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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
A contribuição da psicomotricidade no desenvolvimento da
criança com Síndrome de Marfan
Autora: Maria Bernadete da Costa Guedes
Matrícula C204099
Orientadora: Geni Lima
Data de entrega: julho de 2009
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
A contribuição da psicomotricidade no desenvolvimento da
criança com Síndrome de Marfan
Objetivos: Estudar as características de crescimento corporal, social e
psíquico das crianças com Síndrome de Marfan e os aspectos teórico-técnicos
da psicomotricidade voltados para otimizar o seu desenvolvimento
biopsicossocial.
Curso: Psicomotricidade
Autora: Maria Bernadete da Costa Guedes
RESUMO
Esta monografia aborda os conceitos de psicomotricidade, aspectos
teóricos da Síndrome de Marfan e a aplicabilidade da psicomotricidade nas
crianças de sete a doze anos com Síndrome de Marfan.
.
A criança com Síndrome de Marfan apresenta algumas alterações do
desenvolvimento esquelético tais como, deformidades no tórax e a coluna e
estatura elevada. Problemas visuais com diminuição da visão (acentuada
miopia) e podem apresentar também problemas cardiorrespiratórios.
Além desses problemas de saúde, essas crianças sofrem com
características físicas que as tornam “diferentes” do padrão estético esperado
pela sociedade. Esse processo gera dificuldades, como baixa autoestima,
inadequação social e até isolamento com quadro de transtorno depressivo.
Sendo assim, essas crianças, ao longo de suas vidas, requerem necessidades
médicas e terapêuticas especiais.
A proposta desta monografia é fazer uma reflexão sobre a ajuda que a
psicomotricidade pode dar no desenvolvimento destas crianças, com o objetivo
de potencializar suas capacidades.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO-------------------------------------------------------------------- 5 CAPÍTULO I----------------------------------------------------------------------- 8
CONCEITOS DE PSICOMOTRICIDADE
CAPÍTULO II--------------------------------------------------------------------- 20
SÍNDROME DE MARFAN
CAPÍTULO III-------------------------------------------------------------------- 30 A PSICOMOTRICIDADE APLICADA NA CRIANÇA COM SÍNDROME DE MARFAN CONSIDERAÇÕES FINAIS------------------------------------------------- 40 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS--------------------------------------- 43
INTRODUÇÃO
Diante de nossa pesquisa nos deparamos com grandes dificuldades de
achar estudos referentes à Síndrome de Marfan no sentido de estimulação
precoce, trabalho psicoterapêutico e psicopedagógico.
No primeiro capítulo trabalharemos com a conceituação sobre a
psicomotricidade, com a finalidade de esclarecer sobre quais pilares teóricos
nossa monografia está fundamentada.
No segundo capítulo, trabalharemos com a conceituação médica da
Síndrome de Marfan, uma vez que esta síndrome não é conhecida pelo leigo
como outras já o são. Abordaremos os tratamentos propostos, protocolos de
diagnóstico e as consequências genéticas encontradas nesta síndrome. As
características físicas, os aspectos emocionais e o desenvolvimento do
individuo com a Síndrome de Marfan também serão contemplados.
Desejamos poder através deste estudo tornar clara a função do cérebro,
os aspectos neurológicos e psicológicos envolvidos no desenvolvimento total
do ser humano, para que com isto possamos demonstrar a relação de
interação entre corpo e mente.
Alguns estudos psicológicos serão abordados nesta monografia com a
mesma finalidade de demonstrar a integralidade do ser humano, de como a
mente estimulada e o movimento corporal interagem e se auto-regulam.
No terceiro capítulo, tentaremos fazer uma reflexão sobre a contribuição
que a psicomotricidade possa fazer no desenvolvimento mais harmônico de
crianças com Síndrome de Marfan, no sentido de procurar estabelecer relações
entre o seu desenvolvimento motor e emocional com um trabalho voltado para
o equilíbrio e uma melhor adaptabilidade social.
E finalmente temos a pretensão de lançar algumas bases estruturais
para o tratamento com psicomotricidade de crianças de sete a doze anos com
Síndrome de Marfan.
Esta monografia é um estudo sobre a contribuição que a psicomotricidade
pode dar ao desenvolvimento das potencialidades em crianças com Síndrome
de Marfan que possam ser tratadas através da Terapia Psicomotora.
A psicomotricidade é a dinâmica das atividades, de tudo o que é
expressivo no ser humano, é, portanto o conjunto de ações e movimentos que
integram o psiquismo e a motricidade.
A Síndrome de Marfan é uma mutação gênica com padrão de herança
autossômico dominante, podendo afetar todos os sistemas do corpo humano,
não havendo até o momento nenhum tratamento curativo. Nesse sentido, a
conduta enfoca a prevenção de complicações e tratamento sintomático.
Estamos numa Era da inclusão, da multipluraridade de intervenções e
principalmente na interdisciplinaridade de abordagem do “diferente”. No
entanto, percebemos uma enorme dificuldade de acharmos estudos e projetos
de inclusão para a criança com Síndrome de Marfan.
É muito importante que a diferença seja contemplada com ações
positivas e é esperado que pelo menos na área da educação e na área médica
perceba-se a importância de significar o diferente como aquele que pertence a
um grupo social, tem direitos e deveres dentro desta sociedade e, portanto
merece ter em sua fase de crescimento cuidados apropriados e incentivadores
de sua maior potencialidade.
A síndrome de Marfan ainda não é bem conhecida tanto por
profissionais de saúde quanto por profissionais de educação, embora não seja
considerada uma Síndrome rara. Por este motivo sentimos a motivação de
realizar este estudo com a finalidade fazer reflexões sobre a possibilidade de
através da aplicação dos conceitos teóricos e técnicos da psicomotricidade
podermos encontrar formas de ajuda para estas crianças.
Neste contexto podemos presumir que a terapia psicomotora possa
contribuir pra uma otimização do desenvolvimento de crianças com
comprometimento do tipo que apresenta as crianças com Síndrome de Marfan.
Nossa hipótese é de que se desde cedo, na mais tenra idade essas
crianças puderem ter um acompanhamento psicomotor elas poderão ter sua
capacidade de equilíbrio, tonicidade, rapidez, eficiência e auto-estima
ampliados.
Desejamos também, através deste trabalho jogar um foco de atenção
para esta Síndrome, desconhecida pela maioria, que afeta muitas crianças.
Acreditamos que todo profissional de saúde e educação deveria ter um
conhecimento mais apurado desta e de outras doenças, pois em alguns casos
é na escola ou nos consultórios psicológicos ou médicos que elas são levadas
devido a sua aparência desengonçada, suas dificuldades de alfabetização, pela
baixa visão, por alguns episódios depressivos e dificuldades de adaptação
social.
CAPÍTULO I
CONCEITOS DE PSICOMOTRICIDADE
1.1- Definições e histórico
O termo Psicomotricidade implica na relação entre o desenvolvimento do
pensamento e da ação envolvendo a emoção e afetividade. É uma técnica que
tem por objetivo o estudo do homem através do seu corpo em movimento, nas
relações com seu mundo interno e externo.
A Psicomotricidade se ocupa do corpo em movimento; corpo este que; é
um dos instrumentos mais poderosos que o sujeito tem para expressar
conhecimentos, idéias, sentimentos e emoções e é ele que une o indivíduo
com o mundo que lhe dá as marcas necessárias para que se constitua como
sujeito.
Atuando na relação do homem com seu corpo, a Psicomotricidade,
considera tanto os aspectos psicomotores como os cognitivos e sócio-afetivos
que constituem o sujeito e por isso é uma ciência com grande importância no
desenvolvimento global do ser humano em todas suas fases.
Segundo Jean-Claude Coste, a história da Psicomotricidade é curta: O
termo apareceu no discurso médico no início do século XX com os trabalhos de
Dupré e de acordo com a concepção que o homem tem de seu corpo, sua
história ganha raízes nas origens da humanidade.
A história da Psicomotricidade nasce com a história do corpo, um longo
percurso marcado às vezes por cortes revolucionários e reformulações
decisivas que vieram culminar com nossas modernas concepções e permitem
compreende-las.
Dupré em 1905 estabeleceu a diferença entre motricidade e seu aspecto
negativo, a relaxação. A partir daí, aparecem os primeiros trabalhos que serão
pontos de partida para uma reflexão sobre o movimento corporal.
Em 1909, Dupré define a síndrome da debilidade motora, através das relações
entre corpo e inteligência, iniciando o estudo dos transtornos psicomotores,
patologias não relacionadas a nenhum indício neurológico estudadas pela
Psicomotricidade.
Charcot já encontra na função motora a base da patologia psiquiátrica,
mas foi Dupré quem definiu com rigor a debilidade motora, a instabilidade e
perturbações tais como os tiques, as sicinesias, as paratonias.
Além desse eixo neurológico, surge um outro ponto vista, mais especificamente
psicológico como tema da imagem do corpo, isto é, o esquema corporal.
Surgem investigações para tentar definir a realidade do fenômeno da
"consciência de si" que se manifesta como consciência do seu corpo e que
permite auto-repreensão em face dos outros.
Nessa época os psicólogos do comportamento, Hall e Skinner estudam as
reações do sujeito em face das solicitações do meio, assim se definindo os
conceitos de reflexo e de comportamento.
Surgem também os estudos dos psicopedagogos Claparède, Montessori
e Piaget sobre o desenvolvimento sensório-motor da criança. Nesse período
será determinante o trabalho de Henri Wallon que aprofundará as relações que
unem o tono e a emoção, onde ele mostra em particular que a toda emoção
estão vinculados, ao mesmo tempo, certo comportamento tônico, e procurou
formular as leis dessa inter-relação. A partir de Wallon, é criada uma técnica
terapêutica nova cujo objetivo era a reeducação das funções motoras
perturbadas.
Em 1925 Wallon relaciona a motricidade com a emoção ("diálogo tônico-
emocional"), e com essa teoria temos o fim do dualismo cartesiano que separa
o corpo do desenvolvimento intelectual e emocional do indivíduo.
Em 1948 Ajuriaguerra redefiniu o conceito de debilidade motora e delimitou
com clareza os transtornos psicomotores no seu Manual de Psiquiatria Infantil.
Para Ajuriaguerra, Psicomotricidade é a realização do pensamento,
através do motor preciso, econômico e harmonioso. O ato motor não pode ser
concebido como o funcionamento de sistemas neurológicos justapostos. Só
podemos compreender a ação quando considerarmos o ponto inicial, o
desenvolvimento e a finalidade que esta ação pretende alcançar.
Ajuriaguerra afirma ainda que o desenvolvimento motor passa
esquematicamente por diversas fases:
A primeira fase compreende a organização da constituição motora, a
organização tônica de fundo, a organização proprioceptiva e o
desaparecimento das reações primitivas.
A segunda fase é a da organização do plano motor, onde ocorre a
passagem da integração sucessiva para a integração simultânea. Há uma
evolução do plano metamérico para uma labilidade funcional, cujo
desenvolvimento traz em si mesmo os alicerces de sua construção, em relação
a uma maior plasticidade do funcionamento das formas anatômicas e em
relação a um plano gnóstico social descoberto e progressivamente acrescido.
A terceira fase é a da automatização do adquirido.
Durante todas essas fases o tônus e a mobilidade não estão nunca
isolados, sendo que a mobilidade se enriquece através dos condicionamentos
e das inibições próprias ou estranhas ao sistema. A mobilidade dependerá da
forma de maturação motora (aspecto neurológico) e da forma de
desenvolvimento dos sistemas de referências.
A sensoriomotricidade evolui juntamente com o desenvolvimento da
criança. A motricidade adquire de início uma reatividade global e a seguir, os
valores sucessivos de modos de contato e de expressão, de exploração e de
utilização.
É pela motricidade e pela visão que a criança descobre o mundo dos
objetos, mas essa descoberta só será verdadeira quando a criança tiver
adquirido a noção de distância entre ela e o objeto que manipula e quando este
não fizer mais parte de sua simples atividade corporal indiferenciada.
Deve-se conceber que as modificações tônicas e as atividades motoras
aparecem tanto como expressão, quanto como reação. É um equívoco olhar a
Psicomotricidade apenas sob o plano motor ("homem-motor"), pois isto nos
conduz a idéia de ser a motricidade apenas uma simples função instrumental e
dependente da mobilização de sistemas por uma força estranha a eles exterior
ou interior ao indivíduo, despersonalizando assim, a função motora.
Jean-Claude Coste nos diz que, a Psicomotricidade, por ter como objeto
de estudo o indivíduo humano e suas relações com o corpo, é uma ciência
onde se cruzam e se encontram vários pontos de vista de outros saberes
(psicologia, biologia, sociologia, linguística). Na prática a Psicomotricidade
supera a oposição: O homem é o seu corpo X O homem e seu corpo.
O homem é antes de tudo um ser falante e ao denominar-se ele fala do seu
corpo e em contrapartida seu corpo fala por ele, por vezes, até mesmo a sua
revelia.
A reeducação psicomotora tem por objetivo desenvolver esse aspecto
comunicativo do corpo, o que possibilita ao indivíduo o domínio de seu corpo e
economizar energia, pensar seus gestos para aumentar-lhes a eficácia, a
estética e aperfeiçoar seu equilíbrio.
Vitor da Fonseca ressalta a importância das obras de Wallon e Piaget
como fundamentação científica nos estudos da Psicomotricidade.
Wallon enfatiza a motricidade na emergência da consciência, bem como, as
interações entre as atitudes, os movimentos, a sensibilidade e a acomodação
perceptiva e mental no desenvolvimento da criança.
O caráter emotivo da relação tônico-emocional traduz uma simbiose
afetiva que é posterior à simbiose fisiológica existente na relação mãe-filho,
responsável pelos comportamentos de choro e sorriso e dos sinais de
contentamento que são os primeiros investimentos da relação afetiva entre a
criança e os que a cercam. Essa relação gera o processo de imitação. A
diferenciação do eu e do outro, é à base da afirmação verdadeira do Eu.
Para Wallon, a imitação do outro é a impregnação postural dos fatores
tônicos e corporais. Há em Wallon, uma nítida tendência a defender os
aspectos afetivos anteriores a qualquer tipo de outros comportamentos
ulteriores. Observa-se que Wallon construiu uma teoria sobre motricidade de
alto significado psicológico.
A imitação é uma forma de atividade que implica nas relações entre o
movimento e a representação. A criança esboça o movimento já em relação a
algo exterior a si própria; os movimentos deixam de responder imediatamente a
uma necessidade pulsional, para se ajustarem às situações exteriores. A
similitude gestual é fundamental na evolução psicológica da criança.
Primeiramente, a imitação passa por uma fase passiva e depois por uma fase
ativa, em qualquer delas, a incitação corresponde ao prelúdio da representação
psicológica.
A criança aproveita todas as oportunidades para por em movimento a
necessidade de realizar os seus próprios ritmos e, por intermédio destes, de se
por de acordo com o ambiente e de estender a sua sensibilidade subjetiva aos
objetos que a rodeiam.
A evolução da motricidade tem um fim cognitivo: a criança constrói o real
através da exteriorização cinética da sua unidade. Os limites do real deixam de
ser um bloco, eles são cada vez mais abertos e longínquos. O espaço não é
medido em metros, mas em dados da sua experiência; cada passo é uma
sensação da sua autonomia andante.
De acordo com Wallon, o movimento intervém no desenvolvimento
psíquico, na relação com o outro e também influencia o comportamento
habitual. É um fator importante do temperamento da pessoa humana. O
movimento é o veículo da consciencialização global. Ele leva à dissociação da
oposição entre a adaptação motora e a representação simbólica. O
movimento isolado não possui o significado de comportamento. A
determinação da conduta está em relação íntima com as estruturas possíveis
do indivíduo, e são estas que garantem a diferenciação progressiva das
condutas.
Segundo Wallon o movimento é o pensamento em ato, e o pensamento
é um movimento sem ato. O movimento (ação), pensamento e linguagem são
uma unidade inseparável.
O pensamento é a sede dos movimentos vividos e das atitudes adquiridas,
transformadas em função dos dados do real (espaço, tempo, etc.) numa
unidade dinâmica e dialética.
O movimento para Wallon não depende de circunstâncias espaciais nem de
capacidades motoras do indivíduo; ele traduz um simbolismo e refere-se ao
plano da representação e do conhecimento. Esta condição de movimento só
pertence ao homem e é uma das características principais que o diferenciam
do animal, ao mesmo tempo em que lhe produz uma brusca maturação de
atitudes de grande significado para o seu desenvolvimento psicológico.
Para Jean Piaget a motricidade interfere na inteligência, antes da
aquisição da linguagem. O movimento constrói um sistema de esquemas de
assimilação, e organiza o real a partir de estruturas espaço temporais e
causais. As percepções e os movimentos quando em relação com o meio
exterior, elaboram a função simbólica que gera a linguagem, e esta dá origem à
representação e ao pensamento. A coordenação dos sistemas
sensoriomotores se estabelece e se concretiza no movimento, que, de forma
cumulativa, dá lugar à atividade organizada como consequência da assimilação
dos estímulos exteriores.
Segundo Piaget, a realização do movimento leva à assimilação, que se
torna elemento de compreensão prática e ao mesmo tempo compreensão da
ação. A constante interação que o indivíduo estabelece com o mundo através
do movimento permite-lhe sucessivamente um controle e uma intencionalidade
progressiva, possibilitando os conhecimentos dos pormenores da ação.
A motricidade intervém em todos os níveis do desenvolvimento das funções
cognitivas, na percepção e nos esquemas sensoriomotores, substratos da
imagem mental, das representações pré-operatórias e das operações
propriamente ditas.
Para Piaget a inteligência é uma adaptação, ela é o resultado de uma
certa experimentação motora integrada e interiorizada que, como processo de
adaptação, é essencialmente movimento. O organismo humano se adapta,
constituindo materialmente formas novas, para depois inseri-las no seu
universo, na medida em que caberá à inteligência prolongar essa criação,
constituindo mentalmente estruturas suscetíveis de serem aplicadas ao meio.
Uma das estruturas de estabilização é a adaptação, como condição de
conservação e equilíbrio entre o organismo e o meio.
Piaget subdividiu o processo de adaptação em: ASSIMILAÇÃO -
constitui o funcionamento do organismo que, coordenando os dados do meio,
os incorpora; e a ACOMODAÇÃO - como resultado de pressões exercidas pelo
meio. Desta forma, a adaptação é um equilíbrio entre assimilação e
acomodação. A inteligência é assimilação na medida em que incorpora todos
os dados da experiência.
Notamos aqui a importância do movimento, pois é através dele que se
estrutura a inteligência sensória motora (prática), a qual, organizando os atos,
assimila os comportamentos motores das diversas situações oferecidas pelo
meio.
A adaptação motora e a adaptação intelectual são a confirmação de um
equilíbrio progressivo entre um processo assimilador e uma acomodação
complementar. Não há adaptação sem coerência, portanto sem a assimilação
que conduzirá a uma função de organização inseparável da unidade da
adaptação, constituindo o aspecto interior e exterior da totalidade funcional da
unidade de comportamento.
Piaget nos diz que "os dois aspectos do pensamento são indissociáveis:
é adaptando-se às coisas que o pensamento se organiza, e é organizando-se
que ele estrutura as coisas."
1.2 - CONCEITOS PSICOMOTORES
A Psicomotricidade, observando o indivíduo de uma forma global faz-se
necessária tanto para a prevenção e tratamento quanto para a exploração do
potencial ativo de cada um. A estimulação do desenvolvimento psicomotor é
fundamental para que haja consciência dos movimentos corporais integrados
com sua emoção e expressados por esses movimentos. Os conceitos
psicomotores se apresentam como Funcionais e Relacionais.
As condutas funcionais referem-se àquelas cuja ação, qualidade e
mensuração são possíveis de ser percebidas e que juntas formam a
integralização motora do ser humano num espaço e num tempo enquadrado.
Os conceitos funcionais são; Esquema corporal, Imagem corporal, Tônus,
Coordenação global, Coordenação fina, Organização espaço-temporal,
Lateralidade, e Equlíbrio.
As condutas relacionais permeiam as relações do corpo com seus
desejos, frustrações e ações. Essas condutas se desenvolvem por meio do
corpo que se expressa, que dialoga e se comunica com outros corpos, que
revela sua personalidade mais agressiva ou mais afetiva, que se entrelaça na
personalidade de outros, pelo movimento desse corpo e pela psicomotricidade.
São esses os conceitos relacionais: Expressão, Afetividade, Agressividade,
Comunicação, Corporeidade e Limite.
1.3- Conceitos Funcionais
1.3.1- Esquema Corporal:
É o saber pré-consciente a respeito do seu próprio corpo e de suas
partes, permitindo que o sujeito se relacione com espaços, objetos e pessoas
que o circundam. As informações proprioceptivas ou sinestésicas é que
constroem este saber acerca do corpo e á medida que o corpo cresce,
acontecem modificações e ajustes no esquema corporal A consciência do
corpo é alcançada pela percepção do mundo exterior, da mesma forma que a
consciência do mundo exterior acontece por meio do corpo. Segundo Wallon “o
esquema corporal não é um conceito inicial ou uma entidade biológica ou
física, mas o resultado e a condição da justa relação entre o indivíduo e o
próprio ambiente."
1.3.2- Imagem Corporal:
É a representação mental inconsciente que fazemos do nosso próprio
corpo. A imagem corporal refere-se aos sentimentos do indivíduo em relação à
estrutura de seu corpo. As relações entre o corpo e os objetos situados no
espaço ao seu redor dizem respeito aos conceitos direcionais do indivíduo e à
consciência de si próprios e do desempenho do que ele cria no espaço. A
imagem corporal antecede o esquema corporal; não existe esquema corporal
sem imagem corporal.
1.3.3-Tônus:
É a tensão fisiológica dos músculos que garante equilíbrio estático e
dinâmico, coordenação e postura em qualquer posição adotada pelo corpo,
estando parado ou em movimento. As alterações do tônus são a Hipotonia
onde há uma menor tonicidade, menor tensão gerando uma maior mobilidade e
flexibilidade, gerando uma redução do equilíbrio, da postura e da coordenação.
Segundo Costallat (1990), o Tônus é dividido em: muscular, afetivo e mental. O
tônus muscular refere-se ao movimento executado; o tônus afetivo refere-se ao
estado de espírito apresentado e o tônus mental à capacidade de atenção
naquele determinado momento da ação.
1.3.4- Coordenação Global:
São os movimentos amplos do nosso corpo que envolve grandes
grupamentos musculares, equilíbrio e postura, por exemplo: andar, correr,
saltar, rolar, trepar, nadar etc.
A coordenação global permite a possibilidade de contrair grupos
musculares indiferentes de uma forma independente, inibindo os movimentos
parasitas. De acordo com Alves (1981), para que essa coordenação ocorra, é
necessária uma perfeita harmonia de grupos musculares colocados em
movimento ou em repouso. Sua função é permitir, da forma mais eficaz e
econômica possível, movimentos que interessam a vários segmentos
corporais, implicados em um gesto ou atitude.
1.3.5- Coordenação Fina:
É a capacidade de realizar movimentos coordenados utilizando
pequenos grupos musculares das extremidades, há um controle muscular para
exercícios refinados tais como: escrever, recortar, encaixar, costurar, digitar
etc.
A coordenação fina envolve a coordenação viso-motora ou
oculomotoral; a coordenação viso-manual ou oculomanual e a coordenação
musculofacial. A viso-motora é a capacidade de coordenar os movimentos em
relação ao alvo visual. A viso-manual é a coordenação entre a visão e o tato,
ela inicia as atividades para o desenvolvimento da coordenação para a escrita.
A musculofacial refere-se aos movimentos refinados da face e é fundamental
na aquisição da fala, mastigação e deglutição. A expressão fisionômica
configura-se como um grande instrumento de ação na relação com o outro,
pois, saber falar através do olhar e da expressão revela mais que o simples
falar.
1.3.6- Organização Espaço- Temporal:
É a capacidade de orientar-se adequadamente no tempo e no espaço e
para isso é necessário ter a noção dos conceitos: perto/longe, em
cima/embaixo, dentro/fora, antes/depois e etc. A organização espacial é a
tomada de consciência da situação das coisas entre si. É a possibilidade para a
pessoa, de organizar-se perante o mundo que a cerca, de organizar as coisas
entre si, de colocá-las em um lugar, de movimentá-las. Toda percepção que
temos do mundo, é uma percepção espacial na qual o corpo é o termo de
referência. A organização temporal é a capacidade de situar-se em função da
sucessão dos acontecimentos (antes, durante, após); da duração dos
intervalos (hora, minuto, andar, correr, parar); da renovação cíclica de certos
períodos (dias da semana, meses, estações); do caráter irreversível do tempo
(noção de envelhecimento das plantas e pessoas). As noções de tempo são
muito abstratas e por vezes muito difíceis de serem adquiridas pelas crianças.
Segundo Piaget “o espaço é um instantâneo tomado sobre o curso do
tempo e o tempo é o espaço em movimento (...) o tempo é a coordenação dos
movimentos: quer se trate dos deslocamentos físicos ou movimentos no
espaço, quer se trate destes movimentos internos que são as ações
simplesmente esboçadas, antecipadas ou reconstruídas pela memória, mas
cujo desfecho e objetivo final é também espacial".
1.3.7- Lateralidade:
É a capacidade motora de percepção integrada dos dois lados do corpo:
direito e esquerdo. A predominância de um dos dois lados do corpo se faz em
função do hemisfério cerebral. As atividades motoras são controladas por um
dos hemisférios cerebrais, considerado dominante. Os termos lateralidade e
dominância cerebral se aplicam, geralmente para designar as condições de:
Destro / Canhoto ou Sinistro / Ambidestro.
O indivíduo destro apresenta um predomínio claro do lado direito na
utilização dos membros e órgãos; o indivíduo canhoto apresenta a
predominância do lado esquerdo e o indivíduo ambidestro é tão hábil do lado
direito quanto do esquerdo. Existem também indivíduos com lateralidade
cruzada, ou seja, destro da mão e canhoto do pé.
1.3.8- Equilíbrio:
É a capacidade de manter-se sobre uma base reduzida de sustentação
do corpo utilizando uma combinação adequada de ações musculares, parado
ou em movimento. O equilíbrio é à base de toda a coordenação dinâmica
global. O equilíbrio pode ser estático ou dinâmico, o primeiro apresenta mais
dificuldade, sendo mais abstrato e exigindo muita concentração, seu domínio
implica no controle da postura. O equilíbrio dinâmico esta relacionado com as
funções tônico-motoras, com os membros e os órgãos, tanto os sensoriais
como os motores.
CAPÍTULO II
Síndrome de Marfan
2.1- Conceituações Teóricas sobre a Síndrome de Marfan
Em 1896, o pediatra francês Antoine Bernard Marfan (1896) descreveu o
caso de uma menina de seis anos que apresentava dedos longos, magros e
membros que ele denominou de dolicostenomelia. Apresentava também
múltiplas contraturas articulares e desenvolveu escoliose.
Vários anos depois, Achard (1902) descreveu um paciente que tivera
hiperflexibilidade das mãos, como também hipogonadismo e dolicostenomelia;
esta condição foi chamada aracnodactilia.
Weve (1931) percebeu a natureza hereditária desta condição e o
envolvimento primário de tecido derivado do mesoderma embrionário, que
também associou o nome de Marfan com o fenótipo pela primeira vez
chamando-o síndrome distrofia mesodermalis congênito, tipo Marfanis.
Beals e Hecht (1971) descreveram a síndrome da aracnodactilia
contractural congênita e propuseram que esta fosse à condição que havia
afetado o paciente original de Marfan.
Há mais de meio século atrás, levantou-se a hipótese de que a síndrome
de Marfan era o resultado de uma desordem generalizada do mesênquima. Era
considerada como um conjunto de condições que faziam parte da doença
classificada como desordem hereditária do tecido conjuntivo.
Considerável progresso vem sendo alcançado nos últimos anos na
tentativa de definir os defeitos básicos da doença em termos de gene e seus
produtos.
Através de análises com marcadores polimórficos do genoma humano,
em 1990, Peltonen e colegas mapearam defeitos genéticos no cromossomo 15,
diversos estudos acabaram por confirmar e pesquisas demonstraram amostras
imunohistoquímicas anormais na pele e em culturas de fibroblastos de
pacientes com síndrome de Marfan. Análises de Milewicz et al. demonstraram
amostras anormais de síntese, secreção e formação de matriz extracelular da
fibrilina-1 na vasta maioria das culturas de fibroblastos provenientes de
pacientes com síndrome de Marfan.
Portanto, a Síndrome de Marfan é um distúrbio geneticamente
determinado, herdado em caráter autossômico dominante, acometendo o
tecido conjuntivo devido a mutações no gene da fibrilina 1. A fibrilina 1 é a
substância que forma tecidos de sobrecarga. Cerca de 25% a 35% dos casos
ocorrem devido a mutações novas, ou seja, como primeira ocorrência na
família. O diagnóstico é estabelecido baseado em características clínicas, já
que exames genéticos são caros e raros.
A síndrome de Marfan pode afetar todos os sistemas do corpo humano, não
havendo até o momento nenhum tratamento curativo. Nesse sentido, a conduta
enfoca a prevenção de complicações e tratamento sintomático.
Como se trata de uma mutação gênica com padrão de herança autossômico
dominante a probabilidade para filhos com a Síndrome de Marfan é de 50% (o
risco de recorrência é de 50% para cada gestação).
Na mulher a Síndrome de Marfan merece atenção específica na gravidez,
embora a maioria não apresente complicações, pois pode haver maior risco de
problemas na artéria aorta, como uma ruptura, devido às alterações hormonais
e a uma maior exigência do funcionamento cardiorrespiratório.
O diagnóstico diferencial é feito através de dois exames especializados:
exame ocular com lâmpada de fenda, para detectar ectopia do cristalino e
ecocardiografia, para ver se estão presentes prolapso da válvula mitral e
dilatação da raiz da aorta.
Aspectos clínicos evidentes na Síndrome de Marfan também contribuem para
um diagnostico precoce.
A pessoa com Síndrome de Marfan apresenta estatura elevada com
membros longos e finos, hipotonia muscular, estrias em região de deltóide
peitoral. Anormalidades esqueléticas presentes na região de cabeça e pescoço
incluem crânio longo e estreito (dolicocefalia), retrognatismo mandibular e
mandíbula hipoplásica (Braverman, 1998) e apinhamento dental. São
observados também bossas e processos supra orbitais proeminentes, bem
como hipertelorismo (aumento anormal da distância interorbitária devido ao
desenvolvimento excessivo das asas menores do esfenóide).
Apresentam também, aracnodactilia (dedos longos e finos), pés planos,
frouxidão articular com escoliose e cifose, pectus escavatum ou carinatum
(deformidades decorrentes do crescimento anormal da parede do tórax), fácies
alongada com palato estreito, fenda palatina e hemivértebras.
A dolicoesternomegalia (comprimento excessivo dos ossos dos
membros) e a aracnodactilia são sinais característicos da síndrome de Marfan.
Dedos e joelhos, bem como outras articulações do corpo, geralmente
apresentam-se hiperextensíveis devido à presença de ligamentos flácidos.
A cifose é um aumento exagerado na curvatura torácica, a pessoa
cifótica, em linguagem popular, é conhecida como corcunda. Quando ocorre
uma inversão na direção das curvaturas lombar e cervical estas deformidades
são conhecidas como cifose cervical e cifose lombar.
A escoliose é a deformidade em que existe uma ou mais curvaturas
laterais da coluna. Pode ser funcional (ou fisiológica) e estrutural (ou
patológica). No caso do Marfan ela é patológica, aparece na infância e é
progressiva. A causa é o crescimento desigual das vértebras, como a presença
de vértebras em cunha ou hemivértebras.
A Subluxação de cristalino (geralmente para cima), miopia, descolamento de
retina, catarata, glaucoma estrabismo e coloboma de íris são características da
Marfan. No globo ocular podem estar presentes ectopia lentis (deslocamento
da córnea), miopia acentuada e deslocamento de retina, devido a um
alongamento do globo ocular. E esses são problemas sérios que podem
diminuir a acuidade visual do paciente, desde a sua infância.
Subluxação do cristalino é a ruptura incompleta da zônula com o
cristalino deslocado permanecendo atrás da pupila. No deslocamento, ou
ruptura completa, o cristalino é deslocado para frente dentro da câmara anterior
ou para trás dentro do corpo vítreo.
O colobomas da íris pode aparecer como buracos negros, redondos,
localizados nas adjacências da íris (porção colorida dos olhos). Pode aparecer
como uma divisão de profundidade variável na borda da pupila, dando à pupila
um formato irregular. Pode também aparecer como uma divisão na íris desde a
pupila até a sua borda. Uma coloboma pequena, especialmente se não estiver
anexa à pupila, pode produzir uma imagem secundária ao foco, na parte
posterior do olho, causando algum grau de visão embaçada ou diminuição da
acuidade visual.
Como podemos perceber são manifestações clinicas sérias e muito
comprometedoras da visão do paciente desde a mais tenra infância.
Podemos também mapear manifestações no sistema estomatognático
(aparelho de mastigação) que incluem flacidez dos ligamentos e da cápsula da
articulação temporomandibular, que podem levar a problemas sérios de
disfunção nessa articulação (Crosher; Holmes, 1996). Fenda palatina e úvula
bífida podem ser também detectadas (Crosher; Holmes, 1996).
Encontramos também, hérnia diafragmática, malformação pulmonar
contribuindo para pneumotórax espontâneo e apnéia do sono.
No sistema cardiovascular, aneurisma, dissecção da aorta ascendente,
regurgitação aórtica secundaria, prolapso da válvula mitral e disritmia
ventricular são os achados clínicos mais comuns.
Ao lado das limitações ortopédicas e oculares, as alterações na aorta
acrescentam preocupação para os pacientes com síndrome de Marfan na
prática de exercícios físicos competitivos. Chega a ser desaconselhada para
todos os pacientes com Síndrome de Marfan.
Os problemas cardiovasculares estão presentes na maioria dos
pacientes, porem, podem não aparecer em todos. A lesão da aorta pode
apresentar seus primeiros sinais com a dilatação da raiz da aorta e do seu
anel, no local de origem da artéria no coração, levando à insuficiência aórtica
progressiva. Estas alterações favorecem a dilatação das cavidades cardíacas
esquerdas, cuja estrutura interna que dá sustentação ao músculo cardíaco é
também afetada.
A válvula mitral (estrutura que separa as duas câmaras cardíacas
esquerdas) apresenta seus componentes de aspecto alongado e redundante,
podendo haver calcificação com endurecimento do anel valvar. No
comprometimento mitral as mulheres são mais freqüentemente afetadas que os
homens. Tanto a aorta quanto a válvula mitral, são estruturas que possuem
uma grande quantidade de fibrilina, proteína defeituosa na síndrome de Marfan.
Por isto a grande incidência de problemas sérios cardiovasculares.
Existem relatos de hérnias inguinais ou femorais, meningomielocele,
rotação incompleta do cólon e até mesmo a possibilidade de comprometimento
neuropsicológico com incapacidade de aprendizado, distúrbio de atenção,
inteligência normal e esquizofrenia.
Claro que é bom lembrar sempre ao longo deste trabalho que nem todos
os pacientes com Síndrome de Marfan possuem todos os sintomas aqui
listados.
2.2- O tratamento médico para a síndrome de Marfan
O tratamento requer uma participação coordenada de um grupo
multidisciplinar de especialistas, incluindo geneticista, oftalmologista,
ortopedista, cirurgião cardiovascular e ortodontista. Percebe-se que em
nenhum manual médico está prevista a participação de um psicólogo ou de
atendimento psicoterápico para essas crianças.
Esta participação multidisciplinar não contempla a parte emocional e
social da criança com Síndrome de Marfan, está apenas contemplando a parte
fisiológica e estrutural.
A avaliação precoce do oftalmologista com conhecimento da síndrome é
essencial para prevenir as manifestações oculares. Miopia precoce e severa e
deslocamento do cristalino são recorrentes na síndrome.
Os problemas oculares comuns podem ser controlados com o uso de
óculos, já o deslocamento de retina, a subluxação do cristalino e a catarata e
outras mais graves, requerem tratamento cirúrgico.
Com os progressos na cirurgia ocular as intervenções oftalmológicas são
consideradas seguras, porém nem todas as intervenções conseguem ser
curativas, uma vez que é um olho frágil e delicado sob o ponto de vista
oftalmológico.
A intervenção odontológica além do tratamento preventivo, curativo e a
terapia ortodôntica, devem estar atentas para o risco de endocardite
bacteriana. A profilaxia antibiótica é necessária sempre que houver uma
intervenção cirúrgica, pois além das possíveis infecções há também uma
tendência ao sangramento intenso.
A proporção de pacientes com Síndrome de Marfan indicados para
ortodontistas é muitas vezes maior do que se espera em uma população.
Muitos indivíduos com Síndrome de Marfan ainda não diagnosticada acabam
sendo examinados ortodonticamente e tratados devido à presença marcante da
má oclusão sem que o dentista tenha conhecimento da síndrome.
Segundo Westling et al. (1998) e Pirinen (1998), de acordo com as
características craniofaciais peculiares que a Síndrome de Marfan apresenta, o
ortodontista tem a obrigação de suspeitar e pesquisar a existência de alguma
disfunção do tecido conjuntivo para se fechar através de diagnósticos
moleculares o fenótipo em Síndrome de Marfan e desta forma proporcionar ao
pacientes condutas terapêuticas adequadas à sua reabilitação.
O crescimento rápido das crianças com Síndrome de Marfan devido ao
crescimento ósseo e afrouxamento ligamentar levam a um desajustamento
corporal total, gerando por sua vez problemas no esquema corporal e
equilíbrio. Muitas dessas crianças sofrem com dores nas juntas devido às
limitações músculo-esquelético. Cabe então, ao ortopedista realizar exames
físicos, radiológicos e laboratoriais, com a finalidade de estabelecer
procedimentos e fisioterapias adequadas.
O objetivo do tratamento é aumentar a funcionalidade com um
fortalecimento muscular sem causar desequilíbrio, proporcionando estabilidade
e aliviando a dor. Sempre almejando a funcionalidade e o bem estar da criança.
Alguns exercícios isométricos podem ser úteis para manter o tônus
muscular, mas devem ser feitos dentro das limitações da dor e da fadiga.
Exercícios projetados para desenvolver força e massa muscular devem ser
estruturados cuidadosamente de modo a não causar desequilíbrio na
funcionalidade.
Poucas medidas podem ser tomadas para modificar o crescimento
exagerado nas crianças com Síndrome de Marfan, porem, nas meninas o
crescimento pode ser controlado na puberdade, por meio de administração de
estrogênio e progesterona. Com isto pretende-se reduzir a altura delas na fase
adulta.
Deformidades anatômicas e fisiológicas, graves ou não, que as crianças
com síndrome de Marfan possuem são fatores que podem provocar, quando
não assistido por psicólogo, baixa auto-estima, inibição, sentimentos de menos
valia e tendência ao isolamento. Por ser uma doença peculiar, atingindo
precocemente o indivíduo, a síndrome pode provocar danos na área afetivo-
relacional em cada etapa do desenvolvimento.
Como podemos perceber, com todas estas possíveis limitações, na
infância, a criança com síndrome de Marfan pode se vir impedida de ter acesso
a muitas formas de brincadeiras e exercícios, reduzindo assim sua capacidade
de expressão e estruturação da personalidade adquiridas com estas atividades.
Sem contar as limitações visuais e cardiorrespiratórias que podem estar
presentes também.
No caso da criança apresentar problemas cardiorrespiratórios, este
quadro se agrava, pois podem vir a óbito se algumas intervenções cirúrgicas
não forem realizadas. Estas crianças se vêem privadas de uma vida livre, com
atividades físicas limitadas e socialmente comprometidas.
Na puberdade e adolescência, alem de ter os conflitos naturais desta
idade de transformação ainda tem que se confrontar com as suas
singularidades de crescimento e aparência externa. Muitos adolescentes nesta
fase já estão ensimesmados, introspectivos e fora do convívio social.
Na fase adulta tem que se deparar com os limites de uma sociedade
moldada na aparência, em preocupações com planejamento familiar e até em
renunciar a maternidade. Relacionamentos afetivo-sexuais podem estar
abalados e até banidos da vivencia destas pessoas pela baixa auto-estima
impetrada por toda sorte de dificuldades encontrada durante seu
desenvolvimento social e emocional.
2.3- Protocolo médico para pacientes com síndrome de Marfan
Através de pesquisas em manuais médicos, percebemos que existem
alguns protocolos clínicos a serem seguidos diante de determinadas doenças.
No caso de possíveis sintomas e disfuncionalidades que por ventura a paciente
pode vir a apresentar. Esses protocolos sugerem avaliações, exames, enfim
rotinas a serem seguidas.
Com este detalhamento queremos demonstrar a especificidade dos
problemas médicos e limites que esta criança com Síndrome de Marfan pode
ter. No capitulo seguinte trataremos especificamente de como ajudar essas
crianças durante seu desenvolvimento.
Uma vez diagnosticado com a síndrome o paciente deve se submeter a:
• Avaliação cardiológica - através de um Eco cardiograma, e se encontrada
uma cardiopatia congênita, o mesmo será encaminhado a um cardio-pediatra
para acompanhamento e tratamento.
• Avaliação Oftalmológica- muito importante para o caso de perda ou
diminuição da visão, o que pode atrapalhar no desenvolvimento escolar e
motor da criança.
• Avaliação de hérnias inguinais – encaminhamento ao cirurgião pediátrico
• Acompanhamento do desenvolvimento motor (pela hiperextensibilidade
articular e pés planos)
• Avaliação Genética para aconselhamento familiar.
Anualmente entre 1 e 8 anos, a criança deve ser avaliada por
oftalmologistas, cardiologistas, odontólogos e ortopedistas:
• Avaliação Oftalmológica (caso haja alteração seguir orientação do
oftalmologista).
• Avaliação cardiológica.
• Avaliação odontológica (má oclusão dentária).
• Avaliação ortopédica (pés planos, alterações articulares).
Anualmente após os 8 anos deve fazer sempre as avaliações anteriores e
evitar esportes de alto impacto e/ou colisão devido as suas condições
oftalmológicas e músculo esqueléticas. Mesmo no caso de não possuir
nenhuma cardiopatia.
A partir dos 12 anos ou ao longo da adolescência, deveria agendar consulta
com geneticista clínico.
• Aconselhamento Genético e orientações quanto aos riscos de transmissão da
condição para a prole e da gestação em pacientes com Síndrome de Marfan.
A base do tratamento dos pacientes portadores dessa doença é
preconizada como sendo um manejo clínico multidisciplinar. Entendemos, no
entanto, que, a multidisciplinaridade também não foi encontrada por completo
nestes protocolos, uma vez que neles também são ignorados os aspectos
psicológicos do paciente.
No futuro, esperamos que não muito distante, a Terapia Gênica parece
uma opção extremamente promissora.
É fundamental que o médico busque sempre a maior integração possível
com o paciente e seus familiares, já que essa é uma patologia com um
importante impacto físico, social e emocional. Porem, não é incluído atividades
psicomotoras, psicoterapia, enfim um trabalho realmente biopsicossocial.
Acreditamos que sem o acompanhamento psíquico, afetivo, social e
emocional deste paciente, estaremos tratando somente a Síndrome e não a
pessoa como um todo.
Entre pessoas famosas, acredita-se que tinham a síndrome Júlio César,
Charles de Gaulle, Sergei Rachmaninoff, Maria I da Escócia, Abraham Lincoln,
o violinista Niccolò Paganini e possivelmente Charles Maurice de Talleyrand.
Um livro recente sugere que o faraó egípcio Amen-hotep IV (Akhenaton) pode
ter tido esta condição. O astro do vôlei Flo Hyman, conhecido por ter Marfan, e
o compositor de musicais Jonathan Larson, que se acredita que também tinha
a Síndrome, morreram de dissecção de aorta.
CAPÍTULO III
A Psicomotricidade aplicada na criança com Síndrome de
Marfan
3.1- Aspectos psicológicos e neurológicos do desenvolvimento
da criança
Como podemos observar, no capítulo anterior, a criança com Síndrome
de Marfan requer muitos cuidados médicos, orientações e intervenções.
Porém, estas intervenções mesmo que dadas desde o início do
desenvolvimento da criança, não são capazes de dar conta do processo de
desenvolvimento afetivo, emocional e social. Na questão da
biopsicossocialização desta criança, até agora ficou faltando os aspectos
sociais e emocionais, apenas os biológicos foram contemplados.
“a psicomotricidade é a educação do movimento com atuação sobre o
intelecto, numa relação entre pensamento e ação, englobando funções
neurofisiológicas e psíquicas”. Além disso, possui uma dupla finalidade:
“assegurar o desenvolvimento funcional, tendo em conta as possibilidades da
criança, e ajudar sua afetividade a se expandir e equilibrar-se, através do
intercâmbio com o ambiente humano”.
Assunção & Coelho (1997, p 108)
Freud (1950) afirma, sob o ponto de vista psicológico, que o ego é
primeiro e basicamente um ego corporal. À medida que ele vai se
desenvolvendo, no entanto, passa a ser antitético ao corpo_ isto é, estabelece
valores que se encontram aparentemente em oposição ao corpo.
Ainda segundo Freud, a nível corporal todo individuo é um animal, auto-
centrado e orientado para o prazer e a satisfação de suas necessidades. Em
nível de ego, por outro lado, o ser humano é um ser racional e criativo, uma
criatura social cujas atividades são executadas buscando a aquisição de poder
e a transformação do meio ambiente. Normalmente, o ego e o corpo formam
uma dupla que trabalha em conjunto.
O ego cresce através da percepção e da integração da sensação
corporal de um lado, e da expressão do sentimento de outro. Se a criança tiver
a expressão do seu sentimento inibida ou for levada a envergonhar-se de suas
sensações corporais, o seu ego permanecerá imaturo. O ego é um fenômeno
de superfície tanto física quanto psíquica. O sistema perceptivo consciente esta
localizado na superfície do córtex cerebral.
O id, por outro lado, está relacionado a processos que ocorrem em
níveis de maior profundidade, que se situam abaixo do córtex cerebral: no
centro branco medular do cérebro, no mesencéfalo e no diencéfalo.
O superego nasce do encontro com o meio em que se vive, e ele é um
censor inconsciente de nossos atos. As ações impostas pelo superego são
inconscientes e nada tem a ver com a realidade, e o mecanismo pelo qual ele
exerce seu controle sobre as ações é também muscular, não apenas psíquico.
Levando-se em conta os aspectos neurológicos, muito provavelmente
há, no córtex cerebral, um local responsável pela tomada de consciência das
emoções que sentimos e, simultaneamente com a consciência dessas
emoções, nosso organismo manifesta alterações orgânicas compatíveis. São
respostas do sistema nervoso autônomo (SNA) ou vegetativo, por isso,
chamadas de respostas autonômicas.
Para a ocorrência dessas respostas autonômicas (do SNA), sejam elas
endócrinas vegetativas (palpitação, sudorese, etc.) ou motoras, há necessidade
de um comando neurológico. Para tal, quem entra em ação são as porções
subcorticais (abaixo do córtex) do sistema nervoso, tais como a amígdala, o
hipotálamo e o tronco cerebral. Essas respostas são importantes, pois
preparam o organismo para a ação necessária e comunicam nossos estados
emocionais ao ambiente e às outras pessoas.
Em meados do Século XX, os neurofisiologistas Walter Cannon e Philip
Bard formularam teorias sobre a importância das estruturas subcorticais na
mediação entre as emoções e o resto do organismo.
Cannon e Bard propuseram a idéia, até hoje aceita, da dupla função das
estruturas subcorticais hipotálamo e tálamo; eram eles quem forneciam os
comandos orgânicos das respostas emocionais e, mais que isso, forneciam ao
córtex as informações necessárias para a consciência dessas emoções.
Sabe-se hoje que as áreas relacionadas com os processos emocionais
ocupam distintos territórios do cérebro, destacando-se entre elas o hipotálamo,
a área pré-frontal e o sistema límbico.
Emoções e sentimentos, como ira, pavor, paixão, amor, ódio, alegria e tristeza,
são criações mamíferas, originadas no sistema límbico. Este sistema límbico é
também responsável por alguns aspectos da identidade pessoal e por
importantes funções ligadas à memória. A parte do sistema límbico relacionada
às emoções e seus estereótipos comportamentais denomina-se circuito de
Papez.
O lobo frontal é um lugar onde se concentra ali enorme variedade de
importantes funções, incluindo o controle de movimentos e de comportamentos
necessários à vida social, como a compreensão dos padrões éticos e morais e
a capacidade de prever as consequências de uma atitude.
O córtex pré-frontal, considerado uma formação recente na evolução das
espécies é a sede da personalidade e da vida intelectiva, modula a energia
límbica e tem a possibilidade de criar comportamentos adaptativos adequados
ao tomar consciência das emoções.
Na ausência desta parte do córtex, as emoções ficam fora de controle, são
exageradas e persistem após cessar o estímulo que as provocou, até que se
esgote a energia nervosa. Por outro lado, o sistema límbico através do
hipotálamo, pode exercer um efeito supressor ou inibidor sobre o neocórtex,
inibindo momentaneamente a cognição e até o tônus muscular tônico, como se
observa nas fortes excitações emocionais.
Portanto, se o desenvolvimento de uma criança está relacionado aos
aspectos emocionais, neurológicos, psíquicos, sociais e familiares, e é neste
campo relacional que interage e se forma. Ainda que geneticamente seu
desenvolvimento esteja comprometido com limites estruturais e físicos devido a
Síndrome de Marfan, os outros aspectos podem e devem ser trabalhados para
que esta criança tenha o máximo de suas potencialidades alcançadas.
No desenvolvimento da criança a nível psicológico, considerando que
cada criança é diferente, e que não existem duas situações familiares idênticas,
o papel social imposto torna-se o modo de existência particular e único da
pessoa desesperada por agradar.
A criança, no decorrer de sua adaptação forma identificações com seus
pais, que moldam a sua personalidade. Uma identificação inconsciente não
permite alternativa de resposta. As crianças costumam imitar por natureza,
como diz Wallon, e elas se basearão espontaneamente no comportamento e
atitudes dos pais. A imitação descreve um processo natural, ao passo que a
identificação refere-se a um fenômeno patológico. A criança que imita amplia a
sua personalidade aprendendo através do seu ato de copiar. A criança que se
identifica, torna mais limitada a sua personalidade, restringindo as suas
respostas possíveis.
Sabemos então que as atividades motoras existem no ser humano
desde antes de seu nascimento, e nesses movimentos ele vai formando sua
auto-imagem vai se diferenciando da mãe, vai se descobrindo e interagindo
com o meio que o cerca. Seu cérebro e todas as estruturas neuronais estão
trabalhando na construção de um intelecto e da aprendizagem, e o movimento
é uma das matrizes desta construção. Enquanto explora o mundo que a rodeia
com todos os órgãos dos sentidos, ela percebe também os meios como quais
fará grande parte dos seus contatos sociais.
O senso de identidade provem de uma sensação de contato com o
corpo. Para saber quem ele é, o individuo precisa ter consciência daquilo que
sente, de sua expressão, de sua postura e a forma com que se movimenta.
A imagem possui um poder a nível social e pessoal, e são utilizadas
criando parâmetros de metas a serem seguidas. Uma criança desde a mais
tenra idade já tenta corresponder às imagens de sucesso, popularidade,
encanto sexual, sofisticação intelectual e cultural, que enxerga em sua família.
Muitas vezes ela é aquilo que se espera dela. A imagem é uma concepção
mental que, superposta ao ser físico, reduz a existência corporal a um papel
secundário. O corpo se transforma num instrumento da vontade a serviço da
imagem.
Ao enfatizar o papel da imagem, ficamos cegos a realidade da vida corporal e
de seus sentimentos. É o corpo que se funde em amor, que se arrepia de
medo, que treme de raiva, que procura calor e contato. Portanto, é no corpo
que a identidade possui substancia e estrutura, no mais ela é abstração.
O conflito entre o ego e o corpo pode ser leve ou grave: o ego neurótico
é aquele que domina o corpo, o ego esquizóide o nega, ao passo que o ego
esquizofrênico se dissocia dele. O conflito entre ego e o corpo gera uma cisão
na personalidade que afeta todos os aspectos da existência e do
comportamento do individuo.
3.2- Benefícios da Terapia Psicomotora para a criança com
Síndrome de Marfan
Podemos refletir sobre as dificuldades enfrentadas pelas crianças com
Síndrome de Marfan ao longo de seu desenvolvimento. Ela nasce em um
mundo cercado de valores estéticos de perfeição, de sucesso, de beleza e de
competitividade, suas limitações físicas já se expressam cedo e algumas de
modo a tornar suas habilidades comprometidas.
A Terapia Psicomotora precisa estar atenta ao desenvolvimento
psicomotor desta criança com especial enfoque na formação do esquema
corporal, imagem corporal e equilíbrio. Uma vez que a Síndrome de Marfan traz
comprometimentos de crescimento exagerado dos membros superiores e
inferiores, causa problemas na acuidade visual, e torna as articulações
propensas a luxações devido à falta de fibrilina.
O método de trabalho e os exercícios propostos precisam levar em conta
que a imagem física desarmoniosa, as dificuldades oculares e a relação
preconceituosa do meio social, podem acabar criando um problema grave no
desenvolvimento motor desta criança, assim como um descompasso mental e
emocional.
As dificuldades enfrentadas pela falta de equilíbrio e o processo de
adaptação ainda por ser realizado podem tornar para essas crianças tarefas
corriqueiras do dia a dia, muito difíceis de serem realizadas.
Portanto, o Trabalho de Terapia Psicomotora deve estar voltado para
ampliar suas possibilidades físicas e motoras, assim como sua interação com o
meio ambiente familiar, escolar e social.
A criança com “deficiência” seja de que tipo for que não é devidamente e
precocemente estimulada, não vivenciará todas as experiências necessárias ao
seu pleno crescimento. A estruturação de seu esquema corporal será deficiente
gerando outras defasagens, que repercutirão em sua imagem corporal, e em
sua adaptabilidade ao meio social.
I Qualquer criança, mesmo que não possua nenhum déficit, necessita da
estimulação precoce como um combustível do cérebro, do corpo e da emoção.
A criança com Síndrome de Marfan, já nasce diferente, o que traz um
componente emocional de culpa e medo a seus pais. Ninguém escolhe ter um
filho com limitações. A aceitação deste diagnóstico pode ser difícil ou não,
dependendo de família para família. Assim como o modo de lidar com esses
limites vão variar de acordo com as neuroses ou não desses pais.
Com um diagnóstico precoce, e uma estratégia de tratamento
interdisciplinar, como é dado hoje em dia para as crianças com Síndrome de
Down, a criança com Marfan pode vivenciar seu desenvolvimento sem
preconceitos, com ações afirmativas de sua singularidade, com uma educação
inclusiva e ampla.
Os três fatores que marcam a qualidade do movimento se integram
primeiro na precisão com que é realizado, depois na rapidez e mais tarde na
força muscular. Em uma criança com Marfan, a precisão pode estar
prejudicada em função de sua visão, de seu esquema corporal desequilibrado,
de suas dificuldades cardiorrespiratórias, enfim, é necessário todo um trabalho
voltado para a coordenação viso-motora ordenado de acordo com as etapas do
desenvolvimento da coordenação dinâmica manual, que obviamente irá
também integrar a coordenação geral.
As atividades desenvolvidas em grupo também favorecem a integração e
a socialização das crianças, portanto, propicia o desenvolvimento tanto
psíquico como motor. Os movimentos, as expressões, os gestos corporais,
bem como suas possibilidades de utilização (danças, jogos, esportes...),
recebem um destaque especial em nosso desenvolvimento fisiológico e
psicológico.
Com base neste contexto, percebemos a importância das atividades motoras
na educação, pois elas contribuem para o desenvolvimento global das
crianças.
Entretanto, as crianças passam por fases diferentes uma das outras e
cada fase exige atividades propicias para cada determinada faixa etária.
A evolução do esquema corporal segundo Piaget, Mira y Lopes e
Wallon, é de suma importância para o desenvolvimento harmônico do ser
humano.
Os exercícios de psicomotricidade estabelecem uma melhoria no
desenvolvimento global do individuo, integrando seus aspectos físicos, mentais
e emocionais, assim como propiciando uma adaptação social na justa medida
em que ele consegue adquirir possibilidades de operacionalidade.
Vitor da Fonseca e Mendes (1987) colocam que os movimentos são
extremamente importantes para o desenvolvimento do Sistema Nervoso, uma
vez que a função dos gestos e dos movimentos é também mielinizar as fibras
nervosas deste cérebro em desenvolvimento.
Fibras nervosas são neurônios, que intercambiam estímulos e informações
através das sinapses. A velocidade deste processo é favorecida pela bainha de
mielina, que é um revestimento da célula neural. Portanto o movimento é de
fundamental importância para uma mielinização capaz de transmitir com uma
qualidade superior as informações necessárias ao pleno desenvolvimento
mental.
Um movimento realizado com precisão, sem desperdício de energia de
forma adequada e segura, gera sensação de bem estar e segurança emocional
e como vimos anteriormente, mente e corpo são um só, logo a harmonia gerará
um desenvolvimento mais pleno.
As atividades propostas em psicomotricidade deverão ter um nível
crescente, do mais fácil para o mais complexo, é, portanto a própria criança
que dirá até onde ela pode ir, e se quer experimentar ir além. Desta forma sua
auto-estima está sendo reforçada, e não destruída por metas impossíveis de
serem alcançadas. A segurança emocional deve ser sempre contemplada, já
que esta criança certamente tem um grau de baixa auto-estima, mesmo que
pouco.
Os exercícios não podem de forma alguma ser usados como objetos de
exclusão, eles precisam ser, portanto individualizados para cada criança. Não
se trata a doença e sim a pessoa como um todo.
Sabemos que até os três anos o espaço da criança é um “espaço
vivido”, segundo Piaget é um espaço topológico, de ordem e de continuidade,
ela se orienta emocionalmente, ele não tem ainda forma e dimensão.
Dos três aos sete anos a criança ainda segundo Piaget entra no “espaço
euclidiano”, ela começa a reconhecer formas e a reproduzi-las em seus
desenhos. Já nestas fases tão precoces é possível estimular a criança no
sentido da exploração visual e manual dos objetos a sua volta. E no caso das
crianças com Síndrome de Marfan especialmente ajudá-las no sentido da
percepção, pois elas podem ter uma visão parcialmente diminuída.
Na fase de descentração, onde a criança entra por volta dos oito anos,
ela passa a se orientar não mais pelo seu próprio corpo, mas, sim por uma
estruturação espaço-temporal, outras referências começam a surgir. Entre oito
e doze anos entrará no “espaço projetivo”. O individuo relaciona
sua imagem com o mundo exterior, reagindo a ele e se adaptando, é uma
dinâmica onde ele estrutura e se conscientiza.
De acordo com Assunção & Coelho (1997) a Psicomotricidade integra
várias técnicas com as quais se pode trabalhar o corpo (todas as suas partes),
relacionando-o com a afetividade, o pensamento e o nível de inteligência. Ela
enfoca a unidade da educação dos movimentos, ao mesmo tempo em que
põem em jogo as funções intelectuais. As primeiras evidências de um
desenvolvimento mental normal são manifestações puramente motoras.
A Terapia Psicomotora procurará no caso das crianças com Síndrome
de Marfan melhorar as estruturas psíquicas responsáveis pela transmissão,
execução e controle do movimento. Trabalhando com o reconhecimento
espaço-temporal, disponibilizando o corpo para um movimento mais operatório
e eficiente. Com isto esta criança reintegrará sua imagem corporal, seu
equilíbrio e a integração mental do movimento. Não é, portanto, uma
fisioterapia, não é correção postural, é integração mente corpo e aumento de
harmonia.
A psicomotricidade será usada no sentido de considerar o individuo em
sua singularidade, em suas relações com o meio ambiente, em sua auto-
imagem, em seus aspectos emocionais através do corpo. Ajuriaguerra afirma
que o movimento permite o individuo “sentir-se” e “situar-se”
Logo, a Terapia psicomotora irá atingir a criança com Marfan na sua totalidade,
melhorando as suas qualidades de atenção, representação e relacionamento,
com isto sua organização mental melhora através do movimento.
Criando um individuo mais integrado e integro apesar de seus limites
estruturais e físicos, podemos assegurar uma auto-imagem mais favorecida,
um equilíbrio no seu maior desempenho sem gastos desnecessários de
energia, uma melhor estrutura de adaptabilidade diante de seus déficits, enfim,
acabaremos por facilitar o desenvolvimento psíquico e emocional deste ser.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como já foi dito anteriormente, a criança com Síndrome de Marfan
apresenta algumas alterações do desenvolvimento esquelético: deformidades
no tórax e na coluna, aracnodactilia, dolicostenomelia e estatura elevada.
Problemas visuais, com diminuição da visão e podem apresentar também
problemas cardiorrespiratórios. Essas características corporais geram um
desequilíbrio em seu padrão psicomotor. Essas crianças sofrem com
características físicas limitadoras em nível de saúde e outras que as tornam
“diferentes” do padrão estético esperado pela sociedade. Este processo gera
dificuldades, como baixa autoestima, inadequação social e até isolamento com
possibilidades de abrir um quadro de transtorno depressivo.
O crescimento dessa criança é rápido não acompanhando sua idade real
(cronológica), o alongamento dos braços, mãos, pernas e pés são
desarmônicos em relação ao tamanho do tronco. Tudo isso unido a uma baixa
visão acarreta sérios prejuízos à construção de uma imagem corporal e
consequentemente do esquema corporal, pois esse indivíduo encontra-se
bastante desequilibrado tanto no aspecto motor quanto no aspecto emocional e
é neste momento que se faz necessário o trabalho da Psicomotricidade através
da terapia psicomotora.
A Terapia Psicomotora deve ser coordenada por um psicomotricista que
irá elaborar um programa individualizado de atividades, jogos e exercícios onde
serão trabalhados os conceitos de equilíbrio, coordenação motora, postura,
lateralidade, tônus, relação espacial e temporal e a construção de seu
esquema corporal.
A criança com Marfan está constantemente esbarrando em objetos,
tropeçando e caindo e desta forma é comum ser “rotulada” como estabanada
ou desastrada fato este que pode contribuir para um comportamento retraído,
tímido e sentimento de menos valia. Podem até surgir apelidos já que esta
criança tem um perfil físico diferente da maioria.
Quando os apelidos e as brincadeiras feitas com estas crianças ganham
contornos de agressividade na escola, ou no seu meio social, são feitos de
maneira repetitiva e intencional são chamados de Bullying.
O Bullying é uma expressão inglesa usada para designar atitudes de violência
de caráter físico ou psicológico, que se forem sofridos por uma criança que já
possui uma autoestima baixa podem causar danos permanentes em seu
desenvolvimento emocional e social.
Com a finalidade de dar condições emocionais, físicas, e mentais a
estas crianças com Síndrome de Marfan chegamos à conclusão que a terapia
psicomotora pode e deve ser incluída como item fundamental no tratamento
destas crianças, fazendo parte integrante da equipe médica que hoje é
convocada para o atendimento.
Segundo Meur e Staes com o trabalho da psicomotricidade, a criança
percebe-se e percebe os seres e as coisas que a cercam, em função de sua
pessoa. Sua personalidade se desenvolverá graças a uma progressiva tomada
de consciência de seu corpo, de seu ser, de suas possibilidades de agir e
transformar o mundo à sua volta.
O esquema corporal se consolida quando a criança já possui um
domínio e um conhecimento corporal, ou seja, ela se sente bem porque se
percebe neste corpo que lhe obedece e que pode ser utilizado para
movimentar-se e para agir.
A forma como o sujeito se expressa com o corpo traduz sua disposição
ou indisposição na relação com coisas ou pessoas e este aspecto psicológico é
muito importante, pois ajuda-nos a identificar melhor certas perturbações
devidas a fatores afetivos. Há ainda, a possibilidade de melhorar a vida social e
afetiva da criança, tornando precisas suas noções corporais e fazendo com que
adquira gestos precisos e adequados.
Sabemos também que nenhum tratamento da criança com Síndrome de
Marfan contempla as questões emocionais e sociais a ela relacionadas, por
isso achamos de extrema importância que a terapia psicomotora seja oferecida
como instrumento essencial de organização e estruturação.
Um tratamento biopsicossocial não restringe o ser humano a partes, ele
trabalha com o todo e no sentido da ampliação de potencialidades.
A educação psicomotora já é instrumento de trabalho amplamente divulgado,
principalmente na rede privada de Ensino, porém, acreditamos que a terapia
psicomotora pode também ser incluída como algo fundamental principalmente
no que concerne a ser um instrumento de inclusão.
A criança com déficit de qualquer ordem se beneficiaria de um tratamento com
terapia psicomotora, voltado para expandir suas potencialidades, sua interação
com o meio social e familiar. Através deste tratamento acreditamos que ela
teria a oportunidade de equilibrar melhor seu esquema corporal, atingir sua
intelectualidade, restaurar sua autoestima, enfim, sua qualidade de vida estaria
sendo ampliada.
O estimulo sensorial e motor é capaz de dar ao cérebro combustível
necessário para encontrar saídas eficientes para cada deficiência. Ou seja, a
adaptação que o ser humano acaba fazendo para sobreviver mesmo com suas
dificuldades muitas vezes é de uma qualidade precária. Acreditamos que
dando material de alimentação sensorial, motora e emocional estaremos
ampliando esta natural procura que nosso cérebro faz de adaptação, só que
com estes instrumentos esta adaptação se dará de forma mais acentuada e
profícua.
Acreditamos que o cardiologista, o oftalmologista, o dentista, o
ortopedista, o geneticista e o terapeuta psicomotor, contemplariam o todo desta
criança formando então uma verdadeira equipe multidisciplinar, com uma
abordagem biopsicossocial.
No que diz respeito à rede de ensino, acreditamos ser também
necessária uma melhor preparação dos educadores, com a finalidade de poder
estar competentemente voltados para as necessidades individuais de seus
alunos, e neste caso poder fazer um encaminhamento correto a psicólogos e
psicomotricistas.
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