A gestão de conflitos na escola

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Dissertao para obteno do grau de Mestre em Administrao e Gesto Educacional

A gesto de conflitos na escolaa mediao como alternativa

Florinda Maria Coelho Pacheco Orientadores: Prof. Dra. Ldia da Conceio Grave-Resendes Prof. Dr. Hermano CarmoLisboa 2006

NDICE

o Agradecimentos .... 5 o Resumo ..6 o Abstract .8 o Resum . 10

Captulo I Proposta de trabalho 1 Justificao ...12 2 Objectivos .... 13 3 Estrutura .......16

Captulo II Metodologia 1 Identificao da metodologia ..... 17 2 Estrutura e situao das entrevistas .... 23 3 Anlise dos dados ........... 28

Captulo III A gesto de conflitos na escola 1 Delimitao do problema ....... 32 2 O adolescente e a escola ........ 34 3 Contextualizao conceptual .. 51 3.1 Conflito 51 Indisciplina .. 61 Violncia ...... 67 Bullying ........... 72 3.2 Cultura / Clima .... 78 Cultura Organizacional .. 79 Clima de Escola ........... 89 3.3 Liderana . 99 Liderana Educacional....... 1082

Captulo IV Quadro normativo para a gesto de conflitos na escola .. 115 1 Sinopse histrica (posterior ao 25 de Abril de 74) ....115 2 Que autonomia na escolha dos processos? ... 126

Captulo V Uma estratgia alternativa a mediao ...................... 135 1 Presena no contexto educativo portugus ....... 142 2 A escola e as mudanas necessrias ......... 144 3 Que modelo de ensino adoptar? ....... 158 4 A mediao entre pares ........ 172 4.1 Como funciona .......... 176 4.2 Papel do professor ......... 183 4.3 Efeitos ... 187

Captulo VI Projecto Mediao entre pares na escola, da Universidade Aberta Um estudo de caso 1 A escola .... 197 1.1 O contexto scio-geogrfico .. 207 1.2 O ambiente interno ........ 209 1.3 Uma dinmica alternativa .. 246 2 Implementao do projecto ....... 250

Concluses e reflexes finais ..... 256

Bibliografia . 269

Anexos ..... 291 1. Actividades extralectivas ...... I 1.1. Exemplo de uma actividade de rdio escolar .... VI 1.2. Parcerias ........ XIII 2. Preparao de uma interveno ... XIV 3. Checklist de uma Escola Amigvel OMS .... XVI

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4. Documentos para o Projecto de Mediao Entre Pares 4.1. Justificao da investigao . XXVII 4.2. Proposta de implementao . XXXII 4.3. Proposta de instalao do Gabinete . XXXVI 4.4. Relatrios ..... XXXIX

5. Questionrios .. XLV 6. Entrevistas 6.1. Guio .... L 6.2. Protocolos I . LII II LXXIII III .. LXXXV IV .. XCVII V CXVI VI .. CXXVIII VII . CXLI VIII .... CLII 6.3. Um exemplo de codificao de dados . CLXXIII

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Agradecimentos

Primeiramente e antes de qualquer outro agradecimento, tenho de nomear os meus orientadores Prof. Ldia Grave-Resendes e Prof. Hermano Carmo. Este foi um trabalho que, sem o seu apoio cientfico, no teria sido possvel realizar. Depois cabe a referncia Coordenadora do Projecto Mediao entre Pares, implementado na Escola Bsica 2,3 Pro de Alenquer Dra. Clia Angua. A sua disponibilidade sistemtica e incondicional revelou-se indispensvel para a prossecuo da investigao. Devo tambm um grande reconhecimento aos elementos do Conselho Executivo e aos docentes da escola que me prestaram sempre a ajuda necessria. No posso deixar de referir ainda o papel impulsionador de todos os meus amigos e colegas de trabalho que me ajudaram na procura de fontes de informao, nomeadamente bibliogrfica. Por ltimo, last but not least, agradeo de forma muito especial ao meu marido, aos meus filhos e aos meus pais. Todo o carinho, confiana e motivao constantes foram o suporte emocional imprescindvel execuo de um trabalho que se pretendia terminar com sucesso mas tambm com algum prazer.

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Resumo

A gesto de conflitos tarefa que cada vez mais se tem de actualizar; por forma a responder adequadamente tipologia de conflitos que surgem na sociedade de hoje. Se isso vlido para a generalidade de organizaes, assume um papel preponderante nas instituies escolares, pela funo formativa que estas desempenham na vida das crianas e jovens. Verificar a evoluo da metodologia de gesto dos conflitos nas escolas e as possibilidades de escolha de processos foi um dos objectivos do presente trabalho. No entanto, o objectivo principal recaiu na apresentao de uma estratgia alternativa para gerir esses conflitos a mediao. Para que tal se efectivasse, era necessrio saber que tipo de liderana e que tipo de cultura organizacional so receptivas, ou melhor, envidam esforos e desencadeiam dinmicas, que sejam propcias implementao de outros processos de gesto de conflitos. Importava tambm ter noo das caractersticas dos conflitos que se registam hoje entre os alunos; bem como se tornou til proceder distino entre comportamentos usualmente inseridos no foro da indisciplina e os de carcter mais violento, aparentemente cada vez mais recorrentes. Essa especificao conceptual permitiu-nos gerir perspectivas cientficas de um modo mais preciso e congruente. Que deixem de existir conflitos impossvel, visto o conflito ser algo prprio do ser humano e que faz parte integrante do seu crescimento moral e emocional. Mas necessrio aprender a lidar com os conflitos de forma mais ou menos natural. Essa tarefa revelou-se a consequncia prtica da implementao da estratgia da mediao, que pretende, acima de tudo, um efeito preventivo no surgimento dos conflitos mais agressivos. Assim, foi analisado o contexto de uma escola dos arredores de Lisboa a Escola Bsica 2,3 Pro de Alenquer onde realizmos oito entrevistas a outros tantos docentes, a par de variadssimas visitas informais no sentido de observar o clima escolar a vivido. Trata-se, portanto, do estudo de caso de uma escola com determinada cultura organizacional; que teve como um dos primeiros objectivos a compreenso do seu clima. Outro dos objectivos foi o levantamento das dinmicas que originam esse clima. Deste

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modo foi possvel diagnosticar o tipo de liderana exercida e a cultura que a se observam. Por outro lado, verificmos tambm que a permanncia e estabilidade do corpo docente constituem factores determinantes de toda a dinmica organizacional dessa escola. A satisfao do corpo docente perpassa para os alunos, exercendo efeitos positivos na aprendizagem; contagiando-os de tal forma que o ambiente vivido muito agradvel, at pela consequente desdramatizao da escassa conflitualidade verificada, encarando-a de forma natural. Apesar de no se tratar de uma escola em que se registam conflitos muito graves, houve o desejo, por parte de toda a comunidade escolar, que se desse incio implementao do projecto Mediao entre pares na escola, em parceria protocolar com a Universidade Aberta CEPA (do qual no dispomos ainda de dados conclusivos, por impossibilidade temporal de levantamento de resultados).

Palavras-chave:

Educao / Formao Escola / Organizao Cultura / Clima Liderana / Gesto Aluno / Adolescente Conflito / Indisciplina Sucesso Mediao

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Abstract

Conflict management is a task that urges to be brought up to date, as a way of responding appropriately to each sort of conflicts that are rising among todays society. If that is valid to most of the organizations it is also essential at the educational institutions, because of the formative role they play in children and teenagers lives. Verifying the evolution of the conflict management methodology in schools and the possibilities of process choosing was one of the goals of the present work. Nevertheless, the main purpose was the presentation of an alternative strategy to manage those conflicts mediation. In order to make it possible, it was necessary to know the kind of leadership and the kind of organizational culture that allow, or make efforts and activate dynamics, that provide the development of other conflict management procedures. It was also important to be aware of the conflict features that happen among students nowadays. Proceeding to the distinction of behaviours, usually taken as indiscipline and those (that seems to be growing today) which are more violent, became very useful. That conceptual specification led us to manage scientific perspectives in a more precise and congruent manner. Abolish conflicts is impossible since conflicts are something proper of human being they are part of his moral and emotional growth. But it is necessary to learn how to deal with conflicts in a natural way. That task turned out as a practical consequence of the implementation of mediation strategy, that focus, above all else, on having a preventive effect in the emerging of the most aggressive conflicts. So, a school context, in the outskirts of Lisbon, was analysed E.B. 2,3 Pro de Alenquer where we interviewed eight teachers, and where we went several times to observe its school climate. Therefore, it was a case study of a school with a certain organizational culture; a study that had, as first objectives, the understanding of its climate and the observation of the dynamics that were in its origin. That way it was possible to diagnose the actual type of leadership and culture that can be seen in that school. On the other hand the permanence and stability of teaching staff constitute the decisive elements of all organizational dynamics. The well-being of teaching staff is

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extended to the pupils, applying positive effects in their learning in such a way that the school environment is very pleasant; even for the dedramatization of the scarce conflictuality we observe there, facing it in a natural mode. Although this is not a school where severe conflicts occur, there was the willingness of the school community to start the Peer Mediation in the School project implementation, by a formal partnership with Universidade Aberta CEPA (from which we do not have already any conclusive data, due to lack of time for collecting results).

Keywords:

Education / Formation School / Organization Culture / Climate Leadership / Management Student / Teenager Conflict / Indiscipline Success Mediation

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Rsume

La gestion de conflits, cest un travail quon doit de plus en plus actualiser; de faon rpondre convenablement la typologie de conflits qui surviennent dans la socit actuelle. Si cela est vraipar la gnralit des organisations, il y a aussi un rle prpondrant aux instituions scolaires, par la fonction formative quelles exercent dans la vie des enfantset des adolescents. Vrifier lvolution de la mthodologie de gestion des conflits dans les coles et les possibilits de choix de procs a t un des bus de ce travail. Cependant, lobjectif principal est tomb sur la prsentation dne stratgie alternative pour grer ces conflits la mdiation. Pour que cela ft possible, on aurait besoin de savoir quel genre de lidrance et quel genre de culture organisational est rceptif, ou mieux, font des fforts et dclanchent des dynamiques qui soient propices limplmentation dautres procsde gestion de conflits. Ctait aussi important avoir la notion des caractristiquesdes conflits qui senregistrent actuellement parmis les lves ; de la mme faon, cest essentiel procder la distinction entre les conduites insrs dans le domaine de lindiscipline et celles de caractre plus violent, apparemment de plus en plus rcurrentes. Cette spcification conceptuelle nous a permis de grer des perspectives cientifiques dune faon plus prcise et congruente. Abolir des conflits, cst impossible, vu que le conflit, cest quelque chose de naturel en ce qui concerne les humains et qui fait partie intgrante de leur croissance morale et motionele. Mais on a besoin dapprendre grerles conflits dune faon plus au moins naturelle. Cette tche a t la consquence pratique de limplmentation de la stratgie de la mdiation, qui veut, surtout, avoir un effet prventif dans la survenance des conflits plus agressifs. Alors, on a analis le context dune cole dans la banlieue de Lisbonne l EB 2,3 de Alenquer o on a ralis huit interviews huit professeurs. On a aussi informellement visit cette cole plusieurs fois pour observer le climat scolaire vcu. Cest, donc, une tude de case dune cole avec une certaine culture organisationnelle; qui

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a comme objectives la comprhension du climat et lobservation e analyse des dynamiques qui a origine ce climat. De cette faon, on a fait le diagnostique du genre de lidrance exerc et la culture quon y peut observer. On a aussi vrifi que la permanance et la stabilit du corps enseignant constituent des lments dcisifs de toute la dynamique organisationale de cette cole. La satisfation du corps enseignant touche les lves, exerant des effects positifs dans lapprentissage ; les contagionnant de faon que lambiance vcue, ce soit trs agrable, surtout cause de la consquente ddramatisation de la rare conflitualit, lenvisageant dune faon naturelle. Bien que ce ne soit pas une cole o il y a des conflits trs graves, il y a eu le dsir, de toute la communaut scolaire, de commence limplmentationdu project Mdiation entre pairs lcole, en procs formel avec lUniversidade Aberta CEPA (duquel on na pas encore des donns conclusives cause de limpossibilit temporelle du soulvement de rsultats).

Mots chefs:

Education / Formation Ecole / Organisation Culture / Climat Lidrance / Gestion Elve / Adolescent Conflit / Indiscipline Succs Mdiation

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Captulo IProposta de trabalho

1. Justificao

O presente trabalho surgiu da necessidade de escolha de um objecto de estudo para a elaborao da dissertao de mestrado em Administrao e Gesto Educacional, na Universidade Aberta de Lisboa. Com ele pretende-se contribuir para uma crescente viabilidade do sucesso escolar, generalizado tanto quanto possvel, na perspectiva de uma escola para todos com idntica possibilidade de acesso e sucesso. Assim, o estudo que efectumos visa essencialmente dar resposta a uma problemtica que cada vez mais afecta o sistema educativo e que tem a ver com a actual intensificao de conflitos e com a forma como eles so geridos nas escolas, produzindo consequncias nefastas no ambiente que nelas se vive, levando por vezes a situaes mais ou menos graves de violncia; facto que produz, obviamente, influncias negativas no processo de ensino/aprendizagem.

Segundo o princpio de que, como diria Jacques Delors (1996:78), a educao deve ser uma experincia global a levar a cabo ao longo de toda vida, no plano cognitivo e prtico, a aprendizagem escolar constitui um processo formador que ir definir o modo como se perspectiva e efectiva todo o percurso vivencial, repercutindo-se mais tarde a forma como ela se desenvolveu anteriormente. Por outro lado, no podemos deixar de referir o interesse pessoal pelo tema; que se reflecte ao longo da carreira profissional, nomeadamente como gestora institucional, com funes que implicavam a resoluo de conflitos entre os alunos. Nesse mbito, foi tomada a iniciativa de implementar um sistema de preveno de comportamentos

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disruptivos,1

semelhante ao que a mediao tem por objectivo; o qual revelou um

acentuado nvel de sucesso. Este facto veio reforar mais ainda a motivao para o aprofundamento do estudo nesta rea do conhecimento. Refira-se tambm que a promoo de um clima de bem-estar atravs de uma gesto eficaz de resoluo dos conflitos na escola , certamente, um agente catalisador de ambientes propcios aprendizagem, a todos os nveis social, pessoal e acadmico e portanto imprescindvel no domnio educativo. Nesta medida, a contribuio do presente trabalho para o desenvolvimento e melhoramento de competncias profissionais desde logo evidente, visto a mediao entre pares proporcionar novas formas de abordagem dos conflitos na escola, apelando a uma participao activa por parte dos alunos no processo de resoluo dos problemas e conduzindo-os no sentido de melhor responderem aos problemas que surgem no contexto escolar, dentro e fora da sala de aula. Factos que, por si s, so (segundo vrios autores) desencadeadores do exerccio de uma cidadania activa.

2. Objectivos

Partindo do conceito de escola como significativo de comunidade de servios que contribuem para a construo de um objectivo comum a implementao de um ambiente educativo de qualidade chegamos facilmente concluso de que as aprendizagens devem ser estimulantes e integradoras para todos os alunos. Para que essa estimulao e integrao sejam possveis pensamos ser adequado iniciar o processo a partir da explorao do slogan a que os alunos recorrem dizendo que gostam da escola, s no gostam das aulas.Trata-se de um programa desenvolvido a propsito da necessidade de resoluo dos constantes conflitos verificados com os alunos que integravam uma turma de Currculos Alternativos. Este programa consistia basicamente (depois de uma conversa informal sobre motivaes, potenciais significados da escola e vontades de mudana do que se considerava incorrecto) na atribuio de responsabilidades de gesto e controle dos espaos em que se registava maior ou mais grave incidncia de comportamentos considerados imprprios, por parte de outros alunos tambm. 131

Importa tentar descobrir os motivos que esto na base de tal afirmao e desenvolver prticas que conduzam tambm criao de motivao para a frequncia da escola/das aulas, no sentido de melhor se atingirem os seus objectivos. Prticas que partam do relacionamento da aprendizagem lectiva com outras experincias vivenciais exteriores s aulas. Prticas que abranjam todos os domnios educativos e no apenas os respeitantes aos contedos didcticos de cada disciplina curricular. Por exemplo, a aprendizagem de uma gesto adequada dos desentendimentos dos alunos, consigo prprios e com os outros, utilizando estratgias que os ensinem a lidar convenientemente com o conflito.

Assim, desenvolvemos uma investigao que teve como principal objectivo estudar a mediao entre pares, como estratgia eficaz na resoluo e preveno de conflitos. Tentmos tambm verificar e desencadear perspectivas de abertura face possibilidade de aplicao dessa estratgia; uma vez que se cr que se trata de uma metodologia eficaz na soluo deste problema; a qual produz efeitos to generalizados que ultrapassam a rea semntica escolar (vid Bonaf-Schmith, Grave-Resendes, Vasconselos-Sousa, Johnson & Johnson, Seijo, ). Esses efeitos chegam, inclusive a alcanar efeitos to alargados como sejam todos os contextos de vida () oportunidades laborales, carreras exitosas, la posibilidade de ganar y conservar un conjunto de amistades para toda la vida, y una famlia unida y solcita: la posibilidade de disfrutar, en suma, de una mayor calidade de vida () (Johnson & Johnson, 2002:10). Tal objectivo de trabalho conduziu, tambm, em termos prticos, ao estudo do contexto de uma escola de 2 e 3 Ciclos do ensino bsico. Abordmos, assim, as questes tericas abrangidas por esta temtica, analisando as investigaes j desenvolvidas, focando especial ateno nos casos que se referem realidade portuguesa, ou referentes a outra realidade, mas que demonstrem possibilidades de aplicao extrapolativa. Estudmos tambm o tipo de conflitos existente actualmente nos contextos escolares, bem como a respectiva forma de gesto/resoluo. Como resposta alternativa a essa gesto, analismos a hiptese de implementao da estratgia de mediao como outra forma de gerir os conflitos escolares. Visamos, desta forma, encontrar solues congruentes e conducentes diminuio da crescente conflitualidade verificada nas escolas (acima de tudo no sentido preventivo dos conflitos fsicos, verbais ou morais), a qual constitui tambm factor determinante do

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insucesso e/ou abandono escolar. Em virtude de se tratar de uma rea que suscita muita polmica, essencialmente no que concerne ao sucesso pedaggico da estratgia tradicionalmente adoptada (os recorrentes processos disciplinares), as solues encontradas para resolver ou minimizar o conflito (por alguns denominado indisciplina, ou at violncia, dependendo da sua gravidade ou do entendimento que deles feito) em contextos escolares devem, primeiramente e acima de tudo, confluir para o desenvolvimento de um clima propcio formao das crianas ou adolescentes. Para alm disso, trata-se de um tema que surgiu muito recentemente no contexto portugus (em virtude da massificao da escola); sobre o qual os investigadores acadmicos se tm debruado, a nvel internacional; mas que em Portugal, por enquanto, quase no tem sido alvo de investigao. A experincia tem demonstrado que existem outras formas de lidar com o conflito, nomeadamente atravs do recurso estratgia da mediao. Para que seja possvel o estudo da aplicao dessa estratgia alternativa, pretende-se analisar o tipo de gesto de conflitos na escola e investigar a viabilidade e os procedimentos necessrios implementao da mediao no contexto de uma escola que optou por desencadear esta forma alternativa gesto tradicional do conflito. Acompanhar o desenvolvimento posterior da implementao da mediao escolar, avaliar e interpretar os efeitos da sua aplicao prtica e delinear o modo como esta estratgia de resoluo e preveno de conflitos contribui para o sucesso acadmico, pessoal e social dos jovens e para se alcanar um clima de bem-estar na escola sero os objectivos de um outro estudo, possivelmente levado a cabo a seguir, mas forosamente mais prolongado em termos temporais e obviamente mais aprofundado em termos cientficos.

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3. Estrutura

De acordo com os pressupostos formais de apresentao de uma dissertao, a estrutura que se apresenta obedece a uma diviso em nove partes, constituda por seis captulos e trs outras subdivises finais. Esta diviso antecedida pelos devidos agradecimentos e pelo respectivo resumo em portugus, ingls e francs. O primeiro dos captulos dedicado identificao da proposta de trabalho; o segundo explicitao da metodologia adoptada; o terceiro apresenta o problema e desenvolve a respectiva contextualizao conceptual; o quarto refere-se ao

enquadramento normativo; o quinto aborda a problemtica terica especfica da estratgia da mediao; o sexto e ltimo diz respeito ao processo de implementao de um projecto do Centro de Estudos de Pedagogia e Avaliao (C.E.P.A.) da Universidade Aberta Mediao entre pares na escola numa escola do ensino bsico (EB 2,3 Pro de Alenquer). Finalizamos o trabalho apontando algumas concluses e reflexes. De seguida, apresentam-se tambm sugestes para um possvel trabalho futuro. Surge depois a identificao das referncias cientficas e bibliogrficas; bem como os anexos, em que se encontram alguns dos documentos referenciados ao longo do trabalho.

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Captulo IIMetodologia

1. Identificao da metodologia

Como sabemos, qualquer processo de seleco implica o uso de critrios rigorosos, com vista escolha adequada de mtodos conducentes aos respectivos fins previstos. Assim, e recordando a definio de metodologia adiantada por Almeida, reconhecemos que, especialmente no que diz respeito ao caso em questo, se exige uma organizao crtica das prticas de investigao (1982:84). portanto indispensvel que a escolha se revele oportuna e congruente face s tcnicas de pesquisa a utilizar.

Nesta sequncia, optou-se pelo estudo de caso de uma escola do Ensino Bsico do 2 e 3 Ciclos, situada nos arredores de Lisboa, no concelho de Alenquer. A escolha recaiu sobre esta escola pela dinmica de prticas que a se observa e pela facilidade verificada na disponibilizao de dados. A investigao incidiu sobre este nvel de ensino, visto considerarmos que estes dois ciclos no se encontram muito abordados em termos de investigao educacional no nosso pas. Adiante-se ainda que contribuiu igualmente para esta deciso o facto de se revelar importante a anlise deste processo numa fase etria em que, em termos de desenvolvimento cognitivo e afectivo, se registam grandes interferncias e desvios no grau de motivao relativamente escola dita normal. Tendo em mente os pontos de abordagem desta tipologia de prtica de investigao o estudo de caso sugeridos por Yin (1988, cit. in Carmo & Ferreira, 1998:216): - investiga um fenmeno actual no seu contexto real; quando - os limites entre determinados fenmenos e o seu contexto no so claramente evidentes; e no qual - so utilizadas muitas fontes de dados17

recorremos a uma aproximao exploratria (cf Ibidem:217), porque se pretende o levantamento das formas de gesto do conflito e do interesse, por parte da comunidade escolar, de descobrir outras hipteses de lidar com o conflito, de forma mais positiva e desencadeadora de motivao para a frequncia com gosto, logo com sucesso, da escola. Teve ainda lugar a escrita do respectivo relatrio do trabalho de campo, facultando informaes essencialmente sobre o contexto de ocorrncia dos conflitos e da metodologia adoptada na sua resoluo. Assim, realizmos um trabalho que se pretendia de cariz essencialmente qualitativo (descritivo e um pouco analtico). Simultaneamente a todo este processo de recolha de dados efectuou-se uma entrevista exploratria no sentido de se alargar ou rectificar o conjunto de tpicos que serviriam de base de formulao ao guio das entrevistas que tencionvamos realizar (vid Quivy, 1992:67). Finalizado esse guio procedemos efectivao das entrevistas e posteriormente ao estudo do contedo das suas respostas (partindo da anlise dos respectivos protocolos), tendo sempre como referncia os resultados que so apresentados pelas investigaes/teorias j existentes. Essa anlise de contedo foi efectuada

considerando a significao de inqurito como sendo um processo de recolha sistematizada, no terreno, de dados susceptveis de poder ser comparados (Carmo & Ferreira, 1998:123). Inicimos a explorao bibliogrfica logo que o tema de estudo ficou definitivamente delimitado. Todo o processo teve em linha de conta as sugestes presentes em Carmo & Ferreira (1998), estabelecidas a propsito desta actividade de pesquisa documental. Procedemos, assim, numa primeira fase, a uma recolha preliminar de informao, de modo a termos uma ideia dos estudos existentes sobre o assunto e onde os poderamos encontrar. Pretendamos respostas a questes como: Que teorias j foram formuladas? So vlidas? Foram confrontadas com os problemas reais nelas abordados? A que contextos geogrficos e envolventes socioculturais se referem? No nos esqueamos de que, como defende Carmo & Ferreira (1998:97), uma boa teoria funciona como uma bssola (...) de qualquer processo de investigao. Tendo noo disso, mas estando conscientes do nevoeiro informacional que ocorre cada vez mais, nomeadamente daquilo a que Edgar Morin chama sobre-informao, tivemos as devidas precaues, pois a relativa abundncia terica internacional sobre o domnio do conflito e da mediao to grande que torna praticamente impossvel o acesso sua totalidade. Por outro lado, a mudana acelerada

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da sociedade actual provoca uma constante desactualizao das teorias formuladas, inserindo variveis diversas das do momento presente, levando o investigador difcil, seno mesmo impossvel, tarefa de anlise dos fenmenos velocidade com que se registam as mudanas. A complexificar ainda mais o estudo regista-se tambm a pseudo-informao, que, como o prprio nome indica, nos pode induzir a falsas pistas de investigao, comprometendo a validade das teorias formuladas.

Depois de percorridos os arquivos/bibliotecas de algumas das universidades nacionais verificmos ser praticamente inexistente algum estudo publicado, dissertao de mestrado ou tese de doutoramento, especificamente sobre mediao escolar entre pares, em Portugal. A abordagem deste tema de tal modo recente no nosso pas que se torna difcil, ou quase impossvel, encontrar-se quer bibliografia disponvel, quer investigaes realizadas, ou em curso, aplicadas ao contexto escolar portugus. Por isso alargmos a nossa pesquisa a investigaes que abordassem temas de alguma forma relacionados com a problemtica da mediao em contexto escolar. Atravessando todos estes condicionalismos, a apresentao do estado em que se encontra a investigao, em Portugal, foi feita atravs de uma anlise dos trabalhos que foram desenvolvidos at ao momento sobre temticas relacionadas com o conflito, a indisciplina, a violncia e o bullying. Em termos internacionais, pelo contrrio, a situao quase oposta. Existem inmeros trabalhos sobre o tema, mas no tivemos, obviamente, possibilidade de acesso ao contedo de muitos desses estudos, exceptuando o caso daqueles de que apresentamos referncia bibliogrfica. O acesso a obras e documentos por ns julgados de interesse vlido

permitiu-nos a elaborao de fichas de leitura (que serviram de suporte terico a todo o trabalho) e consequente escrita de snteses tericas (para fundamentao e confrontao de resultados). Recorremos ainda pesquisa de outro tipo de estudos j desenvolvidos, noutro tipo de suportes (algumas monografias e artigos de publicaes dirias, semanais ou mensais); assistncia a algumas transmisses televisivas (por exemplo uma no dia 12/04/2004, programa Prs e Contras sobre a Educao em Portugal, com a interveno de vrios especialistas, nomeadamente Domingos Fernandes; outra no dia 25/05/2004, sobre o Sistema Nacional de Educao, da Comisso de Educao, Cincia

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e Cultura da Assembleia da Repblica, com declaraes de Maral Grilo, Filomena Pereira, Joaquim Bairro Ruivo, Srgio Niza, ...). Tentmos ainda a hiptese de recolha da gravao de um programa televisivo especificamente sobre Mediao Escolar, que foi para o ar no ms de Novembro de 2004, num canal televisivo portugus (a qual no nos foi disponibilizada). Assistimos tambm a vrios Colquios/Congressos/Jornadas Pedaggicas de alguma forma enquadrados nesta temtica educacional: um intitulado

Educao/Formao e Sociedade do Conhecimento, de que salientamos a participao de Joo Barbosa, Jos Tribolet e Roberto Carneiro; outro designado Qualidade das Organizaes Escolares um Desafio do Presente, uma Aposta de Futuro, onde destacamos a presena de Joo Barroso, Antnio Nvoa e Joo dOrey; outro denominado Promoo do Bem-Estar na Escola, promovido pelo Centro de Estudos de Pedagogia e Avaliao, da Universidade Aberta, em que colaboraram Sousa Fernandes, Hermano Carmo, Ldia Grave-Resendes; um colquio realizado na Faculdade de Cincias da Universidade de Lisboa sob o tema Cidadania e Liderana Escolar Contextos, Discursos, Experincias e Imagens, dinamizado por Maria de Ftima Choro Sanches; assistimos ainda ao 3 Encontro de Investigao e Formao, organizado pelo Centro Interdisciplinar de Estudos Educacionais da Escola Superior de Educao de Lisboa; ao Seminrio Avaliao das Escolas Bridges across Boundaries Auto-avaliao nas Escolas Europeias, promovido pelo Frum Portugus de Administrao Educacional e pela Faculdade de Psicologia e de Cincias da Educao da Universidade de Lisboa e a muitos outros. Importa tambm anotar que a consulta de diversos sites via Internet foi praticamente constante ao longo do desenvolvimento de todo o trabalho, tendo como finalidade a bvia actualizao de conhecimentos relativamente temtica em estudo e ocorrncia de possveis novas prticas e/ou estudos tericos. A efectivao, e sistemtica actualizao, da reviso bibliogrfica revelou-se assim de suprema importncia, em virtude de oferecer a possibilidade de se ponderar sobre o tipo de tratamento dado, at ao momento, questo que se pretendia estudar. Atravs dela delimitaram-se perspectivas j abordadas, enriquecimento do trabalho. contribuindo para o

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Pensando em termos das questes que foram surgindo aquando dessa explorao bibliogrfica inicialmente efectuada destacamos as seguintes:

Que condies so geradoras de um clima de trabalho favorvel ao desenvolvimento de projectos numa escola?

Que estilo de liderana exercido para que tal acontea?

Que tipos de conflito so actualmente mais comuns nas escolas portuguesas?

Que abordagens existem no que diz respeito sua resoluo?

A estratgia de mediao poder constituir uma forma alternativa de gesto de conflitos na escola?

Que autonomia tem a escola para desenvolver um processo de mediao?

Qual o processo necessrio sua implementao?

Que consequncias pedaggicas acarreta?

Que efeitos produzir no que concerne modificao de atitudes em geral?

Que impacto ter na comunidade escolar/educativa?

Estas questes serviram mais tarde de base de trabalho nossa investigao, como pistas de orientao, tentando chegar ao final com algumas respostas plausveis que se adequem ao contexto educativo portugus.

Assim, a anlise documental permitiu estabelecer a delimitao terica de um problema que consideramos bsico a toda esta problemtica o relacionamento do adolescente com a escola em geral. Depois e partindo do tema principal do trabalho a mediao como possibilidade de estratgia alternativa resoluo de conflitos escolares

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explanmos os conceitos de conflito, indisciplina, violncia e bullying conceitos que surgem recorrentemente relacionados com o conceito de mediao. Abordmos ainda os conceitos de cultura organizacional, clima de escola e liderana escolar; numa tentativa de compreenso das causas motivadoras da dinmica que conduz uma escola procura de iniciativas inovadoras que respondam s necessidades diagnosticadas. Esta seco ficou com uma delimitao repartida em trs partes, estruturantes mas fictcias: definio do conceito, tipologia e natureza. A partir de uma perspectiva histrica (posterior ao 25 de Abril de 74),

analisou-se de seguida, no domnio educativo legal, a autonomia que permite escola portuguesa a escolha de processos e a forma de gesto de conflitos. Seguiu-se a anlise da estratgia da mediao propriamente dita, sob quatro perspectivas:

estudo do conceito em termos semnticos e explanao dos diferentes tipos investigao sobre o processo de aplicao e sobre os possveis efeitos presena no sistema educativo portugus possibilidade de aplicao no contexto escolar portugus

Refira-se ainda que a validade interna do estudo foi atingida atravs da triangulao dos dados e pelo envolvimento participativo dos indivduos abrangidos pelo estudo; tentando-se conseguir nveis de fiabilidade suficientes para se obter a desejada credibilidade cientfica. Fez-se, sempre que possvel, o controle e a discusso das eventuais ameaas ao desenvolvimento do trabalho de pesquisa em campo, desde logo partindo do pressuposto da sua existncia. Por outro lado, h ainda que apontar que o facto de se tratar de um estudo que implicou, por parte da escola envolvida, uma fase de descoberta, de contacto inicial com a mediao. Facto que pode ter constitudo uma limitao, visto no ser possvel, em termos temporais, o desenvolvimento de uma perspectiva de avaliao cabal, relativamente implementao e s consequncias que este novo tipo de estratgia provoca no contexto educativo portugus (mais especificamente no contexto da escola alvo do estudo). At porque o reduzido nmero de escolas portuguesas que se encontram a desenvolver este tipo de estratgia de preveno e resoluo de conflitos dificulta22

igualmente a possvel e desejada anlise dos efeitos destas estratgias. A escassa existncia de bibliografia e de trabalhos de investigao sobre esta temtica, aplicada especificidade do contexto educativo portugus, constituiu tambm outra grande limitao. A redaco do relatrio final de investigao foi tendo lugar ao longo do decurso do estudo, sofrendo actualizaes e reformulaes constantes. A apresentao dos resultados, das concluses, das recomendaes e das sugestes para investigaes futuras constituiu, obviamente, a parte final de toda a investigao, embora alguns resultados tenham sido revistos, tambm, medida que se ia desenvolvendo o estudo.

2 Estrutura e situao das entrevistas

Relativamente formatao das entrevistas, optmos por uma estrutura centrada (Carmo, 1998:131), com perguntas abertas, de acordo com uma ordem sequencial pr-definida pelo prprio tema, que foi sendo adaptada, no momento e in loco, ao contedo das informaes, patente nas respostas. Refira-se que se procurou que a manipulao destas varveis no conduzisse a nenhum efeito redutor ou extrapolador da entrevista. Este padro de actuao foi devidamente planeado, com vista a uma sequencializao lgica de procedimentos e obteno de dados cientificamente vlidos. Para possibilitar a execuo criteriosa das entrevistas, torna-se fundamental a existncia de uma questo congruente, de modo a estruturar e verbalizar convenientemente uma pergunta de partida que se revele eficaz. Trata-se de uma tarefa mais complexa do que parece num primeiro entendimento, uma vez que obriga a que tenhamos de pr os nossos preconceitos e as nossas noes/percepes margem, de modo a facultar espao suficiente para a formulao de uma pergunta suficientemente

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neutra, que no conduza por si s o entrevistado a interpretaes resultantes da influncia exterior. Este um cuidado que temos de ter se queremos partir de uma boa pergunta de partida condio sine-qua-non para ter xito numa investigao. Boa porque se quer clara, exequvel e pertinente (Quivy, 1992:34-46). Boa porque uma pergunta de partida precisa, concisa e real permite respostas tambm claras e pertinentes. E, portanto, resultados eficientes para a realizao de um estudo subsequente. Assim, levantmos o problema atravs do que pensamos ser uma questo adequada e tendo em mente o alcanar de respostas congruentes. Por conseguinte, concebemos a seguinte pergunta de partida:

Qual ser a importncia/influncia da implementao de novas estratgias de gesto do conflito escolar entre os alunos, no seu sucesso acadmico, pessoal e social?

Tal problemtica surgiu em virtude do crescendo de conflitos, que se regista no espao da maioria das escolas portuguesas, e face ao questionamento sobre as razes conducentes a essa situao. Consequentemente, levantou-se a hiptese de uma gesto mais positiva do conflito e do desenvolvimento de actividades que levem os alunos a sentirem-se mais motivados para a frequncia da escola. Facto que fez surgir tambm uma outra questo:

Que tipo de conflitos existe actualmente na escola?

Sabemos que no ser possvel, durante o perodo de tempo de que dispomos para o presente estudo, realizar um trabalho que obtenha respostas satisfatrias a estas questes to abrangentes, mas vamos tentar que elas constituam uma base temtica subjacente e permanente, que poder vir a ser objecto de aprofundamento em futuras investigaes.

Tomando estes factos em considerao, efectuaram-se vrias leituras, algumas flutuantes (Bardin, 1977:102), com vista escolha de documentao que ajude a clarificar e aduzir perspectivas. Obter mais informao sobre esta questo de partida, numa fase anterior efectivao das entrevistas, revela-se sempre benfico, at para

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melhor enquadrar e contextualizar as perguntas a realizar, ou mesmo para tentar percepcionar as possibilidades interpretativas de cada uma das possveis respostas. Assim, e considerando sempre o objectivo geral recolher dados sobre os motivos que levam opo por uma estratgia alternativa de gesto de conflitos, mais especificamente pela mediao como uma nova metodologia para a sua resoluo estabelecemos seis grandes blocos organizativos das entrevistas:

I. Legitimao e motivao II. Caracterizao do ambiente da escola III. Estratgias usualmente utilizadas na resoluo dos conflitos IV. Intervenientes no processo de resoluo dos conflitos V. Adopo da estratgia alternativa da mediao VI. Informaes complementares

Para cada um destes blocos definimos uma sequncia de objectivos especficos, que considermos pertinentes e oportunos e que serviram de suporte para a formulao de uma srie dos tpicos orientadores das entrevistas. A operacionalizao das entrevistas foi conduzida a partir desses tpicos, constantes no guio que se construiu para o efeito (em anexo); o qual foi elaborado apenas como um objecto de orientao para estimular e estruturar a conversa sobre o assunto em questo, tendo sempre em conta que necessrio respeitar a expresso do pensamento dos entrevistados e a continuidade do seu discurso; levando-os, no entanto, tanto quanto possvel, a abordar o tema proposto de um modo que julgmos relevante, mas tentando no influenciar o contedo das respostas. Considerando a questo de partida, anteriormente referida, e esses tpicos passou-se, ento, realizao efectiva e pessoal das entrevistas, durante as quais a entrevistadora tentou assumir um papel to neutro quanto possvel, conduzindo cada entrevista numa ptica semidirectiva (...) [seguindo] a linha de pensamento [dos interlocutores] ao mesmo tempo que [zelou] pela pertinncia das afirmaes relativamente ao objectivo da pesquisa, pela instaurao de um clima de confiana e pelo controle do impacte das condies sociais da interaco sobre a entrevista (Ruquoy, 1995:95). Encontravam-se, deste modo, controlados os trs principais aspectos da interaco: tema da entrevista, contexto interpessoal e condies sociais da interaco (cf

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Ibidem:96). Evitou-se tambm qualquer tipo de valorizao de pontos de vista ou de induo conducente verbalizao e estreitamento de perspectivas, que deste modo se tornariam invlidas. Tivemos, portanto, subjacentes todas as sugestes apontadas por Quivy (cf 1992:74-77), com vista conduo eficaz de uma entrevista.

Procedemos, ento, realizao das entrevistas. No que diz respeito equipa que forma o Conselho Executivo, devemos aduzir que entrevistmos a Presidente e apenas dois dos trs Vice-Presidentes do Conselho Executivo. No realizmos a entrevista terceira Vice-Presidente uma vez que ela assume as responsabilidades apenas decorrentes do facto de esta escola estar inserida num agrupamento vertical com 1 Ciclo. Em virtude de tal situao, considermos que seriam pertinentes as entrevistas aos dois Vice-Presidentes com pelouros directamente ligados ao contexto referente aos 2 e 3 Ciclos. Foram igualmente realizadas entrevistas s Coordenadoras de Directores de Turma do segundo e do terceiro ciclos e a trs Directores de Turma (seleccionados aleatoriamente de entre os professores/Directores de Turma a exercerem h mais tempo nesta escola e, portanto, com um grau superior de conhecimento da realidade contextual local). Antes da realizao de cada uma das entrevistas foi solicitada autorizao para se proceder ao respectivo registo udio, de modo a que o trabalho de transcrio fosse mais facilitado. Todos os elementos cederam essa autorizao, embora uma das docentes tenha mostrado algum nervosismo quando soube de tal facto, no tendo no entanto recusado tal gravao. A durao mdia de quase todas as entrevistas situou-se nos vinte e cinco a trinta minutos, havendo a registar trs excepes: a primeira, a quarta e a ltima dos dois Vice-Presidentes e de uma das Directoras de Turma). Estas ltimas registaram uma durao de cerca de quarenta e cinco minutos cada; talvez devido ao facto de terem como protagonistas indivduos com uma personalidade muito aberta e com gosto de expor as suas opinies. Quanto a este aspecto, note-se, por exemplo, que a segunda entrevista registou, especialmente no incio, um nmero significativo de respostas monossilbicas, ou quase, no querendo a entrevistada adiantar respostas muito extensas, provavelmente pelo cargo que ocupa, no se expondo em demasia, mas tambm (de acordo com o que apurmos depois) pela sua maneira de ser. Devemos ainda notar que a quinta entrevistada (uma das Coordenadoras dos Directores de Turma) demonstrou, como j referimos, ao longo do decurso de toda a entrevista, alguma inibio ao falar para um gravador,

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dizendo que gosta de falar, mas no est habituada a que as suas conversas sejam registadas desta forma. Por esse motivo tivemos algumas dificuldades em manter uma sequncia de ritmo, que foi entrecortado por sucessivos abrandamentos, provocados por constantes hesitaes e repeties. Pelo contrrio, a primeira, a quarta e a ltima registaram ritmos acelerados, muitas vezes inclusivamente com aparentes sobreposies de pensamento e de produo de discurso. Devemos tambm referir que a concretizao das entrevistas num espao disponvel e sem perturbaes exteriores se transformou numa tarefa difcil. que a escola alvo de estudo apresenta, de modo cada vez mais acentuado, segundo verificmos, uma grande falta de espaos lectivos, devido ao crescente nmero de alunos. Por tal motivo, todas as salas (ainda que destinadas, partida, efectivao de outras actividades) so ocupadas para o decurso de actividades lectivas. Ainda assim, a primeira entrevista (que teve como protagonista o Vice-Presidente responsvel pelo sector dos alunos) realizou-se em condies favorveis quanto ao espao. No entanto, problemas tcnicos impediram o devido registo udio. Deste modo, confiantes que estvamos na gravao da mesma, no procedemos a qualquer registo escrito do seu contedo verbal. Perante tal anomalia fomos forados sua repetio, tendo conscincia de todas as consequncias lgicas da decorrentes: conhecimento e reflexo antecipada sobre as questes abordadas e possvel falta de espontaneidade nas respostas posteriores. Realizou-se ento a segunda verso da entrevista a este elemento do Conselho Executivo; a qual decorreu sem quaisquer interrupes, na sala do Centro de Recursos, disponvel no momento, entre uma reunio de Encarregados de Educao e uma aula. Recorrendo memria da conversa efectuada anteriormente, pudemos observar que os nossos receios relativamente falta de espontaneidade, que poderia acontecer nas actuais circunstncias ou a possibilidade de ocultao ou esquecimento voluntrio, pareceram no ter acontecido. Passou-se depois efectivao da entrevista Presidente do Conselho Executivo; que de entre todas foi de facto a mais difcil de concretizar, essencialmente pelas vrias interrupes que sofreu, nomeadamente uma em que houve necessidade de sair da Sala de Trabalho dos Directores de Turma onde nos encontrvamos, tendo continuado na nica sala livre a do prprio Conselho Executivo. A foi deveras complicado gerir a prossecuo da entrevista sem constantes interrupes.

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Num outro dia, foi possvel proceder a mais duas entrevistas, Coordenadora de Directores de Turma do terceiro ciclo e a uma Directora de Turma. A primeira destas decorreu com normalidade, mas a segunda foi impossibilitada sensivelmente a meio, tendo de prosseguir num outro dia, por obrigaes lectivas dessa docente. Alguns dias depois foi realizada a entrevista Coordenadora de Directores de Turma do segundo ciclo. Mais tarde efectivmos a entrevista a um outro Director de Turma. Ambas prosseguiram de forma natural. De seguida tivemos oportunidade de entrevistar uma outra Directora de Turma, a qual decorreu sem interferncias significativas. Por fim foi possvel realizar a entrevista ao terceiro elemento do Conselho Executivo; a qual se revelou ser a mais difcil de calendarizar pela sistemtica ocupao e urgncia de resoluo de problemas do sistema informtico, pelouro de que este elemento responsvel. A sua realizao teve lugar numa sala com relativa privacidade, sofrendo apenas uma interrupo, por uma chamada telefnica do Encarregado de Educao de um aluno problemtico dos Cursos Profissionais, sector tambm sob a gesto directa deste docente/gestor.

3 Anlise dos dados

A anlise que iremos apresentar resulta da interpretao do contedo das entrevistas efectuadas; tendo as respostas, obtidas durante a sua realizao, sido objecto de tratamento qualitativo (dando tambm origem a informao de natureza quantitativa), a qual foi organizada em dados descritivos. A sua interpretao foi levada a cabo considerando as condies de produo do discurso:

- os dados de que dispe a entrevistadora esto devidamente descontextualizados

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- so considerados basicamente os objectivos principais do estudo - recorre-se a um conjunto de conceitos que permitir inferncias posteriores

Tivemos como referencial cientfico a conjugao possvel das definies indicadas por Carmo & Ferreira (1998:251); tentando realizar a articulao entre o texto, descrito e analisado () e os factores que determinam essas caractersticas () (Ibidem:252). Procedemos, ento, transcrio integral, a posteriori, do contedo das entrevistas, que tinham sido gravadas em cassete udio; incluindo nessa transcrio algumas observaes relativas a pormenores do contexto extra verbal de algumas das respostas, ou aduzindo a referncia a atitudes consideradas significativas para a devida interpretao de dados (cf Ibidem:133). Formaram-se assim os protocolos das mesmas (que se apresentam em anexo); os quais foram tratados de forma rigorosa e metdica (cf Quivy, 1992:227). Fez-se, de seguida, a codificao dos dados (de que apresentamos em anexo um exemplo ilustrativo da anlise dispensada a todos os outros casos). Este trabalho consistiu essencialmente na segmentao em unidades de registo e na organizao num conjunto de indicadores. Posteriormente, procedeu-se ao agrupamento desses indicadores em subcategorias e em categorias, de modo a possibilitar uma interpretao crescentemente generalizada e global dos dados fornecidos. Tendo ainda a noo de que interview responses index some external reality (Silverman, 2000:823), procedeu-se respectiva anlise de contedo visando obter uma abordagem realista (Ibidem) das informaes veiculadas, no descurando, portanto, o possvel efeito do exterior na perspectiva educacional transmitida pelos docentes entrevistados. A presente estratgia de anlise revelou-se proveitosa na medida em que permitiu a construo de uma srie de inferncias conducentes ao surgimento de algumas concluses;

transformando-se, deste modo, o discurso em fonte de informao e abrindo pistas de reflexo (Quivy, 1992:79). Elaborou-se, deste modo, a anlise da problemtica em questo, tentando interpretar o contedo das respostas estruturadamente e em funo das temticas subjacentes. bvio que temos noo, como j referimos, de que as respostas se devem ler luz do contexto de vivncia pessoal dos informantes seleccionados e em funo ou de acordo com a envolvncia situacional do momento. No se pretendeu, com esta

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tcnica de tratamento de informao, uma anlise exaustiva do texto oral transcrito, mas focalizando os aspectos que considermos mais significativos relativamente temtica em causa; recorrendo a uma abordagem construda por indicadores no frequenciais, visto tratar-se de um discurso pleno de possveis inferncias e em que a anlise quantitativa, fundada na frequncia de apario de certos elementos da mensagem (cf Bardin, 1977), no constitua o objectivo principal (embora no se possa menosprezar a frequncia em que ocorrem determinados indicadores, at pela carga lgica que lhe est associada). Acrescente-se ainda que se tentou anular o mais possvel a influncia que, teoricamente, o entrevistador exerce sempre sobre o entrevistado. As eventuais diferenas entre ambos (relativamente a idade e condies scio-culturais) no se mostraram provocadoras de influncia significativa, no se tendo registado, de um modo geral, importantes sobreposies de canais de comunicao. Em termos espacio-temporais, tentou-se um certo isolamento numa sala (embora nem sempre tenha sido possvel), durante um intervalo de tempo em que os professores/gestores tivessem alguma disponibilidade; de modo a que as possveis interferncias no fossem determinantes de algumas respostas mais curtas ou evasivas. A maioria das entrevistas tiveram uma durao de cerca de vinte e cinco minutos e encontravam-se os dois elementos/actores sentados perto de uma mesa. Estava assim criada uma situao simtrica (cf Carmo & Ferreira, 1998), tanto quanto possvel, para que a interpretao do discurso produzido possa ser carregada de significados associativos de fenmenos e seus efeitos no sucesso acadmico e pessoal/social dos jovens, tanto a nvel correlacional, como a nvel causal (cf Bardin, 1977). Relativamente ao comportamento verbal e no verbal dos entrevistados, devemos aduzir que, nalgumas situaes, se revelou necessrio recorrer a perguntas de suporte ou de focagem (vid Carmo & Ferreira, 1998:136), de modo a evitarmos a disperso ou a possvel evaso de contedo de resposta. Por outro lado, em alguns momentos foi impretervel o controlo do fluxo de informao, o qual se tentou gerir com diplomacia, sem melindrar o entrevistado em questo. No houve, portanto, em nenhum dos oito casos, registo de situaes de silncio to prolongado que clamasse por uma interveno muito marcada da entrevistadora. Consequentemente, podemos afirmar que o comportamento demonstrado pelos entrevistados revelou uma clara liberdade de expresso, sem grandes constrangimentos, talvez tambm devido ao relativo isolamento

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espacial em que se tentou efectivar as entrevistas. Embora devamos aqui referir o caso da docente que apresentou um sistemtico nervosismo face ao aparelho de gravao da entrevista. Acrescentemos ainda que a triangulao dos dados foi conseguida atravs da obteno de dados, por via informal, na sala de professores e nos corredores da escola mediante comentrios que se foram ouvindo durante as recorrentes visitas da entrevistadora.

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Captulo IIIA gesto de conflitos na escola

1. Delimitao do problema

Actualmente vive-se um dia-a-dia repleto de situaes conflituosas. Todos experimentam conflitos com o(s) outro(s). Conflitos que nascem de meras diferenas de opinio ou de metodologia, mas que geram perspectivas por vezes contraditrias geradoras de diferenas problemticas de interpretao das ocorrncias, ou mesmo de situaes de agressividade fsica violenta, sempre que se verificam dificuldades em gerir o conflito e se resolve adoptar a estratgia que se pensa resultar sempre a fora fsica. Esta uma situao de toda a sociedade em geral, mas que assume contornos de gravidade nalguns casos, particularmente no caso do contexto escolar. Todos sabemos que as exigncias colocadas hoje escola constituem imperativos de ordem no s formativa acadmica, mas tambm de natureza pessoal e social. H outras carncias na sociedade do sculo XXI, diferentes das do sculo passado; as quais, evidentemente, requerem outras respostas. Por isso, torna-se urgente a mudana do que era naquilo que tem de ser, ou que deve ser. A recorrncia sistemtica a situaes sem que as sujeitemos a anlise, reflexo e interveno, no sentido da procura de solues adequadas a cada caso em especial, dever ser abandonada para que consigamos escolas de sucesso. A manuteno das tradicionais medidas disciplinares punitivas, a que o sistema educativo usualmente recorre, no pode ser, no , estratgia que cumpra os requisitos formativos exigidos nos nossos dias. A diferenciao social e cultural que chega s escolas actualmente apresenta fossos abismais em relao ao contexto tradicional e causa um desequilbrio provocador de perturbaes significativas na convivncia dos alunos na escola. Os conflitos emergem em qualquer local exterior ou interior e a escola no dispe de respostas eficazes para os resolver ou amenizar. Temos de ponderar os diferentes

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modelos de gesto de conflito capazes de dar a resposta adequada. que lidar com o conflito de forma construtiva, levando ao seu entendimento, comunicao efectiva, compreenso das razes da diferena, ... saber lidar com tudo isso significa encontrar uma outra forma de gesto de conflitos, uma que produza efeitos mais duradouros; cuja aplicao seja mais fcil e frutfera num contexto to complexo como o contexto escolar. Mas surge neste ponto uma questo que hipteses tem a escola para

desenvolver outras estratgias de gesto de conflito? De que autonomia dispe para proceder escolha das medidas mais eficazes? Paralelamente a estas, surgem ainda outras questes prementes de resposta:

-

Que modelos de gesto de conflito existem hoje nas escolas portuguesas?

-

Que autonomia ter a escola para o desenvolvimento de um outro processo de gesto de conflitos?

-

Que mudanas se tornam imprescindveis para que a escola consiga lidar de forma harmoniosa com os conflitos?

-

Poder a Mediao entre Pares constituir uma forma de gesto alternativa?

-

Os alunos sero capazes de lidar convenientemente com os seus conflitos?

Estas sero algumas perguntas com respostas que variam obviamente de escola para escola, dependendo da cultura e do clima a vividos e tambm, claramente, do tipo de liderana e do grau de autonomia e participao que essa liderana seja capaz de implementar nas suas prticas escolares / educativas. Que fazer? Por onde comear? Que respostas dar em termos organizacionais? Partindo, por exemplo, da planificao e desenvolvimento de estratgias que evitem a aplicao sistemtica de processos disciplinares, por forma a incentivar o xito das relaes interpessoais na escola e, consequentemente, a criar um clima de bem-estar motivador das diversas aprendizagens. Uma das primeiras medidas parece-nos ser, a par de outras, o controlo informal. Como poder ele ser efectivado? Solicitando a todos

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os elementos da comunidade educativa essa atitude informal, chamando oportunamente a ateno para a existncia de outras hipteses de reaco/comportamento face a determinada situao. A implementao de actividades extralectivas, por exemplo, ajudar tambm, com certeza, a que os jovens sintam sempre o seu tempo ocupado e no se dispersem pela consecuo de outros comportamentos, afastando assim a sua

criatividade negativa de querer pr os outros prova. A definio clara das regras em todos os espaos de actividades, demonstrando autoridade e delimitao especfica dos papis que cada um deve assumir para que o outro possa igualmente desempenhar o seu prprio papel; abandonando o autoritarismo e simultaneamente a permissividade, encontrando o equilbrio.

Qualquer que seja a estratgia escolhida para lidar com o conflito, ela no pode ser muito distante de objectivos integradores que consigam uma convivncia mais pacfica. Ter de ser uma estratgia promotora de um melhor ambiente escolar e, portanto, motivadora para a aprendizagem em qualquer contexto escolar ou outro.

2. O adolescente e a escola

A adolescncia uma fase de conflitos inerentes (explcitos, implcitos ou ocultos), melhor resolvidos por uns, pior por outros; dependendo o xito e rapidez de resoluo da capacidade dos jovens se relacionarem consigo prprios e com os outros. A necessidade de aceitao por parte dos colegas uma das principais caractersticas deste perodo turbulento da vida. Torna-se, assim, indispensvel a criao de um autoconceito favorvel e de um grau de auto-estima elevado, para que o adolescente consiga resolver

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os seus problemas, sobretudo a nvel emocional. Isto ser conseguido mais facilmente se houver uma motivao resultante de uma srie de reforos positivos dados pelos mais velhos, pelos adultos sua volta principalmente os pais e os professores. As transformaes fsicas e cognitivas que tomam lugar durante a fase da adolescncia parecem precipitar muitos dos desafios sociais e psicolgicos com que os adolescentes so confrontados e, provavelmente, constituem parcialmente a base das diferentes formas da abordagem que cada adolescente utiliza perante os problemas ligados obteno de uma identidade (Sprinthall & Collins, 2203:149). Essa diferenciao ainda mais potencializada pelo carcter desigual que () o crescimento durante a adolescncia engloba [; sendo o resultado de] uma aco combinada entre as ntidas modificaes biolgicas, sociais e cognitivas dos indivduos, e os contextos ou domnios, nos quais eles experienciam as exigncias e as oportunidades que afectam o seu desenvolvimento psicolgico (Ibidem:40). Desenvolvimento psicolgico que, assim, assume perfis desiguais de adolescente para adolescente, modificando a sua maneira de perspectivar o mundo e os conflitos a ele inerentes. Os conceitos de compreenso do exterior e de si prprio sofrem, portanto, alteraes ao longo da evoluo de cada estdio de maturao, atingindo a dimenso de compreenso do outro exactamente na fase inicial da adolescncia. Constate-se os nveis de compreenso interpessoal propostos por Selman (in Ibidem:159), num quadro sintetizador:

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NVEL0: Assuno egocntrica de perspectivas (at aos 6 anos de idade)

CONCEITOS SOBRE AS PESSOASIndiferenciados: confuso entre as caractersticas internas (sentimentos, intenes) e externas (aparncia, aces) das outras pessoas.

CONCEITOS SOBRE RELAESEgocntricos: fracasso no reconhecimento de que ele e as outras pessoas tm diferentes pensamentos e sentimentos, assim como diferentes caractersticas fsicas e externas.

1: Assuno subjectiva de perspectivas (5-9 anos de idade)

Diferenciados: distingue sentimentos e intenes das aces e aparncias.

Subjectivos: reconhece que os outros podem sentir e pensar de uma forma diferente da sua capaz de perceber que os outros so

subjectivos, mas possui concepes limitadas sobre o modo como estas diferenas tm possibilidade de afectar os indivduos entre si (e.g., os presentes fazem pessoas felizes, independentemente do que se lhes oferece).

2: Assuno autoreflexiva ou recproca de perspectivas (7-12anos de idade)

Segunda pessoa: capaz de reflectir sobre os seus prprios pensamentos e consegue perceber que os outros so capazes de fazer o mesmo (cf.

Recprocos: consegue pr-se no lugar do outro, e percebe que os outros podem fazer a mesma coisa; por isso, os pensamentos, e no meras aces, tornam-se na base das interaces; contudo, estas duas perspectivas no so reconhecidas como estando a influenciar-se uma outra.

pensamento recursivo); tem conscincia de que as aparncias podem no traduzir verdadeiros sentimentos.

3: Assuno mtua de perspectivas (10-15 idade) anos de

Terceira pessoa: sabe que ele e os outros agem e reflectem sobre os efeitos das atitudes sobre si mesmos; reconhece a sua prpria perspectiva (subjectiva) imediata e tem tambm conscincia de que ela se enquadra dentro do seu padro geral de atitudes e valores.

Mtuos: consegue imaginar a perspectiva da outra pessoa sobre si prpria e sobre as suas atitudes, coordena a viso alheia inferida com o seu prprio ponto de vista (i.e., percepciona o seu eu da mesma forma que os outros o fazem); por isso, comea a ver as relaes entre as pessoas como um processo de partilha mtua de satisfao ou de compreenso social.

4: Assuno profunda e sciosimblica de perspectivas (12 anos-adulto)

Profundos: reconhece que as pessoas so nicas, produto de complexas

Scio-simblicos: os indivduos podem formar perspectivas uns sobre os outros a nveis diferentes desde compartilhar informaes ou interesses superficiais a dividir valores ou opinies comuns a respeito de ideias bastante abstractas de natureza moral, legal ou social.

combinaes das suas histrias pessoais; alm disso, tem conscincia de que as pessoas podem nem sempre compreender as suas prprias motivaes (i.e., que podem existir processos psicolgicos inconscientes).

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Pela a anlise deste quadro observamos que durante os anos pr-adolescentes, o conhecimento das perspectivas dos outros comea a fazer parte do raciocnio social, o qual se torna cada vez mais complexo. (Ibidem:158). Nesta perspectiva enquadra-se a capacidade de compreenso das diferentes interpretaes de uma mesma realidade de que o adolescente j capaz. Por outro lado, regista-se a tentativa de aceitao pelo grupo de colegas e de obteno de um estatuto de igual entre colegas. Factos que se devem, como vimos, s caractersticas de desenvolvimento cognitivo e afectivo que apresenta a sua faixa etria/estdio de desenvolvimento. Os jovens esforam-se por conseguir uma identidade social baseada sobretudo em comportamentos demonstrados pelos outros em relao a si prprios. Nesse sentido, so levados a um esforo pessoal para corresponderem s expectativas dos outros, seus pares. Da se afirmar a grande influncia que o grupo de colegas exerce na adolescncia. E a escola? Que papel assume na formao dos jovens? Antes de mais, a escola o espao em que os adolescentes encontram esses pares. Ser importante que os jovens a encontrem hipteses de formao promovidas por um clima de bem-estar e por uma cultura de aprendizagem baseada na ultrapassagem de desafios, atravs de uma metodologia de explorao e descoberta, para que consigam delinear perspectivas de sucesso nas suas vidas. A criao de um ambiente propcio, sem actos violentos, sem graves conflitos factor preponderante para tal, uma vez que o ambiente com que as pessoas interagem tem uma influncia extremamente importante no desenvolvimento do seu potencial individual. Esta influncia mais significativa na adolescncia do que em qualquer um dos outros perodos de desenvolvimento () (Ibidem:565). Importa tambm registar que podemos, dentro da realidade que a escola envolve, condensar os factores que afectam esse desenvolvimento e a sua eficcia no sucesso do jovem em trs grupos ou nveis, a saber (de acordo com Robert Marzano):

School level - guaranteed and viable curriculum - challenging goals and effective - parent and community involvement - safe and orderly environment - collegiality and professionalism

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Teacher level - instructional strategies - classroom management - classroom curriculum design

Student level - home environment - learned intelligence and background knowledge - motivation (in www.whatworksinschools.org)

Para alm desta influncia repartida, e a par da considerao da escola como instituio de formao global, no nos podemos esquecer de que os adolescentes sentem uma grande falta de comunicao e vem na figura do professor uma possibilidade de comunicar com um adulto, com algum que lhes fornea um modelo de comportamento estruturado e que lhes sirva de hipottico exemplo. Por isso se diz que o adolescente precisa de adult time, i.e., de comunicar com pessoas que supostamente j tm a sua personalidade formada e que lhes transmitam posturas e atitudes vivenciais; que, no fundo, lhes facultem a possibilidade de desenvolvimento moral e social de que carecem ainda. Ser esse tambm um dos papis da escola: preparar indivduos, ajudando a estruturar filosofias de vida e valores, de modo a que adquiram a capacidade de prevenir situaes problemticas ou que as consigam resolver de uma forma positiva. Daqui resulta a bvia necessidade de todo o processo educativo ser gerido em funo dos alunos a que se dirige, tendo em conta as suas caractersticas; com vista delineao de estratgias adequadas ao desenvolvimento das competncias pretendidas e promoo das capacidades de cada um. Isso exige um conhecimento muito profundo dos alunos, originando, inevitavelmente, a adopo de prticas motivadoras do desenvolvimento cognitivo, emocional e relacional/social do adolescente. Essas prticas podem ser operacionalizadas com recurso a actividades habitualmente designadas como sendo extralectivas. Referimo-nos concretamente a actividades de debate com colegas ou com convidados da comunidade; de role-play; de leitura de jornais ou revistas de informao; de desempenho de papis de jornalistas/reprteres, ... (vid Anexos, 1). Este

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tipo de actividades (que podem e devem igualmente ser dinamizadas ao nvel lectivo em diversas disciplinas curriculares) leva-os a:

ter de seleccionar um assunto, aprendendo a efectuar opes e a valorizar devidamente as escolhas, assumindo-as como uma das possibilidades a interpretar nas diferentes perspectivas, conduzindo o aluno a posicionar-se de modos diferentes do seu e para tal a ter de compreender as outras interpretaes a preparar argumentao para possveis opinies divergentes, obrigando a fazer uma reflexo pessoal e a estruturar uma justificao plausvel e congruente ...

O aluno aprende, deste modo, a tomar decises e a consciencializar-se das consequncias dessa tomada de posio e, assim, vai aprendendo a desenvolver os seus prprios valores e as suas prprias reaces face a determinadas situaes especficas, eventualmente problemticas, eventualmente geradoras de conflito. De facto, resulta da nossa experincia docente a constatao de que as actividades extralectivas do resultados muito positivos em termos de desenvolvimento, ou criao, do gosto pela escola; podendo deste modo ser consideradas para alm de instrumento didctico, um recurso preventivo. Tal como a organizao destas actividades extralectivas, a constituio de parcerias com algumas entidades (vide Anexos 1.2.), visando possibilitar a insero de prticas escolares no contexto local e vice-versa, ser sempre meritria e indispensvel na construo de uma escola cultural, de uma escola inteira. Um contexto escolar que oferea situaes diversas, contextualizadas e significativas de aprendizagem ser, certamente, um contexto que fruto de uma adequada cultura organizacional e gerador de um bom ambiente/clima, formando um factor determinante daquilo que habitualmente se designa por sucesso escolar. Um contexto escolar pouco atraente no desperta interesses, no incentiva, no mostra claramente o valor do aprender. E a utilidade do saber sempre questionada pelos alunos que no gostam da escola: Oh stora, vou aprender isso para qu?, pois vem a hiptese de argumentao suficientemente vlida para justificar o seu desinteresse. As subsequentes respostas a perguntas como esta tm de ser

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sinnimo de uma aproximao da escola sociedade e ir ao encontro das perspectivas de vida profissional futura destes alunos, para que se sintam motivados para a aprendizagem. que, hoje em dia ainda se verifica (contrariamente ao que seria desejvel), um fraco grau de correspondncia entre o saber acadmico e as vivncias e experincias in loco; facto que provoca um crescente alheamento dos alunos face escola e realidade circundante. Como afirma Benavente, os novos valores de solidariedade, cooperao e justia social que emergem, entre outros, das prticas efectuadas, no podem ser simplesmente apreendidos por via do entendimento (1993:111), mas essencialmente atravs da experimentao, acrescentaramos ns. O uso de estmulos e motivaes, o uso de reforos positivos, factor decisivo no desenvolvimento da formao. , portanto, arma eficaz para combater o insucesso escolar e social. Para isso, torna-se urgente uma nova abordagem do saber, estabelecendo um relacionamento eficaz com a realidade que nos circunda; atravs de outras prticas pedaggicas; com o recurso a outros meios e a outras estratgias conseguiremos alcanar esse objectivo. que a adeso e identificao do aluno com as situaes de aprendizagem criam, s por si, potencialidades motivadoras de consciencializao de que o aluno pode fazer alguma coisa nova. Estimulando a sua actividade criativa, o seu esprito crtico, a sua expresso e a sua pesquisa/investigao, contribuiremos para a sua formao acadmica, mas educaremos tambm o aluno a um outro nvel o das atitudes e dos comportamentos. Como diria Pestana, a escola estruturante de comportamentos e atitudes (1995:45) e ela constitui um espao e um tempo privilegiados de interiorizao de normas e valores que so determinantes na construo de personalidade (Ibidem). Por isso, fundamental o aproveitamento da oportunidade criada pela frequncia da escola para podermos influenciar positivamente os alunos. Ajudar jovens em idade de indefinies como a adolescncia, basear esse trabalho no apoio ao desenvolvimento de emoes e afectos uma tarefa de suprema complexidade e de muito fcil fracasso, se no for cabalmente estruturada. As escolas no podero apenas responder s necessidades dos alunos com necessidades educativas especiais ou aos habitualmente designados alunos em risco; mas, igualmente, queles que so apelidados de normais. Ajudar significa conhecer as caractersticas e necessidades de cada um e de todos; significa reconhecer a forma desigual de acesso aos diferentes recursos culturais (e, portanto, a desigualdade de resultados obtidos), tentando reduzi-las ao mnimo.

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Essa desigualdade marca, de forma determinante, as possibilidades de realizao das aprendizagens, fazendo-as ganhar ou perder contornos mais ou menos democrticos. que a escolaridade obrigatria trouxe escola sectores da sociedade que a no conheciam antes e que, em alguns casos, at a rejeitavam. H que respeitar as diferenas entre os alunos, tomando-as em considerao, nunca acentuando ainda mais essa diferena pela demarcao/sinalizao ou por um tratamento especial. Se pensarmos nas desigualdades sociais e nas diferentes respostas possveis de cada um dos alunos face a uma mesma situao, do ponto de vista da escola considerada to igualitria (mas por eles percepcionada de maneira distinta ou at mesma oposta) vemos que esta diferena de percepo provoca usualmente reaces negativas, como comportamentos desadequados ou problemas de indisciplina, acentuados ainda mais pela falta de ocupao dos tempos livres. Estes so os alunos a quem habitualmente ouvimos a pergunta Para que serve a escola?; cuja resposta define os objectivos que cada um pe na sua escolarizao e, consequentemente, a lgica de conduta que ir pr em todo o seu desempenho escolar. A reside a diferena entre o sucesso e o insucesso escolar. Temos, ento, de delinear hipteses de resoluo, adiantando por exemplo, actividades que sejam, simultaneamente, ocupao de tempos livres (e portanto recurso preventivo de hipotticas situaes de conflito, que so usualmente geradoras de insucesso e posterior abandono) e motivadoras da frequncia da escola (e portanto instrumento didctico, criadoras de vontade de aprender e, portanto, de sucesso). Consequentemente surgiro estratgias de resoluo dos mais variados problemas que emergem numa escola.

Parece oportuno que nos debrucemos um pouco sobre esta questo dos problemas educacionais. Quando nos referimos a eles, pensamos, de imediato, na aprendizagem dita formal e, logo, no (in)sucesso acadmico dos alunos nas vrias disciplinas escolares. Mas devemos considerar, igualmente, aqueles que so directamente causados por questes de ordem comportamental, comummente designados por disciplinares. A resoluo de cada um deles no pode ser tomada de modo isolado; uma vez que, na maioria dos casos, os primeiros so causa dos segundos e vice-versa; facto que implica, geralmente, a procura de respostas rpidas. No entanto, temos de ter conscincia de que preciso tempo para que (pela associao ou substituio de tcnicas e de situaes de aprendizagem, de recursos e contactos, de motivaes e estmulos variados) produzam as concretizaes

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dos objectivos visados, explicita ou implicitamente. Tenhamos tambm conscincia de que os problemas que se pem educao no so resolveis por um s meio ou atravs de uma s estratgia. Sabemos que a escola, obviamente, no dispe de professores sbios e que a sua formao pedaggica e cientfica no abrange a especializao em tecnologias mais ou menos distanciadas da sua vivncia. Mas h que tentar e criar, produzindo situaes de experimentao de aprendizagem diversas, mais ou menos estranhas aos hbitos e aos espaos tradicionais do nosso sistema de ensino. O espao lectivo tem de ser alargado e abarcar o espao exterior da sala de aula; derrubando todas as barreiras e limites impostos pelas percepes tradicionais de ensino. H que agir. E devemos comear por inventariar os factores que provocam a causa de tal situao, delineando um diagnstico atravs da anlise de todo o contexto que envolve determinada situao (vide Anexos 2.). Convm, no entanto, no esquecer que em educao no h solues milagrosas (Birzea, 1982:120), como em qualquer outra rea, acrescentaramos ns. E tambm, como em qualquer outra rea, no h solues nicas. Ou melhor, a soluo adequada para uma situao, num determinado momento e contexto, no , certamente, a resposta mais apropriada ao mesmo problema num outro momento e/ou contexto. De facto, a igualdade no existe, em caso algum. J Aristteles dizia que nada mais difcil do que tornar iguais as coisas desiguais. A igualdade s pode ser oferecida em termos de hipteses para atingir resultados. E educar no criar alunos iguais procurar que todos sejam bem sucedidos (Birzea, 1982:120). , talvez a aproximao daquilo que Bloom, em 1968, apelidou de mastery learning. Dizemos aproximao porque, esta como outras teorias, apresenta solues algo estreitas e reducionistas. Diz o povo, com mestria, que no meio que est a virtude. E tanta sabedoria popular s pode resultar de tanto saber de experincia feito. No se pode esperar xito de qualquer coisa que apresenta apenas uma soluo nica, ainda menos se aplicada a um conjunto to diverso como so os adolescentes alunos de uma escola. Conseguir que tenham sucesso no pode ser oferecer a todos a mesma receita. Flexibilidade (de tudo e de todos) ser talvez a palavra-chave. Como vimos anteriormente, o alargamento da escolaridade obrigatria veio trazer escola utentes de origens sociais muito diversificadas, com capacidades muito desiguais. As oportunidades para atingirem essa escolaridade tm, com certeza, de ser igualmente diferentes. A adequao s necessidades de cada aluno dever ser a tarefa principal de qualquer pedagogo. O capital humano da escola tem, assim, de ser

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eficazmente rentabilizado. Ao professor so exigidos novos papis, especialmente no que diz respeito s relaes interpessoais. Analisar, compreender e orientar so capacidades essenciais quando se pretende a operacionalizao da referida adaptao pedaggica, sempre com vista ao sucesso do maior nmero de alunos. Como afirma Birzea, pretende-se a garantia de aprendizagem de um mnimo de performances comuns a todos (1982:57). A resposta eficaz aos interesses dos utentes ser aquela que implique a obteno de qualidade e de equidade atravs de processos de aproximao das pessoas, atravs da criao de um sentimento de ligao escola e de integrao da e na sua cultura, gerindo convenientemente jogos de interesse e possveis conflitos, mediante a afirmao de um poder democrtico. Mediante uma liderana eficaz na conduo dos elementos da comunidade educativa, num percurso profissional motivado e empenhado de construo de um projecto global educativo, dinamizando o potencial existente no restante conjunto de agentes educativos da comunidade local. , por isso, importante que as articulaes horizontais e verticais do tecido educativo no esmoream e se incrementem cada vez mais, em nmero e complexidade, no fomento de uma cultura prpria, plena de referncias estruturantes que visem, sobretudo, o desenvolvimento de competncias e de saberes autnomos. Insistindo na valorizao das diferenas e no na sua marcao insistente mediante tratamentos especiais que desconstroem relaes, enviesando polticas afectivas que devem ser carregadas de esperana emocional.

A propsito, seria til a recorrncia sistemtica de todo o processo educativo s cinco competncias bsicas da inteligncia emocional:

Conhecer-se a si prprio Autocontrolo emocional Capacidade de leitura emocional dos outros/Empatia Motivao/Automotivao Capacidade de interagir com os outros

A par do desenvolvimento destas competncias e partindo da noo de que se visa transformar aquilo que naquilo que deve ser, luz de determinados valores e atravs da consecuo de determinados objectivos, impe-se um verdadeiro

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conhecimento da realidade, i.e., daquilo que , e um eficaz estabelecimento de prioridades de acordo com a anlise da situao real em observao. bvio portanto, que o diagnstico das necessidades fsicas, sociais e integrativas (no fundo a descoberta das carncias no s escolares como sobretudo globalmente educacionais) so a base de anlise que poder fornecer informaes imprescindveis formulao e seleco das metas a atingir pelos educadores escolares. Depois das concluses desse estudo h que no esquecer a adequao do conjunto de objectivos da disciplina que cada um lecciona e seleccion-los, reformulando-os se necessrio, de acordo com as caractersticas dos alunos. E, se ainda assim, se apresentarem algumas dificuldades de realizao dessas metas? ento altura para nova reformulao e para repensar outros meios, outras estratgias, outras actividades, que ajudem a atingir tais objectivos, uma vez que o problema pode no estar originariamente nos objectivos em si, mas nos meios que se utilizam para se alcanarem, ou seja, na tipologia de estratgias adoptadas. H que mudar as prticas para se mudar a escola, mas como diria Ana Benavente, a escola s se pode mudar se se mudarem as prticas e as fundamentaes pedaggicas que lhe esto na base. Torna-se necessrio escola a construo de uma filosofia educacional que assente num conjunto de finalidades/metas que sirvam de apoio aos objectivos de cada uma das diferentes disciplinas. Filosofia que de traduzida em termos de um conjunto de valores importantes para uma vida pessoal e social eficaz e satisfatria e que so, segundo Tyler (1976):

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o reconhecimento da importncia de todo o indivduo humano como tal, independentemente do seu estatuto social, racial ou econmico

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a oportunidade de participao na sociedade o estmulo diferena de personalidade o uso da inteligncia como mtodo de resoluo de problemas

Tal filosofia educacional visa no s a adaptao dos alunos sociedade, mas tambm a compreenso e conhecimento dos factos que nela ocorram para que possam participar com suficiente competncia, para que possam viver nela e para que possam tentar melhor-la. As metas estabelecidas sero atingveis de acordo com a congruncia da seleco dos objectivos, que se revela operao complexa, uma vez que requer a44

avaliao de informaes recolhidas atravs da anlise ponderada da sociedade, do educando e do conjunto dos curricula. Em funo desse diagnstico estabelecem-se as necessidades educativas, definem-se as prioridades e escolhem-se os caminhos metodolgicos a seguir. Simultaneamente deve ser considerado o tipo de grupo e o nvel etrio dos alunos, tendo em conta as concepes e os princpios psicopedaggicos sobre o desenvolvimento, aprendizagem e interesses desse grupo a fim de identificar atitudes, aptides e conhecimentos que j possuam e aqueles que devem ser adquiridos, que sejam viveis face s condies do processo ensino/aprendizagem. Como formular os objectivos educacionais de acordo com todos esses pressupostos ? De acordo com Carrilho Ribeiro, O modo de formulao de objectivos () exige a sua descrio segundo duas dimenses necessrias o contedo e o

comportamento cujo cruzamento clarifica e especifica o que se visa alcanar como resultado da aprendizagem dos alunos, sejam conhecimentos, aptides ou atitudes a demonstrar (1990:106). A formulao de objectivos deve ser clara e precisa a nvel do enunciado para que estes sejam, de facto, atingveis e se possa da inferir o tipo de actividades mais apropriado para os operacionalizar. Essa formulao deve ainda apresentar-se organizada numa estrutura articulada, de modo a que no tenhamos apenas listagens sem critrios de organizao. S assim se conseguiro conjuntos coerentes de objectivos, permitindo definir prioridades na seleco de contedos e de experincias de aprendizagem. Ainda segundo Carrilho Ribeiro (1990) os critrios de classificao de objectivos so os seguintes:

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Matrias ou reas disciplinares Domnios do comportamento humano Necessidades de desenvolvimento do educando reas funcionais da vida social

As diferentes combinaes dos critrios precedentes no tm obrigatoriamente uma ordem pr-estabelecida podendo seguir-se a mais frequente por domnios de comportamento cognitivo, afectivo e psicomotor de acordo com qualquer uma das diferentes taxionomias que estabelecem hierarquias (por exemplo por nveis de

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complexidade de operaes a realizar pelo aprendiz dentro dos trs domnios do comportamento, da autoria de Bloom e Krathwohl). Em sntese, quando formulamos objectivos para uma determinada actividade devemos verificar se correspondem aos seguintes requisitos:

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Relevncia Congruncia Compatibilidade Equilbrio Viabilidade No nos podemos ainda esquecer de que todo este processo s ter xito se as

condies de aprendizagem forem muito bem organizadas e orientadas pelo professor; motivando os seus alunos; explicando implcita ou explicitamente os objectivos de cada uma das actividades propostas; clarificando a informao requerida; orientando a tarefa e transmitindo feed-back, com vista avaliao global de todo o trabalho desenvolvido. Contribuindo, deste modo, para o aperfeioamento de todo o programa educativo e para a anlise dos resultados de aprendizagem atingidos, atravs de um processo cclico de formulao e reformulao de objectivos educacionais. Estas finalidades constituem uma alargada base de fornecimento de sugestes de objectivos, designadamente a nvel cognitivo, afectivo e psicomotor. Uma vez que envolvem modos de pensar, de interpretao crtica de reaces emocionais, de interesses, ... ; tal como desenvolvem a criao de valores pessoais e sociais. Vemos, portanto, que a planificao de todo o processo de ensino/aprendizagem formal ou informal deve ter em conta as necessidades e caractersticas de cada aluno a que se dirige, com vista delineao de objectivos e estratgias adequadas promoo das capacidades de cada um. As actividades escolares devem ser planificadas em funo do aluno, dos interesses e limitaes que cada aluno apresenta. Isso exige um conhecimento muito profundo dos alunos, o que leva, inevitavelmente, adopo de estratgias que se revelem um meio de proporcionar o desenvolvimento cognitivo, mas acima de tudo, emocional do adolescente; pois s dessa forma se alcanar o sucesso escolar.

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Assim, o papel do professor no reside tanto na transmisso de uma srie de contedos, mas na sua capacidade de compreender as diferenas verificadas no seio de uma turma e na consequente adequao do ensino e considerao/manipulao do maior nmero possvel de variveis do processo de aprendizagem, dentro e fora da sala de aula. Reconhecer estas diferenas e agir de acordo com esse reconhecimento o nico mtodo comprovado de preveno dos problemas, sejam eles de que ordem forem. A maior parte dos casos de insucesso escolar pode atribuir-se, decerto, a um estilo de ensino inadequado e a outras deficincias escolares, influenciadas e agravadas pelas carncias de todo o tipo que as crianas sofrem no seu ambiente familiar e social (Dias, 1989:49). A adequao do estilo de ensino parece ser a estratgia que permite atingir a desejada situao de sucesso. Segundo Seeley (1985), isso conseguir-se- mediante a estreita colaborao da comunidade, da famlia e da escola. S a aco conjunta e coordenada destes trs elementos dominantes na vida do aluno poder contribuir decisivamente para o sucesso escolar. O ambiente familiar e social e os exemplos que o adolescente a observa so factores determinantes na sua conduta pessoal e social. A sua personalidade vai sendo marcada pela influncia destes factores. As aspiraes e as expectativas que os pais formulam em relao aos filhos vai determinar o tipo de objectivos que os alunos constroem. E o conflito nasce precisamente quando essas expectativas no so realistas. O professor assume aqui um papel importantssimo reconhecer as suas dificuldades) e os pais (ajudando o aluno a

(fazendo-os construir expectativas

realizveis). Chegamos ento a uma combinao de expectativas que se iro reflectir nas possibilidades de aprendizagem, na motivao geral, no seu autoconceito e na relao que os alunos estabelecem com os professores. O resultado desse relacionamento, o chamado clima, no s da aula mas essencialmente fora dela, vai desempenhar um papel fundamental no tipo de interaces entre professores e alunos. Essa relao directa e consequente entre os respectivos comportamentos ir permitir a integrao de cada aluno na turma e a sua dependncia das condutas adoptadas pelo professor. Vemos, portanto, que o estmulo que o professor veicula ao aluno exerce uma influncia directa no tipo de actuao participativa do aluno. Ento, as estruturas afectivas temperamentais e motivacionais esto intimamente implicadas na determinao do tipo de participao comunicativa do aluno e o seu sucesso no depende apenas de si

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prprio, mas tambm de quem o ensina. Assim sendo, somos levados a pensar que a base da questo assenta sobretudo na tipologia de relao que cada aluno estabelece com cada professor, ou seja, em explicaes de ordem sociolgica. Mas no cremos que este factor isolado seja conducente ao (in)sucesso escolar, bem como a responsabilidade no pode residir apenas na instituio escola. necessrio elaborar esquemas interpretativos e de interveno mais dialcticos e operacionais; uma vez que os favorecidos e os desfavorecidos no existem em si, existem necessariamente em relao a normas que se tomam como critrio de distino (Benavente & Correia, 1981:21). No devemos cair em redundncias e estreitezas de opinio, como defendem estas autoras uma rvore no faz a floresta e o insucesso escolar uma floresta densa e intrincada, composta de rvores diversas: uma estrutura e desenho de conjunto que no se explica pela anlise de cada rvore em particular, isolada das outras. O importante encontrar as pistas de explicao comuns; importante identificar obstculos ao sucesso de modo a construir uma escola mais harmoniosa e democrtica, em inter-relao com as necessidades de alunos diversos e com diferentes caractersticas scio-culturais (Ibidem:22). O insucesso escolar pois um fenmeno relacional em que esto implicados: o aluno, com a sua personalidade e histria individual, situado na sua famlia e meio social; e a escola, com o seu funcionamento e organizao, os seus instrumentos pedaggicos e contedos a que os professores do vida; escola tributria da poltica educativa que lhe atribui meios e objectivos (Ibidem:23). Atravs da sincronia de esforos de todos os agentes educativos ser possvel uma educao/formao com base na aquisio de conhecimentos, mas permitindo tambm o desenvolvimento de competncias relacionais/sociais do aluno. E a funo do professor passa, assim, de transmissor para mediador. Porter defende que o professor ter de desenvolver uma srie de competncias de:

diagnstico (tem a ver com as necessidades e com as capacidades dos alunos, para isso deve conhec-los suficientemente bem) resposta (identificadas as necessidades, o professor tem de dar uma resposta, que a prpria actividade lectiva) avaliao (que