A Influência Da Propaganda de Televisão No Consumo de Bebidas Alcoólicas Entre Jovens e Adolescentes
A influência da tecnologia na interação social entre os adolescentes
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SULFACULDADE DE PSICOLOGIA
PRÁTICA INTERDISCIPLINAR EM PSICOLOGIA II
ALEXANDRE FONTOURA DOS SANTOSDANIELLLE ASSUMPÇÃO
MARTA OTTONTHAÍS DA SILVA VIEIRA
A influência da tecnologia na interação social entre adolescentes
PROFESSOR ORIENTADOR: Mariana BarcinskiTURMA: 379
PORTO ALEGRE2011
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SULFACULDADE DE PSICOLOGIA
ALEXANDRE FONTOURA DOS SANTOSDANIELLE ASSUMPÇÃO
MARTA OTTONTHAÍS DA SILVA VIEIRA
A influência da tecnologia na interação social entre adolescentes
Trabalho de conclusão para aprovação na disciplinaPrática Interdisciplinar II, na turma 379,no semestre I/2011, na Pontifícia Universidade Católicado Rio Grande do Sul, na Faculdade de Psicologia.
ORIENTADOR: Mariana Barcinski
PORTO ALEGRE2011
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SUMÁRIO
1. Introdução.....................................................................................................................04
2. Adolescência.................................................................................................................06
3. A Onipresença da Informatização – do social ao psicológico......................................10
4. O Adolescente do século XXI no Colégio Champagnat.............................................. 15
5. Adolescência e Comunicação Virtual.......................................................................... 22
6. Considerações Finais.................................................................................................... 28
Referências Bibliográficas................................................................................................. 30
ANEXOS
Protocolo de Observação 1 ............................................................................................... 32
Protocolo de Observação 2 ............................................................................................... 36
Protocolo de Observação 3 ............................................................................................... 38
Protocolo de Observação 4 ............................................................................................... 42
Protocolo de Observação 5 ............................................................................................... 45
Protocolo de Observação 6 ............................................................................................... 47
3
1. INTRODUÇÃO
Diferentes maneiras de pensar e de relacionar-se estão sendo elaboradas no mundo das
telecomunicações e da informática. Nesta era digital, as tecnologias da comunicação e
informação surgiram e proliferaram-se de uma forma tão veloz, que falta tempo para absorvê-
las, digeri-las e dominá-las.
Como contribui para este olhar Pierre Lévy:
Um movimento geral de virtualização afeta hoje não apenas a informação e a comunicação mas também os corpos, o funcionamento econômico, os quadros coletivos da sensibilidade ou o exercício da inteligência . A virtualização atinge mesmo as modalidades do estar junto, a constituição do “nós”. Embora a digitalização das mensagens e a extensão do ciberespaço desempenhem um papel capital na mutação em curso, trata-se de uma onda de fundo que ultrapassa amplamente a informatização (LÉVY, 1996, p.11).
Os aparelhos eletroeletrônicos como telefone celular, ipod, ipad, entre outros, fazem
parte do cotidiano dos indivíduos, especialmente da geração que nasceu em um mundo de
onipresença da tecnologia. Portanto, cabe-nos perguntar até que ponto a sociabilidade entre
adolescentes tem sido alterada, influenciada ou, até mesmo, regida pelas mudanças provindas
da crescente informatização? Que tipo de papel as novas tecnologias ocupam em seus afazeres
diários e na constituição de suas relações em grupo?
No presente trabalho, procuramos analisar por meio de observações e reflexões
teóricas qual é o impacto das tecnologias na qualidade da interação entre adolescentes,
investigando o período de intervalo de alunos do Ensino Médio no Colégio Champagnat, uma
escola particular, no bairro Partenon, na zona leste de Porto Alegre, RS.
Segundo o site do Observatório da cidade de Porto Alegre, pertencente à prefeitura da
cidade, o colégio fica dentro do campus da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul, num bairro que se caracteriza por uma região de muitos estabelecimentos comerciários,
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além grandes contrastes residenciais, abarcando residências nobres em condomínios fechados
e bem como vilas com moradias precárias.
O trabalho foi realizado através de seis observações no referido colégio, em Porto
Alegre, RS, durante o intervalo (recreio), com 20 minutos de duração cada uma. Observamos
alunos que estão cursando o ensino médio na faixa etária de 14 a 17 anos. Os dados foram
registrados em diário de campo que constam como apêndices no relatório final.
Para refletirmos acerca das questões colocadas no presente projeto, abordaremos nos
capítulos a seguir as seguintes questões:
a) a adolescência no contexto da pós-modernidade;
b) contexto sócio-histórico da Revolução digital, que serve de palco para os
adolescentes observados;
c) ser adolescente no contexto do Colégio Champagnat;
d) a influência da tecnologia na interação dos adolescentes.
O método utilizado foi o de observação simples que, segundo Gil (1987, p.105), é
aquela em que “o pesquisador, permanecendo alheio à comunidade, grupo ou situação que
pretende estudar, observa de maneira espontânea os fatos que aí ocorrem. Neste
procedimento, o pesquisador é muito mais um espectador que um ator”.
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2. ADOLESCÊNCIA
O período do ciclo vital referente à adolescência traz uma série de concepções
pertinentes no que se refere à Psicologia. Período de mudanças corporais, psicológicas e
cognitivas, de revivências de conflitos da infância, de busca de um senso de identidade, tal
fase vêm acompanhada de sentimentos intensos, confusos e contraditórios, levando os jovens
a um grande número de descobertas, explorações, assim como angustias e questionamentos.
Se encararmos a questão do ponto de vista da Psicologia Social, podemos inferir em uma fase
em que o contexto social assume gradualmente maior importância do que na fase anterior, a
infância. Pois é neste momento que o sujeito passa a questionar não apenas a si, mas seu lugar
no mundo, do pequeno grupo à sociedade, em um emaranhado de influências, busca de
pertencimento e conquista de independências.
Acreditamos que através desta abordagem possa-se esboçar um delineamento básico
dos jovens da atualidade em movimentos culturais de massa. No entanto, não nos referimos
aos movimentos organizados, ideológicos, com finalidades próprias (tema que seria também
interessante), mas às marés de pensamentos, expressões e tendências que circundam nossa
sociedade (ocidental) na atualidade. Um destes fenômenos, onde a adolescência parece ocupar
um dos papéis principais seria o da virtualidade, a vida cercada pelo tecnológico.
Nascidos em um mundo já envolto nestas tecnologias acessíveis ao consumo, as novas
gerações tem dado muito que falar (e analisar), envolvendo os diferentes usos dos aparatos
avançados em sua busca por socialização e comunicação. Para avaliarmos questões de
importância ao tema, propomo-nos, brevemente, a sintetizar alguns conceitos chaves no que
se refere à adolescência.
Eizirik (2001) ressalta que a adolescência, embora seja um processo universal, assume
peculiaridades de acordo com a cultura vigente. Ou seja, o conceito adolescência apresenta
matizes próprias em diferentes sociedades, com uma valorização maior ou menor de seus
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processos. É valido lembrarmos que, apesar da anterioridade das referências a esta, só no
século XX a adolescência é tratada como um período próprio, separado da infância e adultez.
Em Sherif e Sherif (1965) também podemos referir que a adolescência está caracterizada
fundamentalmente por ser um período de transição entre a puberdade e o estado adulto do
desenvolvimento e que nas diferentes sociedades este período pode variar, assim como o
relacionamento do indivíduo na condição adulta.
O processo adolescência é bastante rico e complexo, envolvendo todo o círculo
familiar, onde podemos dizer que é um período de conflitos, tensões e novas descobertas.
Eizirik (2001) nos diz que os jovens vivem em busca de situações no mínimo inusitadas,
fazem questionamento de antigos costumes, buscam algo novo, adiante, através de sua
curiosidade muitas vezes se perguntando por que os adultos já se acomodaram. Ainda nos dias
de hoje, nos deparamos com as constantes mutações e vulnerabilidades dos nossos jovens
adolescentes. Como exemplo, temos o fascínio que estes têm por todos os aparelhos
eletrônicos, que representam um mundo a ser explorado. Podemos observar que mesmo diante
das invariáveis existentes através dos séculos, desde Aristóteles (que já abordava atemática),
mesmo por toda evolução humana e tecnologia, o adolescente continua a exercer a
necessidade de novas descobertas e busca de desejos e satisfação.
Aberastury e Knobel (1992, p. 08) referem que “devemos em parte considerar a
adolescência como um fenômeno específico dentro de toda a história do desenvolvimento do
ser humano, e por outro lado observar as circunstâncias de caráter geográfico e temporal-
histórico-social”. Ainda segundo este autor, não há dúvidas de que o elemento sociocultural
influi com um determinismo específico nas manifestações da adolescência, mas também
temos que considerar que por trás dessas expressões socioculturais existe um embasamento
psicológico que lhes dá características universais.
Frente a um mundo tão mutável e permissível, o adolescente apresenta uma série de
atitudes mutáveis e consequentes de uma contínua evolução pela qual o mundo moderno vive,
enquanto este, o adolescente, vive um processo evolutivo e preparatório para a maturidade.
Erikson (1968) aponta que, à medida que a adolescente lida com a diversidade humana e
aspectos da complexidade de sua personalidade, este se defronta com desafios psicossociais
dentro da sociedade, em um conflito identidade versus confusão. Neste, o jovem busca
estabelecer sua identidade através do convívio social, enquanto mantém antigas conexões com
elementos significativos do passado, formando assim novas ligações com valores de grupos
determinados, os quais podem ser de colegas, times, turmas, éticos ou algum outro em que
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encontre identificação. A busca pela identidade se dá durante toda a adolescência, e ao longo
desse caminho um adolescente pode experimentar mais de uma maneira de ser, que é
chamada de aquisição da identidade.
O desenvolvimento da compreensão de si mesmo toma uma nova dimensão na
adolescência, com os jovens começando a se reconhecer, os quais refletem aspectos de
personalidade diferentes e algumas vezes contraditórios. Em busca de seu eu, os adolescentes
frequentemente representam intencionalmente um “falso eu”, algumas vezes para obterem
aceitação, para impressionar os outros, ganhar aprovação ou testarem um novo papel. O grupo
de colegas é uma fonte vital de informação e encorajamento. Para Berger:
A subcultura adolescente fornece um amortecimento entre o mundo das crianças e o mundo dos adultos, permitindo, por exemplo, um contexto social para o começo dos relacionamentos heterossexuais (BERGER, 2000, p. 342).
Calligaris (2000) faz uma leitura social da adolescência a partir do referencial
psicanalítico. Segundo ele, o adolescente “interpreta” e realiza o desejo inconsciente do adulto
moderno. Ao adolescente é permitida a vivência de um prazer pleno marcado pela ausência
dos limites aos quais os adultos têm que se submeter. Apesar das exigências ao jovem de que
se submeta às regras e limites sociais, nas entrelinhas o que ele deseja é a realização daquilo
que o adulto foi impedido de concretizar. A cultura atual valoriza a autonomia, a
independência e a liberdade, promovendo como ideal aquele que faz exceção à norma. É isso
que o adolescente em sua tentativa de reconhecimento pelo outro vai interpretar do discurso
da sociedade e vai tentar realizar com seu comportamento “aberrante”.
Márcia Messias, em A Importância da Adolescência no Processo de Individuação
(2011), avalia que o nível de informação elevado, a presença da tecnologia sofisticada e,
principalmente, os meios de comunicação de massa são divulgadores de sistemas culturais e
de crenças não muito consistentes, objetivando aos valores externos, calcados no consumo,
“em detrimento à essência do indivíduo”. Desta forma, causariam uma pobreza de recursos
no que se refere à apropriação que os adolescentes fazem do universo social e cultural à sua
volta, do mundo adulto, trazendo sérias consequências para a sua formação egoica, assim
como para a tomada de seu processo de individuação (segundo concepção Junguiana). Como
refere:
O principal objetivo nesta fase é o fortalecimento do ego, para que o indivíduo construa a sua própria identidade, permitindo que prossiga na busca de sua singularidade e sentido de vida. (...) A busca mais necessária, inconsciente e
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incessante desta fase da vida é a estruturação do próprio eu, para que o jovem possa ingressar na vida adulta como um ente portador de identidade própria, ciente não apenas do que a vida pode lhe oferecer, mas, principalmente, das suas responsabilidades perante ela (MESSIAS, 2011).
A adolescência, em suas crises, seus riscos, suas perspectivas de conquista e de
esperanças de completude de aspirações configura para uma análise calcada na Psicologia
Social um fenômeno de elevada importância. Como fenômeno coletivo, talvez existam poucas
abordagens mais emergenciais que sua interação com a virtualidade e tecnologização da
sociedade pós-moderna.
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3. A ONIPRESENÇA DA INFORMATIZAÇÃO – DO SOCIAL AO
PSICOLÓGICO
Imaginar a vida – mais propriamente em seu aspecto cotidiano, na atualidade –
desvinculada da presença constante das variadas formas da tecnologia de comunicação
tornou-se um esforço intelectual cada vez mais difícil. Isto porque a presença de um mercado
de consumo de proporções globais, outrora promotor de “encurtadores de distância”, tais
quais a locomotiva e o telégrafo, encontrou na informática e seus derivados uma verdadeira
ferramenta de expansão no que se refere ao estreitamento das comunicações.
Desde as últimas décadas do século XX, quando a humanidade (ou parte da
humanidade) passou de seu estado analógico ao digital, ou seja, vivenciou o surgimento e a
expansão da internet, a web passou a gerir em progressões geométricas o principal campo nas
comunicações à distância, estando presente em grande parte das nossas atividades diárias.
Em seu aspecto cotidiano (das obrigações e hábitos diários) a vida nos centros urbanos
mundiais goza das vantagens de um mundo conectado, nos cabe aqui avaliar esta mesma vida
em outros aspectos também pertinentes. Um destes aspectos seria o universo da sociabilidade,
do Homem como ser social, onde claramente a virtualidade e a conectividade vem
revolucionando os paradigmas vigentes. Outro aspecto também associado ao cotidiano
informatizado (e de maior relevância neste trabalho) seria o universo psi, da vida psicológica
do ser, no qual ainda se pergunta de que forma os diferentes usos da virtualidade podem vir a
agregar e/ou empobrecer a organização psíquica e o mundo interior dos indivíduos, ou até
mesmo de que forma esta mesma virtualidade torna-se repositório e ferramenta da
criatividade, vitalidade, saúde ou doença de seus usuários.
A ideia de analisar de que forma a tecnologia influencia as relações entre adolescentes
busca traçar um cruzamento destes impactos sócio-psico-culturais sobre aqueles que já
nasceram dentro deste mundo informatizado e voltado para a virtualização. Adiciona-se, aí, a
10
pertinência de uma fase do desenvolvimento (a adolescência) marcada pela busca de
identidade, transição e despertar de potenciais biológicos e cognitivos, de forma natural
acossada pelas dúvidas, ânsias e inseguranças. Talvez não por acaso a maior aderência às
novidades tecnológicas, sobretudo do entretenimento, se encontra entre os jovens e
adolescentes, que buscam nestas uma fonte de divertimento, de exploração do mundo e de
comunicação.
É importante ressaltar que ao nos prontificarmos em avaliar, aqui, o impacto das novas
tecnologias sobre as relações entre adolescentes, refutamos qualquer tendência a aferir a estas
tecnologias atributos morais ou de qualidade, como boas ou más, saudáveis ou doentias.
Compreendemos se tratarem de meios, ferramentas e objetos que recebem o sentido atribuído
por cada indivíduo ou grupo social da forma a que estes aprouverem. Deste modo,
acreditamos que um uso criativo, equilibrado, compulsivo, ansioso, de dialogicidade e/ou de
dependência destes aparatos diz respeito à forma pela qual seus usuários fazem dos atributos
que estes oferecem.
Vale, ainda, apropriarmo-nos de alguns cuidados ressaltados por Pierre Lévy (2000)
sobre estas práticas, já que, apesar de não serem boas nem más, tampouco são neutras, visto
serem práticas condicionantes ou restritivas sobre os hábitos e mentalidades do indivíduo,
abrindo determinadas “possibilidades de um lado e fechando outras de outro”. Adiciona que
em sua análise ele não avalia o “impacto” das tecnologias, mas busca situar as
“irreversibilidades” provindas de seus diferentes usos, de explorar suas potencialidades e
“decidir o que fazer delas” (LÉVY, 2000).
A sociologia surgiu no século XIX como uma proposta para tentar dar conta das
mudanças sociais impactantes sobre a vida humana resultantes da Revolução Industrial, desde
metade do século XVIII. Na época, o surgimento do proletariado, a maior divisão técnica do
trabalho, a desqualificação do trabalhador, a formação de um imenso mercado de consumo, a
maior acessibilidade e comunicabilidade e a formação de grandes centros urbanos já eram
transformações tão velozes e intensas que a organização das sociedades não conseguia
acompanhar o significado dos efeitos decorrentes deste processo (HOBSBAWM, 2005). A
informatização é tida como a última, a mais nova revolução industrial, com transformações
ainda mais vertiginosas, cabendo aos sociólogos, psicólogos e demais estudiosos tentar trazer
à consciência coletiva as implicações deste processo, e tentar dele usufruir da melhor forma
possível objetivando o bem estar de seus usuários.
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Sobre a velocidade da tecnologização e a forma pela qual nos adaptamos a isto Pierre
Lévy levanta algumas considerações pertinentes:
Se nos interessarmos sobretudo por seu significado para os homens, parece que (...) o digital, fluido, em constante mutação, seja desprovido de qualquer essência estável. Mas, justamente, a velocidade transformação é em si mesma uma constante – paradoxal – da cibercultura (LÉVY, 2000, p. 27).
Nesta mesma linha de pensamento, Lévy afirma que a velocidade de transformações
alavancada pela informatização da sociedade explicaria parcialmente a sensação de “impacto,
de exterioridade, de estranheza que nos toma sempre que tentamos aprender o movimento
contemporâneo das técnicas” (IDEM, p. 27). Tal sensação, que Lévy chama de
“desapossamento”, estaria presente em todas as pessoas, porém em diferentes graus, visto
que:
A aceleração é tão forte e tão generalizada que até mesmo os mais ‘ligados’ encontram-se (...) ultrapassados pela mudança, já que ninguém pode participar ativamente da criação das transformações do conjunto de especialidades técnicas, nem mesmo seguir essas transformações de perto (IDEM, p. 28).
Uma das características da atualidade apontada por Bauman (2004b) é a ideia de que
estaríamos passando por uma pós-modernidade líquida. Devido à velocidade das mudanças
culturais e sociais promovidas pela revolução (sobretudo digital) nos meios de comunicação,
os padrões que regem a cultura e mentalidade contemporâneas não são fixos e constantes, mas
mutáveis, voláteis e inconstantes. Isto é visível nas sucessivas mudanças dos padrões
estéticos, ditados pela pelos círculos da moda, assim como pelo “estouro” de ideias, opiniões
e formas de pensamento diferentes que se manifestam com maior facilidade com o advento da
virtualidade. Em outra nomenclatura, o vazio de padrões de referências que sejam constantes
criaria um “caldo cultural” marcado pela horizontalidade e verticalidade. Neste, a
horizontalidade seria evidente, onde todas as ideias são válidas, a relatividade é total, “tudo
pode”, tudo é certo, sem referência a tradições ou ideais, a busca pela quantidade e novidade
das experiências. Desta forma, seria pobre em verticalidade, nos padrões pelos quais o sujeito
se aprofundaria em determinadas identidades, padrões sociais ou culturais, e outros tipos de
referenciais, assim como a busca pela qualidade das experiências.
Um dos efeitos desta liquidez seria a perda de referencias, sentidas no campo
psicológico pelos sintomas das chamadas patologias do vazio, como ansiedades, depressões,
fobias sociais, as quais podemos adicionar o sentimento vago de falta de sentido, perda de
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identidade. Intimamente vinculada à expansão das tecnologias digitais, os fenômenos como a
difusão da web – com inúmeras salas de bate-papo, jogos de interação on-line, sites de vídeos
digitais e, sobretudo, redes sociais (onde a pessoa constrói perfis pela qual pretende/anseia ser
reconhecida) – acaba por sustentar uma atual primazia da imagem como meta ideal. Ou seja,
estaríamos, segundo Bauman, em uma época em que o parecer é mais importante do que o
ser.
Em Mal Estar na Pós-Modernidade (1999), Bauman salienta, ainda, que seria a
cultura um dispositivo de anti-aleatoriedade, exatamente por fixação de determinados
padrões-referências afim de que se possa se referenciar, interagir, aproximar ou distinguir (em
palavras nossas). Sendo característica da cultura virtual-tecnológica a extrema mutabilidade e
variabilidade da referência ético-moral-estética conforme o potencial de consumo de cada
moda, aparelho, uso, serviço ou conceito, tal cultura trata de oferecer exatamente a
aleatoriedade como proposta.
Os resultados mais expressivos destas rápidas transformações são mais evidentes
quando não elaboradas pela estrutura egoica de seus usuários1, e podem ser sentidos nas
anorexias e bulimias, isolamentos sociais (em certos casos), doenças psicossomáticas, doenças
autoimunes, drogadição, assim como nas já citadas patologias do vazio.
O psicólogo alemão Wolfgang Giegerich (2010) afirma que as mudanças oferecidas
pela internet têm levado o ser humano a um período de orientação externa, de estar voltado
para o externo como campo de seus processos de reflexão, de encontro pessoal, de busca de
significado. Diferente de uma orientação interna, de introspecção, de busca do Eu, ao que
Carl G. Jung (segundo coloca Giegerich) teria enfatizado como processo importante para a
análise psicológica.
Ela é (ou está destinada a tornar-se) o local de toda a informação. Em vez de olharmos para nós mesmos, temos que “log in” (conectarmo-nos) com a Web. (...) Uma indicação (tanto simbólica quanto literal) da orientação externa presente (representativa da nossa época) é a posição das pessoas na frente de um aparelho de televisão ou de um terminal de computador fitando fixamente para tela (em contraste com a forma de olhar introspectivamente para dentro). O lugar da vida real, onde bate o coração da sociedade, o lugar da “alma”, está em algum lugar lá fora “para além” da tela, na Web, mas não mais em nós. (...)Nós (cada vez mais) vivemos na Web, não em nós mesmos, não em nosso corpo, não na realidade. A Web não está apenas ao nosso redor, nós também nos encasulamos constantemente em suas informações e imagens quando nos ligamos na Web e, apenas ao fazer isso, ao nos
1 De forma generalizada, baseando-se na Psicologia Analítica, um ego forte (não rígido) seria o que teria material e condições para suportar, se articular e dialogar com as incongruências e conflitos gerados pelas pressões internas (traumas e complexos) e externas (dificuldades provindas do meio). Está vinculado, também, a um senso de EU, identidade e personalidade relativamente bem definidos (MESSIAS, 2011).
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ligarmos e nos envolvermos nela, está a Web sendo confirmada e mantida, está, na verdade, a Web em primeiro lugar (GIEGERICH, 2010, p.).
Os resultados de uma orientação externa em demasia, unilateral, seriam uma perda de
conexão interna (com seus próprios sentimentos) e perda de uma melhor capacidade de lidar
com os próprios complexos. Ao invés disto, a noção de EU se misturaria em demasia ao
coletivo, às características alheias sem uma distinção clara da separação entre sentimentos,
pensamentos ou desejos próprios aos coletivos. Neste ponto, culturas de massa, modismos e
outras necessidades transitórias seriam facilmente confundidos com necessidades internas
reais, próprias do sujeito. Se carregarmos este cenário de natural confusão de sentimentos e de
desencontro/busca da identidade, presentes no contexto da adolescência, esta análise ganha
matizes ainda mais pertinentes.
Podemos, por fim, trazer desta breve análise psico-social uma noção de que a
adolescência – carregada de inúmeros significados e transições – encontra no presente
momento de virtualização e de rápidas transições um cenário complexo, cheio de qualidades,
dificuldades, problemáticas e desafios. A transição de padrões, normas e aspectos culturais
traz a todos uma necessidade de adaptação, de encontro com novas perspectivas. A
adolescência virtualizada poderá trazer, às décadas vindouras, mudanças ou manutenções
neste padrão de liquidez e fragilidade de referências, onde acreditamos que ciências como a
psicologia tendem a ocupar um papel cada vez mais relevante ao perscrutar fenômeno tão
pertinente.
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4. SER ADOLESCENTE DO SÉCULO XXI NO COLÉGIO
CHAMPAGNAT
No colégio fundado em 1920 pela congregação marista, ao que podemos conferir, há
uma ótima organização, com hora e lugar para tudo. Cada turma tem sua sala, cada professor
tem um horário com cada turma, cada membro da equipe pedagógica tem seu espaço físico.
Há o lugar do estudo, o lugar do lanche, o lugar do esporte, o lugar de descontrair. Neste
último, o recreio, concentramos nossas observações, em 6 momentos, entre 10h e 10h20min
da manhã.
Em seu próprio site, o colégio pontua como se dá esta forma de organização em nome
da segurança:
O Colégio Marista Champagnat, por estar inserido no campus da PUCRS, tem a segurança da universidade. Além disso, dispõe de câmeras nos locais mais movimentados. A Recepção acompanha o fluxo de saída e entrada dos alunos, através da carteira escolar, identificada com código de barras. As pessoas que circulam no ambiente escolar utilizam crachá de identificação. O uso do uniforme também é utilizado para a segurança dos alunos, pois assim é mais fácil identificá-los (COLÉGIO MARISTA CHAMPAGNAT, 2011). 2
Também fomos, depois de combinações formalizadas por escrito acerca das
observações, devidamente identificados e obrigados a utilizar o crachá de estagiário em todos
os momentos em que observamos o momento do recreio. Foucault (2002) nos fala da
construção da disciplina no século XVIII, no intuito de organizar os indivíduos nos espaços,
para obter deles a máxima eficácia e controle de suas atividades. O autor nos diz:
O espaço disciplinar tende a se dividir em tantas parcelas quando corpos ou elementos há a repartir. É preciso anular os efeitos das repartições indecisas, o desaparecimentos
2 Curiosamente podemos notar que, para haver tal organização e segurança, os aparatos tecnológicos de vigilância (tais como câmeras e identificação com códigos de barra) já se encontram a configurar o entorno dos jovens presentes no ambiente escolar cotidiano.
15
descontrolado dos indivíduos, sua circulação difusa, sua coagulação inutilizável e perigosa; tática de antideserção, de antivadiagem, de antiaglomeração. Importa estabelecer as presenças e as ausências, saber onde e como encontrar os indivíduos, instaurar comunicação úteis, interromper as outras, poder a cada instante vigiar o comportamento de cada um, apreciá-lo, sancioná-lo, medir as qualidades ou os méritos. Procedimento, portanto, para conhecer, dominar e utilizar (FOUCAULT, 2002, p. 123).
O Colégio Champagnat mostra-se na sua forma um espaço de manutenção da
disciplina, onde todos os alunos estão devidamente uniformizados, fazendo do recreio um
ambiente cercado de adolescentes azul marinho, conforme descrito nas observações nº 1 e 3,
respectivamente:
Rapidamente o pátio encheu-se de azul: os estudantes usavam calças jeans, leggings,
calças de abrigo com um moletom ou casaco com o logotipo do colégio (OBSERVAÇÃO nº
1).
Quando vou para o pátio, no horário marcado, com meu crachá de estagiário, o
cenário parece o mesmo da observação anterior: muito azul, muito tênis, muita calça jeans,
ninguém sozinho (OBSERVAÇÃO nº 3).
Ainda nos fala Foucault (2002) que, no âmbito dos ambientes de controle, entre eles,
as escolas, o tempo e a eficácia são controlados pelo mestre, numa relação unilateral de poder
entre mestre e aluno. O aluno é um corpo que deve ser moldado para atingir o máximo de sua
eficiência, para servir à sociedade como um adulto responsável. Diante disto, surge o conceito
de corpo dócil:
A disciplina fabrica assim corpos submissos e excitados, corpos “dóceis”. A disciplina aumenta as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forças (em termos políticos de obediência). Em uma palavra: ela dissocia o poder do corpo; faz dele por uma lado um “aptidão”, uma “capacidade” que ela procura aumentar; e inverte por outro lado a energia, a potência que poderia resultar disso, e faz dela uma relação de sujeição restrita (FOUCAULT, 2002, p. 119).
No entanto, não podemos fazer uma leitura reducionista e pensar que estes
adolescentes do século XXI, diante das demandas apontadas em capítulo anteriores,
simplesmente se submetam docilmente à imposição dos uniformes na escola. Também
observamos que, no meio desta massa homogênea azul, cada indivíduo traz uma característica
singular de sua personalidade e de sua geração: um boné, um brinco, unhas pintadas de cores
fortes, um celular:
Vi um grupo de 3 meninas sentadas embaixo da videira; duas delas seguravam um
celular. Duas delas ocupavam, cada uma, um banco. Uma delas era branca, com espinhas
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nas bochechas, tinha longos cabelos castanhos, enrolados num grande coque. Usava calça
jeans, o casaco do colégio e um tênis All Star colorido. Tinha as unhas compridas, sem
esmalte. A outra menina no banco sentou de costas pra mim: era negra, com os cabelos
compridos, cheios de trancinhas, presos num rabo de cavalo. Usava calça jeans, com o
casaco do colégio e uma manta em tons de azul. Ela tinha gesso no pé direito e no pé
esquerdo um tênis. Haviam duas muletas no chão. A terceira menina sentou na estrutura de
concreto com ladrilhos: era branca, com longos cabelos compridos e soltos, usava calça
jeans, moletom do colégio, tênis e tinha as unhas pintadas de preto (OBSERVAÇÃO nº 1).
Uma menina é baixa, magra, com cabelos lisos e castanhos com as pontas
descoloridas. Veste calça jeans, um casaco com o logo do colégio e All Star claro. Ela fala no
telefone e, ao mesmo tempo faz gestos para um dos meninos: estatura média, cabelos pretos,
com um moicano não muito curto dos lados, com os cabelos todos penteados para frente,
cobrindo um pouco os olhos. Veste um abrigo preto, casaco do colégio e tênis. (...)A outra
menina fala no celular, enquanto segura um Toddynho. Ela tem estatura média, é magra, tem
os cabelos crespos e castanhos, presos num rabo de cavalo baixo. Veste uma calça jeans com
enormes bolsos atrás, moletom azul marinho e tênis (OBSERVAÇÃO nº 4).
Calligaris fala da trajetória do adolescente, que aprende na infância que, para ser um
adulto reconhecido pela sua sociedade, precisa ser singular, ou seja, “é necessário ser
desejável e invejável” (2009, p.13). No entanto, segundo Macedo, Monteiro & Gonçalves
(2010), como ele próprio não se reconhece neste seu novo corpo e sente que o olhar
apaixonado dos pais também não mais existe, fica desamparado; com isso, segue o árduo
trabalho de identificar quem ele é.
Nessa etapa da vida, as experiências têm como centro as problemáticas reativas ao próprio Eu, ou seja, na adolescência, o sujeito se depara com a inadiável exigência de rever o passado e preparar-se para o futuro. Assim como assumir um papel mais ativo em relação a suas transformações. (...) A adolescência alude a uma inquestionável pressão e tensão oriunda de novos processos identificatórios importantes para que se possa estabelecer uma nova modalidade de inserção como sujeito no cenário intersubjetivo (MACEDO, MONTEIRO & GONÇALVES, 2010, p.74 e 79).
Neste sentido, o adolescente “assume assim a tarefa de interpretar o desejo
inconsciente (ou simplesmente escondido, esquecido) dos adultos” (Calligaris, 2009, p.26), o
que gera ainda mais angústias e conflitos. Por isso, diante de outros adolescentes, ele sente um
apaziguamento, pois identifica os seus anseios nos seus pares. Na nossa opinião, esta busca
por uma nova identidade, não mais infantil, justifica as expressões de singularidade dos
17
alunos do Colégio Champagnat, agregadas ao uniforme imposto pela escola. E diante destas
expressões também se constitui um ser adolescente, como nos diz Calligaris:
(...) são comunidades de estilo regradas por traços de identidade claros e definidos, pois os membros devem poder pertencer a elas sem ter de coçar a cabeça se perguntando: “Mas o que será que os outros querem para me aceitar?” Os grupos têm portanto em comum um look (vestimentas, cabelos, maquiagem), preferências culturais (tipo de música, imprensa) e comportamentos (bares, clubes, restaurantes, etc.) (CALLIGARIS, 2009, p. 57).
Outro ponto observado por nós diz respeito aos comportamentos de meninos e
meninas no momento do recreio. Apesar de compartilharem desta tarefa pela busca da
autonomia da vida adulta, neste momento de moratória de nos fala Calligaris (2009), onde ele
possui ferramentas para ser adulto, mas ainda não é autorizado a usá-las, percebemos que os
meninos usam bastante da agressividade como forma de comunicação e não demonstram
expressões de afeto, como abraço e beijo.
Os meninos ficam mais afastados, sentam um ao lado do outro, sem fechar um círculo,
eles se dão “soquinhos”, se empurram (OBSERVAÇÃO nº 1).
Os meninos se cutucam, empurram-se, não compartilham o lanche (poucos comem).
Parecem massas desajeitadas, buscando seu lugar ao sol. Eles parecem altos para a faixa
etária, em torno de 1,70m e 1,80m, muito magros, com as costas curvadas e as mãos nos
bolsos. O rosto ainda parece de criança, os traços delicados, mas, geralmente, coberto de
espinhas ou manchas. Eles não ficam parados no mesmo lugar, os joelhos ficam semi-
flexionados, os pés estão sempre mexendo ou chutando. É difícil perceber os corpos, porque
as roupas são largas, dando a impressão de que vão cair a qualquer momento. Os tênis são
de cano alto, estufados (OBSERVAÇÃO nº 3).
Há um grupo de 8 meninos, ao redor do banco, mas todos de pé. No meio do grupo,
vejo um menino de estatura média, magro, loiro, cabelos em pé e profundas covinhas em
forma de meia lua nas bochechas, que segura um game boy nas mãos. Ele mexe os polegares
rapidamente, enquanto fala com os outros meninos. Nenhum dos outros meninos observa o
seu jogo, eles falam entre si. Enquanto, mexe os polegares, ele chuta os colegas ao redor, até
que um deles segura o seu pé, e ele quase cai. Todos riem (OBSERVAÇÃO nº 4).
Welzer-Lang (2001) e Ribeiro (2006) explicam que construção do ser masculino passa
por um profunda diferenciação do ser feminino e por estar afastado dos ambientes privados
destinados às mulheres. “Nesse aspecto é preciso ressaltar e deixar sempre ativo na
masculinidade a ideia de bravura, força física, agressividade, esperteza, interesse pelas
18
mulheres, ausência de sentimentos” (Ribeiro, 2006, p. 157). Portanto, a demanda do
adolescente do sexo masculino é mostrar-se como um “Grande-Homem” (Welzer-Lang, 2001,
p. 466), aquele que domina as mulheres e os homens mais fracos.
As pseudobrigas nas quais, na realidade, o maior mostra sua superioridade física para impor seus desejos. As ofensas, o roubo, a ameaça, a gozação, o controle, a pressão psicológica para que o pequeno homem obedeça e ceda às injunções e aos desejos dos outros... Há um conjunto multiforme de abusos de confiança violentos, de apropriação do território pessoal, de estigmatização de qualquer coisa que se afaste do modelo masculino dito correto. Todas as formas de violência e de abuso que cada homem vai conhecer, seja como agressor, seja como vítima. (...) Exorcizar o medo agredindo o outro e gozar dos benefícios do poder sobre o outro é a máxima que parece estar inscrita no frontal de todas essas peças (IDEM, p. 464).
Houve um único momento de proximidade física entre dois meninos, por causa de um
game boy. Talvez neste caso, em detrimento da expressão da agressividade através da
virtualidade do jogo, fica autorizado a aproximação real de corpos que devem estar afastados
para a garantia da masculinidade:
Há um grupo de 8 meninos, ao redor do banco, mas todos de pé. No meio do grupo,
vejo um menino de estatura média, magro, loiro, cabelos em pé e profundas covinhas em
forma de meia lua nas bochechas, que segura um game boy nas mãos. (...) Então, um menino
do grupo de estatura média, cabelos encaracolados, pretos, que funga sem parar (parece
estar gripado), para do lado do menino com o jogo, encostando braço com braço. Está com
as mãos no bolso e tira uma delas, apontando o aparelho. Os dois conversam e riem, e o
grupo, na sua troca de posições, vai ficando de costas para os dois. Aqui aparece uma
proximidade física entre os meninos que nunca antes acontecera, permeada pelo jogo: parece
uma união de corpos no esforço de enfrentar os desafios que ocorre na tela.
O primeiro sinal bate e todos os meninos mantêm uma certa distância, mas os dois que
estão voltados para o jogo estão colados, literalmente. Um terceiro menino para na frente
dos dois, com a cabeça curvada para o jogo (ele vê o jogo de cabeça pra baixo). Então, ele se
encosta no outro braço do menino de covinhas, e os três falam e apontam o aparelho
(OBSERVAÇÃO nº 4).
Já as meninas, diante do pressuposto da feminilidade e delicadeza, através da
identificação com seus modelos de ser mulher, comportam-se de forma contrária e são
instruídas por suas famílias, mesmo que simbolicamente, à proteção do seu próprio corpo,
como portador da honradez. No Colégio Champagnat, observamos que as meninas ficam
muito próximas; beijam-se, abraçam-se, explicitam corporalmente seus afetos pelos grupos de
19
amigas.
Vi um grupo de 3 meninas sentadas embaixo da videira; duas delas seguravam
celulares. (...) As duas param de teclar e C chega mais perto de A, que a abraça e depois dá
um tapinha em sua bunda. B se levanta e se apoia na barra de ferro, junto à estrutura de
concreto (OBSERVAÇÃO nº 1).
As meninas sentam muito próximas, tocam-se, comem uma o lanche da outra, parecem
um único organismo. (...) Há um grupo de 3 meninos e uma menina. A menina reclama de
frio, enquanto come um chocolate e segura uma caixa de suco. Dois meninos ficam parados,
cada um de um lado dela, bem juntos. O outro menino fica parado de frente pra ela, a uma
pequena distância (não grudado como as meninas ficam) (OBSERVAÇÃO nº 3).
Uma menina desliga o celular, coloca-o no bolso esquerdo, pega no bolso direito uma
manteiga de cacau e passa nos lábios. Guarda a manteiga de cacau e abraça o menino mais
baixo (OBSERVAÇÃO nº 4).
Na interação com os meninos, elas também demonstram agressividade, aparentemente
delicada, leves batidas nos colegas, na manutenção de sua honra e integridade moral:
Continuo olhando em volta quando vejo uma menina dançando (D). Paro para olhá-la
e vejo que ela está com um fone em um ouvido acoplado a um celular, que está na sua mão.
Junto com ela estão mais duas meninas. Não sei se ela está cantando ou conversando, porque
ela olha pras meninas enquanto dança, e as meninas olham para ela. D tem um pirulito na
boca.
D caminha até um menino, que segura seu rosto e aproxima o rosto dele ao dela, como
se fosse beijá-la na boca. Ele dá um beijo na bochecha dela bem apertado. Quando solta o
rosto de D, ela bate várias vezes no ombro dele (com a outra mão ela segura o celular), que
se afasta dela rindo e tentando segurar a mão dela. Então, D volta para as outras meninas
gesticulando e falando (OBSERVAÇÃO nº 3).
E, neste exercício de ser adolescente, na busca da singularidade, mas também do
pertencimento a um gênero, é importante ressaltar que estas formas de sociabilidade são
construções culturais, para além das questões biológicas:
Entre as próprias crianças, portanto, ser homem e ser mulher está relacionado não somente com o aparato anatômico-fisiológico, mas com concepções sociais, muitas aprendidas na família e no sistema das relações em que vivem. A categoria homem e mulher, neste caso, menino e menina, envolve atributos sociais e simbólicos, como poder fazer certas coisas, exercer legitimamente a sexualidade, assumir comportamentos dentro de uma determinada ordem (RIBEIRO, 2006, p. 168).
20
Um exemplo simples, mas pertinente, sobre a forma com que meninos e meninas se
relacionam pode ser contemplado abaixo:
(...) havia outro grupo, com quatro meninas e três meninos. Um menino estava de pé,
mexendo em um celular, enquanto o restante do grupo conversava. Alguns estavam sentados
nos bancos/canteiros e outros estavam de pé, logo à frente. Ele entrega (ou devolve) o celular
para uma menina, que estava sentada a sua frente e se vira para o grupo. Ela segue
manuseando o aparelho até o final do intervalo (OBSERVAÇÃO nº 5).
Neste exemplo em particular, percebemos a interação entre grupo formado por
meninos e meninas, em um comportamento amistoso. O compartilhamento do celular, neste
caso, tratava-se de mais uma das formas de interação no meio das muitas que se pôde verificar
neste exemplo, naquele momento. Apesar do silêncio de quem o usava (primeiro o rapaz,
depois a moça), sua utilização, e troca de mãos parecia fazer parte do contato como um todo.
Observamos, neste intermédio que a utilização de aparelhos tecnológicos não exclui-se
a estes inúmeros contextos do comportamento adolescente: serve como forma de distinção, tal
qual os bonés, as mantas, os tênis chamativos, e não apenas em seu nível estético, como
também de apreciação social. Por outro lado, os aparelhos também servem como símbolo de
pertencimento e de não diferenciação em relação ao grupo e à proteção que isto representa,
uma vez que sua utilização é uma atitude em comum aos demais adolescentes espalhados pelo
pátio.
21
5. ADOLESCÊNCIA E COMUNICAÇÃO VIRTUAL
Era digital, mundo virtual, sociedade internáutica são alguns dos diversos termos que
vêm se incorporando ao nosso cotidiano e à nossa linguagem a fim de definir um espaço sem
fronteiras, onde impera o imediato e multiplicam-se possibilidades. Como detalhado em
capítulos anteriores, as novas tecnologias da comunicação e informação surgiram e
proliferam-se de uma forma tão veloz, que carecemos de tempo para absorvê-las, digeri-las e
dominá-las. Nesse caso, o mais comum é que se passe a utilizar tais tecnologias,
incorporando-as à vida cotidiana, sem mesmo perceber o quanto tais recursos favorecem
novas formas de estar no mundo e construir relacionamentos.
Os elementos de virtualidade e de velocidade que pautam as relações dos jovens
contemporâneos têm sido um grande desafio e, por vezes, geradores de descompasso no
encontro entre gerações. Os espaços que o jovem transita são diversos, possibilitando
diferentes olhares, relacionamentos e interações, estando muitas vezes a tecnologia presente
com eles ou no espaço onde se encontram. Wagner(2009) aborda esta temática nos ilustrando
que:
O jovem tem transitado cada vez mais em ambientes distintos. Nessa fase do desenvolvimento, as fronteiras entre o permitido e o proibido, o acessível e o inacessível são bastante flexíveis, já que as motivações essenciais do adolescente são o desafio e a descoberta. Nos diversos contextos de desenvolvimento em que circula, entre a família, a escola e os amigos, há significativa presença e influência das “Novas Tecnologias da Informação e Comunicação” (WAGNER, 2009, p.13).
Tais dispositivos tecnológicos passaram a fazer parte da juventude, ultrapassando
barreiras sociais, econômicas, culturais, introduzindo-se como um elemento democrático,
comum e quase uniformizador das diversas “adolescências”. Podemos dizer que o contexto
socioeconômico e cultural já não é mais um elemento diferenciador no que se refere ao uso e
conhecimento de novas tecnologias.
22
Enfocamos aqui, entre as diferentes tecnologias mais habitualmente utilizadas pelos
adolescentes, o telefone celular. Apoiados em pesquisas desenvolvidas com essa população no
contexto brasileiro, descrevemos as diversas formas de uso desses meios de comunicação,
discutindo as facilidades e peculiaridades que caracterizam os contatos sociais por eles
estabelecidos. Segundo Wagner (2009), o uso do celular faz parte de um fenômeno mundial,
que vem gerando tendências de comportamento na juventude e se consolidando como o
equipamento eletrônico preferido dos adolescentes nos mais diversos países incluindo o
Brasil.
O Brasil já é considerado o primeiro país na América Latina em vendas de aparelhos
de telefone celular e atualmente, constitui o sexto maior mercado do mundo, possuindo 123
milhões de aparelhos no país, conforme relatórios da Telecomunicações Brasil. No ano de
2005, o IBGE realizou a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), investigando
acesso à internet e posse de telefone móvel celular para uso pessoal. Nessa pesquisa, foi
constatado que mais brasileiros têm telefone celular do que acessam a internet. De acordo
com o estudo, 36,7% da população com mais de 10 anos têm acesso a celular. Essa pesquisa
também revelou que o telefone convencional, que em outros tempos era um equipamento
disputado e valorizado pelas famílias, hoje já esta começando a fazer parte do passado. Isso
porque, segundo essa mesma pesquisa, o número de domicílios com telefone celular (59,3%)
superou o dos que possuem telefone fixo (48,1%) (TELECOMUNICAÇÕES BRASIL, 2011,
www.teleco.com.br/relatórios.asp).
Também é importante ressaltar que as pesquisas com enfoque comportamental das
pessoas que utilizam o celular ainda estão em fase de desenvolvimento. As pesquisas, no
entanto, revelam que os jovens representam sempre, nos mais diversos países onde são
investigados, o maior público consumidor dessa tecnologia.
Em cada país o celular tem uma conotação, Wagner (2009, p.47) exemplifica dizendo
que “no México, por exemplo, o celular é valorizado como um item de segurança; já no
Brasil, crianças e adolescentes adoram o status social que essa tecnologia oferece...”.A posse
de um celular muitas vezes é considerada como um elemento de projeção social na sociedade
de consumo onde o adolescente vive.
Verza (2008) nos aponta que a utilização dos celulares destina-se a várias finalidades,
onde através de levantamentos observaram que: 90,9% utilizam para falar com os pais com
mais frequência que para falar com os amigos (79,1%) e grande parte da amostra(74,3%)
utilizava o aparelho para emergências e para despertar (78,6%), evidenciando que as
23
finalidades do uso do celular voltadas às atividades instrumentais já fazem parte do cotidiano
desses jovens. Embora também seja considerado importante utilizar o celular para fins de
diversão (33,2%) e para compartilhar o aparelho com os amigos (18,4%).
Nas observações por nós realizadas o celular contou como o aparelho eletrônico que
verificamos com maior frequência. Até mesmo porque aqueles jovens que traziam fones aos
ouvidos muitas vezes os tinham conectados a este tipo de aparelho, como no trecho abaixo
selecionado:
Ele tem um fone de ouvido só numa orelha e segura o celular. Os três conversam.
Sentam daquela forma mais afastada dos meninos, mas o menino do fone senta mais afastado
ainda, fica curvado com a cabeça baixa, mexendo no celular. Logo em seguida volta a
conversar, ri bastante (OBSERVAÇÃO nº 4).
Do outro lado do pátio, em um grupo de três rapazes, um estava com o celular na
orelha. Pelo que parecia, estava esperando a ligação, pois conversava com os outros que
demonstravam estar brincando com ele. Logo que começou a falar ao aparelho, se distanciou
a cerca de quatro metros, enquanto os colegas seguiram dialogando entre eles. Neste
momento busquei me aproximar, para tentar ouvir o que conversavam. Aproximadamente um
minuto após, ele desliga e retorna ao grupo (OBSERVAÇÃO nº 2).
Assim como se utiliza o aparelho móvel e outras tecnologias para diversos fins,
percebe-se que a adolescência que compõe a pós-modernidade tem necessidade de fazer
muitas atividades ao mesmo tempo. São multiatarefados. Segundo Wagner (2009), em sua
obra Adolescência e Comunicação Virtual, com o aparelho móvel são possíveis realizar
diferentes tarefas do dia-a-dia ao mesmo tempo.
Como podemos constatar em outra observação:
Inicialmente observei um grupo de nove rapazes próximos a nós. Um deles estava com
um ipod em mãos, escutando com os fones enquanto falava com os outros. Neste mesmo
grupo, um deles estava sentado em um dos muitos canteiros de pedra que tem no pátio, com
uma espécie de mini-videogame nas mãos. Olhava ora para os colegas, ora para o
videogame. Depois de alguns minutos, guardou o aparelho e ficou dialogando
(OBSERVAÇÃO nº 2).
A questão da multitarefa constitui-se de uma característica central do fenômeno pós-
moderno, baseado na própria lógica de funcionalidade da web. Quando em acesso da
virtualidade, a execução de tarefas, como o digitar de um texto, por exemplo, muitas vezes é
intercalada à leitura de e-mails, conversas em programas de chat, ao escutar de alguma música
24
(mp3) ou ao baixar de algum arquivo ou programa. Isto nos suscita uma problemática muito
abrangente, que encontra na cultura digital não apenas a opção, mas o condicionamento a uma
atenção por demais fragmentada. Em determinados casos, esta fragmentação da atenção e, por
vezes, hiperatividade, se excessivas, geram déficits de atenção semelhantes às do TDA-H,
porém de forma aprendida, habituada, não biológica. É importante poder fragmentar a
atenção, desde que não em excesso e que se possa voltar a focar em determinada tarefa
quando necessário.
Com a nova tecnologia também surgiu uma nova linguagem, uma proliferação de
vocábulos que expressam novos interesses, novas necessidades, novas formas de vida, novos
relacionamentos e novos conflitos. Exemplo de vocábulos utilizados por usuários do aparelho
móvel: bluetooth, canais de notícias, iphone, mms (mensagem multimídia), papel de parede,
ringtones, sms (serviço de mensagem curta) e o mais utilizado torpedo.
Castells (1999) defende que a virtualização da sociedade não significa o fim dos
relacionamentos, mas os fortalece no sentido de que oferece às pessoas maior mobilidade de
espaço e aumenta a flexibilidade de tempo para interagir. Podemos também observar no
recreio escolar do Colégio Champagnat esta interação:
Pela maneira como usava o celular parecia que estava enviando uma mensagem, pois
digitava bem compenetrada no aparelho móvel. Volta e meia olhava para a amiga e
dialogava, como também baixava a cabeça e se compenetrava no manuseio do aparelho. O
primeiro sinal tocou. A amiga saiu de perto e ela continuou atenta ao que estava fazendo
(OBSERVAÇÃO nº 6).
Podemos inferir com tal comportamento que havia sido mantida a relação presente, ao
mesmo tempo em que a jovem interagia no seu celular com um terceiro elemento. Esta
mesma característica se apresenta em várias outras partes das observações citadas aqui.
Cheguei ao pátio central alguns minutos antes de iniciar o intervalo, para melhor me
posicionar. Assim que as turmas de adolescentes lotaram o ambiente, verifico um jovem
isolado (A), no meio do pátio. Ele estava sentado em um banco/canteiro circular, como os
muitos que tem no local. Usava bermuda, moletom e boné, e sua mão direita estava
enfaixada, o que não impedia que usasse o aparelho. Parecia manusear um celular ou ipod,
usando fones de ouvido, curvado sobre o aparelho. Intercalava-se entre digitar e olhar a
volta. Logo, outros três rapazes chegam e sentaram ao seu lado, começando a conversar. A
partir daí ele digitou um pouco menos, mas falou pouco.
(...)
25
Em meu retorno ao pátio, aquele rapaz que manuseava um aparelho desde o início do
intervalo (A), estava de novo sozinho, na mesma atitude de digitar e olhar a volta, curvado
sobre o aparelho. Não pude definir se jogava algum jogo ou se escrevia algo. Dois de seus
amigos se aproximavam dele de vez em quando e tentavam puxar assunto. O rapaz, porém,
continuava na mesma atitude. Pelo que constatei, esteve envolvido com o aparelho durante
todo o tempo do intervalo (OBSERVAÇÃO nº 5).
Já neste caso apresentado, o rapaz em questão manteve-se curvado sobre o aparelho do
início ao fim do intervalo de aula, muitas vezes aparentando querer estar só. Dentro das seis
observações que fizemos, este foi o único caso mais significativo onde o uso de novas
tecnologias aparentou interferir negativamente nas relações entre os jovens, para nossa
surpresa. Devido à grande adesão deste público aos aparelhos eletrônicos e, sobretudo, ao
conhecimento que temos através da observação despretensiosa no dia-a-dia, acreditávamos
que este fenômeno seria muito mais recorrente em um ambiente escolar, assim com a possível
verificação de jovens isolados, o que era comum haver na época escolar dos integrantes de
nosso grupo.
Como não eram muitos a usar aparelhos, passei a circular pela volta do pátio,
observando diferentes agrupamentos. Os jovens conversavam empolgados, e pude perceber
que havia uma boa quantidade de interação. Pude concluir que, pelo menos neste dia,
algumas das minhas expectativas não se confirmaram: não eram tão numerosos os jovens
com aparelhos em mãos e também não havia aqueles que se isolavam (pelo menos em
aparência) (OBSERVAÇÃO nº 2).
Isto nos pareceu um aspecto positivo, visto a aparente comunicabilidade elevada que
os adolescentes mantinham durante os rápidos 20 minutos de intervalo. Nossa expectativa
inicial era baseada na verificação do uso cotidiano que estes jovens fazem destas tecnologias
em diversos locais públicos, de forma visível, assim como nas discussões na mídia e em
Psicologia sobre o assunto.
Uma das hipóteses que levantamos para a utilização de aparelhos em grau abaixo do
que esperávamos diz respeito a alguns aspectos discutidos no capítulo 4, acerca dos corpos
dóceis, de Focault (2002). Nesta perspectiva, como os adolescentes do Ensino Médio passam
a manhã inteira dentro de sala de aula, onde a comunicação é limitada e focada para um
propósito em específico, o período de recreio serve como uma folga para este estado de
concentração e esforço. E seria neste momento de espairecer da rotina escolar que poderia se
dar vazão à toda necessidade de comunicabilidade.
26
Acreditamos que tal hipótese possa ter alguma relevância, devido ao que podemos
observar da própria estrutura do colégio, com regras bem definidas e com uma ordem bem
concretizada, a nosso ver. Também nos baseamos na experiência docente de alguns dos
integrantes de nosso grupo, dentro do sistema educacional privado.
Os grupos frequentemente se misturavam, se dividiam e faziam novos grupos.
Encontrei um grupo de seis meninas onde uma delas teclava ao celular, usando fones
acoplados ao celular, enquanto conversava com a que estava a sua frente. Quando ela
teclava parava de falar. Ao seu lado, outra conversava pelo celular. Isto durou pouco tempo,
pois logo o grupo se desfez e a que estava teclando acabou a sós com um rapaz que havia
chegado. Não pareciam ter muita intimidade, não falaram nada e a moça buscou as amigas
que estavam mais adiante (OBSERVAÇÃO nº 2).
Outra questão discutida em aula, quando da apresentação deste trabalho à turma do
terceiro nível da Faculdade de Psicologia da PUCRS, foi a qualidade das interações. Ou seja,
nos casos em que os adolescentes entregam-se à multitarefa – sendo o caso de teclar/interagir,
ou jogar/interagir –,discutiu-se a possível perda de qualidade na interação. Talvez a questão
não seja o “interagir ou não”, mas “de que forma se interage”, “com qual profundidade”. Tal
discussão veio à tona acerca do conceito de “se estar presente”, ou “se fazer presente” ao
momento em que se está vivenciando a virtualidade; fenômeno que não abrangeria apenas a
adolescência, e seria fruto das mudanças no ritmo de vida da sociedade urbanizada, conforme
pudemos analisar no capítulo 3.
27
CONCLUSÃO
As observações feitas no Colégio Champagnat se mostraram uma experiência valiosa,
suscitadora de muitas reflexões. Avaliar os grupos de adolescentes em suas comunicações
cheias de energia e vivacidade – entrecruzando com discussões teóricas de grande relevância
no que diz respeito aos fenômenos da pós-modernidade – mostrou-se um exercício intelectual
e de observação desafiador e estimulante.
Como comentado ao longo do trabalho, algumas expectativas pessoais do grupo não se
confirmaram, tais como a presença de indivíduos isolados (com adesão ou não de novas
tecnologias) e o uso mais frequente dos aparelhos em questão. Acreditamos que tais fatores
possam vir a estar relacionados com a curta duração do intervalo, momento propício e
esperado para uma maior interação por parte dos adolescentes.
Discutimos também importantes considerações de teóricos acerca do fenômeno das
comunicações virtuais, trabalhando-se a inserção da adolescência e suas demandas sociais e
psicológicas junto a isto. Levantamos a questão da multitarefa e de que forma esta nos coloca
frente a um quesito de qualidade na interação. No entanto, para um maior aprofundamento
neste ponto seriam necessárias observações mais prolongadas e detalhadas.
Devemos lembrar que o curto espaço de tempo que abarcou a presente experiência foi
de grande valor às proporções de nossa pesquisa, mas que ainda assim nos traz apenas uma
parcela de uma realidade rica em seu potencial de análise.
As mudanças sociais promovidas pela virtualidade, englobando o fenômeno amplo da
pós-modernidade, mostraram-se um campo fértil aos estudos da Psicologia Social. As
transformações que irrompem trazem uma série de questões acerca da apropriação
psicológica, comportamental, social e cognitiva daqueles que a vivenciam. Cabe à nossa área
de conhecimento, o estudo atento e detalhado a fim de se delinear seus efeitos, seus possíveis
usos para sua apropriação sadia, não apenas no que diz respeito à sua praticidade, mas
28
também ao potencial criativo a ela vinculado, permitindo um maior encontro do Ser Humano
consigo mesmo e não a fuga deste.
29
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31
DIÁRIO DE CAMPO
OBSERVAÇÃO Nº 1
OBSERVADOR: Thaís Vieira
DATA: 03.05.11
HORA: das 10h às 10h20min
LOCAL: Colégio Champagnat
DESCRIÇÃO DO LOCAL:
O local de observação onde os alunos do Ensino Médio passam o recreio é um pátio
quadrado, que fica com as salas de aula e da coordenação ao seu redor. Ele não é coberto por
nenhum toldo, contém muitos bancos de concreto, em formatos circulares, e árvores. Em um
dos seus cantos há uma videira, onde os galhos de várias árvores se enroscam numa estrutura
de ferro. Das barras de ferro que estão nesta estrutura, há um quadrado de concreto, coberto
de ladrilhos coloridos, com um banco em cada um dos seus lados.
DESCRIÇÃO DO FENÔMENO
Depois de uma certa dificuldade em conseguir um colégio para observar, conseguimos
ser aceitos pelo Colégio Champagnat, com a ressalva de que as cartas de apresentação eram
premissas para o agendamento das observações. A impressão que fica é que, depois do
atentado no Rio de Janeiro, quando um ex-aluno de uma escola municipal da zona oeste a
invadiu e atirou contra alunos e professores, fazendo mais de uma dezena de vítimas, a
segurança nas escolas tornou-se um item no topo da lista. Tivemos algumas negativas, com a
alegação de que, no momento, as escolas em questão estão restringindo, mais do que nunca, a
entrada de estranhos. Não é dito que a causa é o atentado em Realengo, mas fica subentendida
a precaução: “sabe, depois daquilo tudo, precisamos ter mais cuidado”.
Então, neste grande cenário, que fica no centro do colégio, cheguei com meu colega
Alexandre, depois de passar pela recepção e recebermos nosso crachá de estagiários.
Conversamos sobre onde nos posicionarmos para fazer a observação e fomos abordados por
um funcionário do colégio, que nos deu bom dia e explicou que logo viriam os adolescentes e
algumas crianças, apontando as portas de onde cada um vinha. E, então, ele perguntou se não
estava faltando uma pessoa. Nós assentimos, explicando que ela não viria naquele dia. Ficou
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claro que a estrutura do colégio estava bem informada do que faríamos, e os “olhos” desta
entidade estavam voltados para nós.
O funcionário nos deixou a sós, desejando um bom trabalho, e o sinal bateu.
Rapidamente o pátio encheu-se de azul: os estudantes usavam calças jeans, leggings, calças de
abrigo com um moletom ou casaco com o logotipo do colégio. Grande parte das meninas
usam os cabelos compridos, já os meninos usam diferentes cortes curtos: estilo Justin Bieber,
estilo emo, estilo moicano. Rapidamente foram se formando grupinhos em diferentes locais
do pátio. Não identifiquei ninguém sozinho: os alunos se organizavam desde pares até grupos
grandes. Alguns adolescentes circulavam entre um grupo e outro. Há grupos mistos e
separados por sexo. Achei interessante observar que os grupos separados por gênero se
configuravam de maneira diferente: as meninas ficam muito próximas umas às outras, em
formação circular, algumas de pé, outras sentadas. Elas se tocam, abraçam-se, beijam-se. Os
meninos ficam mais afastados, sentam um ao lado do outro, sem fechar um círculo, eles se
dão “soquinhos”, se empurram. Nos grupos mistos, predomina a mesma configuração das
meninas.
Vi um grupo de 3 meninas sentadas embaixo da videira; duas delas seguravam
celulares. Resolvi sentar num banco próximo a elas, enquanto o Alexandre preferiu circular
pelo pátio. Duas delas ocupavam, cada uma, um banco. Uma delas (A) era branca, com
espinhas nas bochechas, tinha longos cabelos castanhos, enrolados num grande coque. Usava
calça jeans, o casaco do colégio e um tênis All Star colorido. Tinha as unhas compridas, sem
esmalte. A outra menina (B) no banco sentou de costas pra mim: era negra, com os cabelos
compridos, cheios de trancinhas, presos num rabo de cavalo. Usava calça jeans, com o casaco
do colégio e uma manta em tons de azul. Ela tinha gesso no pé direito e no pé esquerdo um
tênis. Havia duas muletas no chão. A terceira menina (C) sentou na estrutura de concreto com
ladrilhos: era branca, com longos cabelos compridos e soltos, usava calça jeans, moletom do
colégio, tênis e tinha as unhas pintadas de preto. Ela segurava na mão um celular vermelho
brilhante com touchscreen.
A menina A estava sentada com os pés em cima da estrutura de concreto, com os
joelhos dobrados. Ela apoiou os braços nos joelhos e abriu um pacote do biscoito Club
Social, que estendeu para B e C. B pega uma bolacha e A pega depois. B está digitando no
celular, com as pernas juntas ao corpo, e os braços muito próximos à cabeça, apoiados nos
joelhos enquanto tecla. A e B comem e conversam. C está com as pernas esticadas sobre a
estrutura de concreto, deixando as pernas ao lado de C. C para de teclar (acho que ela estava
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enviando uma mensagem de texto), participa da conversa com A e B e come o Club Social
que termina. Eu não consigo ouvir o que elas falam, porque o ambiente é muito barulhento,
mas elas gesticulam e riem muito.
C – Bah, mas minha mãe... – único trecho de frase que consigo ouvir. Elas riem muito
com essa frase.
A menina A coloca o pacote vazio do Club Social num bolso do casaco, e pega do
outro bolso um celular branco com um pin de enfeite e desliza o celular para cima. Com os
braços apoiados nas pernas, começa a teclar e para de falar com B e C. Ela fecha o celular e
volta para a conversa. Segundos depois, ela abre o celular e parece que está lendo uma
mensagem, pois demora alguns segundos para voltar a teclar e parar de conversar com B e C.
Ela mexe os polegares muito rapidamente, sorrindo (parece um riso malicioso). Para de teclar
e fica olhando o celular aberto. Logo em seguida, ela aperta um botão e parece ler uma nova
mensagem. Então, A volta a teclar rapidamente com seus polegares, enquanto B e C
gesticulam, riem e falam ao mesmo tempo. C está sempre com o celular na mão, mas sem
usá-lo. A, com o celular aberto, volta a conversar com B e C. C se levanta e fica de pé ao lado
de A, com um pé no banco. Ela e A teclam em seus celulares. As duas param de teclar e C
chega mais perto de A, que a abraça e depois dá um tapinha em sua bunda. B se levanta e se
apoia na barra de ferro, junto à estrutura de concreto. Fica com o joelho do pé engessado
apoiado na estrutura. C sai de perto de A e senta no lugar onde estava B.
Ao redor, há algumas crianças menores, entre 7 e 9 anos, também pelo pátio. Elas
correm por todo pátio. Chama-me a atenção uma menina com traços orientais, aparentando
uns 9 anos, que caminha olhando para os lados, como que procurando alguém. Mais adiante,
vejo um grupo de 4 meninas da mesma idade, que olham na direção dela e riem. Elas se
movimentam em conjunto, de acordo com a direção que a menina oriental se movimenta. A
menina as enxerga e corre até elas, enquanto elas riem. Saem todas caminhando em direção às
salas das séries iniciais.
O sinal bate e nenhum adolescente se mexe. A está de pé, com o pé em cima do banco
em que estava sentada, com o joelho dobrado e as mãos nos bolsos do casaco. B continua
sentada no banco e C continua de pé apoiada na barra de ferro. Só escuto A falar para C:
A – Te liga, tu é o primeiro amor da vida dele.
Durante todo tempo que estive ali sentada, senti-me invisível. Parecia que ninguém
notava minha presença ou, pelo menos, não se importava com ela a ponto de mudar de
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atitude, ou me dirigir um olhar. Neste cenário intenso de sons e quantidades de jovens,
igualmente de azul, cada um exibia sutis diferenças: um boné, uma boina, um brinco, um anel.
O sinal bate novamente e A e C levantam-se e dirigem-se até as salas de aula. B pega
suas muletas e sai devagarzinho na mesma direção. A e C param e voltam para trás rindo,
indo na direção de C. Assim, as 3 caminham ao ritmo de C até a sala de aula, junto com todos
os outros adolescentes. O pátio ficou vazio.
Quando tínhamos ido marcar as observações com duas representantes do SOE, elas
nos disseram que veríamos muitos celulares no recreio. Eu também tinha esta premissa. Por
isso, fiquei surpreendida ao ver que os adolescentes não passam o recreio em torno dos
aparelhos eletroeletrônicos. Alguns utilizam o celular para ouvir música ou enviar mensagens
de texto. Não me pareceu que este uso esporádico tampouco isole um sujeito do grupo em que
está conversando. Não encontrei um eletroeletrônico que retirasse significativamente um
adolescente da interação com seus pares.
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DIÁRIO DE CAMPO
OBSERVAÇÃO Nº 2
OBSERVADOR: Alexandre F. Santos
DATA: 03.05.11
HORA: das 10h às 10h20min
LOCAL: Colégio Champagnat
DESCRIÇÃO DO LOCAL
O mesmo da observação 1.
DESCRIÇÃO DO FENÔMENO
Após a recepção, adentramos no amplo pátio do Colégio Champagnat. Como faltavam
alguns poucos minutos para o inicio do intervalo, resolvemos fazer um breve reconhecimento
do local, de seus acessos e de onde os alunos provavelmente iriam se colocar. Um funcionário
da escola veio nos cumprimentar. Era responsável pela segurança e já estava informado do
que buscávamos observar, nos dando algumas dicas de onde se agrupavam as diferentes séries
do Ensino Médio.
Logo os adolescentes lotaram o ambiente, se organizando em diferentes grupos. O
pátio central, onde estávamos, reunia praticamente todos os alunos do Ensino Médio,
enquanto em pátios laterais se reuniram os mais novos.
Inicialmente observei um grupo de nove rapazes próximos a nós. Um deles estava com
um ipod em mãos, escutando com os fones enquanto falava com os outros. Neste mesmo
grupo, um deles estava sentado em um dos muitos canteiros de pedra que tem no pátio, com
uma espécie de mini-videogame nas mãos. Olhava ora para os colegas, ora para o videogame.
Depois de alguns minutos, guardou o aparelho e ficou dialogando.
Mais adiante, havia outro grupo, de quatro rapazes. Enquanto todos conversavam, ele
apenas permanecia ao lado, ouvindo os fones, sem dialogar. Mas, ao que parecia, ele se
mantinha atento aos colegas, por vezes observando ao redor.
Como não eram muitos a usar aparelhos, passei a circular pela volta do pátio,
observando diferentes agrupamentos. Os jovens conversavam empolgados, e pude perceber
que havia uma boa quantidade de interação. Pude concluir que, pelo menos neste dia, algumas
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das minhas expectativas não se confirmaram: não eram tão numerosos os jovens com
aparelhos em mãos e também não havia aqueles que se isolavam (pelo menos em aparência).
Passei em frente à lancheria, parei na porta e observei o interior: estava praticamente
lotado, onde muitos alunos se enfileiravam para tentar chegar ao balcão. Do outro lado do
pátio, em um grupo de três rapazes, um estava com o celular na orelha. Pelo que parecia,
estava esperando a ligação, pois conversava com os outros que demonstravam estar brincando
com ele. Logo que começou a falar ao aparelho, se distanciou a cerca de quatro metros,
enquanto os colegas seguiram dialogando entre eles. Neste momento busquei me aproximar,
para tentar ouvir o que conversavam. Aproximadamente um minuto após, ele desliga e retorna
ao grupo.
Os grupos frequentemente se misturavam, se dividiam e faziam novos grupos.
Encontrei um grupo de seis meninas onde uma delas teclava ao celular, usando fones
acoplados ao celular, enquanto conversava com a que estava a sua frente. Quando ela teclava
parava de falar. Ao seu lado, outra conversava pelo celular. Isto durou pouco tempo, pois logo
o grupo se desfez e a que estava teclando acabou a sós com um rapaz que havia chegado. Não
pareciam ter muita intimidade, não falaram nada e a moça buscou as amigas que estavam
mais adiante.
Os adolescentes nos olhavam, por vezes, com expressões de aparente curiosidade. O
uso de tecnologias não era tão visível, como já comentado, menor do que esperávamos.
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DIÁRIO DE CAMPO
OBSERVAÇÃO Nº 3
OBSERVADOR: Thaís Vieira
DATA: 04.05.11
HORA: das 10h às 10h20min
LOCAL: Colégio Champagnat
DESCRIÇÃO DO LOCAL:
O mesmo da observação 1. Como cheguei mais cedo hoje, fiquei esperando o horário
na recepção. É um grande balcão onde fica uma funcionária loira de olhos claros, em torno de
25 anos, com os cabelos presos num rabo de cavalo. Ela usa uniforme do colégio e reparei que
os funcionários que lidam diretamente com os estudantes também (“tios” do pátio e
recepcionista). Ao lado do balcão, há uma sala com portas de vidro e uma placa onde se lê
Sala de Visitas. Numa parede inteira, há um estante de vidro com muitos troféus e, no lado
oposto, 3 sofás de couro marrom de 2 lugares.
DESCRIÇÃO DO FENÔMENO
No primeiro sofá da Sala de Visitas, há um menino, em torno de 10 anos, com capuz
na cabeça, deitado, encolhido no sofá, com os braços entre as pernas, dormindo. No último
sofá há um menino, por volta dos 8 anos, com um joguinho eletrônico nas mãos. Ele usa os
polegares agilmente e tem os braços apoiados nas pernas. A cabeça está muito próxima ao
joguinho. Ele está numa posição curvada, assim como estavam as meninas que teclavam nos
seus celulares na observação anterior.
Quando vou para o pátio, no horário marcado, com meu crachá de estagiário, o cenário
parece o mesmo da observação anterior: muito azul, muito tênis, muita calça jeans, ninguém
sozinho. Só que, em cada grupo que eu olhava, ninguém segurava um celular, um ipod, ou
coisa parecida. Resolvo sentar em um banco para escolher algum grupo, mesmo sem os
eletroeletrônicos e confirmo as configurações do dia anterior em relação ao gênero: as
meninas sentam muito próximas, tocam-se, comem uma o lanche da outra, parecem um único
organismo. Os meninos se cutucam, empurram-se, não compartilham o lanche (poucos
comem). Parecem massas desajeitadas, buscando seu lugar ao sol.
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Eles parecem altos para a faixa etária, em torno de 1,70m e 1,80m, muito magros, com
as costas curvadas e as mãos nos bolsos. O rosto ainda parece de criança, os traços delicados,
mas, geralmente, coberto de espinhas ou manchas. Eles não ficam parados no mesmo lugar,
os joelhos ficam semi-flexionados, os pés estão sempre mexendo ou chutando. É difícil
perceber os corpos, porque as roupas são largas, dando a impressão de que vão cair a qualquer
momento. Os tênis são de cano alto, estufados.
Esses comportamentos não são lá muito diferentes do meu tempo de adolescente. Fico
me perguntando se a entrada da tecnologia mudou esses comportamentos típicos dos
adolescentes: encontrar quem sou eu, qual a minha identidade no grupo.
Vejo a menina com traços orientais da observação anterior caminhando com uma
outra menina de longos cabelos castanhos e lábios grossos. Elas têm as mãos no bolso e se
dirigem para o bar. Hoje, acho que por estar frio, os adolescentes estão mais encolhidos
fisicamente, com as mãos nos bolsos, e as meninas mais próximas do que nunca. Ninguém
está usando lã, ou casaco de nylon mais grosso para agasalhar.
Novamente a minha presença parece nada significar pra esses estudantes, pois sentam
próximos a mim, ou passam por mim sem me dirigir o olhar. Não houve mais nenhuma
manifestação de se aproximar e apontar que percebiam que eu estava ali.
Há algumas poucas manifestações de namoro: vejo dois casais, um caminhando de
mãos dadas e outro dando um breve beijo na boca, enquanto estão abraçados em volta de
outros colegas. Eles não estão a parte no grupo.
Passam por mim 3 meninas, uma ao lado da outra. A do meio está com um celular no
ouvido e diz para as outras: “Ah, ele não atende!”. E desliga o celular. Não sei se ligava para
alguém do colégio, ou de outro lugar, ou se era um personagem masculino, como um pai, um
tio, um irmão.
Vejo 3 meninos sentados, um ao lado do outro. Um deles está com fone em um ouvido
enquanto conversa com o menino ao lado. Eu o vi ontem, perto das meninas que observei,
fazendo a mesma coisa: usando o fone, mas conversando.
Há um menino loiro também com fone de ouvido, somente em um ouvido, numa roda
de meninas. Ele conversa com elas, uma se abraça nele.
Três meninos se aproximam de mim, um senta bem do meu lado, com um papel e
caneta na mão e copia os meus gestos. Eu olho pra ele, mas eles agem como se eu não
estivesse ali: não fazem contato visual, nem conversam comigo. O menino que estava do meu
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lado se levanta e diz: “Vamos falar ali com ele”. Os três saem, apontando, talvez, que a minha
presença não foi ignorada, mas que eles ainda não sabem o que fazer com isso.
Há um grupo de 3 meninos e uma menina. A menina reclama de frio, enquanto come
um chocolate e segura uma caixa de suco. Dois meninos ficam parados, cada um de um lado
dela, bem juntos. O outro menino fica parado de frente pra ela, a uma pequena distância (não
grudado como as meninas ficam).
Chegam aos bancos que observei ontem B e C. B está com suas muletas e C segura
um cachorro-quente em cada mão. As duas sentam juntas na estrutura de concreto e C dá um
cachorro quente para B. As duas comem e conversam. B está com a perna engessada esticada
no banco em frente a ela.
Perto delas, há um grupo de 6 meninas e um menino. Uma delas está com uma
garrafinha de água em volta dos braços, com as mãos pra dentro do casaco. Ela puxa o canudo
com a boca e bebe. Outras duas meninas bebem a água, espichando o corpo, puxando o
canudo com a boca e bebendo. Elas não usam as mãos, parece que a garrafinha está gelada,
pois está suada.
Toca o primeiro sinal, e as minhas esperanças de observar alguma interação com
eletroeletrônicos de acordo com os apontamentos da equipe pedagógica do colégio e dos meus
próprios pressupostos não se concretizam. A premissa empírica quanto à influência maléfica
da tecnologia, que isola o indivíduo do seu meio social, não se confirma em novas
observações.
Continuo olhando em volta quando vejo uma menina dançando (D). Paro para olhá-la
e vejo que ela está com um fone em um ouvido acoplado a um celular, que está na sua mão.
Junto com ela estão mais duas meninas. Não sei se ela está cantando ou conversando, porque
ela olha pras meninas enquanto dança, e as meninas olham para ela. D tem um pirulito na
boca.
D caminha até um menino, que segura seu rosto e aproxima o rosto dele ao dela, como
se fosse beijá-la na boca. Ele dá um beijo na bochecha dela bem apertado. Quando solta o
rosto de D, ela bate várias vezes no ombro dele (com a outra mão ela segura o celular), que se
afasta dela rindo e tentando segurar a mão dela. Então, D volta para as outras meninas
gesticulando e falando. Ela olha o celular e clica nele com um polegar (parece estar trocando
de música). Ela vira de lado para as amigas enquanto canta e dança animadamente por alguns
segundos; fecha os olhos, levanta os braços, gira a cabeça. Ela então para e caminha até um
outro grupo de meninas sentadas em um banco. Conversa alguma coisa com elas. O sinal bate
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novamente. D se vira e caminha até uma sala de aula, com o celular na mão e o fone de
ouvido. Na porta a que ela se dirige chega uma mulher com uma chave na mão. Os
adolescentes que estavam perto de D levantam e caminham até a mesma porta. Lentamente, o
pátio vai se esvaziando, até que todos estejam em suas salas.
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DIÁRIO DE CAMPO
OBSERVAÇÃO Nº 4
OBSERVADOR: Thaís Vieira
DATA: 10.05.11
HORA: das 10h às 10h20min
LOCAL: Colégio Champagnat
DESCRIÇÃO DO LOCAL:
O mesmo da observação 1.
DESCRIÇÃO DO FENÔMENO
Hoje cheguei na recepção do Champagnat e outra funcionária estava na recepção. Tive
de explicar quem eu era e o que ia fazer ali. Ela se revezava num rádio e num telefone,
tentando encontrar alguém que me liberasse. Tive a impressão de que ela ficou aliviada em
perceber que eu estava apta a entrar no colégio e me entregou um crachá de estagiária.
É um prédio antigo, muito bonito, talvez séc. XVIII, que destoa com as grades e portas
trancadas do séc. XXI. Dois tempos ali coexistem, sem se anular, mas sem deixar de soar
estranho o lirismo e o romantismo da arquitetura com a dureza das grades. Passei pela porta
que dá acesso ao pátio e olhei ao redor. O pátio estava vazio, silêncio absoluto, rodeado por
salas de aula com suas portas fechadas. Pensei com muita calma em que banco sentaria: não
queria pegar o lugar cativo de nenhum grupo e nem ficar numa posição difícil de observar os
estudantes. Escolhi um banco de concreto, um pedacinho dele, bem no meio do pátio.
O sinal toca e rapidamente o cenário se enche de azul e de vozes. Mais uma vez, vejo
as crianças menores correndo. Os estudantes do ensino médio caminham, parando ao redor
dos bancos, em grupos pequenos ou grandes. Novamente, não vejo ninguém sozinho.
Fixo minha atenção num grupo de quatro estudantes: dois meninos e duas meninas.
Elas vêm falando nos seus celulares. Todos param em frente a um banco de pé. Uma menina é
baixa, magra, com cabelos lisos e castanhos com as pontas descoloridas. Veste calça jeans,
um casaco com o logo do colégio e All Star claro. Ela fala no telefone e, ao mesmo tempo faz
gestos para um dos meninos: estatura média, cabelos pretos, com um moicano não muito
curto dos lados, com os cabelos todos penteados para frente, cobrindo um pouco os olhos.
Veste um abrigo preto, casaco do colégio e tênis. Ele diz coisas e a menina reage batendo
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nele, mas com o celular no ouvido. O outro menino é muito alto e tem a mesma roupa e
penteado que o outro. Ele está sentado com as pernas esticadas, as costas curvadas e as mãos
no bolso. A outra menina fala no celular, enquanto segura um Toddynho. Ela tem estatura
média, é magra, tem os cabelos crespos e castanhos, presos num rabo de cavalo baixo. Veste
uma calça jeans com enormes bolsos atrás, moletom azul marinho e tênis. Ela se afasta do
grupo e anda em círculos enquanto fala no celular. A outra menina desliga o celular, coloca-o
no bolso esquerdo, pega no bolso direito uma manteiga de cacau e passa nos lábios. Guarda a
manteiga de cacau e abraça o menino mais baixo.
Próximo a mim, vejo o menino que vi nas outras observações sentado em pé com dois
outros meninos. Ele tem um fone de ouvido só numa orelha e segura o celular. Os três
conversam. Sentam daquela forma mais afastada dos meninos, mas o menino do fone senta
mais afastado ainda, fica curvado com a cabeça baixa, mexendo no celular. Logo em seguida
volta a conversar, ri bastante.
Dois grupos ficam muito próximos a mim, conversam como se eu não estivesse ali.
Senti-me invisível, cercada destes estudantes de azul, mas isso não era desconfortável. Eu
tinha a sensação de estar escondida no meio de todos eles. E sentia que podia observá-los sem
sentir que eu estava invadindo o seu espaço.
Volto a observar o grupo dos quatro alunos, e o menino alto está de pé. A menina do
cabelo descolorido na ponta está sentada. A menina dos cabelos crespos fala e empurra os
meninos, que mal se mexem do lugar. Eles todos riem e gesticulam muito. Não ficam muito
tempo parados no mesmo lugar. Ficam em círculo, mas vão trocando de posições a cada
empurrão.
Próximo ao grupo dos quatro, em outro banco, há um grupo de 8 meninos, ao redor do
banco, mas todos de pé. No meio do grupo, vejo um menino de estatura média, magro, loiro,
cabelos em pé e profundas covinhas em forma de meia lua nas bochechas, que segura um
game boy nas mãos. Ele mexe os polegares rapidamente, enquanto fala com os outros
meninos. Nenhum dos outros meninos observa o seu jogo, eles falam entre si. Enquanto,
mexe os polegares, ele chuta os colegas ao redor, até que um deles segura o seu pé, e ele
quase cai. Todos riem. O menino das covinhas volta os polegares ao jogo, falando ao mesmo
tempo. Este grupo também fica em formato circular, trocando posições. Então, um menino do
grupo de estatura média, cabelos encaracolados, pretos, que funga sem parar (parece estar
gripado), para do lado do menino com o jogo, encostando braço com braço. Está com as mãos
no bolso e tira uma delas, apontando o aparelho. Os dois conversam e riem, e o grupo, na sua
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troca de posições, vai ficando de costas para os dois. Aqui aparece uma proximidade física
entre os meninos que nunca antes acontecera, permeada pelo jogo: parece uma união de
corpos no esforço de enfrentar os desafios que ocorre na tela.
O primeiro sinal bate e todos os meninos mantêm uma certa distância, mas os dois que
estão voltados para o jogo estão colados, literalmente. Um terceiro menino para na frente dos
dois, com a cabeça curvada para o jogo (ele vê o jogo de cabeça pra baixo). Então, ele se
encosta no outro braço do menino de covinhas, e os três falam e apontam o aparelho.
No grupo dos quatro, o menino alto se afasta do grupo com uma mão no bolso, e a
outra segurando um celular, que tecla com o polegar. Ele caminha enquanto faz isso. Na
minha frente passa uma menina e um menino de mãos dadas. O menino tecla no celular com a
mão esquerda enquanto caminham.
O segundo sinal bate e o menino de covinhas caminha muito vagarosamente em
direção às salas de aula, enquanto mantém os polegares no jogo. O menino de cabelos crespos
segue ao lado dele. Os demais integrantes de grupo também caminham vagarosamente em
direção a uma porta. Todos param em frente a ela e continuam conversando. O menino das
covinhas senta sozinho, mas perto do grupo, no degrau que fica em frente à porta, com os
antebraços apoiados nos joelhos, enquanto os polegares apertam os botões do jogo.
Aos poucos, outros estudantes dirigem-se às suas salas de forma bem lenta. Sem
pressa, conversando, as meninas abraçadas, os meninos com as mãos nos bolsos. Ficam
parados em frente às suas salas até que o professor chegue e, um a um, os alunos entram na
sala que se fecha. Retorna o silêncio e os bancos ficam sozinhos.
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DIÁRIO DE CAMPO
OBSERVAÇÃO Nº 5
OBSERVADOR: Alexandre Fontoura dos Santos
DATA: 11.05.11
HORA: das 10h às 10h20min
LOCAL: Colégio Champagnat
DESCRIÇÃO DO LOCAL:
O mesmo da observação 1.
DESCRIÇÃO DO FENÔMENO
Cheguei ao pátio central alguns minutos antes de iniciar o intervalo, para melhor me
posicionar. Assim que as turmas de adolescentes lotaram o ambiente, verifico um jovem
isolado (A), no meio do pátio. Ele estava sentado em um banco/canteiro circular, como os
muitos que tem no local. Usava bermuda, moletom e boné, e sua mão direita estava enfaixada,
o que não impedia que usasse o aparelho. Parecia manusear um celular ou ipod, usando fones
de ouvido, curvado sobre o aparelho. Intercalava-se entre digitar e olhar a volta. Logo, outros
três rapazes chegam e sentaram ao seu lado, começando a conversar. A partir daí ele digitou
um pouco menos, mas falou pouco.
Procurei circular pelo ambiente e verificar outros exemplos. Mais a frente, uma
menina estava falando ao celular. Estava com mais duas que ela acompanhava caminhando.
No canto do pátio havia outra menina, sozinha, falando ao celular. Prosseguiu nesta atitude
por alguns minutos.
Fui até o bar do colégio, onde havia recebido informações de que alguns jovens
buscavam o local no intuito de usar a conexão wireless da PUCRS. Tal comentário veio
através de uma aluna da escola, conhecida de nossa colega de grupo Danielle. Atravessei o
ambiente, que estava lotado, onde a maioria esperava em filas para comprar lanches. Na porta
do bar havia um grupo de seis meninas sentadas em volta de uma mesa. Subi a escada ao lado
para observá-las do alto. Enquanto todas conversavam, uma manuseava o celular, em silêncio.
Como esta atitude não se modificou, prossegui investigando outras áreas. A área do bar não se
mostrou muito promissora para estas observações. Pelo menos neste dia.
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Em meu retorno ao pátio, aquele rapaz que manuseava um aparelho desde o início do
intervalo (A), estava de novo sozinho, na mesma atitude de digitar e olhar a volta, curvado
sobre o aparelho. Não pude definir se jogava algum jogo ou se escrevia algo. Dois de seus
amigos se aproximavam dele de vez em quando e tentavam puxar assunto. O rapaz, porém,
continuava na mesma atitude. Pelo que constatei, esteve envolvido com o aparelho durante
todo o tempo do intervalo.
Próximo a este rapaz, havia outro grupo, com quatro meninas e três meninos. Um
menino estava de pé, mexendo em um celular, enquanto o restante do grupo conversava.
Alguns estavam sentados nos bancos/canteiros e outros estavam de pé, logo à frente. Ele
entrega (ou devolve) o celular para uma menina, que estava sentada a sua frente e se vira para
o grupo. Ela segue manuseando o aparelho até o final do intervalo.
Enquanto todos entravam na sala de aula, havia uma menina que continuava a teclar
no celular, o que me parecia estar mandando uma mensagem de texto. Ficou ali o máximo que
pôde, tendo que entrar na sala, logo em seguida. Pela placa da sala, tratava-se de uma turma
de segundo ano do Ensino Médio.
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DIÁRIO DE CAMPO
OBSERVAÇÃO Nº 6
OBSERVADOR: Marta Otton
DATA: 11.05.11
HORA: das 10h às 10h20min
LOCAL: Colégio Champagnat
DESCRIÇÃO DO LOCAL:
O mesmo da observação 1.
DESCRIÇÃO DO FENÔMENO
Chegando ao Colégio Champagnat já atrasada, aproximadamente 5 minutos, fui
prontamente falar com a funcionária que estava na portaria. Identifiquei-me. Ela, para minha
surpresa, já sabia quem eu era. Deu-me o crachá de estagiária e encaminhou-me para a porta
que dava acesso ao pátio.
Fui até a área onde estavam os adolescentes. O lugar era bonito e limpo. Já estavam no
recreio e havia muitos pequenos grupos, a maioria dividida por sexo. As meninas eram mais
carinhosas umas com as outras, enquanto alguns rapazes se empurravam e conversavam com
as mãos nos bolsos.
Vi alguns adolescentes com fones de ouvido, em uma só orelha. Conversavam também
com seus pares.
Nesta primeira observação encontrei apenas 3 estudantes manipulando o aparelho
celular. Fixei-me em uma menina que estava próxima a mim. Ela era magra, de estatura
média, cabelos pretos presos em um rabo-de-cavalo. Havia uma colega com ela, mais alta, de
cabelo solto e também tinha um grupo misto próximo a elas. Elas conversavam ao mesmo
tempo em que a menina de cabelos presos manipulava o aparelho. Pela maneira como usava o
celular parecia que estava enviando uma mensagem, pois digitava bem compenetrada no
aparelho móvel. Volta e meia olhava para a amiga e dialogavam, como também baixava a
cabeça e se compenetrava no manuseio do aparelho. O primeiro sinal tocou. A amiga saiu de
perto e ela continuou atenta ao que estava fazendo.
Os adolescentes ali presentes no pátio interagiam uns com os outros. Não me chamou
a atenção que houvesse alguém isolado.
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