A Crise do Materialismo Histórico
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7/26/2019 A Crise do Materialismo Histórico
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A crise do materialismo histórico
O estranho é quão radicais algumas dessas respostas deram a impressão de ser
e quão difícil foi para a esquerda, em oposição
à
direita,
lidar
com elas. Depois de
refletirmos, a estranheza desaparece com bastante facilidade.
Um modo
de pensa
mento anti-autoritário e iconoclasta, que insiste na autenticidade de outras vozes,
que celebra a diferença, a descentralização e a democratização
do
gosto, bem como
o
poder da
imaginação sobre a materialidade, tem de ser radical mesmo
quando
usado indiscriminadamente. as mãos dos seus praticantes mais responsáveis,
toda a bagagem de idéias associadas com o pós-modernismo podia ser
empregada
para fins radicais, sendo vista,
por
conseguinte, como parte de
um
impulso funda
mental para uma política mais liberatória, exatamente da mesma maneira como a
passagem para processos de trabalho mais flexíveis podia ser considerada uma
abertura
para uma
nova era de relações de trabalho e empreendimentos coopera
tivos democráticos e altamente descentralizados.
Da perspectivada direita tradicionalista, os excessos dos anos 60 e a violência
de 1968 pareciam subversivos ao extremo. Talvez
por
isso a descrição de Daniel
Bell em
The cultural contradictions
o
capitalism
embora partindo inteiramente de
um
ponto de vista direitista que visava à restauração do respeito pela autoridade,
tenha sido mais precisa que muitas tentativas esquerdistas de perceber o que es
tava acontecendo. Outros autores, como Toffler e até McLuhan, viram a significa
ção da compressão do tempo-espaço e das confusões
por
ela geradas de modo que
a esquerda não podia ver, justamente
por
estar tão profundamente envolvida em
criar a confusão. Só há pouco a esquerda chegou a um acordo com algumas dessas
questões, e creio ser relevante o fato de o livro de Berman, publicado em 1982, só
recuperar alguns desses temas tratando Marx como o primeiro grande escritor
modernista, e não como um marxista capaz de ver o que era o modernismo.
A nova esquerda preocupava-se com
uma
luta
para
libertar-se das algemas
duais da política da velha esquerda, particularmente em sua representação
por
partidos comunistas tradicionais e pelo marxismo ortodoxo , e dos poderes re
pressivos do capital corporativo e das instituições burocratizadas
o
Estado, as
universidades, os sindicatos etc.). Ela via a si mesma, desde o começo, como uma
força cultural e político-econômica, tendo ajudado a produzir a virada para a es
tética que o pós-modernismo representava.
Essa linha de ação, no entanto, teve conseqüências não pretendidas. A
entrada
na política cultural era mais compatível com o anarquismo e com o liberalismo do
que com o marxismo tradicional, levando a nova esquerda a se opor a atitudes e
instituições tradicionais da classe trabalhadora. Ela abraçou novos movimentos
sociais que eram eles mesmos agentes de fragmentação da política da velha esquer
da. a medida em que esta última era, na melhor das hipóteses, passiva, e, na pior,
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A CONDIÇÃO PÓS-MODERNA
reacionária (no tratamento
das
questões
de
raça e
de
gênero,
da
diferença, e
de
problemas
dos
povos colonizados e das minorias reprimidas e
das
questões ecoló
gicas e estéticas), algum tipo
de
mudança política
da
espécie proposta pela nova
esquerda
por
certo se justificava. Mas, ao fazer esse movimento, a nova esquerda
tendia a abandonar a sua
fé
tanto no proletariado como instrumento de
mudança
progTessista como no materialismo histórico enquanto modo de análise. André Gorz
deu adeus
à
classe operária e Aronowitz anunciou a crise do materialismo histórico.
Assim, a
nova esquerda
perdeu
sua capacidade de ter uma perspectiva crítica
sobre si mesma e sobre os processos sociais de transformação
que
estiveram
na
base
da
emergência de modos pós-modernos de pensamento. Insistindo que
eram
a cultura e a política que importavam, e que não era razoável
nem adequado
invocar a determinação econômica mesmo em última instância (para não falar
de
invocar teorias
da
circulação e
da
acumulação do capital
ou
de relações de classe
necessárias
na
produção), ela foi incapaz
de
conter
sua própria queda em
posições
ideológicas que eram fracas no confronto com a força recém-encontrada dos neo
conservadores, e que a forçavam a competir no mesmo terreno
da
produção
de
imagens,
da
estética e do poder ideológico quando os meios de comunicação esta- ·
vam
nas mãos dos seus oponentes. Por exemplo,
num
simpósito
de
1983,
Marxismo
e Interpret ção d Cultura a maioria dos autores
deu
muito mais atenção a Foucault
e Derrida do que a Marx (Nelson e Grossberg, 1988). Ironicamente, foi
uma
figura
da
velha esquerda (perceptivelmente ausente daquele simpósio), Raymond Williams,
um
estudioso
de
longa
data das
formas e valores culturais
da
classe operária,
que
cruzou as trilhas
da
nova
esquerda
e tentou restabelecer
as
bases materiais daquilo
que as práticas culturais poderiam ser. Williams não somente rejeitou o modernis
mo
como categoria válida, mas,
por
extensão,
viu
o pós-modernismo como
uma
máscara
das
transformações mais profundas
da
cultura do capitalismo que ele
procurava identificar.
A interrogação das formulações marxianas ortodoxas (por escritores
da
tra
dição de Fanon
ou
Simone de Beauvoir,
bem
como pelos desconstrucionistas) foi
tanto necessária como positiva
em
suas implicações. Com efeito, importantes tran
sições já vinham ocorrendo
na
economia política,
na
natureza das funções do Es
tado, nas práticas culturais e
na
dimensão
do
tempo-espaço
em que
as relações
sociais tinham
de
ser avaliadas (a relação entre, digamos, o apartheid na África do
Sul e os movimentos operários
na
Europa
ou
América
do
orte tornou-se
ainda
mais significativa como questão política
do que
fora no ponto alto
do
imperialismo
direto). Foi necessária
uma
concepção propriamente dinâmica,
em vez
de estática,
da
teoria e
do
materialismo histórico para apreender a significação dessas
mudan-
ças. Dentre as áreas
de
maior desenvolvimento,
eu
relacionaria quatro:
1 O tratamento
da
diferença e
da
alteridade não como uma coisa a ser
acrescentada a categorias marxistas mais fundamentais (como classe e forças pro-
dutivas), mas como algo que deveria estar onipresente desde o início em toda
tentativa
de
apreensão
da
dialética
da
mudança
social. A importância
da
recupe
ração de aspectos
da
organização social como raça, gênero, religião,
no
âmbito
do
quadro geral
da
investigação materialista histórica (com a
sua
ênfase no poder
do
dinheiro e
na
circulação do capital) e
da
política
de
classe (com
sua
ênfase
na
unidade
da
luta emancipatória) não pode
ser
superestimada.
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A CRISE O MATERIALISMO HISTÓRICO
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2 Um reconhecimento de que a produção de imagens e de discursos é
uma
faceta importante de atividade que tem de ser analisada como parte integrante
da
reprodução e transformação de toda ordem simbólica. As práticas estéticas e cul
turais devem ser levadas em conta merecendo as condições de sua
produção
cui
dadosa
atenção.
3 Um reconhecimento de que as dimensões do espaço e do tempo são rele
vantes e
de
que
há
geografias reais
de
ação social territórios e espaços
de poder
reais e metafóricos que se tornam vitais como forças organizadoras
na
geopolítica
do
capitalismo ao mesmo tempo em
que
são sede de inúmeras diferenças e
alteridades que têm de ser compreendidas tanto por si mesmas como no âmbito da
lógica global do desenvolvimento capitalista. O materialismo histórico finalmente
começa a levar a sério a sua geografia.
4 O materialismo histórico-geográfico é
um
modo de pesquisa aberto e dia
lético
em vez
de um
corpo fixo e fechado
de
compreensões. A metateoria não é
uma
afirmação
de
verdade total e sim
uma
tentativa de chegar a
um
acordo com
as verdades históricas e geográficas que caracterizam o capitalismo tanto em geral
como em sua fase presente.