
ameaça a direito”.
Destarte, com isso o Poder Judiciário teve a necessidade de se ocupar não
apenas com as pretensões que eram resistidas, típicas de sua função, mas também
com as de jurisdição voluntária, ou administrativa, ou seja, de administração pública
dos interesses privados, onde aqueles que figuram nos polos da ação, não são
chamados de “partes”, mas interessados, na qual não se faz coisa julgada material,
mas coisa julgada processual1. Sujeitando-se à revisão pelo processo contencioso, o
que acarretaria um enorme volume de litígios, em parte, muitas vezes, causa da
morosidade do Poder Judiciário e consequentemente dando vez à ineficácia
processual, já que este acréscimo de demandas foi desacompanhado de um
aparelhamento dos mecanismos para efetiva solução dos conflitos como, por
exemplo, aumento no quadro de juízes, varas e servidores.
1 Pode-se definir coisa julgada como imutabilidade da sentença (coisa julgada formal) e do seu conteúdo (coisa julgada material).
7
A ministra Eliana Calmon, em artigo publicado no jornal Correio Brasiliense,
tendo como título “Crise do Poder Judiciário”, asseverou que os juízes federais
reunidos em Brasília para refletirem sobre a instituição, elaboraram um documento,
onde concluíram:
O Poder Judiciário, no Brasil, não tem conseguido dar respostas rápidas e satisfatórias às demandas das partes, em razão de fatores diversos, dentre os quais se destaca o número excessivo de ações provocado pela administração dos poderes públicos e pela insuficiência ou ineficiência dos textos legislativos (CALMON, 1994).
Portanto, percebe-se, claramente, que a problemática do congestionamento
do poder Judiciário não é enfrentada apenas nos dias atuais, posto que a
morosidade e lentidão, na tramitação de processos, têm se arrastado ao longo dos
anos no Direito Pátrio sem solução viável até o presente momento, inobstante as
reformas recentes inseridas pelo Legislador nas últimas décadas.
A morosidade na solução dos conflitos trouxe a necessidade de uma reforma
no sistema processual. A criação da Lei 9.099/95, que dispõe sobre os Juizados
Especiais Cíveis, permitiu à parte tutelar seus direitos sem a presença de um
advogado2, sem o recolhimento de custas e encargos processuais. Porém, houve
uma super popularização desta lei, alienada aos pedidos desarrazoados de danos
morais, o que acabou por aumentar a morosidade da prestação jurisdicional,
tornando-a ineficaz ao seu objetivo precípuo o qual seria dar mais celeridade às
demandas propostas.
Ou seja, a Lei dos Juizados Especiais, ao revés de desafogar o Poder
Judiciário, ainda o afogou mais, uma vez que o ingresso de ação é cabível até 20
(vinte) salários mínimos, sem a necessidade da presença de um advogado ou
Defensor Público. Fato que, sobremaneira, desencadeou uma enxurrada de ações
por conta de demandas que poderiam ser resolvidas de forma prévia, encorajando
os litigantes a pleitearem, através de um ínfimo e conciso requerimento escrito de
próprio punho no próprio Juizado os pleitos a que entenderem fazer jus, e, nestes
incluem-se até o que acham não ser de direito. Todavia, o que se vê é a prática de
uma verdadeira “roleta russa judicial”, mais pelo prazer e satisfação de ver o seu
pleito apreciado por um Juiz ou quiçá o alcance pela parte de alguma vantagem
2 Vide Art. 9° da Lei 9.099/95.
8
financeira sem despender grandes esforços. Em suma: hoje, briga-se por tudo,
utilizando-se o Poder Judiciário, até por dez, vinte ou trinta reais.
Numa tentativa de garantir a celeridade e efetividade na tramitação dos
feitos, o legislador incluiu à condição de direito fundamental, no artigo 5º, inciso
LXXVIII da Lei Maior, por força da Emenda Constitucional nº. 45/2004, o princípio da
intitulado de celeridade processual ao afirmar que “a todos, no âmbito judicial e
administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que
garantam a celeridade de sua tramitação”.
A importância do tema abordado reveste-se em discutir a paternidade estatal
evidenciada, a qual é bem típica de países cujo processo de democratização deu-se
de forma tardia, como no Brasil. Ou seja, visa encontrar meios para desafogar a
Justiça Brasileira sem ferir o inciso XXXV, do Art. 5º, da Carta Máxima e apresentar
alternativas para a solução do congestionamento do Poder Judiciário na atualidade.
Assim, o estudo almeja a busca por soluções efetivas, as quais convergem
para um conjunto de providências que o legislador brasileiro deverá efetivar, com
urgência, proporcionando uma melhor prestação jurisdicional à população. Tudo
aliado à conscientização da necessidade de implementação de uma cultura de
pacificação no sentido de que o acordo é a melhor forma de se chegar a um
resultado mais satisfatório para as partes litigantes, em questões que permitam a
utilização de métodos que visam a desjudicialização.
Com a finalidade de atingir tal propósito serão considerados, principalmente,
o aperfeiçoamento dos meios disponíveis de resoluções de conflitos que já foram
introduzidos pelo novo Código de Processo Civil, que estimula a solução extra-autos
das demandas, bem como o papel das Agências Reguladoras e da Defensoria
Pública. Busca, também, o enfoque primordial às alterações que urgem necessárias
na legislação para que o instituto da mediação venha a se tornar verdadeira
condição de procedibilidade da ação, nos moldes do que ocorre no mundo, e,
sobretudo, na Argentina, onde, apesar de haver falhas, o método possui excelentes
índices de êxito. Frise-se que, além das mudanças legislativas, imperiosa é a
educação das partes de que o acordo e a cultura de pacificação são os melhores
caminhos na resolução de seus conflitos.
Para tal, no desenvolvimento do presente estudo, buscar-se-á atingir os
seguintes objetivos:
9
Primeiro, com toda a nova gama de direitos sociais assegurados pela
Constituição Federal e, sobretudo, nos idos dos anos 2000, com o advento da
vigência da Lei dos Juizados Especiais Cíveis, há de ser enfrentada a aludida
questão sem ferir os preceitos constitucionais vigentes, garantindo a todos o acesso
à assistência judiciária e aos litigantes a satisfação plena dos direitos conclamados.
Nesse sentido, a grande questão que se coloca é: como conciliar o direito de ação
garantido no texto constitucional em seu art. 5°, inciso XXXV, dispondo que a lei não
excluirá de apreciação do poder judiciário, lesão ou ameaça lesão, com a execução
de meios alternativos de solução de litígios. Ou seja, é possível alcançar a redução
das demandas excessivas propostas através de vários meios de soluções de litígios
extrajudiciais, uitlizando-se a arbitragem, a conciliação e outros métodos, porém, a
mediação de conflitos há de ser realizada de forma institucionalizada, obrigatória e
através de profissionais treinados e preparados para o desempenho de tão relevante
função, que obterá relevantíssimo papel dentro desse processo de desformalização.
Segundo, praticizar o tema proposto visando a desjudicialização, que passou
a ser uma reivindicação daquele que almejava ver seus direitos resguardados.
Educar as partes é fundamental, no sentido de que nem sempre há a necessidade
da intervenção do Judiciário no exercício de sua função precípua de garantir a
efetivação de um direito. E, como tal, apresentam-se várias saídas para se ver
estancar esse assoberbamento sem freios do Judiciário, porém, destacando-se uma,
que vem a ser a mediação, a qual é um fenômeno mundialmente experimentado,
com capacidade, se aplicada de forma séria e institucionalizada, de reduzir, plena e
eficazmente, inúmeras e incontáveis demandas, com o consequente desafogamento
dos juízes, e, assim, cumprir a prestação jurisdicional célere e efetiva a que se
propõe.
Terceiro, a alteração da legislação de forma a concretizar essa busca por
meios que visam a desobstrução do Judiciário, sempre, com a conscientização de
que nem sempre a judicialização de questões é o melhor caminho a ser seguido.
Quarto, com a institucionalização da mediação como um dos meios eficazes
para o desafogamento da Justiça brasileira, torná-la meio eficaz e não tratá-la de
forma natimorta e amadora, devendo ser ressaltada a importância abordada para a
abertura de concurso público para preenchimento de cargos de mediadores, bem
como o investimento para a capacitação de seus profissionais.
10
Quinto, nesse contexto, ensejar uma busca de caminhos que se empreende
de forma satisfatória em todos os continentes, para uma solução adequada da
massa avassaladora de conflitos de interesses que se contrapõem ao Poder
Judiciário, em todos os quadrantes do globo terrestre, numa tentativa de evitar o
acesso à justiça de forma desordenada e desnecessária, visando a sua
desobstrução. Almeja-se, também, dar celeridade à resolução de determinadas
demandas a fim de evitar o engessamento do Poder Judiciário e o seu descrédito,
bem como dos Órgãos estatais correlatos que atuam junto ao Poder Judiciário.
Assim, este trabalho estará organizado em cinco capítulos, sendo o último
reservado à conclusão deste estudo.
O primeiro capítulo fará uma abordagem histórica e sua evolução, o direito
do acesso á justiça, propiciando o entendimento, no passado, de como tudo se
iniciou, de uma forma científica, até os dias atuais.
O segundo capítulo descreverá o assoberbamento do Poder Judiciário e o
abuso do direito de ação, o qual se constitui num dos principais entraves ao bom
andamento do sistema judicial brasileiro. Tem-se que o enfrentamento dessa triste e
lamentável realidade não seria possível sem a adoção de abordagens inovadoras, já
que é inconcebível que se realize a proposição de que se faça justiça na mesma
velocidade em que as ações são distribuídas. Dados serão apresentados para que o
legislador conscientize-se de que o problema é muito sério e que, dessa forma, é
inadiável a busca de soluções pacíficas de conflitos, a fim de se atingir a minoração
do acesso ao Poder Judiciário, bem como este deverá ser precedido de mediação,
nos moldes da Argentina, e a indispensável educação das partes conflitantes.
O terceiro capítulo abordará a reforma do Poder Judiciário e soluções
extrajudiciais como meios eficazes a alcançar a tão almejada cultura de
desjudicialização, reduzindo-se, ao máximo, através do novo CPC, de valorização de
métodos como a conciliação e arbitragem, da participação de Agências Reguladoras
como um meio supralegal de contribuição no processo de desjudicialização.
Destaque para a Defensoria Pública como valiosa Instituição a colaborar na solução
extra-autos de conflitos, porquanto o Poder Judiciário seria a “última ratio”, atuando
tão somente nos casos em que sua intervenção tornar-se-ia imprescindível. Certo é
que o objetivo está no sentido de que o acesso à justiça é tema mais discutido na
atualidade e que este deva ser filtrado com seriedade e respeito às leis. Tem-se, à
unanimidade, que o problema, ora apresentado, tem sido um dos grandes desafios
11
do Poder Judiciário, e, também, do legislador pátrio. Os múltiplos trabalhos
projetados no sentido de “Reformar o Poder Judiciário”, e os aspectos que precisam
ser melhorados são obstáculos que devem ser superados, os quais necessitam de
certas modificações, para assim se ter, efetivamente, o acesso célere à justiça, ou
seja, acesso à ordem jurídica justa.
O quarto capítulo destina-se a abordar a relevância da mediação, como
forma de condição de procedibilidade da ação, e não nos moldes apresentados pelo
Congresso Nacional. Serão propostas algumas importantes modificações que visam
tornar este instituto não apenas institucionalizado, mas, sobretudo, um método
pleno, eficiente e eficaz de dissolução de litígios e torná-lo obrigatório, ou seja,
como verdadeira condição de procedibilidade à propositura da ação, nas matérias
que permitam, por óbvio, a sua aplicação. Tal obrigatoriedade não fere o princípio
constitucional da Inafastabilidade do Controle Jurisdicional, vez que se torna uma
exceção a este, ao lado de outras duas já existentes, a saber: o habeas data e o
Tribunal de Justiça Desportivo. Visa, assim, demonstrar que não há
inconstitucionalidade alguma em tornar a mediação como um verdadeiro pré-
requisito à propositura de demandas, e, ainda, compara os dados estatísticos de
sucesso de ADRs (Alternative Dispute Resolution) em países como os Estados
Unidos, Japão, Alemanha, Nigéria, Colômbia e, sobretudo, na Argentina, que tornou
a mediação como verdadeira condição de procedibilidade da ação, e, apesar das
dificuldades que enfrenta e, que serão apresentadas, seus índices são considerados
extremamente satisfatórios no processo de desjudicialização, com o consequente
desafogamento do Poder Judiciário.
E, finalizando, o último capítulo, que é a conclusão do trabalho, abrange a
forma de tornar em realidade o fenômeno imprescindível da desjudicialização,
apresentando vias alternativas extrajudiciais de resolução de conflitos, o que permite
chegar ao Poder Judiciário somente o imprescindível. E foi, justamente, seguindo
esse raciocínio que foi enfatizada a mediação como instrumento mais próximo da
negociação direta colaborativa, surgindo como uma das mais possíveis soluções
eficazes para se enfrentar o congestionamento do acesso à justiça, possibilitando
uma efetiva e considerável redução de ações. Todavia, por óbvio, é claro que a
mediação vai muito além de desafogar o Judiciário ou de minorar o tempo de
solução de um conflito, pois ela conscientiza as partes do aspecto de cooperação,
no qual todos os envolvidos na questão saem ganhando, isto é, faz-se, através do
12
mediador, uma negociação distributiva, passando de ganhar x perder para ganhar x
ganhar. E isso porque se houver a educação de que, se cada um ceder um pouco,
ninguém perde, haverá um ganho considerável para os litigantes, para os
destinatários da Justiça, para o Judiciário e seus operadores do direito e, sobretudo,
para a sociedade brasileira, como um todo.
13
2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA
Antigamente, o acesso à justiça existia como direito meramente formal. Ao
Estado, não cabia prover o cidadão de meios para efetivação de seus direitos.
Entraves como as altas custas de uma demanda não eram questões enfrentadas
pelo poder estatal.
Com o advento do Estado Social, o acesso à justiça assumiu uma
concepção mais ampla, propondo uma atuação mais positiva por parte do Estado,
com escopo da materialização de um direito que, anteriormente, se restringia apenas
ao plano formal.
Segundo Cappelletti e Garth (1988),
À medida que as sociedades do laissez-faire cresceram em tamanho e complexidade, o conceito de direitos humanos começou a sofrer uma transformação radical. A partir do momento em que as ações e relacionamentos assumiram, cada vez mais, caráter mais coletivo que individual, as sociedades modernas necessariamente deixaram para trás a visão individualista dos direitos, refletida nas “declarações de direitos”, típicas dos séculos dezoito e dezenove. O movimento fez-se no sentido de reconhecer os direitos e deveres sociais dos governos, comunidades, associações e indivíduos. Tornou-se lugar comum observar que a atuação positiva do Estado é necessária para assegurar o gozo de todos esses direitos sociais básicos.
Com o Estado Democrático de Direito, os direitos transindividuais, quais
sejam: direitos coletivos, difusos e individuais homogêneos, que consistem no direito
à educação, segurança, meio ambiente, saúde, dentre outros, cuja titularidade é
atribuída a todo cidadão, passaram a ser mais enfatizados.
Ada Pellegrini Grinover assim define os direitos coletivos:
Indeterminados pela titularidade, indivisíveis com relação ao objeto, colocados no meio do caminho entre os interesses públicos e os privados, próprios de uma sociedade de massa e resultado de conflitos de massa, carregados de relevância política e capaz de transformar conceitos jurídicos estratificados, com a responsabilidade civil pelos danos causados no lugar da responsabilidade civil pelos prejuízos sofridos (GRINOVER, 2010).
A característica desses direitos transindividuais não está apenas no fato de
serem compartilhados por vários titulares individuais reunidos pela mesma relação
fática ou jurídica, mas também pela necessidade de substituir o convencional acesso
14
individual à justiça por um acesso coletivo, surgindo daí uma nova concepção do
ideal de acesso à justiça.
Nesse novo cenário que brota, o Poder Judiciário vivencia graves desafios e
deve fazer frente à vertiginosa multiplicação dos sujeitos e de objetos carecedores
da tutela jurisdicional. Esse é o quadro que se vivencia hoje. Todavia, é necessário
focar os contornos dessa triste realidade a um viéis histórico.
Realmente, vê-se nas lições de (DALLARI, 1963) que “é necessário que o
Estado sofra tantas mutações, quantas se fizerem necessárias, para que seja capaz
de atingir o fim a que se propõe, o que só será possível através de ordenações que
atendam às exigências de cada conjuntura histórica”.
Já no período do Iluminismo, o Poder Judiciário erigiu-se como corpus
independente, no padrão tripartite de (MONTESQUIEU, 2001). Assim, àquela época,
as funções do juiz não se vinculavam ao Direito, mas sim à Lei strictu sensu. E aqui
se pode asseverar que o importante eram as conquistas formais, que seriam
resultado da Revolução Francesa e das transformações com ela trazidas.
Este princípio, em que a supremacia da Lei era indiscutível, originou o que
se denominou de “bacharelismo”.
Porém, a história e seu contexto evoluíram e o período pré Revolução
Industrial revela uma sociedade realizadora, capaz de modificar, inventar e consumir
os seus próprios recursos de forma ilimitada. Assim, o homem entendia ser o
detentor de todos os recursos, que lhe pareciam fontes inesgotáveis em face do seu
poder de realização, porquanto o culto e conhecedor das letras jurídicas não era
mais o líder, mas sim aquele que tinha como objetivo pôr em prática o ímpeto da
inovação, típicos do empreendedor homem moderno. Sendo assim, concluiu-se o
predomínio do Poder Executivo nessa época.
Contudo, o sonho transformou-se numa triste realidade. O homem percebeu
que as riquezas não eram infinitas e que as promessas feitas não se cumpriram,
especificamente, no campo social, restando, tão somente, um vazio axiológico como
certeza.
Mas, ninguém descreveu tão profundamente a atual conjuntura quanto
Zygmunt Bauman (2007): “A vida líquida é uma vida precária, vivida em condições
de incerteza constante [...]”.
Como salienta a Eminente Desembargadora Marilene Melo Alves, na
Revista de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, volume 90:
15
Esta formidável demanda por justiça resulta em assoberbamento de tal monta, que põe em situação de vulnerabilidade toda a Magistratura, ensejando que a Justiça sofra constantes questionamentos e permaneça imersa numa crônica crise do Poder Judiciário (ALVES, 2012).
Nesse quadro de exponenciação das atribuições do juiz moderno, do qual já
não se pode dizer que atue apenas como la bouche de la loi é que se inscreve a
mediação, não apenas como alternativa, mas como instrumento eficaz, moderno e
exequível para enfrentamento dos desafios que se descortinam para o Poder
Judiciário na atualidade.
2.1 EVOLUÇÃO CONCEITUAL DO PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA
O princípio do acesso à justiça foi trabalhado por Cappelletti e Garth (1988),
através da obra “Acesso à Justiça”. Os autores traçaram uma evolução conceitual do
princípio, que reflete as necessárias mudanças para o alcance de um verdadeiro e
efetivo acesso à justiça.
Cappelletti e Garth (1988) ressaltaram o ponto falho desse tipo de programa
de assistência judiciária: em sistemas capitalistas, onde rege a economia de
mercado, grande ou quase toda a produção econômica é fruto da atuação de
particulares. Portanto, nada mais natural que os advogados mais experientes e
gabaritados procurem dedicar seu tempo a atividades remuneradas e não à
assistência judiciária gratuita.
Dessa forma, a partir da década de 60, a busca por sistemas mais eficientes,
colocou a assistência judiciária como prioridade na pauta das reformas judiciárias.
Nos últimos anos, ocorreram notáveis melhorias no sistema de assistência
judiciária, que se tornou mais amplo e eficiente. Contudo, a assistência judiciária
ainda não pode ser considerada como única perspectiva no processo de reforma do
acesso à justiça, até porque com o excesso de demandas e poucos os profissionais
para milhares de proposituras de novas ações, sua função acaba por não atingir o
escopo da redução de demandas, restando aos usuários deste tão relevante serviço
aguardar o seu atendimento e, quando atendidos, a demora judicial ainda se torna o
algoz do litigante à espera da solução do conflito, gerando mais incertezas e
desestabilidade social.
16
3 O ASSOBERBAMENTO DO PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO
Lamentavelmente, hoje, o Judiciário vê-se obrigado a decidir todas as
mazelas, ineficiências e deficiências de atribuição do Poder Executivo e questões
que resultam na incapacidade das pessoas convergirem para um objetivo mútuo de
solução de conflitos. Falta, sem dúvida, a educação à população e, sobretudo, uma
conscientização de civilidade e de respeito à sociedade na qual está inserida.
Os números apresentados abaixo são alarmantes. Infelizmente, apesar dos
esforços expendidos pelo Poder Judiciário Brasileiro, o número de processos
judiciais cresce em progressão geométrica, como se pode constatar da contagem
elaborada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) adiante transcrita, totalizando,
no ano de 2010, apesar de todas as tentativas de reformas instituídas no novo
Código de Processo Civil (CPC), mais de 83 milhões de feitos em tramitação no
país, onde se conclui que mudanças urgentes necessitam ser empreendidas para
desafogar o Poder Judiciário:
Tabela 1: Tabela de Litigiosidade. Fonte: Conselho Nacional de Justiça.
Assim, assevera-se que – se nada de concreto for proposto pelo legislador
pátrio, e se houver a manutenção ou majoração, em números, dessa alarmante
estatística – o resultado é a multiplicação de litígios em volume avassalador. Em
última pesquisa citada pelo Conselho Nacional de Justiça, datada de 2011, que o
número de demandas propostas já estaria em 87 milhões, número este mais do que
devastador.
Como bem ressaltou o Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do
Rio de Janeiro (TJERJ) e festejado doutrinador processualista (CÂMARA, 2008), “os
escopos sociais da jurisdição são dois: pacificar com justiça e educar a sociedade”.
17
Nesse diapasão, o enfrentamento dessa triste e lamentável realidade não
seria possível sem a adoção de abordagens inovadoras, já que é inconcebível que
se realize a proposição de que se faça justiça na mesma velocidade em que as
ações são distribuídas.
Dessa forma, é inadiável a busca de possíveis soluções pacíficas de
conflitos a fim de se atingir a minoração do acesso ao Poder Judiciário, que deverá
ser sempre precedido de mediação, nos moldes da Argentina, como se verá adiante,
bem como da conscientização e educação dos usuários da justiça.
3.1 O ABUSO DO DIREITO DE AÇÃO
Tem-se, como um dos principais entraves ao bom andamento do sistema
judicial brasileiro, o abuso do direito de ação, o que acarreta uma sobrecarga do
Poder Judiciário.
De acordo com o Promotor de Justiça César Augusto dos Santos, a ação
confere ao réu o direito de se opor à pretensão do primeiro e exigir do Estado um
provimento contrário ao procurado por parte daquele que propôs a causa, isto é, a
declaração de ausência do direito subjetivo invocado pelo autor.
No Código de Processo Civil, que circunda a hipótese de abuso do direito de
demandar, define-se litigante de má-fé como aquele quem venha a ajuizar demanda
contra texto legal ou fato que não caiba controvérsia, altere a veracidade de fatos ou
utilize o processo para obter fins legais, apesar de, muitas vezes, não morais.
O atual Código Civil,3 de forma genérica e não precisa, tenta definir o que
venha a ser ilicitude e também esboça a figura do abuso de direito no art. 187, ao
prescrever que “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo,
excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela
boa-fé ou pelos bons costumes”.
Nesse sentido, a lição de Caio Mário da Silva Pereira:
Não se pode, na atualidade, admitir que o indivíduo conduza a utilização de seu direito até o ponto de transformá-lo em causa de prejuízo alheio. Não é que o exercício do direito, feito com toda regularidade, não seja razão de um mal a outrem. Às vezes é, e mesmo com frequência. [...] É por isto que
3 O Código Civil Brasileiro datava de 1916, projetado pelo notável jurista Clóvis Bevilácqua. Passou
por ampla reforma em 2002, respondendo ao anseio da sociedade, principalmente, com o advento da constituição de 1988, a qual reformulou o conceito de família e outros institutos.
18
todas as teorias que tentam explicar e fundamentar a doutrina do abuso de direito têm necessidade de desenhar um outro fator, que com qualquer nome que se apresente estará no propósito de causar o dano, sem qualquer outra vantagem. Abusa, pois, de seu direito o titular que dele se utiliza levado um malefício a outrem, inspirado na intenção de fazer mal, e sem proveito próprio. O fundamento ético da teoria pode, pois, assentar em que a lei não deve permitir que alguém se sirva de seu direito exclusivamente para causar dano a outrem (PEREIRA, 2002).
Sílvio de Salvo Venosa é enfático ao afirmar que a reprimenda do abuso de
direito jamais careceu de expressa disciplina legal:
A compreensão inicial do abuso de direito não se situa, nem deve situar-se, em textos de direito positivo. A noção é supra legal. Decorre da própria natureza das coisas e da condição humana. Extrapolar os limites de um direito em prejuízo do próximo merece reprimenda, em virtude de consistir em violação a princípios de finalidade da lei e da equidade. É inafastável, por outro lado, que a noção do abuso de direito se insira no conflito entre o interesse individual e o interesse coletivo (VENOSA, 2003).
Assim, toda pessoa que impetra uma ação desprovida de fundamento fático
e/ou jurídico apenas com o objetivo de causar embaraço a uma terceira pessoa, ou
com o objetivo de inserir indevidamente o nome de uma pessoa no cartório
distribuidor de uma Comarca ou de uma Seção na seara Federal, ou, simplesmente,
pelo prazer de ingressar com uma ação no Juizado Especial Cível, com o fim claro
da expressão popular “tentar a sorte”, ou ainda por picuinhas, ou mesmo o ingresso
de ações visando ao pagamento de inimagináveis danos morais, constituindo-se,
esta última hipótese em verdadeira Indústria do Dano Moral (IDM) deve ser
condenada ao pagamento de uma indenização por abuso no direito de ação, o que
muitas vezes, não ocorre.
É de total conhecimento que o Poder Judiciário foi criado para a resolução
de conflitos, porém, não se deve permitir que uma pessoa possa acionar outra
apenas por motivos pessoais e visando ao enriquecimento por qualquer quantia a
qualquer preço, utilizando-se, indiscriminadamente, da justiça. Há que se impor
limites a tais atitudes, urgentemente, ou, então, em poucos anos irá ocorrer um
colapso judicial.
Se o magistrado, no curso da ação, verificar que o pedido da parte não
possua por objeto um direito, mas apenas um interesse pessoal como, por exemplo,
ajuizar litígio por perseguição, briga de família, dentre outros motivos insignificantes,
rejeitará estas situações com impetuosidade. Podendo ser punido com multa, por
19
exemplo, em caso de constatação desta incidência. Entretanto, como é cediço, a
referida penalidade não é capaz de intimidar os litigantes de má-fé. Muitos são
insolventes e outros não acreditam que tal punição possa a ser levada adiante,
frente à morosidade e ao descrédito visível da justiça.
Por isso, entende-se que a única alternativa é evitar a propositura de
demandas disponíveis e, com isso, através da mediação utilizada, largamente, em
todo o mundo, retirar dos ombros do Poder Judiciário a sobrecarga que o vem
envergando, há tempos, sobretudo, após a concretização de direitos sociais,
consagrados na Magna Carta de 1988.
20
4 A REFORMA DO PODER JUDICIÁRIO E SOLUÇÕES EXTRAJUDICIAIS DE CONFLITOS COMO MEIOS EFICAZES À DESJUDICIALIZAÇÃO
Com o crescimento da judicialização, durante o século XX, os conflitos
sociais foram transferidos para o Poder Judiciário, o que fortaleceu o ativismo
judicial, base do pós- positivismo jurídico. Esse fenômeno repercutiu de maneira
positiva na sociedade, uma vez que possibilitou o exercício da cidadania do
jurisdicionado, fazendo com que a lesão sofrida por este fosse ao menos apreciada
por um órgão jurisdicional.
Todavia, como corolário da judicialização, surgiu o congestionamento do
poder judiciário, pois o crescimento do número de demandas ajuizadas gerou a
vagareza da prestação jurisdicional e, consequentemente, a sua ineficácia em
promover a justiça social.
A judicialização que outrora havia sido vista com bons olhos pela sociedade,
atualmente, deu vez ao revés, ou seja, o que se quer hoje é, justamente, uma
reforma judiciária: a desjudicialização. Meios alternativos que permitam às partes a
solução do litígio sem a necessidade um provimento jurisdicional.
Pretende-se, assim, a celeridade e a efetividade na solução das pretensões
deduzidas em juízo previstos no Texto Maior como princípios constitucionais
fundamentais, não apenas jurisdicionais, pois devem ser observados inclusive em
processos administrativos, agora expressos pelo art. 5º, LXXVIII, por força da
Emenda Constitucional nº 45, de 2004: “a todos, no âmbito judicial e administrativo,
são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a
celeridade de sua tramitação."
A acepção feita pelo texto da emenda que consagrou tais princípios é
genérica, abrangendo os processos administrativos, bem como jurisdicionais de
todos os âmbitos da ciência jurídica, variando de acordo com a área de atuação. Na
doutrina pátria, diplomas jurídicos têm sido erigidos como forma de garantir a
eficácia dos princípios acima aduzidos.
No âmbito do Direito Penal, o fenômeno pode ser facilmente observado
como despenalização ou descriminação, tendo aplicação expressa na norma
infraconstitucional que trata dos crimes de menor potencial ofensivo, a Lei 9.099/95,
21
dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, através meios alternativos à aplicação da
pena como a Transação Penal, por exemplo4.
Na seara civil e processual civil, o renomado autor Duarte (2005), preleciona
que existe a necessidade de reestruturação e reforma do sistema de administração e
gestão da justiça como forma de promover a efetividade dos direito e deveres e
tornar o sistema jurisdicional um fator de desenvolvimento econômico e social, que
pode ser alcançado dentre outros fatores pelo progresso na desjudicialização e
resolução alternativa de litígios, de forma a evitar o acesso generalizado e, por
vezes, injustificado à justiça estatal.
Nesta esteira de pensamento propõe o autor, seja desencadeado um
movimento de desjudicialização, o qual se pode definir como um processo de
considerável redução de proposituras de demandas sob o crivo do Poder Judiciário,
retirando da esfera de competência dos tribunais os atos que possam ser eliminados
ou transferidos para outras entidades e sempre salvaguardando o núcleo essencial
da função jurisdicional, como a mediação de conflitos.
O legislador almeja, das mais variadas maneiras, desafogar o Poder
Judiciário, editando diplomas legais, no sentido de possibilitar o exercício de sua
atribuições, apenas quando estritamente necessário para solucionar um conflito de
interesses. Certamente esse é o objetivo precípuo da desjudicialização.
Em uma comparação com um princípio basiliar do direito penal – guardando
as devidas proporções – não seria forçoso afirmar que desjudicializar seria efetivar o
princípio da intervenção mínima5, ou seja, o Poder Judiciário só irá intervir quando
outras formas de solucionar o litígio não surtirem o devido efeito.
Portanto, o Poder Judiciário seria a “última ratio”, atuando tão somente nos
casos em que sua intervenção fosse imprescindível – respeitando-se sempre o
direito de ação estatuído na Constituição da República. Porém, há de se educar a
população a fim de que não se socorra do Poder Judiciário para alcançar objetivos
que podem ser atingidos com a mediação de conflitos consciente, evitando-se a
cultura do “ganhar a qualquer preço” e das picuinhas pessoais e sociais que podem
ser resolvidas e bem administradas por profissionais que não possuem somente a
tarefa de mediar, mas também de educar as partes.
4 Vide Art. 76 da Lei 9.099/95.
5 O direito penal só irá atuar, quando os demais ramos do direito não puderem intervir.
22
Desta forma, a jurisdição voluntária ou administrativa6 poderia ser extirpada
do sistema judiciário, uma vez que este apenas exerceria funções que sejam
imanentes à sua finalidade, sendo esta uma das possibilidades de desafogo do
sistema jurisdicional.
Num contraponto com o direito fundamental de acionar o judiciário, visando
a um melhor fluxo do sistema jurisdicional, os diplomas legais devem criar algumas
limitações de acesso ao Poder Judiciário, como já acontece com a Repercussão
Geral7, filtro adotado no âmbito da competência do Supremo Tribunal Federal.
4.1 O ACESSO À JUSTIÇA E OS MEIOS LEGAIS DE DESCONGESTIONAMENTO DO PODER JUDICIÁRIO
É fato indubitável que o direito processual civil tem enfrentado diversas
transformações até alcançar sua forma atual. Desde os primórdios da civilização
organizada, até a atualidade, os povos apresentam como preocupação latente a
busca de meios efetivos para que a sociedade esteja em harmonia.
Nessa linha de entendimento, as mais diversificadas espécies de sociedade
evoluíram de modo a encontrar a melhor maneira de solucionar seus litígios. O
Estado exerce seu poder, basicamente, em três vertentes distintas, conforme sua
área de atuação. Assim, surgiram as três funções do Estado: administrar, legislar e
julgar.
Nesse contexto, o Estado-Juiz assume a responsabilidade de compor os
conflitos de interesses que sobrevenham a ele.
Todavia, conforme abordado em momento anterior, a busca pelo socorro do
Poder Judiciário para dirimir conflitos tem abarrotado o sistema jurisdicional de
demandas, sendo certo que tal direito, qual seja, de socorrer-se do judiciário no caso
de lesão ou ameaça de lesão a direito - é garantido pela Constituição Federal.
O acesso à justiça, base de sustentabilidade do conceito de Mínimo
Existencial, é tema mais discutido na atualidade, inclusive, tem sido um dos grandes
desafios do legislador nos múltiplos trabalhos projetados no sentido de “Reformar o
Poder Judiciário”.
6 Situações em que as pessoas podem livremente transacionar, somente sendo necessária a
homologação das vontades contratuais. 7 É um requisito de admissibilidade do recurso extraordinário perante o Supremo Tribunal Federal
do Brasil.
23
Os aspectos que precisam ser melhorados são obstáculos que devem ser
superados, os quais necessitam de certas modificações, para assim, se ter,
efetivamente, acesso à justiça, ou seja, acesso à ordem jurídica justa.
Vale destacar aqui o entendimento de Dinamarco (2004, p. 45), quando
afirma que:
Só tem acesso à ordem jurídica justa quem recebe justiça, e auferir justiça além de ter a demanda recebida em juízo é poder participar, contar com a participação adequada do juiz e, ao fim, receber um provimento jurisdicional consentâneo com os valores da sociedade.
Cappelletti e Garth (1988) esclarecem que:
o processo outrora, era concebido como um conflito de interesse entre dois litigantes que tinham como objetivo o alcance de interesses pessoais, e por isso, nos casos de demanda envolvendo direitos coletivos, os procedimentos previstos não atendiam com a mesma perfeição os interesses das partes.
O objetivo deste sistema renovador teve como finalidade a inserção no
ordenamento jurídico de instrumentos de representação dos direitos da coletividade.
No ordenamento pátrio, o legislador preocupou-se em desenvolver a tutela
dos interesses supra-individuais8 por meio de instrumentos como: a ação popular
(Lei n° 4.717/1965), a ação civil pública (Lei n° 7.347/1985), o mandado de
segurança coletivo (Lei n° 12.016/2009), além de ações coletivas como as previstas
no Código de Defesa do Consumidor (Lei n° 8.078/1990) e no Estatuto da Criança e
do Adolescente (Lei n° 8.069/1990).
Por outro lado, há de serem mencionadas as dificuldades peculiares de
solução de conflitos, como a morosidade, os custos, o excesso de formalidades,
conduzem os autores modernos a especular novos meios para solução de conflitos,
quer sejam extraprocessuais ou mesmo através de meios processuais.
Cita-se, como principais exemplos de meios extraprocessuais de solução de
litígios a arbitragem, a mediação e a conciliação. Estas alternativas são contribuintes
essenciais no processo de desjudicialização ou desformalização.
Arbitragem é um instrumento legal ao Poder Judiciário estatal, ou seja, as
partes, por livre e espontânea vontade, deixam consignado que abdicam de compor
8 Todo o interesse jurídico tutelado, que não é estritamente de foro privado, pois afeta uma esfera
coletiva.
24
eventuais conflitos, decorrentes de contrato, perante o Poder Judiciário, e se
comprometem a dirimir a questão por meio de um Juízo Arbitral9.
Essa alternativa é prevista pela Lei 9.307/1996. O objetivo das partes,
quando se socorrem da arbitragem, é a promessa de celeridade e a melhor
resolução do litígio que possa surgir no decorrer de um contrato, tendo em vista que
o árbitro pode ser um especialista na matéria ser dirimida e, especialmente, deverão
ser inscritos nos quadros da OAB.
A mediação, por sua vez, é uma composição negocial, em que as partes
chegam com o auxílio de uma terceira pessoa que nada tem a ver com o litígio, a um
consenso sobre a matéria discutida. A mediação tem por objetivo facilitar a
comunicação e permitir uma composição, diferentemente da arbitragem, que impõe
às partes uma solução ou uma sentença. Assim, o mediador somente tem o papel
de viabilizar a comunicação entre o litigantes, ele não participa, nem influência a
composição do conflito.
A mediação se inscreve entre os universalmente Alternative Dispute
Resolution- ADRs, que, incluem diversas modalidades de solução de litígios por vias
diversificadas do contencioso judicial. Uma importante característica da mediação é
que nela não se enfoca o conflito como, necessariamente, negativo.
Já a conciliação é “um meio alternativo de resolução de conflitos em que as
partes confiam a uma terceira pessoa (neutra), o conciliador, a função de aproxima-
las e orientá-las na construção de um acordo”. O conciliador, juntamente com as
partes, buscará a transação, submissão ou renúncia (CINTRA; GRINOVER;
DINAMARCO, 2011, p. 34), assim, chegar a um acordo, interagindo e sugestionando
resoluções.
A conciliação será judicial quando o conflito de interesses já estiver ajuizado,
nestes casos, o próprio juiz do processo, atuará como conciliador10 ou um
conciliador que será nomeado e treinado para o exercício da função, geralmente,
nos Juizados Especiais Cíveis, os conciliadores são bacharéis em Direito e são
supervisionados pelo Juiz de Direito, que atue no Juizado Especial Cível.
Os meios processuais são instrumentos atípicos de resolução, ou seja,
meios que não possuem previsão legal. Trata-se, assim de uma prerrogativa que
9 Árbitro que pode decidir nos termos do ordenamento jurídico, ou pode julgar por equidade,
conforme seus conhecimentos técnicos na respectiva área de atuação e formação. 10
Vide Art. 125, inc.IV, CPC.
25
tem o magistrado de dirimir conflitos por meios supra legais, e assim, dessa forma,
encontrar ferramentas aptas a uma adequada resolução do conflito.
4.2 O INSTITUTO DA DESJUDICIALIZAÇÃO NO DIREITO PROCESSUAL CIVIL E O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL BRASILEIRO
O Código de Processo Civil (CPC) foi promulgado no ano de 1973, porém a
sua redação original há muito se desfigurou.
A evolução das relações sociais, aliada às transformações necessárias com
o fim de garantir um processo judicial célere e eficaz, fez com que a diretriz
processual civil sofresse modificações. Essas alterações surgiram como alternativa
emergente de alcançar a harmonização das relações sociais.
A latente urgência em alcançar meios alternativos para buscar a desejada
celeridade no sistema processual fez surgir a Lei de Arbitragem, Lei n° 9.307 de
setembro de 1966, possibilitando às partes a resolução de seus conflitos por um
árbitro privado, escolhido pelos litigantes, e sua decisão terá efeitos de trânsito em
julgado, observadas as condições legais.
A manifestação de vontade das partes contratantes – fundamento da
arbitragem – permite a instituição de árbitro para solucionar eventuais conflitos que
possam existir na relação jurídica preestabelecida. Por meio da cláusula
compromissória, inserta no contrato, os contraentes estabelecem uma via de
resolução extrajudicial de eventual controvérsia no curso da relação contratual. É
importante destacar que sentença arbitral não admite recurso, e tem eficácia de uma
sentença judicial normal, prescindindo de homologação pelo Poder Judiciário,
conforme estatuído no art. 18 da Lei 9.307/1966.
Conforme preleciona Muniz (2003, p. 19), o instituto da arbitragem possuiu
duas características principais: “acordo de vontades das partes e o poder de julgar
que recebem os árbitros, subtraindo o julgamento estatal”. É de se observar que a
segunda característica apontada pela autora, retrata o objetivo da desjudicialização.
Aponta-se, como outra importante inovação trazida no âmbito processual
civil, a Lei n.º 8.951 de 13 de dezembro de 1994, que introduziu alguns parágrafos
ao artigo 890 do Código de Processo Civil criando um procedimento extrajudicial
para a consignação em pagamento quando se tratar de pagamento em dinheiro.
26
Percebe-se, neste exemplo, o legislador possibilitando a resolução de controvérsias
fora do sistema jurisdicional, sem a necessidade de intervenção judicial.
A nova lei de recuperação extrajudicial de empresas, a Lei 11.101 de 9 de
fevereiro de 2005, que veio substituindo o Decreto-Lei 1661/45, é também um
exemplo de contribuição para a desjudicialização, uma vez que se trata de uma
medida flexível que viabiliza a recuperação de empresas através de um
procedimento de negociação direta entre os interessados, criando-se a recuperação
extrajudicial de empresas, sujeitando matéria à apreciação do magistrado, tão
somente para homologação. Sua aplicação substitui o instituto da concordata,
procedimento moroso e submetido a intervenções judiciais.
É importante frisar que as inovações legislativas feitas no decorrer da
evolução processual civil permitem a afirmação de que há número considerável de
alterações normativas no sistema processual brasileiro.
Hoje é possível encontrar 65 (sessenta e cinco) leis que alteram a legislação
processual civil pátria. Tal constatação fez surgir o Projeto de um novo Código
Processual Civil, que está em tramite nas competentes casas legislativas11.
Nos dizeres do Ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux (2011),
presidente da comissão responsável pela elaboração do projeto no Senado Federal:
a história do processo é uma história de reformas. Mas, não obstante essas reformas magníficas, nós constatamos, para parafrasearmos a obra de Mauro Cappelletti, nós constatamos ainda barreiras que tornam o processo insuficiente, diante da sua função precípua, que é dar razão a quem tem num prazo razoável. Todas as declarações universais dos direitos do homem, a Declaração da ONU, a Declaração da África e de Madagascar, a Declaração dos Povos Mulçumanos, o nosso Pacto de São José da Costa Rica, todas essas declarações fundamentais expõem que, num país em que a justiça não se presta num prazo razoável, é um país que tem uma justiça inacessível.
Uma das propostas que já foi aprovada pela Comissão responsável pela
elaboração do anteprojeto do Código de Processo Civil é consistente em facultar aos
litigantes a produção extrajudicial de provas.
Um dos maiores exemplos de desjudicialização na atualidade é a Lei n°
11.441/2007, que alterou o Código de Processo Civil, instituindo a realização de
inventário, partilha e divórcio consensual através dos Tabelionatos de Notas.
11
Por todas, a Lei 11.232/ 05.
27
Para que o divórcio seja feito em cartório, não deve haver filhos menores ou
incapazes. Em relação ao inventário, também há requisitos: todos devem ser
capazes e concordes e não deve haver testamento.
Outra mudança a ser inserta pelo Projeto do Novo Código Processual Civil é
a transferência das ações demarcatórias12 e outras funções que não envolvem
conflitos de interesses para os cartórios, segundo o Ministro Luiz Fux, presidente da
Comissão responsável pela elaboração do Projeto.
Assim, conclui-se que a proposta aprovada pela Comissão, bem como
outras propostas que surgirão no trâmite do projeto, estão em consonância com a
tentativa de desoneração do sistema jurisdicional, ainda que de forma tímida,
contribuindo para que o Poder Judiciário intervenha quando necessário nas relações
da sociedade.
Outra preocupação latente, no Projeto do Código Processual Civil, é reforçar
a mediação e conciliação como medidas alternativas à resolução de contenciosos.
Com o Projeto de Lei (PL) em análise, permite-se que os tribunais criem setores de
mediação e conciliação com o fito de estimular a auto-composição. Ressalta-se a
relevância do estímulo à realização de conciliação e mediação por todos os
magistrados, procuradores (sejam eles privados ou públicos), e membros do
Ministério Público.
As soluções apontadas pelo projeto de lei do novo Código de Processo Civil
(CPC) são dignas de aplausos, ante o objetivo maior, que é uma efetiva prestação
da tutela jurisdicional, tendo como aliada a desjudicialização. Porém, todas essas
medidas estabelecidas recentemente pelo Código de Processo Civil em nada
diminuíram as proposituras de demandas, de onde se chega a conclusão de que
reformas mais enfáticas na legislação, aliadas à educação e conscientização,
devem, urgentemente, serem propostas, adequadamente, ao Congresso Nacional a
fim de surtirem o efeito almejado na redução do número de demandas.
Por óbvio, a má organização judiciária, aliada aos defeitos processuais
existentes na legislação pátria, apesar de não poderem ser usados como justificativa
para a insuficiente prestação da tutela jurisdicional, são obstáculos a serem
superados pelo legislador, sobretudo, na reforma do Poder Judiciário, sendo aquele
12
Vide Art. 963 CPC.
28
diretamente um “agente contribuidor” para efetivação da desjudicialização, e
consequentemente para um célere sistema processual civil.
4.3 DAS AGÊNCIAS REGULADORAS COMO UM MEIO SUPRALEGAL A CONTRIBUIR PARA A DESJUCIALIZAÇÃO
O Estado desempenha funções complexas, tendo em vista a necessidade da
prestação de serviços públicos de maneira adequada para a população.
Uma vez que esses serviços essenciais se mostram deficientes (transporte,
luz, água, telefonia), leva o usuário/ consumidor a tutelar seus direitos no Judiciário,
o que consequentemente colabora para agravar o número de ações judiciais.
É bem certo que, se o Estado centraliza o exercício de todas as funções
atinentes à prestação de serviços públicos em si, não irá efetivá-las da maneira
eficaz, ante o avanço tecnológico e economia atuais.
Uma solução encontrada pelo próprio ordenamento jurídico foi a efetivação
do princípio da descentralização, ou seja, o exercício de atividades de competência
estatal foi delegado à empresas privadas, que por sua vez tem sua atividade
regulada, por órgãos criados pelo próprio Estado para o auxiliarem no exercício de
sua atribuições. Trata-se, assim, de uma mitigação da intervenção estatal nas
relações privadas.
Na área do Direito do Consumidor, por exemplo, encontra-se a
reestruturação de órgãos de proteção como o Órgão de Proteção ao Consumidor
(PROCON), não apenas para fiscalização e aplicação de multas, mas também para
a solução efetiva dos conflitos, através da mediação, o mesmo se aplicando ao
direito de vizinhança, cujas demandas poderiam ser resolvidas administrativamente,
em órgãos não jurisdicionais.
No Brasil, estas questões envolvendo relações de consumo, direito de
vizinhança, sempre acabam perante o Poder Judiciário, aumentando a morosidade
de suas decisões.
Desta forma, surgiram entidades que são ligadas ao poder público e
desempenham determinadas funções, precipuamente, a de regular e fiscalizar a
prestação de serviços públicos, para que estes estejam à disposição da população
de forma eficiente. É importante frisar que tais agências, que têm natureza de
29
autarquia13 e podem decidir, com autonomia, sobre de determinados setores da
atividade econômica e social.
Além de regular e fiscalizar a prestação de serviços pelas empresas
privadas, as agências reguladoras podem exercer um papel de suma importância no
processo de desjudicialização dos conflitos.
Ao fiscalizar a atividade das concessionárias, as entidades em análise têm o
poder de resolver conflitos que envolvem falha na dispensação dos serviços vitais,
tais como luz, água, telefone antes que eles cheguem ao Poder Judiciário, ou até
mesmo deferir indenizações no âmbito de sua competência.
Todavia, a má estruturação das agências tem impedido sua atuação neste
sentido, o que acarreta a transferência de situações que poderiam ser decididas em
caráter administrativo, para as vias judiciais, sobrecarregando os tribunais, sem a
real necessidade de sua intervenção, uma vez que – conforme dito anteriormente –
para um efetivo processo de desjudicialização é preciso que o Poder Judiciário atue
como a “última ratio”.
O PROCON, que é uma autarquia de proteção de defesa do consumidor, por
exemplo, em exercendo a função para a qual fora criado, indubitavelmente,
exerceria função de extrema importância para dirimir litígios consumeristas. Todavia,
não consegue desonerar o Judiciário de milhares de ações envolvendo direitos do
consumidor.
Neste sentido, o funcionamento das agências reguladoras, contribuiria para
a atuação da autarquia que protege os direitos dos consumidores, mas para isso é
imprescindível que as entidades reguladoras ajam com metas, objetivando dirimir os
litígios de forma prévia, através da mediação, antes que os conflitos consumeristas
se aproximem do Judiciário.
No que tange a desjudicialização, o papel das agências reguladoras é
contribuir para um melhor aperfeiçoamento do Sistema Judiciário, que necessita de
órgãos administrativos autônomos, com capacidade de regular e fiscalizar as mais
variadas formas de prestação de serviço público.
No Brasil, é possível citar algumas entidades criadas, a partir de 1988, quais
sejam: a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), Agência Nacional de
Telecomunicações (ANATEL)), Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT),
13
Vide Art. 37 CF/88.
30
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), Departamento de Estradas e
Rodagem (DER), Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), todas estas
dotadas de autonomia para fiscalizar e aplicar penalidades administrativas. Porém,
não são organizadas de modo a resolver conflitos de cunho pessoal, podendo-se,
então, afirmar que, em havendo lesão ou ameaça de lesão direito, o cidadão irá
socorrer-se do Poder Judiciário.
Portanto, para que efetivamente as agências nacionais cumpram seu papel,
contribuindo para o processo de desjudicialização, faz-se necessário o
estabelecimento de metas por parte destes entes, no sentido de dirimir conflitos de
maneira administrativa, não sobrecarregando o sistema a jurisdicional, bem como,
faz-se mister criar uma estrutura apta a dotar as agências de poder executório,
permitindo que estas defiram, inclusive, indenizações aos lesados no âmbito de sua
competência.
Caso contrário, o entendimento de que apenas o sistema jurídico é
competente para solucionar litígios continuará arraigado à cultura brasileira e,
consequentemente, o Judiciário se verá eternamente obrigado a suprir todas as
ineficiências e deficiências do Poder Executivo.
4.4 A ATUAÇÃO EXTRA-AUTOS DA DEFENSORIA PÚBLICA COMO MEIO A EVITAR A DEFLAGRAÇÃO DE DEMANDAS EXCESSIVAS
Consolidada pela Lei 80/94, após ser instituída para propiciar aos pobres o
direito sine qua non de acesso, integral e gratuito, à tutela jurisdicional, bem como os
direitos basilares inerentes a pessoa humana, a Defensoria Pública surge com o fito
de encorpar o texto da Carta Maior, no seu art. 5° LXXIV.
Em que pese, haja legitimidade ativa para a tutela de interesses difusos em
juízo, a legislação atual prevê que a atuação da Defensoria Pública deve primar pela
solução extrajudicial dos conflitos, consagrada na nova Lei Complementar 132/2009,
que dispõe sobre o assunto, regulamentando a atuação das Defensorias Públicas.
Nesse sentido é que a Defensoria Pública vem atuando com o objetivo de
evitar demandas judiciais, contribuindo de forma elástica para a desoneração do
Poder Judiciário, uma vez que o conflito que eventualmente poderia surgir,
passando pelas ”mãos” da Defensoria, antes de chegar ao judiciário, pode deixar ser
um conflito judicial.
31
Esta função dos Defensores Públicos é que legitima sua atual condição de
“agentes de transformação social”, trazendo a certeza de que esta atuação
extrajudicial e coletiva também garante direitos e concretiza a cidadania e a
dignidade à população desprovida economicamente.
Em uma simples reflexão sobre esta nobre instituição democrática,
assistencial e independente que tem como sua única bandeira - "a defesa do
menos favorecido" -pilar do Estado Social Democrático de Direito- é notório
perceber a importância de sua atuação em prol dos interesses difusos e coletivos, e
de igual modo no sentido de desonerar o sistema jurisdicional evitando e
solucionando conflitos extra-autos.
Dessa forma, para corroborar com a explanação feita acima, estas palavras
do Defensor Público, do Estado do Tocantis, Arthur Luiz Pádua Marques:
[...] se é mais que sabido que o Poder Judiciário está abarrotado de demandas, se os juízes sofrem com o excesso de trabalho, se a imensa quantidade de demandas propostas poderia ter solução extrajudicial pela Defensoria ou pelo Ministério Público, não haveria justificativa razoável em negar a Defensoria Pública o direito garantido por lei de auxiliar na diminuição das demandas, garantindo de forma razoável, rápida e tempestiva, o direito das minorias”. (MARQUES, set. 2012)
Pode-se citar como um grande exemplo, nesse diapasão, um fato que foi
divulgado pela mídia, a respeito do rompimento de uma adutora em Campo Grande,
Rio de Janeiro, em 30/07 do corrente ano. Diversas pessoas foram prejudicadas,
perdendo suas casas, seus pertences, tendo que ir para abrigos rapidamente. Uma
solução célere e eficaz para que diminua os transtornos sofridos por essas vítimas
foi dada pela Defensora Pública e Coordenadora do Núcleo de Defesa do
Consumidor, Dra. Alessandra Bentes, que assegurou as vítimas total respaldo e
apoio para resolução dessa situação de forma que sejam ressarcidas por todos os
danos, atuando extrajudicialmente sem necessidade de ir até a justiça, uma vez que
o Poder Judiciário se encontra com um número elevado de demandas e atrasaria
muito na solução dessa situação. Assim, agindo pelos meios extrajudiciais, tudo se
resolverá de forma mais rápida.
32
5 A MEDIAÇÃO COMO INSTITUTO, SEUS PRINCÍPIOS E BENEFÍCIOS NO PROCESSO DE DESJUDICIALIZAÇÃO
A mediação constitui mecanismo efetivo de se ver concretizado o sentimento
de inserção em uma ordem efetivamente justa e é o instrumento mais próximo da
negociação direta colaborativa.
Nesse diapasão, a mediação diferencia-se das outras formas de resolução
ou composição de litígios. A uma, porque se constitui de forma autônoma, vez que a
sua deliberação, uma vez alcançada, é obtida através de uma convergência de
interesses, resultado da vontade dos próprios litigantes, ao contrário do que ocorre
com as partes que se submetem a uma decisão judicial ou ao juízo arbitral, em que
haverá uma decisão heterônoma, isto é, externa aos interessados no desfecho da
lide.
Quanto a forma procedimental, na mediação, os litigantes são levados a
ocupar uma posição distinta das que, normalmente, ocupam pessoas que são
adversárias.
Como ressalta a Eminente Desembargadora do Tribunal de Justiça do
Estado do Rio de Janeiro, Marilene Melo Alves, sobre o tema em questão:
o enfoque não é o da evidenciação de diferenças, e, muito menos, o da busca de destinatários da imputação da culpa. O encontro se estabelece com o desígnio do mapeamento das convergências que, no mais das vezes, subjaz no âmago da controvérsia. Outra importante característica da Mediação é que nela não se enfoca o conflito como necessariamente negativo. O desentendimento pode trazer em si mesmo o gérmen do aperfeiçoamento da relação, não importa qual seja a natureza desta última [...] (ALVES, 2012).
Pode-se, portanto, entender a mediação como um método, como tal
considerado o complexo interdisciplinar de conhecimentos fundados em princípios
da teoria dos sistemas, da antropologia, da sociologia, da psicologia e da
comunicação.
Os meios pacíficos de resolução das controvérsias, portanto, não são
apenas uma alternativa disponível para desafogar o Judiciário. E a mediação, dentre
estes meios, desponta como uma prática simples, eficaz e acessível, contudo, sem
menosprezar os demais.
Certo é que, a mediação na cultura nacional está recepcionada pela
Constituição Brasileira, que, em seu preâmbulo, retrata uma sociedade fundada na
33
“harmonia social e comprometida na ordem interna e internacional, com a solução
pacífica das controvérsias”.
Dessa forma, a mediação já concretiza inúmeros princípios constitucionais-
do acesso à Justiça, da liberdade, da igualdade substancial, da integridade
psicofísica, da solidariedade, da dignidade da pessoa humana, da cidadania e da
pacificação social, dentre outros.
Consta no site Âmbito Jurídico.com.br, importante definição da estudiosa
Rosemary Damaso Padilha, que enfrentou o tema mediação em seu Mestrado e
preside uma organização que atua e capacita mediadores em Curitiba:
O processo de mediação visa promover o diálogo entre as partes, propiciar a escuta diferenciada dos pontos de vista e razões da outra parte, num ambiente de respeito, levando à conscientização do realismo das próprias exigências. Tal conscientização gera responsabilidade, aumentando o compromisso com o acordo. Leva os envolvidos na disputa a saírem do círculo vicioso de vítima e bandido, da busca de culpados, e envolverem-se na tarefa de encontrar soluções, criando alternativas e chegando a acordos criativos para satisfazer as necessidades de todos os envolvidos no processo. Do padrão adversarial, no qual para que um ganhe é necessário que o outro perca, passa-se a um padrão cooperativo, no qual todos saem ganhando, ou seja, de uma negociação distributiva, de ganhar x perder, passa-se a uma negociação integradora, de ganhar x ganhar (PADILHA, 2004).
Importante frisar que a mediação possui áreas de especial aplicabilidade, as
quais são aquelas que envolvem relações continuadas no tempo, quais sejam,
familiar, comunitária, comercial e contratual, relações de trabalho, relações de
parceria e de convivência e relações internacionais, ambiental e o crescimento da
mediação nas políticas restaurativas, resultantes de atuações agressivas envolvendo
vítima e ofensor. Ou seja, importante frase para conscientizar as partes litigantes:
melhor um mau acordo do que uma boa demanda.
Existem técnicas conhecidas e estudadas para o alcance do sucesso do
método. Porém, as mais conhecidas são: centralizar as discussões nos problemas, e
não nas pessoas. Estar atento o mediador nas emoções demonstradas para que
elas sejam revertidas de modo favorável na busca de interesses, e não
desfavoravelmente no alcance do processo de mediação. E, por último, descobrir os
interesses que estão em jogo, desarmando qualquer tipo de discurso desnecessário
à solução do litígio.
34
Por outro lado, a utilização da mediação em políticas públicas é crescente,
assim como em conflitos político-sociais.
Percebendo tais vicissitudes, o legislador pátrio, procurou mitigá-las,
editando a Lei dos Juizados Especiais de Pequenas Causas, valorizando,
sobremaneira, o importante papel dos conciliadores.
Dessa forma e paralelamente, a mediação tomou impulso no Brasil, com a
criação de centros de arbitragem, impulsionados pela edição da supramencionada
Lei 9.307/96.
Embora próximas à conciliação e à mediação, por tenderem ambas à
autocomposição, estas se distinguem porque, na primeira, o conciliador, após ouvir
os contendores, sugere a solução consensual do litígio, enquanto na segunda, o
mediador trabalha bem mais o conflito, fazendo com que os interessados descubram
as suas causas, removam-nas e alcancem, por via de consequência e por si só, à
prevenção ou solução do conflito exposto.
Frise-se que na arbitragem há diferenças bem distantes da conciliação e
mediação, vez que na arbitragem, urge frisar, há a constituição de um meio
heterogêneo de solução de controvérsias, onde o juiz togado é substituído por um
juiz privado.
5.1 A MEDIAÇÃO NO DIREITO COMPARADO
Para uma melhor apuração do tema, necessário trazer a lume o que é o
direito comparado. O direito comparado pode ser conceituado é um ramo da ciência
jurídica que estuda as diferenças e as semelhanças entre os ordenamentos
jurídicos de diferentes Estados.
O estudo envolve os diversos sistemas jurídicos espalhados pelo mundo. O
papel exercido pelo estudo do direito comparado é essencial não apenas para
ordem jurídica brasileira, mas também para a comunidade jurídica mundial face a
globalização econômica e a democratização apresentadas no cenário do mundo
atual.
Importante ressaltar, ainda, a necessidade de outros países em implementar
em seus sistemas jurídicos o fenômeno da desjudicialização, como será visto a
seguir.
35
Como se pode observar, o assoberbamento do Poder Judiciário é um
fenômeno mundialmente verificado.
Cada ordenamento jurídico detém as suas peculiaridades. Segundo a
Eminente Desembargadora do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro,
Marilene Alves Melo, em seu artigo publicado na Revista de Direito, vol. 90: na
França, quando as medidas executivas forçadas incidem sobre bens móveis e
quantias em dinheiro, a atividade de execução é realizada desde a citação do
devedor até a eventual venda do bem, de maneira exclusiva pelo oficial de justiça
(“hussier14”). O Poder Judiciário não atua nesses procedimentos, ressalvados os
casos excepcionais em que é chamado a decidir os embargos do devedor
executado. Na Alemanha, o oficial de justiça (“gerichtsvollzieher15”) tem sua atuação
independente do judiciário, todavia presta contas e precisa obter autorização do juiz
para alguns atos, como por exemplo, na hipótese de penhora sobre créditos. Além
disso, é da competência de um juiz decidir dos embargos do devedor que possam
surgir no curso da execução. No que tange ainda ao direito comparado, mais
especificamente ao direito penal, é possível notar a mediação como um meio
alternativo para a solução de litígios, muito desenvolvido na França. A mediação
constitui uma resposta judicial a infrações penais como injúrias, violências ligeiras,
furto, litígios envolvendo familiares menores ou mesmo contenciosos de vizinhança.
A mediação penal é promovida por iniciativa do Procurador da República e decorre
num tribunal, numa associação ou numa casa de justiça – a chamada “maison de
justice16”, o que de fato, contribui para a desjudicialização e, ainda que timidamente,
desobstrui o Poder Judiciário Francês. A mediação se inscreve entre os
mundialmente denominados ADRs (Alternative Dispute Resolution), cujas práticas
adotadas incluem-se as de Conciliação, Arbitragem, o Case Evaluation e o Mini-
Trial, que é um procedimento que antecede o contencioso. Cada parte apresentará
uma versão limitada do seu caso perante um terceiro independente e denominado
neutral, como o fariam se estivessem no julgamento. Após o término deste
procedimento e concluído, o neutral põe-se a trabalhar com as partes com o objetivo
de viabilizar um acordo. Já o case evolution consiste em uma estimativa que poderá
proceder a deflagração de uma ação na justiça, levada a termo, também, por um
14
Em linhas gerais é um mandatário da justiça. 15
Idem. 16
Mansão da Justiça, um referência aos Tribunais.
36
neutral. Esse terceiro, o neutral, avalia os pontos fortes e fracos do case e presta
assistência com o objetivo de encontrar uma área comum na disputa. Esse processo
informal conduz a cada parte colocar-se no lugar do outro e proporciona como a
hipótese poderá ser tratada se decidida fosse no Tribunal, antecipando e fazendo
uma prévia da decisão deste. Verifica-se que todos os continentes possuem o seu
próprio programa de ADRs, e, será eleito, adiante, um exemplo em cada continente
dos esforços expendidos e da conscientização da solução extrajudicial de conflitos,
especialmente, utilizando-se a mediação como uma dessas principais formas de
desobstrução do Judiciário, bem como na efetivação da justiça, almejada pelas
partes litigantes. De fato, a mediação pode ser observada, facilmente, na Ásia,
Europa, nas Américas do Norte e Sul, Ásia e África. No continente asiático, o Japão
destaca-se como emblemático exemplo de aproveitamento máximo da mediação.
Até porque é uma tradição secular do país a utilização de métodos não controversos
na solução de conflitos. É de se mencionar, outrossim, que o Japão ainda figura
como referência de sociedade que tem uma cultura pacífica, consciente e não
litigiosa. Lá as pessoas são educadas de forma a entender desentendimentos e
disputas como moralmente reprováveis e, quando esses conflitos surgem, os
mesmos são resolvidos de forma a preservar as relações harmoniosas. E isto só é
alcançado través da conciliação e da mediação, e não pela vitória ou derrota
resultantes de um contencioso. Os principais métodos de ADRs no Japão são a
arbitragem (Chusual) e a Mediação (Chatel) que é procedida em sistema adjunto à
Corte Judicial. A mediação é o método mais eficaz e popular do Japão. As
estatísticas apontam que, aproximadamente, 55% dos casos levados á mediação
são encerrados com sucesso. A mediação em sede de família (Kaji Chatel) e em
sede civil (Minji Chatel) são reguladas, respectivamente, pela Lei para a
Determinação de Assuntos da Família de 1947 e pela Lei de Conciliação Civil de
1951. Há uma peculiariedade na mediação japonesa face a origem cerimonialista do
seu povo: os mediadores sempre promovem encontros separados com cada parte,
sendo possível a obtenção de um acordo sem que as partes se defrontem. Ao
contrário, o Ocidente trabalha com práticas de ADRs em que há uma espécie de
catarse (descarga de emoções) em ambiente controlado, entendendo que a
discussão entre as partes envolvidas pode ter um cunho positivo, propiciando uma
discussão racional. Na Alemanha, até os idos de 1990, havia um interesse geral em
métodos não adversários, de forma que as ADRs eram significativamente reduzidas,
37
com atenções focadas no litigioso. A mediação ficava reduzida às áreas do Direito
de Família e Ambiental. Atualmente, há um volume bastante denso na literatura
alemã que versa sobre o tema da mediação. Em 1999, o parlamento alemão editou
norma que autorizava os Estados (Länder) a disporem sobre a obrigatoriedade do
recurso prévio à mediação, em determinadas matérias, o que resultou tanto na
Alemanha quanto em todo o continente Europeu do uso da mediação como forma de
resolução pacífica de conflitos. Já no continente americano, os Estados Unidos
utilizam a mediação, sendo esta exercida, majoritariamente, por corporações
privadas, compostas por grandes escritórios especializados por matérias.
Denominam-se de JAMS - The Resolution Experts, uma das mais conceituadas
dessas entidades privadas, nas quais a maioria de seus mediadores compõem-se de
juízes aposentados. No campo institucional, tem-se o programa Multidoor- Dispute
Resolution Division, da Superior Court of District of Columbia, em que os litigantes
podem utilizar das inúmeras ADRs, tais como a conciliação, a arbitragem e a
mediação, antes de ser deflagrada qualquer ação judicial.
Dessa forma, o tema ora abordado surge como um caminho a desafogar o
Poder Judiciário do excesso de ações, muitas vezes intentada a capricho do
postulante, é o da mediação.
Todavia, o mais eloquente e bem sucedido de uso da mediação provem da
Argentina. É um exemplo de ADR bem sucedida e na qual se tem imprescindível que
o Brasil adote esta medida de profícuo uso da mediação como uma alternativa de
evitar um maior estrangulamento da via judicial pela população, estancando, com a
maior rapidez, a enxurrada de demandas propostas diariamente no Brasil como um
todo.
Na Colômbia existe legislação sobre conciliação obrigatória, desde o ano de
1991.
Dessa forma, na Argentina, um país vizinho ao Brasil, desde 1995, foi
instituída a obrigatoriedade da mediação antes da deflagração da maior parte dos
feitos judiciais, na Província de Buenos Aires, através da Lei 24.573.17 Porém, na
atualidade, 22 das 24 províncias argentinas já possuem legislação sobre mediação.
17
Lei n. 26.589- Art.1: Institúyese con caráter obligatorio la mediación previa a todo juicio, la que se regirá por lãs disposiciones de la presente ley. Este procedimiento promoverá la comunicación directa entre las partes la solución extrajudicial de la controversia.
38
Alguns processualistas chegaram a arguir a inconstitucionalidade da norma,
mas a Corte Suprema da Argentina decidiu pela constitucionalidade do dispositivo
legal, sendo certo que a mediação tornou-se obrigatória nos processos cíveis e
comerciais, exceto em ações envolvendo o Estado ou qualquer de seus entes,
falências, ações cautelares, inventários, ações de estado (interdição, etc.), bem
como em matéria de família (divórcio e separação judicial, anulação de casamento,
investigação de paternidade), devendo, porém, as questões patrimoniais oriundas
destas últimas ser remetidas à mediação. Nos processos de execução, a tentativa
de mediação é facultativa para o exequente. Dessa forma, apesar da resistência
inicial, o procedimento firmou-se e hoje a mediação é verdadeira condição de
procedibilidade da ação, o que coloca a Argentina num estágio bem avançado da
prática e dos excelentes efeitos da utilização da mediação.
Na Colômbia, a tentativa de conciliação também se reveste de
obrigatoriedade, prevendo a lei que a conciliação se faz necessária em “todas as
matérias suscetíveis de transação, desistência ou conciliação”, o que,
indubitavelmente, não há muita clareza os assuntos em que a conciliação é
obrigatória.
Na África, verifica-se a existência de um importante polo de ADRs, sediado
em Lagos, na Nigéria e que já funciona há, aproximadamente, uma década,
denominado de Citizens Mediation Centre (CMC), sendo mundialmente visitado por
membros de altas Cortes do mundo, bem como por várias Universidades de Direito.
Estatisticamente falando, o Citizens Mediation Centre obteve um excelente
índice de resolução pacífica de conflitos. De um total de 48.055 queixas, 32.380
foram submetidas à mediação das quais foram pacificamente resolvidas 25.978, o
que é interpretado como um excepcional índice de êxito de 80,2% de resolução sem
propositura de qualquer ação perante o Poder Judiciário local.
5.2 A MEDIAÇÃO INSTITUCIONALIZADA NO PROJETO-LEI 4827/98, SUAS FALHAS E OMISSÕES
No ano de 1998 foi apresentado um Projeto de Lei (PL), sob o número
4827/1998, que institucionaliza e disciplina a mediação, como método de prevenção
e solução consensual de conflitos, tendo como última tramitação o seu
encaminhamento, em 04/07/2013 à Comissão de Constituição e Justiça e de
39
Cidadania para publicação de Parecer, estando, desde então, aguardando pauta no
Plenário (PROJETO..., 1998).
O PL 4827/1998 originou-se como uma resposta do Legislador que não
permaneceu insensível ao clamor social, fortalecendo, sobremaneira, a solução de
controvérsias, fato concretizado com a edição da Lei 9.307/96, que revitalizou a
arbitragem. Reforçou-se, também, por outro ângulo, os poderes conciliatórios do juiz,
estimulando a atividade no curso do processo, tal como se verificou com o advento
da lei 8.952/94 que alterou, dentre outros, os arts. 125 e 331 do Código de Processo
Civil.
Contudo, tal fato não era suficiente, tendo em vista que a conciliação judicial
estava sofrendo uma série de pressões adversas, de forma a limitar seus resultados
práticos, visto que as pautas dos magistrados permaneceram lotadas, de forma que
estes não poderiam se dedicar ao trabalho, naturalmente complexo da mediação,
que requer toda uma aplicação de técnica a fim de alcançar a solução dos litígios
entre as partes.
Com efeito, o PL 4827/98 investiu em duas modalidades de mediação, a
primeira, denominada de mediação prévia, que será sempre facultativa ou, também,
podendo ser chamada de voluntária, vez que a voluntariedade da parte é admitida
na medida em que esta recorre ao mediador antes mesmo ajuizar ação judicial, mas
que, o que for consensualmente decidido, produzirá os mesmos efeitos do
ajuizamento de uma ação. A segunda modalidade é a mediação obrigatória ou
incidental, tendo como principal característica de ser intentada logo após o
ajuizamento de uma ação de conhecimento na área cível, exceto se já tiver sido
proposta a mediação prévia.
O PL brasileiro ainda faz distinção entre a mediação judicial e a extrajudicial,
sendo a primeira realizada por advogados e a segunda por outros profissionais,
todos eles capacitados em técnicas de mediação, sendo que estes deverão ser
independentes e devidamente cadastrados e autorizados a exercerem tal função
pelo Tribunal de Justiça.
De acordo com o que consta no PL 4827/98, a obrigatoriedade da mediação
incidental não iria ferir o princípio da inafastabilidade do acesso aos Tribunais,
previsto no inciso XXXV, do art. 5°, da Constituição Federal, uma vez que,
diversamente do que ocorre nos Legislativos de outros países, ela ocorrerá somente
após o ajuizamento da demanda, com o consequente cumprimento dos ritos do
40
Código de Processo Civil, em seus arts. 7º e 9º, parágrafo 1º (citação) e 10º,
parágrafo 3°, do mesmo Diploma Legal.
A principal característica do PL 4827/98 é a institucionalização de um
procedimento não-obrigatório, que pode ser instaurado antes ou no curso do
processo judicial (art. 3°), desde que a matéria versada admita conciliação,
reconciliação, transação ou acordo de outra ordem, na forma do que dispõe o
parágrafo único do artigo 1°, podendo, ainda, ser proposta em qualquer tempo e
grau de jurisdição, podendo o juiz buscar convencer as partes da conveniência de se
submeterem à mediação extrajudicial, ou, com a concordância das partes, designar
mediador, suspendendo o feito pelo prazo de até três meses, prorrogável por igual
período.
Insta salientar que não serão submetidas à mediação incidental, de acordo
com o art. 5°, do PL, nas ações de estado, na falência e na concordata, na ação de
interdição, quando for autora ou ré pessoa de direito público, dentre outras
elencadas no dispositivo legal. Há previsão de ser obrigatória a mediação nas ações
que versem sobre o direito de família. Em casos como este, o mediador, bacharel
em Direito, terá o apoio de profissionais habilitados nas áreas de Psicologia,
Psiquiatria e Serviço Social.
Tem-se que o objetivo do PL 4827/98, segunda consta no site Migalhas:
é profundamente inovador, na medida em que traz a mediação para dentro
do processo civil, voltando-se a transformar a cultura do conflito em cultura
de pacificação, único caminho a ser perseguido para uma verdadeira
reforma da política judiciária (PROJETO..., 1998).
Todavia, para a real efetivação desse fenômeno, é necessário, de igual
forma, ao que se constatou no art. 1º, da Lei 26.589, de 2010, prevista na Legislação
Argentina, e que obteve o resultado almejado de desafogar o Poder Judiciário,
modificar o PL 4827/98, que ainda está em trâmite no Senado Federal, propondo
uma única forma de mediação, que vem a ser a obrigatória, em todos os feitos
judiciais suscetíveis a esse tipo de ADR, tornando-a em verdadeira condição de
procedibilidade da ação, e não concordar com a mediação facultativa e com a
incidental, na forma já proposta. Certamente, esse modelo ora apresentado irá se
transformar na terceira exceção ao Princípio Constitucional da Inafastabilidade do
41
Controle Jurisdicional, sendo os dois outros, o habeas data e o Tribunal de Justiça
Desportiva.
Observe-se que a mediação incidental, prevista no PL 4827/98, só poderá
ser levada adiante após ajuizada a ação, o que constitui um contra-senso ao real
objetivo do instituto pacificador da mediação, visto que, uma vez ajuizada a ação, os
ânimos dos litigantes ainda podem se tornar mais acirrados. Não se pode admitir,
também, dentro desse mesmo raciocínio, e visto os números alarmantes de ações
que não param de ser propostas, a mediação facultativa ou voluntária, deixando á
critério das partes procurar um mediador para a resolução dos conflitos, vez que não
há na nossa cultura incorporação dessa iniciativa de pacificação, de onde se conclui
que o PL 4827/98 pouco irá contribuir para a redução do excesso de ações judiciais.
Além do que, outros aspectos necessitam ser sopesados. Constitui-se de
extrema relevância, haja vista a resistência da cultura brasileira a pacificação de
conflitos, a educação das partes quanto o real objetivo do que seja o objetivo da
mediação. Para isso, seria viável a realização de palestras em grupo antes das
partes serem levadas à presença do mediador, a fim de serem conscientizadas dos
benefícios da mediação para si próprias e para o Estado-Juiz.
Necessário, também, seria a criação de Câmaras de Mediação, onde seriam
realizados todos os atos previstos à sua concretização, que vão desde às palestras
de conscientização e educação até o ato em si, envolvendo as partes, terceiros e o
mediador.
Outro aspecto de suma importância é a capacitação dos mediadores, vez
que o PL estabelece que caberá à OAB, aos Tribunais de Justiça e às pessoas
jurídicas especializadas em mediação, a realização de cursos para a formação e
seleção de mediadores. Ora, o PL não esclarece quais serão os critérios adotados
no processo de seleção, a duração do curso e a eficiência de como será proposto o
que foi ensinado ao profissional. Melhor sugestão seria a abertura de concurso
público para a contratação de mediadores com disciplinas voltadas, exclusivamente,
a essa especialização. Até porque, seguindo o exemplo de Buenos Aires, haverá
advogados que não ficarão satisfeitos com a solução do litígio de forma rápida, fato
que poderia obstaculizar o pagamento de seus honorários e a dependência de seus
clientes. É de se ressaltar que o legislador não deve ter atinado para esse
importante detalhe, pois conferiu poderes à própria OAB para capacitar seus
mediadores. Dessa forma, a abertura de concurso público almejando a contratação
42
de mediadores independentes, pelos Tribunais de Justiça, visaria cessar, também, a
discussão dos valores a serem cobrados pelos mediadores nas causas que
envolvessem a justiça gratuita. Contudo, no caso de uma das partes não ser
hipossuficiente, seriam cobrados os honorários ao mediador, o que seria revertido
aos cofres públicos para o pagamento de parte de seus vencimentos.
Sendo assim, lacunas e falhas existem no PL que está em tramitação desde
1998, debutando neste ano, apesar da urgência que o caso requer. Nota-se que o
Legislador pátrio, apesar da sua boa intenção, não estará contribuindo para o
desafogamento do Poder Judiciário e não se preparou para enfrentar a realidade da
cultura brasileira e do público alvo que procura o Poder Judiciário para solução de
seus conflitos. Muito ao contrário, irá criar mais controvérsias e caos, vez que, com
tantas lacunas, irá assoberbar ainda mais a Justiça, visto que o bem possível
despreparo e a falta de capacitação dos mediadores, aliado à ausência de
conscientização e de educação das partes sobre o tema, certamente, servirão de
entraves a pacificação através da mediação. Sob outro enfoque, ainda se tem a
forma com que o tema foi abordado pelo legislador, conferindo às partes o aspecto
de voluntariedade para buscar um mediador pago, enquanto a maioria das ações
judiciais são propostas pela Defensoria Pública, porquanto a ausência de
especificação sobre essa vertente deverá gerar, também, um outro impasse e a
retração da população menos favorecida à busca da mediação facultativa. E, quanto
a mediação incidental ser proposta quando já ajuizada a ação, entende-se que foi
perdida a finalidade de se evitar a busca ao Judiciário, ainda que o mediador
consiga a obtenção de algum êxito. E, frise-se, que pelo modelo proposto no PL
4827/98, o ajuizamento da ação será seguido, por óbvio, com o cumprimento dos
ritos processuais como os de citação, nos moldes do previsto no Código de
Processo Civil, congestionando, por óbvio, ainda mais o Judiciário, tendo que ser
mobilizados mais serventuários junto às respectivas Varas. Assim, o objetivo da Lei
está indo na contra mão do anseio da realidade da sociedade, a partir do momento
que o Legislador admite os inúmeros ajuizamentos de ações após a propositura da
ação.
5.3 OS RESULTADOS DA MEDIAÇÃO NA ARGENTINA
43
O estudo da obrigatoriedade e da institucionalização da mediação na
Argentina demonstra-se por demais relevante na medida em que fornece um
exemplo da mediação por força de lei.
Com o advento da Lei Argentina n° 24.573/1995, o Brasil inspirou-se para
materializar o anteprojeto de lei elaborado pelo Instituto Brasileiro de Direito
Processual (IBDP), datado de 1998 e até hoje em tramitação no Congresso
Nacional.
Alguns aspectos importantíssimos na mediação argentina merecem
destaque, e um deles é a obrigatoriedade da mediação. Ou seja, não existe a
faculdade da parte escolher se quer ou não submeter-se a mediação, ao contrário
do Brasil. Destaque para que se a mediação restar fracassada pelo não
comparecimento de qualquer das partes à primeira audiência, cada um dos ausentes
pagará uma multa equivalente ao dobro dos honorários a que tenha direito o
mediador. De igual forma, os terceiros envolvidos na mediação.
Nesse contexto, aliando-se a obrigatoriedade da mediação, como condição
de procedibilidade da ação, e mais, acrescendo-se à multa prevista para a ausência
de qualquer das partes e de terceiros, fazem com que o mecanismo esteja surtindo
bons resultados, apesar ainda das falhas.
Ainda dentro desse aspecto, são muito valiosas as observações feitas por
Juan Carlos G. Dupuis sobre a mediação no Estado Argentino, citada no Artigo “La
Reforma Judicial en Argentina: Justicia Inmediata. Menor Cuantia Y Sistemas
Alternativos de Resolución de Conflictos. A cuatro Años de La Mediacion”: a
institucionalização da mediação na Argentina teve a finalidade precípua de amenizar
a grave crise do sistema judicial, marcado pela morosidade e pela sobrecarga de
demandas e que a mediação foi pensada como um instrumento para desafogar os
tribunais. Inúmeras são as dificuldades enfrentadas nos primeiros momentos de
aplicação da mediação obrigatória, especialmente, devido à falta de conhecimento e
de informação por boa parte da população sobre o novo sistema. No que tange aos
agentes do sistema, é de se destacar um problema enfrentado pela Argentina, o
qual está ligado à falta de treinamento adequado para os mediadores, somada a
falta de incentivo para os mesmos, decorrente de honorários fixados por lei em
patamares muito baixos. Igualmente, segundo o autor, há que se pensar numa
preparação específica voltada para os advogados, na medida em que uma atuação
consciente do patrono na mediação produz resultados muito mais satisfatórios para
44
o seu cliente, havendo advogados que não colaboram para que o litígio seja logo
resolvido. Há, ainda, a falta de previsão, no sistema argentino, de acesso ao serviço
da mediação pela população mais carente, que não pode arcar com as custas e
honorários do processo. (DUPUIS, 1999 )
Apesar das vicissitudes narradas, é de se destacar que os acordos feitos
pelas próprias partes, por meio da mediação, são cumpridos de forma espontânea
na esmagadora maioria dos casos, e que apenas 51,6% dos casos submetidos à
mediação argentina tiveram o trâmite judicial ordinário retornado, percentagem essa
considerada bastante significativa para o autor.
A conclusão do estudioso argentino reconhece a inadequada cultura de
negociação em seu país. De qualquer sorte, crê que a mediação compulsória tem
seus méritos e deve perdurar, contando com os esforços, especialmente, daqueles
que conhecem as vantagens do procedimento, desde que bem empregados.
45
6 CONCLUSÃO
A exposição feita neste momento permite concluir que a desjudicialização na
resolução de conflitos que podem ser retirados do âmbito de incidência do sistema
jurisdicional é uma importante aliada como fator de contribuição à Reforma
Judiciária, uma vez que desonera as vias judiciais daqueles processos em que é
claramente prescindível a intervenção do Estado-juiz, dando liberdade ao
magistrado para que este se preocupe realmente com questões onde é estritamente
necessária a sua atuação, ou seja, cumprindo o papel de “última ratio”.
E, para tanto, surge uma das mais importantes ADRs, a mediação, como
uma alternativa imprescindível para o processo de descongestionamento do Poder
Judiciário e para o alcance da pacificação social. É cediço que o Poder Judiciário vê-
se, na atualidade, apesar das inúmeras reformas legais promovidas recentemente,
tendo como o maior desafio a redução das inúmeras demandas propostas.
Todavia, para a real efetivação desse fenômeno, é necessário, de igual
forma, ao que se constatou no art. 1º, da Lei 26.589, de 2010, prevista na Legislação
Argentina, e que obteve o resultado almejado de desafogar o Poder Judiciário,
modificar o PL 4827/98, que ainda está em trâmite no Senado Federal, propondo
uma única forma de mediação, que vem a ser a obrigatória, em todos os feitos
judiciais suscetíveis a esse tipo de ADR, tornando-a em verdadeira condição de
procedibilidade da ação, e não concordar com a mediação facultativa e com a
incidental, na forma já proposta, e não aceitar as duas formas de mediação
propostos no PL 4827/98, o que se reveste de um contra-senso ao real objetivo do
instituto pacificador da mediação, visto que, uma vez ajuizada a ação, os ânimos dos
litigantes ainda podem se tornar mais acirrados, de onde se conclui que o PL
4827/98, face a existência de tantas lacunas e pontos obscuros, pouco irá contribuir
para a redução do excesso de ações judiciais. Percebe-se, claramente, que o
Legislador pátrio, apesar da sua boa intenção, não se preparou para enfrentar a
realidade da cultura brasileira e do público alvo que procura o Poder Judiciário para
solução de seus conflitos.
Como é cediço, a sociedade brasileira clama por uma justiça célere, mas
não a encontra. Tem-se, na sociedade pátria, como se vê do próprio texto do PL
4827/98, a cultura de sobrecarregar o Poder Judiciário para que este decida
questões que poderiam ser resolvidas de forma pacífica e absolutamente tranquila
46
entre as partes. Contudo, ao contrário do Japão, a cultura brasileira ainda não é a da
pacificação espontânea, porquanto a obrigatoriedade da mediação nos moldes da
Lei Argentina como condição de procedibilidade da ação configura-se,
terminantemente, mais do que necessária no presente momento, sob pena de, em
não mais atendendo as demandas excessivas propostas, o Poder Judiciário
mergulhar num profundo descrédito e, com isso, virem à tona o caos social e a
segurança de grande parcela da população nos poderes paralelos ao do Estado de
Direito.
Certo é que a Proposta de Lei ora sugerida não afronta, em hipótese
alguma, os princípios constitucionais pétreos do devido processo legal e do juiz
natural, vez que a mediação irá se tornar obrigatória antes da deflagração das ações
e, se as partes não chegarem a um consenso, através de um mediador preparado
para a elucidação quanto a convergência de interesses, aí sim, as demandas
poderão intentadas junto à autoridade judiciária competente. E nem se ouse
imaginar, outrossim, o fato da mediação tornar-se obrigatória somente após
instaurada a ação. Para desafogar o Poder Judiciário, realmente há de se tornar
como verdadeira condição de procedibilidade a mediação, frisando-se que, neste
modelo, não há violação do disposto no inciso XXXV, do art. 5°, da Constituição
Federal, uma vez que esta seria a terceira exceção à Inafastabilidade do Controle
Jurisdicional, seguida do habeas data e do Tribunal de Justiça Desportivo.
Tem-se, pois, como objetivo o real desafogamento da Justiça, que não pode
se ocupar com mais demandas, pois o objetivo real da mediação é justamente não
chegar ao Poder Judiciário causas que podem ser solucionadas por mediadores
capacitados através de concurso público com especificação na matéria de
mediação, que hoje até conta com cursos específicos e aprofundados sobre o tema,
antes de chegar às mãos já tão assoberbadas dos juízes brasileiros.
Deve-se ter como meta a mediação, até porque esta ADR já é utilizada, em
larga escala, por todo o mundo, em todos os continentes, devendo ser mencionado
o sucesso do método, sendo espetacular o percentual de mais de 80% dos casos
levados à mediação na Nigéria que são resolvidos previamente, sem a necessidade
de proposituras inúteis ao Poder Judiciário e na Argentina, que, com todas as falhas,
por ter uma única forma de mediação, a obrigatória e que versa como condição de
procedibilidade da ação, obtém um sucesso de mais de 50% dos casos resolvidos
sem ter que passar pelo crivo do Poder Judiciário.
47
Ao lado da obrigatoriedade da mediação, vez que se trata de uma situação
em que está se beirando o caos, há de se estimular, gradativamente, práticas
inovadoras, por parte da comunidade jurídica e da sociedade que possam caminhar
tanto no sentido da desburocratização ou desembaraço do Direito, como também no
de propiciar a conscientização da responsabilidade de todo cidadão em buscar
caminhos que não os judiciais de solução ou composição jurídica, preconizando o
Direito realizado e não-judicializado como um fundamental sinal civilizatório e de
pacificação social, prevenindo-se os litígios.
É possível concluir que o acesso à justiça não anda em descompasso com a
desjudicialização, pois esta acaba por efetivar, de maneira mais célere e econômica,
a tutela de direitos que levariam um tempo inestimado para ser concretizado, face a
morosidade do sistema jurisdicional originado pelo número elevado de demandas
judiciais levadas a ele.
Enfim, é possível considerar o descongestionamento do Poder Judiciário,
através da mediação, como corolário de uma efetiva justiça.
Neste sentido, as palavras da Ministra do STJ, Eliana Calmon, quando aduz:
acho de perfeita coerência com a política de retirar do Poder Judiciário os chamados
processos não contenciosos. Aliás, dentro da tendência é o que ocorrerá no futuro
(CALMON, 1994).
E há de se fazer o futuro agora, sob pena do da desmoralização do Poder
Judiciário frente à sociedade brasileira. Tem-se que estancar, urgentemente, as
inúmeras proposituras de demandas que poderiam ser evitadas através da
obrigatoriedade da mediação de conflitos, fato que contribuiria, sobremaneira, para o
resgate da credibilidade da Justiça e, com isso, ser possível o restabelecimento da
tão almejada paz social.
48
REFERÊNCIAS
ALEMÃO, Ivan. Justiça sem mérito?: judicialização e desjudicialização da Justiça do Trabalho. Justiça do trabalho, Porto Alegre, v. 20, n. 239, nov. 2003.
ALEXANDRE FREITAS. Lições de direito processual civil. 19. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 68.
ALVES, Marilene Melo. Mediação: alternativa ou solução? Revista de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 90, p. 15-31, jan./mar. 2012.
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito administrativo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.
BAUMAN, Zygmunt. Vida líquida. Tradução Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007. p. 8.
BÉHIN, Jacques. Via extrajudicial de resolução de conflitos ganha espaço na Europa. Boletim ANOREG, v. 22, n. 2, fev. 2001.
BRASIL. Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 5 jan. 1916. Seção 1, p. 133. Código Civil Brasileiro de 1916.
_____. Lei nº 6.015/73, de 31 de dezembro de 1973, Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 31 dez. 1973, Seção 1, p. 13528.
_____. Lei nº 8.951, de 13 de dezembro de 1994. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 14 dez. 1994, Seção 1, p. 19391.
_____. Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 24 set. 1996. Seção 1, p. 18897.
_____. Lei nº 9.703, de 17 de novembro de 1998. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 18 nov. 1998. Seção 1, p. 3.
_____. Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 9 fev. 2005. Seção Extra, p. 1.
_____. Lei Complementar Federal nº 80, de 12 de janeiro de 1994. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 13 jan. 1994. Seção 1, p. 633.
_____. Lei Complementar Federal nº 132, de 7 de outubro de 2009. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 8 out. 2009. Seção 1, p. 1.
49
CALMON, Eliana. Crise no poder judiciário. Correio Brasiliense, [S. l.], n. 11310, 18 abr. 1994. Caderno Direito e Justiça, p. 3.
CÂMARA, Alexandre Freitas, Lições de direto processual civil. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2013. v. 1, 523 p.
_____._____. 19. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
CAPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Trad. e rev. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988.
CHALHUB, Melhim Namem. A reforma por caminhos alternativos. [S. l. : s.n., 2000?]. Disponível em: <www.anoregbr.org.br/?action=doutrina&iddoutrina=121>. Acesso em: 30 jul. 2013.
CINTRA, Antônio Carlos Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 1999.
_____._____. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 34.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (Brasil). Justiça em números. Disponível em: <http//www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/eficiencia-modernizacao-e-transparencia/pj-justica-em-numeros>. Acesso em: 1 ago. 2013.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Da atualização do Estado. São Paulo: [s.n.], 1963. p. 9.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2001.
DINAMARCO, Candido Rangel . Instituições do direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 45.
DUARTE, Francisco Carlos. Direito e Justiça. In: CONFERÊNCIA NACIONAL DE ADVOGADOS, 19, 2005, Florianópolis. Anais... Florianópolis, n. 3, 2005. Disponível em: <http://www.paranaonline.com.br/canal/direito-e-justica/news/147765/?>. Acesso em: 28 jul. 2013.
DUPUIS, Juan Carlos G. La reforma judicial en Argentina: justicia inmediata. menor cuantia y sistemas alternativos de resolución de conflictos. a cuatro años de la mediacion. Argentina: [s.n], 1999. Disponível em: https://www.google.com.br/search?q=forest+justitia+org+ar+eventos+mendoza+trabajos+jcarlos+dupuis&channel=linkdoctor#q=fores+justicia+org+ar+eventos+mendoza+trabajos+carlos+dupuis&safe=off&spell=1. Acesso em: 29 set. 2013.
ESTUDOS de arbitragem mediação e negociação. [S. l. : s. n., 2000?], v. 3. Disponível em: < http://www.arcos.org.br/livros/estudos-de-arbitragem-mediacao-e-negociacao-vol3/parte-ii-doutrina-parte-especial/reflexoes-sobre-a-institucionalizacao-da-mediacao-no-direito-positivo-brasileiro/>. Acesso em: 24 set. 2013.
50
FUNDAMENTOS teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 59, 1 out. 2002. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/3208>. Acesso em: 26 abr. 2012.
FUX, Luiz. Novo projeto do código de processo civil. [S.l.: s.n., 2011]. Disponível em:< http://www12.senado.gov.br/noticias/materias/2011/05/26/luiz-fux-entrega-a-camara-projeto-de-novo-codigo-de-processo-civil>. Acesso em 30 jul. 2013.
GRINOVER, Ada Pellegrini; CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. São Paulo: Malheiros, 2010.
MARQUES, Arthur Luiz Pádua. Defensoria Pública: atuação extrajudicial em prol dos Direitos Sociocoletivos. Processos Coletivos, Porto Alegre, v. 3, n. 2, 1 abr. 2012. Disponível em: <http://www.justocantins.com.br/artigos-8459-defensoria-publica-atuacao-extrajudicial-em-prol-dos-direitos-sociocoletivos.html>. Acesso em: 1 ago. 2013.
_____. A desjudicialização dos meios para garantia de direitos sociocoletivos - Defensoria Pública: instituição incumbida deste mister. Processos Coletivos, Porto Alegre, v. 3, n. 3, 01 set. 2012.
MONTESQUIEU. O espírito das leis. Introdução, tradução e notas Pedro Vieira Mota. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
_____. The Spirit of Law, Botache Books, Ontário: 2001. p. 180.
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 9. ed. São Paulo. Atlas, 2001.
MUNIZ, Tânia Lobo. Arbitragem no Brasil e a Lei 9.307/96. 1. ed. Curitiba: Juruá, 2003. p. 19.
NERY JUNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996.
PADILHA, Rosemary Damaso. A mediação no cenário jurídico. [S.l. : s.n., 2004]. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_ artigos_leitura&artigo_id=1426 >. Acesso em: 29 set. 2013.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 20. ed. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2002. v. 1, p. 672-673.
PROJETO de Lei sobre a Mediação e outros meios de pacificação. [S.l. : s.n., 1998] Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI3505,91041-Projeto+de+Lei+sobre+a+Mediacao+e+outros+meios+de+pacificacao>. Acesso em: 24 set. 2013.
RIBEIRO, Mário Fernando Carvalho. Proposta de desjudicialização da separação por mútuo consentimento e da sua conversão em divórcio. Âmbito jurídico, Rio Grande, n. 6, ago. 2001. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/aj/ dfam0013.htm>. Acesso em: 30 jul. 2013.
51
RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de direito processual civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
SIFUENTES, Mônica. Judicialização dos conflitos familiares. [S.l. : s.n., 2001]. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4242>. Acesso em: 30 jul. 2013.
SILVA, de Plácido e. Vocabulário jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Comentários ao novo Código Civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. v. 3, t. II, p. 111-112.
_____. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo do conhecimento. 27. ed. Rio de Janeiro: Ed. Revista Forense, 1999.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 602.