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A FESTA DE NATAL DO CRNORTE
que já jogou no Benfica e por isso é como se fosse por-
tuguês. E, com um bocado de sorte, até mesmo o Pepe,
um brasileiro que é português, era capaz de molhar a
sopa. Claro que, por “molhar a sopa”, não quero dizer
“dar umas sarrafadas”, que, lá isso, ele dá sempre, mas
sim a meter um golito ou dois.
A verdade é que, quando os muitos presentes con-
vivas se sentavam à mesa, daqui e dali saíam já alguns
murmúrios de desconforto: e porque isto e porque
aquilo, e que a organização deveria ter estado atenta a
estes pormenores e fazer muito melhor, que diabo, ecrã
até havia, era só uma ligaçãozita. Já se murmurava de
tudo, até da comida que nem sequer servida estava.
Por isso, era ver toda a gente, de Iphone na mão, a
seguir as peripécias do jogo. Com um golo aos 20 segun-
dos, o Real Madrid ia dar mesmo uma monumental
cabazada, o Mourinho era, sem dúvida, o melhor do
mundo e o Messi, ao lado do Cristiano Ronaldo, não
passava de um artista cujo valor era igual à sua medida,
isto é, muito baixo.
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Entretanto, como ninguém estava ali para escrever
um romance de tese ou compor um quarteto de cordas,
toda a gente foi fechando a boca para os murmúrios e a
foi abrindo para a comida, atirando-se a ela como leão
esfaimado a gazela acabada de caçar. Já os vinhos brancos
e tintos, maduros ou verdes, corriam alegremente pelas
gargantas dos convivas e se iniciava um louvor generali-
zado a toda a organização, como sempre impecável, que,
previdentemente, não tinha anuído a inaceitáveis pedidos
para montar ecrãs na sala por causa do jogo, e assim é
que estava bem, não tínhamos que estar ali a ver jogos de
futebol, mas antes em alegre convívio de Natal, cheio de
sininhos, criancinhas e balões.
Por falar em balões, havia também quem mordesse,
que raios partam os garotos que não sabem fazer mais
nada que não seja arrebentar balões, já não se pode estar
descansado numa festa com uma barulheira destas… A
estes desabafos, se vivo fosse e lá estivesse, teria respon-
deria Augusto Gil, “Mas as crianças Senhor/Porque lhes
dais tanta dor?” e não deixaria de exclamar Cristo (que
não é o Pai Natal porque não chegou a velho, mas sim o
menino Jesus já homem feito), “Deixai vir a mim as crian-
cinhas!”.
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Mas não estavam, e o pior é que, entretanto, o Barce-
lona vinha por ali a baixo e toca de meter golos: discreta-
mente iam-se os Iphones escapando para os bolsos. Que raio
de equipa o Real Madrid! Vê-se logo que não joga nada! Só
portugueses e ainda por cima reforçados com espanhóis o
que é que era de esperar? Nem era preciso o Messi marcar,
bastavam o Alexis Sanchez, o Xavi e o Fabregas para arru-
mar uma equipa que não sabe o que é jogar futebol! Então
aquele Cristiano Ronaldo é sempre a mesma coisa. Aquilo é
só gajas e manias. É grande, mas não é grande coisa. Ao
cabo e ao resto, ao lado do Messi não passa de um aprendiz!
Mas, à medida que avançavam novos pratos e se des-
pejavam os copos de brancos e tintos (água só para as crian-
ças ou para os adultos tomarem os comprimidos), o futebol
esvaiu-se: afinal, o que é que nos interessam a nós uns
ranhosos de um clubes espanhóis que terminam sempre os
jogos à porrada. Espanhóis, queremos é caçá-los cá, em
Aljubarrota! e as espanholas pelas praias! Aí sim, é que
fazíamos uma grande razia nelas todas!
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Enfim, se não tínhamos os espanhóis por aqui, em
comparação tínhamos os nossos presidentes que, a bem
dizer, não deverão ser menos que todos os espanhóis jun-
tos. Tenho para mim que, na nossa Câmara, há mais presi-
dentes do que grãos de areia na praia da Nazaré. Atente só o
curioso leitor: Ele é o presidente da Câmara, ele é o presi-
dente do Conselho Superior e o Presidente Regional do Nor-
te e do Sul e o da SRD Norte e o da SRD Sul e o presidente do
Conselho de Especialidade e o presidente da Delegação de
Especialidade Norte e o da do Sul e também o presidente da
Assembleia Geral e o da Assembleia Regional do Norte e o
da do Sul, não contando com os presidentes de círculo, que
são mais umas dezenas, para além de todos os outros que,
não sendo presidentes, ainda querem mandar mais do que
eles, em suma, são tantos, tantos, que estou em crer que só
mesmo eu próprio e mais outros dois ou três colegas não
somos presidentes de nada nesta Câmara. Nem queremos,
valha a verdade.
Muitos deles lá estavam neste jantar, dando-nos a ale-
gria da sua gratuita e gentil presença. Pessoalmente, con-
fesso, estava um pouco receoso de enfrentá-los. Mas por-
quê? – perguntar-se-á o amável leitor. - Será que são assim
tão maus os nossos presidentes?
E então eu iria lá pensar uma enormidade dessas? O
problema é que, segundo ouvira, parecia ter-lhes desagra-
dado uma certa crónica, que escrevi sobre o Congresso, em
que lhes tecia tais louvores e os elevava a tal nível que, apa-
rentemente, teriam ficado incomodados. Pois, afinal, tal
não correspondia à realidade. Duas ou três palavras troca-
das e tudo estava explicado. – Então – perguntará, de novo,
o perplexo leitor – nem levou na cabeça, nem nada?
De modo nenhum, excelente e amigo leitor! Antes pelo
contrário: alguns sorrisos e boas palavras! Afinal já se esta-
va naquele inefável espírito natalício, com sons celestiais e
música barroca, anjinhos no ar, os corações cheios de boa
vontade e os espíritos plenos de alegria. Era previsível, eu
deveria sabê-lo perfeitamente, que nestas circunstâncias e
com a ajuda de um bom jantar, tudo se arranjaria.
Depois das excelentes sobremesas que comemos e
das muito boas funcionarias que ouvimos cantar (por esta
mesma ordem) dei uma volta pelas mesas e tive o prazer de
encontrar muitos dos meus colegas e grandes amigos. As
palavras de incentivo que me deram ajudar-me-ão sempre ao
longo do resto da minha vida. Em resposta, seleccionei uma
das muitas famílias amigas ali presentes, a família Mota Fer-
reira, subi ao palco, meti a mão no saco e retirei o prémio
para a Maria Helena. Para que vejam que este humilde cronis-
ta também é capaz, de vez em quando, de tirar uma habilida-
de da cartola, ora bem!...
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