A EFETIVIDADE DO DIREITO AMBIENTAL NA PRESERVAÇÃO DA ÁGUA · atua na transformação dos...
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UNIVERSIDADE DE MARÍLIA
ANA PAULA MANSANO BAPTISTA
A EFETIVIDADE DO DIREITO AMBIENTAL NA
PRESERVAÇÃO DA ÁGUA
MARÍLIA 2015
1
UNIVERSIDADE DE MARÍLIA
ANA PAULA MANSANO BAPTISTA
A EFETIVIDADE DO DIREITO AMBIENTAL NA
PRESERVAÇÃO DA ÁGUA
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília, como exigência parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito, sob orientação do Prof. Dr. Paulo Roberto Pereira de Souza.
MARÍLIA 2015
2
Ana Paula Mansano Baptista
A Efetividade do Direito Ambiental na preservação da água
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de
Marília, área de concentração Empreendimentos Econômicos, Desenvolvimento e
Mudança Social, sob a orientação do Prof. Dr. Paulo Roberto Pereira de Souza.
Aprovada pela Banca Examinadora em 26 de Junho de 2015.
________________________________________ Prof. Dr. Paulo Roberto Pereira de Souza
Orientador
________________________________________ Prof. Dr. Nelson Borges
________________________________________ Prof. Dra. Maria de Fátima Ribeiro
3
DEDICATÓRIA
A Deus, especialmente, pela força nos momentos difíceis;
pela companhia nos momentos de solidão;
pela fé nos momentos de dúvida e incerteza, e por tornar possível
a realização desta Dissertação.
4
AGRADECIMENTOS
Ao professor orientador desta dissertação, Doutor Paulo Roberto Pereira, pela
confiança e pelo ensino das reflexões.
Ao meu irmão Alessandro, pelo simples fato de existir na minha vida.
À minha mãe Nelma, pela dedicação integral.
Ao meu pai Devanir, por ter construído nossa família.
À minha avó Leonilda, pela criação e ensinamentos.
Ao meu esposo Gilson, pela motivação.
5
“Nunca devemos esquecer que nossa
determinação de vencer é mais importante do
que qualquer outra coisa”.
(Abraham Lincoln)
6
RESUMO
Os impactos negativos que o homem causa ao ambiente em que vive são
consequências inerentes à sua própria condição de existência, pois este ser racional
atua na transformação dos recursos disponíveis na natureza em bens que julga
necessários. O abuso desmedido da exploração dos recursos naturais vêm gerando
reflexos indesejáveis cada vez maiores (poluição, escassez, conflitos e outras
catástrofes), tornando a preocupação com o ambiente um sentimento intenso e
jamais antes visto. A água é o elemento natural mais presente em nossas vidas, seja
na sua utilização nos produtos de que os seres vivos necessitam, seja na própria
composição do corpo humano. Este trabalho apresenta reflexão sobre a efetividade
do Direito Ambiental para a preservação deste elemento, direito fundamental e bem
essencial para sobrevivência da vida no planeta. Considera que este tema se
encontra submetido a uma crise que pode ser reconhecida como de grande monta
para o desenvolvimento natural do homem. Compreende, ainda, que os
instrumentos normativos oferecidos pela Ciência do Direito, são indispensáveis, para
salvaguardarem o bem a cuja proteção se destina. Propõe que a gravidade do
problema que aflige a sociedade, comprometendo a existência de vidas humanas e
de outras formas de vida, está a exigir mudança de paradigma, principalmente
quando se trata da participação da sociedade na tutela dos direitos ambientais, em
especial da água. Espera-se que as comunidades se conscientizem do valor da
água como bem público e de seu caráter finito, podendo, assim, manejar melhor o
uso deste recurso natural, garantindo às gerações vindouras a disponibilidade
satisfatória. O método de abordagem empregado na consecução deste estudo é o
positivista. Por ele analisam-se os pilares da efetividade do Direito Ambiental na
proteção da água e na busca de alternativas ao modelo tradicional de gestão
ambiental, bem como de legislação pertinente e garantidora da segurança jurídica. A
partir desse raciocínio, pode-se dizer que o método positivista, fundado em uma
tríade clássica, baseada na observação, experimentação e mensuração, proporciona
a obtenção de elementos necessários à conclusão do estudo proposto, já que possui
relevância ímpar e, embora não tenha o condão de solucionar o problema motivador
desta pesquisa, é imprescindível na busca da sua proteção e preservação.
PALAVRAS-CHAVE: Direito Ambiental. Recursos Hídricos. Sustentabilidade.
7
ABSTRACT
The negative impacts that man because the environment in which they live are
consequences inherent to their condition of existence, because this rational being engaged
in the transformation of the resources available in nature in goods that judges needed these
days. The inordinate abuse of exploitation of natural resources has generated contradictory
reflexes increasing (pollution, water shortages, conflicts and other disasters), making the
concern for the environment an intense feeling and never before seen. Water is the natural
element most present in our lives, whether in their use in products that living beings need,
whether in the very composition of the human body. This study aimed to reflect on the
effectiveness of environmental law for the preservation of water, a fundamental right and
essential good for survival of life on Earth. Considers that this subject is submitted to a crisis
that may be recognized as a major consequence for the natural development of man. I
understand further that the legal instruments offered by the science of law are indispensable
to safeguard the well which protection is intended. It proposes that the severity of the
problem afflicting society, jeopardizing the existence of human life and other life forms, is
demanding paradigm shift, especially when it comes to the participation of society in the
protection of environmental rights, in particular water. As for the active participation of the
community, it is expected that it can raise awareness of the value that has water as a public
good and its finite character, and thus can better manage the use of this natural resource,
ensuring that future generations satisfactory availability, integrating man with nature in
perfect harmony. The approach method employed in achieving this study is the positivist. For
it analyzes the pillars of the effectiveness of environmental law in the protection of water, the
search for alternatives to the traditional model of environmental management, as well as
relevant legislation and guarantor of legal certainty. From this reasoning, it can be said that
the positivist method, based on a classic triad, based on observation, experimentation and
measurement, which are the pillars of positivism as the scientific method in its experimental
form, allowed to obtain elements necessary to complete that the theme proposed, what the
environmental law on water conservation, has unique importance and, although it has the
power to solve the problem of scarcity and water pollution in general is essential in the quest
for protection and preservation of water.
KEYWORDS: Environmental Law. Water Resources. sustainability.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 10
1 EVOLUÇÃO DO DIREITO AMBIENTAL ................... ............................................ 14
1.1 O AMBIENTE COMO DIREITO ....................................................................... 14
1.2 CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO ..................................................................... 16
1.3 CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO AMBIENTE E CONSEQUÊNCIAS ............... 18
1.4 PRINCÍPIOS RELACIONADOS AO AMBIENTE.............................................. 25
1.4.1 Princípios do Ambiente Ecologicamente Equilibrado e Sadia Qualidade de Vida..................................................................................................................... 26
1.4.2 Princípio da Natureza Pública da Proteção Ambiental ............................... 27
1.4.3 Princípio da Consideração da Variável Ambiental no Processo Decisório de Políticas de Desenvolvimento ............................................................................. 27
1.4.4 Princípio da Informação ............................................................................. 28
1.4.5 Princípio da Participação Comunitária ....................................................... 29
1.4.6 Princípio do Usuário-Pagador .................................................................... 32
1.4.7 Princípio do Poluidor-Pagador ................................................................... 33
1.4.8 Princípio do Controle do Poluidor pelo Poder Público ............................... 36
1.4.9 Princípio da Reparação ............................................................................. 37
1.4.10 Princípio da Precaução ............................................................................ 41
1.4.11 Princípio da Prevenção ............................................................................ 42
1.4.12 Princípio da Função Socioambiental da Propriedade .............................. 43
1.4.13 Princípio do Desenvolvimento Sustentável .............................................. 48
1.4.15 Princípio da Cooperação entre os Povos ................................................. 52
1.5 CONSCIÊNCIA ECOLÓGICA E EDUCAÇÃO AMBIENTAL ............................ 53
1.5.1 A Integração da Educação no Processo de Gestão Ambiental ................. 55
2 AMBIENTE E SUA PROTEÇÃO ......................... .................................................. 56
2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PROTEÇÃO DO AMBIENTE ............................ 58
9
2.2 TUTELA LEGISLATIVA DO AMBIENTE .......................................................... 61
3 PROTEÇÃO JURÍDICA DAS ÁGUAS ..................... .............................................. 71
3.1 PROTEÇÃO JURÍDICA NO ÂMBITO INTERNACIONAL ................................ 71
3.1.1 Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano ........... 72
3.1.2 Conferência das Nações Unidas sobre a Água ......................................... 73
3.1.3 Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento ...... 73
3.1.4 Conferência Internacional sobre Ambiente e Desenvolvimento ................. 74
3.1.5 Declaração Universal dos Direitos da Água ............................................... 75
3.2 PROTEÇÃO JURÍDICA DA ÁGUA NO DIREITO BRASILEIRO ...................... 76
3.2.1 Proteção Constitucional ............................................................................. 77
3.2.2 Proteção Penal .......................................................................................... 78
3.2.3 Proteção Civil ............................................................................................. 79
4 RELAÇÃO AMBIENTE E ECONOMIA ..................... ........................................... 107
4.1 AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO ..................................... 110
4.2 O AMBIENTE COMO DIREITO TRANSINDIVIDUAL .................................... 113
4.3 ÁGUA COMO BEM ECONÔMICO ................................................................. 117
4.4 ESCASSEZ DA ÁGUA ................................................................................... 119
4.5 CRISE HÍDRICA ............................................................................................ 122
5 RECURSOS HÍDRICOS ....................................................................................... 124
5.1 GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS ........................................................ 126
5.2 GESTÃO HÍDRICA NO BRASIL .................................................................... 129
5.3 GESTÃO DE BACIAS HIDROGRÁFICAS ..................................................... 132
5.4 COMITÊS DE BACIA HIDROGRÁFICA ......................................................... 135
CONCLUSÃO ......................................... ................................................................ 139
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 142
10
INTRODUÇÃO
A Terra se constitui, principalmente, pela água, haja vista que se encontra em
diversos lugares da natureza, quais sejam nos mares, rios, lagos, lençois
subterrâneos, ar, plantas, animais e tantos outros em que exista vida. Todavia, a
qualidade e quantidade deste elemento, doce ou até mesmo salinizado, estão
ameaçadas, pois existem vários pontos do mundo marcados por evidente escassez
e poluição que aumentam progressivamente. A água deve ser tratada como um
patrimônio humano comum, visto que a saúde humana está intimamente ligada ao
acesso básico e seguro deste elemento da natureza. Por esse motivo o Estado é
compelido a criar medidas necessárias (legislativas, políticas públicas,
investimentos, etc.) para garantir o direito e a proteção da água. Nesse contexto, é
dever do agente político permitir aos particulares e às comunidades exercerem
plenamente seu direito ao acesso e distribuição equitativa da água disponível, bem
como promover a difusão de informação adequada a respeito do uso, a proteção das
fontes e os métodos para redução de desperdício.
Com relação ao método de abordagem empregado na consecução deste
estudo elege-se o positivista. Por ele, analisa-se os pilares da efetividade do direito
na busca pela proteção da água, utilizando para isto, alternativas ao modelo
tradicional de gestão ambiental, bem como de legislação pertinente e garantidora da
segurança jurídica. Ademais, realiza-se o exame de legislação específica sobre o
tema eleito, incluindo-se também normas internacionais como objeto de apreciação,
e realiza-se verificação, estudo e análise das teorias que fundamentam o Direito
Ambiental na proteção da água, a partir também de informações da Internet.
O método escolhido possui como escopo primordial a busca pela descoberta
de normas que regem o fenômeno. O conhecimento das leis específicas permite
prever os comportamentos sociais e gerenciá-los cientificamente. Desta forma, cabe
à ciência descrever os fatos na ordem em que eles se dão, sendo que a observação
dos mesmos gera a compreensão correta e ampla da realidade.
O Positivismo Jurídico de Norberto Bobbio tem estreita relação com o tema
eleito nesta pesquisa, pois, para ele, o problema do nosso tempo não é mais o de
fundamentar os direitos do homem e sim o de dar-lhe proteção. Para se chegar a
este fim surgem, aos poucos, as normas que vêm tutelar os recursos naturais, sendo
o mais importante deles o de viver em um ambiente sem poluição. Um exemplo é a
11
lei nº 9.433, de 08/01/1997 (Política Nacional dos Recursos Hídricos), apontada por
parte da doutrina como “Lei das Águas”, que se apresenta como regulamento de
estrutura ou de competência, isto é, como bem ensina Bobbio, pertence ao grupo
das “normas que não prescrevem a conduta que se deve ter ou não ter, mas as
condições e os procedimentos através dos quais emanam normas de conduta
válidas”.
No decorrer do tempo, mais e mais necessidades vão surgindo e, quase
sempre, só encontram sua ordem e solução quando insertas na racionalização do
Direito, sendo que esta se manifesta, principalmente, na confecção das normas
jurídicas. Consequentemente, uma a uma, as normas vão nascendo e com elas a
base da busca pela proteção das águas, em especial.
Para encontrar amparo no Positivismo Jurídico de Bobbio, as normas acerca
dos recursos hídricos vão brotando da precisão de serem encaradas como fonte
principal do Direito, bem como da sua autoridade exercida perante o ordenamento
jurídico.
A importância da qualidade da água está bem conceituada na lei nº
9.433/1997, que define, dentre seus objetivos, no seu artigo 2º, “assegurar à atual e
às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em padrões de qualidade
adequados aos respectivos usos”.
A Política Nacional de Recursos Hídricos, também determina, em seu artigo
3º, como uma das diretrizes de ação do Sistema Nacional de Gerenciamento de
Recursos Hídricos, “[...] a gestão sistemática dos recursos hídricos, sem dissociação
dos aspectos de quantidade e qualidade e a integração da gestão dos recursos
hídricos com a gestão ambiental”.
Não obstante sua importância, a gestão da qualidade da água no Brasil não
tem, historicamente, merecido o mesmo destaque dado a gestão da quantidade de
água, quer no aspecto legal, quer nos arranjos institucionais em funcionamento no
setor, quer no planejamento e na operacionalização dos sistemas de gestão, razão
pela qual a aplicação imediata dos instrumentos da Política Nacional de Recursos
Hídricos se impõe.
Vislumbrando as dificuldades vividas e situações muito piores, o legislador se
viu compelido a pensar em ferramentas que auxiliassem a Política Nacional de
Recursos Hídricos, valendo-se da expressão “Recursos Hídricos” e não apenas
“Água” para dar sentido mais específico à atuação das políticas a serem aplicadas,
12
haja vista se tratar de elemento natural dotado de valor econômico. No entanto, a
utilização do vocábulo “água” está correta, pois é gênero, enquanto “recurso hídrico”
é espécie. Com efeito, como todo programa governamental para ser implementado
necessita de instrumentos, foram criados alguns deles com o fito de ensejar a
concretização da Política Nacional de Recursos Hídricos (artigo 5º da lei nº
9.433/1997).
O instrumento, denominado Plano de Recursos Hídricos, consubstancia-se
em planos diretores que visam a fundamentar e orientar a implementação da Política
Nacional de Recursos Hídricos e seu gerenciamento, devendo ser elaborado em
cada bacia hidrográfica, bem como nas Unidades Federativas, nacionalmente. Na
sequência, o Enquadramento dos Corpos de Água em Classes segundo os Usos
Preponderantes é relevante instrumento regulamentado pela Resolução CONAMA
nº 357/2005. Ato contínuo cita-se outro indispensável instrumento que é a Outorga
dos Direitos de Uso de Recursos Hídricos. Ela tem como objetivo assegurar o
controle quantitativo e qualitativo dos usos de água e o efetivo exercício dos direitos
ao seu acesso. E por último temos o instrumento de Sistema de Informações sobre
Recursos Hídricos, que visa a coleta, o tratamento, o armazenamento e a
recuperação de informações sobre o gênero água e fatores que intervêm em sua
gestão.
Assim, com supedâneo nas informações de que o Brasil deixa a desejar
quando o assunto é gestão da qualidade da água, que o brasileiro consome este
bem finito com desperdício, com a criação da Política Nacional de Recursos
Hídricos, cuja finalidade primordial é o desenvolvimento sustentável (artigo 2º), o
presente estudo se consubstancia numa investigação sobre um instrumento estatal
de intervenção ambiental e econômica, como garantia da efetividade do Direito
Ambiental para proteção da água. A busca por esse tipo de ferramenta se dá pela
perspectiva de escassez da água em vários pontos do globo. Por não ser fato
recente, essa escassez já é objeto de debates por grande parte das nações, bem
como de providências adotadas pela comunidade internacional.
A presente pesquisa traz a lume o problema da escassez em quantidade e/ou
qualidade das águas que deixaram de ser bens gratuitos e passaram a ter valor
econômico. Esse fato corroborou com a adoção de novo padrão de gestão desse
bem que embora possa ser renovável, caso seja racionalmente utilizado, também é
finito, haja vista que pode chegar a uma qualidade totalmente inadequada para
13
qualquer tipo de uso. Trata-se de um novo modelo pela utilização de instrumentos
regulatórios e econômicos, visando à proteção da água, sob a proposta de
valorização econômica e jurídica desse bem natural.
Para se chegar ao objetivo do presente estudo o texto se divide em três
partes. A primeira aponta a evolução do Direito Ambiental e seus princípios
norteadores, na busca pela efetividade da proteção da água. A segunda parte trata
de abordagem legislativa e doutrinária que tem por escopo demonstrar que as
normas básicas já existem, e que o Direito Ambiental evolui no trato da proteção
jurídica deste bem. A terceira parte é dedicada ao estudo da proteção jurídica das
águas tanto no âmbito internacional como nacional. Neste sentido, um estudo de
averiguação do tema nos diversos e mais importantes encontros internacionais
sobre ambiente e, especificamente, sobre a água. É estudada sua evolução histórica
e proteção jurídica no Direito Brasileiro. A Constituição Federal de 1988 é o primeiro
documento a ser analisado. Na sequência, apresenta-se todo o aparato legislativo
infraconstitucional dedicado à proteção dos corpos hídricos do território nacional.
Assim, iniciada na esfera constitucional, a análise da proteção jurídica da água
passa pela esfera penal e se conclui na tutela civil. Nesta última, destaca-se os mais
importantes documentos normativos internos que visam protege-la. Trata dos fatos e
fundamentos técnico-econômico-jurídicos sobre a água e sua gestão por serem
suficientes para justificar a necessidade de aplicação de instrumentos políticos que
combatam a escassez, desperdício e conflitos, bem como demonstrar que existem
ferramentas dentro da gestão hídrica capazes de dar suporte à implementação
daqueles na busca pelo desenvolvimento sustentável e sua proteção. Diante dessas
questões, este estudo tem o objetivo de realizar o diagnóstico da efetividade do
Direito Ambiental na preservação da água, demonstrando que ele tem mecanismos
normativos suficientes e eficazes para sua proteção, basta que, o Estado junto com
a sociedade, se conscientizem da importância da preservação deste bem, para a
garantia de vida digna para as presentes e futuras gerações.
14
1 EVOLUÇÃO DO DIREITO AMBIENTAL
Inicialmente cumpre destacar a importância do ambiente como direito de
todos. Sofreu ele, nas últimas décadas, fortes sinais de transição, como se a
natureza estivesse acordando o homem para um novo sentido de vida. A busca pelo
equilíbrio entre os seres humanos e os ecossistemas a que pertencem, de forma a
possibilitar um modo de vida saudável e sustentável para todas as espécies, tornou-
se a preocupação mais presente, um consenso que transcende as diferenças
étnicas, sociais e políticas da sociedade. E tudo corre tão extraordinariamente, que
as mudanças geram novos paradigmas, determinam novos comportamentos e
exigem novos caminhos em relação aos recursos da natureza. O ambiente
transformou-se mundialmente num precioso patrimônio, cuja preservação, proteção
e defesa tornaram-se imperativo para assegurar a saúde, o bem-estar e as
condições de desenvolvimento dos seres humanos. Para a compreensão dessa
transformação, passou-se a analisar a evolução jurídica do Direito Ambiental.
1.1 O AMBIENTE COMO DIREITO
Durante muito tempo predominou a desproteção total, em parte, devido à
concepção individualista do direito de propriedade, que sempre serviu de forte
barreira à proteção ambiental. Hoje, porém, o ambiente ecologicamente equilibrado
é direito fundamental, que exige do Poder Público e da coletividade o dever de
preservá-lo para as presentes e futuras gerações. É o que determinou,
expressamente, por meio do art. 225, caput, da Constituição Federal, de 1988. A
partir deste marco, os já existentes direitos humanos de primeira e segunda geração
foram enriquecidos, porque abordando o comprometimento em proporcionar uma
sadia qualidade de vida, não cuidou somente de preocupar-se com a sobrevivência,
mas de garantir a vida em sua plenitude, com seus desdobramentos nas áreas da
saúde, da liberdade, da segurança, da igualdade de indivíduos e nações. Essa
consagração do direito fundamental ao ambiente sadio equilibrado é de extrema
importância. Em primeiro lugar, como forma de preservar a vida e a dignidade da
pessoa humana, núcleo central dos direitos fundamentais, pois ninguém há de
contestar que o atual quadro de destruição ambiental compromete a possibilidade de
15
uma existência digna para a humanidade e põe em risco a própria vida humana. Em
segundo lugar, a construção de um verdadeiro Estado de Direito democrático, não
pode se concretizar sem o respeito às necessidades essenciais da pessoa humana,
expressas nos direitos fundamentais. De modo que não há que se falar em
democracia, no Brasil, sem que se garanta a preservação de tão relevante direito.
Como bem adverte Norberto Bobbio1 “[...] o problema grave de nosso tempo,
com relação aos direitos do homem, não é mais o de fundamentá-los, e sim o de
protegê-los [...] O problema não é mais filosófico, mas jurídico e, num sentido mais
amplo, político.”
E, para efeito da política ambiental, além da educação em todos os setores da
sociedade, é imprescindível o uso de instrumentos legais apropriados para conter a
ganância dos poderosos depredadores da natureza e de todos aqueles que, ainda
não despertaram para a preservação do patrimônio ecológico. Nesse contexto, no
Estado, a evolução político-social firmou-se pelas normas com força coercitiva, maior
ou menor, a depender da reação da sociedade, principalmente quanto às normas
construtoras do Direito Positivo, ao propiciarem o sentido normativo dos fatos,
focados axiologicamente, firmadas como ordem de competência ou de conduta e
suas consequências de adimplemento ou violação (sanção penal) da norma.
Para Miguel Reale2 Direito é fenômeno histórico/cultural multicomplexo,
composto de normas advindas de pressupostos fáticos, às quais Kelsen acresce os
elementos de Moral e Ética: “na relação entre a Moral e o Direito está contida a
relação entre a Justiça e o Direito”. Nesta função da ordem social objetiva-se fixar a
conduta humana em trilha útil à sociedade, sem práticas prejudiciais e até mesmo
sem gerar vantagens ou desvantagens. O Direito para Kelsen3 é “[...] ordem de
conduta humana”, que se rege por “[...] uma ordem fundamental da qual, se retira a
validade de todas as normas pertencentes a essa ordem”.
A ordem jurídica se compõe de normas singulares regulatórias dos atos
humanos em face de outros homens, animais, plantas ou objetos inanimados, em
regulação individual ou coletiva, prevalecendo o interesse da comunidade frente ao
interesse individual. Sendo assim, a norma de direito não surge espontaneamente
da vontade humana, porque condicionada a determinados fatores, como
1 BOBBIO, N. A era dos Direitos. 13. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p.25. 2 REALE, M. Lições Preliminares de Direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 177-178. 3 KELSEN, H. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 23.
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personalidade, educação e convicção do homem, cabendo ao legislador a
declaração delas, face aos interesses da sociedade e do próprio emissor da norma,
convertendo-as em fatos juridicamente relevantes.
Tal como ocorre no Direito Ambiental, em que o Direito passou a reconhecer
que os bens ambientais merecem especial guarida à luz das práticas humanas
destruidoras do meio em nome do progresso, em detrimento da evolução humana
do planeta, no qual, não raro, a natureza transforma-se em alvo do homem, não o
distinguindo entre predador ou protetor. Estes fatos conduziram o legislador ao
estabelecimento de boas práticas ambientais, descritas, por exemplo, no Código
Florestal de 2012, e ratificadas na lei de Política Nacional do Meio Ambiente de
1981. A ação depredatória ambiental e a omissão do Poder Público e da coletividade
conduziram a um estado de alerta, de alarme de proporção mundial, advindo a
Constituição Federal e seu artigo 225, e uma década depois a lei n. 9.605/1998,
para coibir crimes contra o ambiente, provando que também na seara dos direitos
coletivos existem, conforme Carnelutti4, solidariedade e conflito, prevalecendo o
primeiro porque a necessidade de um somente se satisfaz frente à satisfação da
necessidade de outrem, como o predomínio do interesse coletivo sobre o individual.
Os novos direitos não surgem espontaneamente, mas resultam da eleição, pela
sociedade, dos interesses que merecem regulação: tal se deu com a tutela jurídica
aos bens ambientais, fenômeno imprescindível à continuidade da vida humana na
terra.
1.2 CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO
Segundo a lei n. 6.938/81, o ambiente pode ser definido como “O conjunto de
condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que
permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”. Como se vê, trata-se de
uma definição extremamente ampla, que possibilita a defesa da flora, da fauna, das
águas, do solo, do subsolo e do ar, realizada de forma praticamente ilimitada. Da
definição apresentada, fica clara a relação entre o ambiente e o direito à vida. Ela é
ampla o suficiente para abarcar todos os interesses de natureza ambiental,
abrangendo o ambiente natural, cultural, do trabalho, urbano ou artificial. Além da
4 CARNELUTTI, F. Teoria Geral do Direito. São Paulo: Lejus, 2000, p. 30.
17
definição legal, há conceitos criados pela doutrina. De acordo com José Afonso da
Silva5, define-o como “[...] a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e
culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em toda a suas
formas”. Tais conceitos evidenciam que o direito ao ambiente relaciona-se, em
síntese, ao conjunto de regras e normas destinadas à proteção ambiental, podendo-
se afirmar, ainda, que se encontra dentre aqueles relacionados à proteção da vida
humana e sua dignidade.
Nessa perspectiva, a doutrina tem inserido o ambiente entre os direitos de
fraternidade ou solidariedade, uma vez que sua proteção gera benefícios não
apenas para o indivíduo isoladamente, mas para a sociedade como um todo. Luís
Carlos da Silva de Moraes6 inclui o direito ao ambiente saudável entre os de terceira
geração como aqueles que “[...] mesmo utilizados por todos, não lhes pertencem,
pois nunca os terão por completos, sendo permitido, no máximo, assumir-lhes a
gestão até o limite legal”. Para o referido autor, o ambiente é direito de terceira
geração.
Sob outro aspecto, não obstante várias sejam as formas de se classificá-lo, a
doutrina majoritária costuma subdividi-lo em ambiente natural, cultural, artificial e do
trabalho. O ambiente natural é, portanto, aquele composto pelos seres vivos e físico,
aquele em que se inserem. Para José Afonso da Silva7, o ambiente se constitui pela
interação dos seres vivos e seu meio. A segunda espécie de ambiente é o
denominado ambiente artificial, constituído pelo conjunto de edificações,
equipamentos, rodovias e demais elementos que formam o espaço urbano
construído pelo homem; ou seja, é aquele decorrente da atividade humana, que
transforma o espaço físico, com objetivo de viabilizar as ações sociais. Para José
Afonso da Silva8, tal espécie de ambiente estaria consubstanciada no conjunto de
edificações e equipamentos públicos. O ambiente artificial também se encontra
atrelado à proteção à vida, na medida em que, por meio dele, protege-se
desenvolvimento urbano, abrangendo habitação, saneamento básico e outros
elementos relevantes para sadia qualidade de vida da população.
No que se refere ao ambiente cultural, apesar da doutrina classificá-lo como
espécie autônoma, tem-se que ele é, na verdade, espécie artificial, resultante da 5 SILVA, J. A. da. Direito Ambiental Constitucional. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.21
6 MORAIS, L. C. da S. Curso de Direito Ambiental. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 62.
7 SILVA, J. A. da. Direito Ambiental Constitucional. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.25.
8 SILVA, J. A. da. Direito Ambiental Constitucional. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.26.
18
atividade humana. Contudo, a ele agrega-se um valor cultural, que o diferencia das
demais espécies de ambiente. O cultural também possui implicações na proteção da
vida, eis que lazer e cultura são meios eficazes para a melhoria da qualidade de vida
da população. Constitui-se pelo patrimônio artístico, arqueológico, histórico,
paisagístico e turístico. Com relação ao ambiente cultural, Roberto Armando Ramos
de Aguiar9, ensina que o capítulo [da Constituição] que trata da cultura também deu
direito à comunidade a fim de auxiliar o poder público na proteção do patrimônio
cultural brasileiro. Segundo o autor, isso pode ocorrer por meio de inventários,
registros, vigilâncias, tombamentos, desapropriação e outras formas de
acautelamento e preservação, prevista no artigo 216, parágrafo 1º da Constituição
Federal.
Há, ainda, autores que incluem uma quarta espécie, denominada ambiente do
trabalho, no qual o empregado exerce sua atividade laboral. Segundo Celso Antônio
Pacheco Fiorillo10, o ambiente do trabalho constitui-se pelo “[...] local no qual as
pessoas desempenham suas atividades laborais”. Tal espécie possui amparo
constitucional no artigo 200, VIII, da Constituição Federal vigente, que estabelece
obrigação do sistema único de saúde e colabora na proteção do ambiente, incluindo
o trabalho.
De qualquer forma, e independente de classificação que se adote, observa-se
que a proteção do ambiente e, consequentemente, também do bem jurídico aqui
discutido, a água, é uma exigência constitucional necessária para o desenvolvimento
da vida com qualidade, porque não há como falar em vida com dignidade, sem
acesso à água. Tanto o ambiente natural, quanto o artificial, cultural e do trabalho
possuem função relevante na proteção do direito à vida da população, razão pela
qual devem ser protegidos pelo Estado e pela sociedade.
1.3 CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO AMBIENTE E CONSEQUÊNCIAS
Em decorrência dos grandes problemas ambientais que eclodiam por todo o
mundo e seguindo a nova orientação traçada pela Declaração de Estocolmo, bem
9 AGUIAR, R. A. R. de. Direito do Meio Ambiente e Participação Popular. São Paulo: Ibama, 2002, p. 44. 10 FIORILLO. C. A. P. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 50.
19
como de outros documentos internacionais, a maioria dos países incluiu em seus
textos medidas protetivas ambientais. Conforme acentua Zulmar Fachin11, “[...] a
partir do final do século XX, o ambiente passou a ser amparado nas Constituições
de muitos países”.
A constituição Espanhola de 1978 dedicou um capítulo específico tratando da
proteção do ambiente. Segundo estabelece o artigo 45 daquela Constituição, todos
têm direito de desfrutar de um ambiente adequado para o desenvolvimento da
pessoa, assim como o dever de conservá-lo. Do mesmo modo, a utilização dos
recursos naturais de forma racional será protegida pelos poderes públicos com o fim
de melhorar a qualidade de vida, defender e restaurar o ambiente. A mesma
Constituição estabeleceu, ainda, que todo aquele que violar o disposto neste item
será responsabilizado pelos danos causados, impondo-se a obrigação de repará-
los12.
No continente sul americano, a Constituição do Uruguai, de 1967, foi uma das
precursoras na sua proteção. Segundo disposto em seu artigo 47, ela constitui-se
como interesse geral. Deste modo, devem os indivíduos abster-se da prática de
qualquer ato que possa causar depredação, destruição ou grave poluição. Contudo,
caso haja qualquer violação a esse direito deverão ser imposta sanções para
transgressores, as quais serão reguladas por meio de lei. Tal constituição
demonstrou preocupação explícita com as reservas de água no planeta, de tal modo
que, por considerá-la como um recurso natural essencial à vida, o acesso à água
potável e aos serviços de saneamento foram classificados como direitos humanos
fundamentais13. Com relação à política nacional de água e saneamento, a
Constituição Uruguaia estabeleceu que esta se fundamentará nos seguintes itens:
a) Ordenação do território e proteção do ambiente e recuperação da natureza; b) Gestão sustentável da solidariedade com as gerações futuras dos recursos hídricos e da preservação do ciclo hidrológico, que são questões de interesse geral. Usuários e sociedade civil devem participar em todos os
11 FACHIN, Z. Curso de Direito Constitucional. Cidade: editora, ano, p.26 12 Artículo 45. 1. Todos tienem el derecho de un meio ambiente adecuado para el desarrollo de la persona, así como el deber de conservalo. 2. Los poderes públicos velarán por la utilización racional de todos los recursos naturales, con el fin de proteger y mejorar la calidade de la vida y defender y restaurar el meio, apoyándose en la indispensable solidaridad colectiva. 3. Para quienes violen lo dispuesto en el apartado anterior, en los términos que la ley fije se establecerán sanciones penales o, en su caso, admistrativas, así como la obligación de reparar el daño causado. 13 Artículo 47. La protección del meio ambiente es de interés general. Las personas deberán abstenerse de cualquer acto que cause derpedación, destrucción e contaminación graves al meio ambiente. La ley regulamentará esta disposición y podrá prever sanciones para los transgressores.
20
níveis de planejamento, gestão e controle dos recursos hídricos, estabelecendo as unidades básicas, tais como bacias hidrográficas. c) Fixação de preferencias para a utilização da água por regiões, bacias hidrográficas ou partes dele, para ser a primeira prioridade o fornecimento de água potável às populações. d) Princípio segundo o qual o fornecimento da água potável e saneamento deverá atender precipuamente as razoes de ordem social em relação às razões de ordem econômica.
A mesma Constituição em seu artigo 47 ainda estabelece que:
As águas superficiais e subterrâneas, com exceção das pluviais, integradas com o ciclo hidrológico, constituem um recurso unitário, subordinado ao interesse geral, fazendo parte do estado de domínio público hídrico. O serviço público de água e saneamento e abastecimento público de água para consumo humano será prestados exclusiva e diretamente por pessoas jurídicas estatais. A lei, por votação de três quintos de todos os membros de cada casa, poderá autorizar o fornecimento de água para outro país, quando este se encontrar desabastecido ou por razões de solidariedade.
Pode-se dizer que tal Constituição foi uma das pioneiras a tratar
especificamente da questão ambiental. Contudo, somente após a conferência de
Estocolmo a proteção ao ambiente tornou-se uma preocupação constante para a
maioria dos países. Neste sentido, merecem destaque as Constituições de Portugal
(de 1976), Argentina (de 1994), Colômbia (de 1991), entre outras. Tais constituições,
conforme se observa, foram promulgadas na segunda metade do século passado,
período em que a questão ambiental já se encontrava presente entre as
preocupações daqueles povos.
A Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 66, especifica o
tratamento a ser dado ao ambiente e em respeito à qualidade de vida. Aliás,
segundo José Afonso da Silva, a Constituição Portuguesa foi a primeira das
“formulações corretas ao tema, correlacionando-se com o direito à vida”14. Tal
referência é importante na medida em que o direito à vida passa, então, a ser a
razão pela qual o direito ao ambiente passa a ser tutelado e protegido. Consoante
disposto no citado artigo, todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e
ecologicamente equilibrado e o dever de defendê-lo. Porém, a fim de assegurá-lo,
no quadro de um desenvolvimento sustentável, atribuiu-se ao Estado (por meio de
organismo próprio e com o envolvimento e a participação dos cidadãos) os
seguintes deveres:
a) Prevenir e controlar a poluição e os seus efeitos e as formas prejudiciais de erosão;
14 SILVA, J. A. da. Direito Ambiental Constitucional. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.34.
21
b) ordenar e promover o ordenamento do território, tendo em vista uma correta localização das atividades, um equilibrado desenvolvimento socioeconômico e a valorização da paisagem; c) Criar e desenvolver reservas e parques naturais e de recreio, bem como classificar e proteger paisagens e sítios, de modo a garantir a conservação da natureza e a preservação de valores culturais de interesse histórico ou artístico; d) Promover o aproveitamento racional dos recursos naturais, salvaguardando a sua capacidade de renovação e a estabilidade ecológica, com respeito pelo princípio da solidariedade entre gerações; e) Promover, em colaboração com as autarquias locais, a qualidade ambiental das povoações e da vida urbana, designadamente no plano arquitetônico e da proteção das zonas históricas; f) Promover a integração de objetivos ambientais nas várias políticas de âmbito setorial; g) Promover a educação ambiental fiscal compatibilize desenvolvimento com proteção do ambiente e qualidade de vida.
A Constituição colombiana, por sua vez, prevê o direito a ambiente saudável,
como prerrogativa todos, devendo o Estado proteger sua diversidade e integridade,
bem como conservar áreas de especial importância ecológica e promover educação
para consecução destes objetivos. Estabelece, ainda, que a lei garantirá a
participação da comunidade nas decisões que lhes digam respeito.15 A mesma
Constituição prevê colaboração entre as Nações, de modo a proteger o ecossistema
nas áreas de fronteira.
A Constituição da Argentina, promulgada em 22 de agosto de 1994, do
mesmo modo, trouxe regras claras em relação à proteção ambiental; estabelecendo
que todos os habitantes têm direito a uma vida saudável e equilibrada, adequada
para o desenvolvimento humano, bem como para as atividades produtivas a fim de
satisfazer necessidades presentes sem comprometer as gerações futuras. Observe-
se, igualmente, que todos têm o dever de uma vida equilibrada e saudável, ou seja,
em última análise, ao ambiente saudável. O dano ambiental gera, prioritariamente, a
obrigação de recompô-lo, segundo disposto na lei. As autoridades visarão à
proteção deste direito, bem como a utilização racional dos recursos naturais, a
preservação do patrimônio natural e cultural e da biodiversidade, informação e
educação ambiental. Cabe à nação estabelecer normas que conterão pressupostos
mínimos para a proteção das províncias, sem, no entanto, alterar leis locais. Está
proibido o ingresso em território nacional de resíduo potencialmente perigoso ou
15 A constituição da Colômbia, de 1991, possui um capítulo tratando acerca dos direitos coletivos e do meio ambiente (art. 78 a 82).
22
radioativo. Segundo Zlata Drnas de Clément, “O princípio da precaução ambiental se
constituem em uma das pedras angulares do princípio da sustentabilidade”16.
Com base nas informações apresentadas, observa-se que, nas últimas
décadas, a preocupação com a prevenção e proteção ao ambiente, bem como o
desenvolvimento sustentável passaram a fazer parte da maioria dos textos
constitucionais. E no Brasil não foi diferente, o ambiente passou a ter uma tutela
constitucional somente com a Constituição de 1988, em capítulo específico sobre o
tema. Observa-se, porém, que a questão ambiental é tratada em diversas outras
partes do texto constitucional. E, para proteger tal direito, a Constituição Federal
brasileira estabeleceu que:
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem como de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presente e futuras gerações.17
A inserção de tal capítulo trouxe transformações para a questão ambiental em
nosso país, conforme exposto adiante.
Ao tratar dos efeitos da constitucionalização, Virgílio Afonso da Silva, destaca
a unificação da ordem jurídica e a necessidade da sua simplificação18. Para o
referido autor, por meio da unificação, as normas constitucionais se tornariam,
progressivamente, o fundamento comum dos diversos ramos do Direito. Do mesmo
modo, a unificação acabaria relativizando a distinção entre o direito público e o
privado, uma vez que a Constituição passaria a ser a base fundamentadora de todos
os princípios da ordem jurídica. O segundo efeito destacado pelo autor consiste na
denominada simplificação da ordem jurídica, uma vez que a Constituição passa a
ser a “norma de referência” de todo o ordenamento jurídico. Logo, a Constituição
Federal de 1988 fez muito mais que simplesmente atribuir proteção constitucional ao
ambiente. Ao inserir a dignidade da pessoa humana entre os fundamentos de nossa
republica visando assegurar direitos como a vida digna e a saúde, considerando-os
fundamentais, a constituição criou o cenário perfeito para se chegar a uma
conclusão importante: a de que o ambiente, além de ser matéria constitucional, é,
também, um direito fundamental de todos os seres humanos. E, na medida em que
16 CLÉMENT, Z. D. El principio de precaución ambiental: la práctica argentina. p. 97. “O princípio da precaução ambiental se constitui em uma das pedras angulares do princípio do desenvolvimento sustentável”. 17 Artigo 225, caput, da Constituição Federal de 1988. 18 SILVA, V. A. da. A constitucionalização do direito: os direitos fundamentais nas relações entre particulares.p. 48-50.
23
o ambiente passa a ser considerado um direito fundamental autônomo, essa
circunstância traz consequências para toda a ordem jurídica.
Discorrendo a respeito das consequências do reconhecimento do ambiente
como direito humano fundamental, Jorge Alberto de Oliveira Marum, afirma que tal
direito passa a ser irrevogável, eis que passa ela a se constituir como verdadeira
cláusula pétrea do regime constitucional brasileiro19. O mesmo autor ainda destaca a
“integração plena e imediata dos pactos, tratados e convenções internacionais que
versem sobre o tema”, bem como a prevalência da “norma que mais favoreça o
direito fundamental ao meio ambiente sadio e equilibrado”20.
Ademais, lembre-se de que nem todos os direitos garantidos na Constituição
são considerados direitos fundamentais.
Para que todos tenham vida digna é imprescindível que haja a adequada
utilização e proteção dos recursos naturais existentes em nosso planeta. Do mesmo
modo, proteção à história e cultura dos povos é imprescindível para que as futuras
gerações tenham informações acerca de suas origens e dos problemas vivenciados
no passado, a fim de ter condições de garantir a continuidade da vida no planeta.
A proteção ao ambiente não se encontra prevista apenas naquele capítulo,
mas ao longo de todo o texto constitucional. Assim, vários aspectos merecem ser
destacados. O primeiro deles refere-se à divisão de competência. Segundo
estabelece nossa Constituição “[...] é competência comum da União, dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios proteger o meio ambiente e combater a poluição
em qualquer das suas formas” (art. 23, VI). O artigo 23 da Constituição Federal
ainda estabelece, em seus incisos VII e XI que todos os entes federados possuem
competência para “[...] preservar as florestas e a fauna e a flora” (inciso VII), bem
como “[...] registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa
e exploração dos recursos hídricos e minerais em seus territórios” (inciso XI). Por
expressa disposição constitucional, compete à União, aos Estados e ao Distrito
Federal legislar concorrentemente sobre florestas, caça, pesca, fauna, conservação
da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, bem como sobre a proteção ao
ambiente, controle da poluição e responsabilidade por dano ao ambiente.21
19 MARUM, J. A. de O. Meio Ambiente e direitos humanos. p. 134. 20 MARUM, J. A. de O. Meio Ambiente e direitos humanos. p. 135. 21 Artigo 24, inciso VI e VIII da Constituição Federal de 1988.
24
No que se refere à titularidade de tal direito, Manoel Gonçalves Ferreira Filho,
ensina que o direito ao ambiente pode ser visto como direito individual, pois “[...] seu
titular pode ser uma pessoa física”22. Desta forma, nossa Constituição Federal
estabelece que “[...] qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que
vise anular ato lesivo [...] ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural”23.
O mesmo autor, contudo, relembra que tal direito também pode ser visto
como um “direito do povo”. Neste aspecto, observa-se que, segundo o artigo 129, III,
da Constituição Federal, uma das funções institucionais do Ministério Público é a
promoção do inquérito civil e da ação civil pública para a proteção do patrimônio
público e social, do ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. Logo, tem-
se que, por expressa disposição constitucional, é considerado um direito difuso ou
coletivo.
Atente-se, ainda, que a defesa do ambiente também se constitui como um
dos princípios gerais da atividade econômica24, de tal forma que sua proteção passa
a funcionar como um limite à ordem econômica, fundada na livre iniciativa. No artigo
174, parágrafo terceiro, a Constituição Federal informa que “O Estado favorecerá a
organização da atividade garimpeira em cooperativas, levando em conta a proteção
ao meio ambiente e a promoção econômico-social dos garimpeiros”. Ainda tratando
da atividade econômica, a Constituição proclama que parte dos recursos
arrecadados em decorrência da contribuição de intervenção no domínio econômico,
relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus
derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível serão destinados ao
financiamento de projetos ambientais relacionados com as industrias de petróleo e
gás.25
Com relação à vida rural, observa-se que, um dos requisitos necessários para
que a propriedade cumpra sua função social, é a utilização adequada dos recursos
naturais disponíveis com a possível preservação do ambiente.26
Desse modo, há de se concluir que a sua proteção não se encontra prevista
em um único artigo, mas, sim, ao longo de toda a Constituição, uma vez que,
conforme dito anteriormente, sua proteção visa, em suma, a tutelar o direito à vida
22 FERREIRA FILHO, M. G. Direitos humanos fundamentais . p. 64. 23 Artigo 5º, LXXIII, da Constituição Federal de 1988. 24 MILARÉ, É. Direito do ambiente . 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 149. 25 Art. 177, paragrafo 4º, inciso II, alínea b, da Constituição Federal de 1988. 26 Art. 186, II, da Constituição Federal de 1988.
25
das presentes e futuras gerações. Cumpre destacar, mais uma vez que, por força do
disposto no artigo 5º, parágrafo 2º da Constituição Federal, o rol de direitos e
garantias nele elencados é meramente exemplificativo, de tal forma que é possível a
existência de outros, decorrente do regime e dos princípios por ela adotados, ou,
ainda, dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja
parte.
Assim, tanto na esfera nacional quanto na internacional, o ambiente tem sido,
constantemente, objeto de proteção e, felizmente, de tutela legislativa.
Concomitantemente, a sociedade civil tem se organizado e exigido postura mais
comprometidas dos governantes e dos indivíduos a fim de garantir qualidade de
vida.
Para garantir a efetividade do direito ambiental, em especial quando fala-se
em preservação da água, é necessário, uma análise criteriosa dos princípios
norteadores deste direito.
1.4 PRINCÍPIOS RELACIONADOS AO AMBIENTE
Os princípios do Direito Ambiental visam a traçar os meios de proteção do
ambiente, sendo destacada a participação popular nesse processo. De acordo com
Vasconcellos e Benjamin27 os princípios ambientais possuem as seguintes funções
no que concerne à sua compreensão e aplicação:
a) são os princípios que permitem compreender a autonomia do Direito Ambiental em face dos outros ramos do Direito; b) são os princípios que auxiliam no entendimento e na identificação da unidade e coerência existentes entre todas as normas jurídicas que compõem o sistema legislativo ambiental; c) e, finalmente, são os princípios que servem de critério básico e inafastável para a exata inteligência e interpretação de todas as normas que compõem o sistema jurídico ambiental, condição indispensável para a boa aplicação do Direito nessa área.
A elaboração de princípios ambientais deu-se início a partir da Declaração de
Estolcomo em 1972, na Suécia, onde foram estabelecidos 23 princípios
internacionais de proteção ao ambiente28.
27 Apud MIRRA, Á. L. V. Princípios Fundamentais do Direito Ambiental. In: Revista de Direito Ambiental , cidade, ano 1, n. 2, abr./jun. 1996, p. 52. 28 DIAS, G. F. Educação ambiental: princípios e práticas. 5. ed. São Paulo: Global, 1998, p. 12.
26
Tendo em vista o disposto na Constituição Federal, bem como os diversos
tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, torna-se possível extrair
diversos princípios relacionados à tutela do ambiente, os quais passam a ser
apresentados no subitem a seguir.
1.4.1 Princípios do Ambiente Ecologicamente Equilib rado e Sadia Qualidade de Vida
Foi o primeiro princípio previsto na declaração de Estocolmo e proclama que
[...] o homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições da vida adequada em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar a vida digna e gozar de bem-estar, tendo a solene obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações presentes e futuras29.
Segundo Luís Roberto Gomes, o ambiente ecologicamente equilibrado
traduz-se em desdobramento de proteção do direito à vida, uma vez que: “[...] a
salvaguarda das condições ambientais adequadas à vida dependem logicamente da
proteção dos valores ambientais”.30 Não tem como falar em vida digna, sem
mencionar a proteção do direito à água, uma vez, que é bem fundamental para
garantia da qualidade da vida humana.
Tal princípio foi reafirmado pela Conferência das Nações Unidas sobre Meio
ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992. Segundo
deliberado naquela oportunidade, “[...] os seres humano estão no centro das
preocupações com o desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável
e produtiva, e harmonia com a natureza”31. E a garantia de acesso à água é
essencial para tutela de tal direito. Para Paulo Affonso Leme Machado, há nessa
hipótese, a existência do princípio do direito à sadia qualidade de vida. Aduz o autor:
“[...] não basta viver ou conservar a vida. É justo buscar e conseguir a ‘qualidade de
vida’”32. Não é possível pensar em vida com qualidade, sem acesso a água, que só
será garantido diante da efetividade do direito pela sua preservação.
29 Princípios extraídos da biblioteca virtual de direitos humanos da Universidade de São Paulo. Disponível em <http://www.direitoshumanos.usp.br/counter/Onu/Confere_cupula/texto_1.html.> (tradução livre). 30 GOMES, L. R. Princípios fundamentais de proteção ao meio ambiente. In: Revista de Direito Ambiental , ano 4, n. 16, out./dez. 1999, p. 172. 31 Princípio 1 da Declaração do Rio de Janeiro sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, 1992. 32 MACHADO, P. A. L. Direito Ambiental Brasileiro. p. 46.
27
Deste modo, o subitem a seguir abordará o princípio da natureza pública da
proteção ambiental, visando a aprofundar a temática desse estudo, que busca
garantir sua efetividade do direito à água.
1.4.2 Princípio da Natureza Pública da Proteção Amb iental
O princípio da natureza pública da proteção ambiental fundamenta-se no fato
de que, em razão do ambiente constituir-se como bem de uso comum do povo, sua
proteção deve ser feita visando o bem-estar da coletividade. Ademais, segundo Lise
Vieira da Costa Tupiassa, “[...] o meio ambiente é um bem que pertence à
coletividade e não integra o patrimônio disponível do Estado”33.
O princípio da natureza pública da proteção ambiental foi expressamente
previsto na Constituição Federal de 1988, estabelecendo que o ambiente constitui-
se como “[...] bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”.
Tal princípio, assim como outros, a serem vistos oportunamente, fundamenta a
obrigatoriedade da intervenção do Estado, eis que trata de direito relacionado ao
interesse público.
Com relação à proteção do direito à água, o Estado criou diversas normas
que garantem a efetividade deste direito, como a lei 9.433/97 que cria a Política
Nacional de Recursos Hídricos, regulamentando instrumentos de gestão da água,
visando à garantia desta tutela, tema este, que será oportunamente aprofundado
neste trabalho.
1.4.3 Princípio da Consideração da Variável Ambient al no Processo Decisório
de Políticas de Desenvolvimento
O princípio da consideração da variável ambiental no processo decisório de
políticas de desenvolvimento foi previsto pela Declaração do Rio de Janeiro sobre
Meio Ambiente e Desenvolvimento, a qual estabeleceu que “[...] a avaliação do
impacto ambiental, como instrumento nacional, deve ser empreendida para as
atividades planejadas que possam vir a ter impacto negativo considerável sobre o
33 TUPIASSA, L. V. da C. O Direito Ambiental e seus princípios informativos. In: Revista de Direito Ambiental. , ano 8, n. 30, abr./jun. 2003, p. 173.
28
ambiente, e que dependem de uma decisão de autoridade nacional competente”34.
Em decorrência desse princípio, sempre que a Administração Pública tenha que se
posicionar acerca de determinada política de desenvolvimento, deverá analisar o
impacto desta política em relação ao ambiente.
Tal análise, contudo, não se aplica apenas ao setor público, mas, também à
iniciativa privada. A observância desse princípio constitui-se como meio eficaz para
impedir ou, pelo menos, minimizar as lesões causadas ao ambiente, permitindo que
as ações estatais e também particulares se coadunem com o desenvolvimento
ecologicamente sustentável. No que diz respeito à tutela do direito à água, não pode
ser diferente. É importante que a Administração Pública crie políticas de
desenvolvimento que garantem a preservação da água. Para isso, contudo, é
necessário que exista uma política voltada para a gestão ambiental e gestão dos
recursos hídricos. E quando se fala em políticas públicas, está-se, na verdade,
tratando de ações do Estado em prol da coletividade, dentro das quais se encontra a
proteção ambiental.
Conclui-se, muito embora o desenvolvimento seja um objetivo perseguido por
todas as sociedades, deve ele ocorrer levando-se em conta os riscos e danos
causados ao ambiente e à água, os quais devem ser protegido.
1.4.4 Princípio da Informação
O princípio da informação permite que toda pessoa obtenha do Estado
informações relativas ao ambiente. Assim, qualquer interessado pode participar em
questões relativas à sua defesa e/ou proteção. O direito à informação ambiental se
justifica em razão do direito conferido a todos os cidadãos de viver ambiente
ecologicamente equilibrado. Tal direito se encontra previsto na lei nº 6.938, de 31 de
agosto de 1981, que permite a qualquer pessoa legitimamente interessada ter
acesso aos resultados das análises efetuadas pelos órgãos responsáveis pela
proteção e melhoria da qualidade ambiental, bem como das respectivas
fundamentações. O ambiente constitui-se como um direito fundamental, pertencente
a toda sociedade, de tal modo que, devem os cidadãos ter acesso a todas as
informações relacionadas à proteção desse bem jurídico.
34 Princípio 17 da Declaração do Rio de Janeiro sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento.
29
O princípio da informação objetiva fazer com que toda a sociedade tenha
conhecimento acerca da exata situação ambiental, abrangendo tanto sua
preservação quanto sua degradação. O acesso às informações relativas ao
ambiente foi previsto pela Declaração do Rio em seu Princípio 10.
Recorde-se, ainda, que a informação ambiental é um pré-requisito para que
certa comunidade tenha condições de se manifestar acerca de determinado evento
ambiental. Por esta razão, Paulo Affonso Leme Machado35 destaca que a
informação ambiental deve ser transmitida de forma a possibilitar tempo suficiente
para que os interessados possam analisar a matéria a agir em defesa de seus
direitos, procurando a Administração Pública ou mesmo o Judiciário.
1.4.5 Princípio da Participação Comunitária.
A participação da sociedade na proteção ambiental foi prevista na atual
Constituição Federal, ao estabelecer que o dever de defender ou preservar o
ambiente compete tanto ao Poder Público quanto à coletividade. No mesmo sentido
foi à orientação seguida pela Declaração do Rio de Janeiro36, procurando assegurar
a participação de todos os cidadãos interessados nas questões ambientais.
Com base em tal princípio tem-se que é direito da comunidade participar na
formulação e execução de políticas ambientais e na tomada de decisões que tragam
repercussões na área. Desse modo, empreendimentos potencialmente poluentes ou
que possam causar danos ao ambiente deverão ser apresentados previamente às
populações a serem atingidas, possibilitando-lhes a participação no processo
decisório.
A inclusão do princípio da participação comunitária no ordenamento jurídico
vem reforçar o mandamento constitucional segundo o qual se impõe a todos a
defesa e preservação do ambiente, ou seja, estimular a cooperação entre o Estado e
a sociedade, por meio da participação dos diversos grupos sociais existentes, na
busca de soluções para os problemas ambientais.
Para Lise Vieira37, a informação e a educação também se constituem como
pressuposto essencial para que a participação popular na tutela ambiental seja
35 MACHADO, P. A. L. Direito Ambiental Brasileiro . p. 94 36 Princípio 10 da Declaração do Rio de Janeiro sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento. 37 TUPIASSA, L. V. da C. O direito ambiental e seus princípios informativos. In: Revista de Direito Ambiental , ano 8, n. 30, abr./jun. 2003, p. 174.
30
realizada de maneira eficaz, uma vez que desempenham papel importante para a
conscientização da sociedade. Sem que haja informação e conhecimento torna-se
difícil a implementação da participação popular na defesa ambiental.
A consciência ambiental, especialmente em relação à água, deve estar
presente nos agentes públicos, mas também no âmago de cada pessoa componente
da comunidade humana. Assim, a consciência será mais crítica, à medida que a
pessoa apreende a causalidade autêntica. Quanto mais apurada seja a
compreensão dos fatores que geram a degradação da água, maior será a
consciência ambiental de seu uso; esta consciência somente será possível na
medida em que a comunidade participar das tomadas de decisões do poder público.
Registre-se haver uma consciência crescente no sentido de compreender a
água de maneira integral, o que se dá em distintas perspectivas: a) é elemento vital
para a sobrevivência da biodiversidade e das sociedades; b) é recurso vital para o
desenvolvimento de diversas atividades econômicas; c) é recurso natural que, por
seu caráter limitado, adquire valor econômico; d) é recurso ambiental que a
sociedade deve usar, preservar e conservar.
O crescente agravamento da falta de água tem levado as pessoas a
estabelecer uma nova forma de pensar e agir, inclusive mudando seus hábitos, usos
e costumes. Essa forma de agir visa ao crescimento econômico, respeitando a
capacidade dos recursos do ambiente, sobretudo, dos recursos hídricos.
Conscientização e educação das pessoas, consumidoras em potencial, são
fundamentais. Por exemplo, racionalizar o uso da água não significa,
necessariamente, privar-se dela. Significa, por outro lado, considerar seu uso sem
desperdício prioridade social e ambiental, para que possa estar ao alcance de todos.
Destaque-se, ainda, que este princípio também se encontra relacionado ao
da publicidade dos atos da Administração Pública, eis que, para que haja a
adequada participação do particular na busca de soluções para os problemas
ambientais, deve ele ter acesso a informações (excetuando-se hipóteses em que
razões de segurança nacional a impedirem). O princípio da publicidade, entretanto,
será objeto de análise em item especifico.
A comunidade, por via de instituições, movimentos populares, ONGs. Enfim,
diversos grupos sociais vêm se engajando cada vez mais, em constantes
mobilizações envolvidas com a problemática ambiental e a degradação da água,
devido à paulatina, mas intermitente, tomada de consciência da situação ambiental.
31
A consciência do ambiente como bem comum leva a participação comunitária a
novos rumos, implementando ações para alcançar os resultados almejados para um
desenvolvimento sustentável.
As instituições do Poder Público e os órgãos de representação institucional,
apesar de indispensáveis, não são mais considerados exclusivos e autossuficientes.
A sociedade civil organizada e as organizações não governamentais estão
continuamente atuantes, e a gestão ambiental está sendo compartilhada, de forma
harmônica e integrada. Da mesma forma, os âmbitos federal, estadual e municipal
devem ser complementares, atuando como um sistema único de gestão
participativa.
Educação, consciência e atitudes ambientais, especialmente na proteção da
água, exigem de cada pessoa um compromisso com a resolução desse problema,
considerando um dos mais graves da atualidade. Se o quadro se apresenta grave,
exige atitudes de todos, seja em ações isoladas, ou de pequenos grupos, seja em
parceria público/privada, ou de uma única instituição. Nesse contexto, Maurício
Waldman identifica algumas esferas de atuação democrática38:
Nesta concepção participativa, podemos identificar três esferas de atuação conjunta que são indispensáveis para qualquer ação efetiva de conservação da natureza e de objetivação da cidadania ambiental. A primeira refere-se à administração pública, exercida em três diferentes níveis – o federal, o estadual e o municipal. A segunda corresponde à sociedade, que conta com uma grande diversidade de interlocutores. Na esfera da sociedade, temos a atuação das escolas, das comunidades de bairros, das igrejas, dos sindicatos, dos movimentos urbanos e rurais, das universidades, assim como das empresas, que podem ser de capital privado e ter uma estratégia de atuação de interesse público, nessa incluindo as questões ambientais. A terceira esfera materializa-se em âmbito individual, com o cidadão atuando no espaço da sua casa, do seu bairro, do seu local de emprego e assim por diante.
Como se pode perceber, as esferas da sociedade possíveis de articulação
entre si para o desenvolvimento de projetos na área ambiental estão listadas em três
distintas instâncias: atuação do poder público, dos entes não governamentais e dos
próprios indivíduos. Leva-se em consideração que cada esfera atua em
conformidade com sua capacidade de inter-relacionamento e de poder econômico.
Os meios básicos de participação comunitária ocorrem das seguintes: a) No
processo de criação do Direito Ambiental , que corresponde ao processo
Legislativo, com iniciativa popular na apresentação de projetos de leis
38 WALDMAN, M. apud PINSKY, J.; PINSKY, C. B. (Orgs.). História da Cidadania. São Paulo: Contexto. 2003, p. 555.
32
complementares ou ordinárias (federais, estaduais ou municipais) por um
determinado número de cidadãos, assim como a realização de referendo, sendo que
ambos são procedimentos previstos na Constituição. Os representantes da
comunidade indicados pelas associações civis, nos conselhos e órgãos de defesa
do ambiente, podem atuar de maneira efetiva na criação do direito tutelar ambiental,
propondo normas, visando à sustentabilidade, como é o caso do CONAMA; b) na
formulação e execução de políticas ambientais , geralmente, em audiência
pública que a comunidade pode atuar na elaboração - discussão do ElA e o RIMA -
e na forma de execução de atividades que repercutem no ambiente. É nesse
aspecto que a participação comunitária tem sido mais deficiente. Em função dessa
realidade, se torna ainda mais importante o Estudo de Impacto Ambiental (ElA) e
seu Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), evitando futuros inconvenientes ou, até
mesmo, acidentes ambientais envolvendo recursos naturais; c) por meio do Poder
Judiciário, assegurando a defesa judicial do ambiente, mediante ação direta de
inconstitucionalidade da lei ou ato normativo (art. 102, I, a, 103 e 125, §2°); Ação
Civil Pública (art. 129, 111, clc §1°); Ação Popula r Constitucional (art. 5°, LXXIII);
Mandado de Segurança Coletivo (art. 5°, LXX); e Man dado de Injunção (art. 5°,
LXXI).
Por fim há que se notar que a participação da sociedade na proteção do
ambiente e preservação da água exige acesso à informação e educação ambiental.
Igualmente, a sociedade pode buscar auxilio junto aos poderes executivo, legislativo
e judiciário, mas, para isso, é necessário, conhecimento e conscientização
ambiental.
1.4.6 Princípio do Usuário-Pagador
O princípio do usuário-pagador deriva do fato de que, em razão dos recursos
ambientais serem escassos, a apropriação deles, por parte de determinada(s)
pessoa(s) – física(s) ou jurídica (s), gera o dever de oferecer à coletividade o direito
a compensação. Isto ocorre porque produção e consumo desses recursos podem
gerar sua degradação ou escassez e a utilização gratuita de tais recursos
ambientais proporciona enriquecimento ilícito para aquele usuário. Segundo o
33
magistério de Paulo de Bessa Antunes39, o fundamento de tal princípio reside no fato
de que a sociedade não pode sustentar o ônus financeiro e ambiental de atividades
que trarão retorno econômico individualizado.
Já para Paulo Affonso Leme Machado40, o princípio do usuário-pagador
significa que o utilizador do recurso deve suportar os custos advindos dessa
utilização. Para ele, tal princípio englobaria o princípio do poluidor-pagador, ou seja,
o princípio do usuário-pagador seria gênero e o princípio do poluidor-pagador,
espécie.
A lei nº 9.433/97, estabeleceu em seu artigo 19, inciso I e II, a cobrança pelo
uso da água, que tem por objetivo reconhecê-la como bem econômico e dar ao
usuário indicação do seu real valor, assim como incentivar racionalização de seu
uso. O princípio do usuário-pagador, levando à crer que todos os usuários,
independente de uso ou não dos recursos hídricos, devem ser cobrados. Tal
cobrança tem aspectos de “preço público” cobrado pelo uso de um “bem público”.
Como se vê, diversos são os princípios apresentados pela doutrina em
decorrência da análise do texto constitucional e dos tratados internacionais inerentes
à matéria. Tais princípios devem ser observados conjuntamente, a fim de
proporcionar a adequada proteção ao ambiente, em benefício de toda sociedade, e
principalmente à tutela do direito à água.
1.4.7 Princípio do Poluidor-Pagador
O princípio do poluidor-pagador defende a escassez de recursos e que, seu
uso em produções e no consumo, prejudica e causa degradação, sendo aliado do
setor jurídico ambiental, pois sua atuação faz com que o poluidor pague por suas
ações, em prevenção e precaução. Este princípio assegura ao poluidor o dever de
arcar com as despesas de prevenção dos danos causados ao ambiente que a sua
atividade possa causar, cabendo-lhe responsabilidade de utilizar instrumentos
necessários à prevenção dos danos. E, em caso de ocorrer o dano ao ambiente, em
decorrência da atividade desenvolvida, o poluidor será responsável pela reparação.
Assim, o princípio do poluidor-pagador significa que o utilizador do recurso deve
suportar o conjunto dos custos destinados a tornar possível a utilização, tendo como
39 ANTUNES, P. B. Direito Ambiental Brasileiro. p.32. 40 MACHADO, P. A. L. Direito Ambiental Brasileiro. p. 63.
34
objetivo fazer com que os custos ambientais não sejam suportados nem pelo Poder
Público, nem por terceiros, mas pelo próprio poluidor.
Os valores onerosos devem ser calculados de forma a que o ônus do pagante
possa estar dentro de padrões econômicos, respondendo financeiramente por seus
atos contra o ambiente. Este princípio tem como importante função acabar com
ações contra o ambiente, reduzindo o ônus social mediante dois fatores, de acordo
com Gomes41:
1º) força a diminuição da poluição, em consequência, melhora as condições de vida da população, reduzindo os gastos com a reparação e contenção destes danos, diminuindo também os custos dessa poluição para a saúde pública; 2º) os valores cobrados do poluidor passam a ser utilizados pelo Estado para a preservação ambiental, diminuindo o peso das políticas de reparação e contenção de danos ambientais, desonerando em parte os contribuintes que têm arcado com os custos destas políticas públicas. O montante é calculado sem levar em consideração os danos.
Em 1992 foi realizada no Brasil, na cidade do Rio De Janeiro, a Conferência
das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, que contou com
participantes de todo o mundo. Ali se criou a Declaração de Limoges e houve a
elaboração da Carta do Rio sobre desenvolvimento e ambiente. O principal intuito do
Direito Ambiental é proteger o ambiente e fazer com que seus agressores sejam
punidos. E, em conjunto com essas leis, que seja feito um trabalho de
conscientização.
Segundo Édis Milaré42, o princípio do poluidor pagador baseia-se na teoria
segundo a qual os agentes econômicos devem levar em consideração o custo
resultante dos danos ambientais no momento de se elaborar os custos da produção.
Esse princípio foi incorporado ao texto constitucional por meio do artigo 225, § 3°,
que estabeleceu que as condutas e atividades consideradas lesivas ao ambiente
sujeitavam os infratores a sanções penais e administrativas, independentemente da
obrigação de reparar os danos causados. Note-se, porém, consoante ensina Juliana
Gerent, que tal princípio pode ser visualizado nos artigos 170, VI; 225, §1°, V; §2° e
§3° de Constituição Federal. 43
No campo das leis infraconstitucionais, a lei nº 6.938/81 (Política Nacional de
Meio Ambiente) traz em seu artigo 4º, inciso VII, ao tratar de seus objetivos, “[...]
41 GOMES, L. R. Princípios fundamentais de proteção ao meio ambiente. In: Revista de Direito Ambiental. ano 4, n. 16, out./dez. 1999, p. 47. 42 MILARÉ, É. Direito do ambiente. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 142. 43 GERENT, J. Direito ambiental e a teoria econômica neoclássica: valoração do bem ambiental. In: Revista Jurídica Cesumar. Maringá, p, 284.
35
imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os
danos causados”. Mais à frente, no artigo 14, parágrafo 1º, determina que:
Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiro, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá responsabilidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.
O Código das Águas, em seu artigo 109, já continha a noção de poluidor-
pagador, determinando que a ninguém é lícito conspurcar ou contaminar as águas
que não consome, com prejuízo de terceiro. O artigo 110 determina que os trabalhos
para a salubridade das águas serão executados à custa dos infratores que, além da
responder criminalmente, se houver, responderão pelas perdas e danos que
causarem e pelas multas que lhes forem impostas nos regulamentos administrativos,
ou seja, as responsabilidades civil, penal e administrativa, não se excluíam.
Apesar de o ordenamento jurídico brasileiro dar amparo legal para efetivação
do caráter econômico do Princípio do Poluidor-pagador, somente é possível sua
manifestação expressa, com o emprego da responsabilidade ambiental objetiva.
No que tange aos objetivos Patrícia Faga Iglecias Lemas44, expõe que:
Tal princípio tem como maior objetivo que as chamadas externalidades ambientais, ou seja, os custos das medidas de proteção ao meio ambiente repercutem nos custos finas de produtos e serviços cuja produção esteja na origem da atividade poluidora.
Não se pretende, como objetivo que faz menção a referida autora, a
permissão da poluição mediante pagamento. Ao contrário; o sistema de cobrança
pelo uso da água, por exemplo, parte do pressuposto de que, quanto menor for a
quantidade de resíduos lançadas nas águas, menos se paga, o que ajuda a mitigar,
com efetividade, os níveis de tratamento adotados. É importante esclarecer que, o
pagamento não dá ao usuário o direito de poluir. Como explica Antonio F. G. Beltrão,
“O pagamento pecuniário e a indenização não legitimam a atividade lesiva ao
ambiente. O enfoque, pois, há de ser sempre a prevenção; entretanto, uma vez
constatado o dano ao ambiente, o poluidor deverá repará-lo.”45:
Desta forma, os poluidores não “compram” o direito de poluir e quanto maior o
rigor da legislação atinente às águas, maior será o investimento em tecnologia que
44 LEMOS, P. F. I. Direito Ambiental: Responsabilidade Civil e Proteção ao Meio Ambiente. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 59. 45 BELTRÃO, A. F. G. Manual de Direito Ambiental. São Paulo: Método, 2008, p. 48.
36
proporcione o mínimo de desperdício no processo produtivo, em busca do grau
máximo de eficácia e eficiência para a tutela deste bem.
No que tange à responsabilização penal da pessoa jurídica pela prática de
delitos ambientais, os tribunais já se manifestaram no sentido de que tal
responsabilização “[...] advém de uma escolha política, como forma mesmo de
prevenção geral e especial46”.
Maria Alexandra de Sousa Aragão47 afirma que os poluidores devem suportar
também todos os custos das medidas públicas de reposição da qualidade do
ambiente perdida, ou com o auxílio econômico às vítimas, além dos custos
administrativos conexos. Segundo ela, o princípio do poluidor-pagador é um
princípio normativo de caráter econômico, mas que, entretanto, deve ser
considerado regra de bom senso econômico, jurídico e político. No que pertine à
intervenção concretização do Poder Público, torna-se fundamental que este
estabeleça conteúdo, extensão e limites das obrigações dos poluidores.
Uma observação que precisa ficar clara refere-se ao fato de que, segundo o
princípio do poluidor pagador, este deve suportar os custos das medidas de
proteção do ambiente e, também, procurar corrigir e eliminar as fontes poluidoras,
sendo possível afirmar-se que tal princípio possui uma função preventiva, reparatória
e, também, educativa. Assim, uma vez ocorrido o dano, deve o poluidor
responsabilizar-se pela reparação do mesmo. A ideia da cobrança pelo uso da água,
não tem caráter tão somente punitivo, pois, a intenção do legislador foi desestimular
ações poluentes pela adoção de medidas preventivas. E apenar rigorosamente
aqueles que poluírem, com o objetivo de desestimular a geração de poluidores.
1.4.8 Princípio do Controle do Poluidor pelo Poder Público
Ao Estado foi atribuído o dever de proteger o ambiente. Para tanto, deve ele
fiscalizar e orientar os cidadãos quanto aos seus limites para a adequada utilização
do ambiente, a ser feito por meio das políticas administrativas.
46 REsp 610114 / RN. RECURSO ESPECIAL 2003/0210087-0. Relator(a): Ministro GILSON DIPP. Órgão Julgador: T5 – QUINTA TURMA. Data do Julgamento: 17/11/2005 Data da Publicação/Fonte. DJ 19/12/2005 p. 463. 47 ARAGÃO, M. A. de S. O Princípio do Nível Elevado de Proteção e a Renova ção Ecológica do Direito do Ambiente e dos Resíduos p. 185.
37
O princípio do controle do poluidor pelo poder público possibilita a realização
de intervenções estatais visando à manutenção, preservação e restauração dos
recursos ambientais, de modo a possibilitar sua utilização nacional e disponibilidade
permanente. Encontra-se previsto no ordenamento jurídico, por meio do artigo 225,
§ 1°, V, da Constituição Federal, o que é da incumb ência do poder público “[...]
controlar a produção, comercialização e o emprego de técnicas, métodos e
substancias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio
ambiente”. Este princípio se torna de suma importância quando ligado à efetividade
do direito de preservação da água, uma vez que, é necessário políticas públicas
eficazes para combater poluição e degradação dos recursos hídricos.
Aqui, novamente, visualiza-se a presença do interesse publico em relação ao
ambiente e à qualidade de vida, na qual a água é substância fundamental. Incumbe
aos governantes o dever de controlar todos os tipos de poluição ambiental,
utilizando-se do seu poder de polícia, e órgãos e entidades públicas que limitem ou
disciplinem o exercício dos direitos individuais, com o objetivo de assegurar o bem
estar da coletividade. Do mesmo modo, a natureza publica dos bens jurídicos em
discussão justificam a atuação do poder público em defesa do ambiente e proteção
à água.
Destaque-se, ainda, que a fixação dos limites é fundamental para que a
Administração possa exercer o poder de polícia dentro da legalidade: assim, uma
vez estabelecidos tais limites, pode o poder público aplicar, coercitivamente,
medidas necessárias para que se evite, ou se minimize poluição e degradação
ambientais. Deste modo, sempre que houver risco para a preservação do ambiente
e da água, deve ele intervir, de modo a garantir a adequada proteção e utilização de
forma racional, em benefício da sociedade. Ao Estado cabe o papel de disciplinar e
restringir o direito dos indivíduos a fim de possibilitar a proteção efetiva do ambiente
e, consequentemente, garantindo-se a manutenção da vida em sociedade, com
saúde e qualidade.
1.4.9 Princípio da Reparação
O princípio da reparação foi expressamente previsto como 13° da Conferência
das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de
38
Janeiro em 1992 e decorre diretamente dos princípios da prevenção e do Poluidor-
Pagador.
Neste aspecto, destaca-se a importância da atividade legiferante dos Estados,
em relação à responsabilidade do causador do dano e à indenização das vítimas.
Assim, segundo estabelecido na referida Declaração “[...] os Estados devem
desenvolver legislação nacional relativa à responsabilidade e indenização das
vítimas de poluição e outros danos ambientais”. Tal orientação foi adotada pela
Constituição de 1988, a qual estabeleceu que “[...] aquele que explorar recursos
minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado” e “as condutas e
atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores a sanções
penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos
causados”. Com base nesse princípio, aquele que causar lesão a bens ambientais
deve ser responsabilizado por seus atos, reparando ou indenizando os danos
causados.
O princípio da reparação obteve maior efetividade em decorrência da adoção
da teoria da responsabilidade objetiva. Nesse sentido, veja-se:
A adoção pela lei da responsabilidade civil objetiva significou apreciável avança no combate á devastação do meio ambiente, uma vez que, sob esse sistema, não se leva em conta, subjetivamente, a conduta do causador do dano, mas a ocorrência do resultado prejudicial ao homem e ao ambiente. Assim sendo, para que se observe a obrigatoriedade da reparação do dano é suficiente, apenas, que se demonstre o nexo causal entre a lesão infligida ao meio ambiente e a ação ou omissão do responsável pelo dano48.
Ao abordar o princípio da reparação, é necessário discutir sobre a
responsabilidade civil, em matéria ambiental, o que nos remete diretamente aos
princípios da prevenção e precaução, essenciais para evitar a ocorrência de danos
ambientais e sua reparação, principalmente quando se tratar de danos à água, bem
fundamental à existência humana. O modelo clássico de responsabilidade civil, não
gera proteção ambiental efetiva, em especial quando ligada diretamente aos
interesses coletivos e difusos da sociedade, porém, a responsabilidade objetiva
encoraja a proteção ao ambiente quando transmite ao provável poluidor, a
preocupação em investir na prevenção do risco de sua atividade.
48 REsp. 578797 / RS. Recurso Especial 2003/0162662-0. Relator(a): Ministro Luiz Fux. Órgão Julgador: T1 – Primeira Turma. Data do Julgamento: 05/08/2004. Data da Publicação/Fonte: DJ 20/09/2004 p. 196. LEXSTJ vol. 183. 161 RND vol. 60 p. 92.
39
A responsabilidade civil por danos ambientais está baseada no artigo 7,
parágrafo 6º, da Constituição Federal, e no artigo 14, parágrafo 1º, da lei 6.938/81,
não restando dúvidas quanto à sua natureza objetiva, imputada ao causador de
danos ao ambiente. A grande discussão reside na aprovação do tipo da Teoria do
Risco, adotada no Direito Ambiental. O que torna o debate significativo é a
consequência que vai resultar de cada uma das teorias, seja na do risco criado ou
do risco proveito.
A teoria do risco baseia o direito por meio de fundamentos para a
responsabilização civil sem culpa. Desta forma, quando o causador do dano exerce
atividade prevista em lei ou que tenha natureza de produzir risco, havendo nexo de
causalidade entre a atividade e o resultado do dano, a responsabilidade civil é
aplicada objetivamente, sem necessidade de avaliar os elementos subjetivos, como
negligencia, imprudência, imperícia ou dolo.
No Direito Ambiental, surge a teoria do risco da atividade ou da empresa, ou
seja, verificada atividade perigosa ou potencialmente poluidora, cabe o dever de
reparação por parte do agente causador do dano. A lei da Política Nacional do Meio
Ambiente (nº 6.938/81) inseriu como objetivos da política pública, compatibilizar o
desenvolvimento econômico com a preservação da qualidade do ambiente, do
equilíbrio ecológico e preservação dos recursos naturais, com vista à sua utilização
racional e disponibilidade permanente (art. 4º, I e VI).
A preocupação em analisar a responsabilidade civil em relação aos resultados
das atividades humanas, está no fato de que, seus reflexos não surtem efeitos
somente para o presente, mas especialmente perpetuam para as futuras gerações,
como bem cita Canotilho.49
O direito intergeracional, estatuído no artigo 225 da Constituição da República, corrobora a adoção do antropocentrismo alargado. O pacto de preservação do ambiente que deve dar-se entre toda a coletividade e o Estado (responsabilidade compartilhada) não se restringe a benefícios atuais, mas sim, benefícios para as imemoriáveis futuras gerações, proporcionando não uma concepção de preservação utilitarista, haja vista que passa haver um arrefecimento pela idéia de preservação pelo benefício (pois os sujeitos beneficiados são abstratos), senão a reafirmação de uma perspectiva autônoma do meio ambiente.
Nascendo doutrinariamente o conflito sobre qual teoria do risco aplicar. As
teorias mais conhecidas são: teoria do risco criado e teoria do risco integral. Os
49 CANOTILHO, J. J. G.; LEITE, J. R. M. Direito Constitucional Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 142.
40
doutrinadores adeptos do risco criado discutem seus problemas, buscando “[...]
entre as diversas causas que podem ter condicionado a verificação do dano, aquela
que, numa perspectiva de normalidade e adequação social, apresente sérias
probabilidades de ter criado um risco socialmente inaceitável, risco esse,
concretizado no resultado danoso”50 Esta teoria permite o uso das excludentes de
responsabilidade. Procura identificar uma causa adequada ao resultado danoso, do
contrário, faltaria o liame causal entre a atividade e o resultado, conforme leciona
Morato Leite51.
Se o dano foi causado somente por força da natureza, como um abalo sísmico, na ocorrência do agente poluidor, dita força maior, nestas condições, faz excluir o nexo causal entre o prejuízo e a ação ou omissão da pessoa a quem se atribuiu a responsabilidade pelo prejuízo. Porém, se, de alguma forma, o agente concorreu para o dano, não poderá excluir-se da responsabilidade, prevalecendo a regra segundo a qual a imprevisibilidade relativa não exclui a responsabilidade do agente.
Procura-se identificar dentre os diversos fatores de risco, aquele que, possa
efetivamente gerar o resultado danoso e assim imputar a responsabilização.
Já para a teoria do risco integral, qualquer que seja o risco que a atividade
possa produzir, verifica-se a presença de uma responsabilização. Não se questiona
o motivo ou a forma da ocorrência do dano, mas sim se ele realmente ocorreu e se
está vinculado ao fato. Não admitindo excludentes de responsabilidade, uma vez,
tendo a atividade causado o dano deverá responder na sua totalidade e havendo
mais de uma causa provável que justifique o resultado danoso, todos serão
responsabilizados.
Distinguindo as teorias do risco, leciona Steigleder52.
[...] de um lado, a teoria do risco integral, mediante a qual todo e qualquer risco conexo ao empreendimento deverá ser integralmente internalizado pelo processo produtivo, devendo o responsável reparar quaisquer danos que tenham conexão com sua atividade; de outro, a teoria do risco criado, a qual procura vislumbrar, dentre todos os fatores de risco, apenas aquele que, por apresentar periculosidade, é efetivamente apto a gerar as situações lesivas, para fins de imposição de responsabilidade.
A doutrina majoritária adere à teoria do risco integral, justificando que a
responsabilidade objetiva por dano ambiental decorre da teoria do risco-proveito, ou
seja, o agente que obtiver lucro com determinada atividade deve arcar com prejuízos
50 CRUZ, apud STEIGLEDER, A. M. Reponsabilidade civil ambiental: As dimensões do dano ambiental no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2004, p. 91. 51 LEITE, J. R. M. Dano Ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. São Paulo: Revista dos tribunais, 2003, p.209. 52 CRUZ, apud STEIGLEDER, A. M. Reponsabilidade civil ambiental: As dimensões do dano ambiental no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2004, p.198.
41
que essa causar. Essa teoria se fundamenta em um dos princípios básicos de
proteção ao Direito Ambiental, o princípio do Poluidor-Pagador, com
aprofundamento à frente. Tal princípio traz mudanças significativas para a
responsabilização civil, que passam de responsabilidade privada para a garantia de
proteção de bens difusos, como a água.
A adoção da responsabilidade objetiva demonstra o quanto a preocupação
com o aspecto ambiental tem adquirido importância na atualidade, suscitando
medidas de severa sanção e responsabilização, causada de forma direta ou indireta.
O princípio da reparação estabelece, portanto, que os indivíduos que forem
responsabilizados por ações que causaram degradação ambiental deverão arcar
com responsabilidade e custos da reparação ou da compensação pelo dano
causado. Farias53 salienta que, de certa forma, esse princípio também busca a
prevenção, considerando que ao dispor sobre a possibilidade de responsabilização e
reparação inibe ações que causem danos ao ambiente e a água.
1.4.10 Princípio da Precaução
O princípio da precaução tem como fundamento o fato de que, em razão da
dificuldade em se reconstituir uma área que tenha sofrido um dano ambiental, deve-
se evitar, ao máximo, que o dano chegue a ocorrer. Isso porque, em geral, a grande
maioria dos danos causados ao ambiente, em especial à água, é irreparável. É esta,
aliás, a orientação traçada pela Declaração do Rio, a qual estabelece que “Quando
houver ameaças de danos sérios ou irreversíveis devem ser tomadas medidas
eficazes e economicamente viáveis pra prevenir a degradação ambiental.” (Princípio
15).
Tal princípio tem como objetivo impedir o dano ambiental, e a degradação dos
recursos hídricos, ainda que sua ocorrência futura seja incerta; sua aplicação deriva
do fato de não se saber, ao certo, quais as consequências e reflexos que
determinada conduta poderá gerar ao ambiente, por incerteza ou imprevisibilidade.
Em trabalho específico sobre o tema Ana Gouveia e Freitas Martins54 defende que a
implementação do princípio da precaução gira em torno de sete ideias fundamentais:
53 FARIAS, T. Princípios gerais do direito ambiental. In: Paraíba, ano 5, n. 9, jul./dez. 2006, p. 126. 54 MARTINS, A. G. e F. O princípio da precaução no direito do Ambiente .p. 54-60.
42
1ª) A de que perante a ameaça de danos sérios ao meio ambiente, ainda que não existam provas científicas que estabeleçam um nexo causal entre uma atividade e os seus efeitos, devem ser tomadas as medidas necessárias para impedir a sua ocorrência. 2ª) A da necessidade acerca da invenção do ônus da prova, cabendo aquele que pretender exercer uma atividade que a Administração julgue potencialmente danosa ao meio ambiente, que demonstre que os riscos a ela associados são aceitáveis. 3ª) In dubio pro ambiente, ou seja: o conflito entre interesses econômicos e interesses ambientais deve ser decidido em prol do ambiente. 4ª) A de que a sujeição ao desenvolvimento deve respeitar os limites de tolerância ambiental, de modo a proteger os sistemas ecológicos. 5ª) A de exigência de desenvolvimento e introdução das melhores técnicas disponíveis, de modo a possibilitar a redução da poluição e da lesão ao meio ambiente. 6ª) A da preservação de áreas e reservas naturais e a proteção de espécies. 7ª) Promoção e desenvolvimento da investigação científica e realização de estudos completos e exaustivos sobre os efeitos e os riscos potenciais decorrentes de uma determinada atividade.
Sérgio Ribeiro Cavalcante55 ressalta que o princípio da precaução ambiental
na Administração Pública se caracteriza por um sistema de estudos, devendo ser
utilizado para atividades que possam causar significativo impacto adverso ao
ambiente. Para Ana Gouveia de Freitas Martins56 “o princípio da precaução deve ser
assumido como um princípio jurídico-político orientador da política ambiental”,
constituindo-se como um importante argumento para a atuação estatal na hipótese
de inexistência de comprovação científica acerca do potencial de degradação em
relação a determinado empreendimento ou obra. Nestas hipóteses, o princípio da
precaução justifica-se em razão da relevância dos bens jurídicos tutelados, de tal
forma que qualquer ameaça (ainda que não comprovada) em relação a tais bens
deve ser combatida antes que possa vir a causar algum dano, razão pela qual a
atuação estatal, com vistas à proteção do ambiente, há de ser exigida.
Ao lado do princípio da precaução, encontra-se, também, o princípio da
prevenção.
1.4.11 Princípio da Prevenção
A prevenção relaciona-se à ideia da existência de um perigo antevisto e
comprovado, o qual deve ser evitado. Na prevenção o nexo causal entre a conduta e
o dano ambiental encontra-se cientificamente comprovado ou é facilmente 55 CAVALCANTE, S. R. Princípio da Precaução Ambiental: uma diretriz política, constitucional administrativa e jurisdicional nas presunções científicas. p. 87. 56 MARTINS, A. G. e F. O princípio da precaução no direito do Ambiente .p. 93.
43
previsível. Segundo Vicente Gomes da Silva57, tal princípio foi inserido na
Declaração do Rio/92, como o número 15, devendo ser observado pelos Estados, de
acordo com suas capacidades.
Apesar de muitos autores utilizarem expressões como sinônimas, o princípio
da prevenção não se confunde com o princípio da precaução. Com base nesta
característica, Édis Milaré traça o principal fato diferenciador do princípio da
precaução, que se destina a gerir riscos ou impactos desconhecidos58. Para Rodrigo
de Almeida Amoy59, o princípio da prevenção refere-se ao perigo concreto, enquanto
o da precaução refere-se ao perigo abstrato. No princípio da prevenção as
consequências de determinado ato são previamente conhecidas, devendo, portanto,
ser evitadas. Já no princípio da precaução, a proteção decorre do fato de não se
saber quais danos poderão ser causados ao ambiente. A diferença entre tais
princípios também é apontada para Tiago Fensterseifer60, para quem o princípio da
prevenção traria consigo a ideia de conhecimento completo acerca dos efeitos de
determinada intervenção no ambiente, ao passo que, o princípio da precaução
possuiria um universo maior, por procurar atuar na proteção de um bem jurídico
ambiental sobre o qual ainda não se sabe, com exatidão, quais serão as
consequências danosas que podem vir a ocorrer. Porém, não são todos os autores
que fazem essa diferenciação.
A aplicação do princípio da prevenção (bem como do princípio da precaução)
permite que a Administração Pública se antecipe à lesão ambiental e realize
condutas atinentes à prevenção do dano, permitindo uma maior efetividade na
proteção ao ambiente.
1.4.12 Princípio da Função Socioambiental da Propri edade
A Constituição Federal garante o direito à propriedade privada (art. 5°, XXII),
deixando claro, entretanto, que a propriedade deverá atender sua função social (art.
57 SILVA, V. G. da. Legislação ambiental comentada . p. 26. 58 MILARÉ, É. Direito do ambiente. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 142. 59 AMOY, R. de A. A proteção do direito fundamental ao meio ambiente no direito interno e internacional. 60 FENSTERSEIFER, T. Direitos fundamentais e proteção do ambiente: A dimensão ecológica da dignidade humana. p. 81-82.
44
5°, XXIII). Com base em tal regra, João Lopes Guima rães Junior61, ensina que a
função social da propriedade refere-se ao “[...] dever do proprietário de atender a
finalidade relacionada a interesses protegidos por lei”.
O ambiente possui inequívoca função social, eis que, por meio dele,
possibilita-se uma melhoria na qualidade de vida de toda a população, destacando-
se, ainda que o artigo 170 da Constituição Federal elenca a propriedade privada e
sua função social como princípios da ordem econômica.
Jean Jacques Erenberg62 explicita que, ao contrário do que se poderia
imaginar, a adoção do princípio da função social da propriedade não possui um viés
socialista, de tal forma que sua existência possa ser justificada dentro de um regime
capitalista, no qual a função social da propriedade constitui-se como princípio da
atividade econômica e direito fundamental do ser humano.
Para Saint-Clair Honorato Santos63 o direito de propriedade “[...] não pode
mais ser entendido com um caráter absoluto; deve ter em conta a função social da
propriedade visando ao bem-estar de todos”. Patrícia Faga Iglecias Lemos64 partilha
do mesmo entendimento, esclarecendo que o direito de propriedade evoluiu muito,
“[...] afastando-se da concepção individualista e aproximando-se de uma concepção
social”. Para a citada autora, “[...] essa nova concepção envolve, além do aspecto
social, a proteção do meio ambiente como interesse difuso”.65
Relembre-se ainda que, segundo o disposto no artigo 182 da Constituição
Federal “[...] a política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público
municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus
habitantes”. Consoante doutrina de Kiyoshi Harada66, a propriedade privada
encontra-se vinculada à finalidade perseguida por aqueles princípios, isto é, “[...]
assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social”.
61 GUIMARÃES JUNIOR, J. L. Função social da propriedade. In: Revista direito ambiental ., ano 8, n. 29, jan./mar. 2003, p. 124. 62 ERENBERG, J. J. Função social da propriedade urbana . p. 164. 63 SANTOS, S.-C. H. Direito ambiental: Unidade de conservação e limitações administrativas. p. 143. 64 LEMOS, P. F. I. Responsabilidade civil do proprietário diante do be m sócio ambiental. . Tese. Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, p. 165. 65 LEMOS, P. F. I. Responsabilidade civil do proprietário diante do be m sócio ambiental. Tese. Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, p. 165. 66 HARADA, K. Desapropriação: Doutrina e Prática. p.8.
45
No que tange à propriedade rural Olavo Acyr de Lima Rocha67 relembra
ainda, que o artigo 2º, parágrafo primeiro, da lei 4.504/64, dispõe que a propriedade
desempenhará integralmente sua função social quando simultaneamente:
a) Favorece o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores que nela labutam, assim como de suas famílias; b) Mantém níveis satisfatórios de produtividade; c) Assegura a conservação dos recursos naturais; d) Observa as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho entre os que a possuem e a cultivem.
O artigo 170 da Constituição Federal elenca a propriedade privada e sua
função social como princípios da ordem econômica. Discorrendo acerca da função
social da propriedade rural, o autor destacou entre os requisitos a serem observados
pelo proprietário do imóvel a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e
preservação do ambiente (art. 186, II da CF e art. 9º, II da Lei 8.629, de 25 de
fevereiro de 1993). Deste modo, o proprietário deverá respeitar as características
próprias do meio natural e da qualidade dos recursos ambientais, na medida
adequada à manutenção do equilíbrio ecológico da propriedade e da saúde e
qualidade de vida das comunidades vizinhas68.
Deste modo, a função social somente será cumprida quando houver, entre
outros fatores, a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e a
preservação ambiental. Feitas tais considerações conclui-se que a propriedade
privada, além de possuir uma função social deve, também, desempenhar uma
função ambiental, o que significa dizer que o direito à propriedade não pode ser
utilizado como justificativa para a realização de danos ao ambiente.
1.4.12.1 Função Socioambiental da Propriedade em Relação ao Uso da Água
Desde as mais antigas sociedades, como egípcia, hebraica, babilônica, entre
outras, o ser humano sempre dispôs de regras concernentes ao uso da água. As
águas há algumas décadas, têm sido motivo de grande preocupação em especial as
destinadas ao consumo humano e ao saneamento ambiental.
Parte-se do pressuposto que é preciso considerar que a Política Nacional de
Gerenciamento de Recursos Hídricos, a preservação e uso racional dos recursos 67 ROCHA, O. A. de L. A desapropriação no direito agrário. p.82. 68 CUTINHO, N. C. de A. Da desapropriação para fins de reforma agrária enquanto instrumento limitador do direito de propriedade e implementador da função social da propriedade. In: Revista de direito e política, FIQUEIREDO, Guilherme José Purvin e MEDAUAR, Odete (coord.). v. 16, Jan./Abr. 2008, p. 93.
46
ambientais são indissociáveis, pois, a proteção conferida ao ambiente pela
Constituição da República Federativa do Brasil, sua inserção e defesa ao lado da
função social da propriedade como princípios da ordem econômica, induz que pode-
se dizer atualmente que existe a função socioambiental da propriedade privada.
As resoluções do CONAMA nº 302/02 e nº 303/02 delimitaram pela primeira
vez o termo função socioambientais da propriedade. Estas resoluções atinentes às
Áreas de Preservação Permanente estabeleceram novas limitações a direito
fundamental, o direito de propriedade. Para melhor entendimento, o termo
preservação permanente impõe um caráter de rigorosa proteção, acentuando maior
relevância dessas áreas para equilíbrio ecológico do sistema.
Tal função ambiental projeta-se no campo da higidez dos recursos hídricos,
preservação das paisagens naturais, proteção da biodiversidade, preservação da
estabilidade geológica, garantia do fluxo gênico da fauna e da flora, proteção do solo
e promoção do bem-estar da coletividade.
De acordo com o artigo 4° do Código Florestal, lei 12.651 de 2012, são
consideradas áreas de preservação permanente:
Art. 4º. Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei: I - as faixas marginais de qualquer curso d’água natural, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de: II - as faixas marginais de qualquer curso d’água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de: (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012). a) 30 (trinta) metros, para os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros de largura; b) 50 (cinquenta) metros, para os cursos d’água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura; c) 100 (cem) metros, para os cursos d’água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura; d) 200 (duzentos) metros, para os cursos d’água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura; e) 500 (quinhentos) metros, para os cursos d’água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros; III - as áreas no entorno dos lagos e lagoas naturais, em faixa com largura mínima de: a) 100 (cem) metros, em zonas rurais, exceto para o corpo d’água com até 20 (vinte) hectares de superfície, cuja faixa marginal será de 50 (cinquenta) metros; b) 30 (trinta) metros, em zonas urbanas;
Para um esclarecimento do que fora colocado deve-se resgatar o que está
elencado no artigo 4º do Código Florestal Brasileiro que fixa as Áreas de
Preservação Permanente e identifica dois grupos: aquelas que são de preservação
permanente devido à sua localização (margens de cursos d`água, topos de morro,
47
áreas de declividade, dentre outras), e aquelas que merecem tal proteção pelo tipo
de vegetação que as recobre (restingas, manguezais, dunas). Nas áreas do primeiro
grupo, estão as destinadas à proteção dos recursos hídricos, fixadas nas alíneas a,
b, e c, referentes às margens de cursos d`água, à vegetação ao redor das lagoas,
lagos ou reservatórios de água naturais ou artificiais e no entorno de nascentes e
olhos d`água.
A fim de tratar das Áreas de Preservação Permanente como instrumento de
proteção das águas, deve-se, inicialmente, destacar as transformações ocorridas no
regime jurídico das referidas APP´s. O Código Florestal Brasileiro passou por
profundas transformações a partir do ano 2000 com a instituição do Sistema
Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC que revogou o artigo
18 da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, que transformava às Áreas de
Preservação Permanente em reservas ou estações ecológicas e, no ano de 2002,
pelas Resoluções do Conama nº 302 e 303, redefiniram os parâmetros, definições e
limites das APP´s, revogando a Resolução do Conama nº 004/85, que
regulamentava o citado artigo 18 da PNMA, lei nº 6.938/81.
A função ecológica do direito de propriedade opera como fator legitimador da
imposição de restrições ao seu uso, tais como a instituição de áreas de preservação
permanente e de reservas florestais legais.
A utilização racional e adequada dos recursos naturais e a preservação do
ambiente constituem elementos condicionadores da legitimidade do direito de
propriedade, balizando o cumprimento de sua função social. Daí resulta a expressão
função socioambiental, a significar que o direito de propriedade deve ser exercido de
modo a que não sejam malferidos os interesses da coletividade no que tange à
promoção do ambiente saudável e ecologicamente equilibrado.
O perfil individualista e liberal da propriedade está sendo superado pela
concepção de interesses sociais preponderantes, de sorte que hoje a propriedade
privada possui um conteúdo formado tanto pelo direito subjetivo, assegurado no
Código Civil, como pelos ditames constitucionais de observância da função social
ambiental. Com a passagem do Estado Liberal para o Estado Social e na era de
transição para o Estado de Direito Ambiental, a propriedade tende a traduzir um
direito cujo exercício em prol da sociedade apresenta interesse público relevante.
Diante desta superação de paradigma, decorre a necessidade de se
compatibilizarem princípios constitucionais mediante ponderação de valores, sendo
48
que o valor ambiental, por ser de interesse público e difuso, não pode ser suplantado
pelos interesses privados do proprietário. Destes esforços de integração do sistema
jurídico decorre o princípio da função socioambiental da propriedade que, em última
análise, objetiva prevenir a degradação da qualidade ambiental.
Concretizar essa nova visão sobre a propriedade é tarefa em construção,
conforme observado na proteção jurídica das águas, sempre dificultada pelas
constantes tensões entre o anseio pelo uso (tantas vezes nocivo ou abusivo) da
propriedade e a proteção ambiental. Essa proteção jurídica das águas vem ao
encontro do discurso ecumênico de espiritualidade da água que a considera como
possuindo significado social, cultural, medicinal, religioso, além de econômico.
1.4.13 Princípio do Desenvolvimento Sustentável
Na perspectiva de enfrentamento dos principais problemas que assolam o
mundo na contemporaneidade, o desenvolvimento sustentável coloca-se como um
grande desafio para o século XXI, seja no nível teórico, pelas promessas e pela
imprecisão conceitual que ele traz em seu bojo; seja no nível empírico, pelas
escassas experiências de sucesso e pelas dificuldades práticas ainda hoje
vivenciadas.
O desenvolvimento sustentável ou eco desenvolvimento consiste na
conciliação entre o progresso, a preservação do ambiente e a melhoria da qualidade
de vida. Busca satisfazer necessidades presentes, sem comprometer capacidade
das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades. Seria a utilização dos
recursos naturais sem comprometer sua produção e sem devastar a natureza.
O termo foi utilizado pela primeira vez em 1980 por um organismo privado, a
Aliança Mundial para a Natureza. Em 1987, um informe realizado para a ONU,
definiu o conceito no qual dizia que um desenvolvimento é duradouro quando
responde às necessidades do presente sem ameaçar as capacidades das gerações
futuras.
Por ocasião da Rio 92 foram produzidos três importantes documentos no
âmbito internacional: Agenda 21 (elaborada pelos Chefes de Estado), o Tratado de
Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global
(elaborado pelo Fórum Global, realizado paralelamente por ONGs de todo o mundo)
e a Carta Brasileira de Educação Ambiental (elaborada pela coordenação do MEC).
49
Na Eco-92, cúpula realizada no Rio de Janeiro e na Rio +10, encontro em
Johannesburgo dez anos depois, essa expressão foi o centro das discussões. O
desenvolvimento sustentável foi adotado na Declaração do Rio e na Agenda 21
como meta a ser buscada e respeitada por todos os países.
1.4.14 Princípio do Direito ao Desenvolvimento Sust entável
O desenvolvimento sustentável é definido pela Comissão Mundial sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento como "[...] aquele que atende às necessidades do
presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem as
suas próprias necessidades", significando, também, melhorar a qualidade de vida
humana dentro dos limites da capacidade de suporte dos ecossistemas. A Agenda
21 reclama como indispensáveis "[...] os padrões de consumo sustentáveis", sem o
qual não se erradicará miséria, nem condições necessárias ao ecossistema
planetário, nem direito das gerações futuras.
Para se alcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção do ambiente tem
que ser entendida como parte integrante do processo de desenvolvimento, não
podendo ser considerada de forma isolada. Assim, tem-se que, inicialmente,
perceber a diferença entre crescimento e desenvolvimento: crescimento não conduz
automaticamente à igualdade, nem à justiça social, pois não leva em conta a
qualidade de vida, mas sim, o acúmulo de riquezas; desenvolvimento, entretanto,
não se prende meramente à produção de riquezas, mas à sua distribuição
objetivando melhor qualidade de vida de toda a população e, consequentemente,
levando em consideração, a qualidade ambiental do planeta. A Declaração da
Conferência de Thessalonniki69 diz que:
‘O conceito de sustentabilidade inclui não somente o meio ambiente, mas também a pobreza, a população, a saúde, a segurança alimentar, a democracia, os direitos humanos e a paz’. A sustentabilidade é, em ultima análise, um imperativo moral e ético no qual a diversidade cultural e o conhecimento tradicional precisam ser respeitados.
A erradicação da pobreza está intimamente ligada ao desenvolvimento
sustentável, buscando conciliar crescimento econômico, conservação do ambiente e
justiça social. Entretanto, sem a acolhida dos países desenvolvidos torna-se ainda
mais difícil sua efetivação. Na reunião de Cúpula da Terra, realizada em
69 Declaração Thessalonniki. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/sdi/ea/deds/pdfs/declthessaloniki.pdf>. Acesso: 15 jun. 2015.
50
Johannesburgo, na África do Sul, em 2002, resolveram reafirmar o compromisso da
ECO-92, no qual 0,7% do PIB dos países ricos seriam destinados a ajudar o
desenvolvimento. Além desta, diversas questões foram decididas, mas sem prazo
ou meta específica para seu cumprimento. É perceptível que o conceito de
desenvolvimento sustentável não diz respeito apenas ao impacto da atividade
econômica no ambiente, se refere principalmente às consequências dessa relação
na qualidade de vida e no bem estar da sociedade, tanto presente quanto futura.
O uso sustentável é delimitado pela capacidade de regeneração do recurso.
Os recursos não renováveis (minérios, petróleo, gás e carvão), ao contrário das
plantas, peixes ou solo, que não podem ser usados de forma sustentável, porém,
sua disponibilidade pode ser prolongada por meio da reciclagem, da utilização em
menor escala ou, quando possível, da sua substituição por recursos renováveis.
Como regra: não ultrapassar os limites de impacto ambiental suportados pelos
ecossistemas da Terra, sem chegar a uma perigosa deterioração; modificar
comportamentos pessoais para adotar a ética da vida sustentável; disseminar
informação de modo que as atitudes necessárias sejam amplamente compreendidas
e conscientemente adotadas; permitir que as comunidades cuidem de seu próprio
ambiente, sendo que por meio desse envolvimento possa ser criada uma força
efetiva a favor do ambiente de sua localidade; gerar uma estrutura nacional para a
integração de desenvolvimento e conservação por leis, instituições e políticas-
econômicas e sociais sólidas para poder progredir de forma racional. As leis
ambientais devem salvaguardar direitos humanos, interesses das gerações futuras e
a produtividade e diversidade do planeta terra. Deverão ser proporcionados
programas de pesquisa e controle, mantendo sistemas de monitoração para sua
eficácia; constituir aliança global entre os países, sendo que países de menor renda
devem ser ajudados a se desenvolver de maneira sustentável e a proteger seu
ambiente. Os recursos globais são comuns a todos (atmosfera, oceanos,
ecossistemas coletivos) e devem ser a meta de todos, pois, se não for alcançada,
todos estarão ameaçados.
Segundo José Adercio Leite Sampaio o desenvolvimento sustentável “[...]
consiste no uso racional e equilibrado dos recursos naturais, de forma a atender às
51
necessidades das gerações presentes, sem prejudicar o seu emprego pelas
gerações futuras”70.
No plano internacional, traduz-se, nas palavras de Chris Wold71, no direito dos
Estados-Membros usarem recursos de acordo com suas políticas nacionais. Deste
modo, compete a cada Estado, individualmente, e segundo o poder conferido por
meio de sua soberania, formular e implementar sua política de proteção ao
ambiente. Do mesmo modo, “[...] o direito ao desenvolvimento articula-se como um
direito fundamental que os Estados têm o dever de proteger”72. Tal princípio foi
explicitado por meio dos princípios 3 e 4 da Declaração do Rio de Janeiro/92, in
verbis:
PRINCÍPIO 3 – O direito ao desenvolvimento deve ser exercido de modo a permitir que sejam atendidas equitativamente as necessidades de gerações presentes e futuras. PRINCÍPIO 4 – Para alcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção ambiental deve constituir para integrante do processo de desenvolvimento, e não pode ser considerada isoladamente deste.
Segundo Paulo Affonso Leme Machado73 tal princípio foi acolhido pela
Constituição Federal ao impor à coletividade e ao poder público o dever de preservar
o ambiente para as presentes e futuras gerações.
Segundo Welber Barral e Gustavo Assed Ferreira74, “[...] desenvolvimento
sustentável é o desenvolvimento que responde às necessidades do presente sem
comprometer as possibilidades das gerações futuras de satisfazer suas próprias
necessidades”. Por fim, Luiz Roberto Gomes75 entende que o princípio do
desenvolvimento sustentável encontra-se consagrado em nossa Constituição
Federal, ao obrigar a coletividade a defendê-lo e preservá-lo para as presentes e
futuras gerações, por ser essencial à sadia qualidade de vida.
Está evidente que os recursos ambientais não são inesgotáveis. É
inadmissível a prática de atividades econômicas alheias a este fato. Tornou-se
necessário um modelo estatal intervencionista, com finalidade de reequilibrar o
70 SAMPAIO, J. A. L.; WOLD, C.; NARDY, A. Princípios do Direito Ambiental: na dimensão internacional e comparada. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 47. 71 SAMPAIO, J. A. L.; WOLD, C.; NARDY, A. Princípios do Direito Ambiental: na dimensão internacional e comparada. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 10. 72 SAMPAIO, J. A. L.; WOLD, C.; NARDY, A. Princípios do Direito Ambiental: na dimensão internacional e comparada. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p.11. 73 MACHADO, P. A. L. Direito Ambiental Brasileiro . p.94 74 BARRAL, W.; FERREIRA, G. A. Direito Ambiental e Desenvolvimento. In: Direito Ambiental e Desenvolvimento . p. 13. 75 GOMES, L. R. Princípios Constitucionais de proteção ao meio ambiente. In: Revista de direito ambiental . p.179.
52
mercado econômico, permitindo desenvolvimento, mas de forma sustentável,
planejada, para que recursos hoje existentes não se esgotem ou tornem-se inócuos.
A essência deste princípio está na manutenção das bases vitais da produção e
reprodução do homem e de suas atividades, garantindo a utilização racional dos
recursos naturais para que, também, as futuras gerações possam desfrutar dos
mesmos recursos que se tem hoje à disposição. Este princípio não visa a impedir o
desenvolvimento econômico. Na maioria das vezes, a atividade econômica
representa alguma degradação ambiental. O que se busca, entretanto, é que as
atividades sejam desenvolvidas utilizando-se de todos os instrumentos adequados
para a menor degradação possível, atendendo às necessidades do presente, sem
causar riscos às futuras gerações.
1.4.15 Princípio da Cooperação entre os Povos
Desde a Conferência de Estocolmo já se encontrava presente a necessidade
do livre intercâmbio e do mútuo auxilio entre os países, a fim de facilitar a solução
dos problemas ambientais. Com esse intuito, foi formulado o princípio de nº 20,
defendendo o fomento do livre intercâmbio de informações e experiências científicas
entre os países, a fim de facilitar a solução dos problemas ambientais. Do mesmo
modo, defendeu que a tecnologia ambiental deve ser colocada a serviço dos países
em desenvolvimento. Para Édis Milaré, a Declaração sobre o Ambiente Humano foi
o principal documento resultante daquela conferência76.
Hoje, tal princípio encontra-se consagrado no texto constitucional, ao
estabelecer a cooperação entre os povos para o progresso da humanidade como
princípios a serem observados nas relações internacionais. Do mesmo modo, a já
mencionada Declaração do Rio incluiu entre seus princípios que:
Os Estados, de conformidade com a Carta das Nações Unidas e com os princípios de Direito Internacional, têm o direito soberano de explorar sues próprios recursos segundo suas próprias políticas de meio ambiente e desenvolvimento, e a responsabilidade de assegurar que atividade sob sua jurisdição ou controle não causem danos ao meio ambiente de outros Estados ou de áreas além dos limites da jurisdição nacional (princípio 2).
A inserção nas Constituições dos países possui uma importância fundamental
para possibilitar a defesa do ambiente. Isso porque, em geral, as agressões não se
restringem apenas a um país, podendo trazer graves prejuízos e problemas para as 76 MILARÉ, É. Direito do ambiente. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 22.
53
populações de países vizinhos e, até mesmo, distantes daqueles no qual o dano
tenha ocorrido. A poluição, a diminuição das reservas naturais, o aumento da
temperatura, o desmatamento, entre outros, trazem transtornos à população em
geral, razão pela qual se faz necessária a adoção de medidas que permitam a união
entre países no combate à toda e qualquer agressão ambiental.
Tal princípio visa a permitir o livre intercâmbio de experiências científicas e do
mútuo auxilio tecnológico e financeiro entre países, a fim de facilitar a solução dos
problemas ambientais.
1.5 CONSCIÊNCIA ECOLÓGICA E EDUCAÇÃO AMBIENTAL
A consciência ecológica está extremamente ligada à preservação do
ambiente que, atualmente, é uma preocupação mundial e nenhum país pode eximir-
se de sua responsabilidade. As agressões são as mais diversas, e estão cada vez
mais constantes. Há necessidade urgente de protegê-lo, sendo que o primeiro passo
é a conscientização do homem por meio do conhecimento.
Os valores de educação ambiental adotados no Brasil têm origem na
ideologia dos encontros internacionais, registrando a integração do Brasil no cenário
externo. Em consonância com o cenário internacional, o Brasil foi sede, em 1992, da
Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO-92),
da qual participaram mais de 180 países. A jornada internacional de Educação
Ambiental, realizada no Fórum Global da Eco-92, reafirma o compromisso crítico da
Educação Ambiental, expresso no “Tratado de Educação Ambiental para as
Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global”. O tratado diz que a educação
ambiental não é neutra, mas ideológica; é um ato político baseado em valores para
transformação social. O tratado considera educação ambiental para sustentabilidade
equitativa como “[...] um processo de aprendizagem permanente, baseado no
respeito a todas as formas de vida”. Tal processo afirma valores e ações que
contribuem para transformação humana e social e para preservação ecológica77.
Ao se voltar para cuidados com sustentabilidade hídrica, a Carta de Montreal
sobre Água Potável e Saneamento, publicada em 1990, afirma que a administração
dirigida apenas para os trabalhos estritamente técnicos não é satisfatória nem 77 ANA, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Educação ambiental e Gestão de Recursos Hídricos. Maringá: UEM, 2008, p. 25.
54
suficiente, sendo educação a forma de estimular a participação social nas matérias
pertinentes à água78.
Foi, portanto, neste contexto, que o Brasil publicou a lei da Política Nacional
de Educação Ambiental, nº 9.795/99, regulamentada pelo decreto nº 4.281, de 25 de
junho de 2002, incumbindo ao Poder Público de "[...] promover a educação
ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a
preservação ambiental". Entendendo-se por educação ambiental, a lei nº 9.795/99,
em seu artigo 1º, diz:
Os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade.
Seus princípios básicos são: enfoque humanista e participativo; concepção do
ambiente em sua totalidade; pluralidade de ideias e concepções pedagógicas, na
perspectiva de intermultidisciplinaridade e transdisciplinaridade; vinculação entre
ética, educação, trabalho e práticas sociais; garantia de continuidade e permanência
do processo educativo; abordagem articulada das questões ambientais locais,
regionais, nacionais e globais; reconhecimento e respeito à plural idade e à
diversidade individual e cultural.
A educação ambiental é instrumento de transformação na concepção da
gestão ambiental. Esta situação implica em mudança de paradigma, de hábitos e de
atitudes tornando-se caminho para que o ser humano compreenda, vivencialmente,
que os valores podem e devem ser mudados, gerando a consciência da
necessidade do cuidado, de cidadania e da participação, contribuindo para
preservação do ambiente. Sendo este o caminho para efetividade do Direito e
acesso à água.
A educação ambiental vem conquistando espaço e tem representado um
papel relevante nos últimos anos, principalmente em face da urgência em resolver
graves problemas socioambientais e tem sido apontada como meio de
aprendizagem de como gerenciar e melhorar relações entre sociedade humana e
ambiente, de modo integrado e sustentável.
Várias definições de educação ambiental têm sido elaboradas neste
contexto. A Conferência de Tbilisi (1977) definiu a Educação Ambiental como um
78 COMMETTI, F.D. et.al. O desenvolvimento do direito das águas como um ramo autônomo da ciência jurídica brasileiro. Revista de direito ambiental . 2008, p.67.
55
processo permanente no qual indivíduos e comunidade tomam consciência de seu
ambiente e adquirem conhecimento, valores, habilidades, experiências e
determinação que os tornam aptos a agir - individual e coletivamente -, para resolver
os problemas ambientais.
Embora a educação ambiental seja definida nestes documentos como um
processo dinâmico integrativo, transformador, participativo, abrangente, globalizador,
permanente e contextualizador, há um aspecto que é praticamente escamoteado.
Trata-se de conceber a educação como um instrumento no processo de gestão
ambiental, postulando-se a necessidade de criação de espaços democráticos de
exercício do poder de gestão. Tal concepção presume formas de compartilhamento
das questões ambientais com populações locais envolvidas; das informações
necessárias à compreensão da complexidade dessas questões, bem como criação
de espaços de decisão quanto às políticas públicas a serem adotadas.
1.5.1 A Integração da Educação no Processo de Gestã o Ambiental
Há insustentabilidade na estrutura socioambiental, tanto nas relações entre
pessoas, como nas relações das pessoas com a natureza. Para que estas relações
sejam viáveis, é necessário que haja educação integrada no processo de Gestão
Ambiental que proporcione condições necessárias para produção e aquisição de
conhecimentos e habilidades, e, que desenvolva atitudes, visando à participação
individual e coletiva na administração do uso de recursos hídricos e na concepção e
aplicação das decisões que afetam a qualidade e proteção da água.
A educação, entendida como um dos instrumentos básicos e indispensáveis a
sustentabilidade dos processos de gestão ambiental dos recurso hídricos, traz o foco
para importância de se considerar questões de cidadania a partir do universo
cognitivo, comunicativo e sociopolítico dos sujeitos que dão suporte às ações
implementadas, suas relações intersubjetivas e intergrupais.
A lei de educação ambiental determina que “Os Estados, Distrito Federal e
Municípios, na esfera de sua competência e áreas de sua jurisdição, devem definir
diretrizes, normas e critérios para a educação ambiental dentro das diretrizes da
Política Nacional de Educação Ambiental” (art. 16). Essas entidades federativas
devem implantar por meio de leis estaduais, distritais e municipais, a definição de
programas capazes de proteger recursos hídricos em seus respectivos territórios.
56
Contudo, apenas leis não bastarão. Será necessário vigilância por parte da
sociedade para que, efetivamente, seja possível vivenciar uma educação ambiental
pautada na conservação e preservação.
Para que a educação ambiental possa contribuir nesse processo de proteção
do direito à água, é preciso que o educador ambiental atue como um intérprete. Ao
evidenciar os sentidos culturais e políticos em ação nos processos de interação
sociedade-natureza, o educador seria um intérprete das percepções - que também
são, por sua vez, interpretações sociais e históricas mobilizadoras dos diversos
interesses e intervenções humanas no ambiente. Trata-se de evidenciar os
horizontes de sentido histórico-culturais que configuram relações com o ambiente
para determinada comunidade humana e em tempo especifico.
No que se refere à racionalidade capitalista, esta dimensão aponta para as
repercussões das ideologias do individualismo e do consumismo na formação da
ética pessoal e grupal, incompatíveis com a lógica do cuidar. Reproduzem
estratégias socioeconômicas, tais como competição, negação da cooperação,
individualismo, acumulação de riqueza em detrimento da distribuição igualitária. Do
ponto de vista da produção, está presente nas tensões entre capital e trabalho, entre
público e privado. Aparece sob forma da obsolescência planejada dos produtos-
mercadorias e, no caso do capitalismo globalizado, tenciona relações entre
necessidades coletivas, enquanto bem comum, e interesses privados das empresas
multinacionais. No processo de consumo, manifesta-se na face da descartabilidade,
do desperdício, da geração de necessidades artificiais e dos resíduos não reciclados
que contaminam ambiente, água e degradam qualidade de vida.
2 AMBIENTE E SUA PROTEÇÃO
A proteção ao ambiente é tema que vem ganhando cada dia mais relevância
no mundo atual. Assim, se no passado não havia preocupação em estabelecer
normas disciplinando sua utilização e proteção, hoje salvaguardas protetoras do
direito ao ambiente encontram-se previstas na maioria das Cartas Constitucionais.
57
José Afonso da Silva79 relembra que “[...] o ambientalismo passou a ser tema
de elevada importância nas Constituições mais recentes”. Contudo, cumpre
esclarecer que, muito embora inserção de capítulo específico sobre ambiente só
tenha ocorrido com a promulgação da Constituição Federal de 1988, sua proteção
possuía amparo constitucional anterior. Tal raciocínio é possível ao atentar para o
fato de que a proteção ao ambiente se constitui em derivação da proteção do direito
à vida, de tal forma que, por este possuir amparo constitucional, a proteção daquele
é possível por via reflexa.
Como bem preleciona Édis Milaré80, com o advento da Constituição de 1988 a
proteção jurídica do ambiente passou a ter identidade própria, deixando de ser um
bem jurídico per accidens, elevando-se aos status de bem jurídico per se. Deste
modo, a criação de proteção jurídica autônoma permitiu amparo mais efetivo, sem
que fosse necessário pleitear sua proteção como derivação do direito à saúde
humana.
Segundo José Afonso da Silva81 “[...] as normas constitucionais assumiram
consciência de que o direito à vida, como matriz de todos os demais direitos
fundamentais do homem, é que há de orientar todas as formas de atuação no
campo da tutela do meio ambiente”.
De qualquer modo, conforme se observará ao longo deste trabalho, é possível
defender proteção ao ambiente por diversos mecanismos: 1) Por ser ele um direito
constitucionalmente protegido e tutelado; 2) Por constituir-se como direito
fundamental; 3) Por derivar do direito à vida, saúde e qualidade de vida; 4) Em razão
da tutela ambiental ser instrumento importante para garantir a efetividade na
preservação da água.
79 SILVA, J. A. da. Direito Ambiental Constitucional. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 51. 80
MILARÉ, É. Direito do ambiente. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 43. 81 SILVA, J. A. da. Direito Ambiental Constitucional. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 62.
58
2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PROTEÇÃO DO AMBIENTE
O ambiente pode ser entendido como elementos naturais, artificiais e culturais
que fazem parte da vida82. De acordo com a Organização das Nações Unidas em,
sua resolução nº 3.717, tem-se:
I - meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas; II–degradação da qualidade ambiental,a alteração adversa das características do meio ambiente.
A expressão meio ambiente foi criada por Saint-Hilaire em 1835 que o definiu
da seguinte forma: “[...] um complexo de relações entre o mundo natural e os seres
vivos que influenciam sua vida e seu comportamento83.” Coimbra84 explica em duas
partes o que vem a ser meio:
A palavra meio nos leva a uma superfície ou volume em que se insere um ponto qualquer; tem, portanto, uma conotação espacial, geométrica; desde que se está ‘dentro’, ou inserido, vale dizer que se está no meio, ainda que as distâncias lineares não sejam perfeitamente regulares. Em nosso caso, ‘estar no meio’ significa estar cercado de outros seres por todos os lados, como que imerso num banho total, embora as distâncias que vão deste ponto aos ‘extremos’ não sejam nem iguais nem definíveis. O contorno desse meio é indefinido. ‘Estar num meio’ significa, na prática, estar dentro dele, por ele envolvido, sem definição de limites. Veja, não é pura especulação: sempre estamos no meio de um conjunto de coisas, como que perdidos nelas ou misturados a elas; ou, às vezes, estamos em meio a uma determinada situação, na qual figuramos como protagonistas. Nas realidades concretas das várias situações, cada ser que está num meio qualquer é, por referência, o centro desse mesmo meio.
Na segunda parte, o autor85 explica o sentido da palavra “ambiente”, dentro
do contexto:
A palavra ambiente é composta de dois vocábulos latinos: a preposição amb(o), ao redor, à volta, e o verbo ire, ir, que se fundem numa aritmética muito simples, amb + ire = ambire. Desta simples operação resulta uma soma importantíssima, 'ir à volta'. Ambiente, pois, é tudo o que vai à volta, o que rodeia determinado ponto ou ser. 'Ambiente' começou como particípio presente do verbo ambire (ambiens, ambientis), passou a ser adjetivo para assumir depois, em casos precisos como o nosso, a gloriosa posição de substantivo, designando uma entidade que vai à volta de um determinado ser, mas que existe em si mesma.
Integrando as duas palavras, tem-se: 82 ANTUNES, P. de B. Direito ambiental . 8. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 88. 83 MEIRA, J. de C. Direito ambiental. 2003, p. 6. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/141/Direito_Ambiental.pdf?sequence=1>. Acesso: 22 mar. 2015. 84 COIMBRA, Á. O outro lado do meio ambiente : uma incursão humanista na questão ambiental. Campinas: Millennium, 2002, p. 23-24. 85 COIMBRA, Á. O outro lado do meio ambiente : uma incursão humanista na questão ambiental. Campinas: Millennium, 2002, p. 33-44.
59
Temos, assim, o ambiente como uma entidade real substantiva que se relaciona com um ser ou conjunto de seres por ela envolvidos. Veja lá, não é bonito entender as palavras e penetrar no recinto íntimo do seu significado? Afinal, inteligência, pela etimologia, significa a capacidade de ler dentro das coisas. Há outra consideração: as palavras são sinais do que pensamos, do que está “escondido” em nossa mente; e são, também, símbolos de grandes e inexploradas realidades! Então, estamos entendidos: nosso ambiente é tudo o que vai à nossa volta e nos arrodeia. O verbo ir – um dos componentes desta realidade – traduz ação, o que é próprio e exclusivo dos verbos, como sabemos pela velha e esquecida gramática; isto imprime ao conceito de ambiente dinamismo e movimento, que se traduzem tanto na influência do ambiente sobre o ser que ele envolve quanto na resposta adequada do ser envolvido, produzindo-se uma interação de ambos: ações-reações, estímulos respostas86.
Inclui-se o ser humano como elemento do ambiente, em que sua
sobrevivência não se determina somente pelas condições físicas do ambiente, mas
também por suas relações com outros seres vivos. Assim, entende-se que a
definição de ambiente não se resume à ecologia e sim à integração do ser humano
dotado de consciência de suas responsabilidades87.
O Direito Ambiental surgiu com o objetivo de proteger o ambiente das
condições de risco, pondo em prática sistemas de prevenção e de reparação
estabelecendo normas para evitar condutas nocivas das atividades cotidianas do ser
humano88. A legislação ambiental brasileira foi contemplada na Carta Magna em
1988, mas antes houve dispositivos legais de proteção ambiental. Em 1965 surge a
lei nº 4.771, de 15 de setembro, instituindo o Código Florestal, prevendo disposições
de uso do solo, de recuperação da cobertura vegetal e das áreas de prevenção
permanente89. Em 28 de fevereiro de 1967, surgiu o decreto-lei nº 221, o Código de
Pesca, estabelecendo proibições à pesca e regulamentando lançamentos de
efluentes e resíduos líquidos ou sólidos às águas90.
Com a Constituição Federal de 1988, foi elaborado um capítulo dedicado ao
ambiente, demonstrando a importância de se tutelar esse bem fundamental à
preservação da vida, conforme artigo 225:
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao
86 COIMBRA, Á. O outro lado do meio ambiente : uma incursão humanista na questão ambiental. Campinas: Millennium, 2002, p. 25-26. 87 NALINI, J. R. Ética ambiental . Campinas: Millennium, 2001, p. 26. 88 SAMPAIO, F. J. M. Responsabilidade civil e reparação de danos ao meio ambiente . 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1998, p. 12. 89 FUENTES, L. F. D. S. Responsabilidade civil por danos ao meio ambiente e sua reparação . 1999. Monografia. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, p. 44. 90 FUENTES, L. F. D. S. Responsabilidade civil por danos ao meio ambiente e sua reparação . 1999. Monografia. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, p. 45.
60
Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações91.
Azevedo92 fornece sua opinião acerca do referido artigo:
Ao consagrar a proteção ambiental, o artigo 225 da Constituição Federal obriga o intérprete a opções valorativas sobre o exercício dos direitos individuais cotejados com a manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado, de modo que aqueles não se sobreponham a esta.
Em 1992 foi realizada a Conferência das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente e desenvolvimento que formulou princípios para proteção ambiental,
visando sempre à sua tutela e preservação. Finalmente, devido a importância da
tutela para preservação da água, em 1997, a lei nº 9.433 instituiu a Política Nacional
de Recursos Hídricos, em que a Bacia hidrográfica é posta como espaço geográfico
de referência. Em 12 de fevereiro de 1998, foi elaborada a Lei de Crimes Ambientais
elencando sanções penais e administrativas para condutas prejudiciais ao ambiente
em especial à conservação e proteção da água93.
No ano 2000, criou-se a compensação ambiental e constituiu o Sistema
Nacional de Unidades de Conservação – SNUC com a lei 9.985/00 regulamentando
a atividade empresarial como dever de preservar o meio ambiente, visando a
efetividade do direito de preservação deste bem94. No seu artigo 36 tem-se:
Art. 36. Nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental, assim considerado pelo órgão ambiental competente, com fundamento em estudo de impacto ambiental e respectivo relatório – EIA/RIMA, o empreendedor é obrigado a apoiar a implantação e manutenção de unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral, de acordo com o dispositivo neste artigo e no regulamento desta lei.
Os dispositivos da Lei de Compensação Ambiental foram regulamentados
pelo decreto nº 4.340, de 22 de agosto de 2002, em que somente atividades
capazes de afetar florestas e outros ecossistemas poderiam vir a ter licenciamento
condicionado95. Em 2009, foi estabelecida a lei nº 12.187/09 sobre Política Nacional
quanto às mudanças do clima, estimulando manutenção e promoção de padrões
91 BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil . 20. ed. São Paulo: Atlas, 2003. 92 AZEVEDO, P. F. de. Ecocivilização: ambiente e direito no limiar da vida. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 118. 93 FUENTES, L. F. D. S. Responsabilidade civil por danos ao meio ambiente e sua reparação . 1999.Monografia. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, p. 46. 94 MELO, A. A. M. de. Compensação ambiental. 2006. Dissertação. Faculdade de Direito Milton Campos. Nova Lima/MG, p. 21. 95 MELO, A. A. M. de. Compensação ambiental. 2006. Dissertação. Faculdade de Direito Milton Campos. Nova Lima/MG, p. 21.
61
sustentáveis de produção e consumo, uma vez que mudanças climáticas estão
diretamente ligadas aos aspectos gerais da água e seu ciclo hidrológico.
Por fim, no ano de 2010 entra em vigor a lei nº 12.305/10, que aborda a
Política Nacional de Resíduos Sólidos, reforçando o estímulo das compras e
produções sustentáveis, tendo como prioridade a aquisição de produtos recicláveis e
reciclados e bens com padrões ambientalmente sustentáveis96.
A evolução do Direito Ambiental ocorre em busca da efetividade de sua
proteção, uma vez que a crescente preocupação social com questões ambientais
levou a comunidade internacional a elaboração de normas de proteção ao ambiente.
A conscientização de que os recursos naturais renováveis e não renováveis
são limitados, clamou por intervenção legislativa, capaz de tutelá-lo efetivamente. A
reconstrução passou a impor ao desenvolvimento econômico racional utilização dos
recursos naturais e fez com que os processos industriais passassem a internalizar
externalidades ambientais. A esta nova proposta de desenvolvimento econômico
surge à ideia de sustentabilidade como forma de evitar a degradação do ambiente.
Para direcionar esta atividade normativa, diversos princípios surgiram tanto em
âmbito internacional, como no plano nacional, com objetivo de auxiliar na
interpretação de conceitos legislativos e sanarem lacunas.
Por tratar-se de um tema ainda em evolução, a aplicação dos princípios do
Direito Ambiental para solução de conflitos e elaboração de políticas públicas tem
especial relevância. Como parte do rol dos direitos fundamentais, Direito Ambiental
ainda concorre com diversos outros direitos igualmente fundamentais e
constitucionalmente garantidos. A ponderação, no caso concreto, como recurso à
razoabilidade e à proporcionalidade, torna-se instrumento indispensável.
2.2 TUTELA LEGISLATIVA DO AMBIENTE
O ordenamento jurídico brasileiro tem buscado a proteção do ambiente por
meio da Constituição Federal e de leis infraconstitucional, de forma que se tornou
vanguardista no estabelecimento de legislação protetiva ambiental consistente,
96 COUTO, H. L. G. do; COUTO, M. C. M. V. O marco regulamentável das compras públicas sustentáveis. Jus Navigandi . 2011. Teresina, p. 2. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/18726/o-marco-regulatório-das-compras-publicas-sustentaveis>. Acesso: 23 mar. 2015.
62
demostrando importância e vulnerabilidade do ambiente e necessidade de vetar
delitos ambientais. Nesse sentido veio a lume a Constituição Federal, e mais tarde a
lei. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que trata dos crimes contra o ambiente.
Além da proteção de bens jurídicos na seara individual, passou, com a
destacada lei, também a proteger bens de natureza coletiva, em que os sujeitos de
direito, não dispõem do bens tutelados, encontram-se todos em igual posição,
inclusive pessoas físicas ou jurídicas de Direito Público ou Privado. Esta nova
qualidade de direitos, não individuais mas coletivos, em nada altera o caráter penal
centrado no indivíduo, com o que não se admite a restrição da tutela penal a
“interesse puramente individuais”.
[...] aceitando antes a plena legitimidade da existência de bens jurídicos transpessoais, coletivos, comunitários ou sociais. É, em meio juízo, no aprofundamento e esclarecimento do estatuto desta classe de bens jurídicos – cujo reconhecimento, de resto, não afetará a natureza em ultima instancia ‘antropocêntrica’ da tutela penal – que reside, no futuro próximo, a tarefa primária da doutrina que continue a fazer radicar a função exclusiva do direito penal na tutela subsidiária de bens jurídicos.97
Outro caráter inovador daquela lei é a abordagem de aspectos civis e
administrativos, como a reparabilidade do dano, punição de funcionário que
contribua à prática delituosa ambiental e imposição de severas multas
administrativas. O dispositivo é importante legislação ambiental, uniforme graduada
e com claro apontamento dos delitos que coíbe.
Em se tratando de proteção jurídico-penal, a lei específica voltada ao combate
dos crimes ambientais, permite extinção da punibilidade face à reparação ou
recuperação do dano ambiental, comprovando assertiva de Luiz Regis Prado quanto
ao afastamento das normas frente a seu grave caráter coercitivo, quando outro ramo
do direito dirime a questão, porque mais importante que a segregação ou sanção
penal é a reparabilidade do dano ambiental.98 Nota-se ainda, que a lei premia a pena
alternativa de prestação de serviço à comunidade:
[...] a lei penal ambiental teve o escopo de privilegiar a busca de opção que, ao mesmo tempo em que exigem do condenado o dispêndio de atividade, a manutenção ou conservação de determinadas áreas, o custeio de medidas para manter ou recuperar áreas sujeitas à proteção ambiental, ou mesmo o proíbem de se ver beneficiado por contratação com órgãos públicos ou recebimento de subvenções públicas, podendo chegar ao extremo de suspender suas atividades ou encerrá-las definitivamente, fazendo que sobre ele exista um gravame, produzem benefícios à sociedade como um todo. Estão representados pelos serviços prestados pela recuperação,
97 DIAS, J. de F. Questões Fundamentais do Direito Penal Revisitadas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 74. 98 PRADO, L. R. Crimes Contra o Ambiente . p. 27-28.
63
conservação e manutenção de recursos naturais ou áreas preservadas, vedação de obtenção de vantagens do Poder Público ou, mesmo que de maneira inapeláveis, não mais possa vir a ocasionar malefícios ao meio ambiente.99
Luiz Regis Prado atrela essas disposições ambientais ao mandamus
constitucional que premia liberdade, segurança, bem estar, direitos sociais, com o
que a ordem constitucional:
[...] implica a necessidade de proteção do bens jurídicos-penais, de ordem supra individuais, coletivos ou difusos, ligados, quase sempre, às necessidades básicas de seus membros, cujos bens são peculiares à própria natureza do Estado de Direito, materialmente considerado, que só pode ser concebido enquanto Estado-coletividade, no qual o Estado-individuo constitui apenas um órgão, jamais um ente exponencial.100
Neste diapasão, mais importante é a tentativa de clara delimitação do conteúdo
substancial deste “bem jurídico coletivo ou difuso” do que discutir seu conceito ou
existência, pontos já firmados no texto constitucional, reservando-se esforços para a
“fixação de critérios específicos que permitam individualiza-lo, de forma clara e
objetiva, sem violar nenhum dos princípios fundamentais”.101 Esclarece ainda o autor
que:
Embora o bem jurídico-penal seja autônomo, não se nega sua relativa natureza antropomórfica na relação ambiente-homem (teoria personalista relativa) que lhe é inerente, significando que o ambiente não é dado absoluto, mas sim referido, afeto ao homem, como seu espaço vital de realização individual e coletiva, o que justifica e legitima a intervenção penal para a proteção de determinados valores constitucionais.102
O tratamento único da lei à matéria, aglutinou vários elementos que compõem
o ambiente, em favor de harmonização das normas incriminadoras e de suas
respectivas penas, suprindo lacunas resultante do anterior enfoque setorial e isolado
da legislação ambiental, firmando a lei n. 9.605/1998, ao lado da criminalidade
tradicional, juntamente com a ideia do injusto penal ambiental, fruto de sensibilidade
social emergente, bem como compondo elementos ambientais.103
No campo administrativo, a referida lei trata da punição a funcionários
públicos que pratiquem ilicitudes, no que tange a licenciamentos ou autorizações
ambientais, bem como pune com severas multas administrativas determinadas
condutas tipificadas como delitos em desfavor do macro ou microambiente e, ainda,
estabelece como penas restritivas de direito a pessoa jurídica, as típicas figuras 99 MARTINS, J. H. S. Penas Alternativas. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2002, p.120. 100 PRADO, L. R. Crimes Contra o Ambiente . p. 27-28. 101 PRADO, L. R. Crimes Contra o Ambiente . p. 28. 102 PRADO, L. R. Crimes Contra o Ambiente .p. 28. 103 PRADO, L. R. Crimes Contra o Ambiente .p. 32-33.
64
jurídico-administrativas da suspensão parcial ou total de atividades, interdição
temporária de estabelecimento, obra ou atividade, e ainda proibição de obter
subsidio, subvenção, doação ou contratação pelo Poder Público.
Observa-se que esse pensamento não é uma característica pátria; o mundo
como um todo está preocupado com danos ambientais, senão vejamos:
Impõe reconhecer que, havendo um perigo de dano grave ou irreversível, pela falta de certeza absoluta não se poderá postergar a adoção de medidas eficazes em razão dos seus custos para impedir a degradação do meio ambiente. Os referidos custos deverão ser implementados por toda indústria ou qualquer exploração do ambiente, bem como em toda cadeia produtiva.104
Com o Direito Administrativo a proteção ambiental “mantem uma relação
privilegiada”105, embora as diretivas daquele clássico ramo do direito não se
prestem, por si mesmas, ao abrigo da efetiva proteção do ambiente. Em se tratando
de matéria constitucional entre os direitos e garantias fundamentais (art. 5º, CF/88)
encontra-se a inviolabilidade do direito à vida do começo ao fim106, sendo protegidos
e essenciais, ou seja, constitucionalmente indispensável à sadia qualidade de vida
(art. 225, CF/88)107.
A tutela jurídica da sadia qualidade de vida se efetiva pela proteção jurídica
aos bens ambientais, imposta por isso a legislação infraconstitucional, como
proteção fundamental de eficácia plena e aplicação imediata108 e ainda, universal, ou
seja, ninguém pode ser excluído de respeitar e ver respeitado os bens ambientais.
O direito ao ambiente ecologicamente equilibrado firma-se como direito
fundamental porque o rol dos direitos fundamentais não se encontra vedado no
artigo 5º, da Constituição Federal, mas se espraia por toda a Carta, conforme ordem
do artigo 5º, parágrafo segundo, da Constituição Federal. Isso quer dizer que o rol
dos direitos fundamentais descritos no artigo 5º da CF, não é um rol taxativo, apenas
exemplificativo. Da mesma forma deve se entender que o direito à vida está
entrelaçado ao direito ao ambiente, uma vez que os seres humanos fazem parte
deste.
O direito à conservação e preservação dos bens ambientais, corolário do
direito fundamental à vida com dignidade, é imprescindível, irrenunciável e
104 FRANZA, J. A. Tratado de Derectio Ambiental: Doctrina Legislacion e jurisprudência. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas, 2005, p. 333. 105 ANTUNES, P. de B. Direito ambiental . 8. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 59. 106 BOBBIO, N. A Era dos Direitos. 13. ed. Rio de Janeiro: Campo, 1992, p. 228-230. 107 PRADO, L. R. Crimes Contra o Ambiente . p. 25-27. 108 Art.5º, parágrafo primeiro, da CF/88.
65
inalienável, de valor indisponível como direito personalíssimo pela sua natureza,
exercível e exigível a qualquer tempo109, no qual todos tem o dever de assegurar a
inalterabilidade harmônica do habitat ou esforçar-se para restituir a sua harmonia e
estabilidade de direito.
Ressalte-se que na seara ambiental não há hipótese de colisão entre direitos
fundamentais ou resolução dela pelo princípio da ponderação, porque o direito ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado como fator essencial à sadia qualidade
de vida, se atrela ao direito fundamental da vida com dignidade. Além disso, as
normas infraconstitucionais não têm condão de violar preceitos da Carta, sob pena
de inconstitucionalidade; as leis menores não podem ferir preceitos magnos
protetivos do ambiente e dos bens ambientais. Esta característica, também especial
do bem ambiental, se acoberta da proteção constitucional como vital componente da
sadia qualidade de vida digna110, não é olvidada de apontamento entre os atributos
da natureza jurídica desse bem.
Na esfera constitucional o direito/dever de proteção do ambiente ocupa
posição relevante no texto constitucional brasileiro de 1988, que foi o primeiro a
tratar o ambiente como bem jurídico autônomo e dar-lhe contornos de direito
fundamental, seguindo tendência das constituições modernas. O ambiente passa ser
um dos principais valores que orientam a constituição do que se pode denominá-la
de “constituição ecológica”111.
Isto porque, como problema comunitário ou público, a defesa do ambiente é,
de certo modo, recente, e remonta à crise do Estado Social ou providencia (décadas
de 60 e 70) que, aliada à crise do petróleo, levou os Estados a tomarem posição
referente ao esgotamento dos recursos naturais e aos limites do crescimento
econômico. É certo que os movimentos ambientalistas da década de 70 vão
defender o modelo radical de proteção, uma nova “ideologia” de vida que seria uma
panaceia para todos os problemas da humanidade; nasce, nessa época, os
chamados “partidos verdes”. Somente nas décadas de 80 e 90 é que se deu a
consolidação da consciência ecológica, deixando de ser “a bandeira de
109 ALONSO JR., H. Direito Fundamental ao Meio Ambiente e Ações Coleti vas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 55. 110 PINHO, R. C. R. Teoria Geral da Constituição de Direitos Fundamenta is. 3. ed. São Paulo, Saraiva, 2002, p.76. 111 ROTHENBURG, W. C. A Constituição Ecológica. In: KISHI, S. A. S.; SILVA, S. T. da; SOARES, I. V. P. (orgs.). Desafio do Direito Ambiental no Século XXI: Estudos em homenagem a Paulo Affonso Leme Machado. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 814.
66
agrupamentos radicais para passar a constituir patrimônio comum de todas as forças
politicas”.112
O direito, como ciência dinâmica não ficou alheio às mudanças políticas e
éticas com relação ao ambiente. Assim foi que, na década de 60, a Suécia propõe a
ONU a realização de uma conferência internacional a fim de discutir os problemas
decorrentes do desenvolvimento econômico e do crescimento demográfico,
realizada em junho de 1972, a conferência sobre Meio Ambiente Humano, com a
participação de 113 países, 250 (250 inscritos) organizações não governamentais e
organismos da organização das Nações Unidas113.
Grande divisor de águas no Direito Ambiental sendo o start para seu
reconhecimento, como direito fundamental. A Conferência de Estocolmo, tinha 26
(26 inscritos) princípios, dentre os quais se destaca o primeiro:
[...] o homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e a condições de vida satisfatórias, num ambiente cuja qualidade lhe permita viver com dignidade e bem estar, incumbindo à todos o dever solene de proteger e de melhorar o ambiente para gerações presente e futuras.
A realização da conferência de Estocolmo foi fundamental para a criação de um
novo direito, preocupado, de acordo com Edison Ricardo Saleme
[...] com a manutenção da vida no planeta e outros aspectos de relevante importância relegados, até então, em segundo plano sob o ponto de vista governamental’ o objetivo primordial da conferência era ‘criar mecanismos, por meio do direito positivo ou não, que pudessem auxiliar os Estados na defesa do ambiente’. 114
Países do chamado “terceiro mundo” liderados pelo Brasil, se insurgiram
contra decisões tomadas em Estocolmo. As alegações se fundavam no fato dos
países desenvolvidos terem-se utilizados, indiscriminadamente, dos seus recursos
naturais para aceleração da economia e, naquele momento, imporem restrições aos
países pobres que só serviram para retardar seu crescimento econômico. As frases
de comando da insurgência terceiro-mundista eram: “a maior poluição é a pobreza”
e “a industrialização suja é melhor que a pobreza limpa”.115
Como não poderia deixar de ser várias críticas acerbadas se fizeram,
intencionalmente, à posição do Brasil em Estocolmo. Como resposta a essas
críticas, instituiu-se, no Brasil, em 1973, a Secretaria Especial do Meio Ambiente 112 LEITE, J. R. M. Dano Ambiental: Do individual ao coletivo extrapatrimonial. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 89. 113 MILARÉ, É. Direito do ambiente. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 140. 114 SALEME, E. R. A afirmação do Direito Ambiental Internacional. In: Revista de Direitos Difusos. ano VII, v. 38, jul./ago. 2006, p.26. 115 MILARÉ, É. Direito do ambiente. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 140 e ss.
67
(SEMA) com objetivo de dar diretrizes relativas à preservação do ambiente e à
racionalização do uso dos recursos naturais116.
Somente na década de 80, porém, é que houve proteção jurídica mais efetiva
ao ambiente no Brasil, seguindo ditames traçados pela conferência de Estocolmo.
Passa o ambiente à bem jurídico protegido, sendo a lei n. 6.938/81, instituidora da
política nacional do ambiente, um marco dessa legislação. Édis Milaré destaca os
principais méritos dessa lei:
[...] trazer para o mundo do direito o conceito de meio ambiente como objetivo especifico de proteção em seus múltiplos aspectos; constituir um sistema nacional de meio ambiente (Sisnama) [...] e, estabelecer a obrigação do poluidor de reparar os danos causados e de acordo com o princípio da responsabilidade objetiva (ou sem culpa) em ação movida pelo Ministério Público.117
A Constituição Federal de 1988, “eminentemente ambientalista”118, já que
assumiu o tratamento da matéria em termos “amplos e modernos”119, veio coroar a
disciplina da tutela do ambiente no Brasil. Claramente inspirada nas constituições da
Grécia (1975), de Portugal (1976), e da Espanha (1978)120, diferentemente das
constituições anteriores que davam tratamento assistemáticos121 ao tema, tratou
especialmente da questão ambiental. Dependendo da topografia e da formulação as
normas constitucionais referentes ao tema “[...] podem aparecer como fundamentos
ou objetivos do Estado e da sociedade, como direitos e deveres fundamentais, como
princípios setoriais ou como topos específicos”122.
Merece destaque o capítulo reservado para o ambiente (capítulo VI, do título
III), consubstanciado no artigo 225, intrinsicamente, ligado ao conteúdo axiológico
basilar da Constituição Federal que traz, na esteira das constituições
contemporâneas, marcante conteúdo humanístico, voltado à dignidade da pessoa
humana e a qualidade de vida como “dado vital” indispensável para seu
desenvolvimento.123 Neste sentido Luiz Regis Prado destaca que:
Há desse modo, uma correlação estreita entre esse dispositivo e, por exemplo, os valores da dignidade e da liberdade, da igualdade e da justiça
116 MILARÉ, É. Direito do ambiente. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 140 e ss. 117 MILARÉ, É. Direito do ambiente. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 141. 118 SILVA, J. A. da. Direito Ambiental Constitucional. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 46. 119 SILVA, J. A. da. Direito Ambiental Constitucional. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 46. 120 PRADO, Luiz Regis. A tutela constitucional do ambiente no Brasil. In: Revista dos Tribunais . ano 81, v. 675, p. 82-88, Jan. 1992, p. 84. 121 SILVA, J. A. da. Direito Ambiental Constitucional. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 46. 122 ROTHENBURG, W. C. A Constituição Ecológica. In: KISHI, S. A. S.; SILVA, S. T. da; SOARES, I. V. P. (orgs.). Desafio do Direito Ambiental no Século XXI: Estudos em homenagem a Paulo Affonso Leme Machado. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 46. 123 PRADO, L. R. Direito Penal do Ambiente. p. 76-77.
68
(preambulo artigos primeiro e quinto CF); bem como os objetivos de ‘construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos [...]’ (art. 3º, CF); e, ainda, ‘os direitos individuais e coletivos como direito À vida, a função social da propriedade e a ação popular’ (art. 5º, caput, e inciso XXIIII e LXXIII, CF).124
O caput deste artigo traz importantes inovações125 à ordem jurídica
constitucional. Observa-se de plano, a criação de um direito constitucional
fundamental ao ambiente ecologicamente equilibrado, considerado difuso. O bem
objeto deste direito, o ambiente, é considerado bem de uso comum do povo, ou seja,
pertencente à toda coletividade. É suscetível de utilização por qualquer pessoa
normalmente, de modo gratuito e sem necessidade de permissão especial. Desta
forma, o ambiente, como valor a ser assegurado e protegido, deve sê-lo para todos,
para fruição coletiva. O caráter de bem de uso comum do povo revela que a
consecução desse direito fundamental está interligada a sua realização social.126
A qualidade de vida encontra-se, de acordo com o artigo 225, dissociada do
meio ambiente equilibrado, ou seja, sem respeito a ele não se pode pensar em
qualidade de vida. Neste sentido os ensinamentos de Luiz Regis Prado para quem:
“[...] não se pode falar em qualidade de vida humana sem uma adequada
conservação do ambiente. Ou seja: a própria existência da espécie humana
depende desta proteção”127
Tem-se, também, como consequência da elevação do Direito Ambiental à
categoria de direito fundamental, a imposição ao Poder Público da obrigação de
preservar e proteger o ambiente. Tal obrigação trata de um dever constitucional,
geral e positivo, representado por verdadeiras obrigações de fazer, de zelar pela
defesa e preservação do ambiente, consubstanciado no parágrafo primeiro do artigo
225, em uma série de comandos para o legislador ordinário e para o administrador.
Foi pela obediência aos comandos constitucionais que o direito ao ambiente se
tornou elemento da vida real. Os instrumentos constitucionais são as ferramentas
com as quais os direitos se materializarão128.
A ação do poder público nesta área não é discricionária, mas vinculada. Sai
da área de conveniência e oportunidade para se ingressar num campo estritamente
124 PRADO, L. R. Direito Penal do Ambiente. p. 77. 125 MILARÉ, É. Direito do ambiente. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 87. 126 LEITE, J. R. M. Dano Ambiental: Do individual ao coletivo extrapatrimonial. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 87. 127 PRADO, L. R. Direito Penal do Ambiente. p. 78. 128 ANTUNES, P. de B. Direito ambiental . 8. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 72.
69
delimitado, o da imposição. Não pode o poder público deixar de zelar e proteger o
ambiente, a pretexto de que não está entre as suas prioridades públicas; ele não
atua porque quer, mas porque está compelido pela norma maior. O controle judicial
dos atos administrativos relativos a questões ambientais não pode se dirigir apenas
à avaliação da legalidade do ato impugnado, da conformação do ato à lei, mas
também e precipuamente à sua conformação e pertinência com os objetivos
propostos pela Constituição Federal.129
A força impositiva dos direitos fundamentais além de revelar uma
defectividade constitucional oponível ao legislador, também vincula o administrador,
indicando as diretrizes de uma postura democrática fundada nos direitos
fundamentais que deve balizar sua relação com a coletividade, ainda quando estiver
no exercício de poderes discricionários.
Outra inovação destacada por Èdis Milaré130, é que o cidadão deixa de ser
mero titular (passivo) de direito ao ambiente ecologicamente equilibrado, mas passa
também a ter titularidade de um dever: o de “defendê-lo e preservá-lo”. Relação
jurídica denominada pela doutrina de “função”, e que se cristaliza no direito/dever
caracterizador do Direito Ambiental.
A maior inovação, entretanto, talvez seja a característica de direito
intergeracional consagrado pela primeira vez no sistema jurídico brasileiro por meio
da Constituição Federal de 1988131. Os titulares do bem jurídico ambiente não são
apenas os cidadãos do país, mas, por igual, aqueles que ainda não existem – as
futuras gerações. Pela primeira vez, a norma constitucional brasileira concede a
titularidade de um direito a sujeitos que estão por vir. Mesmo que a lei civil disponha
que a personalidade civil somente é adquirida a partir do nascimento com vida,
resguardados os direitos do nascituro, percebe-se que a aquisição do direito ao
ambiente ecologicamente equilibrado é muito anterior, pois não se pode mensurar a
amplitude do termo “gerações” dado pela Constituição Federal, denotando o sentido
de que o ambiente deve ser preservado para todos aqueles que habitam e que ainda
habitarão o planeta.
Esta característica de intergeracionalidade dá à tutela ao ambiente, contornos
totalmente diferenciados. Determinadas atitudes devem ser tomadas a fim de
129 ANTUNES, P. de B. Direito ambiental . 8. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 127. 130 MILARÉ, É. Direito do ambiente. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p.189. 131 DERANI, C. Direito Ambiental Econômico. São Paulo: Max Limonad, 1997, p. 272.
70
defender o ambiente para uma geração, mas para que se preserve indefinidamente
o planeta terra, o comportamento humano e as ações estatais devem ser outras.
Trata-se de um compromisso com as gerações vindouras, uma conciliação entre
presente e futuro.
Além do artigo 225, a Constituição Federal trata do ambiente em toda a sua
extensão, razão pela qual ela foi denominada de “Constituição Verde”. Somente
para exemplificar: artigo 5º, LXXIII, que confere legitimação a qualquer cidadão para
propor Ação Popular; artigo 20, II, que considera, entre os bens da União, as terras
devolutas indispensáveis à preservação do ambiente; artigo 23, que reconhece a
competência comum da União, Estado, Distrito Federal e Municípios para “proteger
as paisagens naturais notáveis e o meio ambiente”, “combater a poluição em
qualquer de suas formas” e “para preservar as florestas, fauna e flora”, artigo 24, VI,
VII e VIII, dá competência à União, aos Estados e ao Distrito Federal para legislar
sobre florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos
recursos naturais, proteção ao ambiente e controle de poluição. Como também dos
artigos 91, parágrafo primeiro, inciso III, 129, III, 173, 174, 200, VIII, 216, V, 220,
213, que trazem referências ao ambiente.
Após o exposto, será dada maior atenção à proteção jurídica das águas, tema
central deste trabalho.
71
3 PROTEÇÃO JURÍDICA DAS ÁGUAS
O objetivo deste capítulo é identificar a proteção que o Direito tem dado à
água. Embora esta proteção tenha se desenvolvido somente na metade do século
XX, podem ser encontradas normas jurídicas que protegeram a água desde os
tempos remotos.
O Código de Hamurabi, escrito pelo rei da Babilônia, por volta do ano 1700
a.C., continha dispositivos elaborados com objetivo de proteger as águas. Segundo
o Código, se alguém roubasse do campo uma roda de água, deveria dar ao
proprietário cinco siclos (art. 259). Contudo, se o roubo recaísse sobre um balde
para tirar água ou um arado, o autor do ato deveria dar ao proprietário três siclos
(art. 260).
O Código de Manu, publicado na Índia, em data não definida precisamente,
também continha dispositivos que protegia as águas. Ao tipificar o crime de furto,
estabeleceu: “Aquele que tira a corda ou um balde de um poço e o que o destrói
uma fonte pública devem ser condenados à multa de um masha de ouro e a
restabelecer as coisa ao seu primitivo estado” (art. 316). Tratava, ainda, como crime
o furto de água (art. 323). E o furto de cestas de bambu utilizadas para tirar água
(art. 324).
Observa-se que tanto o código de Manu quanto de Hamurabi, não estão
preocupados especificamente com questões ambientais (que são preocupações do
século XX). Contudo não se pode ignorar que tais documentos estabeleceram
alguma proteção jurídicas sobre as águas. Entretanto, no decorrer do século XX, as
águas passaram a receber significativa atenção dos legisladores, havendo uma teia
normativa para protegê-la. Essa proteção jurídica pode ser identificada em três
dimensões: no Direito Internacional e no Direito Brasileiro.
3.1 PROTEÇÃO JURÍDICA NO ÂMBITO INTERNACIONAL
Embora possam ser encontradas normas jurídicas que protegeram a água
desde os primórdios, a proteção do direito em relação à agua se desenvolveu
apenas a partir da segunda metade do século XX. Sem dúvida, esse século marcou
72
o início das preocupações com as diversas formas de degradação do ambiente. De
modo especifico, após a segunda guerra mundial, reuniões, encontros, conferências,
assembleias passaram a fazer parte da vida dos organismos internacionais e dos
países.
A água, especificamente, como componente do ambiente, foi objeto de
preocupações dos povos, manifestada em diversos encontros realizados em
diferentes momentos históricos. Entre as mais importantes, podem ser mencionadas:
a) a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano; b) a
Conferência das Nações Unidas sobre Água; c) a Conferência das Nações Unidas
sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento; d) a Conferência Internacional sobre o
Meio Ambiente e o Desenvolvimento. Em cada um desses encontros foi emitido um
documento jurídico importante para proteção da água. Acrescenta-se a tais
encontros a Declaração Universal dos Direitos da Água, publicada pela ONU
(Organização das Nações Unidas).
3.1.1 Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Am biente Humano
A conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada
entre os dias 5 e 16 de junho de 1972, em Estocolmo, na Suécia, foi o primeiro
encontro de dimensão internacional sobre o ambiente. Já àquela época, a
preocupação com a água foi expressa. Partindo da necessidade de inspirar e guiar
os povos do mundo rumo à preservação e a melhoria do ambiente, a Declaração
revelou preocupação com
Os recursos naturais da terra, incluindo o ar, a água, a terra, a flora e a fauna e, especialmente, amostras (partes) representativas do ecossistemas naturais, os quais, devem ser preservados, em beneficio das gerações presente e futuras, mediante a um cuidadoso planejamento e ordenação, segundo as conveniências.” (Princípio 2).
Registra-se que a declaração impôs aos países signatários o dever de adotar
todas as medidas possíveis para impedir a poluição dos mares por substâncias que
possam pôr em perigo a saúde do homem, prejudicar os recursos vivos e a vida
marinha, bem como causar danos às possibilidades recreativas ou interferir com
outros usos legítimos do mar (Princípio 7).
Além dos 26 Princípios, a Declaração sobre Meio Ambiente Humano inclui em
sua redação Recomendações. Sobre essa segunda parte do documento vale
73
destacar a preocupação dispensada para com os serviços de abastecimento de
água e de esgoto, que devem ser implementados mediante programa de governo e
com a ajuda da OMS (Recomendação 9). Observa-se que essa é uma norma
impositiva, à qual os Estados ficaram vinculados.
3.1.2 Conferência das Nações Unidas sobre a Água
Em 1977, na cidade de Mar Del Plata, na Argentina, a ONU (Organização das
Nações Unidas) realizou a primeira conferência mundial sobre a água. O tema
central da conferência foi a gestão e o uso dos recursos hídricos. Estabelecer meios
para evitar uma crise de água e reforçar uma cooperação estre países para
resolução dos problemas vinculados aos recursos hídricos eram os principais
objetivos do encontro. Ao final da reunião foi publicado um documento intitulado
Plano de Ação de Mar Del Plata, e anunciada a Década Internacional de
Abastecimento de Água Potável e Saneamento (Internacional Drinkinh Water Supply
and Sanitation Decade).
O Plano de Ação continha Recomendações e Resoluções. Em seu Anexo “A”,
o documento tratou da gestão integrada do recurso água e manejo de dejeto; gestão
racional de produtos químicos; saúde ambiental das crianças. Em cada um desses
temas, o Plano assumiu compromissos expressos a serem realizados a curto e
médio prazos. Na sessão “B” do Plano de Ação fala-se em eficiência na utilização
dos recurso hídricos e no uso equitativo deste líquido limitado. Ademais, o
documento aposta em estudos de novas tecnologias para o não desperdício de
água. Registra-se também o apoio para a criação de sistemas de prevenção à
contaminação das águas.
3.1.3 Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento
A cidade do Rio de Janeiro foi a sede da Conferência das Nações Unidas
para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada entre os dias 3 e 14 de junho de
1992. Nesse encontro, também conhecido como Eco-92, foram aprovados alguns
documentos de significativa relevância para o ambiente. Incluem-se nos
compromissos adotados pela Eco-92, as Convenções sobre Mudança Climática e
74
Biodiversidade, a Declaração sobre Floresta e o Plano de Ação de evento chamado
de Agenda 21.
A Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento expressou
reiteradamente sua preocupação com desenvolvimento sustentável, o que implica
reconhecer necessidade da água como condição para tal desenvolvimento, assim
qualificado, possa efetivamente existir e ser usufruído por coletividade de pessoas.
Durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento, seus participantes firmaram uma pluralidade de compromissos
para o futuro, os quais foram consubstanciados na “Agenda 21”. Tal documento, de
significativa abrangência, reservou o capítulo 18 para formalizar suas preocupações:
“Proteção de Qualidade e do Abastecimento dos Recursos Hídricos: aplicação de
critérios integradores no desenvolvimento, manejo e uso dos recursos hídricos”.
A “Agenda 21” arquitetou diversos programas protecionistas: a)
Desenvolvimento e manejo integrado dos recursos hídrico; b) avaliação dos recursos
hídricos; c) proteção dos recursos hídricos, da qualidade da água e dos
ecossistemas aquáticos; d) abastecimento de água potável e saneamento; e) água e
desenvolvimento urbano sustentável; f) água para proteção sustentável de alimentos
e desenvolvimento rural sustentável; g) impactos da mudança do clima sobre os
recursos hídricos (Capítulo 18, Introdução). No que tange especificamente à
proteção, a “Agenda 21”, em seu capítulo 18, propõe a atuação institucional em
todas as esferas governamentais, bem como a participação da comunidade.
A implementação de programas de abastecimento de água é uma
responsabilidade nacional. Em graus variados, a responsabilidade pela
implementação de projetos e pelo funcionamento dos sistemas deve ser delegada a
todos os níveis administrativos, até às comunidades, junto as agências e organismos
das Nações Unidas e outras instituições que prestam apoio externo aos programas
nacionais, todos devem desenvolver mecanismos e procedimentos para colaborar
em todos os níveis. Tal compromisso é particularmente importante para aproveitar
ao máximo as abordagens baseadas na comunidade e na própria capacidade desta
como instrumento para obter a sustentabilidade.
3.1.4 Conferência Internacional sobre Ambiente e De senvolvimento
75
A conferência Internacional sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento foi
realizada em Joanesburgo, na África do Sul, entre os dias 26 de agosto e 4 de
setembro de 2002. O encontro teve como objetivo, inter alia, a avaliação de metas
da Eco-92, abordando a Agenda 21 e as dificuldades de sua implementação.
A Declaração de Joanesburgo sobre Desenvolvimento Sustentável, aprovada
no encontro, também revelou preocupação com a proteção da água. Embora o tema
central da Cúpula Mundial tenha sido adversidade biológica, mudanças climáticas
globais e desenvolvimento sustentável, o tema água foi incluído na discussão diante
da proposta do então secretário-geral da ONU, Kofi Annan132. Na mesma linha de
preocupação, advertiu que países em desenvolvimento são mais vulneráveis e que
milhões de pessoas continuam sendo privadas de uma vida digna, em razão, de
diversas causas, entre as quais a poluição do ar e das águas, tanto salgadas quanto
doces (Princípio 13). Ao final do encontro, decidiu-se reforçar as Metas do Milênio de
reduzir pela metade a quantidade de pessoas que a ela não tem acesso e ao
saneamento básico até 2015.
3.1.5 Declaração Universal dos Direitos da Água
A Organização das Nações Unidas publicou, em 22 de março de 1992, a
Declaração Universal dos Direitos da Água. O documento é destinado a todos: cada
continente, cada povo, cada nação, cada região, cada cidade, cada cidadão é
plenamente responsável, aos olhos de todos, pela sua conservação e preservação,
pois esta faz parte do patrimônio do Planeta (art. 1).
A Declaração Universal dos Direitos da Água a reconhece como seiva do
planeta, condição essencial de vida de todo vegetal, animal ou ser humano. Sem ela
não se poderia conceber como são: atmosfera, clima, vegetação, cultura ou
agricultura (art. 2). Nesse sentido, pode-se afirmar que ela é condição de existência
de outros fenômenos (aspectos) da natureza e, também, da existência da vida
humana.
Sobre a Declaração, assim como os demais documentos resultantes das
conferências internacionais abordadas, verifica-se o caráter interpretativo para o
132 RIBEIRO, W. C. Geografia política da água. São Paulo: Annablume, 2008, p. 106.
76
assunto a ela relacionado. Quer-se dizer que as convenções e os encontros globais,
geralmente, produzem tratados internacionais dotados de cunho não vinculativos.
Verifica-se, então, que para fazer valer o direito de proteção, as declarações
internacionais deveriam ser de caráter compulsório, e não apenas interpretativas.
Para validar esses documentos, todos os Estados, signatários de encontros
internacionais, deveriam seguir as orientações do evento como se uma autêntica
legislação internacional fosse.
3.2 PROTEÇÃO JURÍDICA DA ÁGUA NO DIREITO BRASILEIRO
A constituição de 1824 não continha normas relativas à proteção da água.
Contudo determinava a elaboração de um código Civil e Criminal, “fundado nas
sólidas bases da Justiça e Equidade” (art. 179, inciso XVIII). O Código Penal de
1890 previu o crime de corrupção ou conspurcação de água: “Corromper ou
conspurcar a água potável de uso comum ou particular, tornando-a impossível de
beber ou nociva à saúde. Pena: prisão celular de 1 (um) ano a 3 (três) anos” (art.
160).
A constituição de 1891, a primeira da República, não continha normas
protegendo-a. Contudo, atribuiu ao Congresso Nacional competência privativa para
legislar sobre a navegação dos rios que banhem mais de um Estado ou se
estendam a territórios estrangeiros (art. 6).
O Código Civil, publicado pela lei n. 3.071, de 1 de janeiro de 1916, mas
revogado em 2002, continha dispositivos relativos à água (art. 563-568). Previa que
o proprietário de fonte não captada, satisfeita as necessidades do seu consumo, não
podia impedir seu curso natural pelos prédios localizados nas partes inferiores (art.
565). Por outro lado, em relação às águas pluviais que correm em lugares públicos e
às dos rios, assegurava a utilização por qualquer proprietário dos terrenos por onde
elas passassem (art. 566).
Em 24 de julho de 1934, foi editado pelo Governo Provisório de Getúlio
Vargas o Decreto n. 24.642, instituindo o Código de Águas. Trata-se do documento
jurídico-normativo mais antigo, editado no Brasil, com o objetivo específico de
protege-las. Referido decreto, mas tarde, foi modificado pelo decreto-lei n. 852, de
11 de novembro de 1938. Já o Decreto-lei n. 2.676, de 4 de outubro de 1940, dispôs
77
sobre a aplicação de penalidades por infração a artigos do Código de Águas. Em 25
de outubro de 1941, foi editado o decreto-lei n. 3.763, com o propósito de consolidar
as disposições legais sobre águas e energia elétrica.
A Constituição de 1934 previu serem de domínio da União os lagos e
qualquer outras correntes localizadas em terrenos de seu domínio, ou que banhem
mais de um Estado, sirvam de limites com outros países ou se estendam para
território estrangeiro, bem como ilhas fluviais e lacustres nas zonas fronteiriças (art.
20, incisos II e III).
Por outro lado, atribuiu à União competência privativa para legislar sobre
águas e energia elétrica (art. 5, inciso, XIX alínea, “j”). Regulou, ainda, seu
aproveitamento industrial e da energia hidráulica, ainda que de propriedade privada,
mediante autorização ou concessão federal, na forma da lei (art. 119). O tema
esteve presente nas Constituições subsequentes. Constituição de 1937 (arts. 16,
inciso XIV, 143 e 144); Constituição de 1946 (arts. 5, inciso XV, alínea “I”, 152 e
153); Constituição de 1967 (arts. 8, inciso XVII, alínea, “I” e 168).
3.2.1 Proteção Constitucional
A Constituição de 1988, ao proteger o ambiente como direito fundamental,
estabeleceu ampla proteção às águas. Essa proteção constitucional é
significativamente importante, pois ela passou a ser protegida no plano mais elevado
do ordenamento jurídico. Conforme lição de Luiz David Araujo,
Não se pode pensar a existência de uma tutela do patrimônio “água” sem um análise do texto constitucional. A análise do bem em discussão deve ter presente o enquadramento legislativo, quer superior, quer ordinário, em que se insere. Não seria possível, portanto, o tratamento da questão da água, sob o enfoque da tutela processual, da tutela penal, da tutela civil, sem o enquadramento necessário pelo estudo dos valores constitucionais. E, no caso brasileiro, a análise da Constituição Federal de 1.988 é requisito necessário para tal estudo.133
A Constituição de 1988 colocou-a sob a proteção dos membros do pacto
federativo (art. 225). Nesse sentido, pertencem à União o mar territorial (art. 20,
inciso VI), os potenciais de energia hidráulica (art. 20, inciso VIII) e:
[...] os lagos, rios e qualquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou
133
ARAUJO, L. A. D. A Função Social da Água. In: ARAUJO, L. A. D. (Coord.). A Tutela da Água e Algumas implicações nos Direitos Fundamentais. Bauru: ITE, 2010, p. 23.
78
se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais (art. 20, inciso III).
Por outro lado, pertencem aos Estados as ilhas fluviais e lacustres não
pertencentes à União (art. 26, inciso I e II) e as águas superficiais ou subterrâneas,
fluentes, emergentes e em deposito, salvo, quanto a estas, se decorrerem de obras
da União (art. 26, inciso I). No que tange à competência material, cabe à União
instituir sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios
urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transporte urbano (art. 21, inciso,
XIX e XX). A competência legislativa é privativa da União legislar sobre águas e
energia (art. 22, inciso IV).
A Constituição de 1988 estabeleceu competência material comum (União,
Estado, Distrito Federal e Municípios) para proteger o ambiente (art. 23, inciso VI) e
competência legislativa concorrente (União, Estado e Distrito Federal) para legislar
sobre conservação da natureza, defesa dos recursos naturais, proteção do ambiente
e controle de poluição (art. 24, inciso VIII). Assegurou, ainda, meios processuais que
podem ser utilizados para proteção judicial das águas, tais como a Ação Popular
(art. 5º, inciso LXXIII), a Ação Civil Pública (art. 129 inciso III), o Mandado de
Segurança Individual (art. 5, inciso LXIX) e o Mandado de Segurança Coletivo (art.
5º, inciso LXX).
3.2.2 Proteção Penal
O decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940, que instituiu o Código
Penal, estabeleceu a proteção jurídico-penal da água no capítulo “Dos crimes Contra
a Administração Pública”. Ali foram tipificadas algumas condutas violadoras do bem
jurídico água potável. O artigo 270, do Código Penal, trata do crime de
“envenenamento de água potável ou de substancia alimentícia ou medicinal”.
Segundo esse dispositivo legal, constitui crime, punido com pena de reclusão de 10
(dez) a 15 (quinze) anos, “Envenenar água potável, de uso comum ou particular, ou
substância alimentícia ou medicinal destinada a consumo”. Está sujeito à mesma
pena quem entrega a consumo ou tem em depósito, para o fim de ser distribuída,
água ou substância envenenada (art. 270, parágrafo primeiro). Se o crime foi
culposo a pena será de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos.
79
O Código Penal trata, ainda do crime de “corrupção ou poluição de água
potável”. Segundo o artigo 271, será punido com pena de reclusão, de 2 (dois) a 5
(cinco) anos, quem “Corromper ou poluir água potável, de uso comum de particular,
tornando-a imprópria para consumo ou nociva à saúde”. Se o crime for culposo, a
pena será de detenção, de 2 (dois) meses a 1 (um) ano.
A lei n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, estabeleceu sanções penais e
administrativas para condutas e atividades lesivas ao ambiente. Essa lei, conhecida
como a lei de crimes ambientais ou Lei de Natureza, permite que a sociedade
brasileira, os órgãos ambientais e o Ministério Público possam contar com um
instrumento de garantia e eficácia na punição aos infratores ambientais. Dispõe:
Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou destruição significativa da flora: Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.
A pena será de reclusão, de 1(um) a 5 (cinco) anos, se o crime causar
poluição hídrica que torne necessária a interrupção do abastecimento público de
água de uma comunidade (art. 54, parágrafo segundo). Contudo a Lei possibilita a
não aplicação da penas, desde que o infrator recupere o dano, ou, de outra forma,
pague sua dívida à sociedade. É possível substituir penas de prisão de até 04
(quatro) anos por penas alternativas, como a prestação de serviço à comunidade.
A lei n. 7.960, de 21 de dezembro de 1989, previu a possibilidade da prisão
temporária para a hipótese de “[...] envenenamento de água potável ou substancia
alimentícia ou medicinal qualificado pela morte (art. 270, caput, combinado com art.
285)” (art. 1, inciso III, alínea “J”).
3.2.3 Proteção Civil
No âmbito civil, pode-se identificar ampla proteção jurídica à água. Os
principais documentos jurídicos-normativos são: a) Código das Águas; b) Código
Civil de 2002; c) Lei das Águas; d) Lei de Criação de ANA; e) Lei da Política
Nacional do Meio Ambiente.
80
3.2.3.1 Código de Águas
O Código de Águas entrou em vigor com a publicação do decreto nº 24.643,
de 10 e julho de 1934, editado pelo Governo Provisório de Getúlio Vargas. É o texto
normativo mais antigo, publicado no Brasil, com o objetivo especifico de proteger as
águas (este decreto foi modificado pelo decreto-lei n. 852, de 11 de novembro de
1938). Ele tem 204 artigos que compõem três livros:
Livro I: “Águas em Geral e suas propriedades”. Título I: “Águas Álveo e Margens”. Título II: Águas Públicas em Relação aos seus Proprietários”. Título III: “Desapropriação”. Livro II: “Aproveitamento das Águas”. Título I: “Água comuns de Todos”. Título II: “Aproveitamento das Águas Públicas”. Título III: “Aproveitamento das Águas Comuns e das Particulares”. Título IV: “Águas subterrâneas”. Título V: “Águas Pluviais”. Título VI: “Águas nocivas”. Título VII: “Servidão Legal de Aqueduto”. Livro III: “Força Hidráulicas – Regulamentação da Industria Hidrelétrica”: - Título I: “Energia Hidráulica e seus Aproveitamento e Propriedades das Quedas D’água. Título II: “Concessões, Autorizações, Fiscalizações e Penalidades”. Título III: “Competência dos Estados para autorizar ou conceder o aproveitamento industrial das quedas d’água”. Título IV: “Disposições Gerais e Transitórias”.
A norma estabelece que o uso comum das águas pode ser gratuito ou
retribuído, de acordo com leis e regulamentos da circunscrição administrativa a que
pertencerem. A preocupação com os recursos hídricos e a consequente criação do
Código de Águas surgiram com o desenvolvimento industrial brasileiro. A nova
norma tinha por escopo dotar o país de legislação adequada, de acordo com as
tendências da época, que permitisse ao poder público controlar e incentivar o
aproveitamento industrial das águas.
Também visava ao potencial hidroenergético e assegurava o uso gratuito de
qualquer corrente ou nascente para as primeiras necessidades da vida, de forma a
permitir a todos o uso de quaisquer águas públicas, conformando-se com os
regulamentos administrativos. Eduardo Salles Pimenta ensina que134:
Com o desenvolvimento industrial na década de 30, principiou a preocupação com o meio ambiente, com a promulgação do Código de Águas – Decreto nº 24.643, de 10 de julho de 1934; e nas décadas seguintes foram criados os diversos órgãos públicos para tal fim ambientalista: Departamento Nacional de Obras de Saneamento (DNOS); Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS); Patrulha Costeira e o Serviço Especial de Saúde Pública (SESP).
134
ARAÚJO, G. F. Direito Ambiental. São Paulo: Atlas, 2008. p. 4.
81
Por sua vez, Édis Milaré dispõe que o Código de Águas135:
Foi o primeiro diploma legal que possibilitou ao Poder Público disciplinar o aproveitamento industrial das águas e, de modo especial, o aproveitamento e exploração da energia hidráulica. Foi editado na forma de decreto, e não de lei, por ser ato do então Governo provisório decorrente da Revolução de 1930.
Vislumbra-se um desassossego que fez emergir a vontade de tutelar um bem
que não só era imprescindível à sobrevivência humana, mas que também
despontava como acelerador de desenvolvimento da economia. O legislador, ao
construir o Código de 1934, teve o cuidado de dividir as águas em públicas ou
particulares, além de evidenciar formas gerais de uso. Oportuna é a explicação de
João Alberto Alves Amorim136:
Segundo aquela lei, as águas podiam ser públicas ou particulares. Aquelas, comuns, tais como o mar territorial (incluindo aqui golfos, baías, enseadas e portos), correntes, canais, lagos e lagoas navegáveis ou flutuáveis, as correntes destas águas, fontes e reservatórios públicos, as nascentes quando fossem de tal modo que, por si só, constituíssem o caput fluminis e os braços de quaisquer correntes públicas, desde que os mesmos influíssem em navegabilidade e flutuabilidade; ou dominicais. Comuns eram ainda consideradas as águas não navegáveis ou flutuáveis e que assim não se tornassem. Particulares eram todas as águas e nascentes situadas em terrenos que também o fossem, quando as mesmas não estivessem classificadas entre as águas comuns de todos, águas públicas ou simplesmente comuns. Estabelecia também uma relação de propriedade para as águas públicas. Distribuindo-as entre a União, os Estados e os Municípios (art. 29), estabelecendo também a possibilidade de desapropriação dos Estados e Municípios, fossem de usos comum ou patrimoniais, bem como das particulares e comuns, mediante necessidade ou utilidade pública (art. 32). Assegurava ainda o uso gratuito de qualquer corrente ou nascente de água, para as primeiras necessidades da vida, se houvesse caminho público que a tornasse acessível, estabelecendo esta servidão condicionada à dificuldade de acesso. Permitia também a todos usar de quaisquer águas públicas, desde que em acordo com os regulamentos administrativos. Proibia a derivação de águas públicas para aplicação na agricultura, na indústria e na higiene, sem a existência de concessão administrativa, de modo a concentrar nas mãos do Poder Público o controle não só do saneamento, mas também da vazão e do consumo das águas. Em termos de águas subterrâneas, garantia a apropriação pelo dono, por poços ou galerias, das águas que existissem debaixo de seus prédios, contanto que tal apropriação não prejudicasse o aproveitamento existente nem derivasse ou desviasse o curso natural das águas públicas de uso comum ou particular. E, ainda, vedava construções capazes de poluir ou inutilizar para uso ordinário a água do poço ou nascente alheia, a elas preexistente.
Inobstante os preceitos esculpidos no Código de Águas terem sido pioneiros no
Brasil, por sua ampla abordagem, até então inexistente no cenário brasileiro,
135
MILARÉ, É. Direito do ambiente: Gestão Ambiental em foco. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 463. 136
AMORIM, J. A. A. Direito das Águas: O Regime Jurídico da Água Doce no Direito Internacional e no Direito Brasileiro. São Paulo: Lex, 2009, p. 293-294.
82
algumas de suas previsões não foram tratadas com a devida seriedade. Uma delas
foi a criação de legislação especial que discutisse sobre a seca da região nordeste.
Embora houvesse previsão de confecção de norma que dispusesse sobre a região
mais carente do país, em consonância com o artigo 5º, que classificava todas as
águas destas zonas como públicas, afetando o uso comum, não vigorou
regulamento que atendesse a necessidade mais que evidente. A propósito desta
colocação, veja o comentário de Cid Tomanik Pompeu137:
Sendo o Brasil país úmido, o Código de Águas previu legislação especial para as zonas periodicamente assoladas pelas secas (art. 5º), mas, com exceção de disposições sobre águas subterrâneas, constantes do Plano Diretor do Desenvolvimento do Nordeste, para os anos 1966 a 1968, tais normas nunca foram editadas.
Apesar da importância e da disciplina jurídica que dava e dá à questão das
águas doces, o Código de Águas é, na verdade, norma de caráter particular
específica em seu tema, mas órfã no amparo unificador de uma política nacional que
abarcasse o mote dos recursos hídricos.
Com relação à cobrança pelo uso da água, que somente foi lançada em 1997
com a PNRH (Política Nacional de Recursos Hídricos), o Código de Águas já fazia
alusão a algo que se assemelhava ao Princípio do Poluidor-Pagador. Expressiva a
colocação de Cid Tomanik Pompeu138:
Adotando, na década de 30, medidas próximas ao atual princípio do poluidor- pagador, o Código de Águas declarava a ninguém ser lícito conspurcar as águas que não consumida, com prejuízo de terceiros, sendo os trabalhos para a salubridade das águas executados à custa do infrator, o qual, além da responsabilidade criminal, se houvesse, responderia pelas perdas e danos que causasse e pelas multas previstas nos regulamentos administrativos. Mediante expressa autorização administrativa, e se os interesses relevantes da agricultura ou da indústria o exigissem, as águas poderiam ser inquinadas, mas os agricultores ou industriais deveriam providenciar para que elas se purificassem, por qualquer processo, ou seguissem o seu esgoto natural. Pelo favor concedido, deveriam indenizar os poderes públicos, as corporações ou os particulares lesados (arts. 109-112).
Calha observar também as considerações de Maria Luiza Machado
Granziera139:
É digno de nota que o Código de Águas, já em 1934, declarou em seus arts. 109 e 110, que a ninguém é lícito conspurcar ou contaminar as águas que consome, em prejuízo de terceiros, sendo os trabalhos para a salubridade das águas executados à custa dos infratores, os quais além da
137
POMPEU, C. T. Direito de Águas no Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 46. 138
POMPEU, C. T. Direito de Águas no Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 237. 139
GRANZIERA, M. L. M. Direito de Águas: Disciplina Jurídica das Águas Doces. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 206.
83
responsabilidade criminal, se houver, respondem pelas perdas e danos que causarem e pelas multas previstas que lhes forem impostas nos regulamentos administrativos. O Código de Águas já previa a responsabilidade civil, administrativa e criminal pelo dano ambiental, no tocante à água, o que foi incorporado à Lei nº 6.938/81 e à CF/1988, em seu art. 225, § 3º.
Portanto, o legislador já vislumbrava, desde a década de 30, a necessidade de
se criar instrumentos que viessem a contribuir para combate ao desperdício e
degradação dos recursos hídricos.
3.2.3.2 Lei da Política Nacional do Meio Ambiente
A Política Nacional do Meio Ambiente foi instituída pela lei nº 6.938, de 31 de
agosto de 1981. Ela define recursos ambientais como sendo, atmosfera, águas
interiores, superficiais e subterrâneas, estuários, mar territorial, solo, subsolo,
elementos da biosfera, fauna e flora. Por outro lado, estabelece como um dos
princípios a “racionalização do uso do solo, da água e do ar” (art. 2, inciso II).
A Política Nacional de Recursos Hídricos consolidou a valorização da água no
setor produtivo brasileiro e criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos
Hídricos. Dispôs Édis Milaré140:
Sob a nova ordem constitucional, a Lei 9.433, de 08.01.1997, que regulamentou o art. 21, XIX, da Carta Magna, instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos e o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, o que significou um avanço em termos de gestão ambiental. Essa lei visa a reunir em um único sistema órgãos federais, estaduais e municipais, a fim de estabelecer a utilização racional dos recursos hídricos e assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água. Novidade trazida por essa lei, respaldada no art. 22, concerne à cobrança pelo uso da água, para fins de subsidiar a preservação e a infra- estrutura da bacia hidrográfica. Hoje, pagamos apenas pelos serviços de distribuição de água; não porém, pelo consumo ou uso do recurso água, como prescreve a lei.
Além disso, estabeleceu-se um novo conjunto de normas acerca das águas
doces, que revogou parcialmente o Código de Águas de 1934. A respeito disto, o
doutrinador Cid Tomanik Pompeu assevera141:
A Lei aprovada introduziu alterações no Código de Águas. Este, p.ex., fixava em 30 anos o prazo máximo, tanto para as concessões como para as autorizações, que foi por ela fixado em 35, renovável (art. 16, da Lei 9.433/1997). A disposição do Código no sentido de que ficaria sem efeito a concessão se, durante 3 anos consecutivos, se deixasse de fazer uso privativo das águas (art. 43, § 3º), foi revogada pela lei, segundo a qual “a
140
MILARÉ, É. Direito do ambiente: Gestão Ambiental em foco. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 221-222. 141 POMPEU, C. T. Direito de Águas no Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 228-229.
84
outorga de direito de uso de recursos hídricos pode ser suspensa parcial ou totalmente, em definitivo ou por prazo determinado”, na ausência de uso por 3 anos consecutivos (art. 15, II, da Lei 9.433/1997). Enquanto o Código era taxativo no sentido de que ficaria sem efeito a concessão, o novo diploma faculta a suspensão e a deixa a critério da Administração outorgante. Pelo Código, em qualquer hipótese, teria preferência a derivação para o abastecimento das populações (art. 36, § 1º, in fine, do Código). A nova lei estatui que, em situações de escassez, os usos prioritários são o consumo humano e a dessedentação de animais (art. 1º, III, da Lei 9.433/1997). O texto do Código era mais amplo e objetivo, pois interdependia de juízo a respeito da situação de escassez.
De acordo com João Alberto Alves Amorim, a lei nº 9.433/1997 “[...] reorganiza
o setor de planejamento e gestão de recursos hídricos em âmbito nacional, com
base em quatro princípios básicos”. Por oportuno, veja os princípios elencados pelo
autor142:
1. adoção da bacia hidrográfica como unidade de planejamento, o que permite com mais facilidade o confronto entre disponibilidade e demanda, essenciais para o estabelecimento do balanço hídrico; 2. múltiplos usos dos recursos hídricos, que coloca todas as categorias usuárias em igualdade de condições em termos de acesso; 3. reconhecimento da água como bem finito e vulnerável, dotado de valor econômico. Por este princípio, ou, melhor, pela adoção deste perspectiva, a Lei nº 9.433/97 procura induzir o uso racional da água, com a utilização de instrumento econômico, o estabelecimento de um preço da água, o que servirá de base, inclusive, para a viabilização de um dos instrumentos por ela estabelecidos, a cobrança pelo uso de recursos hídricos; e 4. definição de gestão descentralizada e participativa, cuja filosofia é a de que tudo o quanto puder ser decidido em níveis hierárquicos mais baixos de governo não será resolvido por níveis mais altos dessa hierarquia e de que a tomada de decisões deve englobar a participação dos usuários, da sociedade civil organizada, de organizações não-governamentais e de outros agentes interessados.
Tais princípios estão em plena harmonia com os escopos insertos na lei em
comento. Os objetivos foram resumidos em três sintéticas premissas a saber: 1ª)
Assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em
padrões de qualidade adequados aos respectivos usos; 2ª) A utilização racional e
integrada dos recursos hídricos, incluindo o transporte hidroviário, com vistas ao
desenvolvimento sustentável; 3ª) A preservação e a defesa contra eventos
hidrológicos críticos, de origem natural ou decorrentes do uso inadequado dos
recursos naturais. Sobre os objetivos elencados, João Alberto Alves Amorim143, em
142 AMORIM, J. A. A. Direito das Águas: O Regime Jurídico da Água Doce no Direito Internacional e no Direito Brasileiro. São Paulo: Lex, 2009, p. 318-319. 143 AMORIM, J. A. A. Direito das Águas: O Regime Jurídico da Água Doce no Direito Internacional e no Direito Brasileiro. São Paulo: Lex, 2009, p. 340.
85
acentuada crítica aos preceitos da Política Nacional de Recursos Hídricos que, na
sua opinião, destoam da realidade brasileira, comenta que:
Tais objetivos são de alcance satisfatório duvidoso se comparados com a realidade atual da gestão empreendida pelos titulares do domínio sobre as águas e com a mens legis que jaz sob o texto de seus artigos, que priorizam a utilização da água aos setores produtivos, dando um tratamento muito tímido, e em várias disposições inexistente, quanto à prioridade destes recursos à manutenção da vida humana. Em situação leva à conclusão de que o Estado brasileiro continua a dar tratamento jurídico infraconstitucional à água doce muito mais como recurso – como um catalisador para o desenvolvimento econômico de alguns setores de sua sociedade – do que para a manutenção da qualidade de vida e da própria vida de seus habitantes – em que pesem as belas palavras grafadas nos textos da legislação federal sobre gestão hidrológica, que pouca ou nenhuma relação guardam com a realidade social e hidrologia do país. Tanto é que, como mencionado, o país ocupa o primeiro lugar em riqueza hídrica e apenas o 26º lugar em distribuição social desta riqueza.
Como instrumentos para a efetivação dos objetivos da gestão das águas, a lei
nº 9.433/1997 estabeleceu: a) Os planos de recursos hídricos (plano diretor da bacia
e alocação das águas entre os grandes setores usuários); b) o enquadramento dos
corpos d’água em classes segundo os usos preponderantes da água; c) a outorga
de direitos de uso de recursos hídricos; d) a cobrança pelo uso da água; e) a
compensação a Municípios (vetado); f) sistemas de informações sobre recursos
hídricos (fiscalização e monitoramento).
Em outras palavras, os instrumentos da política em pauta podem ser
classificados em duas finalidades básicas: os de planejamento (plano, classificação,
enquadramento e sistema de informação), como forma de orientar o uso das águas,
organizando situações de conflito, e de controle (outorga e cobrança, como
instrumento indireto), com o intuito de evitar o dano. Ademais, vale ressaltar que a
norma em tela leva à discussão sobre a questão da autonomia dos Estados. Cid
Tomanik Pompeu144 comenta:
Em razão da autonomia dos Estados, no tocante à sua organização, à lei federal somente cabe dispor sobre a estrutura dos organismos da União. Por esse motivo, os Comitês estaduais podem seguir a composição e a competência estabelecidas nas leis dos respectivos Estados. Como as disposições da lei federal, em termos de organização administrativa, a estes não se aplicam, nem ao Distrito Federal, são inconstitucionais suas determinações referentes aos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos e, se procura alcançá-los, também aos Comitês Estaduais.
Não obstante a legislação federal tenha criado a cobrança pela utilização das
águas de domínio da União e incluindo-a entre os instrumentos da Política Nacional
144 POMPEU, C. T. Direito de Águas no Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.121.
86
de Recurso Hídricos, a deliberação a respeito, relativamente às águas do seu
domínio, é da respectiva Unidade Federativa. Esta é autônoma, organiza-se e rege-
se pelas Constituições e leis que abraçar, observados os princípios da lei federal,
sendo-lhe reservadas as competências por aquela não vedada.
Trata-se de importante lei ambiental que tem como objetivo a preservação,
melhoria e recuperação da qualidade, numa proposta de assegurar, no país,
condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses relativos à
segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana. Observa Vladimir
Passos de Freitas que a lei 6.938:
Foi o primeiro passo na proteção ambiental, criando o Sistema Nacional de Meio Ambiente, prevendo a ação integrada das pessoas jurídicas de direito, consagrando a responsabilidade objetiva pelo dano ambiental e atribuindo ao Ministério público legitimidade para ingressar em Juízo na defesa dos direitos da sociedade145.
A lei define que o poluidor é obrigado a indenizar danos ambientais que
causar, independente da culpa. Para o cumprimento destas especificações, destaca
instrumentos de defesa ambiental, determinando que as condutas e atividades
consideradas lesivas ao ambiente passam a ser punidas civil, administrativa e
criminalmente.
Vale destacar que, constatada a degradação ambiental, o poluidor, além de
ser obrigado a promover sua recuperação responde com o pagamento de multas
pecuniárias e com processos criminais. Embora essa lei tenha sido editada com
objetivo de criar política de caráter nacional para o ambiente em geral, estabeleceu
proteção à água.
3.2.3.3 A Importância dos Instrumentos da Política Nacional De Recursos Hídricos
para Proteção Jurídica das Águas
O artigo 5º da lei nº 9.433/1997 define os instrumentos da Política Nacional de
Recursos Hídricos da seguinte forma: a) Os planos de recursos hídricos; b) a
outorga dos direitos de uso de recursos hídricos; c) a cobrança pelo uso de recursos
hídricos; d) o enquadramento dos corpos de água em classes, segundo os usos
145 FREITAS, V. P. Águas: aspectos jurídicos e ambientais. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2008, p. 168.
87
preponderantes da água; e) a compensação a Municípios; f) o sistema de
informações sobre recursos hídricos.
A análise a seguir será em relação aos instrumentos da Política Nacional de
Recursos Hídricos, suas principais características e respectivas relevâncias na
efetividade da proteção da água.
3.2.3.4 Os Planos de Recursos Hídricos
Os Planos de Recursos Hídricos, pela importância que encerram para o
modelo de gestão das águas adotado, foi o primeiro instrumento citado pela lei nº
9.433/1997 e, conforme dispõe o artigo 6º, “[...] são planos diretores que visam a
fundamentar e orientar a implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos
e o gerenciamento dos recursos hídricos”.
Em âmbito federal, o Plano Nacional de Recursos Hídricos foi aprovado pelo
Conselho Nacional de Recursos Hídricos no dia 30/01/2006 e determina ações para
o uso racional da água no Brasil até 2020. Sobre esta ferramenta, João Alberto
Alves Amorim146 explica que:
Os Planos de Recursos Hídricos são planos diretores de longo prazo, com horizonte de planejamento compatível com o período de implantação de seus programas e projetos, que buscam fundamentar e orientar a implementação da PNRH e o gerenciamento dos recursos hídricos. Este instrumento deve ser utilizado nas escalas federal, estadual e por bacia, e seu conteúdo mínimo deve englobar: o diagnóstico da situação atual dos recursos hídricos; análise de alternativas de crescimento demográfico, da evolução de atividades produtivas e de modificações dos padrões de ocupação de solo; balanço entre disponibilidades e demandas futuras de recursos hídricos, em quantidade e qualidade, com identificação de conflitos potenciais; metas de racionalização de uso, aumento da quantidade e melhoria da qualidade dos recursos hídricos disponíveis; medidas a serem tomadas, programas a serem desenvolvidos e projetos a serem implantados, para o atendimento das metas previstas; prioridades para a outorga de direito de uso de recursos hídricos; diretrizes e critérios para a cobrança pelo uso de recursos hídricos e propostas para a criação de áreas sujeitas a restrição de uso, com vistas à proteção de recursos hídricos.
Neste diapasão, especialmente em bacias hidrográficas, por nelas já existir a
escassez hídrica, todos os instrumentos devem ser planejados em conjunto,
iniciando essas considerações já nos cálculos da disponibilidade hídrica e das
vazões características. Tal instrumento permite a construção do consenso no âmbito
146 AMORIM, J. A. A. Direito das Águas: O Regime Jurídico da Água Doce no Direito Internacional e no Direito Brasileiro. São Paulo: Lex, 2009, p. 323-324.
88
da bacia. Na verdade, a ferramenta enseja a construção de ajuste no nível de sua
aplicação. Sobre os Planos de Recursos Hídricos no contexto das bacias
hidrográficas, Cid Tomanik Pompeu147 ensina que:
Os Planos de Recursos Hídricos das Bacias Hidrográficas, elaborados pelas Agências de Água, supervisionados e aprovados pelos respectivos Comitês de Bacia, devem seguir o disposto na Lei 9.433/1997, observados os critérios gerais estabelecidos em Resolução do CNRH. Inexistindo Agência e não havendo delegação, os Planos “podem ser elaborados pelas entidades ou órgãos gestores de recursos hídricos, de acordo com a dominialidade das águas, sob supervisão e aprovação dos respectivos Comitês de Bacias”, devendo levar em consideração os planos, programas, projetos e demais estudos relacionados a recursos hídricos, existentes na área de abrangência das respectivas bacias.
Por sua vez, Maria Luiza Machado Granziera148 aduz:
Aos Comitês de Bacia Hidrográfica cabe aprovar os planos de bacia hidrográfica. Essa atribuição, como garantia da efetividade do processo de elaboração do plano, está diretamente relacionada com o sistema de decisão que tiver sido adotado por parte de cada comitê, em sua instalação. Em outras palavras, é necessário que o sistema decisório do Comitê seja de tal forma estabelecido que necessariamente seja exarada uma decisão, por maioria, ou por outro critério que possa representar o desejo predominante de seus integrantes. Esse é um ponto de extrema importância, à medida que deve ser assegurado um ato final relativo à aprovação do plano, de modo que se evite uma solução de continuidade nesse processo – seja ele qual for. [...] A primeira questão a colocar refere-se à extensão geográfica do plano, que deve acompanhar o âmbito de atuação do Comitê que o aprovará. O art. 8º da Lei nº 9.433/97 determina que os Planos de Bacia Hidrográfica serão elaborados por bacia hidrográfica, por Estado e para o país. No que se refere às bacias hidrográficas, por força do disposto no art. 37, entende-se que o conteúdo do plano deve ater-se a uma região determinada, no que toca aos limites da bacia hidrográfica e em consonância com a área de atuação do respectivo comitê. O plano deve fixar, também, metas de racionalização de uso, assim como de qualidade e quantidade dos recursos.
Para cada plano elaborado, em razão das peculiaridades de cada região,
devem ser seguidas premissas de aperfeiçoamentos e inovações metodológicas na
coordenação e execução dos trabalhos de forma a garantir, em processo articulado
e participativo, resultados satisfatórios. Pertinentes são as considerações da
Agência Nacional de Águas acerca da necessidade de adoção de metodologias
próprias que resultam nos seguintes desafios para a elaboração e atualização de
tais Planos no Brasil149:
• A definição do foco e de modelos de gestão diferenciados em função da diversidade e complexidade da bacia/região e de seus problemas prioritários;
147
POMPEU, C. T. Direito de Águas no Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 237. 148 GRANZIERA, M. L. M. Direito de Águas: Disciplina Jurídica das Águas Doces. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 142-143. 149 Conjuntura dos Recursos Hídricos no Brasil 2009. Brasília: ANA, 2009, p. 190.
89
• A elaboração de previsões e cenários racionais em função das indefinições do quadro macroeconômico e do conjunto de “ações externas” com rebatimento direto sobre os recursos hídricos, tais como ações de reflorestamento, controle de erosão e poluentes, preservação de áreas de recarga de aquíferos, etc; • A estruturação dos diversos níveis de gestão (federal, regional, estadual, bacia, municipal), o aprimoramento dos mecanismos de articulação intersetoriais e o estimulo a ação em cooperação por parte dos setores e instituições envolvidas; • A disponibilidade de recursos tanto financeiros, em quantidade suficiente para seu desenvolvimento, quanto técnicos (capacitação e infraestrutura técnica); • A garantia de participação efetiva com representatividade de todas as partes interessadas e a partir do desenvolvimento de meios de comunicação com não especialistas; e • A definição clara da autoridade legal para o acompanhamento e a implementação e atualização do plano, de forma a se evitar um vácuo pós-plano, em que não existe a figura do “dono do plano” responsável por articular e viabilizar as ações programadas.
Destarte, para que o plano efetivamente desempenhe seus escopos, deve-se
resgatar o conceito de planejamento como um procedimento diligente em que a
constante percepção, interação e concretização das oportunidades e da
consolidação do instrumento da Política Nacional de Recursos Hídricos por meio de
negociações político-institucionais e gestão participativa instituam a sua mais
relevante estratégia de implementação, acompanhamento, monitoramento e revisão.
Ressalte-se também que os estudos referentes aos Planos devem ser
divulgados e apresentados no formato de consultas públicas convocadas pelo
Comitê de Bacia ou, na ausência deste, pela instituição ou órgão gestor. Acresça-se
ainda que a participação da sociedade nas fases da elaboração do Plano deverá se
dar por consultas públicas, encontros técnicos e oficinas de trabalho, objetivando
possibilitar discussão das alternativas de solução dos problemas e enrijecer o
intercâmbio entre equipe técnica, usuários de água, órgãos de governos e sociedade
civil, de forma a incorporar aportes. É o que preconiza Édis Milaré150:
A gestão hídrica depende de planejamento institucionalizado, não podendo o uso das águas ser condicionado apenas a planos setoriais e, o que é pior, à decisão de cada caso concreto, sem vinculação com o planejamento do uso dos recursos hídricos da bacia. O Plano visa, entre outras coisas, a evitar ou a coibir casuísmos.
Do exposto, percebe-se a natureza jurídica integrada dos instrumentos da
Política Nacional de Recursos Hídricos, permitindo o condicionamento mútuo e
interação que vão colidir numa dinâmica e complexidade do micro e macrossistema
150 MILARÉ, É. Direito do ambiente: Gestão Ambiental em foco. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 478.
90
jurídico que os envolvem de forma a promover a gestão das águas. Por derradeiro,
destaque-se que os dados gerados nos Planos em cotejo devem ser
necessariamente, incorporados aos Sistemas de Informações de Recursos Hídricos.
3.2.3.5 Outorga do Direito de Uso dos Recursos Hídricos
A Agência Nacional de Águas151 define a outorga de direito do uso de recursos
hídricos como “[...] o ato administrativo mediante o qual o poder público outorgante
faculta ao outorgado o direito de uso de recurso hídrico, por prazo determinado, nos
termos e nas condições expressas no respectivo ato administrativo”. A outorga tanto
é ato administrativo como objeto da discricionariedade da Administração Pública.
Isso quer dizer que ele é regido pelos critérios de oportunidade e conveniência,
empreendidos pela Administração, utilizando-se do princípio do interesse público
sobre o privado.
Depreende-se que tal instrumento, via de atos administrativos legais (exemplo:
Resolução), concede ao empreendedor o direito de utilizar um volume específico de
água em seu processo produtivo dentro de um prazo de validade definido. Como o
bem natural em comento pode ser utilizado de diversas formas, mister se faz que o
Estado, por intermédio da outorga, realize sua distribuição observando quantidade e
qualidade adequadas aos usos atuais e futuros com finalidade de evitar impactos
ambientais negativos nas águas.
No que toca à competência administrativa para conceder a outorga dos
recursos hídricos há de se enfatizar o fato de que consiste em exercício do poder de
polícia administrativa; compete ao detentor do domínio hídrico a concessão ou
autorização da utilização do bem, com observância dos critérios legais ou
regulamentares que regem o assunto. Neste diapasão, o artigo 14 da Política
Nacional de Recursos Hídricos dispõe que a “[...] outorga efetivar-se-á por ato da
autoridade competente do Poder Executivo Federal, dos Estados ou do Distrito
Federal”.
Assim, a competência exercida sobre rios de domínio da União é da Agência
Nacional de Águas, criada especialmente para tal atribuição. No tocante às águas de
domínio estadual ou do Distrito Federal a competência é do órgão incumbido legal e
151
Disponível em <http://www.ana.gov.br/gestaoRecHidricos/Outorga/default2.asp> Acesso: 15 jun. 2015.
91
regimentalmente, nos moldes das normas estaduais. Ao apontar o caráter
imprescindível de integração entre os responsáveis pelas outorgas, a Agência
Nacional de Águas assevera que152:
A integração entre as autoridades outorgantes estaduais e a ANA é de grande importância com a finalidade de apoio técnico, troca de informações, compatibilização de decisões, compartilhamento de análises, discussão de problemas nas bacias e a realização de estudos conjuntos para determinação de marcos regulatórios. O Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos terá tanto mais sucesso quanto mais capacitados e nivelados forem seus integrantes, notadamente aqueles referentes às autoridades.
Demais disso, a competência administrativa acerca do tema é tão robusta que
a jurisprudência tem se inclinado a entender que as questões relativas ao mérito do
ato de outorga não devem ser objeto de apreciação pelo Poder Judiciário. Veja o
que dispõe julgado do Egrégio Tribunal Regional Federal da Primeira Região:
[...] 3. A impetrante requer, em primeiro lugar, seja concedido o seu pedido todo, qual seja, o aumento do volume de captação de água de 4,0 m³/s para 4,8 m³/s, o que já foi analisado pela Administração Pública, quando concedeu o aumento para 4,3 m³/s, sendo que a apreciação do mérito é impossível, tendo em vista a impossibilidade do Judiciário de se imiscuir na esfera administrativa, competente para análise de mérito do pedido.” (TRF 1ª Região, Quinta Turma, Apelação em MS nº 199801000067005, Dês. Rel. Selene Maria de Almeida, Decisão de 02.04.2008)
É importante apontar que o direito de uso da água não significa que o usuário
seja proprietário da mesma ou que ocorra alienação desse recurso. A outorga
poderá ser suspensa, parcial ou totalmente, em casos de escassez ou de não
cumprimento pelo outorgado dos termos previstos na regulamentação e por eventual
necessidade de se atender ao princípio do interesse público sobre o particular, nos
termos dos artigos 15 e 49 da lei nº 9.433/1997. Interessante ressaltar a importância
da Agência Nacional de Águas neste contexto153:
Por meio de outorga, a ANA estabelece limitações e legitima uma relação jurídica que favorece uma fiscalização mais ampla, tornando mais fácil a identificação e punição do responsável por eventual degradação ambiental. Essa mesma fiscalização encontra fundamento no fato de os recursos hídricos serem de domínio público. Com a outorga, o Estado transfere tão somente o uso da água, conservando sua titularidade. Não há alienação, posto que bem inalienável. Assim sendo, a exploração pelo outorgado deverá atender ao interesse público, sob pena de suspensão do direito. [...] Em tempo, a despeito do controle interno realizado pela ANA, caberá ainda ação civil pública ou mesmo ação popular caso a outorga não atenda os requisitos legais, tendo aptidão para lesar o meio ambiente.
152 Diagnóstico de Outorga de Direito de Uso dos Recursos Hídricos e Fiscalização dos Usos de Recursos Hídricos. Caderno de Recursos Hídricos 4. Brasília, ANA, 2007, p. 73. 153 NÓBREGA, G. P. de. Princípio da precaução na outorga do direito de uso de água. In: Revista de Administração Pública e Política. Brasília, ano XII, n. 135, set. 2009, p.25.
92
Por sua vez, Frederico Augusto Di Trindade Amado comenta154:
Poderá ser suspensa a outorga, total ou parcialmente, temporária ou definitivamente, caso: o outorgado descumpra os seus condicionantes; deixe de utilizá-la por três anos consecutivos; haja situação de calamidade pública; ocorra necessidade de prevenir ou reprimir grave degradação ambiental; haja necessidade de atendimento de uso prioritário, inexistindo fontes alternativas; para a manutenção de navegabilidade de corpo de água. Ou seja, o ato de outorga não passa a integrar o patrimônio do beneficiário, sendo ato precário passível de revogação nas hipóteses acima listadas, razão pela qual ostenta a natureza de autorização administrativa, conquanto tenha prazo que limite a sua precariedade, desnaturando, em parte, o seu regime jurídico, pois a revogação apenas poderá se dar nas hipóteses previstas acima.
Todavia, desde que dentro das delimitações impostas pelas normas
pertinentes, o outorgado possui suas prerrogativas. É o que leciona João Alberto
Alves Amorim155:
Se a outorga não confere titularidade ao outorgado, lhe concede o direito de acesso, a qual só pode sofrer restrições nas hipóteses de calamidade, necessidade de se manter as características de navegabilidade do corpo hídrico e necessidade de atender a usos prioritários de interesse coletivo, quando não houver fonte alternativa, ou prevenir ou reverter grave degradação ambiental. Obviamente, todas as hipóteses devem ser reconhecidas prévia e oficialmente pelo Estado, o qual é, imagina-se, o único agente competente para impor as eventuais restrições ao direito de acesso, podendo ainda o outorgado que sofrê-las pleitear o amparo do Poder Judiciário para defesa a lesão ou ameaça de lesão a esse direito.
No Brasil, por via do artigo 12 da lei nº 9.433/1997, está estabelecido que estão
sujeitos à outorga pelo poder público os direitos dos seguintes usos de recursos
hídricos: I) Derivação ou captação de parcela da água existente em um corpo d'água
para consumo final, inclusive abastecimento público, ou insumo de processo
produtivo; II) Extração de água de aquífero subterrâneo para consumo final ou
insumo de processo produtivo; III) Lançamento em corpo de água de esgotos e
demais resíduos líquidos ou gasosos, tratados ou não, com o fim de sua diluição,
transporte ou disposição final; IV) Uso de recursos hídricos com fins de
aproveitamento dos potenciais hidrelétricos; V) outros usos que alterem o regime, a
quantidade ou a qualidade da água existente em um corpo d’água.
De acordo com a Agência Nacional de Águas156:
Desde a sua criação, em dezembro de 2000, a ANA emitiu 5.216 outorgas de direito de uso de recursos hídricos, incluídas 78 outorgas preventivas e as renovações, sendo que um quarto, ou 1.282, foram emitidas em 2008, superando em 96% a média dos últimos oito anos, que equivale a 650
154 AMADO, F. A. Di T. A. Direito Ambiental Sistematizado. São Paulo: Método, 2009, p. 132. 155 AMORIM, J. A. A. Direito das Águas: O Regime Jurídico da Água Doce no Direito Internacional e no Direito Brasileiro. São Paulo: Lex, 2009, p. 328. 156 Relatório de Atividades 2008. 2009, p. 65.
93
autorizações. As finalidades outorgadas são variadas. Como nos anos anteriores, em 2008 as outorgas concedidas para irrigação lideram o ranking: foram 619, cerca de 50% do total do ano. Na sequência, aparecem os seguintes usos: indústria, mineração, aquicultura, abastecimento público, entre outros.
Neste contexto, em plena observância às premissas da apropriada gestão
ambiental, a outorga se faz instrumento de grande valia, pois é necessário ao
gerenciamento dos recursos hídricos, já que permite o controle quantitativo e
qualitativo dos usos da água, possibilitando distribuição mais justa e equilibrada.
No entanto, o sujeito beneficiado tem seu direito à outorga concedida, limitado
às condicionantes estabelecidas pelos Planos de Recursos Hídricos, sendo que, de
acordo com Vladimir Passos de Freitas157, “[...] a outorga de direito de uso de
recursos hídricos poderá ser suspensa parcial ou totalmente, em definitivo ou por
prazo determinado, e far-se-á por prazo não excedente há 35 anos, renovável”. Por
pertinente, tragam-se a lume as considerações de Frederico Augusto Di Trindade
Amado acerca do prazo não excedente de 35 anos158:
A outorga do uso da água terá prazo de até 35 anos, renovável, devendo ser onerosa. Se a água for bem da União, competirá à Agência Nacional de Águas – ANA (autarquia em regime especial que atua como agente normativo e regulador, criada pela Lei 9.984/2000, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente) outorgar o seu uso, mediante autorização, cabendo delegação aos Estados e ao Distrito Federal. Caso a água seja estadual ou distrital, a estes caberá exercer essa competência.
Ademais, a outorga gera a possibilidade de garantir o efetivo exercício dos
direitos de acesso aos recursos hídricos por parte dos usuários interessados,
funcionando como instrumento de controle e de melhoria na oferta do bem finito em
questão. O valor pago pelo outorgado é de mero cunho administrativo para ensejar a
autorização para o uso do recurso natural. Ao contrário da cobrança pela água, não
apresenta uma natureza de contraprestação remuneratória pelo fornecimento e
disponibilização do bem econômico.
Note-se ainda que, nos moldes do artigo 12, § 1º, da Política Nacional de
Recursos Hídricos, independem de outorga, de acordo com o deliberado em
regulamento: uso de recursos hídricos para a satisfação das necessidades de
tacanhos núcleos populacionais, espalhados no meio rural; derivações, captações e
lançamentos considerados insignificantes; e acumulações de volumes de água
consideradas insignificantes.
157 FREITAS, V. P. de. Águas: Aspectos Jurídicos e Ambientais. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2008, p. 74. 158 AMADO, F. A. Di T. A. Direito Ambiental Sistematizado. São Paulo: Método, 2009, p. 132.
94
Acerca do uso insignificante da água para fins de dispensa de outorga,
Frederico Augusto Di Trindade Amado comenta159:
Excepcionalmente, independe de outorga o uso da água para acumulação de volumes, derivações, captações e lançamentos considerados insignificantes, assim, como o uso para a satisfação das necessidades de pequenos núcleos populacionais rurais. Andou bem o legislador ao não definir genericamente na Lei 9.433/1997 o que é considerado como uso insignificante da água para fins de dispensa de outorga, uma vez que essa análise deve ser casuística. Nessa trilha, caberá ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos ou ao Conselho Estadual, a depender da titularidade das águas, definir a quantidade considerada insignificante, mediante proposta do respectivo Comitê de Bacia Hidrográfica (art. 38, inciso V, da Lei 9.433/1997).
Outro ponto imprescindível de ser comentado é o de que a outorga tem que
andar articulada com a cobrança, pois estes instrumentos da Política Nacional de
Recursos Hídricos estão profundamente ligados. Dispõe a Agência Nacional de
Águas acerca da dependência entre tais ferramentas160:
Outro instrumento da Política Nacional de Recursos Hídricos é a cobrança pelo uso das águas, que visa o incentivo à racionalização do seu uso, seu reconhecimento como bem econômico e indicação ao usuário do seu real valor, bem como a obtenção de recursos financeiros para o financiamento de programas e intervenções contemplados nos planos de recursos hídricos. Sua relação com a outorga acontece a partir do momento em que a lei determina que os usos de recursos hídricos a serem cobrados são aqueles sujeitos à outorga. Além disso, os valores a serem fixados para sua cobrança são diretamente relacionados com parâmetros constantes das outorgas. No caso de derivações, captações e extrações de água, devem ser observados, para seu cálculo, o volume retirado e o seu regime de variação. Para lançamento de efluentes, além do volume lançado e do seu regime de variação, devem ser consideradas, ainda, as características físico-químicas, biológicas e de toxicidade do efluente.
Além disso, para se conferir a outorga de maneira eficiente e com segurança é
preciso que exista um bom sistema de informação hidrológica, por meio de
monitoramento, coleta de dados de vazão, de chuva, de sedimentos e dos
parâmetros de qualidade da água, bem como, a análise e tratamento desses dados.
Diz Clarissa Ferreira Macedo D’Isep acerca do assunto161:
A outorga para o uso da água tem em si a natureza jurídica declaratória de direito de uso hídrico, assim como assecuratória da reserva hídrica. A outorga encontra na cobrança hídrica a regulamentação da remuneração do uso outorgado (autorizado), daí a natureza jurídica de cláusula remuneratória. A contrário sensu, a cobrança hídrica tem nos limites descritivos do uso hídrico, formalizado na outorga, os contornos para sua concreção e mecanização mediante o preço hídrico. Daí ser cláusula objeto.
159 AMADO, F. A. Di T. A. Direito Ambiental Sistematizado. São Paulo: Método, 2009, p. 133. 160 Diagnóstico de Outorga de Direito de Uso dos Recursos Hídricos e Fiscalização dos Usos de Recursos Hídricos. Caderno de Recursos Hídricos 4. Brasília, ANA, 2007, p. 20. 161 D’ISEP, C. F. M. Água Juridicamente Sustentável. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.20
95
Por fim, enaltecida a relevância da outorga do uso da água, importante também
se ater ao fato de que cobrar do usuário pelo nível de degradação ambiental, por ele
gerado em um determinado curso de água, em virtude do nível de poluição dos
efluentes nele lançados, é medida que deverá ser tomada por todas as bacias
hidrográficas futuramente.
3.2.3.6 O Enquadramento dos Corpos de Água em Classes, segundo os Usos
Preponderantes
No que toca ao enquadramento dos corpos de água, salienta-se que este
instrumento visa, conforme dispõe o artigo 9º da lei nº 9.433/1997, a “[...] assegurar
às águas qualidade compatível com os usos mais exigentes a que forem
destinadas”, bem como “diminuir os custos de combate à poluição das águas,
mediante ações preventivas permanentes”. O enquadramento hoje vigente foi feito
pela Resolução CONAMA nº 357. Sobre o assunto, Maria Luiza Machado Granziera
explica162:
A Resolução CNRH nº 12, de 20-7-00, em seu art. 1º, I, conceitua o enquadramento como ‘estabelecimento de nível de qualidade apresentado por um segmento de corpo d’água ao longo do tempo’. O enquadramento é um dos instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos, indicado na Lei nº 9.433/97, art. 5º, II. O enquadramento, em cada corpo hídrico ou em trechos dele, fixa os níveis de qualidade, os usos e, consequentemente, sua finalidade preponderante. Visa assegurar às águas qualidade compatível com os usos mais exigentes a que forem destinadas e diminuir os custos de combate à poluição das águas, mediante ações preventivas permanentes (LEI Nº 9.433/97, ART. 92).
Por sua vez, Édis Milaré163 dispõe que o enquadramento dos corpos de água
em classes é “[...] instrumento fortalecedor da integração da gestão de recursos
hídricos com a gestão ambiental, diretriz fundamental para a implementação da
Política Nacional de Recursos Hídricos”. Este instrumento da Política Nacional de
Recursos Hídricos não deve, necessariamente, estar abalizado no seu estado atual,
mas sim em níveis de qualidade que deve possuir para atender às necessidades da
comunidade, ou seja, um corpo hídrico que apresenta certa degradação na
162 GRANZIERA, M. L. M. Direito de Águas: Disciplina Jurídica das Águas Doces. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 146. 163 MILARÉ, É. Direito do ambiente : Gestão Ambiental em foco. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 479.
96
qualidade de suas águas pode vislumbrar uma evolução gradativa e alcançar uma
situação futura apropriada, comandada pelos enquadramentos em classes.
Com relação à importância de deliberações locais, a Agência Nacional de
Águas dispõe164:
O enquadramento dos corpos d’água representa um papel central no novo contexto de gestão de qualidade da água do País, por se tratar de um instrumento de planejamento que possui interfaces com os demais aspectos da gestão dos recursos hídricos e a gestão ambiental. A decisão sobre o enquadramento dos corpos de água é de caráter local, ou seja, deve ser tomada no âmbito do SINGREH da Bacia Hidrográfica. A razão para isso é que o enquadramento precisa representar a expectativa da comunidade sobre a qualidade da água e, além disso, definir o nível de investimento necessário para que o objetivo de qualidade da água seja cumprido. A comunidade precisa estar ciente de que os objetivos de qualidade de muita excelência requerem pesados investimentos financeiros. Para ampliação e efetivação dos enquadramentos, um conjunto de ações deve ser realizado, principalmente com relação à capacidade técnica e aperfeiçoamento das legislações. Estas ações deverão ser articuladas ao longo dos próximos anos para que ocorra uma efetiva implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos.
Demais disso, considerando os diversos cenários de desenvolvimento da
região, é de se esperar que a prática da cobrança enseje crescimento constante de
arrecadação e que, com a prática da gestão da água, novas fontes de financiamento
à racionalização do uso dos recursos hídricos sejam auferidas para a bacia. É de se
esperar também uma crescente capacidade de investimento na bacia hidrográfica,
de modo a afrontar baixos investimentos previstos para o futuro imediato.
Assim, é conveniente que a proteção jurídica das águas sejam guiadas por
metas de qualidade dos recursos hídricos que, paulatinamente, se aproximam do
enquadramento desejado.
3.2.3.7 O Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos
O último instrumento da Política Nacional de Recursos Hídricos é o sistema de
informações sobre recursos hídricos, que visa à coleta, tratamento, armazenamento
e recuperação de informações sobre os recursos hídricos e fatores intervenientes
em sua gestão. Trata-se de um cadastro público de informações, ao qual tem
acesso toda a sociedade.
O sistema de informações sobre recursos hídricos, nos termos do artigo 25 da
lei nº 9.433/1997, “[...] é um sistema de coleta, tratamento, armazenamento e 164 Panorama do Enquadramento dos Corpos d’Água e Panorama da Qualidade das Águas Subterrâneas no Brasil. 2007, p. 51.
97
recuperação de informações sobre recursos hídricos e fatores intervenientes em sua
gestão”.
Os princípios básicos para seu funcionamento, estampados no artigo 26, são:
a) Descentralização da obtenção e produção de dados e informações; b)
coordenação unificada do sistema; c) acesso aos dados e informações garantido a
toda a sociedade. Com relação aos objetivos, o artigo 27 cita: a) Reunir, dar
consistência e divulgar os dados e informações sobre a situação qualitativa e
quantitativa dos recursos hídricos no Brasil; b) atualizar permanentemente
informações sobre disponibilidade e demanda de recursos hídricos em todo território
nacional; c) fornecer subsídios para a elaboração dos planos de recursos hídricos.
Ocorre que as informações hidrológicas são necessárias não apenas para
subsidiar os trabalhos dos comitês de bacia e dos órgãos que compõem os sistemas
de recursos hídricos, também contribuem muito para o desenvolvimento dos setores
da energia, da agricultura, do transporte hidroviário e da economia. Assim,
vislumbra-se que existe uma dependência recíproca entre sistemas de informações
e proteção jurídica da água.
3.2.3.8 Resolução CONAMA Nº 357, de 17/03/2005
Os padrões mínimos de desempenho ambiental, para lançamento de efluentes,
são estabelecidos pela Resolução CONAMA nº 357, que substitui a Resolução nº
20, de 18/06/1986, com o mesmo propósito, e dispõe sobre classificação dos corpos
d’água e diretrizes ambientais para seu enquadramento, bem como estabelecendo
condições e padrões de lançamento de efluentes165.
Aliás, cumpre ressaltar que a Resolução nº 357 está fincada na lei nº
9.433/1997 e nos princípios estabelecidos pela lei nº 6.938/1981 e coloca a água
como o centro das preocupações que envolvem o desenvolvimento sustentável.
A respeito do enquadramento dos corpos d’água, João Alberto Alves Amorim
ensina166:
165 Compete ao CONAMA, nos termos do artigo 8º, inciso VII, da lei nº 6.938/1981 (PNMA), “estabelecer normas, critérios e padrões relativos ao controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente com vistas ao uso racional dos recursos ambientais, principalmente os hídricos”. 166 AMORIM, J. A. A. Direito das Águas: O Regime Jurídico da Água Doce no Direito Internacional e no Direito Brasileiro. São Paulo: Lex, 2009, p. 31-32.
98
O enquadramento dos corpos d’água, estabelecido pela Resolução nº 357 expressa metas finais obrigatórias a serem alcançadas, bem como enquadra os corpos d’água e as condições e padrões de lançamento de efluentes de acordo com as regras da Convenção de Estocolmo, sobre Poluentes Orgânicos Persistentes (POP). É aquela Resolução a regra jurídica brasileira donde afloram os contornos técnicos-jurídicos que servem discrimine para a classificação das águas e corpos hídricos, como também para a aplicação das metas e princípios das Políticas Nacionais de Recursos Hídricos e de Meio Ambiente.
Édis Milaré, ao dispor sobre a gestão da qualidade das águas, aduz167:
A Resolução CONAMA 357/2005 classifica as águas doces, salobras e salinas do território nacional, definindo os padrões de qualidade de cada uma dessas classes, segundo os usos preponderantes que se lhes quer dar. O enquadramento dos corpos de água nessas classes é feito não necessariamente no seu estado atual, mas sim nos níveis de qualidade que deveriam ter para garantir os usos a que se pretende destiná- los, o que exige um controle de metas visando a atingir, de modo gradual, os objetivos do enquadramento. Essa orientação da Resolução reflete bem claramente o quadro de poluição de grande parte das águas em território nacional e a necessidade de, aos poucos, levá- las a atingir uma qualidade desejável.
Por oportuno, Maria Luiza Machado Granziera destaca168:
Feitas as considerações iniciais sobre o tema, cumpre verificar o fundamento da classificação das águas. Para que classificar as águas? Os ‘considerando’ da Resolução oferecem as seguintes respostas: 1. A água integra as preocupações do desenvolvimento sustentável, baseado nos princípios da função ecológica da propriedade, da prevenção, da precaução, do poluidor-pagador, do usuário-pagador e da integração, bem como no reconhecimento de valor intrínseco à natureza; 2. A Constituição Federal e a Lei nº 6.938/81 visam controlar o lançamento no meio ambiente de poluentes, proibindo o lançamento em níveis nocivos ou perigosos para o seres humanos e outras formas de vida; 3. A classificação das águas doces, salobras e salinas é essencial à defesa de seus níveis de qualidade, avaliados por condições e padrões específicos, de modo a assegurar seus usos preponderantes; 4. A saúde e o bem-estar humano, bem como o equilíbrio ecológico aquático, não devem ser afetados pela deterioração da qualidade das águas; 5. A necessidade de se criar instrumentos para avaliar a evolução da qualidade das águas, em relação às classes estabelecidas no enquadramento, de forma a facilitar a fixação e o controle de metas visando atingir gradativamente os objetivos propostos; 6. A necessidade de se reformular a classificação existente, para melhor distribuir os usos das águas, melhor especificar as condições e padrões de qualidade requeridos, sem prejuízo de posterior aperfeiçoamento; e 7. O controle da poluição está diretamente relacionado com a proteção da saúde, garantia do meio ambiente ecologicamente equilibrado e a melhoria da qualidade de vida, levando em conta os usos prioritários e classes de qualidade ambiental exigidos para determinado corpo de água. A importância do enquadramento refere-se, também, ao fato de ser o mesmo, indiretamente, um mecanismo de controle do uso e ocupação do solo localizado na bacia hidrográfica. De fato, se um trecho de rio tem o
167 MILARÉ, É. Direito do ambiente : Gestão Ambiental em foco. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 469. 168 GRANZIERA, M. L. M. Direito de Águas: Disciplina Jurídica das Águas Doces. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 147-148.
99
enquadramento de Classe 1, fica restrita a implantação de empreendimentos cujos usos sejam incompatíveis com aqueles indicados para essa categoria, como por exemplo a indústria que lança resíduos industriais em corpos hídricos, a menos que esteja dentro dos padrões estabelecidos para o lançamento, o que é discutido no processo administrativo de licenciamento ambiental da mesma.
Por conseguinte, citam-se alguns conceitos elencados por João Alberto Alves
Amorim imprescindíveis à compreensão do inserto na Resolução nº 357. São
eles169:
- água doce é a água com salinidade inferior a 0,05%; - água salobra é a água com salinidade entre 0,05% e 30% - água salina é a água com salinidade superior a 30%; - ambiente lêntico é o ambiente que se refere à água parada, com movimento lento ou estagnado; - ambiente lótico é o ambiente relativo a águas continentais moventes; - carga poluidora é a quantidade determinado poluente transportado ou lançado em um corpo d’água receptor expressa em unidade de massa por tempo; - classe de qualidade é o conjunto de condições e padrões de qualidade de água necessários ao atendimento dos usos preponderantes, atuais ou futuros; - classificação é a qualidade das águas doces, salobras ou salinas em função dos usos preponderantes (sistemas de classes de qualidade), atuais e futuros; - condições de qualidade é a qualidade apresentada por um segmento de corpo d’água, num determinado momento, em termos dos usos possíveis com segurança adequada, frente às classes de qualidade; - condições de lançamento são as condições e padrões de emissão adotados para o controle de lançamento de efluentes no corpo receptor; - corpo receptor é o corpo hídrico superficial que recebe o lançamento de um efluente; - enquadramento é o estabelecimento da meta ou objetivo de qualidade de água (classe) a ser, obrigatoriamente, alcançado ou mantido em um segmento de corpo d’água, de acordo com os usos preponderantes pretendidos ao longo do tempo; - padrão é o valor limite adotado como requisito normativo de um parâmetro de qualidade de água ou efluente; - tributário (ou curso d’água afluente) é o corpo d’água que flui para um rio maior ou para um lago ou reservatório; - vazão de referência é a vazão do corpo hídrico utilizada como base para o processo de gestão, tendo em vista o uso múltiplo das águas e a necessária articulação das instâncias do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama) e do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGRH); - zona de mistura é a região do corpo receptor onde ocorre a diluição inicial de um efluente; - virtualmente ausentes são os resíduos ou contaminantes que não são perceptíveis pela visão, olfato ou paladar.
A Resolução nº 357, além de estabelecer os conceitos jurídicos mencionados,
também dá a classificação dos corpos hídricos brasileiros, conforme suas
respectivas classes de uso. A norma em tela estabelece em seus anexos limites
169 AMORIM, J. A. A. Direito das Águas: O Regime Jurídico da Água Doce no Direito Internacional e no Direito Brasileiro. São Paulo: Lex, 2009, p. 32-34.
100
individuais para cada substância em cada uma dessas classes. A ressalva reside no
artigo 13, ao dispor que “[...] nas águas de classe especial deverão ser mantidas as
condições naturais do corpo d’água”. Além disso, os parâmetros determinados para
lançamento de efluentes, seja para água doce, salgada ou salobra, vão se tornando
menos restritivos à medida que se avança das classes de número mais baixo para
os mais altos, ao passo que também seu uso vai se tornando mais restritivo. Desta
forma, em primeiro lugar, mister se faz identificar em que classe de rio se está
operando para saber quais os parâmetros de lançamento.
A Resolução CONAMA nº 357, ao substituir a de nº 20, tornou vários
parâmetros mais restritivos. Registra-se que, nos termos dos artigos 4º a 6º da
Resolução, o enquadramento das águas federais nas classes cabe à União e das
estaduais aos Estados. Em âmbito federal, o enquadramento deve ser feito pelo
Conselho Nacional de Recursos Hídricos, ouvidas as entidades públicas ou privadas
interessadas; o das águas estaduais, pelos órgãos estaduais competentes, ouvidas
igualmente as entidades públicas e/ou privadas interessadas.
Nos termos do artigo 42, enquanto não houver aprovação dos enquadramentos
propostos, as águas doces serão classificadas como classe 2, e as salinas e
salobras, como classe 1, exceto se as condições de qualidade atuais forem
melhores, o que determinará a aplicação da classe mais rigorosa correspondente.
Não obstante, inexiste prazo estabelecido para que se concluam os
enquadramentos dos corpos d’água pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos e
pelos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos. Entretanto, nos termos do artigo
46, criou-se para o responsável, por fontes de potencial ou efetivamente poluidoras
de águas doces, a obrigação de apresentar ao órgão ambiental competente, até o
dia 31 de março de cada ano, a declaração de carga poluidora, referente ao ano civil
anterior, subscrita pelo administrador principal da empresa e pelo responsável
técnico devidamente habilitado, acompanhada da respectiva Anotação de
Responsabilidade Técnica (ART).
Com relação ao lançamento de efluentes, Antônio F. G. Beltrão explica que170:
A Resolução CONAMA 357/2005 também disciplina o lançamento de efluentes, vedando terminantemente o lançamento de quaisquer efluentes, direta ou indiretamente, nos corpos de água sem o devido tratamento. Para tal lançamento, portanto, fazem-se imprescindíveis o devido tratamento e o atendimento às condições e parâmetros indicados pela Resolução CONAMA 357/2005 (art. 24, caput). Observe-se que, ao contrário dos
170 BELTRÃO, A. F. G. Direito Ambiental . 2. ed. São Paulo: Método. 2009, p. 125-126.
101
padrões de qualidade, que variam conforme a classe em que se encontram, os padrões de lançamento de efluentes não são específicos de classe alguma, sendo aplicáveis para águas de todas as classes, exceto aquelas classificadas como especial, em que não é permitido lançamento algum (art. 32 da Resolução CONAMA 357/2005). Outrossim, tais padrões de lançamento, ou emissão, são relativos, ou seja, não podem resultar em alterações no corpo de água em desacordo com as metas obrigatórias progressivas, intermediárias e finais do seu enquadramento (art. 28 da Resolução CONAMA 357/2005). O órgão ambiental competente poderá ‘exigir a melhor tecnologia disponível para o tratamento dos efluentes, compatível com as condições do respectivo curso de água superficial, mediante fundamentação técnica’ (art. 24, II, da Resolução CONAMA 357/2005).
Complementando as considerações do autor, há de se ressaltar que, nos
termos do artigo 26, parágrafo 3º, o empreendedor deve informar ao órgão
competente quais são as substâncias que poderão estar contidas no seu efluente,
sob pena de nulidade da licença expedida. Além disso, para não comprometer as
metas progressivas obrigatórias, intermediárias e final, estabelecidas pelo
enquadramento para o corpo d’água, cabe aos entes federal, estadual e municipal o
estabelecimento de carga poluidora máxima para o lançamento das substâncias
passíveis de estarem presentes ou serem formadas nos processos produtivos,
listadas ou não no artigo 34.
Também é pertinente citar que, em relação à outorga de direito de uso das
águas, a Resolução em cotejo tem papel decisório na concessão deste. Dispõe a
Agência Nacional de Águas acerca do tema171:
Essa Resolução tem relação direta com a outorga para lançamento de efluentes. A análise de um pedido de outorga com essa finalidade deve considerar o padrão de qualidade a ser mantido no corpo de água, função dos parâmetros para sua classe de enquadramento, segundo a Resolução CONAMA nº 357/2005.
Por fim, saliente-se que, mesmo genericamente, a Resolução nº 357
estabeleceu que o descumprimento de seus dispositivos enseja aos infratores a
aplicação de sanções previstas pela lei nº 9.605, de 12.02.1998 (lei dos Crimes
Ambientais), incumbindo aos órgãos ambientais e gestores de recursos hídricos a
fiscalização de sua execução, nos moldes dos artigos 45, § 1º, e 48.
171Diagnóstico de Outorga de Direito de Uso dos Recursos Hídricos e Fiscalização dos Usos de Recursos Hídricos. Caderno de Recursos Hídricos 4. Brasília, ANA, 2007, p. 26.
102
3.2.3.9 Código Civil de 2002
O novo Código Civil Brasileiro, instituído pela lei n. 10.406, de 10 de janeiro
de 2002, deu à água tratamento mais amplo e mais adequado, em relação ao
Código Civil de 1916. A matéria está inserida na Parte Especial do Código, Livro III
(Direito das Coisas), Título III (Da propriedade), Capítulo V (Dos direitos de
vizinhança), Seção V (Das Águas), no total de nove artigos (1.288 a 1.296).
O possuidor de imóvel superior não poderá poluir as águas indispensáveis às
primeiras necessidades da vida dos possuidores dos imóveis inferiores. Se poluir
outras águas, devera recuperá-las. Não sendo possível a recuperação ou o desvio
do curso artificial das águas, deverá ressarcir os danos (art. 1.291). Segundo Maria
Helena Diniz,
A norma jurídica se atém, obviamente, à conformação do solo e a lei da gravidade, segundo a qual as águas, sejam elas pluviais ou nascentes correm naturalmente de cima para baixo. Logo, por ser este fato uma lei da natureza, o proprietário do prédio inferior terá, obrigatoriamente, que receber água procedente do prédio superior, incluindo-se nesse ônus as águas advindas de derretimento da neve ou gelo, excluindo-se, é claro, as águas extraídas de poços, piscinas ou reservatórios, as oriundas de fábricas ou usinas, as elevadas artificialmente e as que caem dos tetos das casas172.
O Código estabelece que o proprietário de nascente de água, ou de solo onde
caem águas pluviais, uma vez satisfeita as necessidades de seu consumo, não
poderá impedir que as águas remanescentes cheguem até os prédios inferiores (art.
1.290). Com essa norma, procura garantir a qualquer pessoa localizada em prédio
em posição inferior, o direito de acesso à água para satisfazer suas necessidade
vitais. Assim, fica estabelecido que toda a água é insuscetível de apropriação
privada e deve permanecer disponível para qualquer uso humano.
O Código prevê, ainda, a utilização de aqueduto destinado a captar águas e
conduzi-las de um lugar para outro, atendendo às necessidades básicas das
pessoas. A construção de aqueduto, porém, não impedirá que os proprietários
cerquem seus imóveis e construam sobre eles, podendo eles, inclusive, usar das
águas do aqueduto para as primeiras necessidades da vida (art. 1295).
172 DINIZ, M. H. Curso de Direito Civil Brasileiro. Direito das Coisas. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 278.
103
3.2.3.10 Lei de Águas
A lei n. 9.433, publicada em 8 de janeiro de 1997, instituiu a Política Nacional
de Recursos Hídricos, criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos
Hídricos, regulamentou a norma do art. 21, inciso XIX, da Constituição Federal. Essa
Lei tem quatro Títulos: “Da Política Nacional de Recursos Hídricos” (Título I) e “Do
Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos” (Título II), “Das Infrações
e Penalidades”, (Título III); “Das Disposições Gerais e Transitórias”; (Capítulo IV).
A política Nacional de Recursos Hídricos foi elaborada com base nos
seguintes fundamentos: a) Água é um bem de domínio público; b) a água é um
recurso natural limitado, dotado de valor econômico; c) em situações de escassez, o
uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de
animais; d) a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplos
das águas; e) a bacia hidrográfica é a unidade territorial para implementação da
Política Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema Nacional de
Gerenciamento de Recursos Hídricos; f) a gestão dos recursos hídricos deve ser
descentralizadas e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das
comunidades (art. 1º).
Os objetivos da Política Nacional de Recursos Hídricos são: a) Assegurar à
atual e as futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em padrões de
qualidade adequados aos respectivos usos; b) a utilização racional e integrada dos
recursos hídricos, incluindo o transporte aquaviáiro, com vistas ao desenvolvimento
sustentável; c) a prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos críticos de
origem natural ou decorrentes do uso inadequado dos recursos naturais (art. 2º).
Diretrizes gerais da Política Nacional de Recursos Hídricos: a) Gestão
sistemática dos recursos hídricos, sem dissociação dos aspectos de quantidade e
qualidade; b) adequação da gestão de recursos hídricos às diversidades físicas,
bióticas, demográficas, econômicas, sociais e culturais das diversas regiões do Pais;
c) integração da gestão de recursos hídricos com a gestão ambiental; d) articulação
do planejamento de recursos hídricos com o dos setores usuários e com o
planejamentos regional, estadual e nacional; e) articulação da gestão de recursos
hídricos com a do uso do solo; f) integração da gestão das bacias hidrográficas com
a dos sistemas estuarinos e zonas costeiras (art. 3º).
104
A lei n. 9.433, de 8 de janeiro de 2007, elegeu os instrumentos da Politica
Nacional de Recursos Hídricos: a) Planos de Recursos Hídricos; b) enquadramento
dos corpos de água em classes, segundo os usos predominantes da água; c)
outorga dos direitos de uso de recursos hídricos; d) cobrança pelo uso de recursos
hídricos; e) Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos (art. 5º).
O Sistema Nacional de Gerenciamento de Recurso Hídricos foi criado pela lei
n. 9.433, de 8 de janeiro de 1997, e alterado pela lei n. 9.984, de 17 de julho de
2000. Seus objetivos são: a) Coordenar a gestão integrada das águas; b) arbitrar
administrativamente conflitos relacionados com os recursos hídricos; c) implementar
a Política Nacional de Recursos Hídricos; d) planejar, regular e controlar uso,
preservação e recuperação dos recursos hídricos; e) promover cobrança pelo uso de
recursos hídricos (art. 32).
Passaram a ser partes integrantes do Sistema Nacional de Gerenciamento de
Recursos Hídricos, após a edição da lei n. 9.984, de 17 de julho de 2000, que criou a
Agência Nacional de Águas os seguintes órgãos: a) o Conselho Nacional de
Recursos Hídricos; b) a Agência Nacional de Águas; c) os Conselhos de Recursos
Hídricos dos Estados e do Distrito Federal; d) os Comitês de Bacia Hidrográficas; e)
os órgãos dos poderes públicos federal, estaduais, do Distrito Federal e municipais
cujas competências se relacionem com a gestão de recursos hídricos; f) as Agências
de Água (art. 33).
A Lei n. 9.433, de 8 de janeiro de 1997, atribuiu ao Sistema Nacional de
Gerenciamento de Recursos Hídricos competência para: a) Promover a articulação
do planejamento de recursos hídricos com os planejamentos nacional, regional,
estaduais e dos setores usuários; b) arbitrar, em última instância administrativa, os
conflitos existentes entre Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos; c) deliberar
sobre os projetos de aproveitamento de recursos hídricos cujas repercussões
extrapolem o âmbito dos Estados em que serão implementados; d) deliberar sobre
as questões que lhe tenha sido encaminhada pelos Conselhos Estaduais de
Recursos Hídricos ou pelos Comitês de Bacia Hidrográfica; e) analisar propostas de
alteração da legislação pertinente a recursos hídricos e à Política Nacional de
Recursos Hídricos; f) estabelecer diretrizes complementares para implementação da
Política Nacional de Recursos Hídricos, aplica de seus instrumentos e atuação do
Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos; g) aprovar propostas de
instituição de Comitês de Bacia Hidrográfica e estabelecer critérios gerais para a
105
elaboração de seus regimentos; h) acompanhar a execução e aprovar o Plano
Nacional de Recursos hídricos e determinar as providencias necessárias ao
cumprimento de suas metas; i) estabelecer critérios gerais para a outorga de direitos
de recursos hídricos e para a cobrança por seu uso (art. 35).
Registra-se que a Lei n. 9.433, preocupou-se em garantir a eficácia das
normas de utilização dos recursos hídricos superficiais e subterrâneo, nesse sentido,
definiu infrações e estabeleceu sanções, em seus artigos 49 e 50.
3.2.3.11 Agência Nacional de Águas
A lei 9.984, de 17 de julho de 2000, criou a Agência Nacional de Águas
(ANA). Esta agência, com sede no Distrito Federal, é uma autarquia de regime
especial, dotada de autonomia administrativa e financeira. As autarquias constituem
uma forma descentralizada de ação estatal mediante dirigentes nomeados pelo
próprio Estado, sujeitos a controle e tutela. Vinculada ao Ministério do Meio
Ambiente, a ANA tem por finalidade implementar, nos limites de sua esfera de
atribuições, a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), integrando a
coordenação dos Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos hídricos.
Cabe à Agência Nacional de Águas, dentre outras, as seguintes atribuições:
a) Supervisionar, controlar e avaliar as ações e atividades decorrentes do
cumprimento da legislação federal pertinentes aos recursos hídricos; b) disciplinar
em caráter normativo, a implementação, a operacionalização, o controle e a
avaliação dos instrumentos do Politica Nacional de Recursos Hídricos; c) fiscalizar
os usos de recursos hídricos nos corpos de água de domínio da união; d) estimular e
apoiar as iniciativas voltadas para a criação de Comitês de Bacia Hidrográficas; e)
implementar, em articulação com os Comitês de Bacia Hidrográfica, a cobrança pelo
uso de recursos hídricos de domínio da União; f) promover a elaboração de estudos
pra subsidiar a aplicação de recursos financeiros da União em obras e serviços de
regularização de cursos de água, de alocação e distribuição de água, e de controle
da poluição hídrica, em consonância com o estabelecido nos planos de recursos
hídricos; g) definir e fiscalizar as condições de operação de reservatórios por
agentes públicos e privados, visando a garantir o uso múltiplos dos recursos
hídricos, conforme estabelecido nos planos de recursos hídricos das respectivas
bacias hidrográficas; h) promover a coordenação das atividades desenvolvidas no
106
âmbito da rede hidrometeorológica nacional, em articulação com órgãos e entidades
públicas ou privadas que a integram, ou que dela sejam usuárias; i) regular e
fiscalizar, quando envolverem corpos d’água de domínio da União, a prestação de
serviços públicos de irrigação, se em regime de concessão, e adução de água bruta,
cabendo-lhe, inclusive, a disciplina, em caráter normativo, da prestação desse
serviço, bem como a fixação de padrões de eficiência e o estabelecimento de tarifa,
quando cabíveis, e a gestão e auditagem de todos os aspectos dos respectivos
contratos de concessão, quando existentes (art. 4º).
Observa-se que é da competência da ANA aplicar o instrumento de cobrança
pelo uso dos recursos hídricos de domínio da União, arrecadar e aplicar receitas
auferidas.
Celso Maran de Oliveira173 complementa o exposto ao dizer que o valor
produto no ato de cobrança, deve ser mantido em conta única do Tesouro Nacional,
enquanto não destinada às respectivas programações. Essas receitas passam por
um processo de triagem em que são verificadas as prioridades de aplicação,
definidas pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos em articulação com os
Comitês de Bacia Hidrográfica (art. 21, parágrafo quarto).
Assim, o modelo de gestão de recursos hídricos passa a envolver um
processo de compartilhamento de ação entre Estado, Sociedade e Mercado.
Costa174 acerca desta questão opina:
gestão compartilhada significa qualificar as instituições e organização original com suas atribuições precípuas (regulatória e de planejamento), criando dispositivos adicionais para uma gestão conjugada, pautada por um patamar mais avançado de articulação intergovernamental e intersetorial e pela incorporação de interesses e agentes particulares (empreendedores e sociedade civil organizada), parceiros potenciais de objetivos pactuados.
Chega-se ao entendimento de que atribuir valor econômico à água é
necessário para que haja uma conscientização de que os recursos hídricos devem
ser usados com racionalidade, evitando desperdícios.
173 OLIVEIRA, C. M. Sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e as alternativas para o formato jurídico das agências no Brasil. In: Revista de Direito Ambiental . ano 12, n. 46, abr./jun. 2007, p. 44. 174 COSTA, F. J. L. Estratégias de gerenciamento dos recursos Hídricos no Brasil: áreas de cooperação com o banco Mundial. Série Água Brasil 1. Brasília: WORLD BANK, 2003, p. 21.
107
4 RELAÇÃO AMBIENTE E ECONOMIA
Desde a primeira revolução industrial até os dias atuais, observa-se que as
inovações tecnológicas, a diversidade do parque industrial, o aumento generalizado
dos investimentos, somados às políticas que valorizam o consumismo, têm trazidos
sérios impactos ambientais.
Anos após anos, a produção de bens vem aumentado, o que contrasta com o
conhecimento de que o espaço é finito, aumentado, dessa forma, emissões de CO2
e o aquecimento do planeta. Atualmente diversos pensadores estão discutindo
formas de interagir desenvolvimento econômico com preservação do ambiente, mais
do que artigos escritos é necessário modificar a forma de pensamento dos
governantes bem como consumismo dos indivíduos.
Diante dessa dualidade, qual seja prover o desenvolvimento visando a
respeitar o ambiente, surge o conceito de sustentabilidade, que busca uma
economia para melhoria do bem-estar humano e equidade social, ao mesmo tempo
em que gera valor para a Natureza, reduzindo significativamente impactos e riscos
sociais e ambientais e demanda sobre recursos escassos do ecossistema e da
sociedade, em especial recursos hídricos.
Uma economia sustentável se caracteriza pelo foco dos investimentos em
atividades que, visando a tais resultados, aproveitam e potencializam o capital
natural, social e humano, considerando em suas decisões limites do planeta e
interesses sustentáveis da sociedade.
Inúmeras empresas têm se empenhado em desenvolver novas tecnologias e
produto com baixo impacto ambiental, a fim de integrarem, estrategicamente, o
mercado sustentável, que está em ascensão. Entretanto, no mundo inteiro, as
desigualdades sociais seguem sendo o grande fator limitante da melhoria do bem-
estar, dificultando o desfrute dos avanços econômicos e tecnológicos alcançados
nos últimos anos. Estas são evidências de que o modelo da exploração ilimitada dos
recursos do planeta, além de não responder às necessidades atuais da humanidade,
projeta uma realidade sombria para as futuras gerações.
A criação de instrumentos capazes de identificar e reconhecer empresas que
trabalham pela sustentabilidade vem produzindo alguns resultados, mas convencer
os empreendedores e investidores a aderirem voluntariamente a esses padrões não
tem sido suficiente. As boas práticas precisam ser transformadas em regras e
108
consolidadas como padrão geral por meio das regulamentações públicas e
autorregulação de mercado.
Nesse sentido, observa-se que a responsabilidade social é um caminho
válido, mas precisa ser articulado com políticas públicas para consolidar a mudança.
Com a indução de políticas públicas, as organizações já comprometidas com uma
parcela das mudanças necessárias ajudariam no engajamento do conjunto do
mercado nas ações estruturais que provocariam alterações relevantes nos perfis da
produção, do consumo e da distribuição da renda.
Uma economia sustentável procura assegurar uma relação amigável entre os
processos produtivos da sociedade e os processos naturais, promovendo a
conservação, a recuperação e o uso sustentável dos ecossistemas e tratando como
ativos financeiros de interesse público os serviços que eles prestam à vida.
Esta economia deve caracterizar-se pela existência de investimentos públicos
e privados, regras, instituições, tecnologias, políticas públicas, programas
governamentais e práticas de mercado voltadas para: melhoria permanente dos
processos produtivos; aumento da eco eficiência e redução do consumo dos
recursos naturais; redução das emissões de gases de efeito estufa; transformação
de resíduos de um processo em insumo de outros; internalização dos custos das
externalidades nos preços dos produtos; proteção dos mananciais, uso eficiente da
água e universalização do saneamento básico; aumento da eficiência energética e
ampliação das fontes limpas e renováveis nas matrizes energéticas e de transporte;
melhoria da mobilidade e da eficiência dos modais de transporte; recuperação e
preservação dos ecossistemas; mitigação dos efeitos da mudança do clima.
A economia precisa ser também inclusiva, ou seja, investimentos públicos e
privados, instituições, tecnologias e programas devem estar voltados também para o
atendimento das necessidades e direitos de todos os seres humanos, sem o que
não será possível construir ambientes sociais saudáveis para nenhuma atividade
produtiva. A economia deve, portanto, promover o desenvolvimento equilibrado entre
capitais financeiro, humano, social e natural.
Faz parte desse propósito a distribuição equitativa da riqueza e das
oportunidades para geração de renda e acesso a bens e serviços públicos,
assegurando condições de vida digna para toda população, erradicando a pobreza e
reduzindo as desigualdades sociais. Tudo isso requer ampliação da participação da
base da pirâmide no processo produtivo e no mercado de bens e serviços e a
109
melhora na qualificação da força de trabalho e das relações trabalhistas, para que os
direitos humanos sejam uma realidade para todo o conjunto da sociedade brasileira.
É fundamental que sejam trabalhados também valores éticos e de
integridade, ao falar em economia sustentável. O desenvolvimento de valores éticos,
cultura da transparência e mecanismos de combate à corrupção são indispensáveis
para atingir objetivos desta economia.
Nesta economia, a visão de sustentabilidade se completa pelo compromisso
de não sobrepor interesses privados aos interesses públicos e de manter esses
padrões em quaisquer investimentos, estabelecendo relações éticas,
independentemente do nível das exigências locais.
A economia sustentável e responsável que se impõe ao mundo em razão dos
desafios ambientais, sociais e éticos deve orientar-se pelos fatores estratégicos:
valores e inovação. É necessário desenvolver valores que darão suporte a atitudes
que abram novos campos de visão, de produção de conhecimento e de
comportamentos sustentáveis.
Além disso, necessita-se estimular maior investimento em pesquisa e
desenvolvimento de novas tecnologias, processos e relações mercantis e de
produção, estimulando ciclos de inovação, na busca de sistemas sustentáveis de
produção, distribuição e consumo de bens e serviços.
O desafio imposto é como induzir inovações tecnológicas, visando à produção
de tecnologia mais limpa a fim de se obter sustentabilidade ambiental, ou seja, em
que os recursos naturais possam servir para gerações atuais e futuras, e que níveis
de poluição sejam reduzidos mesmo com aumento da produção.
Após anos de debates verifica-se que o problema não é o crescimento
econômico que está no seu limite, mas sim o padrão tecnológico adotado pelos
países; crescimento econômico baseado em padrão tecnológico intensivo no uso de
matérias-primas e energia esbarrará na infinidade dos recursos naturais. Com isso, a
grande dificuldade em associar crescimento econômico e preservação do ambiente
está no fato de: quanto maior a escala de produção, maior será poluição do ar e
utilização dos recursos ambientais.
110
4.1 AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
Sob perspectiva histórica, elementos ambientais sempre foram vistos como
inesgotáveis, ante a falsa premissa de que tais recursos se mostrariam renováveis e
encontradiços em grandes quantidades na natureza. A valoração de um
determinado objeto natural, em tempo remoto, somente era verificada pela utilidade
imediata proporcionada ao homem. O valor de uma floresta era dado pela
quantidade de madeira que pudesse oferecer para a construção de casa, cercas e
demais utensílios, mas sem qualquer conotação ambiental, propriamente dita.
Seguindo essa concepção utilitarista, o Direito Civil clássico levou em consideração,
para a identificação de um bem jurídico, a possibilidade de individualização do objeto
estudado, bem como serventia prestada ao titular do direito (proprietário)175.
Até mesmo entre autores atuais, é possível encontrar a ideia de “bem jurídico”
com algo, necessariamente, ligado ao aspecto patrimonial e comercializável. Neste
diapasão, leciona Fábio Ulhoa Coelho, ao proceder a diferenciação conceitual entre
“bem” e “coisa”, elencada a mensuração pecuniária de seu valor, como critério
diferenciador176.
Além da expressividade econômica, Carlos Roberto Gonçalves reserva, para
o conceito de bens, a possibilidade de “apropriação”, quando conclui: “Bens,
portanto, são coisas materiais, concretas, úteis ao homem e de expressão
econômica, suscetíveis de apropriação, bem como as de existência imaterial,
economicamente, apreciáveis”177.
Compartilhando do mesmo entendimento, Clóvis Beviláqua acaba por
distinguir duas categorias básicas de bens, a saber: bens econômicos, formadores
do patrimônio de uma pessoa; e bens não econômicos, vistos como “irradiações da
personalidade, que, por não serem suscetíveis de medida de valor, não fazem parte
do nosso patrimônio”178.
Vale destacar o caso da escassez da água potável. Há cerca de poucas
décadas, os líderes mundiais se deram conta de que 97% da água existente no
175 SANTOS, J. M. de C. Código Civil Brasileiro Interpretado. Artigos 43-113, 13. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1988, v.II. 176 COELHO, F. U. p. 266. 177 GONÇALVES, C. R. Direito Civil Brasileiro. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 239. 178 BEVILAQUA, C. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado por Clóvis Bevilaqua. 11. ed. atual. por Achilles Bevilaqua e Isaias Bebilaqua. Rio de Janeiro: Paulo de Azevedo, 1956, v. I, p. 215.
111
planeta encontravam-se nos mares; 2% em geleiras e somente menos de 1%
disponível para consumo humano179.
Devido aos altos índices de poluição ocasionados pela supressão da mata
ciliar no entorno de rios e mananciais e, principalmente, pelo despejo de resíduos
produção180, “[...] no ano de 2025, até quatro bilhões de pessoas, ou a metade da
população mundial, poderiam viver sob condições de severo estresse de água,
especialmente na África, no Oriente Médio e na Ásia do Sul”181. Diante de tais
perspectivas, tem sido grande a procura por novos recursos hídricos, seja na
exploração de aquíferos ou mesmo em processo de purificação da água.
Movidos, por fatores de ordem econômica, os ordenamentos jurídicos de
diversos países optaram pela incorporação do ambiente como bem jurídico passível
de tutela pelo Direito182, na tentativa desesperada de frear o processo de destruição
do planeta, impulsionado por seus próprios habitantes.
Além de dotarem seus ordenamentos de mecanismo para o combate da
poluição, representantes de alguns países desenvolvidos passaram a unir esforços,
na tentativa de mobilizar o restante da comunidade global a participar da empreitada
assumida. Por trás da atitude retratada, mais do que o aparente espírito fraternal,
camufla-se a real consciência acerca da natureza transfronteiriça do dano ambiental.
Afinal, derramamento de petróleo na costa marítima ou emissão de gases poluentes,
provocados pela fragilidade das leis ambientais de determinado país, não serão
contidos pelo maior rigor legal do ente estatal vizinho, cuja população e território,
inevitavelmente, sofrerão efeitos da poluição.
Várias convenções e tratados internacionais foram firmados, na tentativa de
controlar efeitos e conter a crise ambiental instaurada, merecendo maior destaque,
contudo, a Convenção Internacional sobre Meio Ambiente, promovida pela
Organização das Nações Unidas – ONU, em Estocolmo (Suécia), em 1972,
envolvendo a participação de 113 países e 250 organizações não-governamentais,
devido à repercussão oriunda do estabelecimento de princípios, como o do direito
179 BIANCHI, A. N. Desafio Institucionais no setor de água: uma breve análise. In: VII CONGRESSO INTERNACIONAL DE DIREITO AMBIENTAL e 8º CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO AMBIENTAL, 2003. Anais , 2003, p. 232. 180 CARNEIRO, R. Direito Ambiental: uma abordagem econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 73. 181 CARNEIRO, R. Direito Ambiental: uma abordagem econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 73. 182 COSTA NETO, N. D. de C. p. 11.
112
fundamental do homem ao ambiente de qualidade183. No evento foram discutidos
grandes males, derivados da atividade produtiva desenvolvida pelo homem, que
podem comprometer a vida na Terra, estabelecendo, ainda, metas a serem atingidas
para assegurar, de forma sustentável, o convívio do homem com a natureza.
A magnitude alcançada pelo referido encontro serviu de inspiração para
reformulação legislativa de diversos países, mesmo daqueles que não participaram
do evento. Com isso, normas de proteção ambiental foram ganhando espaço em
estado do mundo inteiro, de forma gradativa, objetivando a adoção de medidas
preventivas ao dano, bem como o controle do chamado “passivo ambiental”. Mesmo
os países que permaneceram isentos de transformações legislativas na década que
sucedeu a convenção da ONU, passaram a adotar novas interpretações de suas
leis, de forma a compatibilizá-las com a nova ordem internacional. Como relata
Vladimir Passas de Freitas:
Duas situações surgiram da nova ótica sobre o tema. Alguns Estados não alteraram o texto constitucional, mas passaram a interpretá-lo com atenção ao aspecto ambiental. Assim, por exemplo, um dispositivo que protegia a saúde passou a justificar intepretação da lei sob uma visão de proteção ao meio ambiente. O raciocínio era simples, mas consciente. A saúde das pessoas depende, diretamente, de um saudável ambiente. Isto se passou em inúmeros países184.
Não obstante os avanços previstos em tratados internacionais, pois os
mesmos carecem de coercibilidade, por constituírem-se em normas programáticas,
cujo cumprimento deverá ficar a cargo de cada país subscritor da avença, mediante
recepção185 do comando normativo em seus respectivos ordenamentos. No Brasil,
mesmo cabendo ao Presidente da República a celebração de tratados, convenções
e atos internacionais186, constitui competência exclusiva do Congresso Nacional187,
dirimir sobre aplicação dos efeitos do tratado dentro do território brasileiro. Apenas
mera assinatura do tratado pelo representante do Estado, chancela uma
concordância “precária” e “provisória”, indicando, a autenticidade das intenções do
país aderente ao acordo188.
183 Princípio 1, da respectiva Declaração (ANTUNES, Paulo de Bessa, p.26, nota 50) não entendi e não encontrei na nota 50) 184 FREITAS, V. P. de. A Constituição Federal e a Efetividade das Normas A mbientais. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 26. 185 REZEK, J. F. Direito Internacional Público: Curso Elementar. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 77-79. 186 CF, art. 84, inc. VIII. 187 CF, art. 49, inc. I. 188 PIOVESAN, F. p. 47.
113
Ademais, impedidos por barreiras culturais e, principalmente, econômicas
mesmo os pais signatários da Convenção de Estocolmo, escudando-se no direito
absoluto de propriedade, nos moldes firmados pelo Código Napoleônico de 1804,
mostraram-se relutantes em incorporar dentre suas normativas internas, leis
dispondo sobre proteção ambiental.
A regra acima demonstrou ser ainda mais acentuada no Brasil, pois a
exploração irracional dos recursos naturais existentes sempre foi vista como
sinônimo de riqueza e progresso social, considerando a diversidade e quantidade de
produtos existentes no solo pátrio, bem como o incentivo do governo brasileiro,
encampando metas como: “desenvolvimento a qualquer custo”189, “cinquenta anos
em cinco”, etc. trata-se, pois, do chamado “paradigma antropocêntrico-utilitarista”,
por meio do qual “o conceito de dano e as estruturas de imputação existentes
passam por uma hipervalorizarão do pensamento racional e pela hipertrofia da
propriedade privada e do individualismo, em detrimento do coletivo”190. Fruto do
liberalismo iniciado após a Segunda Guerra Mundial, o país fazia uso do princípio do
“direito ao desenvolvimento”191, pelo qual os Estados justificam utilização de seus
recursos naturais, segundo suas conveniências internas.
Desta forma, primando pela melhor compreensão da formação do bem
jurídico ambiental no ordenamento brasileiro, passa-se a demonstrar, de maneira
sucinta, a evolução de valores ambientais no país, tomando-se por base os diversos
contornos apresentados pelo direito de propriedade.
4.2 O AMBIENTE COMO DIREITO TRANSINDIVIDUAL
O ambiente é interesse que, transcendendo o individuo, diz respeito à
coletividade e ao Poder Público, como expressa a palavra “todos” do artigo 225, da
Constituição Federal. Assim posto, é proteção transindividual, indo além do caráter
privado ou público, firmado como interesse ou direito de todas as gentes, portanto
meta, trans ou supraindividual.
189 CARNEIRO, R. Direito Ambiental: uma abordagem econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 38. 190 STEIGLEDER, A. M. Responsabilidade Civil Ambiental: as dimensões do dano ambiental no Direito Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 29. 191 SAMPAIO, J. A. L.; WOLD, C.; NARDY, A. Princípios de Direitos Ambientais: na dimensão internacional e comparada. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.
114
Este caráter supraindividual do direito ou interesse ambiental aponta para a
natureza indivisível do bem ambiental, tanto na composição do macroambiente
quanto na indicação bem a bem (compondo o microambiente), pois, em qualquer
das hipóteses, o bem ambiental não se reparte entre todas as gentes, embora seja o
macroambiente, de fruição de todos. Além disso, a titularidade de todos à fruição de
um meio equilibrado (composto de macro e microambiente), conduz ainda à
indeterminação dos sujeitos titulares dessa fruição.
Perceptível que a relação jurídica ambiental é inovadora frente o direito
clássico, porque tradicionalmente a relação jurídica apresenta um liame
concretamente definido entre os sujeitos de direito e o objeto tutelado, enquanto na
relação jurídica ambiental, os sujeitos da fruição são indeterminados e o objeto pode
ser imaterial (o macroambiente) ou material (os bens ambientais que compõem este
macroambiente).
Nesta medida, os sujeitos indeterminados, detentores do direito a um
ambiente ecologicamente equilibrado, relacionam-se com o objeto do direito (o
macroambiente ou os bens que o compõem) pela circunstância fática de que fazem
parte do mundo natural192·, da vida do planeta, detendo neste, a mais importante
das vidas neste dado momento histórico. De toda sorte, o nexo ou liame de
causalidade da relação jurídica ambiental é, pois, a própria vida.
Retomando o assunto, em uma conceituação minimalista, o artigo 3º, inciso I,
da lei da Política Nacional do Meio Ambiente (lei n.6.938/81), descreve o meio
ambiente como “[...] o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem
física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas
formas”.
Tem-se, entretanto, que tal conceito não mais se coaduna com a visão atual
sobre a matéria, principalmente, após a edição da Constituição Federal de 1988, que
por meio de seu artigo 225, caput, elencou o ambiente como “bem de uso comum do
povo essencial à sadia qualidade de vida” – menção que deu ensejo ao
aparecimento de várias diversificações do termo, então ampliado193, como por
exemplo, o meio ambiente do trabalho, o cultural, o social e outros conceitos que,
192 MIRALÉ, E. Direito do Ambiente: Doutrina, prática, jurisprudência e glossário. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 90. 193 MILARÉ, É. Direito do Ambiente : Gestão Ambiental em foco. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 64.
115
originalmente, encontra-se desprovidos de tutela jurídica ambiental, haja vista não
estarem mencionados na Lei n. 6.938/81194.
Segundo José Afonso da Silva, “[...] o meio ambiente é, assim, a integração
do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o
desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas”195. Trata-se em
verdade, de um desdobramento da função social com vista a assegurar a
sobrevivência da coletividade. Utilizando das palavras de Vladimir Passos de
Freitas, “[...] a saúde das pessoas depende, diretamente, de um saudável
ambiente”196.
Tomando-se a singular multidimensionalidade alcançada pelo Direito
Ambiental, este desvencilhou dos clássicos ramos jurídicos, como o Direito Civil ou
Direito Penal, elencado o “bem ambiental” como espécie próprio do estudo, podendo
este ser conceituado com ou um “valor difuso e imaterial, que serve de objeto
mediato às relações jurídicas de natureza ambiental”197. Não significa dizer que, com
o aparecimento deste “macrobem”, cuja formação do todo e sua finalidade
destacam-se pela importância social proporcionada, se tenha esquecido dos bens
jurídicos singulares “microbem”, os quais também se acham passíveis de tutela
jurisdicional, inclusive de índole coletiva. Trata-se, em verdade, de um
posicionamento holístico, que busca, aprimorar o relacionamento existente entre o
homem e o meio no qual ele está inserido198.
Rui carvalho Piva firma a natureza jurídica do bem ambiental como difusa,
embora reconheça que o conceito de bem ambiental mereça um “acabamento
doutrinário”, mas “quanto à sua natureza jurídica, bem difuso que é, não há
dúvida”199. É, pois o bem ambiental, de interesse difuso, frente à
transindividualidade, indivisibilidade, titularidade indeterminada e circunstâncias
fáticas que atrela os sujeitos de direito à fruição de um ambiente ecologicamente
equilibrado (art. 8º, parágrafo único, inciso I do Código de Defesa do Consumidor).200
194 ANTUNES, P. de B. Direito ambiental . 8. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 46-47. 195 SILVA, J. A. da. Direito Ambiental Constitucional. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 20. 196 FREITAS, V. P. de. A Constituição Federal e a Efetividade das Normas A mbientais. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 26. 197 PIVA, R. C. Bem Ambiental. São Paulo: Max Limonad, 2000, p.152. 198 LEITE, J. R. M. Dano Ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 85. 199 PIVA, R. C. Bem Ambiental. São Paulo: Max Limonad, 2000, p.143. 200 CDC, Art. 8º. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores.
116
O caráter difuso compõe a natureza jurídica do bem ambiental porque
extrapola “a orbita dos grupos institucionalizados, pelo fato de que a indeterminação
dos sujeitos concernentes não permite sua “captação” ou “atribuição” em termos de
exclusividade”, rechaçada, pois a tradicional imanência entre o objeto jurídico e uma
titularidade determinada. O bem ambiental reveste-se deste caráter de fluidez por
“referir-se a uma série indeterminada de sujeitos”201.
Como também, nexo de causalidade entre sujeitos indeterminados e objeto
juridicamente tutelado (bens ambientais) é fático, representado pelas contingencias
da vida, tais como o fato de habitarem certa região, de consumirem certo produto,
“[...] de viverem numa certa comunidade, por comungarem pretensões semelhantes,
por serem afetados pelo mesmo evento originário de obra humana ou de natureza
etc.”202. O interesse difuso que se atrela ao bem ambiental o faz ainda de “intensa
litigiosidade interna e da mutabilidade no tempo e no espaço”203.
O bem ambiental, compreendido aqui o macro ambiente e cada qual dos bens
ambientais em si mesmo, considerados como componentes de microambiente, têm
natureza difusa; isto porque, especificamente, a tutela jurídica do bem ambiental
transcende o mero interesse individual, abrangendo a coletividade como interesse
de meta, supra ou transindividual. E mais, em vista do benefício da tutela jurídica do
bem ambiental, seja macro ou microbem: enquanto microbem a titularidade do bem
ambiental é privada ou pública, cuja circunstancia deve ser respeitada também por
todos; enquanto macrobem, por imaterial é apropriável por quem quer que seja. O
bem ambiental não se divide entre todos que têm direito à sua mediata ou imediata
fruição, porque todos são usufrutuários, beneficiários do gozo de um meio
ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida.
O nexo de causalidade entre os sujeitos da relação jurídica ambiental é a
circunstância fática da convivência dos seres na planta, transmudada em interesse
jurídico pelo valor axiológico que contemporaneamente ao bem ambiental se agrega;
seja macro ou microambiente, e ainda, pela intensa litigiosidade interna e
mutabilidade no tempo e no espaço que caracterizam os direitos difusos, se
comparam com o bem ambiental, pois, não raro, na seara ambiental se embate a 201 MANCUSO, R. de C. Interesse Difuso: Conceitos e legitimação para agir. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 97. 202 MANCUSO, R. de C. Interesse Difuso: Conceitos e legitimação para agir. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 95. 203 MANCUSO, R. de C. Interesse Difuso: Conceitos e legitimação para agir. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p.101.
117
força do capital; a expressão econômica prima pelo ganho financeiro, por exemplo,
na extração de madeira de floresta natural; os defensores do ambiente, por exemplo,
na tentativa de preservação ou não degradação desta mesma floresta.
4.3 ÁGUA COMO BEM ECONÔMICO
Em 1977, ocorreu a primeira convenção sobre água das Nações Unidas e nela
foi iniciado o debate sobre a degradação dos recursos hídricos e a consequente
possibilidade de escassez. Desde então, o assunto tornou-se recorrente e isso
acontece, principalmente, pela perpetuação do modelo de acumulação capitalista,
no qual a produção e o consumo tendem a apresentar crescimento indiscriminado e
a satisfação das necessidades presentes conduz a um uso descontrolado e
degradador da água.
Esse uso é a principal causa da diminuição da disponibilidade efetiva de água
doce para o consumo humano. E, entre as principais formas de mau uso e
degradação, pode-se citar a retirada excessiva e seu consequente desperdício;
poluição e contaminação; desmatamento; e urbanização.
É o conjunto desses fatores que determina a escassez e faz da segurança
hídrica um dos problemas centrais para a continuidade do modo de produção
capitalista. Assim, considerando que, em relação à água, o que varia é sua
qualidade, aumentos na demanda conduzem a custos mais elevados, pois se torna
cada vez mais difícil captar água doce na quantidade e qualidade necessária ao
consumo humano, após adequação de suas características físicas, químicas e
biológicas. Isso faz com que se perceba que é preciso adaptar a demanda e a oferta
desse recurso, pois se verifica que a água é um bem que se apresenta em
quantidade limitada e a custos crescentes.
Dessa forma, para que se possa promover uma gestão eficiente desse recurso,
em primeiro lugar é preciso entender que, em tese a água é considerada como um
bem comum ao qual todos tem acesso, ou seja, de modo geral, é entendida como
um patrimônio comum, um recurso de toda Nação que dele dispõe. No entanto, face
aos problemas causados aos recursos hídricos, por essa forma de abordagem, a
cada dia torna-se mais evidente a necessidade de entender a água como um bem
118
econômico, cuja gestão deverá orientar-se por princípios de eficiência econômica,
satisfazendo a procura sob uma ótica de sustentabilidade.
Prova disso é que o princípio 4, da Declaração de Dublin, da Conferência
Internacional da Água e do Ambiente, ocorrida em 1992, declara que “[...] a água
tem valor econômico em todos os seus usos, devendo ser reconhecida como um
bem econômico”. Sobre o assunto Neutzling204 afirma já existir tendência para se
entender a água enquanto bem econômico, em que já desponta um processo de
petrolinização da água e que considera a sociedade como um conjunto de
transações interindividuais de troca de bens e de serviços mediante os quais cada
indivíduo tenta satisfazer as próprias necessidades de modo a otimizar a sua
utilidade individual, minimizando custos e maximizando benefícios.
Nesse contexto, o parâmetro de definição do valor dos bens (recursos e
serviços materiais e imateriais) é representado pelo capital financeiro. O valor de um
bem é determinado pela sua contribuição à criação de um. Segundo essa tendência,
o mercado representa o mecanismo ideal de escolha dos bens e dos serviços a
valorizar e a utilizar. A empresa e o investimento privado são vistos como o sujeito e
o motor principal da criação da riqueza e consequentemente do desenvolvimento
econômico e social de um país.
A água, então, deve ser tratada como uma mercadoria que se vende e se
compra em função do preço de mercado. O mercado da água deve ser o mais livre e
aberto possível. A água pertenceria a quem investisse, a quem arca com os custos
para assegurar a captação, a depuração, a distribuição, a manutenção, a proteção e
a reciclagem. Segundo essa tendência, a água da chuva, a água dos rios e dos
lagos, a água das faldas são, in natura, bens comuns. A partir do momento em que
existe uma intervenção humana e, consequentemente, um custo para transformar
estas águas em água potável ou em água para irrigação, ela deixa de ser bem
comum para se tornar bem econômico, objeto de trocas e de apropriação privada.
Considerando, que todos os problemas da água se originam do fato de
apresentar, de modo geral, custo zero (por ser um bem comum), esse determina que
cada consumidor individual pouco de preocupe em estabelecer limites em seu
consumo e termine por abusar do recurso. Então, entender a água como bem
econômico significa lhe estabelecer valor econômico de modo que passe a
204
NEUTZLING. I. (org.). Água: bem público universal. São Leopoldo: UNISINOS, 2004. p. 143.
119
apresentar preço de mercado, que atenda aos princípios do Poluidor-Pagador e de
disposição para pagar, que correspondem ao mesmo que fazer opção entre
benefícios presentes e custos futuros.
Percebe-se claramente que o mundo jurídico busca uma explicação para uso
dos recursos naturais que condissesse com o modo de produção capitalista e com
sua forma de acumulação de capital, uma vez que, os recursos naturais, eram e
ainda são, entendidos como bens comuns por força de um capital financeiro que se
reproduz em detrimento do ambiente e do bem- estar futuro.
Note-se que embora esse ainda seja o comportamento vigente, da maioria da
sociedade, essa já vem empreendendo uma nova forma de olhar a natureza, na qual
esse comportamento depredador e inconsistente tende a se transformar num
comportamento de uso sustentável dos recursos naturais, cujo corpo teórico foi e
está sendo desenvolvido e aprimorado pela teoria econômica. Como consequência
dessa nova visão, surge a economia ecológica que busca valorar a água e mostra
que essa é uma necessidade imediata que permitirá, ao homem, ser capaz de optar
pela melhor forma de produção, em que os recursos hídricos tenham seu devido
valor e onde seja possível atingir o bem-estar social com utilização sustentável e
mensurável dos recursos naturais, em que a valoração será capaz de assegurar o
uso presente sem inviabilizar o suprimento de água para as futuras gerações.
A água, passa a ser um recurso estratégico e social. E, em assim sendo, numa
perspectiva de curto a médio prazo, será entendida como um bem econômico e seu
valor, frente a escassez, tende a seguir uma rota de crescimento constante. Nesse
contexto, a gestão da água passa a ser fundamental, em termos nacionais, para
aqueles países que detiverem grandes reservas do recurso, pois a exploração
deverá ocorrer de acordo com critérios de racionalidade econômica e equilíbrio
financeiro, para se evitar que gerações futuras não tenham acesso à água, ao
mesmo tempo em que promove o uso sustentável do recurso.
4.4 ESCASSEZ DA ÁGUA
A quantidade e qualidade dos recursos hídricos, em condições naturais,
dependem do clima e das características físicas e biológicas dos ecossistemas que
a compõe. A interação contínua e constante entre a litosfera, a biosfera e a
120
atmosfera, acabam definindo um equilíbrio dinâmico para o ciclo da água, o qual
estabelece, em última análise, as características e as vazões das águas.
Esse equilíbrio depende, entre outros das quantidades e distribuição das
precipitações; do balanço de energia (a quantidade da água que é perdida por via da
evapotranspiração, da energia solar disponível, da natureza da vegetação e das
características do solo); da natureza e dimensão das formações geológicas (controla
o armazenamento da água no solo, no subsolo e determina o fluxo de base dos
afluentes e do canal principal); e, da vegetação natural que cobre a área (controla o
balanço de energia, a infiltração da água, a evapotranspiração e a vazão final).
Dessa forma, qualquer modificação nos componentes do clima ou da paisagem
alterará a quantidade, a qualidade e o tempo de resistência da água nos
ecossistemas e, por sua vez, o fluxo da água e suas características.
Assim, há que se conservar e preservar a água existente no planeta, pois do
total, apenas uma pequena parcela é doce e, dele, só 0,3% se encontra em lugares
de fácil acesso, sob a forma de rios, lagos e na atmosfera. A restante, de modo
geral, é, in natura, imprópria ao consumo humano ou se encontra em lugares de
difícil acesso, o que inviabiliza sua utilização ou encarece sua extração. Mesmo
apresentando apenas uma ínfima parcela doce e de fácil acesso, se a água fosse
coerentemente utilizada e seu ciclo natural fosse respeitado, por sua capacidade de
regeneração e reposição, não perderia qualidade e se encontraria disponível para
consumo, sem necessidade de preocupação.
O homem, por seu entendimento da água enquanto bem de propriedade
comum, vem tornando-a imprópria e escassa diminuindo sua disponibilidade ao
longo do tempo. Essa queda de disponibilidade é causada, principalmente, pelo fato
dos recursos hídricos serem um dos motores do desenvolvimento econômico de
quase todos os países, sobretudo na agricultura e na indústria. Dessa forma, o que
desequilibra a relação entre oferta de água, na natureza, e demanda mundial é o
aumento do consumo, pois, de toda água doce disponível 70% é destinada a
agricultura, 22% vai para a indústria e, apenas, 8% é destinada ao uso individual
(clubes, residências, hospitais, escritórios, outros).
De acordo com Tundisi205, em se mantendo essa rota de crescimento e
conforme relatório da Unesco206, órgão responsável pelo Programa Mundial de
205 TUNDISI, J. G. Água no século XXI: enfrentado a escassez. São Carlos: Rima, 2003. p. 248.
121
Avaliação Hídrica, admite-se que: − 1/3 da população mundial habita áreas com
estresse hídrico; − 1,3 bilhão de pessoas não tem acesso a água potável e 2 bilhões
não têm acesso a saneamento adequado; E projeta-se: − que em 2025, 2/3 da
população humana estarão vivendo em regiões com estresse de água. Em muitos
países em desenvolvimento a pouca disponibilidade de água afetará o crescimento e
a economia local e regional; − que até 2050, quando 9,3 bilhões de pessoas devem
habitar a Terra, entre 2 bilhões e 7 bilhões de pessoas não terão acesso a água de
qualidade, seja em casa, seja em comunidade. A diferença entre estes extremos
depende das medidas adotadas pelos governos.
Estas projeções levam a crer que, se esta trajetória se mantiver, o mundo pode
chegar a um colapso em que o estresse hídrico, que hoje se restringe a apenas uma
pequena parcela dos continentes, se estenda para outros pontos do planeta,
fazendo com que a água deixe de ser considerada, unicamente, como um recurso
natural e passe a ser entendida, cada vez mais, como um bem econômico essencial
à vida, capaz de promover uma nova ordem mundial estabelecida a partir da posse
deste recurso.
Essa escassez, ao se espraiar para outros países, pode ser “pomo de
discórdia”, pois se existem guerras por causa de petróleo, em breve, o foco da
disputa será a água, dessa forma, desperdiçá-la, hoje, é ignorar o problema e
desprezar o futuro; preservá-la é construir um novo sustentáculo de crescimento e
desenvolvimento.
Para desacelerar esse processo é preciso aprender a gerenciar a atividade
humana e essa passa pelo aprendizado de se usar racionalmente a água e
perpassa, inclusive, pela minimização de efluentes líquidos, de emissores
atmosféricos e de resíduos sólidos. O que determina que ao se tornar escassa e ao
se promover o uso racional a água não mais será considerada como um bem
comum e passará a ser considerada como um bem econômico, de alto valor e com
mercado garantido. Dessa forma, os países que detiverem esses recursos tendem a
ganhar mercado e estabelecer nichos, por possuírem um recurso do qual todos
carecem e necessitam.
206 Relatório sobre o desenvolvimento da água no mundo. Organização da Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO). Disponível em: <http.www.unesco.org.br>. Acesso em 15 jun. 2015.
122
4.5 CRISE HÍDRICA
De acordo com a Agência Nacional de Águas (ANA), apesar da existência da
hidrosfera, como os cientistas chamam o sistema formado pelas águas, 97,5% do
líquido de sua composição é salgado. Apenas 2,5% deste total é água doce e
desses, somente 0,3% vai para os rios e lagos, ficando disponível para uso207. O
restante está em geleiras, icebergs e em subsolos muito profundos, ou seja, o que
pode ser potencialmente consumido é uma pequena fração.
Sabe-se que o Brasil, é uma “superpotência” em termos de potencial hídrico.
Nosso país possui quase 20% de toda água doce superficial da Terra. No entanto,
este potencial não é bem distribuído no território nacional. As regiões Norte e
Centro-Oeste detêm 89% do potencial hídrico superficial do pais, onde estão
concentradas 15,5% da população brasileira que necessitam de 9,2% da demanda
hídrica do pais. Ao contrário, nas regiões mais populosas o potencial hídrico é de
apenas 11%, concentrados 85,5% dos habitantes brasileiros que precisam de 90,8%
da água superficial do país. As regiões com grandes ofertas de água geralmente
subutilizam os recursos hídricos que, se melhor aproveitados, possibilitariam atender
demandas sociais e contribuir para desenvolvimento regional.
Por outro lado, as regiões industrializadas devem estar atentas para sua maior
vulnerabilidade de degradação das águas, uma vez que o uso industrial, entre os
principais problemas de uso da água é o que provoca maiores problemas de
contaminação. Segundo alguns especialistas, a crise da água no século XXI é muito
mais de gerenciamento do que de escassez; para outros, é o resultado de um
conjunto de problemas ambientais, intensificados com outros problemas ligados à
economia e ao desenvolvimento social.
O agravamento e a complexidade da crise da água surgem de problemas reais
de disponibilidade e aumento da demanda, e de um processo de má gestão e de
respostas à crise, com atitudes mediáticas que não conseguem antecipar os
problemas.
Tundisi, eleva a necessidade de uma abordagem “sistêmica, integrada e
preditiva na gestão das águas, com descentralização para a bacia hidrográfica”208.
207 Disponível em <http://www.ana.gov.br/GestaoRecHidricos/InfoHidrologicas/mapasSIH/1-AAguaNoBrasilEN oMundo.pdf> Acesso em 03 jun. 2015. 208 TUNDISI, J. G. Recursos Hídricos. In: Revista Interdisciplinar dos Centros e Núcleos da Unicamp. São Paulo.
123
Desta forma, segundo esse autor, uma base de dados sólidas, transformada em
instrumento de gestão pode ser a solução mais eficaz de encarar o problema da
escassez de água.
124
5 RECURSOS HÍDRICOS
Os recursos hídricos superficiais gerados no Brasil, de acordo com Tucci,
Hispanhol e Cordeiro Netto209, representam 50% do total dos recursos da América
do Sul e 11% dos recursos mundiais, totalizando 168.870m 3/s. Estão presentes em
todo o Brasil e são agregados em três grandes bacias e dois complexos de bacias
hidrográficas (Bacia Hidrográfica é a área ocupada por um rio principal e todos os
seus tributários, cujos limites constituem as vertentes, que por sua vez limitam outras
bacias). As três bacias são: Bacia do Rio Amazonas, Bacia do Rio Tocantins e Bacia
do Rio São Francisco, e os dois complexos de Bacias são: Bacia do Prata e Bacia
do Atlântico. O Complexo da Bacia do Prata é constituído de três bacias: Paraguai,
Paraná e Uruguai, e o Complexo Atlântico é subdividido nos seguintes complexos:
Atlântico Norte/Nordeste, Atlântico Leste/Sudeste (Agencia Nacional de Águas).
Embora o país seja detentor de um vasto estoque de água, essa se distribuiu de
maneira desigual. A região Norte é a que detêm maior parcela desse recurso
(68,5%), seguida pela Centro-Oeste (15,7%), Sul (6,5%), Sudeste (6%) e Nordeste
(3,3%). Embora a região Norte seja a que apresenta maior concentração de água,
em seus limites, é a segunda menor região em relação à população. Já a região
Sudeste concentra 42,65% da população e responde por apenas 6% dos recursos
hídricos brasileiros. E, em situação análoga a da região Sudeste encontra-se a
região Nordeste que concentra 28,91% da população e responde por, somente,
3,3% da água existente no Brasil (Secretaria de Recursos Hídricos do Ministério do
Meio Ambiente).
Ressalte-se que embora as águas disponíveis se encontrem distribuídas, nas
regiões, se forem consideradas as bacias hidrográficas brasileiras é possível
verificar que dentre elas, a bacia Amazônica é a de maior potencial, pois: sozinha,
gera 8% dos recursos mundiais e 36,6 % dos recursos da América do Sul, o que
representa, no geral, 71,1% do total de recursos hídricos gerados no Brasil.
Tal fato mostra a relevância da Bacia Amazônica para o país e para o mundo,
pois esta escoa por praticamente todo o território brasileiro, representando 81,1% do
total nacional. No entanto, se for considerado o poder de influência de referida bacia 209
TUCCI, C. E. M.; HESPANHOL, I.; CORDEIRO NETTO, O. Relatório Nacional sobre o gerenciamento da água no Brasil. Brasília: Agência Nacional de Água, 2000. Disponível em <http://www.ana.gov.br>. Acesso em 15 jun. 2015.
125
sobre o volume total que escoa a partir do Brasil, os percentuais de participação se
elevam para 77% do total da América do Sul e 17% dos recursos mundiais210. No
entanto, a desigualdade brasileira existente, no tocante a disponibilidade dos
recursos hídricos, aliada com o desmatamento, o lançamento de esgotos em rios e
córregos, a expansão desordenada dos centros urbanos e a gestão inadequada dos
ecossistemas aquáticos, terminam por gerar problemas que conduzem à escassez
do recurso.
Além disso, há que se citar ainda que o desperdício, no Brasil, é grande, pois
40% de toda água tratada é desperdiçada; em média, o consumo brasileiro é de 200
litros/dia, enquanto a UNESCO admite que uma pessoa necessita de 40 litros/dia.
Isso prova que o mau uso da água, em todo o Brasil, influencia sua qualidade e
quantidade, problema esse que tende a se agravar, frente à falta de uma efetiva
gestão no país, onde a inexistência de articulação entre os órgãos competentes
perpetua esse comportamento
Conforme Campanili211, embora o país disponha de uma legislação
considerada avançada para os recursos hídricos, ainda são poucos os resultados
práticos de sua aplicação, tendo em vista que a agricultura, responsável por 59% de
toda água consumida no país, utiliza, efetivamente, apenas, 40% da água na
irrigação, o restante é desperdiçado, porque se aplica água em excesso, fora do
período de necessidade da planta, em horários de maior evaporação do dia, pelo
uso de técnicas de irrigação inadequadas ou, ainda, pela falta de manutenção
nesses sistemas de irrigação.
O setor privado e comercial consome 22% da água tratada, no entanto, em
torno de 15 % desse total é perdida devido aos sistemas de abastecimento de água,
a vazamentos nas canalizações, assim como dentro das casas. O setor industrial,
embora seja o que menos consome água, responde por 19% do total consumido.
Isso prova que a abundância do recurso, aliada à grande dimensão do país,
favorece o desenvolvimento de uma consciência de inesgotabilidade, isto é, a um
consumo distante dos princípios de sustentabilidade e sem preocupação com a
210 TUCCI, C. E. M.; HESPANHOL, I.; CORDEIRO NETTO, O. Relatório Nacional sobre o gerenciamento da água no Brasil. Brasília: Agência Nacional de Água, 2000. Disponível em <http://www.ana.gov.br>. Acesso em 15 jun. 2015. 211 CAMPANILI, M. No Brasil, há déficit em meio à abundância. São Paulo: Agencia Estado, Caderno Ciência, 2003. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/ext/ciencia/agua/aguanobrasil>. Acesso em 15 jun. 2015.
126
escassez, onde a oferta gratuita de água (vez que a cobrança existente só cobre os
custos de administração do recurso e não seu valor econômico) e a crença de sua
capacidade ilimitada de recuperação, frente às ações exploratórias, contribui para
essa postura descomprometida com a proteção e o equilíbrio ecológico, ou seja,
requer dizer que a qualidade da água brasileira encontra-se ameaçada, pelo mau
uso do recurso, problema que tende a se agravar caso não venha a ser considerada
como alternativa estratégica de crescimento regional.
Para que essa imensa riqueza seja administrada é preciso estabelecer e
intensificar um modelo de gestão dos recursos hídricos que considere a água como
um bem econômico que a cada dia torna-se mais valorado.
5.1 GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS
A questão da gestão de recursos hídricos mobiliza a cada ano mais cientistas,
organizações não governamentais e sociedade civil organizada, explicitando a
preocupação com manutenção de recurso que, apesar de renovável, tem sofrido
diminuições sucessivas de sua potabilidade/qualidade diante do crescimento
populacional e das atividades econômicas. Constitui, portanto, matéria de interesse
internacional, transcendendo as barreiras entre os hemisférios Norte e Sul.
Do total de 265.400 trilhões de toneladas de águas do planeta, somente 0,5% representa água doce explorável sob o ponto de vista tecnológico e econômico. É necessário ainda subtrair aquela parcela de água doce que se encontra em locais de difícil acesso ou aquela já muito poluída, restando assim, para utilização direta, apenas 0,003% da água do planeta212
Sendo a água um dos recursos naturais mais intensamente utilizados torna-se
nítida a necessidade de administrá-la, garantindo seus requisitos de qualidade e
uma oferta que atenda à demanda dos polos industriais, dos grandes centros
urbanos, zonas de irrigação, bem como necessidades metabólicas do homem e de
outros seres vivos. Menciona Braga213 que:
A água cobre cerca de 70% da superfície da Terra sendo um recurso natural renovável por meio do ciclo hidrológico, sendo indispensável a todos os organismos vivos sua disponibilidade constitui-se um dos fatores mais importantes no modelamento do ecossistema. É fundamental que este recurso esteja presente não somente em quantidade, mas também em qualidade, estas condições físico-químicas adequadas ao consumo.
212 BRAGA, B. Introdução à Engenharia Ambiental . Prentice Hall, 2002, p. 80. 213 BRAGA, B. Introdução à Engenharia Ambiental . Prentice Hall, 2002, p. 73.
127
A qualidade da água, por sua vez, está diretamente dependente de sua
quantidade, haja vista os gradientes necessários à dissolução, diluição e transporte
de uma gama de substâncias benéficas ou maléficas à vida, tratando-se de relação
de proporção entre quantidade e qualidade.
Os riscos de estiagem, escassez e mesmo as cheias potencializam mais
ainda os riscos de poluição dos mananciais. Quanto a isso, a Organização Mundial
da Saúde estima que 25 milhões de pessoas no mundo morrem a cada ano por
doenças transmitidas pela água, tais como cólera e diarreias, sendo os países em
“desenvolvimento” o alvo das maiores preocupações, pois neles 70% da população
rural e 25% da população urbana não dispõem de adequado abastecimento de água
potável214. A qualidade da água tem uma relação intrínseca com a gestão da bacia
hidrográfica, em que as formas de uso do solo serão os parâmetros para definir seu
grau de impacto na área da bacia hidrográfica.
O Brasil, como país em “desenvolvimento”, há um dilema de qual modelo
adotar: um lento, porém responsável (ecologicamente correto); ou um ligado ao
perverso capital, descompromissado com o desenvolvimento humano e econômico
da sociedade em geral. Este dilema é notoriamente mais enfrentado pelos
organismos responsáveis pelo ordenamento e gestão do território, que são os
Executivos dos três escalões da Federação, e são quem definem os instrumentos
legais para a gestão ambiental.
O gestor público muitas vezes vê-se comprometido não com o interesse
social (sua obrigação precípua), aliando-se ao poder econômico quase sempre
indiferente à sua responsabilidade, o que deve ser fiscalizado e combatido pelos
outros ramos do poder público (Legislativo e Judiciário). Nestes termos é colocada a
ideia “desenvolvimentista” do progresso do município, ou do Estado, ou mesmo da
União, fazendo-se concessões inconsequentes aos investidores privados (às vezes
internacionais), além de vista grossa às suas irregularidades.
Vale relembrar que os estudos relacionados à análise ambiental têm sempre
como referencial uma determinda sociedade e sua relação com o contexto espacial
em que vive e desenvolve suas atividades, pode ser um país, estado, município,
lugarejo, bacia hidrográfica, etc. Desse modo os estudos ambientais apresentam
214 CIMA, Comissão internacional para preparação da conferência das Nações Unidas sobre meio ambiente e desenvolvimento sustentável. O desafio do desenvolvimento sustentável. Brasília, Imprensa oficial, 1991, p. 184.
128
uma preocupação holística de relacionar a complexidade social, cultural e
econômica de uma sociedade com o processo de apropriação e ocupação do
ambiente em que vivem215. O ambiente corresponde, dentro desta lógica
brevemente apresentada, ao conjunto de recursos naturais disponível à apropriação
dos grupos sociais.
Assim sendo, a complexidade a ser decifrada pela análise ambiental pode ser
mais intensa a partir do vículo social, cultural e econômico da sociedade com o
ambiente; logicamente que as conficurações naturais do ambiente pode ser um
agravante a mais. Isso pode ser exemplificado pelos inúmeros casos de ocupações
em planícies de inundação, que são áreas de alta fragilidade ambiental, uma vez
que essas superfícies pouco elevadas acima do nível médio das águas, são
frequentemente inundadas por ocasião das cheias216, desta forma, apresentam
todos os velhos problemas de ocupação no contexto fisiográfico das bacias
hidrográficas e questões mais diretamente relacionadas aos recursos hídricos.
A gestão dos recursos hídricos busca a condução harmoniosa dos processos
dinâmicos e interativos que ocorrem entre os diversos componentes dos ambientes
aquáticos e antrópicos, determinados pelo padrão de desenvolvimento almejado
pela sociedade e envolve, necessariamente, quatro requisitos fundamentais, a
saber: política, planejamento, gerenciamento e monitoramento.
A política dos recursos hídricos consubstancia-se num conjunto de preceitos
doutrinários que harmonizam os anseios sociais, ensejando regulamentação no uso,
controle, proteção e conservação das águas. O planejamento é a idealização
externada em estudo prospectivo que tem por escopo a adequação do uso, controle
e proteção das águas junto aos anseios sociais. E o gerenciamento é o conjunto de
ações que visa à regulamentação do uso, controle, proteção e conservação das
águas, a fim de avaliar a conformidade da situação corrente com os preceitos
doutrinários estabelecidos pela política dos recursos hídricos. Por fim, o
monitoramento é de fundamental necessidade, pois todo processo de gestão,
independentemente de seu nível de abrangência, deve acompanhar,
sistematicamente, as características atuais da situação do problema (diagnósticos),
tendo em vista os cenários alternativos mais próximos da situação desejada possível
215 ROSS, J. L. S. Geomorfologia ambiental. In: CUNHA, S. B. da C; GUERRA, A. J. (org.). Geomorfologia do Brasil . 4. ed. Rio de Janeiro: Bertrande Brasil, 2006. p. 351. 216 GUERRA, A. T. Novo dicionário geológico-geomorfológico. 4. ed. Rio de Janeiro: Bertrande Brasil, 2005, p. 352.
129
(prognósticos) em função dos instrumentos de gestão das águas utilizados em uma
dada realidade.
5.2 GESTÃO HÍDRICA NO BRASIL
A história da gestão das águas no Brasil começou na bacia do rio Paraíba do
Sul e foi se alastrando vagarosamente, sendo que os trabalhos realizados pela
sociedade organizada, dos diversos setores de usuários, Comitês de Bacia e suas
respectivas Agências de Água, começaram a dar inequívocos e importantes frutos.
Não obstante a existência do Código de Águas (1934), não foi possível
congregar meios para combater desperdício, a escassez e poluição das águas,
resolver conflitos de uso, bem como promover meios de gestão descentralizada e
participativa.
Na década de 70 e, especialmente, 80, algumas frentes compostas de
brasileiros começaram a perceber ameaças a que estavam sujeitos, caso não
mudassem de comportamento quanto ao uso da água. Percebendo o alerta mundial
sinalizado pela comunidade científica em diversas conferências, congressos e
eventos internacionais, foram formadas comissões interministeriais, além da
realização de diversos congressos e simpósios de associações técnicas e científicas
brasileiras, com o escopo de encontrar meios de aprimorar o sistema de
gerenciamento de recursos hídricos e minimizar os riscos de comprometimento de
sua quantidade e qualidade, pois sua fragilidade já era percebida.
Na década de 90 surgiu a PNRH (Política Nacional de Recursos Hídricos), com
a publicação da Lei nº 9.433/1997, instituindo que a gestão hidrológica brasileira
deveria continuamente visar aos usos múltiplos das águas. Em outras palavras,
qualquer medida de gestão adotada deveria objetivar sempre que o aproveitamento
dos corpos hídricos fosse feito concomitantemente, pelos diversos setores
produtivos e, ainda, para o consumo, todos em igualdade de condições em termos
de acesso.
Para tanto, a gestão deveria ser descentralizada, com a participação do Poder
Público, dos usuários, da comunidade e das entidades civis. A legislação
mencionada ainda impõe uma gestão sistêmica, intimamente ligada aos aspectos de
quantidade e qualidade, bem como a sua adequação às diversidades físicas,
130
bióticas, demográficas, econômicas, sociais e culturais das diversas regiões do país
e sua integração com a gestão ambiental.
Se em condições normais, seguir tais diretrizes não é tarefa fácil, muito mais
árdua se revela em um país de dimensões continentais, abundância hídrica e
problemas administrativos estruturais e institucionais como o Brasil. É necessário
ressaltar que o desafio da gestão no Brasil é tarefa de grande vulto, pois se trata de
um país continental cujos passivos ambientais são colossais, a Administração
Pública, em geral, é ineficiente, faltam recursos humanos e extremamente escassos
são os financeiros, realmente disponibilizados.
Inobstante estas dificuldades, cabe frisar que as potenciais riquezas naturais
brasileiras estimulam o enfrentamento desses empecilhos. Ocorre que, com uma
área de aproximadamente 8.512.000 km2 e mais de 192 milhões de habitantes, o
Brasil é, atualmente, o 5º país do mundo em extensão territorial e população,
ocupando posição elevada perante a maioria das nações quanto à disponibilidade
hídrica de suas bacias, estimada em aproximadamente 12% das reservas mundiais
de água doce. Frisa-se o posicionamento de João Alberto Alves Amorim a respeito
das grandes dimensões do Brasil, bem como da disponibilidade hídrica217:
O Brasil possui a mais extensa malha hidrográfica do planeta, 55.457 km2 de rios – o que corresponde a 1,66% da superfície do planeta – com uma vazão anual média de 160.000 m3/s. A precipitação média anual no país é de 1.783 mm/ano, e seu potencial hidrológico corresponde a 12% de toda a água doce existente no planeta (53% de toda a água doce superficial da América do Sul) para utilização imediata. Este montante equivale a aproximadamente 8.233 km3/ano (se considerarmos influência da vazão total da bacia amazônica) e de 5.418 km3/ano, se considerarmos valores apenas da Amazônia brasileira. Estes valores colocam o país em primeiro lugar mundial em riqueza hídrica, à frente, respectivamente, de Rússia Estados Unidos da América, Canadá e China. Contudo, em termos de acesso e distribuição per capita a situação altera-se drasticamente, caindo o país para a 26ª posição (48.314 m3/hab./ano), atrás de países com riqueza e potenciais hidrológicos muito mais modestos, como Guiana Francesa (3º), Suriname (6º), Gabão (9º), Bolívia (16º), Chile (20º) e Costa do Marfim (22º). Isto quer dizer que os problemas hidrológicos e a falta de abastecimento perene ou sazonal em algumas regiões do país não são fruto da inexistência ou indisponibilidade de água doce, mas sim de má gestão e de questões envolvendo interesses políticos e econômicos. Mesmo sendo o país mais rico em disponibilidade de água doce, o Brasil ainda possui aproximadamente 20% de sua população sem acesso à água potável, e uma parcela ainda maior submetida ao consumo de água com baixos padrões de potabilidade e com tarifação elevada.
217 AMORIM, J. A. A. Direito das Águas: O Regime Jurídico da Água Doce no Direito Internacional e no Direito Brasileiro. São Paulo: Lex, 2009. p. 276-277.
131
Ocorre que as políticas públicas aplicadas no Brasil falharam ao não usar a
água como fator de ordenamento da ocupação do solo, o que implicaria distribuir a
população pelos Estados e Municípios de forma equilibrada com a disponibilidade
dos recursos hídricos e compatível com as características do solo. Aliás, este é um
dos grandes desafios da PNRH, instituída para garantir às próximas gerações água
em quantidade e qualidade necessárias ao bem-estar da população. Mari Elizabete
Bernardini Seiffert alerta para a situação hídrica brasileira:218
O Brasil, por suas dimensões continentais e diversidade geográfica, apresenta situações bastante distintas quanto à disponibilidade hídrica intra e inter-regional. O país é afetado tanto pela escassez hídrica quanto pela degradação dos recursos causada pela poluição de origem doméstica, industrial e agrícola. Assim, como os demais países em desenvolvimento, o Brasil apresenta baixa cobertura de serviços de saneamento e sistemas de abastecimento com altas taxas de perdas físicas. Ainda existem nas cidades, vilas e pequenos povoados 40 milhões de pessoas sem abastecimento de água e 80% do esgoto coletado não é tratado. Calcula-se que, para cada metro cúbico de água captado nos rios, apenas metade chega ao consumidor.
Infelizmente, a agressão aos recursos hídricos por parte de diversos tipos de
usuários chegou a um estado alarmante. Para se ter ideia da dimensão da
degradação das águas brasileiras, Plauto Faraco de Azevedo reuniu o que se
denominou tragédias219:
Basta abrir os jornais, cujo relato de fatos recorrentes e recentes é impressionante. Dentre tantos, o vazamento de 1,5 bilhão de litros de lixo tóxico dos reservatórios da empresa Cataguases Papel, que atingiu severamente o rio Pomba, Minas Gerais, e envenenou o rio Paraíba do Sul, no Rio de Janeiro; os sucessivos e graves derramamentos de substâncias nocivas ao ambiente, na Baía de Guanabara; o drama vivido pelo Município de Pirapora do Bom Jesus, onde blocos de espuma de até quatro metros de altura invadiram casas e praças, interrompendo o trânsito da cidade, também vitimada pelo gás sulfídrico, proveniente da poluição do rio Tietê, determinante de dores de cabeça e ânsia de vômito em seus habitantes. Estas “são tragédias anunciadas, como a ficção de Gabriel García Marquez, que não são combatidas diante da falta de ação dos governantes”, permitindo-se que se pergunte quando ocorrerá à próxima.
Diante dos exemplos citados fica evidente a necessidade de se buscar e
executar uma gestão de águas de forma, acima de tudo, a proteger os mananciais
brasileiros, sob pena de se perder o maior e mais importante patrimônio natural de
que o homem dispõe.
218 SEIFFERT, M. E. B. Gestão Ambiental: Instrumentos, Esferas de Ação e Educação Ambiental. São Paulo: Atlas, 2007. p. 133. 219 AZEVEDO, P. F. de. Ecocivilização: Ambiente e Direito no limiar da vida. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 92.
132
5.3 GESTÃO DE BACIAS HIDROGRÁFICAS
Primeiramente, cabe esclarecer o que é uma bacia hidrográfica. Trata-se de
uma área de captação natural de água de precipitação, que faz convergir o
escoamento para um único ponto de saída.
Ela se compõe de um conjugado de superfícies vertentes e de uma rede de
drenagem formada por cursos de água que confluem até resultar em um leito único
no seu exutório220. É o local em que se realizam balanços de entrada natural da
chuva e saída de água na foz, permitindo que sejam tracejadas bacias e sub-bacias,
cuja interconexão se dá pelos sistemas hídricos. Conceito de Cid Tomanik
Pompeu221:
Bacia hidrográfica pode ser conceituada como ‘área geográfica dotada de determinada inclinação em virtude da qual todas as águas se dirigem, direta ou indiretamente, a um corpo central de água’, ou, mais simplesmente, ‘área de drenagem de um curso de água do lago’.
Em adição, as considerações de Mari Elizabete Bernardini Seiffert222:
A unidade básica utilizada como referência para a gestão de recursos hídricos é a bacia hidrográfica, a qual se constitui em uma área drenada, parcial ou totalmente, por um ou vários cursos d’água. Apresenta uma estrutura de espinha de peixe onde vários rios tributários ou afluentes despejam suas águas em um rio principal e a água circula dos pontos mais elevados do terreno para pontos mais baixos. Uma bacia hidrográfica é separada da outra pelo divisor de águas, ponto mais elevado das bacias, onde também se encontram as nascentes dos rios.
Todas as áreas urbanas, industriais, agrícolas ou de preservação fazem parte
de alguma bacia hidrográfica. Pode-se dizer que, no seu exutório estarão
concebidos todos os métodos que fazem parte do seu sistema. O que ali ocorre é
consequência das formas de ocupação do território e do emprego das águas que
para ali convergem.
A política de gerenciar as águas por bacias hidrográficas com a participação
dos usuários veio a ter destaque na França, a partir de 1964. O modelo francês, com
alterações decorrentes das respectivas peculiaridades, foi seguido por outros
países, inclusive pelo Brasil. A gestão da água baseada no recorte territorial das
220 Exutório é o ponto de um curso de água onde se dá todo o escoamento superficial gerado no interior da bacia hidrográfica banhada por este curso. 221 POMPEU, C. T. Direito de Águas no Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 342-343. 222 SEIFFERT, M. E. B. Gestão Ambiental: Instrumentos, Esferas de Ação e Educação Ambiental. São Paulo: Atlas, 2007, p. 131.
133
bacias hidrográficas ganhou força no início da década de 90, por ocasião da
publicação dos Princípios de Dublin, avençados na reunião preparatória à Rio 92.
O Princípio nº 01 aduz que a gestão das águas, para ser efetiva, deve ser
integrada e considerar todos os aspectos, físicos, sociais e econômicos. Para que
essa integração tenha o foco adequado, sugere-se que a gestão esteja baseada nas
bacias hidrográficas. Todavia, em 1977, a Conferência de Mar Del Plata (Argentina),
a primeira organizada pelas Nações Unidas sobre o tema água, já recomendava aos
Estados membros que fossem criadas entidades para administrar bacias
hidrográficas, a fim de permitir melhor planejamento integrado dos recursos hídricos.
A lei nº 9.433/1997, que deu ao Brasil a nova política de recursos hídricos e
organizou o sistema de gestão, consolidou a gestão por bacias hidrográficas. O
artigo 1º, inciso V, dispõe que bacia hidrográfica “[...] é a unidade territorial para
implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema
Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, posicionamento adotado nas leis
estaduais sobre política e gerenciamento de recursos hídricos”. Sobre o
gerenciamento das bacias hidrográficas, Maria Luiza Machado Granziera explica
que223:
Envolve, além de objetivos, diretrizes e instrumentos. Antes que qualquer plano de gestão possa ser desenvolvido, os objetivos devem ser objeto de acordo: quais usos serão protegidos, quais índices de qualidade serão buscados, quais compromissos devem ser acertados entre os usos conflitantes. Uma vez que os objetivos são conhecidos, é necessário buscar um caminho para realizá-los.
Hoje, no Brasil, os recursos hídricos têm sua gestão organizada por bacias
hidrográficas em todo o território nacional, em corpos hídricos de titularidade da
União ou dos Estados. Em outras palavras, a bacia hidrográfica se tornou a unidade
de gestão da Política Nacional de Recursos Hídricos. As Unidades Federativas
brasileiras, no âmbito dos seus territórios, procederam a divisões hidrográficas para
fins de gestão empregando diferentes critérios.
A título de exemplo cita-se o Estado de São Paulo que está dividido em 22
unidades de gestão hidrográficas; o Estado do Paraná, em 15; e o Estado de Minas
Gerais, em 36. Tais divisões foram realizadas de maneira a conformar as
223 GRANZIERA, M. L. M. Direito de Águas: Disciplina Jurídica das Águas Doces. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 117.
134
necessidades de gestão dos recursos hídricos com a configuração física e
características locais. O Brasil está dividido em 12 bacias hidrográficas, a saber:
- Região Hidrográfica do Amazonas, constituída pela bacia hidrográfica do rio Amazonas situada no território nacional e também, pelas bacias hidrográficas dos rios existentes na ilha de Marajó, além das bacias hidrográficas dos rios situados no Estado do Amapá, que deságuam no Atlântico Norte. - Região Hidrográfica do Uruguai, constituída pelo rio Uruguai e por seus afluentes, deságua no estuário do rio da Prata. - Região Hidrográfica do Tocantins/Araguaia, constituída pela bacia hidrográfica do rio Tocantins até a sua foz no oceano Atlântico. - Região Hidrográfica Atlântico Nordeste Ocidental, constituída pelas bacias hidrográficas dos rios que deságuam no Atlântico – trecho Nordeste, estando limitada a Oeste pela Região Hidrográfica do Tocantins/Araguaia, exclusive, e a Leste pela região hidrográfica do Parnaíba. - Região Hidrográfica do Rio Parnaíba, é constituída pela bacia hidrográfica do rio Parnaíba. - Região Hidrográfica Atlântico Nordeste Oriental, constituída pelas bacias hidrográficas dos que deságuam no Atlântico – trecho Nordeste, estando limitada a Oeste pela região hidrográfica do rio Paranaíba e ao sul pela região hidrográfica do rio São Francisco. - Região Hidrográfica do Rio São Francisco, constituída pela bacia hidrográfica do rio São Francisco. - Região Hidrográfica Atlântico Leste, constituída pelas bacias hidrográficas dos rios que deságuam no Atlântico – trecho Leste, estando limitada ao Norte e a Oeste pela região hidrográfica do rio São Francisco e ao sul pelas bacias hidrográficas dos rios Jequitinhonha, Mucuri e São Mateus, inclusive. - Região Hidrográfica Atlântico Sudeste, constituída pelas bacias hidrográficas dos rios que deságuam no Atlântico – trecho Sudeste, estando limitada ao Norte pela bacia hidrográfica do rio Doce, inclusive, a Oeste pelas regiões hidrográficas do São Francisco e do Paraná e ao Sul pela bacia hidrográfica do rio Ribeira, inclusive. - Região Hidrográfica do Paraná, constituída pela bacia hidrográfica do Paraná situada no território nacional; - Região Hidrográfica do Uruguai, constituída pela bacia hidrográfica do rio Uruguai situada no território nacional, estando limitada ao norte pela região hidrográfica do Paraná, a Oeste pela Argentina e ao sul pelo Uruguai. - Região Hidrográfica Atlântico Sul, constituída pelas bacias hidrográficas dos rios que deságuam no Atlântico, trecho Sul, estando limitada ao Norte pelas bacias hidrográficas dos rios Ipiranguinha, Iririaia-Mirim, Candapuí, Serra Negra, Tabagaça e Cachoeira, inclusive a Oeste pelas regiões hidrográficas do Paraná e do Uruguai e ao Sul pelo Uruguai. - Região Hidrográfica do Paraguai, constituída pela bacia hidrográfica do rio Paraguai, situada no território nacional.
No mais, as dificuldades podem e devem ser combatidas. O Brasil avançou
muito na aplicação dos instrumentos de gestão. Os mecanismos de gerência e
controle são atrativos e apresentam bom efeito durante os períodos iniciais do
processo de gestão da bacia. Contudo, na medida em que os problemas a serem
atacados tornam-se mais complexos, os instrumentos baseados somente nos
conceitos de comando e controle tendem a se esgotar e a gestão precisa apoiar-se
em instrumentos de aplicação mais difícil, como são os mecanismos econômicos,
em outros mais caros, como os sistemas de informação.
135
Insta ainda chamar a atenção para uma gestão sustentável dos recursos
hídricos que precisa de um conjunto mínimo de instrumentos principais: base de
dados e informações socialmente acessíveis, definição clara dos direitos de uso,
controle dos impactos sobre sistemas hídricos e processo de tomada de decisão.
Somente por via da aplicação adequada destes instrumentos é que o direito se
tornará efetivamente eficaz na proteção jurídica da água.
5.4 COMITÊS DE BACIA HIDROGRÁFICA
A competitividade exercida pelos usuários de água na bacia hidrográfica
acentua-se na medida em que se diminui a disponibilidade hídrica per capita. A
maneira de dar sustentabilidade e equidade a essa competição foi definida pela lei
nº 9.433/1997 e pela via da instância de decisão local que são os comitês de bacia
hidrográfica. Para proceder à gestão dessa competição é preciso criar um conjunto
de regras para a alocação da água, o que é a essência do sistema de
gerenciamento hídrico. Nos moldes do relatório de Aproveitamento do Potencial
Hidráulico para Geração de Energia no Brasil, da Agência Nacional de Águas224,
[...] a alocação das águas de uma bacia é um componente do plano de recursos hídricos que objetiva a garantia de fornecimento de água aos atuais e futuros usuários de recursos hídricos, respeitando-se as necessidades ambientais em termos de vazões mínimas a serem mantidas nos rios. Depois de definida a alocação de água, a autorização ao acesso a cada usuário ocorre por meio do instrumento da outorga.
Em outras palavras, a alocação de água é o grande pacto de repartição de
água na bacia hidrográfica que fornece diretrizes para implementação de diversos
instrumentos de gestão, em particular, a outorga. Nesse processo, são adotados a
abordagem sistêmica e o princípio de gestão participativa e integrada, tendo como
unidade de planejamento a bacia hidrográfica.
Trata-se de instrumento de responsabilidade central do comitê e sua
quantificação faz parte do processo da solução dos conflitos pela água na própria
bacia, uma vez que é o primeiro grande acordo de distribuição de água na bacia
hidrográfica, fornecendo diretrizes gerais para a outorga e para a definição de regras
operativas de reservatórios. No entanto, para que tal conjunto de regras seja
224 Disponibilidade e Demandas de Recursos Hídricos no Brasil. Caderno de Recursos Hídricos 2 . Brasília: ANA, 2007, p. 152.
136
instituído, são necessários instrumentos de gestão que as institucionalizam e criação
da instância de decisão local.
Pela lei nº 9.433/1997, essa instância de decisão foi batizada de comitê de
bacia hidrográfica e a deliberação é trazida para o nível local. Aliás, em relação ao
caráter sistêmico do conceito de bacia hidrográfica, a norma deixou que as bacias,
na forma de unidades de gestão, fossem definidas caso a caso, dando a
possibilidade de conformá-las de acordo com a escala e as características da
problemática local. Desta forma, pode-se afirmar que os comitês de bacia
hidrográfica são órgãos colegiados onde são debatidas as questões referentes à
gestão das águas. Com relação à abrangência do comitê de bacia, destaca-se o
estabelecido no artigo 37 da lei nº 9.433/1997:
I – a totalidade de uma bacia hidrográfica; II – a sub-bacia hidrográfica do tributário do curso d’água principal da bacia, ou de tributário desse tributário; ou; III – grupo de bacias ou sub-bacias hidrográficas contíguas.
Vislumbra-se um caráter propositalmente flexível na sua abrangência,
decorrente da preocupação do legislador em possibilitar o acomodamento de várias
formas de bacias hidrográficas, bem como a articulação política possível nas
diversas regiões do país.
As competências do comitê estão definidas no artigo 38 da lei nº 9.433/1997 e
cada uma delas exterioriza um caráter político. As principais atividades inerentes aos
comitês são: a) Promover o debate das questões relacionadas aos recursos hídricos
da bacia; b) articular a atuação das entidades que trabalham com este tema; c)
arbitrar, em primeira instância, os conflitos relacionados aos recursos hídricos; d)
aprovar e acompanhar a execução do Plano de Recursos Hídricos da Bacia; e)
estabelecer os mecanismos de cobrança pelo uso de recursos hídricos e sugerir os
valores a serem cobrados; f) estabelecer critérios e promover o rateio do custo das
obras de uso múltiplo, de interesse comum ou coletivo.
Assim, a atuação do comitê apresenta-se como um dos princípios orientadores
à implantação de um processo decisório participativo, a fim de assegurar benefícios
para toda a coletividade, em que os diferentes usuários em geral apresentam
interesses conflitantes quanto ao uso dessa água. Nesse caso, busca-se avaliar sua
quantidade e qualidade disponível e necessidades características dos diversos
usuários, de modo a garantir seu uso racional.
137
No que toca à sua estrutura, o artigo 39, da lei nº 9.433/1997, expõe que os
comitês são formados por representantes da União, Estados, Distrito Federal,
Municípios, usuários e entidades civis de recursos hídricos com atuação
comprovada na bacia.
Nos moldes do § 1º do dispositivo em comento, a participação dos poderes
executivo federal, estadual, distrital e municipal não poderá exceder à metade do
total dos membros do Comitê, e o § 4º é taxativo ao estabelecer que a participação
da União nos comitês de bacia hidrográfica, com área de atuação restrita às dos rios
sob domínio estadual, dar-se-á na forma estabelecida nos respectivos regimentos.
Entende-se que os comitês, objetos do artigo 39, são os estaduais, que
poderão, quando da elaboração de seus regimentos, prever a participação da União.
Trata-se, pois, de norma que permite à União participar de comitês estaduais. A lei
nº 9.433/1997 conjeturou comitês de bacia de ordem federal, tendo em vista que a
União não legisla sobre a organização dos Estados ou em nome do Sistema
Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.
Há, seguramente, dificuldades em se lidar com o recorte geográfico desses
comitês, uma vez que recursos hídricos exigem gestão compartilhada com a
administração pública, órgãos de saneamento, instituições ligadas à atividade
agrícola, gestão ambiental e outros; a cada um desses setores corresponde uma
divisão administrativa certamente distinta da bacia hidrográfica.
Ademais, deve-se observar que, embora a ideia de gestão por este colegiado
seja um avanço nas questões hídricas, em razão de deliberações que podem decidir
de forma sóbria e planejada em relação aos rumos a serem dados aos recursos
hídricos, as reuniões dos integrantes dos comitês também podem se transformar em
assembleias dotadas de burocracia, em plena dissonância com a finalidade a que se
propõem, e contaminadas por desacordos políticos que impeçam a tomada de
decisões de cunho eminentemente técnico.
Assim, a participação ativa dos usuários, sociedade civil e Municípios, nos
comitês, é a condição sine qua non capaz de garantir comprometimento de cada um
e contribuir para tomada de decisões técnicas e sóbrias, haja vista que a presença
destes integrantes enriquece o diagnóstico e planejamento por serem os sujeitos
passivos dos resultados das deliberações. Registra-se que o comitê deve promover
cursos de capacitação que proporcionem aos seus integrantes, que não têm
138
formação técnica, uma visão metodológica acerca dos recursos hídricos para que
suas contribuições sejam ainda mais proveitosas em razão da qualificação.
Embora seja difícil vislumbrar este tipo de execução no cenário brasileiro, as
decisões qualificadas e eficientes dependem tanto de capacitação, quanto de bons
sistemas de informação que tragam os dados reais das características geográficas,
sociais, econômicas e ambientais dos Municípios contemplados naquela bacia
hidrográfica. Quanto mais rigorosa for a legislação atinente às águas, maior será a
busca por novas tecnologias que assegurem um mínimo de desperdício no
consumo, até alcançar o grau máximo de eficácia e eficiência.
139
CONCLUSÃO
Verifica-se no presente trabalho, que o cenário da crise hídrica foi gerado e é
mantido por várias causas: má distribuição, desperdício e poluição das águas, bem
como pelo acelerado crescimento populacional e pela falta de saneamento básico.
Essas causas devem ser combatidas pelo Poder Público e pela sociedade em geral.
A poluição do planeta tem crescido em ritmo assustador. E a escala
populacional continua, advertindo para existência de problemas futuros. Um deles
situa-se no campo do consumo de água. O Direito protege a água. Os Códigos de
Hamurabi e Manu, embora não preocupados especificamente com aspectos do
ambiente, contêm normas jurídicas protetoras da água.
Os recursos naturais, em especial a água, passaram a fazer parte da agenda
política internacional, a partir da segunda metade do século XX. Foram as
Conferências entre Nações intercontinentais que colocaram a água na pauta das
discussões. Entre os principais eventos que trataram da água estão a Conferência
das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, a Conferência das Nações
Unidas sobre Água, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento (ECO-92) e a Conferência Internacional sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento.
No Direito brasileiro, construiu-se ampla teia normativa destinada a proteger a
água. Nesse sentido, pode-se identificar a proteção jurídica das águas no Direito
Constitucional, no Direito Civil e no Direito Penal.
O primeiro documento jurídico-normativo a proteger a água no Brasil foi o
Código de Águas publicado em 1934. Entre as leis mais recentes, podem ser
destacadas a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, o Código Civil de 2002, a
Lei de Águas e a Lei da Agência Nacional de Água.
Reconhece-se que o Direito, tanto no âmbito internacional quando no âmbito
interno, em vários dos seus campos (constitucional, penal e civil), já oferece ampla
proteção à água. Contudo, impõe-se reconhecer, também, que somente a proteção
jurídica não é suficiente, sendo necessário ir além do Direito.
Um dos princípios da Política Nacional do Meio Ambiente prescreve sobre a
conservação, proteção e defesa do ambiente natural, assim como recuperar e
melhorar o ambiente antrópico artificial e do trabalho, atendidas as peculiaridades
140
regionais e locais, em harmonia com o desenvolvimento econômico e social, visando
a assegurar a qualidade ambiental propícia à vida.
A participação popular, tanto por meio da sociedade civil organizada quanto
pela participação direta dos cidadãos nos processos decisórios de governo, significa
descentralização das ações da gestão dos recursos hídricos e constituição de um
campo de debate entre diferentes setores sociais sobre recursos e orientações das
políticas públicas. Assim, é que se vem buscando implementação de experiências
de gestão das bacias hidrográficas, concretizadas por práticas diferenciadas,
assentadas na construção social de processos concretos.
No decorrer do estudo foi possível abordar as principais características do
elemento água, sejam elas de ordem social, jurídica, econômica ou técnica, bem
como o modo de gestão dos recursos hídricos, com objetivo de tornar eficaz normas
que garantem direito à água, ocasionando, assim, geração de respostas às
principais dúvidas provocadas pela ausência de informações e publicização
suficientes deste instrumento da Política Nacional de Recursos Hídricos.
Diante da realização de conferências e tratados internacionais gerados pela
necessidade de resguardo do ambiente, o desenvolvimento sustentável tornou-se a
bandeira a ser içada pelas nações. A ideia de que a água deve ser considerada
como bem indispensável para manter necessidades básicas, de que suprimento e
acesso no futuro devem considerar a expectativa de vida atual e das futuras
gerações e de que deve haver manutenção da segurança do suprimento que enseje
condições para usos múltiplos, já não podem ser ignoradas sob pena de privar o
jovem de hoje de ambiente saudável amanhã.
Desta forma, há algumas décadas, em todo o globo, o raciocínio científico e
as tendências políticas vêm considerando a água (superficial e subterrânea) como
bem ambiental de primeira importância, sendo que vários governos e grande número
de agências internacionais realçam a primazia da mesma, como parte do conjunto
dos recursos naturais estratégicos.
Evidências existentes e experiências em muitos países indicam que
organizações de controle para a governança desses recursos dependem de preceito
central articulado, com um conjunto de sistemas regionais descentralizados para que
seja possível acompanhar o estado da qualidade e quantidade de água numa
determinada bacia hidrográfica. Por estes motivos, no Brasil foi promulgada a lei nº
9.433/1997, conhecida como Política Nacional de Recursos Hídricos, que organizou
141
o setor de planejamento e gestão das águas, em âmbito nacional, introduzindo
instrumentos de políticas e princípios básicos praticados atualmente em quase todos
os países que avançaram na gestão de recursos hídricos.
Em função da condição de escassez em quantidade e ou qualidade, a água
deixa de ser um bem livre e passa a ter valor econômico. Esse fato contribuiu com
adoção de novo paradigma de gestão hídrica, que compreende utilização de
instrumentos regulatórios e econômicos, para garantir efetividade do direito
ambiental na proteção da água.
O desenvolvimento sustentável exige mudanças urgentes na sociedade de
forma a proteger o ambiente pelo uso racional dos recursos hídricos. É preciso que
seja garantida uma boa qualidade de vida, em que pessoas possam contar com
melhores oportunidades econômicas e sociais, porém com limitações e respeito ao
ambiente, e em especial à água.
O princípio Usuário Pagador assegura ao poluidor o dever de arcar com
despesas de prevenção dos danos causados ao ambiente que sua atividade possa
causar, cabendo-lhe responsabilidade de utilizar instrumentos necessários à
prevenção dos danos. E, em caso de ocorrer dano ao ambiente em decorrência da
atividade desenvolvida, o poluidor será responsável pela reparação. Este é um
princípio ainda em desenvolvimento, porém, enquanto não houver choque de
informação que convença na plenitude o usuário dos perigos advindos da falta de
água, dificilmente a conduta humana mudará, principalmente em países em que a
disponibilidade ainda é satisfatória e a cultura do desperdício se faz presente em
todas as classes sociais.
Conclui-se diante dos assuntos abordados neste trabalho que respeito ao
ambiente é questão de vontade política e de conscientização da humanidade de
que, se a natureza continuar sendo usada de forma indiscriminada e irresponsável,
um dia esse planeta não terá mais vida.
Ao fim deste estudo, que o Direito Ambiental, tem normas jurídicas eficientes
e capazes de garantir proteção das águas. No entanto, é necessária conscientização
da população na aplicabilidade e participação da gestão dos recursos hídricos, como
forma de dar efetividade ao direito que está posto.
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