A interação fonoaudiólogo-paciente-cão: efeitos na ... Ribeiro... · Terapia Assistida por...
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PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO
PUC-SP
Glcia Ribeiro de Oliveira
A interao fonoaudilogo-paciente-co:
efeitos na comunicao de pacientes idosos
MESTRADO EM FONOAUDIOLOGIA
SO PAULO
2010
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Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo
PUC-SP
Glcia Ribeiro de Oliveira
A interao fonoaudilogo-paciente-co:
efeitos na comunicao de pacientes idosos
Dissertao de Mestrado apresentada a Banca Examinadora da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, como exigncia parcial para obteno do ttulo de MESTRE em Fonoaudiologia sob a orientao da Prof. Dr. Maria Claudia Cunha
So Paulo
2010
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Oliveira, Glcia Ribeiro de
A interao fonoaudilogo-paciente-co: efeitos na comunicao de pacientes
idosos / Glcia Ribeiro de Oliveira So Paulo, 2010. 159fs.
Dissertao (Mestrado) Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo.
Programa de Estudos Ps-Graduados em Fonoaudiologia. rea de Concentrao:
Clnica Fonoaudiolgica. Linha de Pesquisa: Linguagem, Corpo e Psiquismo.
Orientadora: Profa. Dra. Maria Claudia Cunha.
The interaction speech therapist-patient-dog: effects on communication of
elderly patients
1. Terapia Assistida por Animais 2. Comunicao 3. Envelhecimento
4. Fonoaudiologia
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Autorizo, exclusivamente para fins acadmicos e cientficos, a reproduo
parcial ou total desta dissertao atravs de fotocpias ou meios eletrnicos
_______________________________________
Glcia Ribeiro de Oliveira So Paulo, dezembro de 2010
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PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO
Programa de Estudos Ps-Graduados em Fonoaudiologia
Coordenadora do Curso de Ps-Graduao Profa. Dra. Lslie Piccolotto Ferreira
Vice-coordenadora do Curso de Ps-Graduao Profa. Dra. Dris Ruth Lewis
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Glcia Ribeiro de Oliveira
A interao fonoaudilogo-paciente-co:
efeitos na comunicao de pacientes idosos
Banca examinadora:
_______________________________________ Profa. Dra. Maria Claudia Cunha
_______________________________________ Profa. Dra. Irene Queiroz Marchesan
_______________________________________ Profa. Dra. Beatriz C. A. C. Novaes
_______________________________________ Profa. Dra. Dbora Maria Befi-Lopes
_______________________________________ Prof. Dr. Luiz Augusto de Paula Souza
Aprovada em: ___/___/___
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Aos idosos, com quem pude compartilhar
de momentos enriquecedores para minha vida profissional e pessoal.
A Nara, que com sua presena transforma em alegria cada canto da clnica
e da minha vida.
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Aos meus pais, referncia eterna de amor, educao e respeito,
A Luiz Felipe, smbolo de companheirismo e cuidado,
Aos animais de estimao, que ao longo de minha vida ensinaram-me o
incrvel poder do vnculo humano-animal, em especial Nara, Nina, Rana e
Cac,
A Gabriele, meu maior incentivo e sentido de vida.
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AGRADECIMENTOS Obrigada!
Deus agradeo e celebro o momento, e a todo instante.
CAPES, pela bolsa de estudos concedida, oportunidade de
crescimento e conhecimento.
Profa. Dra. Maria Claudia Cunha, minha orientadora, por firmar seu
apoio ao tema, me incentivar e conduzir minha maneira de expressar o
vivido no percurso desse estudo.
Profa. Dra. Beatriz C.A.C. Novaes, a cada aula sua, uma
descoberta. Convid-la para a banca veio confirmar minha admirao por
sua dedicao.
Profa. Dra. Irene Queiroz Marchesan, para muitos, referncia na
Fonoaudiologia e para mim, vai alm. O incentivo e apoio ao Fonoco
mostram o que vi no seu olhar: humildade e amor aos seus animais. So
estrelas!
minha amiga Mabile, a cincia e a Fonoaudiologia ganham uma
excelente pesquisadora e eu ganhei e quero pra sempre sua cumplicidade e
amizade.
Aos parceiros do Mestrado, seja nas aulas, nos corredores da PUC,
nos congressos. Em especial, Tati, Naty, Tiago, Cris, Nadja, vocs esto no
meu corao.
Aos professores do PEPG em Fonoaudiologia pelo acolhimento,
interesse pelo tema e apoio. Estendo aos professores e alunos dos PEPGs
em Gerontologia e Psicologia Clnica, onde cursei disciplinas e compartilhei
de muitos conhecimentos.
s amigas eclticas e a Babi, que a cada encontro aumenta minha
admirao e certeza de que fui presenteada com a amizade de vocs.
Virgnia, pelo apoio, pelos textos, reportagens, mensagens enviadas
por e-mail e pelo olhar de quem entendia do que eu estava falando!
Camila pelo apoio e carinho desde o projeto experimental na Derdic.
Temos muito que percorrer com e pelos nossos amigos de quatro patas.
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Luciana, por ser a veterinria que cuida dos animais e dos donos dos
animais!
Nadir e Verinha me incentivando na organizao de colquios em
prol de compartilhamento de conhecimentos. A mesa de TAA e AAA esteve
l!
Cleo Toniolo, em nome da Clnica Toniolo de Geriatria, pelo apoio e
acolhida. Da apresentao do estudo efetivao e continuidade das visitas,
vocs demonstraram ser exemplo de cuidado e ateno aos seus
residentes.
Aos funcionrios, profissionais, cuidadores e todos aqueles que eu e
Nara encontramos no caminho da e na Clnica, pelo interesse e apoio.
Aos familiares dos idosos por consentirem a participao.
Ao grupo de idosos da AAA, alguns deles no mais residentes da
Clnica, outros no mais presentes nesse plano, meu respeito e admirao
pela histria de vida comigo compartilhada. Ru, paciente da TAA, que
em cada gesto, cada palavra era anunciada nossa parceria e com Nara. Do
bem que a senhora nos fez e faz (falo por Nara), obrigada!
Dida, para concluir esse estudo, voc tinha que estar por perto. Da
Bahia para o corao da minha famlia.
Ao Sr Gabriel e Dona Luiza e toda famlia vinda por parte de meu
marido, Andra, Ana (mami), Lu, Pepe, Lourdes, Elvis, Ludy, Harry e muitos
outros que fui abenoada em encontrar no meu caminhar.
Ao meu pai, prova dos benefcios da relao homem-animal e da
possibilidade de ser geneticamente transmissvel (ele nem vai saber o que
isso!). minha me, que como a bravura de uma leoa sempre cuidou de
seus filhotes.
Aos meus irmos Gustavo, Hlvio, Francisco e as minhas irms
Glucia e Glcia por sermos uma ninhada de amor, amizade e lealdade. Aos
meus sobrinhos por aceitarem a tia do tipo Animal.
Rana e Cac, a ausncia de suas presenas faz me tentar ser
melhor a cada dia, ao passo que semeio o que em mim foi plantado por
vocs.
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Nina, a mais nova experincia do amor incondicional na famlia. Sua
presena faz diferena em nossas vidas e na de Nara.
Nara, minha parceira e a quem compartilho cada letra digitada
desse estudo. Vivo com voc tudo o que aqui foi apresentado!
Luiz Felipe, com quem aprendo desde o dia em que o conheci.
Obrigada por abrir seu corao e viver a vida com mais amor e menos
razo.
Gabriele, pelo amor que me faz querer viver, por compreender,
respeitar e ser comigo cmplice do amor para com nossos e demais
animais.
Au au auu... Eu te amo...
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RESUMO______________________________________________ A interao fonoaudilogo-paciente-co: efeitos na comunicao de pacientes idosos INTRODUO: Percebe-se um crescente interesse cientfico pelo estudo da relao homem-animal tendo em vista o seu potencial teraputico. Entre as pesquisas realizadas (nacional e internacionalmente) destacada a efetividade da presena dos ces no tratamento de pacientes depressivos, Alzheimer, autismo, etc. A organizao Delta Society The Humam-Animal Health Connection define a Atividade Assistida por Animais (AAA) envolve visitao, recreao por meio do contato direto dos animais com as pessoas, propem oportunidade de motivao a fim de melhorar a qualidade de vida e Terapia Assistida por Animais (TAA) envolve servios profissionais da rea mdica e outras que utilizam o animal como parte do trabalho e do tratamento. Contudo, quanto s especificidades da AAA/TAA no campo fonoaudiolgico, os estudos ainda so escassos. OBJETIVO: Investigar os efeitos da presena de um co na interao fonoaudilogo-paciente idoso. MTODO: Pesquisa de natureza clnico-qualitativa, desenvolvida na modalidade de estudo de caso (AAA) e estudo de caso clnico (TAA). Casustica: Sujeitos idosos residentes em uma Clnica Geritrica da cidade de So Paulo, divididos em dois grupos: (G1): 09 participantes na modalidade AAA; (G2): 01 paciente na modalidade TAA. Seleo dos sujeitos: idosos que demonstraram disposio/motivao mediante presena e contato com o co participante do estudo. A escolha da cadela Nara, da raa poodle, cor branca, com 3,0 anos de idade seguiu os critrios propostos por DOTTI (avaliao da sade, temperamento e socializao). PROCEDIMENTO: 1)Apresentao da pesquisa Clnica e familiares dos idosos. 2)Atendimento em grupo/mensal (AAA), com durao de 45 minutos. 3)Avaliao fonoaudiolgica da paciente TAA por meio do Protocolo de Avaliao de Linguagem (Hage, 2004).4) Questionrio (baseado no Demographic
and Pet History Questionnaire DHPQ) para coleta de dados sobre histrico da relao da paciente com animais. 5)Atendimento fonoaudiolgico individual/semanal, com durao de 45 minutos. As atividades e as sesses foram gravadas em cmera digital e/ou em udio. 6) Aplicao do Protocolo de Avaliao de Linguagem (Hage, 2004) no incio e aps 06 meses (paciente da TAA). O material foi transcrito quanto aos elementos verbais e no-verbais mais significativos presentes na interao fonoaudilogo-paciente-co. Simultaneamente, foram realizados alguns atendimentos sem a presena do co (AAA e TAA). O estudo observou as normas ticas estabelecidas para a realizao de pesquisas com seres humanos. RESULTADOS: AAA: No grupo de idosos estudados, possvel afirmar que a presena do co foi um facilitador/catalisador das interaes e promoveu o estabelecimento/fortalecimento dos vnculos interpessoais, permeados pela dialogia. TAA: No Protocolo de Avaliao de Linguagem, a paciente apresentou evoluo: melhora na expanso de turnos de conversao, embora precisasse de ajuda da terapeuta para narrar e na coeso e coerncia de seus enunciados, passou a nomear, principalmente, objetos que estabeleciam significados relacionados Nara (guia, roupas, brinquedos). Os resultados quanto s condutas comunicativas da paciente apontam para a efetividade da presena do co, potencializando o processo teraputico fonoaudiolgico e oferecendo contribuies transformadoras ao enquadre. CONCLUSO: A presena do co configurou-se como recurso potente para a criao de um enquadre fonoaudiolgico inovador, cuja efetividade foi revelada pela maior adeso s intervenes e pela evoluo significativa do desempenho comunicativo dos sujeitos estudados. Descritores: Atividade Assistida por Animais, Terapia Assistida por Animais, Idoso, Linguagem, Comunicao
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ABSTRACT
The speech therapist-pacient-dog interaction: effects on communication of elderly pacients. INTRODUCTION: A growing scientific interest by the study of human-animal relationship it's noticeable in view of its therapeutic potential. Among the surveys (nationally and internationally) is highlighted the effectiveness of the presence of dogs in the treatment of depressive patients, Alzheimer's, autism, etc. The organization Delta Society - The Humam-Animal Health Connection- defines the Animal Assisted Activity (AAA) "involves visitation, recreation through direct contact of animals with people, proposing opportunities of motivation, with the aim of improve the quality of life" and Animal Assisted Therapy (AAT) "involves professional medical services and others that use the animal as part of work and treatment." However, for the specifics of AAA / AAT in the field of speech therapy, studies are still scarce. OBJECTIVE: Investigate the effects of the presence of a dog in the interaction speech therapist-elderly patient. METHOD: Survey of clinical and qualitative nature, developed in the form of case study (AAA) and clinical case study (AAT). Subjects:Subjects elderly residents in a Geriatric Clinic in So Paulo, divided into two groups: (G1): 09 participants in the AAA mode (G2): 01 patients in the AAT mode. Selection of subjects: elderly people who showed willingness / motivation through the presence and contact with the dog study participant. The choice of the dog Nara, from the breed poodle, white, with 3.0 years old followed the criteria proposed by DOTTI (rated health, temperament and socialization).PROCEDURE: 1) Research Introduction of the Research to the Clinic and the relatives of elderly. 2) Attendance in group / monthly (AAA), lasting 45 minutes. 3) Speech-language evaluation of the patient through the Protocol Assessment Language (Hage, 2004) .4) Questionnaire (based on the Demographic and Pet History Questionnaire - DHPQ) to collect data about the patient's relationship history with animals. 5) Individual speech therapy / weekly, lasting 45 minutes. Activities and sessions were recorded on digital camera and / or audio. 6) Application of the Language Assessment Protocol (Hage, 2004) at baseline and after 06 months (AAT patient). The material was transcribed according to the verbal and nonverbal elements most significant present in the speech therapist-patient-dog interaction. Simultaneously, some visits were conducted without the presence of dog (AAA and AAT). The study looked at the ethical standards established for conducting research with human beings. RESULTS: AAA: In the elderly group studied, it is clear that the presence of the dog was a facilitator / catalyst of the interactions and promoted the establishment / strengthening of interpersonal bonds, permeated through dialogism. AAT: In the Language Assessment Protocol, the patient presented evolution: an improvement in the expansion of conversation shifts though needed help from therapist to narrate and on the cohesion and coherence of his utterances, appointed mainly objects that established meanings related to Nara (guides, clothing, toys). The results regarding the patient's communicative behaviors showed the efficacy of the dog's presence, enhancing the speech therapeutic process and offering an amount of contributions to the context frame. CONCLUSION: The presence of the dog was configured as a powerful resource for creating an innovative speech frame, whose effectiveness was revealed by greater adherence to the interventions and the significant evolution of communicative performance of the subjects studied. Keywords: Animal Assisted Activity, Animal Assisted Therapy, Elderly, Language, Communication _____________________________________________________________
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SUMRIO
Interao fonoaudilogo-paciente-co:
efeitos na comunicao de pacientes idosos
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INTRODUO 22
CAPTULO I Velhice - Envelhecer: faces de um desafio mundial
1.1 A populao idosa no Brasil e no mundo
1.2 Fonoaudiologia e envelhecimento
1.3 Estudos fonoaudiolgicos sobre a linguagem do idoso
1.4 Pesquisas com idosos institucionalizados em reas diversas
1.1
28
29
32
34
39
CAPTULO II Humanos e Animais
2.1 Relao homem-animal na mdia
2.1.1 - Relao homem-co na mdia
2.2 Relao homem-animal no campo da sade
41
42
45
49
CAPTULO III Terapia Assistida por Animais (TAA) e Atividade Assistida por
Animais (AAA)
3.1 TAA e AAA: definies e caracterizao
3.2 AAA e TAA em reas diversas
3.2.1 TAA e AAA com pacientes idosos em reas diversas
3.2.2 Terapia Fonoaudiolgica Assistida por Ces
MTODO
4.1 Casustica
4.2 Procedimento
4.3 Material
55
56
63
70
73
77
78
80
83
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4.4 Anlise dos resultados
4.5 tica
CAPTULO V Resultados e Discusso AAA
5.1 Pequena Nara: grande presena
5.2 Efeitos das AAAs na comunicao dos idosos
5.2.1 Disponibilidade dos sujeitos
5.2.2 Momentos COM a Presena do Co
5.2.3 Momentos SEM a Presena do Co
CAPTULO VI Resultados e Discusso TAA
6.1 Efeitos da TAA na comunicao de paciente idosa:
estudo de caso clnico
6.1.1 Histrico
6.1.2 - Avaliao Fonoaudiolgica
6.2 - Processo teraputico: Vinhetas Relevantes
6.2.1 Momentos COM a Presena do Co
6.2.2 Momentos SEM a Presena do Co
CONCLUSO
DESDOBRAMENTOS DA PROPOSTA
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
83
84
85
86
88
89
89
1101
108
109
109
110
111
112
120
129
131
137
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ANEXOS
Carta de Autorizao do Estudo na Clnica
Parecer Comit de tica
Carta de Apresentao do Projeto aos Familiares dos Pacientes
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Questionrio (1) Histrico Pets (Famlia e /ou Responsvel)
Protocolo de Avaliao de Linguagem
Questionrio Histrico Pets (Paciente)
Foto Co-Terapeuta Nara
Documentao: Atestado de Sade / Carteira de Vacinao
Lista de Siglas
Lista de Tabelas
146
01
02
03
04
05
06
07
08
09
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Lista de Siglas
PUC-SP Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo
TAA
AAA
TCC
SRD
DERDIC
ONU
Terapia Assistida por Animais
Atividade Assistida por Animais
Trabalho de Concluso de Curso
Sem Raa Definida
Diviso de Educao e Reabilitao dos Distrbios da
Comunicao
Organizao das Naes Unidas
PIAE Plano Internacional de Ao sobre o Envelhecimento
CRFa Conselho Regional de Fonoaudiologia
CFFa Conselho Federal de Fonoaudiologia
G1 Grupo Participantes AAA
G2 Paciente TAA
AASI Aparelho de Amplificao Sonora Individual
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
OMS Organizao Mundial da Sade
OBIHACC
INATAA
ILP
OSCIP
Organizao Brasileira de Interao Homem-Animal
Corao
Instituto Nacional de Aes e Terapias Assistidas por
Animais
Instituio de Longa Permanncia
Organizao de Sociedade Civil de Interesse Pblico
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Lista de Tabelas
Tabela 1- Efeitos das AAAs na comunicao dos idosos
COM e SEM a Presena do Co 104
Tabela 2- Histrico da relao da paciente com animais 122
Tabela 3- Resultados comparativos obtidos no Protocolo de
Avaliao de Linguagem (Hage, 2004) 123
Tabela 4- Resultados comparativos
COM e SEM a Presena do Co 124
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INTRODUO
_____________________________________________________________
Para ser um bom observador
preciso ser um bom terico.
CHARLES DARWIN
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Em 2008, cursando o ltimo ano de graduao em Fonoaudiologia na
Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo desenvolvi, em parceria com
uma colega, o trabalho de concluso de curso (TCC), intitulado
Fonoaudiologia, linguagem e envelhecimento: poesia aproximando
geraes, partindo de uma perspectiva antropolgica do envelhecimento.
Por acreditarmos que as rodas de conversa e poesia pudessem
constituir-se em um locus privilegiado para a desejvel aproximao entre as
geraes, nosso objetivo foi investigar a opinio de idosos sobre possveis
benefcios identificados nessas atividades, visando tal interlocuo. Assim,
em torno de prticas discursivas, fomentou-se a insero do fonoaudilogo
em projetos de integrao entre idosos e jovens. Por meio do estudo
revelaram-se diferentes concepes de envelhecimento e de linguagem no
envelhecimento, presentes nas pesquisas revisadas e nas aes
fonoaudiolgicas encontradas na literatura.
Assim como no TCC, essa dissertao de Mestrado volta-se para as
questes relacionadas velhice e linguagem no envelhecimento.
Em estudos sobre a linguagem do idoso em reas diversas, constata-
se que o foco tende a ser o de identificar as causas das transformaes
biolgicas que ocorrem no processo de envelhecimento. Nessa perspectiva,
se observa que a concepo de envelhecimento adotada a produzida pela
sociedade moderna, a saber: um processo contnuo de perdas fsicas,
psquicas e sociais, o que delimita essa vertente de estudos, voltada para os
desvios patolgicos e decrepitudes inerentes velhice.
Porm, h tambm outra vertente que vem demonstrando que,
independentemente dos resultados indicarem declnios, h a necessidade de
investigao do processo de envelhecimento para alm das transformaes
biolgicas (GIARLETTI, B. C. A., OLIVEIRA, G. R., 2008, p. 100), sendo
essa a concepo que norteia essa dissertao.
Por sua vez, a opo por desenvolver essa pesquisa acerca da
linguagem no envelhecimento de maneira articulada Terapia Assistida por
Animais (TAA) e Atividade Assistida por Animais (AAA) vinculou-se
minha trajetria acadmica e pessoal.
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Desde a infncia convivo com animais, principalmente com ces.
Morei at os 22 anos no interior de Minas Gerais, em uma casa onde at
hoje meus pais tem os seus. Com Rana, uma cadela sem raa definida
(SRD), compartilhei momentos de muito amor e cumplicidade por 15 anos.
Atualmente Nara e Nina, ambas da raa poodle, presentes de meu pai,
alegram o meu cotidiano.
Por outro lado, estudos cientficos contemporneos enfatizam o papel
que os animais vem desempenhando na promoo da sade humana, para
alm da companhia. Habitam consultrios, hospitais, escolas e instituies
diversas, devido aos benefcios atribudos no somente pelo senso comum,
mas tambm destacados por pesquisas que apontam para a relevncia da
discusso e produo de conhecimento cientfico sobre o tema.
Nessa direo, destaco no Brasil, o trabalho pioneiro da mdica
psiquiatra, psicanalista e terapeuta ocupacional Nise da Silveira, que na
dcada de 50 j utilizava animais no atendimento de pacientes
esquizofrnicos no Centro Psiquitrico D. Pedro II, sediado no Rio de
Janeiro, onde obteve significativos resultados sem, contudo, public-los por
meios cientficos. Observa-se tambm que o tema vem ganhando
progressivo destaque na mdia nos ltimos anos.
A organizao Delta Society The Humam-Animal Health
Connection, que busca promover a interao animais e humanos a fim de
obter benefcios para a sade e qualidade de vida de ambos, define:
1. Atividade Assistida por Animais (AAA)
Conceito que envolve visitao, recreao, e distrao por meio do
contato direto dos animais com as pessoas. (...) So atividades que
desenvolvem o incio de um relacionamento, propem entretenimento,
oportunidade de motivao e informao, a fim de melhorar a qualidade de
vida. (DOTTI, 2005, p.30)
2. Terapia Assistida por Animais (TAA)
Conceito que envolve servios profissionais da rea mdica e outras,
que utilizam o animal como parte do trabalho e do tratamento. (...) A TAA
dirigida e desenhada para promover a sade fsica, social, emocional e/ou
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funes cognitivas. um processo teraputico formal com procedimentos e
metodologia amplamente documentados, planejados, tabulados, medidos e
seus resultados avaliados. Pode ser desenvolvida em grupo ou de forma
individual. (DOTTI, 2005, p.30)
Pessoalmente, desconhecia a importncia e a efetividade dos
possveis benefcios da TAA em ambiente teraputico at entrar em contato,
em 2007, quando cursava o 3 ano de graduao em Fonoaudiologia. Nessa
poca realizei atendimento fonoaudiolgico na Diviso de Educao e
Reabilitao dos Distrbios da Comunicao (DERDIC) da Pontifcia
Universidade Catlica de So Paulo, na disciplina Avaliao de Linguagem.
Contvamos com a presena e orientao da fonoaudiloga Camila
Mantovani Domingues, pesquisadora na rea, que nesse perodo
desenvolvia projeto de dissertao sobre o tema.
Naquele momento, tive a oportunidade de vivenciar e conhecer um
pouco mais sobre o tema, alm de reconhec-lo como potencializador do
processo de avaliao de linguagem realizado, promovendo a motivao do
paciente para a interao tridica entre terapeuta-paciente-co. Foi quando
disponibilizei minha cadela Nara (na poca com 9 meses de idade) para
participar desse projeto experimental. Obtivemos resultados significativos
nos atendimentos, nos quais a TAA configurou-se como efetivo na promoo
de contextos dialgicos.
Nessa direo, a literatura aponta que a TAA, especialmente a
realizada com ces, um trabalho que chama a ateno quanto aos seus
resultados positivos em ambientes teraputicos diversos. Relatos de
experincias e dados de pesquisas em reas como Medicina, Enfermagem,
Fisioterapia e Psicologia referem, confirmam e ampliam os benefcios fsicos,
psquicos e sociais obtidos pelos pacientes nessa modalidade de
interveno (DOMINGUES, 2007).
As pesquisas realizadas (nacional e internacionalmente) sugerem que
os animais so importantes para solucionar problemas de sade humana,
tanto na preveno quanto na reabilitao. Em tais estudos, so destacados
os benefcios da presena dos ces no tratamento de pacientes com
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26
problemas cardacos, artrites e osteoporoses, depresso, cncer, doena de
Alzheimer, autismo e danos causados por violncia domstica (DOTTI,
2005).
No Brasil, a Organizao Brasileira de Interao Homem-Animal Co
Corao (OBIHACC) foi uma das instituies que mais contribuiu na
divulgao e utilizao da TAA, recebendo o titulo e a qualificao de
Organizao de Sociedade Civil de Interesse Pblico (OSCIP) em 2003.
Embora a OBIHACC tenha encerrado suas atividades, profissionais
remanescentes dessa extinta ONG, que atuou de 2000 a 2008, fundaram a
Instituio Nacional de Aes e Terapias Assistidas por Animais (INATAA),
que comunga com os mesmos propsitos da OBIHACC, a saber: realizar
visitas com ces a asilos para a realizao de Atividade Assistida por
Animais (AAA).
Contudo, quanto s especificidades da TAA e AAA no campo
fonoaudiolgico, os estudos ainda so escassos. Sendo assim, tomei como
base terico-metodolgica para essa pesquisa a dissertao de Domingues
(2007) intitulada Terapia Fonoaudiolgica com ces: estudo de casos
clnicos, trabalho de referncia no somente pelo contedo apresentado,
como pelo carter reconhecidamente pioneiro no campo fonoaudiolgico.
Essa pesquisa foca o funcionamento da linguagem (e seus distrbios)
em contexto dialgico, e considerando a indissolvel unidade corpo/mente
(CUNHA, 1997, p.118-119). Tanto no estudo citado, quanto no que aqui
apresentado, sero consideradas as relaes entre natureza, cultura, corpo
e linguagem. Nesse cenrio, a relao homem-animal ser abordada para
auxiliar na compreenso dos possveis benefcios que a presena do co
pode trazer ao ambiente teraputico.
No percurso que culminou com a delimitao do tema dessa
dissertao busquei a ampliao de conhecimentos sobre a TAA, e em 2008
participei do curso O co como dispositivo teraputico na clnica
fonoaudiolgica e do workshop Terapia Assistida por Animais, ambos
ministrados pela fonoaudiloga Camila Mantovani Domingues. Nosso
contato se tornou cada vez mais freqente e, na sequncia, organizamos um
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grupo de estudos (Fonoco) com a participao de uma mdica veterinria e
uma psicloga e adestradora de ces, com o objetivo de ampliar
conhecimentos, organizar cursos e palestras sobre o tema e
sistematizar/implementar atendimentos em clnicas particulares e outras
instituies de sade.
Saliento que Domingues (2007) aponta que o tema ainda tratado de
forma cientificamente tmida, geralmente restrito atividade denominada
equoterapia, definida como um mtodo teraputico e educacional que utiliza
o cavalo dentro de uma abordagem interdisciplinar nas reas de sade,
educao e equitao, que tem sido utilizado com eficincia para o
desenvolvimento biopsicossocial de pessoas portadoras de deficincia fsica
ou de necessidades especiais (PICCARONE, 2005, p.14).
Assim, essa dissertao pauta-se na relevncia da participao mais
ativa da Fonoaudiologia na produo de conhecimento cientfico quanto
TAA e a AAA, principalmente no sentido de caracterizar e analisar o
potencial de transformao do ambiente teraputico nessa modalidade de
atendimento, alm de contribuir para o aprimoramento de mtodo clnico-
teraputico fonoaudiolgico.
Esse ponto de vista delineia o objetivo, a saber: investigar os efeitos
da presena de um co na interao fonoaudilogo-paciente idoso.
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CAPTULO I
_____________________________________________________________
A vida tem duas faces:
Positiva e negativa
O passado foi duro
mas deixou o seu legado
Saber viver a grande sabedoria (...)
CORA CORALINA
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1.1 A populao idosa no Brasil e no mundo
O envelhecimento populacional caracterizado pela reduo da
populao jovem e aumento da populao idosa, e consiste num fenmeno
mundial que vem se manifestando de forma acelerada e com peculiaridades
relativas a diferentes pases. Esse fenmeno gera desafios principalmente
para as polticas pblicas com vista a garantir a continuidade do processo de
desenvolvimento econmico e social mundial, de maneira a favorecer a
igualdade entre os grupos etrios para compartilhar recursos, direitos e
responsabilidades sociais.
As projees indicam que em 2050 a populao idosa brasileira ser
equivalente populao infantil (0 a 14 anos de idade), pois segundo os
dados relativos ao perfil dos idosos descritos pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatstica (IBGE) em 2000, houve um crescimento de quase 8
milhes de pessoas idosas anualmente. Explicitando: em 1950 havia cerca
de 204 milhes de idosos no mundo, e em 1998 j somavam 579 milhes. O
aumento significativo dessa populao pode ser explicado pelas condies
gradativamente mais favorveis de sobrevivncia. (IBGE, 2000)
Frente problemtica do envelhecimento populacional mundial,
principalmente nos pases em desenvolvimento, a Organizao das Naes
Unidas (ONU) pronunciou-se sobre o tema. Fundada em 24 de outubro de
1945, na cidade de So Francisco (Califrnia/Estados Unidos), composta
pela maioria dos pases do mundo e com objetivo principal de criar e colocar
em prtica mecanismos que possibilitem a segurana internacional,
definio de leis internacionais, respeito aos direitos humanos e o progresso
social; criou as Assemblias Mundiais sobre o Envelhecimento com o intuito
de comprometer os governos em relao aos aspectos sociais envolvidos
nessa questo.
Foi a partir da Primeira Assemblia Mundial sobre o Envelhecimento,
que ocorreu em 1982, em Viena/ustria, considerada o marco inicial para o
estabelecimento de uma agenda internacional de polticas pblicas
favorveis populao idosa, que o tema passou a ser foco de significativa
-
30
ateno. Foram propostas recomendaes para melhorar as condies de
vida dos idosos, e estabelecida a definio da populao idosa como aquela
com idade superior a 60 anos para os pases em desenvolvimento, e
superior a 65 anos de idade para os pases desenvolvidos.
Em 2002, na cidade de Madri/Espanha, foi organizada a Segunda
Assemblia Mundial sobre Envelhecimento visando debater sobre os
impactos e as conseqncias do processo de envelhecimento da populao
mundial. O Plano Internacional de Ao sobre o Envelhecimento (PIAE),
proposto nessa ocasio, prioriza a integrao social dos idosos por meio de
ambientes propcios convivncia intergeracional, alm de polticas para
melhoria da qualidade de vida dessa populao. Frente realidade
demogrfica mundial do sculo XXI, este documento passou a ser um guia
de orientaes para adoo de medidas normativas sobre o envelhecimento.
Esse documento prope que, considerando-se que existem variaes
significativas quanto ao estado de sade, participao e nveis de
independncia no envelhecimento, fundamental que os formuladores de
polticas pblicas levem em conta os seguintes aspectos: independncia e
atividade, qualidade de vida e medidas de assistncia e cuidado ao idoso.
As questes e preocupaes relacionadas ao envelhecimento da populao
que ali aparecem configuram-se um avano na reflexo, porm trazem
consigo um grande desafio, pois o envelhecimento global causa um aumento
das demandas sociais e econmicas em todo o mundo. Mas, ao mesmo
tempo, as pessoas idosas embora constituam recurso importante para a
estruturao da sociedade, tendem a ser ignoradas.
Nessa perspectiva, o PIAE ressalta o rpido crescimento mundial da
populao acima de 60 anos nos pases em desenvolvimento, uma vez que
em 2002, quase 400 milhes de pessoas nessa faixa etria viviam nesses
pases e, entre 1970 e 2025, estimava-se um crescimento de 223 % dessa
populao.
Sobre esse processo na populao brasileira, segundo o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE), o Brasil apresentou altas taxas
de natalidade desde o sculo XIX at meados da dcada de 1940,
-
31
principalmente devido incorporao dos avanos da medicina s polticas
de sade pblica. Em relao ao tempo mdio de vida do brasileiro, em
1940 era de 45,5 anos de idade, e com os avanos da medicina e as
melhorias nas condies gerais de vida da populao, este indicador,
segundo dados da OMS divulgados em 2009, elevou-se para a mdia de 73
anos, configurando que a expectativa de vida dos brasileiros est entre as
mais altas do mundo, sendo estimada para 81,29 anos em 2050.
Desde 1999, o IBGE divulga, anualmente, a Tbua Completa de
Mortalidade em que apresenta a expectativa de vida at os 80 anos na
populao brasileira, utilizando como principais indicadores a taxa de
mortalidade infantil e as expectativas de vida para diferentes faixas etrias,
em especial, no nascimento. Os dados longitudinais indicam aumento da
longevidade da populao brasileira.
Como em todo mundo, as cidades esto crescendo e envelhecendo.
Especificamente na cidade de So Paulo, segundo matria do Caderno
Metrpole do Jornal O Estado de So Paulo (04/04/2010), nos ltimos dez
anos, o nmero de paulistanos com 60 anos aumentou em 35% e chegou a
1,3 milho de indivduos. Em 2024, a populao idosa paulista vai superar a
de crianas e jovens at 14 anos.
Segundo Veras (2007), o Brasil hoje um jovem pas de cabelos
brancos. Todo ano, 650 mil novos idosos so incorporados populao
brasileira, a maior parte com doenas crnicas e com limitaes funcionais.
Em menos de 40 anos, passamos de um cenrio de mortalidade prprio de
uma populao jovem para um quadro de enfermidades complexas e
onerosas, tpicas da terceira idade, caracterizado por doenas crnicas e
mltiplas com exigncia de cuidados constantes, medicao contnua e
exames peridicos.
-
32
1.2 Fonoaudiologia e envelhecimento
Face reflexo sobre o envelhecimento populacional e as polticas
sociais de ateno a esse segmento, observa-se o aumento do nmero de
profissionais de sade especializados nos cuidados com os idosos.
Nessa perspectiva, os fonoaudilogos tem avanado em sua
insero nesse contexto, sendo que um dos grandes passos para tal foi o
parecer do Conselho Federal de Fonoaudiologia (CFFa) n 28, de 02 de
Setembro de 2006, que possibilitou compor o Caderno de Ateno Bsica do
Idoso.
Observa-se que renomados profissionais da rea tm oferecido suas
contribuies para o atendimento de idosos, como mostram os depoimentos
a seguir, colhidos para a Revista da Fonoaudiologia - 2009 do Conselho
Regional de Fonoaudiologia (CRFa 2 regio So Paulo).
Ida Chaves Pacheco Russo destaca que a perda auditiva
decorrente do processo de envelhecimento, denominada como presbiacusia,
se agrava quando associada a exposio do ouvido a rudos intensos, uso
indiscriminado de medicamentos, tenso diria e doenas que afetam a
sensibilidade auditiva, reduzindo a capacidade de audio. Afirma que uma
forma de minimizar os efeitos dessa deficincia a utilizao dos Aparelhos
de Amplificao Sonora Individual (AASI). E acrescenta que os programas
de reabilitao auditiva, nesses casos, tm como principais objetivos:
maximizar a entrada sensorial, o processamento cognitivo, a comunicao
familiar e interativa em geral; contribuindo para evitar o isolamento do idoso
e auxili-lo na comunicao verbal.
Segundo Letcia Lessa Mansur, a linguagem uma das funes
cognitivas mais resistentes ao envelhecimento, o que a torna importante pilar
para a manuteno da sade e bem estar dessa populao. Destaca
tambm que entre os idosos encontram-se subgrupos com queixas no
lingsticas (antecedendo as de linguagem) como as relativas s memrias
de curta e longa durao, ateno e habilidades viso- espaciais. Por sua
vez, o resgate de nomes prprios e outros substantivos, compreenso de
-
33
frases e textos complexos e mudanas no padro discursivo so queixas
recorrentes. Portanto, sugere a pesquisa e sistematizao de propostas
fonoaudiolgicas de interveno quanto a esses aspectos.
Tereza Bilton afirma que o envelhecimento pode alterar as fases oral,
farngea e esofgica da deglutio, j que implica em mudanas na dinmica
da deglutio quanto fora de propulso da lngua, da contrao farngea,
da elevao do osso hiide e da laringe em direo ponta fixa da epiglote;
as quais podem causar penetrao de partculas de saliva na laringe e o
trnsito de alimentos para traquia e brnquios que, para serem retirados da
via area, provocam a tosse. Esses episdios podem evoluir para infeces
pulmonares quando se tornam freqentes.
Mara Behlau aponta que a voz acompanha o ser humano do
nascimento ao ltimo suspiro, modifica-se ao longo da vida e apresenta
caractersticas peculiares nas diferentes faixas etrias. Destaca que na
populao idosa estima-se que de 8 a 12% dos indivduos refere mudanas
importantes na voz, as quais podem interferir na qualidade de vida e
dificultar as relaes familiares, sociais e de trabalho. O envelhecimento
vocal chamado presbifonia e pode revelar perda de qualidade (leve
instabilidade, tremulaes) e/ou reduo da potncia vocal. Aponta ainda
que a musculatura do idoso apresenta sinais de atrofia e reduo das fibras
musculares, gerando esses efeitos vocais indesejados.
Vera Mendes ressalta que medidas e aes como a Poltica Nacional
da Pessoa Idosa (MS 1.395/1999, revisada pela portaria MS 2.528/2006), o
estabelecimento das Redes Estaduais de Assistncia Sade do Idoso
(SAS/MS 702/2002) e a priorizao da Sade do Idoso no Pacto da Sade
(2006) reafirmam a necessidade de reflexo sobre o envelhecimento
populacional. Entre outras problemticas, trata-se de equacionar o aumento
de doenas crnicas, causadoras de limitaes funcionais e de
incapacidades, bem como seu impacto no volume e na aplicao de
recursos. Esse grande desafio para as polticas pblicas decorre
principalmente na construo de redes de cuidado e prticas intersetoriais
especficas, como os Centros de Referncia do Idoso, onde os programas
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34
de atividades fsicas e de acompanhantes de idosos tm estabelecido redes
sociais de apoio na fronteira do campo clnico e do campo social, cumprindo
importante papel em termos de cuidados sade. Prossegue afirmando que
estas e outras prticas articulam atividades individuais (clnico-ambulatoriais)
e coletivas (programas e grupos) de maneira a tratar e monitorar processos
de adoecimento, ampliando as possibilidades de circulao e de participao
social na velhice, e sugere a necessidade de insero do fonoaudilogo
nesse cenrio.
Considerando que esse estudo tem a comunicao como foco de
estudo, a seguir sero destacados estudos fonoaudiolgicos acerca da
linguagem no envelhecimento.
1.3 Estudos fonoaudiolgicos sobre a linguagem do idoso
Ao nascer, j somos mergulhados num mundo social, numa
linguagem. (...) com a linguagem que construmos a nossa identidade, o
conhecimento a cerca de si mesmo e dos outros, (...). (S, 2005)
Essas palavras foram retiradas do estudo A importncia da boa
comunicao para o relacionamento com o idoso, no qual a autora
argumenta que as competncias individuais e sociais esto intimamente
relacionadas s competncias cognitivas e comunicativas. Afirma que, por
exemplo, quando duas pessoas estabelecem um dilogo, alm do
conhecimento da lngua, entra em jogo uma srie de informaes sobre o
interlocutor, a percepo a respeito da situao, e as regras culturais que
regem essa interao (o contedo e a forma conveniente de transmiti-lo).
Alguns aspectos podem influenciar a maneira como a interao se d,
tais como caractersticas de personalidade, classe social e valores. E a
idade considerada como uma das caractersticas que mais interferem no
comportamento social, uma vez que este regulado por normas, que so
atreladas aos diversos papis sociais desempenhados pelo sujeito ao longo
da vida. (S, 2005)
-
35
A autora considera que com o processo de envelhecimento ocorrem
mudanas significativas que implicam em vantagens e/ou desvantagens
para o indivduo idoso em relao s solicitaes a que est exposto,
incluindo as comunicativas. A propsito, refere que fonoaudilogos,
socilogos, psiclogos, antroplogos e estudiosos da etnografia da
comunicao reconhecem mudanas decorrentes do processo de
envelhecimento nos diversos nveis de organizao do ato comunicativo,
como: na estruturao conceitual do ato de fala, na produo e
compreenso da linguagem, nas intenes comunicativas, no contedo
semntico e nas narrativas pessoais. Essas mudanas podem manifestar-se
de forma heterognea, na medida em que alguns idosos apresentam
alteraes na fonao, outros na audio, outros evidenciam dificuldades no
uso social da linguagem, na fluncia, no vocabulrio e/ou na prosdia.
Segundo a mesma autora, comum ouvirmos que a conversa de
velhos, uma conversa comprida, confusa, cheia de lembranas do
passado. E que o idoso esquecido, surdo, repete inmeras vezes o mesmo
assunto. Por um lado, em seu ver, isto pode representar algumas
evidncias, mas, por outro, revela que a linguagem mais do que
instrumento de comunicao, tambm um componente decisivo na
formao de preconceitos sociais.
Nessa perspectiva, existem diferentes formas de interpretar a
comunicao na velhice, pois comunicar-se uma aventura existencial,
porm importante considerar que no existe o falante ideal e que a
comunicao humana repleta de percalos e surpresas. Comunicamo-nos
por meio de gestos, olhares, atitudes, expresses faciais que representam
os mais variados sentimentos. No caso da pessoa idosa, observa-se que
quanto maior o nvel de dependncia, menor a sua capacidade de
expressar necessidades e desejos. Alm disso, os idosos podem ter dficits
auditivos e prteses dentrias mal ajustadas, fatores que tambm
prejudicam a comunicao verbal (S, 2005).
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36
Para finalizar, a autora pondera que, muitas vezes, a comunicao
no verbal (o olhar, o contato fsico) pode ser mais eficiente e confivel que
a verbal para conhecermos os desejos dos idosos.
As fonoaudilogas Gomes e Garcia (2006) destacam pontos
essenciais para a avaliao de linguagem do idoso, considerando a
comunicao como um fator determinante para sua integrao social. O
objetivo do estudo foi descrever os aspectos relacionados estruturao
lingstica oral dos indivduos idosos. Foram selecionados 10 idosos, cinco
do sexo masculino e cinco do sexo feminino, com idades entre 65 e 80 anos,
no doentes, hospitalizados ou asilados, residentes em Bauru (SP) e
pertencentes classe mdia. A avaliao consistiu em entrevistas
individuais realizadas por meio de conversas espontneas, semi dirigidas e
gravadas, iniciadas com a pergunta: Como o seu dia-a-dia?. A anlise
dos enunciados foi realizada a partir da proposta descrita por Chiari e
Perissinoto (1982) e Chiari (1983), quanto capacidade do falante ater-se
ao tema proposto, manter a seqncia e continuidade dos fatos no tempo e
no espao, nmero de oraes contidas (extenso mdia) e estrutura
lingstica dos enunciados. As autoras concluram que todos os indivduos
foram capazes de contextualizar seus enunciados, ater-se ao tema e
seqencializar fatos no tempo e no espao, com adequada estruturao
lingstica.
Gamburgo (2002), fonoaudiloga, considera que o envelhecimento
provoca uma deteriorao da capacidade comunicativa, que demanda
intervenes particularmente nos quadros de afasias, demncias senis,
presbiacusia e da presbifonia. Para a autora, de maneira geral, cabe aos
profissionais que lidam com o envelhecimento orientar os idosos quanto aos
aspectos relativos qualidade de vida, combatendo o sedentarismo,
praticando atividades voltadas preveno de doenas e mantendo
relaes afetivas e sociais que favoream as interaes e o uso da
comunicao.
Em outro estudo, com o objetivo de conhecer a linguagem de sujeitos
em processo de envelhecimento e com as capacidades comunicativas
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37
preservadas, Gamburgo (2006) partiu do pressuposto de que cada sujeito
um ser da linguagem. Para apreender como cada sujeito significava sua
vida, si mesmo e suas oportunidades (ou falta) de dilogo, utilizou narrativas
de histria de vida, obtidas por meio de entrevistas individuais com seis
idosos, entre 61 e 81 anos. Quatro dos sujeitos (trs mulheres e um homem,
solteiros) residiam em uma Instituio de Longa Permanncia para Idosos
(ILPI), e dois (mulheres, vivas) residiam em seus domiclios.
A entrevista foi elaborada com perguntas que permitiram traar o perfil
social e educacional dos idosos e obter informaes a respeito das
habilidades lingsticas. Na etapa seguinte, os idosos falaram sobre sua
infncia, famlia, rotina, interaes sociais, expectativas, opinies e
linguagem. Por meio das narrativas individuais foi possvel conhecer os
contextos de vida na esfera social, assim como os sentimentos, crenas,
gostos e valores dos sujeitos estudados, e a memria permitiu trazer tona
a significao emocional e aspectos relevantes da dinmica histrica e social
de cada um. Os discursos, de maneira geral, revelaram que a despeito da
posio social e das condies de vida do idoso, cada um deles permanecia
sendo um ser da linguagem.
Brando e Parente (2001) em reviso sobre os estudos da linguagem
do idoso identificaram progressivo crescimento da produo cientfica,
contudo ainda incipiente naquele momento. Referindo que a linguagem
afetada pelo declnio das habilidades cognitivas na velhice, destacam que
esse aspecto que no deve ser negligenciado nas intervenes dirigidas a
essa populao. E para tal, sugerem a utilizao de estratgias que
favoream a memria de trabalho, a ateno e a velocidade de
processamento das informaes por meio de recursos que promovam a
valorizao do self e aproveitem os aspectos cognitivos do idoso
(preservao da memria episdica, uso de estratgias de compreenso
que valorizam o contexto e os aspectos globais do discurso do interlocutor e
habilidade de produzir narrativas marcadas pela riqueza na expresso das
emoes).
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38
Para concluir essa seo, recorro s consideraes de Tbero (1999),
bastante alinhadas com a proposta dessa dissertao. A autora afirma que
as transformaes e diferenas no processo de aquisio de linguagem da
criana significam desenvolvimento, enquanto na linguagem do idoso se
traduzem em declnio ou patologia. Tendo como objetivo discutir
repercusses do envelhecimento na linguagem do idoso, ressalta a
importncia de se compreender essas transformaes e mudanas no
chamado envelhecimento normal, o que nos ajuda a detectar o momento de
ruptura entre o normal e o patolgico, separando os efeitos de doenas
daqueles decorrentes naturalmente do envelhecimento. Para tal, utiliza as
consideraes de Ryan, E.B. in Lubinsky (LUBISNKY, 1995, p.84). Destaco,
a seguir, as mais relevantes, em meu ver:
1. A competncia lingstica do idoso consiste no conhecimento da
linguagem adquirido durante a vida, e as mudanas advindas da
idade podem levar a diferentes resultados, como tornar-se at
mais competente, a partir das experincias e desafios da
comunicao vivenciados.
2. Entretanto, o desempenho lingstico dos idosos pode ser
prejudicado por dificuldades de audio e reduo da velocidade
de processamento e memria, as quais interferem na qualidade
das respostas em testes de avaliao de linguagem.
3. Alm da habilidade individual, o funcionamento da linguagem
depende do contexto interpessoal e ambiental no qual a
comunicao ocorre. Nessa perspectiva, a desvalorizao e a
caracterizao estereotipada da velhice, muitas vezes levam o
idoso a se condenar ao silncio e ao auto-isolamento.
Sendo assim, Tbero (1999) adverte: resultados insatisfatrios em
testes que avaliam a linguagem, no configuram necessariamente uma
condio patolgica, se os aspectos citados forem devidamente
considerados. E ressalta que, de maneira geral, a performance comunicativa
do idoso tende a receber menos crdito que a apresentada pelo no idoso.
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39
1.4 - Pesquisas com idosos institucionalizados em reas diversas
O presente estudo volta-se, especificamente, para idosos
institucionalizados. Sendo assim, a seguir sero apresentados dados
bibliogrficos sobre essa condio particular.
Jnior e Tavares (2006) argumentam sobre a importncia de aes de
promoo da sade voltadas para idosos institucionalizados, mas,
reconhecem que a aplicabilidade do conceito de promoo da sade no
campo das Instituies de Longa Permanncia (ILPs) complexa.
Ressaltam a necessidade dessas aes reconhecerem o idoso como sujeito
histrico e assim, levar em considerao sua cultura, sonhos, sentimentos e
questionamentos na busca de estratgias eficazes.
Em outro estudo, os mesmos autores, consideram o ponto de vista
dos idosos sobre o cotidiano nas ILPs, referindo que os mesmo indicaram a
ausncia dos amigos e dos familiares como as maiores perdas. Diante
desse dado, sublinham que o papel fundamental dessas instituies o de
atuarem como mediadoras e promotoras de uma nova rede social para
esses indivduos. (Jnior e Tavares, 2004/2005).
Tavares; Takase; Chaves; Schmidt; Guidoni (2009) estudaram os
efeitos de dois programas - prtica de atividades cognitivas e de atividades
fsicas - em idosos institucionalizados. A pesquisa, realizada em duas ILPs,
apontou que, de maneira geral, aps as intervenes houve tendncia
melhora da capacidade cognitiva e diminuio de sintomas depressivos nos
participantes.
Moura, Passos e Camargos (2005) destacam a comunicao como
estratgia para o estabelecimento das relaes interpessoais nas ILPs. As
autoras observaram que muitas vezes, os idosos permaneciam sentados
uns ao lado dos outros, por longo tempo sem conversarem. Isto , apesar de
viverem no mesmo espao fsico e participarem de rotinas comuns (por
exemplo, alimentares) muitos idosos no interagem entre si. Ento,
implantaram uma interveno com os seguintes objetivos: - sensibilizar o
idoso sobre a importncia da comunicao no fortalecimento do convvio
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40
social, estimular a sua participao em aes educativas de preveno de
doenas e a promoo sade e criar estratgias para mobilizar a
criatividade, o convvio social e o trabalho coletivo.
O estudo foi desenvolvido com a participao espontnea de 96
idosos, com idade entre 60 a 85 anos por meio de oficinas. Os depoimentos
dos idosos, colhidos pelas autoras, exemplificam os resultados positivos da
interveno:
- aprendi a dar valor a minha sade, e me cuidar".
- os momentos que passamos aqui me fazem muito bem, passo
horas feliz, entretido, me esqueo dos problemas".
- Passei a me aceitar mais e aceitar melhor os outros".
- "Passei a me sentir bem com todas minhas companheiras e todas se
tornaram minhas amigas....
- Ajudou-me a viver com mais coleguismo".
As autoras concluram que o trabalho promoveu transformaes que
reafirmam a necessidade de mudana de paradigma: os idosos devem ser
sujeitos e no receptores passivos das aes de sade.
Nota-se a necessidade de ampliar os procedimentos de interveno
voltados aos idosos, contudo na rea da Fonoaudiologia. Assim, a seguir
ser apresentada uma possibilidade em que se percebe um crescente
interesse cientfico tendo em vista o seu potencial teraputico principalmente
com pacientes idosos: a relao homem-animal.
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41
CAPTULO II
Oh, Senhor de amor e bondade,
que criaste a bonita Terra
e todas as criaturas que caminham e voam nela
para que possam proclamar a tua Glria,
eu te agradecerei, enquanto viver,
que Tu me tenhas colocado entre elas
SO FRANCISCO DE ASSIS
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Humanos e Animais
A domesticao de algumas espcies de animais, alm de
transform-los, tambm afetou hbitos e
estilo de vida das pessoas ao longo da
histria da humanidade. Por sua vez, a
relao homem-animal vem sendo, cada
vez mais, objeto de estudos cientficos e
de interesse da mdia.
Conviver com um animal de estimao desfrutar de uma fonte
inesgotvel de alegrias, garantem os sujeitos que vivem essa experincia. E
a cincia comprova: eles trazem sade e longevidade, alm de melhorar a
auto-estima e espantar a solido (AVANZI; DINIZ; RAO, 2009)
Nessa perspectiva, esse captulo aborda a relao homem-animal na
mdia e, a partir de resultados obtidos em pesquisas, no campo da sade.
2.1 Relao homem-animal na mdia
Mitos e fatos verdicos ilustram as peculiaridades da relao homem-
animal, como veremos a seguir.
Segundo a mitologia romana, Rmulo e
Remo - bebs gmeos - foram abandonados em
uma cesta nas guas do rio Tibre. Atrada pelo
choro deles, uma loba saiu do bosque e os
encontrou. Havia acabado de perder seus filhotes,
lhes ofereceu suas tetas e os lambeu. Algum tempo
depois, os meninos sobreviventes foram
encontrados por um pastor de ovelhas que os criou.
Em 2009, na Sibria Oriental, uma menina (Natasha) de cinco anos
foi notcia em jornais, revistas, internet e TV, aps ser encontrada em um
apartamento em Tchita onde vivia com seu pai e avs, que no lhe
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43
dispensavam cuidados adequados. Cresceu interagindo basicamente com
os ces e gatos da famlia, passando a reproduzir o comportamento desses
animais. Segundo a polcia local, ao ser encontrada "pulou em cima dos
policiais como um cachorrinho, tentando se comunicar com "a linguagem
dos animais". A criana foi levada para uma instituio, onde vem recebendo
ajuda mdica e psicolgica, e est descobrindo (aos poucos) possibilidades
de interao com os humanos.
Algumas histrias surpreendentes so relatadas por Dias (2009),
como se segue.
Na dcada de 80, em Arkansas/ EUA, um recm-nascido foi
abandonado em um bosque dentro de um saco plstico, sendo salvo pelo
gato Slowly. Para proteger o beb do frio durante a madrugada, o gato
aqueceu-o com o seu prprio corpo at conseguir socorro. Como o animal
tinha o hbito de voltar para casa antes do anoitecer, e nessa noite no
voltara, os donos foram procur-lo. Ao v-los, Slowly miou estranhamente, e
ao se aproximarem, o encontraram lambendo o beb.
Mais um caso que comoveu o mundo, ocorreu no zoolgico de
Brookfield, Illinois/EUA. A gorila Binti Ju resgatou um menino de trs anos
que havia cado no recinto dos animais: pegou-o no colo e o entregou aos
guardas, que tentavam evitar o ataque de outros primatas criana. O fato
fez com que diversos especialistas comentassem sobre o ocorrido.
J os golfinhos alm de tentarem
salvar companheiros capturados, so
capazes de faz-lo tambm com os
humanos, como foi o caso do banhista
Martin Richardson, que quase morreu
atacado por tubares no Mar Morto,
Egito e foi por eles resgatado.
Algumas histrias sobre os
relacionamentos entre pessoas e animais tornaram-se famosos, e nessa
direo, a autora destaca o caso do leo Christian que protagonizou um
reencontro emocionante com seus criadores, dois australianos, que viviam
-
44
na Inglaterra e o adotaram quando filhote. Depois de viverem dois anos
distantes, o leo os reconheceu e os abraou quando foram visit-lo na
frica. Essa histria se transformou no documentrio Christian, the Lion at
Worlds End, disponvel na internet.
Emocionante tambm a histria de Fido, um cachorro da raa
belga, que em 1991, andou por 1500 km para reencontrar seus donos.
Demorou dois anos para sair da Blgica e chegar at a Espanha, e sua dona
o parado na porta de sua casa, chorando como uma criana. (DIAS, 2009)
Em novembro de 2008, a cadela Sophie Tucker caiu do iate de seus
donos quando navegavam no mar agitado na Austrlia, mas foi encontrada
em maro de 2009 em uma ilha deserta. Seus donos acharam que ela havia
se afogado, porm Sophie conseguiu nadar cerca de 10 quilmetros
atravessando uma rea infestada de tubares at chegar ilha. Tempos
depois, ouviram rumores de que um co havia sido encontrado nas
proximidades do acidente e decidiram contatar a guarda costeira e a
encontraram. Sophie sobrevivera alimentando-se de caranguejos, at
aprender a caar filhotes de cabras selvagens, tornou-se feroz e no deixava
ningum aproximar-se ou toc-la. Contudo, trazida de volta ao convvio
domstico, est evoluindo no processo de readaptao. (BBC Brasil, 2009)
Esses relatos de reencontro evidenciam a relao de fidelidade entre
animais e humanos, com destaque para os casos que envolvem os ces.
A especialista em comportamento canino, Patrcia McConnell (2006),
autora de Ces So de Marte Donos So de Vnus, atesta essa
impresso: "A chave da amizade entre homens e ces que se trata de uma
ligao puramente emocional". E prossegue afirmando que o co tem uma
competncia mpar para comunicar seus desejos comida, gua, carinho -
sendo at capaz de ler as emoes de seus donos e responder
apropriadamente a elas, num fenmeno que os especialistas chamam de
ressonncia afetiva.
A propsito, segundo Teixeira (2007), a humanidade mantem laos
afetivos mais fortes com os ces do que com qualquer outro animal, e a
-
45
evidncia arqueolgica mais antiga dessa amizade a de uma mulher
enterrada junto a seu co, encontrada em Israel h 12 000 anos atrs.
Sendo esse, especificamente, o foco dessa dissertao, o prximo
tpico vai explorar a relao homem-co.
2.1.1 Relao homem-co na mdia
Os maiores provedores da internet destinam espao significativo ao
tema animais.
Navegando em um site de
busca, foram detectados
aproximadamente 92.000.000
resultados para a palavra co e
encontradas diversas comunidades
em sites de relacionamento: Eu amo
meu cachorro, Converso com o
meu cachorro, Meu cachorro me
faz mais feliz, Todos os ces
merecem o cu, entre outras.
No cinema, a relao homem-
co intensamente abordada.
Masini (2009) destaca um dos
maiores astros da Warner Bros, o co Rin Tin Tin, clebre cachorro francs
que fez parte do elenco de quase 30 filmes, conquistou o pblico, livrou o
estdio da falncia e abriu as portas para uma leva de estrelas animais.
Tambm destaque a cadela vira-lata Laika, que ganhou fama ao ser
lanada ao espao pelo governo russo em 1957, mas no resistiu ao frio e
morreu, e foi homenageada internacionalmente.
Na ltima dcada, o mercado cinematogrfico tem revelado que
alguns dos filmes com maior nmero de espectadores e faturamentos nada
modestos, tem animais (frequentemente, os ces) como protagonistas.
-
46
Alguns exemplos de filmes produzidos nas ltimas dcadas sero
destacados a seguir, acompanhados de breves sinopses. Em comum, pode-
se observar a partilha de sentimentos de amor e lealdade entre ces e
humanos.
- Beethoven: encontramos seis seqncias do filme (1992, 1993,
2000, 2001, 2003, 2008) que conta as aventuras de um co da raa So
Bernardo junto a uma famlia, desde filhote. O dono vive conflitos com suas
travessuras, porm inevitavelmente se rende ao amor pelo animal.
- Resgate Abaixo de Zero (2006) - O filme se passa na Antrtida e
traz uma equipe de exploradores e cientistas em uma misso de pesquisa
que escapam de um acidente fatal por conta da ajuda de oito ces de tren.
Quando so forados a deixar o local, eles tm de abandonar os ces na
regio congelada, mas prometem voltar. Quando uma tempestade
extremamente forte se aproxima, os ces ficam presos e tm de lutar para
passar pelo inverno mais rigoroso do planeta.
Inconformados, os cientistas tentam organizar uma
misso de resgate para tentar salvar os companheiros
ces.
- Marley & Eu (2008) - O filme conta a histria
verdica de um casal que adquire um co para se
preparar para exercer a futura maternidade/paternidade.
Marley, o co, acompanha o crescimento da famlia com a qual estabelece
um (recproco) amor incondicional. O filme foi baseado no livro homnimo do
jornalista americano John Grogan.
- Sempre ao Seu Lado (2009) Trata-se da adaptao americana de
uma histria japonesa real. Um professor
universitrio leva um cachorro abandonado
para sua casa e eles estabelecem um forte
vnculo. Hachi, o co, diariamente
acompanhava o dono at a estao de
trem que o levava at a universidade e
voltava ao local para receb-lo ao final do dia de trabalho. Repentinamente,
-
47
o professor morre durante a aula. Mas, Hachi continuou indo estao de
trem todos os dias procura de seu dono por quase uma dcada. Durante a
sua espera pelo dono, que nunca voltar.
Para Teixeira (2007), esses filmes geram forte empatia nos
expectadores, na medida em que os mesmos identificam-se com as virtudes
e os defeitos humanos representados pelos ces.
Tambm no noticirio veiculado na televiso, rdio, jornais, revistas e
internet, so freqentes as referncias a fatos que envolvem a relao entre
homens e ces, como em 11 de Setembro de 2001, no terrvel ataque
terrorista que atingiu as duas torres do maior conjunto comercial do mundo -
o World Trade Center em Nova Iorque/EUA - com duas aeronaves
comerciais, as autoridades registraram o desaparecimento de 300 pessoas.
Para a busca e resgate das mesmas,
usaram cerca de 300 ces que percorriam
o terreno para farejar vtimas soterradas.
Voluntrios organizaram, na rua, um
hospital veterinrio para atend-los, e a
cada duas horas, os animais interrompiam
as buscas para serem cuidados (lavar os
olhos, tomar antibiticos, receberem curativos em ferimentos e queimaduras
e recuperar o faro). (PORTAL BRASIL, 2001).
Em outras calamidades como o soterramento de pessoas durante
obras do metr da cidade de So Paulo (janeiro de 2007) e aps as
enchentes em Santa Catarina (novembro de 2008), os ces foram
considerados verdadeiros heris no resgate e salvamento das vtimas.
Segundo Teixeira (2007), ao longo dos tempos, as virtudes e os
defeitos caninos ganharam inmeras representaes culturais e alm da
fidelidade, passaram a ser smbolo de herosmo e afetividade. O autor
considera que talvez os polticos sejam os que mais tiram proveito da
imagem simptica dos ces, recorrendo a eles para inflar a popularidade e
humanizar a prpria imagem na mdia.
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48
Um exemplo disso, em 2009, deu-
se aps a eleio do primeiro presidente
negro dos Estados Unidos, Barack
Obama. Poucos meses aps tomar posse,
a mdia internacional deu grande destaque
para a manchete: Bo o nome do novo
cachorro da famlia Obama. Isso porque,
j no seu discurso de vitria, o presidente havia prometido s suas filhas,
publicamente, que teriam um cachorro na Casa Branca. O filhote, da raa
D'gua Portugus, foi um presente do senador democrata Edward Kennedy.
Apresentado imprensa, Bo ganhou ainda mais notoriedade,
aparecendo em cenas cotidianas com a famlia Obama: brincando,
ajudando a plantar vegetais orgnicos e jogando basquete com o
presidente nos jardins da Casa Branca, alm de virar personagem de uma
revista em quadrinhos.
Os livros de fico sobre o tema igualmente proliferam. Dentre os
brasileiros, destaco a obra do o escritor e roteirista de novelas Walcyr
Carrasco, que narra a sua convivncia com o husky siberiano Uno.
Carrasco (2008) relata a presena de Uno em vrias fases de sua
vida, nas felizes e nas sofridas. E revela um fato curioso: desempregado,
recorreu alternativa de escrever crnicas para
uma revista canina baseadas em suas
experincias com o companheiro.
Aos 14 anos, Uno comeou a adoecer,
em decorrncia do envelhecimento, e apesar
dos tratamentos, o co no apresentava
melhoras. Assim se expressou Carrasco, numa
crnica da poca, da qual recebeu milhares de
cartas de leitores que se identificaram com sua
histria: Ou ele no conseguir resistir ou chegar a um ponto em que terei
de dar um n no corao e abreviar seu sofrimento. Eu tenho de resistir e
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49
fazer o melhor. Coar sua barriga e falar palavras docemente. E, se puder,
quando chegar a hora, coloc-lo em meu colo e dizer quanto o amo.
Feitas essas consideraes, possvel observar que na mdia, de
forma geral, os ces aparecem como promotores/facilitadores da qualidade
de vida e expresso de sentimentos dos humanos.
2.2 Relao homem-animal no campo da sade
crescente o interesse cientfico pelo estudo da relao homem-
animal que tem sido constatado nas ltimas dcadas, com nfase no
potencial teraputico dessa relao, evidenciado pelos resultados de
pesquisas. Estudos na rea da sade (e da educao) apontam que a
presena de animais um dispositivo de interveno potente quando
integrado aos recursos teraputicos (e pedaggicos) necessrios.
Althausen (2007) destaca que o primeiro relato da participao de
animais em tratamentos de sade na sociedade ocidental deu-se no final do
sculo XVIII, na Inglaterra, em uma instituio psiquitrica que mantinha
coelhos, gaivotas, falces e aves domsticas nos ptios e jardins
freqentados pelos pacientes. Pois, observava-se que esses animais
despertavam sentimentos de sociabilidade e benevolncia nos internos.
Porm, complementa o autor, foi a partir da dcada de 60 que o
psiclogo americano Boris M. Levinson iniciou uma srie de estudos de
situaes clnicas nas quais constatou que a presena do animal era
fundamental para a efetividade dos processos teraputicos.
Os psiquiatras Samuel e Elizabeth Corson tambm so citados por
Althausen (2007), pela importante contribuio oferecida aos estudos
cientficos sobre o tema na dcada de 80, quando usaram ces em
instituies psiquitricas. Tal procedimento foi pesquisado com 50 pacientes
com alto grau de introverso e que no respondiam ao tratamento
convencional. Os resultados mostraram que apenas 03 (trs) deles no
apresentaram melhoras no estado clnico; e os demais, gradativamente,
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desenvolveram desejo de independncia, aumento da auto-estima e do
senso de responsabilidade medida que assumiam os cuidados com os
ces. Segundo os pesquisadores, os ces renem caractersticas que
facilitam a interao com esses pacientes pela prontido em oferecer afeto e
contato ttil, aliados confiana que despertam. Destacaram ainda a
importncia da comunicao no-verbal que se estabelece entre humanos e
animais, como ferramenta teraputica preciosa, pois observaram que as
palavras ditas pelos pacientes, muitas vezes, no condiziam com o que a
expresso corporal revelava. Assim, o procedimento associava a presena
do co com experincias prazerosas, favorecendo a expresso de
sentimentos e fantasias pela reduo das interferncias de processos de
racionalizao e resistncia.
Althausen (2007) tambm pondera que atividades como segurar um
cachorro pela coleira, referir as partes de seu corpo, escov-lo e acarinh-lo
abrem as possibilidades para que o animal seja um recurso teraputico em
diferentes reas de atuao: fisioterapia, terapia ocupacional,
fonoaudiologia, psicopedagogia e psicologia. A seu ver, esse pode se
constituir no ponto de partida para o desenvolvimento de diferentes
habilidades, tais como: aprendizagem de conceitos, desenvolvimento da
linguagem, da motricidade e expresso de emoes.
A propsito do aspecto psquico, vale referir que Jo-Fi, um co da
raa chow chow que pertencia a Sigmund Freud, permanecia por vezes em
seu consultrio durante as sesses. Freud, inclusive, tinha um acordo com
Jo-Fi: no trmino da consulta, ele deveria se dirigir porta, sinalizando o fato
para os pacientes. (MASINI, 2009).
A abordagem cientfica da relao homem-animal tambm alvo da
Pawsitive Interaction, organizao americana sem fins lucrativos,
localizada em Atlanta, no Estado da Gergia (EUA), que tem como
compromisso potencializar os benefcios dessa relao quanto sade e
bem estar das pessoas. E, segundo os princpios da organizao, tais
intervenes junto comunidade devem ser subsidiadas pelo conhecimento
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cientfico advindo de pesquisas que investiguem seus efeitos teraputicos;
de maneira a valid-los.
Uma das principais atividades da Pawsitive Interaction a de reunir
mdicos especialistas em oncologia e psiquiatria, veterinrios e
epidemiologistas, entre outros, para pesquisar e debater sobre o tema.
Em 2002, em evento intitulado Um olhar cientfico sobre a ligao
homem-animal, a Pawsitive Interaction apresentou um conjunto crescente
de provas cientficas confirmando os benefcios dessa interao. No site da
organizao encontra-se resumo das concluses e trabalhos dos
pesquisadores de maior destaque:
- Edward Creagan, professor da Faculdade de Medicina da Clnica
Mayo e da Sociedade Americana de Oncologia Clnica, prescreve o convvio
com animais de estimao para seus pacientes com cncer.
- Alan Beck, diretor do Center for Human-Animal Bond, da
Faculdade de Medicina Veterinria da Universidade de Purdue, associa o
ganho de peso em pacientes de Alzheimer observao de peixes em
aqurios durante as refeies, afirmando que alm do estmulo de funes
fisiolgicas, a interao com os animais contribui para a reduo do estresse
e da ansiedade.
- Marty Becker, veterinrio, correspondente da ABC-TV (EUA) e autor
do livro O Poder de Cura dos Animais, tambm esteve no evento e afirmou
que o convvio com os animais podem auxiliar na reduo da presso
arterial e de triglicerdeos no sangue.
Em 2003, a Pawsitive Interaction promoveu novo evento cientfico
intitulado Os animais e o envelhecimento: a cincia apia o vnculo
humano-animal, no qual destacaram-se alguns estudos disponveis em seu
site:
- Edward Creagan reafirmou os resultados obtidos em pesquisas
anteriores sobre os efeitos da relao homem-animal na reduo da presso
sangunea, acrescentando que essa interao favorece a sobrevivncia dos
indivduos aps sofrerem ataques cardacos.
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52
- Rebecca Johnson, diretora associada do Centro de pesquisas em
excelncia sobre envelhecimento, da Universidade de Missouri-Columbia,
mostrou que h um aumento do nvel de serotonina (o chamado hormnio
da felicidade) aps a interao de idosos com ces
- A propsito, Sandra Barker, outro estudo em destaque no site da
Pawsitive Interaction assinalou que as descobertas cientficas sobre o tema
so especialmente relevantes para o tratamento de idosos, considerando-se
a alta probabilidade de ocorrncia de sentimentos de solido e da depresso
nessa faixa etria.
Carvalho (2009) aponta a existncia de vrios registros cientficos
sobre pessoas que superaram a depresso auxiliadas pelo convvio com
animais, alm de estudos que comprovam que
a chance de sobrevivncia a um enfarto
cardaco quatro vezes maior para quem tem
um animal em casa, comparado a quem vive
s. O cavalo, segundo a autora, favorece a
obteno de resultados favorveis no
tratamento de problemas relacionados ao
sistema nervoso central, como: paralisia cerebral, acidente vascular cerebral,
sndrome de Down, entre outras patologias; pois alm dos benefcios fsicos,
a equoterapia estimula a orientao espacial, a auto-estima e o poder de
concentrao.
Andrade (2010) investigou os efeitos da equoterapia, alm das
tcnicas convencionais, no tratamento fonoaudiolgico de duas crianas
com distrbios de linguagem oral. Os resultados apontaram que a presena
do cavalo favoreceu a atividade dialgica, gestualidade, expresso de
sentimentos e afetividade nos casos clnicos estudados.
Carvalho (2009) assinala que, em relao aos idosos, pesquisas tem
demonstrado a importncia da presena do animal no tratamento,
especialmente para a reduo da presso sangnea e aumento da
mobilidade. E que benefcios estendem-se a pacientes portadores de AIDS
em estado terminal, estudados em um programa desenvolvido em ambiente
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53
hospitalar (So Francisco/Califrnia), aos quais foi oferecida a possibilidade
da companhia de gatos e cachorros.
Berzins (2000) estudando as relaes entre os idosos e os animais
domsticos, constatou que elas so singulares e permeadas de profundo
significado, podendo ser uma compensao para o chamado ninho vazio: a
vida sem sentido pela falta de convvio com os familiares. Observou tambm
que a presena do animal resultou na reduo da ansiedade e da
depresso, uma vez que os animais incentivam a atividade fsica, tanto para
lev-los aos passeios como para a realizao dos cuidados dirios. Durante
a internao, os pacientes demonstraram desejo de recuperarem-se para
voltarem a cuidar de seus animais.
Nessa direo, destaca-se no Brasil, o trabalho pioneiro da mdica
psiquiatra, psicanalista e terapeuta ocupacional
Nise da Silveira, que na dcada de 50 j utilizava
animais em terapias de pacientes esquizofrnicos
no Centro Psiquitrico D. Pedro II, sediado no Rio
de Janeiro, onde obteve significativos resultados
sem, contudo, public-los por meios cientficos. O
caso de um de seus pacientes (Carlos) contm
elementos significativos para o entendimento
desse tipo de interveno.
Explicitando: sua expresso verbal era
praticamente ininteligvel e o caminho para que as pessoas o
compreendessem deu-se por intermdio do animal. O paciente, que durante
anos estava recolhido ao seu mundo interno, passou a interessar-se pelos
cuidados com o co Sulto, evoluindo significativamente quanto ao seu
quadro clnico. Porm, Sulto foi morto por envenenamento e com a perda
daquele ponto de referncia externo e investido de muito afeto, Carlos
regrediu tornando-se ainda mais inacessvel que antes. Somente dois anos
depois, ele vinculou-se a outro co, o Sertanejo, ao qual se referia como seu
confidente, e passou a colaborar espontaneamente na limpeza do local onde
dormiam os animais e dando-lhes banhos semanais. O mais surpreendente
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do caso, segundo Silveira (1981), foi quando Carlos lhe pediu dinheiro para
comprar gua oxigenada, mercrio cromo e gaze, pois Sertanejo havia
ferido uma das patas. Fez as compras na farmcia prxima, trouxe o troco
correto do dinheiro e, com extremo cuidado, fez o curativo na pata de
Sertanejo.
Como aponta Mantovani (2007, pg.35): fazendo parte de nossa
cultura e de nossas rotinas, os animais passaram a desempenhar outros
papis para alm da companhia que nos fazem, pois atualmente habitam
consultrios, hospitais, escolas e instituies diversas, devido aos benefcios
atribudos tanto pelo senso comum, quando destacados por pesquisas que
apontam para a relevncia da discusso e produo de conhecimento
cientfico sobre o tema.
Feitas essas consideraes, no prximo captulo sero apresentadas
as modalidades de interveno com animais, atualmente nomeadas como
Atividade Assistida por Animais (AAA) e Terapia Assistida por Animais
(TAA).
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CAPTULO III
_____________________________________________________________
Em uma poca da investigao,
quando existe a tentao de reduzir as emoes humanas
a reaes bioqumicas (...),
fascinante descobrir que a sade de uma pessoa
pode ser melhorada ao se prescrever
o contato com outros seres vivos.
MC CULLOCH
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3.1 TAA e AAA: definies e caracterizao
Quando em todo o mundo, os animais de estimao eram
considerados como objetos de luxo ou itens descartveis, alguns
profissionais como veterinrios, psiquiatras e mdicos compartilhavam
observaes a partir de suas prticas e experincias pessoais em que a
interao com os animais apresentavam impacto positivo sobre a sade
fsica e psquica dos humanos.
Considerando a relevncia daquilo que testemunhavam, um grupo
desses profissionais concluiu que apenas seus relatos no eram suficientes
para captar a ateno da comunidade mdica, e decidiram desenvolver
pesquisas cientficas visando ampliao/divulgao dos conhecimentos
sobre o tema.
Assim, fundaram a organizao Delta em 1977, na cidade de
Portland/EUA, que em 1981 passou a ser denominada Delta Society The
Humam-Animal Health Connection. Essa entidade sem fins lucrativos tem
como o objetivo promover a interao entre animais e humanos, a fim de
avaliar e potencializar os benefcios para a sade e qualidade de vida de
ambos. Devido necessidade do estabelecimento de padronizao
terminolgica e conceitual, definiu:
1. Atividade Assistida por Animais (AAA)
Conceito que envolve visitao, recreao, e distrao por meio do
contato direto dos animais com as pessoas. (...) So atividades que
desenvolvem o incio de um relacionamento, propem entretenimento,
oportunidade de motivao e informao, a fim de melhorar a qualidade de
vida. (DELTA SOCIETY apud DOTTI, 2005, p.30)
2. Terapia Assistida por Animais (TAA)
Envolve servios profissionais da rea mdica e outras, que utilizam
o animal como parte do trabalho e do tratamento. (...) A TAA dirigida e
desenhada para promover a sade fsica, social, emocional e/ou funes
cognitivas. um processo teraputico formal com procedimentos e
metodologia, amplamente documentado, planejado, tabulado, medido e seus
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resultados avaliados. Pode ser desenvolvida em grupo ou de forma
individual. (DELTA SOCIETY apud DOTTI, 2005, p.30)
A atuao profissional nessa rea, aos poucos foi se tornando
internacionalmente conhecida. No Brasil, no livro de referncia Terapia &
Animais, Dotti (2005) mostra como os animais podem melhorar a qualidade
de vida e influenciar positivamente a sade fsica e psquica dos seres
humanos, alm de apresentar um guia prtico para organizaes,
profissionais, estudantes, voluntrios e interessados em ingressar nessa
rea.
Dotti (2005) apresenta registros sobre a utilizao de animais no
tratamento de diversos pacientes (com artrose, Alzheimer e depresso),
relatos de experincias vividas no Brasil e no
exterior e destaca os trabalhos da Dra. Nise da
Silveira no Hospital Psiquitrico Dom Pedro II,
onde foram realizadas as primeiras experincias
brasileiras de utilizar animais com fins
teraputicos.
O autor tambm aborda temas importantes
como a natureza e caractersticas dessas
intervenes, critrios de avaliao e seleo dos
animais, adestramento, e doenas que podem ser particularmente
beneficiadas com a TAA.
Destaca-se que Jrson Dotti fundou, em 2000, a Organizao
Brasileira de Interao Homem-Animal Co Corao (OBIHACC) e o Projeto
Co do Idoso, ambos com o objetivo de desenvolver a AAA e a TAA em So
Paulo. E, embora a OBIHACC tenha encerrado suas atividades, profissionais
remanescentes dessa extinta ONG (2000 2008) fundaram a Instituio
Nacional de Aes e Terapias Assistidas por Animais (INATAA) 1.
1 Instituio Nacional de Aes e Terapias Assistidas por Animais (INATAA) tem os
mesmos propsitos da OBIHACC, a saber: realizar visitas com ces a asilos para a realizao de Atividade Assistida por Animais (AAA). Atende cerca de 400 pessoas por ms, entre crianas, adolescentes, adultos e idosos, em 4 instituies asilares, no Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, no Hospital das Clnicas IPQ (Instituto de Psiquiatria) e no Hospital Santa Marcelina - Ncleo Integrado de Reabilitao (NIR) Jardim Soares, em So
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vlido ressaltar o esforo do autor em organizar essa publicao
sobre um campo de atuao pouco conhecido/desenvolvido no Brasil, sendo
que essa iniciativa incentivou a produo nacional de investigaes
relevantes sobre AAA e TAA.
Chandler (2005), doutora em Educao pela Universidade Tech, no
Texas, onde criou e ainda dirige o Centro de
Terapia Assistida por Animais, foi pioneira ao
desenvolver um curso sobre o tema. Alm de
manter parceria com a Delta Society, onde
certificou seu co Rusty e seu gato Snowflake,
publicou entre estudos e artigos, o livro Animal
Assisted Therapy in Counseling (2005) em que
delineia as tcnicas da TAA e, apoiada em
exemplos de casos, explica como selecionar,
treinar e avaliar o animal para o trabalho
teraputico. A autora examina as consideraes ticas e de gesto de risco,
fornece um histrico de TAA incluindo orientaes para o estabelecimento
de um programa de base universitria para a formao de TAA, alm de
elaborar formulrio para ser usado na triagem dos clientes.
Em suas consideraes, Chandler (2005) define a TAA como a
incluso de animais como agentes
teraputicos, valendo-se da relao
entre estes e seus donos para prestar
servios aos sujeitos, favorecendo a
promoo da sade. De acordo com a
autora, os efeitos da TAA so
demonstrados pelos impactos positivos
na dinmica teraputica, aumentando a
motivao do paciente em participar das atividades. Por sua vez, o contato
fsico com o animal, que ela denomina como co-terapeuta, faz com que o
Paulo. O Instituto conta com o trabalho de 65 Voluntrios com co ou sem co, e 61 ces terapeutas.
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paciente fique mais calmo, experimentando momentos de incondicional
aceitao e de diverso.
Chandler (2005) considera que os animais tornam-se poderosos
objetos transicionais por serem carinhosos e receptivos, alm de ajudar os
pacientes a interagirem com as pessoas, principalmente com aquelas que
compartilham com eles o carinho pelos animais.
Ainda de acordo com a autora, existem muitos animais que so
adequados para a TAA, embora os ces predominem seguido pelos cavalos.
E ressalta as caractersticas do terapeuta: ter uma relao positiva com o
animal participante da terapia, articulando situaes de interao entre o
paciente e o animal e entre o paciente e o terapeuta.
Entretanto, Chandler (2005) acredita que a proposta de trabalho
mais efetiva quando o profissional utiliza o seu prprio animal, por considerar
que o vnculo entre eles um forte catalisador dos ganhos teraputicos, em
funo da tpica relao de mtua confiana estabelecida. Por sua vez, a
seu ver, o animal deve ser saudvel, bem comportado, socivel e ter alta
tolerncia a estresse. Especificamente quanto aos ces, interessante que
ele tenha algumas habilidades especiais como atender a comandos bsicos
(deita, senta, fica e no), embora a autora considere que todos j tenham
alguns dons naturais por serem comunicadores expressivos e no
esconderem seus sentimentos.
Nessa direo, a autora aponta a TAA como benfica para o bem-
estar psicossocial e cita estudos que
evidenciam: reduo de estados
depressivos em adultos (McVARISH,
1995), aumento da auto-estima em
adultos (WALSH & MERTIN, 1994),
reduo nos nveis de presso
sangnea, estresse e ansiedade em
crianas (FRIEDMAN e outros 1