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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
A MARCHA DAS MULHERES NEGRAS 2015: OLHARES DAS MULHERES NEGRAS
BRASILEIRAS SOBRE O FEMINISMO NEGRO NO BRASIL
Rosalia de Oliveira Lemos1
Resumo: Esta comunicação tem por objetivo apresentar parte da tese Do Estatuto da Igualdade
Racial à Marcha das Mulheres Negras 2015: uma Análise das Feministas Negras Brasileiras
sobre as Políticas Públicas, realizada a partir da pesquisa ativista feminista negra, através de
entrevistas com nove feministas negras, in lócus nas cinco regiões do país. A Marcha das Mulheres
Negras 2015 Contra o Racismo a Violência e Pelo Bem Viver se configurou em um
contramovimento (POLANY, 2012) de denúncia contra a realidade vivida por mulheres negras,
perceptível nos indicadores sociais que traduzem um quadro de extrema desigualdades e
desvantagens ao longo da trajetória do Brasil. No dia 18 de novembro de 2015, mais de 50 mil
mulheres marcharam em Brasília por uma vida sem racismo, sem violência e pelo Bem Viver. O
processo de organização do evento impulsionou a rearticulação e o surgimento de diferentes
organizações com recorte de gênero e racial; a releitura do feminismo negro (TRUTH, 1851), (THE
COMBAHEE RIVER COLLECTIVE,1978), (DAVIS, 1982), (HOOKS, 1981), (COLLINS, 1990);
houve o resgate das atividades de formação política e de eventos autogestionados com geração de
renda, além da criação de fundo de apoio às que não tinham recursos para a viagem, similar aos
processos de fomento de renda para compra de alforrias no período escravista. A luta antirracista e
antissexista deste processo, provocou a capilarização das bandeiras com proposição de políticas
públicas e o aprimoramento de outras. Os resultados apresentarão a investigação da dimensão
pessoal da mulher negra e também na produção de categorias sobre a pensamento feminista negro
que amplia o campo da epistemologia feminista negra na contemporaneidade.
Palavras-chaves: feminismo negro brasileiro; epistemologia feminista negra; políticas públicas.
Feministas Negras e suas Pesquisas: uma introdução à pesquisa ativista feminista negra
É preciso que a qualidade do conhecimento produzido pela pesquisa seja avaliada em
função do seu poder transformador – ou seja, da sua capacidade de transformar as relações
injustas e desiguais existentes no mundo tal como ele é hoje, bem como transformar
radicalmente as estruturas geradoras da opressão, da desigualdade e da injustiça.
(Radha D’Souza)
A metodologia da Pesquisa Ativista Feminista Negra tem como referencial a Pesquisa
Ativista em Radha D’Souza (2010), que assume o compromisso com a construção de
conhecimentos científicos a partir das experiências de opressão, de desigualdade e de injustiças
vividas por determinados grupos sociais.
O primeiro desafio é a escolha das mulheres negras participarão da pesquisa, valendo
ressaltar que na definição clássica das ciências sociais, este universo seria denominado de amostra,
1 Doutora em Política Social – Universidade Federal Fluminense - Professora do IFRJ – Instituto Federal do Rio de
Janeiro, Niterói - Rio de Janeiro, Brasil.
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no entanto, neste trabalho são definidas como colaboradoras da pesquisa2, por refletir
dialeticamente com a pesquisadora ativista, os valores presentes em um objeto de estudo, que de
acordo com Alberti (2004) são denominadas “informantes” em antropologia. Assim, ficou definido
que as feministas negras a serem entrevistas deveriam preencher os seguintes requisitos:
1. Ter atuado na estrutura dos Comitês Impulsores durante a construção da Marcha das
Mulheres Negras 2015, bem como no desenvolvimento de ações que contribuíram para
mobilizar outras mulheres a participar das atividades e ter contribuído para organizar a
viagem à Brasília;
2. Ter desempenhado o papel de liderança local no desenvolvimento das ações
organizativas [foi avaliado o conjunto de atividades desenvolvidas no processo de
organização da Marcha das Mulheres Negras 2015];
3. Ter demonstrado, nas ações desenvolvidas e nas produções intelectuais realizadas, a
consciência feminista negra e fazer dela sua militância;
4. Sobre o quantitativo, ficou definido que seria uma mulher por região do Brasil3 –
Norte, Nordeste, Sudeste, Centro-Oeste e Sul;
5. A entrevista seria realizada em suas regiões, tendo em vista a importância de
preservar o referencial territorial no qual as ações aconteceram e o ativismo se estabelece.
(ALBERTI, 2004, p. 31-32).
Este processo foi facilitando, tendo em vista a atuação como ativista facilita a identificação
de potenciais colaboradoras da pesquisa. As entrevistas foram realizadas nas regiões, exigindo um
planejamento que levou quatro meses para a sincronização das datas de deslocamento pelo país. Por
outro lado, estes critérios colocam a pesquisadora em um dilema, uma vez que o universo de
ativistas que atuam em uma mesma causa é vasto, acarretando cobranças por parte daquelas que não
foram convidadas para participar dividir suas percepções. Este momento exige o esclarecimento de
que a análise dos dados demanda muito tempo é a única justificativa para evitar maiores problemas
de ordem pessoal e política.
Um aspecto fundamental para a pesquisa ativista feminista negra, é o fato apontado em
Fonseca (1999, p. 65), ao assinalar que ninguém nega que somos parte da realidade que
pesquisamos, por estabelecer a dialética entre a ativista pesquisadora e as colaboradoras da
pesquisa, uma vez que no processo da construção do conhecimento científico, também se realiza
um exercício pessoal, tanto para entender como para partilhar as impressões sobre o objeto de
estudo, que na tese Do Estatuto da Igualdade Racial à Marcha das Mulheres Negras 2015: uma
Análise das Feministas Negras Brasileiras sobre as Políticas Públicas foi o Estatuto da Igualdade
Racial e a Marcha das Mulheres Negras 2015. Assim, colaboras da pesquisa, a partir de suas
próprias histórias, refletiram a ressignificação do lugar da exclusão, transformando-o em espaço de
2 Agradeço à Ana Beatriz Silva2, Cristiane Mare da Silva, Iêda Leal, Giselle dos Anjos Santos, Maria Malcher, Nilma
Bentes, Piedade Marques, Valéria Porto e Zélia Amador de Deus, feministas negras que participaram da tese como
colaboradora da pesquisa. 3 Na Região Norte entrevistei três colaboradoras da pesquisa; no Sudeste e Nordeste foram duas; no Sul e Centro-Oeste
uma.
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luta, de práticas emancipatórias e em cenário para reflexões teóricas e produção de conhecimento,
desempenham papel relevante para a pesquisa feminista negra, tal como Claudia Pons Cardoso
(2012, p. 29) analisou em sua tese.
A pesquisa ativista feminista negra apresentada no gráfico 01, pode se transformar em uma
ferramenta que ofereça um instrumento ou roteiro, e que auxilie a (o) pesquisadora (or) a entender
as tensões e a disputa por poder endógeno. Destarte, seu caráter revolucionário se encontra não só
busca entender o protagonismo das feministas negras, como também socializar estratégias para
transformação social, econômica, política e cultural a que estão submetidas as mulheres negras,
assim como a reprodução de opressões às quais estão sujeitas.
Gráfico 01 – Pesquisa Ativista Feminista Negra
É oportuno ressaltar, que ao fazer o registro das percepções individuais deve ser priorizado o
detalhamento das atividades, das parcerias envolvidas, das tensões e os conflitos surgidos no
processo de luta. Deve-se procurar estabelecer no processo de análise, interconexões de questões
locais com relações globais ou universalistas. Ao fazer o registro oral, há que se tomar muito
cuidado, com o equipamento a ser usando. O teste do aparelho antes da ida ao campo é
imprescindível para o domínio de seu funcionamento. Um outro fator importante é efetuar a
gravação em dois aparelhos, como segurança, ainda mais quando se faz a entrevista em locais
distantes. Os registros das percepções individuais contribuem para manter o foco da pesquisa
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ativista feminista negra, com vistas a não incorrer em muitas divagações, tão comuns neste tipo de
pesquisa, que tem a realidade social como objeto que é comum ao grupo de atuação política da
pesquisadora. Neste sentido, o alerta de Queiroz (1983, p. 47) é oportuno para que de tempos em
tempos, se efetue intervenção para conectar os fatos relevantes para a pesquisa e para aguçar a
memória das colaboradoras, assim como indagar diretamente os assuntos que se pretende investigar
de forma interativa e dinâmica.
No diz respeito à análise do registro das percepções individuais, se estabelece o diálogo
entre a colaboradora da pesquisa, a ativista pesquisadora e com o referencial teórico. E se
caracteriza no encontro com as diferentes visões de mundo, e das alternativas para transformação
social, dos pensamentos que viajam por situações que, aparentemente são similares, mas guardam
singularidades, não só pelas respostas individuais, como também das expectativas baseadas nas
experiências de vida de cada ser humano, uma vez que:
Pensamento e ser habitam um único espaço, que somos nós mesmos. Mesmo quando
pensamos, também temos fome e ódio, adoecemos ou amamos, e a consciência está
misturada ao ser; mesmo ao contemplarmos o "real", sentimos a nossa própria realidade
palpável. De tal modo que os problemas que as "matérias-primas" apresentam ao
pensamento consistem, com frequência, exatamente em suas qualidades muito ativas,
indicativas e invasoras. Porque o diálogo entre a consciência e o ser torna-se cada vez mais
complexo - inclusive atinge imediatamente uma ordem diferente de complexidade, que
apresenta uma ordem diferente de problemas epistemológicos - quando a consciência crítica
está atuando sobre uma matéria-prima feita de seu próprio material: artefatos intelectuais,
relações sociais, o fato histórico (THOMPSON, 1981, p. 27).
E este conjunto de artefatos intelectuais, as relações sociais e o fato histórico captados aos
quais se refere Thompson (1981), compõem os elementos essenciais para se encontrar as respostas
das perguntas previamente definidas no momento da formulação do projeto de pesquisa. Não
obstante, a imprevisibilidade está presente constantemente na metodologia da pesquisa ativista
feminista negra, necessitando pesquisar constantemente documentos para fundamentar o
conhecimento sobre os fatos, e para criar um acervo sobre a temática, sem se esquecer de atuar
ativamente no movimento social.
Por isso que a Análise Documental cumpre um papel primordial, como instrumento
orientador para a catalogação de documentos referentes à temática durante o processamento da
pesquisa. E, não se deve subestimar que em tempos de avanço tecnológico veloz, se verifica a
diversidade de documentos disponíveis na internet, entretanto aumenta também a exigência na
capacidade de filtrar fontes e informações confiáveis.
A História Oral é outro recurso essencial para a pesquisa ativista feminista negra. De acordo
com Alberti (2005), através da história oral se privilegia entrevistar as colaboradoras, pois estas
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viveram os acontecimentos que se estuda e seus testemunhos tornaram vivas as histórias
apresentadas. O que torna possível compartilhar suas visões de mundo e os contextos apresentados,
possibilitando a dialética com o nosso objeto de estudo. Desse modo, a história analisada se
concretiza tal forma de uma história viva, pautada nas reflexões de Halbwachs (2006) sobre a
percepção dos fatos se apoiarem mais na história que se vive do que na história que se aprende.
Assim, a história viva, “se perpetua ou se renova através do tempo, na qual se pode encontrar
novamente um grande número dessas correntes antigas que desaparecem apenas em aparência”
(HALBWACHS, 2006, p. 86).
Já na etapa da análise dos registros das percepções individuais, o uso da Análise do Discurso
Político deve assumir o compromisso de preservar a linguagem utilizada, ainda mais quando se
entrevista mulheres em todo o território nacional com tamanha diversidade cultural, tão peculiares
no Brasil. E mais, a pesquisa se depara com um movimento interdisciplinar registrado na
investigação em sociologia, antropologia e outras ciências para os fenômenos comunicacionais e
linguísticos (AZEVEDO, 1998, p. 107). Na pesquisa ativista feminista negra, a fluidez ocorre com
mais frequência por possibilitar maior entendimento às interpretações dadas a um determinado fato,
o que torna a leitura da realidade próxima tanto para a ativista pesquisadora, quanto para a
colaboradora da pesquisa. Por isso, o compromisso em não interferir no discurso da colaboradora da
pesquisa assume um caráter ético. Deve-se procurar registrar o diálogo sem cortes ou correções, as
formas de expressão dos diferentes sentidos do mundo em relação a um determinado tema ou
questão devem ser preservados. Por fim, somente tecer comentários, após a explanação dos
pensamentos da colaboradora da pesquisa.
Para Orlandi (2001, p. 15), a Análise de Discurso, como seu próprio nome indica, não trata
da língua, não trata da gramática, embora todas essas coisas lhe interessem. Ela trata do discurso. E
a palavra discurso, etimologicamente, tem em si a ideia de curso, de percurso, de correr por, de
movimento. O discurso é, assim, palavra em movimento, prática de linguagem: com o estudo do
discurso observa-se o homem e a mulher4 falando. Isso porque:
O discurso é constitutivo do político. Ele está intrinsecamente ligado à organização da vida
do social como governo e como discussão, para melhor ou pior. Ele é, ao mesmo tempo,
lugar de engajamento do sujeito, de justificação de seu posicionamento e de influência do
outro, cuja encenação varia segundo as circunstâncias de comunicação, o que tornaria mais
justo falar de discursos do conceito político do que do discurso político. (CHARAUDEAU,
2008, p. 42-43).
4 No texto original não consta a referência à mulher, mas adicionei para seguir a atualização na perspectiva de gênero.
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As colaboradoras e ativistas do movimento de mulheres negras dominam a temática
estudada e têm discursos próprios. Suas concepções sobre os eventos estudados na pesquisa, suas
visões acerca das implicações da realidade estudada em suas vidas estão relacionadas com as
bandeiras de luta por melhorias fundamentadas em suas práxis. E as análises por elas realizadas e
suas motivações são determinantes para a na composição final do relatório da pesquisa.
Em relação à tese desenvolvida a que se reporta este artigo, a Análise Documental e a
Análise do Discurso Político permitiram concluir que há urgência em divulgar, para a população em
geral, o teor do EIR, uma vez que não basta a existência de marcos jurídicos relevantes, sem que a
população a ele tenha acesso ou conhecimento, e assim usá-lo como ferramenta antirracista. Possa
ser que, mesmo que toda a população tenha conhecimento dessas legislações, não acione a justiça
para a garantia de direitos, porém este fato possa contribuir para inibir violações de direitos, possa
construir para efetivar os ideais de “justiça”, “desenvolvimento”, “empoderamento das mulheres
negras”, “ações afirmativas” e “progresso”, como bases seguras para atingir as transformações
necessárias e o fim do racismo, do sexismo e todos os ismos que tentam subalternizar as populações
historicamente discriminadas.
Assim, a Pesquisa Ativista Feminista Negra é um método que reúne um conjunto de
recursos metodológicos, para produzir um determinado conhecimento científico que emerge no seio
dos feminismos negros, onde o processo de construção do saber é produzido com colaboradoras da
pesquisa que promovem o encontro entre a academia numa perspectiva ativista, o ativismo dos
movimentos sociais de forma holística. Este método de pesquisa, assume o compromisso com a
visibilidade das colaboradoras da pesquisa, por isso a opção em reservar espaço de destaque no
relatório final, podendo constar um capítulo específico, com o resumo de suas biografias, tendo em
vista o papel relevante e imprescindível para a concretização do estudo.
A seguir apresento breve análise os resultados obtidos sobre as reflexões acerca dos
feminismos negros ao longo dos tempos.
O longo caminho dos Feminismos Negros
A afroamericana Sojourner Truth (1851) é a expressão vigorosa da primeira fase do
feminismo negro. Denunciou os demarcadores das diferentes opressões vividas por mulheres negras
na sociedade norte-americana, em um espaço de mulheres brancas americanas que lutavam pelo
direito ao voto. Seu discurso entrou para a história como o marco do feminismo negro. Esta ativista,
nascida em 1797, sob o nome de Isabella Betsy, em condição de escravidão que em seguida,
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trabalhou empregada doméstica tão comum ao percurso de inúmeras mulheres negras da diáspora
africana, teve desempenho histórico durante o II National Convention on Women’s Rights, em
1851, em Worcester, Massachusetts, segundo hooks (2014)5:
Quando Sojourner Truth ficou de pé perante a Segunda Conferência Anual do Movimento
do Direito de Mulheres em Akron, Ohio, em 1852, as mulheres brancas que acreditaram
desadequado que uma mulher negra falasse na sua presença, numa plataforma pública
gritaram: “Não a deixem falar! Não a deixem falar! Não a deixem falar!” Sojourner
aguentou os seus protestos e tornou-se uma das primeiras feministas a chamar a atenção
para o destino da mulher negra escrava que, forçada pela circunstância de trabalhar lado a
lado com os homens negros, era uma viva personificação da verdade que as mulheres
podiam ser iguais aos homens no trabalho. (HOOKS, 2014, p. 115).
Em uma época marcada pela ausência de direitos fundamentais, a luta pelos direitos das
mulheres negras e pela reivindicação na participação em profissões ocupadas por homens brancos, a
ativista Sojourner apontou para a importância equidade no sistema judiciário, para a justiça em
julgamentos nos tribunais e denunciou a intimidação direcionada às mulheres pelos homens que
ocupavam poder, detectou ainda, a desqualificação da fala da mulher.
A segunda fase do feminismo negro, se caracteriza pela categorização do termo, pelo
ativismo político focado na luta por direitos sociais com ênfase na educação e na saúde, dentre outros. A luta
por salários iguais e remuneração equivalente aos homens resgatam a importância dos direitos econômicos.
Luta por direitos culturais. Na esfera dos direitos civis, o enfoque é na participação equânime das
estruturas partidárias e no acesso aos cargos de prestígio social nas instituições públicas e privadas. Nesta
fase, foi denunciado o sexismo e o racismo nos espaços mistos de participação, seja no movimento negro ou
feminista branco6. A participação política nos espaços de mistos por direitos civis e sociais buscavam
demonstrar as fronteiras de gênero, raça e classe. Ainda nesta fase, denúncias dos sistemas de opressão
econômica, da precariedade do trabalho e das relações sociais laborais são constantes. No âmbito acadêmico,
o status de objeto de pesquisa passa a ser questionado de forma pragmática. A ausência de direitos
fundamentais à dignidade humana, a luta por representação na política partidária em todo o território
nacional, passaram a fazer parte da rotina das manifestações e das reivindicações políticas das diferentes
instituições feministas negras. Por fim, a sistematização do conceito de cidadania.
Destaca-se no ano de 1974, nos Estados Unidos da América, o The Combahee River
Collective, integrado por feministas negras e lésbicas, publicaram A Black Feminist Statement
(Declaração Feminista Negra) estabelecendo compromissos para o desenvolvimento de lutas contra
a opressão racial, sexual, heterossexual e de classe. O feminismo negro foi definido como um
movimento de lógica política para combater as múltiplas e simultâneas opressões a todas as
5 Tal intervenção de Sojourner aconteceu antes da Proclamação de Emancipação de Abraham Lincoln, promulgada no
ano de 1863 põe fim à escravidão nos Estados Unidos da América. 6 Feminismo branco ou feminismo tradicional ou hegemônico, categorias similares.
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mulheres negras. E os estudos de Angela Davis (1982), Patrícia Hill Collins (1990), dentre outras
afroamericanas aprofundaram a análise sobre o tema.
A categorização no território africano, segundo Amina Mama (2014) 7, que o define por
"Feminismos na África" ou "feminismos africanos", em vez de usar o termo singular "feminismo
africano", porque as teorias e práticas que compunham a luta pela libertação das mulheres variavam
muito de acordo com o contexto. O trabalho está focado na aplicação do feminismo para a análise e
desmistificação da opressão das mulheres interseccionando as interações de gênero e sexualidade
com outras dimensões da injustiça sistêmica como nacionalismo, etnocentrismo, estratificações de
classe, casta, localização e status social, a heteronormatividade, regimes políticos e econômicos
injustos e antidemocráticas. Tais características levam a afirmar, que as lutas de feministas africanas
se dão de acordo com a cultura local, mas atuam de forma sistemática por uma cultura da paz e da
libertação do militarismo que produz mutilações, estupros de crianças e mulheres, e outras
violações.
No Brasil, os estudos de Silva (2005) irão resgatar as primeiras reflexões sobre a
especificidade das mulheres negras a partir do olhar das escritoras negras entre 1945 e 1964, dando
luz ao protagonismo do Rio de Janeiro, São Paulo e Santa Catarina. A autora fez a análise das ações
políticas de Maria de Lurdes Nascimento, Nair Theodoro de Araújo e Antonieta de Barros, que
refletiam sobre a interseção de raça e gênero as quais situavam as mulheres negras, em diferentes
zonas de confluências de opressão, como se pode observar na produção literária em Quarto de
Despejo, de Carolina Maria de Jesus (1969).
A militante Lélia Gonzalez (1982) apresentou importantes contribuições ao pensamento
feminista negro, seus textos denunciam o racismo, o sexismo, as discriminações por orientação
sexual e seus reflexos na vida das mulheres negras. Defendia a importância de que a mulher negra
na condição de oprimida fosse o sujeito de pesquisa, e não o objeto. (LEMOS, 2016).
Os temas que inquietavam diversas mulheres negras não encontravam eco no movimento
feminista branco devido às diferenças de origem racial e social. Por outro lado, o sexismo
pragmático do Movimento Negro reservava às negras um lugar de segunda categoria no exercício
político e de sua própria existência.
Segundo Suely Carneiro (2003):
Ao politizar as desigualdades de gênero, o feminismo transforma as mulheres em
novos sujeitos políticos. Essa condição faz com esses sujeitos assumam, a partir do
7 Feminists We Love: Professor Amina Mama. Outubro de 2014. Disponível em:
http://www.thefeministwire.com/2014/10/feminists-love-amina-mama/. Acesso em: 20 maio 2015.
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lugar em que estão inseridos, diversos olhares que desencadeiam processos
particulares subjacentes na luta de cada grupo particular. Ou seja, grupos de
mulheres indígenas e grupos de mulheres negras, por exemplo, possuem demandas
específicas que, essencialmente, não podem ser tratadas, exclusivamente, sob a
rubrica da questão de gênero se esta não levar em conta as especificidades que
definem o ser mulher neste e naquele caso. (CARNEIRO, 2003, p. 119).
A década de 1970 foi marcada por debates intensos sobre a organização das mulheres e dos
negros no Brasil e o foco eram as particularidades como aponta Carneiro (2003). Não só o racismo
foi alvo de denúncia, como também o sexismo e o capitalismo. As reivindicações por políticas
públicas e por direitos fundamentais tiveram como ênfase na educação8, saúde9, organização10,
trabalho11, dentre outros. Esta fase se verifica o nascimento do interesse investigativo sobre
Feminismo Negro.
Por fim, a terceira fase do feminismo negro é demarcada pelo ativismo político focado na
diversidade do feminismo negro, mulherismo africano, feminismo de favela, feminismo das
cantoras de Rapper, Hip-Hop e Funk, negras de classe média que se autodenominam empoderadas,
dentre outros, tornando visível a perspectiva cultural, territorial e de classe. Verifica-se ainda, a
defesa do controle do corpo, visando assegurar os direitos sexuais e reprodutivos. Na esfera
acadêmica, se consolida a temática como linha de pesquisa, e o abandono do status da mulher negra
como objeto de investigação, passando para a categoria de protagonistas do saber acadêmico. O fim
do genocídio da juventude negra passa a ter um enfoque de proteção dos filhos, pertencentes a toda
comunidade negra e, não apenas, às suas mães e pais. Persiste a luta por equidade nas esferas dos
direitos sociais, político no que tange à equidade na representação política e na ocupação de cargos
de prestígio social, além da autonomia econômica.
A tabela 01 sistematiza as três fases do feminismo negro, e tem o objetivo de cumprir uma
função didática ao demarcar aspectos considerados relevantes, porém os destaques se referem ao
meu olhar sobre este processo político, podendo assumir outras nuances se forem sistematizados por
outra pesquisadora feminista negra.
Tabela 01 – Fases do Feminismo Negro
FASE CARACTERÍSTICAS
Primeira Ativismo político focado na luta por direitos civis e sociais. Denúncia dos sistemas de opressão
econômica (escravidão), da precariedade do trabalho e das relações sociais laborais. Questionamento
da centralização do poder por homens brancos e mulheres brancas. Ausência de direitos
8 (DEUS, 2010) 9 (WERNECK, 2009), (CRUZ, 2003) e (LÓPEZ, 2011). 10 (BARRETO, 2005), (SANTOS, 2009) e (CARDOSO, 2012). 11 (ASSIS, 2010).
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fundamentais à dignidade humana. Identificação e denúncia da opressão de gênero e de raça.
Segunda Categorização do termo. Proliferação de organizações feministas negras. Ativismo político focado na
luta por direitos sociais (educação, saúde, etc), econômicos (salários iguais, trabalhos iguais), civis
(ausência de participação equânime nas estruturas partidárias e no acesso aos cargos em instituições
públicas e privadas) e a luta por direitos culturais. Tensionamento na identificação do sexismo e
racismo nos espaços mistos de participação (movimento negro e feminista branco). Participação
política nos espaços de mistos por direitos civis e sociais. Denúncia dos sistemas de opressão
econômica, da precariedade do trabalho e das relações sociais laborais. Tensionamento acadêmico do
status de objeto de pesquisa. Ausência de direitos fundamentais à dignidade humana. Luta por
representação na política partidária em todo o território nacional. Sistematização do conceito de
cidadania.
Terceira Ativismo político focado na diversidade do feminismo negro (mulherismo africano, feminismo negro
de mulheres de favela, feministas cantoras de Rapper, Hip-Hop e Funk, feminista negras de classe
média autodenominadas Mulheres Empoderadas, dentre outras). Controle do corpo (direitos sexuais e
reprodutivos). Consolidação como linha de pesquisa. Abandono do status de objeto de investigação,
se tornando protagonistas do saber acadêmico. Conformação de novos feminismos negros na
perspectiva cultural, territorial e de classe. Luta pelo fim do genocídio da juventude negra. Insistência
na luta por equidade e autonomia econômica. (Muitas características da primeira e segunda fases por
não terem sido superadas, ainda persistem).
Há que se destacar, que muitas características se perpetuam com o passar do tempo e são
cumulativas nas diferentes fases por não terem sido superadas. As que persistem compõe o leque de
atuação e de enfrentamento das ativistas feministas negras no tempo-espaço, e estão em constante
diálogo com a demanda das novas gerações que sinalizam para novas urgências e, assim, passam a
fazer parte da agenda dos feminismos negros na contemporaneidade, com vistas à se transforarem
em ações concretas e proposição de políticas públicas, em busca da autodeterminação e melhoria de
vida das mulheres negras, que apesar de nos tempos atuais, direitos que foram conquistados ao
longo caminho de lutas têm sido reduzidos e, muitas vezes extintos.
E, a Marcha das Mulheres Negras 2015 contra o Racismo e a Violência e pelo Bem Viver
contou com o esforço coletivo em âmbito nacional, resgatando formas alternativas de organização
com foco na participação coletiva, formação política e pelo resgate da autogestão para viabilizar a
viagem das mulheres para Brasília, que abriram um leque de bandeiras e lutas num mar da
diversidade entre as mulheres negras e seus feminismos negros.
Referências
ALBERTI, Verena. Manual de História Oral. Rio de Janeiro, Editora Fundação Getúlio Vargas,
2004. Disponível em:
htttp://neppi.ucdb.br/pub/cedoc/pdf/MANUAL%20DE%20HIST%D3RIA%20ORAL.pdf. Acesso
em 22 de jun. 2016.
AZEVEDO, José. Metodologias qualitativas: Análise do Discurso. Porto: Universidade do Porto.
Faculdade de Letras, 1998. Disponível em: https://repositorio-aberto.up.pt/handle/10216/8902.
Acesso em 25 de out. de 2013.
BARRETO, Raquel de Andrade. “Enegrecendo o feminismo” ou “Feminizando a raça”: narrativas
de libertação em Angela Davis e Lélia Gonzáles. Rio de Janeiro, PUC-Rio, Departamento de
11
Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
História, 2005. Disponível em:
http://coletivomariasbaderna.files.wordpress.com/2012/09/enegrecendo-o-feminismo.pdf. Acesso
em 18 de mar. de 2013.
CARNEIRO, Sueli. Enegrecer o Feminismo: a situação da mulher negra na América Latina a partir
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The Black Women's March 2015: Brazilian black women's views on black feminism in Brazil
Abstract: This communication aims to present part of the thesis of the Statute of Racial Equality
for the Black Women 2015: an Analysis of Brazilian Black Feminists on Public Policies, carried out
from the black feminist activist research, through interviews with nine black feminists, in Loci in
the five regions of the country. The Black Women's March 2015 Against Racism against Violence
and Well-being was set in a countermovement (POLANY, 2012) of denunciation against the reality
lived by black women, perceptible in social indicators that translate a picture of extreme inequalities
and disadvantages along Of Brazil's trajectory. On November 18, 2015, more than 50 thousand
women marched in Brasilia for a life without racism, without violence and by Bem Viver. The
process of organization of the event led to the rearticulation and emergence of different
organizations with a gender and racial cut; The re-reading of black feminism (TRUTH, 1851),
(THE COMBAHEE RIVER COLLECTIVE, 1978), (DAVIS, 1982), (HOOKS, 1981), (COLLINS,
1990); There was the rescue for the development of activities political formation and economic , as
well as the creation of a fund to support those who did not have the resources to travel, similar to
the processes of income support for the purchase of manumission in the slave period. The anti-racist
and anti-sexist struggle of this process, provoked the capillarization of the banners with the proposal
of public policies and the improvement of others. The results will present the investigation of the
personal dimension of the black woman and also in the production of categories on black feminist
thought that extends the field of black feminist epistemology in the contemporary world.
Keywords: Brazilian black feminism; Black feminist epistemology; public policy; March of the
black women 2015.