A INSERÇÃO DE AGRICULTORES FAMILIARES NORTE-RIO ... · Vegetais para Fins Energéticos...
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A INSERÇÃO DE AGRICULTORES FAMILIARES NORTE-RIO-
GRANDENSES NO CIRCUITO ESPACIAL DE PRODUÇÃO DO BIODIESEL
Lúcia Rosa dos Santos
Universidade Federal do Rio Grande do Norte [email protected]
Celso Donizete Locatel
Universidade Federal do Rio Grande do Norte [email protected]
Resumo
O presente trabalho tem como objetivo compreender como vem acontecendo a inserção de agricultores familiares do território norte-rio-grandense no âmbito do circuito espacial de produção do biodiesel, que envolve agentes de diferenciados níveis e poder de atuação - firmas, Estado, grandes produtores rurais e, agricultores familiares. O Estado, ao mesmo tempo em que viabiliza a inserção dos agricultores familiares neste circuito produtivo também atua enquanto empresa, através da Petrobras (capital público-privado), e como tal, está atrelado aos interesses do mercado. Tal relação pode gerar muitos conflitos, uma vez que o Estado encontra-se dividido entre atender aos anseios dos produtores de biodiesel (papel que ele também representa) e tornar realmente viável a inserção dos agricultores familiares neste circuito produtivo.
Palavras-chave: Biodiesel. Agricultura familiar. Estado. Território. Circuito espacial.
Introdução
Os discursos da finitude dos combustíveis fósseis e das mudanças climáticas
contribuíram para que o mundo passasse a investir em energias “renováveis”, tidas por
seus “propagandeadores” como fontes sustentáveis. Esses investimentos em energias
renováveis vêm acontecendo gradativamente, geralmente impulsionados pela grande
dependência das sociedades em relação aos combustíveis fósseis e pelas crises que de
tempos em tempos rondam o setor petrolífero.
A preocupação do homem com o futuro e a perspectiva de se ver desprovido do
conforto e da segurança que ao longo da história perseguiu, faz com que a cada dia ele
se supere diante da possibilidade de antever tempos difíceis. É essa característica que
move os agentes hegemônicos, fazendo com que busquem cada vez mais desenvolver
técnicas que lhes possibilitem superar os possíveis obstáculos que a natureza possa
impor ao “desenvolvimento”. Assim, diante dessa perspectiva, os países, principalmente
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os denominados de centrais, passaram a investir no desenvolvimento de pesquisas que
lhes permitissem no futuro, superar essa dependência dos recursos naturais finitos.
Apesar de as primeiras referências ao uso de óleos vegetais no Brasil datarem da década
de 1920, é a partir da década de 1970, impulsionado pelo crítico cenário energético
mundial, que o país passa a se preocupar de maneira mais efetiva em buscar meios para
reduzir a dependência do petróleo importado. A partir desse momento os investimentos
na produção de combustíveis oriundos de fontes renováveis ganham maior destaque,
com a implantação do PROÁLCOOL em 1975 e o Plano de Produção de Óleos
Vegetais para Fins Energéticos (PRÓ-ÓLEO, de 1980). “Os imediatos resultados do
PROALCOOL, como a competitividade econômica frente à gasolina, fizeram com que
esse programa recebesse mais atenção e investimentos em detrimento dos de óleos
vegetais” (PIRES DO RIO, 2011, p. 36).
Desde a década de 1980 são desenvolvidas pesquisas acadêmicas com biodiesel no
Brasil. Essas, no entanto, por muito tempo não tiveram a devida atenção em território
nacional e, só mais recentemente, saíram das instituições de pesquisa e se inseriram na
pauta das discussões da política nacional.
Obedecendo a uma necessidade do mercado, em função das recorrentes crises do
petróleo e da consequente necessidade de substituição desse recurso, as pesquisas foram
intensificadas a fim de dar suporte ao início de um processo de transição energética e ao
fortalecimento do setor de energia. Essas ações sistêmicas deram forma a novas ações
que culminaram com a implementação do Programa Nacional de Produção e Uso do
Biodiesel (PNPB), em Janeiro de 2005, e à Lei no. 11.097, de 13/01/2005, que dispõe
sobre a introdução do biodiesel na matriz energética brasileira, indicando a participação
da agricultura familiar na oferta de matérias-primas para a sua produção e, onde estão
estabelecidas as metas e prazos para a introdução desse novo combustível na matriz
energética brasileira.
Ocorre que, apesar da boa intenção de incluir a agricultura familiar neste circuito
produtivo, o programa tem suscitado muitas críticas no que se refere à sua eficácia no
quesito inclusão social e redução das desigualdades regionais, justificando a
necessidade de estudos que busquem descortinar as ações desenvolvidas pelos agentes
que integram este circuito produtivo, principalmente nos territórios aonde essa proposta
de inserção dos agricultores familiares vem sendo implementada.
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Sendo assim, pretende-se com este trabalho compreender como vem acontecendo a inserção
de agricultores familiares do território norte-rio-grandense no âmbito do circuito espacial de
produção do biodiesel, que envolve agentes de diferenciados níveis e poder de atuação - firmas,
Estado, grandes produtores rurais, agricultores familiares etc.
Como recursos metodológicos, além da revisão bibliográfica, foram realizadas pesquisas junto
ao IBGE-SIDRA a fim de levantarmos as áreas de cultivo dessas oleaginosas no Rio Grande do
Norte, bem como, dados sobre a quantidade produzida desde que as ações do PNPB tiveram
início no estado. Munidos desses dados, utilizamos o recurso da confecção de mapas a fim de
demonstrar como essas atividades de cultivo estão se espacializando no RN; as oscilações no
que se refere à quantidade produzida e às áreas de produção. Também visitamos alguns dos
assentamentos onde houve envolvimento de agricultores com esses cultivos, com a
transformação das sementes em óleo bruto e levantamos dados junto a pesquisadores envolvidos
nas experiências de cultivo do girassol e do processo de prensagem das sementes. Realizamos
ainda, entrevista junto a representantes da Petrobras Biocombustíveis que atuam no âmbito dos
estados do Rio Grande do Norte e Ceará, a fim de compreender a atuação desta empresa no
território norte-rio-grandense.
O uso do território no período atual e os circuitos espaciais de produção e círculos
de cooperação
Compreender o período histórico atual, denominado Técnico-científico-informacional
(SANTOS, 2008a, 2008b) é imprescindível para a compreensão do espaço que se
apresenta para nós nesse período, em que o progresso das ciências e das técnicas
repercute no espaço geográfico, gerando o meio-técnico-científico-informacional. Este
constitui o meio geográfico atual, que possui a tendência de se universalizar por meio da
unicidade técnica, que ocorre com diferentes graus de intensidade, se distribui
desigualmente sobre os lugares, mas “seus efeitos se fazem sentir, direta ou
indiretamente, sobre a totalidade dos espaços” (SANTOS, 2009, p. 193). Essas
diferenciações espaciais expressas nos territórios agem como reguladoras de seu uso.
No circuito espacial de produção do biodiesel isso se expressa na forma como as usinas
estão distribuídas no território nacional (a maioria no Centro-Sul), na quantidade de
agricultores familiares inseridos (maioria no Sul), na principal matéria-prima utilizada
para a produção (a soja, cujo setor produtivo é altamente consolidado). No caso do Rio
Grande do Norte, por exemplo, os agricultores familiares envolvidos no circuito
produtivo do biodiesel não têm à sua disposição instrumentos técnicos dos mais
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modernos, necessitando, por exemplo, pagar pelo aluguel de tratores, colheitadeiras, ou
seja, eles têm dificuldades de acesso a esses instrumentos técnicos modernos, mas
necessitam deles para poderem obter bons resultados na produção das matérias-primas,
isto é, sentem os efeitos de não possuí-la, pois o custo de produção é acrescido pelo
aluguel de máquinas. Essa realidade não se repete em todas as partes do território. No
Sul, por exemplo, onde grande parte dos agricultores familiares inseridos cultiva a soja,
oleaginosa cuja produção é altamente tecnificada e consolidada e, onde a tradição do
cooperativismo fortalece esse segmento, esses agricultores têm atingido bons resultados.
A categoria analítica que se apresenta como melhor instrumento para compreender essa
realidade e a inserção dos agricultores familiares norte-rio-grandenses no circuito
espacial de produção do biodiesel é o “território usado” (SANTOS, 2000), haja vista
que esta permite apreender o todo e as partes, já que “o mundo encontra-se organizado
em subespaços articulados dentro de uma lógica global” (SANTOS, 1988, p. 49). O
território usado implica em totalidade, em espaço que vai além da racionalidade
expressa pelas ações dos agentes hegemônicos que vêem o território apenas como
recurso [1] a ser explorado (e para os quais, acaba se constituindo um abrigo, por
oferecer possibilidades favoráveis à sua reprodução) quando na verdade ele se constitui
o espaço banal (SANTOS, 2000). E, sendo assim, depreende-se que ele contempla o
interesse de todos os agentes, para quem o território, além de recurso é também um
abrigo. Nas palavras de Santos (2000, p. 2), “Trata-se do espaço de todos os homens,
não importa suas diferenças; o espaço de todas as instituições, não importa a sua força;
o espaço de todas as empresas, não importa o seu poder”. E, sendo assim, também
permite demonstrar o uso diferenciado dos lugares de acordo com o poder de atuação
dos agentes e com o conteúdo técnico de que são dotados os territórios.
No período ora vigente, embasado sob a égide do meio técnico-científico-informacional,
a lógica de uso dos territórios está atrelada a uma divisão territorial do trabalho em nível
nacional, que privilegia de forma diferenciada cada porção do território. Na produção de
biodiesel, algumas porções do território são mais ou menos valorizadas para a produção
de oleaginosas ou para a implantação de usinas, gerando assim uma hierarquização dos
lugares. Não é por acaso que as ações do PNPB no RN caminham a passos lentos, haja
vista que dentro desta hierarquização coube-lhe até o momento, apenas o papel de
produtor (oscilante) de oleaginosas e campo para experimentos. Também não é por
acaso que o estado do Mato Grosso detém a maior quantidade de usinas entre os estados
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brasileiros. Nesse estado, além da grande concentração das lavouras de soja (matéria-
prima mais utilizada na produção de biodiesel), há toda uma conjuntura infraestrutural
estabelecida para dar suporte a produção dessa commodity, que antecede a introdução da
produção de biodiesel. Nesse caso podemos dizer que “o território se impõe como
norma” (CATAIA, 2010, p. 6), haja vista, que a configuração territorial propicia a
localização dessas atividades.
As transformações ocorridas a partir da união entre técnica ciência e informação
possibilitaram a globalização e, consequentemente, a ampliação do mercado financeiro
e produtivo mundial, favorecendo a dispersão dos atores hegemônicos por meio da
divisão do trabalho nas mais diversas escalas e sua localização nos pontos dos territórios
que se apresentassem mais favoráveis à sua reprodução nos moldes da lógica capitalista.
Esse contexto criou as condições necessárias às ações dos circuitos espaciais de
produção, que representam as etapas do processo de produção de um produto, separadas
geograficamente em pontos do espaço estrategicamente pensados.
Apesar de os circuitos espaciais de produção terem origem nas ideias de Marx, Moraes
(1985, p. 19) afirma que a ideia de circuito aparece mais diretamente no documento
“MORVEN: Metodologia para o diagnóstico regional”, cujo objetivo era “compreender
e especificar como vão interagindo os diferentes agentes produtivos sobre o espaço,
objetivando maximizar sua capacidade de acumulação” (MORVEN, 1978, p. 5, apud
MORAES, 1985). A partir dessa proposta é possível compreender a dinâmica dos
fluxos que perpassam o território interligando as diversas instâncias de uma atividade
(produção, circulação, distribuição e consumo), cuja produção se dá impulsionada pela
divisão do trabalho. Trata-se de uma compreensão do processo produtivo que vai além
do simples ato de produzir e, que tem se constituído para a Geografia, numa forma
eficiente de se analisar e identificar todos os agentes e processos envolvidos desde a
produção, perpassando pelo transporte e comercialização até o consumidor final de um
produto, além de demonstrar os círculos de cooperação que são responsáveis pela
articulação entre os agentes envolvidos na produção, que se encontram geograficamente
dispersos e, sem os quais a realização do circuito não seria possível.
A ideia de circuito espacial de produção demonstra um movimento circular, que se
explica pelos elos que vão sendo construídos entre os diversos agentes das diversas
instâncias produtivas - produção, circulação, distribuição, consumo.
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Sendo assim, operacionalizar o conceito de circuitos espaciais de produção, significa
apreender a indivisibilidade do espaço, em função do trabalho comum entre as diversas
instâncias da produção (SANTOS, 1997, p. 61). Não obstante, o circuito espacial de
produção demonstra de que forma a produção de um determinado produto se
espacializa, e as transformações que ela engendra nos territórios.
A agricultura familiar no Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel
(PNPB)
Segundo consta na cartilha do PNPB (SAF/MDA, 2010), que traz o subtítulo “inclusão
social e desenvolvimento territorial”, enquanto marco regulatório, o Governo Federal
definiu como prioridade a ampliação da produção e consumo em escala comercial e de
forma sustentável, com enfoque na inclusão social e no desenvolvimento regional,
através da diversificação das matérias-primas que se prestam à produção desse
combustível (soja, mamona, girassol, canola, dendê, pinhão manso, palma, amendoim
etc.) e das regiões produtoras, visando gerar emprego e renda.
No que se refere aos agricultores familiares da região Nordeste e semiárido, optou-se,
principalmente, pelo incentivo ao cultivo da mamona (considerada como altamente
resistente às intempéries climáticas). No Rio Grande do Norte, além da mamona,
incentivou-se também o cultivo de girassol.
As ações do PNPB se constituem normas que estão se materializando em todas as
regiões do país. Dentre os principais segmentos envolvidos no programa temos a
agricultura familiar, o agronegócio de grãos e as usinas produtoras de biodiesel do setor
privado e do setor público/privado (Petrobras Biocombustíveis S.A. (PBIO).
Privilegiaremos aqui, as ações do PNPB voltadas para o segmento da agricultura
familiar.
O Grupo Gestor do PNPB é vinculado ao Ministério de Minas e Energia, que conta
com a participação de representantes da ANP, Embrapa, Petrobrás e BNDES, além de
membros dos ministérios envolvidos. Este grupo gestor tem a responsabilidade de
acompanhar todo o processo operacional do programa.
O Governo definiu como metas para o programa a adição gradativa desse combustível
na matriz energética brasileira. Assim inicialmente foi autorizado o uso de 2% de
mistura de Biodiesel ao óleo diesel oriundo do petróleo, especificação que se tornou
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obrigatória em 2008. O Governo previa até 2013, a adição de 5% (B5) de Biodiesel a
todo o diesel consumido no país. Previa também que estes percentuais poderiam sofrer
alterações e antecipações, dependendo da capacidade produtiva instalada, da produção
de matérias-primas e do comportamento da demanda. Assim, este prazo foi antecipado,
passando essa adição (5%) a acontecer no ano de 2010.
O marco regulatório do programa prevê ainda o estabelecimento de contrato de
“parceria” entre agricultores familiares e as empresas processadoras de matéria-prima.
Uma iniciativa considerada inovadora por estimular a interação entre agentes
historicamente antagônicos, como é o caso dos agricultores familiares e dos grandes
produtores. Para harmonizar as relações entre dois grupos tão contraditórios foi criado o
“Selo Combustível Social”, a ser concedido aos produtores de biodiesel que adquirirem
um percentual mínimo de matéria-prima da agricultura familiar (Quadro 1).
Quadro 1: Percentuais mínimos de matérias-primas a serem adquiridas da agricultura familiar
Região Percentual mínimo
Safra 2009/2010 Safra 2010/2011
Nordeste e semiárido 30% 30%
Sudeste e Sul 30% 30%
Norte e Centro-Oeste 10% 15% Fonte: SAF/MDA, 2010
Vale salientar que, quando da instituição do Programa, esses valores eram de 50% na
região Nordeste e semi-árido, 10% das regiões Norte e Centro Oeste e 30% das regiões
Sudeste e Sul. Chamamos a atenção para as mudanças ocorridas. Num segundo
momento a região Nordeste e semi-árido são equiparadas às regiões Sul e Sudeste
(comprovadamente as mais prósperas) passando a ser beneficiadas em pé de igualdade
(30%). A explicação para tais mudanças estaria nas dificuldades encontradas para a
inclusão da agricultura familiar nessas áreas, devido a fatores como a desconfiança
suscitada por um cultivo estranho à região (com exceção do Estado da Bahia onde o
cultivo da mamona já existe há um tempo considerável); o baixo conteúdo técnico desse
segmento; os aspectos histórico-culturais etc. No entanto, nos termos do programa não
houve benefícios reais para os agricultores familiares do Nordeste, Benefícios como
assistência técnica, crédito facilitado, melhoria de infraestrutura produtiva, capacitação
etc., deixaram a desejar. Assim, pretendia-se incentivar a inserção dos agricultores ao
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mercado de matéria-prima para o biodiesel sem incentivar a melhoria das condições
técnicas, atribuindo tal responsabilidade para a iniciativa privada, o que em muitos
casos não foi cumprido, conservando a desigualdade regional interna à essa categoria de
produtores. Quanto às regiões Norte e Centro-Oeste, a equiparação pode se explicar
por características antagônicas em relação às duas regiões. No Norte, a produção de
biodiesel ainda não atinge números muito substanciais e, fixar a aquisição de um
percentual de aquisição muito elevado seria inviável. Ao passo que esse percentual para
o Centro-Oeste pode ser considerado “adequado” por ser uma região onde predomina o
agronegócio.
Além desses benefícios, a cartilha do biodiesel (SAF/MDA, 2010), esclarece que os
produtores de biodiesel também devem obedecer as seguintes regras:
Firmar contratos com os agricultores familiares negociados com a participação
de uma entidade representativa dos mesmos (sindicatos, federações). A
agricultura familiar organizada na forma de sindicatos ou federações terá que dar
anuência por meio de carta para validar o que foi acordado entre as partes;
Repassar cópia dos contratos devidamente assinados pelas partes para o
agricultor familiar contratado e para a entidade representativa (sindicato,
federação, outros);
Assegurar assistência técnica gratuita aos agricultores familiares contratados:
Capacitar os agricultores e agricultoras familiares para a produção de
oleaginosa(s), de forma compatível com a segurança alimentar da família e com
os processos de geração de renda em curso, contribuindo para a melhor inserção
da agricultura familiar na cadeia produtiva do biodiesel e para o alcance da
sustentabilidade da propriedade.
Repassar ao agricultor familiar assistido pelo técnico, cópia do laudo de visita
devidamente assinado;
Em contrapartida, os produtores de biodiesel que cumprirem as regras especificadas
terão redução em alguns impostos (PIS/PASEP e Cofins); direito de oferta prioritária
nos leilões públicos da ANP; participação assegurada de 80% do biodiesel negociado
nos leilões públicos; acesso às melhores condições de financiamento nos bancos que
operam o programa ou outras instituições financeiras; uso do selo Combustível Social
para promover sua imagem no mercado.
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Dentre as medidas de apoio à inserção dos agricultores familiares também estão a
criação de linhas de crédito do PRONAF destinadas ao incentivo ao plantio, cultivo e
colheita de oleaginosas voltadas para a produção de biodiesel; o Programa de Apoio
Financeiro a Investimentos em Biodiesel do BNDES; as linhas de financiamento do
Banco da Amazônia (BASA) e o Programa BB de Apoio à Produção e Uso de Biodiesel
(do Banco do Brasil).
É preciso lembrar que a quantidade de linhas de crédito existentes não significa que
todos os agricultores envolvidos tenham acesso irrestrito a eles. Pelo contrário, os
empréstimos só são liberados mediante condições que muitos agricultores não podem
cumprir como a exigência da Declaração de Aptidão (DAP) que se constitui uma
dificuldade para alguns, haja vista que a carta de aptidão só é emitida uma por número
de cadastro do INCRA, o que se constitui em um entrave para que todos os agricultores
tenham acesso ao crédito, uma vez que não raro vivem mais de uma família em uma
mesma propriedade.
O “Projeto Pólos de Biodiesel” representa outra ação que, segundo o MDA (2010),
desde 2006 tem como objetivo contribuir com a promoção da inclusão social de
agricultores familiares por meio da produção de oleaginosas. Segundo definição do
MDA, esses pólos “são espaços geográficos compostos por diversos municípios, com a
presença de agricultores familiares, produtores ou potenciais produtores de matérias-
primas para fins de produção de biodiesel nos termos do PNPB (SAF/MDA, 2010)”.
Ainda segundo esse órgão, existem pólos de biodiesel em todas as regiões do país. Estes
se encontram assim distribuídos: todos os estados do Sul e do, Centro-Oeste do país
possuem municípios pólos de biodiesel; no Norte, apenas o estado do Pará; no Sudeste
os estados de São Paulo e Minas Gerais e no Nordeste os estados da Bahia, Ceará,
Paraíba, Pernambuco, Piauí e Rio Grande do Norte.
Para viabilizar o projeto “Pólos de Biodiesel” o Ministério do Desenvolvimento Agrário
(MDA) conta com o que chama de instituições parceiras, que se responsabilizam pela
mobilização dos principais agentes de cada pólo, sejam eles: agricultores familiares,
cooperativas de agricultores familiares, sindicatos dos trabalhadores rurais, prefeituras,
EMATERs, órgãos de pesquisa estaduais, Embrapa, empresas, entidades financeiras,
universidades, ONGs, etc., a fim de “fortalecer o capital social desses territórios e
organizar os interesses dos atores regionais envolvidos com o biodiesel” (SAF/MDA,
2010, p 38).
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Diante dessa estratégia social do PNPB, podemos afirmar que há um esforço para evitar
que o mercado de biodiesel seja dominado apenas pela soja e pelos grandes produtores.
Verifica-se que o PNPB prima por um conteúdo social e que pode realmente ter se
embasado nas boas intenções do governo Federal (sem esquecer o apelo popular que tal
política engendra e que, com certeza, foi favorável ao governo, do ponto de vista
político), que pode até favorecer a agricultura familiar, mas dificilmente irá fazê-lo na
sua plenitude, a começar pelo fato de que, apesar dos percentuais de aquisição de
matéria-prima diferenciados segundo regiões, o programa ainda não respeita a
singularidade dos lugares. A maneira como se configura a agricultura familiar no Rio
Grande do Norte, não é igual à forma como se realiza no Sul do país. Ademais, a forma
como o Estado atua, abrindo muitas brechas para modificações no conteúdo
normatizador do programa, deixa clara a possibilidade e a intenção de reordenamento
do mesmo para atender aos interesses dos agentes hegemônicos envolvidos,
principalmente os produtores de biodiesel (usinas).
Percebe-se desta forma, que os incentivos governamentais estão pautados numa fórmula
que inclui a busca da inserção do agricultor familiar e uma política de redução de
impostos para empresários que contribuírem com essa inserção, porém não se pode
esquecer que esse processo de transição da matriz energética implica na necessidade de
produção em larga escala e o quadro que vem se apresentando durante o andamento das
ações do PNPB, demonstra que a agricultura familiar, principalmente das regiões
Norte/Nordeste e semiárido, não responde às demandas desse tipo de produção. Essa
situação suscita um questionamento: até que ponto essa fórmula governamental
conseguirá se manter viável? Essa é uma pergunta que só será possível responder após
mais alguns anos de operacionalização do PNPB.
O Rio Grande do Norte no circuito espacial de produção de biodiesel
O circuito se redefine de acordo com o lugar, e seu conteúdo técnico. A confirmação de
que o conteúdo técnico de um determinado subespaço pode levar a um reordenamento
no uso do território por um circuito produtivo é a forma como a Petrobras vem atuando
no RN. Desde que o PNPB começou a se materializar em território potiguar, enfrentou
problemas que fizeram com que sua estratégia de atuação passasse por várias mudanças,
deixando os agricultores desacreditados em relação ao mesmo. Essas dificuldades
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expressam as diferenciações entre os lugares, que podem acolher de formas
diferenciadas esses novos nexos econômicos.
A maneira como o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel se insere no Rio
Grande do Norte possui algumas particularidades que precisam ser demonstradas.
Ao contrário do que ocorre em alguns Estados, notadamente do Centro-Sul, onde há
uma atuação predominante do setor privado (usinas produtoras de biodiesel) no circuito
espacial de produção do biodiesel no território norte-rio-grandense essa atuação é feita
pela Petrobras, uma empresa de economia mista (capital público-privado).
Os primeiros registros de cultivo de oleaginosas para a produção de biodiesel no estado
datam do ano 2004, quando teve início o cultivo de mamona. Dados do IBGE
demonstram um total de 26 municípios produtores (IBGE, 2004, Produção Agrícola
Municipal). Esse cultivo realizava-se principalmente nas regiões do Alto Oeste, Seridó e
no Agreste (Mapa 01).
Em 2005, quando passou a funcionar a primeira usina experimental em Guamaré (UEB
01), os dados mostram que o número de municípios envolvidos no cultivo de mamona
aumentou para 36. O que demonstra uma ampliação dos incentivos no estado por parte
da Petrobras. E que obviamente repercutiu no aumento da quantidade produzida no
estado neste ano. Entretanto, o que se verifica nos anos seguintes é o declínio/oscilação
e novamente o declínio da quantidade produzida que encerra o ano de 2010 com a
produção de apenas 7 toneladas dessa oleaginosa (Quadro 2).
Quadro 2: Quantidade de mamona produzida no Brasil e no RN nos anos de 2004 a 2010
BRASIL/RN
Quantidade produzida (Toneladas) 2004-2010 Lavoura temporária - mamona (baga)
ANO
2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
BRASIL 138.745 168.802 95.000 98.142 122.140 91.076 95.183
RIO GRANDE
DO NORTE
769 955 567 92 43 16 7
Fonte: IBGE – Produção Agrícola Municipal
Esse declínio foi explicado pelo Engenheiro Agrônomo do IBGE-RN, Sr. Tarcisio
Soares em entrevista concedida ao jornal “Tribuna do Norte” (18/07/2008). Segundo ele
“os produtores estão desestimulados, devido a problemas na comercialização da
oleaginosa [...]”. Além disso, tiveram problemas no que se refere a documentação com
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as cooperativas e acabaram tendo que vender a preços abaixo do esperado. O
Engenheiro também relatou que a tendência seria desaparecer o plantio da mamona,
pois a Petrobras passou a estimular o plantio do girassol.
Mapa 01 – Rio Grande do Norte: Localização das áreas de produção de mamona, 2004
As suposições apontadas pelo engenheiro agrônomo se confirmaram, tendo em vista
que no ano de 2008, o Rio Grande do Norte viria a registrar o cultivo de 3.653 hectares
dessa oleaginosa (girassol), enquanto foram cultivados apenas 69 hectares de mamona
conforme mostra o Mapa 02.
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Mapa 02 – Rio Grande do Norte - Áreas onde se registrou o cultivo de mamona e girassol, 2008.
Segundo informações obtidas em entrevista concedida por uma Engenheira Agrônoma
da Petrobras Biocombustíveis (PBIO), desde o começo da atuação da Petrobras junto
aos agricultores do RN, toda a mamona adquirida era destinada a usina experimental da
Petrobras no município de Guamaré/RN. Lá as bagas eram esmagadas/prensadas e
transformadas em óleo bruto, que era utilizado nos experimentos para obtenção do
biodiesel. Desse processo resultavam alguns subprodutos: a torta de mamona que era
vendida em feiras para uso na produção de fertilizante e a glicerina que era vendida às
indústrias ricinoquímicas. O circuito espacial de produção da mamona nessa primeira
fase de produção no RN, que vai até 2010, pode ser visualizado a partir do esquema
simplificado expresso no Fluxograma 01.
Município onde se localiza a Miniusina de extração de óleo de girassol
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Fluxograma 1: Esquema simplificado do circuito produtivo do Biodiesel no RN a partir da
mamona
Setores: Ensino e Pesquisa Regulatório Industrial Agrícola Financeiro Insumos agrícolas Comércio
No fluxograma também é possível constatar a atuação das instituições de ensino e
pesquisa, do sistema financeiro de crédito, do D1[2] para a agricultura, setor que
representa o segmento produtor de máquinas, implementos, fertilizantes e outros
insumos necessários para a produção agrícola, até chegar ao consumidor final,
constituindo-se um circuito espacial de produção. Nesse caso, porém, o circuito
espacial, apesar de envolver diversos agentes, se apresenta de certa forma, incompleto,
pois o produto final que é o biodiesel (B100), por ser um processo apenas experimental,
tem como consumidor final o próprio produtor, neste caso, a Petrobras. Sendo assim, o
B100 não passa pelas etapas finais de circulação, distribuição e consumo. Essa situação,
porém, não perdura e, assim que se encerram as experiências com a mamona na usina
de Guamaré/RN a Petrobras volta a incentivar o seu cultivo em 2011, desta vez
destinando-a para a usina da empresa no município de Quixadá-CE, onde é
transformada em óleo bruto que, segundo informações obtidas junto à representante da
Petrobras, não está sendo utilizada para a produção de biodiesel, como se acreditava,
mas sendo vendida para indústrias químicas. Isso acontece porque é mais vantajoso
economicamente vender para essas indústrias do que usar a mamona para produzir
Produtores de Mamona
Petrobras (B100 consumido
internamente)
Instituições de ensino e pesquisa Agentes financiadores
(Glicerina)
Indústria química
Torta Feiras de produtos agropecuários
Estado
D1 para a Agricultura
Comércio de insumos e equipamentos
Consumidor final
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biodiesel, ou seja, a Petrobras compra a mamona para justificar o “Selo Combustível
Social”, sem o qual não pode participar do leilão da ANP.
Nesse caso específico, o processo acontece da seguinte forma: a PBIO firma contratos
individuais com os agricultores fornecendo as sementes e as embalagens (sacaria) e
contrata órgãos/instituições que prestam assistência técnica. A empresa não fornece
insumos como fertilizantes, que devem ser providenciados pelos agricultores. A
mamona em baga é ensacada e transportada pelos agricultores até um galpão no
município de Apodi/RN. É neste local que a transação financeira entre os agricultores e
a PBIO se realiza, sendo que estes receberão o pagamento num prazo de no máximo
sete dias, conforme informação da representante da PBIO. Dai por diante, a Petrobras se
encarrega de transportar as sementes até a usina em Quixadá-CE, onde será
transformada em óleo.
Assim como a mamona, o cultivo de girassol para a produção de biodiesel no RN foi
incentivado pela Petrobras, que no primeiro ano forneceu sementes, fertilizantes,
aluguel de tratores e assistência técnica para os agricultores familiares envolvidos.
Além do cultivo, a Petrobras também investiu no processamento das sementes no
contexto da agricultura familiar, quando através de um termo de concessão, fez uma
parceira com a Agência Regional de Comercialização do Mato Grande (ARCO), para a
instalação de uma miniusina extratora de óleo no Assentamento Rosário – Agrovila
Canudos, no município de Ceará-Mirim/RN, na sede da Cooperativa dos Produtores de
Canudos (COPEC). Para a instalação dessa miniusina, o governo Federal e a Petrobras
investiram ainda na construção de um galpão, onde aconteceria o processo de extração
do óleo bruto.
No segundo ano (2009) a Petrobras deixou de financiar a fundo perdido os insumos para
a produção de girassol e os agricultores tiveram que buscar outras fontes financiadoras
ou utilizar recursos próprios para custear a produção dessa oleaginosa. Os reflexos dessa
mudança de rumo na atuação da Petrobras, como incentivadora para a produção de
matéria-prima destinada ao biodiesel, se fez sentir na redução da área cultivada que de
3.510 hectares em 2008 (Quadro 3), reduziu pra 2.533 em 2009 e, em 2010 a área
plantada se resumiu a 2 hectares gerando uma produção de apenas 1 tonelada de
sementes, segundo dados do IBGE. Vale salientar que a retirada da ajuda da Petrobras,
apesar de ter sido preponderante não foi o único fator relevante para a queda na
produção no ano de 2009. Também contribuiu para isso os altos índices pluviométricos
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registrados no estado e que causaram a perda da produção em algumas localidades, fato
que também contribuiu para desestimular alguns agricultores.
Quadro 3: Quantidade de girassol produzida no Brasil e no RN nos anos de 2008 a 2010
BRASIL/RN
Quantidade produzida (Toneladas) 2008-2010 Lavoura temporária – Girassol (em grão)
ANO
2008 2009 2010
BRASIL 148.297 100.905 86.730
RIO GRANDE DO NORTE 1.231 1.246 1 Fonte: IBGE – Produção Agrícola Municipal Nessa fase da produção de girassol o circuito espacial de produção se configurou de
forma um pouco diferenciada (ver Fluxograma 02), do circuito da mamona, a começar
pelo fato de que o processamento das sementes também passou a ser realizado nas
dependências do assentamento Rosário, agrovila Canudos, no município de Ceará-
Mirim, em parceria com a Agência Regional de Comercialização do Mato Grande
(ARCO).
Para viabilizar a implantação do circuito, inicialmente a Petrobras fornecia as sementes
previamente selecionadas aos agricultores familiares em várias regiões do estado que se
dispunham a cultivar a oleaginosa. A partir do cultivo do girassol se obtinha o óleo
bruto extraído da semente; a torta – gerada depois do processo de esmagamento da
semente – e o mel proveniente da apicultura utilizada para a polinização do girassol, o
que diversificou as fontes de renda dos agricultores envolvidos nesse circuito. O óleo
era vendido à PBIO e a torta era vendida a atravessadores que a revendiam para o
fabrico de ração animal.
Além da Petrobras, algumas instituições colaboravam com o circuito fornecendo
assistência técnica e cursos de capacitação para os agricultores, dentre elas o Instituto de
Assistência Técnica e Extensão Rural do RN (EMATER), a Empresa Brasileira de
Pesquisa Agropecuária (EMPRAPA) e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e
Pequenas Empresas (SEBRAE).
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Fluxograma 2: Esquema simplificado do circuito produtivo do Biodiesel no RN a partir do
girassol
Setores: Ensino e Pesquisa Regulatório Industrial Agrícola Financeiro Insumos agrícolas Circulação Comércio
O óleo extraído das sementes de girassol era acondicionado em tonéis plásticos e depois
transferido para caminhões tanques e, em seguida, transportados até a unidade da
Petrobras em Guamaré - RN, para ser utilizado nos experimentos na segunda usina
experimental construída para esse fim. Essa experiência de inserir a agricultura familiar
na primeira fase do processo industrial, ou seja, na realização da prensagem para
extração do óleo, agrega maior valor ao produto e, consequentemente, maiores
rendimentos para os agricultores inseridos. Entretanto essa experiência só se realizou
em um dos assentamentos e ainda assim, só se concretizou nos anos de 2008 e 2009.
Depois disso a maioria dos agricultores deixou de cultivar o girassol, pelos motivos já
mencionados anteriormente, e a usina ficou ociosa.
Produtores de Girassol
Petrobras
(B100 – Consumo interno)
Instituições de ensino e pesquisa Agentes financiadores
Indústria química
(Glicerina)
Comércio em geral
Estado
D1 para a Agricultura
Comércio de insumos e equipamentos
Agroindústria (ARCO)
Indústria de rações
Consumidor
Atravessadores
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Das experiências realizadas no processo de produção do biodiesel na usina de Guamaré
resultavam, além do óleo (B100) consumido internamente, a glicerina, cujo destino era
a indústria química cujo uso mais comum é a produção de sabões e cosméticos.
A produção de girassol para o mercado de biodiesel constitui-se como um circuito
espacial complementar, haja vista que, a produção de girassol já constitui um circuito
produtivo em que um dos destinos é o fornecimento de óleo para a produção de
biodiesel. No caso específico da produção que se realiza no Rio Grande do Norte o
girassol não é utilizado para a indústria alimentícia, sendo que o biodiesel se constitui o
seu destino principal. Esta realidade, aliás, suscita críticas quanto ao uso de um óleo
considerado nobre por suas propriedades alimentícias, para a produção de combustível.
Considerações finais
A inserção da agricultura familiar no circuito espacial de produção do biodiesel incorre
em uma relação desigual, que pode estar levando os agricultores a uma situação de
dependência e alienação, afinal, se está inserindo na dinâmica da produção familiar,
instrumentos de produção, forçando as famílias de agricultores (principalmente as do
Nordeste e semiárido) à especialização de seu trabalho, ampliando a dependência de
técnicas as quais os agricultores, na maioria dos casos, não dispõem (sementes
modificadas, insumos, maquinários etc.) e a sujeição às demandas do mercado, fazendo
com que, desta forma, esses agricultores fiquem suscetíveis à exploração por parte de
empresas que atuam nesses segmentos e que detêm os meios, o capital e
consequentemente, o poder de regulação dos preços.
Além desse aspecto, há que se ressaltar a destinação de áreas, que poderiam ser
direcionadas ao cultivo de produtos alimentares básicos, para a plantação extensiva de
um único produto (no caso do RN, um cultivo estranho ao lugar) que envolve o
interesse de variados e poderosos agentes do capital, tanto nacional quanto
internacional. Agentes detentores de grande poder econômico e político e, também,
possuidores de grande conteúdo técnico, como os grandes produtores rurais, usineiros,
as indústrias químicas e laboratórios, os proprietários de redes de postos de
combustíveis, as distribuidoras, a Petrobrás, os produtores de todo tipo de insumos
necessários à produção, etc. Ademais, preocupa-nos o fato de que a função maior desses
agricultores possa ser apenas a de legitimar o selo “Combustível Social” beneficiando
preferencialmente os produtores de biodiesel.
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Essa realidade tem mostrado que o Estado apesar dos esforços despendidos para inserir
esses agricultores acaba se enredando numa relação conflituosa, já que ele também atua
enquanto empresa por meio da Petrobras, empresa de capital público/privado, e como
tal possui interesses mercadológicos. Assim, para cumprir o seu papel social ele tem que
atentar para todos os agentes, porém quando interesses hegemônicos (que representam
os agentes com maior poder de atuação) pressionam, verifica-se que há uma tendência
deste em viabilizar muito mais o uso do território como recurso do que como abrigo que
é ou deveria ser para todos os agentes.
Notas
_____________________
[1] Santos, (2000, 2004) baseado em Jean Gottman, utiliza as expressões território como recurso/abrigo, para explicar que “Para os atores hegemônicos o território usado é um recurso, garantia da realização de seus interesses particulares”. Já os “atores hegemonizados - que preferimos classificar como agentes sujeitos às forças resultantes da ação dos agentes hegemônicos (grifo nosso) - têm o território como um abrigo, buscando constantemente se adaptar ao meio geográfico local, ao mesmo tempo que recriam estratégias que garantam sua sobrevivência nos lugares”. (SANTOS 2000, p. 108). O autor ressalta ainda que uma “mesma fração do território pode ser recurso e abrigo”. Entretanto vale lembrar que a princípio, o território pode se constituir abrigo e recurso para todos os atores sociais, à medida que dele se extrai o necessário à sobrevivência de todos os atores. [2] O D1 é o setor que representa o segmento produtor de máquinas, implementos,
fertilizantes, e outros insumos necessários para a produção agrícola (GRAZIANO DA
SILVA, 1998).
Referências
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