A IMPORTÂNCIA DA INTELIGÊNCIA EMOCIONAL PARA OS … · Gardner (1995) e posteriormente por Daniel...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE EDUCAÇÃO
CURSO DE PEDAGOGIA
INDARA LIMA COSTA
A IMPORTÂNCIA DA INTELIGÊNCIA EMOCIONAL PARA OS PROCESSOS DE
ENSINO E APRENDIZAGEM: IMPACTOS PEDAGÓGICOS
Natal – RN
2017
2
INDARA LIMA COSTA
A IMPORTÂNCIA DA INTELIGÊNCIA EMOCIONAL PARA OS PROCESSOS DE
ENSINO E APRENDIZAGEM: IMPACTOS PEDAGÓGICOS
Trabalho de Conclusão de Curso, na
modalidade:monografia, apresentado
ao Curso de Pedagogia Presencial da
Universidade Federal do Rio Grande do
Norte como requisito parcial à obtenção
do grau de licenciada em Pedagogia.
Orientadora: Profª. Drª. Cynara Teixeira
Ribeiro.
Natal – RN
2017
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INDARA LIMA COSTA
A IMPORTÂNCIA DA INTELIGÊNCIA EMOCIONAL PARA OS PROCESSOS DE
ENSINO E APRENDIZAGEM: IMPACTOS PEDAGÓGICOS
Trabalho de Conclusão de Curso, na modalidade: monografia, apresentado ao
Curso de Pedagogia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como
requisito parcial à obtenção do grau de licenciada em Pedagogia.
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado e aprovado em ___/___/____, pela
seguinte Banca Examinadora:
______________________________________________________________ Profa. Dra. Cynara Teixeira Ribeiro - Presidente Universidade Federal do Rio Grande do Norte
______________________________________________________________ Profa. Dra. Luzia Guacira dos Santos Silva - Examinadora
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
______________________________________________________________ Profa. Elda Silva do Nascimento Melo - Examinadora
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
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AGRADECIMENTOS
A Deus, autor deste e de todos os outros capítulos da minha história. Seu
amor, fidelidade e favor me sustentam. Seus pensamentos são,de fato, maiores
que os meus e os Seus propósitos me conduzem por caminhos muito mais altos
do que eu conseguiria sozinha. A Ele, a minha honra e gratidão.
À minha mãe, Adriana Lima, por sua dedicação e por todos os esforços
pelo meu bem. Seu amor em forma de cuidado me abençoa todos os dias. Seu
exemplo de força e resiliência sempre irão me inspirar. Por toda a vida.
Ao meu pai, José Luiz (in memoriam), que me ensinou lições essenciais
para quem eu sou hoje e foi o melhor professor que poderia ser. Há muito dele
em mim e nas minhas conquistas.
A Derek Nascimento, pelo seu incentivo e admiração, que têm muito valor.
Seu amor, companhia e parceria são mais do que eu poderia falar. Tenho
aprendido com você que sonhos, batalhas e conquistas têm muito mais valor a
dois. Mal posso esperar para inaugurar e viver ao seu lado essa nova etapa.
À minha tia Cássia Lima e aos meus avós, Edival e Eliene Santos, por todo
investimento em minha vida e por tornar mais leves os muitos desafios que
fizeram parte deste tempo. A vocês, minha sincera gratidão.
A Thayane Lopes, minha amiga companheira da escola, da universidade e
da vida. Foi um verdadeiro presente compartilhar com você sonhos e desafios, e
ter a sua amizade e apoio ao longo desses anos, especialmente na jornada
acadêmica.
A Fábio e Letícia Dias. Suas vidas me ensinam sobre excelência e
perseverança. O exemplo, incentivo e orientação que vêm de vocês estão muito
presentes em minha vida.
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À minha professora e orientadora Cynara Teixeira Ribeiro. Carregarei
comigo o exemplo do seu compromisso, sensibilidade, paciência e respeito. A sua
excelência é admirável. Você é uma professora e pessoa singular, e me
acrescentou mais do que pode imaginar.
A Denise Maria de Carvalho Lopes, minha professora e orientadora da
base de pesquisa, que é uma referência para mim. Obrigada por ter me recebido
e apoiado em circunstâncias tão improváveis. Fazer parte do seu grupo e, de
alguma maneira, contribuir com ele foi uma oportunidade preciosa para mim.
Serei uma professora melhor com tudo o que aprendi.
Ao conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), pela bolsa de Pesquisa na
Iniciação Científica, por ter me oportunizado a dedicação de mais tempo à minha
formação.
A todos que foram meus professores, coordenadores, supervisores de
estágio e colegas de turma, e que fizeram parte dos meus dias durante esses
anos. Cada um contribuiu significativamente com a minha formação.
À Universidade Federal do Rio Grande do Norte, pelo comprometimento
com a educação, e por ter me oportunizado uma formação acadêmica e
profissional de excelência.
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RESUMO
O presente trabalho objetiva discutir as contribuições do conceito de inteligência emocional para o ofício do pedagogo, considerando tanto sua formação acadêmica quanto sua prática profissional. Trata-se de tema considerado extremamente relevante para a Pedagogia na medida em que atualmente diversas pesquisas e experiências educacionais revelam as influências desse tipo de inteligência sobre o processo de ensino e aprendizagem. Para alcançar o objetivo supracitado foi empreendido um estudo teórico para situar o contexto de surgimento deste conceito e os avanços teóricos e metodológicos alcançados até o presente momento: desde a concepção unitária de inteligência apresentada por Alfred Binet (1905 apud 2011) até a sua pluralização proposta por Howard Gardner (1995) e posteriormente por Daniel Goleman (2011).Tal estudo revelou também as possíveis contribuições do professor com vistas ao desenvolvimento desse tipo de inteligência; algumas práticas já existentes nessa perspectiva e os elementos que estão relacionados à incorporação da inteligência emocional nos currículos escolares. A partir de tais elementos, constatou-se que o trabalho pedagógico com a inteligência emocional potencializa o processo educativo desde o seu planejamento até a intervenção didático-pedagógica, tanto no que diz respeito aos processos mentais quanto às interações ocorridas no ambiente educacional. Nesse sentido, ressalta-se que esse deve ser um objeto de estudo permanente na formação e atuação docente. Palavras-chave:Inteligência Emocional. Ensino e aprendizagem. Formação docente.
Trabalho pedagógico.
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SUMÁRIO
1.
INTRODUÇÃO ..........................................................................................................
08
2.
O CONCEITO DE INTELIGÊNCIA: DAS CONCEPÇÕES CLÁSSICAS
ÀPROPOSIÇÃO DA INTELIGÊNCIA EMOCIONAL
........................................... 10
2.1 O estudo da inteligência no âmbito da psicologia: a concepção
clássica de Alfred Binet .............................................................................. 10
2.2 Visões contemporâneas a respeito da inteligência: as inteligências
múltiplas e a inteligência emocional ......................................................... 15
3. A ESCOLA COMO UM AMBIENTE DE DESENVOLVIMENTO DA
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL .............................................................................. 22
3.1 O trabalho pedagógico com a educação emocional ......................................... 25
3.2 Algumas reflexões sobre as experiências existentes: desafios para a
incorporação do trabalho pedagógico com a inteligência emocional ...
33
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................... 34
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 36
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1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho objetiva discutir as contribuições que o conceito de
inteligência emocional pode trazer ao ofício do pedagogo, considerando tanto sua
formação acadêmica quanto sua prática profissional. A relevância desse tema
para a Pedagogia reside nas influências deste tipo de inteligência sobre o
processo de ensino e de aprendizagem, uma vez que pesquisas e experiências
educacionais revelam que o aprender envolve componentes cognitivos e afetivos,
os quais são associados respectivamente aos termos inteligência e emoção.
Nesse sentido, o termo inteligência emocional é utilizado nesse trabalho
para sintetizar a capacidade de identificar e lidar com os próprios sentimentos
bem como com os dos outros.Assim, acreditamos que compreender os
rebatimentos da inteligência emocional nos processos mentais e nas interações
ocorridas em ambientes educacionais pode potencializar o processo educativo
desde o seu planejamento até a intervenção didático-pedagógica.Portanto, esse é
um objeto de estudo e discussão de suma importância no âmbito da formação do
pedagogo.
O interesse por este tema surgiu ao longo da formação no curso de
Pedagogia, bem como a partir da experiência,iniciada em junho de 2016, como
estagiária da coordenação pedagógica em uma instituição social que oferece
formação educacional para crianças, jovens e adultos.Durante esta experiência,foi
possível observar que muitos acontecimentos referentes ao cotidiano escolar,
envolvendo situações entre os alunos e demandas dos professores à
coordenação pedagógica, requeriam as habilidades de resolver conflitos,
trabalhar cooperativamente, compreender a si mesmo e ao outro, adaptar-se a
diferentes contextos e motivar-se, o que em última instância envolve o conceito de
inteligência emocional.
Entretanto, no geral, este é um tema pouco discutido nos cursos de
formação de professores, o que pode ser constatado com base na reduzida
quantidade de produções acadêmicas escritas nesta temática (NETA; GARCIA;
GARGALLO, 2008). Quando muito, a formação conta apenas com discussões
pontuais durante algum componente curricular específico, sem muito diálogo com
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as experiências práticas, como, por exemplo, os estágios supervisionados
obrigatórios e os remunerados.
A fim de compreender as contribuições do conceito de inteligência
emocional para a formação e a prática profissional do pedagogo, no capítulo 2,
seráapresentadauma revisão de literatura com vistas a situar o contexto histórico
de surgimento deste conceito e os avanços teóricos e metodológicos alcançados
até aqui, desde a concepção unitária defendida por Binet até a pluralização
proposta por Gardner (1995) e Goleman (2011). Por sua vez, no capítulo 3, a
discussão dessas teorias será tomada como ponto de partida para a análise de
suas implicações para os processos de ensino e aprendizagem, considerando as
pesquisas existentes na atualidade e os princípios adotados pelas escolas que
objetivam fazer uso de suas propostas.Por fim, na considerações finais, serão
apresentadas as principais conclusões obtidas a respeito das influências da
inteligência emocional sobre o processo de escolarização e formação da pessoa
em situação de aprendizagem.
10
2. O CONCEITO DE INTELIGÊNCIA: DAS CONCEPÇÕES CLÁSSICAS À
PROPOSIÇÃO DA INTELIGÊNCIA EMOCIONAL
Vamos tratar neste capítulo do conceito de inteligência emocional. Mas,
antes disso, discorreremos sobre as concepções mais clássicas de inteligência,
surgidas no início do século XX, e as proposições mais recentes que fortaleceram
a ideia de que há uma multiplicidade de inteligências que influenciam o pensar e
agir dos seres humanos.
No âmbito dos estudos mais clássicos, serão destacadas especialmente as
contribuições de Alfred Binet. Já dentre os autores que tiveram evidência na
defesa de uma concepção não unitária de inteligência, destacaremos neste
capítulo Howard Gardner e Daniel Goleman e suas teorias, que ficaram
conhecidas, respectivamente, como Teoria das Inteligências Múltiplas e Teoria da
Inteligência Emocional.
2.1 O estudo da inteligência no âmbito da psicologia: a concepção
clássica de Alfred Binet
Ao longo da história, a inteligência e os elementos que a envolvem, como
atenção, memória, pensamento e aprendizagem,têm sido objeto de estudo e
investigação. Contudo, existem inúmeras perspectivas e definições de
inteligência, que de modo geral abrangem a sua concepção como um processo
cognitivo relacionado atraços de personalidade, habilidades, desempenho
intelectual e capacidade de aprender e compreender (FONTANA; CRUZ, 1997).
A inteligência e as aptidões do indivíduo são temas tradicionalmente
abordados pela psicologia, e seus primeiros estudos foram motivados pelo
interesse nas diferenças individuais entre as crianças. O pesquisador francês
Alfred Binet (1856-1911) foi um dos pioneiros nessa investigação. Como um dos
representantes da abordagem inatista-maturacionista, para a qual a
hereditariedade e fatores biológicos são mais decisivos na construção do
indivíduo do que as experiências no ambiente, Binet conceituava a inteligência
como uma aptidão geral que não depende das informações ou experiências
adquiridas no decorrer da vida da pessoa. Para ele, as características da
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inteligência são, sobretudo, as capacidades de “julgar, compreender e raciocinar
bem”(BINET; SIMON apud BEE, 1977).
Com base nessa concepção de inteligência, Binet dedicou-se a sua
mensuração através de testes que visavam medir o Quociente de Inteligência
(Q.I.). Tais instrumentos consistem basicamente em questões que não envolvem
a linguagem verbal, às quais a criança deve responder, havendo uma única
resposta correta para cada questão. A quantidade de respostas corretas permite a
comparação entre a idade cronológica e a mental,e consequentemente a
classificação da inteligência do indivíduo em abaixo da média, acima da média ou
mediana.
Atualmente, estes testes são objeto de diversas críticas, pois estudiosos
consideram que as questões que os compõem centram-se basicamente no
raciocínio lógico-matemático e desconsideram os fatores sociais e culturais, tais
como experiências prévias e contatos anteriores com questões semelhantes às
dos testes. A partir da insatisfação com o conceito de Q.I. e com a concepção
proposta por Binet, começaram a surgir propostas alternativas à visão clássica de
inteligência.
Os estudiosos adeptos da abordagem chamada comportamentalista ou
behaviorista foram alguns dos que teceram severas críticas à concepção de
inteligência apresentada por Binet, pois defendem a influência dos fatores
externos para a aprendizagem do indivíduo, enfatizando assim as relações
estabelecidas com o meio e as experiências vividas. Ou seja, no
comportamentalismo, o que determina o comportamento do sujeito são as suas
experiências e o que é aprendido durante a vida. O precursor dessa abordagem
foi o norte-americano John B. Watson (1878-1958), que se preocupou em
considerar que as disposições intelectuais, assim como as aptidões e a
personalidade,são passíveis de serem estimuladas.
Outro teórico desta abordagem que criticou a noção de inteligência como
capacidade inata foi Burrhus Frederic Skinner (1904-1990), também norte-
americano, que enfatizou o papel do planejamento de ensino, com base na
relação de causalidade entre estímulo e resposta, para o alcance da
aprendizagem. Esta, segundo ele, pode ocorrer de duas maneiras: por
condicionamento clássico, que envolve a associação entre um estímulo que
causa naturalmente um determinado comportamento e um estímulo neutro, de
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modo que através da associação entre eles o estímulo neutro passará a causar o
mesmo comportamento do estímulo não neutro; e por condicionamento operante,
que está relacionada a comportamentos que são emitidos pelo organismo e
seguidos por algum tipo de consequência, sendo que a consequência positiva
reforça que o comportamento se repita e a negativa inibe sua repetição.
Assim, a ênfase dada à aprendizagem pelos comportamentalistas resulta
da compreensão das experiências e do meio externo como determinantes para o
comportamento dos indivíduos. Nessa perspectiva, o comportamento, as
habilidades e até mesmo as emoções são vistos como sendo exclusivamente
aprendidos.
Posteriormente aos comportamentalistas, outros teóricos da psicologia
educacional dedicaram-se ao estudo das emoções, inclusive delimitando sua
especificidade em relação ao conceito de afetividade.
Um dos teóricos que dedicou-se ao estudo das relações entre cognição e
afetividade foi Jean Piaget (1896-1980), cujo objetivo foi compreender o
desenvolvimento da inteligência, das capacidades de pensar e da forma como o
homem conhece e raciocina logicamente. Piaget concluiu que não existem
estruturas mentais inatas, apenas alguns reflexos que servem como base
biológica, e que,portanto,o desenvolvimento cognitivo decorre de um processo de
interação estabelecido entre sujeito e meio. Desse modo, à medida que o sujeito
aprende na interação com os objetos físicos e sociais que o rodeiam, se
desenvolve mentalmente, dando origem a novas estruturas mentais que
inauguram novas possibilidades de aprender.
A respeito das relações entre inteligência e afetividade, Piaget (2007)
afirma que há “um paralelo constante entre a vida afetiva e a intelectual” (p. 22),
de modo que não existem comportamentos oriundos exclusivamente da
afetividade nem compostos apenas pela inteligência. Assim, para este autor, a
afetividade é o motor que fornece energia para o funcionamento cognitivo, posto
que põe em movimento o aspecto motivacional e direciona os interesses do
indivíduo para o conhecimento.
Outro autor que se destacou no estudo da relação afetividade-inteligência
foi o russo Lev Semenovich Vygotsky (1896-1934), que buscou conhecer a
origem das funções psicológicas também intrínsecas à inteligência, como
atenção, percepção, memória, linguagem, pensamento e consciência. Segundo
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Vygotsky, estas funções são desenvolvidas através da interação social do
indivíduo com o meio em um processo que ele chamou de internalização. Através
desse processo, o sujeito se apropria das práticas culturais socialmente
construídas, havendo, para tanto, a mediação de outros sujeitos mais experientes,
da linguagem e de outros signos.
Como, para Vygotsky, são as aprendizagens que impulsionam o
desenvolvimento, ele propõe dois níveis de desenvolvimento das funções
psicológicas: um Nível de Desenvolvimento Real (NDR) e um Nível de
Desenvolvimento Potencial (NDP) (VYGOTSKY; LURIA; LEONTIEV, 2016). O
primeiro consiste nos ciclos de desenvolvimento já completados, que se
expressam por meio de operações que o sujeito consegue realizar de forma
autônoma; já o segundo diz respeito a funções que estão em processo de
maturação, mais ainda não foram completadas, se expressando a partir de
operações que o indivíduo consegue realizar com a ajuda de outro sujeito mais
experiente ou de um contexto de apoio. A distância que separa um nível do outro
é chamado de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), o espaço essencial de
aprendizagem de novas competências e desenvolvimento de novas funções
psicológicas. É importante salientar que tanto apropriações de ordem cognitiva
quanto afetiva são capazes de mobilizar a aprendizagem e, portanto, impulsionar
a criação de ZDPs.
Por fim, outro estudioso que se destacou por estudar a afetividade no
âmbito do desenvolvimento psicológico, incluindo suas relações com os aspectos
cognitivos, foi Henri Wallon (1879-1962).Para ele, o desenvolvimento da pessoa
completa se dá a partir do que ele chamou de quatro campos funcionais:
movimento, afetividade, inteligência e a própria pessoa.
Segundo Wallon (1975), o desenvolvimento humano é um processo de
mudanças físicas, comportamentais, cognitivas e emocionais ao longo da vida,
que envolve uma sucessão de estágios caracterizados pela predominância de um
campo funcional que se alterna a cada vez, de modo que em alguns estágios o
campo funcional predominante é a afetividade e em outros é a inteligência. A
afetividade é o principal campo nos estágios impulsivo-emocional, personalismo e
adolescência, enquanto a inteligência é o campo funcional que predomina nos
estágios sensório-motor e projetivo e categorial.
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A teoria walloniana atribui à emoção um papel central na evolução da
consciência de si, concebendo-a como um fenômeno orgânico, mas também
psíquico e social. Para Wallon (1975), é por meio da emoção que o ser biológico
se converte em ser social. Isso porque o bebê é um ser basicamente emocional,
já que é através da emoção que pode comunicar seus estados e necessidades.
Esta é também uma característica predominante na criança pequena durante o
período em que ela necessita que as suas relações com o ambiente físico sejam
sistematicamente mediadas. Essa emoção mais orgânica é a primeira
manifestação do psiquismo, que vai realizar “a transição entre o estado orgânico
do ser e a sua etapa cognitiva, racional, que só pode ser atingida através da
mediação cultural, isto é, social” (WALLON apud GALVÃO, 1995).
É por este motivo que as relações entre adultos e crianças são marcadas
por um intenso vínculo afetivo/emocional, na medida em que esteé condição
imprescindível para o aprimoramento das competências cognitivas e racionais,
sendo a emoção que possibilita formas de comunicação rudimentares que
posteriormente culminarão no desenvolvimento da linguagem verbal.Desse modo,
conforme Wallon, a emoção organiza as bases da inteligência, sendo assim um
agente mediador da ação pedagógica.
Ainda segundo Wallon, a emoção é uma forma de expressão da
afetividade. Mas essa também se expressa através do sentimento e da paixão,
cujas manifestações surgem durante toda a vida do indivíduo. Apesar de
frequentemente os termos emoção e afetividade serem usados como sinônimos,
este possui uma concepção mais ampla, que envolve uma gama maior de
manifestações, englobando sentimentos e as próprias emoções.
De modo geral, para esse autor, a emoção se trata da primeira expressão
da afetividade, sendo impulsionada por fatores orgânicos e não controlada pela
razão. Já o sentimento possui caráter mais cognitivo, sendo uma representação
racional da sensação. Por fim, a paixão tem como atributo fundamental o
autocontrole em vista de uma finalidade. Nessa perspectiva, afetividade é
concebida como um conceito mais amplo, que engloba as emoções, os
sentimentos e as paixões, sendo estes diferentes entre si pelo modo como são
atravessados pela linguagem e, consequentemente, pela razão.
A partir dessa rápida revisão das concepções de inteligência e das
relações entre cognição e afetividade, é possível perceber que as discussões
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sobre esse conceito fizeram com que ele fosse sendo ampliado. Assim, se, em
um primeiro momento, Binet lançou uma definição baseada em determinadas
habilidades estritamente cognitivas, a partir das teorias interacionistas o
componente relacional precisou ser inserido, dando origem a uma articulação que
virá depois a culminar no termo inteligência emocional.
2.2 Visões contemporâneas a respeito da inteligência: as inteligências
múltiplas e a inteligência emocional
Um dos teóricos que se destacam na proposição de uma concepção de
inteligência não unitária é Howard Gardner (1943-atual), o qual apresenta um
conceito pluralista da mente que distingue diferentes aspectos da cognição e
reconhece que os indivíduos possuem especificidades cognitivas. Na concepção
de Gardner (1995), a inteligência pode ser entendida como a capacidade de
resolver problemas ou de elaborar produtos que sejam valorizados em um ou
mais ambientes culturais ou comunitários.
Gardner (1995) propõe a existência de uma inteligência fundamental:
aquela que na hora da resolução de problemas ou criação de projetos se
manifesta como a inteligência que se destaca e puxa as outras em uma
combinação de inteligências úteis para a aprendizagem, desenvolvimento e
alcance de determinado objetivo. Mas defende também que todas as pessoas têm
potencial para desenvolver múltiplas inteligências, o que dependerá de diversos
fatores.
Sua teoria é chamada de Teoria das Inteligências Múltiplas e se contrapõe
aos testes de Q.I., considerados prontos e estáticos, para medição de
capacidades mentais. Uma vez que há inúmeras exceções à regra que considera
o Q. I. fator de sucesso, Goleman (2011) considera que, na melhor das hipóteses,
sua contribuição se limita acerca de 20% para os fatores que determinam o
sucesso na vida, o que deixa os 80% restantes por conta de outras variáveis.
Em vez dos testes de Q. I., Gardner (1995) defende a observação como
instrumento mais eficaz para a percepção das inteligências predominantes em
cada sujeito. Sua proposta consiste, portanto, em uma teoria empírica, ou seja,
baseada em observações – o que inclui a leitura de sinais e indícios. E foi
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justamente a partir das observações que, junto com seu grupo de pesquisa,
chegou à proposição inicial de sete tipos de inteligência1 que, segundo ele,
representam a pluralidade do intelecto: inteligência linguística; inteligência lógico-
matemática; inteligência espacial; inteligência corporal-cinestésica; inteligência
musical; inteligência interpessoal; e inteligência intrapessoal.
A inteligência linguística é o tipo de inteligência ligada ao domínio da
linguagem, não restringindo-se apenas à comunicação oral, mas englobando
também outras formas de comunicação como a escrita e gestual. Envolve a
habilidade de interpretar os diferentes sons, entonações e significados das
palavras, bem como a capacidade do indivíduo se articular, expressar seu ponto
de vista e aprender novas línguas. Algumas profissões enfatizam a predominância
dessa inteligência, como, por exemplo, as de escritor, político e jornalista.
A inteligência lógico-matemática relaciona-se à capacidade associada ao
raciocínio lógico, à habilidade com cálculos e com problemas matemáticos. Este
foi o tipo de inteligência que tradicionalmente ficou conhecido como o principal
fator do conceito de inteligência, tornando-se um parâmetro para determinar a
capacidade cognitiva de um indivíduo na época em que a visão do Q. I. era
hegemônica. Isso porque tal teste é baseado sobretudo neste tipo de inteligência,
juntamente à inteligência linguística. Engenheiros, cientistas e economistas são
exemplos de profissões que requerem essa inteligência.
A inteligência espacial se expressa na capacidade de formar um modelo
mental do espaço concreto e operar mentalmente utilizando esse modelo, bem
como está relacionada com a habilidade de perceber e observar o mundo e os
objetos em diferentes perspectivas. Os indivíduos que se destacam neste tipo de
inteligência geralmente possuem um nível elevado de criatividade e destreza para
desenhar, identificar detalhes, bem como criar imagens mentais. Entre os
profissionais que se utilizam bastante este tipo de inteligência estão os designers,
publicitários, arquitetos, fotógrafos e pintores.
A inteligência musical manifesta-se através de uma grande capacidade de
tocar instrumentos, ler e compor músicas e peças musicais.Está relacionada a
algumas áreas do cérebro que atuam em funções relacionadas ao desempenho e
1 Gardner inicialmente propôs 7 tipos de inteligência, mas depois acrescentou a essas outras possibilidades que serão abordadas adiante.
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composição musical, podendo haver potencialização da habilidade através da
prática, tal como ocorre com qualquer outro tipo de inteligência.
A inteligência corporal-cinestésica está ligada às habilidades motoras do
corpo, quando são utilizadas para resolver problemas e elaborar produtos. É
utilizada para expressar sentimentos e emoções através de gestos e movimentos
do corpo. Os dançarinos, atletas, cirurgiões e atores se destacam neste tipo de
inteligência.
A inteligência intrapessoal consiste na capacidade do sujeito de identificar
e compreender suas próprias emoções, assim como lidar com elas de forma
adequada às várias situações sociais e aos seus objetivos pessoais.
Por fim,a inteligência interpessoal é a capacidade de compreender outras
pessoas, interpretando palavras, gestos, objetivos e sentimentos que ficam muitas
vezes subentendidos em cada sujeito, bem como o que motiva cada pessoa,
como elas trabalham e como trabalhar cooperativamente com elas.
Esses dois últimos tipos de inteligência assemelham-se, por um lado, por
referirem-se ao âmbito da pessoa, mas diferenciam-se, por outro, porque
enquanto a primeira tem uma orientação mais voltada ao interior, a segunda volta-
se ao exterior.
Na década de 1990, além dos sete tipos de inteligência defendidos por
Gardner (1995), foram propostos mais dois tipos de inteligência: a inteligência
pictográfica ou pictórica, que refere-seà habilidade de desenhar e transmitir
mensagens através dos desenhos; e a inteligência naturalista, que é a
capacidade de uma pessoa sentir-se como um componente natural e voltar-se
para questões ligadas à natureza.
Em nossa sociedade, as inteligências linguística e lógico-matemática
geralmente são supervalorizadas e consideradas mais importantes que as
demais. Porém, para Gardner (1995), os sete tipos são igualmente significativos,
uma vez que considerar apenas um ou dois tipos de inteligência significa dizer
que um aluno é excelente ou se destaca entre os demais apenas pelo fato que ele
obtém boas notas – inclusive nas disciplinas ou áreas correspondentes aos tipos
de inteligência bem conceituadas socialmente – ou que uma pessoa é
caracterizada como inteligente pelo fato de dominar a área de conhecimento dos
números, por exemplo. Porém, existem outros âmbitos da vida escolar e social
que demandam diversos tipos de aptidões que precisam ser aprimoradas ou até
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mesmo desenvolvidas para que o indivíduo seja bem sucedido. Por isso, Gardner
(1995) defende que, apesar de a cultura escolar privilegiar um Q. I. alto, isto não é
necessariamente sinônimo de sucesso pessoal, acadêmico e/ou profissional.
A partir da proposição de Gardner (1995) acerca da existência da
inteligência interpessoal e intrapessoal surgiu o conceito de inteligência
emocional, que se tornou amplamente conhecido na década de 1990, sendo tema
de livros voltados sobretudo ao âmbito educacional e empresarial. Uma das
principais publicações foi a de Daniel Goleman (2011), que difundiu mundialmente
um novo entendimento acerca da inteligência.
Ao colocar as emoções no centro das aptidões para viver, a intenção de
Goleman (2011) é compreender de que modo a inteligência se relaciona com a
emoção, considerando que a interação entre a cognição e os sentimentos
potencializam as capacidades do indivíduo, através do controle do impulso
emocional e da interpretação dos sentimentos do outro, por exemplo.
Contudo, para Goleman (2011), apesar da teoria de Gardner (1995) referir-
se bastante à inteligência pessoal (interpessoal e intrapessoal), o papel das
emoções é pouco explorado. Nessa perspectiva, mesmo havendo descrições das
inteligências que consideram as emoções, Gardner (1995) não teria investigado a
fundo o seu papel, de modo a centrar-se mais na cognição do que no sentimento
ou emoção. Esta é a principal diferença entre a Teoria da Inteligência Emocional –
que busca compreender a relação intrínseca entre as emoções e as inteligências
– e a Teoria das Inteligências Múltiplas.
O conceito de inteligência emocional é, portanto, relativamente recente, e
abrange o conjunto de habilidades necessárias ao ser humano para compreender,
gerenciar e expressar valores sociais e emocionais que permitem a execução
bem sucedida de tarefas da vida, desde relacionamentos até à solução de
problemas do dia-a-dia e adaptação a demandas complexas no âmbito pessoal,
social, familiar e profissional. Segundo Goleman (2011), esse tipo de inteligência
abrange diversas habilidades, como a adaptação do comportamento às
frustrações e situações adversas, o controle de impulsos, a automotivação e
motivação das pessoas em determinados círculos sociais, a capacidade de
responder adequadamente a estímulos, o engajamento nas relações sociais, a
adequação de escolhas e atitudes mediante conflitos, a identificação de talentos e
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limitações bem como a percepção de objetivos e interesses comuns no meio
social.
A partir da visão mais ampla acerca da inteligência emocional, Goleman
(2011) apresenta que alguns outros psicólogos, como os estadunidenses Peter
Salovey e John Mayer, também fazem propostas voltadas para as habilidades
que a envolvem e que repercutem na esfera educacional. Tais autores dividem a
inteligência emocional em cinco áreas de habilidade e seus respectivos campos
de desempenho: autoconsciência emocional; controle de emoções; canalização
produtiva das emoções; empatia; e capacidade de lidar com relacionamentos.
O autoconhecimento emocional consiste em reconhecer um sentimento
enquanto ele ocorre, compreendendo suas causas e melhorando o
reconhecimento e designação das próprias emoções. O controle emocional diz
respeito à habilidade de lidar com os próprios sentimentos, os adequando para as
diversas situações. A automotivação está relacionada ao gerenciamento das
próprias emoções em função de um objetivo e envolve canalizá-las
produtivamente para o aprimoramento da comunicabilidade e da capacidade de
concentração. A empatia inclui a capacidade de reconhecer emoções em outras
pessoas, identificando e compreendendo os sentimentos, motivações e
comportamento dos outros indivíduos. Por fim, a capacidade de lidar com
relacionamentos consiste na capacidade de analisar e compreender
relacionamentos, solucionar conflitos e negociar desacordos, além de ser
assertivo e hábil na comunicação.
As três primeiras áreas de habilidades estão dentro do âmbito da
inteligência intrapessoal (voltada para o próprio indivíduo e para a capacidade de
identificar suas próprias emoções e sentimentos, de modo a orientar-se de
maneira favorável nas diversas situações) e as duas últimas estão relacionadas à
inteligência interpessoal (voltada para os outros indivíduos, envolvendo o talento
de compreendê-los e se relacionar com eles).
Apesar de a inteligência intrapessoal possuir, de modo geral, as mesmas
características da inteligência interpessoal, diferencia-se por ser voltada para o
próprio sujeito. Refere-se ao acesso aos sentimentos da própria vida, ao âmbito
das emoções e sobretudo à capacidade de utilizá-las de modo a orientar seu
próprio comportamento e seus relacionamentos. Sendo assim, é a capacidade de
construir um modelo si mesmo e usá-lo de forma efetiva e construtiva
20
A respeito da inteligência interpessoal, Goleman (2011) afirmou que essa
possui quatro componentes: a ligação pessoal ou empatia, a organização de
grupos, a negociação de soluções e a sensibilidade social. A ligação social ou
empatia pode ser compreendida como sintonia pessoal, e trata-se da capacidade
de identificar e compreender os sentimentos das pessoas e, desse modo, reagir
de forma adequada para canalizá-los a interesses comuns. Por sua vez, a
organização de grupos envolve inciativa e coordenação de esforços de um grupo,
bem como a habilidade de obter deste grupo a cooperação espontânea. Já a
negociação de soluções envolve o papel de mediador, quando o indivíduo
demonstra habilidade de prevenir e resolver conflitos. Por fim, no que diz respeito
à sensibilidade social, esta é concebida como a capacidade de detectar e
identificar os sentimentos e motivações das pessoas.
Diante do exposto, compreendemos que a inteligência emocional relaciona
a inteligência interpessoal e intrapessoal, estando ligada às capacidades de
percepção, de compreensão das emoções, bem como de sua expressão e
avaliação, de modo a promover o crescimento emocional e intelectual e o
aprimoramento das relações sociais. Nesse sentido, pode ser compreendida
como um conjunto de habilidades fundamentais ao indivíduo para entender,
gerenciar e expressar valores que possibilitam o desempenho bem sucedido na
dinâmica do dia a dia.
Nessa perspectiva, a emoção não é uma ferramenta menos importante que
o pensamento, e por este motivo demanda ser trabalhada também na escola. O
trabalho com as emoções tem como objetivo desenvolver competência social e
emocional dos indivíduos e, no caso das crianças, intervir principalmente em suas
capacidades de aprender e em seu comportamento social e individual dentro e
fora da escola.
Goleman (2011) afirma que o desenvolvimento e aperfeiçoamento destes
campos da inteligência emocional resultam na melhoria do desempenho escolar
de crianças e adolescentes, sobretudo no cenário atual, em que os jovens
apresentam inúmeras dificuldades relacionadas a ouvir ou se concentrar,
controlar impulsos e se dedicar à aprendizagem.
Sendo assim, são fundamentais estratégias pedagógicas que trabalhem
essas aptidões. Goleman (2011) propôs que essa “educação emocional” acontece
em casa, na escola ou em outros contextos desde a infância, e estabelecem os
21
circuitos emocionais do sujeito, tornando-o mais ou menos aptos no âmbito da
inteligência emocional. Nesse sentido, torna-se necessário que esse trabalho com
as emoções possa acontecer no ambiente escolar de forma planejada e
sistemática. Algumas propostas sobre como fazê-lo serão discutidas no capítulo
seguinte.
22
3. A ESCOLA COMO AMBIENTE DE DESENVOLVIMENTO DA
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL
Conforme apresentado no capítulo anterior, a inteligência emocional diz
respeito a “habilidades emocionais, tanto nos diálogos internos dos indivíduos
como em seus relacionamentos” (SALOVEY; MAYER apud GONZAGA;
MONTEIRO, 2011, p. 228), não sendo mensurável pelos testes de Q. I. Desse
modo, se expressa na capacidade de lidar adequadamente com diversas
situações da vida, como frustrações, medos e angústias. Por essa razão, faz-se
relevante discutir a pertinência do trabalho pedagógico com vistas ao
desenvolvimento desse tipo de inteligência no contexto escolar, o que foi
chamado por Goleman (2011) de alfabetização emocional ou educação
emocional.
Segundo esse autor, a alfabetização emocional não só potencializa o
processo de ensino e aprendizagem como também amplia nossa visão a respeito
do papel da escola, concebendo-a como um agente da sociedade responsável
pelos ensinamentos essenciais para a vida. Nessa perspectiva, visa promover o
aprendizado sobre como expressar os próprios sentimentos e refletir sobre a
maneira com que estes influenciam outras pessoas, possibilitando novas atitudes
e posicionamentos no relacionamento com os outros e consigo mesmo.
Assim, a educação emocional não consiste apenas em adicionar um
conteúdo ou atividade relativa à inteligência emocional no currículo formal, mas
requer, sobretudo, que a escola e os professores aproveitem as diversas
oportunidades que surgem em sala de aula para ajudar os alunos a
transformarem momentos de crise e acontecimentos cotidianos em competência2
emocional. Porém, para que essa direção de trabalho possa ser seguida, é
necessário haver articulação entre as atividades desenvolvidas na escola (de
leitura, escrita, ciências, matemática etc.) e o contexto dos estudantes fora do
ambiente escolar, a fim de tornar o aprendizado mais significativo.
Goleman (2011) defende que, de modo geral, as escolas representam o
único espaço em que questões referentes à competência emocional e social das
2Ao mencionar “competências emocionais” Goleman (2011) refere-se a habilidades e aptidões emocionais de cada indivíduo.
23
crianças podem ser abordadas, uma vez que o convívio familiar tem sido cada
vez mais escasso. Este fato não significa que as escolas vão suprir o papel de
outras instituições sociais, mas sim que, por ser um espaço frequentado pelas
crianças desde muito cedo, podem abranger o âmbito emocional do mesmo modo
que contempla a esfera cognitiva, política e social.
Para que o professor seja capaz de atuar na alfabetização emocional dos
estudantes, Goleman (2011) defende ser necessária a formação do professor
para lidar com as questões afetivas e emocionais dos alunos. Tal proposta implica
necessariamente em um estreitamento de relações entre alunos, escola, pais e
comunidade para que haja convergência no trabalho pedagógico voltado para a
aprendizagem de habilidades e conteúdos emocionais.
Segundo Goleman (2011), esse trabalho pode ocorrer de duas formas:
acrescentando lições de inteligência emocional nas disciplinas já existentes no
currículo escolar, de modo a despertar aptidões fundamentais de estudo, como a
motivação para aprender, o controle de impulsos e a concentração voluntária para
acompanhar o ensino; ou criando uma nova disciplina específica voltada às
competências emocionais, contando que essa se encaixe naturalmente na rotina
e cotidiano escolar. Ambas as formas representam uma grande mudança no
currículo bem como na forma de trabalhar dos professores e coordenadores
pedagógicos, demandando que os docentes estejam dispostos e aptos a
trabalharem pedagogicamente com os aspectos emocionais dos discentes.
Dentre os obstáculos que possivelmente seriam enfrentados estão a
resistência dos próprios pais dos alunos, pois muitos entendem este campo como
pessoal; dos professores,pois precisariam dedicar tempo e modificar a dinâmica
das suas aulas para abordar habilidades não necessariamente relacionadas à
formação acadêmica; e até mesmo da gestão em investir tempo e recursos em
formações com vistas a capacitar os professores para trabalharem nesse
perspectiva. Ainda assim, é fundamental que a escola enfrente esses obstáculos
e se envolva com a educação emocional dos estudantes, pois através dela podem
ser desenvolvidas qualidades como confiança, curiosidade, intencionalidade e
capacidade de comunicar-se, todas essenciais para a aprendizagem, tanto em
seu sentido amplo como em seu sentido estrito.
Especialmente na última década, diversas pesquisas têm se voltado para o
estudo de como a educação emocional pode ser potencializada no cotidiano
24
escolar. Uma dessas investigações foi empreendida por Rêgo e Rocha (2009)
que, no ano de 2007, realizaram uma pesquisa-ação, com duração de três meses
na cidade de Salvador/BA. Os participantes eram 1 coordenador pedagógico e 14
professoras do ensino fundamental, com idades de 25 a 61 anos. Todos
possuíam graduação em pedagogia e, um desses, especialização em
psicopedagogia.
Os instrumentos utilizados foram observações dos participantes,
entrevistas coletivas e individuais, questionários de entrada e saída, além de
quinze oficinas vivenciais que consistiam em espaços de fala onde cada
participante poderia compartilhar algo que o estivesse incomodando, aberto às
intervenções dos demais, para a partir daí analisar os prós e contras de suas
questões pessoais.
Os questionários de entrada e saída visavam avaliar a progressão da
educação emocional dos docentes.Eram compostos por sete questões e divididos
em duas esferas: a primeira continha perguntas sobre como os participantes se
relacionam com as próprias emoções e de que forma se posicionam no mundo; a
segunda indagava a respeito do que os participantes priorizavam na educação.
A partir dos dados gerados, as autoras concluíram que as competências
abarcadas pela inteligência emocional – como o autoconhecimento,
automotivação, habilidades de interação e consciência social –podem contribuir
para a qualidade do processo de ensino e aprendizagem. Nesse sentido,
afirmaram que
a inserção do estudo da inteligênciaemocional nas escolas [...] exige três grandes mudanças: que oeducador vá além de sua missão tradicional de ensinar a ler e a escrever; que as escolas incluam em seu currículo o ensino das emoções; e que as famílias e pessoasda comunidade se envolvam mais com as escolas(REGO; ROCHA, 2009, p. 145).
Nesse contexto, é fundamental considerar que existem vários fatores que
dificultam o trabalho do professor com a educação emocional. Uma pesquisa
realizada por Raasch (1991) destaca, dentre esses fatores, a falta de preparo
adequado durante a formação inicial; a metodologia conteudista que ainda
25
prevalece em muitas escolas; e a ausência de incentivo profissional que
influenciana motivação do professor.
Essa autora corrobora o argumento, bastante defendido atualmente, de
que a motivação repercute na qualidade da aprendizagem. Dentre os fatores
relacionados ao aspecto motivacional no âmbito educacional estão elementos
como a organização da escola e da sala de aula; os vínculos afetivos
estabelecidos entre professores e colegas de classe, bem como com outros
personagens da dinâmica escolar; a relação entre o conteúdo estudado com a
realidade do estudante; entre outros. Nesse contexto, cabe aos educadores
identificarem a ausência de motivação do aluno, bem como suas razões,
buscando estratégias que o ajudem a superar essa condição.
Tal atitude está diretamente relacionada à concepção do professor como
um agente da educação emocional, uma vez que, para motivar o estudante, é
essencial enxergá-lo como indivíduo, conhecer suas habilidades, interesses e
sentimentos. Assim, a motivação envolve, além da esfera cognitiva, o campo
afetivo, estando intrinsecamente relacionada àcompetência social e emocional
dos alunos. É por essa razão que, segundo Poletti (2002), um dos desafios do
professor é gerar e manter a curiosidade do aluno e sua motivação para aprender.
Por este motivo, como temos exposto, para Goleman (2011), ser
emocionalmente alfabetizado é tão importante na aprendizagem quanto a
matemática e a leitura. Pois a alfabetização emocional no contexto escolar é
fundamental para promover a motivação para a aprendizagem e,
consequentemente, fomentar o processo de aprender. Desse modo, no âmbito
escolar, a alfabetização emocional consiste em uma nova perspectiva para
associar aos currículos formais as questões emocionais e da vida social do
estudante, o que conduz a uma nova forma de atuação por parte dos
professores bem como a mudanças de enfoque nos cursos de formação inicial
e continuada, conforme será discutido a seguir.
3.1 O trabalho pedagógico com a educação emocional
Segundo Candeias e Almeida (2007), há muitas situações em sala de aula
que demandam empatia, otimismo, solidariedade, afetividade, entre outros fatores
para que a dinâmica pedagógica ocorra de forma eficaz. Nesse sentido, os
26
professores, como atores primordiais do processo educacional, têm o papel de
interagir com os alunos e favorecer um ambiente e relações propícias à
aprendizagem. Porém, é necessário ter em mente que, na prática, tais
profissionais podem apresentar diferentes níveis de disponibilidade para exercer
esse papel. É por essa razão que vários autores defendem que a função docente
requer competências cognitivas aliadas às competências emocionais.
Para comprovar tal assertiva, Goleman (2011) cita uma pesquisa realizada
em dois momentos que objetivou, em uma primeira etapa, conhecer a percepção
que os professores têm acerca da sua própria competência emocional; e, em uma
segunda etapa, conhecer como os professores gerenciam seu campo de
trabalhoe, portanto, a sua própria competência emocional. O ponto de partida
dessa pesquisa foram as seguintes questões:
Será que os professores apresentam, segundo a sua percepção, capacidade de superarem e utilizarem racionalmente a energia das emoções negativas? E em que contexto as vivem, e como é que[...] identificam atualmente o seu campo de trabalho, (através das atribuições de significado que a amostra intencional evidencia), [...] como sustentam e constroem as suas estratégias pessoais de adaptação e motivação, num conjunto de percepções contextuais intra e inter relacionais (GOLEMAN, 2011).
Os resultados dessa pesquisa evidenciaram que a avaliação da
competência emocional dos professores participantes, do ponto de vista do
como-fazer na atuação docente, não pode ser reconhecida e analisada sem a
consideração pelas especificidades do contexto. Assim, concluiu-se que as
mesmas capacidades estavam nos mesmos sujeitos, mas a sua interação em
espaços diferentes diferencia também e de forma incontornável o tipo de
intervenção realizada.
É nesse sentido que faz-se imprescindível refletir também sobre o papel
da escola e como sua configuração contribui ou não para o trabalho
pedagógico dos professores com a educação emocional. No que diz respeito a
esse aspecto, Segundo esse autor, para transformar o que ele chama de
“escola do futuro” em realidade é necessário, primeiramente, resistir às
enormes pressões atuais para a uniformidade e para as avaliações
27
unidimensionais que tendem a comparar os indivíduos, alunos, professores, e
até mesmo países através de um único critério.
Desse modo, Gardner (1995) propõe um novo conjunto de papéis para os
educadores que consiste basicamente em: considerar as múltiplas inteligências
dos alunos, de modo a perceber capacidades espaciais, pessoais, corporais e
assim por diante; promover adequações entre o currículo escolar e perfis,
objetivos, interesses e estilos de aprendizagem dos alunos; e oportunizar a
aprendizagem para além dos muros da escola, encontrando situações na
comunidade e no próprio cotidiano escolar que se relacionem aos objetivos
pedagógicos. Portanto, para Gardner (1995), a “escola ideal” deve estar centrada
no indivíduo, voltada para um entendimento e desenvolvimento do perfil de cada
aluno. “Esta visão contrasta diretamente com a da escola uniforme” (p. 16), o qual
é majoritário em nossa sociedade.
Atualmente, são muito comuns os debates os quais defendem essa
uniformização das escolas, partindo do argumento de que existe um “conjunto
básico de competências e conhecimentos” cujo domínio é fundamental para todos
os indivíduos. No entanto, o que fica implícito nesse argumento é que aqueles
indivíduos que se mostram melhores nesse conjunto básico de competências e
conhecimentos são mais capazes do que os demais. Nessa forma de conceber,
as escolas supostamente deveriam ser organizadas para garantir que os mais
talentosos ou mais inteligentes ocupem um lugar de destaque na sociedade,
enquanto os outros indivíduos atinjam o patamar de apreensão do conhecimento
básico. Ou seja, a uniformização dos currículos escolares da forma como é feita
atualmente reforça a meritocracia.
Porém, como vimos discutindo ao longo do trabalho, não são apenas os
fatores cognitivos que fazem parte do processo de ensino e aprendizagem, mas
os fatores emocionais também são fundamentais à aquisição de conhecimentos e
no desenvolvimento dos indivíduos. Por essa razão, para Gardner (1995), é
fundamental que a escola ideal compreenda que nem todas as pessoas têm os
mesmos interesses e habilidades e, por isso, nem todos aprendem da mesma
maneira. Para ele, há também uma suposição imprescindível: a de que
atualmente ninguém pode aprender tudo o que há para ser aprendido.
De acordo com sua concepção,
28
Uma escola centrada no indivíduo seria rica na avaliação das capacidades e tendências individuais. Ela procuraria adequar os indivíduos não apenas a áreas curriculares, mas também a maneiras particulares de ensinar esses assuntos. E depois dos primeiros anos, a escola também procuraria adequar os indivíduos aos vários tipos de vida e de opções de trabalho existentes em sua cultura. (GARDNER, 1995, p. 16).
Dessa forma, uma das maiores contribuições desse autor é a concepção
do ensino e aprendizagem personalizados, uma vez que todos os alunos são
diferentes, aprendem de forma diferente e por isso precisam ser considerados nas
suas diferenças. Estaperspectiva está associada à importância de que a
inteligência emocional seja trabalhada pedagogicamente nas escolas, pois esta
exige o olhar para todos e para cada um ao mesmo tempo, de modo a não
esperar que todos aprendam simultaneamente e tenham o mesmo
comportamento diante das diversas situações. Além disso, propõe atividades
planejadas pelo professor baseadas nas necessidades e interesses dos alunos, o
que demanda do professor um olhar mais atento e sensível para com os
estudantes.
Há determinadas estratégias pedagógicas que contribuem para que o
professor tenha um olhar menos classificatório e em relação aos alunos e trabalhe
questões para além dos objetivos acadêmicos. Dentre estas, podemos citar:
momentos que proporcionem troca de experiências e aprendizados entre alunos
de diferentes turmas e faixas etárias; o planejamento de planos de estudo
diferenciados que farão determinado tema motivar a aprendizagem dos alunos;
colocar os alunos diante de situações desafiadoras, estimulando debates e
discussão de diferentes opiniões, com incentivo ao respeito pela diversidade etc.
Pesquisas indicam que tais estratégias contribuem com a educação emocional,
defendida por Goleman (2011).
Para esse autor, a educação emocional como parte da formação da criança
é uma forma de os pais e as escolas se precaverem de uma tendência mundial de
maior incidência de transtornos emocionais na atual geração de crianças. Tal
tendência se expressa através do aumento do número de crianças ansiosas,
solitárias, deprimidas, impulsivas e agressivas. Nesse sentido, a escola assume
um papel importante no que diz respeito à formação integral do aluno, propiciando
29
também o desenvolvimento de capacidades como autoconsciência, autocontrole,
empatia, e atitudes como ouvir, resolver conflitos e cooperar, de modo a prepará-
lo para a vida e para sociedade, não apenas atendendo às demandas
acadêmicas.
Em algumas escolas ao redor do mundo, o aprimoramento e ensino das
aptidões emocionais e sociais já é uma realidade. A seguir, serão descritos alguns
exemplos que ilustram possibilidades deste tipo de educação nas escolas
contemporâneas, através principalmente da proposição de projetos e programas.
O primeiro deles é o Projeto Spectrum,proposto em 1984, por Mara
Krechevsky e David Feldman, da Universidade Tufts, juntamente a Howard
Gardner (1995). O projeto é sustentado pela visão e orientação de Gardner e
começou a ser desenvolvido na escola Eliot-Pearson, no campus da Universidade
Tufts, em Massachusetts/EUA,como uma abordagem alternativa para a avaliação
de crianças na pré-escola.
Sua meta inicial era identificar o maior número de aptidões que as crianças
poderiam desenvolver. Ao considerar o trabalho e desenvolvimento dos diversos
tipos de inteligência, centra-se especialmente em novas formas de avaliar e
desenvolver a estrutura curricular básica para a Educação Infantil e anos iniciais
do Ensino Fundamental,enfatizando a observação, identificando as áreas de
competência das crianças e usando-as como base para um programa
educacional individualizado. As crianças pequenas (especialmente de 4 a 6 anos)
são observadas por um certo período de tempo, interagindo com um conjunto
cuidadosamente preparado de materiais para resolução de problemas que
incorporam cada uma das Inteligências Múltiplas. Um avaliador treinado preenche
um conjunto de escalas de avaliação, descrevendo vários aspectos e avaliando
qualitativamente o desempenho da criança (interesse, habilidades, resultados, e
assim por diante).
Ao final de determinado período de tempo, é produzido um relatório a
respeito do comportamento do aluno. A partir de tais relatórios, algumas
atividades, geralmente de 15 a 20,são determinadas para serem desenvolvidas
de acordo com as inteligências identificadas em cada criança e integradas ao
currículo padronizado, enquanto outras são especificamente aplicadas no projeto.
Também é oportunizado aos pais uma orientação clara em relação às áreas que
30
são e serão de interesse espontâneo da criança, bem como em que âmbito terão
mais habilidades para se desenvolver.
Nesse sentido, esse projeto parte do pressuposto de que o repertório de
aptidões humanas vai muito além do restrito campo de aptidões com palavras e
números, que, como vimos, é priorizado e supervalorizado pelas escolas
tradicionais; bem como defende que a maior contribuição que uma criança pode
receber na escola em seu desenvolvimento é a orientação para que tenha
condições de optar por uma profissão em que possa utilizar potencialmente as
suas habilidades e talentos. O Projeto Spectrum visa a otimização das aptidões
para a vida.
Outra iniciativa na direção de incluir a inteligência emocional no trabalho
pedagógico das escolas foi o Currículo da Ciência do Eu. Na época de publicação
da primeira versão do livro de Goleman, em 1995, este currículo já era utilizado
há mais de 20 anos, tendo sido proposto por Karen Stone McCown, idealizadora e
diretora de uma da Nueva Learning Center, uma escola particular localizada na
Califórnia/EUA, que juntamente com outros dois autores publicou, em 1978, um
livro intitulado “Self Science: the emotional intelligence curricullum”.
O Currículo Ciência do Eu é um projeto que trabalha disciplinas intituladas
como aprendizagem social e emocional ou desenvolvimento social, que estão
associadas às inteligências pessoais. O grande objetivo deste currículo é elevar o
nível da competência social e emocional das crianças como parte da educação
formal. Os temas abordados incluem a autoconsciência dos sentimentos,
construção de vocabulário e as ligações entre pensamentos, sentimentos e
reações, bem como, compreender os outros, aprender atitudes de cooperação,
resolução de conflitos e respeito ao próprio eu e ao outro.
Sendo assim, a temática da Ciência do Eu são os sentimentos, de modo
que exige que, em determinado momento, a dinâmica de sala de aula se
concentre no âmbito emocional da vida da criança.Nesse contexto, os professores
partem de problemas reais, como, por exemplo, a mágoa por ser deixado de fora
de um grupo ou brincadeira ou desacordos que podem se transformar em uma
batalha durante o recreio, e os problematizam com a turma.
O Currículo da Ciência do Eu propõe às crianças que sempre há
alternativas para reagir a uma emoção e que quanto mais estratégias
desenvolvermos, melhor viveremos. Ao abordar a autoconsciência, por exemplo,
31
este Currículo objetiva possibilitar aos alunos o reconhecimento de seus próprios
sentimentos e a construção de repertório de formar de lidar com eles, de modo a
poderem avaliar as ligações entre o que sentem e como reagem, bem como
analisar as formas de agir e reagir diferente das usuais (GOLEMAN, 2011). É
importante salientar que as intuições geradas a partir de tais reflexões podem ser
utilizadas para discutir questões que geralmente aparecem como problemáticas
nas escolas, como drogas, sexo e violência.
Outra ênfase do Currículo da Ciência do Eu é no controle das emoções.
Acredita-se que compreender o que está por trás de um sentimento (por exemplo,
a mágoa que dispara a raiva) e aprender como lidar com ansiedade, ira e tristeza
são essenciais na formação de indivíduos emocionalmente competentes.
Tais componentes podem ser incorporados na sala de aula ou usados em
um curso autônomo, com o objetivo de serem ensinados como parte da educação
regular, para toda a comunidade escolar e não apenas para crianças que
enfrentam problemas familiares, de indisciplina ou interação social.
Outro exemplo de programa que propõe o trabalho pedagógico com a
inteligência emocional no âmbito escolar é o Programa de Competência Social,
que envolve um conjunto de cursos que atende praticamente o mesmo âmbito do
Currículo da Ciência do Eu. Foi desenvolvido de forma pioneira na Escola
Augusta Lewis Troup, em New Haven/Inglaterra, cuja realidade é bastante
distante da escola californiana dirigida por Karen Stone McCown, tanto no âmbito
social e econômico como geográfico.
Aquela escola inglesa fica situada em um bairro periférico, de classe
operária, conhecido pela pobreza, violência e alto índice de uso de drogas. Foram
essas as razões que conduziram um grupo de profissionais da educação e da
psicologia a idealizar o Programa de Competência Social, que não se resume
apenas a exercícios acadêmicos, mas abrange discussões reais e ligadas à sua
realidade imediata, como, por exemplo, estratégias para evitar que os alunos
contraíam Aids – situação bastante comum ao contexto dos alunos. A principal
diferença desse programa em relação ao Currículo da Ciência do Eu é que nele a
ligação com os tópicos abordados é mais direta e literal.
O último exemplo de programa citado nesse trabalho é a Escola da
Inteligência, o qual funciona em escolas brasileiras, tanto públicas como privadas.
Foi idealizado por Augusto Cury (1958 – atual), médico psiquiatra, pesquisador e
32
escritor brasileiro. Esse programa objetiva o desenvolvimento da inteligência
emocional, da saúde psicossocial e da construção de relações saudáveis, tendo
como meta, através da educação das emoções, promover o aprimoramento das
relações interpessoais, a redução da indisciplina, a melhoria dos índices de
aprendizagem e o aumento da participação da família na formação integral dos
alunos. Atualmente, o programa está implantado em uma média de 500 escolas
públicas e privadas, e atende mais de 200 mil alunos em escolas de todo o Brasil,
desde a Educação Infantil até o Ensino Médio.
A Escola da Inteligência também está referenciada na teoria das
Inteligências Múltiplas de Gardner (1995), além de outras, como as teorias
psicogenéticas piagetiana e vygotskyana. Sua metodologia consiste na utilização
de 1 hora/aula semanal, dentro da matriz curricular, podendo ser apresentada
como uma disciplina nova ou dentro de uma disciplina já existente. É
disponibilizado um conjunto de produtos e serviços, contendo inclusive um kit de
material gráfico para uso dos alunos, pais e professores, para que, por meio da
interação entre estes, a aprendizagem seja potencializada.
Este material é composto por livros, diagramas e materiais em áudio e
vídeo que são utilizados como recurso dinamizador e estimulador da participação
dos alunos. Para os pais, é disponibilizado um livro com conteúdo voltado à
análise da atual realidade dos jovens, oferecendo ferramentas que os auxiliem no
preparo para o enfrentamento das adversidades da vida contemporânea. Já o
material para os professores dispõe de informações específicas sobre os
objetivos de cada atividade a ser desenvolvida bem como orientações para aulas
e explicações práticas a respeito das atividades contidas no material dos alunos.
Entre os fatores trabalhados no programa, estão as habilidades para
construir relações saudáveis e administrar conflitos e para desenvolver uma
postura empreendedora e criativa. Além disso,são feitas discussões para o
combate e prevenção do bullying e uso de drogas bem como para o aumento da
qualidade de vida dos alunos, pais e professores. Ao final de cada ano, os alunos
participantes recebem um certificado nacional e internacional que pode ser
utilizado ao longo do seu desenvolvimento acadêmico e profissional.
33
3.2 Algumas reflexões sobre as experiências existentes: desafios para a
incorporação do trabalho pedagógico com a inteligência emocional
Ainda são poucos os estudos científicos realizados no Brasil que abrangem
a temática da inteligência emocional. Ao longo desse trabalho, localizamos
apenas 37 publicações realizadas no Brasil, sendo 12 artigos teóricos e 25 artigos
empíricos, dos quais nem todos focam o âmbito educacional. Tais estudos foram
desenvolvidos nos últimos 25 anos. Igualmente pequena é a quantidade de
projetos e programas existentes com vistas à inclusão da educação emocional
como tarefa da escolarização básica. Os citados acima são alguns dos mais
conhecidos, mas é importante salientar que o fato de serem referenciados nesse
trabalho não significa que são considerados modelos a serem seguidos.
Pelo contrário, existem diversas limitações a serem superadas com vistas a
uma inclusão pedagogicamente adequada da inteligência emocional como
habilidade a ser trabalhada no currículo das escolas brasileiras. Primeiramente, é
importante levar em conta a realidade das nossas instituições educacionais bem
como a realidade da formação inicial e continuada de professores no nosso país.
Podemos arriscar dizer que, de maneira geral, nem as nossas escolas nem
grande parte de nossos professores estão preparados para uma mudança de
concepção acerca do papel da escola dessa magnitude. Porém, da mesma
maneira, arriscamos dizer que quase todas as escolas e professores reconhecem
que alguma mudança é necessária para frear e/ou reverter o quadro atual de
desinteresse crescente de nossas crianças e jovens pela escolarização.
Nesse sentido, considerando que já existem suficientes estudos para a
validação do conceito de inteligência emocional, observamos a necessidade do
desenvolvimento de mais projetos educacionais que levem em consideração essa
habilidade, sobretudo daqueles que tenham como objetivo propor metodologias
para trabalhar pedagogicamente esse tipo de inteligência. Assim, concordamos
com Benavides-Pereira (2002) quando afirma que cabe aos educadores
brasileiros tomarem uma posição a favor da inteligência emocional e
consequentemente da educação emocional, pois só assim as escolas poderão
cumprir seu real papel de preparar os alunos para a vida em sociedade.
34
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir das discussões realizadas neste trabalho, podemos considerar que
inteligência e emoção são dimensões do ser humano que encontram-se
entrelaçadas, assim como é proposto acerca da articulação dos conceitos mais
amplos cognição e afetividade.Esse é o pressuposto básico que originou a
perspectiva defendida no conceito de inteligência emocional.
Como discutimos, Gardner (1995) propôs sete tipos de inteligência, que
são mais ou menos desenvolvidas de acordo com as interações com o ambiente
e aspectos culturais.Dentre estas, destacamos nesse trabalho as inteligências
interpessoal e intrapessoal, que, em aspectos gerais, estão associadas à
inteligência emocional. Essa articulação foi aprofundada por Goleman (2011) que
avançou em relação a Gardner (1995) por ter proposições mais diretas acerca de
como essa habilidade deve ser trabalhada nas escolas, através do que ele
nomeou como alfabetização emocional ou educação emocional.
A proposta de que a inteligência emocional subsidie ações no campo
educacional fundamenta-se em basicamente duas premissas.A primeira é a de
que a aprendizagem de conteúdos formais envolve aspectos emocionais, na
medida em que a motivação é considerada um elemento essencial do processo
de aprender.E a segunda é de que o trabalho pedagógico com a inteligência
emocional pode auxiliar na mediação de conflitos que influenciam o processo de
aprendizagem, como,por exemplo, as relações familiares, relacionamentos,
contexto social, e o bullying. Nesse último sentido, a educação emocional pode
contribuir com a melhora de problemas sociais como a violência, indisciplina, bem
como o aumento crescente da solidão, tristeza, depressão e suicídio em pessoas
com cada vez menos idade.
Aprofundar os estudos e iniciativas acerca do trabalho pedagógico com a
inteligência emocional faz-se necessário para compreender aspectos essenciais
dos seres humanos que repercutem para que o ensino e a aprendizagem ocorram
significativamente, auxiliando na formação de sujeitos com aptidões que
possibilitem o êxito nos papéis que lhes são e serão atribuídos na sociedade, com
seus limites e possibilidades. Dessa maneira, consideramos esse um desafio que
está posto para as escolas de forma geral, para os professores e também para as
35
instituições formadoras desses profissionais, uma vez que esse é um tema ainda
pouco debatido nos cursos de licenciatura.
36
REFERÊNCIAS
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BEE, Hellen. A criança em desenvolvimento. 11. ed. Porto Alegre: Artmed,
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