A COR COMO ELEMENTO NARRATIVO NO LIVRO...

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Universidade Federal de Campina Grande Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino 1 ANAIS ELETRÔNICOS ISSN 235709765 A COR COMO ELEMENTO NARRATIVO NO LIVRO INFANTIL Anália Adriana da Silva FERREIRA 1 - UFCG Denise LINO DE ARAÚJO 2 - UFCG RESUMO O livro infantil como conhecemos pode ser caracterizado por palavra e imagem comunicando uma história, juntos, esses aspectos assumem a responsabilidade da narrativa. Estamos falando da parceria entre a linguagem verbal, compreendida pelo texto da história, e a linguagem pictórica, a ilustração propriamente dita. Essa dinâmica de linguagens torna o livro um espaço lúdico para a criança, destinatário iniciante para o qual a ilustração desempenha função ainda mais importante. Através dela a narrativa ganha movimento e expande o campo da imaginação ao concretizar-se em espaços, linhas, formas e cores. Dentre os aspectos sintáticos que a ilustração nos apresenta, lançamos um olhar sobre a cor. Mais especificamente, esse estudo tem por objetivo discorrer sobre a cor na ilustração e o momento no qual ela assume o papel de agente comunicador, determinando ritmo e, por vezes, apresentando informações não contidas no texto escrito. Para a realização desse artigo escolhemos o livro A casa sonolenta (2003) de Audrey Wood, ilustrações de Don Wood. Como aporte teórico nos valemos dos estudos de simbologia das cores e seus aspectos culturais na Psicodinâmica da Cor de Farina, Perez e Bastos (2006); Pedrosa (2008); ainda Nikolajeva e Scott (2011) na relação imagem e palavra no livro infantil, dentre outros. Através das linguagens verbal e pictórica no livro infantil, realizamos uma análise em nível sintático e semântico, na qual analisamos as escolhas, funções e significados da cor na ilustração. Palavras-Chave: Livro Infantil. Cor. Comunicação. Ilustração. 1 Mestranda em Design pelo Programa de Pós-graduação em Design da Universidade Federal de Campina Grande (PPGDesign/UFCG). Graduada em Design Gráfico. Email - [email protected]. 2 Professora Drª da Unidade Acadêmica de Letras, UFCG. Email [email protected].

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A COR COMO ELEMENTO NARRATIVO NO LIVRO INFANTIL

Anália Adriana da Silva FERREIRA1- UFCG Denise LINO DE ARAÚJO2 - UFCG

RESUMO

O livro infantil como conhecemos pode ser caracterizado por palavra e imagem comunicando uma história, juntos, esses aspectos assumem a responsabilidade da narrativa. Estamos falando da parceria entre a linguagem verbal, compreendida pelo texto da história, e a linguagem pictórica, a ilustração propriamente dita. Essa dinâmica de linguagens torna o livro um espaço lúdico para a criança, destinatário iniciante para o qual a ilustração desempenha função ainda mais importante. Através dela a narrativa ganha movimento e expande o campo da imaginação ao concretizar-se em espaços, linhas, formas e cores. Dentre os aspectos sintáticos que a ilustração nos apresenta, lançamos um olhar sobre a cor. Mais especificamente, esse estudo tem por objetivo discorrer sobre a cor na ilustração e o momento no qual ela assume o papel de agente comunicador, determinando ritmo e, por vezes, apresentando informações não contidas no texto escrito. Para a realização desse artigo escolhemos o livro A casa sonolenta (2003) de Audrey Wood, ilustrações de Don Wood. Como aporte teórico nos valemos dos estudos de simbologia das cores e seus aspectos culturais na Psicodinâmica da Cor de Farina, Perez e Bastos (2006); Pedrosa (2008); ainda Nikolajeva e Scott (2011) na relação imagem e palavra no livro infantil, dentre outros. Através das linguagens verbal e pictórica no livro infantil, realizamos uma análise em nível sintático e semântico, na qual analisamos as escolhas, funções e significados da cor na ilustração.

Palavras-Chave: Livro Infantil. Cor. Comunicação. Ilustração.

1 Mestranda em Design pelo Programa de Pós-graduação em Design da Universidade Federal de

Campina Grande (PPGDesign/UFCG). Graduada em Design Gráfico. Email - [email protected]. 2 Professora Drª da Unidade Acadêmica de Letras, UFCG. Email – [email protected].

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INTRODUÇÃO

O livro infantil como conhecemos pode ser caracterizado por palavra e imagem

comunicando uma história. Juntos, texto e ilustração assumem a responsabilidade da

narrativa no livro infantil. Essa dinâmica de linguagens é que torna o livro um espaço

lúdico para a criança. De acordo com Ramos e Nunes (2013, p.254) “palavra e

ilustração precisam acolher o leitor e permitir-lhe encontrar no texto uma brecha para

dele fazer parte, interagir, interferir, exercendo o papel de leitor, aqui entendido como

produtor de sentido.”

Quando o livro se destina ao leitor iniciante, a ilustração desempenha função

ainda mais importante, através dela a narrativa ganha vida, sai do campo da

imaginação e concretiza-se em espaços, linhas, formas e cores. Dentre os aspectos que

a ilustração nos apresenta, lançamos um olhar sobre a cor. Mais especificamente, esse

estudo se faz sobre o momento em que ela assume o papel de agente comunicador,

determinando ritmo e, por vezes, apresentando informações não contidas no texto

escrito. Farina, Perez e Bastos (2006, p.13) nos afirmam:

Sobre o indivíduo que recebe a comunicação visual, a cor exerce uma

ação tríplice: a de impressionar, a de expressar e a de construir. A

cor é vista: impressiona a retina. E sentida: provoca uma emoção. E é

construtiva, pois, tendo um significado próprio, tem valor de símbolo

e capacidade, portanto, de construir uma linguagem própria que

comunique uma ideia.

Para a realização do estudo, utilizamos o livro infantil A casa sonolenta (2003)

de Audrey Wood e ilustrações de Don Wood, centrando as observações no ritmo

narrativo que a cor exerce ao longo da história. O livro pertence a coleção Abracadabra

da editora Ática e conta com uma história de repetição “sonolenta”. Em certo

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momento a dinâmica da história muda, o que era repetitivo passa a ser inesperado,

enérgico e a ilustração faz uso das cores para enfatizar essa mudança.

Temos um caso no qual a cor estimula a narrativa, ajudando a construir o ritmo

da história. Outros elementos fomentam esse processo, como a diagramação do texto,

apresentado de forma cumulativa e estática, dando a sensação de marasmo e

monotonia para logo em seguida adquirir caráter curto, rápido e dinâmico. No

entanto, as análises se farão apenas no âmbito da cor.

O DESIGN E A ILUSTRAÇÃO NO LIVRO INFANTIL

Ao falarmos de design e livro, de imediato nos remetemos ao livro como

artefato tangível, podendo-se elencar capa, páginas, formato e toda a estrutura

material do livro como objeto de análise. No presente trabalho, aborda-se o livro

infantil sob a ótica do design da informação.

Design da informação é a área do design gráfico que contempla o estudo das

formas e modos de organização do conteúdo, nos mais diversos suportes. A Sociedade

Brasileira de Design da Informação conceitua a área e afirma que o objetivo do design

da informação é “equacionar os aspectos sintáticos, semânticos e pragmáticos que

envolvem os sistemas de informação através da contextualização, planejamento,

produção e interface gráfica da informação junto ao seu público‐alvo. Seu princípio

básico é o de otimizar o processo de aquisição da informação (...)3”

Por ser a ilustração um dos caminhos mais rápidos de comunicação junto ao

pequeno leitor, visto que “desde muito pequenos, aprendemos a ler imagens ao

mesmo tempo em que aprendemos a falar. Muitas vezes, as próprias imagens servem

de suporte para o aprendizado da linguagem” (JOLY, 2007, p.43), compreende-se a

necessidade em estudar esse aporte no livro infantil. Faz-se necessário observarmos os

papéis que ela assume na narrativa, bem como seus significados e conotações. Sobre

essa reflexão, Freire (2004, p.5) nos mostra que:

3Retirado do site da SBDI - http://sbdi.org.br/ em 01.maio.2015

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O ângulo, enquadramento, efeitos de cor ou tonalidade ou até

mesmo a iluminação, que realça ou esconde determinados aspectos

da imagem a gosto do ilustrador, carregam a ilustração com

significados sociais capazes de estimular interpretações que não

estão contidas no texto. Assim sendo, o ilustrador tem o poder de

complementar o sentido do texto. A ilustração fala do texto a seu

modo, com um repertório plástico singular que determina a sua força

demonstrando seu caráter narrativo. Cabe ao ilustrador decifrar o

momento a ser visualmente narrado, procurando sempre evitar o

conflito entre o que o leitor imagina e o que a imagem mostra.

Zimmermann (2008, apud KLOHN; FENSTERSEIFER, 2012, p.46) destaca que as

ilustrações participam da formação da história, deixando lacunas a serem preenchidas

pelo leitor e afirma que cabe a ele “imaginar o que teria ocorrido de uma página a

outra, fazendo com que este também interaja na construção da obra”.

As pesquisadoras Nikolajeva e Scott (2011, p.32) também mencionam sobre a

dinâmica criada entre livro e leitor e a importância das lacunas a serem preenchidas

pelo leitor, quando afirmam:

Se palavras e imagens preencherem suas respectivas lacunas, nada

restará para a imaginação do leitor e este permanecerá um tanto

passivo. O mesmo é verdade se as lacunas forem idênticas nas

palavras e imagens (ou se não houver nenhuma lacuna). No primeiro

caso, estamos diante da categoria que chamamos “complementar”.

No segundo, da “simétrica”. Entretanto, tão logo palavras e imagens

forneçam informações alternativas ou de algum modo se

contradigam, temos uma diversidade de leituras e interpretações.

Dessa capacidade que a ilustração possui, tanto em complementar o sentido do

texto quanto estimular interpretações que não estão escritas, surge uma linguagem

bastante difundida no design de informação: Linguagem Gráfica Pictórica. Costa (2010,

p.124) conceitua essa linguagem:

Como o próprio nome sugere, a Linguagem Pictórica é uma forma de

comunicação através da imagem. É, portanto, uma linguagem tal qual

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a escrita ou sinais de libras. Por este mesmo motivo, deve receber

tratamento idêntico às outras formas de representação da

mensagem. Vários estudiosos exploram as possibilidades que a

imagem traz ao desenvolvimento intelectual. Pesquisas sobre a

origem, as transformações ao longo do tempo e sobre a influência do

conteúdo pictórico no cotidiano humano permeiam diversos livros e

tem o apoio de pesquisadores renomados como Martine Joly e Clive

Ashwin.

Alguns aspectos são considerados em uma análise da Linguagem Pictórica,

ainda de acordo com Costa (2010), podemos elencar: aspectos plásticos da linguagem

gráfica, fator cromático, uso de recursos gráficos, fator sintático (enquadramento,

posicionamento, consistência etc.), dentre outros. Nesta análise do livro A casa

sonolenta (2003), o enfoque será no uso da cor na ilustração e o seu diálogo com o

texto. Utilizando a simbologia das cores e seus aspectos culturais, faremos análise das

ilustrações contextualizando-as com a narrativa referente.

A CASA SONOLENTA

A história se passa em uma casa onde todos dormem, a narrativa é ambientada

no quarto da casa, supostamente o quarto da avó. Os personagens da história, avó,

menino, cachorro, gato e rato dormem no quarto e, ao longo da narrativa, se

acomodam na cama aconchegante da casa sonolenta até aparecer uma pulga bem

acordada. A narrativa se inicia de maneira cumulativa e monótona, mas ganha fôlego e

velocidade à medida em que os personagens vão acordando, um a um e assustados,

até chegar o desfecho da história.

Neste artigo, para melhor visualização e entendimento das análises,

chamaremos cada página dupla com texto e ilustração de conjunto verbo-pictórico,

totalizando 15 conjuntos ao longo do livro. Iniciamos as análises com representação da

capa e planificação do livro para em seguida falarmos da cor e suas funções.

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CAPA

A capa do livro, fig.1, retrata cena que se repete no interior da história, a

representação é de um dos momentos onde os personagens dormem todos juntos na

cama da avó.

Fig.1 Capa do livro A Casa Sonolenta.

Fonte www.carolcampos.files.wordpress.com/2009/11/acasasonolenta.jpg

Além da ilustração central, a capa apresenta o título em caixa alta no canto

superior direito, alinhado à direita, na cor vermelha e os nomes da autora e do

ilustrador no canto superior esquerdo, alinhado à esquerda, na cor preta. O vermelho

destaca o título no fundo azul claro, bem como, a utilização de uma tipografia “cheia”

(bold), para o título e uma mais fina para o outro bloco de texto. No canto inferior,

centralizado, encontramos a identificação editorial, com os logos da editora Ática e da

coleção Abracadabra.

CONHECENDO O LIVRO POR DENTRO

Como meio para uma observação rápida sobre o livro, especialmente sobre a

ilustração e a cor utilizada ao longo da obra, utilizaremos uma planificação do livro,

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fig.2. É possível perceber na ilustração os recursos que o ilustrador aplicou para

caracterizar a história. As imagens encontram-se em ordem de aparição, sendo a

primeira no canto superior esquerdo e a subsequente ao seu lado direito. Neste

panorama, observamos as cores transitando de uma paleta mais fria e terminando em

tons quentes e vibrantes. Conforme Pedrosa (2008, p.32), para cores quentes entende-

se por ser a “designação genérica empregada para definir as cores que predominam o

vermelho e amarelo”. Para os tons frios, o autor afirma serem aqueles que

predominam o azul.

Fig.2 - Planificação do livro A casa sonolenta (2003).

Fonte: Adaptação elaborada pelo autor.

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ANALISANDO A COR

Iniciando pela capa, a imagem retrata a avó, o menino e o cachorro dormindo

tranquilamente, todos na cama aconchegante. Ao observamos os tons predominantes

de lilás, roxo e azul, compreende-se que sua utilização ocorre em virtude da associação

cultural que essas tonalidades trazem: noite, sonho, luar. (FARINA; PEREZ; BASTOS,

2008).

Em contraste com os tons frios descritos, observamos o cobertor amarelo, uma

cor quente e complementar ao lilás, aparece iluminando três pontos. Aparentemente,

o uso do amarelo tem a função de guiar o olhar do leitor a percorrer toda a cama, fig.3,

visto que os pontos se encontram nas duas pontas opostas e embaixo da mesma, em

um tapete.

Fig. 3 - Olhar guiado pelo amarelo faz percorrer toda a cena da cama.

Fonte: Elaborada pelo autor.

A narrativa se inicia com um conjunto verbo-pictórico indicando a frente da

casa sonolenta, fig.4. O lilás do céu e os tons de verde escuro, provenientes das

árvores do jardim, sobressaem na imagem. O ilustrador retrata uma noite chuvosa,

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pontos de luz são trazidos pelo branco utilizado na casa, na cerca e no caminho da rua

em frente a casa. O caminho é mais uma orientação do ilustrador ao leitor. Se bem

observarmos, identificaremos que o caminho parte de quem está vendo o livro e segue

até o final da próxima página (da esquerda para direita, mesmo sentido da leitura de

textos). Um convite para adentrar na história que se inicia com a seguinte frase “Era

uma vez uma casa sonolenta onde todos viviam dormindo”. O convite é reforçado com

o portão aberto, centralizado no canto inferior da página, na cor branca, em contraste

com o marrom do chão de terra e todos os tons de lilás da página. É possível observar

a indicação de uma casa sonolenta através das persianas entreabertas, uma alusão a

olhos semicerrados de sono.

Fig.4 - Primeiro conjunto verbo-pictórico

Fonte: Adaptação elaborada pelo autor.

É importante salientar que a condição de noite fria e chuvosa é uma

informação obtida através da ilustração, alcançada pelo uso das cores. O texto não faz

referência ao clima ou horário em que se passa a história. Uma casa sonolenta pode

ter essa condição em qualquer hora do dia, a ilustração nos informa que a história se

inicia a noite.

Em seguida, a história se ambienta no quarto, onde permanecerá por quase

todo o livro. Com o texto “Nessa casa tinha uma cama, uma cama aconchegante, onde

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todos vivam dormindo” o leitor conhece o quarto e os personagens que dormem no

mesmo, fig.5.

Fig. 5 - Tons frios dentro do quarto

Fonte: Adaptação elaborada pelo autor.

Os tons frios permanecem, ressaltando a noite, o sonho e o sono. Farina, Perez

e Bastos (2008) destacam que as cores de tons frios trazem o aspecto de introspecção

e sonolência. Com um olhar mais cuidadoso sobre a ilustração, é possível observar a

presença de todos os personagens que serão acrescidos à medida em que se

desenvolverá a história, mesmo sem o texto os mencionar ainda. Discretos, na

penumbra do quarto, os personagens não recebem destaque, o que se evidencia nesta

cena é o plano onde observamos a avó deitada na cama e a janela aberta. Utilizou-se a

janela aberta e a cortina bem iluminada para olharmos para a cama, como nos guia a

linguagem escrita.

À medida que a narrativa prossegue, observamos a introdução de um novo

personagem a cada conjunto verbo-pictórico. Verificamos uma oscilação nos tons frios

e o destaque do cobertor e da cadeira de madeira que começam a ganhar tons mais

luminosos.

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Fig. 6 - Sequência de personagens indo à cama.

Fonte: Adaptação elaborada pelo autor.

Esses tons luminosos, tons de amarelo, em contraste com o lilás da cena, é uma

solução advinda do bom uso de aplicação da teoria das cores. Para Farina, Perez e

Bastos (2008) as cores complementares (aqui, uma primária e uma secundária)

oferecem oportunidade de contraste de efeitos, que pode ser usado com grande êxito.

A partir do 8º conjunto verbo-pictórico é que percebemos uma mudança mais

enfática. O texto continua com a estrutura cumulativa, assim como o personagens se

acumulam na cama. Mas esse é o momento em que surge a pulga, que não está

dormindo fig.7.

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Fig.7- 8º conjunto verbo-pictórico mostra todos os personagens

dormindo na cama.

Fonte: Adaptação elaborada pelo autor.

Pode-se constatar a luz acima do rato determinando a pulga acordada. Nesse

momento da história, todos os personagens já apareceram em repetição sonolenta e

cumulativa. Agora, se inicia o jogo da virada de ritmo narrativo. As paredes ganham o

tom mais de azul e o lilás e roxo são agora pontuais. Já percebemos mudança na

saturação das cores e na presença maior de amarelo. De acordo com Farina, Perez e

Bastos (2008), a cor amarela remete à alegria, ação, dinamismo. Uma alusão específica

ao novo rumo que a história toma.

Analisando os próximos conjuntos verbo-pictóricos, fig.8, entendemos que a

narrativa mudou completamente o seu ritmo. O texto passa se apresentar em frases

curtas e as cores aparecem mais saturadas e quentes. Fazendo uso do poder de

expressão que a cor possui (GUIMARÃES, 2008), as ilustrações passam a ser retratadas

com o uso de muitas cores, com predominância de tons quentes e saturados, em uma

alusão à alegria, expansão e felicidade.

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Fig.8 Sequência dos personagens acordando.

Fonte: Adaptação elaborada pelo autor.

Romani (2011) fala do livro infantil possuir esse caráter multicolorido com o

intuito do despertar da curiosidade e de reforçar a alegria contada. É exatamente o

que podemos observar ao final da história A casa sonolenta (2003), fig.9. Uma

explosão de cores vibrantes e saturadas narram a alegria da casa, sendo assim, a cor

um fator determinante neste momento da narrativa, reforçando a alegria da história.

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Fig. 9 Cena final – reforço da alegria contada

Fonte: Adaptação elaborada pelo autor.

No último conjunto verbo-pictórico, quando o texto anuncia “Numa casa

sonolenta, onde ninguém mais estava dormindo”, temos um arco-íris passando por

trás da casa, indicando que toda a alegria daquela profusão de cores pertence à ela.

A cor que agora predomina é o verde em tons vibrantes, que tem como

associação afetiva, segundo Farina, Perez e Bastos (2008), bem-estar, tranquilidade e

segurança. O jardim verde em tons luminosos corresponde a uma casa viva, dinâmica e

cheia de energia. O menino, saltitando no jardim, e a avó, de braços levantados e

olhando para cima com sorriso no rosto, demonstram felicidade. Não por acaso,

ambos trazem pontos em tons de laranja (a avó na roupa e o menino no cabelo), que

apresenta, em uma associação afetiva, alegria, euforia e energia como características

(Idem).

Comparando a casa retrata em dois momentos, no início e ao final da história,

vemos nitidamente a influência da cor na narrativa, fig.10. Através da energia das

cores e luminosidade na cena, a casa sonolenta ganha, ao final, aspecto alegre, vivo e

dinâmico.

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Fig.10 - A casa retratada em dois momentos (início e fim da história).

Fonte: Adaptação elaborada pelo autor

CONCLUSÕES

O estudo se propôs analisar o livro A casa sonolenta (2003) e o comportamento

da cor ao longo da história. Na narrativa, os personagens são apresentados de modo

cumulativo, em uma repetição de caráter sonolento. Ao longo da leitura, verificamos o

importante papel da ilustração na apresentação da história.

Visto que o texto não se modifica estruturalmente, apenas é acrescentado um

personagem e uma característica respectiva, a imagem tem função importante de

adicionar informações (chuva e noite, por exemplo), que enriquecem o imaginário de

quem faz a leitura. O uso da cor é fundamental nesse momento da comunicação. Os

tons frios remetendo a noite e ao sono fazem contraponto com as cores quentes,

essas, vão surgindo na ilustração assim que a história fica mais dinâmica e os

personagens mais felizes.

Uma outra observação da ilustração do livro é que ela apresenta todos os

personagens desde a primeira cena, não apenas quem era mencionado no texto, mas

todos já estavam na ambientação visual do quarto. Coube ao jogo de luz e sombra,

conseguido com iluminação e saturação das cores, destacar os personagens e cada

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momento de aparição na cena. Esse detalhe possibilita mostrar o comportamento de

cada um, colocando o leitor dentro do quarto, observando todas as ações.

Por fim, concluímos que a cor no livro A casa sonolenta (2003) foi utilizada

como elemento narrativo determinante na Linguagem Pictórica, pois, ora deixava a

ação mais quieta e sonolenta, ora estimulava. Em um jogo de tonalidades e saturações,

a cor brinca com o leitor, iniciando a história na penumbra da noite e clareando ao

longo da narrativa, à medida que os personagens aparecem. A partir das novas cores

surgidas em tons vibrantes e luminosos, entendemos o ritmo ágil que a história

adquire, bem como acompanhamos o nascer do dia e a alegria instalada na casa onde

ninguém mais dorme.

REFERÊNCIAS

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Page 17: A COR COMO ELEMENTO NARRATIVO NO LIVRO INFANTIL2015.selimel.com.br/wp-content/uploads/2016/03/Analia-Adriana-gt-21.pdfA CASA SONOLENTA A história se passa em uma casa onde todos dormem,

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Universidade Federal de Campina Grande

Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino 17

ANAIS ELETRÔNICOS ISSN 235709765

WOOD, Audrey. A casa sonolenta. Il. Don Wood. Trad. Gisela Maria Padovan. 16ª ed. São Paulo: Ática, 2003.