A ERA DA INDETERMINAÇÃO - Silva, Vanda
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A ERA DA INDETERMINAOFrancisco de Oliveira e Cibele Saliba Rizek (Orgs.)
So Paulo: Boitempo, 2007, Coleo Estado de Stio
VANDA APARECIDA SILVA
A obra ruto do projeto te-
mtico da Fapesp (Fundao
de Amparo Pesquisa do Es-
tado de So Paulo), denomi-
nado Cidadania e Democracia:
o Pensamento nas Rupturas
Polticas, com durao entre
2001 e 2005. Organizada por
Francisco de Oliveira e Cibele
Saliba Rizek, est dividida em
quatro partes, com dierentes
temas sob a responsabilidadedos autores. No conjunto so
dez captulos que analisam
o Brasil, no despontar deste
incio do sculo XXI, em die-
rentes eseras da conormao
social e poltica. De incio a
pergunta sugerida pela din-
mica narrativa dos autores :
O que est por vir, est em or-
mao ou perdeu-se na conu-
so dos sentidos? Na busca por
respostas, como nas palavras
de Cibele Rizek e Maria Clia
Paoli, na Apresentao, pas-
saram tambm pela procurae pela ateno s aes de re-
sistncia, protesto e crtica que
surgiram intermitentemente
pela sociedade [...] (RIZEK e
PAOLI, 2007, p. 10).
Francisco de Oliveira, na
Introduo desse livro, az re-
verberar. Abrindo a primeira
parte(Das invenes indeter-minao), com o texto Poltica
numa era de indeterminao:
opacidade e reencantamento,
sob a inspirao de Rancire,
Habermas e teorias da sica,o autor analisa e reete sobre o
processo de uma sociedade que
emerge de um perodo longo
de ditadura e ingressa na vira-
gem do sculo sob imprescin-
dveis desafos e aprendizagens.
Traa o panorama da inveno
poltica no Brasil (do perodo
de 1964 e 1990). Dos sucessivos
governos s matrizes tericas
que undamentaram as prti-
cas polticas, chega-se ao que
nomina era de indeterminao,
com o oco nas economias l-
deres do desenvolvimento ca-pitalista, como deagradora de
um orte impacto sobre a pe-
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riferia latino-americana. Versa
sobre as bases em que constru-
mos, portanto, a democracia.Seguindo o seu roteiro poltico,
o leitor chega a Collor, como o
marco ou o incio da era
da indeterminao (mar-
cada pela fnanceirizao
do capitalismo, exploso da
dvida externa e perda da
centralidade do trabalho, au-
tonomizao do mercado, o
mercado para alm de si).
Na segunda parte (Trabalho
e sindicalismo na era da inde-
terminao), Roberto Vras de
Oliveira, no texto O sindica-
lismo e a questo democrticana histria recente do Brasil: O
que se pode esperar?, analisa as
novas situaes que se coloca-
ram no cenrio do sindicalis-
mo brasileiro algumas vindo
a eetivar-se, sobretudo, com a
eleio de Lus Igncio Lula
da Silva para a Presidncia da
Repblica , exigindo ajustes
dos discursos e prticas. Nesse
texto temos ingredientes para
uma reconstituio dos pilares
undadores da Central nica
dos Trabalhadores (CUT) e a
ressignifcao das noes dedireitos, cidadania e de-
mocracia para o debate pbli-
co. Trata da dinmica interna e
externa destes novos sujeitos
polticos e do projeto de de-mocracia participativa, che-
gando aos dias do governo Lula
diante dos impasses e promessas
de um projeto de governo que se
testa e testado.
No mbito das clulas eco-
nmica e poltica, Leonardo
Mello e Silva, no texto Traba-
lho e reestruturao produtiva:
o desmanche da classe: aponta-
mentos em torno de uma pes-
quisa, reete sobre o impacto
dos novos sistemas de manu-
atura, que, segundo o autor,
vo causar um deslocamentoentre ormao dos salrios e
identifcao da subordinao.
Um dos pontos centrais de sua
anlise a inverso, portanto,
da orma de controle direto e
autoritrio, imposto pelo capi-
tal sobre o trabalho, passando
o trabalhador a ser o seu pr-
prio controlador. O autor nos
conronta com uma verso
mais sofsticada do como tor-
nar-se capataz de si mesmo e
do outro, analisando alguns
dispositivos de poder que so
exercidos no mbito das c-lulas de produo (teamwork)
atravs de dois aspectos, a qua-
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lifcao e o prmio. O autor
analisa os aproveitamentos de
dois modelos de produo, otaylorismo e o ordismo, em
espao abril, sobre os corpos
de sujeitos (operrios, oper-
rias) livres.
Na terceira parte (Gesto,participao e violncia: ce-
nas e postos de observao),
Carlos Alberto Bello, no texto
Oramento Participativo em
So Paulo: uma inveno de
limitado alcance. Sob luzes do
estado geral da poltica no Bra-
sil, o autor apropria-se de con-
ceitos que so sufcientemente
sustentados por Francisco deOliveira, ao mesmo tempo
em que est em dilogo com
Cibele Rizek, que, por outro
ngulo, tambm analisa o OP.
Na anlise de Bello, o enoque
sobre o OP socioeconmico
(nos aspectos redistributivo e
do gasto pblico) e sociopol-
tico (pensando na participao
popular no poder municipal),
uma vez que contrasta a ges-
to Marta Suplicy, a partir do
oramento de 2002, com outra
experincia de Porto Alegre.
Num encontro complementaranaltico, Cibele Saliba Rizek,
no texto So Paulo: oramento
e participao, az uma abor-
dagem sobre o OP, tal como em
suas palavras, para questionare problematizar a idia de que
os dispositivos de participao
poltica so necessariamente
expedientes que constituem es-
eras pblicas de interlocuo e
ao e conrontam possibilida-
des de democratizao, de pu-
blicizao da cidade (RIZEK,
2007, p. 130). Sua anlise nasce
de uma pesquisa etnogrfca
com delegados e conselheiros
do OP, membros da equipe que
coordena e assessores da C-
mara Municipal de So Paulo.
Coloca em relevo a dimensodo vnculo entre cidade e po-
ltica, bem como sublinha e re-
ete sobre a experincia do OP
no cenrio brasileiro.
Outra verso da palavra ges-
to descrita e reetida por
Ana Amlia da Silva, quando
nos remete a acontecimentos
envolvendo distintos sujeitos,
trabalhadores rurais sem terra,
jornalistas, juzes, advogados,
ativistas, atravs de seu texto
intitulado Teatro da exceo
(fguraes). Neste, somos le-
vados a conhecer os eventosocorridos na cidade de Curi-
tiba, que tm os dias 1o e 2 de
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maio de 2001 como marcos
de uma programao contra
a violao dos direitos huma-nos no estado do Paran. Do
agenciamento de imagens
criao de esttica do medo,
Ana Amlia vai evocando pro-
undas razes histricas mar-
cadas por atos de violncia,
represso e violao dos di-
reitos humanos. Personagens
principais de sua narrativa, os
sem-terra, militantes do MST,
so vtimas centrais das prti-
cas que podem ser traduzidas
como um aparato de guerra ou
guerrilha, atravs do Estado da
segurana pblica (civil e mili-tar) do Paran, bem como de
milcias privadas (jagunos e
pistoleiros) em ateno do la-
tindio. Com uma abordagem
etnogrfca sobre o Tribunal
Internacional do Paran, ana-
lisa dierentes discursos, depoi-
mentos e imagens suscitadas
e deixa aberturas para novas
investigaes, como as deter-
minaes dos movimentos dos
atores (gestados no interior
do campo de luta). O texto su-
gere, ainda, do meu ponto de
vista, reexes sobre as repre-sentaes de autoridade entre
os distintos atores e espaos e
domnios (pblico, privado,
estatal).
Transitando na linha de som-bra, tecendo as tramas da cida-
de (anotaes inconclusas de
uma pesquisa) o trabalho
de Vera da Silva Telles. Entre
espaos e arteatos, vai anali-
sando os modos de circulao
da riqueza, as mutaes do
trabalho, a revoluo tecnol-
gica e os servios de ponta, os
grandes equipamentos de con-
sumo e os circuitos ampliados
do mercado. Transeunte pela
cidade de So Paulo, durante
mais de cinco anos, a autora
procura reconstituir o que cha-ma de planos de gravitao da
experincia social e urbana,
trazendo a economia inormal
como um dos eixos articu-
ladores de sua anlise. Nessa
trama da cidade global e dos
pobres e excludos, observa
que o debate em torno do in-
ormal, ormal, legal e do
ilegal se constitui em tenso
diante da densidade terica de
outro importante debate sobre
o Brasil legal e o Brasil real.
Da resultam as zonas de som-
bras da vida social. A idia deexceo permanente um
conceito que Vera da Silva em-
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prega para embasar boa parte
de sua reexo analtica sobre
a imploso da poltica.Maria Clia Paoli abre a
quarta e ltima parte do livro
(Poltica, indeterminao e ex-
ceo) com o texto O mundodo indistinto: sobre gesto, vio-
lncia e poltica. Articula sua
anlise entre os temas cidade e
poltica. Inicia seu pensamento
demonstrando como os meca-
nismos que criam as popula-
es supruas atuam na ci-
dade. Observa como a palavra
poltica e o seu sentido esto
estigmatizados, especialmen-
te porque a autora nos remeteao plano das experincias dos
atores sociais, as experincias
populares de ao organizada,
em contraste com as prticas
da sociedade civil. Maria Clia
toca numa questo que pode
ser ecunda s anlises dos
comportamentos e escolhas
dos atores sociais, qual seja, a
representao e o signifcado
de experincia correlata au-
toridade, entendida enquanto
palavra, relato. Isso para dizer
que, apropriando-se da manei-
ra de alar sobre o que quer queseja, a traduo das prticas da
sociedade civil eita numa
linguagem para se ensinar ci-
dadania, e perversamente esta
inibidora criao de novasexperincias de expresso e rei-
vindicao espontnea; sendo
assim, o que se tem uma ci-
dadania emergencial em opo-
sio poltica. Com nase, a
autora aborda sobre a tenso
entre tcnica, violncia e pol-
tica enredando eseras do p-
blico e do privado, do coletivo
e do individual.
O Momento Lenin, escrito
por Francisco de Oliveira az
um vo retrospectivo atravs
da histria do processo de
instaurao do capitalismona Rssia, para e a partir de,
retomar alguns aspectos sobre as
condies daqueles que fzeram
a histria da Revoluo Russa,
posto que para ele esta
emblemtica para a reexo
sobre uma dicil implantao
de uma economia capitalista
sob domnios absolutista. Do
ponto de vista de Chico, isto oi
esquecido por aqueles que mar-
charam pregando transorma-
es na sociedade. Neste texto,
portanto, recorre compara-
o entre a conduta de Lenin reportando-se aos meses que
inauguram ases da Revoluo
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Russa de 1917 (Fevereiro, Abril
e Outubro) , e Lula, pois, estes
dois lderes que pregaram talmudana da sociedade, se
viram em situao e tempo de
indeterminao.
O texto de Laymert Garcia
do Santos intitulado Brasil
contemporneo: estado de ex-
ceo?. A interrogao sinaliza
para a retomada de trs textos-
chave de Francisco de Olivei-
ra, dois destes presentes nessa
obra Poltica numa era de
indeterminao: opacidade e
reencantamento; O momento
Lenin e O ornitorrinco (este
reerendado em vrios mo-mentos) , que discutem, se-
gundo Laymert, de modo mais
contundente o conceito de
estado de exceo. Pormeno-
rizando os caminhos tericos
das abordagens de Chico de
Oliveira, Laymert vai-nos le-
vando a desvendar o essencial
da ormulao do estado de ex-
ceo, assim como do processo
de desmanche (expresso de
Roberto Schwartz, na sua ree-
xo a respeito das conseqn-
cias para o Brasil sob impactos
do Colapso da modernizao,de Robert Kurz) na sociedade
brasileira. Avana revisitando
autores undantes do conceito
estado de exceo (Benjamin
e Schmitt) e vai elencando ou-tros contemporneos da flo-
sofa poltica, dentre eles, Toni
Negri e Michel Hard, Jean-
Claude Paye, Giorgio Agamben
e outros, complexifcando, as-
sim, sua abordagem em torno
das noes de soberania e de
exceo.
Luiz Roncari echa a obra
com O terror na poesia de
Drummond. Com uma bela
epgrae do poeta (Confsses
de Minas), chama-nos ao pla-
no do potico e crtico, talvez
para nos questionarmos sobrea nossa capacidade de voltar-
mos a ser homem, mulher.
A tragdia de 11 de setembro de
2001, que traz as torres licas
(usando a expresso de Ronca-
ri acerca das torres do World
Trade Center) como a repre-
sentao simblica do capital
que pulsa por Wall Street, o po-
der viril (dominao e ora),
so ao mesmo tempo a expres-
so da prosperidade e o poder
da globalizao. Nessa aluso
conronta as aes e o pensa-
mento do Ocidente prspero edo Oriente, pois, enquanto um
procura o causador do mal, o
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outro entende ser aquele a onte
dos seus males. Revisita poetas
como Sousndrade (fnais dosculo XIX), Mrio de Andra-
de e Carlos Drummond de An-
drade (incios do sculo XX).
Conrontar-nos com a histo-
ricidade (ou a transitoriedade)
do tempo presente, dos atos
que so criaes humanas, a
nossa perda de controle e a
impotncia diante de nossos
eitos, e irmos alm. Talvez seja
essa a mensagem do texto de
Roncari, atravs da potica
de Drummond. A leitura desse
livro mesmo a demonstrao
de pesquisadores que esto bus-cando analisar ou mapear esta
nova (des)ordem das coisas
administradas ou das popula-
es e instituies adminis-
trveis. Por fm, no consegui
deixar de ouvir (ao longe) o
entoar do trecho da cano de
Cazuza que diz: Ideologia, eu
quero uma pr viver!.
vanda aparecida silva - dt c s ppGcs
iFcH u. p-t ittt c s. u- lb, ptg. pq- c.